national geographic portugal nº 167
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National Geographic Portugal - Nº 166 Fevereiro (2015)TRANSCRIPT
PORTUGAL
n at i o n a l g e o g r a p h i c . p t | f e V e R e I R O 2 0 15
auroras boreais
começa o espectáculo
pesca na terra nova a idade de ouro dos vikings MicroMonstros
natureZa nos alpes italianos uM Mundo cercado por água
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VoL. 14 • N.º 167
j o r N a L o f i c i a L d a N at i o N a L g e o g r a p h i c s o c i e t y
2Auroras boreais: sobe o palcoViajámos até às paisagens gélidas do Árctico para contemplar este fenómeno da natureza e descobrimos como o avistamento de auroras boreais, em circunstâncias muito peculiares, já ocorreu em Lisboa no século XVIII.
Texto de Eva van den Berg Fotografias de Olivier Grunewald
20Em mares braviosHá cerca de cinco séculos que pescadores portugueses dirigem-se para a Terra Nova em busca de bacalhau e outras espécies do mar. Um fotógrafo de Santa Maria viveu a bordo do navio Joana Princesa durante três meses e meio e documentou o quotidiano a bordo.
Texto e fotografias de Pepe Brix
Janeiro de 2012: uma aurora boreal ilumina o céu invernal perto da cidade de Tromsø, no Norte da Noruega. As auroras polares são um fenómeno atmosférico cuja
frequência e luminosidade estão estreitamente ligadas às emissões do vento solar.
oLIVIer grUNewALd
34A idade de ouro dos vikingsdurante quase três séculos aterrorizaram a europa. No final do primeiro milénio, Harald dente Azul formou um reino diferente na dinamarca. e os vikings mudaram para sempre.
Texto de Siebo Heinken Fotografias de Heiner Müller-Elsner Ilustração de Franziska Lorenz e Jochen Stuhrmann
Secções
Na capa Aurora boreal fotografada em Tromsø, Noruega.Fotografi a de Olivier Grunewald.
Fevereiro 2015
A sua fotoEditorial
VISÕES
Em acçãoNa televisãoNo baúPróximo número 92
Um mundo alagado gideon Mendel, fotógrafo sul-africano, persegue o rasto das alterações climáticas e documenta nas suas imagens globais a capacidade destrutiva das cheias e o lado mais humano de todas as tragédias ambientais, qualquer que seja a latitude: o sofrimento das vítimas.
Texto e fotografi as de Gideon Mendel
76Natureza no coraçãodos Alpes italianosNo mais antigo parque natural italiano, antiga coutada de caça reservada ao rei, a natureza toma conta da paisagem e, por momentos, intuímos a beleza bravia da europa. Conheça o Parque Nacional gran Paradiso.
Texto de Jeremy BerlinFotografi as de Stefano Unterthiner
64Incríveis ácarosVivem nos lugares mais insólitos: ocultos na sua cama, na traqueia das abelhas, nas plumas das aves ou nos folículos pilosos do rosto. São os ácaros: criaturas estranhas, anónimas e invisí-veis, mas omnipresentes.e sabemos tão pouco sobre elas!
Texto de Robb Dunn Fotografi as de Martin Oeggerli
MArTIN oeggerLI (No ToPo); STePHANo UNTerTHINer (Ao CeNTro); gIdeoN MeNdeL (eM BAIXo)
Instinto básicoNão se apressa o amor
EXPLORE MUNdoS ANTIgoS
A gruta do EscouralRevelação em Angkor Wat
VIdA SeLVAgeM
A boa fama do corvoKudzu fora de controlo
PLANeTA TerrA
Dias infernais
CIÊNCIA
Os rastos dos aviões
CULTUrA
O fi m dos pubs?
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A escolha da redacçãoTema livre Todos os dias, são afixadas fotografias no grupo português de discussão da revista no Facebook. Seleccionámos duas. Veja a galeria completa em nationalgeographic.pt/suafoto
João Costa Paula Palmela, Portugal
Nesta revista, acreditamos há mais de um século que fotografias memo-ráveis não têm de ser produzidas em ambientes e geografias distantes. João Costa Paula provou que uma grande fotografia pode resultar de um macro a um vulgar cacto. “É necessário apenas fazer algo tão menosprezado nos dias de hoje: parar e ver”, diz.
Paulo Azevedo Chaves, Portugal
De regresso a casa depois de uma campanha fotográfica na serra da Estrela, Paulo Azevedo traçou um percurso no mapa de forma a passar por pequenas aldeias desconhecidas. Em Ferreirós do Dão, no concelho de Tondela, encontrou esta ponte romana de cinco arcadas. Não resistiu a captar a forma geométrica perfeita formada pela construção e pelo rio Dão.
A sua fotoVISÕES
“Enquanto a minha mulher dormia no carro, eu deambulei pela praia fluvial à procura da fotografia perfeita, naquela manhã gelada de finais de Dezembro.” — Paulo Azevedo, fotógrafo
COMENTÁRIO
Tahlia Smart Augusta, Austrália
Na baía das Tempestades, perto da sua casa na costa ocidental da Austrália, Tahlia, estudante de química, captou a imagem de uma onda, reproduzindo em fotografia um momento que já tinha imagi-nado. Festejou o resultado com exuberância.
Rick Furmanek Gilbert, Arizona, EUA
Rick encontrava-se perto das mon-tanhas Superstition no Arizona no momento em que se iniciava uma tempestade. Na região, por vezes, a borrasca é antecedida de vagas de vento poeirento. Quando a poeira se aproximou, Rick fotogra-fou-a e refugiou-se no seu veículo.
“ Seleccionei imagens que transmitiam uma sensação ou um sentimento e que recusavam a simples representação da paisagem. Estas duas fotografias revelam imaginação e antecipação do que a realidade terá para mostrar.”
— Dennis Dimick, editor executivo de Ambiente da National Geographic Magazine
COMENTÁRIO
Espaços braviosA missão Este mês, na página norte-americana desta rubrica, pedimos aos leitores representações de espaços bravios. Estas foram duas das imagens que nos surpreenderam.
VISÕES
Estónia Na aldeia de Kurtna, um pónei chamado Rainbow aquece-se ao sol do Inverno. O animal de quatro anos é descendente de um cavalo nativo estónio e de um pónei Shetland, duas raças conhecidas pela sua resistência e versatilidade.KeRStI KalbeRg
Estados Unidos Visto de cima, um pedaço de papel branco sem divisórias visíveis (dobrado na forma de um olho) contém 81 bailarinos do New York City ballet. esta imagem com 603 metros quadrados foi criada em colaboração com o artista francês JR.paNORâmICa COmpOSta pOR múltIplaS ImageNS): JR
6 national geo graphic • O CTOBER 2014
Estados Unidos Num laboratório da Univer-sidade do alasca, esquilos em hibernação suscitam a curiosidade médica. Durante a hibernação, que dura sete meses, o esquilo consegue descer a sua temperatura corporal abaixo do ponto de con-gelação, mas evita danos cerebrais graves.JOel SaRtORe
Veja mais imagens de Visões da Terra em nationalgeographic.pt
F
A
B
A gruta do EscouralPorto
Lisboa
Escoural
A cerca de cinco quilómetros de Santiago do Escoural, no con-celho de Montemor-o-Novo, localiza-se a gruta do Escoural, um dos santuários mais exuberantes da arte parietal pré-histórica em Portugal. Foi descoberta acidentalmente em 1963 e acompanhou as próprias vicissitudes do estudo arqueológico em Portugal. Estudada em início de carreira pelo arqueólogo Farinha dos San-tos, que se ocupou da escavação da necrópole neolítica no seu interior, despertou em 1965 o interesse do abade Glory, estudioso de Lascaux, que publicou em França um estudo notável, apesar de apenas ter estado três dias na região. Um projecto de docu-mentação foi travado pela morte de Glory em 1966 e, apesar de
descobertas pontuais de novos signos, a gruta só voltou a ser investigada após 1977, quando Farinha dos Santos, Jorge Pinho Monteiro e Mário Varela Gomes conduziram trabalhos no local, incluindo escavações num povoado da Idade do Cobre existente sobre a gruta, permitindo a descoberta de um conjunto de gravuras datadas do Neolítico. João Luís Cardoso, entretanto, estudou a fauna paleontológica que ocupou a cavidade, encontrando vestígios de hiena e leão--das-cavernas. Após 1989, António Carlos Silva, M. Otte e Ana Cristina Araújo dirigiram novos trabalhos de escavação, con� rmando uma primitiva ocupação do local pelo homem de Neanderthal e identi� cando novas expressões artísti-cas. O último trabalho de fôlego no Escoural não foi cientí� co: a requali� cação do espaço pelo arquitecto Nuno Simões, há muito necessária, melhorou as con-dições de visita desta câmara de acesso ao Paleolítico Superior e ao epipaleolíti-co. A investigação, entretanto, tem novas fronteiras: conseguirá a tecnologia no futuro datar com mais precisão o impressionante conjunto artístico do Escoural?ILUSTRAÇÃO: ANYFORMS. TEXTOS DA ARTE PARIETAL: ANTÓNIO CARLOS SILVA (DRCALEN). FONTE: “GRUTA DO ESCOURAL, ARTE PARIETAL”, DE M. V. GOMES. VARRIMENTO LASER: 3DTOTAL. FOTOGRAFIAS: M. RIBEIRO/ARQUIVO DRCALEN (A, B, C, D); H. RUAS/ARQUIVO DRCALEN (E, F1); A. M. BAPTISTA/ARQUIVO DRCALEN (F).
Representámos nesta reconsti-tuição cerca de metade da gruta do Escoural, privilegiando a área visitável. A gruta depende da Direcção Regional de Cultura doAlentejo e está acessível ao público, sob marcação.
Gravura (datação aproximada)
Legenda
Pintura (datação aproximada)
Gravura (entre 15 e 10 mil a.C.)Cabeças de doisou três equídeos, um dos quais juvenil, vistas de per� l. O preenchimentodas � guras com traços � nos e paralelos poderá ser uma forma de representação do volume.
AEXPLOREMundos antigos
F1
C
E
D
Representação de cabeça de “auroque” (antepassado dos actuais bovídeos).Pescoço e cabeça são representados de per� l, enquanto os chifres são vistos de frente, uma técnica � gurativa típica dos artistas paleolíticos. As múltiplas incisões lineares sugeremo volume.
B C D
Pintura (cerca de 20 mil a.C.) Pintura (cerca de 20 mil a.C.)
Gravura (entre 15 e 10 mil a.C.) Pintura (cerca de 20 mil a.C.) Gravura (15-10 mil a.C.)Motivos diversos sobrepostos,entre os quais se destaca uma cabeça de cavalo, vista de per� l. As gravuras neste painel foram atribuídas ao � nal do Paleolítico Superior.
F: Representa um equídeo vermelho e ainda é visívela respectiva cabeça,vista de per� l com ascrinas bem verticais.F1: Pequena pintura a ne-gro, associada a gravuras � nas, representando a metade inferior de um qua-drúpede (talvez equídeo).
Painel com várias � guras zoo-mór� cas (cavalos e bovídeos), pintadas a negro e vermelho, sobrepostas por veios de cal-cite. Na parte inferior do painel, há uma � gura complexa, a pri-meira reconhecida por Farinha dos Santos em 1963, então in-terpretada como representação híbrida entre humano e animal.
Conjunto de traçosvermelhos, de cariz não � gurativo (signos?), cobertos por uma camada de calcite por vezes opaca, o que limita a observação do seu conjunto. Atribuído a uma fase intermédia do Paleolítico Superior.
F EF1
fotografia de jacinto policarpo. fonte: “natural born indicators: great cormorant phalacrocorax carbo as monitors of river discharge influence on estuarine ichthyofauna” (2012), ester dias et al
Vida selvagemeXplore
o corvo-marinho tem uma reputação injusta. nas últimas décadas, verificou-se um aumento das populações de corvo-marinho um pouco por toda a europa, o que suscitou preocupações por parte dos pescadores e piscicul-tores, que os consideram responsáveis pelo decréscimo dos stocks das populações naturais dos peixes e pela destruição de produções em pisciculturas. a maioria destas acusações carece de fundamentação científica, embora em alguns sistemas aquáticos onde existem elevadas densidades desta espécie tenham sido observados impactes da sua predação nas populações naturais de peixes.
uma equipa de biólogos do ciimar (universidade do porto), em parceria com o imares (holanda), coordenada por ester dias, concluiu num artigo publicado no “journal of sea research”, que o corvo-marinho pode ser utilizado como indicador do estado e das alterações que ocorrem nos ecossistemas. tal deve-se ao seu comportamento alimentar, que é generalista (pouca selectividade alimentar) e oportunista (consome o que é mais abundante) e que variou de acordo com as flutuações do caudal do estuário do rio minho. assim, o corvo-marinho não seleccionou especificamente presas com interesse comercial, mas alimentou-se dos peixes que estão mais disponíveis. resul-tados semelhantes foram observados por investigadores da universidade do algarve, na população da ria formosa. assim, a dieta do corvo-marinho poderá ser um indicador fácil, rápido e barato das alterações dos ecossistemas, sem que para tal seja necessário analisar toda a complexidade dos mesmos.
A boa fama do corvo
Mundos antigosEXPLORE
fotografias de Noel Hidalgo taN (No topo) e museus ØstfyNs.
