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Mulheres da Comunidade Quilombola "Lagoa Grande": Economia
Popular e Solidária e Encontro Geracional
MESSIAS, Ana Regina1
Universidade Estadual de Feira de Santana. Brasil. [email protected]
LIMA, José Raimundo Oliveira2
Universidade Estadual de Feira de Santana. Brasil. [email protected]
RESUMO
A economia popular e solidária é uma forma de produzir oposta ao modo de produzir
capitalista, baseia-se em iniciativas de solidariedade e cooperação como forma de resistência
ao modo de produção capitalista e na tentativa de gerar trabalho e renda para uma parcela de
excluídos. Objetiva-se responder à pergunta: Como gerações de mulheres da Comunidade
Quilombola “Lagoa Grande" atuam organizadas em produção associada? Far-se-á
ponderações sobre encontro geracional de mulheres da comunidade e processo de incubação
de grupo produtivo formado por algumas dessas mulheres que produzem e comercializam
alimentos na cantina 1 na UEFS. O método utilizado será estudo de caso, por entrevistas a
algumas das mulheres do processo de incubação e com revisão bibliográfica de leituras
realizadas no Grupo de Estudos e Pesquisa da Incubadora de Iniciativas de Economia Popular
e Solidária e Desenvolvimento Local (GEPOSDEL) da UEFS e durante aulas da disciplina
"Educação, Gestão e Desenvolvimento Local e Sustentável", cursada na UNEB.
Palavras-chave: Mulheres. Comunidade Quilombola. Economia Popular e Solidária.
Encontro Geracional.
1 INTRODUÇÃO
A Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)b, por meio da Incubadora de
Iniciativas da Economia Popular e Solidária (IEPS), pautadas na pesquisa e na extensão, está
em processo de incubação de mulheres da Comunidade “Lagoa Grande”, as quais atuam com
autogestão, produção e comercialização de alimentos na Cantina do Modulo I da Instituição,
pautadas na economia popular e solidária (EPS).
O processo de incubação de algumas das mulheres da “Lagoa Grande”, cujo projeto é
denominado Sabores do Quilombo que como dissemos se dá na UEFS, Instituição situada no
1 Mestre em Cultura e Sociedade (UFBA); Especialista em Economia e Gestão Pública, Graduada em Ciências
Econômicas e Técnico Universitário (UEFS); Integrante do Grupo Miradas – CULT/UFBA e do Programa
Incubadora de Iniciativas da Economia Popular e Solidária da UEFS (IEPS/UEFS).
2 Doutor em Educação e Contemporaneidade e Mestre em Gestão Integrada de Organizações (UNEB);
Especialista em Gestão Organizacional, Graduado em Ciências Econômicas e Professor Adjunto (UEFS);
Coordenador do Programa Incubadora de Iniciativas da Economia Popular e Solidária (IEPS/UEFS).
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município de Feira de Santana, por meio da IEPS, a qual nos objetivos da sua Carta de
Princípios diz que cabe à Incubadora:
Estimular a geração de trabalho e renda de iniciativas da economia popular e
solidária visando à construção da autonomia dos sujeitos envolvidos no processo e
sua inserção econômica e social:
I. Contribuindo para o desenvolvimento econômico local e regional, especialmente
por meio do processo educativo de incubação de iniciativas da economia popular e
solidária;
II. Consolidando um espaço para realização de trabalhos por parte dos servidores
docentes e técnicos administrativos, discentes (bolsistas ou voluntários), no âmbito
da economia popular e solidária com a articulação do tripé ensino-pesquisa-
extensão;
III. Fortalecendo as ações institucionais com a comunidade regional e a sociedade
em geral, buscando uma relação dialógica horizontal, crítica e construtiva;
IV. Contribuindo para que a UEFS se consolide como um espaço de produção e
socialização de conhecimento qualificado e socialmente relevante;
V. Atuar na economia popular e solidária priorizando o circuito das redes solidárias
ao invés dos mercados;
VI. Estabelecer um diálogo complementar entre o saber científico e o saber popular,
visando a integralidade dos processos educativos da economia popular e solidária
voltado para o desenvolvimento territorial;
VII. Participar da implementação de políticas públicas que apresentem caráter
articulador e integrador do circuito econômico popular e solidário.
