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16.00 h
Projeção:
Barnabé, tu és meu / O baile perfumado
A representação do árabe nestes filmes recebe dois tratamentos distintos,
o que mostra sua trajetória singular no cinema brasileiro. No primeiro, o
estereótipo do mundo árabe de palácios, véus e sultões é anarquizado por
Oscarito (Barnabé) e Grande Otelo (Abdula) numa delirante carnavalização
às superproduções hollywoodianas, típica das paródias das chanchadas da
Atlântida. Na comédia de José Carlos Burle, a popular dupla de comediantes
(Barnabé, malandro carioca confundido com o sexto herdeiro de Salomão
por ter uma estrela de David tatuada na mão, e Abdula, o abanador-mor da
princesa Zuleima) terminam ludibriando o amável Salomão, mascate a
quem Barnabé deve dinheiro e que faz apenas breves aparições. No segundo
filme, baseado numa história real, o mascate libanês Benjamin Abrahão
embrenha-se no sertão para filmar Lampião e seu bando, e o imigrante árabe
que até então fizera papéis pequenos, embora marcantes, em filmes como
O Cangaceiro e Corisco, o Diabo Louro, torna-se protagonista. Ao colocar em
na Bienal de Veneza de 2007. Alighiero Boetti trabalhou-as em suas obras têxteis – Maps, Games, etc. – e em
seus textos reconhece-as como a obra de arte mais importante dos anos oitenta. Em 2001 a empresa Moritzu
desenvolveu uma máquina de tricotar que incorporava os padrões das Afghan War Rugs.
de rasgos árabes… [cara de árabe…]
São Paulo, de 2 a 5 de setembro de 2008
1 Hilal Sami Hilal, Sherezade, 2007
2 José Tannuri, Fragmentos vermelhos, série EQL, 2006
IntroduçãoPrólogoSeminárioApresentações
5 13 21 43
Introdução 5
de rasgos árabes… [cara de árabe…]
São Paulo, de 2 a 5 de setembro de 2008
A Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento
executa o seu trabalho no âmbito da cooperação cultural na América Latina
através de uma rede de Centros Culturais da Espanha que se situam nas
principais capitais desse âmbito regional. Em São Paulo, embora o Centro não
disponha ainda de uma sede definitiva que permita a programação em espaço
próprio, a AECID vem realizando uma intensa programação em associação
com uma ampla gama de instituições locais e organizações da sociedade civil.
Como já vem ficando claro para aquelas instituições e pessoas que
acompanham a nossa programação, a ênfase do trabalho que realizamos não
é a mera promoção da cultura espanhola no nosso país de acolhida, mas o
desenvolvimento de iniciativas, que impliquem atores locais, em assuntos de
interesse comum, especialmente quando estes têm possibilidades de análise
num âmbito regional, como pode ser o espaço MERCOSUL, ou diretamente o
espaço ibero-americano.
É uma prática comum também a produção de projetos em rede,
que implicam vários Centros da cooperação cultural espanhola, como é o
caso deste projeto De rasgos árabes..., no qual estão envolvidos os centros
de Buenos Aires, El Salvador, a Cidade do México, Santiago do Chile e São
Paulo. Quem nos propôs que fizéssemos uma reflexão sobre esse tema
foi justamente a diretora do Centro Cultural em Buenos Aires, comovida
pela explicação da polícia britânica que, na seqüela dos atentados
terroristas de Londres em julho de 2005, justificou seu crasso erro ao matar
o eletricista brasileiro Menezes alegando que este tinha “cara de árabe”
(?!). A reflexão proposta incidiria nesta arbitrária demarcação regional, não
de uma perspectiva acadêmica em sentido estrito, mas da perspectiva
da cotidianidade. Os Centros já citados, todos eles em países com uma
importante presença “árabe” (no sentido que o curador expõe em seu texto
a seguir), acolheram com entusiasmo a proposta.
IntroduçãoPrólogoSeminárioApresentações
Este projeto não pretende resolver nenhuma incógnita, mas
trabalhar a partir da própria ambigüidade do termo, a partir dos próprios
tópicos, das incertezas, da acumulação de indícios; investigar não para
concluir mas para seguir agregando perguntas, dúvidas, rupturas,
contágios, cruzamentos. Trata-se de um processo de trabalho que prevê,
numa primeira fase, a realização de um seminário inicial, em cada
um dos países participantes, sobre temas específicos de cada país e uma
segunda fase, já em 2009, na qual se montará um programa itinerante,
compêndio dos aspectos mais relevantes que tiverem surgido em cada
país nos diferentes âmbitos. Assim, este seminário que apresentamos
dá continuidade ao realizado em Buenos Aires no começo de julho e
precede os que se realizarão, em ordem cronológica, em El Salvador,
na Cidade do México e em Santiago do Chile.
Isto é, terá um fechamento previsto, como todo projeto, mas
unicamente para acolher outros debates, outras vozes. Por esta razão
escolhemos como diretor do projeto um artista e curador (espanhol),
Pedro G. Romero, que trabalha sempre na corda bamba da pergunta lúcida
e da informação exagerada. Pela mesma razão escolhemos, em cada um
dos países, pesquisadores (Fernando Gerheim no caso brasileiro) não
necessariamente especialistas, mas sim com uma criativa curiosidade,
capazes de estar abertos a todas as possibilidades que o trabalho em
andamento possa suscitar. Trata-se de percorrer um caminho do qual
só sabemos o começo. O mapa que se vier a construir será incompleto e,
talvez, estranho, mas se parecerá um pouquinho com o que em alguma
medida somos.
Ana Tomé
Diretora do Centro Cultural da Espanha em São Paulo
6 de rasgos árabes…Introdução
de rasgos árabes... é um projeto que tem um marco temporal de três anos,
nos quais pretende-se ativar todos aqueles indicadores que cultural,
social e politicamente vinculam a América Latina com o imaginário que
entendemos por mundo “árabe”.
No campo expandido da prática artística e visual contemporânea
e por meio de diferentes seminários, publicações, ciclos de cinema e
audiovisuais, edições de materiais de diversos tipos, apresentações de
autores e máquinas culturais, ensaios de museografias e pesquisas, funções
de arqueologia e ficção, mostras de músicas e escrituras, porta-vozes de
análises antropológicas e sociais, mesas de estudos e operações culturais,
visualizações de trabalhos de diferentes literaturas e artes, lugares de
arquivos e ações diferentes, práticas textuais e performativas, arquiteturas
e coreografias em seu sentido mais amplo, serão postas em circulação
novas perspectivas e representações sobre o tema, de rasgos árabes...
na América Latina.
Neste segundo seminário de São Paulo queremos apresentar
debates e análises sobre alguns dos indicadores locais que visualizam
de forma mais clara o conflito de representação do árabe, de rasgos árabes...
no contexto brasileiro, seguindo a estrutura da pesquisa que contemplamos,
em: Políticas – os conflitos sociais e simbólicos na zona conhecida como
Tríplice Fronteira entre o Paraguai, o Brasil e a Argentina e suas repercussões
no resto do país; Histórias – as desventuras identitárias da emigração
procedente da desintegração do império otomano desde finais do século
XIX; e Mitologias – o substrato cultural do árabe na polêmica civilização
e barbárie. Uma série de filmes vinculados culturalmente a este fazer do
árabe no imaginário brasileiro ilustrará as diferentes sessões do seminário.
Também concertos e apresentações de trabalhos de artistas e materiais
com de rasgos árabes... serão desdobrados nesses dias na Cinemateca
Brasileira como uma forma de introdução geral do projeto.
Como prólogo a estas jornadas e seguindo o modelo do seminário
de Buenos Aires, onde convidamos o projeto Representações árabes
contemporâneas junto com sua diretora Catherine David, queremos
convidar aqui, antes de prosseguir com as jornadas de México D.F.,
São Salvador e Santiago do Chile, a plataforma Transacciones/FADAIAT
que sobre a fronteira Espanha, Marrocos e Gibraltar produziu UNIA
arteypensamiento sob a direção de Mar Villaespesa. São várias as razões
que tornam a sua presença pertinente: fundamentalmente o entendimento
econômico da fronteira como um lugar de intercâmbio: matérias-primas,
fluxos de informação, endereços culturais. O novo âmbito geopolítico
desta fronteira sul convida a decifrar como esses intercâmbios comerciais
– gás, eletricidade, mão-de-obra imigrante, contrabandos, informação,
Introdução 7 de rasgos árabes…
delinqüências, terrorismo etc. – marcam formas de aparição cultural na
qual o “árabe” – o traço magrebino é determinante na zona – aparece
com novas formas. Nesse sentido estas novas mutações culturais não
são muito diferentes das que aparecem na Tríplice Fronteira que, ao
sul, estreitam o Brasil, a Argentina e o Paraguai. Estes novos modelos
culturais exigem, porém, novas respostas. A plataforma Transacciones/
FADAIAT só foi possível com um conceito de produção diferente que
trabalhe com a flexibilidade institucional e permita que a resposta
cultural seja disseminada e expandida, concorrendo com a sua mesma
forma estas novas operações comerciais. O projeto será apresentado
aqui por sua produtora BNV Producciones, e estaremos atentos a essas
modificações da produção de sentido no âmbito atual das novas relações
socioeconômicas do capitalismo tardio. Em vários sentidos: a mutação do
“traço” árabe neste novo âmbito de relações, mas também o novo âmbito
expandido da cultura visual, que permite maiores cotas de democratização
horizontal e novos domínios consumistas, mercantis e espetaculares,
o desenvolvimento saudável de uma pirataria em geral ou os novos
banditismos liberais.