Construído há nove séculos no actual Camboja, angkor Wat atrai milhões de visitantes todos os anos. uns dirigem-se ao tempo budista (originalmente dedicado ao deus hindu Vishnu) por motivos religiosos. outros contemplam as famosas e complexas escultu-ras. uma equipa de arqueólogos está concentrada numa atracção menos óbvia: seiscentas pinturas requintadas, aproximadamente do século XVi, obscurecidas pelo clima e pela erosão.
para as examinar, o investi-gador de arte rupestre e director do estudo Noel Hidalgo tan utiliza uma técnica que combina fotografia digital com análise informática. “aquilo que antes se pensava ser uma mancha esbatida na parede pode afinal esconder dois elefantes ou uma orquestra khmer completa”, diz. a finalidade destas obras ainda não é evidente, mas investiga-ções futuras poderão fornecer indícios sobre o passado do mo-numento. talvez algumas peças tenham sido encomendadas por um rei. — Catherine Zuckerman
Arte revelada em Angkor Wat
questões de género entre os vikingsÀ primeira vista, uma figura de prata dourada dinamarquesa parece ser uma mulher com um vestido comprido. Com 4,7 centímetros e um orifício para aplicação num fio, a figura seria usada ao pescoço no século IX por algum dignitário, talvez um sacerdote. Claus Feveile, curador dos Museus Østfyns, estudou o pendente após a sua descoberta, em Abril de 2014. Segundo ele, poderá representar uma divindade norsa — uma deu-sa ou até um deus vestido como mulher. “A pose da figura, com as mãos à frente da barriga, é conhecida em registos nus e claramente masculinos”, diz. — A. R. Williams
retoques digitais revelam dois elefantes numa pintura antiga recentemente desco-berta em angkor Wat.
Vida selvagemEXPLORE
ANDY ANDERSON
O kudzu é uma espécie impressionante, à sua maneira muito própria e des-trutiva. Espécie aparentada da ervilha, esta trepadeira oriunda do Japão foi introduzida nos EUA em 1876 para criar rapidamente zonas de sombra e estabi-lizar solos. No entanto, o seu crescimento é tão rápido e descontrolado (até 30 centímetros por dia) que ele cobre árvores, candeeiros e até edifícios em curtos intervalos. Há milhares de quilómetros quadrados de campos e � oresta já desa-parecidos à custa do kudzu em pelo menos vinte estados norte-americanos.
Novas investigações sugerem que a espécie poderá ainda ser responsável por outros danos. Cientistas da Universidade Clemson descobriram que a planta poderá acelerar as alterações climáticas ao diminuir a quantidade de carbono armazenada no solo dos ecossistemas de � ora endémica aos quais se sobrepõe (como nos bosques do Mississípi, visíveis nesta fotogra� a). A perda de carbono ocorre sobretudo na camada superior do solo e veri� ca-se ao longo de décadas, explica o ecologista Nishanth Tharayil. Estudos anteriores mostra-ram que o kudzu pode também libertar outros gases com efeito de estufa.
Poderá a trepadeira ser travada? Enquanto os fabricantes de herbicidas tentam acompanhar esta praga veloz, os jardineiros podem sempre eliminá-la à moda antiga, desenterrando as raízes. — Daniel Stone
Kudzu fora decontrolo
fotografia: Jim reed. arte: Ngm. foNtes: James elsNer, svetoslava elsNer e thomas Jagger, uNiversidade estadual da florida; ceNtro
de previsão de tempestades da Noaa
Planeta TerraeXplore
Nas últimas seis décadas, o número de dias em que pelo menos um tornado atingiu o solo dos estados unidos tem vindo a diminuir. Quando James elsner, especialista em clima, viu os da-dos sobre este declínio, estranhou esse dado. “sabemos que a atmosfera está a tornar-se mais quente e mais húmida e, por isso, seria de esperar ver alguma marca das alterações cli-máticas na actividade dos tornados”, afirmou.
ao processarem os dados, James elsner e os colegas da universidade estadual da florida encontraram essa marca noutro tipo de regularidade: nos dias em que há tornados, registam-se agora muitos mais. surtos de 32 ou mais tornados num único dia eram raros no país, mas, desde 2001, tornaram-se um acon-tecimento anual. se a atmosfera está a produzir mais tornados, a prevenção terá de se focar em muitas regiões sempre que estiverem previstas tempestades. — Rachel Hartigan Shea
Dias infernais
1.000
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200
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Número de tornadosTornados nos Estados Unidos por ano
Número de dias com tornadosDias com pelo menos um tornado nos Estados Unidos
1954526 2013
485
2013100
1954157
CiênciaEXPLORE
créditos fotográficos disponíveis em ngm.com/contrails
Quando o vapor de água libertado pelos motores dos aviões colide com a atmosfera fria e húmida, congela, criando rastos brancos que se podem espalhar como nuvens cirros finas. Algumas reflectem o calor do sol antes de atingirem a superfície da terra, tendo um efeito arrefecedor. em geral, porém, as nuvens formadas pelos rastos dos aviões captam calor e contribuem mais para o aquecimento do que as emissões de dióxido de carbono dos próprios aviões. estes poderiam ser redireccionados para outras rotas, sugere um estudo publicado na “environmental research Letters”. num dos casos apresentados, um desvio de 22km num voo transatlântico eliminou um rasto com 100 quilómetros de comprimento. Ao contabilizar as emissões adicionais atribuídas ao desvio, o voo provocou menos aquecimento. segundo emma irvine, autora do estudo, é possível prever a formação de rastos de aviação, mas as previ-sões ainda não são rigorosas para justificar ajustes nas rotas. — alison Fromme
Alterações climáticas e os rastos
CulturaEXPLORE
fotografia: DaviD Hurn, MagnuM PHotos. gráfico: EMily M. Eng.fontE: associação britânica DE Pubs E cErvEjarias
À semelhança do café francês, o pub britânico é mais do que um sítio onde se bebe. Para os clientes habituais é uma segun-da casa e uma instituição social capaz de fixar a comunidade. Mas por quanto tempo mais? Há cada vez menos pubs na grã-bretanha. Desde 2008, cerca de sete mil fecharam ou foram vendidos a sociedades de promoção imobiliária e todas as semanas fecham mais 31, lamenta neil Walker, do grupo campaign for real ale.
a mudança de gostos, da economia e da legislação, jun-tamente com a disponibilidade de cerveja barata em super-mercados e da venda de álcool em cada vez mais restaurantes, contribuíram para este declínio. antigamente, a maioria dos pubs pertencia a cervejeiras, explica o escritor e historia-dor Paul jennings. uma lei antimonopolista aprovada em 1989 facilitou a emergência de novas empresas proprietárias, que introduziram alterações de funcionamento contrárias à tradição. outros observado-res argumentam porém que o declínio dos pubs era mais antigo e que os novos gestores promovem uma diversidade necessária para chegar a mais consumidores.
Poderá a variedade devolver a vida aos pubs? se não reflectirem as alterações so-ciais e económicas, eles morrerão. — Jeremy Berlin
O fim dos pubs?
o número de pubs tradicionais britânicos (como este em londres, fundado em 1967) está a diminuir. Em contrapartida, foram inaugura-dos em média 33 novos estabeleci-mentos para consumo de álcool por semana no reino unido em 2014, segundo a consultora cga strategy.
Abundância de pubs na Grã-BretanhaNúmero de estabelecimentos
69.000
49.433
1980
2012
Os albatrozes conseguem dar a volta ao mundo em apenas 46 dias, mas como o conseguem? Parte da resposta é morfológica: eles são das maiores aves voadoras, chegam a pesar 11 quilogramas e têm envergadu-ra de asa de 3,5 metros. Para erguer estes corpos pesados do chão, porém, é necessária muita energia. Se os albatrozes voassem batendo simplesmente as asas perderiam cerca de metade da sua massa corporal para conseguir energia suficiente para os seus voos globais.
O seu segredo é a planagem num padrão de voo específico que lhes per-mite aproveitar a energia do vento, deslizando pouco acima da superfície do mar para se manterem no ar, de acordo com um estudo publicado no “Jour-nal of Experimental Biology”. Uma equipa de engenheiros aerospaciais da Universidade Técnica de Munique revelou os padrões de voo únicos desta ave, um feito físico que intriga os biólogos há anos. Ao acoplarem apare-lhos GPS a 20 albatrozes-gigantes (Diomedea exulans), os investiga-dores conseguiram analisar dados de 16 das aves que partiram e regressaram ao arquipélago Kerguelen, no oceano Índico.
Os albatrozes sobem e descem aproveitando a energia gera-da ao planarem para descer, utilizando-a de forma a subir novamente contra o vento. Estas constantes mudanças de altitude mantêm as aves no ar sem lhes exigir muito esforço. De facto, a força propulsora gerada por estas ondulações é cerca de dez vezes superior à que o albatroz conseguiria produzir com o simples batimento de asas. — Mollie Bloudoff-Indelicato
fOTOGrAfiA: MAriA STEnzEl; ilUSTrAçãO DE rAÚl MArTÍn
Um albatroz consegue voar durante horas sem bater as asas, limitando-se a aproveitar a energia do vento imediatamente acima do oceano. A velocidade do vento reduz por atrito com a superfície da água e recupera cerca de cinco metros acima dela. A ave aproveita esta dinâmica, subindo e descendo consoante as suas necessidades de navegação aérea.
Planeta TerraEXPlOrE
Ases pelos ares
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Conselho de amigo Aqueles que gozam do privilégio de contemplar com os seus próprios olhos o rei dos espectáculos nocturnos são unânimes em reconhecer que, pelo menos uma vez na vida, é fundamental ver uma aurora boreal.
Para isso, é preciso viajar até às grandes latitudes do Norte. Quanto mais próximo do círculo polar árctico, melhor. É preciso abrigarmo-nos até às orelhas, rodearmo-nos da mais completa obscuridade e esperarmos pela meia-noite para sermos presenteados com um dos fenómenos atmosféricos mais emocionantes da
natureza. As cortinas celestes parecem ondular ao som de um vendaval inaudível e os arcos de luz, umas vezes verdes-ácidos, outras vermelhos, azulados ou amarelos, modificam-se constantemente sobre a paisagem de gelo e neve. Ao contrário das tempestades eléctricas, nas quais abundam trovões e relâmpagos, a observação de uma aurora iluminando o firmamento é acompanhada apenas por ténues sons irregulares. É uma música de difícil partitura, e constitui um mistério renovado para os cientistas.
As auroras polares (produzem-se igualmente no hemisfério sul e, nessa circunstância, designam-se por auroras austrais) são um fenómeno
atmosférico relacionado con a intensidade da actividade solar e com o magnetis-mo terrestre cuja génese desvendamos na reportagem de capa desta edição. Como todas as belezas da natureza, o carácter bravio e imponente das auroras traz consigo algumas lições. Elas constituem marcas de ejecções de massa coronal que colidem com as as moléculas de alguns gases presentes na magnetosfera terrestre e iluminam a abóbada celeste. Tal como nos encantam, também têm o poder de nos deixar na mais absoluta obscuridade e isolamento tecnológico, causando estragos na rede eléctrica e nos sistemas modernos de telecomunicações.
Os cientistas sabem hoje que existem ciclos de actividade solar durante os quais há momentos de maior frequência e exuberância das auroras. Em determinadas circunstâncias, elas podem até ser avistadas à nossa latitude. Estamos agora em pleno ciclo e o ano de 2015 promete ser tão prolífero e espectacular como os quatro durante os quais o fotógrafo Olivier Grunewald foi recolhendo as fotogra-fias que compõem a reportagem. Enquanto espera pelo bilhete de avião que um dia o levará à imensidade bravia do Norte, desfrute com a nossa reportagem.
Sob a aurora boreal, os blocos de gelo resplandecem no lago glaciar de Jökullsarlon, no Sudeste da Islândia, uma das maravilhas naturais da ilha.
Auroras boreaisEDITORIAL
OLIvIER gRunEwALD
auroras boreais 3 Em Spitsbergen, na Noruega, uma aurora boreal brilha sobre um dos radares da estação científica EISCAT.
auroras boreais sobe o pano
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auroras boreais 5
24 de Janeiro de 2012 Tromsø, Noruega
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As melhores noites para ver auroras acontecem entre Outubro e Fevereiro, no hemisfério norte, e Junho, Julho e
Agosto no hemisfério sul. Olivier Grunewald viu-as pela primeira vez em 1997 e, desde então, fotografou-as em vários lugares do círculo polar árctico, como esta, em forma de semicírculo.
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23 de Outubro de 2012 Geysir, vale de Haukadalur, Islândia
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Quando Grunewald observa as auroras boreais sente-se como se viajasse até à origem do universo.
Na Islândia, terra de géiseres e vulcões, a sensação primitiva é
ainda mais intensa.
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Texto de Eva van den BergFotografias de Olivier Grunewald
O militar, porém, não descrevia um fenómeno avistado no Norte da Europa. Na verdade, Prae-torius descrevia avistamentos em Lisboa.
Em 1762, desembarcou na capital o conde Gui-lherme de Schaumburgo-Lippe, o célebre conde de Lippe. Vinha numa missão delicada: os gover-nos francês e espanhol exigiam que Dom José I proibisse a ancoragem de navios ingleses nos por-tos nacionais, atitude que forçou o marquês de Pombal a procurar consultores para reorganizar e preparar para a guerra o exército português. A missão recaiu durante dois anos sobre os ombros do conde de Lippe, mas esta não é uma história militar. Com o conde alemão, chegaram dois enge-nheiros militares: Jacob Chrysostomo Praetorius e Henrik Schulze. São eles que nos interessam.
Praetorius e Schulze tomaram a cargo a obser-vação diligente de variáveis climáticas, como a temperatura, a precipitação, a pressão atmosférica, a humidade e a nebulosidade dos céus. O primei-ro oficial permaneceu em Lisboa com o conde de Lippe entre 1762 e 1764 e regressou depois entre 1776 e 1798, o ano da sua morte. Metódico, com-pilou todos os fenómenos meteorológicos que observou e foi publicando as suas anotações no “Almanaque de Lisboa”. Foi graças a este par de oficiais que os investigadores José Vaquero (da Universidade da Extremadura) e Ricardo Trigo (da Universidade de Lisboa) conseguiram recu-perar um fragmento importante da história da meteorologia em Portugal. Ao estudarem as obser-vações dos dois alemães, descobriram que houve pelo menos 18 auroras boreais na região de Lisboa confirmadas entre 1781 e 1785, em 1789 e 1793.
Hoje, estamos em pleno ciclo solar 24. Por outras palavras: este é o vigésimo quarto ciclo (cada ciclo dura cerca de onze anos) desde que se iniciou em 1755 a contagem sistemática das manchas sola-res, indicadoras da actividade do Sol. Segundo a NASA, o apogeu do ciclo actual ocorreu em mea-dos de 2014, mas aparentemente 2015 será tam-
bém um ano em cheio. Haverá portanto inúmeras oportunidades para observar auroras boreais, que se encontram intrinsecamente ligadas à actividade solar e ao vento solar que esta intensifica.
A existência dos ciclos solares foi descoberta pelo astrónomo alemão Samuel Heinrich Schwabe que, entre 1826 e 1843, observou diariamente nos dias de céu limpo a evolução das manchas solares, visíveis através de um telescópio. De início, não se interessou pelo fenómeno. Ele pretendia compro-var a presença de um hipotético planeta novo na órbita de Mercúrio, um pequeno planeta (ao qual chamaria Vulcano) que, estando tão perto do Sol, seria muito difícil de observar. Por isso, optou por tentar “caçá-lo” quando ele passasse em frente ao astro-rei, assumindo a forma de uma mancha escura. Schwabe nunca encontrou o planeta, mas observou a maneira como as manchas solares evoluíam com o passar do tempo.
Não era a primeira vez que alguém se apercebia da sua existência. Galileu já o fizera e os astróno-mos chineses também. Mas Schwabe centrou-se na sua cadência, contou metodicamente as man-chas e, em 1843, publicou um artigo que sugeria a existência de um ciclo solar com dez anos de dura-ção, posteriormente alargado a 11. Foi essa desco-berta que levou outro grande astrónomo, o suíço Rudolf Wolf, a recolher toda a informação dispo-nível para estabelecer um padrão desses ciclos. Wolf conseguiu recuar até ao primeiro ciclo de que existem provas concretas: em 1755, o ano do gran-de sismo de Lisboa. É graças ao seu trabalho que sabemos estar agora no ciclo solar número 24.
À partida, poder-se-ia pensar que a actividade solar pouco afectaria as auroras boreais, mas são estas manchas (regiões mais frias e obscuras de intensa actividade magnética) que costumam ser acompanhadas de gigantescas erupções na coroa. Em épocas de maior actividade, intensifica-se o vento solar que, ao interagir com a magnetosfera da Terra, origina as auroras boreais junto dos pólos.
s duas Auroras Boreales rayantes de 5 de Maio e de 8 de Octubro naõ foraõ das maiores”, assegura um manuscrito de 1783 da autoria de um militar alemão, Jacob Praetorius. Por “rayantes”, entendem-se as auroras que os especialistas hoje classificam como “descontínuas”, fortes mas relativamente raras.A“
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a pequena escala O astrofísico Jean Lilensten gosta de divulgar os fenómenos meteorológi-cos espaciais. A sua Planeterrella ajuda-o bastante nessa tarefa. Por enquanto, existem 71 réplicas deste visualizador de auroras boreais em diferentes organizações mundiais. A sua invenção permite também simular interacções entre planetas e estrelas, como as existentes entre Ganimedes e Júpiter, e mostrar jorros e anéis estelares. Lilensten cede gratuitamente os planos de constru-ção às instituições interessadas e colabora na execução deste dispositi-vo que fascina todos os públicos.
efeitos da meteorologia espacial
Génese das aurorasAs auroras polares boreais são geradas quando as partículas carre-gadas contidas no vento solar embatem contra o campo magnético da Terra, o nosso escudo protector chamado magnetosfera. O vento solar resulta da dinâmica gerada na atmosfera solar, ou coroa.
InTeraCÇÃoQuando o vento solar carregado de protões e electrões choca com a magnetosfera terrestre, esta comprime-se na sua área frontal e alarga-se no sector posterior (o lado nocturno do planeta), formando uma cauda.
O campo magnético da Terra desvia grande parte das partículas com carga eléctrica provenientes do vento solar, mas não nos protege a 100%. O impacte de uma ejecção de massa coronal (EMC) solar na magnetosfera pode provocar variações no campo magnéti-co e alterar os sistemas de navegação e as telecomunicações. A prevenção da intensida-de das tempestades solares é essencial para evitar o caos e eventuais consequências económicas daí resultantes. A maior tempestade solar registada data de 1859. Conheci-da como evento Carrington, provocou auroras desde o pólo norte até às Caraíbas e destruiu a primitiva rede de telégrafos da Europa e da América do Norte: fundiu os cabos e gerou vários incêndios. Em 1921, outra grande tempestade com metade da intensidade
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Vento solar
Coroa solar
soL
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causou danos pontuais. Em 1989, outra tempestade, dez vezes menor do que a de 1921, provocou um apagão no Quebec e seis milhões de pessoas ficaram sem electricidade durante nove horas. Actualmente, porém, devido à enorme interligação das redes eléctri-cas e de serviços, os efeitos seriam muito mais devastadores. O embate de 1859 causa-ria danos equivalentes a cerca de vinte vezes as consequências económicas provocadas pelo furacão Katrina. Apagões, transformadores calcinados, interrupções na transmissão de rádio, falhas nos satélites e equipamentos de GPS, cortes na Internet e nos sistemas financeiros, problemas na rede de transportes… Poderíamos até ficar sem água nas torneiras. Felizmente, a EMC de Julho de 2012 não nos atingiu.
auroras boreais 11 ILUSTRAÇÃO: HENNING DALHOFF/SPL/AGE FOTOSTOCK/NGM-E
Magnetosfera
Linhas do campo magnético
Terra
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desConexÃo InTermITenTeNo ponto de impacte com a magnetosfera, as linhas do campo magnético do vento solar ligam-se às do campo magnético terrestre. Ao passar junto da Terra, o vento solar separa as linhas do campo magnético da Terra com as quais se enredara. Quando estas linhas alcançam a cauda da magnetosfera, separam-se do vento solar e religam-se novamente.
de enerGIa maGnéTICa a enerGIa CInéTICaO processo de reconexão transforma a energia magnética em energia cinética. Os electrões e iões positivos agregados à cauda da magnetosfera são impulsionados até às zonas polares da Terra ao longo das linhas restabelecidas. Estas partículas aceleradas (em especial, os electrões) são a matéria-prima das auroras boreais, visíveis na escuridão da noite a latitudes elevadas no Norte e no Sul.
eLeCTrões exCITadosA luz das auroras resulta da interacção entre os electrões do vento solar e os átomos e moléculas de gases como o oxigénio e o azoto presentes na atmos-fera terrestre. Em cada colisão, o átomo ou molécula absorve energia do elec-trão e liberta-a sob a forma de luz. A cor depende da composição do gás e da altitude.
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A origem destas luzes fantasmagóricas intriga há muito os cientistas. Alguns tentaram simulá-las através de experiências complexas, como o físico norueguês Kristian Birkeland no século XIX. Birkeland conhecia o modelo de escala reduzida do planeta Terra construído no século XVII pelo médico pessoal da rainha Isabel I de Inglaterra, William Gilbert, a partir de uma pedra magneti-zada. Gilbert chamou-lhe Terrella, que em latim signifi ca “Terra pequena”, e Birkeland construiu também o seu, inspirando-se no do britânico. Depois, colocou a esfera magnetizada dentro de um tanque de vácuo e bombardeou-a com raios catódicos, as correntes de electrões que se podem observar experimentalmente no interior destes espaços estanques a baixa pressão. Conseguiu des-ta forma reproduzir pseudo-auroras minúsculas, fruto da interacção entre o gás residual do tanque, o campo magnético da esfera e os raios catódicos, provando que os electrões, sob a influência do campo magnético, se dirigiam para os pólos da Terrella, onde orbitavam, emitindo luz.
Em pleno século XXI, a reprodução da beleza cósmica das auroras boreais continua a estimular a imaginação dos cientistas, mas a tecnologia é mais avançada. Jan Egedal, investigador do Insti-tuto de Tecnologia de Massachusetts nos Estados Unidos, demonstrou em 2012 que a região activa na extremidade da magnetosfera da Terra é apro-ximadamente mil vezes maior do que se pensava e que nela liberta-se uma quantidade de electrões muito superior à que se supunha até então. Con-seguiu-o graças a uma complexa simulação levada a cabo num dos supercomputadores mais potentes do mundo, um equipamento informático deno-minado Kraken, composto por 112 mil processa-
dores. Jan utilizou 25 mil para seguir durante onze dias os movimentos de 180 mil milhões de partí-culas de vento solar durante o processo de reco-nexão das linhas do campo magnético terrestre, período durante o qual libertam mais energia.
O astrofísico francês Jean Lilensten, director do Laboratório de Planetologia de Grenoble, é um dos maiores especialistas em actividade solar e na infl uência que esta exerce sobre os planetas do sistema solar. Admirador de Birkeland, Jean Lilensten construiu em 2008 um artefacto chama-do Planeterrella, um simulador de auroras boreais que replica diferentes interacções entre planetas e estrelas. Fizeram-se aliás várias réplicas da sua invenção, que circulam agora pelo mundo.
Lilensten é especialista em condições meteo-rológicas fora da atmosfera terrestre, algo de gran-de interesse para a ciência e para a prevenção dos danos que as tempestades magnéticas podem causar aos satélites e à rede de telecomunicações terrestres em geral. Em Longyearbyen, no arqui-pélago norueguês de Svalbard, ele e outros colegas de Grenoble e das universidades de Oslo e de Svalbard, estudam a polarização da luz das auro-ras com um pequeno telescópio de alto rendimen-to. “Em astronomia, as observações baseiam-se quase exclusivamente na análise da luz emitida ou dispersa pelo corpo estudado. Um dos parâ-metros de luz actualmente utilizados é a sua pola-rização, que mede a forma como varia o campo eléctrico de uma onda ao longo da sua trajectória de propagação. Essas variações informam-nos sobre a composição e a energia contida nas par-tículas solares que penetram na atmosfera, dando--nos assim uma ideia da intensidade de uma tempestade tormenta solar em formação”, explica.
Uma gravura anónima do século XVI ilustra uma aurora boreal avistada em 1570 na cidade de Kuttenberg, na Boémia. As auroras terão sido comuns na Europa no fi m do século XVI e duzentos anos mais tarde, devido a intensa actividade solar nesses períodos. A crença popular considerava-as sinais de catástrofe iminente, ou aviso divino.
BIBLIOTECA CRAWFORD / OBSERVATÓRIO REAL, EDIMBURGO/ SPL / AGE FOTOSTOCK
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Ao longo da história, várias tempestades sola-res colossais, provocadas por manchas solares maiores do que o nosso planeta, causaram danos na Terra. Recentemente, em Julho de 2012, ocor-reu uma de grandes dimensões à qual escapámos por pouco. Se tivesse interagido com a nossa mag-netosfera, poderia ter afectado os sistemas de comunicação do planeta, como sucedeu no final da década de 1980, com particulares implicações na província canadiana do Quebec.
enquanto a beleza das auroras boreais cati-va os comuns mortais, os especialistas desenvol-vem esforços para obter mais dados sobre essas tempestades potencialmente perigosas. Devería-mos estar preparados para essa eventualidade, mas não estamos – como se verificou numa simu-lação de tempestade solar extrema realizada pela NASA e pela Comissão Europeia em 2010, com vista a avaliar a nossa capacidade de resposta em caso de embate geomagnético.
As conclusões foram contundentes: se hoje sofrêssemos um “evento Carrington” como o de 1859, o colapso seria gigantesco. Após a simula-ção, foram elaboradas recomendações para os governos, tanto a nível nacional (desligar as cen-trais electroprodutoras e as telecomunicações antes do impacte da tempestade solar, por exem-plo) como a nível doméstico, procurando ensinar as famílias a enfrentar um “apagão” tecnológico.
Existem apenas 12% de probabilidades de ser-mos atingidos por uma grande tempestade solar nos próximos dez anos, segundo os cálculos de Peter Riley, assessor da NASA. É uma percenta-gem baixa, mas não deve ser menosprezada. Ao contrário do que acontecia há menos de um sécu-lo, a interligação actual entre territórios torna-nos muito mais frágeis e dependentes uns dos outros.
As auroras boreais e todo o complexo sistema meteorológico que as gera continuarão a maravi-lhar-nos nas latitudes elevadas e ocasionalmente nas latitudes mais temperadas, como as do nosso país. Continuarão a emergir em intervalos incer-tos, com fases de proeminência e outras de ausên-cia prolongada. A última entrada validada por Vaquero e Trigo no seu artigo de 2005 na revista “Solar Physics” sobre o contributo dos oficiais alemães para o conhecimento deste fenómeno revela um comentário de Praetorius em 1793: “A Aurora outro dia taõ frequente naõ apareceo.” Tal como eles, resta-nos olhar para o céu noctur-no e esperar por novo espectáculo celeste. j
mancha solar onze vezes maior do que a TerraEm Outubro, o Observatório de Dinâmica Solar da NASA captou imagens de enormes manchas solares que alcança-ram o seu expoente máximo entre os dias 19 e 27. Em cima, pode avistar-se a grande fulguração que surge na coroa solar, gerada num grupo gigantesco de manchas solares com 140 mil quilómetros de diâmetro, cerca de onze vezes maior do que a Terra. Eram tão grandes que podiam ser observadas a olho nu com filtros especiais. Em baixo, a imagem colorida reconstitui o aspecto de uma aurora boreal a partir do espaço. Trata-se de um anel de luz formado em redor do pólo norte, no qual as zonas mais activas estão a vermelho e as menos intensas a amarelo e azul.
NASA / SDO (NO TOPO); NASA / SPL / AGE FOTOSTOCK (EM CIMA)
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22 de Fevereiro de 2012 Spitsbergen, Noruega
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O melhor horário para captar auroras é entre as 21h e a 1h da madrugada, quando a noite é mais cerrada. Com o apoio de cientistas como Jean Lilensten, Olivier Grunewald conseguiu antecipar os dias e as condições mais favoráveis para a sua caçada fotográfica.
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25 de Janeiro de 2012 Tromsø, Noruega
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O céu boreal desta cidade escandinava muda a cada minuto devido aos oscilantes brilhos da aurora boreal, que nunca se mantém imóvel. Há momentos maravilhosos em que as luzes, que se deslocam em todas as direcções, ocupam completamente a abóbada celeste.
