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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Procuradoria-Geral de Justiça Página 1 de 24 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO vem, com espeque no artigo 29, inciso I da Lei 8.625/93; artigo 30, inciso XVI, da Lei Complementar Estadual 95/97 - Lei Orgânica do Ministério Público; artigo 112, inciso III da Constituição do Estado do Espírito Santo; e artigo 168 e seguintes do Regimento Interno do Tribunal de Justiça - RITJES, propor a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em relação ao Decreto nº 18.037, de 26 de dezembro de 2007, no que tange às disposições contidas no Anexo I, item 1.1.24.0, do Município de Cachoeiro de Itapemirim, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.

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Page 1: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ... · verdade, não regulamenta o art. 278 da Lei Municipal nº 5.394/2002. É sabido que os decretos, em princípio, não se expõem

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Procuradoria-Geral de Justiça

Página 1 de 24

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

vem, com espeque no artigo 29, inciso I da Lei 8.625/93; artigo 30,

inciso XVI, da Lei Complementar Estadual 95/97 - Lei Orgânica do

Ministério Público; artigo 112, inciso III da Constituição do Estado do

Espírito Santo; e artigo 168 e seguintes do Regimento Interno do Tribunal

de Justiça - RITJES, propor a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

em relação ao Decreto nº 18.037, de 26 de dezembro de 2007, no que

tange às disposições contidas no Anexo I, item 1.1.24.0, do Município

de Cachoeiro de Itapemirim, pelos fatos e fundamentos a seguir

expostos.

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I - DA POSSIBILIDADE DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DO

DECRETO MUNICIPAL Nº 18.037/2007:

Ab initio, cumpre fixar a autonomia do Decreto impugnado que, em

verdade, não regulamenta o art. 278 da Lei Municipal nº 5.394/2002.

É sabido que os decretos, em princípio, não se expõem ao controle

normativo abstrato, por representarem atos secundários,

obrigatoriamente subordinados a preceitos legais e destituídos, por tal

razão, de autonomia jurídica.

É certo, ainda, que decretos têm a função precípua de assegurar a fiel

execução das leis, consoante o preconizado pelo art. 84, inciso IV da

Constituição Federal, repetido, com as devidas particularidades, na

Constituição Estadual 1.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal tem admitido, de forma

excepcional, o controle concentrado de constitucionalidade que

tenha por objeto um decreto, desde que este, em todo ou em parte,

não regulamente manifestamente outra lei, possuindo o caráter de

decreto autônomo, “o que dá margem a que seja ele examinado em

face diretamente da Constituição” (Adin-MC 708-D, Rel. Min. Moreira

Alves, DJ de 07/08/92).

1 Art. 91 Compete privativamente ao Governador do Estado:

[...] III - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

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E é exatamente o caso em comento. O Decreto Municipal nº

18.037/2007, em uma primeira análise, foi instituído com o fulcro de

regulamentar o art. 278 da Lei Municipal nº 5.394/2002, in verbis:

Art. 278. Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a

fixar tabelas de preços públicos e tarifas, por meio de ato

administrativo, a serem cobrados: [...].

II - pela utilização de serviço público municipal como

contraprestação de caráter individual;

[...].

Nada obstante, por meio do Anexo I, o Decreto Municipal ora

combatido cria novas situações sobre as quais incidem tarifas diversas,

interessando, para a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, o

item nº 1.1.24.0, que institui taxa para protocolos de qualquer natureza,

em patente afronta às Constituições Federal e Estadual, consoante

adiante restará demonstrado.

É dizer, o art. 278 dispõe que o Chefe do Poder Executivo está

autorizado a fixar tabelas de preços públicos e tarifas, indicando de

forma geral as situações abrangidas, mas sem pormenorizar quais são

os serviços sujeitos à cobrança. Assim, é o Decreto que cria a situação

inconstitucional, devendo, portanto, ser ele o objeto da presente Ação

Direita de Inconstitucionalidade.

De tal modo, pela diversidade de objetos, o Anexo I do Decreto

Municipal nº 18.037/2007 não se reveste da característica unicamente

regulamentadora do art. 278 da Lei Municipal nº 5.394/2002. Ao

contrário, adquire autonomia, versando sobre tema nesta não inserido.