Basicamente estas jornadas propõem não só anunciar o projeto
de rasgos árabes..., dar-lhe uma carta de apresentação, como também
estabelecer um vínculo de trabalho, um núcleo de atração para iniciativas,
produções e projetos concomitantes, uma janela por meio da qual é
possível visualizar diferentes olhares sobre o árabe no Brasil e em outras
zonas da América Latina, nas quais iniciamos o trabalho, ser o arranque
da máquina de sentidos na qual se quer constituir de rasgos árabes...
Pedro G. Romero
Diretor do projeto de rasgos árabes...
8 de rasgos árabes…Introdução
9 José Tannuri, Fragmentos vermelhos, série EQL, 2006
10 Oscar Brahim, intervención en la vía pública, 2001
11 Sebastião Miguel, O corpo e as armas, 1982
12 Rafael Assef, Jogo 3, MJ da série Jogo de Dados, 2005
IntroduçãoPrólogoSeminárioApresentações
Prólogo 13 Representaciones árabes contemporáneas
Transacciones/FADAIAT
São Paulo, 2 de setembro de 2008
Cinemateca Brasileira
O Estreito de Gibraltar é um espelho simétrico, no qual estão refletidas
duas cidades, Tarifa e Tânger, que há séculos se contemplam, mas que
nunca combinaram as suas imagens. A fronteira entre a Espanha e o
Marrocos é muito mais que uma fronteira política e econômica. O Estreito
é uma fronteira a partir da qual se pode ver e exteriorizar o problema da
“diversidade cultural” ou da “identidade”, conceitos estes sobre os quais o
discurso oficial se empenha em assentar grande parte dos atuais conflitos,
medos e sentimentos defensivos, que induzem a população a apoiar a
moderação, a racionalidade e principalmente a centralidade executiva do
que conhecemos como civilização ocidental.
Disso foi resultado a primeira edição de Transacciones/FADAIAT em
2004, um projeto impulsionado por UNIA arteypensamiento, articulado
em torno a múltiplas células que puseram em funcionamento um conjunto
de ações nas quais criação e ativismo concorreram para estender pontes
(in)visíveis sobre a fronteira que estrangula o Estreito de Gibraltar. O lema
sobre o qual se trabalhou, também simétrico, foi: liberdade de conhecimento/
liberdade de movimento, uma vez que o projeto foi centrado numa micro-
narrativa a partir do excesso transbordante, naqueles dias, dos movimentos
migratórios em tal lugar e de um incipiente trabalho, em ambas as margens,
que permitia multiplicar as redes de cooperação social; processos que
tornavam possíveis novas alianças entre trabalhadores migrantes e produtores
culturais: ativistas, teóricos, comunicadores, hackers e artistas; coletivos
e grupos como Hackitectura, Aljaima, Casa de Iniciativas, Zemos 98 etc.
Em 2005 e 2006 foram realizadas duas novas edições de Fadaiat,
nas quais não foi necessária a participação de UNIA arteypensamiento,
o que faz parte da lógica produtiva desse programa.
Dos trabalhos que se apresentam, Estrecho Adventure pertence ao
arquivo online multimídia Transacciones, e os outros três são uma seleção
de trabalhos de autores marroquinos que se apresentaram no programa
Extra de vídeo do Laboratório Fadaiat, procedentes dos Arquivos de OVNI
(observatório de vídeo não identificado; www.desorg.org).
PROGRAMA
Terça-feira, 2 de setembro de 2008
17.00 h
Projeção:
Estrecho Adventure
Estrecho Adventure analisa a imigração procedente das costas norte-
africanas e adota o formato visual de videojogo. Numa primeira parte o foco
principal é Abdul, personagem principal que deve superar uma série de
obstáculos para cruzar a fronteira. A segunda parte do vídeo nos mostra as
ruas de uma cidade marroquina onde as crianças brincam com um videojogo.
Cuando los hombres lloran
Documentário rodado na Andaluzia, trata da imigração clandestina dos
marroquinos na Espanha. A clarividência política não é a única virtude deste
filme que narra também, de maneira digna, a impotência e a vergonha desses
homens incapazes de voltar à sua terra e revelar o fracasso de seus sonhos.
Estrecho Adventure (1996),
Valeriano López, 6’25’’
Cuando los hombres lloran
(2000), Yasmine Kassari, 57’
Living in Barcelona (2001),
Zohr Rehihil, 15’
Boujad, a nest in the heat
(1992), Hakim Belabbes, 45’
14 resentaciones árabes contemporáneasPrólogo
15 Representaciones árabes contemporáneas
Living in Barcelona
Numa pequena oficina realizada em Barcelona, Zohr realizou este vídeo
sobre a imigração marroquina na mencionada cidade, um dos principais
destinos dos imigrantes magrebinos na Espanha.
Boujad, a nest in the heat
Boujad constitui um olhar pessoal e angustiado aos temas da separação,
a independência e o retorno. É a crônica da viagem que o diretor do
filme realizou desde sua casa em Chicago até a sua cidade natal, Boujad
(Marrocos).
19.30 h
Transacciones/FADAIAT: produção, autoria, circulação, conferência de
Joaquín Vázquez.
“Somos mo ros, estamos negros”: as marcas do árabe nas novas
transações culturais, diálogo entre Joaquín Vázquez e Pedro G. Romero.
Pedro G. Romero. Atua como artista desde 1985. Desde finais dos anos
noventa trabalha em dois projetos diferentes, o Archivo F.X. e a Máquina
P.H. No âmbito do Archivo F.X. destacam-se: a produção na Fundació Antoni
Tàpies do projeto La ciudad vacía: (2005-2007) e o primeiro número de
Archivo F.X. Documentos y materiales, um boletim informativo sobre todos os
trabalhos do Arquivo realizado no âmbito do projeto Heterotopias, di/visions
(from here and elsewhere) com curadoria de Catherine David para a Bienal
de Thessaloniki (2007). Entre os trabalhos de Máquina P.H., destacam-se a
direção de Arena (2004), La Edad de Oro (2005), Tabula Rasa (2006) e El final
de este estado de cosas (2007) com o “bailaor” de flamenco Israel Galván;
e as curadorias de projetos como Vivir en Sevilla, Construcciones visuales,
flamenco y cultura de masas desde 1966, apresentado no Centro Andaluz de
Arte Contemporânea em Sevilha, no Centro Cultural da Espanha no México
D.F. e o Conjunto Cultural da Caixa de Salvador na Bahia, Brasil (2005-2006)
e da exposição La noche española: Flamenco, vanguardia y cultura popular
1965-1936, realizada em colaboração com Patricia Molins e apresentada
no Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía-MNCARS em Madri e no
Petit Palais em Paris (2008). Foi também curador espanhol e editor de
Un teatro sin teatro no Museu d’Art Contemporani de Barcelona-MACBA
(2006). Desde 2007 colabora na seção nacional dos Arquivos MACBA em
Barcelona e MNCARS em Madri. Faz parte da PRPC (Plataforma de Reflexão
de Políticas Culturais) em Sevilha e é membro da equipe de conteúdos da
UNIA arteypensamiento da Universidade Internacional da Andaluzia.
Prólogo
16 Representaciones árabes contemporáneas
Joaquín Vázquez*. Co-fundador e membro de BNV Producciones,
empresa de produção de cultura contemporânea que se dedica a produzir
e coordenar exposições, assistir a representantes e/ou artistas, editar
e supervisionar publicações. A BNV foi criada em 1988 e iniciou sua
trajetória dentro das artes plásticas com a exposição El Sueño Imperativo,
representado por Mar Villaespesa, que se apresentou no Círculo de Belas
Artes de Madri em 1991. Produziram outros projetos como Plus Ultra,
o programa UNIA arteypensamiento da Universidade Internacional da
Andaluzia ou Desacuerdos. Sobre arte, políticas y esfera pública en el Estado
español, uma co-produção entre Arteleku-Diputación Foral de Gipuzkoa,
Centro José Guerrero-Diputación de Granada, Museu d’Art Contemporani
de Barcelona (MACBA) e UNIA arteypensamiento.