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00h06
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24 de Fevereiro de 2014 Rio Chilkat, Juneau, Alasca
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O termo aurora boreal é maioritariamente atribuído ao
filósofo francês Pierre Gassendi, que o terá utilizado pela primeira vez em 1621. No Alasca, as luzes
do Norte brilham com toda a intensidade numa madrugada
polar gélida.
em mares braviosNos mares gelados da Terra Nova, gerações de pescadores portugueses continuam a arrancar o sustento do mar. A bordo do Joana Princesa, a vida é para homens de barba rija.
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em mares bravios
O fotógrafo açoriano Pepe Brix, de 30 anos, documentou durante três meses e meio a vida a bordo do Joana Princesa, um dos 13 sobreviventes da frota portuguesa de navios de pesca longínqua. Chamou ao trabalho “Código Postal: A2053N”, a matrícula do navio. Construída em 1970, esta embarcação de 80 metros por 12,5 continua a desafi ar os mares gelados do Atlântico Noroeste, como tantas outras antes dela.
Os bacalhoeiros portugueses fazem em média duas viagens por ano, que tomam cerca de oito meses às tripulações. Nos meses de Inverno, as temperaturas negativas e o perigo de colisão com os icebergs obrigam a atenção reforçada por parte dos oficiais que operam na ponte do navio. Durante oito meses a mais de duas mil milhas de casa, o navio é o único refúgio para estes homens.
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Passados 800 anos de uma guerra entre cristãos e muçulmanos que se arrastava desde a Idade Média, caiu finalmente a última dinastia muçulmana na Península Ibérica. Em Janeiro de 1492, o sultão Boabdil, rendeu-se à dinastia católica do rei Fer-nando II de Aragão e da rainha Isabel I de Castela. A Península Ibérica era finalmente reconquistada e estava agora sob o poder firme daqueles que fica-
ram conhecidos como os “reis católicos”.Com a Europa sujeita a uma igreja católica severa, que proibia o
consumo de carne em dois dias da semana, deu-se início à grande demanda do peixe. As águas ibéricas ficaram curtas para a quantidade de pescado agora exigido.Em 1497, Giovanni Caboto, natural de Génova, em Itália, partiu de Bristol ao serviço do império inglês, convencido de que seria mais curto o caminho marítimo para a Ásia rumando a oeste. Contra os planos do explorador, acabou por chegar à Terra Nova, onde desembarcou no dia de São João Baptista. Em homenagem ao santo, Giovanni Caboto atribuiria depois o nome de “Saint John’s” àquele que seria mais tarde o porto seguro das tremendas odisseias dos pescadores portugueses na Terra Nova.
Durante séculos a fio, a frota branca, como era conhecida a frota portuguesa de navios bacalhoeiros, aproveitou os ventos de leste predominantes na Primavera para navegar até aos pesqueiros da Terra Nova. A mais de duas mil milhas de casa, os homens permaneciam na faina por largos meses enfrentando condições inimagináveis. Ora entre o espaço apertado que existia entre os pequenos botes empilhados (comummente designados por dóris) e as passadeiras para o corte do bacalhau no convés, ora nas camaratas iluminadas por candeeiros a petróleo, a tripulação rezava com o coração nas mãos para que o número de homens a bordo no momento do embarque fosse o mesmo à chegada ao cais dos bacalhoeiros em Aveiro. Foram muitas as vezes em que o nevoeiro cerrado e o mar gelado venceram a pequenez dos botes com pouco mais de quatro metros de comprimento. A angústia dos homens que experimentaram a fragilidade desses botes e a desola-ção na imensidão gélida do Atlântico Noroeste jamais será compreen-dida. No sepulcrário de Saint John’s, as tripulações prestavam as últimas homenagens aos que já não voltavam para descarregar o peixe no fim da campanha.
No final da primeira metade do século XX, a frota portuguesa viu os míticos bacalhoeiros à vela progressivamente substituídos por navios a motor. A pesca longínqua entrava agora numa nova fase, mais indus-trial e maciça, em que as técnicas de utilização da linha e anzol foram também substituídas por aparelhos de pesca de arrasto. Hoje, embora com melhores condições a bordo, esses corajosos pescadores, maiorita-riamente oriundos da Torreira e da Murtosa, continuam a prescindir do conforto das suas casas para embarcar nessas longas jornadas piscatórias rumo aos grandes bancos da Terra Nova. — Pepe Brix
Fotografias de Pepe Brix
Depois de darem entrada na área de pescas, as tripulações focam-se na faina e trabalham a um ritmo frenético. Operando em “quartos” de seis horas, seguidas de outras seis de descanso, as tripulações dividem-se entre as manobras de convés, o processamento de peixe no parque de pescas e a estiva das caixas nos porões de congelação. Uma das posições mais exigentes é a do “guincheiro”. Além das noites solitárias num abrigo junto do “guincho”, ele dirige o ritmo da mano- bra de alagem e largada da rede, gerindo a tensão acumulada nos cabos que içam e afundam as portas de arrasto.
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César Vieira, de 43 anos, é um dos 33 tripulantes do navio. Constitui a excepção à regra: reside na Mealhada, não é oriundo da Torreira ou da Murtosa, como o resto da tripulação. Em 1988, seguiu pela primeira vez para a Terra Nova. Desde então, já embarcou em navios de várias companhias até chegar ao Joana Princesa. À direita, faz uma pausa enquanto aguarda que um dos maquinistas abra as prensas de congelação e comece a embalagem de mais um lanço. Em cima, à direita, o porto de Saint John’s, refúgio após dois meses e meio de manobras.
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Embora se use o termo bacalhoeiro para estes navios, as frotas de pesca longínqua dedicam-se hoje a muitas outras espécies. O cantarilho do Norte, na gíria designado por “comunista”, é a espécie mais pescada apesar do seu baixo valor comercial. A palmeta tem mais valor, mas tem quotas mais restritas. Nos “quetes” do navio, César faz a separação do bacalhau, ao qual será depois aplicada a técnica do “trote”.
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Apesar dos riscos associados à actividade laboral destes homens, a sua profissão está longe de ser bem paga. O orgulho nas gerações anteriores e nos quinhentos anos de história das viagens à Terra Nova é, em muitos casos, a razão que os leva a embarcar ano após ano. Nos meses em terra, os homens, as mulheres e filhos lançam-se à ria de Aveiro em pequenas bateiras para a apanha do berbigão. Num ambiente de grande azáfama, Domingas e Diamantino Brandão entregam-se de corpo e alma à maré, para encher os sacos e garantir o sustento de mais um dia.
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Mauro Alves, de 37 anos, é o segundo maquinista do navio e aproveita momentos de calmaria para executar soldaduras necessárias nas portas de arrasto. Durante toda a viagem, é frequente a necessidade de dezenas de manobras de manutenção. Uma parte considerável da frota portuguesa de pesca longínqua é composta por navios com mais de trinta anos, que inspiram cuidados redobrados.
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Durante quase três séculos, saquearam os lugares por onde passaram e mataram quem lá vivia. Também levaram o comércio ao Oriente e descobriram novos territórios. Harald Dente Azul, um dos líderes mais célebres, mudou o rumo dos vikings com um só acto: o seu próprio baptismo.
Durante quase três séculos, saquearam os lugares por onde passaram e
FOGO DO NORTE
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FOGO DO NORTE
“Up Helly Aa” (ou “festa para todos”)é o nome dado pelos habitantes das ilhas Shetland a esta comemoração do mês de Janeiro, durante a qual, vestidos com disfarces de outras épocas, queimam a réplica de um barco viking enquanto entoam cânticos de guerra. DAVID MOIR/REUTERS
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GRANDES NAVEGADORESCom a sua vela quadrada única, o drakkar permitiu aos vikings percorrer grandes distâncias em mar aberto. Em 2007, mais de setenta dinamarqueses zarparam a bordo do Havhingsten fra Glendalough (na fotografia, diante das falésias brancas de Dover) rumo a Dublin. O navio, com 30 metros de comprimento, foi construído na Dinamarca segundo os modelos originais. WERNER KARRASCH / MUSEU DOS BARCOS VIKINGS, ROSKILDE, DINAMARCA
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arqueólogo da Universidade de Tübingen e peri-to em cultura viking. “As suas políticas trans-formaram para sempre a Escandinávia e servi-ram de base às monarquias nórdicas tal como hoje as conhecemos.”
A ideia de um líder de tal envergadura entre os vikings choca com alguns preconceitos que a cultura popular construiu sobre os navegadores do Norte. Não existe provavelmente em toda a história da Europa um povo com pior fama do que os vikings. Eles saquearam e mataram a bel--prazer, semeando o terror à sua passagem, des-de o mar do Norte até ao Mediterrâneo. Duran-te quase três séculos, boa parte do continente viveu sob a ameaça das suas temidas incursões.
Irromperam no cenário alto-medieval em princípios do Verão de 793, ao desferirem um ataque contra o mosteiro de Lindisfarne, na cos-ta oriental de Inglaterra. “No oitavo dia do mês de Junho, a ira dos pagãos destruiu a igreja de Deus de Lindisfarne com latrocínio e matança.” É com estas palavras que a “Crónica Anglo- -Saxónica” comenta o assalto lançado contra aquele centro espiritual do reino de Nortúmbria, um dos mais importantes da cristandade céltica.
Nesse dia, avistaram-se no mar barcos velozes e leves cujo recorte denotava origem estrangeira. Pouco antes de alcançarem a costa, os seus tri-pulantes arriaram as velas quadradas, saltaram para terra e lançaram-se ao ataque com macha-dos, lanças e espadas. Ninguém poderia travar a sua marcha naquela indefesa fortaleza da fé. No espaço de poucas horas, os atacantes, que tinham atravessado o mar do Norte provenientes da Dinamarca ou da Noruega, acabaram com a vida de grande parte dos monges de Lindisfarne.
aproximadamente no ano 960, em algum ponto do que hoje é a Dinamarca, um guerreiro viking chamado Harald Blåtand (Harald “Dente Azul”) recebeu na sua corte um eclesiástico pro-veniente do Sul, enviado pelos germânicos para cristianizar as gentes do Norte pagão. Tratou-se de um encontro de importância transcendente. No decurso de um banquete, o rei e o monge Poppo discutiram sobre quem tinha mais poder, se o deus dos cristãos se os deuses dos vikings. Poppo, provavelmente procedente de Würzburg, viajava por aquelas paragens para anunciar a palavra de Cristo. Porém, ao céptico chefe não bastava a mensagem da Bíblia. “Dá-me uma pro-va!”, exigiu. O monge pegou então num ferro em brasa (sistema popular durante a Idade Média para apurar a verdade perante a justiça). Rezam as crónicas que quando Poppo retirou a mão do metal incandescente não sofrera nenhuma lesão. Sinal de Deus! Nada mais foi preciso para que Harald se convertesse.
O seu baptismo, celebrado em 965, inaugu-rou uma nova era para Harald Dente Azul e para os vikings, dando início à sua integração definitiva na Europa medieval. “Harald Dente Azul era um visionário”, explica Jörn Staecker,
Texto de Siebo Heinken Fotografías de Heiner Müller-Elsner Ilustrações de Franziska Lorenz e Jochen Stuhrmann
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REI VISIONÁRIO Harald Dente Azul cristianizou os vikings na segunda metade do século X e, com isso, consolidou o seu poder. Neste retrato, um antipêndio de ouro com cerca de vinte centímetros de altura, que adornava o altar da igreja dinamarquesa de Tamdrup, o rei recebe o baptismo das mãos do monge Poppo.ERICH LESSING/AKG-IMAGES (ANTIPÊNDIO), KATHRIN MÜLLER (FUNDO); JENS EHRENREICH (LETRA CAPITULAR).
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Depois da investida, levaram consigo os sobre-viventes, na qualidade de cativos: os escravos rendiam sempre bom dinheiro. Os vikings pro-fanaram os altares, apoderaram-se do ouro e das jóias e foram-se pelo mesmo caminho por onde tinham chegado. “No templo de Deus, espezi-nharam os corpos dos santos como quem pisa excrementos pelo caminho”, lamentava-se Alcuí-no de York, conselheiro inglês de Carlos Magno.
Incursões deste tipo, nas quais o arqueólogo dinamarquês Ole Crumlin Pedersen vislumbra o primeiro “confl ito entre civilizações”, torna-ram-se conhecidas como “saídas à viking”. Para os antigos escandinavos, que prestavam culto a Odin e a Th or, os preceitos e proibições dos cris-tãos não tinham a menor relevância.
No ano de 841, os víkingr (assim denominados em norso antigo, talvez com origem em vík, “baía”, ou wik, “mercado”) atacaram a cidade de Rouen, no Norte de França, e, quatro anos mais tarde, saquearam Hamburgo. Seguiram-se Paris, York, Dublin e Londres. Dorestad, importante entreposto comercial localizado onde hoje fi ca a Holanda, era saqueado praticamente todos os anos. Ao longo dos grandes rios e do litoral, as populações locais foram construindo postos de vigilância, que contudo não proporcionavam qualquer protecção contra o fogo e a morte vin-dos do Norte. De vez em quando, os vikings atacavam os mosteiros francos. Eram um tesou-ro fácil de pilhar e que servia para recompensar os guerreiros e dar graças aos deuses.
Foi então que surgiu Harald Dente Azul e os cristianizou. Em poucas décadas, todos os antigos traços de identidade do orgulhoso povo viking sofreram mudanças profundas. Quem seria aque-la personagem que alterou o futuro do seu povo? Como seria o universo por si governado? Como consolidou o seu poder? E que legado deixou?
s historiadores deste rei dos dina-marqueses baseiam-se sobretudo na investigação arqueológica. A grande
maioria das crónicas dessa época foi escrita pela pena dos monges evangelizadores e, em geral, são (tal como as sagas, recolhidas mais de dois séculos depois) pouco rigorosas, tendenciosas e,
por vezes, inverosímeis. “Monges como Adão de Bremen apresentavam sempre as comunidades pagãs como rudes e brutais, para maior glória do seu próprio labor”, afi rma Jörn Staecker. Por esse motivo, afi gura-se fundamental uma interpreta-ção científi ca quando se trata de reconstituir o mundo que Harald Dente Azul veio revolucionar.
Nos alvores da Idade Média, a Europa encon-trava-se em plena transformação. Roma não só havia legado ao continente as suas cidades, as estradas empedradas e a cultura, mas também o cristianismo como religião dominante na maior parte do seu território. Na segunda meta-de do primeiro milénio, a nova fé foi-se conso-lidando gradualmente no coração do Ocidente europeu. O baptismo do rei dos francos Clóvis em Reims, no ano de 498, é um marco que assi-nala o arranque da cristianização. Os monges viajavam anunciando a palavra de Deus. Tre-zentos anos mais tarde, Carlos Magno encabe-çava uma Europa cristã unida pela primeira vez desde o mar do Norte até ao Mediterrâneo, desde a Normandia até ao Sul de Itália. Em 804, integrou igualmente os saxões do Elba. A sua área de infl uência chegava até ao Danevirke, a muralha fronteiriça dos vikings. Foi neste pano de fundo que, em 962, Otão I assumiu a lide-rança do Sacro Império Romano-Germânico. O complexo de muralhas que se erguia nas ime-diações da actual cidade de Schleswig (hoje em território alemão) separava a Europa cristã do território pagão, onde Harald Dente Azul exer-cia o seu governo.
Para lá do Danevirke, espraiava-se uma pai-sagem dura e inóspita. A Jutlândia era uma extensa planura sulcada por rios e pântanos. Para norte, fi cava a península da Escandinávia, uma sucessão infi ndável de fl orestas e lagos. Nas cordilheiras ermas e ao longo do recortado lito-ral da actual Noruega, o transporte de merca-dorias era particularmente complicado. O úni-co solo fértil encontrava-se em vales apertados e nas zonas ribeirinhas. Grande parte da popu-lação vivia em condições deploráveis, sujeita ao jugo dos chefes locais. As incursões melhoravam um pouco essas condições, mas, em regra, ser-viam sobretudo para granjear fama e honra.
VIKINgs 41
Desde os fi ordes do mar da Noruega às ilhas do Báltico, os vikings partilhavam uma língua comum e crenças religiosas semelhantes. Guer-reiros valentes e engenheiros navais de excepção, eram também grandes navegadores e hábeis comerciantes. Numa época em que apenas se possuía uma vaga ideia da morfologia da Europa (para não falar das outras regiões do mundo), os vikings percorreram o Norveg, o “caminho do Norte”, até ao Árctico, cruzaram o oceano Atlân-tico até à Gronelândia e terão sido os primeiros europeus a pôr o pé na América, chegando apro-ximadamente no ano 1000 às costas da Terra Nova. Colonizaram a Islândia e outras ilhas do Atlântico Norte. Alcançaram o mar Mediterrâ-neo franqueando o estreito de Gibraltar com as suas embarcações e navegando pelos rios da Rússia até atingirem o próprio mar Negro. Man-tiveram trocas comerciais com Samarcanda, no actual Usbequistão, um enclave na Rota da Seda que prosseguia até à China.
a construção naval, eram herdeiros de uma antiquíssima tradição nórdica, embora importassem a vela das cultu-
ras do Sul da Europa. Percorriam enormes dis-tâncias guiando-se pelo Sol e pela ondulação, pelo voo das aves e pelas suas próprias referências. Os restos reconstituídos do Roskilde 6 (que, com 37 metros de comprimento, é o maior navio viking descoberto até à data) podem ser vistos, junto de outras embarcações da mesma época, no Museu dos Navios Vikings da cidade de Roskilde, na ilha dinamarquesa de Sjæland.
No fi m do século VIII, os vikings fundaram na extremidade do Schlei, um braço de mar com 42 quilómetros de comprimento no Sul da
península da Jutlândia, um porto comercial a que chamaram Haithabu, nome que, em tradu-ção livre, signifi ca “povoado do urzal”. A esco-lha do sítio não podia ser melhor: as mercado-rias destinadas ao mar do Norte precisavam de percorrer apenas 18 quilómetros por terra até chegarem ao rio Treene, onde embarcavam rumo à costa ocidental. Evitava-se assim um longo percurso em volta, passando pelos estrei-tos de Kattegat e Skagerrak ou pelo fi orde de Limfj ord, no Norte da Jutlândia, numa época em que não havia rede viária nem, como é evi-dente, existia o canal de Kiel. Haithabu tornou--se o principal centro logístico do comércio de longa distância.
Há muito que aquele povoado passou à histó-ria, mas um museu recorda hoje o seu passado glorioso. Uma maqueta mostra-nos como estava edifi cado. Em mais de vinte pontões de acosta-gem, que chegavam a avançar 50 metros mar adentro, os navios mercantes eram carregados e descarregados (ilustração das páginas 58-59). Os estudos arqueológicos localizaram também em Haithabu vestígios de um navio de guerra cons-truído no ano de 985, conhecido por Pecio 1. Com 31 metros de comprimento, veloz e excep-cionalmente elegante, pode bem ter sido a embarcação a bordo da qual Harald Dente Azul e, mais tarde, o seu filho Svend Barba Fendid visitaram os seus domínios meridionais.
Ao longo de uma via principal construída em tabuado, paralelamente à orla marítima e às vie-las, erguiam-se edifícios baixos e maciços onde fundidores, ourives, torneiros e tecelões desen-volviam a sua actividade. Albergava possivelmen-te uma população máxima de 1.500 habitantes.
Provenientes do Norte, chegavam a Haithabu carregamentos de madeira, presas de morsa, esteatite, couro e peles que eram trocados, nos próprios cais da vila, por tecidos, vidro, jóias, sedas, especiarias e prata do Oriente, trazidos até ao Schlei por intermediários russos. Muitas matérias-primas eram de imediato transferidas para as oficinas dos artesãos locais. “Era um povoado ruidoso e, provavelmente, horrível devido às águas residuais e matérias fecais”, afi r-ma Ute Drews, directora do museu.
Carlos Magno reinava sobre boa parte da Europa, mas o seu poder terminava na muralha fronteiriça que os vikings ergueram em Haithabu.
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OCEANO
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Mar doNorte
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Mar doNorte
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Séculos VIII-IX
Séc. IX
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864
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882, 892
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Corsega
Baleares
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IlhasOrcades
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Bretanha
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Reino de Harald Dente Azul
Outras áreas de contacto vikingSéculos VIII a XI
Mercadoria
Viagens de descoberta (ano)e rotas comerciais
Pilhagens e invasões (ano)
Ano 870
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Vinho
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Panos, vidrose minério
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Ferro
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Superiores em combateEsta espada de finais do século VIII, ou princípios do século IX, foi encontrada na ilha dinamarquesa de Sjaelland. Muitas destas armas são de prove-niência franca e chegaram às mãos dos vikings apesar de o seu comércio ser proibido.
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Após o ataque desferido contra o mosteiro inglês de Lindisfarne em 793, os vikings tornaram-se o terror da Europa durante quase três séculos, mas também foram bons comerciantes e exploradores de destinos longínquos.
Até à AméricaOs vikings colonizaram a Islândia e a Gronelândia e, por volta do ano 1000, terão chegado à costa da Terra Nova. Foram os primeiros europeus a pisar solo americano, adiantando-se cinco séculos aos navegadores ibéricos.
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Séculos IX-XI
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LagoLadoga
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SedaPrataJóiasEspeciarias
SedaBrocadosPrataJóiasFrutaEspeciariasVinho
EscravosPelesCeraMel
Peles
Peles
Marfim de morsaCordasPeles
PrataSedaJóias
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Marfim de morsaPeles
Madeira
0 km 400Dinheiro falso de HaithabuNeste entreposto comercial, aceitavam-se paga-mentos em moeda estrangeira, como o dirham de Bagdade, por exemplo. Também se falsificava dinheiro. Estas moedas não são de prata, mas de uma liga barata de chumbo e estanho.
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Samarcanda
Dinheiro falso de Haithabu
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MAPAS: RALF BITTER / NGM-DE FOTOGRAFIAS: MUSEU NACIONAL DA DINAMARCA, COPENHAGA (ESPADA); HEINER MÜLLER-ELSNER, MUSEU VIKING DE HAITHABU / FUNDAÇÃO DO MUSEU DO LAND DE SCHLESWIG-HOLSTEIN (MOEDAS)
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OS DOMÍNIOS DE DENTE AZULA partir da sua corte em Jelling, Harald Dente Azul construiu um reino que abrangia, além da actual Dinamarca, a costa ocidental da Suécia e o Sul da Noruega. A fronteira meridional denominava-se Danevirke, um complexo defensivo com 30 quiló-metros de extensão, nas imediações do enclave comercial de Haithabu, formado por sete muralhas e por um sistema de imobilização de embarcações no rio Schlei cujas origens, segundo as investiga-ções mais recentes, remontam ao século VII.
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HERÓIS ETERNOS Os vikings acreditavam que, após a morte, um barco os conduziria ao Além. Em Lindholm Høje (em cima), na Dinamarca, existe uma necrópole com alinhamentos líticos que representam cascos de navios. Para os guerreiros (em baixo, festa viking celebrada em Trelleborg em 2014) era importante realizar façanhas de valentia pelas quais fossem recordados para sempre.
VIKINgs 45
te, as povoações continuaram a falar dele”, explica o fi lólogo austríaco Rudolf Simek, da Universida-de de Bona. Desta maneira compreende-se igual-mente a ideia do enterro como um grande acon-tecimento que deixava marcas profundas. Os vivos jamais esqueciam aquilo que o defunto levava consigo no barco dos mortos e os mortos perma-neciam para sempre na memória.
arald dente azul nasceu e foi cria-do neste universo maravilhoso, mas a sua sociedade já começara a abrir as
portas à nova religião que, pouco a pouco, se infi ltrava no imaginário pagão. Os vikings esta-vam dispostos a aceitar Cristo se este lhes pro-metesse mais vantagens do que as velhas divin-dades. Ou se Odin e Th or os abandonassem.
Gorm, pai de Harald Dente Azul, tinha-se imposto a outros chefes rivais e, em meados do século X, fundara na Jutlândia central, cerca de 150 quilómetros a norte de Haithabu, uma monarquia centralizada em que, pela primeira vez, o poder era hereditário. Tudo indica que Gorm e o seu fi lho reinaram juntos a partir de 936, durante aproximadamente duas décadas.
Harald teria cerca de 18 anos quando, num encontro com Unni, arcebispo de Hamburgo-Bre-men, conheceu o cristianismo. Gorm não via com bons olhos aquela religião, mas, segundo alguns monges, o seu fi lho era bastante mais receptivo e, com efeito, autorizou Unni a celebrar missa. É provável que percebesse também a ameaça que se aproximava vinda do Sul: Otão I, imperador cristão do Sacro Império Romano-Germânico, estava decidido a propagar a palavra de Jesus mes-mo que fosse pela força, e não somente por con-vicção pessoal mas porque isso também lhe asse-guraria infl uência política e económica.
Ignora-se qual seria o aspecto morfológico de Harald. As únicas imagens dele existentes são as placas de ouro da igreja de Tamdrup, na Jutlândia, que o apresentam durante o seu bap-tismo pelo monge Poppo. Não se sabe também com segurança a origem do seu apodo. Talvez tivesse um dente necrosado e enegrecido, ou limasse e colorisse a dentadura, como então se costumava fazer.
Em breve, Haithabu começou também a atrair missionários. A partir de 850, aproximadamente, o povoado passou a dispor de um templo cristão, talvez afastado da zona mercantil e que servia igualmente de ponto de encontro para viajantes.
Os vikings mostraram-se tolerantes para com os forasteiros e permitiram que os monges cristãos desenvolvessem a sua missão evangelizadora den-tro dos seus domínios. Durante longos serões invernais, os escaldos (os seus poetas e cantores) entoavam composições que continuavam a falar do reino dos gigantes e dos deuses, entre os quais se destacava Odin com o seu corcel de oito patas, Sleipnir. Cantavam sobre a terra de Midgard, o mundo dos homens (na qual se baseou Tolkien para conceber a Terra Média, de “O Senhor dos Anéis”), sobre Asgard, o mundo dos deuses, e sobre Utgard, morada das forças das trevas.
Também entoavam certamente cânticos sobre o Valhala, destino dos guerreiros valentes tom-bados em combate, e sobre o Hel, o reino dos mortos. Alcançavam-no os defuntos a bordo de magnífi cos barcos: os mais famosos foram encon-trados pelos arqueólogos nos túmulos de Gokstad e de Oseberg, nos arredores de Oslo. Ou talvez os mortos viajassem em barcos simbólicos, repre-sentados por meio de alinhamentos de pedras sobre as tumbas, como os que podemos ver em Lindholm Høje, perto do fi orde dinamarquês de Limfj ord: uma paisagem onírica com uma frota inteira varada e petrifi cada.
A crença no outro mundo própria dos cristãos, a ideia de salvação, era completamente estranha aos vikings. A alma imortal era indiferente. “As boas e más acções de um indivíduo não eram importantes. O aspecto mais relevante era uma boa reputação, sinónimo de que, depois da mor-
A crença no outro mundo e a ideia cristã de salvação da alma eram estranhas aos vikings. Não lhes interessava a imortalidade da alma, mas sim a reputação duradoura.
(Continua na pg. 52)
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VIKINgos 35
COMPLEXO REALHarald Dente Azul mandou erigir em Jelling um complexo arquitectó-nico monumental que vinculava o passado pagão ao presente cris-tão. Uma estrutura naviforme com 350 metros de comprimento abrangia o túmulo do pai, Gorm (o montículo mais alto), e a primeira igreja construída defronte deste, com a forma oblonga de navio característica da época. Uma paliçada rodeava o complexo. Durante algum tempo, acreditou-se que no montículo inferior também se alo-java uma sepultura, mas a sua escavação revelou que nunca foi usado. As moradias serviam sobretudo de alojamento a guerreiros. Os quatro edifícios do extremo superior foram localizados segundo os dados arqueológicos; quanto ao restante, a localização é provável.
DESENHO DA PLANTA (Em cimA): RALF BiTTER, NGm-DE
JELLingobra magna de denTe aZUL
O lendário complexo real de Jelling, na região central da Jutlândia, simboliza como mais nenhum lugar do Norte da Europa a transição do paga-nismo viking para o cristianismo. Foi projectado de acordo com um plano urbanístico que inte-gra diversas construções monu-mentais da época de Harald Dente Azul. O túmulo setentrio-nal foi provavelmente construído após a morte de Gorm, pai de Harald, em 958. Localiza-se pre-cisamente no centro de um ali-nhamento de pedras em forma de barco de carácter pagão, mas também na intersecção das duas diagonais da paliçada rômbica, que desenham uma cruz (de provável inspiração cristã). Junto do montículo, Harald Dente Azul ergueu a pri-meira igreja do lugar, diante da qual mandou erigir uma grande estela de pedra em memória dos seus pais. Figuram nela uma imagem pagã de tipo mitológica e uma representação de cristo.
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A fotografia com a vista aérea de Jelling (páginas 50-51) foi captada por um veí-culo aéreo não tripulado. O ângulo de vi-são corresponde ao fragmento destacado da ilustração das páginas 46 a 48.
Planta do complexo
1 Paliçada em forma de rombo com 360 metros de lado 2 Estrutura naviforme com 350 metros de comprimento, contornada com pedras naturais 3 igrejas 4 Pedras rúnicas 5 montículo norte com câmara funerária 6 As diagonais do rombo formam ao centro do montículo norte uma cruz cristã(?) de ângulos rectos 7 montículo sul 8 Acesso ao complexo real
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MONUMENTO NACIONAL Jelling é actualmente considerada o berço do reino da Dinamarca. Junto do túmulo norte, ergue-se a igreja de pedra branca (na parte inferior da fotografia), construída por volta do ano 1100. A estrutura naviforme e a paliçada exterior são visíveis graças às intervenções actuais (reconstituídas com lousas e colunas, respectivamente).
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Sob o comando de Harald Dente Azul, as incursões dinamarquesas não cessaram. Como era habitual, o soberano viajava pelo reino para fazer demonstrações do seu poder e conquistar o apoio dos chefes locais. Sabe-se que mantinha contactos com o estrangeiro. Contraiu matrimó-nio com uma eslava oriunda da costa báltica. Segundo parece, conhecia – ou em primeira mão ou por descrição dos seus enviados – os sump-tuosos palácios imperiais de Ingelheim e Pader-born, a catedral de Aix-la-Chapelle e outras sedes episcopais. É possível que aspirasse a um estilo de vida semelhante ao do Sul civilizado.
Dente Azul sabia que seria capaz de consolidar e ampliar o seu poder com a ajuda da Igreja, à semelhança de outros soberanos europeus da Alta Idade Média. Segundo a concepção cristã do poder político, os soberanos eram reis pela graça de Deus, na qualidade de representantes divinos na Terra. “O cristianismo era conhecido na Escandinávia há bastante tempo, mas as elites políticas adoptaram-no tardiamente”, explica o arqueólogo Mads Kähler Holst, da Universidade de Aarhus, cujos contributos para o estudo da corte de Harald Dente Azul em Jelling, símbolo dessa nova era, têm sido decisivos.
ellıng é actualmente um pequeno e tranquilo povoado perto da cidade de Vejle, na região central da Jutlândia. Ao
abeirarmo-nos do centro da cidade avistam-se duas colinas e, no meio de ambas, uma igreja branca com duas pedras rúnicas defronte da fachada sul. Junto da igreja destaca-se o cemitério cristão. Imediatamente a seguir apercebemo-nos das colunas brancas, dispostas em forma de rom-bo, que delimitam um grande espaço na zona norte de Jelling, separado do resto da povoação. Foram construídas em 2013, no local exacto onde Harald Dente Azul havia mandado construir uma paliçada para no seu interior albergar a corte real. Esta localização nada tem que ver com o acaso: não longe do Pequeno Belt, em plena Rota dos Bois (a importantíssima via comercial que come-çava no Norte da Jutlândia e terminava no Elba), mas a uma distância prudente do belicoso impe-rador romano-germânico.
Há dois séculos que Jelling é objecto de inves-tigação. As duas colinas foram escavadas, pois os arqueólogos suspeitavam que pudessem esconder sepulturas. Mas, na hora da verdade, a colina nor-te, com 8,5 metros de altura, já fora saqueada, ao passo que a colina sul, de onze metros de altura, não albergava sepulturas. Em contrapartida, os investigadores localizaram sob a igreja os restos mortais de um indivíduo do sexo masculino. Pen-sou-se durante muito tempo que pertenciam ao rei Gorm, trasladado da colina norte pelo fi lho Harald Dente Azul após a conversão ao cristianis-mo. Hoje existem dúvidas. A identidade do dono destas ossadas permanece envolta em mistério.
Chamam sobretudo a atenção as duas estelas rúnicas que se erguem defronte do templo. A maior tem duas caras. Numa, distingue-se um dragão, ou cervo heráldico, em combate com uma serpente. Na segunda, vê-se Jesus, não crucifi cado mas erguido e pendurado em ramos. E as três caras são abrangidas por um texto rúnico no qual se lê: “O rei Harald mandou erigir este monumen-to em memória de Gorm, seu pai, e de Th yra, sua mãe. Harald conquistou para si toda a Dinamar-ca e Noruega e cristianizou os dinamarqueses.”
A estela rúnica que Harald Dente Azul man-dou levantar em memória dos seus progenitores constitui hoje um monumento a uma nova era. Combina a arte tradicional viking com símbolos cristãos, entronca na tradição e, ao mesmo tem-po, proclama o cristianismo como nova religião ofi cial. A estela de Jelling é a certidão de baptismo de uma nação recém-nascida.
á alguns anos, durante escavações, os arqueólogos encontraram uma série de pedras naturais dispostas em
eixo relativamente aos dois túmulos, supondo que estariam relacionadas com o complexo. No entanto, quando se realizaram medições geo-magnéticas, foram descobertas estruturas enter-radas que lançaram os investigadores na pista mais tarde confirmada pelas investigações. “Tínhamos procurado a corte real num raio de dez quilómetros em redor e, de repente, ali esta-va ela, mesmo debaixo dos nossos pés”, conta Mads Kähler Holst.
HEINER MÜLLER-ELSNER/MUSEU NACIONAL DA DINAMARCA, COPENHAGA (EM CIMA, À DIREITA); JENS MARKUS LINDHE (EM BAIXO, À DIREITA)
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FRAGMENTOS DE PODER A pedra grande de Jelling (em baixo, junto da pedra pequena, uma estela em memória de Thyra, mãe de Harald Dente Azul) é composta por três faces. Numa vê-se a figura de Jesus entrelaçada com motivos vegetais, talvez suspensa por ramos. A pedra estava pintada com cores vivas, como demonstra a reprodução da fotografia superior, e ainda conserva parte dessa policromia.
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ORNAMENTOS DELICADOS Em Novembro de 1872, um temporal expôs estas jóias, conhecidas como Tesouro de Hiddensee. A fíbula (à esquerda e sobre estas linhas, ao centro) e os restantes 15 fragmentos de ouro foram provavelmente lavrados no Sul da Jutlândia, nos tempos de Harald Dente Azul.JUTTA GRUDZIECKI / MUSEU DE HISTÓRIA CULTURAL DA CIDADE HANSEÁTICA DE STRALSUND (JÓIAS), KATHRIN MÜLLER (FUNDO)
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As dimensões do edifício revelam uma exibi-ção do poder, uma precisão arquitectónica e uma monumentalidade até então sem preceden-tes no mundo nórdico. A investigação mostrou que as duas colinas, as pedras rúnicas erguidas entre ambas e a primeira igreja do lugar tinham estado rodeadas por um barco de pedra: um casco assinalado com monólitos de pedra, fi n-cados no solo para trasladar os mortos para o Valhala, com 350 metros de comprimento. O eixo central passava exactamente pelo meio da câmara funerária existente na colina norte. O conjunto encontrava-se protegido por uma enorme paliçada. Cada lado tinha 360 metros de comprimento e a estrutura fora construída com troncos de carvalho de 25 a 40 centímetros de grossura que provavelmente atingiram quatro metros de altura. O desenho em forma de rom-bo fazia que as diagonais se encontrassem mes-mo sobre a colina norte, onde formavam uma cruz (ilustração da página 49), de novo uma mais que provável combinação entre simbologia pagã e cristã. Os estudos mais recentes apontam para a existência de um único acesso ao recinto, o qual media, no seu conjunto, o equivalente a 17 campos de futebol. Nas imediações, os arqueó-logos descobriram as plantas de três casas de 27 metros de comprimento cada, embora sem um único indício da sua ocupação.
A análise dendrocronológica dos troncos da paliçada revelou que o complexo foi construído por volta do ano de 970. Integrava-se num pro-grama construtivo sem precedentes. “O rei pla-neou algo nunca visto”, afirma Kähler Holst. “Era, creio eu, um perfeccionista e, além disso, um gestor inteligente das numerosas mudanças que a sua época teve de enfrentar.”
Poucos anos depois do seu baptismo, conjec-turam os arqueólogos e historiadores, Harald Dente Azul convidou os chefes locais e outros caciques do seu reino a deslocarem-se a Jelling para aderirem, sob juramento, à nova era. Con-vidou também dirigentes e embaixadores estran-geiros para impressioná-los e conquistar o seu favor. Presidia à cerimónia a estela rúnica.
Muitos convidados vinham do Sul longínquo e tinham cruzado o rio Vejle. Os visitantes da corte real fi caram boquiabertos perante a monu-mental paliçada. A entrada só era autorizada a quem fi gurasse no rol de convidados. “Os convi-dados deviam apresentar-se envergando as suas melhores indumentárias de gala. Consigo imagi-ná-los cobertos de mantos de lã de cores desor-denadas, guarnecidos de peles e enfeitados com fi tas de seda com oiro e prata que reluziam ao sol”, afi rma Anne Pedersen, do Museu Nacional da Dinamarca, em Copenhaga. “Todos ansiosos por apresentar-se e ostentar as suas riquezas. Harald Dente Azul proferiu certamente um dis-curso e houve provavelmente rondas de interven-ções como nas cimeiras da actualidade. Às fi guras importantes foi permitido sentarem-se lado a lado com os poderosos.”
a perspectıva da polítıca externa, o cristianismo proporcionou a Harald Dente Azul o reconhecimento por par-
te das casas reais europeias da sua época; em termos de política interna, deu-lhe poder. A orga-nização eclesiástica punha os seus escribas ao dispor do rei, colaborava na arrecadação de tri-butos e ajudava a construir o novo sistema eco-nómico. Contribuía igualmente para implantar o dinheiro como meio de pagamento, em subs-tituição dos lingotes de prata fragmentados e ponderados e das moedas cortadas que até então eram utilizadas.
Harald Dente Azul fez então uma demonstra-ção de força. Iria deixar bem claro aquilo de que era capaz, até que ponto podia chegar uma monarquia centralizada de legitimação cristã. Fortaleceu as fortifi cações fronteiriças do Dane-virke com a intenção de pôr em guarda o seu novo adversário, o imperador romano-germânico
O cristianismo proporcionou a Harald Dente Azul o poder e reconhecimento das casas reais europeias da época.
a perspectıva da polítıca externao cristianismo proporcionou a Harald Dente Azul o reconhecimento por par-
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Jelling. Obtém-se assim, como resultado, quatro “fatias de tarte”, ou secções circulares, que alber-gavam em perfeita simetria três pátios interiores com quatro edifícios cada um, todos iguais, com uma cobertura semelhante a um barco invertido. “Era a casa prefabricada na versão viking: de cons-trução rápida e simples”, afirma a especialista.
Os trelleborgs eram sempre construídos a partir de um mesmo modelo e foram-se tornando mais sofisticados, com terraplenos mais elevados e aco-modações mais confortáveis e seguras. À seme-lhança do complexo real de Jelling, a sua constru-ção exigia um importante investimento em recursos e mão-de-obra. Søren Sindbæk calcula que, para erguer os terraplenos, fosse necessário mobilizar 15 mil metros cúbicos de terra, o equi-valente a 30 vagões de mercadorias modernos. Para as paliçadas, edificações e caminhos foi pre-ciso abater e preparar cerca de mil carvalhos. Esta obra só foi possível graças à colaboração dos che-fes locais, com quem Harald Dente Azul tinha de firmar alianças contínuas para consolidar o seu poder, e mediante o recrutamento de mão- -de-obra masculina em regime de servidão feudal.
Otão II (objectivo concretizado, excepto durante um breve interlúdio iniciado com a ocupação de Haithabu em 974). Construiu calçadas e a mag-nífica ponte de Ravning que, com os seus 700 metros e dupla via de circulação, atravessava o rio Vejle em Jelling. Entre Aggersborg (no Norte da Jutlândia) e a Escânia (no Sul da Suécia), erigiu cinco colossais bastiões circulares – os chamados trelleborgs –, sempre estrategicamente localizados em vias principais, visíveis a longa distância, aces-síveis por via marítima, mas nunca pela própria costa. Posicionava neles as suas hostes.
Else Roesdahl, expoente máximo dos investi-gadores dinamarqueses interessados na civilização viking, e o seu jovem colega Søren Sindbæk, da Universidade de Aarhus, têm estudado estas for-talezas circulares. Num armazém do Museu de Moesgaard, Else mostra-nos uma maqueta do bastião de Aggersborg, que Harald Dente Azul mandou construir no Limfjord. Trata-se de uma engenhosa concepção geométrica, com quatro portas. As duas vias principais delas emergentes formam uma cruz no ponto central, exactamente idêntica às diagonais da paliçada rômbica de
MENSAGEM DUPLA Após a cristianização, muitos vikings permaneceram ligados aos símbolos pagãos. No martelo de Thor, há uma cruz gravada e o molde de fundição também se assemelha ao símbolo cristão.
HEINER MÜLLER-ELSNER / MUSEU VIKING DE HAITHABU, FUNDAÇÃO DO MUSEU ESTADUAL DE SCHLESWIG-HOLSTEIN
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UM GRANDE MERCADONa época de Harald Dente Azul, Hai-thabu, uma povoação à beira do Schlei, era um centro activo ao qual chegavam todos os tipos de mercadorias provenientes de lugares longínquos. Muitos negócios eram fechados nos próprios molhes do porto. Calcula-se que existissem mais de vinte cais de amarração onde os navios eram carregados e descarregados. JOCHEN STUHRMANN E TIM WEHRMANN / GEO EPOCHE / PICTURE PRESS
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A construção dos trelleborgs, tal como as res-tantes obras arquitectónicas, obedecia a um plano geral e a uma concepção geométrica mui-to estudada. As estruturas circulares de Fyrkat, situadas a meio caminho entre Aarhus e Aal-borg, tinham 120 metros de diâmetro; a de Aggersborg, no Limfj ord, mede o dobro, 240 metros; e a paliçada de Jelling apresenta um comprimento de 360 metros de cada lado (o triplo). “Talvez Harald Dente Azul desejasse exprimir através da arquitectura o seu desejo de ordem”, conjectura Søren Sindbæk.
rqueólogos e outros perıtos exami-naram recentemente várias ossadas descobertas na necrópole do bastião
circular de Trelleborg, em Slagelse, na zona oci-dental da ilha de Sjæland (o primeiro trelleborg encontrado e que deu o nome genérico a este tipo de estruturas), para apurar a origem das pessoas ali sepultadas. Recorrendo a técnicas de análise isotópica, apurou-se que metade dos mortos não era originária da Dinamarca, mas de regiões com população eslava da costa meri-dional do Báltico. Jörn Staecker não rejeita a hipótese de que poderiam ter sido mercenários provenientes de Jomsborg (actualmente Wolin, na embocadura do Oder, na Polónia), recrutados por Dente Azul para integrar a sua famosa guar-da pretoriana dos jomsvikings, frequentemente mencionada nas sagas. “Talvez o rei já não pudesse confi ar no seu próprio povo, precisan-do de uma tropa de elite”, diz Sindbæk.
O reinado de Dente Azul durava já duas déca-das, desde o seu baptismo. Poderiam os seus vas-salos projectar a sua destituição? Os achados arqueológicos apontam para a ocorrência de combates nessa época. Renovadores contra defen-sores da velha tradição? O soberano exigiu dema-siado dos seus súbditos? Tornou-se impossível para estes aguentar a carga fi scal que fi nanciava a construção de estradas empedradas e fortalezas?
“Os elementos disponíveis sugerem que os seus antigos súbditos fartaram-se dele”, afi rma Else Roesdahl. O seu próprio fi lho primogéni-to, Svend Barba Fendida, também se virou con-tra ele. Talvez se tratasse de um confl ito entre
ARQUIVO GRÁFICO CINETEXT
rqueólogos e outros perıtosnaram recentemente várias ossadas
Os vikings usavam capacetes com chifres, como nas representações das séries de fi cção? Não há provas de que assim fosse. Da época viking, chegou-nos apenas um capacete, de um chefe norueguês (datado aproximadamente do ano 900). Também se pode atribuir a imagem do nórdico com capacete de chifres ao compositor alemão Richard Wagner, que vestiu dessa maneira os heróis protagonistas das óperas do ciclo O Anel do Nibelungo (1848-1874).
Outro erro geralmente cometido é pensar que as mulheres desempenhavam um papel secundário na sociedade viking. Muito pelo contrário: durante as longas ausências dos homens, a administração das quintas e da economia fi cava nas mãos das mulheres vikings e a sua presença era fundamental em todos os domínios.
Costuma também afi rmar-se que os vikings eram endogâmicos. É falso: as análises genéticas reve-lam que se mesclavam com outros povos. Por exemplo, a ocupante de um túmulo real localizado em Oseberg, perto de Oslo, tinha ascendentes oriundos do mar Negro.
Está provado que os drakkars navegavam com velas listadas. “A imagem das velas com listas de cores encontra-se na tapeçaria de Bayeux, do século XI, que mostra a conquista de Inglaterra e serve-nos de referência”, afi rma Anton Englert, do Museu dos Barcos Vikings de Roskilde (Dinamarca), que participou na construção do navio das páginas 36-37.
VIKINGS: CERTO OU ERRADO?
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Noruega e da Suécia. Alguns vikings continua-vam a utilizar símbolos pagãos ao lado dos cris-tãos, mas em breve abandonariam as necrópoles tradicionais e a população começaria a ser sepul-tada em cemitérios cristãos.
As incursões vikings cessaram definitivamen-te. Haithabu continuou a ser um importante centro comercial durante varias décadas. No âmbito de um projecto patrocinado pela Fun-dação Volkswagen, os cientistas do Centro de Arqueologia Báltica e Escandinava de Schleswig estão a estudar os últimos anos da povoação e a sua transferência para a cidade medieval de Schleswig, na margem oposta do Schlei. Há pro-vas de que o porto de Haithabu se foi assorean-do pouco a pouco e a construção de cais de acostagem tornou-se cada vez mais difícil e dispendiosa. No entanto, os achados arqueoló-gicos indicam que, em meados do século XI, Haithabu ainda era palco de operações comer-ciais e de alguma actividade artesanal.
Até chegar o ano fatídico de 1066.Hostes eslavas incendiaram Haithabu até aos
alicerces. Só então, e não antes, segundo revelam as investigações mais recentes, é que o porto de Schleswig foi construído: o novo centro logísti-co entre o mar do Norte e o Báltico. “Schleswig passou a ser sé episcopal e civitas christiana, como já o eram, mais a norte, Roskilde e Lund”, afirma Volker Hilberg, director do projecto. E alcançou relevo como epicentro do comércio de longa distância.
Nesse mesmo ano, o normando Guilherme, o Conquistador, descendente de vikings, derro-tou Harold II de Inglaterra na batalha de Has-tins e fundou a casa real normanda. Para os historiadores, o ano de 1066 assinala o fim da era dos vikings.
Na Dinamarca, Harald Dente Azul ainda é visto como o fundador de um novo Estado e Jelling como um monumento nacional. Aquan-do da inauguração da paliçada com colunas brancas, em Setembro de 2013, a rainha Marga-rida insistiu em deslocar-se pessoalmente à Jutlândia. Foi uma derradeira homenagem real a Harald Dente Azul, mais de mil anos depois da sua morte. j
pai e filho, daqueles que de vez em quando acontecem ao longo da história, ou então uma manobra de retrocesso da parte de Svend Bar-ba Fendida, para rejeitar de novo o cristianismo.
A tradição oral sugere que, por essa época, Harald Dente Azul sofreu um ferimento grave em batalha e foi forçado a exilar-se em Joms-borg. Ali, porém, não podia sentir-se em segu-rança. Morreu no dia 1 de Novembro de 987. É provável que o seu cadáver fosse trasladado para uma pequena igreja dedicada à Santíssima Trindade cuja construção fora ordenada por Harald em Roskilde.
Quanto à paliçada de Jelling, foi devorada pelas chamas, como evidenciam os restos de cinzas no solo. A imponente construção de Den-te Azul foi arrasada.
O novo monarca era um guerreiro à moda antiga. Svend Barba Fendida retomou as incur-sões vikings. Juntamente com o seu aliado norueguês, o rei Olaf Tryggvason, voltou-se sobretudo para Inglaterra, localizada a duas ou três singraduras de distância através do mar do Norte. Nesta ilha, impôs tributos cada vez mais elevados, conquistou vastos territórios e pôs em fuga o rei Æthelred, senhor de Mércia, ascen-dendo ao trono inglês em 1013. Depois da sua morte, o filho Canuto (Knud), o Grande, fundou o chamado Reino do Mar do Norte, ou anglo--escandinavo. Abrangia a Inglaterra, a Dinamar-ca e extensas zonas da Noruega e da Suécia, onde pela primeira vez circulou moeda comum. Em 1035, Canuto foi enterrado numa igreja cristã, a catedral de Winchester. Sete anos mais tarde terminou o domínio dinamarquês de Inglaterra.
Nessa mesma época, o cristianismo alargou--se a toda a Escandinávia e converteu-se em religião oficial dos recém-fundados reinos da
O filho de Harald Dente Azul retomou as incursões e escolheu a Inglaterra como alvo. Mas o tempo dos vikings já passara.
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ARTE DA FILIGRANAOs vikings eram guerreiros, comerciantes e também apreciadores de objectos belos, como demonstra este machado descoberto no túmulo de Mammen, no Norte da Jutlândia. A elaborada decoração geométrica, à base de motivos animais, por vezes imaginários, e também vegetais, corresponde aos cânones estéticos dos vikings em meados do século X.
Jutlândia. A elaborada decoração geométrica, à base de motivos animais, por vezes imaginários, e também vegetais, corresponde aos cânones estéticos dos corresponde aos cânones estéticos dos vikings em meados do século X. ROBERTO FORTUNA E KIRA URSEM / MUSEU NACIONAL DA DINAMARCA, COPENHAGA, KATHRIN MÜLLER (FUNDO)
IncríveisÁcaros
Escondem-se na sua cama e acasalam no seu rosto. São mais pequenos do que o ponto no final desta frase. São os…
Ampliado centenas de vezes, este ácaro predador do solo é o terror do seu mundo microscópico.PARAZERCON SP., AMPLIADO 556 VEZES
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De facto, durante a noite, é isso que aconte-ce quando eles acasalam, antes de rastejarem novamente para dentro dos seus folículos onde se alimentam durante o dia. No interior dessas grutas, as progenitoras põem ovos relativamente grandes, com a forma de ácaros. Os ovos eclo-dem e depois, como todos os ácaros, os juvenis passam por metamorfoses durante as quais liber-tam o esqueleto externo e emergem ligeiramente maiores. Uma vez atingido o tamanho completo, a totalidade da sua vida adulta prolonga-se por escassas semanas. A morte ocorre no momen-to exacto em que os ácaros, morfologicamente desprovidos de ânus, ficam atulhados em fezes, morrendo e decompondo-se na sua cabeça.
Conhecem-se actualmente duas espécies de ácaros da pele e pelo menos uma parece estar presente em todos os adultos humanos. Quase aposto que uma pequena amostra de adultos re-velaria mais espécies novas destes ácaros.
Os biólogos costumam fazer apostas. Cha-mam-lhes previsões para soar mais requintado. A minha aposta baseou-se no conhecimento das tendências da evolução e dos seres humanos. A evolução tende a gerar os seus maiores tesouros em formatos pequenos. Os seres humanos, por outro lado, tendem a ignorar as coisas pequenas. Os ácaros aquáticos, por exemplo, habitam a maioria dos lagos, charcos e até poças, frequen-
temente em densidades de centenas ou milhares de indivíduos por metro cúbico. Podem até ser encontrados na água potável, mas poucas pessoas ouviram falar em ácaros aquáticos.
Os ácaros também vivem no pó, onde conquis-taram fama indesejada por se alimentarem dos pedaços de pele morta que deixamos em todos os sítios por onde andamos. As sombras largadas pela nossa existência sustentam multidões.
Alguns dos monstros mais assustadores do reino dos ácaros vivem no solo, onde é possível encontrar ácaros armados com um arsenal me-dieval de armas bucais. Alguns têm mandíbulas, outros possuem lâminas que se fecham com for-ça, outros ainda apunhalam com sabres afiados. Há ácaros nas copas das árvores da floresta tropi-cal, em folhas e no solo que se acumula entre as reentrâncias e fendas das secções onde os ramos derivam do tronco e nos cálices de plantas epífitas.
Mesmo alguns dos nossos alimentos são colonizados por ácaros. O sabor do queijo Mimolette deve-se aos seus túneis, alimentação, excrementos e actos de acasalamento. Não é exa-gero afirmar que os ácaros alteram o mundo. Podem aumentar ou reduzir a velocidade de re-novação do solo, acelerar ou abrandar a decom-posição, dar saúde ou gerar doença nas culturas. Os seus pequenos membros são muito mais fortes do que parecem.
á vários anos, fiz uma aposta sobre
os ácaros da pele, os animais que vivem nos folículos capilares. São tão peque-
nos que uma cabeça de alfinete poderia funcionar como pista de dança para
eles. No entanto, é mais provável que dancem sobre o seu rosto, caro leitor.
Texto de Rob DunnFotografias de Martin Oeggerli
TODAS AS FOTOGRAFIAS FORAM CAPTADAS COM O APOIO DA ESCOLA DE CIÊNCIAS DA VIDA FHNW, SUÍÇA.FONTES: HEATHER PROCTOR, UNIVERSIDADE DE ALBERTA, CANADÁ; ELKE MCCULLOUGH, UNIVERSIDADE DE GRAZ, ÁUSTRIA
(Continua na pg. 72)
As extremidades das patas permitem aos ácaros segurarem- -se aos hospedeiros com asas. Esta espécie coloniza as vibrissas, utilizadas na navegação e na descoberta de parceiros.AllEustAthiA SP., 194 X
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Ácaros da ordem scutacaridae, fortemente blindados, andam à boleia em artrópodes maiores do que eles (incluindo outros ácaros) em busca de alimento, deixando-se cair quando chegam a uma fonte de fungos frescos e outros micróbios. SCUTACARIDAE, 629 X
A extremidade bucal de um ácaro oribatídeo está equipada com “mais ferramentas do que um canivete suíço”, diz o fotógrafo Martin Oeggerli. Entre elas incluem-se pequenos apêndices semelhantes a pinças e membros minúsculos para manipular os alimentos.hERmANNiEllA SP., 1,500 X
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Ainda se desconhece o número total de es-pécies de ácaros. Haverá largos milhares, mas ninguém sabe o sufi ciente para afi rmá-lo com segurança, nem irá sabê-lo nas próximas décadas. Nas colecções museológicas, existem numerosas espécies de ácaros que ainda ninguém teve opor-tunidade de estudar. Algumas têm certamente histórias evolutivas fascinantes para contar. Ou-tras alimentam-se de insectos herbívoros e podem ser benéfi cas para a agricultura ou a medicina. Outras ainda podem ser transmissoras de pato-génios mortíferos.
