mircea eliade biografia

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Mircea Eliade Mircea Eliade. Mircea Eliade (1907-1986) nasceu em Bucareste, onde realizou seus estudos universitários, formando-se em Filosofa. ... www.romenia.org.br/Cultura/MirceaEliade.htm MIRCEA ELIADE Mircea Eliade (1907-1986) nasceu em Bucareste, onde realizou seus estudos universitários, formando-se em Filosofia. Depois disso, partiu para Índia, tendo ali estudado o sânscrito e as filosofias do sudeste asiático, sob a orientação de Surendranath Dasgupta, professor emérito da Universidade de Calcutá. A documentação que recolheu, especialmente a respeito do Yoga, tornou-se, depois, sua tese de doutoramento publicada em francês em 1936. A partir de então, Eliade adquiriu renome como professor de História das Religiões, tendo lecionado na Universidade de Bucareste, na École des Hautes Études de Paris, no Instituto do Extremo Oriente de Roma, no Instituto Jung de Zurique, na Universidade de Chicago. Foi também Doutor Honoris Causa de numerosas universidades de todo o mundo. Premiado em 1977 pela Academia Francesa, recebeu a Legião de Honra. Eliade também trabalhou como adido cultural e de imprensa nas representações diplomáticas romenas em Londres e Lisboa até 1945. Posteriormente, estabeleceu-se em Paris e, finalmente, em Chicago, onde faleceu. Entre seus numerosos escritos destacam-se O Conhecimento Sagrado de Todas as Eras; Mito, Sonhos e Mistérios; Aspectos do Luto; Tratado da

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Biografia de Mircea_Eliade

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Mircea Eliade Mircea Eliade. Mircea Eliade (1907-1986) nasceu em Bucareste, onde realizou seus estudos universitários, formando-se em Filosofa. ... www.romenia.org.br/Cultura/MirceaEliade.htm

MIRCEA ELIADE

Mircea Eliade (1907-1986) nasceu em Bucareste, onde realizou seus estudos universitários, formando-se em Filosofia. Depois disso, partiu para Índia, tendo ali estudado o sânscrito e as filosofias do sudeste asiático, sob a orientação de Surendranath Dasgupta, professor emérito da Universidade de Calcutá.

A documentação que recolheu, especialmente a respeito do Yoga, tornou-se, depois, sua tese de doutoramento publicada em francês em 1936. A partir de então, Eliade adquiriu renome como professor de História das Religiões, tendo lecionado na Universidade de Bucareste, na École des Hautes Études de Paris, no Instituto do Extremo Oriente de Roma, no Instituto Jung de Zurique, na Universidade de Chicago. Foi também Doutor Honoris Causa de numerosas universidades de todo o mundo. Premiado em 1977 pela Academia Francesa, recebeu a Legião de Honra.

Eliade também trabalhou como adido cultural e de imprensa nas representações diplomáticas romenas em Londres e Lisboa até 1945. Posteriormente, estabeleceu-se em Paris e, finalmente, em Chicago, onde faleceu.

Entre seus numerosos escritos destacam-se O Conhecimento Sagrado de Todas as Eras; Mito, Sonhos e Mistérios; Aspectos do Luto; Tratado da História das Religiões; Ocultismo, Bruxaria e Correntes Culturais; O Mito do Eterno Retorno, História das Crenças e das Idéias Religiosas, O sagrado e o Profano, Ferreiros e Alquimistas . A obra de Eliade, no entanto, não se limita à história das religiões e ao estudo dos mitos. Ele é autor também de vários romances, entre quais, O Segredo do Doutor Honigberger, As Ciganas, Senhorita Cristina, Retorno do Paraíso, Ilha de Euthanasius, Canteiro de Obras, Naitrey, A Sombra da Flor-de-Lis e outros.

Obras de Mircea Eliade ... analítica. OBRAS DE MIRCEA ELIADE. Uma das maiores autoridades no estudo das religiões, é considerado também um filósofo. Suas ... www.salves.com.br/jb-eliade.htm

Uma das maiores autoridades no estudo das religiões, é considerado também um filósofo. Suas obras tornaram-se básicas e imprescindíveis para aquele que queira ou

só informar-se a respeito ou aprofundar-se no conhecimento.  Romeno, nasceu em 1907 em Bucareste. Eliade foi o nome que ele escolheu para homenagear um poeta

patrício do séc. XIX. Estudou a linguagem dos símbolos, usada em todas as religiões para chegar às origens, que se situam sempre no sagrado. Em 1928 obteve seu

Masters of Arts em Filosofia na Universidade de Bucareste. Estudou sânscrito e filosofia hindu na Universidade de Calcutá (1928-1931) e morou em um Ashram em

Rishikesh, Himalaia. Em 1933 volta à Universidade de Bucareste e ganha o Ph.D. com o tema Yoga: Essai sur les Origines de lqa Mystique Indiène. Em 1945 lecionou na

École de Hautes Études, na Sorbonne, e em 1956 foi Prof. de História das Religiões na Universidade de Chicago. Foi também Honoris Causa em numerosas Universidades de

todo o mundo. Premiado em 1977 pela Academia Francesa, recebeu a Legião de Honra. Na Europa publica trabalhos sobre alquimia e viaja como adido cultural de

seu país. Morou em Portugal e na França, onde escreveu "O Mito do Eterno Retorno". Fundamentalmente considera a expressão religiosa - tradicional e

contemporânea - como um  fenômeno que chama de hierofania , i.e., as diversas manifestações do sagrado no mundo. A interpretação essencial de Eliade para as culturas religiosas e a análise de experiência mítica caracterizavam suas obras:

Faleceu em 22 de abril de 1986 vítima de um acidente cerebral.