*Joaquín Vázquez participará também, com suas observações e comentários, do seminário
de rasgos árabes... no Centro Cultural São Paulo durante os dias 3, 4 e 5 de setembro.
Prólogo
17 Rafael Assef, Cartografia aos 33 anos, da série Atlas, 2004
18 Lia Chaia, Minhocão, 2006
19 Lia Chaia, Comendo Paisagem, 2005
20 Mônica Nador&JAMAC, Paredes pinturas, 2006
Seminário 21 de rasgos árabes…
de rasgos árabes...
São Paulo, de 3 a 5 de setembro
Cinemateca Brasileira
A máquina de trovar de Menezes
Pedro G. Romero
O assassinato do eletricista brasileiro Jean Charles Menezes pela polícia
metropolitana inglesa em Londres supostamente confundido com um
terrorista por ter cara de árabe…1 merece a nossa atenção. Após os
atentados dos dias 7 e 21 de julho de 2005, a polícia de Londres tacitamente
tomou a decisão de “atirar para matar” em qualquer alvo suspeito. Alegam
tê-lo confundido com Husein Osman, um suposto terrorista islamista.
A informação da Independent Police Complaints Commission explica
como Menezes entrou na estação de metrô de uma maneira tranqüila e
descontraída, chegando inclusive a pegar uma edição do jornal gratuito ali
distribuído; ele foi imobilizado por um policial em um dos vagões do metrô
enquanto estava sentado; foi alvejado onze vezes, sete delas na cabeça,
uma no ombro e três tiros errados. O episódio aconteceu no contexto da
tensão social e política produzida pelos atentados terroristas de Londres.
A mesma que provocou atrasos na investigação. O dramático final da
operação Kratos (força, poder), como a polícia inglesa denominou o seu
dispositivo de segurança, teve, no entanto, um potente poder sociológico.
A tensão política acumulada no corpo social ficou assim aliviada com a
violenta resposta policial. Além do erro – que pretendem reparar com
1. No texto original a expressão de rasgos árabes..., veiculada pelos meios de comunicação
espanhóis a partir dos meios policiais ingleses, não se refere apenas ao significado literal de
traços faciais, mas está carregada de conotações culturais, criando um jogo de palavras que
em parte se perde na tradução. Durante o texto, cara de árabe… se utilizará de forma substan-
tiva enquanto de rasgos árabes… faz referência exata ao projeto.
IntroduçãoPrólogoSeminárioApresentações
Seminário 22 de rasgos árabes…
a indenização econômica posterior – a polícia considera a sua atuação
satisfatória. Menezes, transfigurado no bode expiatório da grande máquina
política, virou um calmante social e um mal necessário em momentos de
crise, com uma Londres povoada de fantasmas e medos irracionais.
Os medos que a frase cara de árabe… provoca estenderam-se de
tal forma que a cultura árabe, em qualquer de suas manifestações, começa
a ser suspeita e temida. No entanto, a qualidade etnográfica e racista cara
de árabe… citada pela imprensa e pelos informes policiais afeta não só a
maior parte da população espanhola, como também boa parte da americana
desde a chegada dos primeiros colonizadores, com todo o contingente
mourisco da migração hispano-portuguesa. E esses traços não estão
unicamente nos aspectos físicos, mas muito mais profundamente imbricados
nas nossas culturas, as chamadas “ocidentais”, como um traço diferenciador.
Literalmente, num mundo convulsionado pelos conflitos do Próximo Oriente
– Palestina, Iraque, Afeganistão etc. – cuja mundialização via os atentados
de Nova York, Madri e Londres se tornou cotidiana, o conhecimento da cultura
árabe, não só como algo distante mais ou menos exótico, mas como parte
constituinte do que somos, nos é cada vez mais urgente.
Mas ao prestarmos atenção no anedotário da causa policial contra
Menezes e refletirmos no indício cara de árabe… a perspectiva da pesquisa
também nos leva a propor certa metodologia. Desde que em meados do
século XIX o historiador de arte Giovanni Morelli expôs o seu famoso método
– basicamente um sistema para autenticar as obras de arte dos grandes
mestres a partir dos pequenos detalhes: o desenho do dedo mindinho, a
pintura do lóbulo da orelha – são muitos os desenvolvimentos inspirados pelo
seu sistema. O mais famoso é o procedimento dedutivo de Sherlock Holmes,
que o seu autor, Conan Doyle, sempre atribuiu a suas leituras de Morelli. As
ciências policiais primeiro – as pistas digitais, por exemplo – e a antropologia
e a sociologia depois também foram impregnadas pelos seus métodos,
para bem – a interpretação de mitologias – e para mal – a craniometria
racista. Mas a leitura que Aby Warburg e Sigmund Freud fazem de Morelli
é a que mais nos pode ensinar agora. Desde Freud até Lacan toda a
psicanálise desenvolve a sua linguagem separando indícios, sintomas,
significados. Warburg iniciou um sistema de conhecimentos, da iconologia
à semiótica, sem dúvida, preponderantes na História da Arte. Os estudos
visuais pode-se dizer que nascem da conjunção destes dois paradigmas que,
como salientou Carlo Ginzburg, têm em Morelli uma origem comum.
Se me detive por um momento na hora de expor um campo de
atuações metodológico não era só para situá-lo numa correlação evidente
com a casuística do affaire Menezes, mas também para ajudar a situarmos
o campo diverso de atuações que vamos empreender ao tentar reconstruir
Seminário 23 de rasgos árabes…
este cara de árabe… pela diversidade cultural latino-americana. Vai-se
tratar de um tipo de método indicial corrigido, desde o ponto e a hora em que
assumirmos amplamente os traços, indícios, índices com os quais vamos
trabalhar. Reverter o método indicial é, em parte, assumi-lo. Portanto, vai-se
tratar de reconstruir, com traços grandes e pequenos, o imaginário que o
árabe apresenta na América Latina a partir de uma vertente ampla, flexível,
expandida, transversal, rizomática.
Para isso devemos reduzir algumas perguntas, simplificá-las para
propor as qualidades dos traços que estamos ajudando a visualizar. Para
começar há o assunto do que é árabe, uma qualidade racial, a atribuição
característica de um tipo humano que não deve restringir a nossa cartografia.
Há a língua árabe, a escritura em caracteres arábicos. Há a força do
imaginário, a paisagem cultural comum na qual temos que distinguir mas
que, por isso mesmo, forma um todo cultural. O árabe do imaginário é
mais extenso que as categorias científicas que o restringem. Por exemplo,
iranianos ou turcos não podem ser desligados desse imaginário por mais
que o apelativo cara de árabe… pareça-lhes tão surpreendente como no caso
Menezes. Nosso mapa cultural inclui, portanto, culturas do Oriente Médio,
tal qual o qualificou a ótica colonial britânica, do Marrocos ao Afeganistão,
do Cáucaso à Península Arábica; isso inclui povos semitas e não semitas,
muçulmanos e cristãos, grafias árabes e latinas, línguas como o árabe, o
persa e o turco, mas também o curdo, o armênio, o georgiano ou o berbere.
A exclusão dos judeus representa não poucos problemas
historiográficos, mas a divisão política no imaginário desde a tomada da
Palestina pelos israelenses é clara e não necessita por ora esclarecimentos
por mais que possa ser uma questão que figure como “traços” de modos
muito diversos – por exemplo: a confusão identitária com as migrações
“turcas” em finais do século XIX ou a sua sionização a partir da nova
identidade outorgada pelo Estado de Israel – ao longo de todo o projeto.
Esta complexidade de traços só pode ser vista como um fator positivo,
pois enriquece a perspectiva da nossa pesquisa. Tampouco poderíamos
aceitar que exista uma identidade própria da América Latina, de modo que
a combinação de todas as variantes contextuais e a diversidade das fontes
migratórias serão uma característica da construção do projeto: somará
materiais frágeis, escassos, raros.
Devemos insistir em que o nosso ponto de partida é que não existe
um “oriente”; culturalmente trabalhamos num contínuo cultural que se
estende da costa do Pacífico americano até o Índico arábico e que os nexos
culturais passam pela colonização hispano-portuguesa e seu legado “mouro”,
as emigrações de finais do século XIX e princípios do XX dos denominados
“turcos” e os exílios políticos que após a Segunda Guerra mundial levam
24 de rasgos árabes…
palestinos, libaneses e sírios a migrarem aos países latino-americanos.