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A respeito, já se manifestou o Pretório Excelso:

DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. ICMS: "GUERRA

FISCAL". AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE

DISPOSITIVOS DO REGULAMENTO DO ICMS (DECRETO Nº

2.736, DE 05.12.1996) DO ESTADO DO PARANÁ. ALEGAÇÃO

DE QUE TAIS NORMAS VIOLAM O DISPOSTO NO § 6º DO

ART. 150 E NO ART. 155, § 2º, INCISO XII, LETRA "g", DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL, BEM COMO OS ARTIGOS 1º E 2º

DA LEI COMPLEMENTAR Nº 24/75. QUESTÃO PRELIMINAR,

SUSCITADA PELO GOVERNADOR, SOBRE O DESCABIMENTO

DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, PORQUE O

DECRETO IMPUGNADO É MERO REGULAMENTO DA LEI Nº

11.580, DE 14.11.1996, QUE DISCIPLINA O ICMS NAQUELA

UNIDADE DA FEDERAÇÃO, ESTA ÚLTIMA NÃO ACOIMADA

DE INCONSTITUCIONAL. MEDIDA CAUTELAR. 1. Tem razão o

Governador, enquanto sustenta que esta Corte não

admite, em A.D.I., impugnação de normas de Decreto

meramente regulamentar, pois considera que, nesse

caso, se o Decreto exceder os limites da Lei, que

regulamenta, estará incidindo, antes, em ilegalidade. É

que esta se coíbe no controle difuso de legalidade, ou

seja, em ações outras, e não mediante a A.D.I., na qual

se processa, apenas, o controle concentrado de

constitucionalidade. 2. No caso, porém, a Lei nº 11.580,

de 14.11.1996, que dispõe sobre o ICMS, no Estado do

Paraná, conferiu certa autonomia ao Poder Executivo,

para conceder imunidades, não- incidências e benefícios

fiscais, ressalvando, apenas, a observância das normas

da Constituição e da legislação complementar. 3. Assim,

o Decreto nº 2.736, de 05.12.1996, o Regulamento do

ICMS, no Estado do Paraná, ao menos nesses pontos, não

é meramente regulamentar, pois, no campo referido,

desfruta de certa autonomia, uma vez observadas as

normas constitucionais e complementares. 4. Em

situações como essa, o Plenário do Supremo Tribunal

Federal, ainda que sem enfrentar, expressamente, a

questão, tem, implicitamente, admitido a propositura de

A.D.I., para impugnação de normas de Decretos.

Precedentes. Admissão da A.D.I. também no caso

presente. [...]. (ADI 2155 MC/PR - Min. Rel. Sydney Sanches

- DJ 01/06/2001). [g.n.]

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Destarte, o Decreto nº 18.037/2007 não se consubstancia em mero item

regulamentador, e sim dotado de natureza normativa, razão pela qual

se torna plenamente cabível o controle concentrado de

constitucionalidade.

II – DO DISPOSITIVO IMPUGNADO, IPSIS LITTERIS:

Fixada a autonomia do Decreto Municipal nº 18.037/2007, preconiza a

norma ora acoimada, in verbis:

Art. 1º Ficam aprovados os Preços Públicos a serem

cobrados pelo Município de Cachoeiro de Itapemirim de

acordo com os valores estabelecidos no Anexo I deste

Decreto, para vigorarem a partir de 01 de fevereiro de

2008.

ANEXO I - Decreto nº 18.037:

TABELA DE PREÇOS PÚBLICOS

1 - SERVIÇOS DE CARÁTER INDIVIDUAL

1.1 – Serviço de Expediente

Código Descrição dos serviços Unidade

Vlr em UFCI

Vlr em R$

[...]

1.1.24.0 Requerimento de qualquer natureza Un 0,5

5,00

III – DA HIERARQUIA DAS NORMAS DO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO:

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O ordenamento jurídico brasileiro segue o sistema piramidal das

normas jurídicas, em que a Constituição é o vértice, ou seja, trata-se

da norma superior dentro de um sistema hierárquico. Nesse sentido,

vislumbra-se que todos os dispositivos legais integrantes do

ordenamento jurídico brasileiro devem estar em conformidade com as

normas contidas na Carta Magna, tendo em vista a existência de uma

verdadeira supremacia constitucional, em que ela é investida como

fundamento de validade das demais emanações legislativas.

Neste sentido, é o magistério de Lênio Luiz Streck2:

[...] A nova concepção de constitucionalismo une

precisamente a idéia de Constituição como norma

fundamental de garantia, com a noção de Constituição

enquanto norma diretiva fundamental.

