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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros JAMBEIRO, O., et al. A radiodifusão no pós-guerra. In: Tempos de Vargas: o rádio e o controle da informação [online]. Salvador: EDUFBA, 2004, pp. 130-147. ISBN 978-85-232-1241-4. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Quarto capítulo A radiodifusão no pós-guerra Othon Jambeiro Amanda Mota Andrea Ribeiro Clarissa Amaral Cassiano Simões Eliane Costa Fabiano Brito Sandro Ferreira Suzy dos Santos

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros JAMBEIRO, O., et al. A radiodifusão no pós-guerra. In: Tempos de Vargas: o rádio e o controle da informação [online]. Salvador: EDUFBA, 2004, pp. 130-147. ISBN 978-85-232-1241-4. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

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Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada.

Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

Quarto capítulo A radiodifusão no pós-guerra

Othon Jambeiro Amanda Mota Andrea Ribeiro Clarissa Amaral Cassiano Simões

Eliane Costa Fabiano Brito

Sandro Ferreira Suzy dos Santos

Quarto CapítuloA Radiodifusão no pós-guerra

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No geral, a Segunda Guerra Mundial tinha redefinidoo panorama mundial. O conflito produziu mais de 55milhões de mortes e se caracterizou por vitimar mais ci-vis que militares. Além da perda de vidas humanas e dadestruição material, a guerra reconfigurou a geografiapolítica mundial. Com o fim do conflito, a Europa per-deu a sua hegemonia, materializada no fim do impériobritânico e pelo triste quadro de fome, desespero e agita-ção social. Os Estados Unidos, que já haviam se destaca-do na primeira grande guerra, consolidaram-se como prin-cipal potência do mundo capitalista.

O regime de Vargas deixou, então, de ser uma ditadurabem vista pelos americanos. Primeiro, por ser uma dita-dura militar com fortes traços nacionalistas, o que pode-ria, naquela nova conjuntura, trazer problemas políticose econômicos para os Estados Unidos. Além disso, o rela-cionamento amistoso com a ditadura varguista não eracompatível com o discurso americano em defesa das li-berdades individuais.

No plano político-econômico, a América Latina, parti-cularmente a Argentina e o Brasil, haviam passado a de-sempenhar um novo papel na economia política interna-cional. Ou seja, o continente deixara de ser mero exporta-dor de matérias-primas, já que durante a guerra haviainiciado seu desenvolvimento industrial, com a criaçãode várias empresas nacionais de base. Fato que não pode-ria deixar de ser considerado, muito menos negligencia-do, pelos americanos.

Em conseqüência, os países latino-americanos passa-ram a ser objeto de rigoroso controle dos Estados Unidosque se tornam seu principal parceiro. Durante as décadasseguintes, a dependência do continente em relação à novapotência foi crescente.

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Talvez em nenhum outro continente a avassaladora pre-sença dos Estados Unidos se fazia sentir tão amplamen-te quanto na América Latina do imediato pós � guerra.Pela primeira vez na história, adquiriram o virtual mo-nopólio de influência da região, constituindo praticamen-te sua única fonte de capitais, da assistência técnica emilitar e seu mais importante mercado: quase 60% dasimportações latino-americanas no triênio 1946-1948 pro-vinham dos EUA, que absorviam quase a metade dasexportações latino-americanas.(...) (Fausto, 1986: 58).

Entretanto, a relação Brasil-Estados Unidos não se cons-tituiu, de imediato, numa preocupação, nem se confirmoucomo o centro das atenções políticas internacionais dosEUA, principalmente no que diz respeito à industrializa-ção brasileira. A participação do Brasil na guerra, sua gran-de colaboração com a política dos aliados, assim como osinvestimentos dos Estados Unidos, que ajudaram na in-dustrialização durante a guerra, acabaram gerando nos ad-ministradores brasileiros uma expectativa de manutençãodesta relação, sobretudo no que se referia aos recursos fi-nanceiros norte-americanos que poderiam ser investidos nopaís. O que, por sua vez, não ocorreu, haja vista que os in-vestimentos ianques, naquele momento histórico, estavamligados ao caráter excepcional de guerra mundial.