Não existe um oriente, mas sim a categoria “orientalista”, magistralmente
desmontada por Edward Said justamente no momento em que tal categoria
deixava de ser eficaz do ponto de vista político. Não se trata, neste momento,
de entrar em pormenores sobre o tipo de “orientalismo” que gerou o livro
Orientalismo desde a sua publicação em 1978. No transcurso das diferentes
edições dessa obra, o “outro” árabe ou islâmico mudou. O bárbaro romântico
deu lugar ao niilismo integrista, segundo um estereótipo que no nosso
projeto temos que conjugar. Convém apontar o paradoxo, pois temo que
na construção de uma identidade pan-árabe, pan-islâmica, seja ela qual
for, possa ser necessária a mediação efetiva de categorias que podemos
considerar como orientalistas. O orientalismo é uma construção sofisticada,
e a sua reconstrução só pôde ser feita com as ferramentas que a cultura
acadêmica colocava ao nosso alcance. Num mundo de multidões, estas
categorias flutuam, aparecem e desaparecem, algumas vezes do lado do
poder, outras vezes perdidas em meio à multidão.
Por isso insisto em que o projeto não é sobre os árabes, o Islã,
esse “outro” difuso. Trata sobre nós mesmos, sobre a identidade complexa
que todos somos, sobre a construção de subjetividades específicas e, isto
é importante, o mundo objetivo que conformam. Toda narração, toda história
é uma construção da linguagem, e na linguagem se produz sempre uma
luta de poder entre emissor e receptor, falante e ouvinte. Que nos tenhamos
outorgado um leitmotiv específico, este cara de árabe…, somente tem
valor na medida em que falamos da construção de uma ficção pertinente.
Politicamente aparece-nos como um instrumento efetivo com o qual
podemos abordar problemas de representação e conflitos do imaginário
que estão em jogo em qualquer momento de construção de uma ou várias
comunidades humanas. O lugar político no qual o caso Menezes – um
assassinato de Estado: um crime que é conseqüência do sistema de exclusão
cultural com o qual está construído o poder no ocidente – situa o imaginário
árabe na América Latina, esse desconforto é o que torna a nossa pesquisa
pertinente.
Por isso a atenção a de rasgos árabes... não se baseia em redenção
alguma nem em reivindicações culturais que não nos correspondem. Não se
trata de nenhuma causa bem-intencionada, nem de uma apelação a noções
como o multiculturalismo, a aliança de civilizações ou o mito da convivência
das três culturas. É certo que estes elementos convém sublinhá-los de vez
em quando, uma vez que a sua obviedade nem sempre tem presença na
primeira linha do corpo social. Evidentemente, não podemos esquecer que o
elemento de incentivo para o nosso projeto é o conflito, o acontecimento que
nos dá motivo, o caso Menezes, uma morte violenta. O medo constrói o espaço
Seminário
25 de rasgos árabes…
público. Dá-se o paradoxo de que uma sociedade mundializada pelos novos
meios de comunicação, uma sociedade cada vez mais pública e publicada,
seja ao mesmo tempo produtora de novos medos, geradora de novas vítimas
propiciatórias. Os meios públicos, os medos públicos. Literalmente: terríveis
episódios de limpeza étnica, ataques massivos contra populações civis e
uma violência impiedosa que freqüentemente se vale das possibilidades
tecnológicas para aumentar a publicidade de suas atrocidades. E é nessa
paisagem que o “árabe”, o cara de árabe…, foi transformado numa espécie de
bode expiatório global.
Este mundo incerto, mundo do incerto, assim como provoca novos
medos abre-se também a uma nova “mediologia”, meios sem fim, novas
formas de circulação das idéias, dos saberes, das identidades. Só aqui
entendemos certa utilidade para o nosso projeto das ferramentas que provêm
do mundo da arte, acostumadas a trabalhar com o incerto, o instável, o
desconhecido. É neste sentido que não quero deixar de indicar uma poderosa
ferramenta assinalada talvez pela primeira vez pelos formalistas russos
– Victor Sklovski, Mikhail Bakhtin, Vladimir Propp – ao analisar numerosas
operações artísticas e culturais, colocando ênfase não tanto no que estas
coisas são, mas em saber como funcionam, não tanto em sua essência, mas
na quantidade de operações culturais que conseguiram estabelecer.
Em 1936, Antonio Machado publicou um escrito de Juan de Mairena
no qual este informava sobre a máquina de trovar de Meneses. Tratava-se
de um dispositivo de criação que somava diferentes vozes, diferentes âmbitos
e com tal soma aparecia o poema. O invento desse jovem poeta, Meneses,
tomava o seu exemplo de foros públicos como as tabernas andaluzas
nas quais a soma de vozes e o vinho construíam o fandango – “fado”, “destino”,
segundo a dicção árabe do latino “fatum”, “fado”, “fandango” – que logo
parecia uma única voz. A máquina também imitava o experimentalismo
vanguardista que desde Mallarmé até os produtivistas russos outorgava
um novo espaço à criação. Enquanto não viessem bons tempos para a lírica
– por acaso alguma vez existiram? – a máquina era o único modo, a única
saída para a construção de linguagens, a refundação do mundo. Digamos
que de rasgos árabes... quereria ser essa máquina de construção, que a
morte infeliz do jovem brasileiro Jean Charles Menezes pôs em marcha.
Uma máquina de construção de sentido, um dispositivo no qual se inclui um
conjunto decididamente heterogêneo de discursos, instituições, instalações
arquitetônicas, meios audiovisuais, figurações, imaginários, medidas
de polícia, proposições filosóficas, morais, filantrópicas, rapidamente o
lingüístico e o não-lingüístico, o dito e também o não-dito, estes são os
elementos do dispositivo. O dispositivo em si mesmo como a rede de relações
que se estabelece entre estes elementos: a máquina de trovar de Menezes.
Seminário
26 de rasgos árabes…
PROGRAMA 1
de rasgos árabes...: Políticas
Quarta-feira, 3 de setembro de 2008
Entendemos por políticos aqueles traços relacionados com o árabe, o
muçulmano, como componente dos diversos exílios que, após a Segunda
Guerra Mundial e as diferentes guerras com as quais foi construído o Estado
de Israel, levam os palestinos a estabelecerem-se na América Latina. Estas
migrações ou exílios, que acompanham as diferentes escaladas bélicas da
região do Oriente Médio – desde as guerras libanesas e os conflitos turco-
chipriotas até as guerras do Afeganistão, Iraque etc. –, configuram-se com
uma maior presença identitária e visibilidade, própria das minorias. Também
é destacável, a partir da década de 90, a aparição do Islã como um valor
identitário determinante, que produz certo processo de islamização das
comunidades árabes anteriormente assentadas. As chamadas guerras contra
o terrorismo, ações policiais pontuais e atentados reivindicados por grupos
islamistas também configuram um imaginário próximo. Trata-se, portanto, de
indagar nos trabalhos sobre estas comunidades, mas também de interessar-
se pelo modo como esses conflitos foram lidos no contexto artístico latino-
americano. Nesse sentido, a pertinência de sua presença no nosso projeto é
diversa: grupos, artistas, obras…, mas também trabalhos críticos, produções
da cultura popular, análises culturais, arquivos, meios de comunicação etc.
Dessa maneira, e a modo de exemplo, podemos trazer como obra chave, exógena ao âmbito da exposição, mas
conceitualmente pertinente, as Afghan War Rugs: a elaboração, desde as guerras russas no Afeganistão, de
variantes no desenho dos tradicionais tapetes incluindo, como motivos, fuzis Kalasnikof, helicópteros, pistolas,
tanques, caça-bombardeiros, granadas, mísseis, mapas, bandeiras e outros elementos representativos do conflito.
A nova tradição continuou prosperando em relação à atualidade com as guerras do Iraque, os atentados da Al-
Qaeda, o ataque às Torres Gêmeas em Nova York etc. Andreas Fogarasi tematizou-as em seu Culture and Leisure
Seminário
Barnabé, tu és meu (1952),
José Carlos Burle, 90’
O baile perfumado (1997),
Paulo Caldas e Lírio
Ferreira, 93’
27 de rasgos árabes…
na Bienal de Veneza de 2007. Alighiero Boetti trabalhou-as em suas obras têxteis – Maps, Games, etc. – e em
seus textos reconhece-as como a obra de arte mais importante dos anos oitenta. Em 2001 a empresa Moritzu
desenvolveu uma máquina de tricotar que incorporava os padrões das Afghan War Rugs.