Trata-se, portanto, da norma-origem, pois é nela que as normas

infraconstitucionais encontram embasamento legal. Dito isso, verifica-

se ser inegável a sua preeminência em relação às demais normas do

ordenamento jurídico.

Digno de menção é o seguinte trecho da lição de Gomes Canotilho e

Vital Moreira3:

A Constituição ocupa o cimo da escala hierárquica no

ordenamento jurídico. Isto quer dizer, por um lado, que

ela não pode ser subordinada a qualquer outro

parâmetro normativo supostamente anterior ou superior

2 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. P.101. 3 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, e MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. 1ª

ed. Coimbra: Ed. Coimbra, 1991. P. 45.

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e, por outro lado, que todas as outras normas hão-de

conformar-se com ela.

Essa supremacia da norma constitucional justifica-se, ainda, pelo fato

de que a Carta Magna possui aspectos procedimentais e

metodológicos específicos, de forma a dificultar a sua alteração e,

além disso, embasar toda a produção legislativa no ordenamento

pátrio.

O jusfilósofo Hans Kelsen4, por sua vez, ao dissertar sobre a Constituição

no exercício do papel de fundamento imediato de validade da ordem

jurídica, explica o porquê de tal raciocínio:

O Direito possui a particularidade de regular a sua

própria criação. Isso pode operar-se por forma a que

uma norma apenas determine o processo por que outra

norma é produzida. Mas também é possível que seja

determinado ainda - em certa medida - o conteúdo da

norma a produzir. Como, dado o caráter dinâmico do

Direito, uma norma somente é válida porque e na

medida em que foi produzida por uma determinada

maneira, isto é, pela maneira determinada por uma

outra norma, esta outra norma representa o

fundamento imediato de validade daquela. A relação

entre a norma que regula a produção de uma outra e a

norma assim regularmente produzida pode ser figurada

pela imagem espacial da supra-infra-ordenação. A

norma que regula a produção é a norma superior; a

norma produzida segundo as determinações daquela é

a norma inferior.

Dessa forma, identifica-se no controle de constitucionalidade uma

condição necessária à afirmação da supremacia constitucional. Nesse

sentido, Alexandre de Moraes 5 aduz:

4 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 4ª ed. Coimbra: Ed. Armênio Amado, trad. de João

Baptista Machado, 1979. p. 309-310.

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[...] Nas constituições rígidas se verifica a superioridade

da norma magna em relação àquelas produzidas pelo

Poder Legislativo, no exercício da função legiferante

ordinária. Dessa forma, nelas o fundamento do controle

é o de que nenhum ato normativo, que lógica e

necessariamente dela decorre, pode modificá-la ou

suprimi-la.

Dada essa superioridade, resta concluir que nenhuma legislação

infraconstitucional tem o condão de afrontar o que está contido na

norma constitucional.

IV - DA COMPETÊNCIA DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO

DO ESPÍRITO SANTO PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO NORMATIVO

MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL:

A República Federativa do Brasil é caracterizada pela

descentralização territorial do poder, no qual os Estados-Membros e os

Municípios possuem autonomia, manifestando-se essa unidade de

Estado em três esferas, cada qual delimitada pelas normas da

Constituição Federal, que atua como Estatuto da Federação.

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, ficou diretamente assegurada a autonomia Municipal,

de maneira que a ingerência do Estado nos assuntos do Município

ficou limitada aos aspectos expressamente indicados na Constituição

Cidadã.

5 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008. p.

699.

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Pelo fato de o Município não mais sofrer interferência do Estado-

Membro, estando a disciplina jurídica principiológica do Município

quase que totalmente inserta na Carta da República, há poucas

questões que, por força da própria Constituição Federal, foram

atribuídas à regulação da Constituição Estadual (e.g., fusão,

desmembramento de municípios, etc.).

Pode ocorrer, contudo, de as Constituições Estaduais reproduzirem

norma já constante na Constituição da República, caso em que uma

eventual inconstitucionalidade de ato normativo municipal ofenderia

tanto a Constituição Federal quanto a Constituição Estadual.

Assim, como em nosso sistema não se admite ação direta de

inconstitucionalidade de Lei Municipal em face da Constituição da

República Federativa do Brasil, abre-se a possibilidade de controle de

constitucionalidade da Lei Municipal por meio de jurisdição

constitucional estadual, a ser exercida pelo Tribunal de Justiça do

Estado.