A UEFS, ao realizar o processo de incubação, busca atuar conforme o dito por Mutim (2007,
p. 118) de que cabe: “[...] à Universidade desenvolver uma ação pedagógica para apoiar a Gestão
Social do Desenvolvimento por meio da formação dos agentes de desenvolvimento [...]”.
Oliveira (2017, p. 314-315) nos diz que: “[...] o alcance e a capilaridade das atividades de
extensão, associadas ao potencial de atração do ensino, são apontadas como elementos definidores
de uma inserção territorial ampla e de significativa abrangência [...]”. Ou seja, com a atividade de
extensão realizada pela IEPS a UEFS tem inserção territorial ampla e de significativa abrangência
na Comunidade aqui estudada.
Assim, como é proposta deste estudo analisar como gerações de mulheres da Comunidade
Quilombola “Lagoa Grande" atuam organizadas em produção associada, cabe ressaltar, conforme
Motta (2004, p. 118-119) ao tratar de envelhecimento, a importância da busca da sociedade pela
“convivência, privada e pública, com as outras gerações”, dizendo ainda que “Resta, então, [...], o
encontro geracional”.
Portanto, no encontro geracional, seja no plano das relações familiares, sociais ou de
amizade poderão ocorrer experiências comuns capazes de criar laços (profundos) entre
mulheres que se sentem ligadas por um destino comum, tanto jovens como idosas,
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fortalecendo os processos educativos de trabalho e produção local, uma vez que, como nos diz
Motta (2004, p. 118): “O reencontro e a solidariedade geracionais são grandes e bons
momentos iniciais na trajetória do idoso em busca da redefinição de um lugar social [...]”.
Durante discussões realizados no grupo de pesquisa e estudos multidisciplinar da
IEPS/UEFS e da disciplina "Educação, Gestão e Desenvolvimento Local e Sustentável",
cursada na Universidade Estadual da Bahia (UNEB), é possível dialogar e, portanto,
fundamentar a pesquisa aqui proposta por meio dos estudos de economistas, historiadores,
geógrafos, sociólogos, educadores entre outros, como Paulo Singer, Katia Mattoso, Milton
Santos, Boaventura de Sousa Santos, Avelar Mutim, estreitando laços entre o local e o global.
O Método utilizado será a pesquisa exploratória, a qual, segundo Gil (2002, p. 41) tem
“[…] como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo
mais explícito […]”, portanto se dará por meio de respostas dadas por mulheres da
comunidade, durante entrevistas e rodas de conversa, enquanto instrumento de coleta de
dados e informações. Ainda a pesquisa bibliográfica que, conforme Gil (2002, p. 44) “[…] é
desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e
artigos científicos. […] Boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas
bibliográficas”. Também será realizada pesquisa documental, a qual “[…] muito se assemelha
à pesquisa bibliográfica. Logo, as fases do desenvolvimento de ambas, em boa parte dos
casos, são as mesmas” (GIL, 2002, p. 87).
Portanto, com vistas ao aqui proposto teremos como pergunta norteadora: Como gerações de
mulheres da Comunidade Quilombola “Lagoa Grande" atuam organizadas em produção associada?
Com vistas a responder a esta pergunta, temos os seguintes objetivos: Geral – Analisar como
gerações de mulheres da Comunidade Quilombola “Lagoa Grande" atuam organizadas em produção
associada? Específicos - Identificar a vivência das mulheres da Comunidade Quilombola Lagoa
Grande; Diagnosticar saberes das mulheres em estudo e verificar como elas articulam e
compartilham esses saberes para as práticas produtivas; Investigar como se dá o encontro geracional
entre as mulheres da comunidade; Discutir possibilidade de contribuir para mais capacitação
profissional das mulheres em estudo, junto com a equipe multidisciplinar da IEPS, quanto à atuação
na economia popular e solidária; Construir coletivamente estratégias de articulação e
compartilhamento de saberes orientados para melhoria de práticas produtivas.