16.00 h
Projeção:
Barnabé, tu és meu / O baile perfumado
A representação do árabe nestes filmes recebe dois tratamentos distintos,
o que mostra sua trajetória singular no cinema brasileiro. No primeiro, o
estereótipo do mundo árabe de palácios, véus e sultões é anarquizado por
Oscarito (Barnabé) e Grande Otelo (Abdula) numa delirante carnavalização
às superproduções hollywoodianas, típica das paródias das chanchadas da
Atlântida. Na comédia de José Carlos Burle, a popular dupla de comediantes
(Barnabé, malandro carioca confundido com o sexto herdeiro de Salomão
por ter uma estrela de David tatuada na mão, e Abdula, o abanador-mor
da princesa Zuleima) terminam ludibriando o amável Salomão, mascate a
quem Barnabé deve dinheiro e que faz apenas breves aparições. No segundo
filme, baseado numa história real, o mascate libanês Benjamin Abrahão
embrenha-se no sertão para filmar Lampião e seu bando, e o imigrante árabe
que até então fizera papéis pequenos, embora marcantes, em filmes como
O Cangaceiro e Corisco, o Diabo Louro, torna-se protagonista. Ao colocar em
Seminário
28 de rasgos árabes…
meio à ficção as próprias cenas filmadas por Abrahão em 1936 o filme
de Paulo Caldas e Lírio Ferreira subverte o “gênero” do cangaço e questiona
os limites entre a realidade e a representação.
19.30 h
Apresentação geral do projeto de rasgos árabes... por Ana Tomé, Pedro
G. Romero, Michel Sleiman e Fernando Gerheim.
Árabes e muçulmanos na Tríplice Fronteira: construções discursivas
e formações identitárias, conversa entre Silvia Montenegro, Fernando
Rabossi e Paulo Hilu da Rocha Pinto (mediador).
A Tríplice Fronteira é a zona de encontro de diferentes culturas formada
pelas cidades de Foz do Iguaçu, no Brasil, Ciudad del Este, no Paraguai,
e Puerto Iguazú, na Argentina, e tem como principal marca a presença
de novos imigrantes libaneses e palestinos saindo de uma situação de
conflito no Oriente Médio, que são atraídos para a região pela
possibilidade de prosperar com o comércio e pela comunidade de
imigrantes já estabelecida na área.
Esse espaço, que se organiza em circunstâncias muito particulares,
teve sua complexidade ampliada após o 11 de setembro de 2001, quando,
por sua alta concentração de imigrantes árabes oriundos dos conflitos
bélicos recentes no Oriente Médio, foi incluído na agenda norte-americana
de “luta contra o terrorismo global” e tornou-se foco da atenção dos meios
de comunicação internacionais. Assim, os fluxos migratórios transnacionais,
os fatores locais e internacionais o tornam um espaço paradigmático para
a discussão das representações do árabe.
O diálogo entre nossos convidados refletirá sobre a fronteira
como espaço de negociação constante de práticas e tradições diversas,
analisando os processos de formações identitárias e construções
discursivas que criam as representações do árabe e do muçulmano em
meio aos seus entrecruzamentos culturais, sociais e políticos.
Fernando Gerheim. Escritor, artista e professor de literatura, cinema
e artes, publicou Linguagens inventadas – palavra imagem objeto: formas
de contágio (Ed. Zahar, 2008) e realizou os curtas em vídeo digital
Urubucamelô (2002), Filme de uma imagem só (2006) e Tomada do Mundo
(2007). Doutor em literatura comparada e mestre em literatura brasileira
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), formou-se em
Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica (PUC – RJ).
Tem publicado artigos e contos em revistas de arte e cultura.
Seminário
29 de rasgos árabes…
Paulo Hilu da Rocha Pinto. Professor do Departamento de Antropologia
e coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Oriente Médio (NEOM) da
Universidade Federal Fluminense (UFF – RJ). Doutor em Antropologia pela
Boston University, mestre em Antropologia e graduado em História pela
UFF. Atua principalmente nos seguintes temas na área de Antropologia,
com ênfase em Antropologia Urbana: Antropologia da Religião, Síria/Oriente
Médio, Curdos/Árabes e Ritual e Experiência Religiosa. Desenvolve os
projetos de pesquisa “Entre o local e o global: identidades muçulmanas no
Brasil e no Oriente Médio” e “Processos culturais e fluxos transnacionais:
comunidades e identidades muçulmanas no Brasil e no Oriente Médio”.
Publicou, entre outros artigos sobre o tema, “Ritual, Etnicidade e Identidade
Religiosa nas Comunidades Muçulmanas no Brasil”.
Silvia Montenegro. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro, UFRJ. Pesquisadora do Conselho Nacional de Investigações
Científicas e Técnicas (CONICET, Argentina). Professora do Departamento
de Antropologia Social da Universidade Nacional de Rosário, Argentina.
Participou como pesquisadora do Projeto “Comunidades Árabes na América
Latina”, do Centre for Arab Unity Studies, de Beirute, Líbano, abordando
os casos de Paraguai, Brasil e Argentina. Atualmente participa do Projeto
“Diásporas Palestinas na América Latina. Estudos horizontais”, do Palestinian
International Institute, de Amã, Jordânia. Realizou trabalho de campo sobre
a diversidade religiosa e cultural na “Tríplice Fronteira” e sobre a imigração
árabe-muçulmana nos períodos 2000, 2002 e 2004-2008, dentro de
projetos do CONICET. Publicou diversos artigos sobre as identidades árabes
e muçulmanas e, recentemente, o livro: A Tríplice Fronteira: Globalização e
construção social do espaço.
Fernando Rabossi. Doutor em Antropologia Social pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro, onde atualmente ensina e pesquisa como Professor
Visitante no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu
Nacional. É graduado em Ciências Antropológicas pela Universidade de
Buenos Aires e Mestre em Migrações Internacionais e Relações Étnicas
pela Universidade de Estocolmo. Publicou sobre o tema, entre outros textos,
“Árabes e muçulmanos em Foz do Iguaçu e Ciudad del Este: notas para uma
re-interpretação” (2007); “Dimensões da espacialização das trocas – a
propósito de mesiteros e sacoleiros em Ciudad del Este” (2004); “En las calles
de Ciudad del Este. Una etnografia del comercio en la frontera” (no prelo).
Michel Sleiman. Professor de Língua e Literatura Árabe no Departamento
de Letras Orientais da Universidade de São Paulo. Estudioso de Literatura,
Seminário
30 de rasgos árabes…
particularmente da poesia árabe, colabora com revistas especializadas em
poesia e arte e, desde 2003, edita o periódico anual Tiraz – Revista de Estudos
Árabes e das Culturas do Oriente Médio. É autor de A poesia árabe-andaluza:
Ibn Quzman de Córdova (2000) e A arte do zajal. Estudo de poética árabe
(2007). Tem participação em obras coletivas como A literatura doutrinária na
corte de Avis (2001), Muwashshah – Proceedings... (SOAS, 2004), As cidades no
tempo (2005). É diretor fundador do Instituto da Cultura Árabe, em São Paulo.
PROGRAMA 2
de rasgos árabes...: Histórias
Quinta-feira, 4 de setembro de 2008
Entendemos por históricos aqueles traços relacionados com o árabe,
o muçulmano, como componente das emigrações sobretudo ao Brasil, o
Chile, a Colômbia, a Venezuela, o México, a América Central e o Caribe,
de cidadãos de procedência síria, libanesa, armênia etc., isto é, procedentes
da desintegração do império otomano – daí o genérico “turcos” como
denominador comum – durante os séculos XIX e XX. Todas estas comunidades
de grande arraigo – dez milhões de descendentes de libaneses no Brasil, dois
milhões de descendência síria e libanesa no México, por exemplo – e forte
presença política – de procedência sírio-libanesa são os presidentes Julio
Cesar Turbay na Colômbia, Carlos Menem na Argentina, Abdalá Bucaram
no Equador e o empresário Carlos Slim no México – integraram-se nas
diferentes comunidades sem marcar freqüentemente os traços culturais de
sua procedência. É muito significativo que romances chaves dos diferentes
construtos canônicos nacionais tenham como protagonistas estes árabes.
Em Gabriela cravo e canela de Jorge Amado no Brasil ou em Crónica de una
muerte anunciada de Gabriel García Márquez na Colômbia. Mas digamos
que atenderemos aqui a um deslocamento conceitual que já não necessita
“tematizar” o árabe, mas sim compreender certas vinculações em suas obras
– por exemplo, escritores como o brasileiro Milton Hatoum ou o argentino
Juan José Saer –, sem nenhuma necessidade explícita de vinculação com
os mundos árabe ou muçulmano. Claramente falamos de um jogo de
identidades nas quais alguns traços necessariamente mascaram outros
traços. A variedade de aparições é, portanto, grande. Para seguir no âmbito
da literatura: personagens protagonistas de romances, local da história,
origem do escritor etc., isto é, atenderemos a um perguntar-se pela identidade
sem que, necessariamente, se trate da identidade árabe.
