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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave Página 1 TOMO II Dos Mosteiros Beneditinos que se fundaram ou ree- dificaram até ao ano de 800 CAPÍTULO PRIMEIRO. Do Mosteiro de Santo Tirso de Riba d Ave no Bispado do Porto. FIXAÇÃO DE TEXTO E NOTAS DE ANTÓNIO JORGE RIBEIRO “…a primeira fundação de Santo Tirso foi em tempo dos Godosazemos menção neste lugar do célebre Mosteiro de Santo Tirso, não por que tenhamos para nós que neste princípio da restauração de Espanha se fundasse, senão porque a mais antiga memória que dele achamos em seu Arquivo é dos anos de Cristo 770, como abaixo veremos. Donde foi natural o Glorioso Mártir Santo Tirso que dá nome e título ao Mosteiro ONSTA 1 que o invictíssimo Mártir Santo Tirso, de que trata- mos, padeceu Martírio pela Fé de Cristo em uma cidade da Grécia chama- 1 Beneditina Lusitana. Dedicada ao Grande Patriarcha S. Bento. Ordenada pello P. M. Frey Leão de S. Thomas Monge da Congregação de S. Bento de Portugal, & Lente de Vespora igua- lado a Prima, na Real e Insigne Universidade de Coimbra. da Apolónia. Por Autores graves dele e de seus companheiros no martírio dizem que foram Gregos de nação naturais de Bithinia província de Ásia menor, cha- mada agora Anatólia. Hos tulit quidem ínclita Regio Bithinorum, diz Metafras- tes na vida dos ditos Santos lançada em Surio a catorze de Dezembro, dia em que o Menológio Grego faz memória do mártir Santo Tirso, celebrando-o a igre- ja latina a vinte e oito de Janeiro. Porém enganaram-se os Gregos em fazerem F C

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave Página 1

TOMO II

Dos Mosteiros Beneditinos que se fundaram ou ree-

dificaram até ao ano de 800

CAPÍTULO PRIMEIRO.

Do Mosteiro de Santo Tirso de Riba d ’Ave no Bispado do Porto .

FIXAÇÃO DE TEXTO E NOTAS DE ANTÓNIO JORGE RIBEIRO

“…a primeira fundação de Santo Tirso foi em tempo dos Godos”

azemos menção neste lugar do célebre Mosteiro de Santo Tirso,

não por que tenhamos para nós que neste princípio da restauração

de Espanha se fundasse, senão porque a mais antiga memória que

dele achamos em seu Arquivo é dos anos de Cristo 770, como abaixo

veremos.

Donde foi natural o Glorioso Mártir Santo Tirso que dá nome e título ao Mosteiro

ONSTA1 que o invictíssimo

Mártir Santo Tirso, de que trata-

mos, padeceu Martírio pela Fé de

Cristo em uma cidade da Grécia chama-

1 Beneditina Lusitana. Dedicada ao Grande

Patriarcha S. Bento. Ordenada pello P. M. Frey Leão de S. Thomas Monge da Congregação de S. Bento de Portugal, & Lente de Vespora igua-lado a Prima, na Real e Insigne Universidade de Coimbra.

da Apolónia. Por Autores graves dele e

de seus companheiros no martírio dizem

que foram Gregos de nação naturais de

Bithinia província de Ásia menor, cha-

mada agora Anatólia. Hos tulit quidem

ínclita Regio Bithinorum, diz Metafras-

tes na vida dos ditos Santos lançada em

Surio a catorze de Dezembro, dia em

que o Menológio Grego faz memória do

mártir Santo Tirso, celebrando-o a igre-

ja latina a vinte e oito de Janeiro. Porém

enganaram-se os Gregos em fazerem

F

C

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

2

natural seu ao Glorioso Santo Tirso

porque temos provas evidentes que

mostram ser de nação Espanhol e natu-

ral da cidade de Toledo.

A primeira nos dá Luisprando que,

tratando do Rei Vuamba, diz que pondo

ele sobre as portas de Toledo Santos

particulares que fossem como guardas

delas sobre a porta do Norte pôs o íncli-

to Mártir Santo Tirso por ser natural e

cidadão da mesma cidade ainda que

padeceu martírio fora dela, Portam quae

respicit Aquilonem (dis Luisprando)

Sancto Thirso civi, Martyrique foris

passo dicat. O segundo testemunho des-

ta verdade nos deixou escrito Juliano

em sua Crónica porque no ano de Cristo

de 252, diz, que Santo Tirso, cidadão de

Toledo, sendo ainda Catecúmeno, se

saiu da dita Cidade por seguir a milícia

e em Apolónia cidade de Grécia deu

ilustríssimo testemunho da fé imperan-

do o Imperador Décio suas palavras são

as seguintes Sanctus Thisus civis Tole-

tanus Cathecumenus Toleto egreditur in

urbe Apollonia Grecia sub Decio fidei

testimonium illustrissimum dat. Outras

palavras semelhantes nos diz pelos anos

de Cristo 773 que são estas A Cycillane

conditum e templum S. Thirsi Toleti

civis Toletani in Apollonia Graeciae

passi. Excluit Toletu Sanctus vir sub

Paulato Praeside Toletano Cathecume-

nus: & idem Cixilla composuit Cármen.

E tratando do cerco que el-Rei D. Afon-

so VI pôs a Toledo pelos anos 1080 diz

que invocava o Rei os Santos padroeiros

da Cidade e naturais delaparaque o aju-

dassem em tão dificultosa empresa; e

entre os mais nomeia a Santo Tirso por

cidadão Toledano, obsedit Alphonsus

VI. Toletum invocavitque urbis patronos

Sanctum Thirsum martyrem civem Tole-

tanum, Obduliam.

A terceira prova nos dá Cixilla

Arcebispo de Toledo pelos anos de

Cristo setecentos e setenta e cinco, o

qual edificando por sua devoção uma

Igreja à honra de Santo Tirso, o Algazil

dos Mouros chamado Zulesma lhe

embargou; porém o arcebispo acudindo

ao juiz superior Mahomad e dando-lhe

certa quantidade de dinheiro alcançou

licença para ir adiante com sua obra e a

Rainha Adozinda mulher de el-Rei D.

Silo que por aquele tempo reinava nas

Astúrias, mandou ao Arcebispoparaa

sua Igreja nova de Santo Tirso um cálix

de prata com sua patena e um gomil

com seu bicoparaos fiéis receberem por

ele o sangue do Senhor, que ainda

naquele tempo não estava proibido aos

seculares receberem o Santíssimo, subu-

traque specie. Nesta ocasião compôs o

Arcebispo Cixilla um hino em louvor do

mártir Santo Tirsoparase cantar na sua

festa, no qual refere toda sua vida em

verso Asclipiadio (qual é o que canta-

mos no comum dos Mártires, Sancto-

rum meritis inclita gaudia) e o verso

que faz o nosso intento, diz assim: Te

martyr lacrimis vernule poscimus. Per

te omnipotens conditor ocius Durum,

quo premimur Hoc iugum auferat. No

qual a palavra (vernule) é a de conside-

raçãoparao propósito porque ainda que

vernule significa o servo que nos nasce

em casa, tenho por certo que foi posta

aquela palavra em lugar de Vernacule

por respeito da medida do verso e Ver-

naculus em latim significa coisa natural,

por onde a língua materna que apren-

demos no lugar em que nascemos cha-

ma o latim lingua vernácula ao sabor

próprio e natural das coisas sapor ver-

naculus e assim o mesmo foi chamar a

Santo Tirso só Martyr vernule que cha-

mar-lhe Martyr vernacule, tirando desta

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

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palavra as duas letras (a,) e (c,) para o

verso ficar certo. E no mesmo sentido se

pôs à mesma palavra em um hino de

Santa Leocádia, que considerando ser

natural de Toledo o hino que o Breviá-

rio Toletano canta em sua festa lhe

chama Patrona Vernula em lugar de

Vernacula, Tu nostra civis ínclita, tu es

Patrona vernula, quer dizer, nossa

Padroeira natural.

Este Hino de Santo Tirso com outro

que Arcebispo Cixilla tinha composto,

lhe mandou pedir el-Rei Silo naquela

carta que lhe escreveuparaque os seus

Clérigos nas Astúrias tivessem que can-

tar e nele diz também que Santo Tirso

fora cidadão de Toledo. As palavras da

carta real são estas: Audivi quod compo-

suisses Hymnum in Dedicatione Sancti

Thirsi Martyris, et Civis Toletani, mittat

tua paternitas illos ad me, ut nostri Cle-

rici habeant quod cantent. Como pois

Santo Tirso foi espanhol mui esclareci-

do e antigo mártir, em muitas partes de

Espanha lhe levantaram igrejas e altares

pela devoção que lhe tinham como a

Santo natural e pelo mesmo respeito se

lhe dedicou o nosso Mosteiro, de que

começamos a tratar havendo outros

muitos Santos deste mesmo nome, mas

todos eles estrangeiros como se pode

ver no Martirolgío Romano.

Ultimamente notamos com Vilhe-

gas e outros que do nome de Santo Tir-

so se deriva o nome de Teresa ou

Tareia¸ mui comum em Espanha.

Cópia da carta de el-Rei Silo para Cyxilla em

que fala de Santo Tirso

Anctissimo et Deo amabili Cyxi-

liani Ecclesia Toletana Archiepis-

copo Silo Rex Oveti et Pravia salutem.

Per manus Elipandi Achidiaconi et Petri

Diaconi vestrorum arcepi literas Paterni-

tas tua et fidelium in Civitate tecum

mpanem doloris comedentium. Dolet me

quod hic sic miserabiliter vitam transea-

tis et habeo magnam de vobis compassio-

nem quo l tanta male sufferatis inter istos

biothanatos Sarracenos: quin contenti

mittere super vos tam desaforatos vecti-

gales quotidie quaerant vos ad morte, et

quod bi fueritis in magno periculo vestra-

rum vitaru, quia ibi caepistis aedificare

Ecclesiam S. Thirsi Martyris prope Mal-

chitam maiore: et Alguazellus Zuleima

Iuseph Abenramim, qui regis Toletu

voluit vos accidere: sed appellites ad

iudicem Mahomad Abenramim iusit

demitti vos et dedit licentiam aedificandi

ob pecunia, quae illi dedistis. Isti Mauri

nihil faciunt, nisi pretextu lucri, tamen ad

illu scribo, gratias agens ob favorem,

quod dedit vobis. Et rogo ut vos foveat ,

et rogo illu ut det facultatem revertedi ad

vos Argerico quondam Abbati Agaliensi,

qui mihi sape dixit nullam se habere

causam quod Mahomad Abenramim

voluit eu occidere cu erat Alcaidus Tole-

ti; nam cum Sanctus Nicolaus Martyr

Ledesma, et Frater Galafrifactus est

Christianus, non erat ille in illo oppido,

et quod suspitione tantum huius rei Aben-

ramim patruus dicti Nicolai voluit eum

interficere. Si non potuero cum illo illum

adivuando, sanctum, et resuvebo, Soror

eius Sarra bona femina obiit in Pravia, et

ego feci eam sepeliri cum honore, ut

sancta mulier merebatur.

S

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

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Benedictionem vestram, quam

misistis ad Reginam Adosindam accepit

illa de Bona voluntate, in simul, et reli-

quias, quos ponemus in Ecclesia de

Oveto cum perfecta fuerit. Ego cum

Regina me puto sepelire in Ecclesia

Sancti Ioannis de Pravia. Nunc autem

Regina missit pro nova vestra Ecclesia

Sancti Thirsi Martyris, (quam iam audi-

vi quo.l alsolvistis) quaedam munuscula

calicem argentum, et patenam, cum

aquamani, et cum suo naso, et in oper-

culo corona nostri Regni cum nomine

tuo, et meo per compendium sic, C. S.

serviet ad dandum sanguinem Domini

populo.

Audivi quod composuistis hymnum

in dedicatione Sancti Thirsi Martyris, et

civis Toletani, ut retulerunt mihi tuos

legatos, et de Sancto Vicentio, et Laeto

Toletanorum, qui passi sunt (ut illi mihi

dixerunt) sub Caecillio Apollinare prae-

side Hispaniarum in urbe Lubysoca,

alium composuistis, mittat tua paterni-

tas illos ad me, ut nostri Clerici

Habeanr quid cantent. Mittimus ad vos

Hymnum de Sanctis Martyribus Phili-

berto, et socio eius passis in urbe Titul-

cia (quos audivi esse Toletanos) sub M.

Aurelio Valentiniano anno 283. cum

esset Melathius Archiepiscopus Toleti.

Misimus etiam ad vos Arcarium et

Magnum Abbates viros honore dignos,

qui vos comsolentur, et os ad os de nos-

tris et vestris negotiis loquantur, tracta-

re illos cu (humanitate, et charitate.

Orate pro)me, et pro Regina, Deus vos

custodiat. Amen. In Pravia 24 Februarii

era 815 que he anno de Christo 777.

Nesta carta se vê claramente o que

temos dito acima acerca da pátria de

Santo Tirso. Dela se colhe também ser

Argerico Abade do Mosteiro Agaliense

e a razão porque dele se foi para as par-

tas da Galiza (como temos dito no pri-

meiro tomo.) A cobertura do gomil que

a Rainha Adosinda mandou ao Arcebis-

po Cyxilla se achou depois de muitos

anos abrindo-se os alicerces do hospital

Real de Toledo, no qual estava aberta a

coroa de el-Rei Silo e debaixo dela as

duas letras S e C, de que faz menção

nesta carta querendo dizer peça que

mandou el-Rei Silo a Cyxilla. E o

Governador que então era de Toeldo a

mandou por antigalha de estima a el-Rei

Philippe II. Como mais largamente se

pode ver no Padre Mestre Bivar pág.

304. Ultimamente para declaração

daquela palavra Sarracenos biothana-

tos, de que el-Rei Silo usa na sua carta,

advertimos que o nosso ilustríssimo

Sandoval explica esta palavra dizendo

que é o mesmo que nascidos pera mala

muerte, e Santo Isidoro explicando a

palavra biothanatos diz que é o mesmo

que homem morto por força, Idem est

(diz o Sancho) quod vi mortus, thanatos

enim Graeco sermone mors dicitur. O

mesmo tem Pamelio nas Anotações que

faz a Tertuliano no livro de anima capí-

tulo 57 aonde diz Biothanati violenta

morte necati dicuntur.

________________________________

CAPÍTULO II.

Do lugar e sítio em que o Mosteiro de Santo

Tirso se fundou

ntre os vinte rios de nome que

regam a província de entre Dou-

ro e Minho um deles é o rio Ave

que em latim se chama Avo ou Avuus.

Dele diz o P. António de Vasconcelos

que tem sua fonte manancial junto a

E

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Guimarães, Iuxta Vimaranum habet

fontem. Porém como haverá cinco mil

fontes na dita província, nenhuma há

nos contornos de Guimarães de que o

rio Ave nasça como é notório aos natu-

rais da terra e aos que o passamos indo

de Braga para Guimarães rio já caudalo-

so e que mostra vir de muito mais lon-

ge. Por onde os que melhor sentem

dizem que desce na serra da Cabreira;

que tem seu princípio em Galiza e vem

dividindo o concelho de Vieira, da terra

e montanhas de Barroso e já quando

chega ao caminho que vai de Braga para

Trás-os-Montes, quatro ou cinco léguas

da dita cidade para nascente, já passa

por debaixo da ponte chamada Mem

Guterres (porque parece que ele a fez

sendo Conde e, segundo dizem, cunha-

do de el-Rei D. Ordonho II.) Daqui vai

lavando os campos dos povos que anti-

gamente chamaram Calermos de que

parece ficou ainda alguma memória

num lugar que chamam Celeiro não

longe do dito rio. Fluvius esse Hispa-

niae (diz Ptolomeu, quiCelerinorum

populorum supra Bracharos ey Gronios

campum alvit. Daqui vai correndo entre

Braga e Guimarães chegando com seu

curso quatro léguas antes de entrar no

mar Oceano em que entra junto a Vila

do Conde, vai nestas quatro léguas

últimas dividindo com sua corrente o

Arcebispado de Braga do Bispado do

Porto. Aqui pois aonde os dois Bispados

se começam a dividir se fundou o Mos-

teiro de Santo Tirso nas ribeiras do dito

rio (que por isso se chama Santo Tirso

de riba d’Ave) e tão perto dele que suas

águas servem de muro e cerca às hortas,

pomares e campos do Mosteiro para a

parte do Nascente. Porque ali se alteiam

e represam (por respeito de um açude

que pouco mais abaixo atravessa o

mesmo rio de parte a parte) que ficam

os ditos lugares mui bem cercados e

seguros: servindo juntamente aquela

represa das águas de maior comodidade

aos Religiosos para poderem navegar

seu barco pelo rio acima numa distância

mui bastante para se recrearem à vista

da serenidade com que a água vai cor-

rendo e da frescura das árvores que ao

longo dela se vão criando e nos montes

próximos florescendo.

