modernização da agricultura, urbano e rural
DESCRIPTION
Analisa a dinâmica da modernização da agricultura e as transformações ocorridas nas últimas décadas no espaço rural e urbano baixo a significação do espaço como processo e produto do modo de produção capitalistaTRANSCRIPT
Modernização da Agricultura no Município de Rio Verde: O Urbano e O Rural, Perspectivas
e Discursos Geopolíticos do Velho e do Novo Território.
Artigo apresentado no XV Congresso Nacional de Geógrafos – USP – São Paulo – 2008.
Dr. Benjamin de Lacerda Júnior
Associação dos Geógrafos Brasileiros AGB - Goiânia
Universidade Federal de Goiás – UFG
RESUMO
O propósito desta pesquisa consiste em analisar a dinâmica da modernização da agricultura e as
transformações ocorridas nas últimas décadas no espaço rural e urbano de Rio Verde – GO. O
processo de modernização da agricultura no Sudoeste Goiano provocou profundas mudanças na
produção e na organização do território. Os antigos sistemas de objetos e ações foram amplamente
reestruturados com a introdução da ciência, da tecnologia e da informação, resultando na
constituição de novos arranjos espaciais, mudanças nas relações sociais de trabalho e nas atividades
do campo e da cidade. Há milênios, o homem transforma o espaço para melhor adaptar-se, suprindo
suas necessidades de sobrevivência. A ação do homem sobre o meio que o envolve transforma esse
espaço em rural e urbano. Durante décadas este binômio foi abordado pelas ciências sociais numa
visão dicotômica: o campo, analisado de modo a ser referendado como espaço, por excelência, do
arcaico, do atrasado, do velho; a cidade, contrariamente, sendo o espaço do novo, de abertura ao
moderno, às novas tecnologias que favoreciam promover de forma mais racional e científica as
necessidades sociais. Atualmente essa ótica é fato superado, e no assunto abordado nesta pesquisa,
numa perspectiva em que as funções desempenhadas pelo campo e pela cidade se complementam e
se complexificam e, o rural e o urbano não podem ser trabalhadas isoladamente. Nesse sentido, a
escolha de um referencial teórico-metodológico parte da reflexão sobre a relação campo cidade e
suas (re)definições evidenciadas pelas formas como a agricultura e indústria passaram a exercer
sobre o uso do território.
Palavras-chave: modernização da agricultura, território, relação campo cidade.
1.0 INTRODUÇÃO
A escolha da temática para desenvolvimento desta pesquisa deu-se com base em uma
reflexão teórico-metodológica de como abordar a relação cidade-campo, sua nova configuração
espacial, estabelecida pelo processo da modernização da agricultura em uma perspectiva geográfica
no município de Rio Verde.
O urbano e o rural eram vistos como lugares que tinham suas particularidade, formas que
os conduziam a características próprias por causa das funções e atividades sócio econômicas
exercidas e estabelecidas pelo processo de produção capitalista.
Com o processo global da economia, o campo passou a exercer atividades não
propriamente urbanas, mas atividades e elementos que criam uma dinâmica unilateral de
funcionamento. A agricultura passa a depender bem menos das condições naturais para obtenção de
seus bens, constituindo-se como elemento determinante de sua dinâmica.
Ao analisar o campo e a cidade como categoria como elementos importantes nessa
dinâmica, compreendemos também que as relações sociais se intensificam da mesma forma à
medida que o processo ganha complexidade. Trabalhadores rurais e urbanos interagem no campo e
na cidade, configurando uma unidade dialética, manifestando ações de caráter comercial,
administrativo, políticos, culturais e excludente.
2.0 - Território e Modernização da Agricultura
O processo acelerado da modernização da agricultura provoca questionamentos sobre a
apropriação, construção e o uso do território nas décadas de 1970, 1980 e 1990.
Esse desenvolvimento levou a uma rápida reorganização do território. As velhas formas
construídas, no decorrer do desenvolvimento da agricultura pelas relações de poder para sua
manutenção e uso, tiveram de ser substituídas por novas formas, constituindo novos atores do
poder.
