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MONITORIA COADJUVA: MONITORES E PROFESSOR ATUANDO EM
COLABORAÇÃO
Rui Manoel de Bastos VIEIRA, Hadassa Harumi Castelo ONISAKI, Danilo Macedo
ROCHA, Universidade Federal de São Paulo
Eixo 01 - Formação inicial de professores de educação básica
1. Introdução
A monitoria pode ser considerada uma estratégia pedagógica para iniciar os
alunos de graduação na prática docente contribuindo para sua formação e a melhoria
da qualidade de ensino. Sua atuação pode ocorrer tanto em atividades realizadas em
conjunto com o docente responsável quanto em atividades complementares. Para
Nunes (2007) a monitoria permite que monitores adquiram experiência e o professor-
orientador consiga, a partir de seu papel dentro do processo, valorizar suas práticas de
ensino na universidade promovendo a melhora da qualidade dos cursos oferecidos.
No entanto, o pesquisador aponta que em algumas instituições os monitores tornam-
se apenas “tarefeiros” e exercem funções muito simples como a de buscar diários,
apagar a lousa ou fazer anotações. Segundo Nunes ainda ocorrem casos mais graves
onde os monitores tornam-se alvo de exploração e exercem funções como a de
organizar a biblioteca pessoal do professor orientador. Para superar parte dessas
dificuldades, Dias (2007) propõe algumas melhorias para a implementação dos
programas de monitoria, focando sua preocupação na qualidade dos primeiros passos
que os alunos vivenciam na iniciação à docência. Para a pesquisadora, é
[…] fundamental que as atividades do monitor possibilitem oaprofundamento de seu conhecimento teórico-prático, bem como odesenvolvimento de ações que permitam uma formação inicial para adocência no ensino superior – planejamento, participação em aulas,orientação de colegas estudantes em atividades teórico-práticas,discussão e elaboração de critérios para avaliação, desenvolvimentode pesquisas relacionadas com o processo de ensino-aprendizagemem conjunto com o(s) professor(es). (DIAS, 2007, p.41)
Nesse sentido, propomos neste trabalho relatar a experiência de uma monitoria
elaborada com o objetivo de inserir o monitor nos processos pedagógicos envolvidos
na docência adotando como referencial a teoria sócio histórica de Vigotski (2001),
priorizamos a interação social entre parceiros de diferentes capacidades tais como o
professor orientador, os monitores e os alunos inscritos na Unidade Curricular. Da
mesma forma que Vigotski, acreditamos que a partir da interação social assimétrica
entre os parceiros é possível criar um ambiente propício ao aprendizado.
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A proposta de monitoria coadjuva foi implementada no curso de Ciências/
Licenciatura – LPC da Universidade Federal de São Paulo – Campus Diadema e
realizada nos laboratórios experimentais das Unidades Curriculares de Física I e II no
ano de 2015, que anteriormente não possuíam o programa de monitoria voltado
especificamente para os laboratórios de Física.
2. O curso de Ciências-Licenciatura da Universidade Federal de São Paulo
O curso de Ciências, campus Diadema da Universidade Federal de São Paulo,
foi criado em 2010 pelo Programa do Governo Federal de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras (REUNI). Para
ingressar os alunos realizam a prova Nacional do Ensino Médio (ENEM) e a partir do
sistema de seleção Unificado (SISU) se inscrevem nas vagas oferecidas: 100 para o
período vespertino e 100 para o noturno. Sua matriz curricular prevê um ciclo básico
de quatro semestres com Unidades Curriculares nas áreas de Física, Química,
Biologia, Matemática e Humanidades, distribuídas de forma igualitária na grade
curricular. Após o ciclo básico os alunos escolhem uma das habilitações a seguir –
Física, Química, Biologia ou Matemática – que corresponde aos quatro últimos
semestres com Unidades Curriculares específicas para aquela determinada área do
conhecimento. O aluno, ao se formar, recebe o título de licenciado em ciências, sendo
habilitado na área escolhida.
2.1 Implementação da monitoria nas aulas experimentais das Unidades
Curriculares de Física I e Física II
As Unidades Curriculares de Física no ciclo básico do curso de Ciências-
Licenciatura possuem em sua ementa 75% de aulas teóricas e 25% de aulas
experimentais. Até o ano de 2014 ambas eram ministradas pelo mesmo professor
responsável, e a monitoria neste período só ocorria voltada no âmbito teórico. A partir
de 2015 ficamos responsáveis pelo laboratório e verificamos a necessidade da
implementação de uma monitoria adicional voltada especificamente para a área
experimental. Dessa forma, esta monitoria teve início com dois alunos que se
voluntariaram para participar da proposta com a intenção de aprofundar sua formação
adquirindo experiência tanto prática como didática para lidar com as práticas de
laboratório.