Fica-lhe a Cidade do Porto distante

quatro léguas para a parte do meio-dia

(sul), a Augusta Braga outras quatro

para a parte do Norte, três à Vila de

Guimarães para o Nascente, quatro a

Vila do Conde para a parte do Poente.

Fica vizinho o célebre Monte Corva ou

Córdova, por cujas raízes se vai esten-

dendo o vale de Refojos de Riba d’Ave

e ao pé do dito monte, mais para a vista

do rio, estiveram os Paços dos Pais do

nosso glorioso S. Rosendo e em que o

mesmo Santo nasceu e se criou.

Junto à entrada do Mosteiro fica um

Burgo pequeno chamado Cidenai, nome

que teve seu princípio do sobrenome do

Infante Alboasar Ramires (que fundou

ou reedificou o dito Mosteiro) do qual

diz o Conde Dom Pedro que por seu

ânimo, esforço e senhorio se chamou

Cide Alboazar e foi, com seus filhos e

descendentes, senhor daquelas terras da

Maia, em cujo distrito fica o Mosteiro.

Por onde Cidnai é o mesmo que Cide-

nati, lugar dos filhos e netos daquele

que, por seu domínio e senhorio se

chamou Cide: porque (como alguns

dizem) Cide em Mourisco é o mesmo

que Senhor. Não faltará quem diga que

Cidenai é o mesmo que lugar do senhor

Anaya, porque Cide é o mesmo que e

Anaya é sobrenome de fidalgos antigos

e no mesmo Mosteiro achamos, pelos

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anos de Cristo 770, um Monge chamado

Frei Nuno de Anaya.

Além do rio lhe fica vizinho o Mos-

teiro de Landim que é dos Cónegos

Regrantes de Santo Agostinho, o qual

segundo alguns foi fundado por D.

Gonçalo Rodrigues Palmeiro (que com

vir da Ilustríssima família dos Frojazes

chamou-se Palmeiro por ser senhor do

Couto da Palmeira que naquele tempo

era um Couto grande, segundo diz o

Conde D. Pedro.) Como também um

seu filho chamado D. Rodrigo Gonçal-

ves Pereira, Avô do grande Conde D.

Gonçalo Pereira, foi o primeiro que na

Província dentre Douro e Minho tomou,

ou acrescentou, aquele sobrenome de

Pereira, apelido de uma quinta que está

perto do rio Ave, em terra de Vermoim

no Arcebispado de Braga.

Na inquirição que o Cardeal D.

Henrique mandou fazer dos Mosteiros

de Cónegos Regrantes e dos de S. Bento

em entre Douro e Minho se chama do

dito mosteiro Nossa Senhora de Nam-

dim e o mesmo nome lhe dá o Conde D.

Pedro em seu nobiliário.

________________________________

CAPÍTULO III.

Do tempo em que o Mosteiro de Santo Tirso

se fundou e por quem

o que toca à primeira fundação do

Mosteiro de Santo Tirso, alguns o

têm por tão antigo que o fazem do tem-

po de S. Martinho Dumiense, ou d S.

Frutuoso muito antes da entrada dos

Mouros em Espanha. Porque depois

daqueles Santos Arcebispos até ao ano

de Cristo 770 não achamos rasto de

quem o fundasse e contudo pelo dito

ano de 770 achamos o Mosteiro com

Abade e Monges, como consta de uma

doação que no Arquivo dele se conser-

va, feita na era de 808 que é o ano de

Cristo de 770 em que está assinado o

Abade Frei Vicente Afonso com o Prior

Frei Vasco Ramires e outros quatro

Monges, Frei Martim Pirez, Frei Hugo

Pais, Frei Mendo Frois e Frei Nuno de

Naia. E outro pergaminho de prazo e

doação se acha, em que está assinado

por Abade do Mosteiro, Fernando

Abbas, Fernando Abade. Era 901, que é

o ano de Cristo 864. Donde claramente

se colhe que já antes do ano de Cristo

770 estava o Mosteiro de Santo Tirso

fundado, pois já nele havia Abade e

Convento, como consta da dita memó-

ria.

Contra ela parece que faz a que nos

dá o Conde Dom Pedro em seu Nobiliá-

rio, porque tratando de el-Rei Ramiro II

do nome, que começou a reinar em

Leão pelo anos de Cristo 931, diz que

tendo ele notícia da formosura de uma

Moura chamada Zahara (que quer dizer

flor por ela o ser da formosura daquele

tempo) buscou ordem para a furtar do

Castelo de Gaia em que vivia com um

seu irmão chamado Alboazar Alboca-

dão. E depois de baptizada, pondo-lhe

por nome Artiga (que quer dizer perfei-

ção) teve dela filhos de que procederam

ilustres famílias.

O Primogénito foi o Infante Dom

Alboazar Ramires homem mui esforça-

do, de quem diz o Conde Dom Pedro,

chamaram por sobrenome Cide Alboa-

zar. Porque naquele tempo (são pala-

vras suas) fez muitas lides com Mouros

e tirou-os de S. Romão, de Castro de

Avioso e de Castro de Gondemar e de

N

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Todea e de todo entre Douro e Minho

além Montes contra Bragança e pas-

sou-se além Douro e Lamego e a S.

Martinho de Mouros e foi-os tirar de

contra Coimbra. Este Infante Alboazar

Ramires casou com Dona Helena

Godins, filha de Dom Godinho das

Astúrias, e ela com seu marido funda-

ram o Mosteiro de S. Nicolau, o que

chamam de Santo Tirso de Riba d’Ave.

Até aqui são palavras do Conde Dom

Pedro. Por onde parece que, ou a

memória acima citada, que faz o dito

Mosteiro fundado muito antes, é falsa,

ou o Conde Dom Pedro nesta sua se

enganou.

Porém uma e outra coisa se pode

facilmente conciliar, dizendo que a pri-

meira fundação de Santo Tirso foi em

tempo dos Godos antes da perda de

Espanha, mas depois, ou com o tempo

que tudo acaba se foi o Mosteiro arrui-

nando, ou com alguma entrada de Mou-

ros ficou desbaratado de sorte que se

pode bem dizer que o Infante Alboazar

o fundou.

§

eparo primeiramente no que diz o

Conde D. Pedro, que o Infante

Alboazar fundou o Mosteiro de S. Nico-

lau, o que chamam de Santo Tirso. Por-

que em todos os papéis do Cartório, que

são muitos e antigos, não há memória

nem vestígio que o Mosteiro tivesse tal

nome. E já D. Soeiro Mendes o bom na

doação que fez do couto a este Mosteiro

pelo ano de 1094 diz que estava dedica-

do a Santo Tirso Sancti Thirsi gloriosi

Martyris, in cuius nomine dedicata est

ipsius templi aula. E consta que como o

Conde D. Pedro foi filho do nosso Rei

D. Dinis escreveu mais de duzentos

anos depois da dita doação de D. Soiero

Mendes. Por onde não saberemos dizer

a causa que o Conde D. Pedro teve para

dar o orago desta casa a S. Nicolau,

sendo o de Santo Tirso tão antigo.

Mas daqui nasce a dúvida de certo

curioso em que pergunta por que causa

está a Sagrada Virgem da Assunção

posta no Altar-mor e o Mártir Santo

Tirso, sendo padroeiro, em uma Capela

Colateral, devendo-se o principal lugar

da Igreja ao Santo padroeiro dela. Res-

pondo que a Igreja daquele Mosteiro é

Igreja de Santo Tirso e da Virgem

Sagrada Senhora nossa, como consta

das últimas palavras da doação de D.

Soeiro que dizem assim: Hoc testamen-

tum gratanter roboravique et Eclesiae

S. Thirsi et Beatae Maria semper Virgi-

nis assignavi. E quando há dois padroei-

ros o mais nobre precede e tem o

melhor lugar. Por onde prudente andou

o primeiro que pôs a Virgem Sagrada

no meio do Altar-mor, assim por ser a

padroeira mais principal como por

entender que o glorioso Santo Tirso se

daria por contente com ter o nome da

casa e que a Virgem fosse a Senhora

dela, que se contentaria com ficar em

uma Capela particular com o palmito de

seu Martírio e que a Virgem Sagrada

gozasse da palma dos lugares e prerro-

gativas tendo a seus pés aquela letra do

Eclesiástico: Quasi palma exaltata sum

in Cades. Estou exaltada como palma

em Cades.

Cades, neste lugar do Eclesiástico,

não é o deserto Cades, por onde os

filhos de Israel passaram vindos do

Egipto para a terra de promissão, de que

se faz menção no livro dos Números e

no Deuteronómio, é uma cidade que em

Grego se chama Gaddi ou Engaddi pos-

ta junto ao mar morto na sorte do Tribo

R

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

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de Iuda, como advertiram Iansenio,

Lorino e outros, chamada primeiro Asa-

sonthanat (como consta do 2º livro da

Paralipomenon) que quer dizer cidade

das palmas, como notou Adrichomio

por ser terra caroável delas.

E se perguntarmos aos que expli-

cam a significação dos nomes hebraicos

que significa Cades: Respondem que

significa santidade. Cades, Sanctitas E

o grande Dionísio Areopagita definindo

a santidade diz: Sanctitas est sine labe

puritas. A santidade é uma pureza de

alma sem mácula nem nódoa. Diz pois à

Virgem Sagrada Quasi palma exaltata

sumi n Cades Sou como palma plantada

em Cades, porque logo no primeiro ins-

tante em que Deus me criou, me criou

Santa: logo me plantou na santidade da

graça, logo no instante em que fui con-

cebida lancei as primeiras raízes de meu

ser e de minha vida na pureza da graça

santificante, ficando minha alma purís-

sima e limpíssima de toda a mácula ori-

ginal. Ali onde todos os mais filhos de

Adão caem e ficam prostrados, ali onde

todos ficam vencidos e cativos do

Demónio, aí fiquei em pé e levantada,

exaltata, como palma símbolo de vitória

e triunfo, como palma vitoriosa triun-

fando do pecado e do Demónio. Bene

Beata Deigenitrix se veluit palma exal-

tata in Cades gloriatur, quia spirituali-

bus hostibus potenter victoriose subac-

tis triunphum egis. Com muita razão

(diz Hugo Vitorino) se compara a Vir-

gem Sagrada à palma plantada em

Cades, porque sendo concebida na san-

tidade da graça que Cades significa

vencendo os inimigos espirituais, triun-

fou deles gloriosamente, levando ao

Demónio debaixo dos pés. Ipsa conteres

caput tuum.

E se à Virgem pode dizer no dia de

sua Conceição estas palavras Quasi

palma, etc. com muita maior razão as

pode repetir no dia de sua gloriosa

Assunção. Porque se quando foi conce-

bida foi como palma plantada na pureza

e santidade da graça, quando subiu ao

céu em corpo e alma foi como palma

transplantada e arreigada na santidade

da glória e imortalidade dela; se na

Conceição foi como palma vitoriosa por

vencer ao pecado e ao Demónio, em sua

Assunção foi como palma triunfante da

morte e da corrupção que depois dela se

segue.

E por ventura, que para significar a gló-

ria deste triunfo mandou Cristo nosso

Senhor por um Anjo do Céu à Virgem

Sagrada um ramo de palma poucos dias

antes que morresse (como diz S. Melito

Bispo Sardiense) dizendo-lhe que fizes-

se levar aquela palma diante do leito em

que seu corpo Virginal fosse a enterrar,

como com efeito a levou o glorioso

Evangelista S. João, no princípio daque-

la Procissão Apostólica, com que os

Apóstolos Sagrados levaram a enterrar

o corpo da Senhora ao Vale de Jusapha-

te. Petrus elevans a capite feretrum

capip psallere et dicere Exiit Israel de

Aegypto, Alleluia. Sustinebat autem cum

eo Paulus Sacrum Beata semper Corpus

caeteri vero Apostoli psallebant você

suavissima et ioannes ante feretrum

praferebat palmam luminis, diz Melito

no lugar citado. E se alguém me pergun-

ta porque quis Deus que diante da tum-

ba da Virgem fosse aquela palma levan-

tada. Respondo que foi para que a pal-

ma mudamente fosse dizendo: Não cui-

deis que este corpo Virginal que nesta

tumba vai, vai para se entregar nas mãos

da corrupção e de ser pasto de bichos.

Porque, assim como a palma é símbolo

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

9

de vitória e triunfo, assim esta Senhora

em muito breve há-de ressuscitar e subir

aos Céus em corpo e alma, triunfando

da morte e da corrupção, não se resol-

vendo seu corpo Sagrado em pó e cinza.

E razão era que quem foi casa, apo-

sento e Sacrário do Verbo Divino

Encarnado, dele participasse a incorrup-

ção e que assim como o Profeta Rei dele

profetizou Non dabis sanctum tuum

videre corrupsionem, assim o mesmo se

cantasse da Virgem Sacratíssima sua

mãe, ficando preservada e incorrupta na

alma e no corpo, como o mesmo Profeta

em outra parte deu a entender. Porque

aonde a nossa vulgata diz Domum tuam

domine decet sanctitudo in consitudi-

nem dierum. Lê Caetano domut tua

pulervit sanctis domine. Como se disse-

ra: Enfeitou-se Senhor a santidade da

glória, puseram-se ambas para ornar e

santificar com uma formosura e beleza a

alma e corpo da Virgem que foi casa e

aposento vosso, ficando graciosa, glo-

riosa e imortal como palma levantada

sobre os mais altos serafins do Céu. E

isto in longitudinem dierum, por todas

as eternidades.

Com razão, pois, dizia que o glorio-

so Mártir Santo Tirso se dava por con-

tente de ficar no seu Altar particular e

colateral, querendo que a Virgem da

Assunção ficasse posta e levantada no

Altar-mor cantando-lhe os anjos a

mesma letra que a Virgem tomou para

si Quasi palma exaltata sumi n Cades,

idest in santictate gratia et in santictate

gloria. Perdoe o pio Leitor que à devo-

ção da Virgem Sagrada nos arrebata a

pena a um tanto fora dos limites da his-

tória, tornemos ao fio dela.

________________________________

CAPÍTULO IV.

Se foi o Mosteiro de Santo Tirso sempre des-

de seu princípio Mosteiro de S. Bento. Mos-

tra-se ser S. Frutuoso Monge Beneditino mui

largamente

Autor da Crónica Augustinia-

na faz também este Mosteiro

de Santo Tirso e o de S.

Miguel de Refoios da sua Sagrada Reli-

gião dos Eremitas Agostinhos, porque

acertou de ler nos Prologómenos de

nossas Constituições que os fundara o

glorioso S. Frutuoso a quem ele indevi-

damente cinge a correia de S. Agosti-

nho. E daqui infere que os ditos Mostei-

ros foram seus, devendo de inferir deste

princípio que por serem fundados por S.

Frutuoso foram de sua primeira funda-

ção Mosteiros de S. Bento.

Porque como já deixámos escrito

no primeiro tomo página 276 e página

525 S. Frutuoso foi sem dúvida Monge

de S. Bento como dizem Iuliano Peres,

Arnoldo Vuion, Henrique Canisio,

Menardo, Sandoval e Yepes. E acres-

centa o P. Frei Jerónimo Roman cronis-

ta e eremita Agostinho, o qual falando

de S. Frutuoso no livro que deixou

escrito de mão da Cidade de Braga e

Arcebispos dela, expressamente diz que

foi Monge debaxo de la Regia de S.

Benito porque então florecia esta Orden

e era favorecida de los Godos en gran

manera, etc. E logo mais abaixo tratan-

do de como S. Frutuoso, com desejo de

viver mais solitário, se foi do primeiro

Mosteiro que edificou, chamado Com-

pludo diz que puso en el un Abbad muy

Religiozo que guardasse la Regla de S.

Benito. E, além de tantos e tão graves

Autores, doações de Reis antigos pro-

O

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

10

vam a mesma verdade. A primeira é a

que el Rei Chindasvindo fez ao mesmo

S. Frutuoso e ao seu Mosteiro de Com-

pludo demarcando-lhe um grande couto,

dando-lhe ornamentos para o Altar,

livros para o coro e outras peças, man-

dando com as penas costumadas daque-

le tempo que ninguém fosse ousado a

tirar daquele Mosteiro a tradição

Monástica, ou a Santa Regra que nele

estava estabelecida. Si ipse vestra gloria

Monasticam traditionem, aut Regula

Sancta et constitutionem voluerit evelle-

re, anathema sit. Esta escritura se con-

serva no arquivo da Sé de Astorga, a

quem se uniu o dito Mosteiro de Com-

pludo e por ser a mais antiga que se

acha em Espanha a traz o nosso insigne

Yepes no Apendix fol. 10 tom. 2.