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Feira de Santana carece de programas e iniciativas que busquem não somente o crescimento
econômico, mas também alcançar metas para o desenvolvimento local sustentável e a consolidação
de oportunidades que possibilitem a inserção socioprodutiva de grupos marginalizados surgiram
processos de incubação por meio da IEPS/UEFS.
2 MULHRES QUILOMBOLAS, ENCONTRO GERACIONAL E ECONOMIA POPULAR E
SOLIDÁRIA
As mulheres desta pesquisa, cuja Comunidade Quilombola está situada no município de
Feira de Santana, um dos que mais cresce economicamente no Estado da Bahia; embora,
paradoxalmente, esse crescimento não é usufruído por uma parcela significativa da população,
particularmente, da faixa etária ingressante no processo produtivo, pessoas com idade avançada,
além de analfabetos e semialfabetizados que são obrigados, por não haver outra opção, a
participarem das Feiras Livres espalhadas por toda parte da Cidade, permanecendo por longos
períodos às margens do crescimento e desenvolvimento econômicos, reproduzindo-se à revelia dos
benefícios governamentais e mercadológicos que uma economia dessa natureza poderia
proporcionar (MESSIAS; LIMA, 2015).
A partir do ano 2016 a IEPS da UEFS, por meio de cursos e treinamentos, pautados na “[...]
interdisciplinaridade [...] entendida aqui como estrutural, e que exige “a identificação de uma
problemática comum [...] e de uma plataforma de trabalho conjunto, colocando-se em comum os
princípios e os conceitos fundamentais...” (VASCONCELOS, 2002, p. 47), programou um projeto
de Incubação de Iniciativas Econômicas Populares Solidárias, para atuação no espaço da Cantina do
Módulo I, com alimentação, lanches e refeições, a maioria deles com produtos da culinária regional
como: cuscuz, mingau de tapioca, bolo de aipim, beiju, galinha caipira, comida baiana, entre outros.
Os alimentos são comercializados entre o público interno da comunidade universitária
(professores, funcionários e estudantes), os quais apreciam o consumo consciente de produtos e
serviços da EPS, também possibilita potencializar um espaço integrado de aprendizagem na
perspectiva do trabalho coletivo, cooperação, solidariedade, associação entre outros princípios,
visando o desenvolvimento de ações de capacitação profissional, empoderamento dos sujeitos, com
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vistas à inserção socioprodutiva e à promoção da cidadania aos participantes de iniciativas
municipais de EPS no âmbito da comunidade universitária (MESSIAS; LIMA 2015).
Segundo Mutim (2007, p. 115):
A construção de sociedades sustentáveis tem como pressuposto o alcance de metas também
previstas para o desenvolvimento local sustentável. São elas: a) satisfação das necessidades
básicas da população; b) solidariedade para com as gerações futuras; c) participação da
população envolvida; d) preservação dos recursos naturais; e) elaboração de um sistema
social que garanta emprego, segurança social e respeito a outras culturas; e f) efetivação dos
programas educativos e culturais que apoiem a sociedade a buscar soluções para os
conflitos socioambientais vivenciados.
E é na tentativa de alcançar essas metas que a equipe da IEPS acompanha as mulheres
incubadas, as quais vendiam seus produtos (alimentos, vegetais, artesanatos etc.) em feiras livres do
município. Atualmente, recebem orientação dada por membros da incubadora (docentes, discentes e
técnicos) de diversas áreas como: economia, contábeis, administração, nutrição, psicologia, direito,
agronomia.
O suporte dado a essas mulheres pela equipe da IEPS, comprova o dito por Tigre (2006, p.