A medida que o processo de modernização da agricultura ganha intensidade altera o
território. Essa alteração ocorre no campo e na cidade e ganha uma específica dimensão no seu
conteúdo, porque altera o vivido, as formas materiais, sociais e econômicas do território. O rural e o
urbano adquirem um caráter único nessa transformação deixando funções particulares, assumindo
papel significativo para a racionalidade do desenvolvimento do capital global.
É na lógica da construção e destruição do território que se pretende investigar e analisar os
processos de valorização, produção e reprodução da modernização da agricultura, identificando,
desta forma, elementos que interagem com sua dinâmica.
Tomamos como base de uma concepção de análise da Geografia Política, no sentido de
que ela foi precursora no caminhar do discurso sobre espaço, território, contendo elementos
indispensáveis do pensamento clássico da construção e compreensão do território, assim como sua
forma de análise contemporânea.
Ao longo dos séculos desde a Antiguidade até aos dias atuais, Estado e território caminham
nos ideais políticos dominantes nas sociedades. Nessa longa caminhada, o Estado-Nação delimitou
um processo jurídico-político do território no intuito de legitimar a valorização dos recursos
naturais. O território tornava-se base e fundamento do Estado-Nação.
A Geografia política desencadeou um papel importante com as idéias de Ratzel nesse
momento em que Estado e território consolidavam uma ideologia de segurança nacional e
concepção de território. Sobre essa concepção e ideologia do Estado em relação ao território
(Raffestin1993, p.13) afirma que, segundo Ratzel partiu da idéia de que existia uma estreita
ligação entre o solo e o Estado. Para Ratzel, o elemento fundador, formador do Estado, foi o
enraizamento no solo de comunidades que exploraram as potencialidades territoriais.
Santos afirma que, até hoje, vivemos com uma noção de território herdada da modernidade
incompleta e do seu legado de conceitos puros. Porém, ao analisarmos o território não só como uma
instância política, mas sob quais ou como outras instâncias estão pré estabelecendo o uso do
território ao longo dos tempos. O território não se vincula necessariamente à propriedade efetiva da
terra, legitimando a posse da terra por parte de instituições e grupos sociais. A apropriação pode
assumir uma dimensão afetiva vinculada às práticas culturais, simbólicas, que identificam grupos
sociais distintos em determinados lugares e tempos históricos.
É o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele o objeto da análise social.
Trata-se de uma forma impura, um híbrido, uma noção que, por isso mesmo, carece de
constante revisão histórica. O que ele tem de permanente é ser nosso quadro de vida. Seu
entendimento é, pois, fundamental para afastar o risco de alienação, o risco da perda de
sentido da existência individual e coletiva, o risco de renúncia ao futuro. (SANTOS, 1994,
p.15).
A definição mais comum de território e que já foi comentada no início desse tópico, está
relacionada com a superfície geográfica sobre qual se exerce a soberania de uma nação. Essa
definição evidencia que o termo território está ligado a uma extensão de terra sobre a qual o Estado-
Nação exerce o poder.
Esse conceito tem predominado na Geografia Política clássica e prevaleceu na sociedade e
nas ciências políticas e econômicas por muito tempo, não traduzindo a realidade de como hoje o
território é entendido.
Sobre a definição de território, (Raffestin 1993, p.143) afirma que “o território se forma a
partir do espaço, é resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um
programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente, o ator
‘territorializa’ o espaço”.
Ao posicionar seu conceito de território, Raffestin coloca uma dinâmica do território que
inclui o poder exercido por um ator que movimenta ou produz o território, ou seja, territorializa.
Reforçando a idéia espaço-território-territorialidade, ele lembra Lefebvre, mostrando a
passagem desse mecanismo na utilização do espaço físico modificado e transformado pelas redes,
circuitos e fluxos. Nesse sentido, ele reforça que “o território, nessa perspectiva, é um espaço onde
se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por consequência, revela relações
marcadas pelo poder”. (RAFFESTIN, 1993, p.143-144).
Nesse contexto em que o território projeta trabalho, energia e informação, manifesta-se o
poder do território. Os atores que obtiverem a posse e administrarem o território exercerão o poder
sobre este.