Sobre o tema, é a manifestação do Professor André Ramos Tavares 6:

[...] somente pode existir jurisdição constitucional no

âmbito do Estado-membro se a Constituição Federal

assegurar às unidades federadas não só a liberdade

para criar Constituições autônomas, mas também o

poder de regular a defesa judicial de sua específica

Constituição. É exatamente o que fez a atual Lei

Magna, no § 2º do mesmo art. 125. Nesse dispositivo, a

Constituição Federal declara a competência dos

6 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 385-386.

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Estados para criar mecanismos de proteção de suas

Constituições contra leis inferiores que lhes sejam

contrárias. Permite-se, assim, uma verdadeira jurisdição

constitucional estadual, a que estarão submetidos os

atos normativos emanados tanto do Estado-membro

como de seus Municípios. Determina o referido

dispositivo constitucional: “Cabe aos Estados a

instituição de representação de inconstitucionalidade

de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em

face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da

legitimação para agir a um único órgão.

Vê-se, pois, que a defesa da Constituição Estadual mira, em última

análise, a defesa da Constituição Federal, por garantir a melhor

interpretação das normas constitucionais em todos os níveis da

federação. Ganha, com isso, a unidade e a força normativa da Lei

Fundamental.

Não por outra razão, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

admite o cabimento de Recurso Extraordinário do acórdão que

decide representação de inconstitucionalidade estadual quando o

parâmetro é norma presente na Constituição Estadual por repetição

obrigatória:

Reclamação com fundamento na preservação da

competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta

de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de

Justiça na qual se impugna Lei municipal sob a

alegação de ofensa a dispositivos constitucionais

estaduais que reproduzem dispositivos constitucionais

federais de observância obrigatória pelos Estados.

Eficácia jurídica desses dispositivos constitucionais

estaduais. Jurisdição constitucional dos Estados-

membros. - Admissão da propositura da ação direta de

inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça

local, com possibilidade de recurso extraordinário se a

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interpretação da norma constitucional estadual, que

reproduz a norma constitucional federal de observância

obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e o

alcance desta. Reclamação conhecida, mas julgada

improcedente. (Reclamação 383. Relator: Ministro

Moreira Alves. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Data do

Julgamento: 11/06/1992).

Portanto, se o Supremo Tribunal Federal tem a missão precípua de

atuar como guardião da Constituição da República Federativa do

Brasil, declarando a inconstitucionalidade de leis e atos normativos que

com ela conflitam, resta evidente que cabe a esse Colendo Sodalício

Estadual atuar como guardião da Constituição do Estado do Espírito

Santo, controlando a constitucionalidade das leis e atos normativos

municipais ou estaduais com esta colidentes, nos exatos termos do art.

125, § 2º da Constituição Federal, in verbis:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados

os princípios estabelecidos nesta Constituição.

[...]

§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de

inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais

ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada

a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.

Deste modo, o cabimento da ação de inconstitucionalidade do

decreto municipal em face de dispositivo da Constituição Estadual

que invoca e ratifica princípios consagrados expressamente pela

Constituição da República revela-se inconteste via processo objetivo

de controle concentrado abstrato perante este Egrégio Tribunal de

Justiça.

V – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL:

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A inconstitucionalidade de uma norma, de acordo com os

ensinamentos consolidados na doutrina pátria, pode ocorrer tanto

pela violação substancial de preceitos da Lei Fundamental –

inconstitucionalidade material ou nomoestática 7, quanto pela não

observância de aspectos técnicos no devido processo legislativo do

qual derivou sua formação – inconstitucionalidade formal, orgânica ou

nomodinâmica 8.

Como leciona o Ministro Gilmar Ferreira Mendes 9:

[...] Costuma-se proceder à distinção entre

inconstitucionalidade material e formal, tendo em vista

a origem do defeito que macula o ato questionado. Os

vícios formais afetam o ato normativo singularmente

considerado, independentemente de seu conteúdo,

referindo-se, fundamentalmente, aos pressupostos e

procedimentos relativos à sua formação. Os vícios

materiais dizem respeito ao próprio conteúdo do ato,

originando-se de um conflito com princípios

estabelecidos na Constituição.

Com efeito, um ato jurídico inconstitucional é aquele cujo conteúdo

ou forma se contrapõe, de maneira expressa ou implícita, ao

conteúdo do preceito constitucional.