De fato, no início do governo Dutra, a relação Brasil-EUA foi marcada pelo sentimento de frustração do gover-no brasileiro, com relação ao americano, uma vez que omontante de investimento caiu sensivelmente. O governoRoosevelt passou, inclusive, a estabelecer metas a seremcumpridas pelo Brasil, para que pudesse capacitar-se areceber investimentos ianques. Estas metas iam desde aprocura de outras fontes de financiamento até a criação

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das condições para a entrada de capitais privados no país(Fausto, 1986, 64). Metas que estavam totalmenteidentificadas com a política americana de criação de umaeconomia mundial aberta.

Essa política de atração do capital privado internacio-nal, abrindo as portas do Brasil às importações, não im-pondo limites à saída de divisas do país, visando estimu-lar futuros ingressos de capitais privados, tendia a umadrástica redução da intervenção do Estado na economiado país.

Havia, de qualquer forma, interesse americano em tro-car o regime de Vargas por um governo liberal, mais afi-nado com as políticas ianques. Isto era uma condição sinequa non para a redefinição da relação do Brasil com osEUA, sobretudo porque os interesses americanos não eramcompatíveis com os de um governo ditatorial, ainda maiscom fortes influências nacionalistas. Além disso, areelaboração da política interna havia levado a uma arti-culação da direita liberal com os movimentos populares,na defesa das liberdades individuais (liberdade de merca-do, de manifestação do pensamento, de organização polí-tica, Estado mínimo, democracia). A conseqüência ime-diata foi a deposição de Vargas, criando um novo ciclo naeconomia política brasileira.

A deposição consentida ou a renúncia forçada de Vargasnão configurou uma mudança estrutural no Brasil, comoera de se esperar, já que as forças políticas que venceramas eleições, que eram oposição a Vargas, representavam osinteresses dos setores oligárquicos, que tinham sido ex-cluídos das decisões políticas durante o primeiro períododo Estado Novo. Dessa forma, não estavam interessadosem mudanças que pudessem colocar em xeque o statusquo restabelecido.

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Veja-se Dutra e Eduardo Gomes, bem como os que osapoiaram (Prado Kelly, Júlio de Mesquita Filho, Arman-do de Salles Oliveira, Gastão da Costa Vidigal, os sig-natários do �Manifesto dos Mineiros� ...a lista é intermi-nável): todos são empresários, banqueiros latifundiári-os, militares da alta patente. Convictamente reacionári-os, anticomunistas empedernidos, liberais quando lhespisavam o calo, mas discricionários ao ocuparem o po-der, temem acima de tudo que o povo aja e assuma ati-tudes políticas. O �façamos a revolução antes que o povoa faça� não era uma mera figura de retórica em 30, nemem 45, como ainda não o é hoje (Fausto, 1996: 239).

O General Eurico Gaspar Dutra, ex-ministro da guerrade Getúlio, foi eleito presidente da República, empossadoem 31 de janeiro de 1946, e convocou eleições para umaAssembléia Nacional Constituinte. Instalada em 5 de fe-vereiro de 1946, a assembléia parlamentar foi constituídade 320 deputados, sendo que o PSB e o PTB, partidosque tinham Vargas como presidente de honra, ocupavam201 cadeiras � 177 do PSD e 24 do PTB. A UDN elegeu86 parlamentares e o PCB 16. As 17 cadeiras restantes fo-ram preenchidas por representantes de outros partidos(PR, PSP, PDC, ED e PL). Promulgada em 18 de setem-bro do mesmo ano, a nova Constituição estava baseadafundamentalmente na Carta de 34, continha elementosda de 1891, mas conservava muitos dispositivos da de 1937,principalmente no que se referia às questões sociais.