136-137) que: “A existência de infra-estrutura social e tecnológica adequada é uma condição
fundamental para o sucesso da empresa inovadora. Isso inclui a oferta de recursos humanos
qualificados, instituições de ensino e pesquisa [...]”. Assim, esta pesquisa é importante para o
momento contemporâneo, quando as discussões sobre a longevidade aumentam e se buscam
alternativas para amparar mulheres e homens que têm vivido mais, devendo-se buscar formas para a
boa convivência e o encontro geracional demonstra ser uma dessas alternativas.
Segundo Motta, (2010, p. 228-229): “A tradição antropológica é responsável pela […]
acepção de geração, que se expressa, basicamente, em termos de idades (grupos etários,
categorias de idade, classes de idade etc.) [...]”. Essa autora, ao tratar dos estudos de
Mannheim, nos diz que ele não desvincula, evidentemente, geração e grupo de idade ao dizer
que: “[...] o fenômeno social geração nada mais representa do que um tipo particular de
identidade de situação de grupos de idade mergulhados num processo histórico social”
(MANNHEIM, 1928, p. 137).
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Neste estudo, que pretende tratar de encontro geracional de mulheres, usaremos como
parâmetro mulheres das faixas etárias descritas por Francisco3 como adultas (20 a 59 anos) e
idosas (a partir de 60 anos). Mulheres essas que no dia a dia compartilham saberes e buscam
soluções aos problemas por quais perpassam, uma vez que, do contato com as gerações mais
velhas, as jovens podem encontrar uma base afetiva, um aprendizado com a experiência e
competência, também conhecer uma visão de mundo diferente e as mais velhas podem por
meio das relações com as mais jovens aproximarem-se do mundo delas, inclusive atualizando-
se com as inovações tecnológicas, enquanto os mais jovens podem trocar emoções, afetos e
experiências.
Com base no pensamento de Freire (2004, p. 29), cabe a afirmativa: “Pesquiso para
conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade”. Assim, conforme,
Henriques (2013) cabe ampliar a comunicação e divulgação científica do conhecimento a fim de
extrapolar pequenos e poucos grupos para a comunidade (local), a sociedade brasileira e, quiçá,
mundial (global). Essas ações devem propiciar o diálogo entre os saberes técnicos e científicos e os
saberes popular e cultural, processo que gera novos conhecimentos e potencializa ações
emancipatórias, democráticas, solidárias e transformadoras (FREIRE, 1996, 2004; SANTOS, 2004,
2010).
Assim, com esta proposta, cabe ressaltar, conforme Motta (2010, p. 226) que: “A geração,
em um sentido amplo, representa a posição e atuação do indivíduo em seu grupo de idade e/ou de
socialização no tempo”.
Para o sociólogo Dirceu Nogueira Magalhães (2000, p. 37) gerações:
[...] são mais que coortes demográficas. Envolvem segmentos sociais que comportam
relações familiares, relações entre amigos e colegas de trabalho, entre vizinhos, entre
grupos de esportes, artes, cultura e agremiações científicas. Implicam estilos de vida,
modos de ser, saber e fazer, valores, ideias, padrões de comportamento, graus de absorção
científica e tecnológica. Comporta memória, ciência, lendas, tabus, mitos, totens,
referências religiosas e civis.
Portanto, no grupo de mulheres desta pesquisa, ocorrem relações familiares, em que há troca
de saberes, culturas, valores, ideias, comportamentos, exemplos, afetividade, envolvidas pela EPS, a
qual se baseia em iniciativas de solidariedade, igualdade e cooperação entre seus membros, como
3 Divisão por faixa etária: Jovens – do nascimento até aos 19 anos de idade; Adultos – corresponde à população
que possui entre 20 a 59 anos de idade; Idosos ou melhor idade – pessoas que apresentam 60 anos de idade ou
mais (FRANCISCO, on-line).