7 “Ocupa-se da análise dos elementos estruturais das normas jurídicas, prescindindo de seus elementos evolutivos a partir de um jogo de categorias teóricas”- Hans Kelsen. 8 “A nomodinâmica estudaria o processo de criação e aplicação das normas jurídicas a partir

de uma análise relacional de seus órgãos com a exterioridade dos conteúdos. A nomodinâmica é também alheia à história. Por esta razão, deve ser vista como uma análise diacrônica realizada no interior de uma sincronia” - Hans Kelsen. 9 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos.

São Paulo: Editora Saraiva, 1990. p. 28.

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VI – DA INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO MUNICIPAL Nº

18.037/2007, ITEM 1.1.24.0 DO ANEXO I:

O Decreto Municipal nº 18.037/2007, mediante o item 1.1.24.0 do seu

Anexo I, estabeleceu a cobrança para protocolos de requerimentos

de qualquer natureza perante a Administração Pública Municipal, em

manifesta contrariedade aos princípios constitucionais.

Assim, qualquer requerimento, ofício ou demais pedidos endereçados

pelo interessado ao Município de Cachoeiro de Itapemirim depende

do pagamento prévio da taxa criada para que o documento seja

protocolizado, nos termos fixados pelo art. 6º 10 do Decreto Municipal

em exame.

Segundo se infere do art. 8º do Decreto Municipal nº 18.037/2007, há

isenção da taxa quando a própria Administração der causa à

execução dos serviços e para os órgãos da Administração Pública

Direta ou Indireta da União, do Estado e do Município, e quaisquer dos

Poderes da União, do Estado ou do Município.

Há previsão, também, de não incidência da taxa nos casos previstos

no art. 9º, incluídos, aqui, os pedidos referentes à expedição de

certidões ou documentos destinados a defesa de direitos e para

esclarecimentos da situação de interesse pessoal.

10

Art. 6º O pagamento do valor correspondente ao serviço, estabelecido no Anexo I deste Decreto,

será efetuado previamente e o respectivo comprovante será indispensável na formalização do pedido.

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Com exceção desses casos, todos os demais pedidos dependem do

pagamento da mencionada taxa a fim de que possam ser

protocolizados, sendo imperioso frisar que, na falta de detalhamento

pelo Poder Público, a compreensão do que seja pedido em defesa de

direito aparenta ser extremamente restritiva.

Assim, não se admite que os artigos 8º e 9º do Decreto Municipal em

questão, ao preverem hipóteses de isenção da taxa, sejam hábeis a

contornar a proibição constitucional de se fixar taxas envolvendo o

direito de petição.

De outro giro, é cediço que as pessoas políticas poderão instituir taxa,

quando se tratar de exercício do poder de polícia ou pela utilização,

efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis,

prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. Contudo, as

taxas não podem ser estabelecidas em desconformidade com os

princípios constitucionais.

O paradigma de controle a ser analisado pela via concentrada,

quando do exame da taxa de protocolo constituída pelo Município de

Cachoeiro de Itapemirim, está expressamente insculpido no artigo 5º,

incisos XXXIII e XXXIV da Constituição Federal, e artigos 3º e 20 da

Constituição Estadual, ora transcritos:

Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito

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à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos

informações de seu interesse particular, ou de interesse

coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei,

sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo

sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do

Estado;

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do

pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa

de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

b) a obtenção de certidões em repartições públicas,

para defesa de direitos e esclarecimento de situações de

interesse pessoal; [g.n.]

Constituição do Estado do Espírito Santo:

Art. 3º O Estado assegurará, pela lei e demais atos de seus

órgãos e agentes, a imediata e plena efetividade dos

direitos e garantias individuais e coletivos mencionados

na Constituição Federal e dela decorrentes, além dos

constantes nos tratados internacionais de que a

República Federativa do Brasil seja parte.

Art. 20 O Município rege-se por sua lei orgânica e leis que

adotar, observados os princípios da Constituição Federal

e os desta Constituição.

E, por força dos artigos 3º e 20 da Constituição Estadual, deve haver

estrita obediência, por parte do Estado do Espírito Santo e de seus

Municípios, aos direitos e garantias fundamentais expressos na Carta

Magna.

O direito de petição encontra-se consagrado na Carta Republicana

em seu art. 5º, inciso XXXIV, que o assegura a todos,

independentemente do pagamento de qualquer taxa. Segundo

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Alexandre de Moraes, “pode ser definido como o direito que pertence

a uma pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma

questão ou uma situação”11.