Por meio de ações conjuntas procuramos promover um vínculo de parceria
entre o docente e os monitores que possibilitasse discutir as estratégias didáticas das
atividades experimentais e suas especifidades, considerando a formação de futuros
professores. Nossa intenção foi estabelecer uma orientação tanto na parte didática
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como no âmbito teórico e experimental. Conforme os monitores foram realizando
reuniões com o professor responsável para manipular os aparatos experimentais e
discutir a metodologia pedagógica adotada nas atividades, eles tornaram-se parceiros
mais capazes em relação aos alunos inscritos nas Unidades Curriculares. Foram
elaboradas estratégias para acolher os estudantes que ingressavam no ensino
superior, provenientes de diversas realidades educacionais e com diferentes níveis de
conhecimento. Assim, procuramos elaborar estratégias didáticas pautadas na
resolução de situações-problema com atenção especial à Zona de Desenvolvimentos
Imediato dos estudantes e, para a resolução dessas situações-problema, os alunos
eram assistidos pelo professor e pelos monitores. Segundo Vigotski (2001) :
Afirmamos que em colaboração a criança sempre pode fazer mais doque sozinha. No entanto, cabe acrescentar: não infinitamente mais,porém só em determinados limites, rigorosamente determinados peloestado do seu desenvolvimento e pelas suas potencialidadesintelectuais. Em colaboração, a criança se revela mais forte e maisinteligente que trabalhando sozinha, projeta-se ao nível dasdificuldades intelectuais que ela resolve, mas sempre existe umadistância rigorosamente determinada por lei, que condiciona adivergência entre a sua inteligência ocupada no trabalho que ela realizasozinha e a sua inteligência no trabalho em colaboração. [...] Apossibilidade maior ou menor de que a criança passe do que sabe parao que sabe fazer em colaboração é o sintoma mais sensível quecaracteriza a dinâmica do desenvolvimento e o êxito da criança. Talpossibilidade coincide perfeitamente com sua zona de desenvolvimentoimediato (VIGOTSKI, 2001, p. 329).
A primeira turma atendida com o auxílio dos monitores foi a de Física I,
ofertada no primeiro semestre de 2015, atendendo 50 alunos no período vespertino e
50 no noturno. Os monitores participaram durante as aulas tirando dúvidas dos alunos
quanto a coleta de dados e montagem dos equipamentos. Na imagem 1, a monitora
está discutindo o aparato experimental e sua respectiva montagem:
Imagem 1: monitora discutindo o aparato experimental com os alunos de Física I.
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Durante todo o processo, as funções dos monitores não substituíram as tarefas
do docente responsável, suas ações foram previamente combinadas em reuniões
sobre a metodologia adotada nas aulas. Os monitores puderam realizar pequenas
intervenções durante as aulas para discutirem assuntos relacionados aos relatórios,
combinar aulas de reforço oferecidas por eles e auxiliar alguns alunos na realização
dos experimentos, entre outros. Na imagem 2, após a explanação do docente
responsável, o monitor esclarece algumas dúvidas sobre a correção dos relatórios.
Imagem 2: monitor comentando sobre os relatórios.
Com a entrega do primeiro relatório vimos que existiam dificuldades dos alunos
em alguns aspectos como a redação de acordo com as normas da ABNT,
posicionamento sobre o que vivenciaram no experimento, apresentação dos
resultados de forma clara, análise dos dados coletados e elaboração de gráficos. Para
prestar auxílio aos alunos, os monitores, propuseram uma aula com o objetivo de
explicar a função de um relatório experimental e como redigi-lo de acordo com as
exigências da Unidade Curricular e as normas da ABNT. Após discutir as estratégias a
serem adotadas com o docente, os monitores realizaram uma intervenção no contra
turno das aulas regulares.
No decorrer do primeiro semestre consideramos importante que os monitores
participassem do processo de avaliação de trabalhos experimentais com o intuito de
discutir as competências e habilidades esperadas de alunos de graduação que devem
atuar como futuros professores. Nesse sentido, e buscando o amadurecimento
acadêmico, propusemos a correção dos relatórios em conjunto, monitores e professor.