Partindo dessas ideias, podem-se identificar territórios toda vez que uma coletividade
humana se apropria de um lugar e ali passa a estabelecer relações de posse e domínio. Essa
concepção leva em conta que um território é apropriação e estabelecimento de relações de poder no
seu interior. Mas também leva a crer que território é muito mais dado pelas relações do que pela
apropriação concreta de determinado lugar. Os territórios são relações de poder que se materializam
no espaço social. É a materialidade do território que também influencia a organização deste. É nesse
momento que (Santos 1996, p.52), quando define espaço como sistema de objetos e de ação,
aproxima-se dessa ideia, ao demonstrar que “o sistema de objetos e o sistema de ações interagem.
De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o
sistema de ações leva a criação de objetos novos o se realiza sobre objetos preexistentes”.
Sobre a concepção de território como relações de poder materializadas no espaço social,
pode-se pensar em territórios formados por comunidades com autogestão, nas quais são claras as
relações de poder e de apropriação de espaço concreto e contínuo e também em territórios formados
por corporações no processo da modernização da agricultura, que são delimitados por sua
influência, como é o caso da Cooperativa Comigo e a agroindústria Perdigão, instaladas no
município de Rio Verde no final da década de 1970 (Comigo) e 1990 (Perdigão). Incentivada pela
iniciativa estatal e uma série de condições favoráveis para territorializar o município, essa empresas
criaram sistemas de objetos e ações sobre objetos já preexistentes.
Elias (2003, p.331) concebe esse momento de transformações profundas causadas pela
modernização da agricultura no território, como “o Brasil agrícola com áreas urbanas: a cidade do
campo”. A autora chama a atenção para a tecnificação e cientificação de atividades produtivas no
campo, utilizando-se de algumas ideias de Milton Santos.
A adição de produtos químicos, a utilização da biotecnologia, o uso intensivo de máquinas
agrícolas, entre outros, além de mudar a composição técnica e orgânica da terra (Santos,
1994), também fizeram expandir no mundo rural o meio técnico-científico-informacional, o
que explica em parte a interiorização da urbanização, pois além do fenômeno da fábrica
moderna dispersa dá-se também o fenômeno da fazenda moderna dispersa. (ELIAS, 2003,
P. 331-332).
A autora ressalta que essa mudança resulta no crescimento urbano de cidades próximas às
atividades agrícolas modernas e cria uma nova relação entre a cidade e campo.
A agricultura científica faz um novo uso do território à medida que se intensificam as
relações sociais e econômicas de produção. As atividades agropecuárias realizam-se na utilização
intensiva de circulação do capital financeiro, agrário e industrial, revelando a expansão do meio
técnico-científico-informacional e a dinâmica do território.
3.0 - O Conceito de rural e espaço rural e de urbano e espaço urbano
Historicamente, o homem transforma o espaço para melhor adaptar-se, suprindo suas
necessidades de sobrevivência. A ação do homem sobre o meio que o envolve transforma esse
espaço em rural e urbano. Durante décadas, este binômio foi abordado numa visão dicotômica: o
campo, analisado de modo a ser referendado como espaço, por excelência, do arcaico, do atraso, do
velho; a cidade, contrariamente, sendo o espaço do novo, de abertura ao moderno, às novas
tecnologias que favoreciam prover, de forma mais racional e científica, as necessidades sociais.
Atualmente, esta ótica é fato superado, e o assunto é abordado numa perspectiva em que as funções
desempenhadas pelo campo e pela cidade se complementam.
Mas, o que seriam, afinal, o rural e o urbano? Segundo Solari (1979), à primeira vista, a
definição parece dada, ou seja, quando falamos sobre rural, julgamos que estamos falando sobre
algo bem determinado. Entretanto, a definição de um conceito de rural suscitaria problemas
complexos. As definições Clássicas do conceito de rural partem de uma enumeração de vários
aspectos da realidade que seriam indicadores da situação do local estudado.
Para (1982, p.70-78) espaço rural e espaço urbano se resumiriam da seguinte forma:
no sentido habitual da expressão, espaço rural é o campo. Surgiu na superfície do mundo
por ocasião da “revolução neolítica”, trazendo consigo os primórdios da agricultura e as
primeiras formas de organização do espaço, [...] O espaço rural constitui, e, sobretudo,
constituía, em primeiro lugar, o domínio das atividades agrícolas e pastoris. O espaço
urbano é a superfície ocupada pelas cidades ou pelo menos a superfície necessária ao
funcionamento interno da aglomeração. Compreende as áreas construídas, a rede urbana de
ruas, as implantações de empresas industriais e de transporte, os jardins, os parques de
diversão e de lazer, colocados ao alcance imediato do citadino.