A quarta Constituição da história do Brasil restabeleciaa independência dos Três Poderes, a autonomia dos esta-dos e municípios, previa eleições diretas para presidente,governadores, prefeitos, senadores, deputados federais eestaduais e vereadores. Mantinha a organização sindical

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corporativista do Estado Novo e refletia as mudanças napolítica econômica mundial, agora baseada nas teorias deKeynes. Essas teorias haviam passado a ser dominantesem todo o mundo, depois da crise de 1929, advogando aintervenção do Estado na economia e a repressão aosmonopólios.

Três artigos � 146, 147 e 148 � combinados permitiamao governo federal intervir em empresas, estabelecer mo-nopólios estatais, distribuir propriedades e combater omonopólio ou oligopólio privados:

Art. 146 � A União poderá, mediante lei especial, inter-vir no domínio econômico e monopolizar determinadaindústria ou atividade. A intervenção terá por base ointeresse público e por limite os direitos fundamentaisassegurados nesta Constituição.Art. 147 � O uso da propriedade será condicionado aobem-estar social. A lei poderá, com observância do dis-posto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição dapropriedade, com igual oportunidade para todos.Art. 148 � A lei reprimirá toda e qualquer forma de abusodo poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamen-tos de empresas individuais ou sociais, seja qual for asua natureza, que tenham por fim dominar os merca-dos nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbi-trariamente os lucros.

O desenvolvimento econômico passou a ter como prin-cipal agenda a iniciativa privada, tendo uma relação cen-tral com o capital estrangeiro. A Constituição de 1946 res-salta esse aspecto: defesa da livre iniciativa privada, liber-dade de oportunidades para nacionais e estrangeiros, des-toando totalmente da política de Vargas. Mas, apesar dis-

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so, não existem mudanças substanciais na Lei Trabalhis-ta, mantida tal como foi concebida durante o período di-tatorial de Vargas.

A crítica à política do novo governo obrigou-o a recuarna submissão aos interesses dos EUA. Por outro lado, asoligarquias industriais, para garantir a acumulação de ca-pitais, exigiram o congelamento do salário mínimo, o queconseguiram do Governo, provocando greves constantes.Nesse período, as principais forças políticas eram:

· Forças liberais � defesa de um desenvolvimento capi-talista associado, onde a economia brasileira, para desen-volver-se, dependeria do capital estrangeiro, preferivel-mente os EUA (modelo baseado no dos EUA);

· Forças democráticas populares � desenvolvimento ca-pitalista independente, baseado no nacionalismo. Nestasincluía-se o PCB, antes da cassação. Acreditavam que atra-vés do processo de nacionalização da economia poderiase chegar ao socialismo.

O crescimento do movimento operário estabeleceu umcorte nas relações do governo Dutra com o movimentocomunista, mantido em termos formais a partir da quedado nazi-fascismo e o crescimento das lutas pela democra-tização do país. O medo da expansão da influência do PCBlevou Dutra a restabelecer atos repressivos. O cenário es-tava montado para a cassação dos comunistas. Após de-núncia de membros do PTB ao Superior Tribunal Eleito-ral, eles tiveram o registro de seu partido cassado, em 7 demaio de 1947. Inicia-se um período de intensa repressãoao movimento operário:

A partir de 1947, por conseguinte, o que se observa é aestruturação da �democracia liberal� tal como sempre aviram os donos do poder, ou seja, com qualquer movi-

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mento ou organização de massas sufocado e/ou atrela-do ao aparelho burocrático do estado, a par da manu-tenção das liberdades e garantias individuais, afiançadaspela Constituição. Liberal na forma, herdeiro doautoritarismo característico dos anos trinta no conteú-do, eis possivelmente uma descrição sumária do perío-do Dutra. (Fausto, 1996: 239)