Nessa etapa, consideramos essencial discutir a ética profissional e os parâmetros de
correção. Segundo os monitores, foi importante buscar maneiras de aprender a
ensinar com o professor, imitando a didática ensinada e realizando adaptações de
acordo com as necessidades dos alunos. Segundo Vigotski a imitação desempenha
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uma ferramenta importante para o processo de aprendizagem, como visto no trecho
abaixo:
Na criança ao contrário [dos outros animais], o desenvolvimentodecorrente da colaboração via imitação, que é a fonte do surgimentode todas as propriedades especificamente humanas da consciência, odesenvolvimento decorrente da aprendizagem é o fato fundamental.Assim, o momento central para toda a psicologia da aprendizagem éa possibilidade de que a colaboração se eleve a um grau superior depossibilidades intelectuais, a possibilidade de passar daquilo que acriança consegue fazer para aquilo que ela não consegue por meioda imitação. Nisto se baseia toda a importância da aprendizagempara o desenvolvimento, e é isto o que constitui o conteúdo doconceito de zona de desenvolvimento imediato. A imitação, seconcebida em seu sentido amplo, é a forma principal em que serealiza a influência da aprendizagem sobre o desenvolvimento.(VIGOTSKI, 2001, p. 331).
No segundo semestre de 2015 procuramos adotar a mesma estrutura da
monitoria para a Unidade Curricular de Física II. Nessa etapa, também adotamos os
trabalhos de Gaspar (2005) para as discussões sobre o uso de atividades
experimentais, dando ênfase aos processos interativos e como propor situações
problema que motivassem os alunos para a realização das atividades práticas.
Segundo o pesquisador,
[...] a questão que desencadeia a interação deve estar bem definida eser conhecida por todos os participantes, assim como a abordagemque será adotada para responder a essa questão. Permeando oprocesso, a linguagem utilizada na interação deve estar ao alcancede todos. Uma interação social com esses requisitos tende a levartodos os participantes à mesma compreensão que o parceiro maiscapaz tem do conteúdo. Em síntese, pode-se afirmar que todaaprendizagem, escolar ou não, origina-se de interações sociais comessas características. (GASPAR, 2005, p. 21)
Discutimos com os monitores o quanto o papel de mediação é importante no
desenvolvimento do novo conhecimento que está sendo adquirido pelos parceiros
menos capazes. O mediador ao propor uma situação problema tem a possibilidade de
debater diferentes meios e abordagens para respondê-la e em conjunto com o aluno
propor caminhos para que a solução venha a ser construída e não simplesmente
imposta por um roteiro fechado e pré-determinado.
3. Resultados e Discussões
3.1. Alunos
Durante as atividades regulares da Unidade Curricular de Física I notamos que
a turma ingressante possuía um perfil com diferentes realidades educacionais, com
níveis de conhecimento bem diferentes. Dentre os objetivos das práticas
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experimentais, pretendíamos que os alunos conseguissem relacionar os
conhecimentos teóricos com os experimentos apresentados e que desenvolvessem a
habilidade de coletar dados e produzir relatórios com uma abordagem apropriada,
assim como os resultados e análises, que na maioria das vezes exigia a construção de
gráficos. Observamos no primeiro relatório, que muitos alunos apresentavam diversas
dificuldades na redação dos textos e também na construção de gráficos e
interpretação de dados. Assim, propusemos uma intervenção como forma de auxiliar
no desenvolvimento de habilidades exigidas para a realização dessas tarefas, o que
gerou uma significativa mudança na produção dos relatórios.
Na intervenção realizada pelos monitores no contraturno dos alunos foram
discutidas a importância do relatório, a redação de textos acadêmicos, as normas
exigidas pela ABNT, entre outros. Dentre as dúvidas mais comuns nos primeiros
relatórios estavam: “O que escrevo na Introdução?”, “Como construir um gráfico no
Excel?”, “O que escrevo na metodologia”, “O que é linha de tendência em um
gráfico?”, “Como faço a Bibliografia ou cito autores que pesquisei no relatório?”. Além
da intervenção, disponibilizamos um dia na semana para plantão de dúvidas que teve
uma boa procura pelos alunos.
Apesar de observarmos a melhora nos relatórios, parte dos alunos ainda
apresentava algumas dificuldades na interpretação de dados, na elaboração de
gráficos e a respectiva análise. Na Unidade Curricular de Física II foi possível
continuar o acompanhamento do grupo de alunos que frequentaram Física I. Também
haviam alunos que refaziam essa Unidade Curricular. Para auxiliar os alunos a superar
as dificuldades na elaboração de relatórios foram dedicados momentos durante a
realização dos experimentos para sua discussão. Nesses momentos, atendemos
individualmente os grupos de trabalho.