Sabemos que esse conceito de Dollfus insere-se no conceito clássico de rural e urbano,
atribuído pela ciência, pelo Estado, pela literatura e pelo cotidiano ao longo de um processo
histórico, e que, por isso, é carregado de conteúdos de realidades.
Dessa forma, cabe aprofundar mais a complexidade dos conceitos para que possamos ter
melhor compreensão de espaço ou espaços urbanos e rurais a que devemos nos submeter.
Sobre o conceito de espaço urbano, devemos considerar, primeiramente, a noção de cidade
como espaço urbano, nesse aspecto, já encontraremos dificuldades de sua definição, uma vez que os
espaços urbanizados diferem conforme zonas geográficas e os níveis de desenvolvimento e, muitas
vezes, confundem-se, em suas periferias, com as áreas rurais circundantes.
A noção de cidade implica a aglomeração de toda a população, ou seja, a concentração do
habitat e das atividades. Se nas cidades temos várias atividades, isso envolve as especializações das
tarefas que contribuem, sobretudo, para as trocas e a organização social. Tem-se, assim, uma
arrumação dos espaços e dos serviços urbanos, o que presume uma organização coletiva.
Nessa direção e compondo mais elementos para organização da cidade, Carlos (1992, p.60)
assinala que podemos vincular a existência da cidade a, pelo menos, seis elementos: “1) divisão do
trabalho; 2) divisão da sociedade em classes; 3) acumulação tecnológica; 4) produção de excedente
agrícola; 5) um sistema de comunicação e 6) uma certa concentração espacial de atividades não
agrícolas”.
Assim, o espaço urbano, como local permanente de moradia e de trabalho, passa a existir
quando a produção gera um excedente. Isso ocorre, fundamentalmente, quando a sociedade
apresenta uma estrutura social diferenciada e hierarquizada, bem como melhores índices de
produtividade a partir do seu avanço tecnológico. Nesse espaço urbano, os moradores tornam-se,
principalmente, consumidores e não mais produtores agrícolas. Essa quantidade de produtos, para
além das necessidades de consumo imediato da população, por sua vez, impulsionaria a produção
agrícola realizada nas áreas rurais, criando a divisão do trabalho entre campo e cidade e
incrementando a divisão do trabalho no interior da cidade, mediante a maior diversidade e
especialização das suas atividades.
4.0 - RIO VERDE: das Antigas Formas e Velhas Funções ao Processo de Modernização do
Território
O crescimento das atividades econômicas e, em particular com o advento da modernização
da agropecuária e a incorporação do meio técnico científico-informacional no município de Rio
Verde, nas ultimas três décadas, ocorreu de forma acelerada. Porém, na sua formação inicial e nas
décadas posteriores, até meados dos anos de 1970, o território de Rio Verde vivenciava outras
formas e funções no campo e na cidade. As atividades rurais e urbanas do velho território
desempenhavam papéis distintos deixando claro o caráter de produção e organização.
Analisar o processo da formação econômica, social e política de Rio Verde, suas antigas
formas e velhas funções, bem como as modificações ocorridas na base técnica das atividades
agropecuárias, tem valor primordial, pois, por meio da análise das transformações, torna-se possível
compreender as alterações sofridas no espaço rural e urbano.