O CONHECIMENTO SAGRADO DE TODAS AS ERAS São Paulo: Mercuryo, 1995 - 401 p. Nesta obra ele aborda cosmogonia, iniciação, mitos sobre a origem da morte, Messianismo, etc.. Percorre os textos da Mesopotâmia, Grecia antiga, Ínmdia (Vedismo, Bramanismo, Budismo, etc.), Austrália, Ásia, Oceania, África, Americas do Norte e do Sul.

HISTÓRIA DAS CRENÇAS E DAS IDÉIAS RELIGIOSAS ( 5 VOLUMES) Cosmogonia das manifestações do sagrado e uma análise dos momentos criadores das diferentes tradições religiosas. Desde os primeiros comportamentos mágico-religiosos do homem pré-histórico até o florescimento do culto à Dionisíaco, através das religiões da mesopotâmia e do Egito antigo à religião de Israel, a Indo-Européia, da 'Índia antes de Buda, da Grecia e a Iraniana.

TOMO I - DA IDADE DA PEDRA AOS MISTÉRIOS DE ELEUSIS

VOLUME I - DAS ORIGENS AO JUDAISMO São Paulo: Zahar Ed., 1978 - 284 p.

VOLUME I I - DOS VEDAS À DIONÍSIO São Paulo: Zahar Ed., 1978 - 272 p.

TOMO II - DE GAUTAMA BUDA AO TRIUNFO DO CRISTIANISMO

VOLUME I - DAS RELIGIÕES DA CHINA ANTIGA À SÍNTESE HINDUÍSTA São Paulo: Zahar Ed., 1983 - 360 p.

VOLUME I I - DAS POVOAÇÕES DO JUDAÍSMO AO CREPÚSCULO DOS DEUSES São Paulo: Zahar Ed., 1983 - 246 p.

TOMO III - DE MAOMÉ À IDADE DAS REFORMAS São Paulo: Zahar ed., 1984- 400 p.

IMAGENS E SÍMBOLOS São Paulo: Martins Fontes, 1990 - 281 p.

MEFISTÓFELES E O ANDRÓGINO - Comportamentos religiosos e valores espirituais não-europeu São Paulo: Martins Fontes, 1990 - 276 p.

MITO DO ETERNO RETORNO (O)  São Paulo: Mercuryo , 1990 - 276 p.

SAGRADO E O PROFANO (O) São Paulo: Martins Fontes

Sagrado eo Profano: a Essência das Religiões - MIRCEA ELIADE

... MIRCEA ELIADE É uma obra concebida e redigida para o grande público, como uma introdução geral ao estudo fenomenológico e histórico dos fatos religiosos. ... www.planetanews.com/produto/L/2689

Sagrado e o Profano: a Essência das Religiões

MIRCEA ELIADE

É uma obra concebida e redigida para o grande público, como uma introdução geral ao estudo fenomenológico e histórico dos fatos religiosos. O autor estuda a situação do homem em um mundo saturado de valores religiosos. É uma introdução à história das religiões, um balanço dos nossos conhecimentos nesse campo.

Resenha ... Mircea Eliade, romeno radicado nos EUA, nascido em 1907 e falecido em 1986, possivelmente venha a ser lembrado como um dos pensadores mais significativos do ... www.geocities.com/pjchronos/resenha/shaman.htm

- ELIADE, Mircea. O Xamanismo e as

técnicas arcaicas do êxtase. São Paulo:

Martins Fontes, 1998. 24ºedição.

 

por André Muceniecks,

 

Mircea Eliade, romeno radicado nos EUA, nascido em 1907 e

falecido em 1986, possivelmente venha a ser lembrado como um dos

pensadores mais significativos do século XX. Aluno do ilustre Dumézil,

influenciado significativamente pela sociologia Durkheiniana e pela

historiografia dos Annalles, Eliade pode ser considerado um dos

fundadores da história das religiões francesa. Entre suas principais obras

listamos O Sagrado e o Profano, Aspectos do Mito, Tratado da História

das Religiões, e Ferreiros e Alquimistas. Todas referências essenciais na

constituição de um estudo “científico” das religiões e fenômenos

religiosos.

Em O Xamanismo, Eliade pretende estudar tal fenômeno religioso

em sua totalidade, ao mesmo tempo enquadrando-o na perspectiva da

História das Religiões. O xamanismo não consistiria em uma religião;

antes, é estritamente um fenômeno religioso, à medida em que ocorre

em diversas crenças, desde a Sibéria e América até a Oceania. Em sua

origem, consistiria num fenômeno basicamente ártico: é na Sibéria e

Groelândia em que ocorre com seus aspectos mais completos. O autor

efetua uma coleção imensa de relatos a respeito do fenômeno. Da

comparação entre todas as formas conhecidas de xamanismo,

estabelece, do capítulo I ao V, certas generalidades teóricas como:

recrutamento e vocação xamânica, iniciação do xamã e simbolismo da

indumentária e tambor. Em seguida, analiza as manifestações do

fenômeno na Ásia, Américas, Oceania e entre os Indo-Europeus.