A nova Constituição assegurou a livre manifestação dopensamento, mas com restrições. Embora não dependes-se de censura prévia, permaneceu a necessidade de auto-rização antecipada para a realização de espetáculos e di-versões públicas. Além disso, ampliou os mecanismos decontrole e punição, estabelecidos na Constituição de 1934,no que diz respeito à propaganda de guerra, a processosviolentos que possam subverter a ordem política e social,ou a preconceitos de raça ou de classe. No mais, mantevea proibição de publicações apócrifas, assegurou o direitode resposta e suspendeu a necessidade de licença parapublicação de livros e periódicos.

Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aosestrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos di-reitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança in-dividual e à propriedade, nos termos seguintes:§ 1º Todos são iguais perante a lei.§ 5º É livre a manifestação do pensamento, sem que de-penda de censura, salvo quanto a espetáculos e diversõespúblicas, respondendo cada um, nos casos e na forma quea lei preceituar, pelos abusos que cometer. Não é permiti-do o anonimato. É assegurado o direito de resposta. A pu-blicação de livros e periódicos não dependerá de licença doPoder Público. Não será, porém, tolerada propaganda de

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guerra, de processos violentos para subverter a ordem polí-tica e social, ou de preconceitos de raça ou de classe.(...)§ 6º É inviolável o sigilo da correspondência.

A Constituição de 1946 é a primeira Carta Magna bra-sileira a citar o serviço de radiodifusão. Ela reafirma omonopólio da União com relação a este serviço, a ela atri-buindo a exclusiva competência de explorá-lo, diretamenteou mediante concessão:

Art. 5o. Compete à União (...) XII � explorar, diretamen-te ou mediante autorização ou concessão, os serviços detelégrafos, de radiocomunicação, de radiodifusão...

As restrições às concessões de exploração da radiodifusãoe limitavam às questões se segurança nacional. Nesse senti-do, em regiões de fronteiras, ou consideradas indispensáveisà defesa do país, as concessões de radiodifusão teriam queser submetidas ao Conselho Nacional de Segurança.

O controle das empresas de radiodifusão, tal como ha-via sido estabelecido em 1931, pelo Governo Provisório,permaneceu nas mãos de brasileiros natos, sendo vedadasações ao portador e sociedades anônimas, modos de in-vestimento de capital que impedem a identificação de res-ponsabilidades individuais. As exceções continuavam a seros partidos políticos, como, aliás, por Vargas já havia esta-belecido na Constituição de 1937.

Art. 160. É vedada a propriedade de empresas jornalís-ticas, sejam políticas ou simplesmente noticiosas, assimcomo a de radiodifusão, a sociedades anônimas por açõesao portador e a estrangeiros. Nem esses, nem pessoas

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jurídicas, excetuados os partidos políticos nacionais,poderão ser acionistas de sociedades anônimas proprie-tárias dessas empresas. A brasileiros (art. 129, no. I e II)caberá, exclusivamente, a responsabilidade principaldelas e a sua orientação intelectual e administrativa.

Ao governo central ficava assegurado o direito de, du-rante o estado de sítio, suspender todas as garantias indi-viduais, utilizar censura plena e comandar diretamenteas empresas concessionárias que realizassem serviço pú-blico, inclusive as emissoras de rádio. Estes dispositivosconstitucionais relacionados à radiodifusão são mantidosaté a Constituinte de 1967.

