monografia bacharelado bruno abilio galvão
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO
CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
BRUNO ABILIO GALVO
AS INSTITUIES DE SEQUESTRO ENQUANTO DISPOSITIVOS DE
PODER E SEU FUNCIONAMENTO EM MICHEL FOUCAULT.
VITRIA
2013
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BRUNO ABILIO GALVO
AS INSTITUIES DE SEQUESTRO ENQUANTO DISPOSITIVOS DE
PODER E SEU FUNCIONAMENTO EM MICHEL FOUCAULT.
Monografia apresentada ao Curso de Filosofia do
Centro de Cincias Humanas e Naturais da
Universidade Federal do Esprito Santo, como
requisito parcial para a obteno do grau de
Bacharel em Filosofia. Orientador: Prof. Dr. Joo
Assis Rodrigues.
VITRIA
2013
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BRUNO ABILIO GALVO
AS INSTITUIES DE SEQUESTRO ENQUANTO DISPOSITIVOS DE
PODER E SEU FUNCIONAMENTO EM MICHEL FOUCAULT.
Monografia apresentada ao Curso de Filosofia do Centro de Cincias Humanas e Naturais da
Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito parcial para a obteno do grau de
Licenciado Pleno em Filosofia.
Aprovada em 15 de abril de 2013.
COMISSO EXAMINADORA
_______________________________________________
Prof. Dr. Joo Assis Rodrigues
Universidade Federal do Esprito Santo
Orientador
_______________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Corra de Arajo
Universidade Federal do Esprito Santo
_________________________________________
Profa. Dra. Thana Mara de Souza
Universidade Federal do Esprito Santo
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RESUMO
A soberania do Estado possui duas faces, uma que a fundamenta, o discurso de
soberania e outra que a torna de fato efetiva, as prticas de exerccio do poder que ocorrem
no que Foucault chama de Instituies de Sequestro, que, por proporcionarem tal efeito, so
chamadas de dispositivos de poder. Portanto, os dispositivos de poder proporcionam a
efetivao da soberania do Estado por meio de prticas de exerccio do poder que, por sua
vez, possuem origem heterognea, vindo a se reunirem em determinados espaos sob o nome
de poder disciplinar. A disciplina, por sua vez, proporciona a produo de indivduos
dceis, ou seja, com pouca capacidade de reflexo poltica e eficcia em termos de mo de
obra. Este tipo de poder estabelece uma relao entre o eixo discursivo e no discursivo, ou
seja, tudo o que produzido enquanto saber e tudo o que acontece de fato, dessa forma, o
discurso produzido nessas instituies por meio da observao aplicado nestas produzindo
novas prticas e tais prticas reformulam sempre o saber produzindo mais discursos. Ento,
esse regime de prticas estabelecido no interior dos dispositivos de fundamental importncia
para o Estado, que, enquanto estrutura de poder, regula a vida dos diversos grupos sociais a
ele interligados.
Palavras chave: Discurso. Dispositivo. Poder. Soberania.
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ABSTRACT
The sovereignty of the State possesss two faces, one that base it, the sovereignty
speech and another one that becomes it in fact effective, the practical ones of exercise of the
power that occurs in what Foucault calls Institutions of Sequestration, that, by providing
such effect, they are called power devices. Therefore, the power devices provide the
effectuation of the sovereignty of the State by means of practical of exercise of the power
that, in turn, possess heterogeneous origin, come if to congregate in definitive spaces under
the name of disciplinary Power. It disciplines, in turn, provides it the production of docile
individuals, that is, with little capacity of reflection politics and effectiveness in terms of
workmanship hand. This kind of power establishes a relation between the discursive stent and
not discursive, that is, everything what it is produced while to know and everything what it
happens in fact, of this form, the speech produced in these institutions by means of the
comment is applied in these producing new practical and such practical always reformulate
the knowledge producing more speeches. Then, this established regimen of practical in the
interior of the devices is of basic importance for the State, therefore it provides to regulate the
life of the diverse linked social groups.
Words - key: Speech. Device. Power. Sovereignty.
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SUMRIO
INTRODUO............................................................................................................. 7
CAPTULO 1: OS DISPOSITIVOS DE PODER E ALGUNS FATOS QUE
PROPORCIONARAM SEU SURGIMENTO.......................................................10
1.1 O discurso de soberania e o surgimento das instituies de sequestro............10
1.2 A modernidade e o homem enquanto indivduo jurdico.................................12
1.3 O homem como fora de trabalho e a governamentalizao de sua vida........13
1.4 O homem e o surgimento das prticas de controle e correo do
comportamento........................................................................................................................16
1.5 O discurso de soberania e o panptico como instrumentos de exerccio do
poder.........................................................................................................................................18
CAPTULO 2: A ESTRUTURA DOS DISPOSITIVOS: A ARQUITETURA E
AS FORMAS DE EXERCCIO DO PODER.........................................................21
2.1 A arquitetura.........................................................................................................21
2.2 O exerccio do poder.............................................................................................23
2.3 O poder disciplinar...............................................................................................26
2.3.1 A organizao e disposio dos corpos no espao....................................27
2.3.2 Controle do tempo e das atividades...........................................................29
2.3.3 Vigilncia hierrquica................................................................................30
2.3.4 Sano normalizadora................................................................................31
2.3.5 O exame........................................................................................................32
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CAPTULO 3: O PODER EPISTEMOLGICO E AS FORMAES
DISCURSIVAS..........................................................................................................36
3.1 Formao dos objetos do discurso.......................................................................37
3.2 Modalidades enunciativas.....................................................................................40
3.3 O que so os enunciados?.....................................................................................40
3.4 A formao dos conceitos.....................................................................................44
3.5 Formao das estratgias......................................................................................48
3.5.1 A organizao e o emprego semntico nos elementos discursivos por
meio de pontos de difrao.................................................................................................50
3.5.2 A constelao discursiva e a seleo dos elementos do discurso.............51
3.5.3 A fundamentao das estratgias nas prticas no discursivas e a
produo do saber...................................................................................................................54
CONCLUSO.............................................................................................................57
REFERNCIAS..........................................................................................................58
ANEXOS......................................................................................................................59
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INTRODUO.
O objetivo desse trabalho de concluso de curso analisar as instituies de
sequestro, assim denominados por Foucault, devido prtica de confinamento que
estabelecida nesses espaos, e que, devido sua funcionalidade e aos efeitos proporcionados
sobre os indivduos, so caracterizadas como dispositivos de poder. Portanto, iremos tratar de
um instrumento que corresponde ao aparato concreto das formas de exerccio de poder, que,
para Foucault, surge no perodo da modernidade cujo objetivo estabelecer relaes de poder
objetivando a produo de determinada subjetividade. Ento, se esses espaos proporcionam o
exerccio do poder e a produo de subjetividade porque no interior dessas estruturas
funciona toda uma dinmica de relaes voltadas para determinado fim. Portanto, tratar dos
dispositivos de poder no significar somente a anlise dos elementos concretos e slidos
desses espaos como puro estado de inrcia, mas sim que esses elementos, sendo humanos ou
ferramentas oriundas de diversas tecnologias, estabelecem entre si movimentos e efeitos de
uns sobre os outros promovendo todo o funcionamento das instituies de sequestro enquanto
dispositivos de poder. Ento, o foco desse trabalho falar sobre esse tipo de dispositivo de
poder abrangendo seus elementos de funcionamento interno e o motivo de sua existncia.
Para isso, este trabalho monogrfico dividido em trs partes correspondentes a trs
captulos.
O captulo 1, intitulado Os dispositivos de poder e alguns fatos que proporcionaram
seu surgimento, mostra os motivos e acontecimentos histricos que levaram ao surgimento
desse tipo de dispositivo pautado em uma necessidade de gerir determinados grupos sociais.
Portanto, trata-se do surgimento deste como forma de exercer o controle dos fenmenos das
massas sociais direcionando-as para diversos fins. Porm, o ato, de empregar a massa social
difusa nos mecanismos de poder, se inicia de forma autnoma por parte dos dispositivos,
vindo estes, posteriormente, serem interligados ao Estado soberano de determinado territrio
em que se encontram cujo objetivo gerir a vida dos indivduos em todos os aspectos. Este
captulo, portanto, em seu primeiro tpico, tratar da relao entre Estado soberano e
Instituies de Sequestro em que o Estado, entenda-se este genericamente, fundamentado,
segundo Foucault (2010), pelo discurso de soberania, exemplificado pelo discurso de Hobbes
sobre a necessidade do soberano em seu Leviat e mantido pelas prticas disciplinares que
ocorrem nos dispositivos. Portanto, a relao mantida entre esses dois elementos ocorrer pelo
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fato de o discurso de soberania, somente por si mesmo, no ser suficiente para sustentar uma
estrutura social seguida e aceita, ento, surgindo a necessidade de se utilizar as tcnicas
disciplinares e seus mecanismos de poder, que promovem a produo de corpos dceis
presentes nas instituies de sequestro, recaindo sobre estas a funo de manter os indivduos
num estado de ignorncia e passividade em termos polticos e, ao mesmo tempo, treinar seus
corpos para o exerccio das atividades de produo.