Os xamãs parecem ser pessoas (de ambos os sexos, mas

geralmente homens) freqüentemente atacadas de doenças nervosas

como a histeria ártica ou esquizofrenia. Sua vocação dá-se pela visão de

meteoros, águias, sonhos com mortos. Há diferença entre os xamãs por

escolha e por vocação. Estes últimos, geralmente recebendo o dom

como herança, possuem obviamente status superior. Mas o xamã não é

um doente ou louco: para tornar-se xamã e poder curar aos outros, ele

primeiro aprende a curar a si mesmo. Passa por diversos processos de

iniciação – que Eliade afirma representarem uma morte ritual do

vocacionado – que incluem cerimônias dolorosas, verídicas (raspagem

com pedras e/ou espancamento por xamã experiente) ou simbólicas

(despedaçamento do corpo, contemplação do próprio esqueleto). Após

os quais o xamã aprende a controlar diversos espíritos, os quais envia

para encontrar a alma errante do doente. E é esta uma particularidade

importante: Eliade afirma não ser o xamã um mero “possesso” – ele é

xamã exatamente por saber controlar diversos espíritos. Ainda que seja

possuído amiúde por seu espírito guia e/ou familiar.

Outros aspectos da iniciação de um xamã incluiriam uma descida

aos infernos, seguida de uma ascensão celeste. A primeira,

representaria a morte do indivíduo, a segunda, a obtenção dos poderes

do xamã – particularmente, o poder de voar. Enquanto que a descida

aos infernos pode ser percebida nos rituais de morte, contemplação do

próprio esqueleto e despedaçamento do corpo, a ascensão celeste é

representada por viagens celestes (fora do corpo ou transformado em

águia), uma ascensão ritual pelas árvores ou pelo arco-íris ou, ainda,

uma escalada de altas montanhas. Tais simbolismos são percebidos na

indumentária e no tambor xamânicos; as vestes são adornadas de

inúmeros objetos metálicos (que Eliade afirma representarem parte de

seu novo esqueleto) e espelhos (para ajudar a focalizar os espíritos).

Desenhos de pássaros são freqüentes e representam o vôo mágico do

xamã. Eliade ainda afirma que outros desenhos nas vestes (como de

renas e ursos), juntamente com as representações de aves, podem

simbolizar a transformação do xamã em um animal.

Parece-nos que um dos grandes trunfos de Eliade é,

simultaneamente seu maior problema: sua erudição. Ainda que uma

origem ártica do xamanismo tenha sido convincentemente formulada – e

consista em hipótese lógica -, a extrapolação das conclusões no que

refere-se à Oceania e África parece-nos mais problemática, e exigiria

uma origem comum – e antiqüíssima - do xamanismo em zona

intermediária. O que traria problemas na inter-relação apontada entre

doenças árticas e xamanismo. No entanto, o xamanismo americano é

bastante plausível, seja pelas migrações mongólicas de origem siberiana

seja pelo influxo (recentemente descoberto) de levas migratórias da

Oceania na primitiva América. E não podemos excluir uma difusão do

fenômeno xamânico no sentido Ásia – Europa/África/Oceania. As

conclusões de xamanismo entre os Indo-Europeus também parecem-nos

suficientemente ambíguas: o autor aponta aspectos particulares

“xamânicos”(êxtases e o seidhr – particularmente mal-interpretado -

entre antigos germânicos, vôos na Índia e cultos misteriosos na Grécia)

que não permitem supor um real xamanismo entre primitivos indo-

europeus. E, simultaneamente, afirma esta fraca base xamânica. Mas

estes poucos equívocos teóricos são perdoáveis – especialmente

considerando-se o caráter de pioneirismo da obra e o objetivo confesso

do autor de efetuar uma síntese.

Eliade afirma ser sua obra destinada principalmente ao homem culto.

Estendemos tal recomendação à estudiosos e interessados na historia

das religiões. Ainda que algumas generalizações sejam questionáveis, é

inegável o valor e alcance da obra. A síntese proposta pelo autor revela-

se um vasto compêndio sobre um fenômeno religioso de ampla difusão

e pouca compreensão. A reedição da Martins Fontes, sóbria e elegante –

no entanto, primorosa – contém a versão de 1951, corrigida e ampliada

em 1967. O índice remissivo é conciso, mas versátil e de utilidade

imensa na consulta.

Crenças Eliade Trabalho, tecnologia e mundos imaginários. Mircea Eliade. Como dissemos, no Oriente Próximo, sobretudo na Palestina, o Mesolítico ... www.cce.ufsc.br/~neitzel/disserta/crencas.html - 9k

Trabalho, tecnologia e mundos imaginários

Mircea Eliade

Como dissemos, no Oriente Próximo, sobretudo na Palestina, o Mesolítico assinala uma época criadora, embora conservando o seu caráter de transição entre dois tipos de civilizações, a da caça e a da coleta, e aquela baseada na cultura dos cereais. Na Palestina, os caçadores do Paleolítico superior parecem ter habitado as grutas no decorrer de longos intervalos. Mas foram sobretudo os detentores da cultura natufiana (termo derivado de Wady en Natuf, onde essa populaçãomesolitica fooi identificada pela primeira vez) que optaram por uma existência claramente sedentária.

Habitavam tanto as cavernas quanto locais ao ar livre (como em Einan, onde escavações revelaram um lugarejo formado de choupanas circulares e munidas de lares).Os natufianos haviam deescoberto a importância alimentar dos cereais silvestres que ceifavam utilizando foices de pedra, e cujos grãos eram pilados em um almofariz com o auxílio de um pilão.