Ao seu turno, José Afonso da Silva 12 assim define o direito de petição:

[...] se reveste de dois aspectos: pode ser uma queixa,

uma reclamação, e então aparece como um recurso

não contencioso (não jurisdicional), formulado perante as

autoridades representativas; por outro lado, pode ser a

manifestação da liberdade de opinião e revestir-se do

caráter de uma informação ou de uma aspiração

dirigida a certas autoridades. Esses dois aspectos, que

antes eram separados em direito de petição e direito de

representação, agora se juntaram no só direito de

petição.

Neste contexto, a Constituição Federal assegurou a utilização do

direito de petição independentemente do pagamento de taxas. Desta

forma, criou uma imunidade tributária, ou seja, a dispensa do

pagamento de um tributo sobrevinda de mandamento constitucional.

Sob esta ótica, Roque Antonio Carrazza afirma que “a imunidade

tributária que a Constituição outorga, em certas hipóteses, a

determinadas pessoas, cria-lhes o direito de exigir que o Estado se

abstenha de lhes exigir gravames fiscais” 13.

Assevera, ainda, que “as normas constitucionais que tratam das

imunidades tributárias são de eficácia plena e aplicabilidade

11

in: Direito Constitucional. 24ª Edição, São Paulo: Atlas, 2009, p. 183. 12

in: Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 1994, p. 387. 13

in: Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 747.

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imediata, produzindo todos os seus efeitos, independentemente da

edição de normas inferiores que as explicitem” 14. Com isso, conclui-se

ser terminantemente vedado a uma lei municipal criar tributos que

violem as imunidades tributárias constitucionalmente instituídas.

Analisando detidamente a imunidade tributária em apreço, afiança

Carrazza 15:

[...] Concedem imunidades a taxas os seguintes

dispositivos constitucionais, que, na parte que nos

interessa ao assunto em pauta, foram por nós grifados: o

art. 5º, XXXIV, “a” e “b” [...], porquanto o que se remunera

no exercício do direito de petição e na expedição de

certidões é a prestação de serviço público específico e

divisível, que, pelo menos em tese, enseja a cobrança de

taxas de serviço.

Concernente à imunidade de taxa para o direito de petição, o art. 5º,

inciso XXXIV, almeja facilitar o acesso aos poderes públicos, como

forma de assegurar o exercício da cidadania. Neste sentido, pode-se

afirmar que a gratuidade desses serviços diminui os empecilhos com os

quais o cidadão se depara ao demandar as providências necessárias

a fim de exercitar os seus direitos.

Neste particular, o direito de petição desvinculado do pagamento de

qualquer taxa se qualifica como importante prerrogativa de caráter

democrático, garantidora dos direitos fundamentais do cidadão.

Portanto, qualquer restrição ao seu conteúdo ofende os valores

constitucionalmente formados.

14

Idem, p. 753. 15

Idem, p. 759.

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Assim, resta-se evidenciado, de forma clara, como o dispositivo legal

ora impugnado fere direitos subjetivos constitucionais, uma vez que a

cobrança de taxas para o exercício do direito de petição constitui-se

em limitação da participação política do cidadão, restringindo um

direito que, pelos contornos existentes na Carta Magna, é amplo.

A respeito, é o magistério de Alexandre de Moraes 16:

O direito em análise constitui uma prerrogativa

democrática, de caráter essencialmente informal, apesar

de sua forma escrita, e independe de pagamento de

taxas. Dessa forma, como instrumento de participação

político-fiscalizatório dos negócios do Estado que tem por

finalidade a defesa da legalidade constitucional e do

interesse público geral, seu exercício está desvinculado

da comprovação da existência de qualquer lesão a

interesses próprios do peticionário.

À luz do que fora exposto, o item 1.1.24.0 do Anexo I, integrante do

Decreto Municipal nº 18.037/2007, ao instituir a cobrança, pelo

Município de Cachoeiro de Itapemirim, de taxa para protocolos de

requerimentos de qualquer natureza, violou o direito à petição previsto

na Constituição Federal, cujo atendimento é obrigatório pelos

Municípios do Espírito Santo, por força da Constituição Estadual.

