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MODELAÇÃO MATEMÁTICA DA PROPAGAÇÃO DE MATERIAL SÓLIDO RESULTANTE DA RUPTURA DA ESCOMBREIRA DO RIO, MINAS DA PANASQUEIRA Rui M.L. FERREIRA CEHIDRO – Instituto Superior Técnico, TU Lisboa, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal; +351218418143; [email protected] Ricardo CANELAS CEHIDRO – Instituto Superior Técnico, TU Lisboa, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal; +351218418155; [email protected] Daniel CONDE Instituto Superior Técnico, TU Lisboa, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal; [email protected] Maria João BENOLIEL EPAL, Av. de Berlim, 15l, 1800-031 Lisboa, Portugal; +351218552700;[email protected] Pedro COELHO Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, 2829-516 Caparica,Portuga; +351 212 948 300; [email protected] Lourenço GIL EDP, Labelec, Rua Cidade de Goa, nº 4, 2685 Sacavém, Portugal, 351210011476, [email protected] Cristina MARIN, EDP, Labelec, Rua Cidade de Goa, nº 4, 2685 Sacavém, Portugal, 351210011476, [email protected] Felisbina QUADRADO Instituto da Água, Av. Almirante Gago Coutinho, 30, 1049-066 Lisboa, Portugal; +351 21 843 04 26; [email protected] RESUMO O presente trabalho apresenta resultados preliminares da modelação matemática do Rio Zêzere, no âmbito de cenários de instabilização e aluimento da barragem de rejeitados das minas da Panasqueira adjacente ao Rio Zêzere (doravante Escombreira do Rio). O trabalho enquadra-se no projecto “Simulação Matemática de Sedimentos e da Qualidade da Água do Rio Zêzere entre Silvares e a Captação da EPAL na Albufeira de Castelo do Bode”, financiado pela Empresa Portuguesa de Águas Livres (EPAL). Pretende-se simular a ruptura da Escombreira do Rio e o transporte sólido, nomeadamente dos sedimentos finos (fracção granulométrica de sedimentos com diâmetro de peneiração menor que 0.075 mm), que se sabe conterem arsénio e outros metais pesados, ao longo do vale do Rio Zêzere. Dispensa-se especial atenção à quantificação dos depósitos de material fino em cada instante e ao longo do vale, e ao fluxo desses mesmos sedimentos no limite de montante da área inundada pela albufeira do Cabril ao Nível do Pleno Armazenamento. Os modelos matemáticos usados para as simulações foram criados (no caso do STAV-breach) ou modificados (no caso do STAV-1D e do STAV- 2D) para o efeito. Descreve-se as combinações de cenários modeladas e discute-se o cenário considerado mais desfavorável e quantifacam-se os volumes de lamas contendo As que afluem à albufeira de Cabril e se depositam no leito do rio Zezere. Palavras-chave: modelação matemática, modelos de brecha, barragens de rejeitados, minas da Panasqueira.

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MODELAÇÃO MATEMÁTICA DA PROPAGAÇÃO DE MATERIAL SÓLIDO RESULTANTE DA RUPTURA DA ESCOMBREIRA DO RIO,

MINAS DA PANASQUEIRA

Rui M.L. FERREIRA CEHIDRO – Instituto Superior Técnico, TU Lisboa, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal; +351218418143; [email protected]

Ricardo CANELAS CEHIDRO – Instituto Superior Técnico, TU Lisboa, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal; +351218418155; [email protected]

Daniel CONDE Instituto Superior Técnico, TU Lisboa, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal; [email protected]

Maria João BENOLIEL EPAL, Av. de Berlim, 15l, 1800-031 Lisboa, Portugal; +351218552700;[email protected]

Pedro COELHO Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, 2829-516 Caparica,Portuga; +351 212 948 300; [email protected]

Lourenço GIL EDP, Labelec, Rua Cidade de Goa, nº 4, 2685 Sacavém, Portugal, 351210011476, [email protected]

Cristina MARIN, EDP, Labelec, Rua Cidade de Goa, nº 4, 2685 Sacavém, Portugal, 351210011476, [email protected]

Felisbina QUADRADO Instituto da Água, Av. Almirante Gago Coutinho, 30, 1049-066 Lisboa, Portugal; +351 21 843 04 26; [email protected]

RESUMO

O presente trabalho apresenta resultados preliminares da modelação matemática do Rio Zêzere, no âmbito de cenários de instabilização e aluimento da barragem de rejeitados das minas da Panasqueira adjacente ao Rio Zêzere (doravante Escombreira do Rio). O trabalho enquadra-se no projecto “Simulação Matemática de Sedimentos e da Qualidade da Água do Rio Zêzere entre Silvares e a Captação da EPAL na Albufeira de Castelo do Bode”, financiado pela Empresa Portuguesa de Águas Livres (EPAL).