Uma reportagem da revista Exame de outubro de 2002, com o título “O Eldorado Goiano”
elaborada pelo repórter Bruno Blecher, chamou atenção pela leitura que a matéria faz das antigas
formas e funções existentes no território de Rio Verde, em relação à territorialidade que a
modernização da agricultura provocou por intermédio da Cooperativa Comigo e da agroindústria
Perdigão. Blecher e o depoimento de um dos atores hegemônicos da territorialidade implantada no
município destacam o seguinte sobre o processo:
Terra do pequi, da galinha com quiabo e da guariroba, o sudoeste goiano incorporou um
novo sabor no cardápio nos anos 70. Levada pelos agricultores do sul do Brasil, a soja não
chegou ao prato, mas mudou radicalmente o tempero da economia da região. Em
dobradinha com o milho, a cultura roubou espaço da pastagem, ocupou boa parte dos
cerrados e atraiu para a região agroindústrias, fábricas de ração, indústria de insumos e
embalagens, revendas de tratores, transportadoras, hotéis, restaurantes e supermercados.O
agricluster1 transformou a antes modorrenta região de Rio Verde numa das que mais
crescem no interior do país. Pouco tempo atrás, Rio verde era uma dessas cidades
fantasmas dos grotões brasileiros, cheia de botecos e cães vadios perambulando pelas ruas
esburacadas. Quem anda hoje pela cidade vê uma paisagem bem diferente, em que se
destacam os novos edifícios em construção. As meninas desfilam suas roupas de grife no
1 O termo agricluster representa uma concentração de empresas e instituições que geram capacidade de inovação e
conhecimento, favorecendo a construção de vantagens competitivas.
calçadão central, enquanto os jovens agricultores e pecuaristas exibem suas caminhonetes
novas pelas avenidas (REVISTA EXAME, 2002, p.67).
Fica bem claro o resgate do velho território e o novo na reportagem em relação a Goiás e,
em particular, a cidade de Rio Verde, porém a riqueza geográfica que se estabelece só é vista pelo
olhar do geógrafo, pois pelas formas e funções estabelecidas, é possível discutir os fenômenos
espaciais em totalidade. A compreensão da dinâmica social, tendo em vista o entendimento dos
processos de mudança e permanência do uso do solo em determinadas frações do espaço urbano e
rural capitalista, pode ser efetuada com base nesses elementos, discutidos por Santos (1997),
quando trabalha estrutura, processo, função e forma.
Segundo a abordagem de Milton Santos (1997), a forma é o aspecto visível de uma
determinada coisa. Corresponde a um objeto ou a um arranjo ordenado de objetos. Uma casa, uma
favela, uma fábrica, um distrito industrial, uma plantação são exemplos de formas espaciais. A
pesar de serem governadas pelo presente, as formas contêm também um pouco do passado, pois
surgem dotadas de certos contornos e finalidades historicamente contextualizadas.
Cada forma possui uma significação social. Freqüentemente, a forma permanece após ser
criada e usada para desempenhar o papel para o qual foi produzida. Poderá ela, no entanto, assumir
outros papéis em momentos históricos diferentes. Sua destruição ou seu desaparecimento não é
imediato e, ás vezes, torna-se não só indesejável como dispendioso, ou até mesmo impossível.
A função, por sua vez, é a atividade elementar de que a forma espacial se reveste. Sugere,
portanto, uma tarefa ou atividade esperada de uma forma. A relação entre as duas é direta, posto que
uma não existe sem a outra. As funções estão materializadas nas formas, e estas últimas são criadas
com base em uma ou de várias funções.
A forma e a função não podem estar dissociadas de um outro elemento de significativa
importância na organização do espaço, a estrutura. Esta nada mais é do que a inter-relação das
diversas partes que compõem o todo social. Neste sentido, é imprescindível que se compreenda a
estrutura social de cada período histórico para que se entendam as transformações ou inércia das
formas. Corresponde a estrutura à natureza social e econômica da sociedade em determinado
momento histórico. A estrutura, em qualquer ponto do tempo, atribui valores e funções
determinadas às formas do espaço.
Como parte inerente aos elementos acima, o processo é a ação contínua que se desenvolve
rumo a um resultado qualquer. Por isso, envolve conceitos de tempo, continuidade e mudança. O
tempo é considerado como processo e indica o movimento do passado ao presente e deste em
direção ao futuro, tornando-se uma propriedade entre forma, função e estrutura.
Com o processo de modernização da agricultura em Rio Verde, a cidade assume novas
formas ou novas funções em antigas formas. As velhas formas não são preservadas e valorizadas
como patrimônio da história de Rio Verde. A soja e agroindústria, modelaram uma nova paisagem,
apagando um passado rico de objetos e ações, que o campo e a cidade criaram em mais de cem anos
de sua existência.
Segundo Doles (1979), do Sul para o Sudeste, as fronteiras são abertas com a participação
do Estado na preparação da infra-estrutura adequada para o ambiente da reprodução do capital.
Surgem a ferrovia, as estradas de rodagem, fábricas, armazéns e cidades. As novas áreas vão sendo
abertas com a plantação rudimentar de culturas de subsistência (arroz, feijão, mandioca e milho),
realizadas nas “terras novas”. Essa produção era realizada logo após a derrubada da mata, e se
faziam dois ou três plantios no mesmo terreno. Logo em seguida, essa área era transformada em
pastagem ou descansavam em média de três anos, para novamente serem semeadas.
Diante desse contexto de desenvolvimento no Estado de Goiás e, em particular, a região
Sudoeste, percebe-se o desenvolvimento do capital no campo e a ampliação da divisão social do
trabalho na sociedade, ficando claros, a partir desse momento, as novas relações entre cidade e
campo, as funções distintas que cada um tomará. Rio Verde insere-se nessa perspectiva, quando
Marx (1971) apud Silva (1998, p. 2):
O fundamental de toda divisão do trabalho desenvolvida e processada através da troca de
mercadorias é a separação entre a cidade e o campo. Pode-se dizer que toda a história
econômica da sociedade se resume na dinâmica dessa antítese [...]. O modo de produção
capitalista completa a ruptura dos laços primitivos que no começo uniam a agricultura e a
manufatura. Mas, ao mesmo tempo, cria as condições materiais para uma síntese nova
superior, para a união da agricultura e da indústria, na base das estruturas que se
desenvolvem em mútua oposição. Com a preponderância cada vez maior da população
urbana que se amontoa nos grandes centros, a produção capitalista, de um lado, concentra a
força motriz histórica da sociedade e, do outro, perturba o intercambio material entre o
homem e terra, isto é, a volta à terra dos elementos do solo consumidos pelo ser humano
[...], violando assim a eterna condição natural de fertilidade permanente do solo [...]. Mas,
ao destruir as condições naturais que mantêm aquele intercambio, cria a necessidade de
restaurá-lo sistematicamente, como lei reguladora da produção e em forma adequada ao
desenvolvimento integral do homem.
A economia de Rio Verde, baseada na agricultura natural que, no começo, unia a
agricultura e manufatura, começa configurar completa ruptura dos laços primitivos na década de
1970 com as transformações técnicas na agricultura Silva (1999, p.3) ressalta:
[...] são portanto, dois processos: um de destruição da economia natural, pela retirada
progressiva dos vários componentes que asseguravam a ‘harmonia’ da produção assentada
na relação Homem-Natureza (e suas contradições); e o outro, de uma nova síntese, de
recomposição de uma outra ‘harmonia’ – também permeada por novas contradições –
baseada no conhecimento e no controle cada vez maior da Natureza e na possibilidade da
reprodução artificial das condições naturais da produção agrícola. A passagem se denomina
industrialização da agricultura.
O município de Rio Verde começa, a conhecer a destruição da economia natural no campo,
para conceber a denominada industrialização da agricultura.
Diante do referido processo de transformação da base técnica, chamado de
“modernização” Graziano da Silva (1999) denomina de industrialização da agricultura, a
subordinação da natureza ao capital, que, aos poucos libera o processo de produção agropecuária
das condições naturais, passando, na medida do possível, a fabricá-las.
Este momento de transformação nas bases técnicas de produção que permite a
industrialização da agricultura, segundo Graziano da Silva (1980) permite a reunificação da cidade
e do campo convertendo o campo numa fábrica, entendendo a agricultura como um ‘setor
autônomo’ e convertendo-a num ramo da própria indústria.
Este processo também significa mudanças nas relações sociais de produção no campo e na
cidade.
Elias (2003, p.316) denomina o processo de modernização da agricultura de agricultura
científica no qual “o novo modelo de crescimento agropecuário baseia-se na incorporação da
ciência, da tecnologia e da informação para aumentar e melhorar a produção e a produtividade,
culminado em memoráveis transformações econômicas e, portanto, socioespaciais”.
Nos anos de 1970, o município Rio Verde vivenciaram o começo de uma nova fase de
desenvolvimento agrícola. A agricultura científica privilegia áreas, produtos e segmentos sociais,
ocorrendo graves impactos sociais, territoriais e ambientais.