Foi feita esta doação aos 18 de

Outubro da era de 684, que é ano de

Cristo 646. Depois de assinar e confir-

mar el-Rei, confirma a Rainha Recil-

berga e logo assinaram muitos Prelados

e outros senhores daquele tempo e entre

eles três sobrinhos do mesmo Rei Chin-

dasvindo. Para o que se há-de advertir

que o avô do nosso glorioso Ildefonso,

chamado Estêvão, foi filho de el-Rei

Atanagildo e casou com uma mulher

santa irmã de el-Rei Chindasvindo, por

nome Blesilla, teve uma filha chamada

Luzia mãe do glorioso Santo Ildefonso e

dois filhos, um chamado Eugénio outro

por nome Evancio, o qual foi casado

com uma senhora muito ilustre chamada

D. Eufrásia e este matrimónio foi o

tronco da nobilíssima geração dos Bar-

rosos bem conhecidos em Toledo.

Todos estes senhores confirmaram a

doação de el-Rei Cindasvindo, seu tio.

Eugénio, como Metropolitano que era

de Toledo, Santo Ildefonso, como Aba-

de, Evancio como Copeiro-mor de el-

Rei. Isto quer dizer a sua firma, que diz

assim: Evantius Comes Scantiarum.

Estas duas palavras se hão-de explicar

para que o que digo fique claro. Aquela

palavra latina (Comes) ainda que agora

significa título e dignidade de Conde,

em tempos mais antigos significava

também ofícios da casa Real, por onde

Camareiro-mor de el-Rei chamava-se

Comes Cubiculariorum; Celeireiro-mor

Comes horreorum, Copeiro-mor Comes

Scantiarum. E para maior inteligência

da palavra scantiarum, há-de notar com

Ambrósio Calepino, que entre as uvas

de melhor casta e de que se fazia vinho

mais precioso havia umas que se cha-

mavam uvas Scantianas, tomando o

nome do primeiro que as plantou cha-

mado Escancio. E ainda agora ao que

nos convites tem cuidado de lançar de

beber aos que estão comendo à mesa, se

chama vulgarmente Escanção, como

notou Ramires. Isto pressuposto, ficam

já as palavras de Juliano mais claras,

que são as seguintes: Evantii Fratris

Lucia et celebris memoria est in dona-

tione Chindasvindi Monasterio Bene-

dictinorum Complutensi in Asturias

Data era 682 anno Christi 644 ubi con-

firmat Evantius Comes Scantiaum idest

a pculis. Querem dizer, é célebre a

menção que se faz de Evancio irmão de

Luzia mãe de Santo Ildefonso na doação

que el-Rei Chindasvindo fez ao Mostei-

ro dos Monges Bentos chamado Com-

pludo edificado por S. Frutuoso nas

Astúrias, porque se assina Copeiro-mor

de el-Rei, que assim explica Juliano

aquela palavra Comes scantiarum idest

a poculio.

Daqui se inferem claramente duas

coisas. A primeira é que a Regra do

grande Patriarca S, Bento, porque esta

se guardava e professava no Mosteiro

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

11

de Compludo, pois era Mosteiro de

Monges Bentos, como diz Juliano. A

segunda coisa que se infere é que, sendo

S. Frutuoso Abade do dito Mosteiro, era

também Monge e filho do glorioso

Patriarca S. Bento. Porque absurdo fora

serem em Mosteiro tão perfeito os

membros Bentos e a cabeça Agostinha.

Confirma-se esta verdade com

outra doação mais moderna de el-Rei

Dom Ordonho segundo e da Rainha

Dona Elvira, sua mulher, que fizeram ao

Mosteiro de S. Pedro de Montes, que foi

o segundo que S. Frutuoso fundou e as

palavras que fazem o nosso caso são

estas. Omnem doctrinam Deificam

constitutam in Regula Beati Benedici et

cum cunctis sibi subiectis Monachis

retinendam iniungimus. Pomos por

obrigação ao Abade e a todos os Mon-

ges seus súbditos que retenham e guar-

dem toda a doutrina Deífica e Divina da

Regra do Bem-aventurado S. Bento no

Mosteiro de S. Pedro de Montes, como

se pode ver da Escritura que se conserva

no Arquivo do dito Mosteiro que S.

Genadio renovou e reedificou depois,

como mostra o nosso insigne Yepes. Do

que tudo (além do mais que fica dito no

primeiro tomo) consta que S. Frutuoso

foi Monge de S. Bento e que nos Mos-

teiros que edificou se guardava a Regra

do Santo Patriarca. Por onde parece que

o dito Cronista não viu o que temos

alegado, ou se o viu não se pode livrar

da nota, por dar mais crédito a seus

sonhos que às escrituras antigas de Reis

Católicos, a privilégios de Bispos e

autores graves que temos citado. Pelo

que, concluindo, digo que S. Frutuoso

fundou de seu princípio o Mosteiro de

Santo Tirso, que sempre foi Mosteiro de

Monges Bentos e nunca de eremitas

Agostinhos.

Acrescenta o dito Cronista que o

Mosteiro de Santo Tirso, estando des-

truído, foi restaurado no ano de 665

pelo Infante Alboasar para nele entra-

rem Monges de S. Bento da reformação

Cluniacense. Quem mete a foice em

messe alheia facilmente se fere. Erro

crasso é dizer que no ano de 665 foi o

Mosteiro de Santo Tirso restaurado pelo

Infante Alboasar filho de el-Rei Dom

Ramiro segundo, e que nesse tempo

entraram nele os Monges Cluniacenses.

Porque consta que naquele ano não

existiam ainda Dom Ramiro, nem o

infante Alboasar seu filho, nem o Mos-

teiro Cluniacense em França e de facto

não existiriam senão daí a duzentos e

tantos anos, como se pode ver nas histó-

rias ordinárias. Mas com licença do dito

autor quero lhe dar a solução, dizendo

que foi erro da Impressão que pôs aque-

le primeiro 6 em lugar de 9 e assim todo

o algarismo há-de dizer 965 ano em que

já o Infante Alboasar florescia. Porém

ainda desta sorte é falar a adivinhar

dizer que naquele ano determinadamen-

te se restaurou o dito Mosteiro. Porque

não há memória nem autor que tal diga.

Mais acertado falou o Catálogo dos

Bispos do Porto dizendo: O ano da fun-

dação de Santo Tirso não sabemos,

pelos muitos que viveu o Infante Alboa-

sar.

________________________________

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

12

CAPÍTULO V.

Mostra-se que foi o Mosteiro de Santo Tirso

Mosteiro Duplex2

undado ou reedificado o dito Mos-

teiro por Alboasar e dotado por ele

conforme a qualidade de sua pessoa,

todos seus descendentes procuraram de

o aumentar em rendas e propriedades

que lhe deram movidos assim do respei-

to de seus primeiros Padroeiros de quem

procediam como da grande Religião e

observância que os Monges dele guar-

davam: que sempre a virtude atraiu a si

a liberalidade dos que podem dar. Deste

argumento trataremos no capítulo

seguinte, neste fazemos menção de uma

grande qualidade que o Mosteiro de

Santo Tirso teve de que até agora não

tivemos notícia e é que foi Mosteiro

Duplex, em que viviam Religiosos e

Religiosas se parados uns dos outros,

ficando só a Igreja comum, como temos

dito no primeiro tomo, tratando do Mos-

teiro da Vacariça.

A primeira prova deste particular é

uma escritura do Mosteiro de Pedroso

que Gaspar Machado Religioso que foi

da sagrada Religião da companhia de

Jesus mandou ao nosso Padre Frei Ber-

nardo de Braga, como ele próprio diz

em uns fragmentos seus que me comu-

nicou N. P. Fr. Tomás do Socorro. A

escritura começa assim: Ego Gunsalbo

proles Pelagio in Domino Deo aeter-

nam salutem, etc., e depois deste fidalgo

Dom Gonçalo Pais nomear as terras que

2 Os Mosteiros dúplices ou duplex, de que hou-

ve muitos em Portugal, foram proibidos no Concílio Niceno II, can. 20, reunido de 24 de Setembro a 23 de Outubro de 787 em Nicea. Após a proibição, continuaram estes mosteiros de frades e monjas ou mungas.

deixa a seu Pai Paio Gonçalves faz

menção doutras que deixa ao Mosteiro

de Santo Tirso com estas palavras: et ad

Aeisterio, quod vocitant Santo Thirso,

ad fratres, vel sorores, qui ibi perseve-

raverint in vita Sanctam facta scriptura

in die quod ertit octavo Augusti era

sexagessima octava supra mille. Que-

rem dizer: deixo estas propriedades ao

Mosteiro de Santo Tirso para os Reli-

giosos, ou Religiosas, que nele perseve-

rarem em vida Santa, foi feita esta escri-

tura a oito de Agosto na era de César

mil e setenta e oito que é ano de Cristo

mil e trinta. Daquelas palavras (ad fra-

tres, vel sorores) colhemos que era o

Mosteiro Duplex e por este respeito mui

insigne entre os mais de Portugal.

A segunda prova nos dá o livro

antigo das linhagens (que é outro dife-

rente do do Conde Dom Pedro) no qual

se nomeiam algumas Religiosas do

Convento de Santo Tirso e são as

seguintes: Dona Alda ou Aldara Vas-

quez de Soverosa irmã de Gil Vasquez

de Soverosa, Dona Urraca Ermiges

filha de Dom Hirmigio Mendes e Dona

Sancha Pires Bargançoa, Dona Gon-

trode Moniz filha de Dom Mem de Bra-

gança e de Dona Godinha filha de Dom

Soeiro Mendes o Bom. A qualidade des-

tas senhoras era do mais ilustre de Por-

tugal e de Leão e sem dúvida que se

recolhiam neste Mosteiro por parentas

dos fundadores e padroeiros dele. Deste

parecer é também o Padre Mestre Frei

Francisco Brandão digníssimo Cronista-

mor do Reino de Portugal que me

comunicou a memória das três Senhoras

Religiosas nomeadas.

E no que toca a Dona Alda e Dona

Urraca pode-se confirmar o que temos

dito com sabermos que ambas (se por-

ventura não foram outras do mesmo

F

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

13

nome) ambas foram sepultadas no dito

Mosteiro no mesmo sepulcro, como

consta do Epitáfio dele que são os ver-

sos seguintes, os quais a curiosidade do

Padre Frei Bernardo de Braga tresladou,

adivinhando já que a dita pedra do

sepulcro se havia de sepultar em certa

obra que se fez sem se reparar no que

continha. Os versos tais quais aquele

tempo dava são estes:

Nobilitas generis, morum qouque pura benigna

Clarificat Dominas Orrcam simul et Aldam

Quas Deus immenso sincero vinxit amore,

Quod dum vixerunt simul illis infuit una

Mens tam concors quod in nullo diferepuere

Huius rei causa tumulus coniunxit earum

Talis amicitiae nobis modus ut st habendus

Tempore non uno Deus ipsas traxit ad astra,

Mors Alda Domina februi terno fuit Idus,

Mille ducentis, et viginti tribus fuit era.

Orracam Dominam mors ímpia iecit ab orbe

Quarto nempe Calendis Mensis Aprilis era

Mille ducentorum simul, et triginta magis sex.

Em suma louvam estes versos a

nobreza e costumes santos destas duas

senhoras Dona Urraca e Dona Alda,

sepultadas em Santo Tirso, e que unin-

do-as o amor santo em vida, não con-

sentiu estivessem separadas na morte, e

ainda que não dizem expressamente que

foram Religiosas no dito Mosteiro,

suposto serem sepultadas nele é conjec-

tura que foram as mesmas de que fala o

livro antigo das linhagens. Dona Alda

faleceu a onze dias de Fevereiro da era

de mil e duzentos e vinte e três que são

anos de Cristo mil cento e oitenta e cin-

co, Dona Urraca a 29 de Março da era

mil e duzentos e trinta e seis e de Cristo

mil cento e noventa e oito. O nome de

Alda [como diz o nosso Padre Frei Ber-

nardo de Braga] é abreviado de Aldonsa

usado naqueles tempos, como mostra o

nome de uma rua do Porto, chamada

das Aldas, que alguns têm pela mais

antiga daquela Cidade depois que a

Rainha Dona Tareja e seu filho Dom

Afonso Henriques arcedificaram. Até

aqui são palavras do Padre Frei Bernar-

do.

De algum modo favorecem a duplicida-

de antiga do Mosteiro de Santo Tirso

umas palavras do Conde Dom Pedro

título 16, no qual falando das filhas de

Dom Soeiro Mendes o bom, diz que

algumas delas quiseram antes Ordem

que serem casadas. Quer dizer que qui-

seram antes ser Religiosas. E sendo o

Mosteiro de Santo Tirso Duplex, bem se

pode crer que nele tomaram o hábito,

pois seu pai era o principal protector e

padroeiro dele.

________________________________

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14

CAPÍTULO VI.3

Dos Abades e Benfeitores do Mosteiro de

Santo Tirso até o ano de 1100

Primeiro Abade de que acha-

mos memória depois da reedi-

ficação do Mosteiro é um cha-

mado Gaudemiro pelos anos de Cristo

de 1073 como se colhe de uma doação

de certos casais em Bougado e parte da

Igreja de Ribeirão que lho fez uma

Senhora ilustre chamada Dona Gonti-

nha, ou Goncinha, que morava junto ao

rio Ave e junto à ponte que dela parece

tomou o nome com alguma corrupção

do vocábulo porque ainda hoje se cha-

ma ponte de Lagoncinha, por onde anti-

gamente se caminhava do Porto para

Braga. Esta senhora foi mulher de Dom

Egas Ermiges, neto (segundo alguns

querem) do Infante Alboasar e que pro-

curou a sagração da Igreja do nosso

Mosteiro de Paço de Sousa (como em

seu ligar veremos).

Dom Mendo é o segundo Abade de

que achamos memória no Arquivo de

Santo Tirso pelos anos 1080. Por este

tempo floresceu aquele excelente varão

Dom Soeiro Mendes da Maia, por

sobrenome o Bom e principal padroeiro

desta casa, como terceiro neto que era

do Infante Dom Alboasar Ramires. Por-

que (segundo diz o Conde Dom Pedro)

o Infante Alboasar teve entre outros um

filho que chamaram Trastamito Alboa-

sar do qual diz o Padre Mestre Britto

que foi fronteiro em Montemor-o-Velho

contra os Mouros, dos quais alcançou

grandes vitórias. Este Dom Tratamiro

foi pai de Dom Gonçalo Trastamires da

3 Por lapso está notado como Cap. V na versão

original.

Maia e Dom Gonçalo foi pai de Dom

Mem Gonçalves da Maia, o qual teve

por filhos aqueles grandes dois Heróis

Portugueses Dom Soeiro Mendes da

Maia o Bom e Dom Gonçalo Mendes da

Maia o Lidador. Donde se vê que foram

terceiros netos de Alboasar Ramires.

Dom Gonçalo Mendes foi genro de

Egas Moniz sepultado no nosso Mostei-

ro de Paço de Sousa, casado com uma

sua filha chamada Dona Leonor Viegas

ou doutro Egas Moniz mais antigo. Foi

Fronteiro-mor de Portugal por el-Rei

Dom Afonso Henriques, chamava-se o

Lidador pelas muitas batalhas e vitórias

que alcançou dos Mouros. Indo um dia

correr a par de Beja com outros fidalgos

que o seguiam, encontrou-se com uma

tropa de Mouros cujo capitão era um

chamado Almoliamar, o qual (como diz

o Conde Dom Pedro) tinha tal força

que todo o homem em que pusesse a

lança não lhe valia armadura que lhe

não quebrasse e que lhe não metesse

pelo corpo e por isso se chamava ven-

cedor das lides. Correram ambos suas

lanças e ambos vieram ao chão, mas por

fim de razões, Gonçalo Mendes da

Maia venceu e matou o Mouro, ainda

que ficou muito mal ferido. E estando

os nossos celebrando a vitória, viram

virão longe uns mil de cavalo com

Alboacem Rei de Tânger que viera para

tomar o castelo de Mértola que um seu

tio lhe tinha usurpado. A Dom Gonçalo

Mendes pareceu que era caso de honra

sair-lhe ao encontro e posto que estava

muito ferido não puderam os seus aca-

bar com ele que se desarmasse e tratasse

de se curar. Assim como estava os

começou a pôr em ordem de peleja,

porém, esgotado todo de sangue, por

falta dele caiu do cavalo e, assim arma-

do, expirou no campo aquele espírito

O

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

15

invencível. Mas os fidalgos que o

seguiam, ainda que perderam tal capi-

tão, não perderam o ânimo, porque pele-

jando venceram os Mouros com tanta

glória e esforço que com os golpes que

lhes davam pelos ombros os fendiam até

à cinta e muitos deles chegavam às selas

e aos cavalos.