Pretende-se simular a ruptura da Escombreira do Rio e o transporte sólido, nomeadamente dos sedimentos finos (fracção granulométrica de sedimentos com diâmetro de peneiração menor que 0.075 mm), que se sabe conterem arsénio e outros metais pesados, ao longo do vale do Rio Zêzere. Dispensa-se especial atenção à quantificação dos depósitos de material fino em cada instante e ao longo do vale, e ao fluxo desses mesmos sedimentos no limite de montante da área inundada pela albufeira do Cabril ao Nível do Pleno Armazenamento. Os modelos matemáticos usados para as simulações foram criados (no caso do STAV-breach) ou modificados (no caso do STAV-1D e do STAV-2D) para o efeito.

Descreve-se as combinações de cenários modeladas e discute-se o cenário considerado mais desfavorável e quantifacam-se os volumes de lamas contendo As que afluem à albufeira de Cabril e se depositam no leito do rio Zezere.

Palavras-chave: modelação matemática, modelos de brecha, barragens de rejeitados, minas da Panasqueira.

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1 – INTRODUÇÃO

As minas da Panasqueira localizam-se na vertente sul da cordilheira montanhosa da Serra da Estrela, junto à aldeia da Barroca Grande, distrito de Castelo Branco (Figura 1). A exploração de volframite ter-se-á iniciado cerca de 1888 (CAVEY and GUNNING, 2006). O material rejeitado e as lamas provenientes da lavaria foram, entre 1927 e 1996, acumulados junto ao rio Zêzere formando uma barragem de rejeitados que, doravante, se designará Escombreira do Rio (Figura 1).

A Escombreira do Rio dista cerca de 150 km da captação da EPAL na albufeira de Castelo do Bode, medidos ao longo do desenvolvimento do rio Zêzere. Entre a captação e a escombreira existem duas barragens de grandes dimensões, Cabril e Bouçã, e as respectivas albufeiras com capacidades de 720 hm3 e 48,4 hm3 (Figura 2).

As escorrências das escombreiras das minas da Panasqueira, nomeadamente as da Escombreira do Rio têm vindo a provocar a contaminação de águas superficiais e subterrâneas. Acresce que a instabilização total ou parcial da Escombreira do Rio implicaria, pela sua localização, a afluência de grandes quantidades de material sólido, incluindo compostos de arsénio, cadmio, mercúrio ou chumbo, entre outros metais pesados. A localização, a jusante, de várias captações para produção

de água para consumo humano, bem como de zonas balneares e de diversas infra-estruturas para produção de energia hidroeléctrica, torna premente conhecer os potenciais impactos, considerando diferentes cenários de contaminação.

Figura 1 – Localização da Escombreira do Rio. A azul sublinha-se o leito principal do rio Zêzere.

Nesse sentido, e para dar resposta a uma solicitação da EPAL (Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.), desenvolveu-se uma equipa de trabalho que envolve a própria EPAL, o Instituto da Água, a EDP – Produção e Gestão de Energia, o Grupo de Hidráulica do Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, e o CEHIDRO (Centro de Investigação em Hidrossistemas do Instituto Superior Técnico, Universidade

Técnica de Lisboa). Um dos principais objectivos dos estudos em curso corresponde à avaliação da quantidade de material sólido proveniente da Escombreira do Rio que, em cenários de instabilização e aluimento e propagação ao longo do rio Zêzere, atinge a albufeira da barragem de Cabril. Esta quantificação apoia-se, essencialmente, nos dados de base que caracterizam a escombreira e o rio Zêzere, e em ferramentas de simulação matemática desenvolvidas pelo CEHIDRO.

500 m

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O presente trabalho apresenta resultados preliminares da modelação matemática do escoamento da mistura de material sólido e água entre a secção da escombreira e a secção da barragem de Cabril. Dispensa-se especial atenção à propagação, ao longo do vale do Rio Zêzere, nas condições de um cenário desfavorável, das fracções mais finas associadas às lamas que incorporam compostos de arsénio e outros metais pesados. Pretende-se, em particular, quantificar a distribuição longitudinal, ao longo do vale, e em cada instante de cálculo: i) das variáveis hidrodinâmicas, altura do escoamento, velocidade média na secção e caudal líquido; ii) das variáveis relacionadas com o transporte sólido, nomeadamente concentrações de sedimentos transportados, composição do caudal sólido e composição dos depósitos no leito; iii) da morfologia do leito (erosão e deposição generalizadas ao longo do vale).

Figura 2 – Localização das minas da Panasqueira e respectivas escombreiras relativamente às albufeiras do rio Zêzere e à captação da EPAL

Pretende-se ainda quantificar os depósitos da fracção granulométrica de sedimentos com diâmetro de peneiração menor que 0.075 mm e ao fluxo desses mesmos sedimentos na secção inicial da albufeira de Cabril.

2 – METODOLOGIA E CENÁRIOS DE SIMULAÇÃO

2.1 – Metodologia

A metodologia para a prossecução dos objectivos deste estudo foi delineada na sequência de uma análise preliminar das condições da escombreira e da hidrologia da bacia hidrográfica definida pela secção da escombreira. Identificaram-se incertezas epistémicas quanto i) ao comportamento geotécnico da barragem, ii) à hidrologia da bacia hidrográfica e iii) ao comportamento reológico da mistura de água, lamas e material grosseiro do corpo da barragem. Procurou-se responder às incertezas apontadas por intermédio dos cenários a seguir expostos.