Em suma, a declaração de inconstitucionalidade ora pretendida visa,

com a extirpação do dispositivo legal admoestado, compelir o

Município de Cachoeiro de Itapemirim a abster-se de cobrar qualquer

taxa referente ao direito de petição de pessoas físicas e/ou jurídicas,

interpretado em sua forma mais ampla para abranger toda

16

in: Direito Constitucional. 24ª Edição, São Paulo: Atlas, 2009, p. 183/184.

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manifestação exteriorizada através de requerimentos de qualquer

natureza, independentemente do aspecto assumido (reclamações,

contestações, sugestões, pedidos de informações e pleitos

congêneres), incluindo tanto situações coletivas, de interesse público

ou difuso, quanto garantias individuais, em defesa de direito, contra

ilegalidades ou abuso de poder.

Portanto, deve ser declarada a inconstitucionalidade

material/nomoestática do dispositivo legal ora em exame.

VII – DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PRETENDIDA:

Resta patente que o princípio constitucional básico do direito à tutela

jurisdicional assegura ao jurisdicionado a obtenção de uma sentença

potencialmente eficaz, capaz de evitar dano irreparável a direito

relevante.

Nestes termos, não se pode olvidar que inexiste no ordenamento

jurídico pátrio direito mais relevante do que aquele relacionado com o

respeito ao nosso ordenamento fundamental, consubstanciado nas

Constituições Republicana e Estadual.

Na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade não se almeja a

análise de um caso concreto, mas sim de legislação em tese, com o

escopo de declarar sua inconstitucionalidade em face da Carta

Política Estadual, extirpando do mundo jurídico os conflitos de normas

trazidos por esta.

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Remanesce, pois, a necessidade da concessão de medida liminar. Em

se tratando do controle normativo abstrato, e ante a satisfação

cumulativa dos requisitos legais referentes ao fumus boni juris e ao

periculum in mora, o poder geral de cautela permite a interrupção da

eficácia do ato normativo impugnado, até o final julgamento da

presente ação direta.

No caso que se apresenta, o fumus boni iuris torna-se evidente quando

se observa a violação de direito fundamental previsto no art. 5º da

Carta Magna, consoante explicitado, demonstrando a plausibilidade

da tese jurídica ora exposta.

Quanto ao periculum in mora, destaca-se que os cidadãos do

Município de Cachoeiro de Itapemirim, para formular pedidos tanto de

interesse geral, quanto de interesse pessoal, estão adstritos à exigência

de pagamento de taxa inconstitucional.

Ademais, considerando ser indevida a cobrança da referida taxa,

entende-se que há dificuldade de restituição desse indébito, tanto

pelo próprio trâmite processual, quanto pelos custos da demanda, os

quais desestimulam o acionamento judicial.

Destarte, mesmo em se tratando de Decreto publicado em 20 de

dezembro de 2007, o periculum in mora é plenamente justificável, a fim

de se evitar que mais e mais indivíduos sejam compelidos a pagar a

taxa de protocolo para requerimentos de qualquer natureza, estando

comprovada a reiteração contínua do dano aos cidadãos do

Município de Cachoeiro de Itapemirim.

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Sob outra ótica, inexiste o controle dos lesados, a fim de que sejam

alertados sobre a gratuidade do direito de petição nos casos

elencados pela Constituição Federal, podendo ocasionar a

resignação da população com a taxa em comento - ante o

desconhecimento de sua ilicitude, e não por aquiescência.

Destaca-se, ainda, o próprio desestímulo à cidadania,

consubstanciando-se em um dano de difícil, quiçá impossível,

reparação. Logo, a demora na decisão judicial implica em lesão

àqueles que pretendam protocolar requerimentos de qualquer

natureza perante o poder público municipal de Cachoeiro de

Itapemirim.

Derradeiro, ainda que não houvesse essa singular situação de perigo,

configura-se a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no

âmbito das ações diretas e da concessão de provimentos cautelares

para proteção da Constituição, o juízo de conveniência é um critério

relevante, que tem integrado os pronunciamentos do Excelso Pretório,

determinando de antemão a suspensão liminar de leis aparentemente

inconstitucionais (ex vi ADIN-MC 49317 e ADI-MC 279618).

17

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Impugnação dos artigos 18, caput e parágrafos 1º e 4º; 20;

21 e parágrafo único; 23 e parágrafos; e 24 e parágrafos, todos da lei nº 8.177, de 1º de março de 1991. Alegação de ofensa ao princípio constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido. Relevância jurídica da arguição e conveniência da concessão da medida cautelar requerida. Pedido de liminar deferido, para suspender, ex nunc, a vigência dos dispositivos impugnados da lei nº 8.177, de 1º de março de 1991. 18

Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. 2. Governador do Distrito Federal. 3.