Era um grande passo em direção à agricultura. A domesticação dos animais também teve início durante o Mesolítico (muito embora só se generalize no começo do Neolítico): o carneiro em Zawi Chemi-Shanidar, por volta de ~8.000, o bode em Jericó, na Jordânia, aoredor de ~7.000, e o porco em torno de ~6.500; o cão em Stan Carr, na Inglaterra, em mais ou menos ~7.500 (todas essasdatas foram obtidas graças às análises com carbono radiativo. Sobre a domesticação animal, ver Müller-Karpe, op. cit., II, pp250 s. Descobriu-se recentemente no vale do Alto Nilo um complexo pré-Nenolítico de alimentação à base de cereal datado de 13.000. Cf. Fred Wendorfg, S. Rushdi e R. Schild, "Egyptian Prehistory: Some New COncepts"- Science, vol. 169, 1970, pp 1.116-1.1171).

Os resultados imediatos da domesticação das gramíneas aparecem na expansão populacional e no desenvolvimento do comércio, fenômenos que já caracterizam os natufianos. Ao contrário do esquematismo geométrico espeçifico dos desenhos e das pinturas do Mesolítico europeu, a arte dos natufianos é naturalista: desenterraram-se pequenas esculturas de animais e estatuetas humanas, às vezes em postura erótica. O simbolismo sexual dos pilões esculpidos em forma de falo é tão "evidente"que não se pode duvidar do seu significado mágico-religioso.

Os dois tipos de sepultura natufiana — a) inumação de todo o corpo, numa posição curvada, b)sepultamento dos crânios — eram conhecidos no Paleolítico e prologaram-

se no Neolítico. A propósito dos esqueletos exumados em Einan, supôs-se que uma vítima humana era sacrificada por ocasião do enterro, mais ignora-se o sentido do ritual. Quanto aos depósitos de crânios, compararam-se os documentos natufianos com os depósitos descobertos em Offnet, na Baviera, e na gruta do Hohlenstern, em Württenburg: todos esses crânios pertenciam a indivíduos que haviam sido chacinados, talvez por caçadores de cabeças ou por canibais.

Em ambos os casos, pode-se presumir um ato mágico-religioso, uma vez que a cabeça (i.e., o cérebro) era considerada a sede da "alma". Já faz muito tempo que, graças aos sonhos e às experiências extáticas e paraextáticas, se reconheceu a existência de um elemento independente do corpo, que as línguas modernas designam pelos termos "alma", "espírito", "sopro", "vida", "duplo"etc. Esse elemento "espiritual"(não lhes podendo dar outro nome, já que era aprendido enquanto imagem, visão, "aparição"etc) estava presente no corpo inteiro; constituía de alguma forma o seu "duplo".

Mas a localização da "alma"ou do "espírito"no cérebro teve consequências consideráveis: por um lado, acredita-se poder assimilar o elemento "espiritual"da vítima devorando-lhe o cérebro; por outro lado, o crânio, fonte de poder, tornava-se objeto de culto.

ELIADE, Mircea. História das crenças e das idéias religiosas. Trad., Roberto Cortês de Lacerda. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. p. 52-54.

Significações da coincidentia oppositorum - Significações da coincidentia oppositorum. Mircea Eliade. ... Mircea, Eliade. Mefistófeles eo andrógino; trad. Ivone Castilho Benedetti. ... www.cce.ufsc.br/~neitzel/disserta/coincid.html - 8k

Significações da coincidentia oppositorum

Mircea Eliade

O que nos revelam todos esses mitos e esses símbolos, todos esses ritos e essas técnicas místicas, essas lendas e essas crenças que implicam, com maior ou menor clareza, a coincidentia oppositorum, reunião dos contrários, a totalização dos fragmentos? Antes de tudo, uma profunda insatisfação do homem com a sua situação atual, com aquilo que se chama condição humana. O homem sente-se dilacerado e separado. Nem sempre lhe é fácil tomar consciência perfeita da natureza dessa operação, pois às vezes ele se sente separado de "alguma coisa" poderosa, outra coisa que não ele; outras vezes sente-se separado de um "estado" indefinível, atemporal, do qual não guarda lembrança precisa, mas do qual se lembra no mais profundo de seu ser: um estado primordial de que usufruía antes do tempo, antes da História.

Essa preparação constituiu-se como uma ruptura, nele e no Mundo. Foi uma "queda", não necessariamente no sentido judaico-cristão do termo, todavia uma queda, já que traduzida por uma catásfrofe fatal para o gênero humano e, ao mesmo tempo, por uma mudança ontológica na estrutura do Mundo. De certo ponto de vista, pode-se dizer que numerosas crenças que implicam a coincidentia oppositorum traem a nostalgia de um Paraíso perdido, a nostalgia de um estado paradoxal no qual os contrários coexistem sem confrontar-se e onde as multiplicidades compõem os aspectos de uma misteriosa Unidade.

Afinal de contas, foi o desejo de recuperar essa Unidade perdida que obrigou o homem a conceber os opostos como aspectos complementares de uma realidade única. É a partir de tais experiências existenciais, desencadeadas pela necessidade de transcender os contrários, que se articularam as primeiras especulações teológicas e filosóficas. Antes de se tornarem conceitos filosóficos por excelência, o Um, a Unidade, a Totalidade constituíam nostalgias que se revelavam nos mitos e nas crenças e se enalteciam nos ritos e nas técnicas místicas.