Barragem da Bouçã

Barragem de Cabril

Silvares

Barroca

Captação da EPAL

Barragem de Castelo do Bode

Escombreira do Rio

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A) Quanto à magnitude da ruptura e aluimento: a1) superfície de ruptura extensa, (instabilização de um volume de 800 000 m3). a2) superfície de ruptura limitada, volume (instabilização de um volume de 200 000 m3). B) Quanto à hidrologia do vale: b1) cheia centenária no Rio Zêzere aquando da ruptura; b2) caudal de estio aquando da ruptura. C) Quanto à reologia da mistura de lamas e material da escombreira: c1) lamas com grande potencial de liquefacção e reologia dilatante. Espera-se a propagação de um escoamento de lamas hiperconcentrado no vale do rio Zêzere; c2) lamas com reduzido potencial de liquefacção e reduzidos teores de água; coesividade e tensões friccionais relevantes. Espera-se a acumulação do material da ruptura no seu campo próximo e formação de um aterro secundário no rio Zêzere (a ser posteriormente galgado). 2.2 – Magnitude e localização da ruptura

A Escombreira do Rio consiste num conjunto de aterros de material grosseiro (tout-venant) e

reservatórios de lamas (Figura 3), com um volume total de cerca de 1.2x106 m3 (GRANGEIA et al., 2011). Existe ainda uma pilha de arsenopirites, com cerca de 400 ton de material com concentrações de arsénio (As) entre 45% e 50%.

Figura 3 – Esquerda: planta do sistema de aterros, adaptado de GRANGEIA et al. (2011). Direita: vistas da escombreira exibindo (a vermelho) as zonas de instabilização.

A caracterização geofísica e geoquímica da escombreira pode ser consultada em GRANGEIA et al. (2011). Todavia, a informação disponível não é suficiente para que se possa prever o comportamento geotécnico dos aterros em caso de sofrerem acções desestabilizadoras. Em geral, o volume do aluimento depende da localização das superfícies de clivagem no corpo da barragem de inertes, da composição dos inertes e da composição granulométrica e teor em água das lamas retidas, que determina o comportamento reológico das mesmas. Não sendo possível operacionalizar a informação existente num modelo geotécnico de ruptura da escombreira, optou-se por se definir dois

N

N

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cenários, em termos de volumes instabilizados. A avaliação subjectiva da magnitude do volume de instabilização é da responsabilidade da equipa de trabalho e decorre da consideração de observações históricas, descritas na literatura (TAKAHASHI, 2007) e ocorridas na Ilha da Madeira no evento de 20 de Fevereiro de 2010 (PEDAM, 2010).

Na Figura 3 representa-se as zonas sujeitas a instabilização. O menor volume de instabilização considerado (200 000 m3) é uma ordem de grandeza superior aos maiores deslizamentos de encosta registados em PEDAM (2010). Admite-se que possa ocorrer na zona (crítica) na qual se situa a pilha de arsenopirites (Figura 3). Este volume corresponde ao cenário (a2). O maior volume de instabilização (800 000 m3) corresponde a 77% do volume de lamas acumuladas (cerca de 560 000 m3 de 730 000 m3) e parte do aterro que as sustém. Corresponde ao cenário (a1). Pode considerar-se que os cenários A correspondem a eventos extremos, embora seja impossível atribuir-lhes probabilidades.

2.2 – Hidrologia da bacia

Realizou-se um estudo hidrológico para determinar o caudal de ponta da cheia centenária e o respectivo hidrograma. Os detalhes podem ser consultados em FERREIRA et al. (2012). Verificou-se

que os caudais de ponta mais elevados correspondem à aplicação do modelo do Hidrograma Unitário Sintético (HUS), do SCS, considerando hietogramas com intensidade variável com a duração do tempo de concentração da bacia hidrográfica. Para este último parâmetro obtiveram-se os valores de 21 h, 20 h e 10 h, respectivamente pelas fórmulas empíricas de Giandotti, Temez e Kirpich.

Na Figura 4 apresentam-se os hidrogramas de cheia para os tempos de concentração de 10 e 20 horas. Estes hidrogramas foram obtidos por convolução de sucessivos HUS do SCS ponderados pela precipitação do impulso que o motiva.

Figura 4 – Hidrogramas de cheia correspondentes aos tempos de concentração de 10 h (H1, esquerda) e

de 20 h (H2, direita).

Foi considerada uma precipitação útil de 85% da precipitação total, percentagem igual em todos os impulsos (blocos) considerados e com distribuição temporal não constante (blocos alternados). No Quadro 2 apresentam-se os valores do caudal de ponta e do volume associados à cheia.