Lei distrital no 2.959, de 26 de abril de 2002. Apreensão e leilão de veículos automotores conduzidos por pessoas sob influência de álcool, em nível acima do estabelecido no Código Brasileiro de Trânsito. 4. Plausibilidade da alegação de inconstitucionalidade formal. Usurpação da competência legislativa privativa da União em matéria de trânsito. Artigo 22, XI, da Constituição. Precedentes. 5. Periculum in mora. Intervenção de difícil reversibilidade no domínio privado.

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Assim, verifica-se que potencial dano decorre da demora no trâmite

da ação, de modo que, não sendo suspensa a vigência da norma em

apreço, o titular do bem jurídico protegido (a sociedade) poderá

sofrer com a irreparabilidade ou a difícil reparação desse direito ou,

até mesmo, estar obrigado a suportar os efeitos oriundos da demora

da decisão judicial.

Sobressai-se, por oportuna, a lição de LUIZ RODRIGUES WAMBIER 19:

A expressão fumus boni iuris significa aparência de bom

direito, e é correlata às expressões cognição sumária,

não exauriente, incompleta, superficial ou perfunctória.

Quem decide com base em fumus não tem

conhecimento pleno e total dos fatos e, portanto, ainda

não tem certeza quanto a qual seja o direito aplicável.

Justamente por isso é que, no processo cautelar, nada

se decide acerca do direito da parte. Decide-se: se A

tiver o direito que alega ter (o que é provável), devo

conceder a medida pleiteada, sob pena do risco de,

não sendo ela concedida, o processo principal não

poder ser eficaz (porque, por exemplo, o devedor não

terá mais bens para satisfazer o crédito). Está última

característica de que acima se falou (o risco) é o que a

doutrina chama de periculum in mora. É significativa da

circunstância de que ou a medida é concedida

quando se a pleiteia ou, depois, de nada mais

adiantará a sua concessão. O risco da demora é o risco

da ineficácia. De fato, o fumus boni iuris e o periculum in

mora são requisitos para a propositura de ação

cautelar; são requisitos para a concessão de liminar; e

são, também, requisitos para a obtenção de sentença

de procedência.

Conveniência política da suspensão do ato impugnado. 6. Concessão de cautelar referendada pelo Pleno da Corte. 19 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia e TALAMINI, Eduardo, in Curso Avançado de Processo Civil: Processo Cautelar e Procedimentos Especiais, 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

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Desta forma, conclui-se pela imperiosa necessidade de antecipação

dos efeitos da tutela pretendida no caso em tela, uma vez ser

essencial para obstar lesão à sociedade, em virtude do dano causado

àqueles que são impedidos de protocolizar requerimentos de qualquer

natureza perante a Prefeitura Municipal de Cachoeiro de Itapemirim

sem arcar com o valor da taxa cobrada.

VIII – DOS PEDIDOS:

Ex positis, o Procurador-Geral de Justiça requer:

a) A suspensão liminar da vigência do item nº 1.1.24.0 do Anexo I

do Decreto nº 18.037/2007 do Município de Cachoeiro de

Itapemirim, nos termos do artigo 169, alínea ‘b’, do Regimento

Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - RITJES

e do artigo 12 da Lei nº 9.868/1999;

b) A notificação do Presidente da Câmara e da Prefeitura

Municipal de Cachoeiro de Itapemirim, para os fins previstos no

artigo 169, alínea ‘a’, do Regimento Interno do Tribunal de

Justiça do Estado do Espírito Santo - RITJES;

c) E, por derradeiro, seja a presente Ação Direta de

Inconstitucionalidade julgada procedente, declarando-se a

inconstitucionalidade do item nº 1.1.24.0 constante no Anexo I

do Decreto nº 18.037/2007 do Município de Cachoeiro de

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Itapemirim, adotando-se as providências necessárias para que

cessem, ex tunc, todos os seus efeitos.

IX – VALOR DA CAUSA:

Dá-se à presente causa, por força de expressa disposição legal, o valor

de R$ 100,00 (cem reais).

Nestes termos,

Pede deferimento.

Vitória, 06 de março de 2012.

FERNANDO ZARDINI ANTONIO

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA