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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL Thanius Scoralick Sarchis Nada de novo? Como as novas tecnologias e o webjornalismo transformam as redações dos jornais impressos brasileiros Juiz de Fora Julho de 2010

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Page 1: Nada de novo?

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

Thanius Scoralick Sarchis

Nada de novo? Como as novas tecnologias e o webjornalismo transformam as redações dos jornais

impressos brasileiros

Juiz de Fora

Julho de 2010

Page 2: Nada de novo?

Thanius Scoralick Sarchis

Nada de novo? Como as novas tecnologias e o webjornalismo transformam as redações

dos jornais impressos brasileiros

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção de grau de Bacharel em Comunicação Social na Faculdade de Comunicação Social da UFJF

Orientador: Carlos Pernisa Júnior

Juiz de Fora Julho de 2010

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Thanius Scoralick Sarchis

Nada de novo?

Como as novas tecnologias e o webjornalismo transformam as redações dos jornais impressos brasileiros

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção de grau de Bacharel em Comunicação Social na Faculdade de Comunicação Social da UFJF

Orientador: Carlos Pernisa Júnior

Trabalho de Conclusão de Curso / Dissertação aprovado (a) em 14/07/2010 pela banca composta pelos seguintes membros:

_______________________________________________

Prof. Dr. Carlos Pernisa Júnior (UFJF) – Orientador

_____________________________________________________

Prof. Dr. Jorge Felz (UFJF) - Convidado

_____________________________________________________

Prof. Dr. Maria Lúcia Campanha da Rocha Ribeiro (UFJF) - Convidada

Conceito Obtido _______________________________________

Juiz de Fora

Julho de 2010

Page 4: Nada de novo?

Dedico este trabalho à minha família, pelo apoio nessa, e em todas, empreitadas.

Pai, mãe e Thales.

Page 5: Nada de novo?

Confesso que não acreditei na notícia, a princípio; mas o respeito em que fui educado com a letra redonda

fêz-me acabar de crer que se não fosse verdade não seria impresso

(Machado de Assis)

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RESUMO Estudo de como as empresas e os profissionais dos jornais impressos estão lidando com a introdução das novas tecnologias e de novas maneiras de se pensar o jornalismo, como o webjornalismo. Para tal análise foram usados textos relatando a história do jornalismo até os dias de hoje, artigos e trabalhos sobre o jornalismo e a prática jornalística atual, notícias sobre os últimos acontecimentos no mundo da comunicação social, entrevistas, e observação empírica na Redação da empresa Folha da Manhã S/A, uma das maiores empresas de comunicação brasileira. Através desses elementos busca-se avaliar qual o cenário atual e suas possíveis consequências para o jornalismo brasileiro e, em parte, mundial. Palavras-chave: jornalismo. webjornalismo. redações

Page 7: Nada de novo?

SUMÁRIO

1 - INTRODUÇÃO

2 - O JORNALISMO DE ONTEM E HOJE

2.1 – DO PAPIRO AO E-READER: A HISTÓRIA DO JORNALISMO

2.2 O jornalismo do século XXI – Como é, e o que está por vir

3 - O CASO FOLHA

3.1 – 24 MIL DIAS ATRÁS: A HISTÓRIA DA FOLHA DE SÃO PAULO

3.1.1 – O Projeto Folha

4. NADA DE NOVO?

4.1 – O QUE HÁ DE NOVO?

4.1.1 - O velho e o novo

5 – CONCLUSÃO

6 – REFERÊNCIAS

7 – APÊNDICE

A – ENTREVISTA COM ANA ESTELA DE SOUZA PINTO

Page 8: Nada de novo?

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INTRODUÇÃO

O que há de novo no jornalismo? A Internet já é, há muito tempo, uma realidade

inquestionável nas transformações da comunicação de nosso tempo. Da inédita rapidez

que trouxe à troca de informação, aos novos questionamentos éticos e comportamentais

que introduziu nas discussões de nosso tempo, a rede mundial de computadores se

transformou em uma verdadeira revolução.

Em meio a esse admirável mundo novo estão os jornalistas, por um lado os

responsáveis por registrar e documentar essa revolução, por outro lado, vítimas de um

mundo super veloz, que não consegue ser analisado com a profundidade necessária

antes que sofra novas, e intensas, transformações.

Para quem, como eu, é um apaixonado pelo jornalismo e praticante dessa arte, o

estudo do tema de como o webjornalismo e as novas tecnologias estão modificando o

cotidiano e as concepções das redações do mais tradicional de todos os veículos de

comunicação, o jornal impresso, se torna uma tarefa interessantíssima, além de uma

necessidade para o entendimento do mundo atual.

O presente trabalho não busca de maneira nenhuma esgotar a discussão.

Primeiro, porque é uma tarefa impossível. O tema é muito amplo e mutável para ser

compreendido em um trabalho, mesmo que seja uma tese de doutorado ou uma grande

reportagem de revista. Outro fator que não permite o esgotamento do tema é o recorte

feito. Para a visão do todo, foi necessário a análise do micro. No caso, o departamento

de jornalismo (Redação) da Folha da Manhã S/A, empresa que abriga o jornal Folha de

S. Paulo, a Folha.com (site do jornal), a Agência Folha e o jornal Agora. Com o estudo

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de caso sobre essa Redação (escrita com letra maiúscula para diferenciação e

desambiguação) buscou-se o que há de mais moderno nas redações brasileiras

atualmente. A Folha de S. Paulo é o jornal de maior circulação no Brasil e teve grande

importância na história da entrada dos computadores no dia a dia dos jornais.

A observação empírica, juntamente com estudos aprofundados sobre o tema,

permite uma análise de onde estamos e para onde podemos vamos. Ou, pelo menos,

qual é o caminho mais provável a ser trilhado. Nas próximas páginas está o resultado de

uma apuração metódica e uma análise embasada sobre a realidade do jornalismo

impresso e online. Dentro desses preceitos do bom jornalismo, busco não um “furo” ou

uma “exclusiva”, mas apenas uma matéria bem redigida e coerente, que além de

informar e acrescentar conteúdo, seja capaz de levantar novos questionamentos e

reflexões sobre o tema.

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2. O JORNALISMO DE ONTEM E HOJE

A história da comunicação, da imprensa e do jornalismo se confunde com a

história do ser humano. Seja para lutar pela sobrevivência ou transmitir conhecimento e

impressões sobre o mundo, o homem desenvolveu uma capacidade única de difusão e

recepção de informação. Ao longo dos milênios essa capacidade amplificou-se e ganhou

muitos acessórios. Para a compreensão do jornalismo, uma das vertentes desse

complexo sistema que se tornou a comunicação, é necessário estudar e compreender

como iniciou-se a caminhada que trouxe as novas ferramentas disponíveis hoje, como a

Web 2.0, computadores, smartphones, e-Readers, e, o mais importante, quais as

modificações que essas novidades estão causando à sociedade e, em especial, aos

profissionais que têm nesses instrumentos as ferramentas para seu trabalho: os

jornalistas.

Para iniciar a discussão, é necessário voltar ao início de tudo, quando a

comunicação humana era primitiva, as distâncias eram maiores e as informações eram

privilégio de poucos, muito poucos.

2.1 – Do papiro ao e-Reader: A história do jornalismo

Quando começou o jornalismo? Para se entender o que é jornalismo hoje, é

necessário usar alguns de seus preceitos básicos: como, o quê, onde, quando, por que e

quem (Esses seis questionamentos são oriundos do jornalismo atual como perguntas

básicas para serem respondidas em uma reportagem).

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A comunicação é uma das características básicas de muitos animais. Seja por

grunhidos ou expressões corporais, as espécies que habitam o planeta transmitem,

recebem e processam os sinais, sejam de outros seres vivos, sejam da natureza. Sendo

assim, é possível considerar que a comunicação não é uma exclusividade humana. Mas

o jornalismo o é. Mas qual o ponto que separa um processo simples e instintivo de outro

organizado e meditado? Esse ponto é o que separa a comunicação, um instinto, do

jornalismo, uma invenção humana.

Jornalismo, para o Cambridge Dictionary On-line (2010), é “o trabalho de

coletar, escrever e publicar notícias e artigos em jornais e revistas ou publicá-los no

rádio ou na televisão”. Usando os preceitos do dicionário, há uma pista da criação do

jornalismo: o começo da escrita, atividade primordial para a imprensa, o ponto que

separa a pré-história da história.

A escrita não possui nem data nem local exatos para a sua criação. Sabe-se que a

proto-escrita (uso de símbolos que transmitem algum tipo de informação) foi

desenvolvida por volta de 30 mil anos atrás em todo mundo, desde as Américas até a

Ásia. A escrita em si teve início com os sumérios e os egípcios, por volta de 4 mil a.c,

com a escrita cuneiforme, pelos primeiros, e a escrita demótica, hieroglífica e uso de

papiros, pelos segundos. Portanto, a partir dessa época, já existiam uma transmissão e

uma fixação da informação, que pode-se considerar o embrião do jornalismo. Já é

possível registrar os fatos, mas de forma rudimentar. Para chegar ao jornalismo como é

conhecido hoje, torna-se necessário avançar alguns milhares de anos, para um segundo

momento da história: a invenção dos tipos móveis de chumbo fundido usados nas

prensas, invenção do alemão Johannes Gutenberg. Esse novo aparelho de impressão

alavancou a produção de livros na Europa, antes escritos à mão. O primeiro exemplar

dessa revolução foi a Bíblia, terminada em 1455, segundo indicam estudos da

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Universidade do Texas, que possui uma das famosas Bíblias de Gutenberg -calcula-se

que foram produzidas 180, sendo 135 em papel- (THE UNIVERSITY OF TEXAS AT

AUSTIN, 2010. Disponível em: <http://www.hrc.utexas.edu>. Acesso em: 04 mai.

2010).

A invenção de Gutenberg inaugura uma nova fase da comunicação humana e

permite que os conhecimentos sejam distribuídos de forma mais rápida e fácil. Mesmo

assim, o surgimento do jornal, considerado marco inicial do jornalismo, foi somente em

1605. Nesse ano, Abraham Verhoeven iniciou o semanal “Newe Tudinghe”, na Bélgica

(Marcelo e Bybellle de Ipanem. História da Comunicação [notas]. Editora Universidade

de Brasília, 1967 apud BAHIA, 2009). Do jornal belga em diante, esse tipo de veículo

de comunicação começa a se espalhar pela Europa, apesar da tipografia já estar presente

há muito mais tempo. Em Portugal, por exemplo, o primeiro aparelho tipográfico foi

instalado em 1487. (BAHIA, 2009).

Enquanto a Europa se entusiasmava com as novas possibilidades da tipografia,

as colônias espalhadas pelo mundo começavam a querer experimentar a novidade. Em

1533, o México, colônia espanhola, instalou sua primeira tipografia. Outra colônia

espanhola, o Peru, teve a segunda tipografia do continente em 1584. Nos Estados

Unidos, em fins de 1600, as tipografias já estavam preparadas para imprimir jornais,

apesar de ainda não fazê-lo.

No Brasil, colônia portuguesa, a palavra imprensa era considerada crime. Apesar

disso, muitos tentaram quebrar a regra, como aconteceu em Pernambuco no ano de

1706, quando uma tentativa de fazer um prelo funcionar foi frustrada por Portugal. No

Rio de Janeiro, em 1746, a tipografia de Antônio Isodoro Fonseca foi fechada pela Carta

Régia. Muitas outras tentativas vão se sucedendo, mas a censura de Portugal perdura até

1821. No entanto, antes disso, em 1808, a imprensa foi inaugurada em solo brasileiro,

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mesmo sob censura. Nesse ano, o rei português Dom João VI, juntamente com parte da

Coroa, se abrigou no Brasil para fugir da invasão de Napoleão Bonaparte à Portugal.

Imediatamente após a chegada do Rei, são instaladas as oficinas da Impressão Régia, e,

alguns meses depois, em setembro de 1808, começa a circular o jornal a Gazeta do Rio

de Janeiro. Mas esse não é o primeiro jornal brasileiro. Em junho do mesmo ano,

Hipólito da Costa edita de Londres, Inglaterra, o Correio Braziliense, que tem seu

noticiário voltado para as questões brasileiras.

O Correio Braziliense era mensal, e se utilizava de críticas e análises políticas.

Na época, o jornalismo ainda é marcado pela opinião do proprietário do veículo, mas

não deixa de cumprir o seu papel de informar, o que ainda é mal visto pela Coroa

Portuguesa. O jornal de Hipólito da Costa é, desde sua primeira edição, censurado, e lê-

lo torna-se contra a lei.

O século XIX é, portanto, o marco do surgimento dos jornais impressos em

massa, não só no Brasil, mas em todo mundo. Com a Revolução Industrial começando a

afetar todo o mundo, a população começou a migrar para as cidades, aumentando a

classe burguesa, principal consumidora da informação. Nessa época do surgimento de

novas tecnologias, da cultura de massa e de novas relações de trabalho, o jornalismo

tem seu início, apesar, de como dito anteriormente, ser um jornalismo diferente, não tão

preocupado com apuração, objetividade e isenção, mas em expor opiniões em um

formato quase literário, e muitos jornalistas eram, de fato, escritores por ofício.

A segunda fase da imprensa brasileira ocorre nessa época, pouco depois do

lançamento do jornal A Província de São Paulo (1875), hoje O Estado de São Paulo. Em

1880, com Dom Pedro II no poder, os jornais começam a sair de tipografias

improvisadas para se tornarem verdadeiras empresas. Os investimentos em parques

gráficos, funcionários e publicidade cresceram juntamente com a exigência dos leitores.

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Em 1912, começam a chegar às redações máquinas de escrever, substituindo as

canetas com pena bico-de-pato. O furo jornalístico, tão almejado atualmente, ganha

destaque no noticiário, tornando-se um objetivo das redações. Alguns repórteres,

inclusive, chegam às soluções de crimes antes mesmo do que a polícia. As capas dos

jornais começam a ser povoados por anúncios publicitários e noticiário internacional,

com ajuda das agências de notícias, principalmente a norte-americana Havas.

Os jornais chegam a todo o Brasil através de trens e navios. Surgem as edições

extras, informando os fatos que não podem esperar o dia seguinte. Os grandes jornais do

Rio de Janeiro e de São Paulo instalam escritórios na Europa, Estados Unidos e países

da América do Sul. O estilo literário ainda influencia a escrita das notícias, mas a

objetividade começa a se tornar mais presente. Em 1916, o agora O Estado de São

Paulo, já possuía tiragem diária de 45 mil exemplares. Em 1922, jornais do Rio de

Janeiro contam com 60 mil exemplares diários, sendo que a população do país gira em

torno de 30 milhões de pessoas.

Em 1921, o maior jornal do país em exemplares da atualidade, a Folha de S.

Paulo, surge como Folha da Noite. Depois, em 1925, surge a Folha da Manhã e em

1949, a Folha da Tarde, todos do mesmo grupo da Folha da Manhã. Em 1960, ocorre a

fusão das três folhas (NOVÍSSIMA! Folha de S. Paulo. 23 mai. 2010).

Em 1924, os brasileiros conhecem o rádio que, juntamente com os jornais e

revistas, dá início a um complexo de comunicação. No entanto, nessa época, o

jornalismo ainda é bastante incipiente e amador. A profissão de jornalista é vista como

um subemprego, usado para complementar a renda ou como meio de políticos poderem

mostrar suas ideias à população (BAHIA, 2009, p. 143).

Com a chegada da década de 1930, as grandes empresas jornalísticas das

metrópoles brasileiras iniciam uma escalada gráfica que renova e acrescenta unidades

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de linotipo e rotativas para atualizar as tipografias. Tudo isso é possível graças à receita

conseguida com os pequenos anúncios, principalmente.

As décadas de 30 e 40 são marcadas pelo aumento da velocidade da informação,

causado tanto pelos “anos dourados do rádio”, quanto pela implantação do telégrafo. Na

década seguinte, em 1956, o carioca Jornal do Brasil (JB) começa a ter seu design

modificado, com a tarefa concluída no ano seguinte, o que causou uma revolução no

manuseio do conteúdo e da diagramação pela imprensa brasileira. Mesmo com o

número crescente de novidades, ainda é possível encontrar repórteres sem máquinas de

escrever nas redações, escrevendo a mão.

Nas décadas de 60 e 70, o jornalismo é bem diferente daquele praticado no início

do século, fato causado, principalmente, pela entrada maciça da televisão nos lares, o

que força os jornais a se modificarem de maneira profunda. Os veículos impressos, que

se adaptaram à chegada do rádio, têm que se reinventar mais uma vez e, para isso,

utilizam-se de novos métodos, como aperfeiçoamento do lead, linguagem mais leve e,

pela influência das revistas cada vez mais coloridas, fotos com maior destaque. Os

jornais O Globo e Jornal do Brasil passam a sair todos os dias da semana, o que não

ocorria antes. O Jornal da Tarde, pertencente ao O Estado de São Paulo, trilha o

caminho aberto pelo JB e institui a sua própria revolução gráfica. A Folha de S. Paulo

abandona o linotipo e passa a usar o sistema eletrônico de foto-composição, reduzindo o

tempo de impressão. O Jornal do Comércio passa a se concentrar em produzir um

conteúdo mais rico, combatendo o uso indiscriminado de releases e fontes de

informações fixas.

A década de 80 chega e traz consigo a terceira fase do jornalismo no Brasil. É

nessa década que os computadores diminuem de tamanho e se tornam mais rápidos e

acessíveis, passando a ocupar o lugar das máquinas de escrever nas redações. Segundo

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estimativa da Associação Nacional dos Jornais, até o ano de 1990, as empresas

jornalísticas gastaram U$ 100 milhões nessa nova tecnologia. Para Juarez Bahia, em seu

livro “História da Imprensa Brasileira”, essa década marca “a maior revolução industrial

da imprensa brasileira em todos os tempos” (BAHIA, 2009, p. 390).

Foi em 1986 que a Folha de S. Paulo concluiu seu plano de informatizar toda a

redação, tornando-se pioneira na América Latina. Essa ação fez parte do chamado

Projeto Folha, misto de regras, diretrizes e ações impostas pela diretoria que ajudaram o

jornal a se transformar no maior do país, fato marcado pela cobertura do movimento

popular em favor de eleições livres no Brasil, conhecido como “Diretas-já!”, ocorrido

em 1984.

Na década de 90, o jornalismo praticado nos séculos anteriores definitivamente

mudou de roupagem. Do uso de papiros, depois de folhas de papel escritas a mão, tipos

móveis, canetas de pena, máquinas de escrever e várias outras ferramentas que serviram

aos artesãos dos jornais, o computador e a Internet passam a dominar as redações, sendo

usados desde a apuração dos fatos até a diagramação do produto final.

Hoje, fala-se no final dos impressos. Ou seja, não somente na hora da produção

os computadores, celulares e gadgets modernos dominam a cena: agora, o leitor também

pode consumir informação sem ter um papel em mãos. Basta estar conectado à Internet

pelo seu laptop, e-Reader, celular ou Ipad.

2.2 O jornalismo do século XXI – Como é, e o que está por vir

O século XXI trouxe a discussão do fim do jornal imprenso. Lilian Diniz

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(DINIZ, 2009) escreve no artigo “Novas mídias, velho jornalismo”, para o site

Observatório da Imprensa, uma síntese desse sentimento:

Ele tem quatro séculos de história. Elegeu e derrubou presidentes em todo o mundo, foi uma importante arma de guerra e fez a cabeça muitas gerações. Conviveu com a instantaneidade do rádio e resistiu à concorrência da televisão. Até meados dos anos 1980 o poder do jornal impresso era indiscutível. Mas as novas tecnologias da informação mudaram radicalmente o panorama. A Internet, com sua infinidade de sites, blogs, comunidades de relacionamento e sistemas de transmissão de micromensagens como o Twitter, transformou o leitor em produtor de informação. E levou as empresas de comunicação a repensar o papel do jornal impresso na sociedade.

O jornal impresso começou a sentir a concorrência da Internet no início da

década de 90. Nessa época, a Internet e os computadores começaram a se popularizar,

tanto nas redações jornalísticas, quanto nas empresas e residências. Mas o “jornalismo

online” era incipiente e ainda dava os primeiros passos. “A disponibilização do

conteúdo do jornal impresso na World Wide Web (a rede mundial de computadores) era

uma espécie de vitrine para o mundo conectado” (QUADROS, 1997). A Internet era

usada apenas para reproduzir o que já havia sido noticiado pelos jornais. Contudo, aos

poucos, as ferramentas foram se aperfeiçoando, e o cenário começou a mudar:

O correio eletrônico e outros benefícios advindos da Internet, que propiciaram a (questionada) participação do leitor, denominado na era digital de usuário, foram considerados uma revolução para a história da comunicação. Nenhum outro meio oferecera tantas possibilidades de participação como a Internet. No entanto, logo no início, talvez pela falta de modelos e de pessoal treinado para explorar os recursos da hipermídia que possibilitavam a interatividade, foi apontada uma grande dicotomia entre a teoria e a prática. Nesse período, jornalistas, como Luciano da Costa Martins, responsável pela chamada Net Estado, a versão digital de O Estado de São Paulo, criticavam prognósticos de teóricos: “Todo mundo fala que a interatividade é o máximo que se pode dar ao leitor na Internet. Isso é um mito. O máximo que se pode dar ainda é conteúdo de qualidade” (QUADROS, 1997).

Diferente da avaliação de Luciano da Costa Martins, a interatividade muitas

vezes se tornava mais importante que o conteúdo de qualidade. Um exemplo desse

fenômeno são os weblogs. Surgido em 1993 nos Estados Unidos, o weblog, ou

simplesmente blog, é uma espécie de diário virtual, onde qualquer pessoa com acesso à

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Internet pode escrever o que quiseser e receber comentários de seus leitores. Com o

tempo, os blogs foram se modificando e se tornando mais colaborativos, baseados no

feedback e na partilha de informações e notícias (MENDES, 2010).

Um exemplo dessa força é o blog americano de notícias “The Huffington Post”,

que, em 2008, ganhou destaque e reconhecimento pela cobertura das eleições para

presidente dos Estados Unidos da América. Diferente da maioria dos blogs, ele esse usa

preceitos jornalísticos de apuração e verificação, contando com uma equipe de dezenas

de jornalistas e colaboradores. Esse fato o diferenciou dos demais diários virtuais e

mostrou que a Internet pode vir a seu ser, um dia, uma fonte de informação mais

confiável, ou, pelo menos, tão confiável quanto outras fontes de notícias, como

noticiários da televisão e do rádio e as páginas dos jornais e das revistas.

A entrada da Internet na competição pela atenção do leitor do jornal impresso

pôde ser sentida de maneira mais ampla com a chegada da Web 2.0, conceito criado em

2004 pelo empresário da Internet Tim O’Reilly, que, como afirma Renato Mendes

(MENDES 2010), “traduz-se no paradigma da Internet como plataforma central de uma

inteligência coletiva”. Mendes explica sua posição:

O conceito (de Web 2.0) é sustentado pelo desenvolvimento de aplicativos, que aproveitam os "efeitos de rede" para evoluírem. Esta evolução é proporcional à participação das pessoas nas redes. Como exemplo, temos os softwares open source, ou código aberto. Neste caso, a "inteligência coletiva" pode ser interpretada como meio, mas também como um fim, para a construção de uma plataforma do saber.

Hoje é fácil analisar que os meios de comunicação, sejam eles rádio, televisão ou

jornal, não podem, e não poderiam, ficar distantes da Internet. Há alguns anos atrás,

porém, essa visão não era tão clara. Talvez os profissionais da televisão só tenham se

atentado para o fato de que a Internet poderia roubar a atenção de seus telespectadores

com o surgimento do You Tube, em 2005. Com computadores e conexões cada vez

mais velozes, o site de compartilhamento de vídeos tornou-se um fenômeno de

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audiência, com a consagrada revista norte-americana Time, considerado a melhor

invenção do ano, em 2006. (REVISTA “Time” elege You Tube a melhor invenção do

ano. G1. Disponível em: < http://bit.ly/bpyyRj >. Acesso em: 07 nov. 2006). Hoje, a

empresa detentora do You Tube, o Google, já colocou no próprio You Tube vídeos

indicando que pretende lançar em breve um aparelho parecido com um receptor de

antena parabólica, que irá permitir o acesso à Internet pela própria TV, com opções

como busca de programas, loja virtual, gravação e com as outras opções que a web já

permite. Parece que agora, definitivamente, os produtores de conteúdo para a televisão

têm que despertar para uma nova maneira de enxergar esse suporte e seu público.

As rádios parecem também não atentar muito para a nova modalidade de

comunicação que se tornou a Internet. Apesar de surgirem algumas rádios

exclusivamente para serem ouvidas pela Internet, e as já tradicionais permitirem que

suas programações sejam acompanhadas pela web, a linguagem continua a mesma da

usada antes do surgimento dos computadores pessoais. Têm-se a impressão de que as

redes de televisão e de rádio apostam que, caso se adaptem minimamente à Internet,

garantem a sobrevivência. Com os jornais impressos, no entanto, a aposta é diferente.

Em 1995, a Folha de S. Paulo iniciou sua participação na rede mundial de

computadores, apesar de possuir computadores em sua redação desde o começo da

década de 1990. Com o título “Folha Web”, o site era um reprodutor de conteúdo do

jornal impresso (NOVÍSSIMA! Folha de S. Paulo. 23 mai. 2010). Em 2000, tornou-se o

primeiro site jornalístico do Brasil a ser atualizado em tempo real. As notícias

aconteciam e não tinham que aguardar o dia seguinte para serem publicadas no jornal. O

nome passou a ser Folha On-line.

Esse alinhamento com as novidades da tecnologia, protagonizado no Brasil pelos

grandes jornais, como o Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de São

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Paulo, foi analisado pelo jornalista Carlos Castilho como uma situação esquizofrênica

por parte dos jornalistas na transição para a era digital. Publicado no site Observatório

da Imprensa, seu artigo (CASTILHO, 2010) tenta mostrar que o jornalismo tem que ir

muito além de uma simples adaptação:

O que o jornalista contemporâneo precisa entender é que, antes da Internet, exercer a profissão, ou seja, coletar, processar e publicar informações, era uma atividade que só poderia ser desenvolvida dentro de uma estrutura empresarial, na grande maioria dos casos. Hoje, esta situação já não existe mais, porque a essência do jornalismo pode ser praticada fora da indústria da comunicação, graças à Web.

A realidade, como mostra Castilho, é que o impresso, tanto os jornais quanto as

revistas, realmente correm perigo. Em pesquisa divulgada pela Inter-Meios, em 2009, a

Internet teve um crescimento de 23,27 % em verba publicitária recebida, tornando-se a

mídia que mais cresceu. Os jornais e revistas tiveram, por sua vez, queda de 9,5% (R$

2,8 bilhões) e 8,5% (R$ 1,5 bilhão) em verbas publicitárias, respectivamente

(INTERMEIOS, 24 fev. 2010 – Disponível em: <http://bit.ly/cYX7Hc>. Acesso em 24

fev. 2010).