No nível do pensamento pré-sistemático, o mistério da totalidade traduz o esforço do homem para ter acesso a uma perspectiva na qual os contrários se anulem, o Espírito do Mal se revele incitador do Bem e os Demônios apareçam como o aspecto noturno dos Deuses. O fato de esses temas e esses motivos arcaicos sobreviverem ainda no folclore e surgirem continuamente nos mundos oníricos e imaginário prova que o mistério da totalidade faz parte integrante do drama humano. Ele volta com múltiplos aspectos e em todos os níveis da vida cultural, tanto na teologia mística e na filosofia quanto nas mitologias e nos folclores universais; tanto nos sonhos e nas fantasias dos modernos quanto nas criações artísticas.

Não foi por acaso que Goethe procurou, durante toda a vida, o verdadeiro lugar de Mefistófeles, a perspectiva na qual o Demônio que negava a Vida se mostrasse, paradoxalmente, seu mais precioso e incansável colaborador. Também não foi por acaso que Balzac, criador do romance realista moderno, retomou, em seu mais belo romance fantástico, um mito que obsedava a humanidade há vários milênios.

Goethe e Balzac acreditavam na unidade da literatura européia e considerevam suas obras como pertencentes a essa literatura. Ficariam ainda mais orgulhosos se tivessem pressentido que a origem dessa literatura européia está além da Grécia e do Mediterrâneo, além do Oriente Próximo antigo e da Ásia; que os mitos reatualizados em Fausto e Serafita nos chegam de muito longe no espaço e no tempo; que eles nos chegam da pré-história.

Mircea, Eliade. Mefistófeles e o andrógino; trad. Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 1991.p.127-129.

Desejo Secreto - bondage dominação sadismo masoquismo ... O que pretendo é expor uma outra maneira de ver as coisas: para Mircea Eliade (1991, p.127-129), "o ser humano sofre de uma nostalgia do Paraíso perdido eo ... www.desejosecreto.com.br/subs/subs05.htm - 12k

A CONDIÇÃO DIALÉTICA DA RELAÇÃO D/S

lan@

         Dia desses escrevi um relato sobre a minha iniciação no BDSM que acabou publicado aqui no site Desejo Secreto. Nesse relato eu me referi superficialmente ao "servir e ser servido" como "dois aspectos diferentes da mesma ordem de fatos" ou "duas espécies contrárias do mesmo gênero".         Depois de escrito o relato, eu o reli várias vezes e comecei a pensar sobre a condição dialética desse "servir e ser servido", atitudes tão comuns num relacionamento BDSM que não nos damos conta da profundidade de ambas as ações. Achei pertinente retomar o tema.         Para o sociólogo americano Peter Berger (1972, p.105-110), o ser humano desempenha um "papel" que lhe foi

designado pela sociedade. O papel oferece o padrão segundo o qual o indivíduo deve agir na situação. Partindo dessa premissa e transferindo-a para o nosso assunto, podemos concluir que em BDSM, cada qual (Dominador e dominado), cumpre o seu papel. O papel que se espera deles.         Se conseguirmos nos despir um pouco das nossas reservas, é muito fácil observar a distribuição de papéis em todos os níveis sociais. Se vamos a uma festa de família, encontramos os casais investidos nos seus papéis de "esposa e marido"; se vamos a um bar de freqüência homossexual, percebemos com facilidade os papéis de "feminino e masculino" na maioria dos casais; quando observamos uma sala de aula, percebemos professores e alunos, investidos cada qual no seu papel; num orfanato encontramos pessoas investidas nos seus papéis de boas e caridosas, tentando ajudar outras pessoas investidas nos seus papéis de humildes necessitados, etc.         É preciso que se entenda que esses papéis que desempenhamos com tanta naturalidade - ainda em Berger (1972, p. 112-113) - não foram escolhidos livremente por nós. Esses papéis nos são designados pela sociedade. A sociedade nos ensina desde a infância a representar os papéis e crescemos dando para a sociedade exatamente o que ela espera de nós.         Particularmente sempre fui um pouco embirrada com essa realidade da distribuição de papéis. E questiono essa distribuição. Não questiono a existência da distribuição em si, ela existe; é fato. O que questiono é a necessidade dela. Não a necessidade dela para a sociedade (Berger afirma e prova que a sociedade precisa dela); questiono a necessidade dela para mim mesma.         Por isso, gosto de analisar as coisas pela lógica dialética. Quando falo em dialética, estou me referindo a uma maneira de analisar a realidade, colocando em evidência as suas contradições com o objetivo de superá-las.         Senão vejamos: meu Dono me domina e eu sou dominada por ele. Como ele me domina? A resposta é fácil: eu me submeto a ele. Nada é feito sem o meu assentimento. Tudo é muito discutido, esclarecido e respeitado; principalmente os limites. A segunda questão é: Por que eu me submeto? Por que eu o sirvo? Por que sou sua escrava? A resposta também é fácil: porque gosto, porque me dá prazer. Satisfazer seus caprichos, servi-lo, é o meu grande tesão. Certo até aqui? Então vamos

ilustrar!         Quando (eventualmente) eu falo alguma coisa que o desagrada, por uma questão de disciplina, sou castigada. E o castigo pode variar muito: desde chicotadas, humilhações ou toda uma série de punições que a imaginação dele alcançar. Digamos que num desses castigos, ele escolha o chicote. Ora!!! Eu gosto do chicote!!! Não cabe aqui investigar o porquê exato que eu gosto do castigo com chicote: pode ser que eu goste da angústia provocada pela ameaça; pode ser que eu goste da adrenalina que a tensão coloca em movimento; pode ser que eu goste da dor; pode ser que eu goste de me submeter ao poder que eu consinto a ele nesse momento; pode ser que eu goste das marcas que fiquem depois... Enfim, não é esse o ponto. O ponto é: quando eu provoco um castigo (e todos sabemos que um submisso(a) pode fazer isso - ainda que inconscientemente) ou quando eu peço por uma humilhação ou ainda quando eu sugiro um castigo; podemos dizer que ele está fazendo exatamente o que eu (a dominada) quero que ele faça... Então... Quem está servindo quem nesse momento? Quem está dominando quem? Ou quem está realmente obedecendo a quem?         Nesse ponto, é bom esclarecer que não pretendo reivindicar o sumário desaparecimento dessa classificação (dominador/dominado); até porque a classificação facilita o entendimento do processo da relação.         O que pretendo é expor uma outra maneira de ver as coisas: para Mircea Eliade (1991, p.127-129), "o ser humano sofre de uma nostalgia do Paraíso perdido e o desejo de recuperar essa Unidade perdida o obriga a conceber os opostos como aspectos complementares de uma realidade única". No nível desse pensamento, há um esforço do homem para ter acesso a uma perspectiva na qual os contrários se anulem (como foi o caso de Goethe, que procurou durante toda a sua vida, o verdadeiro lugar de Mefistófeles, a perspectiva na qual o Demônio que negava a Vida se mostrasse, paradoxalmente, seu mais precioso e incansável colaborador).         Minha pretensão com o exposto é investigar a possibilidade de não lutarmos contra isso, contra o que Eliade chama de coincidentia oppositorum (reunião dos contrários). Assumir o papel de submissa, não me tira a possibilidade de, sob alguns aspectos, estar dominando. Acho mesmo que uma relação de

BDSM pode ser muito mais rica, quando entendida como a reunião de duas pessoas, criando um estado contraditório no qual os contrários coexistem sem confrontar-se e que não seja tão importante à distribuição dos papéis. Que sejamos capazes de perceber que durante uma sessão de BDSM não há quem domina e quem é dominado. O que há são duas pessoas vivendo uma relação intensa, onde segundo Danna: "Em BDSM nos concentramos no que sentimos de verdade, vivendo relacionamentos muito fortes em termos de emoções. Existe extrema confiança e cumplicidade em todas as práticas, além de entrega total. Por estarmos completamente expostos, vulneráveis, ligados um ao outro em todos os minutos, o BDSM se torna algo mágico, que engloba conquista, sedução em todos os momentos, um verdadeiro ritual... Tudo para que o prazer, em toda a sua plenitude, exploda!...".

Referências Bibliográficas

BERGER, P. Perspectivas sociológicas - uma visão humanística. Petrópolis: Vozes, 1972. DANNA. Ciúme. Disponível na Internet: www.desejosecreto.com.br/pagsub6.html. Em 19/02/01. ELIADE, M. Mefistóteles e o andrógino. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

 

Em 23/03/01 (noite quente em Curitiba)

Aula de Introdução à Filosofia ... A crítica ao mito, realizada por filósofos e religiosos, não significa, nas palavras de Mircea Eliade, que "esse pensamento tenha sido definitivamente ... www.geocities.com/discursus/textos/mito2.html - 24k

Autor: Antônio Rogério da Silva

Unidade 1: Mito e logos

Literatura e Discurso Teórico;

Desde a antiguidade, o mito adquiriu o caráter, por vezes pejorativo, de uma narrativa fabulosa, ficcional ou mentirosa. Esse aspecto desfavorável não permitia mais que o mito fosse aceito como uma forma válida para abordar assuntos considerados superiores, tais como os religiosos e filosóficos. Entretanto, problemas em relação à falta de documentos históricos e argumentos definitivos não favoreciam uma fundamentação última desses assuntos. Em muitos casos foi preciso abandonar essa pretensão em favor de uma interpretação não literal dos fenômenos no mundo. Eventualmente, para evitar as dificuldades impostas pelas limitações racionais e materiais, teve-se de recorrer à alegorias ou metáforas que elucidassem essas questões.

As fracassadas tentativas do Cristianismo, por exemplo, de estabelecer a verdade dos evangelhos como fatos históricos levaram os primeiros exegetas cristãos - como Orígenes (séc. II) - a tentarem mostrar que o verdadeiro sentido da religião estava além da história, ou seja, encontrava-se em seu sentido espiritual. A partir desse novo enfoque, termos como "enigmas", "parábolas" e "dogmas", assumiram a mesma função que os rejeitados "mito", "ficção" e "mistérios".

Do lado filosófico, a construção de um discurso teórico verdadeiro não esteve - e ainda não está - livre de embaraços míticos. A teoria, sendo entendida enquanto um conjunto de sentenças que precisam ser plenamente satisfeitas, de acordo com o filósofo norte-americano Williard Quine, só pode ser considerada verdadeira de modo relativo. Isso porque, ao se especificar as sentenças que comporão a teoria, o teórico emprega palavras cuja escolha depende de uma teoria doméstica geral que não foi exposta. Por conseguinte, as sentenças da teoria seriam descritas por outra, a saber: aquela teoria doméstica cujos objetos também deveriam ser questionados. A construção de uma teoria consistente - com todas sentenças verdadeiras -, portanto, nunca

pode ser executada em sua concepção absoluta, mas sempre relativa a outra teoria que não é posta à prova(1).

Existem alguns critérios para averiguar a validade de uma teoria. Primeiro, o da não-contradição: uma teoria não pode dizer de algo que esse algo seja verdadeiro e falso, ao mesmo tempo. Segundo, ela não pode cair num regresso ao infinito, recorrendo sempre a outras teorias sucessivamente. Terceiro, não deve comete uma circularidade, isto é, suas conclusões não devem ser pressupostas por suas premissas. Tais requisitos já haviam sido exigidos pelos filósofos céticos, discípulos de Pirro (séc. III a. C.). O ceticismo pirrônico propunha a suspensão do juízo sob a alegação de que apesar de existirem critérios para demonstrações teóricas, não haveria nenhuma demonstração que pudesse satisfazer esses critérios(2).

Sem poder satisfazer tantas exigências de uma só vez, o discurso teórico, quando visa encontrar o fundamento último de um enunciado com pretensões de verdade, frequentemente tem de apelar para uma construção imaginária ideal que sustente suas posições.

A crítica ao mito, realizada por filósofos e religiosos, não significa, nas palavras de Mircea Eliade, que "esse pensamento tenha sido definitivamente abolido"(3). Apesar de todo ataque sofrido, por esses dois flancos, os mitos helênicos resistiram, como obra literária, à crença religiosa e muitas teorias lançadas contra eles pelos pensadores e filósofos antigos. Nesse sentido, a escrita foi uma aliada importante para isso, pois os cultos religiosos se perderam no tempo, quando a oralidade da tradição abriu espaço à cristianização de suas práticas. Tudo que restou da religião helênica se deve ao fato dela ter sido mencionada em obras-primas literárias e artísticas(4). Quanto ao logos helênico, muito de seu significado foi perdido, durante as inevitáveis mudanças históricas, ocorridas através do tempo, apesar dos fragmentos e testemunhos grafados, pois seu conteúdo filosófico circusntanciado também foi esquecido.

Eis uma vantagem que o mito tem sobre outras formas de discurso: a narrativa mítica consegue manter uma certa perenidade, enquanto a religião e a filosofia perdem muito de sua força original, com o passar dos anos. A capacidade da narrativa mítica atender a diversas perspectivas pessoais sobre o mundo, permite que novas gerações possam reinterpretá-los sem que eles percam coesão. Por não admitirem mais de um significado em suas teses centrais, religiosos e filósofos fazem com que suas doutrinas sejam refratárias às transformações interpretativas, tornando-se logo obsoletas.

Literatura

A literatura, então, pôde absorver toda a herança da riqueza de significados do mito, sem restrições. Renegado pela religião e filosofia, os escritores literários não impuseram barreiras à narrativa mitológica. Pelo contrário, esses artistas perceberam que os mitos poderiam fornecer a matéria-prima que, depois de reelaborada, expressariam novos significados, o que outras formas de expressão proibiam.

Eliade, que sempre se dedicou à análise dos mitos, crê ser "possível dissecar a estrutura 'mítica' de certos romances modernos"(5). Temas como herói-salvador, visões mitológicas da mulher, riquezas e ritos de iniciação, encontrados nos livros modernos revelariam o desejo por consumir o maior número possível de "histórias mitológicas". Para Eliade, "alguns aspectos e funções do pensamento mítico são constituintes do ser humano"(6). Apesar do romance moderno ter um tempo próprio diferente de uma sociedade tradicional - que ouvia, mais do que lia o mito -, do mesmo modo que na narrativa mítica, o leitor atual é convidado a sair do seu tempo histórico e pessoal, mergulhando num "tempo fabuloso, trans-histórico"(7). Nesse tempo imaginário, o ritmo é ditado segundo uma concepção própria e exclusiva de cada história. Nesse sentido, o ser humano conserva hoje,

"resíduos de um comportamento mitológico (...). Os traços de tal comportamento mitológico revelam-se igualmente no desejo de reencontrar a intensidade com que se viveu, ou conheceu, uma coisa pela primeira vez; de recuperar o passado longínquo, a época beatífica do 'princípio'"(8).

O paralelo traçado aqui, entre literatura e mito, discurso teórico e logos, estende-se até o valor de verdade pretendido por cada uma dessas formas de pensamento cognitivo. Na antiguidade, como foi exposto, o mito era tratado por fábulas sem teor de verdade, enquanto o logos tinha a pretensão de revelá-la. Modernamente, considera-se que os argumentos empregados por uma teoria visam convencer alguém de sua veracidade, apelando para procedimentos que estabeleçam provas formais e empíricas. As histórias literárias, por sua vez, procuram, de um modo geral, sustentar semelhanças com a vida, sua verossimilhança, e não verdade. A literatura, como uma invenção dos romancistas e dramaturgos modernos, imagina um contexto feito de realidades psíquicas dos personagens, deixando o mundo "real" como pressuposto ou implícito. Essa imaginação produz histórias envolventes e críveis, mas sem compromisso com a verdade.

O Discurso Teórico

O argumento lógico, que caracteriza o discurso teórico, tem uma função diferente da história bem contada. De acordo com o psicólogo Jerome Bruner, autor de Realidade Mental, Mundos Possíveis, o modo de pensamento lógico-científico "tenta preencher o ideal de um sistema formal e matemático de descrição e explicação"(9). Conceitos e categorias usados são relacionados uns com os outros, de modo que encontrem seu exato lugar num sistema formal. A intuição do teórico, diferente da imaginação poética, procura revelar as conexões formais, para depois prová-las de uma maneira formal ou concreta, apresentando um exemplo empírico. Em suma, o discurso teórico trabalha com causas gerais e como elas são constituídas. Nesta tarefa, utiliza-se de procedimentos que visam garantir uma referência comprovável, que também possa ser testada empiricamente.