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forma de resistência ao modo de produção capitalista e na tentativa de gerar trabalho e renda para
uma parcela de excluídos. As mulheres deste estudo dão exemplo de propriedade coletiva e de
direito à liberdade do indivíduo, pois a solidariedade na economia pode ser viável ao ser organizada
de forma igual por aquele que se associa com o intuito de produzir, comerciar, consumir ou poupar.
Segundo Paul Singer (2008, p. 289) a EPS é:
[...] um modo de produção que se caracteriza pela igualdade. Pela igualdade de direitos, os
meios de produção são de posse coletiva dos que trabalham com eles – essa é a
característica central. E a autogestão, ou seja, os empreendimentos de economia solidária
são geridos pelos próprios trabalhadores coletivamente de forma inteiramente democrática,
quer dizer, cada sócio, cada membro do empreendimento tem direito a um voto. Se são
pequenas cooperativas, não há nenhuma distinção importante de funções, todo o mundo faz
o que precisa. [...]. É o inverso da relação que prevalece em empreendimentos
heterogestionários, em que os que desempenham funções responsáveis têm autoridade
sobre os outros
Em uma economia popular e solidária a sociedade seria muito menos desigual, pois como
diz Paul Singer (2004, p. 9) a associação entre iguais, em vez do contrato entre desiguais, é a chave
da proposta da EPS.
No processo de construção da EPS, grupos de mulheres têm se organizado no Brasil. É
nesse processo que se encontram as jovens que fazem parte desta pesquisa. Pretende-se responder
ao questionamento aqui apresentado, uma vez que no cenário atual, a maneira acelerada e
incessante com que as sociedades vêm se transformando em função da intensificação dos meios de
comunicação, da globalização e da diversidade de influências culturais trazidas para as
comunidades, tem significativas implicações para as relações intergeracionais.
As distintas categorias em que vivem homens e mulheres são originadas pelas construções
sociais e econômicas, as quais causaram uma relação social de sexo. Historicamente, os homens são
os provedores da família, embora as obrigações familiares estejam sob a responsabilidade das
mulheres e, tanto as empresas como o poder público são coniventes com esta composição social e
econômica, com o intuito de fazerem com que as mulheres renunciem a um trabalho formal para
cuidar da família.
Diante disso, cabe-nos entender que a EPS pode ser um dos caminhos para o processo de
emancipação da mulher, uma vez que se estabeleceria como uma possibilidade alternativa de
sustentação das pessoas na sociedade sem foco nas esferas do Estado e do mercado, permitindo,
assim, maior autonomia e igualdade de gênero. A EPS está ligada à construção de uma sociedade
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mais democrática e justa, podendo defender uma concepção de trabalho que potencialize as
capacidades dos indivíduos como seres conscientes, livres e socialmente inseridos em dinâmicas de
vida coletiva e solidária, pois essa economia tem despontado como um meio importante para o
processo de sociabilidade, por criar um espaço para a interação democrática e equitativa, apontada
pelo diálogo e pelos processos emancipatórios e criativos (TEODÓSIO; MUNDIM, 2011, p. 280).
A EPS, por se tratar de uma organização que preza a solidariedade e cooperação entre seus
membros, apresenta-se como uma probabilidade de que as diferenças de gênero sejam superadas,
podendo as mulheres fazer valer seus direitos, uma vez que elas sozinhas e/ou com os homens
podem se engajar e superar desigualdades sociais, transformando-as em direitos reais.
Ainda em relação às questões de gênero, “Outro desafio importante do Movimento da
Economia Popular Solidária é debater e proporcionar a mudança cultural não só nas relações de
trabalho, mas também partilhar entre mulheres e homens as necessidades do cuidado com o outro
[...] (BERNADI; ANGELIN, 2007, [s.p.]).
Dessa forma, a mulher inserida na EPS percebe o sentido do termo solidariedade, não o
combinando a termos como paternalismo, caridade ou filantropia, mas ao comprometimento do
trabalho coletivo, cooperativo, comunitário, demonstrado pelas componentes do processo de
incubação desta pesquisa.