Um dos mais importantes resultados observados foi a autonomia que os alunos
adquiriram durante o processo. No primeiro semestre utilizavam a monitoria de forma
mais frequente, o que não foi observado em Física II, onde conseguiam estruturar o
relatório de forma mais autônoma e coerente. A exigência e os critérios de avaliação
nos relatórios aumentaram de forma gradativa durante as Unidades Curriculares de
Física. Consideramos que a qualidade das produções dos alunos melhorou.
No final das Unidades Curriculares (Física I e Física II) solicitamos que os
alunos respondessem a um questionário anônimo para a avaliação da monitoria. Uma
das perguntas discorria sobre a contribuição da monitoria em sua formação. Algumas
respostas foram: “Consegui orientação na realização dos experimentos de física,
coleta de dados e elaboração dos relatórios”, “Me ajudou muito a solidificar o
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conhecimento”, “Me deu esclarecimento de dúvidas da Unidade Curricular e também
em experiências da vida acadêmica”, “Quando temos o prof. e outros dois monitores
prestativos é muito melhor, facilitando meu desempenho na Unidade Curricular”, “ Me
ajudou a entender como construir um relatório”. Perguntamos especificamente aos
alunos que já tinham cursado mais de uma vez as Unidades Curriculares se a
monitoria contribuiu na melhora do seu desempenho. Todos os alunos responderam
que sim, e uma aluna durante a aula citou “Bem que poderia ter tido essa monitoria na
época em que estava cursando pela primeira vez, teria me ajudado muito”. Todos os
que responderam o questionário afirmaram que gostariam que a monitoria continuasse
e recomendariam para que outros colegas frequentassem as atividades extraclasse.
Acreditamos que os alunos compreenderam a proposta da monitoria coadjuva,
o que incentivou sua participação e que refletiu na melhora de suas notas e na
qualidade dos trabalhos apresentados.
3.2 Formação dos monitores
Os monitores no final do ano de 2015 realizaram um balanço das experiências
adquiridas junto ao docente responsável dentro do programa da monitoria coadjuva,
relatando que tiveram a oportunidade de participar dos processos envolvidos na
vivência docente do ensino superior, ficando incentivados a seguirem na área
acadêmica bem como no ensino básico. Dentro da própria instituição tiveram o
reconhecimento de colegas de graduação e de outros docentes pelo êxito da
monitoria. Consideram, ainda, que monitoria foi fundamental em suas formações.
Segundo o relato dos monitores na avaliação institucional:
Com a monitoria consegui entender, com uma perspectiva diferente,
os processos envolvidos no cotidiano de um professor universitário,
tive a oportunidade de interagir com meus colegas, participar de
discussões, entender como ocorre desde preparação de aulas até a
correção de relatórios experimentais. Foi fundamental para minha
formação. Me incentivou a seguir a carreira no nível superior.1
4. Considerações Finais
Consideramos que o projeto da monitoria coadjuva correspondeu às
expectativas. A inserção dos monitores nos processos pedagógicos envolvidos na
docência e rotinas laboratoriais e seu desempenho no processo de ensino
aprendizado indicam que a monitoria realizou um processo formativo em um curso de
licenciatura. A interação entre professor e monitores contribui para uma formação mais
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sólida propiciando uma experiência próxima de sua futura atuação profissional. Uma
vez que modelo de relatório adotado é próximo ao usado em pesquisas e trabalhos
acadêmicos e que houve a melhora na produção dos relatórios, acreditamos que a
monitoria coadjuva contribuiu na formação dos alunos.
Como perspectiva futura pretende-se realizar o projeto da monitoria nas
Unidades Curriculares Física I, Física II, Física III e Física IV, contemplando todo Ciclo
Básico do Curso de Ciências. Dessa forma, um grupo de alunos pode ser
acompanhado durante dois anos, permitindo obter resultados para avaliação e
aprimoramento do processo.
Referências Bibliográficas
DIAS, A. M. I. A Monitoria como elemento de iniciação à docência: ideias para uma
reflexão, Coleção Pedagógica n. 9: A monitoria como espaço de iniciação à docência:
possibilidades e trajetórias - Rio Grande do Norte. Editora da UFRN, 2007.
GASPAR, A. Experiências de Ciências para o Ensino Fundamental. São Paulo: Editora
Ática, 2005.
NUNES, J.B.C. Monitoria acadêmica: espaço de formação, Coleção Pedagógica n. 9:
A monitoria como espaço de iniciação à docência: possibilidades e trajetórias - Rio
Grande do Norte. Editora da UFRN, 2007.
VIGOTSKI, L. S. A Construção do Pensamento e da Linguagem. São Paulo. Editora
Martins. 2001.
Notas1 Relato extraído da avaliação realizada pelos monitores da Unidade Curricular Física II – 2015.