As empresas jornalísticas adaptam-se como podem, e como acham correto, a

essa situação. O maior jornal do mundo, o New York Times, vê sua versão impressa

perder leitores a cada ano, e planeja, já em 2010, usar um novo sistema para cobrar os

usuários de seu site. Inicialmente, o leitor poderá acessar cinco notícias. A partir daí,

passa a ter que pagar para ler outras notícias. Os restantes dos jornais esperam pelos

resultados dessa ação para tomarem suas próprias decisões, como confidenciado pelo

diretor executivo da Folha de S. Paulo, Sérgio Dávila, em entrevista ao programa

Observatório da Imprensa, exibido no dia 25 de maio de 2010, no canal TV Brasil.

Enquanto as empresa e diretores preocupam-se com anunciantes, receitas

publicitárias e leitores, outro ponto toma as discussões sobre o jornalismo impresso: o

que acontecerá, e o que está acontecendo, com os jornalistas da redação, que entram

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nesse novo século com exigências e pressões nunca antes experimentadas por outros

profissionais da imprensa e tendo que, mesmo assim, manter em seu cotidiano o

meticuloso trabalho de apuração, verificação e edição de texto, assim como faziam seus

colegas de séculos atrás?

Page 22: Nada de novo?

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3. O CASO FOLHA

Para responder a várias perguntas sobre o que está acontecendo com o

jornalismo de hoje é preciso estudar a fundo seu ambiente e seus agentes. Para essa

tarefa de observação e análise, o melhor a se fazer é utilizar um objeto de estudo que

esteja na vanguarda de seu setor. Por isso, a escolha foi o jornal Folha de S. Paulo e a

Redação onde é produzido.

Como dito anteriormente, a Folha não foi o primeiro periódico a surgir no Brasil,

mas com o tempo se tornou o jornal de maior circulação, com alguns dos jornalistas e

diretores mais respeitados do país e com uma tendência a buscar sempre a inovação,

acertando algumas vezes e errando outras tantas.

Para começar a entender a importância da Folha para o presente estudo e como

sua Redação pode ser tomada como objeto de estudo, é necessário contar a sua história.

3.1 – 24 mil dias atrás: A história da Folha de São Paulo

Em 19 de fevereiro de 1921, um grupo de jornalistas liderado por Olival Costa e

Pedro Cunha, ex-funcionários do jornal O Estado de São Paulo, funda, na cidade de São

Paulo, o jornal vespertino “Folha da Noite”. Voltada para leitores das classes médias

urbanas e da classe operária, a publicação rapidamente faz sucesso entre os leitores, e o

grupo funda, em julho de 1925, o matutino “Folha da Manhã” (MANUAL, Folha de S.

Paulo, p. 108). Nessa época o sistema de composição ainda era manual, com cada texto

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sendo composto letra por letra, até que se obtivesse uma matriz em alto-relevo, usada

para a impressão (NOVÍSSIMA! Folha de S. Paulo. 23 mai. 2010).

Nelson Werneck Sodré, em sua “História da Imprensa no Brasil”, considera o

“Folha da Noite” o primeiro jornal a surgir organizado como uma empresa no país

(SODRÉ, 1977, p. 409). No período entre guerras os jornais e revistas publicados no

Brasil começam a sofrer alterações em sua estrutura, passando de produtos artesanais e

de propriedade individual ou familiar, para produtos de empresas estruturadas segundo

moldes capitalistas, inseridas na lógica industrial, como relata Sodré em seu livro. O

autor acrescenta ainda que a transformação é gradual, não sendo regra:

Continuam a aparecer revistas de vida efêmera, particularmente para atender injunções originadas na luta política, cada vez mais acirradas, mas são fatos pouco numerosos e acidentais. Na maioria dos casos, trata-se de empresas mal estruturadas, que se esgotam depressa, que consomem rapidamente o capital, mas sempre empresas, e não empreendimentos individuais.

Tanto a “Folha da Noite” quanto a “Folha da Manhã” possuíam uma orientação

editorial voltada para os problemas urbanos locais e, até 1929, fizeram oposição aos

governos da Primeira República, como aponta Carlos Eduardo Lins da Silva, em “Mil

dias: Seis mil dias depois” (LINS DA SILVA, 2005, p. 70):

Apesar de terem feito oposição aos governos da Primeira República durante oito anos, com a saída de Pedro Cunha da sociedade, passaram a apoiar [o presidente] Washington Luís. Em consequência, foram empastelados durante as agitações que acompanharam o movimento revolucionário de 1930.

Em 1931, dez anos após a primeira “Folha da Noite” chegar às bancas, na época

chamadas de quiosques (SODRÉ, 1977, p. 141), várias modificações acontecem no

grupo das Folhas. A empresa é vendida para Octaviano Alves de Lima, Diógenes de

Lemos e Guilherme de Almeida, que mudam a linha editorial dos jornais, passando a

defender os interesses dos produtores rurais paulistas e alterando a razão social para

“Empresa Folha da Manhã Ltda” (MANUAL, Folha de S. Paulo, p. 108).

Page 24: Nada de novo?

23

Essa nova fase dura 14 anos. Em 1945, acontece uma nova venda e outra troca

de razão social. O grupo adquire o nome que permanece até hoje, “Empresa Folha da

Manhã S/A”, e a diretoria passa a ser composta por Alcides Ribeiro Meirelles, Clóvis

Medeiros Queiroga e José Nabantino Ramos, esse último líder do jornal, controlador

acionário da empresa e responsável por grandes inovações (LINS DA SILVA, 2005, p.

70).

Desde que entrou na direção da Folha até sua saída, em 1962, Nabantino Ramos

procurou estabelecer critérios de excelência para as atividades de repórteres e redatores.

Sempre preocupado com a grande improvisação e a falta de regras nas redações, não só

das Folhas, mas de todos os jornais brasileiros, produziu um documento intitulado

“Normas de trabalho da divisão da Redação” e tentou passar sua linha de conduta aos

funcionários, seja no dia a dia, seja através de cursos que promoveu durante a década de

50.

Nabantino também é o criador da “Folha da Tarde”, em 1949, mesma data da

chegada do linotipo à gráfica do Folha da Manhã S/A. Em 1960, ele funde os três

jornais em um só, criando a “Folha de S. Paulo”. As preocupações com os cafeicultores

da administração passada são substituídas pela defesa dos interesses das classes médias

urbanas de São Paulo (LINS DA SILVA, 2005, p. 74). Mesmo com tantas novidades, o

grupo entra na década de 60 com sérias dificuldades financeiras.

Em 1962 dá-se o fim da era Nabantino. Os empresários Octavio Frias de

Oliveira e Carlos Caldeira Filho compram a empresa da Folha e iniciam a batalha para

reorganizarem a empresa do ponto de vista financeiro e administrativo. Durante cinco

anos esse é o principal objetivo, e a questão jornalística é deixada de lado.

Page 25: Nada de novo?

24

A partir de 1968, a situação financeira melhora, e os empresários passam a

investir prioritariamente no aparelhamento do jornal, com a compra de impressoras

offset, que permitiam impressões com cores, o uso de fotocomposição no lugar do

linotipo, e modificações no sistema de distribuição, deixando-o mais ágil e rápido

(MANUAL, Folha de S. Paulo, p. 108).

Com uma das melhores infra-estruturas do país, o Grupo Folha passa a focar

seus esforços na Redação e em seus jornalistas. A partir de 1974, Octavio Frias dá ao

jornal uma linha editorial mais aberta, tentando impor método e organização à Redação,

assim como havia tentado a administração anterior. Em 1978, surge a seção

“Tendências / Debates”, uma das mais famosas e respeitadas do jornal, e o Conselho

Editorial é criado, buscando fixar uma linha editorial própria e independente para a

Folha de S. Paulo. (LINS DA SILVA, 2005, p. 74-76). Os resultados esperados, no

entanto, só apareceram na década seguinte, com o Projeto Folha.

3.1.1 – O Projeto Folha

O “Projeto Folha” começou em 1974, quando os empresários Octavio Frias e

Carlos Caldeira passaram a dispensar mais atenção à Redação. Porém, seus reflexos só

foram realmente sentidos, fazendo a Folha de S. Paulo se tornar o maior jornal do

Brasil, na década de 1980.

O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva descreve a fase mais importante do

Projeto em seu livro, e tese de livre-docência para a Escola de Comunicação e Artes da

Universidade de São Paulo, “Mil dias: os bastidores da revolução de um grande jornal”.

Page 26: Nada de novo?

25

Eduardo Lins aborda o período compreendido entre maio de 1984 e maio de 1987,

totalizando mil dias, por ter feito parte efetiva das mudanças ocorridas na estrutura da

Redação da Folha, como ele mesmo diz, estando nesse momento “no calor da luta”. Em

julho de 1987, se muda para Washington, DC, Estados Unidos, e perde o contato diário

com a Redação. Alguns anos depois, em 2005, lança pela PubliFolha o livro “Mil dias:

seis mil dias depois”, em que apenas acrescenta um prefácio à primeira edição, de 1988.

Nessas vinte três páginas extras, explica suas motivações para, à época, escrever

o “Mil dias” e reflete sobre o que aconteceu à Folha desde que o livro foi publicado e o

que está por vir, em sua opinião baseada em observação e entrevista com outros

jornalistas da Folha que também participaram do Projeto. Nesse momento, porém, o

importante é atentar-se ao texto original, que mostra detalhadamente todo o processo

que modificou o jornal.

A “revolução”, como chamou Lins da Silva, começou com a chegada de Otavio

Frias Filho à direção de redação da Folha de S. Paulo, em um momento marcante, como

explica da Silva:

Em Maio de 1984, logo após a votação da emenda Dante de Oliveira, o frustrante capítulo final da campanha das Diretas-já, episódio marcante da Folha como o veiculador dos anseios da sociedade civil, Otavio Frias Filho assumiu a direção de Redação do jornal e deu início ao processo que está descrito neste trabalho (LINS DA SILVA, 2005, p. 16).

A campanha das Diretas-já é um divisor de águas na história da Folha de S.

Paulo, e ajudou o jornal a tornar-se o maior em circulação do país e seu Projeto a ganhar

notoriedade. A imprensa, de maneira geral, ignorava os protestos feitos pela sociedade

em favor da emenda Dante de Oliveira, que possibilitaria eleições diretas. Juarez Bahia

descreve o momento dessa maneira:

Durante a abertura política, com o autoritarismo já com seus dias contados, a conduta dos meios do jornalismo na campanha pela realização de eleições

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26

diretas no Brasil, em 1984, assinala um fosso entre o sistema de difusão de notícias e a sociedade como um todo (BAHIA, 2005, p. 245).

No parágrafo seguinte, vai mais além:

A grande imprensa, a grande televisão, o grande rádio, assumem um notório papel de desinformação e, com raras exceções, estabelecem uma autocensura formal sobre a maior manifestação de massa já ocorrida na história recente do país (BAHIA, 2005, p. 245).

Juarez Bahia segue dizendo que a grande imprensa se rendeu à omissão,

temendo o governo e sua censura. Faz apenas uma exceção: “O comportamento dos

grandes jornais, exceto a Folha de S. Paulo, em relação aos comícios das diretas,

identifica flagrante manipulação de fatos relevantes, nos quais está engajada a

sociedade” (BAHIA, 2005, p. 245).

Ficando ao lado da sociedade em momento marcante da história brasileira, a

Folha ganhou prestígio, tanto entre os leitores, quanto entre o restante da imprensa -fato

ocorrido mais tarde-, mostrando seu diferencial. Essa “ousadia” de ir contra a atitude do

restante da grande imprensa tem sua origem em ações tomadas anos antes.

Em 1978, foi feito o primeiro documento oficial do chamado “Projeto Folha”.

Intitulado “Levantamento de pontos indicativos de posição editorial e avaliação sintética

do momento político”, abrindo caminho para outros cinco documentos que vieram nos

anos seguintes: “A Folha e alguns passos que é preciso dar” (1981), “A Folha em busca

do apartidarismo, reflexo do profissionalismo” (1982), “A Folha depois da Campanha

Diretas-já” (1984), “Projeto Editorial da Folha – 1985-1986” (1985) e “Projeto Editorial

da Folha – 1986-1987” (1986) (LINS DA SILVA, 2005, p. 97).

O primeiro documento, criado juntamente com o Conselho Editorial, teve por

finalidade principal justamente delimitar objetivos e missões do Conselho. Um detalhe

importante é a aposta na abertura política cerceada pela ditadura militar. O documento

Page 28: Nada de novo?

27

chama o regime político vigente de “autoritário”, de “expressão política do capitalismo

concentracionista” e que “deixa de atender aos interesses das camadas cada vez mais

significativas da população”, tornando-se “obsoleto”.

No documento seguinte, publicado em junho de 1981, após uma greve dos

jornalistas (1979), o conteúdo é mais direcionado a informar aos jornalistas qual seria a

linha editorial a ser seguida, e que atitudes deveriam ser tomadas, principalmente para

aqueles com cargo de confiança, em uma espécie de “ame a Folha ou deixe-a”.

O documento do ano de 1982, “A Folha em busca do apartidarismo, reflexo do

profissionalismo”, aborda com mais veemência as posições jornalísticas, ou seja,

preocupações técnicas e profissionais, relacionadas a comportamentos e atitudes. Esse

documento antecipa o caminho para o “Manual geral da Redação”, chegando a

pormenorizar assuntos dos mais variados tipos, como quando as reportagens devem ser

assinadas e, se assinadas, com o nome completo ou com iniciais (LINS DA SILVA,

2005, p. 103).

Talvez o mais importante dos cinco documentos seja o de 1984, produzido após

a Diretas-já e intitulado “A Folha depois da campanha Diretas-já”. Juntamente com o

“Manual Geral da Redação”, constitui a matriz para os documentos seguintes, tornando-

os apenas versões atualizadas. Nele, a Folha confessa que tem total consciência de seu

papel, agora um novo papel:

...[A Folha] impôs-se, ao país inteiro, como uma das principais forças formadoras de opinião pública. Conquistou um importante crédito de confiança junto à sociedade civil. Antes da campanha [das Diretas-já], era difícil ignorar a Folha; depois dela, tornou-se impraticável (A Folha depois da campanha... apud LINS DA SILVA, 2005, p. 104)

O diretor de redação e responsável pelas decisões editoriais do jornal, Otavio

Frias Filho, avaliou três anos depois, em 1987, o momento de consolidação do Projeto

Page 29: Nada de novo?

28

como um aumento de prestígio em paralelo ao aumento da responsabilidade. “Houve

uma amplificação muito visível do poder de repercussão do jornal, teve de acabar com o

regime de laissez-faire [deixe acontecer livremente] na Redação” (LINS DA SILVA,

2005, p. 104).

Além de abordar o papel da Folha diante da sociedade, o documento de 1984 é o

primeiro da série a tratar de problemas de infra-estrutura da Redação, admitindo existir

“graves problemas de estrutura jornalística” (A Folha depois da campanha... apud LINS

DA SILVA, 2005, p. 106). Entre os problemas citados pelo documento, estão serviços

noticiosos precários, qualidade das edições flutuantes, fluxo interno cheio de percalços e

irregularidades, não-cumprimento do cronograma imposto pelas exigências industriais e

de circulação, mecanismos de controle falhos, critérios técnicos e editoriais

heterogêneos, falta de instruções precisas e uniformes para o desempenho das tarefas

jornalísticas e alto número de jornalistas cuja qualificação profissional não está à altura

das exigências colocadas pelo Projeto Folha. (LINS DA SILVA, 2005, p. 106). Ou seja:

desde o começo do Projeto muitos fatores permaneciam falhos, e a direção exigia uma

mudança definitiva, prometendo medidas duras para corrigir o problema:

Não há tempo nem condições materiais para adestrá-los e prepará-los (aos jornalistas com qualificação profissional abaixo das exigências); terão que ser substituídos. A empresa terá que investir para viabilizar essas condições e para remunerar melhor a maioria que permanecerá (A Folha depois da campanha... apud LINS DA SILVA, 2005, p. 106).

Essa posição firme fez com que 10% dos jornalistas da Redação de São Paulo

(de um total de 270), fossem demitidos e substituídos por outros de fora. Isso causou

uma grande repercussão negativa entre os profissionais que ficaram, perdurando o

sentimento de descontentamento durante meses (LINS DA SILVA, 2005, p. 106-107).

Até mesmo o Sindicado dos Jornalistas Profissionais de São Paulo quis intervir no caso,

dizendo que “[...] a Folha feriu brutalmente a dignidade da profissão, ao demitir, com

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29

uma só penada, 28 (sic) jornalistas, sob alegação que não se enquadram ao Projeto

Folha” (O caso Folha, em: Unidade – nº 74, fev. 1985, p. 4) Além disso, quatro dos seis

editores mudaram em apenas seis meses. Os responsáveis pelo comando de duas

sucursais -do Rio de Janeiro e de Brasília-, e uma das três chefias de reportagem da

Agência Folha, pertencente ao Folha da Manhã S/A, foram substituídos. As mudanças,

por serem de grande porte, resultavam em ações igualmente drásticas.

Polêmicas à parte, o documento trouxe com clareza inédita, diretrizes

jornalísticas para a implantação do Projeto. Segundo o texto “A Folha depois da

campanha Diretas-já, 1984”, o objetivo do jornal era ser: Crítico, não bastando relatar

fatos, sendo preciso expô-los à crítica; pluralista, pois a sociedade é plural e sempre há

interesses e pontos de vista em conflito; apartidário, pois segundo o documento a Folha

já era grande o suficiente e abarcava um número suficientemente alto de leitores para

que pudesse ser um jornal partidário; moderno, com um jornalismo que se propõe a

introduzir, na discussão pública, temas que até então não tinham ingresso nela,

colocando em circulação novos enfoques, novas preocupações, novas tendências.

Toda essa reflexão sofre o fazer jornalístico introduzida nesse documento,

significou para o jornal Folha de S. Paulo e todos os outros periódicos brasileiros, uma

nova fase, como relata Eduardo Lins da Silva: “O documento ‘A Folha depois da

campanha Diretas-já’ significa a pá de cal num tipo de jornalismo que caracterizou o

jornal durante dez anos e o início de um novo tipo de jornalismo, que viria a marcá-lo

dali em diante (LINS DA SILVA, 2005, p. 107).

Os reflexos da nova forma de fazer jornal foram sentidos rapidamente. Entre

maio e dezembro de 1984, as assinaturas da Folha de S. Paulo subiram 19,74%. Entre

maio de 1984 e fevereiro de 1985, período em que aconteceram as várias demissões e

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protestos contra o Projeto, as assinaturas tiveram aumento de 24,74%. A infra-estrutura

da Redação foi melhorada, com instalação de ar-condicionado, novas salas e sistema

telefônico, os salários aumentaram e foram adquiridos novos equipamento fotográficos

(LINS DA SILVA, 2005, p. 112 e 113). Mesmo assim, muitos jornalistas, de dentro e

de fora da Redação da Folha, continuavam a se rebelar contra o Projeto. O motivo, além

das novas diretrizes, foi o advento de uma novidade: os terminais de computadores

instalados em 1983.

A Redação da Folha foi a primeira informatizada da América do Sul

(NOVÍSSIMA! , Folha de S. Paulo. 23 mai. 2010). Apesar da imagem de modernidade

e audácia por investir em algo desconhecido para a época, alguns jornalistas se sentiram

acuados pela mudança que essa nova tecnologia trazia consigo. Como lembra Eduardo

Lins da Silva: “O ineditismo traumatizou ainda mais um episódio que, por si, já vinha

carregado de alta carga simbólica, tanto pelo que significa em termos de mudança

cultural para o jornalista como pela ameaça concreta a empregos que ela representa

(LINS DA SILVA, 2005, p.82).

Além do grande impacto para os jornalistas, os terminais também forçaram uma

mudança estrutural na Redação (ar-condicionado para manutenção dos equipamentos,

área de trabalho mais limpa e organizada para evitar danos) e uma mudança estrutural

no modo da mídia impressa pensar a sua relação com as novidades tecnológicas:

Durante muitas décadas (nove pelo menos), as alterações no modo de organização das relações entre as pessoas que produziam informação no jornalismo brasileiro foram mínimas, quase imperceptíveis. O terminal de vídeo, embora seja um instrumento relativamente simples diante do que já existe no setor de automação de informação, foi o primeiro fator de alteração de uma ordem há muito estabelecida e solidificada (LINS DA SILVA, 2005, p. 82-83)

As modificações da ordem das Redações, como em muitos outros setores e

ramos de atividades, sempre encontram resistência, principalmente daqueles que

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viveram seguindo um determinado estilo de vida, como completa Lins da Silva (LINS

DA SILVA, 2005, p. 84):

Para um jornalista arrogante, que se julga senhor de todo o saber, ter de voltar aprender noções básicas de qualquer nova forma de codificar seus pensamentos pode ser interpretado, ainda que em nível inconsciente, como um ultraje.

Junta-se a esse fator o choque de gerações. Além de terem que se adaptar a um

novo modo de trabalhar, os jornalistas mais experientes tiveram que ver jovens

inexperientes chegando às redações como especialistas nesse novo mundo, dominadores

de uma nova técnica em que papel e caneta começavam a se tornar ferramenta obsoleta.

Com certeza, os futuros jornalistas nascidos já na era da informática e que aos três anos de idade já lidam com jogos eletrônicos não sentirão qualquer problema diante dos terminais de vídeo. Mas os jornalistas que tiveram de defrontar com eles sem preparo anterior, sem aprendizado escolar, se viram diante de um choque cultural de proporções nada desprezíveis (LINS DA SILVA, 2005, p. 85).

Lins da Silva continua em seu discurso sobre o choque de gerações:

A variedade de problemas humanos que a introdução dos terminais de vídeo numa Redação acarreta é grande. Regina Festa, em pesquisa que realizou pela Unesco sobre o processo da Folha (Regina Festa, Las Computadoras Revolucionam La Folha de S. Paulo y El Periodismo Brasileiro, em: Sela [cap.12, abr.-jun., 1985], p. 98), identificou, entre outros, o do aumento da distância entre jornalistas mais velhos e os mais novos (LINS DA SILVA, 2005, p. 85).

Independente dos problemas e desgastes naturais do processo de informatização

da Redação, a ação era necessária. Diferente do que muitos possam pensar, a motivação

maior não foi uma procura estética por modernização, para a Folha alcançar o status de

pioneira ou se diferenciar dos concorrentes. Como relatou o diretor industrial da Folha

da Manhã S/A, Pedro Pinciroli Júnior, ao jornalista Carlos Eduardo Lins, as

modificações tiveram motivação econômica. Segundo Pinciroli, a crise econômica do

começo da década de 1980 exigiu maior racionalização de gerenciamento das empresas.

Disse o diretor:

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Com um quadro tão acentuado de recessão, em que os custos administrativos, industriais e de Redação aumentaram a um ritmo incerto sem que se pudesse transferi-los ao consumidor e aos anunciantes, e tomando em consideração os avanços técnicos no setor, a empresa decidiu adotar um conjunto de medidas destinadas a atacar tais problemas de diversos ângulos (em: LINS DA SILVA, 2005, p. 90).

A decisão da Folha, apesar de pioneira no país, foi apoiada por experiência

vivida anos antes no estrangeiro. O lendário jornalista Gay Talese, descreve em seu

livro “The Kingdom and the power”, parte da história do jornal The New York Times.

Ao final do livro, Talese descreve a situação em que na década de 1960 o Times (dono

do The New York Times) resolve informatizar-se e enfrenta resistência, assim como

ocorrido com a Folha duas décadas depois. Talese (TALESE, 1981, p. 403) descreve:

O Times tinha de fazer mais dinheiro do que de costume [...]: a economia da propriedade jornalística nunca estivera tão precária quanto então [...]. Embora o Times tivesse reservas financeiras para resistir a greves, mais recursos eram necessários não apenas para enfrentar o aumento dos custos de produção e de salários como para o jornal permanecer seguro em futuras ameaças trabalhistas. Uma forma de fazer mais dinheiro é vender mais cópias e aumentar os preços da publicidade...; outra era operar o Times mais economicamente [...] através da modernização da fábrica [...]. O Times teria que aceitar o computador [...]. Os Timesmen teriam de superar suas aversões e suas concepções românticas a respeito do negócio jornalístico.

Com o respaldo da experiência do maior jornal do planeta e com resultados

positivos na qualidade do conteúdo, refletindo em aumento das vendas, em cinco meses

toda a Redação da Folha de S. Paulo estava equipada com os terminais de

computadores. Uma curiosidade: a primeira editoria a adotar o sistema completo de

computadores foi a “Ilustrada”, responsável pelo conteúdo cultural. Depois vieram a

editorias de “Esporte”, “Educação”, “Cidades”, “Exterior”, “Economia”, “Política” e

“Primeira Página” (LINS DA SILVA, 2005, p. 90).

A adoção dos terminais garantiu também um item fundamental para a atividade

jornalística: o ganho de tempo. Lins da Silva relata que o processo da feitura do jornal

ficou 40 minutos mais curto, o que significa estar 40 minutos mais cedo nas bancas ou

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nas casas dos assinantes. Além disso, o jornalista ganhou uma nova concepção do

processo de criação e edição de sua matéria, como relata Lins:

[...] todos os jornalistas passaram a ter uma visão gráfica muito maior em virtude da necessidade que têm de escolher o corpo e a medida em cada texto que será fotocomposto; exige-se do jornalista um texto que possa ser considerado “final”, pois o bode expiatório do “erro de revisão” já não existe mais; as possibilidades de alteração mais rápida na estrutura do texto são muito mais amplas agora do que no passado de papel e máquina de escrever (LINS DA SILVA, 2005, p. 91).

Outra modificação no fazer jornalístico introduzida pelos computadores é o

tamanho e qualidade do texto. A correção mais ágil e precisa do que nas máquinas de

escrever possibilitava que o texto ficasse mais sofisticado, conciso e bem redigido.

Eduardo Lins mostra o que observou desse aspecto na prática, dizendo que como toda

lógica jornalística se altera diante do vídeo, a tendência é que tanto os textos passem a

ser mais curtos, com o redator tendo acesso à medida exata de seu texto no terminal,

podendo medi-lo com precisão, e com os períodos e orações mais enxutos. Lins termina

dizendo que “A tela induz o redator ou repórter a um estilo mais ‘nervoso’ pelo próprio

nervosismo que o sistema materializa” (LINS DA SILVA, 2005, p. 93).

No final, pode-se concluir que apesar dos atritos e problemas causados pela

entrada dos terminais de vídeo nas redações, o processo trouxe melhorias que hoje se

tornam óbvias, e que, mesmo naquela época, os jornalistas começaram a entender a

importância da inovação. Mesmo assim os computadores daquela época não eram tão

potentes e funcionais como os de hoje, e a maioria dos jornalistas não exploravam as

mínimas potencialidades das máquinas, tratando-as como simples “máquinas de

escrever com vídeo” (LINS DA SILVA, 2005, p. 92).

Passado o período de adaptação da Redação, as novas tecnologias entraram no

cotidiano do jornal e de seus leitores efetivamente na década de 1990. Em 9 de julho

1995, quando a internet dava os primeiros passos em território brasileiro, é lançada a

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“Folha Web”, primeira iniciativa do Grupo Folha na web (NOVÍSSIMA!, Folha de S.

Paulo. 23 mai. 2010). Essa novidade acontece próxima a uma mudança significativa

dentro da empresa: em 1991 as ações da Folha da Manhã S/A, que pertenciam a Carlos

Caldeira Filho passam para Octavio Frias de Oliveira, alteração que se refletirá em

modificações futuras (MANUAL, Folha de S. Paulo, p. 108).

Em 1993 a tecnologia chega a um setor fundamental aos jornalistas: o banco de

dados. Dentro do Grupo Folha existe a Banco de Dados de São Paulo Ltda., empresa

responsável pelo acervo de textos e fotos utilizados desde 1921 pela Folha. Foi em

outubro de 1993 que o arquivamento do material passou a ser informatizado. Com isso,

a consulta passou a ser muito mais rápida, possibilitando aos jornalistas não só

escreverem de modo mais rápido, mas também pesquisar dados (MANUAL, Folha de S.

Paulo, p. 110).

Ainda na década de 90, alterações possibilitadas pelas novas tecnologias tornam

o jornal mais forte: em novembro de 1990 passam a ser publicadas edições regionais da

Folha de S. Paulo, com conteúdo específico para uma determinada região (pratica quase

impossível antes da chegada da fotocomposição) e em dezembro de 1994 é inaugurado

Centro Tecnológico Gráfico – Folha, na cidade de Santana de Parnaíba (MANUAL,

Folha de S. Paulo, p. 111-114). Esse parque gráfico permitiu que a Folha pudesse usar,

pela primeira vez em sua história, cores em todas as páginas.

Às vésperas do século XXI, no ano de 2000, uma verdadeira revolução acontece.

A “Folha Web” muda de nome, para “Folha Online”, e o novo portal traz uma visão

totalmente diferente do jornalismo na internet: ao invés de meramente reproduzir partes

da edição impressa do jornal, a Folha Online registra os acontecimentos assim que

ocorrem, tornando-se o primeiro site com cobertura em tempo real em país de língua

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portuguesa. Juntamente com essa revolução na internet, a versão impressa adota um

novo projeto gráfico, com visual mais leve, tendência que vinha habitando suas páginas

há bastante tempo e agora se tornava oficial (NOVÍSSIMA!, Folha de S. Paulo. 23 mai.

2010).

Após passar por modificações pontuais, com o jornal dando mais destaque para

as fotos e utilizando textos mais dinâmicos, e o Folha Online aumentando o espaço para

áudio, vídeo, fotos e páginas, mesmo assim, mais rápidas de serem carregadas pelo

navegador da internet, o Grupo Folha marca para 2010 uma nova grande reforma.

Em 23 de maio de 2010, 40 dias depois do jornal O Estado de São Paulo fazer

sua reforma editorial e gráfica, a Folha chega às bancas reformulada. A edição Nº

29.635, de 23 de maio de 2010, anuncia em uma primeira página especial que “A Folha

fez o jornal do futuro” e que “Fazer o jornal do futuro é se reformular visual e

editorialmente”. Essa reformulação é explicada no suplemente especial intitulado

“Novíssima”.

A reforma se deu na parte visual com uma nova tipografia, com letras 12%

maiores, títulos com bold (negrito) mais forte para matérias mais importantes e textos

dos colunistas em itálico. Ainda na parte visual, a cor ciano ficou mais presente e o

caderno de esportes se diferenciou das outras editorias pelo seu formato tablóide.

No conteúdo, a parte que sofreu maiores modificações, os textos se tornaram

mais curtos e analíticos, como garantiu o diretor-executivo Sérgio Dávila na

apresentação do “Novíssima”. Além disso o caderno “Brasil” passou a ser chamado

“Poder”, em alusão a uma cobertura dos três poderes, o caderno “Economia” se

transformou em “Mercado”, foi lançado o caderno “Tec”, publicado todas as quartas-

feiras com notícia e análises do mundo digital e, por fim, o suplemento dominical

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“+Mais”, voltado para intelectuais, se transformou no “Ilustríssima”, com textos mais

simples. O jornal ganhou ainda 29 colunistas, totalizando 101, e uma nova revista

intitulada “sãopaulo” teve seu lançamento anunciado para a edição do dia 06 de junho.

Por último, mas não menos importante, aconteceu uma modificação interna que

veio complementar e, ao mesmo tempo possibilitar, a reforma: as redações do jornal

Folha de S. Paulo e do site Folha Online (que passou a se chamar no dia 23 de maio de

Folha.com) se uniram. Dessa forma o jornalista do Grupo Folha não é mais classificado

como “do impresso” ou “do site”, tendo a possibilidade de ver sua reportagem

publicada em qualquer um dos dois, ou em ambos.

A junção das redações é um dos últimos passos dados até agora pela Folha em

direção ao pioneirismo e à inovação. Por isso ela se torna um o objeto de estudo

imprescindível para o desafio ao qual esse trabalho se propõe. Através desse grupo de

comunicação será analisado como as novas tecnologias estão modificando as redações

dos jornais impressos, ou melhor, as redações que agora se tornam híbridas de jornais

impressos e digitais.

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4. NADA DE NOVO?

O jornalismo de hoje, independente do veículo de comunicação em que estiver

inserido, é muito diferente do jornalismo de dez, cinco anos atrás. Um dos principais

motivos dessa evolução é a Internet. A chegada da rede mundial de computadores

mudou a maneira de a sociedade pensar a velocidade da informação. Não há mais a

dependência de carros, aviões, trens e navios para levar a informação de um canto a

outro no mundo. Não há mais dependência da intermediação de empresas de

comunicação para o cidadão comum ser ouvido. Seria possível pensar que a Rede Globo

de Televisão conseguiria ignorar por tanto tempo o movimento das Diretas-já na era da

Internet, onde cada indivíduo pode se comunicar com o resto do planeta com apenas

poucos cliques de um mouse ou por mensagens de celular?

Novos tempos na sociedade refletem novos tempos para quem escreve a história

da sociedade: os jornalistas. Os responsáveis por hierarquizar e distribuir a informação

agora veem esse papel repartido com seu público. A forma dos profissionais da

comunicação pensarem a sua principal ferramenta de trabalho, a informação, mudou.

Com isso, a notícia muda, a apuração da notícia muda, o modo de repassá-la ao público

muda e os meios de comunicação também mudam. Um viajante do tempo, que partisse

da década de 1940 e chegasse a uma grande metrópole de 2010, se sentiria desnorteado

pelas novidades e pela velocidade do mundo atual. A TV é o novo rádio; o cinema

agora é em cores e em três dimensões; existe uma tal de Internet, que permite que você

ache quase qualquer informação do que precise, sem nem sair do lugar, usando apenas

um computador ou mesmo um minúsculo telefone, o chamado celular. E mais uma

surpresa: falam do fim do jornal impresso!

Page 39: Nada de novo?

38

Realmente para um cidadão do século passado, pensar o mundo sem jornal

impresso, seu companheiro de todos os dias, é algo que beira o absurdo. Talvez

estejamos longe dessa realidade apocalíptica para os impressos, mas só o fato de o

assunto ser tratado com seriedade por pensadores e grandes corporações midiáticas já

mostra que o “absurdo” tem a possibilidade de se tornar realidade daqui a alguns anos.

Com esse cenário, várias perguntas clamam por respostas. Algumas só virão

com o tempo, outras podem vir com muita discussão, observação e estudo. O presente

texto busca responder a algumas dessas várias perguntas: qual a nova realidade para o

jornalista que trabalha em uma redação de jornal impresso? Qual o futuro de sua

profissão ou do suporte para o qual escreve? Para se chegar a tais respostas, devemos

ouvir os estudiosos e, principalmente, os atores principais.

Para tanto, foram usadas observações in loco feitas na Folha de S. Paulo, já com

as redações do jornal impresso e da versão para a Web transformadas em uma só, como

anunciado no capítulo anterior. A visita à Folha foi conduzida por Sandra Cristina

Fontana, jornalista da Editoria de Treinamento. Enquanto Fontana apresentava as

instalações e explicava o funcionamento da Redação, foi feita uma entrevista informal.

Ainda será usada uma entrevista concedida por Ana Estela de Souza Pinto, editora de

treinamento da Folha, por telefone. Com o estudo empírico assegurado, resta ouvir

alguns pensadores da comunicação sobre o que pensam do novo cenário midiático. Com

todos esses ingredientes, é possível especular se existe algo de realmente novo no

trabalho dos jornalistas de um dos meios de comunicação mais antigos do mundo.

Page 40: Nada de novo?

39

4.1 – O que há de novo?

O jornal impresso é uma plataforma muito antiga. É de uma época em que uma

informação demorava dias, e até meses, para ser captada por seus destinatários. Mesmo

assim, ele sobreviveu e conviveu muito bem com o aparecimento do cinema, do rádio,

das revistas, da TV e da Internet discada, acessada pela linha telefônica. Porém, com a

Internet de banda larga, em que a transferência de dados se torna realmente instantânea,

as coisas mudaram. Uma nova forma de jornalismo, o webjornalismo, se apresentou

para o mundo.

Ainda novo e pouco estudado, se comparado a outras formas de jornalismo, o

webjornalismo é aquele desenvolvido especificamente para a Internet. Nessa análise,

será considerado webjornalismo aquele dotado de seis características: hipertextualidade

[existência de hiperlinks], interatividade [diálogo com o público], multimidialidade [uso

de imagem, som e texto], personalização [conteúdo direcionado ao público alvo],

memória [possibilidade de pesquisa] e atualização contínua. (PALACIOS, 2002b;

MIELNICZUK, 2003).

Ao se abordar o webjornalismo, é importante ressaltar que suas características

em separado não são aspectos novos. Sua força e ineditismo se devem ao fato de todos

os itens estarem juntos pela primeira vez. O pesquisador Marcos Palacios (PALACIOS,

2002a) mostra alguns exemplos:

A Multimidialidade do Jornalismo na Web é certamente uma Continuidade, se considerarmos que na TV já ocorre uma conjugação de formatos mediáticos (imagem, som e texto). No entanto, é igualmente evidente que a Web, pela facilidade de conjugação dos diferentes formatos, potencializa essa característica. O mesmo pode ser dito da Hipertextualidade, que pode ser encontrada não apenas em suportes digitais anteriores, como o CD-ROM, mas igualmente, e avant-la-lettre, num objeto impresso tão antigo quanto uma enciclopédia. A personalização é altamente potencializada na Web, mas

Page 41: Nada de novo?

40

já está presente em suportes anteriores, através da segmentação de audiência (públicos-alvos). No jornalismo impresso isso ocorre, por exemplo, através da produção de cadernos e suplementos especiais (cultural, infantil, feminino, rural, automobilístico, turístico, etc); no rádio e na TV a personalização tem lugar através da diversificação e especialização das grades de programação e até mesmo das emissoras.

O único aspecto que Palacios considera ser inedito do webjornalismo, e que

realmente rompe com os suportes anteriores, é a memória. Para o autor, ela pode ser

múltipla, instantânea e cumulativa. Outro autor, Elias Machado Gonçalves, corrobora

esse pensamento:

A lógica hierárquica, centralizada e fechada persiste nos bancos de dados como serviços comerciais independentes ou como arquivos dos periódicos em papel disponíveis para consulta pública, enquanto que o jornal digital permite um modelo horizontal e descentralizado de armazenamento das notícias. Em publicações como El Mundo Digital, de Madri, por exemplo, o usuário pode, através de um sistema de busca interna, rastrear sem nenhum tipo de restrição todos os conteúdos em suas variadas seções (MACHADO, 2002, p. 53).

Enquanto alguns estudam o que o webjornalismo traz de novidades, há aqueles

que apontam seus traços negativos. Em artigo apresentado no XXV Congresso

Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom-2002), Fernando Arteche Hamilton se

posiciona como um descrente das vantagens da web para a qualidade da informação.

Para ele, o jornalismo tem seu sentido alterado no webjornalismo, pois o processo

começa em grande parte pela veiculação, ficando para mais tarde as tarefas de

conferência das informações, confrontação com outras fontes e edição mais criteriosa

das notícias. Hamilton completa dizendo que a velocidade de veiculação provoca certa

desorganização do material informativo, que inclui desde os erros, mais frequentes do

que no jornalismo convencional, até a dependência do momento de acesso do usuário

para que se tenha um determinado panorama dos fatos mais importantes do mundo, que

mudará nos próximos minutos ou nas próximas horas (HAMILTON, 2002).

Em uma linha de pensamento parecida, em que se defende que essa nova

modalidade de jornalismo estaria alterando negativamente os bons costumes da

Page 42: Nada de novo?

41

profissão, está Luciene Tófoli. Em texto reproduzido pelo site Comunique-se, a autora

mostra que o jornalismo praticado para a web aumenta muitos vícios dos profissionais

de comunicação. Um desses "vícios" seria o mimetismo midiático, que é a cobertura de

um evento sem grande importância informativa pelo simples fato de outros veículos de

comunicação acharem que os veículos concorrentes darão grande importância ao fato, o

que se transforma em uma espécie de auto-intoxicação. Para Tófoli, essa "falta de

polifonia do discurso jornalístico" é causada pelo ritmo acelerado imposto aos

profissionais. Sem tempo para análise do que realmente seria interessante para a

sociedade, não há espaço para o novo. As fontes são sempre as mesmas, por estarem

disponíveis mais facilmente, os pontos de vista são os mesmos e o discurso da mídia

acaba sendo sempre o mesmo (TÓFOLI, 2008). Esse ritmo vertiginoso pela busca da

informação já existia antes, mas com o jornalismo para a Internet, tudo tem que ser

instantâneo, a rapidez é mais valorizada do que o conteúdo, e esse pensamento acaba se

acentuando nos outros veículos, por influência.