Por onde os Mouros que escaparam

diziam publicamente que tais golpes,

como aqueles, não eram de mãos de

homens, que a mão de Santiago os dera.

Tinha Dom Gonçalo Mendes, quando

matou o Mouro Almoliamar e quando

morreu noventa e cinco anos de idade,

semelhante a outro Caleh que sendo de

85 confessava de si que tinha a mesma

força para pelejar que tivera sendo de

40 anos. Contamos este sucesso de seu

esforço e de sua morte para maior glória

de seu irmão Dom Soeiro Mendes da

Maia particular padroeiro e benfeitor do

nosso Mosteiro, o qual assim no louvor

das armas como na piedade Cristã não

sei se o venceu, se foi igual a ele. Cha-

mavam-lhe, por sobrenome, o Bom por-

que (como diz o Conde Dom Pedro) era

homem de grandes feitos e porque tirou

o feudo de Espanha que haviam de

haver os Romanos o que foi desta guisa.

Foi Dom Soeiro em romaria a Roma e

ouviu dizer que estava aí um cavaleiro

que lidava por este feudo com aqueles

daquela terra que o queriam aliviar e

lidou com ele e venceu-o; desde aquele

tempo foi Espanha livre do feudo. Este

Dom Soeiro acrescentou muito no Mos-

teiro de Santo Tirso. Até aqui são pala-

vras de Dom Pedro.

Mas além desta memória as escritu-

ras que se conservam no arquivo do

Mosteiro nos declaram mais em particu-

lar o muito que Dom Soeiro lhe deu;

porque delas consta que, vindo o Conde

D. Henrique com sua mulher Dona

Tareja para aquelas partes, deu a Dom

Soeiro Mendes toda a terra que hoje é

Couto do Mosteiro, dando-lhe a vassa-

lagem de todos os moradores dela com

as sisas, tributos, fiscos, coimas e todos

os reguengos de dentro de seus limites

com poder de aferir medidas: foi esta

doação feita na era de mil cento e trinta

e um que é ano de Cristo mil e noventa

e três a vinte e cinco dias do mês de

Novembro, como consta da escritura

original que no dito arquivo se conser-

va: na qual dizem o Conde e sua mulher

Dona Tareja que fazem mercê daquele

Couto a Dom Soeiro Mendes o Bom,

seu vassalo, o qual Couto lhe dera seu

pai Dom Afonso VI em herança e cha-

mam ao dito Rei Genitori nostro. E

depois de assinarem o Conde e sua

mulher Dona Tareja assinam outros

fidalgos na forma seguinte: Didacus

Gondiçalvus, qui est Maiorino de illa

terra confirmo. Pelayo Soares Maior-

domo de casa de illo Gomes confir-

mat.Hunna Pelays Armigor Comis con-

firmat. Querem dizer: Diogo Gonçalves

Meirinho daquela terra, Paio Soares

Mordomo da casa do Conde, Huna Pais

pajem da lança do Conde confirma.

Assina também o nosso Arcebispo San-

to Geraldo, nesta forma: Sub nomine

Christi Geraldus Episcopus Bracharen-

sis. Firma, que por ser de tal Santo, bem

poderá estar entre as Relíquias do Altar,

para com elas ser venerada como con-

vém. Assina também Dom Crescónio

Bispo de Coimbra.

Assinam el-Rei Dom Afonso VI e a

Rainha Dona Berta, sua terceira ou

quarta mulher; o Conde Dom Raymundo

e a Infanta Dona Urraca. Ego Alphon-

sus Dei Graciae Hispaniae Imperator,

quod gener meus cum filia meã fecit

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

16

presentiam meam rogantibus confirmo.

E ego Berto Regina, quod Dominus

meus confirmavit confirmo. Raymundus

Comes, quod socer meus facto scripto

confirmavit et ego, de propria mea

voluntate confirmo et roboro. Humilie-

ter et ego Urraca, quod pater meus et

vir meus confirmavit et ego de grato

roboro.

Este Couto assim dado e confirma-

do deu Soeiro Mendes logo no ano

seguinte (que foi o ano de 1094 a 22 de

Março) ao Mosteiro de Santo Tirso

assim e da maneira que o Conde Dom

Henrique lho tinha dado o ano antes. E

depois lhe foi dando outras muitas pro-

priedades em Ferreira e em outras partes

de Entre Douro e Minho com grande

liberdade, tendo por certo aquele dito de

Marcial Quas dederis solas semper

habebis opes, e, melhor dissera, Quas

dederis Caelo semper habebis opes. O

que derdes a Deus e a seus Santos sem-

pre o achareis e tereis no Céu, porque

nele fica seguramente entesourado con-

forme ao dito de Cristo Senhor nosso

Thesaurizate in Celo, ubi neque erugo,

neque tinea demolitur.

§. I.

rês coisas se podem notar neste

lugar. A primeira é que entrou o

Cnde Dom Henrique em Portugal

alguns anos antes e primeiro do que

alguns dizem apontando sua entrada no

ano de mil e noventa e cinco. A segunda

é que já pelos anos de mil e noventa e

três parece que S. Geraldo estava eleito

Arcebispo de Braga e não tão tarde

como alguns põem a sua eleição. Uma e

outra coisa se colhe da dita Doação do

Couto feita a Dom Soeiro Mendes e da

Escritura original dela, que no cartório

se conserva, a qual o Conde Dom Hen-

rique do Porto e S. Geraldo assinaram

correndo o ano de mil e noventa e três

como consta da data dela e como tam-

bém diz o Catálogo dos Bispos do Porto

página quatrocentos e três. Mas no que

toca a S. Geraldo falaremos mais parti-

cularmente quando tratarmos de sua

vida, porque então averiguaremos o ano

em que foi sagrado por Arcebispo de

Braga.

No mesmo ano assinou e confirmou

el-Rei Dom Afonso VI como se colhe

daquela palavra de seu final praesen-

tiam meam rogantibus. Quer dizer que o

Conde Dom Henrique seu genro e sua

filha D. Tareja o rogaram que se achas-

se presente para que assinasse e confir-

masse a doação que faziam a Dom Soei-

ro Mendes. O que não é dificultoso de

crer, porque el-Rei Dom Afonso VI no

mesmo ano de mil noventa e três se

achou presente em Portugal, porque no

mês de Abril e Maio do dito ano tomou

os lugares de Santarém, Sintra e Lisboa

aos Mouros, como mostra a terceira

parte da Monarquia Lusitana e a Cróni-

ca dos Godos o diz expressamente,

acrescentando que entregou el-Rei Dom

Afonso o governo daqueles lugares

novamente conquistados a seu genro

Dom Raimundo casado com sua filha

Dona Urraca e por seu loco tente

nomeou a Dom Soeiro Mendes. As

palavras da Crónica sobredita são estas.

Era mil cento e trinta e um (que é ano

de Cristo de mil e noventa e três)

secundo Calendas Maii (que são trinta

de Abril e não vinte e um como dia a

terceira parte da Monarquia Lusitana)

sabato hora nona Rex Domnus Alffon-

sus capis Civitatem Santarem anno

Regni sui 28 Mense 5 sexto die Mensis

et in eadem hebdomada ninas Maij feria

T

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

17

5 caepis Ulixbona. Post tertiam autem

diem octavo Idus Maij Sintram, praepo-

suitq; eis generum suum Comitem D.

Raymundum marirum filia sua D. Urra-

ca, et sub manu eius Suarium Menendi,

ipse autem Rex reversus est Toletum.

Como pois el Rey D. Afonso esteve

em Portugal no ano de 1093 no mesmo

ano antes de se tornar para Toledo assi-

naria e confirmaria a doação do couto

feita a Dom Soeiro Mendes da Maia a

rogo do Conde D. Henrique seu genro e

de sua filha D. Tareja, ipsis praesentiam

meam rogantibus et consequentemente

já no dito ano o Conde D. Henrique

estava em Portugal governando (como

alguns dizem) O Porto. E posto que el-

Rei D. Afonso encomendou o governo

dos lugares que conquistara ao outro seu

genro D. Raimundo, parece que lhe não

durou muito tempo o dito governo. Por-

que uma das últimas doações que Dom

Raimundo fez, foi dar a nosso Mosteiro

da Vacariça à Sé de Coimbra em 13 de

Novembro do ano de Cristo 1094 como

consta do Arquivo da dita Sé aonde

achamos a memória desta doação com

estas palavras: Ego Raymundus Dei

Gratia Comes, et totius Gallecia Domi-

nus, et uxor meã Urraca etc. cum in

Civitate Colimbria veniremus cognovi-

mus de Episcopo Cresconio et de suis

Clericis quod multis necessitaribus

paterentur. Unde damus ei cenobium da

Variça (sic) era 1132 que é o ano de

Cristo 1094. E já no fim do mesmo ano

a 18 de Dezembro achamos o Conde

Dom Henrique governando Coimbra,

como se colhe de uma doação feita ao

Mosteiro de Arouca por um Garcia

Odoriz no mesmo dia, mês e ano decla-

rando expressamente que Reinava D.

Afonso em Toledo e o Conde D. Henri-

que em Coimbra, como se pode ver na

3. parte da Monarquia Lusitana cap. 8

fol. 16.

A terceira coisa que se pode notar é

que aquela doação tão larga que o Con-

de D. Henrique fez a D. Soeiro Mendes

seria não por seus serviços, senão tam-

bém porque parece que foi cunhado da

mesma Rainha D. Tareja mulher do

Conde D. Henrique; Por quanto consta

que D. Ximena Munhos, ou de Gusmão

fidalga ilustre sepultada no nosso Mos-

teiro de S. André de Espinareda no Bis-

pado de Astorga (como se pode ver no

nosso insigne Yepes) foi mãe da Rainha

D. Tareja (Teresa), a qual el-Rei D.

Afonso VI houve dela. E como diz o

Conde D. Pedro, D. Soeiro Mendes foi

casado duas vezes, a primeira com D.

Gontrde Moniz filha do Conde Monido,

ou Moninho Senhora da Amaia, que é

em Castela a velha nas ribeiras de

Pisorga irmã de madre da Rainha de

Portugal D. Tareja etc. Parece logo

conforme a estas últimas palavras do

Conde Dom Pedro, que Dona Gontrode

mulher de Dom Soeiro, e a Rainha

Dona Tareja mulher do Conde Dom

Henrique, que foram meias irmãs e

filhas ambas de Dona Ximena e sendo

assim ficavam Dom Soeiro e Dona

Tareja sendo cunhados e ela com maior

obrigação de lhe fazer mercês.

Porém como não sabemos que

Dona Ximena casasse ou tivesse con-

versação com outrem senão com el-Rei

Dom Afonso VI e Dona Gontrode não

fosse filha do dito Rei, não asseguramos

de todo este parentesco, corra só por

conta do Conde Dom Pedro.

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

18

§. II.

Doação do Couto de Santo Tirso, que

D. Soeiro Mendes da Maia lhe fez

ara que mais claramente e com

maior certeza conste da mercê e

doação que o Conde D. Henrique fez a

D. Soeiro Mendes da Maia e da que o

mesmo fidalgo fez ao Mosteiro de Santo

Tirso, pomos neste lugar a forma dela

que é a seguinte:

N nomine Domini, qui cum AEterno

P. simul cum Spiritu S. ab omnibus

fidelibus in terris veneratur unus, et in

Caelis an Angelicis choris adoratur, et

colitur in Trinitate semper idem, unusq;

Deus Non est ambiuu, sed omnibus

manet parefactum, eo quod ab hono-

rem, et reverentiam ipsus Sancta, et

individuae Trinitatis, in loco, qui dicitur

Moraria secus flumen Ave subtus Mons

Corduba contra faciem Aquilonis

Monasterium videtur multorum Mona-

chorum sse constructum, ubi quotidie

pro relaxatione peccaminum à Sanctis

Sacerdotibus Sacrificium Deo immola-

tur; ideo ego Soarius proles Menendi,

ut valeam evadere paenas infernorum,

et partem merear adipisci in caelestibus

Regnis cum Angelis Sanctis a Dno sae-

culis infinitis, ofero huic Sancto, et

venerabili Altari, quod est digne Deo

sanctialiter fabricatum in locum iam

superius nominatum, in honorem, et

reverentiam eiusdem Dei, ac Deus Nos-

tri Iesu Christi, Genitricis, sempero;

Virginis Mariae, Sancti Ioannis Baptis-

tae, et Sanctorum Apostolorum Petri, et

Pauli, Ioannis Evangelistae, ac Iacobi

Apostoli, Sanctio; Thirsi gloriosi

Martyris, in cuius nomine dedicata est

ipsius Templi aula, et aliorum Sancto-

rum, querum reliquiae venerabiliter

ibidem sunt recondita: offero (inquam)

ipsum Cautum vel Comissorium, quod

mihi fecit Deus meus Dominus Henricus

Comes cum coniuge sua nomine Tara-

sai prole Adefonsi Regis, et confirmavit,

roboravitque; illium mihi ipse Dominus

gloriosus Rex noster Adefonsus catholi-

cus cum so oribus filiis, ac filiabus, cum

suis omnibus haereaitatibus, servis, et

ancillis, tributis, cunctisque; vectigali-

bus, calumniis omnibus, et servitiis

regalibus, negotiis totis, imperabant ibi

Domini ipsi Reges nostri tam super suis,

quam super haereditatibus nostris, et

alienis, qua intus sunt reclusis cum

totas fossaderas, et caracteres per ter-

minis praedictis, quos praesignavit,

Portarius ipsius Domini Henrici Comi-

tis: sicut; incipis in portu de Carnadini,

et atuidit inter Burgalanes, et Monaste-

rium S. Thirsi, et diferri inter Loveriz, et

Sanctam Crucem, et inde per terminum,

quod spartet inter Mons Corduba, et

Sanguinito, et descendit per Mamone-

lum, et inde per illium congustum inter

Rial, et Vimaredi, et ascendit per verti-

cem Montis Calvi, sicut dividit inter

Donnis, et cherledo, deinde per Ervo-

sam, descenditque; as illum pontem

antiquum in meium fluminis Ave, ascen-

dit vero per medium ipsius fluminis

alveum vsq; ad illum portu de Cernadi-

ni, unde prius inchoavimus. Stovis de

externis, quam et de propinquis hoc

Monasterium ad divisionem seu ad

deformitatem deducere tentaverit, et si

Episcopis, vel fidelibus Christianis

resistere non potuerint, omne istud

Comissiorum cum omnibus suis haere-

ditatibus, sive cunctis praestantiis, quos

mihi concessit Dominus Rex meus Ade-

fonsus, sicut iam superius infervimus,

ad partem ire mando, qui unitatem, et

P

I

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

19

integrum huius Monasterii rationem

meam, vel você ex posteris meis tenue-

rit, et sive filius, sive filia, aut quilibet

ex generibus meis, qui vocem et integri-

tatem huius testamenti pulsaveris sit

benedictus a Domino Deo Caeli, et ab

Angelis eius benedictionbus caeli de

super, bebedictionibus abyssi, benedic-

tionubus vherum, et vuluae, benedictio-

nibus Patris, et matris super eum usque;

as septima generatione descendit, non

sit desemine eius, qui non adoretur, et

de posteris illius, qui non glorificetur.

Sin autem hanc meam scripturam dia-

bolo impediente ad deruptionem, vel

deformitatem devenerit ea servata

ratione, filiis, vel filiabus, sive meis

nepotibus iubeo ut ad Monasterium

superius nominatum quintam restituant

partem ex omni meã hereditate pró

remedio animae meae qua demisero ad

diem extremum vitae meae, et cum

ipsum Commissiorium adiicio de lavra

decima integra, quae fuit de Avia meã

Domina Unisca, et sexta, quae compa-

ravi de Ximena Rodriguez, tam de

Ecclesia, quam de laicale, cum suis

terminis antiquis, et novissimus. Si quis-

libet homo transgressor huius scriptu-

rae fuerit, sit maledictionibus repletus,

nisi dignam egerit penitentiam. Deser-

viant istae hereditates iam superius pra-

titulatae isti aulae ob tolerantiam fra-

trum, et victum Monachorum, sicut iam

memini pró absolutione criminum meo-

rum, omnibus, cunctis, saeculis saecu-

lorum. Si quis tamen (quod nemine cre-

dimus fieri,) aliquis homo tam de extra-

neis, quam de propinquis ad irrumpen-

dum contra hunc testamentum pro sola

praesumptione, ad partem qui vocem

eius pulsaverit, duo auri talenta cogatur

exsolvere, et Imperator terrae aliud

tantum, et indicatu, ipsuq; testamentum

reddat in quadruplum, et istud meum

factum plenam habeat roborem, et tan-

diu ipse praesuptor sit excomunicatus

quantis steterit in tam grande peccato.

Facta series testamenti, et totius Hispa-

niae Principis, et uxore eius Regina

Berta, et gener eius Comes Dom Henri-

que totius Provinciae Portugalensis

Dominus, et uxore eius nomine Tarasia:

Ecclesiae Bracharensis Episcopus Dom

Geraldus praesidente X. Calend. April.

era CXXXII. Peracta T E: adiicio ut

cum mortuus fuero, atim filii mei resti-

tuant ad ipsum Monasterium tersiam de

totó meo ganado ad integrum: et do ibi

statim in vita cum ipsum testamentum

unum signum de D.CCC. libras. Omne

istud ad meam partem illi Monaterii

testo sicut superius inferuimus.

Ego Menendus Suarius filius ipsius

Suarii Menedis roboro et confirm.

Sta doação fica explicada suma-

riamente no § antecedente. Dela

consta primeiramente a devação (sic) e

liberalidade de D. Soeiro Mendes da

Maia. Dela constam os termos e limites

do couto que deu ao Mosteiro de Santo

Tirso com beneplácito do Conde D.

Henrique, que lho tinha dado, e junta-

mente de el-Rei D. Afonso VI. Consta

também que foi esta doação feita a 23

de Março, que é 10 Calend. Abril na era

de 1132 porque aquele T que na dita era

se põe na conta antiga valia mil e vem a

ser aquela era de César ano de Cristo

1094. Consta finalmente que esta doa-

ção se fez em tempo que já o Conde D.

Henrique era senhor de Portugal, como

se vê daquela palavra facta series tes-

tamenti temporibus Adefonsi piisimi

Imperatoris, etc. et Comes Domnus

Henrique totius Provinciae Portugalen-

sis Dominus. E em último lugar consta

que já naquele ano de Cristo 1094 o

E

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

20

nosso glorioso S. Geraldo presidia como

Bispo da Igreja Bracarense, como se vê

naquela palavra Ecclesiae Bracharensis

Episcopus Dominus Geraldus presiden-

te, etc. Não note o pio leitor o latim mal

adjectivado desta doação, porque assim

está em seu original e assim faz mais fé,

por mostrar que é daquele tempo antigo,

em que a má gramática reinava e porque

os erros da latinidade não viciam as

letras e doações de senhores seculares,

nem ainda do mesmo Imperador, só as

letras e rescritos do Sumo Pontífice per-

dem seu crédito se traem erros no latim,

como consta daquelas palavras do capí-

tulo Ad audientiam nostram de rescrip-

tis tit. 3. aonde o Papa Alexandre III diz

assim Quibus litteris (quoniam manifes-

tum continent inconstructione pecca-

tum) fidem te nolumus adhibere. Porque

assim como da Sé Apostólica nasce a

pureza da verdade, que havemos de

seguir, assim é bem que as palavras que

a significam sejam certas e careçam de

vício.

§

Testamento de Soeiro Mendes da Maia,

o Bom, Irmão do Lidador

Go Soarius Menendi timens

diem mortis meae, sic divido

pertem haereditatis meae pró

anima mea. Imprimis do in praesenti, et

concedo Monasterio S. Thirsi, et Abbati

Fernando,Et Conventui eiusdem, et suc-

cessoribus suis quarta de Ecclesia S.

Martini de Guilhabreu, et unum casale

in Villa Bona, quae tenent Petrus

Menendi, etc. Et mando à S. Thirso ipsa

Hermita de S. Ioannis da Fós de Dorio,

et casales, quos habeo in vala marinas

cum totis suis terminis rutis, vel, etc. E

depois de declarar que dá estas herdades

ao Mosteiro de S. Tirso, per decem

equas cum quatuor poldras apreciatas

in a.n.r. morabitinos, que vem a ser que

recebeu cinquenta dos nossos marave-

dis, quae accepi de ipso Monasterio per

voluntatem Abbatis, et Conventus.

Acrescenta, e mando, ut cum mortuus

fuero, sive in Regno de Portugal, sive

extra Regnum, vassali mei ducant me ad

Monasterium S. Thirsi, et sepeliant ibi

corpus meum, et mando ibi omnes hae-

reditates meas, quas habeo in termino

de Ferraria; et omnes homines meos,

qui sunt in termino illo cum totis suis

haereditatibus, et cum suis fobris, et

cum omnibus decimaturis, ut serviant

Monasterium S. Thirsi in perpetuum pró

anima meã. Haec sunt nomina homi-

num, quos Dominus Suarius eo tempore

habebat in termino de Ferraria, et

mandavit eos pró anima sua Monasterio

S. Thirsi; imprimis Gondisalvo Pellagy,

et outros dez, ou doze, acrescenta, et

omnes, alios, quos Dominus Suarius

habebat in termino de Ferraria dedit

Monasterio S. Thirsi, et mandavit eos

ibi servirei n perpetuum. Facta fuit ista

manda mense Aprilis in Monasterio S.

Thirsi in praesentia Domini Pellagy

Garcia Prior de Nandim, et Roderico

Gondisalvi Palmasans, et Gondisalvi

Petri Faioses, et Menendo Gunsalvi

Gulfaro, et Pelagio Garcia, et Velasco

Dominici militibus, quer dizer cavalei-

ros do seu acompanhamento, porque em

aquele tempo os cavaleiros se chama-

vam todos milites, como se vê de outras

escrituras, de sorte que o mesmo era

milites que cavaleiros. Et tunc ibat

Dominus Suarius ad Bragantiam Era

milésima ducentésima XIII que é ano de

Cristo 1176.

E

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

21

Desta manda se mostra o muito que

Dom Soeiro Mendes o Bom nos deixou

e que ele é o mesmo que está sepul-

tado na Galilé, cujo epitáfio correspon-

de a esta era de César, como abaixo em

seu ligar diremos mais largamente e no

que toca a dizer que recebeu do Mostei-

ro éguas que valiam cinquenta marave-

dis, deve-se entender que recebeu isto

não por compra do que dava senão pro

rebora, que quer dizer por firmeza e

segurança. Porque costumavam os doa-

dores a dizer que recebiam dinheiro ou

outras coisas semelhantes em paga do

que davam para ficarem suas doações

mais firmes e seguras. E bem se vê que

assim foi aqui pois isto era manda e

testamento, no qual deixava ao Mosteiro

o sobredito depois da sua morte.

§. III.

Dos Abades e benfeitores do Mosteiro

de Santo Tirso até ao ano de 1200

Endo ainda Dom Mendo Abade

teve o Mosteiro diferença com os

Clérigos de S. Salvador de Monte Cór-

dova sobre a formosa levada de água

que do alto do dito monte por espaço de

uma légua e mais por grandes circuitos

e rodeios vem ao dito Mosteiro (que não

há Província em Portugal mais abun-

dante de água que entre Douro e Minho,

nem outra em que haja mais dúvidas

sobre águas) mas compuseram-se em

forma que só nos sábados fosse a dita

água dos Clérigos e vizinhos de Monte

Córdova e todos os mais dias do Mos-

teiro. O mesmo Abade Dom Mendo

alcançou de Dom Pedro Abade do Mos-

teiro de Pedroso a quarta parte dos

dízimos que tinha no Mosteiro da Lavra

junto a Vilar de Porcos em terra da

Maia.

Dom Fernão Mendes parente de

Dom Soeiro Mendes o bom se seguiu

por Abade de Santo Tirso pelos anos de

Cristo 1176. Deste mesmo ano se acha

no cartório uma doação em que Dom

Soeiro Mendes o Bom dá ao Mosteiro

de Santo Tirso tudo quanto tinha em

Ferreira, com todos seus homens e vas-

salos de que na dita escritura se faz

menção por seus próprios nomes com

todos os mais que naquela terra viviam.

É a data dela no mês de Abril, era 1214

que assim o diz a mesma escritura por

estas palavras: Facta est hac manda

dum iret Dominus Suarius in Bragan-

tiam Mense Aprilis, era 1214 que é o

sobredito ano de Cristo 1176.

§. IV.

Dos Abades e benfeitores do Mosteiro

de Santo Tirso até ao ano de 1300

Om Mendo II do nome era Abade

de Santo Tirso no ano de Cristo

1208. Em tempo deste Abade morreu

Dona Maria Aires, de quem el-Rei Dom

Sancho primeiro teve alguns filhos e

deixou em seu testamento a esta casa a

Igreja de Silvares, seis casais e outras

muitas peças de móveis e de raiz, o que

tudo diz que fica à disposição do Abade

Dom Mendo, encomendando-lhe que

satisfaça suas dívidas e cumpra outras

obrigações com conselho de el-Rei

Dom Sancho.

Em tempo deste mesmo Abade fez

a Rainha Dona Mafalda (filha de el-Rei

Dom Sancho o primeiro do nome) Cou-

to do Mosteiro de Santo Tirso a S. João

da Foz. A Ermida do S. com algumas

terras ao redor deu como dizem alguns

S D

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

22

Dom Soeiro Mendes o novo descenden-

te de Dom Soeiro Mendes o bom, por

dez éguas e quatro poldras que lhe

deram. Mas da doação ou manda que no

§ antecedente alegamos e que Dom

Soeiro Mendes o bom fez indo para

Bragança, consta que ele foi o que deu a

dita Ermida de S. João e ele foi o que

recebeu as éguas porque delas faz men-

ção na dita manda. E depois muitos

fidalgos e cavaleiros, como foram Dom

João Martins filho de Dom Martim

Pires da Maia e Dom Pedro Nunes de

Barbosa e outros fizeram doação ao

Mosteiro do direito que tinham ou

podiam ter a este couto e erras dele.

Dona Mafalda que na escritura do dito

couto de S. João diz que o faz e dá ao

Mosteiro de Santo Tirso por sua alma e

pelas de seus Pais e por respeito da vir-

tude do Abade Dom Mendo.

Em alguns traslados anda a era des-

ta escritura era 1219 que é ano de Cristo

1171 em que el-Rei Dom Sancho pai da

Infanta Dona Mafalda não tinha ainda

de idade mais que 16 ou 17 anos (por-

que nasceu em Coimbra no ano de

1154). E assim sendo no dito tempo de

17 anos e não sendo ainda casado com a

Rainha Dona Dulce sua mulher de

quem houve a Infanta Dona Mafalda

fica claro que não podia esta senhora

fazer o couto de S. João da Foz no dito

ano de Cristo de 1171 o Padre Frei Ber-

nardo de Braga diz que foi feita esta

doação no ano de Cristo 1217.

El-Rei Dom Afonso II filho também

de el-Rei Dom Sancho, morrendo no

ano de 1223 entre os mais que nomeou

por seus testamenteiros um deles foi o

Abade de Santo Tirso que naquele era

ainda Dom Mendo segundo do nome. O

testamento do dito Rei se conserva no

cartório deste Mosteiro e é notável

assim em ordenar quem lhe há-de suce-

der, como nas muitas esmolas que deixa

a Igrejas e Mosteiros nossos e de Cister.

A este de Santo Tirso deixou quinhentos

maravedis.

Dom Silvestre achamos Abade de

Santo Tirso pelos anos de Cristo 1225.

Em tempo deste prelado venderam ao

Mosteiro aqueles dois irmãos Dom

Martim Sanches e Dona Urraca San-

ches filhos ambos do dito Rei Dom

Sancho e de Dona Maria Aires de For-

nelo, venderam como digo Gulains e

Vila Nova dos Infantes (que fica entre

Guimarães e Pombeiro terras que seu

pai lhe tinha dado) E Dona Urraca

como mais pia e devota deixou liberal-

mente ao Mosteiro certa vinha e casais

além do couto de Vila nova que vendeu.

A qual venda o nosso Papa Gregório IX

autorizou e confirmou. Tinha este couto

de Vila nova cível e crime, como diz el-

Rei Dom João de boa memória em uma

demarcação que ele mandou fazer.

Dom Fernão Pires foi o sucessor

do Abade Dom Silvestre, acha-se

memória dele pelos anos de Cristo

1252. Em seu tempo, Dom Rodrigo

Frioas e sua mulher Dona Chama ou

Chamoa Gomes deixa ao Mosteiro de

Santo Tirso o que tinha no Couto de

Lageas, no Couto de Airão e no de

Guimarei, como tanto que o Mosteiro

lhe largue parte das rendas em S. João

da Foz em sua vida somente. Este Dom

Rodrigo Froias querem alguns que fos-

se aquele ilustre senhor e animoso cava-

leiro que se achou com outros muitos

Portugueses no cerco de Sevilha em

tempo de el-Rei de Castela Dom Fer-

nando III do nome chamado o Santo e

aquele que ali matou o capitão Mouro

chamado Cacafim filho de el-Rei de

Tunes homem tão agigantado que leva-

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

23

va um grande palmo a qualquer outro,

tão feio e disforme que três dedos lhe

cabiam entre olho e olho; e depois de

morto lhe cortou a cabeça e trouxe a el-

Rei Dom Fernando, como outro David a

do Gigante Golias a el-Rei Saul. Não

quisera eu diminuir a devoção de cava-

leiro tão insigne em dizer que não foi

ele o que fez a doação sobredita ao

Mosteiro de Santo Tirso, mas vejo no

Conde Dom Pedro que a mulher de

Dom Rodrigo Frioas o que se achou no

cerco de Sevilha foi Dona Urraca

Rodrigues de Castro filha de Dom

Rodrigo Fernandes de Castro chamado

o calvo e de Dona Estevainha Pires

filha do Conde Dom Pedro de Trava.

Por onde Dom Rodrigo Froias e Dona

Chamoa que fizeram a dita doação a

Santo Tirso deviam ser outros fidalgos

daquele tempo e por ventura fossem uns

do mesmo nome de que faz menção o

Catálago dos Bispos do Porto folhas

100 tratando do Bispo Dom Vicente.

Finalmente o que parece mais provável

seria aquela senhora uma bisneta do

Conde Dom Gonçalo de Sousa grande

privado de el-Rei Dom Afondo Henri-

ques da qual diz o Conde Dom Pedro

tit. 31 § 3 Esta Dona Chamoa Gomes

foi casada com Dom Rodrigo Forias

(sic) da terra de Leon e não houderam

semel.

Dom Paio Soares sucedeu a Dom

Fernando no Setembro de mil e duzen-

tos e sessenta, como consta dos autos de

um litígio que houve entre ele e o Aba-

de de S. João de Pendorada Dom Fer-

nando da Silveira sobre a Abadia de

Santo Tirso. Porque entrando o Prior e

Convento em eleição na conformidade

da Santa Regra por morte de Dom Fer-

nando, todos os vostos concorreram em

Frei Paio Soares filho da mesma casa,

tirando só dois e um irmão donado que

não consentiram na dita eleição. O Bis-

po do Porto Dom Julião II do nome,

tomando conhecimento do caso decla-

rou a eleição feita em Frei Paio por

nula e viciosa e pronunciou absoluta-

mente por Abade de Santo Tirso a Dom

Fernando da Silveira que actualmente

era Abade de S. João da Pendorada.

Porém apelando-se para Braga foi jul-

gada por boa a legítima a eleição que o

Convento fizera em Frei Paio Soares e

ele confirmado em sua Abadia.

Dom Vasco Martins sucedeu a Dom

Paio Soares no ano de 1263. Em seu

tempo houve o Mosteiro de Santo Tirso

o padroado da Igreja de Santa Cristina

de Areias no Arcebispado de Braga

logo além do rio Ave por doação de um

Dom Gil Vasques de Soverosa o que

morreu na lide de Gouveia e de Dona

Aldonsa Annes sua mulher descendente

dos filhos e netos de Dom Soeiro Men-

des o bom.

Dom Álvaro Martins sucedeu ao

Abade Dom Vasco pelos anos de Cristo

1269 foi chamado a um Concílio Geral

que se celebrou em Leão de França em

tempo do Papa Gregório X ano de 1274.

A escritura em que se conserva esta

memória contém as palavras seguintes:

O Abade D. Álvaro morreu no Concílio

de Leão sobre o Ródão (que é o Róda-

no) aí foi chamado pelo Papa. Tanto

caso se fazia do dito Abade de Santo

Tirso.

Dom Martim Annes sucedeu a Dom

Álvaro Martins; acha-se memória dele

no ano de 1284 porque nele apresentou

em a metade da Igreja de Rebordãos e

el-Rei em outra metade. Em tempo des-

te Abade fez o Conde Dom Gonçalo

doação a Santo Tirso de tudo o que

tinha em Gosende e Canadelo, como

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

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consta de uma certidão da entrega que

fez por virtude de uma carta sua que se

guarda neste cartório e diz desta sorte.

O Conde Dom Gonçalo a vós Rui

de Portela e a vós meus juízes de

Gosende e de Canadelo saúde. Manda-

mos entregueis ao Abade de Santo Tir-

so, ou a quem vos esta minha carta

mostrar por ele, a terra de todos aque-

les herdamentos que eu aí tenho, etc.

Dada em Santo Tirso 19 dias andados

de Junho era 1322.

Era este Conde Dom Gonçalo Gar-

cia filho de Dom Garcia Mendes e neto

do Conde Dom Mendo o Souzão de

Pombeiro. Foi Alferes mor de el-Rei D.

Afonso III do nome e seu genro casado

com sua filha Dona Leonor e tão pode-

roso que lhe deu em Arras sessenta

casais e seis quintas, conforme ao cos-

tume de entre Douro e Minho.

Dom Domingos Mendes se acha

Prelado de Santo Tirso pelos anos de

Cristo 1286. No ano seguinte lhe deu o

Bispo do Porto Dom Vicente licença

para que nas suas Igrejas do Salvador da

Lavra, de S. Lourenço de Armes junto

ao castelo da Maia, na de Santa Maria

de Vilar, na do Salvador de Folgosa, na

de S. Martinho de Covelas pudesse

apresentar Abades ad nutum regulares

ou seculares, os quais gastariam as ren-

das destas Igrejas por ordem do Abade

do dito Mosteiro. E o Abade sobredito

pela graça que o Bispo lhe fez deu o

padroado de três Igrejas, a saber de S.

Martinho de Guilhabreu, da de S. Mar-

tinho de Bougado, e da de S. Vicente de

Alfena.

Dom Pedro Annes entrou a ser

Abade no ano de Cristo 1298 e logo no

mesmo ano Dona Elvira mulher de

Dom Fernão Rodrigues Babilon fez

doação a esta casa da quinta do Engarei

e da quinta de Palmazes. Parece ser este

Dom Fernão Rodrigues aquele fidalgo

que se achou no cerco de Sevilha com

Dom Rodrigo Froias como aponta o

Conde D. Pedro.

§. V.

Dos Abades e benfeitores do Mosteiro

de Santo Tirso até ano de 1460

Om Martim Pires, acha-se memó-

ria dele pelos anos de risto 1300.

Em seu tempo uma senhora chamada

Dona Constança Gil fez doação ao

Mosteiro da sua Quinta de Lordelo em

terra do Panoias em Vila Real com

todas as propriedades que nela tinha e

de todas as terras que possuía em Avin-

tes junto ao Douro perto do Porto e

outros quatro casais em Soalhães. Foi

esta senhora filha de Dom Gil Martins

(Mordomo mor de el-Rei D. Afonso III

do nome) e de Dona Maria Annes filha

de Dom João Pires da Maia (de quem

abaixo falaremos). Foi dama da Rainha

Dona Brites mulher de el-Rei D. Afonso

III e tia do Conde D. Martim Gil sepul-

tado em Santo Tirso e deu-lhe el-Rei

para seu dote a quinta de Chão de Cou-

ce, quando casou com D. João Gil.

(descendente do Conde D. Gomes de

Sobrado) do qual teve um filho por

nome Martim Annes e pelo marido e

filho manda dizer duas Missas no Altar

de sua mãe D. Maria Annes, por onde

parece que tinha Capela própria no dito

Mosteiro.

Em tempo deste mesmo Abade

Dom Martinho floresceu um dos maio-

res benfeitores que o Mosteiro de Santo

Tirso teve, que foi Dom Martim Gil de

Sousa Conde de Barcelos, Alferes mor

de el-Rei Dom Dinis, e Mordomo mor

D

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

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do Infante Dom Afonso seu filho. Por-

que lhe deixou a sua quinta de Chão de

Couce no Bispado de Coimbra termo de

Penela (que ele diz que lhe deu sua tia

Dona Constança Gil) com outras muitas

peças e propriedades. E além de tudo

isto lhe deixou três mil libras de Portu-

gueses para se fazer a Igreja do Mostei-

ro muito alta e muito boa (são palavras

formais do seu testamento que no arqui-

vo se conserva e é notável porque só um

Rei podia deixar os legados que dei-

xou).

El-Rei Dom Dinis lanço mão da

quinta de Chão de Couce, mas sendo

informado pelo Dom Abade Martim

Pires que ficara a dita quinta aplicada à

Capela do Mosteiro, logo o Rei a lar-

gou. Porém o Abade com seu Convento

a trocou depois com Dom João Afonso

filho de Dom Afonso (que parece ser o

senhor de Albuquerque) e sua mulher

Dona Maria Afonso filha do ilustre Rei

Dom Dinis (que assim o declara a escri-

tura feita na era de 1357) dando este

fidalgo ao Mosteiro em troco uns luga-

res perto de Tentúgal, que hoje chamam

de Ardazube, e Vila Verde que andam

emprazados com certa pensão, e umas

casas dentro da Cidade de Coimbra jun-

to à Igreja de S. Pedro, com mil e qui-

nhentas libras para se comprarem outras

terras para o Mosteiro. E era Chão de

Couce coisa tão grande que o Abade e

Monges se desculpam de a trocarem

dizendo que o fazem afim de estar longe

e não a poderem granjear, como tam-

bém por lhe danificarem todas suas pro-

priedades os fidalgos, que nela se iam

meter.

Em tempo do mesmo Abade Dom

Martim Pires, um fidalgo chamado Rui

Martins de Numães (aquele celebrado

capitão conhecido em nossas histórias e

nas estrangeiras por Alferes mor do

Infante D. Henrique de Castela, filho de

el-Rei Dom Fernando) com sua mulher

Dona Senhorinha fizeram doação ao

Mosteiro de Santo Tirso da Igreja de

Silva Escura e de Revinhade e a dita

Dona Senhorinha por sua morte deixa

ao Mosteiro a sua quinta da Raiva junto

ao Douro, a quinta de Airão e de Riba

d’Ave por sua alma dela e pela do dito

seu marido Rui Martins que era já mor-

to. A data desta última escritura é na era

de 1343 e ano de Cristo 1305.

Dom Álvares Martins acha-se Aba-

de de Santo Tirso pelos anos de Cristo

1307. Em seu tempo faleceu o Conde

Dom Pedro filho de el-Rei Dom Dinis,

aquele a quem a Espanha deve a memó-

ria de sua nobreza e das famílias ilus-

tres, o qual deixou a este Mosteiro mui-

to grande parte de seus bens, convém a

saber o Couto do lugar de Eixo e o de

Requeixo com tudo o que nele tinha, e

no lugar de Moledo, Mões, Lamas e

outros sitos entre Lamego e Viseu perto

do Mosteiro de Carovere e em outros

muitos em diversas partes do Reino, de

sorte que vinte e três casais ou proprie-

dades de muita consideração deixou ao

Mosteiro, como consta de escrituras

originais, que no arquivo dele se con-

servam e da sentença que el-Rei Dom

Afonso IV filho de el-Rei Dom Dinis

mandou passar em favor do Mosteiro

contra seu próprio filho o Príncipe Dom

Pedro que depois se chamou Dom

Pedro Cru. Mandando que o Mosteiro

de Santo Tirso fosse restituído porque

parece que o Príncipe trazia algumas

terras pertencentes ao Mosteiro usurpa-

das. Exemplo grande contra o dito vul-

gar e comum seja meu pai Juiz e

demande-me quem quiser.

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

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Em tempo deste mesmo Abade teve

Dom João Mendes de Briteiros genro de

el-Rei Dom Afonso III casado com sua

filha Dona Urraca, alguma dúvida com

o Mosteiro de Santo Tirso sobre alguns

vinte casais, quintas, pomares, devesas e

outra quinta de Paradela e tomaram por

juiz árbitro a Dom Gonçalo Pereira

Deão do Porto a quem Dom João Men-

des de Briteiros escreveu uma carta do

teor seguinte.

Deão do Porto tanto bem e saúde

vos dê Deus quanta eu João Mendes

vosso amigo para mim queria. Rogo-vos

que o meu feito e do Dom Abade de

Santo Tirso que o determineis o mais

toste que vós puderes, como vos dirá

Afonso Annes nosso procurador e como

o feito estiver sentenciado damos-vos

nosso comprido poder para que vós

com vosso mandado façais entregar ao

dito Abade desses herdamentos sobre

que foi feito compromisso entre nós e

ele. Em testemunho desta coisa mando-

vos ende esta nossa carta aberta e sela-

da do meu selo nas costas. Dada em

Santarém 20 dias andados de Janeiro,

era de 1348 que é ano de Cristo 1310.

Por esta carta e por outra que passou

Dom Gonçalo Pereira que está no car-

tório depois da sentença que deu foi

entregue o Mosteiro dos 20 casais, quin-

ta de Paradela casas, pomares, devesas

com tudo o mais.

Dom Lourenço Giraldes sucedeu na

Abadia de Santo Tirso pelos anos de

Cristo mil trezentos e trinta. Em sua

eleição se dividiram os votos em três

partes porque nove deles votaram no

Abade que então era de São Bento da

Várgea; outros nove no Abade que era

de São Fins de Frestras, oito votaram

em Lourenço Giraldes Monge professo

da casa e presidindo nesta eleição João

Palmeiro Deão de Braga por comissão

do Bispo do Porto que lha cometeu,

aprovou a eleição dos oito em Lourenço

Giraldes. Apelaram os mais para Roma

e alcançaram rescrito do Papa Benedito

X, aliás, XII, para um Cónego de Coim-

bra chamado João Lavarosa o qual deu

sentença pelo mesmo Lourenço Giral-

des.

Dom Martim Aires achamos Abade

de Santo Tirso cerca dos anos de Cristo

mil e quatrocentos. Depois de velho

renunciou em um seu sobrinho chamado

Dom Soeiro que actualmente era Abade

do Mosteiro de Tibães, por não poder

acudir ao governo da casa, que era

grande, por sua muita idade, reservando

certa pensão necessária para se sustentar

na mesma casa. Está sepultado em um

moimento alto junto à porta da claustra

que hoje vai para a Igreja. Tanto se deve

à renunciação que fez, sendo os velhos

tão apegados ao que têm, como se deve

ao sobrinho pela honrada sepultura que

lhe deu, sendo os vivos tão esquecidos

de quem morre.

Este Abade Dom Martim Aires foi

pessoa muito grave e muito estimada de

el-Rei Dom João o primeiro e dos mais

senhores do Reino. Ele foi o que no ano

de Cristo de mil e quatrocentos e dezas-

seis leu e publicou as letras Apostólicas

do Papa João XXII aliás XXIII para as

Freiras de Santa Clara se poderem pas-

sar do seu Mosteiro que tinham em

Entreambos os rios para o que hoje têm

na Cidade do Porto junto ao muro no

lugar que então se chamava Carvalhos

do monte ao qual foi el-Rei Dom João

em pessoa em uma solene procissão que

fez o Bispo e Cabido para se lançar a

primeira pedra do Mosteiro. O Bispo

lançou a primeira pedra fundamental da

Igreja, o Rei lançou a primeira do Mos-

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

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teiro no canto direito dele e no canto

esquerdo a lançou seu filho o Infante

Dom Afonso, como consta da carta, que

depois passou, em que diz: Feita a dita

procissão, como dito é, foi aí apresen-

tada, lida e publicada por Dom Frei

Martim Aires Abade do Mosteiro de

Santo Tirso uma letra do Papa João na

qual se continha que ele havendo por

serviço de Deus dava lugar e dispensa-

va que o dito Mosteiro de Santa Clara

de Entreambos os rios se trasladasse e

se edificasse dentro da dita cidade, no

dito campo, etc.

Dom Vasco Lourenço achamos

Abade de Santo Tirso pelos anos de

Cristo mil e quatrocentos e cinquenta e

seis. Dom Fernão Lopes pelos anos mil

e quatrocentos e sessenta e oito, dos

quais não temos maior notícia. Nem lhe

assinamos a era de César em que foram

eleitos porque já no ano de Cristo de mil

e quatrocentos e vinte e dois correndo a

era de mil e quatrocentos e sessenta el-

Rei Dom João de boa memória mandou

que se contassem os anos pelos do nas-

cimento de Cristo Senhor Nosso.

§. VI.

Dos Abades Comendatários de Santo

Tirso

Inda que não sabemos ao cer-

to o tempoo em que os Comenda-

tários deste Mosteiro tiveram seu prin-

cípio contudo consta que o foi entre eles

um Dom Francisco de Sousa pelos anos

de Cristo 1487. Foi este fidalgo filho ou

neto de Gonçalo Annes de Sousa senhor

que foi de terra de Mortágua no Bispado

de Coimbra, conforme a um Nobiliário

e que se prossegue a descendência dos

Sousas em tempos mais modernos. Des-

te Comendatário achamos memória no

cartório, não que adquirisse senão que

desse muitas terras e propriedades em

Avintes e Fernão Brandão.

Dom Miguel da Silva foi insigne

Comendatário de Santo Tirso pelos anos

de Cristo mil e quinhentos e vinte e

oito. Foi filho de Dom Diogo da Silva

(Aio de el-Rei Dom Manuel, sendo

Duque) e depois Conde de Portalegre,

Mordomo mor e senhor na Beira das

Vilas de Gouveia, Cerolico (sic), S.

Romão, Valesim, Vila Nova e Cocheira;

Veador da fazenda e Secretário da puri-

dade. Seguiu seu filho Dom Miguel da

Silva o Eclesiástico e foi Bispo de

Viseu e Abade deste Mosteiro, Embai-

xador muitos anos em Roma e depois

Secretário da puridade de el-Rei Dom

João terceiro e ultimamente se tornou

para Roma aonde foi criado Cardeal e lá

morreu. Foi Abade Comendatário muito

benemérito desta casa porque para a

Sacristia deu muitos ornamentos, fez

cadeiras do Coro obra muito singular;

fez a Ermida de São Miguel em São

João da Foz; fez um candeeiro de peças

de latão, em que armado todo com seu

parafusos ardiam mais de 30 lumes

diante do Santíssimo pendurado no cru-

zeiro. Dura ainda uma peça do seu tem-

po que é uma estante de latão com seus

lavores e laçarias tão alta como as que

servem nos Coros. Está móvel ao canto

do Altar mor e nela diz o Diácono o

Evangelho nas Missas cantadas.

Dom António da Silva sucedeu a

seu tio Dom Miguel pelos anos de Cris-

to 1536. A Rainha Dona Catarina

mulher de el-Rei Dom João III lhe deu

esta Abadia com condição que a refor-

masse, o que ele fez com grande zelo

(posto que no princípio lhe pareceu

agravo). Porque procurou Monges

A

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

28

reformados de Castela pedindo cartas de

favor à Rainha para sua sobrinha e nora

a Princesa Dona Joana filha do Impera-

dor Carlos V que naquele tempo por

ausência de seu irmão el-Rei D. Filipe o

prudente governava os Reinos de Caste-

la para onde se tinha tornado depois da

morte desgraciada do nosso Príncipe

Dom João com quem estava casada e

depois de nos deixar aquele fruto pós-

tumo e fatal Rei Dom Sebastião.

A Princesa Dona Joana, vendo as

cartas da Rainha sua tia que Dom Antó-

nio da Silva lhe enviou, por sua via

mandou logo chamar o Padre Geral da

nossa congregação de Castela Frei Dio-

go de Lerma e acabou com ele que

mandasse a Portugal dois religiosos

quais convinha para aquela obra santa

da reformação do Mosteiro de Santo

Tirso. Escolheu o Padre Geral para esta

empresa os Padres Frei Pedro de Chaves

e Frei Plácido de Vilalobos, conventuais

ambos, que então eram do Santuário de

Monserrate, os quais aceitando a jorna-

da partiram do seu Mosteiro no último

de Setembro do ano de 1558 em direitu-

ra de Valladolid aonde a Princesa esta-

va, que os recebeu com grandes mostras

de amor e alegria oferecendo-lhe seu

favor para tudo o que fosse necessário.

Dali se partiram para Portugal em com-

panhia de um Sacerdote grave Vigário

da Vila de Pinhel que o Comendatário

Dom António da Silva tinha mandado

para esse efeito.

Chegaram finalmente ao Mosteiro

de Santo Tirso poucos dias antes do

Advento do dito ano e começando a

entender na reformação dele, em pouco

tempo começou com o favor Divino a

reflorescer sua religião antiga com

grande gosto e alegria de Dom António

da Silva. O qual bem se pudera gloriar

de ser o princípio radical da reformação

de todos os mais Mosteiros de S. Bento,

como em seu lugar veremos. Era o dito

Senhor achacado de mal de pedra com

intento de se curar se foi a Sevilha, mas

a cura que lá alcançou foi levá-lo Deus

para si para lhe dar o prémio que seu

zelo e grande virtude merecia.

O primeiro que entre aqueles

Padres claustrais aceitou a reformação

fez profissão pública na Igreja (exerci-

tando o nosso Padre F. Pedro de Chaves

o ofício de Prior e nosso Padre Frei

Plácido de Vilalobos de Subprior) foi

um chamado Frei Gonçalo de Santa

Maria, ao qual Deus comunicou aquele

dom de curar a que São Paula chama

Gratia curationum por que com certo

unguento que fazia por sua mão fazia

curas notáveis, querendo Deus (segundo

parece) pagar-lhe a vontade com que se

entregou nas mãos da Santa obediência,

sendo o primeiro e abrindo o caminho

para mais.

O último que professou estando

dantes muito duro em se converter, foi

um chamado Frei Francisco do Porto,

feio e mal assombrado, mas mostrou

Deus N. Senhor sua misericórdia e

omnipotência na conversão deste reli-

gioso, porque professando ficou tão

mudado e tão outro do que dantes era

que até nas aparências exteriores parecia

um Anjo, querendo Deus nisto mostrar

a grande mudança e conversão que sua

divina graça tinha obrado no interior de

sua alma. Aconteceu este Monge neste

seu segundo Baptismo (que assim cha-

ma S. Jerónimo à profissão dos Religio-

sos) o que sucedeu a um filho de Cassa-

no Rei dos Tártaros, do qual diz S.

Antonino que sendo muito feio e dis-

forme, depois de se baptizar ficou for-

mosíssimo, resultando no corpo a for-

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

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mosura da alma causada da graça bap-

tismal e justificante. Porque assim como

Deus algumas vezes na tristeza e torpe-

za exterior mostra a fealdade do pecado,

assim pelo contrário mostra a formosura

invisível da graça Santificante na apa-

rência exterior do rosto, como notou a

Paráfrase Caldaica sobre aquelas pala-

vras do 1. Dos Cant. Nigrasum etc,

dizendo que os filhos de Israel que ado-

raram o bezerro ficaram com o rosto

negro como negros de Etiópia, mas

depois que fizeram penitência e alcança-

ram graça ficaram formosos como

Anjos do Céu. Quando Israelitae fece-

runt vitulum denigratae sunt fácies

eorum sicut Aetiopum: quando vero

egerunt paenitentia, multiplicatus est

splendor vultus eorum sicut vultus

Angelorum.

Depois da morte do Abade Comen-

datário D. António da Silva veio a Aba-

dia desta casa de Santo Tirso ao Cardeal

Farnez e daí aos Abades da reformação

conforme às Bulas da reformação de Pio

V e Xisto V dos quais daremos uma

breve notícia no parágrafo seguinte.

§. VII.

Dos Perlados do Mosteiro de Santo

Tirso depois da reformação geral da

Ordem

Epois que os Mosteiros de nossa

congregação se começaram a

reformar e nosso padre reformador Frei

Pedro de Chaves tomou posse deles

entregando-lhe o Cardeal D. Henrique as

Bulas Apostólicas da nossa reformação a 22

de Julho do ano de 1569 começou o Mos-

teiro de Santo Tirso a governar-se por Prio-

res eleitos em Capítulo geral, que por

todos foram 6. O primeiro eleito no ano de

1570 foi um chamado Frei Manuel de

Taide. O segundo eleito ano de 1575 foi

nosso padre Frei Pedro de Basto de

quem já falámos tratando do Mosteiro

de Tibães. O terceiro foi Frei Domingos

da Cruz eleito no ano de 1578. O quarto

eleito no ano de 1581 foi Frei Gaspar

da Paz natural de Vila do Conde. O

quinto eleito no ano de 1584 foi Frei

Bento do Salvador natural de Soalhães

perto de Canavezes. O sexto e último

dos Priores foi Frei André de Campos

natural de Basto, religioso daquela sin-

ceridade e singeleza antiga. 1 O primeiro dos Abades eleito no ano

de 1590 foi Frei Luís do Espírito Santo

de que já tratámos falando do Mosteiro

de Refoios de Basto. Neste ano de 1590

a 7 de Março que foi dia de S. Tomás e

dia de Cinza, me fez Deus mercê de me

lançarem o hábito que não merecia. 2 N. P. Fr. Baltasar de Braga foi o

segundo Abade eleito no ano de 1593

de quem já falámos no lugar citado tra-

tando do Mosteiro de Tibães. 3 Frei Mauro da Trindade foi o terceiro

Abade desta casa eleito no ano de 1596

foi natural da mesma terra de Santo Tir-

so, Religioso muito grave em sua pes-

soa, letrado e pregador de muita satisfa-

ção. 4

Frei André de Campos eleito em Aba-

de no ano de 1599 e Frei Luis do Espí-

rito Santo a segunda vez eleito no ano

de 1602. 5

Frei Basílio da Ascensão eleito no ano

de 1605 e no de 1608. Frei Luis do

Espírito Santo a 3.ª vez. Frei Cipriano

de Santo André no ano de 1611. De

todos estes Abades temos falado acima

tratando do Mosteiro de S. Miguel de

Refoios de Basto.

D

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

30

6 Frei Romano Cerveira Monge muito

zeloso e caritativo para com os pobres

em todas as prelasias que teve, natural

de Braga foi eleito em Abade desta casa

no ano de 1614. Morreu em Tibães

entrevado de gota, mal que dele se apo-

derou notavelmente e que sofreu muito

tempo com grande paciência entenden-

do que lhe dava Deus o Purgatório nesta

vida. 7

Frei Paulo de S. Miguel natural de

Vila do Conde foi eleito no ano de

1617. 8

Frei Teodoro da Cruz Mestre em a

Sagrada Teologia pela Universidade de

Coimbra natural de Canavezes, foi elei-

to no ano de 1620. Era religioso muito

observante, muito solícito e diligente

em saber tudo o que estava a seu cargo,

muito contínuo no Coro e nos mais

actos conventuais. Foi eleito tendo lido

muitos anos Teologia no nosso Colégio

de Coimbra. 9

Frei Plácido dos Anjos natural de

Coimbra religioso muito curioso do

ornato da Igreja e culto Divino, foi elei-

to no ano de 1613. 10

Frei Clemente das Chagas natural de

Guimarães depois de governar a Pro-

víncia do Brasil por alguns anos e ser

Procurador geral da Ordem na Cúria

Romana além de outros cargos que teve,

de que era muito benemérito, foi eleito

Abade deste Mosteiro pelos anos de

1626. Morreu quase no fim do seu trié-

nio e sucedeu-lhe o Padre Frei João do

Apocalipse natural de Guimarães. Reli-

gioso muito recolhido e muito estudio-

so, a cuja curiosidade e diligência

devemos muitas memórias que nos dei-

xou escritas tocantes aos Mosteiros des-

ta nossa congregação e outras antigui-

dades do Reino.

11 Frei Plácido dos Anjos foi eleito a

segunda vez no ano de 1629 e no de

1632 lhe sucedeu Frei Máximo de S.

João natural de Basto, Mestre pela Uni-

versidade de Coimbra, Religioso de

condição branda e fácil. Sucedeu-lhe no

ano de 1635 Frei Bento da Esperança

natural do Porto. 12

Frei António Carneiro Mestre em

Teologia pela Universidade de Coimbra

e natural de Vila do Conde foi eleito no

ano de 1638. Sucedeu-lhe no de 1641

Frei Manuel dos Reis, natural de Vila

Nova do Porto, Mestre também pela

Universidade de Coimbra.

De tudo o sobredito se colhe que

foi o Mosteiro de Santo Tirso casa rica,

poderosa e senhoril, porque além de

muitas terras e propriedades que os

Senhores de Portugal e devotos lhe

foram dando, só de Coutos tinha 12 que

são os seguintes: O Couto do Mosteiro,

o Couto de S. João da Foz, o Couto de

Vila Nova das Infantes, o Couto de

Gulains, o Couto de Silvares, o Couto

de Soutelo, o Couto de Airão, o Couto

de S. Paio de Guimarei, o Condado de

Avintes, os Coutos de Eixo e Requeixo.

O catálogo dos Bispos do Porto afirma

que rende a massa de Santo Tirso ao

todo 12 mil cruzados, mas foi a infor-

mação que dera ao Autor dele muito

errada, porque isto ou muito mais ren-

dera, se tivera tudo quanto teve, mas

como muitas coisas se perderam e alie-

naram, rende hoje muito menos.

Algumas obras foram os Abades

trienais fazendo de novo, como são o

dormitório da parte do Ocidente outro

da parte do Maio dia e o que se vai con-

tinuando para o nascente sobre o rio,

que acabado será muito comprido e

muito formoso.

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

31

Tem duas Claustras e nelas seus

chafarizes e água excelente. O da pri-

meira Claustra é muito bem feito e aca-

bado e de invenção nova porque por 22

partes lança água com força ao alto, ao

modo de esguicho, e toda torna a cair

nas taças e no tanque.

Tem no dormitório um arco de

pedra e dentro dele um Pelicano, que

em lugar de sangue está lançando água

pelo peito para maior comodidade dos

Religiosos a qualquer hora.

Deixo hospedarias e outras obras e

peças da Sacristia, entre as quais são de

muita estima as Relíquias que tem e

entre outras uma do glorioso Mártir

Santo Tirso que lhe veio da Igreja de

Santa Maria de Meinedo junto ao nosso

Mosteiro de S. Miguel de Bostelo Arce-

diago hoje da Sé do Porto e antigamente

Mosteiro que assim lhe chama D. Afon-

so Henriques na doação que fez. Tem

outra Relíquia do nosso Glorioso

Patriarca, parte da que mandou vir de

Roma e nos deu a senhora Infanta D.

Maria filha de el-Rei D. Manuel.

§. VIII.

De alguns milagres que N. P. S. Bento

fez neste Mosteiro de Santo Tirso

Ito é do Glorios Santo Ambrósio

que por isso as cordas da viola

segundo lhe parece chamam em latim

fides porque ainda que sejam coisas

mortas e sem vida, se se tocam falam,

dão fé de si como vivas e soam alegran-

do-nos com sue harmonia. Arbitror

quod fila chordarum cithara ideo fides

dicantur, quoniam et mortua sonum

reddant. As Relíquias dos Santos que

no mundo morrem e vivem no Céu,

como seus ossos sagrados, seus cabelos,

seus vestidos e outros penhores seme-

lhantes, que nos deixaram, coisas mor-

tas são em si, contudo se se tocam com

fé e devoção obram maravilhas que

soam pelo mundo; confundem os here-

ges e alegram os fiéis. Muitas há na

Igreja de Deus muito milagrosas, mas as

do N. Glorioso Patriarca têm grande

prerrogativa neste particular como

veremos no discurso desta obra. Por

agora faço só menção de alguns que o

Glorioso Patriarca fez neste seu Mostei-

ro de Santo Tirso.

Indo em nossos tempos uma mulher

casada vizinha do Mosteiro segar um

pouco de centeio, levou consigo uma

criança de peito que tinha e enquanto

segava pôs o menino à sombra de uma

árvore e alcançando ele com uma mão

uma espiga levou-a à boca e começou

de a engolir; acudiu a mãe que o ouviu

tossir e bracejar e não podendo já tirar a

espiga que tinha atravessada na gargan-

ta, tomou-o nos braços e foi-se correndo

e chorando pedir remédio para aquele

inocente ao glorioso Patriarca. E pondo-

se diante do seu Altar e imagem santa,

fazendo suas preces com grandes vozes

e lágrimas, acudiu o Sacristão com a

Relíquia do Patriarca Sagrado e tocando

com ela a garanta do menino, deu ele

um arranco com força extraordinária e

imaginando a mãe que expirava, viu a

espiga lançada fora salpicada de sangue.

Deu graças a Deus e ao grande Patriar-

ca, eu com tanta pressa acudiu aos seu

pequeninos dos quais é particular advo-

gado, dizendo quase com Cristo Senhor

Nosso Sinite parvulus venire ad me.

Esteve a espiga pendurada por algum

tempo do braço da Santa Relíquia, para

mostra e lembrança do milagre.

E não só as Relíquias, que foram

parte do corpo do Sagrado Patriarca são

D

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

32

milagrosas, senão também o é o azeite

de suas lâmpadas. Porque deste modo

quis Deus dar a conhecer que o Patriar-

ca S. Bento tem lugar muito avantajado

entre aquelas Virgens prudentes que

pararam e acenderam suas lâmpadas

para entrarem com o Divino Esposo no

Céu: porque elas se mostraram pruden-

tes em levar consigo azeite de sobresse-

lente, Sumpserunt oleum secum, contu-

do quando as companheiras lhe pediram

parte dele Da nobis de oleo vestro, mos-

traram alguma desconfiança e receio de

lhe poder faltar e assim o não quiseram

dar Ne forte non sufissiat nobis et vobis.

Porém o glorioso Patriarca teve grande

abundância de azeite para si e grandes

sobejos para nós; porque sobe merecer

grande aumento de graça que é o óleo

Santo com que Deus unge e santifica

nossas almas e juntamente teve mere-

cimentos superabundantes, cuja virtude

o Senhor quis se conservasse no azeite

das lâmpadas do seu altar, para remédio

de nossos males, ao modo que no óleo

rosado se conserva a virtude das rosas.

Foi prudente para si sumpsit olea secum

ey carittativo para nós, porque nos não

nega o remédio que lhe pedimos. Mui-

tos exemplos veremos em prova desta

verdade, entretanto apontamos só o que

nos dá o Mosteiro de Santo Tirso.

Um moço de pouca idade tinha uma

mão disforme por respeito de um lobi-

nho que lhe nasceu nas costas dela;

vivia em casa de um seu tio Abade, per-

to do Mosteiro de Landim, chamado

Pêro de Gamboa bem conhecido nestes

tempos próximos por Mestre e Compo-

sitor de Música. Como morava tão perto

de Santo Tirso trouxe um dia o sobrinho

consigo e fazendo oração ao glorioso

Patriarca, untou-lhe as costas da mão

em que tinha o lobinho com azeite da

lâmpada que ardia diante dele. Depois

entrou para dentro do Mosteiro visitar

ao Padre Frei Gregório da Cruz, que era

seu discípulo, e dando-lhe conta da oca-

sião de sua vinda, disse para o sobrinho:

Mostrai filho, mostrai a vossa mão ao

Padre, e mostrando o moço a mão não

se viu nela lobinho, nem vestígio ou

sinal onde estivesse. Por onde ficando

admirados deram graças ao Senhor e ao

grande Patriarca que tão de repente aco-

de a seus devotos emendando faltas da

natureza.

Mas que muito é o que o glorioso

Patriarca se mostre milagroso com gen-

te racional, quando o é também com

brutos animais. Vivia um homem pobre

nos contornos do Mosteiro de Santo

Tirso, o qual não tinha outra coisa com

que pudesse ganhar sua vida, mais que

uma junta de Bois, adoeceu-lhe um

deles de sorte que não podia comer, a

mezinha que lhe buscou foi levá-lo ao

Mosteiro e metê-lo dentro da Igreja até

o pôr bem de frente do altar e imagem

do Santo Patriarca e pondo-se de joe-

lhos representou ao Santo sua necessi-

dade e pobreza com lágrimas. E no

meio destas suas preces e orações viu

que o Boi arremetia a uma pouca de

erva que ele tinha posto ao pé de um

pilar da Igreja e por este sinal entendeu

que estava são e que o glorioso Patriar-

ca o tinha ouvido e que bem se podiam

dizer dele aquelas palavras do Profeta

Rey Homines et iumenta salvabis

Domine. Dais Senhor vida e saúde não

só aos homens senão também aos Bru-

tos animais.

Acrescenta o Profeta quem ad

modu multiplicabis misericórdia tuam

Deos. Como multiplicais meu Deus

vossa misericórdia. Reparo naquela

palavra (multiplicabis) porque não

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

33

achamos na Escritura que Deus multi-

plica sua omnipotência ou sua justiça,

só da Misericórdia se diz que se multi-

plica; por onde lê Simaco no plural

quem ad modu multiplicatae sunt mise-

ricordiae tua; e S. Paulo chama a Deus

Pai de misericórdia Pater misericordia-

ru, e como se em Deus houvera muitas

misericórdias, sendo ela uma só em si, e

um simplicíssimo atributo como são os

mais. Respondo. Tábuas há pintadas

com tal artifício, que postas em um sítio

vemos o rosto de um homem muito bem

proporcionado, variando o sítio vemos o

rosto de um Anjo, postos em outra parte

vemos o rosto de um leão, ou outro

semelhante, de modo que sendo as tin-

tas umas só e as mesmas, a variedade

dos sítios faz com que apareçam diver-

sas figuras. A este modo digo que sendo

em si a misericórdia divina de nosso

Deus uma só, são tantas as criaturas,

tantas as necessidades a que acode, tan-

tos seus efeitos, que a variedade destas

coisas faz parecer que as misericórdias

são muitas, sendo ela em si e em Deus

uma só e simplicíssima. Em lugar

daquela palavra Quem ad modum multi-

plicabis lê S. Jerónimo Quam pretiosa

midericordia tua. Palavras que com

muita conveniência se acomodam ao

glorioso Patriarca S. Bento. Quão pre-

ciosa é meu santo vossa misericórdia,

que preciosidade é a de vossos mereci-

mentos, pois a todos acudis os que de

vós se valem, participando muito parti-

cularmente a excelência da divina mise-

ricórdia universal para todos.