3 O GRUPO SABORES DO QUILOMBO E A COMUNIDADE QUILOMBOLA
LAGOA GRANDE
Inicialmente houve o processo de incubação do primeiro e um grupo na Cantina do
Módulo VII da UEFS, iniciado no ano de 2008, com mulheres da Cooperativa
COOPERMASOL, as quais hoje atuam fora da UEFS como gestoras do seu próprio negócio
no ramo de alimentação, lanches e refeições, com produtos da culinária regional. O término
da incubação desse grupo se deu em dezembro de 2014.
Cabe ressaltar, como diz Santos (2002, p. 15) que associações e “[...] cooperativas
surgem como alternativas de produção fatíveis e plausíveis, a partir de uma perspectiva,
porque estão organizadas de acordo com princípios e estruturas não capitalistas e, ao mesmo
tempo, operam numa economia de mercado”. Assim a IEPS/UEFS prossegue com processos
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de incubação. Atualmente o grupo da comunidade Formiga – terceiro grupo – assumiu a
Cantina do Módulo VII e o grupo Sabores do Quilombo assumiu a cantina do Modulo I.
O grupo produtivo Sabores do Quilombo é composto por 18 mulheres, com idade
entre 20 e 35 anos, as quais, após a realização de reuniões, cursos, oficinas passaram a fazer
parte do projeto de incubação, sob os princípios da autogestão, solidariedade, ação econômica
e cooperação. Cabe ressaltar que durante a incubação ainda são realizadas reuniões e oficinas
e também são oferecidos cursos e treinamentos, como: de manuseio de alimentos, gestão de
recursos e estoque, contabilidade, entre outros. Atividades essas realizadas pela equipe
multidisciplinar que faz parte da IEPS/UEFS, formada por professores, técnicos e estudantes
dos cursos de Administração, Agronomia, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Direito,
Engenharia de alimentos, Pedagogia e Psicologia.
Ao tratarmos de economia popular e solidária cabe ressaltar que com essa economia a
sociedade seria muito menos desigual, pois como diz Paul Singer (2004, p. 9) a associação
entre iguais, em vez do contrato entre desiguais, é a chave da proposta da EPS e, “Para uma
sociedade em que predominasse a igualdade entre [...] seus membros, seria preciso que a
economia fosse solidária em vez de competitiva. [...] os participantes [...] deveriam cooperar
entre si em vez de competir”.
A população brasileira, em sua maioria, apresenta descendentes de africanos que
representam o maior contingente populacional fora da África. E, a população quilombola é
formada por negros que vivem juntos, possuem forte vínculo familiar e conservam suas
crenças e tradições culturais e religiosas. Assim cabe concordar com o dito por Katia Mattoso
(2003), historiadora grega, radicada na Bahia, que nos diz serem os quilombos e mocambos
uma forma de resistência coletiva, que combinava não apenas a fuga, mas a reorganização do
viver.
Em todo o território brasileiro podem-se encontrar quilombolas. Na Bahia, segundo
Hermes (2017 on-line) há “736 comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares, a
Bahia está no topo do ranking dos estados brasileiros com localidades reconhecidas como de
descendentes de quilombolas”.
Entre os quilombos existentes no Brasil, no Nordeste, na Bahia está a Comunidade
Quilombola Lagoa Grande, da qual faz parte o grupo Sabores do Quilombo. Essa comunidade
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está situada no semiárido baiano, lugar que como dizem Nunes, Santos e Barreto (2015, p.
184):
[…] é, sem dúvida, um dos roteiros principais, palco de batalhas e conquistas, portal
de entrada, transição, agreste, mas doce como umbu. Essa complexa realidade
postula uma identidade em cada município, em cada povoado, identidades próprias,
de resistências percebidas entre eles.