Mesmo antes de ser restabelecida a base constitucional davida legal do país, foram publicados, no início de 1946, doisDecretos-lei que interferiram na comunicação de massa e nacultura: o de n.º 8.543, de 03 de janeiro, e o de n.º 20.493, de24 do mesmo mês. Trata-se de dois decretos bastante rele-vantes, um visando coibir excessos no uso da radiodifusão, eo outro redefinindo o papel de um órgão de censura, manti-do em funcionamento regular e, a partir dali, legalizado, den-tro da nova ordem. Neste aspecto, é preciso levar em consi-deração o fato de o Brasil estar, naquele momento, vivendoum regime democrático, após um período de oito anos deditadura. Os decretos expressavam uma acintosa contradi-ção com os fundamentos de uma sociedade democrática. Eraclara a incompatibilidade da natureza desta última com aexistência de órgãos e mecanismos de censura na estruturado Estado. Mas o certo é que aqueles órgãos foram instituí-dos e passaram a interferir na livre manifestação e difusão dopensamento, fosse ele religioso, político ou artístico-cultural.

Na verdade, os decretos retomaram a estrutura institucionaldo período do Estado Novo. Isto fica, aliás, muito evidente

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no Decreto-lei n.º 20.493, que aprovou o Regulamento doServiço de Censura de Diversões Públicas, do Departamen-to Federal de Segurança Pública (S.C.D.P. do D.F.S.P.). EsteRegulamento traz, em boa parte da sua estrutura, o texto,stricto sensu, do Decreto-lei n.º 1.949, de 30 de dezembro de19391 , que tinha estabelecido as normas de fiscalização doDepartamento de Imprensa e Propaganda, extinto em 25 demaio de 1945, através do Decreto-lei n.º 7.5822.

O Decreto-lei n.º 8.543, de 03 de janeiro de 1946, quedispõe sobre o processo administrativo previsto no De-creto-lei n.º 8.356, de 12 de dezembro de 1945, já no seuinício, na parte em que justifica sua publicação, faz refe-rência à finalidade da radiodifusão:

Considerando que a radiodifusão é concedida pelo Go-verno para atender às altas finalidades culturais e facili-tar ao público o conhecimento da situação política, eco-nômica e financeira do país.

Mas a justificativa da publicação do decreto vai além dareferência à definição da radiodifusão:

Considerando que o uso da concessão tem degeneradoem retaliações de ordem pessoal, apesar de proibido emLei veicular injúrias e calúnias, a pretexto de críticas dosatos das autoridades;Considerando que para efeito de punição, em casos deinjúrias e calúnias, é necessário estabelecer processo rá-pido e eficiente para apuração de responsabilidades (...).

No primeiro artigo do Decreto-lei, percebe-se melhoros motivos da justificava, onde o Serviço de Censura deDiversões Públicas é definido como:

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(...) o órgão competente, no distrito Federal, para ins-taurar os processos administrativos a que se refere o art.3.º do decreto-lei n.º 8.356, de 12 de dezembro de 1945�3 .

Já o art. 2º estabelecia que:

O julgamento das infrações definidas no mencionadoDecreto-lei, para fins nele previstos, compete, confor-me o local da irradiação, aos Chefes de Polícia ou à au-toridade policial mais elevada dos estados ou do Distri-to Federal, os quais ficam autorizados a baixar instru-ções do competente processo.

O art. 3º tratava do caráter das irradiações, caso fossemcontrárias à �moral e aos bons costumes�, ou contivessem�calúnia ou injúria contra a pessoa do Presidente da Repú-blica ou dos Ministros de Estado�. A Chefia de Polícia pas-sava a ter o poder de julgar a infração sem necessidade deprocesso administrativo e, após apuração, adotar medidasde interrupção das irradiações, necessitando apenas co-municar a ocorrência ao Ministro da Viação e Obras Pú-blicas, para fins de cassação da licença.