Outra característica apontada por Tófoli é o “jornalismo sentado”. Referindo-se

a uma pesquisa sobre a produção de notícias para a Internet, do professor Fábio

Henrique Pereira, da Universidade de Brasília, a autora aponta que esse jornalismo em

que o repórter não vai até a fonte apurar, apenas espera que a informação chegue a ele, é

um novo perfil de muitos jornalistas do século XXI, que se copiam infinitamente. No

estudo de campo do professor Fábio Henrique Pereira (PEREIRA, 2003 apud TÓFOLI,

2008), ele conclui:

Esse sistema de retroalimentação fica latente já na primeira visita à redação do CorreioWeb: TV sempre ligada em algum tipo de programação jornalística, rádio sintonizado na CBN local, consulta ao sites da Globo, do Estado de São Paulo, da BBC Brasil, etc. (...) À medida que a prática de copiar e reutilizar o material do concorrente torna-se usual, os jornalistas vão se importando menos com isso. Para a empresa, a pirataria significa dividir a audiência do site com veículos que não pagaram pela cobertura de determinado evento, seja pela compra de informações, seja pela contratação

Page 43: Nada de novo?

42

de jornalistas. Isso afeta os lucros e inviabiliza a publicação de informações exclusivas pelo site. Mas para os jornalistas isso não faz tanta diferença. Responsável pela publicação de várias notas por dia, quase nunca assinadas, o jornalista não se identifica com o produto. Não há nenhum sentimento de posse pela matéria. Para ele, ser pirateado é uma prática lícita, desde que ele possa fazer o mesmo.

No outro lado, estão os que veem o lado bom do webjornalismo. O jornalista

Carlos Castilho acredita que os profissionais ganharam liberdade. Em artigo publicado

no site Observatório da Imprensa, ele afirma que, antes da Internet, coletar e publicar

informações era, na maioria dos casos, uma atividade que só poderia ser desenvolvida

com o amparo de uma empresa estruturada. Agora, que a web permite uma reportagem

publicada em um blog tenha a mesma visibilidade do que a manchete de primeira

página de um grande jornal, o jornalista tem mais possibilidade de praticar seu ofício de

maneira rentável fora da grande mídia. Castilho (CASTILHO, 2010) completa: "E se há

alguma luz no fim do túnel da sustentabilidade financeira do jornalismo autônomo na

Web, esta parece ser a da colaboração e produção coletiva".

O detalhe da produção coletiva citada por Castilho é um assunto latente nas

discussões sobre o papel do jornalista e sua relação com seu público. Porém, antes desse

assunto ser abordado, vale acompanhar o raciocínio de Jonathan Dube. Em artigo de

2002, ele analisa quais são as ferramentas mais usadas e que complementam o texto,

ajudando o leitor a ter informações mais detalhadas, além de permitir que o jornalista

mostre os vários aspectos de uma história e use o máximo que o webjornalismo lhe

permite. Dube (DUBE, 2002) cita as seguintes ferramentas:

1) Print Plus: é o modelo mais utilizado pelos grandes webjornais e consiste em

disponibilizar o texto da maneira como ele seria publicado no impresso e acrescentar

outros elementos como fotografia ou vídeo. Segundo Dube, é um jeito de reempacotar a

notícia produzida para suportes tradicionais e não explora as vantagens da web.

Page 44: Nada de novo?

43

2) Interativos clicáveis: são formas bastante comuns e baseiam-se nos

tradicionais gráficos de jornal ou televisão, além de agregar elementos interativos que

permitem ao leitor/usuário fazer algumas escolhas para obter a informação. São

utilizados para complementar a notícia.

3) Slideshow: uma maneira muito simples de apresentar uma sequência de

imagens. Pode servir ou para narrar uma sequência de fatos ou, simplesmente, como um

ensaio fotográfico sobre um assunto.

4) Estórias de áudio: aposta na força que o áudio possui para narrar uma estória.

Deve ser utilizado quando a palavra escrita não é adequada para expressar o conteúdo.

Não dispensa o uso de imagens. Dube sugere o uso do áudio para declarações de

experts, por exemplo.

5) Slideshow narrado: concilia imagens e sons. As imagens vão sendo passadas,

automaticamente, enquanto também transcorre o áudio.

6) Chats: o autor salienta que, embora não pareça, um chat pode vir a ser uma

forma interativa de narrar um fato, caso a situação apresente um moderador que

conduza a situação.

7) Quiz ou Enquetes: assim como no caso anterior, a depender de como o

questionário for proposto, pode funcionar como uma narração, a informação pode ser

fragmentada no formato “perguntas e respostas”.

8) Estórias animadas: uso da animação para narrar um fato. É uma solução

quando não há imagens sobre o acontecimento.

Page 45: Nada de novo?

44

9) Webcasting interativo: trata-se do uso de vídeo associado a algumas

possibilidades da web tais como oferecer links, chat, entre outros, proporcionando uma

experiência diferente da que seria apenas ver o vídeo na televisão.

10) Multimímida interativa: utiliza várias ferramentas, criando, segundo o autor,

uma forma híbrida, que integra texto, gráficos clicáveis, áudio, fotos e vídeo,

transformando os vários elementos em um conjunto compreensível e interativo para

narrar fatos.

Analisando esse mesmo trabalho de Jonathan Dube, a professora Luciana

Mielnickuz, em um trabalho intitulado “Webjornalismo de terceira geração:

continuidades e rupturas no jornalismo desenvolvido para a web” (MIELNICKUZ,

2003), tece um raciocínio perspicaz sobre o futuro do jornalismo:

O trabalho de Dube (2002) nos faz pensar que as rupturas anteriores, proporcionadas pelo rádio em relação ao impresso e pela televisão em relação ao rádio, foram mais simples, pois o suporte em si já apresentava um elemento que não existia anteriormente: a voz e, depois, a imagem. No caso da web, em relação aos outros suportes, o limite entre o que seria uma potencialização de possibilidades já existentes e o que seria uma ruptura, especificamente nesse caso do uso simultâneo de texto, sons e imagens, é muito tênue. E aqui o jornalismo vai precisar de subsídios em outras áreas como semiótica e artes para a compreensão dos processos que estão ocorrendo.

O mais importante de se apreender da discussão acerca da possível ameaça que o

webjornalismo representa para tradição iniciada pelo jornal impresso são quais

modificações as duas plataformas, online e impressa, vêm sofrendo em decorrência

dessa disputa por audiência e quais são as consequências. Já foram apresentadas

algumas características para situar o webjornalismo. Para o acompanhamento do caso

do jornal e de seus jornalistas, se torna indispensável observar a abordagem que, ainda

em 2002, Héris Arnt (ARNT, 2002) utilizou para mostrar quais eram os efeitos reais das

novas tecnologias na vida dos jornais:

Page 46: Nada de novo?

45

No primeiro momento, as novas tecnologias serviram tão somente para modernizar o processo industrial e dinamizar as redações (pela substituição de velhas máquinas de escrever por computadores), numa segunda etapa, a tecnologia vai facilitar a comunicação interna, entre os diversos setores do jornal. Quando os jornais começaram a fazer edições online não sabiam para onde iam, nem por que o faziam, mas tinham a intuição de que se não fizessem acabariam por desaparecer. Hoje, pode-se falar de um jornalismo digital, que amplia, redobra, multiplica o potencial do jornalismo impresso.

Ao invés de ameaça, as novas tecnologias se tornaram aliadas do impresso.

Como acontece com a chegada de qualquer novo meio de comunicação, ocorre um

momento de adaptação. Quando surgiu a televisão, sua linguagem era a do rádio, apenas

com o acréscimo de imagens. Posteriormente, as linguagens foram se diferenciando, e,

ao contrário do que muitos previam, o rádio não entrou em extinção, apesar de perder

sua força. O mesmo acontece com as versões online dos jornais. Em um primeiro

momento, apenas reproduziam conteúdo. Depois começaram a adquirir uma linguagem

própria e muitos disseram que era o fim dos jornais impressos. Mas como ressalta o

pesquisador J. M. Charon, citado por Héris Arnt, “a tendência, nos diversos países, tem

sido a integração das redações do jornal impresso e online” (Les Incertitudes du

cyberjournalisme. In: Sciences Humaindes. Paris, nº 32, p. 20-21, 2001). Isso é o que

aconteceu com a Folha de São Paulo.

Ao anunciar que, a partir do dia sete de abril de 2010, ocorreria a integração

orgânica das redações da Folha de S. Paulo e da Folha Online, que passou a ser

chamada de Folha.com, a direção do Grupo Folha apostou que o jornalista do futuro não

mais trabalhará para o jornal ou para o site. Ele terá que apurar e escrever a matéria para

a empresa que trabalha. Com isso em vista, a Folha busca mostrar que a Folha.com

poderá ter conteúdo tão bem trabalhado quanto a Folha de S. Paulo, e que o jornal será

tão dinâmico quanto o site. Como o processo de integração das redações se encontra no

início, é difícil afirmar se esse é o caminho a ser seguido, como relata a editora de

treinamento da Folha, Ana Estela de Souza Pinto:

Page 47: Nada de novo?

46

A integração está mudando ainda, e cada editoria muda de um jeito. Algumas tiveram realmente uma alteração, no sentido que todos da equipe trabalham para as duas plataformas, tanto para impresso quanto para online, mas outras editorias ainda estão com as equipes divididas, gente que só cuida do online e gente que só cuida do impresso. Então, não teve um impacto uniforme, é difícil analisar a mudança na Redação, porque depende muito de editoria para editoria.

Enquanto na web o que vale é a velocidade, e a regra é noticiar o máximo de

fatos possíveis, para um público que pode estar em qualquer lugar do mundo e ser de

qualquer faixa etária, sexo e classe social, o jornal impresso pode, e deve, se dar ao luxo

de selecionar entre as infinitas possibilidades de informação. Como comenta Héris Arnt

(ARNT, 2002):

O jornal é um meio que seleciona (com as imperfeições inerentes a toda a escolha), oferece várias versões, analisa os principais acontecimentos – mapeando as nossas leituras, em meio a esta saturação semiótica em que submerge cotidianamente o habitante da cidade.

O jornal é o responsável pelo recorte da sociedade. Ele tem a função de registrar

o ocorrido de forma mais profunda e analítica do que qualquer outro meio – com

exceção da revista, mas essa não tem caráter diário. Diferente das notícias da Internet,

que se sobrepõem umas às outras, à medida que umas vão ficando velhas e outras novas

– tudo isso em questão de minutos –, o jornal, com seu ciclo de 24 horas, deixa um

registro mais concreto dos acontecimentos. A manchete do dia será única até a próxima

edição, garantindo ao leitor que pode não ser a informação mais atual, porém é, na

opinião editorial do veículo, a mais importante. Juntamente com as outras notícias,

colunas, anúncios, editoriais e cartas dos leitores, ele organiza os acontecimentos em um

espaço e tempo pré-determinados, dando a ideia de que o todo, mesmo que

precariamente e parcialmente, pode ser apreendido em suas páginas.

Essa questão da relação do jornal com a sociedade, o seu público leitor, também

é fundamental para sua sobrevivência. Enquanto na Internet o usuário é bombardeado

por informações que podem ter vindo de qualquer fonte, desde as mais confiáveis até as

Page 48: Nada de novo?

47

totalmente inverificáveis, no jornal o leitor tem a certeza de consumir notícias e

informações que passaram pelo filtro de um profissional de jornalismo. Mesmo que esse

filtro muitas vezes não seja perfeito, seja por falhas acidentais ou intencionais, os

mecanismos oferecidos pela própria imprensa, como erratas, carta do leitor e notas da

redação, transmitem uma sensação maior de segurança. Mesmo que nada disso valha

muito para o jornal, sua credibilidade, seu bem mais valioso, está sempre em jogo e o

força a ter uma atitude mais transparente.

O lado ruim da integração entre online e impresso é quando o jornal tenta copiar

o que podem ser consideradas como algumas falhas da web. A Folha, por exemplo,

anunciou que, em sua reforma editorial mais recente, os textos seriam mais enxutos e

analíticos. Apesar da dificuldade natural de com menos espaço informar mais, a Folha

acredita que essa é a tendência a ser seguida. Esse encaminhamento parece buscar um

público mais jovem, acostumado a consumir a informação de forma rápida, pela

vivência com a Internet. Talvez essa aposta possa afastar seu verdadeiro público alvo e

acabar indo de encontro à qualidade, mas isso é assunto complexo e será retomado com

mais detalhes à frente. Agora, para a conclusão do raciocínio de que alguns aspectos

ainda garantem a sobrevivência do “jeito impresso” de fazer jornalismo, vamos ao fato

de que informação custa caro.

Muito se fala nos dias de hoje em jornalismo cidadão, em que o não-profissional

da comunicação faz sua própria pauta e relata o que viu. Isso está muito presente nos

blogs, os diários virtuais tão populares hoje em dia. Apesar de usados por jornalistas

profissionais, muitas vezes como única atividade, a maioria se utiliza do trabalho da

mídia para ter conteúdo. Judith Brito, em reportagem para o jornal Gazeta do Povo,

indica que um levantamento do Instituto Pew Research Center, demonstrou serem os

jornais responsáveis por cerca de metade da produção de conteúdo jornalístico novo. As

Page 49: Nada de novo?

48

demais mídias tradicionais juntas – tevê, rádio e outros – produzem quase todo o

restante, e somente 4% das informações inovadoras originam-se nas novas mídias –

plataformas de busca, agregadores, blogs, etc. Um segundo levantamento, feito pelo

Fair Syndication Consortium, atestou que cada matéria de jornal é reproduzida sem

licença em média 4,4 vezes na Internet, chegando a 15 vezes nos casos dos títulos de

maior credibilidade (BRITO, 2010 apud OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, O valor

do jornalismo. Disponível em: <http://bit.ly/aIGErZ> Acesso em: 28 fev. 2010).

Dessa forma, se torna óbvio perceber que não só a Internet, como todos os

outros veículos de comunicação, dependem das equipes de jornalistas dos impressos, e

de suas informações apuradas e de credibilidade, para terem conteúdo. Produzir

informação inovadora e de qualidade custa caro e necessita de um trabalho bem feito.

Sendo assim, fica difícil pensar em como o webjornalismo, que até hoje não encontrou

modos concretos de gerar receita suficiente para sustentar uma equipe de qualidade,

possa eliminar a necessidade do jornal impresso. Por enquanto.

Para continuar a análise sobre a relação entre as novas tecnologias e o velho

jornalismo impresso, é necessário um aprofundamento no estudo do caso da Folha. Para

verificar as principais mudanças, iremos comparar a Folha do final da década de 1980,

ainda durante o período do Projeto Folha apresentado no capítulo anterior, com a Folha

do ano de 2010, que acaba de integrar suas redações impressa e digital e introduzir uma

reforma gráfica, e, de certa forma, editorial em ambas as plataformas. O estudo dos dias

atuais, como já dito, será direcionado pelas entrevistas com jornalistas, observação de

campo e informações colhidas em artigos sobre o jornal e nos próprios veículos: a Folha

de S. Paulo e a Folha.com. Para a descrição de como era a Folha no final da década de

80, época áurea do Projeto Folha, e o que mudou de lá para cá, será usado o projeto

experimental "O computador e a nova ordem do caos: a informática nas redações

Page 50: Nada de novo?

49

jornalísticas brasileiras", de Carlos Pernisa Júnior, apresentado ao Departamento de

Comunicação Social da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora.

O trabalho foi concluído no segundo semestre de 1989 e descreve como foi o processo

de informatização da Redação de três importantes jornais da época: O Globo, Jornal do

Brasil e Folha de S. Paulo.

4.1.1 - O velho e o novo

O barulho das máquinas de escrever sendo usadas pelos jornalistas era ouvido de

longe. E não era somente uma máquina, mas várias. Junto com o barulho dos telefones,

as pessoas falando, um rádio ligado em um canto e uma televisão em outro canto, essa

era a sinfonia diária da Redação do maior jornal do país em 1989: a Folha de S. Paulo.

Porém, um aparelho que já há alguns anos habitava aquelas salas era bem mais

silencioso e ganhava cada vez mais espaço: o computador. Com o primeiro terminal

instalado em 1983, a Folha era pioneira no país quando o assunto era uma redação

informatizada. Mesmo assim, seis anos depois, as máquinas de escrever ainda resistiam

nas mãos dos mais conservadores, ou dos menos sortudos, já que ainda não havia

computadores para todos, como relata Calos Eduardo Lins da Silva (LINS DA SILVA,

1988, p. 60-61):

(...) a maior parte dos repórteres do jornal ainda usa máquina de escrever e papel. Seus textos são depois digitados para entrar no sistema. Isso não ocorre por resistência deles aos computadores ou por falta de empenho da empresa para que eles não trabalhem em terminais (...) Não há terminais para todos os jornalistas.

As mudanças ocorridas pela chegada dos computadores não eram somente

disputas por uma chance de usar o sistema. Toda a Redação teve que ser modificada. Os

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terminais apresentavam defeitos constantes, e uma das causas era o forte calor. Por isso,

em 1987, foi instalado um sistema de ar condicionado. O fumo, antes permitido, teve

que ser restringido para que o sistema não fosse afetado pela fumaça dos cigarros. Com

essas mudanças, o ambiente ficou mais limpo. Com a vagarosa substituição das

máquinas de escrever, também passou a ficar mais silencioso.

As mudanças mais importantes, no entanto, eram no trabalho propriamente dito.

O tempo para escrever e enviar as matérias para correção e posterior impressão

diminuiu bastante. Como consequência, os erros se tornaram mais presentes. Com os

computadores, os próprios repórteres e redatores tinham que corrigir seus textos. Até se

adaptarem e ficarem mais atentos, com um texto que poderia ser considerado final, o

leitor sofreu com letras, palavras e até parágrafos fora do lugar. Uma modificação que

também diz respeito ao texto foi a redução do seu tamanho, como explica Carlos

Pernisa Júnior (PERNISA JÚNIOR, 1989, p. 61):

Há uma determinação da direção da Folha para que o espaço ocupado por cada matéria não ultrapasse as 40 linhas de 70 toques. Essa concisão tem sua explicação: a concepção visual do jornal e a facilidade do leitor para se informar mais rápido, lendo o que é mais importante (...) Assim, o jornal ganha em dinamismo e se torna mais leve e mais fácil de ler.

Outra novidade surgida com a informatização foram os suplementos e os

cadernos especiais. Com os computadores era mais fácil a criação de mais páginas

“destacadas” dos cadernos normais, além de maior liberdade gráfica. Juntamente com

os cadernos especiais, vieram as edições diferenciadas, com várias regiões do país

recebendo diferentes reportagens, o que acontece até hoje com a edição “nacional”, com

horário de fechamento anterior à edição de “São Paulo”, distribuída mais tarde e com

notícias mais novas.

Não só a vida dos repórteres foi modificada. Os diagramadores também

ganharam uma ajuda da informática. Como relata Carlos Pernisa, passou a ser utilizado

Page 52: Nada de novo?

51

na Folha um sistema chamado "Figurino Editorial", com soluções gráficas para notícias

mais curtas e melhor uso do espaço disponível em cada página. Ainda era esperado,

para o começo dos anos de 1990, a instalação do programa de paginação Pagemaker, a

compra de mais scanners, eliminando o paste-up e possibilitando a inserção de fotos

diretamente na edição da página e a atualização do processo de impressão a cores, ainda

pouco usada.

As mudanças foram tão significativas ao jornal que, em entrevista concedida a

Carlos Pernisa (PERNISA JÚNIOR, 1989, Apêndices p. XV), em dezembro de 1989,

Carlos Eduardo Lins da Silva, na época diretor de planejamento da Folha, disse que

fazer o jornal sem os computadores já era “absolutamente impossível (...) Mudou tudo.

Hoje o jornal não sairia. Se der uma pane no sistema de computador, acho que o jornal

não sai”.

Se há mais de vinte anos atrás já era considerado impossível fazer um jornal sem

computador, imagine hoje. Além de todos os jornais já terem um ou mais sites na

Internet, versões online de suas edições diárias, contratos com grandes portais web,

blogs, perfis no Twitter e em redes sociais, toda a redação e o trabalho dos jornalistas

estão interligados à tecnologia.

A Redação da Folha foi reformada recentemente, em 2009. Além da já citada

reforma editorial, aconteceu uma reforma estrutural, com obras e mudanças. O quarto

andar, antes pouco ocupado, passou a abrigar uma redação ampla, com várias mesas e

nenhuma divisória entre elas. Todos os repórteres têm pelo menos um computador em

suas mesas. Os fotógrafos chegam da rua com suas câmeras digitais, passam o chip para

um funcionário responsável pela triagem das fotos, que separa as melhores para os

editores e repórteres no sistema interno da empresa, uma espécie de intranet.

Page 53: Nada de novo?

52

O fato de não haver divisórias, o que já existia há muitos anos atrás, é

interessante porque a Redação não é só da Folha de S. Paulo e da Folha Online. Lá

também convivem os funcionários da Agência Folha, das revistas especiais que saem

ocasionalmente e do jornal Agora, periódico pertencente ao grupo Folha da Manhã S.A

e direcionado aos públicos das classes C e D. Com essa disposição, as linhas que

dividem os veículos e as editorias se tornam invisíveis, reforçando o sentimento de que

a empresa realmente busca uma integração entre os jornalistas das diversas plataformas

e veículos. Em meio à profusão de mesas está a sala de reunião, com paredes de vidro e

com uma grande mesa ao centro. Persianas estão disponíveis, caso a conversa tenha que

ser mais discreta, no caso de uma informação que possa resultar em um furo

jornalístico, por exemplo.

Quanto às mudanças no dia a dia dos jornalistas, em meio a toda essa reforma

física e editorial, alguns aspectos já foram anteriormente abordados. Porém, é

interessante lembrar que a editora de treinamento e jornalista da Folha há 22 anos, Ana

Estela de Souza Pinto, confidencia que as mudanças provenientes da integração das

redações ainda não podem ser medidas com plenitude, tendo em vista que são

modificações recentes e que nem todos se inseriram nessa novidade. Ela acrescenta que

a possibilidade de um repórter que só escrevia para a versão impressa ter sua notícia

veiculada no site era uma demanda dos próprios jornalistas, que muitas vezes tinham

uma informação importante em mãos e queriam divulgar o mais rápido possível, para

não serem “furados” pelos concorrentes.

Outra questão envolvendo a “nova Folha” é o volume de trabalho. Com a

obrigação de produzir conteúdo tanto para o site quanto para o impresso, os jornalistas

não ficam sobrecarregados? Ana Estela responde que: “quando você tem uma equipe

maior para fazer as duas coisas você acaba eliminando as redundâncias, então, na teoria,

Page 54: Nada de novo?

53

tem diminuído o trabalho ao invés de ter aumentado”. Ela complementa dizendo que

não houve grande resistência à integração, até porque “quem era do impresso estava

querendo fazer online, porque é a plataforma do futuro, e o pessoal do online sempre

acha legal entrar no impresso, que é o veículo de maior prestígio. Então acho que

agradou às duas partes”.

Uma novidade que vai além do que se pode ver, é o trabalho “virtual” dos

repórteres. Um jornalista, assim como a maior parte das pessoas, possui perfis em redes

sociais e até mesmo blogs pessoais. Isso gera, inclusive, alguns desentendimentos entre

o profissional e a empresa, como o caso de um editor da revista National Geographic

Brasil, que foi demitido após falar mal da revista Veja em seu perfil do Twitter. As duas

revistas são da mesma editora, a Abril. No caso da Folha, até hoje não houve nenhum

caso parecido, e o acesso às redes sociais e microblogs (como o caso do Twitter) é

permitido. A editora de treinamento Ana Estela, inclusive, afirma que o jornalista da

Folha pode usar o Twitter e as redes sociais para ajudar na apuração de uma matéria.

Além da produção, essas novas ferramentas da Internet também são usadas na

promoção dos produtos da Folha, sendo que o jornal possui um perfil no Twitter e um

no Facebook, e a Folha criou recentemente o cargo de editor de multimídia,

responsável, entre outras coisas, pela manutenção das redes sociais e relacionamento

direto com o leitor. Apesar de todos esses avanços, a Folha ainda não possui um canal

para publicar conteúdos enviados por leitores, como já é comum em outros veículos de

comunicação.

Uma última questão, talvez a mais interessante, é quais foram os efeitos do

Projeto Folha da década de 1980, estudado pelo professor Carlos Pernisa Júnior e

abordado por Carlos Eduardo Lins da Silva no livro “Mil dias”, em relação aos dias

atuais. Ana Estela afirma que:

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54

Alguns pilares continuam até hoje, tanto no conteúdo jornalístico, com um jornal sempre crítico, sempre pluralista, independente, que critique todos os poderes, quanto na questão interna, tendo uma organização do trabalho, metas, avaliações, discussões, autocrítica constante. Algumas coisas estiveram mais em voga, outras menos. Por exemplo, o didatismo. Houve época em que era muito incentivado no jornal, depois deixou de ser prioridade, depois voltou a ser prioridade.

Com essas observações feitas na Redação da Folha, pode-se voltar ao ponto

principal da discussão. O maior jornal do Brasil em tiragem, e um dos maiores em

prestígio, enxerga o jornalista e o jornal do futuro como híbridos. Tanto o profissional

pode fazer matérias para ambas as plataformas, como o jornal deve ter o texto parecido

com o lido na Internet e vive-versa. Apesar de certa coerência, esse pensamento tem

seus riscos.

A coerência está na tendência absoluta da virtualização da informação. Enquanto

as empresas gastam boa parte dos investimentos para a compra do papel e máquinas

para a impressão do jornal, os custos para se transferir esse mesmo conteúdo – e ir mais

além com áudio e vídeo – para plataformas digitais, são mínimos. Não dependendo do

papel, as empresas podem direcionar o investimento para a sua mão de obra, tornando-a

mais qualificada, e não fica prisioneira de uma matéria-prima que historicamente tem

grande variação de preço.

Porém, existe o risco de pensar que na Internet ninguém está interessado em

informação aprofundada, e levar isso para o mundo do impresso. Ao anunciar que seus

textos serão mais enxutos, apesar de analíticos, a Folha de S. Paulo parece estar

procurando atingir um novo público, que pode ser seduzido por uma linguagem menos

complicada. Isso, no entanto, pode ser um “tiro no pé”. Ao aproximar seu conteúdo do

formato da Internet e enveredar para uma comunicação de massa – não tendo muita

preocupação com a participação do usuário com seções do tipo “jornalismo cidadão” –,

corre o risco de ver seus leitores habituais abandonarem o jornal e, mesmo assim, não

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55

conseguir o tão almejado novo público, que, por ver sua linguagem tão parecida com a

Internet, prefere optar pela opção mais dinâmica e na maioria das vezes gratuita.

É esse paradoxo, informar de forma mais veloz e diminuir a força da concorrente

Internet e, ao mesmo tempo, se parecer mais com ela, acabando por perder seu papel de

formador de opinião, o que o jornalismo tem que evitar. Os jornais, ao menos enquanto

for interessante publicá-los em papel, têm que levar ao leitor aquilo que ele dificilmente

encontrará em outra plataforma: o conteúdo. Enquanto o rádio tem sua instantaneidade,

a televisão tem a força da imagem e a Internet tem o poder de agregar tudo isso e criar

um diálogo instantâneo, o jornal impresso tem o privilégio de poder ser aquele que,

além de simplesmente transmitir notícias, analisa os fatos, mostra as diferentes questões

presentes em cada notícia e tem a confiança de ser, através dos séculos, o amigo fiel em

que todos podem confiar. Machado de Assis, ainda no século XIX, já sabia dessa que é

quase uma garantia da sobrevivência do impresso no século XXI: “Confesso que não

acreditei na notícia, a princípio; mas o respeito em que fui educado com a letra redonda

fêz-me acabar de crer que se não fosse verdade não seria impresso”.

Com o aumento nas vendas dos e-Readers e a chegada do Ipad ao mercado,

parece que esse “respeito com a letra redonda” pode ser transferido para a “letra

quadrada” das telas. Esses novos produtos, a exemplo dos computadores pessoais e dos

celulares, conseguem acessar todo o conteúdo que a Internet disponibiliza, incluindo as

notícias dos jornais, mas as novidades tecnológicas têm a vantagem de serem mais

amigáveis à leitura. Telas com tecnologia que permite uma leitura menos cansativa e

formatos mais maleáveis (existem aparelhos que podem ser dobrados como folhas de

papel), os gadgets modernos prometem abarcar todas as qualidades dos antigos jornais

impressos e somar a comodidade da web. Talvez no futuro seja possível comprar o

Page 57: Nada de novo?

56

jornal que quiser, de qualquer parte do mundo (e ainda traduzido), sem ter que ir à

banca, apenas utilizando o seu Ipad e pagando bem menos pelo exemplar.

A tendência nesse momento é a de que o jornal impresso não sustente sua

posição de líder de opinião e veículo cobiçado pela publicidade no formato atual.

Porém, é importante lembrar, que sempre haverá pessoas dispostas a pagarem por

informações confiáveis. Sendo assim, não é muita ousadia afirmar que o bom

jornalismo sempre estará a salvo, com jornalistas de alto nível produzindo conteúdo

relevante para a Internet e os suportes em que ela pode e poderá ser visualizada. Se essa

tendência ocorrerá dessa maneira, e se as empresas de comunicação e jornalistas de hoje

estão no caminho certo, essa resposta não está ao nosso alcance. Não nesse momento.

Talvez daqui há alguns anos seja possível encontrá-la nas páginas de um grande jornal

ou no Twitter de um anônimo.

Page 58: Nada de novo?

57

CONCLUSÃO

O jornal impresso, como o conhecemos hoje, pode acabar um dia. Pode ser

daqui a cinco anos, pode ser daqui a cinco séculos, pode ser que nunca acabe. É difícil

fazer previsões. Em entrevista a Carlos Pernisa Júnior, o jornalista Carlos Eduardo Lins

da Silva disse, em 1989, que a máquina de escrever continuaria presente em muitas

redações brasileiras pelos próximos 20 ou 30 anos. Não bastaram cinco anos para que

sua previsão, apesar de muito lógica para a época, tornar-se irreal.

Hoje a Folha também tenta, através de suas reformas, fazer uma nova previsão,

apostando que o futuro do jornalismo será híbrido e de multi-plataforma. Aposta

também que, por enquanto, o jornal impresso tem seu lugar assegurado e a transição

para o meio online será lenta e gradual, com anunciantes e receita publicitária migrando

de forma orgânica e os leitores aguardando os movimentos do jornal em direção à nova

era da comunicação. Em tempos de mudanças rápidas, essa aposta pode ser um pouco

arriscada.

Independente de previsões, o importante para o jornalismo é saber que a

transmissão da informação de valor, aquela bem apurada e com credibilidade, não

acabará nunca. Sempre estará presente, seja impressa em uma folha de jornal, seja

brilhando em uma tela de celular. Na era da informação, o jornalista é um dos atores

principais, apesar de ser sempre bom estar nos bastidores, deixando que os fatos

ganhem a atenção do público.

A Internet, que sem dúvida foi uma das maiores revoluções na comunicação,

veio para auxiliar o bom jornalismo. Ela não tem limitação de espaço, tamanho ou

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58

tempo. Existe em todos os lugares e, ao mesmo tempo, em lugar nenhum. Não há como

destruir sua força. Os historiadores do presente, os jornalistas, não devem lutar contra

ela. Devem buscar entendê-la, corrigir as suas falhas e aproveitar esse momento

histórico para se juntar à revolução e transmitir através de texto, som, imagem e bits, as

boas novas dessa nova era da comunicação.

Nunca foi tão fácil ser ouvido. A busca pela verdade e pela informação nunca

esteve tão ao alcance de todos. Resta aos jornalistas se transformarem nos filtros da

informação e continuarem a fazer o seu papel social, de informar a sociedade e chegar o

mais perto do que podemos considerar a verdade dos fatos. Isso, computador nenhum

poderá fazer por nós.

Page 60: Nada de novo?

59

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Page 61: Nada de novo?

60

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PICCININ, Fabiana. O texto jornalístico on-line: um estudo sobre a linguagem das notícias na internet. Trabalho apresentado no XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom - Campo Grande – MS.

QUADROS, Claudia Irene de. Uma breve visão histórica do jornalismo on-line- XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom - Salvador/BA, 2002.

LINS DA SILVA, Carlos Eduardo. Mil dias: os bastidores da revolução em um grande jornal. 1ª edição. São Paulo: Trajetória Cultural, 1988a.

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TALESE, Gay. The Kingdom and the Power. New York: Del Publishing Co., 1981.

TÓFOLI, Luciene. Novo código de ética dos jornalistas e o mimetismo midiático. Disponível em: <http://bit.ly/dmUikw>. Acesso em: 22 de fevereiro de 2010.

Page 62: Nada de novo?

I

APÊNDICE

A - ENTREVISTA COM ANA ESTELA DE SOUZA PINTO, editora de treinamento

da Folha, concedida em 09 de junho de 2010, pelo telefone.

THANIUS - Como mudou a rotina da redação com a integração das redações do

impresso e online?

ANA ESTELA - Está mudando ainda, e cada editoria muda de um jeito. Algumas

tiveram realmente uma alteração, no sentido de que todos da equipe trabalham para as

duas plataformas, tanto para o impresso quanto para o online, mas outras editorias ainda

estão com as equipes divididas, gente que só cuida do online e gente que só cuida do

impresso. Então não teve um impacto uniforme, é difícil analisar a mudança na

Redação, porque depende muito de editoria para editoria.

THANIUS - Foi noticiado pelo Observatório da Imprensa que o Sindicato dos

jornalistas de São Paulo criticou a integração, acusando a empresa de sobrecarregar o

jornalista e disseram basear as acusações em relatos dos próprios funcionários. Como

vocês veem essa acusação do sindicato?

ANA ESTELA - Acho que para uma ou outra pessoa, principalmente para os editores,

que agora são responsáveis pelas duas plataformas, pode ter realmente aumentado essa

responsabilidade, mas para a maior parte das pessoas não teve aumento da carga de

trabalho, porque ninguém foi demitido, temos as mesmas funções exigências de

trabalho que existiam antes, com a mesma equipe. Na verdade, se você for colocar no

Page 63: Nada de novo?

II

papel, quando você tem uma equipe maior para fazer as duas coisas você acaba

eliminando as redundâncias, então na teoria tem diminuído o trabalho ao invés de ter

aumentado. Mas não teve grande resistência aqui, eu não vi resistência nenhuma, pode

ter tido casos pontuais, mas acho que na maior parte o pessoal aceitou bem. Quem era

do impresso estava querendo fazer online, porque é a plataforma do futuro, e o pessoal

do online sempre acha legal entrar no impresso, que é o veículo de maior prestígio.

Então acho que agradou as duas partes.

THANIUS - Antigamente as redações pegavam as matérias dos jornais impressos e

colocavam na Internet, hoje já existe conteúdo exclusivo para web. Já estão estudando

um novo modo de trabalhar para os novos meios, como e-Readers?

ANA ESTELA - Sim, temos vários projetos sendo desenvolvidos para o jornalismo

mobile, como o para celulares, que tem a tela menor... mas não é nada para agora.

THANIUS - Sobre a queda da obrigatoriedade do diploma imposto pelo STF, como a

Folha encarou essa situação? Houve mudanças?

ANA ESTELA - A Folha nunca exigiu diploma, sempre contratou gente sem diploma,

então não alterou nada.

THANIUS - Mas então até para os cargos de repórter não exigiam o diploma?

ANA ESTELA - Sim, para repórter, colunista, para tudo, sempre foi assim.

THANIUS - Na Redação vocês se baseiam em blogs, redes sociais, Twitter, para ajudar

na apuração de notícias?

ANA ESTELA - O Twitter é uma ferramenta de apuração como todas as outras, não

Page 64: Nada de novo?

III

pode substituir as outras, e deve ser tratada com os mesmo cuidados das fontes de

informação, pode ser um primeiro contato, um meio de pesquisar, achar gente, mas

depois temos que escolher os entrevistados com critério de relevância, critério

jornalístico, sempre chegar bem a informação. É uma ferramenta a mais de informação,

tanto para achar pessoas quanto para divulgar o trabalho que a gente faz.

THANIUS - Antigamente a relação entre leitores e jornalistas era por cartas para a

Redação. Hoje existem os comentários na própria matéria do site, o e-mail que o

jornalista pode receber diretamente. Como os repórteres lidam com isso? Eles

respondem aos leitores, tem alguma orientação da direção quanto a isso?

ANA ESTELA - Varia de pessoa para pessoa. Eu sempre respondo a quem me escreve,

no blog [<http://novoemfolha.folha.blog.uol.com.br>] e etc. Agora o jornal não obriga o

repórter a responder. A gente criou há duas ou três semanas um Editor de multimídia

cuja função principal é essa: cuidar do relacionamento com as redes sociais, com o

leitor. Ele alimenta a página da Folha no Facebook, no Twitter, cuida da interação.

THANIUS - Como vocês encaram o jornalismo cidadão, ou participativo?

ANA ESTELA - Na Folha não existem canais para publicar material que vem do leitor.

THANIUS - O atual excesso de informação para o leitor o deixa confuso, como

apontam estudos. Como o jornalista lida com essa informação em excesso?

ANA ESTELA - Causa o mesmo tipo de dificuldade que a do leitor, você acaba tendo

que filtrar, mas essa é a essência da nossa profissão, selecionar, analisar, decidir

rapidamente o que vale a pena e o que não vale.

Page 65: Nada de novo?

IV

THANIUS - Na Folha.com o repórter posta a matéria e alguns segundos depois pode

modificá-la se necessário. Você acha que essa flexibilidade pode tornar o repórter

menos exigente com revisão e correção?

ANA ESTELA - Acho o contrário, porque agora o repórter fica muito mais exposto à

crítica do leitor, então a tendência é corrigir mais.

THANIUS - Como vocês lidam com o jornalismo sentado, aquele em que a pessoa

apura somente por telefone e releases?

ANA ESTELA - Sempre que é importante estar presente, nós vamos. Tem matéria que

não é preciso ir, como ronda das estradas. Mas quando faz diferença o repórter estar no

lugar, a gente tenta ir.

THANIUS - Como os jornalistas mais tradicionais do impresso estão lidando com a

Internet?

ANA ESTELA - As pessoas se adaptam rápido, mas não é todo jornalista que vai ter

que produzir para Internet, no ritmo da Internet. Mesmo assim, acho que já sentiam a

necessidade de publicar logo a informação, algo que você tem e quer mostrar. Então não

é um grande choque, é inclusive uma oportunidade a mais de fazer coisas que já se

queria fazer.

THANIUS - Ante a crise dos jornais e a reforma da Folha, quais são as perspectivas

para os próximos anos?

ANA ESTELA - Difícil saber. Queremos crescer cada vez mais, ter cada vez mais

leitores, vender cada vez mais jornal, ser um jornal que continua sempre ousando,

encontrando maneiras melhores de fazer jornalismo, um jornal com mais furos [de

Page 66: Nada de novo?

V

notícias].

THANIUS - Você falou muito em jornal, mas e a Internet? Como a Folha planeja

ganhar dinheiro, cobrar o leitor, com a Internet, a exemplo do que quer fazer o New

York Times?

ANA ESTELA - Isso está em estudo. A grande questão da Internet é o chamado modelo

de negócios, ou seja, como você sustenta a informação jornalística de qualidade em um

meio que na maior parte das vezes não é pago. O faturamento publicitário também é

baixo, insuficiente para manter uma equipe de apuração, de investigação jornalística,

essa é a grande questão a ser resolvida, e uma das propostas que estão aí é o micro

pagamento, como o Financial Times e o New York Times fazem. Mas a Folha não se

decidiu. O conteúdo do impresso é fechado para assinantes e o conteúdo da Folha

Online, que é mais pontual, mais factual, é totalmente aberto.

THANIUS - Quais os efeitos do Projeto Folha da década de 80, 90, para os dias atuais?

ANA ESTELA - Alguns pilares continuam até hoje, tanto no conteúdo jornalístico, com

um jornal sempre crítico, sempre pluralista, independente, que critique todos os poderes,

quanto na questão interna, tendo uma organização do trabalho, metas, avaliações,

discussões, autocrítica constante. Algumas coisas tiveram mais em voga, outras menos.

Por exemplo, o didatismo. Houve época em que era muito incentivado no jornal, depois

deixou de ser prioridade depois voltou a ser prioridade.