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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
CINEMA MODERNO E CINEMA INDUSTRIAL: CONFRONTOS ESTÉTICOS E
IDEOLÓGICOS DO CINEMA BRASILEIRO NAS DÉCADAS DE 50 E 60.
CURITIBA
2011
DOUGLAS GASPARIN ARRUDA
CINEMA MODERNO E CINEMA INDUSTRIAL: CONFRONTOS ESTÉTICOS E
IDEOLÓGICOS DO CINEMA BRASILEIRO NAS DÉCADAS DE 50 E 60.
Monografia apresentada como requisito
parcial para conclusão do Curso de
Licenciatura e Bacharelado em História, do
Setor de Ciências Humanas Letras e Artes,
da Universidade Federal do Paraná
Orientador: Prof. Dr. José Roberto Braga
Portella
CURITIBA
2011
SUMÁRIO
RESUMO.............................................................................................................4
INTRODUÇÃO.....................................................................................................5
1.1 ANÁLISE FÍLMICA: O CANGACEIRO – LIMA BARRETO (1953).............11
1.2 ANÁLISE FÍLMICA: RIO 40 GRAUS - NELSON PEREIRA DOS SANTOS
(1955).................................................................................................................16
2. DESENVOLVIMENTISMO, CINEMA E CULTURA NO BRASIL DA
DÉCADA DE 50.................................................................................................21
3. O MODELO HOLLYWOODIANO E O MODELO DE CINEMA INDUSTRIAL
BRASILEIRO.....................................................................................................28
4. O SURGIMENTO DOS CINEMAS DE COMBATE À HOLLYWOOD...........39
5. OS CONFLITOS ESTÉTICOS E IDEOLÓGICOS DO CINEMA
BRASILEIRO.....................................................................................................46
CONCLUSÃO....................................................................................................50
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................52
ANEXOS – FICHAS TÉCNICAS DOS FILMES................................................54
RESUMO:
O seguinte estudo monográfico procura analisar os discursos
conflitantes e contraditórios presentes entre os autores que buscavam defender
uma proposta estética diretamente influenciada pelo cinema moderno1 e
aqueles que produziram seus filmes para a Indústria Cinematográfica Vera
Cruz, em um modelo de produção semelhante ao utilizado pela indústria
hollywoodiana. Para análise desses discursos, utilizarei como fundamentação
teórica autores desses dois modelos cinematográficos, e como fonte primária
serão observados os filmes Rio 40 graus, de Nelson Pereira dos Santos, filme
bastante influenciado pelo neo-realismo italiano e realizado pelo diretor que,
anos mais tarde, seria um dos representantes do Cinema Novo, e O
cangaceiro, de Lima Barreto, um dos principais filmes produzidos pela Vera
Cruz.
Essa monografia também buscará observar como determinados
intelectuais, pesquisadores de cinema e cineastas, analisaram esse contexto
do cinema brasileiro da década de 50, criando uma historiografia
cinematográfica que, de certa forma, privilegia uma determinada produção
estética e deixa em segundo plano outros projetos cinematográficos,
principalmente aqueles ligados à produção industrial com finalidade lucrativa.
Procurei escolher principalmente autores que escreveram no período próximo a
década de 50, como o cinemanovista Glauber Rocha, Ismail Xavier e Jean-
Claude Bernardet.
Palavras-chave: cinema brasileiro moderno; historiografia cinematográfica;
cinema industrial.
1 O surgimento e as características estéticas e ideológicas do cinema moderno são analisadas por Ismail Xavier em seu livro O discurso cinematográfico: opacidade e transparência. 3ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005. Abordando especificamente o cinema moderno no Brasil temos o livro, também de Ismail Xavier, O cinema brasileiro moderno. São Paulo. Editora Paz e Terra S/A, 2001.
INTRODUÇÃO:
Durante os primeiros anos da década de 60, o Cinema Novo foi marcado
por uma tentativa de ruptura, acima de tudo, com um modelo industrial
hollywoodiano. Segundo um dos principais teóricos do Cinema Novo, Glauber
Rocha, a produção cinematográfica que estava sendo realizada no Brasil
(referindo-se essencialmente aos filmes destinados ao entretenimento popular)
reproduzia os moldes, técnicas e padrões do que se convencionava serem
característicos das produções realizadas em Hollywood; produções com
objetivos capitalistas, que acabavam servindo para a alienação popular. No
epicentro dessas críticas encontrava-se a Companhia Cinematográfica Vera
Cruz, produtora de diversos filmes principalmente nos anos 50, e que, por sua
vez, rebate as críticas quanto ao seu caráter meramente industrial capitalista,
afirmando ser conveniente para o Cinema Novo relacionar Vera Cruz e
Hollywood, uma vez que identificava dois inimigos a serem combatidos: o
cinema de entretenimento popular brasileiro e o cinema capitalista
hollywoodiano.
Diante dessas discussões, relacionando-as com as influências
exercidas pelo contexto sócio-político e cultural nas produções
(essencialmente, a divisão do mundo entre o bloco capitalista e o bloco
comunista), busca-se compreender as contradições implícitas nos diferentes
projetos estéticos de cinema, utilizados tanto pelos cinemanovistas quanto pela
Companhia, bem como as motivações tanto ideológicas quanto financeiras
inseridas nessas críticas.
A Companhia Cinematográfica Vera Cruz surge em 1949, na cidade de
São Paulo. Nessa época foram criadas mais cinco companhias
cinematográficas, resultando, no período de três anos, em mais de duas
dezenas de produções fílmicas. O nascimento dessas companhias está
diretamente ligado com a relação existente entre a burguesia paulista, o
mecenato cultural e a cultura cinematográfica que se desenvolvia na capital.
Além dos fatores internos, pode-se inferir que fatores de ordem externa, como
o renascimento do cinema pós-guerra em inúmeros outros países, além dos
grandes produtores tradicionais, tiveram influência no aumento da produção
cinematográfica em escalas mundiais. A produção internacional deixa, então,
de ser privilégio dos clássicos centros produtores (Estados Unidos, França,
Itália, Alemanha e União Soviética). A implantação dos grandes estúdios surge
no bojo de uma ideologia nacional-desenvolvimentista de crença e euforia nas
possibilidades, então vislumbradas, de desenvolvimento da indústria brasileira
em setores antes não explorados – dentre eles, o cinema.
Pela primeira vez no Brasil nasce uma companhia cinematográfica que
conta com o apoio de uma elite intelectual e econômica, onde o cinema deixa
de ser considerado uma atividade marginal. As pretensões da companhia
estavam em seu próprio lema: “Produção brasileira de padrão internacional” 2.
Nesse sentido o objetivo da Companhia era fazer filmes de alto nível técnico,
pretensão essa que seria garantida por diretores e profissionais europeus, bem
como a construção de estúdios gigantescos e caros (que, segundo Fernão
Ramos, tomam como modelo os estúdios de Hollywood3), além da importação
dos melhores equipamentos disponíveis no mercado internacional. A Vera Cruz
tem seu star-system baseado em moldes hollywoodianos também, que são
constantemente realimentados pelo Departamento de Propaganda.
Ao passo que a Companhia Vera Cruz passava por grandes dificuldades
administrativas (apesar de todos os problemas financeiros, continua ativa até
os dias de hoje), outros projetos de cinema ganham destaque no Brasil,
incentivados por experiências cinematográficas que fugiam dos moldes
hollywoodianos de produção e estética. Essas novidades do cinema
internacional, em especial o italiano com seu neo-realismo, vão influenciar
decisivamente cineastas brasileiros, principalmente após a segunda metade da
década de cinqüenta.
No plano político, o fim dos anos cinqüenta e o começo dos anos
sessenta foram marcados por uma crescente radicalização da esquerda
revolucionária no Brasil, que objetiva implantar as reformas de base que
trariam maior igualdade e justiça social para a população. Essa esquerda
rivalizava diretamente com os interesses da burguesia, que se atrelava cada
2 RAMOS, Fernão (org). História do Cinema Brasileiro. São Paulo, Arte Editora, 1987.p. 205
3 Idem, p.205
vez mais ao capital externo. De certa forma, a esquerda passou, cada vez
mais, a considerar como alienante toda a cultura que não fosse engajada. O
Cinema Novo, movimento surgido nesse período, se constitui como grupo
enquanto oposição ao esquema industrial da produção cinematográfica
desenvolvida em São Paulo nos primeiros anos da década de cinqüenta.
“Queremos fazer filmes anti-industriais; queremos fazer filmes de autor, quando
o cineasta passa a ser um artista comprometido com os grandes problemas do
seu tempo; queremos filmes de combate na hora do combate e filmes para
construir no Brasil um patrimônio cultural4”. Esse tipo de cinema, onde o
engajamento político é o eixo fundamental na construção da narrativa, não é
uma exclusividade do cinema novo brasileiro; a difusão dos chamados
“cinemas nacionais” 5 ganha força em várias regiões do mundo, especialmente
no cenário de disputa entre os blocos socialistas e capitalistas pela hegemonia
mundial.
Na busca pelo desenvolvimento e evolução da problemática proposta,
será feita uma investigação de livros que condensam as propostas tanto do
Cinema Novo e dos Cinemas Modernos quanto da Vera Cruz. Nesse sentido,
se confrontar críticas de Glauber Rocha, presentes em seu livro “Revolução do
Cinema Novo” com um livro recentemente publicado pela Vera Cruz, cuja visão
apresenta o ponto de vista de funcionários da indústria, podemos observar a
existência de contradições presentes nos discursos ideológicos; para os
artistas e funcionários da Vera Cruz, os filmes que faziam não tinham como
objetivo a mera reprodução de um padrão estético e ideológico, como
denunciavam alguns cinemanovistas. A relação dos livros com outras
referências bibliográficas teóricas sobre o tema permite questionar sob que
parâmetros alguns teóricos, como Glauber Rocha, baseiam suas críticas, bem
como quais ideologias influenciam suas proposta de cinema. Glauber Rocha,
em sua explanação sobre o Cinema Novo, afirma que:
“Nosso cinema é novo porque o homem brasileiro é novo e a problemática do Brasil é nova e nossa luz é nova e por isso nossos filmes nascem diferentes dos cinemas da Europa. [...] Não existe na América Latina um movimento como o nosso. A
4 ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Rio de Janeiro, Alhambra/Embrafilme. 1981.p.17.
5 HENNEBELLE, Guy. Os Cinemas Nacionais contra Hollywood. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
técnica é haute couture, frescura para a burguesia se divertir. No Brasil o cinema novo é questão de verdade e não de fotografismo. Para nós a câmera é um olho sobre o mundo, o travelling é um instrumento de conhecimento, a montagem não é demagogia, mas pontuação do nosso ambicioso discurso sobre a realidade humana e social do Brasil! Isso é quase um manifesto6.”
Contrário ao cinema proposto pela Vera Cruz, uma vez que, segundo os
cinemanovistas, era um cinema realizado por estrangeiros, esses autores
também faziam críticas quanto à estrutura do estúdio, considerado uma matriz
hollywoodiana emuladora de sua estética e meio de produção. Diante do
engajamento social dos realizadores do Cinema Novo, também há criticas
quanto a não preocupação em mostrar a realidade do país. O livro sobre Vera
Cruz rebate as críticas ao modelo de estúdio, afirmando que a Vera Cruz
jamais se espelhou nos grandes estúdios. As referências vieram da longa
experiência européia, tendo um pouco da Cineccitá italiana e dos estúdios da
Ealing britânica7. Analisando tais fontes, observa-se então que tanto Glauber
Rocha e os intelectuais que defendiam as propostas de um cinema moderno
quanto a companhia Vera Cruz são permeados por discursos ideológicos, e,
portanto, dotados de interesses específicos. Analisar as intenções e as
motivações implícitas nesses discursos, relacionando com as influências do
contexto em que foram criados é essencial, portanto, para compreender essas
contradições.
O estudo das diferentes interpretações sobre a história do cinema
nacional produzido nas décadas de cinqüenta e sessenta, com bases na
análise de materiais tanto da Vera Cruz quanto do Cinema Moderno, ajuda-nos
a compreender melhor as motivações por trás dos discursos conflitantes na
cinematografia brasileira. Não tentarei aqui buscar inocentes ou culpados,
muito menos apontar quais projetos estéticos do cinema são “melhores” ou
mais “artísticos” do que outros; quero, com esse trabalho monográfico,
confrontar esses diferentes discursos para, ao final, perceber como e com que
motivações eles são construídos.
6 ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Rio de Janeiro, Alhambra/Embrafilme. 1981. p. 17.
7 MARTINELLI, Sérgio (org). Vera Cruz. Imagens e História do Cinema Brasileiro. São Paulo, Abook editora, 2005, p.160.
Estruturalmente, esse trabalho monográfico será dividido da seguinte
forma: em um primeiro momento, apresentarei uma análise fílmica das fontes
Rio, 40 graus e O Cangaceiro, observando as especificidades presentes tanto
na estética quanto na narrativa desses filmes. Os autores que utilizarei para
fundamentar minha análise fílmica e estética, a partir de uma abordagem
histórica, serão, essencialmente: Peter Burke, Willian Guynn, Robert A.
Rosenstone, Marc Ferro e Ismail Xavier.
Em seguida, pretendo inserir as fontes em seus respectivos movimentos
cinematográficos, observando como os diretores se utilizam das técnicas de
cinema, já conhecidas em outros países, para criar, no Brasil, filmes
inovadores. Partindo dessa análise, entrarei nas características específicas do
contexto sócio-econômico e político e como elas interferem diretamente na
forma como se fez (e como se tentou fazer) cinema no Brasil na década de
cinqüenta.
Por fim, vou analisar como os autores escreveram a história do cinema
brasileiro da década de 50, observando como os diferentes discursos foram
construídos no interior dessas propostas cinematográficas e nesse contexto
específico da Guerra Fria. Um dos problemas está no fato de existir uma
grande distancia temporal entre os autores que denunciaram os problemas do
cinema industrial hollywoodiano da Vera Cruz e aqueles que a defenderam, e,
decorrente disso, os contextos onde surgem esses discursos acabam se
mostrando completamente diferentes. Contudo, acredito ser fundamental para
o trabalho observar o método utilizado pelos ex-funcionários da Vera Cruz para
se defenderem, mesmo que muito tempo depois, até mesmo para compreender
melhor a forma como os autores defendiam o Cinema Novo e, ao mesmo
tempo, militavam contra o sistema capitalista e toda a cultura “alienante” nele
contida, atacando filmes e diretores específicos.
As duas obras que serão analisadas no trabalho, Rio 40 Graus, do
diretor Nelson Pereira dos Santos, influenciado diretamente pelo cinema neo-
realista italiano (considerado por alguns autores, como Ismail Xavier, como
uma das raízes do cinema moderno brasileiro), e O cangaceiro, de Lima
Barreto, foram escolhidas por sua relevância dentro da história do cinema
nacional. Este, produzido pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz no ano
de 1952, trata-se do primeiro filme realizado por Lima Barrento na Companhia,
e é considerado um dos filmes mais importantes dessa indústria, e, também,
um dos mais lucrativos do cinema nacional da década de 50. É, também, um
filme com repercussão internacional, ganhando, inclusive, premiações no
Festival de Cannes. Já Rio, 40 graus, lançado em 1955, inspirou o movimento
do Cinema Novo, e, para os membros desse movimento, foi um filme inovador
pelo fato de apresentar a realidade brasileira nos cinemas. Glauber Rocha, em
seu livro Revisão crítica do cinema brasileiro, vai afirmar que este seria “o
primeiro filme verdadeiramente engajado”, e diz que esse foi o filme decisivo
para que decidisse iniciar sua carreira como cineasta. A novidade, contudo,
não está na estética nem na tentativa de se contar no cinema histórias mais
focadas nos problemas sociais ou políticos, já que isto já havia sido feito pelo
cinema neo-realista italiano, mas sim no fato de se tentar construir no Brasil um
tipo de cinema semelhante, capaz de denunciar as mazelas da sociedade
brasileira.
1.1 ANÁLISE FÍLMICA: O CANGACEIRO – LIMA BARRETO (1953).
O Cangaceiro, filme de 1953 dirigido por Lima Barreto na Companhia
Cinematográfica Vera Cruz, foi um grande sucesso do cinema brasileiro, tanto
na crítica quanto nas bilheterias. Logo na abertura do filme surge um recado ao
público, avisando que o filme a seguir se passa numa época imprecisa e que
qualquer semelhança com a realidade de fatos passados não passa de mera
coincidência. Lima Barreto, dessa forma, retira a responsabilidade do filme em
retratar a realidade e afasta a possibilidade de acabar tropeçando na tentativa
de transformar sua película numa janela do real. Sabemos, pelo próprio nome
do filme, que a temática central será pautada por personagens que realmente
existiram no Brasil, os cangaceiros; entretanto, essa mensagem inicial deixa
claro que seu interesse é realizar uma obra de ficção, um romance (com a
colaboração da romancista Rachel de Queiroz na criação dos diálogos do
roteiro) que mantém suas bases no real, mas que não se propõe a uma
mimese histórica.
Excluída a responsabilidade mimética, o filme abre num fade in que nos
apresenta, em plano geral, homens cavalgando no horizonte da fotografia. Ao
fundo temos a música que rendeu uma premiação pela trilha sonora no festival
de Cannes, interpretada por Vanja Orico, Olê muié rendeira. Os homens a
cavalo, cangaceiros, são apresentados nos planos seguintes, e o que vemos
na tela é o poder e o medo que despertam nos demais personagens. Logo nos
primeiros minutos eles expulsam os funcionários do governo (para os
cangaceiros, macacos) de “suas” terras. O líder do bando, coronel Galdino
Ferreira, mostra piedade, deixando-os escapar com vida. Esse perfil
psicológico de Galdino, mistura de herói e bandido, será desenvolvido ao longo
do filme, e até o final teremos essa dualidade em suas atitudes, que hora
demonstra uma crueldade atroz, hora uma profunda misericórdia.
Desde os primeiros planos, o filme nos apresenta vários movimentos de
câmera e muita ação dos personagens, que a todo o momento conversam,
interagem entre si e com os ambientes, arrumam suas armas, enfim, não há
espaço na película para cenas estáticas. Somado a isso temos os cortes
rápidos na montagem e o ritmo ditado pela premiada trilha sonora, dando
grande dinamismo à narrativa, que acaba se assemelhando com a linguagem
utilizada pelo cinema clássico, especialmente o hollywoodiano e o proposto
pelas teorias de montagem de Kulechov e de Pudovkin8 (importante ressaltar
que Lima Barreto não se utiliza dessas teorias, já que seus filmes não mostram
a preocupação ideológica demonstrada por esses cineastas; o que surge no
filme de Lima Barreto é a montagem rítmica, que pode ser encontrada tanto
nas teorias de Kulechov e Pudovkin quanto na cinematografia clássica).
A cena da invasão dos cangaceiros em um vilarejo nos remete ao
cinema de gênero hollywoodiano e seu famoso western – o filme, inclusive,
será batizado por Salvyano Cavalcanti e Paiva como “nordestern” 9. O tiroteio
contra os habitantes apresenta a crueldade e o humor desses homens, que
fazem piadas entre si ao mesmo tempo em que disparam contra pessoas
desarmadas. Para a narrativa, isso acaba funcionando tanto para o
desenvolvimento psicológico dos cangaceiros - que se mostram nesse
momento como homens frios, cruéis, que riem da morte que se abate sobre
aqueles que não pertencem ao grupo – como para a dinâmica interna do filme
de entretenimento com objetivo de agradar ao gosto popular, mesclando ação
e humor na mesma sequência. A cena de crueldade, que poderia apontar para
questionamentos sociológicos críticos (o que certamente foi feito pelos
cineastas do Cinema Novo ao retratar a violência do cangaço, cerca de dez
anos depois), acaba, dessa forma, deixando de lado a questão política e
ideológica em favor do entretenimento cinematográfico e da tentativa de
agradar ao público (afinal, não se pode excluir dessa análise a finalidade
lucrativa da Vera Cruz e seu objetivo de agradar o grande público em território
nacional).
Ao final da sequência de planos da invasão do vilarejo, o coronel
Galdino Ferreira exige que um de seus comandados devolva certa quantia de
dinheiro para que uma senhora compre uma nova cabra, já que a sua foi morta
pelo cangaceiro. Nos momentos em que o filme parece apontar para o coronel
8 Essa questão teórica sobre a montagem cinematográfica de Pudovkin e Kulechov pode ser encontrada no livro O Discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência, de Ismail Xavier, publicado pela editora Paz e Terra. 9 ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1963, p. 69.
e seu bando como os grandes vilões da história, ocorrem essas viradas
psicológicas; herói e vilão se misturam, e a narrativa, apesar de sua estrutura
linear de inspiração clássica hollywoodiana, não aponta para o famoso
maniqueísmo simples presente várias vezes no cinema industrial. A sequência
da cena de invasão termina com o sequestro da professora Olívia, uma jovem
bonita, e no quadro da escola os cangaceiros deixam uma mensagem com as
condições para o resgate da moça. Logo em seguida, uma cena curiosa, que
mostra novamente a dualidade psicológica dos cangaceiros: ao mesmo tempo
em que sequestram a professora do vilarejo, libertam todos os pássaros que
estão nas gaiolas, talvez numa metáfora onde os cangaceiros, apesar de sua
crueldade e violência, se mostram totalmente contrários ao cárcere, contrários
a uma vida que não seja pautada pela liberdade – ou talvez seja apenas um
medo que estes transgressores mantém com a possibilidade de serem
capturados pela polícia.
A partir de então começam os planos em paralelo, apresentando novos
personagens para a trama e modificando o eixo da narrativa, até então focada
fundamentalmente na figura dos cangaceiros. O comandante da região,
chamado Alcides, começa a organizar uma comitiva para enfrentar os
cangaceiros do grupo de Galdino e salvar a professora sequestrada. Esses
planos paralelos também vão mostrar as mulheres (outras que, assim como a
professora, também foram capturadas) presentes no filme e as complicadas
relações que mantém com os cangaceiros. Algumas não aceitam a situação
submissa e violenta em que se encontram, e acabam gerando brigas com os
cangaceiros. O universo do cangaço apresentado por Lima Barreto é bastante
conflituoso: homens brigam entre si por bobagem, provocam as mulheres,
roubam uns aos outros, num misto de anarquia gerada pela condição de
liberdade diante do estado e de animalização humana, onde a lei do mais forte
(nesse caso, a lei de Galdino) parece prevalecer. O único que parece capaz de
enfrentar o líder do grupo é Teodoro, personagem que demonstra certa
inteligência e elegância diferenciada dos demais. Tanto ele como Galdino
Ferreira parecem demonstrar sentimentos pela professora capturada, e o que
se apresenta na sequência é a inveja das demais mulheres, já que ela, a partir
do momento em que chama atenção dos principais líderes do grupo, passa a
ser defendida e ter tratamento diferenciado (apesar de sua condição como
prisioneira). Sua resposta diante de tal tratamento é apenas o desdém.
A partir do interesse de Teodoro na professora Olívia tem-se uma nova
mudança no eixo narrativo: um plano em paralelo já estava em andamento
(enquanto os cangaceiros aguardavam o pagamento em seu acampamento, as
tropas do comandante Alcides se encaminham para o ataque). Agora, um novo
plano vai apresentar a fuga de Teodoro e Olívia, que conseguem fugir do
acampamento durante a noite. Ao descobrir, Galdino inicia sua busca e
vingança contra o traidor dos cangaceiros, e a história ganha um dinamismo
ainda maior. Com três eixos narrativos, a trama vai focalizar a relação entre
Teodoro e Olívia, que passa, aos poucos, de uma atitude de desprezo à
curiosidade diante do misterioso cangaceiro, e os traços típicos do gênero de
romance clássico hollywoodiano passam, aos poucos, a ganhar espaço maior
dentro da história.
Em paralelo ao romance, Ferreira não perdoa sequer o padre, que
acaba tendo seu cavalo roubado. Em seguida, o grupo comandado por Alcides
em busca da professora sequestrada alcança os cangaceiros. A tropa de
Galdino Ferreira consegue destruir seus rivais sem grandes dificuldades, e o
filme agora segue em dois eixos narrativos.
A professora mantém sua insistência em descobrir as motivações de
Teodoro, personagem que até este momento da película se mostra bastante
misterioso através de um roteiro que esconde seus objetivos com a intenção de
gerar curiosidade tanto em Olívia quanto no público. Enfim, Teodoro declara
seu amor, e Olívia afirma que gostaria que a fuga dos dois não tivesse mais
fim, pois também estava apaixonada. Contudo, o romance já está fadado ao
fim trágico, onde Teodoro revela: “...mulher e terra são a mesma coisa. A gente
precisa das duas para ser feliz...em outro lugar morreria sentindo falta da
outra.” Eles não podem ficar em sua terra, já que Galdino não o deixaria
escapar nunca, e longe seriam infelizes. Glauber Rocha, anos depois, vai
afirmar que essas passagens do filme retratam bem o seu conteúdo de
exaltação à terra.10 Aqui Lima Barreto insere mais um problema na trama, e, ao
10 Ibidem.
que parece, o único destino para a história não é o final feliz, e o happy ending
típico do cinema clássico hollywoodiano parece improvável. Apesar da cena
romântica entre o casal, que se assemelha esteticamente ao melodrama
clássico, é a violência que vai tomar conta das sequências finais do filme.
Teodoro, ao melhor estilo western, se prepara para enfrentar o bando de
Galdino que já o alcançou. Antes do confronto final, pede à Olívia que siga em
frente enquanto segura os cangaceiros. No confronto, gasta toda a munição,
acaba se rendendo e propõe um duelo contra Galdino, que não aceita a
proposta, mas faz uma nova: ninguém atira em Teodoro até que ele passe por
uma árvore razoavelmente distante (400 braças). Depois disso, cada um dos
vinte e três membros do bando atiraria apenas uma vez. Caso conseguisse sair
ileso, poderia viver. Teodoro não tem outra opção e acaba aceitando a
proposta. Começam os tiros. Na fotografia o que vemos é Teodoro, filmado de
frente, em plano americano, andando enquanto tiros são disparados. O plano
apresenta grande dramaticidade à cena; se antes tudo acontecia com
dinamismo, agora o que temos na tela é uma sequência mais lenta, onde a
apreensão toma conta de cada passo curto e cada tiro que é disparado pelos
cangaceiros. Algumas balas o acertam. Ele tenta continuar andando. Mais
balas o atingem. Teodoro cai morto ao chão. A câmera se afasta aos poucos. A
cena é de uma grande profundidade dramática, a morte permanece por vários
segundos na fotografia.
O filme termina com a mesma música (Olê muié rendeira) e o mesmo
plano geral do início do filme, com os cangaceiros montados em cavalos. A
diferença é que agora eles andam para o lado oposto.
1.2 ANÁLISE FÍLMICA: RIO 40 GRAUS - NELSON PEREIRA DOS
SANTOS (1955).
O filme Rio, 40 graus, de Nelson Pereira dos Santos, é um dos grandes
marcos do cinema nacional. Considerado o início do cinema moderno11 no
Brasil e uma das grandes influências para o Cinema Novo em fins da década
de 50 e início de 60, o filme apresenta características estéticas que marcam
sua tentativa de ruptura com tudo aquilo que o cinema industrial brasileiro havia
feito até então.
O filme abre com um plano geral do Pão de Açúcar e Copacabana a
partir de filmagens aéreas. Aqui o personagem principal do filme nos é
apresentado: o Rio de Janeiro. Os próximos personagens a serem
apresentados são pessoas comuns, moradores do Morro do Cabuçu, e a
narrativa fílmica busca-os em seu próprio cotidiano. A primeira cena de diálogo
do filme mostra uma mulher discutindo com um homem, reclamando que ele
não havia ido à feira, e desconfia que ele, na verdade, foi tomar cachaça. É
exatamente essa uma das pretensões fundamentais e inovadoras do filme de
Nelson Pereira: buscar uma narrativa cinematográfica em que pessoas comuns
são apresentadas, em seu cotidiano, diante dos problemas nacionais (e esse é,
também, um dos motivos que o levaram a comparações com o cinema neo-
realista italiano).
A seguir surgem os jovens moradores do Morro, que serão os
responsáveis por levar a narrativa para fora dos limites da favela. Zeca, um
desses garotos, reúne-se com Sujinho, Xerife (o líder do grupo), Jorge e
Paulinho. Escolhem os pontos de venda que podem ser mais lucrativos e
espalham-se pelos pontos turísticos do Rio de Janeiro com suas latas cheias
de pacotes de amendoim. As cenas são filmadas em tomadas externas, fora
dos estúdios e de sua artificialidade, buscando, dessa forma, uma fotografia
mais próxima do real, tal como havia proposto o cinema neo-realista italiano. O
fio condutor dessa apresentação fotográfica do Rio de Janeiro serão esses
garotos, e outras histórias serão contadas através das narrativas em paralelo.
11 Ismail Xavier comenta que Rio, 40 graus é o filme que dá início ao cinema moderno no Brasil em seu livro O cinema brasileiro moderno. Voltarei nesse tema no capítulo sobre os cinemas de ruptura com o modelo hollywoodiano na página 35.
A primeira cena em que esses garotos acabam enfrentando o choque
com a realidade social é apresentada através de Paulinho, o mais novo dos
jovens que desceram o morro para vender amendoins. A cena inicia com Xerife
retirando dinheiro do pequeno garoto, mas acaba encontrando uma lagartixa
em seu bolso, e a atira ao chão. Paulinho corre atrás de sua lagartixa e acaba,
em sua busca, entrando escondido no zoológico. O garoto se vê
completamente deslumbrado pelos elementos da natureza que encontra pelo
caminho. A fotografia dá, nesse momento, um grande destaque aos animais e
a felicidade de Paulinho em vê-los. Os diversos closes, focados nessa
felicidade, terminam numa ruptura narrativa e sentimental. A alegria do garoto
termina de forma abrupta com a abordagem de um guarda, que o expulsa do
parque; esse espaço da cidade, apesar de comunitário, é excludente, não
permitindo em seus limites a permanência da população pobre12, e, em sua
análise dessa cena, Mariarosaria Fabris levanta outra questão interessante a
respeito da utilização de metáforas na obra de Nelson Pereira:
“A expulsão do menino, enquanto uma cobra devora Catarina (sua lagartixa de estimação), evoca a condenação divina lançada sobre Adão, “comerás o pão com o suor de tua fronte”, pois, como este, ele também é excluído do paraíso terrestre (os três planos dedicados á serpente confirmam essa idéia), onde, por alguns momentos, fora apenas uma criança, para cair numa dura realidade que o obriga a se tornar prematuramente adulto e ganhar o seu sustento, renunciando à infância, que, dessa forma, parece destinada só às crianças bem vestidas que passam por ele entretidas em suas brincadeiras.” 13
A seqüência termina com os garotos em uma praça, discutindo sobre
figurinhas. Ao fundo surgem homens de farda, um marinheiro e um fuzileiro
naval, e a história deste vai passar a ser contada nos próximos planos,
mostrando os problemas de sua relação com Judite, uma empregada
doméstica grávida do rapaz, que não demonstra grandes interesses em
assumir os compromissos de constituir uma família.
Em outro plano paralelo surge Jorge, um dos garotos que desceu o
morro para vender seus amendoins. Logo que chega à praia, um dos banhistas
derruba sua lata de amendoins no mar. Esse banhista, Bebeto, vai conversar
com outras pessoas que estão aproveitando o dia de praia. Surgem, então, os
burgueses, que utilizam uma linguagem muito diferente daquela apresentada
12 FABRIS, Mariarosaria. Nelson Pereira dos Santos: Um olhar neo-realista? São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994, p. 96. 13 Idem, p. 97.
até então, e mantém um discurso de crítica e preconceito contra o garoto pobre
do morro que foi à praia ganhar dinheiro, mas obteve apenas prejuízo ao
perder seu produto. Ao final dessa seqüência, novamente o filme apresenta os
choques entre as classes distintas que forma o complexo quadro social carioca
e brasileiro: Jorge vê Bebeto, o caça-dotes burguês que derrubou sua lata,
saindo da praia, e pede que devolva o dinheiro pelo estrago que causou, mas
recebe apenas ameaças e, também, o desprezo de um homem que vê a cena,
um outro burguês, que afirma, com desdém, que os pais que largam os filhos
na rua são criminosos.
A cena seguinte, que apresenta a mãe de Jorge, Elvira, é praticamente
uma resposta a afirmação preconceituosa de que os pais de Jorge seriam
criminosos. Elvira está doente, deitada em sua cama recebendo auxílio da
vizinha, Ana, e a câmera se movimenta pelo barraco, buscando a cada
momento a fotografias realistas. Nesse momento temos uma visualização da
pobreza por um viés que enaltece os laços de companheirismo presentes nas
relações sociais dos habitantes da favela, e vemos Ana auxiliando Elvira,
fazendo seus serviços, para que a dona de casa, enferma, possa cumprir com
seus compromissos com os clientes. Essa sequência dialoga de forma direta
com a anterior, onde a futilidade das classes mais abastadas é apresentada em
um dos principais pontos turísticos do Rio de Janeiro, a praia de Copacabana.
Segundo Mariarosaria, esse é o ponto mais polêmico do filme, onde:
“[...] a contraposição maniqueísta entre ricos e pobres, sempre apresentada de modo a ressaltar os defeitos dos primeiros e as qualidades dos segundos e a forçar a simpatia do espectador pelas personagens que resistem nos limites da sobrevivência, como em Milagre em Milão (Miraco a Milano, 1951), de Vittorio de Sica, no qual, porém, sua estrutura de fábula justifica o tom apologético.” 14
A seguir serão apresentados outros conflitos e questões envolvendo
personagens do morro, como Miro, rapaz bom de briga e Zé, que acabam,
depois de alguns planos, decidindo assistir a um jogo de futebol no Maracanã,
e a narrativa volta a encontrar a figura de Xerife e Paulinho, que estão a vender
amendoins nas portas do estádio. Ao menor cabe a função de ficar do lado de
fora trabalhando, enquanto o outro entra no estádio.
14 Idem, p. 101.
Dentro do Maracanã novamente surge nas filmagens as diferenças
fundamentais entre as classes sociais conflitantes; de um lado temos os
torcedores em estado de euforia com a partida que está para começar; de
outro temos as negociações entre os dirigentes dos clubes que disputarão a
partida, ambos interessados apenas nos lucros que o futebol poderia gerar.
Organizam, inclusive, formas de manipular a torcida a gostar ou de não de
determinados jogadores, tratando o povo como massa de manobra. Enquanto
isso, os torcedores discutem e brigam, defendendo e atacando os jogadores
que seriam negociados pelos dirigentes, e, no meio das confusões, Miro acaba
sendo expulso do estádio. Para comprar novos bilhetes, pega os amendoins do
pequeno Paulinho para vender.
Em outra sequência em paralelo, Sujinho tenta vender seus amendoins
em um ponto dominado por Seu Peixoto, que o persegue. O garoto acaba
sendo socorrido por uma família de turistas de classe média que se
encaminham ao Pão de Açúcar.
A seguir aparece a figura dos políticos, e o que se percebe rapidamente
são as relações de interesse entre as pessoas que cercam o coronel Durão,
suplente de deputado e que mantém relações de amizade com um ministro. A
bajulação em torno de Durão toma conta dos planos, e Francisco, que teria um
inquérito administrativo do qual queria se livrar, utiliza até mesmo sua filha,
uma jovem, na tentativa de que ela conseguisse seduzi-lo e assim pudessem
estreitar os laços de amizade.
Enquanto isso, em outra parte da cidade, Jorge, que havia perdido seus
amendoins, tenta, sem sucesso, pedir dinheiro para voltar pra casa. Outro
garoto, mostrando experiência, apesar de muito jovem, ensina a Jorge táticas
para convencer as pessoas a doarem dinheiro. Jorge consegue dinheiro com o
casal Judite e Pedro, que se encaminham ao local onde o irmão da moça
trabalha, e, a seguir, a trama em torno do coronel Durão é novamente
desenvolvida, e temos a continuidade dos interesses por trás das
sociabilidades da classe burguesa. Nesse momento, no Maracanã, Miro e
Paulinho tentam fugir do rapa, e logo voltamos à trama de Durão e seus
amigos interesseiros.
Expulso do estádio, Miro escuta a partida em um bar ao lado de seu
amigo Zé. Miro está com ciúmes de Alice, que vai se casar com Alberto. A
preocupação toma conta dos próximos planos, pois, já que haveria durante a
noite uma festa, seria prudente que Alice não levasse Alberto, já que o
briguento Miro poderia causar problemas.
Voltando ao Maracanã, a narrativa focaliza os problemas dos jogadores
de futebol, e Daniel, jogador mais experiente, alerta à Foguinho, jovem
promessa, os problemas da carreira, e que se não aproveitasse aquele
momento, logo seria deixado de lado. Depois dessa conversa, Foguinho volta
ao segundo tempo do jogo e consegue, dessa vez, entrar em campo sem o
nervosismo do primeiro tempo.
Em Copacabana, o casal Judite e o fuzileiro Pedro marcam um encontro,
mas Pedro, em momento algum, apresenta qualquer interesse em levar a sério
a relação com Judite. Pedro passa por Jorge, e a narrativa mostrar,
novamente, seus passos, que acabam o levando a ter que correr de outros
garotos que o perseguem pelas ruas. Cenas que mostram a apreensão do
público diante do jogo que está a ser realizado no Maracanã são intercaladas
com a cena de Jorge a tentar fugir de seus perseguidores; ao final, Jorge é
atropelado e morre, e, no mesmo momento, um grito de gol ecoa pelo estádio -
gol marcado pela jovem promessa do futebol, Foguinho.
Os garotos voltam ao morro. Paulinho a tentar explicar para o Xerife
como perdera o dinheiro, Sujinho acompanhado por um policial. A festa regada
a samba está para começar, e Miro, indignado com a perda de Alice para
Alberto, dirige-se à festa com a intenção de arrumar mais uma confusão. O
desfecho violento não se concretiza, já que Miro descobre que Alberto era
conhecido seu, e o filme é finalizado ao som do samba carioca e o morro em
clima de festa.
2. DESENVOLVIMENTISMO, CINEMA E CULTURA NO BRASIL DA
DÉCADA DE 50.
“Fortemente marcada pelo político, a cultura brasileira nos anos 50-60
colocou-se às lutas que atravessavam o todo social, e o cinema entrou num
corpo-a-corpo exemplar com a realidade.”15
Analisar o cinema brasileiro realizado durante a década de 50 é, assim
como aponta José Mário Ortiz Ramos, refletir a respeito das complexas lutas
ideológicas e projetos políticos e econômicos do mundo bipolarizado pela
Guerra Fria. Em tal contexto, se de um lado havia a influência do capitalismo
para o desenvolvimento de uma industrialização da cultura e do cinema, de
outro concorria a crítica ao modelo burguês de transformação das artes em
meros produtos de consumo rápido; no meio desses discursos e ideologias
completamente conflitantes encontra-se o cinema brasileiro. Antes de
aprofundar a discussão a respeito dos projetos cinematográficos conflitantes,
tentarei sintetizar alguns pontos relevantes para a compreensão desse
contexto complexo.
Os anos 50 no Brasil, marcados pela atenção destinada ao
desenvolvimento do país, cujos pontos se pautavam em uma tentativa de
superação de problemas sociais, do atraso econômico e cultural, prenunciam
as mudanças de comportamento e valores que irão marcar os anos 60. No que
concerne ao cenário político, o período da história brasileira que vai de 1945 a
1964 é comumente classificado como “experiência democrática16”, retorno
atribuído por Marly Rodrigues devido à normalidade institucional conseguida
com a Constituição de 1946, elaborada durante o governo Dutra. Durante este
período, o Brasil passou pelo processo político do populismo, cujos
governantes utilizavam-se de categorias genéricas como “povo” e “nação”,
discurso este aliando ao nacionalismo e a uma estrutura sindical subordinada
ao Estado e à ação de dirigentes sindicais que dirigiam as ações dos
15 RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema, estado e lutas culturais – anos 50/60/70. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p. 11. 16 RODRIGUES, Marly. A Década de 50: populismo e metas desenvolvimentistas no Brasil. São Paulo: Editora Ática. 1992. Pp. 41.
trabalhadores17. Esse processo é explicado como decorrente de um contexto
de avanço da industrialização intensificada no pós-guerra nos países
capitalistas chamados “dependentes”, industrialização esta caracterizada por
uma avançada monopolização, levando o capital internacional a iniciar
investimentos diretos nos países em emergente processo industrial,
conseqüentemente implicando no estreitamento de suas relações com o
Estado e as burguesias locais.18
O governo de Vargas da década de 50 é marcado pela expansão
industrial e o aumento da intervenção do Estado na economia. No programa de
governo enviado ao Congresso em 1951, Vargas preconizava o crescimento da
produção de bens de consumo, o alargamento do mercado interno e a
elevação da renda nacional.19 No que diz respeito a uma organização política e
cultural, o Estado Novo, como é conhecido o governo de Vargas da década de
50, sempre contou um grupo de intelectuais que buscaram fundamentar e
desenvolver uma ideologia que se destinasse a difundir uma concepção de
mundo para o conjunto da sociedade.20 Essa concepção está impressa nas
revistas “Ciência e Política” e “Cultura e Política”. Enquanto na primeira
trabalham os “intelectuais médios”, na segunda são os “grandes intelectuais”
que vão atuar. Enquanto os grandes intelectuais seriam os responsáveis por
criar uma concepção de mundo, os “intelectuais médios” são aqueles que,
através da revista “Ciência e Política” atuariam mais como divulgadores de uma
ideologia elaborada e refinada por outros.
Diante de um contexto mundial de Guerra fria, o Estado Novo sofria
oposição do Partido Comunista Brasileiro, embora existissem correntes como a
dos socialistas e dos trotskistas. O PCB refletia um posicionamento mais
agressivo que o movimento comunista internacional assumira diante da Guerra
Fria. Porém, ao mesmo tempo em que se opunha a Vargas, o PCB aproximara-
se cada vez mais da ala esquerda do PTB. Para os comunistas, os entraves ao
desenvolvimento brasileiro eram o imperialismo, em especial o norte-
17 Um exemplo está contido nas tentativas de dissoluções de greves. 18 Idem, pp. 42. 19 Idem, pp. 47. 20 ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura Brasileira e Indústria Cultural. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988, p. 52.
americano, e o latifúndio. Embora o PCB atuasse fortemente nos sindicatos, a
corrente de pensamento de maior influência foi a nacionalista, cuja tese central
acreditava que o desenvolvimento independente do Brasil poderia dar-se
através da industrialização comandada pela burguesia e por capitais nacionais,
sem, no entanto, levar em conta os próprios interesses do capital nacional,
atribuindo a este aquele que deveria dirigir o Estado e seria responsável pelo
desenvolvimento do capitalismo brasileiro.
Na segunda metade dos anos 50, ao assumir a presidência, Juscelino
Kubitscheck entra em pauta com o discurso desenvolvimentista, diretamente
vinculado ao populista, onde são eliminadas as diferenças de interesses e
aspirações dos grupos ou classes sociais, uma vez que o discurso se baseia
em uma suposta “vontade coletiva”, mascarando o predomínio social da
burguesia ao afirmar que todos estão unidos em torno de um projeto de
desenvolvimento. A primeira reunião de ministros do seu governo foi pautada
pela exposição do seu Plano de Metas, cujo objetivo era acelerar a
acumulação, aumentando a produtividade dos investimentos existentes e
aplicando novos em atividades produtoras, e ao incentivar a industrialização
acelerada, acreditava que a geração de novos empregos elevaria o nível de
vida da população. A instituição desse plano significou o desenvolvimento do
capitalismo planejado no Brasil, porém, embora o governo JK inaugurasse a
entrada do Brasil na fase de produção e consumo de bens duráveis, não
significou uma transformação efetiva das relações políticas entre os diversos
setores de classe e entre as classes.21
Juntamente com a industrialização preconizada por essas políticas, veio
a modernização de pensamentos de pensamentos hábitos consumistas,
mudando o modo de vida, as cidades, a arquitetura, as artes, a técnica, a
ciência, refletindo principalmente na estrutura populacional. O inchamento de
centros urbanos descaracterizou alguns bairros, onde antigos moradores
cederam espaço para imigrantes e habitações coletivas. As favelas e bairros da
periferia brotaram na mesma intensidade que bairros da classe média
emergente e de grã-finos. Nesse sentido, a concentração de multidões nos
21 Idem, p. 69.
grandes centros urbanos tornou-os palco privilegiado da manifestação dos
conflitos sociais que agravavam com o rápido crescimento alcançado pelo
capitalismo no Brasil. Além de manifestações trabalhistas, adquiriram maior
organicidade alguns setores da população urbana, como o movimento negro e
a participação das mulheres nas várias atividades, como o mercado de
trabalho.
Conseguintemente com a mudança do modo de vida dos moradores dos
grandes centros urbanos, estabeleceram-se os produtos “símbolo” do
progresso, como os carros e os produtos industrializados vendidos nos
supermercados. Rodrigues salienta para as características desse consumo ao
enfatizar que,
“entre as camadas altas e médias da população urbana assiste-se a uma padronização do consumo provocada pela expansão da propaganda, instrumento básico para a ampliação do comércio e da produção. Fios sintéticos, alimentos enlatados, eletrodomésticos e utensílios saltavam das coloridas páginas das revistas semanais criando novos hábitos e despertando necessidades. Esta é a época em o avanço dos meios de comunicação de massas – imprensa, rádio, TV e cinema – marca o início da indústria cultural no Brasil. Seu poder homogeneizador, embora bastante forte, não pode ser tomado como absoluto. A padronização dos hábitos, do consumo e dos comportamentos atinge apenas parcelas da população, em parte devido ao baixo padrão de vida do brasileiro.” 22
A década de 50 assiste a uma franca expansão das publicações
dedicadas ao consumo em larga escala, publicações estas representadas
pelas histórias em quadrinhos, revistas especializadas em rádio, TV e cinema,
além de outras direcionadas especialmente para o público feminino. Os rádios
transmitiam as mais variadas propagandas, bem como notícias, sucessos
musicais, novelas, tendo esse ultimo tipo de programa uma relação íntima com
as multinacionais, uma vez que sua idealização nos anos 30 nos Estados
Unidos foi pensada como veículo de propaganda das fábricas de sabão,
visando ao aumento de vendas de produtos de limpeza e toalete. A relação
entre o rádio e as multinacionais pode ser avaliada quando considera
especificamente as radionovelas. O traço mais característico do rádio foram os
programas de auditório. A televisão do Brasil começou em setembro de 1950,
por iniciativa de Assis Chateaubriand, proprietário de uma cadeia de rádios e
22 Idem, p. 35.
jornais, os Diários Associados23. As transmissões e a propaganda eram ao
vivo, sendo a propaganda na TV no inicio dos anos 50 mais barata que no
rádio ou nas revistas, devido ao seu pequeno alcance.
A tentativa de o cinema brasileiro firmar-se industrialmente data do final
da década de 40. Nessa década o cinema torna-se um bem de consumo, em
particular com a presença de filmes americanos que dominam o mercado
cinematográfico no pós-guerra. Segundo Renato Ortiz, “este não é um fato que
diga respeito exclusivamente à sociedade brasileira, ele é mais genérico, e se
insere na mudança da política exportadora de filmes americanos, que se torna
mais agressiva24”. Até a década de 30, o mercado exterior não merecia das
empresas de Hollywood uma atenção particular, pois a indústria
cinematográfica era sustentava pelo mercado interno. A mudança de foco
comercial provém da crise de público nos cinemas americanos. Esse fator é
reforçado se levar-se em conta a tentativa de aproximação com a América
Latina através da “política de boa vizinhança”, onde o desenvolvimento do
cinema se faz entre nós estreitamente vinculada às necessidades políticas dos
Estados Unidos, e econômicas das grandes distribuidoras de filmes no
mercado mundial. Mas, mesmo em termos nacionais, este é o momento em
que se tenta constituir uma cinematografia brasileira.25
A tentativa de constituição de um cinema nacional começa com a
criação da Atlântida em 1941, e da Vera Cruz, em 1949. A Atlântida produziu
dezenas de chanchadas, gênero que misturava musical e comédia em um
enredo simples, onde as mais famosas foram estreladas por Oscarito e Grande
Otelo. Ortiz salienta para a mudança de panorama da produção
cinematográfica: “basta lembrarmos que entre 1935 e 1949 tinham sido
produzidos em São Paulo somente seis filmes. A criação desses novos centros
de produção tem conseqüência direta no mercado cinematográfico nacional;
entre 1951 e 1955 foram realizados 27 filmes em média por ano.” 26 Diante da
pobreza cinematográfica brasileira, a Vera Cruz desponta como afirmação da
cultura nacional que busca se estruturar em termos industriais.
23 Idem, p. 38. 24 Idem, p. 41. 25 Idem, pp. 42. 26 Ibidem.
Para Ortiz, “se os anos 40 e 50 podem ser considerados como
momentos de incipiência de uma sociedade de consumo, as décadas de 60 e
70 se definem pela consolidação de um mercado de bens culturais. A televisão
se concretiza como veículo de massa, assim como a indústria do disco,
editorial, publicidade.27 Essas mudanças ligam-se diretamente ao advento do
Estado militar, que possui um duplo significado: por um lado se define por sua
dimensão política, marcada por aspectos como repressão, censura, prisões e
exílios; por outro, aponta para transformações mais profundas no que diz
respeito às questões econômicas, principalmente porque aprofunda medidas
econômicas tomadas no governo de Juscelino. Segundo Renato Ortiz, o golpe
de
“64 é um momento de reorganização da economia brasileira que cada vez mais se insere no processo de internacionalização do capital; o Estado autoritário permite consolidar no Brasil o “capitalismo tardio”. Em termos culturais essa reorientação econômica traz conseqüências imediatas, pois, paralelamente ao crescimento do parque industrial e do mercado interno de bens materiais, fortalece-se o parque industrial de produção de cultura e o mercado de bens culturais.28”
No entanto, é evidente que a expansão das atividades culturais está
estritamente controlada pelo Estado e é nesse ponto que há uma diferença
entre o desenvolvimento de um mercado de bens materiais e um mercado de
bens culturais, pois o último envolve uma dimensão simbólica que pode
expressar uma aspiração e aponta para problemas ideológicos. Nesse sentido,
o Estado deve tratar de forma diferenciada essa área, onde a cultura pode
expressar valores e disposições contrárias à vontade política dos que estão no
poder.29 A cultura para o governo ditatorial envolve uma relação de poder, que
pode ser maléfica quando nas mãos de dissidentes, mas benéfica se estiver
circunscrita ao poder autoritário. Dessa forma, o Estado percebe a importância
de atuar junto às esferas culturais. O reconhecimento da importância dos meios
de comunicação de massa pela sua capacidade de difusão de idéias e criação
de um emocional coletivo leva o Estado militar a ser o repressor e o
incentivador das atividades culturais.
27Idem, pp. 143. 28ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura Brasileira e Indústria Cultural. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. Pp. 114. 29 Ibidem.
Pode-se estabelecer uma relação dessa política de incentivo cultural
entre os governos de Vargas e a ditadura no que concerne à criação de
instituições que visam orientar as ações culturais, embora o Estado militar
tivesse uma atuação mais abrangente. Porém, é necessário notar que são dois
momentos que se encontram em um quadro econômico distinto, onde a relação
entre o Estado e os grupos empresariais é diferente, pois somente a partir da
década de 60 esses grupos podem assumir como portadores de um
capitalismo que aos poucos se desprende de sua incipiência.30 Essa relação
entre Estado militar e empresariado pode ser observada pela criação da
EMBRATEL, que inicia toda uma política modernizadora para as
telecomunicações.
30 Idem, pp. 177.
3. O MODELO HOLLYWOODIANO E O MODELO DE CINEMA
INDUSTRIAL BRASILEIRO.
Logo nas primeiras páginas de seu livro Os cinemas nacionais contra
Hollywood, Guy Hennebelle utiliza-se das palavras de Glauber Rocha e Jean-
Luc Godard para iniciar a explicação do que seria esse cinema industrial
capitalista realizado nos Estados Unidos. Segundo Glauber:
“O cinema americano, utilizando habilmente os personagens-chaves do romance e do teatro do último século, criou heróis que correspondiam à sua visão violenta e “humanitária” do “mundo do progresso”. Homens magníficos, fortes, honestos, sentimentais e implacáveis. Mulheres independentes, maternais, sinceras e compreensivas. Sua estrutura de comunicação funciona graças a uma série de elementos: a utilização do estrelismo, a mecânica das intrigas, a fascinação dos gêneros e diversos truques publicitários. ”31
Enquanto para Godard esse cinema americano:
“[...] reina sobre o cinema mundial. (...) Atualmente fazer um filme é contar uma história tal como é contada em Hollywood. Todos os filmes se parecem. O imperialismo econômico deu origem a um imperialismo estético (...). Nossa tarefa é libertarmo-nos dessas cadeias de imagens impostas pela ideologia imperialista por meio de seus aparelhos: imprensa, rádio, cinema, discos, livros.” 32
A crítica de Glauber chama atenção para características bem
estabelecidas do cinema industrial praticado em Hollywood e, de certa forma,
imitado em outras regiões do mundo, especialmente nos lugares onde a
política capitalista exerceu maior influência (ou domínio). Esses elementos
abordados em sua crítica, tais como o estrelismo, a criação dos gêneros (e sua
característica fundamental de repetição), entre vários outros que também
poderiam ser citados, estão a serviço de uma função específica desse tipo de
cinema, que nada mais é que a busca pelo lucro enquanto produto industrial.
Dessa forma, importa pouco para a produção a característica que transforma o
movimento cinemático das fotografias em arte, ou o que venha a ser essa arte;
cinema, nos Estados Unidos, é business, é maximização dos ganhos
financeiros e minimização de prejuízos que podem ocorrer em seu processo de
produção. Em suma: o mesmo mecanismo aplicado para a produção de outros
bens de consumo (como carros, alimentos, máquinas, etc) será utilizado pela
indústria cinematográfica nos Estados Unidos. Contratam-se especialistas
31
Comentário de Glauber Rocha na revista Cine Cubano, n° 52-53, citado por Guy Hennebelle em seu livro Os cinemas nacionais contra Hollywood. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 25. 32 Crítica de Godard também citada por Guy Hennebelle na página 25 de seu livro supracitado.
financeiros, convocam investidores, e o cinema torna-se um dos negócios mais
lucrativos do capitalismo.
A crítica de Godard pontua, além da característica de que todos os
filmes desse modelo industrial acabam se parecendo uns com os outros, o
problema do imperialismo cultural promovido pelos Estados Unidos e a
necessidade de se libertar dessa ideologia imposta pelos veículos de
informação. A obra cinematográfica desses dois cineastas vai ser exatamente
uma tentativa de luta contra o modelo de cinema hollywoodiano, e, no caso
brasileiro, o cinema industrial da Vera Cruz será considerado pelos
cinemanovistas (principalmente por Glauber, que escreve várias críticas
direcionadas a essa indústria) como uma mera emuladora da cultura e da
ideologia imposta pelos capitalistas estadunidenses. A Vera Cruz será, dessa
forma, o exemplo daquilo que foi feito no Brasil e nunca mais deve ser imitado,
enquanto o cinema praticado pelos intelectuais de esquerda, como o caso do
filme aqui analisado, Rio 40 graus, será considerado como o bom exemplo da
cinematografia brasileira.
Contudo, estariam com razão os cinemanovistas ao acusar a Vera Cruz
e seus filmes de tal alinhamento com a cultura e os modos de produção
capitalistas hollywoodianos? Quais seriam as principais motivações para que
estas acusações fossem feitas? E até que ponto essa visão, produzida num
contexto bastante específico, influenciou toda uma forma de se analisar a
cinematografia brasileira, dando maior ênfase a determinado tipo de produção,
deixando as demais em segundo plano? O que tentarei fazer aqui não é, de
forma alguma, um trabalho de responder essas questões de forma pontual e
assertiva, com pretensões de uma busca pela verdade escondida na história do
cinema. O objetivo é tentar entender um pouco melhor quais são os conflitos e
as motivações por trás dessas questões que se encontram na história do
cinema brasileiro, buscando uma reflexão acerca desse complicado contexto
da década de 50 e início dos anos 60. Para isso, é essencial a análise das
conjunturas internacionais desse período, observando suas especificidades e a
forma como as diferentes propostas de cinema surgiram no interior dos
diversos conflitos ideológicos característicos da Guerra Fria.
Na conjuntura internacional, é importante observar que o século XX
mudou completamente os eixos da economia global. O século anterior
observou um domínio dos países europeus imperialistas que, de certa forma,
influenciou diretamente diversos conflitos que acabaram por diminuir a força
desses países no século XX, e a missão imperialista passou das mãos
européias para as americanas, e os Estados Unidos, ao final da Segunda
Guerra Mundial, já é o país mais poderoso do bloco capitalista. Todo esse
poderio, fortalecido através das políticas de dominação imperialista, gerou um
grande desconforto entre os intelectuais de esquerda, seja nos países do bloco
capitalista ou socialista.
Com as complicações geradas pela destruição da Segunda Guerra
Mundial, os países europeus enfrentavam grandes dificuldades financeiras, e
isso logo se refletiu nas produções cinematográficas, seja agravando os
problemas da produção, seja servindo de tema para a reflexão nos roteiros dos
filmes, especialmente no cinema neo-realista italiano. Dessa forma, a
empreitada de rivalizar com as produções hollywoodianas tornava-se uma
tarefa complicadíssima para o cinema europeu. Além da maior capacidade
para investimentos, é importante ressaltar que, sob a ótica do Plano Marshall,
era de essencial importância afastar do território europeu qualquer tentativa de
inclinação à política comunista. Dessa forma, a temática dos filmes levados à
Europa jamais poderia contemplar temas de crítica ao capitalismo, ou, pior
ainda, elogios ao sistema socialista. Isso significa que não foram apenas os
filmes hollywoodianos os produtos de exportação, mas, acima disso, toda uma
ideologia de enaltecimento das qualidades capitalistas foi transmitida dos
Estados Unidos para a Europa e os demais países do bloco capitalista.
Sintetizando o que vinha a ser esse cinema hollywoodiano, em uma
visão crítica produzida por Guy Hennebelle na década de 70:
“Um conjunto de vários milhares de filmes baseados em códigos formais, geradores de uma alienação multiforme e quase sempre sutil, que constitui o principal aparelho de superestrutura ideológica construída pela classe dominante americana.” 33
33 HENNEBELLE, Guy. Os cinemas nacionais contra Hollywood. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 38.
É importante ressaltar que essa interpretação de Hennebelle é fruto de seu
contexto, a década de 70, também caracterizada pelas disputas entre os blocos
capitalista e socialista. Contudo, a crítica apresenta uma visão bastante
difundida pelos intelectuais de esquerda no Brasil acerca do que seria o cinema
hollywoodiano – a direção da edição brasileira do livro de Hennebelle será
realizada, entre outros, por Paulo Emílio Salles Gomes, Jean-Claude Bernardet
e Maria Rita Galvão, todos os três tiveram obras analisadas para a realização
desse trabalho e foram produtores de uma crítica cinematográfica
intelectualizada, centralizada em torno da Universidade de São Paulo.
A partir dessa análise do que venha a ser o cinema hollywoodiano
(numa interpretação da esquerda), partimos para outros questionamentos:
seria o cinema industrial produzido no Brasil uma emulação de todo o processo
por trás do cinema hollywoodiano? Seriam esses filmes também propagadores
de uma ideologia capitalista? Estariam eles a favor de tal alienação popular, tão
condenada pelos intelectuais da esquerda? Enfim, seria a indústria Vera Cruz
culpada das acusações feitas por Glauber Rocha e outros cineastas do cinema
moderno brasileiro?
No momento anterior a década de 50, especialmente as décadas de 30
e 40, o que tínhamos no cinema nacional era o sucesso das chanchadas,
produzidas no Rio de Janeiro principalmente na Cinédia e na Atlântida, duas
produtoras que já realizavam seus filmes de maneira industrializada, antes
mesmo do projeto da Vera Cruz. Observando essa conjuntura do cinema
anterior a década de 50, Paulo Emílio Salles Gomes vai afirmar que “era
mesmo a chanchada o que havia de mais estimulante e vivo no cinema
nacional.” 34 Tanto Cinédia quanto Atlântida não eram, contudo, grandes
projetos industriais ou cinematográfico, a ponto das pessoas que mais se
preocupavam com cinema na época ignorarem completamente o cinema
nacional. 35 Ao final da década de 40, São Paulo retorna ao mercado
cinematográfico com um projeto industrial e cinematográfico realmente
ambicioso, um projeto que visava não apenas a realização em grande escala
34 GOMES, Paulo Emílio Salles. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1986, p. 76. 35 GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: O caso Vera Cruz. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1981, p. 10.
de filmes, mas, principalmente, a produção de filmes brasileiros que
apresentassem qualidade semelhante aos filmes importados da Europa e dos
Estados Unidos. O que se queria com esse projeto não era dar continuidade
aquilo que vinha sendo realizado pelas produtoras cariocas. O plano da Vera
Cruz era criar um cinema nacional a partir do zero, ignorando tudo aquilo que
fora antes produzido no Brasil. Maria Rita Galvão assinala bem esse momento
de euforia para o cinema nacional:
“Em novembro de 1949, os jornais paulistas anunciavam em grandes manchetes a contratação de Alberto Cavalcanti – o grande Cavalcanti da Avant Garde francesa e do Documentarismo inglês, o homem que provara no estrangeiro que os brasileiros também são capazes de fazer cinema – para dirigir a recém-fundada Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Iniciava-se uma nova era para o cinema paulista [...].”36
A Vera Cruz surge num momento bastante propício, onde a burguesia
paulista, animada com o desenvolvimento e a lucratividade industrial, começa a
investir, direta ou indiretamente, nas artes. Em um curto período, surgem
museus, companhias teatrais, multiplicam-se os concertos, novas escolas de
arte são abertas, revistas especializadas começam a aparecer nas bancas, e
uma série de outras atividades artísticas passam a ganhar grande destaque em
São Paulo.37 Apesar de parecer óbvio, a relação entre o desenvolvimento de
uma burguesia industrial e o florescimento artístico fundamentado no mecenato
se dá de forma bastante complexa em países subdesenvolvidos como o Brasil,
de tal forma que, por vezes, antes da criação da Vera Cruz, essa burguesia já
havia tentado produzir um cinema respeitável, um cinema que essa burguesia
pudesse assistir e se orgulhar, mostrando ao mundo que o Brasil estava,
realmente, no caminho do progresso; contudo, esses projetos artísticos eram
altamente instáveis e dependentes das questões econômicas da burguesia, de
modo que o fracasso era o caminho mais comum, e a Vera Cruz também não
mostrou melhor sorte que suas antecessoras.
Os burgueses industriais que possibilitam a criação da Companhia,
especialmente Franco Zampari, já são conhecidos pela sua atividade de
patrocinadores das artes, tendo já participado da criação do Museu de Arte
Moderna e do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC).38 Acreditavam que para se
36 Ibidem. 37 Idem, p. 11. 38 Idem, p. 39.
fazer um bom cinema seria necessário: investimentos altos em máquinas e
equipamentos técnicos; contratação de uma equipe especializada, boa parte
trazida da Europa, com grande carga teórica e conhecimento da prática do
trabalho com cinema e atores renomados. Tudo isso estava a disposição da
Vera Cruz e, ainda assim, não foi suficiente para evitar seu fracasso.
Antes da falência, a Companhia Vera Cruz conseguiu realizar filmes bem
feitos, cumprindo a promessa de levar ao cinema nacional uma boa qualidade
técnica. Paulo Emílio Salles Gomes afirma, sobre isso, que:
“Não há dúvida de que as promessas de melhoria do padrão técnico e artístico foram razoavelmente cumpridas, a partir de Caiçara, confirmando-se em muitos outros [...]. Contudo, diferentemente de Lima Barreto – que com O Cangaceiro inaugurou um gênero que permanece ainda vivo e fecundo - os diretores desses filmes, quase todos estrangeiros, não deixaram marcas duradoras da sua passagem pelo cinema nacional. Afastou-se Cavalcanti dos grupos que o haviam contratado, mas antes de voltar para o estrangeiro logrou realizar uma comédia paulistana, Simão, o caolho, e um drama nordestino, O canto do mar – trabalhos que não comprometem a sua filmografia e enriquecem a nossa.” 39
Até aqui busquei sintetizar alguns pontos relevantes no contexto de
criação da Companhia Vera Cruz; a partir de agora, tentarei direcionar o texto
para a questão referente as influências hollywoodianas no interior dessa
produtora, observando em que medida as acusações dos cinemanovistas
tinham fundamento. Para analisar o que havia por trás dessa indústria
cinematográfica, apontarei alguns trechos de textos ou entrevistas de pessoas
que participaram ativamente do cotidiano da Vera Cruz, enfatizando justamente
os pontos que podem ajudar a compreender melhor as idéias e, talvez,
ideologias por trás dessa indústria. Todos os depoimentos aqui utilizados
encontram-se no livro Burguesia e Cinema: O caso Vera Cruz, de Maria Rita
Galvão.
Ao observar as pessoas que estiveram envolvidas no projeto de criação
da Vera Cruz, é importante ressaltar que haviam ali pessoas com expectativas
e interesses completamente distintos e objetivos várias vezes conflitantes
quanto ao que viria a ser produzido pela indústria. A começar pelo
envolvimento de Franco Zampari (que, segundo Débora Zampari, sua esposa,
39 GOMES, Paulo Emílio Salles. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1986, p. 77.
sequer se interessava por cinema40) e Francisco Matarazzo Sobrinho,
burgueses enriquecidos que, na verdade, apresentavam um interesse
empreendedor, vendo na criação da indústria uma bela oportunidade de
expandir seus negócios. Esses negócios também seriam um divertimento para
a burguesia, como salienta Abílio Pereira de Almeida (ator, diretor, produtor,
roteirista) em seu depoimento sobre a criação da Vera Cruz: “[...] desde o início
aquilo foi uma brincadeira, um passatempo divertido de grã-finos, e o espírito
não mudou muito até o fim, simplesmente as coisas escaparam do controle das
pessoas.” 41 Enfim, as expectativas dessa elite burguesa pouco tem a ver com
as esperanças dos cineastas envolvidos nesse projeto.
Com os principais financiadores alheios ao cinema e sua estrutura
industrial, a missão de organização produtiva da Companhia ficou a cargo de
Alberto Cavalcanti, e seu depoimento é bastante revelador de como funcionava
essa indústria em seus primeiros anos e como ela era organizada:
“O argumento escolhido pelo Sr. Adolfo Celi para o primeiro filme – pois o Sr. Franco Zampari já havia aceito a sua história, quando o nomeara diretor – me foi mostrado. Se bem que soubesse que o Sr. Celi só tinha participado nas atividades do cinema italiano como ator coadjuvante, não quis parecer ditatorial e aceitei a escolha, não só do diretor como do argumento, acrescentando com a maior franqueza que não só o ampararia na sua aventura diretorial com a máxima boa vontade, como também faria tudo o que fosse possível para melhorar o seu argumento, que considerava fraquíssimo. Acrescentei que seria necessário, para o prestígio da companhia, que o segundo filme fosse uma história brasileira, de valor indiscutível, e escolhi a biografia de Noel Rosa, que devia intitular-se O Escravo da Noite e que o Sr. Franco Zampari sugeriu fosse entregue a outro diretor do Teatro Brasileiro de Comédia, Sr. Jacobbi, que também não tinha nenhum traquejo cinematográfico e que necessitava o mesmo cuidado a ser dispensado ao Sr. Celi.”42
Apesar desses relatos terem sido formulados por Cavalcanti após sua
complicada saída da Vera Cruz, regada por grandes ressentimentos depois de
toda uma carreira de muitos conflitos e desentendimentos dentro da
Companhia, sua crítica ainda assim é bastante válida e não pode ser ignorada.
O funcionamento dessa indústria, a revelia de sua proposta séria de criar um
cinema de alto padrão, apesar de contratar cineastas e técnicos muito
qualificados, não levava as produções fílmicas de forma profissional; tal como
Abílio Pereira de Almeida havia anunciado com bastante simplicidade e muito
esclarecimento, a Vera Cruz mais parecia uma brincadeira de grã-finos, e não
40 GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: O caso Vera Cruz. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1981, p. 91. 41 Idem, p. 89. 42 Idem, p. 97.
uma produtora hollywoodiana, por mais que a vontade de alguns realmente
fosse essa. Contratos eram feitos à revelia do que Cavalcanti gostaria; firmam
acordo com a distribuidora Universal, que sequer estipulava uma garantia
mínima sob os quatro filmes incluídos no contrato.43 Franco Zampari
empregava para cargos importantes pessoas sem qualquer experiência, como
seu irmão Carlo Zampari, diretor de produção que, na verdade, não tinha
capacidade de administrar um projeto ambicioso como o da Vera Cruz, e a
esposa de Ruggero Jacobbi, montadora sem experiência para um cargo de
grande importância na produção cinematográfica.
Muito dinheiro foi, desde o começo, desperdiçado: “Com a aparelhagem
vinda dos Estados Unidos, chegou, contratado pelo Sr. Randall, um chamado
técnico americano para operar a máquina óptica, com salário superior ao de
qualquer outro técnico (...) e que terminou seu contrato sem ter descoberto
como a máquina funcionava!” 44 O relato de Cavalcanti não é o único que
mostra esse lado pouco profissional com que a Vera Cruz lidava com as
finanças, e Gina Brentani, atriz e secretária contratada, nos apresenta mais um
traço dessa característica que certamente levaria a Companhia, mais cedo ou
mais tarde, à falência:
“Logo que se começou a falar em fazer filmes, ficou decidido que Celi dirigiria o primeiro, e ele me convidou para ser secretária da companhia. Celi estava apavorado com a perspectiva de ter que se entender com os estrangeiros, e eu falava corretamente muitas línguas, podia ser útil como intérprete. Franco aprovou a escolha, e eu fui contratada, ganhando um dinheiro absurdo: 3 mil cruzeiros por mês. Pra que você tenha uma idéia do que isso representava, basta contar que meu pai, que era diretor-geral da Arno,e um dos maiores acionistas da firma, tinha uma retirada mensal, fixada por ele mesmo, de 5 mil cruzeiros – e nós levávamos uma boa vida burguesa. Meu ordenado era um acinte. Aliás, todos os outros também. Os primeiros técnicos estrangeiros que chegaram aqui foram contratados por 4 mil cruzeiros. E Cavalcanti ganhava oito.”45
Muito dinheiro saindo dos cofres e pouca organização eram as
características da produtora. Faltava muitas vezes o básico, o corriqueiro, mas
que, na falta de planejamento, acabava custando muito mais caro para a
companhia. Se a Vera Cruz tentou ser uma versão das indústrias
cinematográficas hollywoodianas, isso só ocorreu no campo do planejamento,
43 Idem, p. 99. 44 Idem, p. 101. 45 Idem, p. 110.
na teoria, pois na prática o que ocorreu foi algo muito diferente daquilo que se
via nas grandes produções realizadas nos Estados Unidos.
Com tantas pessoas de países e culturas diferentes trabalhando para
uma mesma companhia, cada qual com suas expectativas e frustrações diante
da Vera Cruz, torna-se tarefa complicadíssima tentar afirmar qual era a
intenção verdadeira por trás dos filmes produzidos. Pode-se dizer que cada
diretor – e não foram poucos os que passaram pela produtora – tinha uma idéia
diferente do que poderia ser feito na Vera Cruz. Algumas dessas idéias de
cinema não se aproximavam absolutamente em nada do que se fazia então em
Hollywood, como é o caso de Rex Endsleigh, trazido da Inglaterra para o Brasil
por Cavalcanti para ser documentarista. Seu depoimento mostra qual era a
expectativa que a indústria representava para ele:
“Pensava em fazer um tipo de documentário essencialmente educativo, que ajudassem as pessoas a viverem melhor, a compreenderem as coisas em torno delas, talvez a dominarem um pouco mais o seu mundo. A idéia era ensinar, por meio do cinema, a um povo que não tinha escolas. Quem sabe, pensava eu, se pudesse começar por ensinar a ler e escrever, ou talvez por coisas mais simples, por como cavar fossas, por exemplo, ou como combater verminose, ou sei lá o quê.”46
Através desses relatos, é impossível conceber que havia alguma
homogeneidade nos projetos cinematográficos da Companhia. Não havia um
cinema industrial de alta qualidade, era preciso criá-lo a partir do nada, e isso
foi feito com grandes dificuldades. Os estrangeiros, que pouca coisa sabiam do
Brasil, não tinham a menor idéia de como representar o povo brasileiro nas
telas. Pior que isso, não sabiam sequer a língua portuguesa, e a convivência
entre as alteridades foi bastante complicada, com diversas reclamações por
todas as partes envolvidas nesse processo caótico de produção
cinematográfica.
Havia a idéia de imitar Hollywood, não tenho aqui a intenção de
questionar essa característica, também confirmada pelo ator Anselmo Duarte
em seu testemunho a respeito da Companhia: “A idéia era imitar Hollywood,
em tudo. Exatamente por isso fui contratado. Hollywood tinha o seu star
system, era preciso formar o nosso. Eu era o grande astro popular, me
arrancavam pedaço da camisa quando saía na rua [...]” 47 Contudo, o que
46 Idem, p. 118. 47 Idem, p. 133.
quero deixar claro aqui é que a Vera Cruz era formada por uma colcha de
retalhos de sonhos e expectativas, muitas vezes conflitantes e que, em alguns
casos, não se referia à intenção de formar no Brasil uma nova Hollywood.
Observada a situação da estrutura industrial da Vera Cruz - que, por
mais que tentasse emular as fórmulas capitalistas que fizeram sucesso nos
Estados Unidos, acabou gerando, por sua ineficácia, enormes problemas
financeiros - é preciso analisar ainda outra questão a respeito das influências
hollywoodianas nos filmes da Companhia. Nesse sentido, acredito que Rex
Endsleigh consegue sintetizar de forma bastante clara a situação por trás das
opções estéticas escolhidas pelos cineastas da Vera Cruz e que se mostrava
no cinema durante a década de 50:
“Não se colocava, naquela época, nem teria sentido, a questão de opções de linguagem. Montar assim ou assado não era uma questão de estilo, havia o certo e o errado, e o único modo certo de se fazer filmes naquela época para nós era aquele. A capacidade de percepção do público estava condicionada por determinada linguagem, e esta capacidade de perceber coisas ditas de outra forma, através do cinema só se pôde desenvolver a partir dos anos 60, das modificações radicais que se introduziram na forma cinematográfica. Em 50, o público estava precondicionado a ver uma determinada seqüência, e esta ele entendia, porque conhecia bem. E no momento que você saia daquilo, você se arriscava a não ser compreendido, ou pelo menos era o que você temia. [...] Eram filmes esquematizados, de acordo com a linguagem clássica da época.”48
A partir do momento em que se contratam técnicos e diretores formados
na Europa, e que tinham uma idéia já bem estabelecida do que era certo e
errado na produção fílmica (e o certo, nesse momento e para esses cineastas,
era o modelo clássico), é de se esperar que os filmes teriam as características
estéticas típicas do cinema hollywoodiano. E era exatamente isso que muitos
esperavam dos filmes da Vera Cruz: que fossem bonitos, bem feitos, com uma
linguagem clara, possível de ser compreendida pelo povo e que, enfim,
pudessem oferecer bons lucros aos investidores. De certa forma, a promessa
foi cumprida, e filmes com qualidade técnica foram realizados no interior da
produtora. Contudo, como no caso do filme analisado nesse trabalho
monográfico, O Cangaceiro, por vezes o que se via nas telas não era
exatamente uma estética hollywoodiana, principalmente quando esses filmes
eram dirigidos por cineastas brasileiros, mas sim um misto de linguagens
estéticas diversas, com claras referencias ao cinema estadunidense, mas
também bastante influenciados pelo cinema popular brasileiro (especialmente 48 Idem, p. 126.
as chanchadas cariocas, tão criticadas durante a fundação da Companhia).
Ilustrativo desse cinema mais popular da Vera Cruz são os filmes de Abílio
Pereira de Almeida, que lança o personagem Mazzaropi no cinema, mostrando,
enfim, que a indústria produziu filmes muito diferentes entre si a partir de
cineastas que tinham visões completamente distintas uns dos outros, sendo,
dessa forma, arriscado afirmar que existiu, de fato, um tipo específico de
linguagem fílmica, uma linha cinematográfica a ser aplicada pelos diretores, já
que diversas orientações os levavam a diferentes projetos.
4. O SURGIMENTO DOS CINEMAS DE COMBATE À HOLLYWOOD
Esbocei resumidamente o panorama em que surge a indústria Vera
Cruz, tentando, de forma bastante sucinta, desenvolver o conceito de cinema
industrial e do que venha a ser o cinema hollywoodiano. A partir desse capitulo,
analisarei as principais influências por trás dos cinemas de combate ao modelo
hollywoodiano. Não tenho a pretensão de citar todos os movimentos, todas as
correntes e todas as teorias por trás desses cinemas, que são várias; meu
objetivo é buscar as referências mais essenciais ao desenvolvimento da
problemática proposta, de modo que diversos pontos importantes do debate
teórico cinematográfico serão suprimidos para dar espaço àquilo que é
fundamental para esse trabalho.
Um ponto de partida interessante para debater a respeito das várias
estéticas cinematográficas existentes e sobre aquelas que buscavam uma
ruptura direta e clara com a estética clássica hollywoodiana encontra-se no
discurso de Rex Endsleigh, já mencionado no capítulo anterior, onde ele afirma
que, na década de 50, havia uma forma correta de se fazer filmes, e essa
forma era a clássica, a mesma utilizada pelos estúdios de Hollywood e de
tantos outros países. Contudo, antes das décadas de 50 e 60, antes do Cinema
Novo, da Nouvelle Vague ou do Neo-realismo, já haviam formas diferentes da
clássica de se contar uma história a partir da linguagem cinematográfica.
Começando pelos cineastas russos, podemos citar Eisenstein e seu
método não realista de representação49, onde sua proposta, em suma, era a de
que a seqüência das imagens produzidas pelo filme podem gerar elementos
simbólicos, metáforas a serem absorvidas pelos expectadores. Eisenstein teve
como influência para a elaboração de sua linguagem os ideogramas orientais,
onde dois símbolos, cada qual com seu significado específico, quando
colocados em seqüência ganham um significado completamente novo.
Colocando isso no cinema, a seqüência das imagens tem o papel de, somando
umas as outras, inserir significados que não existiriam se as fotografias fossem
apresentadas isoladamente. Para além dessas especificidades existentes por
49 XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: opacidade e transparência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 52.
trás da teoria de estética fílmica de Eisenstein, é importante ressaltar que, tanto
para ele quanto para outros cineastas russos da primeira metade do século XX,
como Kulechov e seu discípulo, Pudovkin, o conteúdo ideológico dos filmes era
algo de importância fundamental. Para eles, o cinema deve ser pensado como
ferramenta de esclarecimento, que poderia ser utilizada para ensinar as
classes operárias. Essa visão do cinema como um possível lugar de debate
contra a alienação, do cinema, enfim, como dotado de uma função muito além
do simples entretenimento popular, vai influenciar diversas escolas e
movimentos cinematográficos pelo mundo, inclusive o Cinema Novo no Brasil.
A Europa da década de 20 apresentou diversos projetos estéticos
interessantíssimos e bastante diferentes daqueles observados no cinema
estadunidense, as chamadas Vanguardas, com destaque para o
expressionismo alemão, bastante esclarecedor dessas diferenças estéticas que
estou tentando ressaltar aqui. Não vou adentrar nesse vasto campo que é a
análise expressionista, mas, para o objetivo desse capítulo, pode-se
claramente observar no expressionismo alemão características estéticas bem
diferentes daquelas apresentadas em Hollywood, a começar pela estilização da
realidade. Os cenários utilizados pelos filmes expressionistas não tinham
qualquer intenção de imitar a realidade, como pode-se observar claramente no
filme O gabinete do Dr. Cagliari, apenas para citar um exemplo, onde todos os
cenários são estilizados e nenhuma porta, janela ou casa apresenta traços
realistas e ângulos retos. Enfim, as Vanguardas de 20 trabalham na contramão
da idéia de mimese na arte, privilegiando os comportamentos mais obscuros e
misteriosos do ser humano.
Existe um grande campo de estudos a respeito da linguagem teórica e
estética cinematográfica, muito bem analisada pelas obras do professor Ismail
Xavier, de modo que diversos outros autores poderiam ser citados aqui, como
Dziga Vertov e sua rejeição à representação burguesa no cinema, ou as teorias
do cinema realista de André Bazin, completamente opostas àquilo que vinha
sendo realizado em Hollywood. Para a proposta desse trabalho, apenas quero
deixar claro que havia, antes da década de 60, ou mesmo da década de 50,
cineastas pensando em formas diferentes de se fazer cinema, formas que na
maior parte das vezes buscavam justamente uma oposição com os filmes
produzidos sob os moldes do sistema capitalista.
Partindo para o recorte temporal mais próximo ao proposto pelo
trabalho, observa-se, na Itália do pós-guerra, o surgimento do neo-realismo,
que, segundo Guy Hennebelle, foi:
“ [...] historicamente a primeira afirmação coerente de um cinema tipicamente
nacional, com vocação popular e tendência progressista, na época em que o
imperialismo hollywoodiano, fase superior do cinema capitalista americano, estendia
sua dominação sobre o conjunto do mundo dito livre. Ele obteve o duplo mérito de
ser, conforme André Bazin, “uma ética e uma estética da realidade”.50
A partir do neo-realismo a luta entre os projetos estéticos e ideológicos
vai se acirrar, especialmente porque inseridas num contexto de início da
Guerra Fria. Fazer filmes passa, então, a não ser mais uma escolha
profissional: fazer filmes, nesse contexto, é definir de qual lado da guerra o
diretor está, por mais que ele não tenha o desejo de apoiar qualquer partido,
haja visto que a própria decisão de não tomar um partido já é definir estar ao
lado do mais forte. Orson Welles vai afirmar, sobre essa neutralidade política,
que: “A menor palavra que um artista profere exprime uma atitude social. Não é
a política que é inimiga da arte. É a neutralidade, que retira o sentimento do
trágico. Aliás, a neutralidade também é uma posição política.” 51
Do ponto de vista estético, o neo-realismo vai utilizar-se do cinema para
mostrar abertamente os problemas que tomavam conta da Itália destruída pela
Segunda Guerra. A realidade será a principal inspiração para esses cineastas,
e os elementos visuais focalizados pela fotografia já não serão mais aqueles
produzidos no interior de estúdios, artificiais em sua essência; os cineastas
neo-realistas apontam suas câmeras para o mundo real, para os problemas
sociais a partir de temáticas e problemas nacionais, redescobrindo a paisagem
italiana e nela integrando o homem52. Assim como outras escolas e
movimentos cinematográficos (apesar de, segundo Mariarosaria, o neo-
realismo não ter conseguido permanecer por tempo suficiente para se firmar
50 HENNEBELLE, Guy. Os cinemas nacionais contra Hollywood. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978 p. 65. 51 Relato de Orson Welles citado em HENEBELLE, Guy, p. 245. 52 FABRIS, Mariarosaria, op. Cit, p.26.
enquanto escola, corrente, movimento ou tendência artística53), o neo-realismo
não apresentou uma homogeneidade estética, ocorrendo, inclusive, influências
do cinema hollywoodiano, e essa autora, ao comentar os filmes de Giuseppe
De Santis, afirma que o diretor “[...] buscou o diálogo com o grande público e
para tanto se valeu (às vezes, até excessivamente) dos ensinamentos do
cinema hollywoodiano, no qual o atraía a capacidade de criar o entertainment.” 54 De Santis se utilizava de estratégias narrativas do cinema estadunidense não
com a intenção capitalista de produzir filmes lucrativos, ou de realizar um
cinema alienante. Sua intenção era transformar seus filmes em algo que
pudesse ser assistido e compreendido pelo povo.
Esse cinema neo-realista vai abrir espaço para o surgimento de novas
estéticas cinematográficas em todo o mundo, como o Free Cinema na
Inglaterra, a Nouvelle Vague francesa, o New American Cinema nos Estados
Unidos, e diversos outros cinemas nacionais55 que aparecem em diversos
países. Contudo, Mariarosaria ressalta que:
“[...] é sobretudo em países em desenvolvimento que o olhar do neo-realismo será considerado como mais adequado “enquanto instrumento sistemático de leitura/representação da realidade”, como afirma Lino Micciché: na Índia, na Grécia, na Espanha, em Portugal, em Cuba, na Argentina e no Brasil.” 56
Uma das primeiras influências do cinema neo-realista no Brasil pode ser
observada no primeiro filme produzido pela Vera Cruz, Caiçara, que
empregava métodos característicos do cinema italiano do pós-guerra. Nelson
Pereira dos Santos vai fazer uma crítica pontual da utilização dessa referência
neo-realista pela indústria Vera Cruz, afirmando que:
“[...] se Caiçara procurou seguir a escola italiana no que diz respeito às lições de realização propriamente dita, não aproveitou a mais positiva contribuição dessa escola: o conteúdo humano de suas figuras e das respectivas ações. É verdade que em suas sequências transparece essa pretensão, no uso mecânico das fórmulas dos filmes italianos equivocadamente considerados realistas. Humanizar, porém, as personagens, emprestar-lhes força e vigor, não basta apresentá-las em seu meio, onde elas estabelecem na realidade suas relações de vida. O verdadeiro realismo não se acha somente na forma; está, antes de tudo, no assunto e no seu tratamento.” 57
53 Idem p.34 54 Idem, p 28 55 Esses cinemas nacionais serão o foco da análise de Guy Henebelle em seu livro Os cinemas nacionais contra Hollywood. 56 Pg. 37 57 N. dos Santos, “Caiçara – Negação do Cinema Brasileiro”, Fundamentos III (17): 45, jan. 1951.
Novamente, retorna no debate sobre o cinema brasileiro a questão da
necessidade de se criar no Brasil um cinema a partir da estaca zero58. Tendo
em vista que a Vera Cruz fracassou, na opinião desses intelectuais de
esquerda, no empreendimento de realizar um cinema brasileiro, fazendo,
segundo Nelson Pereira, a “negação do cinema brasileiro”, quer dizer, tudo
aquilo que ele deveria ser, mas que, nas mãos dos diretores da Vera Cruz,
havia, então, um vazio no cinema nacional. Diante da constatação de
inexistência de um cinema verdadeiramente brasileiro, surge então a
necessidade de criá-lo. Esse cinema mostraria a realidade nacional, seus
problemas e seu povo, que dessa vez seria apresentado sem os preconceitos
da burguesia industrial. As definições específicas desse cinema seriam
debatidas nos Congressos Nacionais, especialmente no II Congresso Nacional
do Cinema Brasileiro, ocorrido em São Paulo no fim de 1953, onde esses
intelectuais se reuniram com o objetivo de discutir os rumos do cinema
brasileiro a partir de então.
A respeito dessa nova produção, que surge após os Congressos
Nacionais, Mariarosaria vai afirmar que:
“Das reflexões surgidas nos Congressos, do fracasso da Vera Cruz, da reavaliação das chanchadas [...] nascem os filmes mais representativos dessa fase do cinema brasileiro, aqueles filmes que significaram a afirmação da produção independente. O Saci (1953), de Rodolfo Nanni, [...] Agulha no Palheiro (1953) de Alex Viany, e, principalmente, Rio, Quarenta Graus (1955) e Rio, Zona Norte (1957), de Nelson Pereira dos Santos [...], crônicas urbanas inspiradas nas idéias neo-realistas, que abriram caminho para um cinema realmente engajado.” 59
Esse cinema independente, intelectual e de orientação crítica ao sistema
capitalista vai manter fortes traços do cinema neo-realista italiano,
principalmente nos filmes de Nelson Pereira dos Santos. Contudo, o que esses
cineastas queriam não era uma mera emulação daquilo que se fazia no cinema
italiano ou em outros cinemas estrangeiros; buscavam influências positivas
para fazer um cinema de temática nacional, um cinema verdadeiramente
brasileiro em sua essência.
Esse cinema neo-realista será considerado o marco inicial do cinema
moderno, um cinema de ruptura com o modelo clássico tão utilizado pelas
58 Idem, p. 67. 59 Idem, p. 75.
indústrias hollywoodianas (quer sejam as indústrias hollywoodianas dos
Estados Unidos, quer sejam aquelas que reproduzem – ou tentam reproduzir –
seus métodos de produção em outros países). A definição precisa do que
venha a ser, exatamente, esse cinema moderno não pode ser compreendida
através de uma ou outra característica estética, já que vários diretores de
diferentes países produziram filmes modernos distintos uns dos outros.
Segundo Christian Metz:
“Espetáculo e não-espetáculo, teatro e não teatro, cinema improvisado e cinema premeditado, desdramatização e dramatização, realismo fundamental e artifício, cinema de cineasta e cinema de roteirista, cinema do plano e cinema da sequência, cinema de prosa e cinema de poesia, câmera perceptível e câmera apagada: nenhuma dessas oposições nos parece capaz de fazer aparecer a especificação do cinema moderno.”60
Algumas das principais características dessas produções, mas que não
podem ser levadas ao pé da letra, já que não havia uma cartilha de cinema
moderno a ser seguida pelos diretores, encontram-se no livro de Inácio
Araújo61 e foram citadas no artigo de Adriano Medeiros da Rocha62, podem ser
enunciadas como típicas do cinema moderno, como por exemplo: a realização
de filmes fora dos estúdios; preocupação com a realidade apresentada nas
histórias; maior liberdade nas narrativas, já não tão preocupadas com a
linearidade hollywoodiana; utilização de temas cotidianos63. O cinema
moderno tentava, portanto, livrar-se dos grilhões que mantinham o cinema
preso aos padrões de produção hollywoodianos, não apenas em sua estética,
mas também em sua ideologia. Tentava-se, a partir do cinema moderno, uma
renovação da linguagem cinematográfica que será bem observada na Nouvelle
Vague, no Cinema Novo e no Cinema Marginal brasileiro, e em vários cinemas
nacionais espalhados pelo mundo.
Ao observar o texto Revisão crítica do cinema brasileiro, de Glauber
Rocha, Ismail Xavier aponta algumas questões a respeito da criação do
Cinema Novo no Brasil e suas raízes diretamente ligadas ao cinema moderno
60 METZ, C. A significação do cinema. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 197. 61 ARAÚJO, Inácio. Cinema: o mundo em movimento. São Paulo: Scipione, 1995. 62ROCHA, Adriano Medeiros. Construindo o cinema moderno. Artigo disponível em <http://www.unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIrev_AMRocha.PDF>. Acesso em dezembro de 2011. 63 Idem, p. 5.
que, segundo ele, teria se iniciado no Brasil com o filme Rio, 40 graus de
Nelson Pereira:
“Como acontece com os líderes de rupturas, ele (Glauber Rocha) age como um inventor de tradições. O novo movimento teria seus antecedentes, responde a uma história. [...] há (nesse novo movimento) Nelson Pereira dos Santos que inicia, nos anos 50, o cinema moderno no Brasil a partir do diálogo com o neo-realismo italiano e com escritores brasileiros. Ao lado de experiências positivas, há a falência da Vera Cruz em meados da década de 50, sinal de esgotamento das tentativas industriais.” 64
O passado do cinema brasileiro escolhido pelo Cinema Novo seria, então, o
cinema dos intelectuais de esquerda, principalmente o de Nelson Pereira, que
mais tarde também vai participar desse novo movimento do cinema nacional. E
Glauber não escolhe apenas o passado do cinema, mas também aponta os
vilões, os filmes e projetos cinematográficos que jamais poderiam ser copiados,
e que seriam os filmes industriais de inspiração hollywoodiana, ou seja, o
cinema realizado na Vera Cruz.
64 XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno. São Paulo. Editora Paz e Terra S/A, 2001. p. 9.
5. OS CONFLITOS ESTÉTICOS E IDEOLÓGICOS DO CINEMA
BRASILEIRO
A visão crítica, realizada pelos intelectuais de esquerda, predominou – e,
de certa forma, ainda predomina – nos debates a respeito da estética e
ideologia por trás do cinema brasileiro. Desde Nelson Pereira do Santos, Alex
Viany e outros cineastas e críticos de esquerda que, durante a década de 50,
organizaram diversos congressos para debater a respeito dos problemas
enfrentados pelo cinema nacional, podemos observar essa postura crítica
diante de uma atitude cinematográfica que, segundo esses intelectuais, seria
mera repetição dos padrões alienantes do cinema clássico hollywoodiano.
Tendo em vista que no Brasil o projeto industrial de maior impacto até
aquele momento era o proposto pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, é
nela que os críticos de esquerda vão focalizar seus questionamentos. A década
de 50, então, vai se apresentar como um momento em que várias rupturas são
engatilhadas com motivações completamente diferentes. Na Vera Cruz,
tentava-se criar um novo cinema, distinto das chanchadas popularescas
produzidas no Rio de Janeiro nas décadas de 30 e 40. Enquanto isso, os
cineastas de esquerda partem para outra ruptura, muito mais fundamentada
numa crítica acerca dos usos e formas de se fazer cinema; queriam produzir
filmes, em primeiro lugar, brasileiros, seja em sua essência, seja em sua
temática e representação, já que nosso cinema industrial mantinha uma grande
quantidade de técnicos estrangeiros que muito pouco conheciam dos
problemas sociais e das questões culturais do povo brasileiro.
Mas não era apenas isso. Existia também uma tentativa de fazer um
cinema completamente diferente do hollywoodiano, comercial e capitalista em
sua fundamentação estética e narrativa. Buscava-se, nesse momento, o novo,
e esse novo não poderia ser, em hipótese alguma, alienante. Existia uma
preocupação política e ideológica por trás dos projetos desses intelectuais. Não
bastava apenas a qualidade técnica ao cinema brasileiro, como acreditavam os
fundadores da Vera Cruz; era necessário um conteúdo, uma história realista
que apresentasse as questões problemáticas do Brasil. A influência do neo-
realismo nessa proposta é evidente.
Essa forma crítica de análise cinematográfica vai influenciar diretamente
o Cinema Novo ao final da década de 50 e começo da década de 60. É nesse
cinema realizado pelos intelectuais de esquerda que Glauber Rocha vai
fundamentar seu novo movimento cinematográfico. Se existia um passado
cinematográfico a ser contemplado, este não seria, certamente, o passado
burguês industrial. Em um contexto complicado, caracterizado pelos conflitos
da Guerra Fria e pelas possibilidades ainda desconhecidas a respeito do futuro,
o Cinema Novo, em sua ideologia de luta revolucionária, vai atacar diretamente
seus maiores inimigos: o cinema produzido tanto em Hollywood quanto na Vera
Cruz, representativos, segundo essa visão, de um cinema capitalista que
apenas servia aos lucros burgueses e à alienação das massas populares.
Essa visão de Glauber acerca do passado cinematográfico brasileiro fica
evidente em seus livros Revisão crítica do cinema brasileiro, de 1963, e
Revolução do Cinema Novo, que se trata de uma reunião de artigos escritos
durante toda sua carreira de cineasta. Em sua Revisão crítica, Glauber dedica
dois dos oito capítulos à Vera Cruz: o capítulo 3, intitulado “Cavalcânti e a Vera
Cruz” apresenta uma crítica ao produtor dessa indústria e aos diversos filmes
que foram produzidos em seus estúdios. Sua síntese do que seria o legado da
Vera Cruz para o cinema nacional é representativa dessa visão conflituosa que
escolhi como foco de análise:
“O que ficou da Vera-Cruz? Como mentalidade, a pior que se pudesse desejar para um país pobre como o Brasil. Como técnica, um efeito pernóstico que hoje não interessa aos jovens realizadores que desprezam refletores gigantescos, gruas, máquinas possantes, e preferem a câmara na mão, o gravador portátil, o rebatedor leve, os refletores pequenos, atores sem maquilagem em ambientes naturais. Como produção, um gasto criminoso de dinheiro em filmes que foram espoliados pela Columbia Pictures – quem mais lucrou com a falência, também grande motivo da falência. Como arte, o detestável princípio de imitação, de cópia dos grandes diretores americanos ou de todos aquêles de ligação com o expressionismo [...].” 65
O capítulo seguinte refere-se ao diretor Lima Barreto, e Glauber, apesar de
salientar seu perfil extremamente egocêntrico, observa no diretor de O
Cangaceiro algum talento. Sobre o filme, Glauber o considera “escapista,
retumbante, canto de amor à terra” 66; em suma, um filme que não ficava
devendo nada ao western estadunidense, mas que seria “negativo para o
65 ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963, p. 58-59. 66 Idem, p. 70.
cinema brasileiro, assim como toda a obra de Lima Barreto”67, já que se tratava
de um mero produto industrial que expõe uma ideologia nacionalista pré-
fascista.
Os principais pesquisadores de cinema no Brasil, e provavelmente os
mais influentes, apresentaram uma grande ênfase na análise dos cinemas
modernos nacionais. Jean-Claude Bernardet vai, desde seu livro mais simples,
O que é cinema68, da coleção primeiros passos, enfatizar a importância do
Cinema Novo brasileiro. Em Brasil Em tempo de cinema69 o autor analisa a
história do cinema brasileiro, e novamente teremos uma disposição de Jean-
Claude para a análise dos filmes realizados por diretores que mantinham uma
postura ideológica crítica ao capitalismo, como Alex Viany, Glauber Rocha,
Nelson Pereira dos Santos, Paulo César Saraceni, Leon Hirszman e Carlos
Diegues. Não há, contudo, uma idealização do cinema moderno brasileiro, mas
sim uma escolha que privilegiava esse tipo de filme. Jean-Claude teve,
inclusive, problemas com Glauber Rocha, que o atacava na imprensa70.
Outro importante pesquisador do cinema nacional que enfatizou sua
análise no cinema moderno brasileiro é Ismail Xavier, e isso fica evidente
quando observamos a temática de suas obras: em 1983 publica Sertão Mar:
Glauber Rocha e a estética da fome71; em 1993 Alegorias do
subdesenvolvimento - cinema novo, tropicalismo, cinema marginal72; e em
2001 publica O cinema brasileiro moderno73. Todos esses livros mantém como
tema central o cinema moderno no Brasil, e outras obras, como por exemplo O
Discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência74, de 1977, também
analisam o cinema moderno, mas com enfoques que fogem da temática
67 Idem, p. 73. 68 BERNARDET, Jean-Claude. O que é cinema. São Paulo: Brasiliense, 2004. 69 BERNARDET, Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema – Ensaio sobre o cinema brasileiro de 1958 a 1966. São Paulo: Cia. Das Letras, 2007. 70 Jean-Claude Bernardet comenta sobre sua complicada relação com Glauber em entrevista cedida à Roney Rodrigues, publicada no site < http://www.livrevista.com/article.php?id=1453>, acesso em dezembro de 2011. 71 XAVIER, Ismail. Sertão Mar: Glauber Rocha e a estética da fome. São Paulo: Brasiliense, 1983. 72 XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento - cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Brasiliense, 1993. 73 XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno. São Paulo. Editora Paz e Terra S/A, 2001. 74 XAVIER, Ismail. O Discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Editora Paz e Terra S/A, 2008.
nacional e partem para discussões teóricas a respeito da narrativa, estética e
ideologia por trás do cinema.
Diversos outros autores vão seguir esse mesmo caminho, como José
Mário Ortiz Ramos, Maria Rita Galvão (que vai analisar criticamente os
problema do cinema industrial da burguesia paulista e os motivos que o
levaram à crise e falência), Guido Bilharinho, entre outros. Se for possível
afirmar que existe, no Brasil, uma corrente historiográfica predominante
(mesmo que nem sempre produzida por historiadores, mas por pesquisadores
da área de cinema), ela apresenta um viés crítico de esquerda.
CONCLUSÃO
A década de 50 é uma das mais complexas do cinema nacional.
Marcada principalmente por rupturas do cinema industrial paulista com as
chanchadas cariocas e entre o cinema moderno (independente) e o
rapidamente falido cinema industrial, a década de 50 apresenta questões
importantes do cinema brasileiro.
Através da leitura da bibliografia analisada nesse trabalho, é possível
observar que existe uma tendência da historiografia do cinema brasileiro
posterior a década de sessenta de representar o Cinema Novo e o Cinema
Moderno e seus autores como providos de um senso crítico em relação aos
problemas sociais do Brasil, ao passo que descrevem a Vera Cruz como uma
indústria de cinema alienada e alienante, emuladora de uma indústria
Hollywoodiana. Em defesa à Vera Cruz temos um livro, escrito por ex-
funcionários da Companhia, que tenta se defender dessas acusações,
mostrando outra versão da história dessa indústria.
Porém, é preciso frisar que existe um longo período entre a produção
historiográfica de esquerda, engajada politicamente, que enaltecia as
qualidades e benefícios do cinema militante, e o lançamento do livro Vera Cruz
– imagens e memória do cinema brasileiro, lançado pela Abook editora, em
2005. As acusações dessa historiografia do cinema brasileiro são feitas em
uma conjuntura política muito diferente, e seus autores estavam preocupados
com problemas de ordem política (regimes ditatoriais de direita, luta pela
hegemonia mundial entre os blocos capitalista e socialista, etc), específicos do
seu período.
Diante das questões contextuais da Guerra Fria, tanto o cinema
intelectual de esquerda da década de 50 quanto o Cinema Novo vão procurar
referências estéticas distantes daquelas apresentadas pelo cinema clássico.
Durante a década de 60 surgem diversos cinemas nacionais modernos por
todo o mundo que se contrapõe ao cinema hollywoodiano e sua invasão
destrutiva, influenciados diretamente pelos esforços das antigas vanguardas
européias, pelo neo-realismo italiano, pela Nouvelle Vague e outros cinemas
novos emergentes. Nesse período, o cinema passa a ser lugar de luta
revolucionária e de disputas ideológicas. É a partir dessas lutas que podemos
compreender um pouco melhor a forma como a historiografia cinematográfica
de esquerda privilegiou um tipo específico de estética, a do cinema moderno,
em detrimento de outras, ligadas ao cinema popular de entretenimento e a
linguagem clássica hollywoodiana.
BIBLIOGRAFIA
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1995.
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Janeiro: Paz e Terra, 1978.
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disponível em <http://www.unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIrev_AMRocha.PDF>.
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Editora Civilização Brasileira, 1963.
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Alhambra/Embrafilme. 1981.
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XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento - cinema novo,
tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Brasiliense, 1993.
XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno. São Paulo. Editora Paz e
Terra S/A, 2001.
XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: opacidade e transparência. 3ª
ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
XAVIER, Ismail. Sertão Mar: Glauber Rocha e a estética da fome. São
Paulo: Brasiliense, 1983.
ANEXOS - FICHAS TÉCNICAS DOS FILMES.
RIO, 40 GRAUS75
Título original: Rio, 40 Graus
Gênero: Drama
Duração: 97min.
Lançamento (Brasil): 1955
Distribuição: Columbia Pictures do Brasil
Direção: Nelson Pereira dos Santos
Assistente de direção: Jece Valadão
Roteiro: Nelson Pereira dos Santos
Argumento: Arnaldo de Farias
Produção: Nelson Pereira dos Santos, Ciro Freire Curi
Produtor Associado: Louis-Henri Guitton, Mário Barros e Pedro Kosinsk
Produção Executiva: Luiz Jardim
Direção de Produção: Duílio Mastroiani
Assistente de produção: Olavo Mendonça e Samuel Bonder
Secretário: Fenelon Paul
Co-produção: Equipe Moacyr Fenelon
Música: Cláudio Santoro
Regência: Radamés Gnatalli
Sonografia: Sílvio Rabelo
Assistente de Som: Carlos Pereira
Fotografia: Hélio Silva
Assistente de Fotografia: Zé Kéti e Ronaldo Ribeiro
Câmera: Ronaldo Ribeiro
Assistente de câmera: Araken Campos
Cenografia: Júlio Romito
Assistente de cenografia: Adrien Samailoff
Montagem: Rafael Justo Valverde
Assistente de Montagem: Victor Clark
Continuidade: Guido Araújo
75
Disponível em: < http://www.meucinemabrasileiro.com/filmes/rio-40-graus/rio-40-graus.asp>. Acesso em dezembro de 2011.
Elenco
Jece Valadão Glauce Rocha Roberto Bataglin Cláudia Morena Antônio Novaes Ana Beatriz Modesto de Souza Zé Ketti Arlinda Serafim Aloísio Costa Domingos Paron Alcebíades Ghiu Jackson de Souza Cléo Teresa Jorge Brandão Geovan Ribeiro Carlos Moutinho Sady Cabral Mauro Mendonça Carlos de Souza Renato Consorte Walter Sequeira Pedro Cavalcanti Valdo César Artur Vargas Júnior Paulo Matosinho Paulo Montel Arnaldo Montel Sofia Alcalai Elza Viany Edson Vitoriano Nilton Apolinário José Carlos Araújo Haroldo de Oliveira Estevão Érica Santos Marlene Silva Jesebel Alves Artur de Souza Riva Blanche Carlos Pereira
Cirilo Dacosta Haroldo Alves
O CANGACEIRO76
Ficha Técnica
Título original: O Cangaceiro
Gênero: Ação/Drama
Duração: 105 min.
Lançamento (Brasil): 1953
Estúdio: Vera Cruz
Distribuição: Columbia Pictures
Direção: Lima Barreto
Roteiro: Lima Barreto
Produção: Cid Leite da Silva
Música: Gabriel Migliori
Fotografia: Chick Fowle
Figurino: Caribé e Pierino Massenzi
Edição: Giuseppe Baldacconi e Lúcio Braun e Oswald Hafenrichter
Elenco
Alberto Ruschel (Teodoro)
Marisa Prado (Olívia)
Milton Ribeiro (Galdino)
Vanja Orico (Maria Clódia)
Adoniran Barbosa (Mané Mole)
Antonio V. Almeida
Heitor Barnabé
Lima Barreto
Dan Camara
Horácio Camargo
76
Disponível em: < http://www.meucinemabrasileiro.com/filmes/cangaceiro-1953/cangaceiro-1953.asp>. Acesso em dezembro de 2011.
Ricardo Campos
Caribé
Antônio Coelho
Maria Joaquina da Rocha
Cid Leite da Silva
Moacir Carvalho Dias
Oswaldo Dias
Zé do Norte
Jesuíno G. dos Santos
Felicidade
Luiz Francunha
Galileu Garcia
João Batista Giotti
W.T. Gonçalves
José Herculano
Nieta Junqueira
Homero Marques
Victor Merinow
Maurício Morey
João Pilon
Leonel Pinto
Manoel Pinto
Geraldo Faria Rodrigues
Bernadete Ruch
Maria Luiza Sabino
Ava Sagy
Nicolau Sala
Maria Luiza Splendore
Neusa Veras
Pedro Visgo