Seminário
16.00 h
Projeção:
Noite Vazia / Navalha na Carne
Noite Vazia e Navalha na Carne mostram duas visões distintas do amor
e do erotismo em universos antagônicos: a alta burguesia e o submundo
da prostituição e da marginalidade. Walter Hugo Khoury narra a história
de dois amigos da elite paulistana que terminam a noite com prostitutas
de luxo (Norma Bengell e Odete Lara) depois de rodarem as boates da
cidade buscando fugir em vão de suas existências vazias. O filme, com
produção da Vera Cruz e indicado à Palma de Ouro de Cannes em 1965,
mostra o estilo próprio, de alto rigor estético, criado por Khoury, diretor
31 de rasgos árabes…
Dessa maneira, e a modo de exemplo, podemos trazer como obra chave, exógena ao âmbito da exposição,
mas conceitualmente pertinente, Autômata turco, uma série de gravuras, fotografias, desenhos e relatos
– desde Edgar Allan Poe até Walter Benjamin – que descreve a máquina de jogar xadrez de Von Kempelen,
projetada em finais do século XVIII, com a qual depois Maelzel recorreria a Europa e a América. O
aparelho mostrava uma engenhoca mecânica com a qual um jogador turco te enfrentava numa partida
de xadrez, na realidade a máquina continha um pequeno espaço interno a partir do qual podia-se
manejar o turco. De Paris a Nova York ou a Havana, as exibições do Autômata turco foram um prodígio
que deslumbrou Franklin, Napoleão ou Beethoven. Conforme mencionado, Poe e Benjamin colocaram-no
como centro de suas pesquisas ensaísticas iluminando com seu exemplo alguns dos paradoxos – éticos,
políticos, identitários – da modernidade. A moderna ciência cibernética o considera um precedente claro
assumindo ainda a ficção que habitava na máquina.
Seminário
32 de rasgos árabes…
Navalha na carne (1970),
Braz Chediak, 89’
Seminário
singular no panorama da época dominado pelo Cinema Novo e por
preocupações sociais. Em Navalha na Carne, adaptação da peça homônima
de Plínio Marcos, Braz Chediak mostra uma visão do amor e do erotismo no
sórdido universo da marginalidade por meio da história da prostituta Neusa
(Glauce Rocha), do cafetão Vado (Jece Valadão) e do homossexual Veludo
(Emiliano Queiroz). Louvado pela crítica e considerado o melhor filme de
Chediak, é também uma obra singular no início da década de 1970, época
do cinema marginal e do começo das pornochanchadas. Estes dois filmes
dirigidos por descendentes de libaneses são marcos da cinematografia
brasileira.
19.30 h
Apresentação do projeto de rasgos árabes... no Brasil por Michel Sleiman
e Fernando Gerheim.
Imigração, memória e orientalismo, diálogo entre Milton Hatoum e Alberto
Mussa.
O contigente que chegou ao Brasil no final do século XIX e início do século
XX, proveniente em sua maioria do Líbano e da Síria, é a principal referência
de imigração árabe no país. Por ter aportado com passaporte do recém-
desmantelado Império Turco-Otomano, ficou conhecido como “turco”.
Isso diz muito sobre a representação desse grupo, associado de início
à atividade do mascate e à venda à prestação, e sobre o modo como ele
Noite vazia (1964),
Walter Hugo Khoury, 93’
33 de rasgos árabes…
Seminário
se integrou no novo país. Em sua maioria cristãos, a religião não impôs
dificuldades de adaptação a esses imigrantes, que estabeleceram-se em
comunidades nas mais diversas regiões. Apesar da atividade comercial
tê-los identificado com zonas da cidade – SAARA no Rio de Janeiro e Rua
25 de Março em São Paulo –, eles foram ganhando ao longo das gerações
posição de destaque em outros setores da sociedade como a política,
a medicina e a arte. Em meio à representação do árabe como exótico e
sinônimo de muçulmano e à representação do árabe como “turco”, num país
que tanto buscou e discutiu a própia identidade, surge a perguntra: o que é o
“árabe” para os brasileiros descendentes daquelas levas de imigrantes? Os
convidados desta mesa são dois destacados escritores que ao refletir sobre
a tradição, suas transformações e as representações do árabe farão refletir
também sobre os processos de construção identitária e as representações
do próprio Brasil.
21.30 h
Concerto:
Artificial, de Kassin
Concerto pop eletrônico programado por Kamal Kassin no Game Boy, um
jogo eletrônico portátil primitivo que o músico usou para compor quando
excursionava pelo interior dos Estados Unidos em 2002 e não tinha estúdio
para gravar. Kassin criou o projeto Artificial e nomeou o álbum Free USA.
Neto de turco muçulmano e filho de norte-americano, ele tem passaporte
dos EUA e compôs Free USA, com letras em inglês, sob o impacto da reação
norte-americana ao atentado de 11 de setembro. O volume muito alto em
que é executado constitui parte integrante do concerto, que é fruto daquela
vivência e uma visão pessoal do músico sobre a experiência da diáspora no
mundo contemporâneo.
Milton Hatoum. O escritor estreou em 1989 com Relato de um certo Oriente,
seguido de Dois irmãos (2000), ambos ganhadores do prêmio Jabuti de
melhor romance e traduzidos para diversos idiomas. Por Cinzas do Norte
(2005) recebeu seu terceiro Jabuti e os prêmios Bravo!, Associação Paulista
de Críticos de Arte (APCA) e Portugal Telecom de Literatura de 2006. Nascido
em Manaus em 1952, ensinou literatura na Universidade do Amazonas e na
Universidade da Califórnia, em Berkley.
Kamal Kassin. Compositor, instrumentista e produtor musical, o leque
pop experimental dos trabalhos de Kassin vai desde a Orquestra Imperial,
com repertório de sambas de gafieira, passando pelo projeto +2, com
Moreno Veloso e Domenico Lancellotti, em que a cada álbum dois deles
34 de rasgos árabes…Seminário
acompanham o trabalho solo do outro, até a produção dos CDs de Caetano
Veloso, Jorge Mautner, Vanessa da Matta e Los Hermanos, entre outros.
Kassin lançou pelo selo Ping-Pong, com Hiromi e Berna Ceppas, “Senhor
Coconut”, “Chelpa Ferro”, Arto Lindsay, os três CDs de +2 e Free USA,
trabalho assinado por Artificial lançado também no Japão e na Europa,
onde saiu ainda em vinil.
Alberto Mussa. Com O enigma de Qaf (2004), o escritor ganhou os prêmios
Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) em 2004 e Casa de Las
Américas em 2005. Traduziu diretamente do árabe Os Poemas Suspensos
(2006), poemas pré-islâmicos da tradição oral dos beduínos. Escreveu
ainda o romance O movimento pendular (2006), com o qual obteve o prêmio
Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, e voltou a ganhar prêmio da
Associação Paulista de Críticos de Arte. Publicou ainda O trono da rainha
Jinga (1999) e o livro de contos Elegbara (1997). Nasceu no Rio de Janeiro
em 1961.
PROGRAMA 3
de rasgos árabes...: Mitologias
Sexta-feira, 5 de Setembro de 2008
Entendemos por mitológicos aqueles traços relacionados com o árabe, o
muçulmano, como componente das colonizações espanhola e portuguesa
numa fase que, no tempo, inclui também os tráficos de escravos, os traços
próprios das culturas ibéricas, o componente mourisco, as lendas sobre
os descobridores árabes ou os avanços técnicos em navegação,
incorporados pelos reinos mouros, o que possibilitou o desenvolvimento
de uma vanguarda naval. Teremos, portanto, um conjunto de trabalhos
bem amplo, que apelam a componentes universais das culturas árabes
e muçulmana e a suas próprias mitologias, mas também, atendendo à
definição de mitologia dada por Barthes, a outros traços, por exemplo,
o imaginário de um Rodolfo Valentino baseado em suas interpretações
fisionomicamente capitais, sucessivamente, do gaúcho na Pampa, o
alcaide do deserto e o toureiro na arena. Operamos então com elementos
culturais que excedem a datação histórica e cujo devir político é ambíguo,
para atermo-nos à definição de Barthes. Estamos falando então do
Mudéjar americano ou os Bailes de Mouros no México ou no Peru, também
do furor pelas academias de dança do ventre ou de fenômenos televisivos
como Los Pincheira ou O Clone.