O segundo Decreto-lei, n.º 20.493, �Aprova o Regula-mento do Serviço de Censura de Diversões Públicas do De-partamento Federal de Segurança Pública�. Além de esta-belecer a estrutura administrativa do órgão, o Regula-mento citava as atribuições centralizadas no Chefe doServiço de Censura de Diversões Públicas (S.C.D.P.), queincluiam nomear e distribuir os censores, dar orientaçãouniforme à censura, de acordo com o Chefe de Polícia, edeterminar os encargos dos demais funcionários. O Che-fe podia ainda:

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f) avocar, para efeitos de revisão, qualquer matéria afetaàs deliberações dos censores, inclusive a já censurada,quando haja manifesto desacordo entre os atos do censore os preceitos regulamentares e instruções transmitidas;g) decidir, dentro de 48 horas, dos recursos interpostos,pelas partes, das resoluções dos censores;h) dar parecer, previamente, sobre as questões concer-nentes aos serviços da Censura, que forem submetidosà decisão do Chefe de Polícia;i) solicitar ao Chefe de Polícia todas as providências quejulgar necessárias ao andamento dos serviços da Cen-sura e ao fiel cumprimento dos dispositivos constantesdeste regulamento (...).

O Capítulo II trata �Da Censura Prévia�, estabelecendoque o S.C.D.P. pode censurar previamente ou autorizar as:

I- projeções cinematográficas; II- as representações tea-trais, III- as representações de variedade de qualquerespécie; IV- as execuções de pantomimas e bailados; V-as execuções de peças declamatórias; VI- as execuçõesde discos cantados e falados, em qualquer casa de di-versão pública, ou em local freqüentado pelo público,gratuitamente ou mediante pagamento; VII- as exibi-ções de espécimes teratológicos; VIII- as apresentaçõesde préstitos, grupos, cordões, ranchos, etc. e estandartescarnavalescos; IX- as propagandas e anúncios de qual-quer natureza quando feitos em carros alegóricos ou defeição carnavalesca, ou, ainda, quando realizados porpropagandistas em trajes característicos ou fora do co-mum; X- a publicação de anúncios na imprensa ou emprogramas e a exibição de cartazes e fotografias, quan-do se referirem tais anúncios, cartazes e fotografias aos

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assuntos consignados nos números anteriores deste ar-tigo; XI- as peças teatrais, novelas e congêneres emiti-das por meio de rádio; XII- as exibições de televisão.

A censura prévia, que tinha sido retirada pelo Decreto-lei n.º 8.356, de 12 de dezembro de 1945, retorna, portanto,de forma não disfarçada. Nota-se nas entrelinhas do decre-to-lei, em análise, uma certa redefinição do conceito de �cen-sura�. Esta deixa de ser um instrumento imposto, que im-pede a livre manifestação, para ser uma solicitação de ave-riguação � aos órgãos competentes � das peças, obras, pro-gramas, execução de discos, publicação de cartazes etc.

Esta �outra concepção� de censura difere da censura doEstado Novo, que era visível, extremamente rígida e im-placável com a oposição ao regime ditatorial, por isso fá-cil de ser percebida, pois não se fazia questão de mascará-la, e sim de deixá-la clara o bastante para ser assimiladapela sociedade, através do medo, e a partir dele estabele-cer-se a auto-censura. Este Decreto-lei estabelece umaidéia de censura que, pretensamente, não punha em riscoa frágil e problemática democracia do período, ou seja,censurava-se o que não fosse conveniente ao governo,porém ficavam garantidos os aparatos institucionais dademocracia liberal.

É interessante assinalar que, pela primeira vez, se fazreferência à censura às exibições de televisão, quatro anosantes da sua implantação no Brasil � em 1950. Isto por-que Chateaubriand já tinha planos de fundar a TV Tupi.Após uma viagem à Nova Iorque, em julho de 1944, Chatôreuniu empresários de diversos setores e anunciou:

Eu os reuni aqui para comunicar que, terminada a guer-ra, vou importar aquela tecnologia e instalar uma esta-

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ção de televisão no Brasil. Queria que suas indústriasfossem se preparando, porque vocês vão ser os privile-giados que dividirão comigo as glórias de trazer esseinvento revolucionário para cá. Os nossos inimigos quese preparem: se só com os rádios e jornais os Associadosjá tiram o sono deles, imaginem quando tivermos namão um instrumento mágico como a televisão! (Mo-rais, 1994: 440).