Nesse sentido, a modernização do território de Rio Verde cria um novo contexto nas
últimas três décadas, quando nas palavras de Elias (2003, p.285), o processo iniciou-se com a união
entre ciência e a técnica e
fez proliferar no território brasileiro a instalação de novos objetos e de novas formas
produtivas e normativas. A partir desse momento, a integração do território é acentuada e a
difusão das modernizações promove a irradiação do meio técnico-científico-informacional
(Santos, 1994, 1996). Grandes sistemas técnicos modernos potencializam a produção, a
circulação de dinheiro, informação, mercadorias, idéias, ordens, insumos e pessoas,
possibilitando o alinhamento do país á crescente internacionalização da economia. Entre as
mudanças mais significativas encontramos o crescimento do mercado externo, com a
exportação de produtos agrícolas e industrializados, a modernização do campo e o aumento
da industrialização graças ao aumento da população como um todo e da classe média em
particular.
A partir desses arranjos territoriais, a produção de milho e soja em Rio Verde ganhou
importância, sobretudo, quando se tornou uma das instancias do circuito de produção de grandes
empresas agroalimentares (Perdigão) e cooperativas (COMIGO, Caramuru, Cargill).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho mostrou como o processo de modernização da agricultura, em Rio
Verde, provocou transformações profundas no processo produtivo associado à atividade
agropecuária, modificando os sistemas de ações e de objetos no campo e na cidade.
O campo e a cidade estão sendo amplamente reestruturados com a introdução da ciência,
da tecnologia e da informação, resultando em um novo modelo técnico econômico e social de
desenvolvimento agrícola.
As áreas, as culturas e os produtores de Rio Verde que não foram de alguma forma
incorporados ao processo de modernização exercem papéis periféricos ou de exclusão na
organização da produção agrícola que se processa nas últimas décadas. O espaço rural não foi
homogeneizado, uma vez que foi desigualmente atingido pela difusão de inovações agrícolas.
Constitui-se, dessa forma, um espaço seletivo, como uma forte concentração territorial das formas
resultantes do processo de modernização da agricultura acompanhadas da organização do complexo
agroindustrial Comigo e Perdigão.
Pensamos que à medida que as relações sociais se manifestam no território, dão um
significado na sua estrutura e na sua forma. O poder é a forma que mais se expressa, por isso,
dependendo do grau de atuação seus elementos, os atores que executam territorializam e
desterritorializam com maior intensidade.
Os sistemas de objetos e ações são muitos. Tempo, espaço e técnica dão condições
suficientes para aqueles atores hegemônicos do poder, predispostos a uma lógica e a um movimento
capazes de criar ordem para si mesmos e a desordem para o resto. Juntos, esses atores, os sistemas
de objetos e de ações, (re)definem o campo e a cidade.
BIBLIOGRAFIA
BLECHER, B. O eldorado goiano. Revista Exame, São Paulo, n.22, 30 de out. 2002. p.67.
CARLOS, A. F. A. A. A cidade. São Paulo: Contexto, 1992.
DOLES, D. E. M. Interpretação histórica da economia de Goiás e posicionamento do setor
agropecuário no contexto econômico e social da região. Goiânia: CEPA, 1979.
DOLLFUS, O. O espaço geográfico. 4.ed. Tradução de Heloysa de Silva Dantas. São Paulo:
Edifel, 1982.
ELIAS, D. Globalização e Agricultura. São Paulo: Edusp, 2003.
______. Agricultura científica no Brasil. In: SOUZA, M. A. A. de. Território brasileiro: usos e
abusos. Campinas: Territorial, 2003.
GRAZIANO DA SILVA, J. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas: UNICAMP,
1998.
GRAZIANO DA SILVA, J. O novo rural brasileiro. Campinas: UNICAMP, 1999.
________. Progresso técnico e relações de trabalho na agricultura. São Paulo: Hucitec, 1980.
RAFFESTIN, C. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993.
SANTOS, M. A natureza do espaço; técnica e tempo razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.
______. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1997.
______.Técnica, espaço, tempo. Globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo:
Hucitec, 1994.
SOLARI, A. B. O objeto da Sociologia Rural. In: SZMRECSÁNYI, T.; QUEDA, O. (Orgs.) Vida
rural e mudança social. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979.