35 de rasgos árabes…Seminário
Dessa maneira, e a modo de exemplo, podemos trazer como obra chave, exógena ao âmbito da exposição,
mas conceitualmente pertinente, Los Plomos del Sacromonte, uma série de configurações geométricas,
desenhos e gráficos, indecifrável fruto de uma ficção histórica pela qual mouriscos de alta posição social
na Granada de finais do século XVI tentaram tornar compatíveis Cristianismo e Islã, para induzir uma paz
social que evitasse a sua inexorável expulsão final. O historiador Julián Gállego foi o primeiro a destacar o
caráter artístico destes traços situando-os como obra chave do maneirismo espanhol. Ignacio Gómez de Liaño
realizou uma pertinente leitura conceitual – como verdadeiras máquinas da memória – destes, alinhando-os
anacronicamente com o experimentalismo poético e as artes concretas da segunda metade do século XX.
17.00 h
Projeção:
Madame Satã
A Lapa boemia do Rio de Janeiro da década de 1930, em que o homossexual,
negro e analfabeto João Francisco dos Santos (Lázaro Ramos) se recusa
a submeter-se à opressão é o tema do filme de Karim Aïnouz, baseado
em um personagem real. João revolta-se contra sua condição de exclusão,
seja com a capoeira ou com a arma de fogo, e alterna temporadas na
prisão com a vida “em família” com a prostituta Laurita e o também negro
homossexual Tabu; o caso com o amante que o trai e entrega-o à polícia; e
michês com homens que o procuram furtivamente. Neste mundo em que
erotismo, violência e exclusão se confundem, ele acaba conseguindo realizar
o sonho de ser um artista transformista subindo ao palco improvisado do
bar Danúbio Azul, e cria para o carnaval a emblemática fantasia de Madame
36 de rasgos árabes…
Satã, título de um filme de Cecil B. de Mille. As cores noturnas que evocam
a sensualidade desse mundo de amores proibidos, por vezes com imagens
desfocadas e fora do “raccord”, fazem com que o filme do cineasta cearense
de origem berbere Karim Aïnouz ecoe em seu alto teor erótico Un chant
d’Amour, filmado por Jean Genet no norte da África.
19.30 h
Apresentação do projeto de rasgos árabes... na América Latina por Pedro
G. Romero.
O Islã Africano na Diáspora: Tates-Corongos, Insurreição e Resistência
Negra no Brasil Imperial, conferência de Rogério de Oliveira Ribas.
Na primeira metade do século XIX, uma grande inquietação tomava conta
da classe senhorial brasileira diante da crescente onda de rebeldias negras
em todo o país. A principal delas foi o “Levante dos Malês”, em 1835, em
Salvador, Bahia, encabeçada por escravos muçulmanos. Os sobreviventes
da insurreição esmagada pela polícia se dispersaram. Nesse contexto,
surgiu na zona cafeicultora, no estado do Rio de Janeiro, uma sociedade
secreta rebelde impregnada por um sincretismo peculiar, chamada por
alguns de “maçonaria negra”. Essa conferência abordará a sociedade
Tates-Corongos, que engendrou, em 1848, uma conspiração que produziu
um grande impacto na classe senhorial cafeicultora do Vale do Paraíba.
Seminário
Madame Satã (2002),
Karim Aïnouz, 105’
37 de rasgos árabes…
Esse movimento insurrecional assentava suas bases em uma mescla
de culturas que combinava tradições bantu, cristãs e, principalmente,
islâmicas. É esse capítulo pouco conhecido do movimento rebelde escravo
no Brasil imperial, que aparece como uma manifestação do Islã africano
na diáspora, que será apresentado pelo autor convidado.
21.30 h
Concerto:
A moura encantada - Os árabes na tradição musical luso-brasileira,
concepção de Anna Maria Kieffer, com Anna Maria Kieffer (mezzo-soprano),
Sami Bordokan (voz e alaúde árabe), Cláudio Kairouz (qanoun), William
Bordokan (percussão), Sebastião Marinho e cantador repentista.
A relação entre a tradição de duelos poéticos árabes e os repentes dos
cantadores nordestinos e entre o hábito de contar histórias no Oriente
Médio e a poesia de cordel evidenciam a parcela árabe das raízes da música
brasileira. O concerto concebido por Anna Maria Kieffer, com arranjos
próprios e de Sami Bordokan, refaz essa trajetória desde a Idade Média até
nossos dias, mostrando como a presença moura ao longo de oito séculos
na península ibérica foi trazida para o Brasil pela colonização portuguesa,
incorporou-se à nossa formação cultural e pode ser encontrada na música
que se faz hoje. O concerto se origina de uma pesquisa realizada pelos
músicos e compila peças dessas várias épocas, algumas executadas com
instrumentos tradicionais. A fábula “A moura encantada” alude à essa
presença através dos tempos.
Anna Maria Kieffer. Cantora e pesquisadora, concebeu e coordenou
entre 2002 e 2004 o projeto “Cancioneiro da Imigração”, sobre a
memória musical de 15 comunidades de imigrantes na cidade de São
Paulo.É responsável pela edição em CD-livro da série “Memória Musical
Brasileira” que aborda a música no Brasil desde o século XVI. Na área
de música contemporânea participou como cantora e colaboradora na
criação dos seguintes trabalhos em CD e DVD: Fata Morgana, ópera de
Jocy de Oliveira; Espaços habitados, ópera de Conrado Silva e Haroldo
de Campos; Fugitives Voix, de Daniel Teruggi; A Pedra de Guilherme Vaz;
Ways of the Voice, de Leo Kupper. Foi curadora de música de duas Bienais
Internacionais de São Paulo, da 3ª Bienal Internacional de Arquitetura,
da implantação da seção de música e da primeira programação do Itaú
Cultural. Realiza trilhas sonoras para exposições e filmes, entre os
quais O Retorno, de Rodolfo Nanni, prêmio de melhor direção no Cine PE
– Festival de Recife 2008. É associada ao Studio de Recherches Electro-
Seminário
38
acoustiques et Auditives, em Bruxelas e membro da Electronic Music Foundation,
em Albany/Nova Iorque e da Sociedade Brasileira de Musicologia.
Rogério de Oliveira Ribas. Professor do Departamento de História da Universidade
Federal Fluminense e especialista no estudo da sociedade arábico-muçulmana.
Entre as publicações sobre o tema destacam-se: “Cide Abdella: um marabuto na
Inquisição portuguesa dos quinhentos”, “O Islã na diáspora: práticas religiosas
mouriscas em Portugal nas fontes inquisitoriais quinhentistas”, “Festas
mouriscas e identidade cultural nas fontes inquisitoriais portuguesas” e “Tates-
Corongos: insurreição e resistência negra no início da modernização do Estado
escravista brasileiro”.
Seminário 38 de rasgos árabes…
39 Mônica Nador&JAMAC, Casa do joaz, 2006
40 Clara Zappettini, La otra tierra: Árabes en Argentina, 2000
41 Lucia Koch, Matemática Espontânea, 2006
42 Frente 3 de Fevereiro, Brasil negro salve, 2005
Apresentações 43 de rasgos árabes…
Lucia Koch
Conjunto K, 2008
Intervenção com padrões recortados a laser; fundo refletor; piso iluminado;
sistema tuboLED
O trabalho de Lucia Koch nos sugere, em seu tratamento da luz e na
utilização da arquitetura como linguagem, a mesma pergunta que surge a
partir da morte do brasileiro Menezes: aonde está o árabe? Ela apropria-se
de elementos de influência mourisca que se adaptaram e se incorporaram
à arquitetura brasileira e aproximam os trópicos do oriente – esses dois
modelos “periféricos” de civilização. Para a artista, o elemento árabe que
está, por assim dizer, na corrente sangüínea da cultura brasileira, aparece
como fator de continuidade, produzindo o efeito Moebius de espaços
permeáveis: o que separa torna-se superfície de contato entre dentro e
fora, privado e público, físico e simbólico, sempre perturbado por padrões
cambiantes. A herança construtiva brasileira parece encontrar também
uma continuidade em seus trabalhos com elementos literalmente de
construção– cerâmica vazada, muxarabis – “de origem árabe”, que foram
recuperados pela arquitetura moderna e persistem na arquitetura popular
na periferia das grandes cidades. No trabalho que ora apresenta – a
intervenção no espaço evidencia a atmosfera cambiante e a arquitetura
mourisca da Cinemateca; a intervenção com refletores e lâmpadas de LED
responde ao concerto Artificial –, o centro está no entorno de luz e som que
a obra a um tempo assimila e diferencia.
Luiz Fernando Carvalho
Que teus olhos sejam atendidos, 2000.