A linguagem do cientista está sempre preocupada em atender às exigências do critério cético apontado antes. Pode-se dizer que a ciência também constrói mundos possíveis, imaginando fatos com os quais a teoria tem que considerar. Enquanto a literatura não tem a preocupação de comprovar suas conclusões, a ciência vai mais além, predizendo algo que supostamente pode ser provado como certo, apesar de toda especulação. Numa frase, o discurso teórico ergue pretensões de verdade que podem ser falsificadas por um exame qualquer, enquanto as histórias erguem pretensões de verossimilhança que não podem ser negadas, mas aceitas ou não pelos leitores.

Não obstante, eventualmente, um escritor de romance pode vir a ultrapassar essas limitações e pretender, com suas histórias, passar subsumidamente uma teoria sobre o mundo e as relações humanas com teor de verdade. Por outro lado, os cientistas, ao elaborarem suas teorias, por vezes, são forçados a tratarem de temas que não são passíveis de falsificação, quando, por exemplo, um historiador apela para as intenções e sentimentos de um certo personagem histórico, a fim de explicar uma das causas de certo acontecimento; ou quando um físico se vale de argumentos antrópicos, isto é, quando ele afirma que sua teoria não pode estar errada porque senão não seria possível perceber o mundo tal como o percebemos, segundo seu estágio atual e a nossa capacidade de conhecê-lo.

Jerome Bruner conta que

o economista Robert Heilbroner observou certa vez que, quando as previsões baseadas em teoria econômica falham, ele e seus colegas passam a contar histórias sobre administradores japoneses, sobre a "cobra" de Zurich, sobre a "determinação" do Banco da Inglaterra de impedir a queda da libra esterlina (...)(10)

Isso mostra que "as narrativas podem ser o último recurso dos teóricos econômicos"(11), pois, afinal, elas constituem a vida das pessoas e seu comportamento cotidiano, objetos do estudo de economistas. Assim, tanto a literatura e discurso teórico passam a entrelaçarem-se inevitavelmente.

Recapitulando, tanto o discurso teórico, como a literatura, a despeito de todos os esforços de categorização de suas estruturas e características, continuam tão envolvidos, um com o outro, quanto estavam na origem da oposição entre mitos e logos, na longínqua civilização helênica clássica. Talvez como para provar o que dizem Eliade e Bruner, de ponto de vistas diferentes, isto é que a necessidade do envolvimento humano pelas narrativas faça parte inseparável de sua própria condição e que tudo que o ser humano faz ou pensa está inserido irremediavelmente numa história.

Bibliografia

BARROW, J. D. Teorias de Tudo; trad. MªLuíza X. De A. Borges. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

BRUNER, J. Realidade Mental, Mundos Possíveis; trad. Marcos A. G. Domingues. - Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

DIÓGENES LAÉRCIO. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Antigos; trad. - Brasília: Unb, 1987.

ELIADE, M. Mito e Realidade; trad. Pola Civelli. - São Paulo: Perspectiva, 1972.

SMITH, P. J. "Wittgenstein e o Pirronismo", in Analytica, vol. 1, n° 1. - Rio de Janeiro: UFRJ, 1993.

QUINE, W. v. O. "Realidade Ontológica", in Ensaios; trad. Osvaldo Porchat. - São Paulo: Abril Cultural, 1985.

Notas

1. Veja QUINE, W. v. O. "Realidade Ontológica", in Ensaios, II, pp. 146/7.

2. Veja DIÓGENES LAÉRCIO. "Pirro", in Vida dos Antigos Filósofos, liv. IX. Também o artigo de SMITH, P. J. "Wittgenstein e o Pirronismo", in Analytica, vol. 1, n° 1, 1993.

3. ELIADE, M. Mito e Realidade, VIII, p. 138.

4. ELIADE, M. Op. Cit., idem, p. 139.

5. ELIADE, M. Idem, ibdem, p.163.

6. ELIADE, M. Ibdem, ibdem, pp. 156/7.

7. ELIADE, M. Ibdem, Ibdem, p. 164.

8. ELIADE, M. Ibdem, ibdem, p. 165.

9. BRUNER, J. "Dois Modos de Pensamento", in Realidade Mental, Mundos Possíveis, p. 13.

10. BRUNER, J. Op. Cit., Idem, p. 45.

11. BRUNER, J. Idem, ibdem, p.45.

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Mircea Eliade, nas suas reflexões a respeito da natureza do tempo sagrado e do tempo profano, define o primeiro como cíclico e o segundo como linear1. Mostra-nos ele, através de exemplos colhidos em diversas culturas, a universalidade da idéia de repetição dos atos ocorridos no instante mágico da criação, in illo tempore, através dos rituais e da recitação do mito cosmogônico2. Fala-nos de uma nostalgia que o homo religiosus sente em relação a esse tempo primordial, indiferenciado, anterior à divisão entre sujeito e objeto, de um anseio que o leva a procurar re-atualizar esse tempo, tornando-se assim, contemporâneo do momento em que os deuses criaram o mundo. Tal re-atualização do tempo primordial propiciaria ao homem religioso uma oportunidade de renovação e purificação, equivalente a um novo nascimento3. Demonstra o grande especialista em História das Religiões como essa idéia de repetição está presente em muitos ritos religiosos, como as festas do Ano Novo, por exemplo4. Para ele, esse grande arquétipo do Eterno Retorno está na origem das teorias sobre o tempo cíclico, entre as quais se destacam, por sua grandiosidade e complexidade, as concepções indianas5.

1. VII p. 326-328.2. VII p. 331-333.3. VII p. 329-331.4. VII p. 334-339.5. VI p. 93-95, CLXXII p. 167-177.