________________________________

CAPÍTULO VII.4

Da Nobreza que está sepultada no Mosteiro

de Santo Tirso

Oncluamos esta histórioa do

Mosteiro de Santo Tirso com

um a breve comemoração dos

defuntos mais ilustres que nele estão

enterrados.

Nos nossos Mosteiros mais graves

e antigos havia defronte da porta princi-

pal da Igreja um recebimento com suas

paredes e arcos levantados (a que hoje

respondem os alpendres das Igrejas

ordinárias) chamavam Galilés ou Gali-

leas. E a razão da imposição deste nome

dá o nosso Ruperto Abade dizendo que

todos os Domingos se fazia procissão

pela claustra descansando em cada lan-

ço dela por um breve espaço em memó-

ria da Ressurreição de Cristo e das

vezes que apareceu ressuscitado a seus

discípulos consolando-os com uma bre-

ve visita sua. E assim como a última vez

que lhe apareceu antes do dia da sua

gloriosa Ascensão foi no monte da Gali-

leia aonde lhes mandou que fossem pre-

gar o Evangelho pelo mundo todo e

baptizar os que cressem cumprindo nis-

to o que lhe tinha prometido, postquam

resurrexer o praecedam vos in Gali-

laeam: assim a última parte, em que a

dita procissão descansava e fazia pausa,

em aquele recebimento que estava

defronte da porta da Igreja, e por este

respeito se chamava Galilé. E ainda

hoje do último lanço da claustra de San-

to Tirso há trânsito e porta para a Galilé

que tem por onde a dita procissão pas-

sava para tornar a entrar na Igreja pela

4 Por lapso está notado como Cap. VI na versão

original.

C

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

34

porta principal dela. As palavras de

Ruperto são estas: Tota haec processio

nhil alius est, quam gratiarum actio, eo

quoa resurgens Dominus statim memor

nostri, qui eramus absque Deo, discipu-

los suos in Galileam adhoc consilum

evocavit, ut baptisaremur in nomine

Patris et filii et Spiritus Sancti. Unde

Locum quoque quo suprema statione

processionem terminamus, nos Gali-

leam nominamus etc.

Na Galilé pois de Santo Tirso

achamos enterrada grande parte da

nobreza antiga de Portugal. A primeira

pessoa de que devemos fazer menção

como de padroeiro e grande benfeitor é

o excelentíssimo varão Dom Soeiro

Mendes da Maia o bom de cuja sepultu-

ra se não sabia até agora hoje se vê na

dita Galilé a parte da mão esquerda

quando entramos na Igreja do dito Mos-

teiro metida na grossura da parede na

qual está pintada a Anunciação de Nos-

sa Senhora e logo mais abaixo um Epi-

táfio elevado da terra seis ou sete pal-

mos com as abreviaturas daquele tempo,

que são estas: VII. Chl. Iulij o B. T. F.

M. S. Dei S. Rius Me. N. di. E. M. CC.

XIII. Que vem a dizer, Septimo Calen-

das Iulij obijt famulus Dei Suarius

Menendi era milesima ducentissima

decima quarta. E em linguagem diz:

Morreu o servo de Deus Soeiro Mendes

a 25 de Junho da era 1214, que vem a

ser o ano de Cristo 1176.

A terceira parte da Monarquia Lusitana

faz morto a Soeiro Mendes muito antes

a saber pelos anos de Cristo 1133 tiran-

do-lhe desta sorte quarenta e três anos

de vida. Funda-se em um prazo ou

escritura que seu irmão Dom Paio Men-

des Arcebispo de Braga fez elo dito

tempo em que estas palavras Et fratre

meo reliquit mihi omnia sua iussione

meã etc. Meu irmão Soeiro Mendes me

deixou todas suas coisas a meu mando.

Mas daqui não se colhe que Dom Soeiro

Mendes fosse já morto, senão que o

Arcebispo governava suas coisas em

seu nome, porque andaria porventura

fora do Reino, como quando foi a

Roma, ou em alguma parte remota prin-

cipalmente quando nos consta o contrá-

rio assim do Epitáfio de sua sepultura

como também de uma doação sua cuja

memória se conserva no cartório do

Mosteiro e fica lançada no capítulo

quinto §. 3. E diz a data dela, facta est

haec manda dum iret Dominus Suarius

in Bragantiam Mense April era 1214.

Fez Dom Soeiro esta manda, querendo

ir para Bragança na era 1214 no mês de

Abril que é o ano de Cristo 1176. É o

mesmo que o letreiro de sua sepultura

aponta. De maneira que depois de fazer

a sobredita doação no mês de Abril,

logo a 25 de Junho do mesmo ano o

levou Deus para si e foi sepultado em

Santo Tirso, porque tinha mandado que

o enterrassem no dito Mosteiro, ou mor-

resse no Reino ou fora dele. Donde se

colhe que teve larga vida e que morreu

ni ano em que diz o Epitáfio de sua

sepultura, e não no que aponta a terceira

parte da Monarquia. Ainda que o

melhora em lhe tirar quarenta anos do

desterro desta vida por lhos dar no Céu,

que como diz o Profeta Rei Melior est

dies una in atriis tuis super millia.

No mesmo lugar da Galilé de Santo

Tirso, na mesma parede e altura, está

outro Epitáfio que é de Dom Paio Soa-

res Zapata filho primogénito do dito

Dom Soeiro Mendes, cujas letras são

estas E. M. CCI. Obiit F. M. L. S. Dei,

P. L. Gius Zapata quem vem a dizer

Era milesima ducentesima prima obiit

famulus Dei Pelagius Zapata na era de

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

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Cesar 1201 que é o ano de Cristo 1163

Morreu o servo de Deus Paio Zapata.

Donde se deixa ver que morreu alguns

anos primeiro que seu pai.

De Dom Soeiro Mendes o Bom,

conforme a Manuel Soeiro no seus

Anais de Flandres procedem muitas

famílias ilustres, como são as dos Rebo-

tins, dos Gedeamas, Tavares, Pachecos,

Melos ou Merlos (que deve ser por

casamentos) que por linha e descendên-

cia direita procedem dele os Soeiros e

Soares. Nele e em seus descendentes se

foi conservando por largos anos o apeli-

do dos Maias ou Amaias, derivado de

seus progenitores. Porque, como diz o

Conde Dom Pedro, falando de Dom

Soeiro e dos mais filhos que seu pai

teve, Estes todos se chamaram da Maia,

porque a ganharam seus avós e a

haviam por sua e chamava-se naquele

tempo Maia desde o Douro até ao Lima

que é do Porto até Viana espaço de dez

léguas pela costa do mar. Teve Dom

Soeiro por via de uma filha sua netos

que foram Meneses e Teles porque seu

bisneto foi Dom Afonso Teles o velho,

que povoou Albuquerque e quinta neta

sua foi a Rainha Dona Maria filha de

Dom Sancho, ou Dom Afonso senhor

de Molina e casada com el-Rei de Cas-

tela Dom Sancho III do nome, chamado

o Bravo, que morreu pelos anos de Cris-

to 1295. Toda esta memória devemos a

Dom Soeiro Mendes por tão grande

benfeitor e padroeiro do Mosteiro de

Santo Tirso.

De seu filho Dom Paio Soares

Zapata sepultado junto dele procedem,

como alguns querem, Zapatas em Cas-

tela Condes de Baraias, que se prezam

muito de serem chefes dos deste apelido

de cuja família foi em nossos tempos o

Cardeal Zapata Inquisidor mor no Rei-

no de Castela. Porém de sua descendên-

cia mais particular doiremoz logo tra-

tando do Conde Dom Martim Gil.

Está mais enterrada nesta casa

Dona Maria Aires de Fornelo neta do

mesmo Dom Soeiro, que por tal se

nomeia, dizendo em seu testamento que

a sepultem em Santo Tirso como seu

avô Dom Soeiro Mendes. Aqui descan-

sa outra sua terceira neta chamada Dona

Maria Annes filha de Dom João Pires

da Maia, bisneto de Dom Soeiro Men-

des o bom de quem logo falaremos.

Junto à porta da Sacristia está sepultada

Dona Urraca Vasques filha de Dom

Vasco Pimentel, aquele que foi grande

privado de el-Rei Dom Afonso III e des-

caindo em breve de sua privança se pas-

sou a Castela com duzentos e cinquenta

de cavalo e fez grandes serviços a el-

Rei Dom Afonso o Sábio. Foi mulher do

Conde Dom Gonçalo Pereira bisavô do

grande Condestável Dom Nuno Álvares

Pereira, tronco da Real casa de Bragan-

ça. O Epitáfio de sua sepultura levanta-

da da terra como nove ou dez palmos

contém estas palavras E. M. CC. 2. VIII.

VIIIX. Chl. Iulij objit D. Urraca Vellas-

si nobilis famina, cuius in pace anima

requiescat. Querem dizer: Na era de

1258 que é ano de Cristo 1220 a 14 de

Junho morreu a nobre Dona Urraca,

cuja alma descanse em paz. Esta era

está imperfeita e algum número lhe falta

por não estarem as pedras dela inteiras,

que lancem a morte desta senhora mui-

tos a nos mais adiante. Porque não se

pode crer que Dona Urraca Vasques, a

que foi casada com o Conde Dom Gon-

çalo Pereira, morresse pelos anos de

Cristo 1220.

A razão, deixadas outras, é porque

o Conde Dom Gonçalo Pereira foi ter-

ceiro neto de Dom Rodrigo Froias,

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

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aquele que se achou no cerco e entrada

de Sevilha (como consta do Conde Dom

Pedro) e a entrada da dita Cidade suce-

deu no ano de 1248, no que todos con-

cordam; como podia logo ser que um

terceiro neto de Dom Rodrigo Froias

fosse casado com quem havia 88 anos

que estava já sepultada antes do dito

cerco de Sevilha, em que Dom Rodrigo

Froias terceiro avô do Conde Dom

Gonçalo Pereira estava em tão boa ida-

de que fez nele proezas e feitos ilustres.

Por onde venho a concluir que, ou

aquela senhora Dona Urraca Vasques

enterrada em Santo Tirso foi outra mais

antiga que a mulher do Conde Dom

Gonçalo, ou a era de seu Epitáfio está

faltosa e imperfeita. E isto é o que mais

creio. Porque por papéis e escrituras que

se acham no cartório, consta que no ano

de Cristo 1305 se doou ao Mosteiro a

herança que vinha a uma Dona Tareja

Gonçalves filha do Conde Dom Gonça-

lo e de Dona Urraca Vasques, a qual

era Freira no Mosteiro de Arouca, por

virtude de uma procuração que Dona

Maria Esteves Abadessa do dito Con-

vento fez ao Deão do Porto Dom Gon-

çalo Pereira (que depois foi Arcebispo

de Braga) para se compor com o Mos-

teiro de Santo Tirso sobre os herdamen-

tos (palavras formais da dita procura-

ção) que acaeceram a Dona Tareja

Gonçalves Monja de Arouca da parte

de Dona Urraca Vasques Sa Madre. E

foi feita esta procuração a 10 de Setem-

bro da era 1340 que é ano de Cristo

1304. E logo no ano seguinte a 27 de

Outubro o Deão Dom Gonçalo fez a

dita doação dizendo que doava e outor-

gava ao Religioso e honesto varão Dom

Martim Pires Abade do Mosteiro de

Santo Tirso e a seu Convento toda a

parte dos ditos herdamentos etc. Por

onde destas palavras e mais circunstân-

cias colhemos que acerca daquele tem-

po morreu Dona Urraca Vasques, pois

então se tratavda da herança de seus

filhos.

Dentro da Capela mor para o lado

do Evangelho se vê a sepultura do Con-

de Dom Martim Gil e de sua mulher

com este Epitáfio que lhe pôs o Bispo

Comendatário Dom Miguel da Silva.

Aqui jaz Dom Martim Gil de Sousa Conde de Barcelos, Alferes mor

delRey Dom Dinis, Mordomo mor delRey Dom Afonso seu filho

sendo Príncipe, E jaz com ele a Condessa Dona Violante Sanches

sua mulher, os quais deram a este Mosteiro de S. Thirso muitas

herdades que hoje possui e o Chão de Couce, que se trocou por

outras e por dinheiro, de que esta Igreja se reedificou: jaziam

apartados sem memória alguma e Dom Miguel da Silva Bispo de

Viseu corregendo esta casa os pôs nesta sepultura e lugar por seus

merecimentos ano 1529.

O Conde Dom Martim Gil foi

Maia, Sousa e Castro o que se colhe do

Conde Dom Pedro desta sorte. De Dom

Soeiro Mendes da Maia foi filho Dom

Paio Soares Zapata. Neto Dom Pedro

Pais Alferes de el-Rei Dom Afonso

Henriques. Bisneto Dom João Pires da

Maia, casado com Dona Guiomar filha

do Conde Dom Mendo o Sousão. Ter-

ceira Neta Dona Maria Annes da Maia

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

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casada com Dom Gil Martins filho de

Dom Martim Annes de Riba de Vizela.

Quarto neto Dom Martim Gil casado

com Dona Messia André filha de Dom

André Fernandes de Castro. Quinto

Neto o nosso Conde Dom Martim Gil

casado com Dona Violante Sanches.

Donde já se deixa ver como o Conde

Dom Martim Gil foi dos Maias por des-

cendência de D. Soeiro Mendes da

Maia. Foi Sousa por sua bisavó Dona

Guiomar. Foi Castro por sua mãe Dona

Messia. Não foi menor a nobreza da

Condessa Dona Violante Sanches sua

mulher. Porque foi filha do Conde Dom

João Afonso Meneses senhor de Albu-

querque e da Condessa Dona Tareja

Sanches filha de el-Rei Dom Sancho o

IV do nome Rei de Leão e de Castela.

Deixo outras muitas pessoas parti-

culares e ilustres, principalmente muitos

do Barbosas, que aqui estão sepultados,

os quais em tempo de el-Rei Dom Dinis

andavam em foro de riscos homens; e

finalmente todos os da família de Britei-

ros que em tempo do mesmo Rei foi

uma das mais nobres casas de Portugal.

Este Briteiros é uma Honra que está

entre Braga e Guimarães: Honra em

tempos passados constava de certos

lugares ou moradores que tinham por

protector e defensor algum fidalgo ou

Mosteiro e por este respeito lhe paga-

vam certo foro. Demos fim ao que

pudemos alcançar deste Mosteiro de

Santo Tirso com o dístico seguinte em

que se faz menção do lugar em que o

Santo nasceu, do lugar em que alcançou

a palma do Martírio e do Mosteiro de

Riba de Ave em que se venera.

Vivere Toletum, rutilantem Graecia palmam

Pulchram Thirse domum dat tibi litus Avi.

Perto do Mosteiro de Santo Tirso há uma

Igreja de nossa Senhora de Burgães Rendo-

za, em um vale fresco pelo rio Ave acima a

qual foi antigamente Mosteiro, como cons-

ta de um breve do Papa Calisto II passado

no ano de 1120 no qual nomeia todos os

Mosteiros que pertenciam naquele tempo

ao Bispado do Porto e entre eles nomeia o

de Santo Tirso e o Mosteiro de Burgães

Monasterium Sancti Thirsi de Ripa Ave Auc

Monasterium de Burgaes etc. hoje nem é

Mosteiro, nem pertence ao Porto porque é

de Braga. Catálogo dos bispos do Porto a.

part. Pag. 8.

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

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IMAGENS

Santo Tirso

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Mosteiro

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A grade do transepto

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S. Bento que se venera no Mosteiro de Santo Tirso

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

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Ponte sobre o Ave

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Insignias abaciais da antiga cadeia do couto

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

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Ainda a grade do transepto e a capela-mor com seu sanefão e marca beneditina

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O chafariz da primeira claustra

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Esboço do Mosteiro da autoria de Tomás Pelaio

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

47

Lage do Claustro com as sepulturas

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Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave

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O Mosteiro visto pela câmara do Alvão