Emissão contínua do documentário em um monitor, 171 min
São Paulo, del 2 a 5 de setembro de 2008
Cinemateca Brasileira
IntroduçãoPrólogoSeminárioApresentações
Apresentações 44 de rasgos árabes…
Ao ser lançado em 1975, Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, torna-se
imediatamente um clássico da literatura brasileira. Em 1998, decididido a
transformá-lo em filme, Luiz Fernando Carvalho vai ao Líbano com o escritor
e de sua pesquisa surge o documentário Que teus olhos sejam atendidos,
expressão árabe para desejar a alguém que realize seus desejos. Nassar,
abandona em Lavoura Arcaica a imagem com que até então eram vistos de
modo geral na literatura brasileira os descendentes de imigrantes libaneses
e cria um estilo narrativo que põe essa representação em registro universal.
A epígrafe que aparece na segunda parte do romance, retirada de uma
passagem do Alcorão, diz: “Vos são interditadas: vossas mães, vossas filhas,
vossas irmãs”. A história do filho desgarrado André, que volta à casa e, ao
contrário do que ocorre na parábola do filho pródigo, encena na família o
eterno embate entre a liberdade e a tradição, parece dizer que no impossível
retorno ao idêntico a volta à origem é antes uma revolta – e um renascimento.
Ao fazer o retrato das aldeias do Líbano e de seus habitantes nas imagens e
depoimentos de Que teus olhos sejam atendidos, Carvalho revela o envolvimento
do olhar de um cineasta brasileiro sobre as aldeias em que busca ecos da
sensualidade transbordante e da volúpia de imagens da literatura de Nassar.
Frente 3 de Fevereiro
A morte de Flavio Sant’ana / Trilogia das bandeiras
Série de 2 múltiplos em formato de postal (10cm x 15cm; 4 x 1) para reprodução.
Coletivo formado por 21 pessoas, entre artistas plásticos, músicos, atores,
cineasta, cenógrafo, designer gráfico, historiador, socióloga e advogado.
Suas ações sempre políticas são planejadas para o espaço público e
freqüentemente para uma escala de massa, infiltrando-se no circuito
midiático. O coletivo incorpora ainda o legado da arte que leva a ponto crítico
o objeto, usando todas essas ferramentas para tornar visível o racismo e
seus mecanismos. Ele concebe seu trabalho como “cartografia”, entendida
como uma escrita em sentido amplo, que afirma uma postura diante de
um mundo de transformações velozes em que também a identidade deve
passar por um processo de atualização permanente. Além de decompor o
fio histórico que revela a herança escravocrata na experiência cotidiana,
avisam, é preciso passar da reatividade à invenção de novas maneiras de
ler e escrever os desejos e a novas formas de sociabilidade. Quando o jovem
negro Flávio Sant’Anna, formado em odontologia, foi confundido com um ladrão
e assassinado pela polícia no dia 3 de Fevereiro de 2004, a Frente nasceu e
começou a realizar ações chamando a atenção para o racismo policial. Agora
o coletivo, multiracial, mostra um desdobramento de suas ações numa edição
em cartão postal que traz outra face de seu comprometimento sóciopolítico.
45 Frente 3 de Fevereiro, Onde estão os negros / Zumbi somos nós, 2005
DIREÇÃO
Pedro G. Romero
PROJETO LOGOTIPO E CONCEITO GRÁFICO
Nieves y Mario Berenguer Ros
COORDENAÇÃO EDITORIAL
BNV producciones
Centro Cultural da Espanha em São Paulo
DIRETORA
Ana Tomé
COORDENADOR DO PROJETO NO BRASIL
Fernando Gerheim
PRODUÇÃO
Simone Dussán
CONSULTORIA E TRADUÇÃO
Michel Sleiman
Centro Cultural da Espanha em Buenos Aires
DIRETORA
Lidia Blanco
COORDENADORA DO PROJETO NA ARGENTINA
Guillermina Fressoli
Centro Cultural da Espanha em El Salvador
DIRETOR
Juan Sánchez
COORDENADOR DO PROJETO NA AMÉRICA CENTRAL
Eduardo Araujo
Centro Cultural da Espanha em México
DIRETOR
Jesús Oyamburu
COORDENADORA DO PROJETO NO MÉXICO
Alejandra Gómez
Centro Cultural da Espanha em Santiago do Chile
DIRETOR
Andrés Pérez Sánchez-Morate
COORDENAÇÃO DO PROJETO NO CHILE
Fundación Ideas
AGRADECIMIENTOS
GNT/Globosat, Galeria Vermelho - Lia Chaia, Mônica Nador & JAMAC, Galeria Triângulo - Lucia Koch, Galeria Marília Razuk - Hilal Sami Hilal, José Tannuri, Sebastião Miguel, Rafael Assef, Frente 3 de Fevereiro, Cabelo, Paula Ribeiro, Ernani Heffner, Luiz Felipe Miranda, Antônio Leão, Braz Chediak, Karim Aïnouz, Dib Lutif, Sérgio Ricardo, Tempo Glauber, Ana Lúcia Rocha, Alice Gonzaga, João José Reis, Laura de Melo e Souza, Daniela Calainho, Tatiana Salem Levi, Vera Chaia, Salim Miguel, Oswaldo Truzzi, Susane Worcman, Ana Maria Mauad, Emir Sader, Ricardo Ventura, HP Galeria, Mamede Jarouch, Safa Jubran, Luiza Braga, David Cury, Clarice Tarran, Marcia Cabreira, Sociedade Beneficente do Rio de Janeiro, Arthur Bernardes do Amaral, Humberto Giancristofaro, Suely Farhi.
de rasgos árabes... é um projeto organizado e produzido pela Red de Centros de Cooperación Cultural, da Agencia Española de Cooperación Internacional para el Desarrollo-AECID, com a participação dos Centros Culturais da Espanha em Buenos Aires, El Salvador, México, Santiago do Chile e São Paulo.
CENTRO
CULTURAL
SÃO PAULO
EMBAJADA
DE ESPAÑA
EN BRASIL
Colabora:
49 Cabelo, sem título, 2005.
São Paulo, de 2 a 5 de setembro de 2008
Local: Cinemateca BrasileiraLargo Senador Raul Cardoso, 207, Vila Clementino
Terça-feira, 2 de setembro
Transacciones/FADAIAT
17.00 h Projeção:
Estrecho Adventure (1996), Valeriano López, 6’25’’
Cuando los hombres lloran (2000), Yasmine Kassari, 57’
Living in Barcelona (2001), Zohr Rehihil, 15’
Boujad, a nest in the heat (1992), Hakim Belabbes, 45’
19.30 h Transacciones/FADAIAT: produção, autoria, circulação, conferência de Joaquín Vázquez
“Somos moros, estamos negros”: as marcas do árabe nas novas transações culturais, diálogo entre Joaquín Vázquez e Pedro G. Romero
Quarta-feira, 3 de setembro
de rasgos árabes...: Políticas
16.00 h
Projeção:
Barnabé, tu és meu (1952), José Carlos Burle, 90’
O baile perfumado (1997), Paulo Caldas e Lírio Ferreira, 93’
19.30 hApresentação geral do projeto de rasgos árabes... por Ana Tomé, Pedro G. Romero, Michel Sleiman e Fernando Gerheim
Árabes e muçulmanos na Tríplice Fronteira: construções discursivas e formações identitárias, conversa entre Silvia Montenegro, Fernando Rabossi e Paulo Hilu da Rocha Pinto (mediador)
Quinta-feira, 4 de setembro
de rasgos árabes...: Histórias
16.00 h
Projeção:
Noite vazia (1964), Walter Hugo Khoury, 93’
Navalha na carne (1970), Braz Chediak, 99’
19.30 hApresentação do projeto de rasgos árabes... no Brasil por Michel Sleiman e Fernando Gerheim
Imigração, memória e orientalismo, diálogo entre Milton Hatoum e Alberto Mussa
21.30 hConcerto:
Artificial, de Kassin
Sexta-feira, 5 de setembro
de rasgos árabes...: Mitologias
17.00 hProjeção:
Madame Satã (2002), Karim Aïnouz, 105’
19.30 hApresentação do projeto de rasgos árabes... na América Latina por Pedro
G. Romero
O Islã Africano na Diáspora: Tates-Corongos, Insurreição e Resistência Negra no Brasil Imperial, conferência do Rogério de Oliveira Ribas
21.30 hConcerto:
A moura encantada, de Anna Maria Kieffer
Del 2 a 5 de setembro
Apresentações de Lucia Koch, Que teus olhos sejam atendidos e Frente 3 de Fevereiro
PROGRAMA
Entrada livre até esgotar a lotação
CENTRO
CULTURAL
SÃO PAULO
EMBAJADA
DE ESPAÑA
EN BRASIL