Quadro 2 – Síntese das principais características dos hidrogramas

Tempo de Concentração Caudal de Ponta Volume Duração

10 Horas 3413.7 43 (h)

20 Horas 1956.7 125 (h)

As cheias caracterizadas na Figura 4 e no Quadro 2 representam sub-cenários do cenário (b1).

Como cenário (b2) considerou-se um caudal de 70 m3s–1, correspondente a um valor frequente de estiagem.

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2.3 – Reologia da mistura de água e material da escombreira

O aluimento resultante da instabilização da escombreira poderá transformar-se num escoamento de lamas contaminadas ao longo do rio Zêzere (cenário c1) ou poderá formar uma obstrução temporária no leito do rio, a ser galgada e erodida posteriormente, dependendo do comportamento reológico da mistura de água e sedimentos (cenário c2). Este comportamento é principalmente influenciado pelo teor em água da mistura e pela percentagem de fracções finas (diâmetro de peneiração 50 0.075d

mm), designadas, imprecisamente, por “lamas” resultantes do processo de lavagem do minério. Mostra-se, na Figura 5, a simulação matemática da evolução da mistura de fluido e material

sólido na sequência da ruptura da Escombreira do Rio. A simulação foi levada a cabo pelo modelo STAV 2D (descrição detalhada em CANELAS et al., 2012, FERREIRA et al., 2012) para as condições iniciais do cenário (a2) – ruptura extensa.

No caso do cenário (c1), se a ruptura se der em período estival, o leito do rio Zêzere poderá ficar coberto com uma camada de sedimentos finos contaminados. Para o escoamento líquido, esta camada

será uma fonte de contaminação difusa. Se a liquefacção das lamas for reduzida, independentemente do cenário de cheia, será formada um aterro secundário que, ao ser galgado, gerará uma cheia com um caudal de ponta elevado que transportará, para jusante, o material desse aterro secundário. Neste caso, note-se que o escoamento será acumulado na albufeira da obstrução e libertado pela ruptura desta, originando caudais de ponta de cheia de magnitude superior ao caudal da cheia centenária. Elevadas velocidades e alturas de água podem pôr em risco populações e infra-estruturas. Os impactes morfológicos no rio serão elevados.

2.4 – Resumo dos cenários de simulação

Apresenta-se, no Quadro 2 um resumo das combinações de cenários considerados bem como o balanco de

material sólido, em particular, da fracção 50 0.075d , ao longo do vale do rio Zêzere, entre as secções da

escombreira e do início da albufeira de Cabril. Optou-se por dividir os cenários em dois grandes grupos diferindo quanto ao tipo de depósito no

rio Zêzere. Cada um destes cenários foi subdividido quanto à dimensão dos volumes instabilizados. Evidentemente, os cenários que preconizam maior volume instabilizado conduzem a valores mais elevados de material sólido afluente à albufeira de Cabril. Todavia, deve notar-se que nos cenários (a2) inclui-se a instabilização da pilha de arsenopirites, propagando-se material com elevados teores de As.

Os sub-cenários anteriores foram simulados em duas condições hidrológicas distintas, caracterizadas pelos hidrogramas H1 e H2 constantes representados na Figura 4. O hidrograma H1 apresenta um valor de ponta superior mas menor volume total transportado. O hidrograma H2 apresenta uma ponta menor mas representa uma cheia com maior permanência.

Nos cenários em que se admite haver a formação de um aterro secundário (c2), regista-se incerteza quanto à resistência geotécnica desse aterro. Definem-se, assim, 3 sub-cenários que diferem quanto à erodibilidade do aterro (L1 – baixa erodibilidade –, L2 – elevada erodibilidade – e L3 – erodibilidade intermédia). A definição de erodibilidade e os parâmetros que a representam podem ser consultados em FERREIRA et al. (2012).

O balanço de massa apresentado no Quadro 3 resulta do tratamento dos resultados das simulações efectuadas com o modelo STAV, um modelo 1D quanto à hidrodinâmica e 3D quanto à evolução da morfologia do leito (FERREIRA 2005). O balanço é expresso em termos dos volumes total e de material fino que afluem à albufeira de Cabril nas primeiras 40 horas após o início da ruptura do aterro secundário, e dos volumes de finos que, em t = 40 h, se encontram depositados na superfície do leito, depositados no substrato e em transporte ao longo do vale do rio Zêzere.

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Figura 5 – Resultados do modelo STAV 2D quanto à ruptura da escombreira. Esquerda: escoamento hiperconcentrado de lamas. Direita: deslizamento de encosta e formação de barragem

secundária. De cima para baixo, os instantâneos correspondem aos instantes t = 0, 240 e 620 s.

Para aferir a qualidade dos resultados do modelo, compara-se o somatório dos volumes de finos nas primeiras 40 h de simulação com o valor de material fino introduzido na secção mais a montante. Este último, designado valor de referência no Quadro 3, foi calculado com base nas simulações do modelo STAV-2D. Verifica-se que, no caso dos cenários (a1), dos 800 000 m3 instabilizados, apenas 528 500 m3 se acumulam no leito do rio Zêzere. Destes 60% correspondem a material sólido e 40% ao volume de vazios.

Quadro 3 – Síntese dos cenários e respectivo balanço de massa de sedimentos. Valores em 103 m3.

Nome do cenário compósito SmeH1L1 SmeH1L2 SmeH2L1 SMaH1L2 SMaH1L3 SMaH2L2 SMaH2L3 SmeSpH1 SmeSpH2 SMaSpH1 SMaSpH2

Reologia da mistura

Volume de ruptura

Hidrologia/Hidrograma b1/H2 b2+b1/H1 b2+b1/H2 b2+b1/H1 b2+b1/H2

Resistência aterro secundário L1 L2 L1 L2 L3 L2 L3

Volume de sólidos afluente à

Albufeira de Cabril (40 horas)

(10^3 m^3)

282.6 274.8 205.1 414.3 365.6 468.9 487.9 260.6 125.6 462.0 212.7

Volume de finos afluente à

Albufeira de Cabril (40 horas)

(10^3 m^3)

14.4 15.3 32.6 67.5 54.9 137.0 150.2 37.3 31.1 130.6 72.0

Volume de finos depositado

na superfíce ao longo do vale

(10^3 m^3)

21.2 20.5 4.1 119.5 127.4 57.0 49.2 0.0 4.4 64.4 94.4

Volume de finos depositado

no substrato ao longo do vale

(10^3 m^3)

1.2 1.1 0.4 32.9 37.4 27.7 22.3 0.0 1.8 24.9 45.1

Volume de finos em

transporte ao longo do vale

(10^3 m^3)

0.4 0.4 0.1 1.9 2.2 0.3 0.4 0.0 0.0 1.1 10.2

Total finos (10^3 m3) 37.3 37.3 37.3 221.9 221.9 222.0 222.0 37.3 37.3 220.99 221.7

Referência (10^3 m3) 37.4 222.0222.0

b1/H1 b1/H1 b1/H2

37.4

c2 - aterro secundário c1 - escoamento hiperconcentrado

a2 - Vmin a1 - Vmax a1 - Vmin a2 - Vmax

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Considera-se que o volume de material fino corresponde a 70% do total, valor estimado com base nos dados de GRANGEIA et al. (2011). Quanto ao cenário (a2), o volume efectivamente depositado no leito do rio Zêzere é 89 000 m3, resultante da instabilização de 200 000 m3 de material da escombreira. Daqueles, o volume de finos é 37 400 m3.

Verifica-se que os erros cometidos pelo modelo são inferiores a 0.3% pelo que se admite que a modelação matemática não introduziu incerteza adicional nos cenários estudados.

Em FERREIRA et al. (2012) estudam-se em detalhe os cenários SmeH2L1, SMaH2L3 e SMaSpH2. Neste artigo, procede-se à descrição mais detalhada do cenário compósito SMaH2L3, considerado o mais desfavorável quanto ao volume que aflui à albufeira de Cabril.

3 – RUPTURA DO ATERRO SECUNDÁRIO

Nos cenários que preconizam a formação de um aterro secundário, em particular no SMaH2L3, procede-se, em primeiro lugar, à contabilização do volume instabilizado (incluindo vazios) que, de facto, deposita no leito do rio Zêzere, segundo o modelo STAV-2D. O volume resultante é disposto segundo um eixo horizontal e constitui a condição inicial para o modelo STAV-Breach que simula o galgamento

e a evolução de uma brecha no corpo do aterro secundário. O modelo é 1D no que respeita à fase líquida e 3D no que respeita à evolução morfológica do corpo do aterro (detalhes em FERREIRA et al. 2012). Como condição de fronteira de montante, o modelo admite hidrogramas de cheia natural. No caso do cenário SMaH2L3 trata-se do hidrograma H2 da Figura 4.

Na Figura 7 mostram-se resultados do modelo STAV-Breach, em t = 5.6 h.

Figura 7 – Resultados do modelo STAV-Breach em t = 5.6 h. a) Aspecto do corpo do aterro sujeito a galgamento. b) Perfil longitudinal do fundo (círculos negros) e da superfície livre (círculos azuis)

no eixo de simetria do aterro. c) Perfil transversal do aterro em x = 120 m. d) Hidrograma efluente da brecha.

Na Figura 8 mostra-se o hidrograma resultante do processo de modelação do galgamento e

evolução da brecha no corpo do aterro secundário, nas condições do cenário SMaH2L3. Regista-se que o volume de água se mantém contante mas que o caudal de ponta de cheia aumenta, devido ao efeito inercial de concentração imposto pelo aterro.

Ao volume transportado pela cheia (235x106 m3) adiciona-se o volume de sólidos provenientes da erosão do aterro (0.53x106 m3). O hidrograma de material sólido tem a forma do hidrograma da Figura 8 e representa concentrações de material sólido de cerca 0.2% em volume.

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Figura 8 – Hidrograma de brecha, cenário SMaH2L3

4 – PROPAGAÇÃO AO LONGO DO VALE DO RIO ZÊZERE

4.1 Elementos de base

A propagação dos hidrogramas de água e de material sólido decorrentes da ruptura gradual e total do aterro secundário que se forma na sequência da instabilização da Escombreira do Rio foi simulada com o modelo computacional STAV (FERREIRA 2005). As simulações baseiam-se numa malha de cálculo que resulta da discretização unidimensional do vale do rio Zêzere e requer informação adicional quanto à rugosidade e às características sedimentológicas do vale e quanto à localização de singularidades como pontes ou açudes. Foram levantadas 91 secções de cálculo na com base na informação topográfica constante na carta militar à escala 1:25000 (exemplo na Figura 9) e gerou-se uma malha mais fina por interpolação na malha original.

Figura 9 – Modelo digital de elevação do vale do rio Zêzere e exemplos de secções transversais.

Uma inspecção ao local permitiu localizar os trechos em que o leito é aluvionar e, portanto, potencialmente móvel, e estimar o diâmetro mediano e a granulometria do fundo. Permitiu ainda estimar os valores do coeficiente da fórmula de Manning-Strickler, sK , (para o leito e para as margens)

ao longo do vale e recolher informação quanto à velocidade e altura do escoamento, em secções seleccionadas, para verificar os valores de sK (detalhes em FERREIRA et al. 2012).

Mostra-se, na Figura 10, o perfil longitudinal do talvegue do rio Zêzere, bem como a espessura estimada do aluvião. Na Figura 11 apresentam-se os valores estimados do coeficiente da fórmula de

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Manning-Strickler. Os valores apresentados representam uma média ponderada dos coeficientes do leito menor e da planície de inundação.

Figura 10 – Perfil longitudinal do talvegue do rio Zêzere ( ), cotas estimadas do substrato fixo

( ) e nível de pleno armazenamento da albufeira de Cabril ( ).

Figura 11 – Estimativa dos valores do coeficiente da fórmula de Manning-Strickler.

4.2 Resultados da simulação, cenário SMaH2L3

Os resultados das simulações para o cenário de ruptura são resumidos nos seguintes elementos gráficos. Na Figura 12 mostra-se a evolução temporal, em diversas secções de cálculo, da altura do escoamento ( h ), da velocidade média do escoamento (U ), do caudal total ( Q ), do caudal sólido

volumétrico total ( sQ ), do caudal sólido volumétrica da fracção 50 0.075d mm ( 1sQ ), da variação da

cota do fundo ( bZ ), do volume da fracção 50 0.075d mm acumulado na superfície do leito ( 1V ) e do

volume da fracção 50 0.075d mm acumulado no substrato ( 1fV ). Note-se que se considera a

superfície como os 70 cm iniciais do leito. Consulte-se a legenda da Figura 12 para conhecer as localizações das secções em que se avalia as evoluções temporais. A cheia resultante do galgamento do aterro pela cheia hidrológica centenária caracteriza-se por um caudal de ponta 1.9 vezes superior ao da cheia natural (Figura 12c). Verifica-se que o vale do rio Zêzere entre a secção da Escombreira do Rio e a secção de início da albufeira de Cabril não tem capacidade de laminar a cheia, o que se deve ao facto de não existirem obras hidráulicas de regularização fluvial e de não se registarem zonas de

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acumulação lateral. Assim, o hidrograma afluente à albufeira de Cabril é semelhante ao que resulta da ruptura do aterro secundário, embora desfasado de cerca de 1.1 h.

Figura 12 – Evolução temporal de h , de U , de Q , de sQ , de 1sQ , de bZ , de 1V e de 1fV nas secções

de cálculo: 1) Barroca, açude (x = 1823 m); 2) Dornelas, atravessamento (x = 5203 m); 3) Porto de Vacas,

ponte (x = 15323 m); 4) Esteiro, açude (x = 20324 m); 5) Janeiro, ponte (x = 24182 m); 6) Ademoço (x =

30424 m); 7) Cambas, ponte (x = 34024 m); 8) Caneiros (x = 42724 m); 9) albufeira Cabril (x = 45100 m).

As alturas do escoamento aumentam significativamente ao longo de todo o canal. Nas

povoações da Barroca e Dornelas, a altura do escoamento aumenta de cerca de 1.0 m para 16.2 m e 13.8 m, respectivamente em menos de 2.5 h. As velocidades aumentam, no mesmo intervalo, de

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menos de 1.0 m/s para cerce de 6.0 m/s. Esta súbita variação de níveis e velocidades deve ser objecto de um plano de salvaguarda específico.

Figura 13 – Perfis longitudinais da variação da cota do fundo em t = 0 e t = 20 h. Linhas verticais

assinalam os locais: 1) Barroca, açude; 2) Dornelas, atravessamento; 3) Porto de Vacas, ponte; 4)

Esteiro, açude; 5) Janeiro, Ponte; 6) Ademoço; 7) Cambas, ponte; 8) Caneiros; 9) secção inicial da

albufeira de Cabril.