A Comunidade Quilombola Lagoa Grande está localizada no Distrito de Maria
Quitéria-Feira de Santana, no Território de Identidade Portal do Sertão-Bahia. O nome da
comunidade é atribuído a uma lagoa de aproximadamente 6 km, que existiu durante muitos
anos, a qual fornecia água para os habitantes do local e sua fauna de diversas espécies servia
como alimento para a população (MENDONÇA, 2014). Com o passar dos anos, porém, a
lagoa foi sendo degradada e o que existe atualmente é apenas um espelho d’água, porque o
solo não retém mais a água.
Quanto à origem dos quilombolas da Lagoa Grande, diz nos Mendonça (2014, p. 98)
que logo após a abolição da escravatura, entre os anos de 1900 a 1911,
Três irmãos, dentre eles Luís Pereira dos Santos, foram morar na Lagoa Grande.
Esses irmãos desbravaram o lugar, saindo das origens de Matinha dos Pretos e, após
se apossarem de uma parcela de terra propícia ao plantio e com água potável, eles
decidiram residir naquelas terras conhecidas por Lagoa Grande.
A Biblioteca Virtual Consuelo Pondé (on-line), no entanto, relata que a mudança
desses irmãos para o local se deu porque:
[...] certo fazendeiro que se havia apoderado das terras da Lagoa Grande - visto elas
serem terras devolutas ou da Igreja Católica do São José (por volta do 1900) –
solicitou-lhes que viessem da Matinha dos Pretos para "tomar conta" daquelas terras,
para virarem cuidadores da propriedade rural, e ali se instalaram e formaram suas
famílias.
Ainda na Biblioteca é relatado que com a construção da BR 116 Norte, a área contínua
das terras foi separada, modificando a dinâmica de relações entre comunidades de um lado e
do outro, isso, porém, se deu sem prejudicá-las. E,
Os vínculos simbólicos e de parentelas entre os territórios das comunidades
quilombolas Matinha e Lagoa Grande – as comemorações de nascimento e
falecimento, casamentos entre moradores de ambas as comunidades; a participação
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nas festas comunitárias; as celebrações religiosas e também as visitas aos parentes –
não acabaram.
Assim, antes da organização da comunidade de Lagoa Grande, alguns dos seus
moradores residentes nas localidades de Cerrado, Balagão e Candeal, resolveram se instalar
em Lagoa Grande para (re) construir suas famílias, uma vez que encontraram terra e água em
abundância (BIBLIOTECA..., on-line).
A história sobre o processo de acesso às terras da comunidade quilombola Lagoa
Grande é longa e extensa, por meio de luta pelo direito aos recursos naturais, como água, terra
e demais direitos sociais, pois os aspectos agrários e rurais persistem nas suas formas de
trabalho, como sujeitos do campo.
4 CONSIDERAÇÕES, AINDA NÃO FINAIS…
As considerações ainda não são finais porque, enquanto membro da equipe da IEPS e
autora deste artigo, estamos dando andamento às pesquisas bibliográfica e documental na
UEFS e na Comunidade Lagoa Grande. Cabe ressaltar que em roda de conversa com
mulheres da Comunidade Lagoa Grande já se percebe formas de encontro geracional quando
elas nos demonstram troca de saberes e atuam organizadas em produção associada, portanto,
realizamos um dos objetivos específicos aqui apresentados.
A UEFS, como abordamos anteriormente, por meio da IEPS, pautada na extensão e
pesquisa, tem em processo de incubação mulheres da comunidade quilombola lagoa grande –
grupo Sabores do Quilombo – as quais, pautadas na EPS, atuam com autogestão, produção e
comercialização de alimentos na Cantina do Modulo I do seu Campus.
Portanto, os próximos passos desta pesquisa serão, nos encontros com membros da equipe
multidisciplinar da IEPS/UEFS discutirmos formas para maior capacitação profissional e quanto à
atuação na economia popular e solidária das mulheres em estudo, após ouvi-las em roda de
conversa e entrevista para assim construirmos, coletivamente, estratégias de articulação e
compartilhamento de saberes orientados para melhoria de práticas produtivas, podendo então
darmos continuidade à pesquisa e em breve apresentarmos os resultados.
REFERÊNCIAS
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