E, de fato, em 26 de julho de 1949, em razão de o gover-no ter autorizado, um ano antes, a Chateaubriand impor-tar equipamentos para instalar uma emissora de TV, foipublicada a Portaria nº 692, definindo os padrões de trans-missão da televisão. Seu conteúdo baseou-se na Indica-ção nº1, de 6 de julho de 1949, da Comissão Técnica doRádio. Estavam nela incluídas as determinações sobre alargura de faixa, freqüência do som, onda suporte, polari-zação da irradiação, potência e canais. O art. 15 estabele-cia que estes últimos eram em número de 12, numeradosde 2 a 13. Esta Portaria fazia parte do pacote de favoresque o Governo Federal fez a Assis Chateaubriand para aimplantação da TV-Tupi, PRF-3. Em setembro de 1950, opresidente Dutra recebeu, como agradecimento simbóli-co, um dos duzentos aparelhos contrabandeados peloempresário para agilizar a inauguração do Canal 3, emSão Paulo, já que o processo de importação tomaria maistempo do que o previsto. O caráter simbólico do aparelhorevelava-se no simples fato de que o gabinete da presi-dência da república situava-se no Rio de Janeiro, enquan-to que as transmissões da TV Tupi não ultrapassavam olimite de cem quilômetros da cidade de São Paulo.

O rádio continuou seu desenvolvimento, buscando sefortalecer com a prestação do serviço, principalmente no

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interior do Brasil, onde era a principal fonte de informa-ção. Porém, a característica comercial também se tornoumais forte, tendo em vista que este foi o período do apo-geu dos programas de auditório, que tinham, em sua mai-oria, patrocínio de empresas estrangeiras. O poder dosconcessionários de radiodifusão, especialmente na figurade Assis Chateaubriand, intensificou-se a ponto de ser cre-ditada a ele a queda e a volta de Vargas ao poder. Na déca-da de 50, o rádio continuou se expandindo, apesar dosurgimento da televisão, que, devido ao alto custo dosaparelhos, estava restrita às camadas mais altas da popu-lação. O novo veículo adotou, de imediato, caráter comer-cial, estabelecendo-se primeiro nos grandes centros denegócios, São Paulo e Rio de Janeiro, e depois se expan-dindo para as outras capitais do país.

Do ponto de vista da regulação da radiodifusão, as mu-danças foram poucas. A continuidade do cenário definidono Estado Novo manteve o Chefe do Estado como respon-sável pela concessão e regulação das emissoras, estabele-cendo para a TV as mesmas regras do rádio. A Constitui-ção de 1946, além de vetar completamente a presença deestrangeiros na direção de concessionárias de radiodifusão,criou dispositivo afirmando, além disso, caber exclusiva-mente a brasileiros a responsabilidade principal e a orien-tação intelectual e administrativa deste tipo de serviço detelecomunicações. Norma que regeu a radiodifusão até oinício do século XXI, quando foi permitida a participaçãode capital estrangeiro nos meios de comunicação de massabrasileiros, inclusive no rádio e na televisão.

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Notas1 Este Decreto-lei �Dispõe sobre o exercício de atividades de im-prensa e propaganda no território nacional e outras providências�.2 Através do mesmo Decreto-lei, n: 7.582, foi criado o Departa-mento Nacional de Informações.3 O Decreto-lei 8.356, de 13 de dezembro de 1945, previa em seuart. 3º o seguinte: �As novas outorgas de contrato de exploração dosserviços de radiodifusão serão precedidas de concorrência pública, eapuradas, além das exigências da legislação vigente, as seguintes, que,sucessivamente, estabelecerão a precedência dos concorrentes: a)o quemelhores condições de idoneidade moral oferecer; b)o que melhoresvantagens financeiras proporcionar ao Governo; c) o que não estiverno gozo da exploração de outras estações de radiodifusão.�

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