A variação da cota do fundo pode ser observada na Figura 12f (variação temporal) e na Figura 13 (perfis longitudinais). Verifica-se que a zona de erosão generalizada mais pronunciada se regista até cerca de 1 km a jusante do açude da Barroca. Parte dos volumes erodidos depositam-se na zona de Dornelas, em parte como consequência de uma suavização do perfil do rio. A jusante do km 40 verifica--se uma perda acentuada da capacidade de transporte com consequente deposição generalizada. Este facto pode ser comprovado na Figura 12d, na qual se observa a variação temporal do caudal sólido total. Regista-se uma atenuação significativa dos hidrogramas de caudais sólidos nas secções 8 (Caneiros) e 9 (início da albufeira). Nas restantes secções hidrograma de caudais sólidos mantém picos da mesma ordem de grandeza (25-30 m3s–1), registando-se um atraso em relação ao pico do caudal total. As concentrações máximas, de cerca de 0.86%, registam-se na zona de Esteiro.

Nas Figuras 12e e 14 mostra-se a evolução temporal e os perfis longitudinais do caudal sólido da fracção fina, que representa as lamas com elevadas concentrações de As e outros metais pesados. A Figura 12e revela que o volume de material fino transportado varia pouco até à zona de Esteiros (secção 8). O pico do caudal sólido atenua-se, não por perda de massa, mas por efeitos decorrentes da natureza dissipativa dos fenómenos de transporte. Na Figura 14 observa-se que o material fino (vermelho) constitui uma parcela importante do caudal sólido total, sendo transportado em suspensão com algum desfasamento em relação ao escoamento líquido. A integração do hidrograma correspondente à secção inicial da albufeira de Cabril revela que afluem à albufeira 150.2x103 m3 de material fino (assinalado o Quadro 3). A fracção granulométrica 500.075 0.250d mm (magenta),

transportada em suspensão e por arrastamento, representa também uma parcela importante do transporte sólido. Parte do transporte desta fracção é originário do aterro secundário e, portanto, da escombreira (e conterá compostos de As) mas a parte dominante provirá do leito do rio. As fracções mais grosseiras (a verde, azul e preto) representam o transporte sólido por arrastamento. Em conjunto, não chegam a ultrapassar os 8.0 m3s–1, sendo o seu transporte muito atenuado a jusante do km 35, na aproximação ao cone de dejecção da albufeira de Cabril.

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Nas Figuras 12g e 15 mostra-se a evolução temporal e os perfis longitudinais dos volumes de material fino depositados na superfície do leito (até à profundidade de 70 cm).

Figura 14 – Perfis longitudinais do caudal sólido associado às fracções granulométricas 50 0.075d mm

(vermelho), 500.075 0.250d mm (magenta), 500.250 2.0d mm (azul), 502.0 20d mm (verde)

e 5020 200d (preto) em t = 0, t = 10 h e t = 20 h. Linhas verticais identificadas como na Figura 13.

Figura 15 – Perfis longitudinais do volume depositado na superfície do leito associado às fracções

granulométricas 50 0.075d mm (vermelho), 500.075 0.250d mm (magenta), 500.250 2.0d mm

(azul), 502.0 20d mm (verde) e 5020 200d (preto) em t = 0 e t = 20 h. Linhas verticais

identificadas como na Figura 13.

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As figuras revelam que não há deposição significativa das lamas com compostos de As até, sensivelmente, ao km 41. A Figura 12g revela ainda que a deposição se inicia na secção mais a jusante (albufeira de Cabril) e progride para montante, sendo apreciável na secção de Caneiros. É nesta zona que se depositam os 49.2x103 m3 de lamas contaminadas, assinalados no Quadro 3. Nota-se ainda que, como resultado da propagação desta cheia, a superfície do leito do rio Zêzere encouraça

até ao km 34, com a desaparição das fracções até 250 m. Pelo contrário, nas secções mais a montante regista-se um refinamento do leito, com o aumento dos volumes das fracções mais finas.

Uma vez esgotada a capacidade de acumulação na superfície do leito, o material sólido é acumulado no substrato, de onde é mais difícil a sua remoção por meios naturais. Mostra-se, nas Figuras 12h e 16 a evolução temporal e os perfis longitudinais dos volumes de material fino depositados no substrato do leito do rio Zêzere. As figuras mostram que só há deposição de lamas com compostos de As a jusante da secção de Caneiros. À semelhança da deposição na superfície, a acumulação no substrato inicia-se na albufeira e progride para montante.

Figura 16 – Perfis longitudinais do volume depositado no substrato associado às fracções

granulométricas 50 0.075d mm (vermelho), 500.075 0.250d mm (magenta), 500.250 2.0d mm

(azul), 502.0 20d mm (verde) e 5020 200d (preto) em t = 20 h. Linhas verticais identificadas

como na Figura 13.

O volume de material fino, contendo compostos de As e de outros metais pesados, acumulado no substrato é 22.3x103 m3 (ver Quadro 3). A Figura 16 revela ainda que o bedrock é atingido no trecho compreendido entre a escombreira e a Barroca, desaparecendo a camada aluvionar.