Visto esse primeiro tpico, passaremos a mostrar como as Instituies de Sequestro e
as prticas de confinamento e exerccio do corpo surgiram. O surgimento desses dispositivos
atrelado ao surgimento de duas novas concepes de homem interligado a dois mecanismos:
ao jurdico e ao de produo industrial. Primeiro, baseando se em A Verdade e as Formas
Jurdicas de Foucault, iremos mostrar como a concepo de homem enquanto indivduo
submetido a um conjunto de leis modificada passando de um indivduo que, ao cometer um
crime, considerado como inimigo da sociedade e por isso deve ser excludo desta para uma
concepo de que este, ao cometer um crime, deve ter o comportamento corrigido. E,
tambm, a partir desta concepo, surge a ideia de que a criminalidade ser prevenida,
portanto, diante desta nova forma de conceber o tratamento do indivduo jurdico, surgir a
necessidade de se cuidar da forma com que este age na sociedade gerindo seu
comportamento. O outro fator, o de produo industrial, contextualizado pela obra de Mariano
F. Enguita, A Face Oculta da Escola, mostra o perodo histrico do surgimento das grandes
indstrias, o que proporcionou o aumento da populao urbana, devido ao fato de ter ocorrido
migraes para os centros motivadas pela busca de melhores condies de vida. Portanto,
como essas indstrias careciam de mo de obra, grande parte dessas pessoas foi empregada
nesses lugares e, visando eficcia da produo, diversas tcnicas disciplinares foram
introduzidas para tal propsito. Nesse perodo, diversas instituies iro surgir, por exemplo,
os hospitais e as escolas em que, embora tais instituies j existissem anteriormente a este
perodo, surgem no sentido de receberem um novo formato e uma nova dinmica, pois agora,
como dispositivos de poder, assumem outra forma de funcionamento estabelecendo novas
formas de relaes e uma nova forma de estruturao do espao. Espao que, tratado no
ltimo tpico deste captulo, corresponde a uma forma de arquitetura que possibilite o
exerccio de poder com maior eficcia empregada na construo das Instituies de Sequestro,
trata-se da abstrao arquitetural de Jeremy Bentham denominada de Panptico.
O captulo 2, A estrutura dos dispositivos: a arquitetura e as formas de exerccio do
poder, tem por objetivo analisar como as Instituies de Sequestro, enquanto dispositivos de
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poder, so constitudas. Primeiro, seguindo a ideia do panptico apresentada no final do
primeiro captulo, iremos tratar da arquitetura destes dispositivos mostrando que as formas
de modelos arquitetnicos mudam de acordo com o momento histrico e com a organizao
da sociedade. , ento, estabelecido um paralelo, de acordo com Salma T. Muchail em
Foucault, Simplesmente, entre a arquitetura anterior modernidade, em que esta era voltada
para proporcionar determinado espetculo ao maior nmero de pessoas, com a arquitetura
panptica, mostrando que houve uma inverso da lgica do espetculo, pois o propsito
arquitetural passa a ser proporcionar que o maior nmero de pessoas seja posto em
observao para um grupo menor de pessoas. Feito isto, partimos para as relaes de poder
que ocorrem em seu interior e que ocasionam seu funcionamento. Primeiro, iremos esclarecer
o que Foucault compreende por poder e em sequncia ser abordado as diferentes formas em
que este exercido confluindo para a formao de um conjunto de prticas chamado de
poder disciplinar.
O terceiro captulo, O poder epistemolgico e as formaes discursivas, tem como
ponto de partida a reflexo que se inicia no captulo 2 referente ao exame, que uma
modalidade do poder em que o saber produzido por meio da observao e registro dos fatos
molda o mbito das prticas no discursivas. Portanto, com o objetivo de analisar esta questo
com maior profundidade, este captulo trata somente das prticas discursivas investigando os
elementos de formao do discurso e sua relao com a esfera no discursiva. Sendo que este
assunto tema central no perodo arqueolgico de Foucault, a obra principal a ser explorada
neste captulo A Arqueologia do Saber.
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CAPTULO 1: OS DISPOSITIVOS DE PODER E ALGUNS FATOS
QUE PROPORCIONARAM SEU SURGIMENTO.
1.1 O discurso de soberania e o surgimento dos dispositivos.
Este trabalho visa investigar como o poder exercido num sentido de promover a
submisso de determinado grupamento social soberania do Estado. A submisso ao Estado
mediada, em determinada formao social, pelo fato de alguns indivduos se apoderarem de
determinadas estratgias e tecnologias de exerccios do poder e as aplicar sobre uma massa
populacional difusa e catica, organizando a e a dispondo da maneira mais apropriada para
que determinado estado dcil seja mantido e reproduzido. Dessa forma, determinado grupo
capaz de direcionar as atitudes e gestos e canaliz-los para determinados fins, agindo sobre a
ao do outro, o que Foucault1 denomina de governamentalidade. Portanto, o assunto desse
trabalho se estrutura a partir dessa forma de governamentalizar populaes, de gerir
comportamentos e atitudes num exerccio de poder que direciona certo grupo de indivduos,
de forma sofisticada e sutil, no sentido de que o comando no exercido de maneira
coercitiva e violenta, mas sim que cada indivduo, ao sofrer ao do exerccio do poder de
diversas formas, como veremos mais adiante, incorpora as normas estabelecidas sobre suas
vidas como se fossem a melhor possibilidade. Podemos exemplificar isso por meio da
metfora do pastor que aponta s suas ovelhas o caminho que devem seguir para manterem-se
vivas, pois o pastor quem cuida e guia suas ovelhas e elas nele confiam, pois foram
ensinadas a conceder seu poder de mando a outro mais capacitado. Essa alegoria, to antiga e
to gasta pelos usos e desusos na histria do pensamento, usada aqui para espelhar um
princpio bsico do que significa governamentalizar determinado grupo social que,
primeiramente, no em sentido de maior importncia, mas sim de ordem de abordagem, se faz
valer de uma crena. Crena que, a partir de FOUCAULT (2002), devemos interpretar como a
verdade enquanto construo discursiva. Cr-se que h uma instncia maior qual devemos
delegar nossa capacidade de agir por nossa vontade para que a vida em conjunto seja mantida.
1 FOUCAULT apud BUJES, 2002.
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Tal crena ou discurso de verdade ao qual nos referimos alegoricamente ilustra o que
FOUCAULT (2010) chama de Discurso de Soberania, que consiste na delegao do poder
pelo corpo social a uma instncia maior, nesse caso o Estado, visando o bom funcionamento
social. Ento tal discurso torna legtimo o exerccio de tais prticas de governo, pois ,
segundo ele, a soberania do Estado delegada pelo prprio corpo social que anseia pelo bom
convvio.
O discurso de soberania fundamenta tal prtica numa escolha popular. Thomas
Hobbes2, por exemplo, em sua ideia do pacto social, defende a afirmativa de que
determinados indivduos, puramente conscientes da necessidade de assegurar suas vidas em
meio ao grupo social, abrem mo de algumas possibilidades de exerccio de poder e o
delegam a uma instncia superior (soberano), pois perceberam, em sua s conscincia, que tal
ato a melhor atitude a ser tomada. Podemos dizer, a partir de FOUCAULT (2010), que tal
discurso se fundamenta numa metafsica, ou numa idealizao quase platnica e idealista de
sociedade, pois tal fato nunca ocorreu, no h tal delegao de poder, porm, o fato que
acreditamos nesse discurso, pois somos lanados em meio a essas estruturas positivistas
erguidas a custo de muitos jogos e estratgias, lutas e combates aos quais estes
posicionamentos sociais se configuraram. A estrutura social no dessa forma pelo fato de
termos escolhido, mas sim por termos perdido alguns combates.
Ento, num primeiro momento, o fato de determinados grupos sociais serem mantidos
ou se manterem num estado de submisso parcialmente devido a uma construo discursiva
que fundamenta e explica s pessoas o porqu e a importncia de se manter tal regime de
convvio. Porm o discurso por si apenas no garante que todas as pessoas se mantenham nas
posies que lhes so apontadas, pois, como foi dito, a constituio do Estado no foi uma
escolha puramente consciente de todos os indivduos e sim consequncia de derrotas e vitrias
de determinados grupos e, como na histria, quem vence a guerra que ser o contador desta,
o discurso de soberania a verdade contada pelos vencedores. Portanto, as formas de
exerccio de fora e poder permanecem por baixo desse discurso, porm, para Foucault, estas
se tornaram mais sofisticadas, passando por vrios processos de aperfeioamento que
progridem medida que a compreenso do que o homem evolui, enquanto corpo e
subjetividade. Portanto, para que determinado grupo social mantenha-se num estado de
submisso, o Estado, enquanto soberano e fundamentado em sua construo discursiva, ir
2 Cf. HOBBES. Thomas. Leviat ou Matria, Forma e Poder de um Estado eclesistico e civil. So Paulo.
Martins Fontes. 2003
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ver nascer, em variados espaos particulares, formas de se exercer o poder e controlar as
atitudes daqueles mantidos como submissos sua ordem. A esses espaos, em que diversos
mecanismos de exerccio do poder so executados, Foucault3 chama de dispositivos de
poder. Porm, tais mecanismos, com suas sofisticadas tecnologias de exerccio do poder,
surgem e se aperfeioam na medida em que o homem formulado, enquanto representao,
junto com o desenvolvimento do saber sobre si mesmo. Vejamos ento, como que uma
mudana na representao do homem ocorrida no perodo da modernidade influenciou o
surgimento e o modo de funcionar de tais dispositivos. Para isso iremos analisar as mudanas
na representao do homem enquanto indivduo jurdico e enquanto fora de trabalho para as
indstrias que surgiram nessa poca.
1.2 A modernidade e o homem enquanto indivduo jurdico.
A partir do pensamento de FOUCAULT (2002), podemos afirmar que a conjuntura
jurdica que vivenciamos e tambm outros elementos caractersticos de nossa sociedade
trilharam por caminhos desencadeados a partir de uma mudana na forma de compreender o
indivduo criminoso. Para alguns juristas do sculo XVIII, o crime tratava-se da ruptura da lei
previamente estabelecida, portanto, s pode haver crime se para determinado fato houver uma
lei prescrita. A lei penal da poca tinha como funo representar e defender o que era til para
a sociedade, portanto, tudo o que ocorre de forma transgressora danifica o corpo social.
Seguindo essa lgica, o criminoso caracterizado como inimigo de toda a sociedade.
Ento, se o ato criminoso provoca um dano ao corpo social, a lei penal deve prescrever
mecanismos de punio de forma que o dano seja reparado, para isso surgem diversas formas
de punio defendidas teoricamente, mas que na prtica pouco foram utilizadas. Essas
penalidades eram as seguintes: expulso ou banimento do meio social, pois o indivduo
infrator excluiu-se ao romper com a lei; excluso local e moral por meio de calnia; trabalho
forado visando o pagamento da dvida social; e lei de Talio, em que o criminoso sofria o
mesmo dano que havia causado. Porm, todos esses mecanismos de punio sero
substitudos no sculo XIX pela priso (FOUCAULT, 2002).