5 – CONCLUSÃO

Neste trabalho procurou-se modelar matematicamente, de forma determinística, os processos envolvidos na propagação, ao longo do rio Zêzere, de material proveniente da instabilização e aluimento da Escombreira do Rio, minas da Panasqueira. Registando-se incerteza epistémicas quanto à quantidade de material instabilizado, à hidrologia da bacia hidrográfica e quanto à reologia da mistura de água e sedimentos, foram propostas combinações de cenários e simuladas as suas consequências. Descreveu-se a sequência de trabalhos de modelação nas condições do cenário mais desfavorável.

Este compreende a formação de um aterro secundário, com 528 500 m3 (volume total, incluindo vazios) na

sequência da instabilização de 800 000 m3 de lamas e tout-venant da escombreira. O aterro secundário é galgado e erodido por uma cheia centenária cujo volume transportado é 235x106 m3 e o cujo caudal de ponta é 1956.7 m3s–1. O hidrograma resultante do processo de erosão do aterro secundário provoca

uma cheia cujo caudal de ponta é 1.9 vezes superior ao da cheia natural. A propagação do escoamento resultante da ruptura do aterro secundário e do próprio material sólido do aterro resulta num padrão de deposição e erosão de sedimentos ao longo do vale e em hidrogramas de material sólido afluentes à albufeira de Cabril. A análise dos resultados deste processo de modelação permite elaborar as seguintes conclusões.

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- O escoamento resultante do galgamento e erosão do aterro secundário representa uma cheia potencialmente mais perigosa que a cheia centenária natural. Regista-se um aumento significativo da altura e da velocidade do escoamento num curto intervalo de tempo. - Os sedimentos finos, potencialmente contendo compostos de As, interagem pouco com o leito, sendo transportados essencialmente em suspensão. Dos 222 000 m3 de material fino presentes no aterro secundário apenas 49 200 m3 são depositados na superfície do leito do rio Zêzere sendo que a quase totalidade da deposição se regista a jusante do km 41. - Esgotando-se a capacidade da superfície do leito para acumular sedimentos, regista-se uma acumulação de material fino nos estratos mais profundos do leito, menos sujeitos a ulterior re-suspensão natural. A acumulação no substrato ocorre a jusante do km 42 e tem a magnitude de 22 300 m3. - Regista-se a afluência à albufeira de Cabril de 150 200 m3 de material fino, ao longo de 22 horas e com início cerca de 8 h depois do início da ruptura do aterro secundário. - Face ao volume da albufeira (0.7x109 m3) a quantidade de sedimentos finos afluentes é pequena; a albufeira do Cabril reterá a totalidade dos sedimentos afluentes no caso de as comportas de fundo

permanecerem fechadas após o evento de ruptura da escombreira. O material fino proveniente da escombreira do rio poderá ser composto de 20% de As. Note-se

que a solubilização dos 5006 ton de As e outros metais pesados que afluem à albufeira, em contacto com a água em todo o trajecto, poderá conduzir a concentrações de contaminantes dissolvidos que, sendo turbinados durante a exploração da albufeira ou descarregados durante um episódio de cheia, podem propagar-se para jusante da barragem do Cabril.

AGRADECIMENTOS

O primeiro autor agradece a todos os colaboradores e colegas envolvidos nos trabalhos de recolha de campo: Ana Margarida Ricardo, Edgar Ferreira, João Leal, Ricardo Pereira, Jorge Barros. REFERÊNCIAS

CAVEY, G. e GUNNING, D. (2006) Updated technical report on the Panasqueira mine, Distrito de Castelo Branco, Portugal. OREQUEST, 67pp. CANELAS, R.; MURILLO, J. e FERREIRA, R.M.L. (2012) 2DH modelling of discontinuous flows over mobile beds. J. Hydraul. Res. (submetido). FERREIRA, R. M. L., (2005) River Morphodynamics and Sediment Transport. Conceptual Model and

Solutions. PhD Thesis, Instituto Superior Técnico, TU Lisbon. FERREIRA, R.M.L.: CANELAS, R.; CONDE, D.; ENSINAS, M. e FERREIRA, E. (2012) Simulação Matemática de Sedimentos e da Qualidade da Água do Rio Zêzere entre Silvares e a Captação da

EPAL na Albufeira de Castelo do Bode. Relatório dos trabalhos de modelação da propagação de sedimentos. CEHIDRO-IST. GRANGEIA, C.; ÁVILA, P.; MATIAS, M. e FERREIRA da SILVA, E. (2011) Mine tailings integrated investigations: the case of Rio Tailings (Panasqueira Mine - Centre Portugal. Engineering Geology (Aceite para publicação). PEDAM - Plano Estratégico de Defesa contra as Aluviões da Região Autónoma da Madeira (2010). Instituto Superior Técnico, UTLisboa. TAKAHASHI, T. (2007) Debris Flow. Mechanics, prediction and countemesures. Taylor and Francis Group.