3 VEYNE, Paul. Foucault: o pensamento a pessoa. Lisboa. Texto & Grafia. 2009.
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Portanto, no sculo XIX, essa construo jurdica sofrer uma mudana, no mais se
apoiar numa abstrao generalizada de utilidade social, mas buscar ajustar-se ao
indivduo (FOUCAULT, 2002, pg. 84). Ao se analisar um ato criminoso, a prescrio da
pena no mais se fundamentar num princpio geral de rompimento da ordem social, mas sim
em que circunstncias e condies o crime ocorreu, portanto, a anlise do crime e as sentenas
passam a ser julgadas a nvel individual. H, ento, uma transio de uma forma de legislao
que visa a defesa geral da sociedade para o controle e a reforma psicolgica e moral das
atitudes e do comportamento dos indivduos (FOUCAULT, 2002, pg. 85).
Mas, esse controle e reforma moral no sero aplicados apenas referindo-se ao ato
cometido, mas tambm visando reduzir as possibilidades de um crime vir a ocorrer. Portanto,
com o objetivo de prevenir a ocorrncia criminosa, o jurdico buscar atuar na formao das
virtualidades de cada indivduo. Porm, os mecanismos penais por si s no eram capazes de
executar tal tarefa, portanto, o Estado buscar em outras formas de poder, poderes locais e
marginais, mecanismos que possibilitem o controle de toda a sociedade (FOUCAULT, 2002,
pg. 86).
1.3 O homem como fora de trabalho e a governamentalizao de sua vida.
O perodo da modernidade marcado por uma srie de fenmenos polticos e
econmicos, sendo, talvez o mais significativo, o surgimento das indstrias, o que ocasionou
vrias mudanas na relao homem trabalho e tambm na forma com que este passou a ser
compreendido segundo a mudana de necessidades de produo. Antes, num perodo pr-
moderno, o trabalhador dispunha dos meios de produo e tinha total controle de todos os
processos na elaborao de seu produto, do tempo e da maneira em que seria produzido sendo
o produto final fruto de sua arte. Posteriormente, com o advento da indstria, nas fbricas, o
trabalhador submetido a executar determinadas funes no processo de produo em uma
escala de tempo previamente definida em troca de um salrio que possibilite apenas a
manuteno do corpo enquanto fora de trabalho. Esse processo de desenvolvimento
industrial proporcionou o aumento da populao urbana, num primeiro momento, devido
migrao da populao rural para os grandes centros em busca de melhores condies de
sobrevivncia (MARIANO F. ENGUITA, 1989) e posteriormente, com estratgias de
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controle do corpo, enquanto aspecto orgnico, visando preservao da vida, o que
FOUCAULT (2007) chamar de biopoder.
A modernidade ento marcada pela consolidao de novos mecanismos econmicos
e tambm por uma crescente populao urbana. O que, a princpio, so fenmenos que se
complementam, pois, com o surgimento das fbricas h uma demanda por trabalhadores que
sanada com o aumento da populao. O homem ento passa a ser visto como pea adaptvel
aos mecanismos de produo, pois a indstria, como dispositivo emergente, com suas
relaes de poder sendo exercidas, necessita de componentes humanos em suas estruturas
para funcionar. O crescimento demogrfico urbano fez surgir, para a elite da sociedade, a
necessidade de se criar mecanismos de controle sobre estes indivduos, pois, com o
crescimento demasiado da populao, houve a necessidade de civilizar as massas e cuidar
para que suas impurezas (ENGUITA, 1989) (a populao pobre, alm de carecer de
cuidados, tambm carregava uma carga de preconceitos) no se propagassem para toda a
sociedade, para isso surge nesse perodo o que Foucault chama de biopoder (MACHADO,
1988, p.200). O biopoder uma tecnologia utilizada com o intuito de preservar a vida num
sentido em que se obtm, ao se esquadrinhar e individualizar as populaes, conhecimentos
referentes aos processos biolgicos da vida, como por exemplo, a quantidade de mortes e
nascimentos que ocorrem, informaes sobre a sade da populao, etc. e, mediante tal saber
produzido, estabelecer formas de intervir e controlar tais movimentos biolgicos da
populao. Tal tecnologia de poder aplicada segundo a compreenso do corpo enquanto
espcie, objetivando sua perpetuao e proporcionando o controle de uns sobre os outros.
Diante dessas mudanas sociais, o Estado, visando o controle populacional num
sentido de biopoltica e fora de produo, desenvolve o que FOUCAULT (2010) chama de
governamentalidade. A governamentalidade uma tecnologia que, diante de todo o corpo
social, delimita o espao de ao de cada indivduo tornando possvel controlar a vida de cada
um no sentido de direcion-la para um fim especfico ditando normas de conduta. Segundo
Maria Izabel Edelweiss BUJES (2002, p. 76), a governamentalidade surge pela associao
entre o que Foucault chama de o jogo da cidade e o jogo do pastor.
O jogo do pastor constitui-se num tipo de relao pautado no cuidado de um indivduo
(o pastor) para com os demais (o rebanho) em que o pastor mantm seu olhar sobre cada
ovelha procurando identificar as fragilidades presentes e zelar por cada uma. O pastor nesse
mecanismo ocupa tambm a funo de guia, pois, alm de cuidar do rebanho, o direciona a
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determinadas posies visando manter viva cada ovelha. J o jogo da cidade surge com o
crescimento populacional dos centros urbanos e tem por objetivo estabelecer formas coletivas
de convivncia. Ou seja, trata-se de uma tecnologia voltada populao como um todo,
pretendendo mant-la sob controle ao estipular modos padronizados de vida. O controle
estabelecido por essa tcnica no vem somente manter ou reter a populao em seus
domnios, mas busca tambm aprimorar todo o corpo social no s em fatores econmicos,
mas tambm em questo de sade, o que proporcionar o surgimento de alguns saberes para
suprir tais necessidades: inicialmente, a estatstica, a economia e a demografia; depois a
sade pblica; logo adiante, todas as reas psi (a psiquitrica, a psicologia, a psicanlise)
(VEIGA-NETO apud BUJES, 2002, p. 77).
Ento, com a associao dessas duas tcnicas, obtm-se uma forma de governo
racional e inteligente, capaz de, ao provocar determinados movimentos ou mudanas na vida
social, obter determinados resultados. Portanto, governo, segundo Foucault :
[...] a maneira de dirigir a conduta dos indivduos ou de grupos: [governamento] das
crianas, das almas, das comunidades, das famlias, dos doentes. Ele no recobria
apenas formas institudas e legitimas de sujeio poltica ou econmica; mas modos
de ao mais ou menos refletidas e calculadas, porm todos destinados a agir sobre
as possibilidades de ao dos indivduos. Governo, neste sentido, estruturar o
eventual campo de ao do outro (FOUCAULT apud BUJES, 2002, p. 77).
Portanto, a governamentalidade permite ao Estado dispor corpos e os dirigir para obter
certos efeitos, sendo estes os indivduos operrios, servindo de fora de trabalho para as
indstrias que surgem nesse perodo, e cidados de bem submissos ordem do Estado.
Porm, tais disposies e direcionamentos iro proporcionar o surgimento de espaos
demarcados que se mantenham conectados uns aos outros e ao Estado, como por exemplo, as
escolas, os hospcios de internao, os hospitais e as prises, pois o efeito objetivado aplicado
nesses espaos o mesmo: dirigir a vida social de cada indivduo. Para isso, estabelecido
um conjunto de prticas, de rotina e de rituais institucionais (BUJES, 2002, p.79) que
orientado por um conjunto de metas, determinadas segundo um processo de racionalizao da
populao, o que torna tais atividades governamentais. Em meio a esse cenrio e a essas
tecnologias de poder, surgem os dispositivos que queremos analisar, instituies
governamentais, mquinas, gerenciando a vida de pessoas e produzindo determinadas
subjetividades, objetivando assim um efeito: aprimorar, cuidar e controlar o corpo social em
sua micro partcula, nos gestos, hbitos e pensamento humanos.
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1.4 O homem e o surgimento das prticas de controle e correo do
comportamento.
Segundo FOUCAULT (2002), as prticas de controle e correo do comportamento
tm origem por meio de modos de vida comunitria pautados na vigilncia permanente de
cada indivduo que surgiram principalmente na Inglaterra e na Frana. Esses mecanismos, de
controle e correo do comportamento, se constituram durante o sculo XVIII por meio de
prticas marginais e independentes em relao ao sistema jurdico e econmico, portanto,
reafirmando a frase anterior, so oriundas de grupos populares que produziram um sistema de
organizao pautado no controle do comportamento dos indivduos, o que, devido ao seu
funcionamento eficaz, passar a ser operado, posteriormente, pela elite econmica e jurdica e
ser absorvida e executada nos dispositivos de poder. Esses sistemas de organizao pautados
no controle se iniciaram na Inglaterra em meados do sculo XVIII, se formaram em
determinadas localidades em que grupos de pessoas, sem nenhum consentimento jurdico e de
forma espontnea, constituram uma forma de relao comunitria proporcionando a esta uma
funcionalidade. Nesses pequenos organismos sociais de controle, algumas pessoas se
incumbiam da tarefa de vigiar os demais. Portanto, h uma vigilncia sobre a organizao e o
funcionamento de tal grupo, visando sua manuteno, em que algumas pessoas reivindicam
para si a tarefa de vigiar a todos, regulando as formas de convvio. Porm, qual a necessidade
de se instaurar uma relao de subordinao a uma ordem se j existe a subordinao s leis?
Temos ento duas instncias diferentes que executam papis parecidos, porm de
formas diferentes. H, tanto na relao do Estado com seus sditos quanto na relao das
pessoas de um povoado, uma submisso ordem, mas, o infrator diante do Estado punido
como prev o cdigo de lei, pois o crime, nesse momento, ainda era visto a partir do seu
acontecimento, ou seja, o indivduo infrator ainda era caracterizado como inimigo da
sociedade e a pena, na maioria das vezes, era a morte. J nas pequenas sociedades havia um
trabalho de preveno da falta por meio da vigilncia. Ento, diante dessa situao em que h
um Estado que pune o criminoso e grupos comunitrios que visam evitar que ocorra um
crime, podemos dizer, a partir de Foucault, que os mecanismos de controle locais vieram a
com o intuito de escapar lei do Estado que, na poca, era muito violenta. No incio, esses
grupos eram constitudos por populares e membros da pequena burguesia, que buscavam
suprimir os vcios e os maus costumes, eles proibiam a embriaguez, o roubo, a prostituio,
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etc. Tratava-se de uma organizao cuja finalidade era assegurar uma moral que os
impedissem de cometer algum delito e serem assim condenados. Portanto, essa organizao
pautada na vigilncia local tinha, de certa forma, o objetivo de escapar lei e preservar suas
vidas.
Porm, no decorrer do sculo XVIII,
[...] esses grupos vo mudar de insero social e cada vez mais abandonar seu
recrutamento popular ou pequeno burgus. No fim do sculo XVIII so a
aristocracia, os bispos, os duques, as pessoas mais ricas que vo suscitar
esses grupos de auto-defesa (sic) moral, essas ligas para a supresso dos
vcios. (FOUCAULT, 2002, pg. 93)
Ento, alm de possuir um sistema penal violento, agora os grupos dominantes contam
tambm com mecanismos que tornam possvel controlar a populao. Essa mudana de
domnio acarretar tambm uma transio da regularidade desses grupos sociais, passando de
uma regulao moral para uma calcada na penalidade jurdica, promovendo a estatizao
desses mecanismos de controle. A lei, enquanto discurso e direcionamento de fora, aplica-se
aos populares e quem aplica ou exerce esse instrumento de poder escapa ao direcionamento
da lei. Tal sistema demonstrado num texto citado por Foucault, datado de 1804, escrito por
um bispo chamado Watson que pregava, acerca da Sociedade de supresso dos vcios o
seguinte:
As leis so boas, mas infelizmente, so burladas pelas classes mais baixas. As
classes mais altas, certamente, no as levam em considerao. Mas esse fato
no teria importncia se as classes mais altas no servissem de exemplo para
as mais baixas (...). Peo lhes que sigam essas leis que no so feitas para
vocs, pois assim ao menos haver a possibilidade de controle e de vigilncia
das classes mais pobres. (FOUCAULT, 2002, pg. 94)
Na Frana ocorreu algo pouco diferente, decorrente das construes arquiteturais
mantidas sob a guarda da polcia (Bastilha, Bictre, as grandes prises, etc.) e tambm de algo
institudo que funcionava concomitantemente a essas construes, a lettres de cachette,
que no era uma lei nem um decreto, mas uma ordem direta do rei, que obrigava qualquer
pessoa, a se submeter ao que lhe fosse ordenado. Mediante tal ordem, poderia se obrigar
algum a fazer qualquer coisa, desde a privao do exerccio de alguma funo ou at mesmo
ser levado priso. Porm, a priso neste momento ainda no corresponde a uma punio
jurdica, o jurdico, quando punia, era com a morte, com pagamento de multa ou banimento.
Ento, em que consiste a lettres-de-cachette?
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Esta se tratava de uma forma de poder que funcionava s margens do poder real, cada
indivduo, insatisfeito com a conduta de alguma outra pessoa pertencente ao seu grupo social,
poderia solicitar ao rei uma lettre-de-cachette obrigando tal pessoa a se corrigir ou solicitando
que tal componente do grupo seja mantido na priso at que suas ms condutas fossem
corrigidas. Dessa forma, as comunidades e grupos sociais exerciam sobre si mesmos o poder
de controle e normatizao dos indivduos, assim, os grupos asseguravam seu prprio
policiamento e sua prpria ordem. A priso vir a ser o principal mecanismo de punio
somente no sculo XIX, num momento em que o poder real no mais se interessar pelos
meios de punio violenta, pois a populao, no decorrer do tempo, no mais aprovar tais
prticas, repudiando o Estado ao presenciar cenas de terrvel violncia e tambm com o
surgimento dos saberes acerca do homem, que o mostram como indivduo passvel de ser
moldado e manipulado. Houve tambm uma mudana na forma de lidar com os crimes, pois
antes a lei atuava no momento da infrao, mas, com a priso, com suas prticas fundadas
numa ideia de correo do comportamento, a penalidade atuar neste aspecto: corrigir os
indivduos ao nvel de seus comportamentos, de suas atitudes, de suas disposies, do perigo
que apresentam, das virtualidades possveis (FOUCAULT, 2002, pg. 99). Portanto, essa
ideia de penalidade pautada na correo por meio do aprisionamento uma ideia policial
criada paralelamente justia, que no nasce a partir de tericos juristas, mas sim forjada a
partir de prticas dos controles sociais ou em um sistema de trocas entre a demanda do grupo
e o exerccio do poder (FOUCAULT, 2002, pg. 99). A prtica de encarceramento francesa,
juntamente com as prticas de vigilncia inglesas, sero trazidas para o interior dos
dispositivos governamentalizantes.
1.5 O discurso de soberania e o Panptico como instrumentos de
dominao.
A priso, portanto, um dos dispositivos primordiais e o mais significativo enquanto
modelo de espao em que o poder exercido e adotar sua excelncia de funcionamento com
a abstrao modelar de Bentham, o Panptico (FOUCAULT, 2007), sua arquitetura era a
seguinte:
[...] na periferia uma construo em anel; no centro, uma torre; esta vazada
de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construo
perifrica dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da
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construo; elas tm duas janelas, uma para o interior, correspondendo s
janelas da torre; outra, que d para o exterior, permite que a luz atravesse a
cela de lado a lado. Basta ento colocar um vigia na torre central, e em cada
cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operrio ou um escolar.
(FOUCAULT, 2007, pg. 165, 166)
Portanto, esta uma forma de poder que se exerce de forma individual e contnua por
meio de um olhar focado em cada indivduo. As prticas de vigilncia populares, incorporadas
aos dispositivos, adquirem com o Panptico seu mximo de eficcia e, com a mudana de
paradigma penal, no mais a respeito do que se fez, mas sim do que se pode vir a fazer, o
modelo Panptico, enquanto diagrama em que relaes de poder so traadas, ser exercido
por diversas instituies cujo objetivo ser manter o controle da populao, direcionando sua
subjetividade e comportamento a um modelo dcil no nocivo a lei e til para a sociedade de
produo. Portanto, as instituies que surgem no sculo XIX tero por funo fixar os
indivduos (FOUCAULT, 2002, pg. 114), lig-los a um aparelho de transmisso por onde o
poder passa alcanando seus corpos.
[...] a fbrica no exclui os indivduos; liga-os a um aparelho de produo. A
escola no exclui os indivduos; mesmo fechando-os; ela os fixa a um
aparelho de transmisso do saber. O hospital psiquitrico no exclui os
indivduos; liga-os a um aparelho de correo, a um aparelho de
normalizao dos indivduos. O mesmo acontece com a casa de correo e a
priso. (FOUCAULT, 2002, pg. 114)
Portanto, o jurdico pe em prtica, interligado a essas instituies com seus micros -
sistemas penais de vigilncia e correo do comportamento, um conjunto de relaes pautado
na dominao e sujeio dos indivduos. Vimos que, na histria da modernidade, tais
grupos de pessoas detentoras do direito de aplicar tais leis eram pessoas que tinham posio
social acima da pequena burguesia e que possuam ttulos de nobreza e posio social poltica
dentro do Estado. Tal possibilidade de exerccio do direito sustentada pelo discurso de
soberania que, para Foucault, a partir da idade mdia, versava a respeito da legitimao e
tambm dos limites do poder real ou de Estado, de acordo com as mudanas nas formas de se
governar um povo. Portanto, a teoria do direito tinha enquanto objetivo fundamentar a
soberania real ou de outros personagens de acordo com os sistemas que se configuraram em
cada racionalidade. Porm, o discurso de soberania defende o porqu os indivduos de uma
sociedade devem se sujeitar e paralelo a isso, como j mostramos, as instituies panpticas
com suas prticas de exerccio de poder atuam no governo direto dos corpos promovendo a
dominao dos indivduos.
[...] temos, portanto, nas sociedades modernas, a partir do sculo XIX at
hoje, por um lado uma legislao, um discurso e uma organizao o direito
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pblico articulado em torno do princpio do corpo social e da delegao do
poder e por outro, um sistema minucioso de coeres disciplinares que
garantem efetivamente a coeso dentro deste mesmo corpo social.
(FOUCAULT, 2010, pg. 189)
Passamos ento agora, aps termos mostrado o surgimento dos muros e das paredes
dos dispositivos e suas entranhas, aos corpos interligados no interior desses mecanismos de
poder, e ver como que estes se apresentam imersos em um emaranhado de elementos
constituintes das relaes de poder e o que que os interligam de vrias maneiras. Portanto,
passamos agora a investigar como o poder exercido nesses espaos das mais variadas
formas visando, alm de fixar os corpos em uma determinada localidade, produzir neles uma
subjetividade dcil.
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CAPTULO 2: A ESTRUTURA DOS DISPOSITIVOS: A
ARQUITETURA E AS FORMAS DE EXERCCIO DO PODER.
2.1 A arquitetura.
Como vimos, a sociedade disciplinar iniciou-se a partir de prticas sociais voltadas
para o controle de determinado grupo de pessoas em localidades especficas, portanto, tais
prticas situam-se na gnese de um modelo de sociedade que expandido territorialmente o
mximo possvel. Tais prticas, instrumentadas pelo vis da observao e confinamento,
proporcionaro uma srie de registros e anotaes acerca daquilo que observado estando
confinado num espao fechado ou no, possibilitando o surgimento de diversos saberes acerca
do que observado, o que ocasionar o surgimento das cincias humanas estruturadas sobre
um regime de verdades que classificam indivduos apontando diversas formas de agir sobre
eles.
Portanto, a partir desses saberes e regimes de verdade erguem-se paredes e se
confinam pessoas, o que FOUCAULT (2002, pg. 115) vem a chamar de rede institucional
de sequestro em que o objetivo , por meio do confinamento, fixar os indivduos ligando-os
a um aparelho de transmisso do poder, proporcionando a estes um vnculo com determinadas
prticas e discursos que visam formao de determinado tipo de subjetividade, cujo foco
agir direto sobre o comportamento dessas pessoas. Ento, por volta dos fins do sculo XVIII,
surge isso que Foucault (2002) chama de sociedade disciplinar, que tem como caracterstica
o confinamento e a organizao dos indivduos num espao, onde estes so vigiados
constantemente e submetidos a um constante exame de seu comportamento (MUCHAIL,
2004, pg. 61) em que os desvios so corrigidos de acordo com o que este deve ser, segundo
um padro de normalidade, ditado por um regime de verdades.
Porm, para que esse processo seja concretizado, as pessoas, como vimos, so
confinadas e organizadas em determinado espao que proporciona a eficcia do poder, espao
construdo, primeiramente, enquanto discurso condizente com uma abstrao utpica de um
projeto que se concretiza em uma arquitetura que proporciona o exerccio do poder. Portanto,
o poder dispe de mltiplos elementos, da arquitetura, do discurso e das prticas que
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contemplam os gestos e atitudes dos indivduos, ou seja, as prticas no discursivas. O projeto
de que estamos falando refere-se ao panptico de Jeremy Bentham, elaborado nos fins do
sculo XVIII como j foi mencionado no captulo anterior. A partir dessas formulaes,
surgiro as instituies que conhecemos hoje, as fbricas, hospitais, escolas (...), prises,
etc., cujas caractersticas de fundo ainda hoje permanecem (MUCHAIL, 2004, pg. 63).
Com o surgimento das instituies panpticas e o alvorecer da sociedade disciplinar,
Foucault (apud MUCHAIL 2004, pg. 64), nos mostra que, motivado por uma nova
concepo de sociedade em que, de um lado h a vida privada dos indivduos e do outro o
Estado agindo sobre seus corpos, em que o Panptico, enquanto concretizao de uma ideia
mostra-se eficaz para tais fins, a estrutura arquitetural dos monumentos de uma sociedade
modificada perpetuamente. Anteriormente modernidade, nas sociedades clssicas, o foco em
termos de convivncia social voltava-se para uma vida comunitria em que as decises e os
principais acontecimentos polticos ocorriam de forma pblica, portanto, nas sociedades
clssicas, a arquitetura voltava-se a proporcionar determinado acontecimento, seja este
relacionado arte, poltica ou religio, para que o maior nmero possvel de pessoas pudesse
assistir. Portanto, com essa mudana decorrente do surgimento da sociedade disciplinar
panptica, a arquitetura no mais direcionada a proporcionar o espetculo ao maior nmero
de pessoas possvel, mas sim a que um nmero reduzido de pessoas observe a maior
quantidade de pessoas possvel. No que a arquitetura de espetculo tenha sido extinta, mas
foi restringida a pequenos espaos para apresentaes especficas que no afetem o
funcionamento disciplinar da sociedade, portanto, podemos dizer que a arquitetura de uma
sociedade muda simultaneamente de acordo com os interesses e decises daqueles que se
posicionam hierrquica e estrategicamente no diagrama de poder. Com relao a isso,
FOUCAULT (2002, pg. 105), ao tratar da arquitetura moderna em Verdade e formas
jurdicas, cita uma obra chamada Lies sobre as prises do ano de 1830, de autoria de um
professor universitrio de Berlim chamado Giulius, contemporneo a Hegel, em que aquele
espelha a preocupao de alguns arquitetos da poca referente s prises, cujo objetivo era
inverter o modelo de arquitetura clssico, que predominou durante a Grcia estendendo-se at
os fins do perodo medieval j citado anteriormente, ento
Isso significa que a arquitetura dever ento assegurar no mais que espetculos sejam dados ao maior nmero de pessoas, mas que indivduos
sejam dados como que em espetculo a um olhar vigilante (MUCHAIL, 2004, pg. 64).
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Essa era a grande questo para a arquitetura moderna, e Giulius, ao levantar essa
questo, pensava no somente no modelo de priso, mas buscava algo que pudesse valer para
demais instituies como os hospitais e as escolas. Ao tratar desse assunto, ele tinha em
mente o panptico de Bentham como possibilidade de satisfazer a necessidade de inverso da
arquitetura de espetculo. Essas questes e todo esse conjunto discursivo, acerca de
arquitetura e discusses sobre formas eficazes de aprisionamento e formao de subjetividade,
culminaro no encontro com o Panptico de Bentham, o que ir promover uma modificao
massificada das construes dos espaos governamentelizados, promovendo um
funcionamento, concomitante em cada instituio, regido pelo mesmo princpio de vigilncia
individualizante, o que instaurar uma nova forma de poder. Ento, como vimos, a forma com
que os dispositivos so construdos influencia diretamente na forma com que o poder
exercido em seu interior, portanto, vejamos agora como que isso ocorre.
2.2 O exerccio do poder.
Ento, aps termos mostrado a planta sobre a qual as paredes dessas instituies que
surgiram na modernidade foram erguidas, descreveremos o funcionamento destas em relao
aos indivduos confinados nesses espaos. Primeiramente, para Foucault, essas instituies,
pedaggicas, mdicas, penais ou industriais (2002, pg. 115) tm, alm de fixarem os
indivduos em um espao como alvo do poder, a funo de estabelecer o controle total, ou
quase total, do tempo de suas vidas. A palavra tempo empregada por Foucault num sentido
amplo em relao vida dos indivduos, referindo-se tanto sua existncia temporal quanto
s atividades cronometradas dentro das instituies de produo. Portanto, se olharmos
superficialmente ao redor de ns mesmos, constataremos, de fato, uma relao ntima entre
os indivduos e as instituies de sequestro. Do local de nascimento ao possvel leito de
morte, sempre est presente o olho do poder e seus discursos determinando o que fazer ou o
que deve ser feito conosco.
Portanto, durao temporal do homem e instituies so um par ligado e entrelaado, a
contagem do tempo demarcada pela possibilidade de estadia nesses espaos como, hospital,
creche, escola, empresa ou indstria, asilo e hospital de novo. Todas as instituies que
passamos nos formam e direcionam para um propsito de existncia maior, a existncia da
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sociedade de produo qual fomos inseridos, sequestrados e adotados. Assim somos
preparados e treinados para manter o funcionamento ou a existncia dessa sociedade e, por
isso,
[...] preciso que o tempo dos homens seja oferecido ao aparelho de
produo; que o aparelho de produo possa utilizar o tempo de vida, o
tempo de existncia do homem. para isso e desta forma que o controle se exerce (FOUCAULT, 2002, pg. 116).
Para que esse tipo de sociedade venha a funcionar, primeiramente o sequestro ou a
insero do indivduo nos meios de produo feita por meio da aquisio ou compra do
tempo, compreendido como mercadoria, sendo posto, similarmente aos demais objetos
comercializados, venda, oferecido aos que o querem comprar em troca de um preo baixo, o
que FOUCAULT (2002, pg. 120) chama de poder econmico.
O poder econmico, portanto, condiz com a compra de mo de obra por parte das
instituies. Ele articula e envolve o indivduo na instituio, por meio de um acordo ou
contrato em que este dispe seu tempo e fora aos comandos de outrem. H tambm, em
todas as instituies de sequestro, atrelado ao poder econmico, um poder poltico. As
instituies, por sua vez, so organizadas em hierarquias de comando, dessa forma, os
dirigentes se delegam o direito de dar ordens, de estabelecer regulamentos, de tomar
medidas, de expulsar indivduos, aceitar outros, etc. (idem, pg. 120). importante lembrar
que esse poder poltico exercido setorialmente e cada setor submisso a outro com maior
poder poltico de comando.
Durante a vida do indivduo social, as formas de sequestro ocorrem de maneiras
diferenciadas; num primeiro momento, referindo-se s escolas, o esforo ou interesse de
insero por parte do Estado, pois h o interesse na formao ou adestramento dos
indivduos que culminar no futuro operrio e este, ao ser formado, responsvel agora por
prover a prpria existncia, pe-se na vitrine das relaes de comrcio em que seu currculo
atesta suas qualidades e habilidades para a produo. Portanto, no primeiro momento, a
vontade de permanecer no espao escolar quase nula, pois passa pelo mbito da
obrigatoriedade e, no segundo momento, h um desejo pelo sequestro, um pedido, h a
necessidade de se ter o tempo comprado, pois o valor pago por este essencial para manter a
prpria sobrevivncia.
Em segundo lugar, em relao ao controle do tempo, para que a sociedade possa
funcionar preciso que este tempo do homem que se compra seja transformado em tempo de
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trabalho. Ou seja, uma vez submetido a uma instituio, o corpo do indivduo ser utilizado
ao mximo possvel, confluindo na transformao do tempo de estadia na instituio em
tempo de produo. Portanto, para o melhor aproveitamento da fora de trabalho do
indivduo, faz-se necessrio ter um controle total do tempo e dos gestos deste. Ento, uma vez
capturados, no interior das instituies, qual o destino dos indivduos? Entendendo destino
no como uma pr-determinao a histrica ou metafsica, mas sim como finalidade ou
utilidade do indivduo em um mecanismo maior, semelhante a uma pea encaixada em uma
grande mquina que funciona como um organismo, o destino destes indivduos, uma vez
inseridos nesses mecanismos, ser dispor seus corpos para que estes sejam empregados em
determinada funcionalidade. Os corpos dos indivduos, em conjunto e organizados, compem
e executam os movimentos da mquina ou mecanismo ao qual so subordinados, assim,
utiliza-se o tempo comprado. Mas, sendo que quem compra deseja usufruir ao mximo de seu
produto, os corpos dos indivduos sero submetidos a uma srie de tcnicas de exerccio do
poder, cuja finalidade a extrao mxima de sua fora de trabalho. Portanto, o exerccio do
poder no interior do espao demarcado e fechado das instituies se ramifica e desdobra,
aparecendo em relaes interpessoais de maneiras distintas e funcionalidades diversas, de
acordo com as necessidades de funcionamento das instituies. Ora o poder exercido de
determinada forma ora de outra, sendo que tais diversidades podem ocorrer simultaneamente,
pois o poder no se encontra fixo em uma localidade ou sai de uma abandonando outra. O
poder muda no em sentido de deslocamento, mas sim na forma em que exercido. A esta
mutabilidade do poder Foucault chama de polimorfismo ou polivalncia (FOUCAULT,
2002, pg. 120). Portanto, a forma de poder que se exerce mltipla e mutvel e no
essencialmente localizvel em um polo centralizado e personificado, mas principalmente
difuso, espalhado, minucioso, capilar (MUCHAIL, 2004, pg. 69).
Falar do poder que exercido nessas instituies significa falar das diversas formas
em que este ocorre na relao entre os indivduos. O poder diferenciado em suas formas e
embora estas se distingam, so exercidas articuladamente umas s outras, podendo ser
simultneas. Ento, baseando-se em Verdades e Formas Jurdicas de Foucault, podemos
dizer que este poder polimorfo e polivalente abarca todo um conjunto de formas em que
este exercido e tal conjunto de tcnicas, de acordo com a obra Vigiar e Punir, chamado
de poder disciplinar (FOUCAULT, 2007, pg. 119).
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2.3 O poder disciplinar
O poder disciplinar tornou-se questo para Foucault no momento em que este, ao
desenvolver uma analtica da histria das penalidades jurdicas, percebeu que, com o
surgimento das prises, aparecem atrelado a elas mecanismos que permitem um controle
quase total dos prisioneiros (MACHADO, 1988), e, posteriormente, ele percebeu que tais
mecanismos de controle tambm esto presentes em outros espaos institucionais, como por
exemplo, a escola, os quartis, as fbricas, os hospitais, etc. Em sua anlise, ele descreve o
poder disciplinar como um composto de tcnicas que se originaram em locais diversos,
portanto, a disciplina no se trata de uma descoberta sbita (FOUCAULT, 2007, p. 119),
mas de um composto de tecnologias mnimas de poder que, com o decorrer de acontecimentos
histricos, foram se perpetuando, aperfeioando e sendo reunidas em espaos comuns.
Portanto, a disciplina um conjunto de tcnicas que, alm de manter um controle
sobre determinado grupo de pessoas, tambm consiste em esculpir o corpo e a alma de cada
indivduo, a tcnica que proporciona fabricar corpos submissos e exercitados, corpos
dceis (idem, pg. 119). Trata-se de uma grande descoberta para a modernidade, pois, com a
crescente populao e tambm a necessidade de fora de trabalho para as fbricas,
proporciona um processo de adequao populao trabalho, portanto, por meio da
disciplina, se abarca toda a massa desordenada, a governamentaliza e lhe d direcionamento.
Nas escolas capturam-se as crianas, nos hospitais os doentes, nas fbricas os adultos e nos
quartis os militares. O Estado moderno funciona disciplinarmente, composto por vrios
mecanismos disciplinares interligados, resultando em uma tecnologia eficaz que proporciona
intensificar os meios de produo de forma pouco custosa.
O poder disciplinar, dessa forma, funciona como uma rede que os atravessa
(aparelhos, instituies, corpos4) sem se limitar a suas fronteiras (MACHADO, 1988, p.
194), trata-se de (...) mtodos que permitem o controle minucioso das operaes do corpo,
que asseguram a sujeio constante de suas foras e lhes impem uma relao de docilidade
utilidade (...) (FOUCAULT, p 131 apud MACHADO, 1988, p 194). Portanto, trata-se de
uma utilizao racional e poltica do corpo, a disciplina, que com seus mecanismos, ao
esculpir o homem moderno, funciona como uma tcnica artstica de talhar pedras e delas
4 Especificao minha.
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extrair corpos antes representados segundo a vontade do artista, calculado no detalhe,
assim tambm atua a tcnica disciplinar, no mais minucioso detalhe do corpo humano,
govenamentalizando os pequenos gestos, pequenas posturas, tudo transpassado e
modificado pelo fluxo do poder.
Foucault, ao observar o poder disciplinar em diferentes espaos, traa algumas
caractersticas que proporcionam uma atuao de controle sobre o corpo do indivduo no
mais nfimo detalhe, so eles: a organizao e disposio dos corpos no espao, controle
das atividades e do tempo, a vigilncia hierrquica entre os indivduos, a sano
normalizadora e o exame.
2.3.1 A organizao e disposio dos corpos no espao.
A arte de organizar e dispor os corpos num espao necessita, primeiramente, que
tal espao seja moldado com elementos prprios de acordo com o tipo de exerccio de
poder que se planeja. Tal espao possuir um diagrama prprio que, ao ser atualizado,
promover o movimento de suas engrenagens, portanto, este espao delimitado deve se
diferenciar de todos os espaos externos, ento, visando demarcar os muros dos
dispositivos de poder, estes espaos contam em sua estrutura arquitetnica com o que
Foucault chama de cerca (2007, p. 122). Uma vez, delimitado o espao e posto em seu
interior uma massa desordenada e difusa de pessoas, estas sero organizadas e tal
organizao compete em individualizar cada componente dessa multido desordenada,
tornando-o visvel e identificado, pois, para se acertar um alvo deve-se visualiz-lo bem
antes de disparar sobre ele, processo que Foucault chama de quadriculamento (2007, p.
123). O quadriculamento permite uma localizao imediata de um indivduo, pois lhe
estabelece um lugar, o dispe no espao demarcado e o associa a um metro quadrado
que lhe nico, dessa forma possvel perceber seus comportamentos e hbitos que no
so conformes ao funcionamento do dispositivo.
Porm, cada indivduo ser disposto num lugar previamente determinado segundo
uma classificao, o que determinar a sua posio na fila (FOUCAULT, 2007, p. 125).
Portanto, nos dispositivos, alm de se dispor cada corpo num espao, esses micro - espaos
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particularizados colocar-se-o um seguido do outro, em fila. Tomando como exemplo a
escola, Foucault a descreve da seguinte maneira:
[...] filas de alunos na sala, nos corredores, nos ptios; colocao distribuda a cada
um em relao a cada tarefa e cada prova; colocao que ele obtm de semana em
semana, de ms em ms, de ano em ano; alinhamento das classes de idade umas
depois das outras; sucesso dos assuntos ensinados, das questes tratadas segundo
uma ordem de dificuldade crescente. E nesse conjunto de alinhamentos obrigatrios,
cada aluno segundo sua idade, seus desempenhos, seus comportamentos, ocupa ora
uma fila, ora outras; ele se desloca o tempo todo numa srie de casas; umas ideais,
que marcam uma hierarquia do saber ou das capacidades, outras devendo traduzir
materialmente no espao da classe ou do colgio essa repartio de valores ou de
mritos. Movimento perptuo onde os indivduos substituem uns aos outros, num
espao escondido por intervalos alinhados (FOUCAULT, 2007, p.126).
Podemos ver ento que a tcnica de dispor em fila cria sequncias em que as
diversas posies so sucedidas de outros elementos pertencentes a sua mesma espcie.
No caso dos dispositivos escolares, os alunos sero dispostos segundo um conjunto de
caractersticas valorizadas como, por exemplo, o rendimento medido de cada aluno, pelas
notas alcanadas e pelo comportamento. Porm, como nos mostra o trecho acima, a arte
de sequenciar os elementos escolares tambm influi sobre o planejamento do currculo,
pois o contedo destinado aos alunos ordenado segundo graus de complexidade; a
disposio das turmas tambm ocorre da mesma maneira, primeiro se divide em sries
segundo o progresso de aprendizado, depois cada srie organizada em turmas e, em cada
turma, alunos cuja faixa etria seja o mais prximo do comum a todos. Portanto, os
elementos escolares esto no espao, cercado e esquadrinhado, dispostos em fila,
sequencialmente.
Esta organizao do espao proporciona uma economia de tempo em relao ao
mecanismo de ensino tradicional, pois, anteriormente, no perodo medieval, o professor
trabalhava um aluno por vez enquanto que os demais permaneciam ociosos. A disposio
dos alunos em fila proporcionou ao professor trabalhar e exercer simultaneamente
controle sobre todos os alunos, assim, portanto, o espao escolar passa a funcionar como
uma mquina de ensinar (FOUCAULT, 2007, p.126). Dessa forma, essa quadratura
constitui o que Foucault chama de quadros vivos (idem, pg. 126), que nada mais que
a organizao das massas difusas caracterizando o indivduo em sua particularidade,
sendo esta condio primeira para que haja uma microfsica do poder chamado poder
celular (FOUCAULT, 2007, p. 127).
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2.3.2 Controle do tempo e das atividades
O controle das atividades ocorre por meio da relao do corpo, primeiro e
necessariamente, com delimitaes de tempo, acrescentando determinaes de gestos precisos
e depois relacionando com objetos. Primeiramente, tratando-se da relao mais bsica e
necessria, tempo corpo, esta sempre demarcada por um horrio ou por vrios
horrios, segundo a fragmentao deste (FOUCAULT, 2007, p. 127). Tal mecanismo uma
velha herana (idem, pg. 127) das comunidades monsticas que, durante a modernidade, se
espalhou rapidamente por outros espaos, consistindo na fixao de um horrio inicial e final
para que as atividades do dia ocorressem nessa delimitao temporal. Porm, no sculo XVII,
houve uma fragmentao deste horrio, quando diversas instituies passaram a estipular
pequenos movimentos que deveriam ser realizados, sincronicamente, por todos.
A atividade, fixada por um horrio e sucesso de pequenos horrios, tambm
demarcada por um ritmo, pois todos os corpos devem exercitar, ao mesmo tempo, os mesmos
movimentos; trata-se de um ritmo coletivo posto, principalmente, nos exrcitos com relao
postura de seus corpos e a execuo de gestos, como por exemplo, a marcha de um batalho,
h a preocupao para que todos, em sincronia, posicionem seus braos da mesma maneira e
ergam a mesma perna ao mesmo tempo e executem um passo com o mesmo comprimento
(Foucault, 2007, pg. 129).
Produz se, dessa forma, um esquema de comportamento, pautado numa relao que
integra corpo ritmo tempo, porm aqui o corpo esquadrinhado, pois prescrito a
atividade ou gesto e sua durao a cada parte do corpo, govenamentalizando cada membro,
assim, o indivduo por inteiro afetado pelo poder que, ao passar pelo corpo, o decompe e
estabelece sobre ele um governo.
Porm, o controle minucioso dos gestos exercitados por cada membro, coordena sua
disposio para com os objetos manuseados, estendendo seu efeito, o que acarretar um
aumento da eficcia e, consequentemente, de produo, dependendo de onde for empregado.
O controle das atividades por meio desses mecanismos visa sempre instrumentalizao do
corpo em que este, ao aperfeioar determinado gesto, aumenta seu rendimento. Assim o nvel
de exigncia estendido, pois o tempo de produo e se determinada atividade executada
num perodo estipulado passa a ser feita com menos tempo, cria-se um vcuo, uma sobra,
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entendido como desperdcio, portanto, tal lacuna deve ser preenchida, o que acarretar numa
busca por maior extrao de fora do corpo levando-o, s vezes, exausto. Tratando-se de
instituies de cunho formativo como o exrcito e a escola, o tempo de permanncia na
instituio deve ser segmentado por nveis, competindo a cada nvel certo domnio de
determinadas habilidades em que a complexidade aumenta gradualmente. Ao final de cada
segmento, o indivduo submetido a uma avaliao que o classificar, segundo seu
aproveitamento, para o ingresso ou no na prxima etapa, portanto, cada etapa consta de uma
bateria de atividades de acordo com cada nvel determinado (FOUCALT, 2007).
2.3.3 Vigilncia hierrquica.
Mas, para assegurar quais aes os indivduos devem executar, nas escolas, exrcitos e
outras instituies, o mecanismo de poder disciplinar conta com uma mquina especfica
pautada no olhar, um olhar que pretende vigiar cada membro a todo o instante, enfatizando
que o operrio, o aluno ou o soldado, saibam que esto sendo vigiados. Segundo Foucault
(2007), a vigilncia legada a um agente do dispositivo, cabendo a este a tarefa de vigiar. Tal
vigilncia hierrquica, enquanto instituda por uma autoridade, porm no ocorre apenas em
de cima para baixo, mas tambm lateralmente e de baixo para cima. Portanto, esse inspetor da
vigilncia, caso no cumpra corretamente alguma de suas atividades, est a merc do olhar
dos seus subalternos, que podem comunicar suas falhas a uma instncia superior, portanto,
cada olhar possibilidade de transmisso de informaes.
Mas, passando dessa instncia, a grande cartada desse mecanismo consiste numa
vigilncia pautada num olhar mais abrangente e eficaz, consistindo num mecanismo
arquitetural pautado na disposio de espaos de maneira que possibilite um nico olhar
perpassar todos os corpos: trata-se do Panptico de Bentham. Esse mecanismo de poder
ocorre em uma associao entre olhar quadratura, que possibilita exercer um poder celular
em que cada indivduo observado no mnimo detalhe.
Podemos dizer ento que o olhar pode ocorrer enquanto pessoal, numa relao corpo
corpo, em que o vigilante mostra, algumas vezes, sua face ocupando um cargo de
supervisor que, ao decompormos este adjetivo, fica claro perceber sua funo: super
visor, ou seja, uma viso no comum, potencializada, super viso, que v em abrangncia e
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em detalhe os mecanismos de produo. Por outro lado, temos uma relao mais sutil,
annima e discreta pautada no diagrama panptico, que constitui um aparelho de poder que
consiste na disposio da arquitetura do espao, trata-se das disposies celulares dos corpos
e tambm de grupos de corpos que so novamente divididos.
2.3.4 Sano normalizadora.
Todo sistema disciplinar possui um mecanismo penal, pois se h um mecanismo de
vigilncia que detecta os que no esto conformes com a instituio, h outro que pune tais
indivduos. Portanto, passvel de ser penalizado todo tipo de inobservncia do cdigo
interno de conduta, ou seja, tudo o que no est conforme passvel de punio.
A ordem presente nas instituies, alm de se referir ao comportamento, tambm est
relacionadas com metas de produo estabelecidas segundo uma mdia padronizada do tempo
de execuo ou aprendizagem, uma meta classificada como essencial, o que deve ser
alcanada por todos. Portanto, os que no se comportam segundo o esperado e tambm no
alcanam o ndice de aproveitamento so classificados como desviantes do padro,
localizados por meio do olhar e de sua disposio no espao e, segundo o cdigo de
penalidades, punidos. Porm, uma vez que o poder tem como objetivo aprimorar o corpo e
extrair dele o mximo de fora, os castigos disciplinares no visam degradar o corpo, mas sim
intensificar seu exerccio, objetivando integr-lo na norma, portanto, os castigos disciplinares
so pautados no exerccio. Aquele que no atinge o esperado deve, por meio de exerccios
relacionados sua fragilidade ou m conduta, ser aprimorado para que tal deficincia seja
superada.
Portanto, os desvios so percebidos e sobre eles aplicada uma pena. Os indivduos,
dessa forma, passam a ser classificados segundo suas caractersticas desviantes, criando-se
hierarquias por meio de um sistema de pontuao (FOUCAULT, 2007). Ento, esta diviso
classificatria, alm de marcar os desvios e hierarquizar os indivduos, tambm cria um
mecanismo de recompensa e punio, em que a prpria mobilidade hierrquica (tomando
como exemplo o exrcito) serve como mecanismo de recompensa e punio, assim, aos mais
bem classificados h a possibilidade de ascender a patentes mais altas e aqueles que mais se
desviam perdem patentes. Na escola, os mais submissos so estipulados como normais e
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progridem na escala classificatria, movendo-se para uma srie superior, e os mais desviantes
so punidos com a reprovao, que consistir em repetir toda uma bateria de exerccios
visando seu enquadramento. Podemos dizer ento que, nessas instituies, atua um poder
jurdico que concede a possibilidade dos indivduos comparecerem a instncias de
julgamento, que podem punir ou recompensar os indivduos. H nessas instituies um
micro tribunal permanente (FOUCAULT, 2002, pg. 120) em que os indivduos so
julgados mediante a autoridade conferida a determinados membros dessas instituies. O
sistema escolar, como exemplo, segundo Foucault, baseia-se inteiramente em uma espcie de
poder judicirio em que a todo o momento se pune ou se recompensa, se avalia, se classifica,
se diz quem o melhor, quem o pior (idem, pg. 120).
2.3.5 O exame
O exame uma tcnica combinatria entre a vigilncia hierrquica e a sano
normalizadora, reunindo um controle normalizante, uma vigilncia que permite qualificar,
classificar e punir. Estabelece sobre os indivduos uma visibilidade atravs da qual eles so
diferenciados e sancionados (FOUCAULT, 2007, p. 154). O exame consiste, primeiramente,
em tornar cada indivduo objeto de anlise, sendo este objeto de um estudo, de uma anlise
que tem por princpio o olhar da vigilncia. Por outro lado, todas as observaes e anlises
feitas em cada indivduo originaro um documento (idem, p. 157) em que so relatadas
informaes detalhadas sobre cada indivduo. Portanto, a escrita torna-se um mecanismo de
poder, pois, por meio dela, o saber adquirido atravs do olhar documentado e arquivado.
As anlises desses registros possibilitam estabelecer o que homogneo em relao
aos indivduos, produzindo uma formalizao do que significa determinada classificao de
indivduo; por exemplo, a produo da loucura enquanto doena surgiu mediante essas
anlises, o que produziu uma representao conceitual do louco. Portanto, o exame permite
categorizar as pessoas mediante os saberes produzidos, traar metas e comportamentos
segundo uma definio de normalidade e, ao possibilitar a anlise de cada caso, localizar as
diferenas existentes e traar as medidas necessrias a serem tomadas para cada caso.
Podemos dizer ento que o exame refere-se a uma forma de poder relacionada ao saber sobre
os indivduos encarcerados, que chamada por Foucault de poder epistemolgico
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(FOUCAULT, 2002, pg. 121). O poder epistemolgico possui uma peculiaridade que o
diferencia das demais formas de poder estabelecendo com estas uma relao de possibilidade,
pois, como nos diz Foucault (idem, pg. 121) acerca do poder epistemolgico, este um
poder que, de certa forma, atravessa e anima estes outros poderes, ou seja, os tornam
possveis devido s construes discursivas que interferem no ambiente das prticas no
discursivas. Na frase citada, os tradutores5 de A Verdade a as Formas Jurdicas
(FOUCAULT, 2002), utilizam duas palavras do portugus para expressar uma relao do
poder epistemolgico com os demais poderes dita por Foucault, o poder epistemolgico
atravessa e anima os demais poderes. Portanto, uma vez que tal relao transcrita por
verbos de ao significa que o poder epistemolgico age e interfere nos demais e, uma vez
que h tal encontro, este tambm sofre uma fora contrria. Por atravessar, dentre as
possibilidades de significados, podemos destacar duas que mais se adquam a expresso:
atravessar pode significar passar atravs de ou cruzar, passar alm de 6, portanto o
poder epistemolgico passa atravs dos demais poderes, ou seja, como um fluxo que
colide com as formas em que o poder exercido, segue junto, cruza, passa alm deles, ou
seja, prossegue aps atravessar determinado ponto colidindo com outra forma de exerccio de
poder, formando assim uma rede que conecta todas as formas de exerccio de poder em um
determinado espao. Alm de atravessar conectando todas as tcnicas de poder, o poder
epistemolgico tambm anima os demais poderes. O verbo animar deriva de nimo, que
vem do latim animus, alma, coragem, desejo, mente, relacionado a anima, ser vivo,
esprito, coragem, disposio, derivado do indo europeu ane, assoprar, respirar (...) 7.
Portanto, com base na origem e nas definies do verbo animar, podemos dizer que o poder
epistemolgico anima os demais poderes num sentido de tornar possvel a ocorrncia
vital dos demais poderes. Portanto, ao atravessar, passar por e ir alm num sentido de estar
presente e interiorizado, o poder epistemolgico torna possvel os demais poderes, ele os
anima.
Ento, o que se quer dizer com esse discurso a respeito da origem de algumas
palavras? Todo esse discurso serve para mostrar que, atrelado a esses exerccios diversos de
poder, h uma especificidade deste que se d enquanto discurso de saber e que este poder
discursivo faz com que determinadas prticas sejam mantidas e exercidas em conjunto em
determinado ambiente.
5 Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais.
6 www.dicio.com.br/atravessar/
7 http://origemdapalavra.com.br/palavras/animo/
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O poder epistemolgico, por se tratar da ordem discursiva, no consiste em uma
abstrao final, mas tal saber sempre reformulado de acordo com o que as relaes de poder
de determinada localidade produzem; assim o poder epistemolgico consiste tambm em
extrair dos indivduos um saber e extrair um saber sobre estes indivduos submetidos ao
olhar e j controlados por estes poderes (FOUCAULT, 2002, pg. 121). Portanto, por meio
da observao constante dos indivduos ento submetidos aos mecanismos de poder e a partir
de suas reaes a estes, numa relao conflitante entre personalidade particular e
normatizao do comportamento, tanto em atividade produtiva quanto em relao
interpessoal, produzido um saber de acordo com a objetividade pretendida, reformulando o
exerccio do poder e o reexercendo sobre os indivduos. Para Foucault (2002) isso pode
ocorrer de duas maneiras, uma delas referente produtividade no trabalho, que ocorre como
ele exemplifica descrevendo a relao do indivduo que exerce uma funo produtiva em uma
fbrica:
[...] o trabalho operrio e o saber do operrio sobre seu trabalho, os
melhoramentos tcnicos, as pequenas invenes e descobertas, as micro -
adaptaes que ele puder fazer no decorrer do trabalho so imediatamente
anotadas e registradas, extradas portanto de sua prtica, acumulada pelo
saber que se exerce sobre ele por intermdio da vigilncia (FOUCAULT,
2002, pg. 121).
A citao nos mostra que um operrio, submetido a uma vigilncia constante e
inserido num mecanismo disciplinar de exerccio de poder, exerce movimentos j
determinados anteriormente a ele por um saber de produo, porm, a formao discursiva na
qual inserido mutvel sendo passvel de alteraes que viabilizam o aumento da produo.
Portanto, ao enquadrada em uma funo objetiva normalizante, a subjetividade desse
indivduo, ao ser associada com a objetividade do plano de ao, capaz de reformular
algumas prticas, de forma a aumentar a produtividade, o que, mediante o sistema de
vigilncia e de exame constantes, se tornar um registro, reformulando o saber que opera no
sistema de produo.
A outra forma que o poder epistemolgico ocorre devido produo de outro tipo de
saber, portanto, a diferena est em relao ao produto e utilidade do saber produzido
mediante a observao de indivduos. Ento, se na descrio anterior o saber produzido visava
ao aprimoramento das tcnicas de produo, agora a observao dos indivduos acarretar o
surgimento de saberes acerca do homem enquanto indivduo social, dotado de uma psique,
inserido em relaes econmicas e de linguagem, proporcionando o surgimento das cincias
humanas ou do saber sobre o homem, como a Psiquiatria, Psicologia, Sociologia,
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Criminologia, Lingustica, Economia, etc. Porm, os saberes sobre o homem no so passivos
e neutros politicamente como as demais cincias aparentam, h uma aplicabilidade na esfera
social, portanto, tanto nesse exemplo de poder epistemolgico quanto no anterior, h uma
objetividade de interferncia na vida social das pessoas, h uma interferncia nos mecanismos
de poder, tanto nas instituies quanto nos indivduos fixados nestes que, ao mesmo tempo,
so objetos de estudo para a formulao de novos saberes que tambm permitir novas formas
de controle. Em relao a isso, ou seja, em relao mudana na forma com que determinado
objeto do discurso ou indivduo tratado segundo prescries discursivas, Foucault (2002)
cita, como exemplo, o saber psiquitrico, que se formou por meio de um campo de
observao exercido exclusivamente pelos mdicos, enquanto detinham o poder sobre
territrios demarcados que abrigavam determinados grupos de pessoas, como o asilo e o
hospital psiquitrico. Tal saber sofreu sua primeira ruptura com Freud que, mediante um
processo de observao e anlise do comportamento humano, pde reformular o saber
referente a tal grupo de pessoas. Outro exemplo que pode ser citado o da formao do saber
pedaggico que ocorreu por meio da observao da adaptao das crianas s tarefas
escolares, tornado-se em seguida leis de funcionamento das instituies e forma de poder
exercido sobre a criana (FOUCAULT, 2002, pg. 122).
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CAPTULO 3: O PODER EPISTEMOLGICO E AS
FORMAES DISCURSIVAS.
Em relao ao poder epistemolgico, sendo este vinculado produo do saber
circundante no meio social pela via institucional, devemos ento partir para a compreenso
estrutural do saber. O saber, que instrumento de anlise tomado por Foucault em sua
arqueologia, por sua vez, consiste em elementos discursivos. Porm, de acordo com
MACHADO (1988), a anlise discursiva qual Foucault efetua no prioriza nem adota certa
modalidade de discurso referente a determinado objeto, A anlise feita sem respeitar a
distino entre tipos de discursos, sem obedecer as tradicionais distribuies dos discursos em
cincia, poesia, romance, filosofia, etc. (MACHADO, 1988, pgg. 161).
Portanto, de acordo com o mtodo arqueolgico, determinado saber construdo pela
intercesso de todas as modalidades discursivas dispersas em determinada poca, h ento,
um ponto de intercesso, o encontro desses discursos configurando determinada unidade de
saber, porm, trata-se de uma unidade aberta em que os elementos so descolados entre si,
organizando-se segundo regras de formao que podem excluir ou adotar determinados
elementos. Ento, o que Foucault nos tem a dizer sobre essa unidade aberta e descolada
estabelecida pela interseo de vrios discursos segundo regras especficas? Foucault apud
MACHADO (1988, pg. 161), nos apresenta uma concluso seccionada em quatro momentos:
1 o que fez a unidade de um discurso no o objeto a que ele se refere (idem, pg. 161),
pois o objeto que construdo pelo que dito a seu respeito; 2 a forma com que um
discurso organizado no presidida por sua forma de encadeamento, uma forma de
enunciado que seja constante ou um estilo, mas por um grupo de enunciaes heterogneas
coexistentes em uma mesma disciplina; 3 a unidade de um discurso tambm no se
estabelece num sistema de conceitos fechados em que todos so compatveis entre si e que
todas as formulaes posteriores seriam derivaes destes, pois, nas formaes discursivas,
surgem conceitos distintos e incompatveis com os j existentes em determinado discurso; 4
um discurso no se individualiza por meio de um tema que abarca determinados elementos,
um mesmo tema pode ser encontrado em dois tipos diferentes de discursos, como por
exemplo, no caso do tema evolucionismo citado por Machado (1988), este presente no
discurso histria natural no sculo XVIII e biologia no sculo XIX. Do mesmo modo que
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um tema pode estar presente em dois tipos de discursos, um nico discurso pode produzir dois
temas diferentes.
Passado por essas etapas, Foucault afirma que no h princpios de unidade nos
discursos e que estes so concebidos como pura disperso, portanto, a dita unidade de um
discurso na realidade uma disperso de elementos. Ento, como possvel a constituio de
um discurso se este composto por diversos elementos dispersos que no constituem unidade
discursiva fechada?
Para Foucault (apud MACHADO, 1988), o discurso, sendo este produto de uma
disperso, estruturado mediante um sistema configurado por diversos elementos. Portanto,
a constituio de um discurso se d por meio da regularizao de seus elementos, chamado de
regras de formao. Portanto, os elementos de uma unidade discursiva (objetos, enunciados,
conceitos e temas, como veremos no decorrer do texto) so organizados mediante regras que
os articulam, que, ordenado os elementos, configura o que Foucault chama de formao
discursiva (MACHADO, 1988, pg. 163). Ento, o discurso, sendo este composto por
elementos e por regras, sendo os ltimos atuantes sobre os primeiros, dispe de determinados
tipos de regras que so atuantes em cada tipo de elemento componente do discurso. As regras
so adotadas de acordo com as estratgias, porm, os discursos no se individualizam
somente por uma estratgia, mas pela articulao destas. Portanto, aprofundando-se na
estrutura do discurso, vejamos quais so seus elementos formadores e como eles so
formados. So eles: objetos, enunciados, conceitos e temas.
3.1 Formao dos objetos do discurso.
Para Foucault (2008), os objetos presentes num discurso so produzidos a partir dos
diversos enunciados a respeito deste, uma vez que, como j foi dito, o discurso se
individualiza por meio de uma disperso de seus elementos agrupados mediante regras, assim
tambm ocorre com a produo de objetos do discurso. Como exemplo disso Paul
RABINOW e Humbert DREYFUS (1995) falam a respeito do trabalho feito por Foucault em
Histria da Loucura sobre como o objeto doena mental, presente em algumas formaes
discursivas como a Psiquiatria e a Psicologia foi constitudo:
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A doena mental foi construda pelo conjunto daquilo que foi dito no grupo
de todos os enunciados que a nomeavam, recontavam, descreviam,
explicavam, contavam seus desenvolvimentos, indicavam suas diversas
relaes, julgavam-na e eventualmente emprestavam-lhe a palavra,
articulando, em seu nome, discursos que deviam passar por seus
(FOUCAULT apud RABINOW DREYFUS, 1995, pg. 69).
Como podemos ver no trecho acima e tambm de acordo com MACHADO (1988), o
processo de construo da doena mental, particularmente a loucura, pautado na percepo
decorrente sobre o louco, sendo este a figura em que a loucura manifesta. Ento, observando
o trecho acima, podemos ver que, presente em alguns versos, a constituio de um objeto do
discurso forma-se por meio do que dito a partir do que observado sobre determinado
elemento. Porm, o que dito sobre a loucura varia de acordo com os diferentes espaos em
que o louco percebido, podemos dizer ento, em relao produo de enunciados, que h
uma disperso destes referentes ao louco e loucura de acordo com os espaos em que estes
aparecem. Portanto, os enunciados a respeito de tal objeto possuem um vnculo com a
instituio (o espao) e, segundo MACHADO (1988), teremos discursos provenientes da
famlia, da igreja, da justia, da medicina, etc. Portanto, h uma srie de enunciados a respeito
da loucura, mas, resta-nos ento mostrar como se d a unificao destes que, provenientes da
percepo sobre louco, dizem algo a respeito da loucura.
Primeiramente, para mostrar como que um