Mais uma razão para a minha aposta: os ácaros são especialistas que ocupam todos os recantos concebíveis, incluindo a traqueia das abelhas, a ráquis das penas, o ânus das tartarugas, o siste-ma digestivo dos ouriços-do-mar, os pulmões das cobras, a gordura dos pombos, os globos oculares dos morcegos frugívoros, o pêlo em redor do pé-nis dos morcegos-vampiros. A vida nestes habitats requer pêlos especiais, substâncias químicas, ex-tremidades nas patas, peças bucais e muitos tru-ques. Exige igualmente uma forma de transporte de uma secção de habitat de qualidade para outra.
Alguns ácaros viajam de fl or em fl or nas na-rinas do beija-fl or. Quando a ave paira sobre a fl or, o ácaro fareja-a para averiguar se pertence ao tipo adequado para conter um parceiro entre as suas pétalas. Se for o caso, desce pelo bico da ave a uma das maiores velocidades do planeta… se tivermos em conta a dimensão do seu corpo.
Outros ácaros apanham boleia às costas de es-caravelhos ou formigas. Outros voam nas orelhas das traças. Uma espécie de ácaro pendura-se na pata traseira de uma formiga e as suas patas tra-seiras servem de substituto à garra da formiga. Outras fl utuam nas nuvens ou em fi os de seda por si gerados que se desenrolam com o vento.
Tudo isto para dizer que, se conseguir imagi-nar um habitat, por mais pequeno que seja, ele conterá ácaros, mesmo que seja difícil de alcançar por patas com micrómetros de comprimento e um décimo da espessura de um cabelo humano.
E contudo as maravilhas do transporte dos ácaros empalidecem quando confrontadas com as idiossincrasias da sua reprodução. Alguns clo-nam-se a si próprios. Outros devoram as progeni-toras. Outros acasalam com as irmãs ainda dentro das progenitoras e, depois, cometem matricídio ao nascer. Nas narinas dos beija-fl ores e nas ore-lhas das traças, escondem-se tragédias gregas protagonizadas por vidas pequenas e estranhas.
Os habitats que oferecem mais vantagens aos ácaros são os corpos de mamíferos, de aves, de insectos ou de qualquer criatura maior do que um ácaro. Os corpos são um autocarro carregado de comida variada, fornecendo alimento e transpor-te. Os ácaros que vivem nos corpos estão especial-mente adaptados para se segurarem bem ao seu anfi trião, mesmo quando este corre, nada ou voa.
A maioria das espécies de aves alberga mais de um ácaro especializado. Uma espécie de periquito tem 25 espécies de ácaros diferentes no seu cor-po e penas, cada qual com um micro-habitat. Os coelhos alojam várias espécies e os ratos chegam a abrigar seis. Até as focas têm ácaros próprios.
Tendo em conta esta diversidade e especializa-ção, é fácil imaginar que uma sala cheia de pessoas seria um local fértil para a descoberta de ácaros e para ganhar a minha aposta. Durante muito tem-po, isto serviu-me de tópico para iniciar conversas em festas pouco animadas, mas recentemente eu e alguns colaboradores reunimos um grupo de pessoas e pedimos-lhes para retirar amostras da sua pele. Após alguns esfregaços e sequencia-mento de DNA, encontrámos ácaros em todos os adultos que forneceram amostras, incluindo uma espécie ainda desconhecida pela ciência que parece viver sobretudo em pessoas de ascendência asiática. Pense bem, leitor: um ácaro provavel-mente existente em milhões de seres humanos, talvez mesmo milhares de milhões, mas até àquele momento desconhecido. Senti-me entusiasmado.
Como reagiram os sistematas dos ácaros, os cientistas que designam as espécies novas? Al-guns fi caram excitados, os outros encolheram os ombros. Sabiam que a minha aposta a favor da diversidade dos ácaros era fácil de ganhar, um fac-to da vida que testemunham regularmente. Com efeito, basta olhar para os ácaros fotografados para esta reportagem, na sua maioria pertencentes a espécies ainda por designar. O mais provável é que permaneçam misteriosos por muito tempo, tal como a maioria das formas de vida. j
MAIS NA INTERNET nationalgeographic.pt
VÍDEOENTREVISTA
O seu rosto é um local de
acasalamento?
Um cientista e a sua arte O fotógrafo Martin Oeggerli explica como cria e pinta as imagens e desvenda por que razão se refere a si próprio como “micronauta”, um astronauta do microcosmos.
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Os ácaros das orelhas dos coelhos (no topo) mordiscam o seu hospedeiro. O coelho coça, a orelha segrega fluidos e o ácaro banqueteia-se. Ameaçados, os ácaros da espécie Atropacarus striculus (em cima) recolhem os membros e fecham-se sobre si.PsOROPtEs CuNiCuli (NO TOPO), 428 X; AtROPACARus stRiCulus, 262 X
Os cientistas descobrem agora que os ácaros estão requintadamente adaptados a todos os nichos da natureza. Caso em questão: contas coloridas de cera repelente de água asseguram que um ácaro do musgo permanece seco no seu mundo húmido. EObRAChyChthONius SP., 996 X
As imagens desta reportagem foram captadas com um microscópio electrónico de varrimento. As imagens resultantes, a preto e branco, foram posteriormente coloridas de modo a reproduzir a aparência natural dos ácaros.
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Uma lagoa calma nos Alpes Graios reflecte os picos nevados de Gran Paradiso, a mais antiga área de paisagem protegida de um país mais conhecido pela cultura do que pela conservação.
Paraíso encontrado
No Parque Nacional de Gran Paradiso, antiga coutada real de caça, conserva-se
uma costela selvagem de Itália. 77
A neve tardia de Inverno cai como uma cascata pelas encostas rochosas do vale Valsavarenche. As avalanchas devastadoras são raras em Gran Paradiso, mas em 2008 ocorreu uma que destruiu várias casas em duas aldeias do parque.
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“Três ninhos!”, exclama Luigino. Os seus ami-gos murmuram e acenam com a cabeça. “Três ninhos num só quilómetro! Extraordinário.”
Falam sobre os vizinhos. Um casal de quebra--ossos acasala de novo em ambiente selvagem, cem anos depois de o último ter desaparecido dos Alpes. As duas aves montaram casa junto de dois casais de águias-reais. O regresso de uma espécie majestosa e o avistamento de dois predadores de topo tão perto uns dos outros poderia ser aclama-do em vários locais. No Parque Nacional de Gran Paradiso, onde a vida selvagem e a cultura vivem em harmonia, faz parte do quotidiano.
Gran Paradiso é o mais antigo parque nacional italiano. Criado em 1922, abrange 71.043 hectares nos Alpes Graios, atravessando o Piemonte e o vale de Aosta no canto noroeste do país. Quando a sua área é somada à do adjacente Parque Nacional de Vanoise, em França, forma uma das maiores zonas protegidas da Europa Ocidental.
Se partir de Turim e conduzir durante uma hora, o leitor saberá quando chegou. As auto-estra-das transformam-se em ziguezagues rodoviários, com cenários que parecem saídos do filme “Música no Coração”: montanhas com picos cobertos de neve, bosques alpinos, vales de pinheiros esculpi-dos por rios e glaciares. O som da água é constante, e a fragrância do pinheiro omnipresente. O parque a que os italianos chamam “grande paraíso” flores-ce como um éden terreno. Não admira que os dois últimos papas passassem aqui férias.
Ao mesmo tempo, as mãos humanas também moldaram a paisagem, deixando impressões di-gitais: gravuras rupestres do Neolítico, ruínas romanas e castelos medievais, painéis solares e barragens hidroeléctricas. Desde a Segunda Guer-ra Mundial, várias pessoas deixaram a região em busca de emprego nas cidades, mas 8.400 italianos ainda vivem nos treze municípios do parque, par-tilhando o espaço com mais de cinquenta espécies de mamíferos, cem de aves e quase mil de plantas e flores – além de 1,8 milhões de turistas por ano.
Dominado pela montanha que lhe dá o nome, com 4.061 metros de altitude, Gran Paradiso é hoje um refúgio para a conservação da vida sel-vagem, a investigação científica e a preservação cultural. A sua história irónica, todavia, começa no século XIX. E começa com uma cabra.
“Se não houvesse cabra-montês, não haveria Gran Paradiso”, diz Pietro Passerin d’Entrèves. O professor de zoologia da Universidade de Turim é um historiador da região, onde a sua família vive desde 1270. Num dia nublado em Cogne, a capital oficiosa do parque, almoça um prato de gnocchi e desfia a meada do passado.
Entre os séculos XVI e XIX, a cabra foi ampla-mente caçada. A sua carne, chifres, sangue e até um osso a partir do qual os supersticiosos faziam amuletos eram muito apreciados. Em 1821, resta-vam menos de cinquenta animais. Por isso, em 1856, o rei Victor Emanuel II criou uma reserva
Texto de Jeremy BerlinFotografias de Stefano Unterthiner
C erta manhã de Verão, em Degioz, uma aldeia do Norte de Itália,
Luigino Jocollè partilha as notícias locais. Ele e mais quatro ho-
mens de cabelo grisalho estão sentados num café, bebericando
cappuccino enquanto as máquinas de café e os bolos açucarados
libertam os seus aromas. Não discutem desporto nem política.
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real destinada a salvar a espécie. O rei de Sabóia apreciava imensamente a caça e a graciosa cabra era a sua presa preferida.
Não tardaram a ser abertos caminhos e cons-truídas cabanas. Aldeias foram absorvidas pelo novo território. Caçadores legais e ilegais foram contratados como vigilantes. E as populações locais foram pagas para organizar a caçada anual do rei.
Em 1900, quando Victor Emanuel III subiu ao trono, a população de cabras aumentara para dois mil indivíduos. Essa tendência modificou-se quando a guerra engoliu a Europa. O novo rei não conseguia caçar e, pouco depois, em 1920, transformou a reserva de caça num verdadeiro santuário, doado ao Estado. Dois anos mais tarde, foi-lhe atribuído o estatuto de parque nacional.
A criação do parque conduziu a disputas entre proprietários de terras, mas a caça ilegal da cabra já não é um problema: apenas meia dúzia de aba-tes foram relatados nos últimos dez anos e esse êxito deve-se à economia local, que depende do ecoturismo. O parque tem agora 58 vigilantes a patrulhar os cinco vales.
Enquanto o sol queima os últimos fiapos de nuvens matinais, um dos vigilantes sobe um an-tigo caminho de caça do vale de Valsavarenche até ao planalto de Nivolet. Homem grande, de expressão triste, Giovanni Bracotto faz uma pausa no desfiladeiro para indicar as ruínas de pedra de celeiros de gado que polvilham as pastagens acima de um monte de seixos.
“Há 100 anos, a economia local era agrícola”, explica. “A erva tinha mais nutrientes naquele tempo, por isso o leite era melhor. O queijo de Verão também, mas muitas coisas mudaram.”
Incluindo o emprego dos vigilantes. Trabalhan-do sozinhos do nascer ao pôr do Sol (14 horas durante o Verão), consertam trilhos, prestam assistência a caminhantes e monitorizam os 59 glaciares do parque que têm vindo a regredir.
Ladeado pelo seu séquito, Victor Emmanuel II (sentado) faz uma pausa numa caçada à cabra por volta de 1869. Antes de 1922, ano em que se tornou parque nacional, esta região era uma coutada exclusiva do rei.
FOTOGRAFIA: LUIGI MONTABONE, COLECÇÃO PIETRO PASSERIN D’ENTRÈVES
Camuflada pela erva, uma raposa espreita. As raposas de Gran Paradiso são oportunistas adaptáveis: pescam peixe, caçam coelhos ou aproveitam-se de restos de piqueniques.
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Também vigiam a vida selvagem. Utilizando GPS, tablets, telescópios e câmaras térmicas, Giovanni e a sua equipa ajudam os cientistas do parque a identifi car, colocar transmissores e contar cabras e camurças, o outro caprino selvagem do parque. Em Setembro de 2014, o censo (2.772) confi rmou uma tendência registada nos últimos 20 anos: no que diz respeito ao animal simbólico do parque, há problemas em Gran Paradiso.
Quando a noıte envolve os Alpes em sombras, Achaz von Hardenberg baixa o binóculo. O biólogo está de pé na extremidade do vale Levionaz, à es-pera da oportunidade para pesar cabras-monteses. Enquanto o dia esteve quente, rebanhos de quatro e cinco animais saltavam e pastavam nas encostas. Esta noite, porém, estão a ignorar o bloco de sal que Achaz colocou junto de uma balança electrónica. “Não sei onde poderão estar”, resmunga.
com 5.300 anos descoberta em 1991, também a confi rmaram; análises de DNA indicaram a exis-tência de carne de cabra na sua última refeição. “E, no entanto, passado este tempo, elas ainda não estão adaptadas à vida lá em cima”, continua o biólogo. “Foram caçadas nas terras baixas durante a época pré-histórica e isso pode tê-las empurrado para as terras altas. Ao longo de milhares de anos, adaptaram-se, mas ainda não prosperam com a neve alta do Inverno.”
Enquanto a noite avança em Levionaz, o vale agita-se. Uma marmota beberica num riacho. Uma raposa encontra uma carcaça numa fenda e desfruta de um jantar. Mas não se avistam cabras.
A cabra é a razão de ser de Gran Paradiso, mas não é o único habitante digno de nota. Nas montanhas de gnaisse acima de Nivolet, o inves-tigador Luca Corlatti procura camurças, menos
Alguns dizem que o lobo ameaça os rebanhos. Outros vendem T-shirts com lobos adoráveis ao lado de presuntos.
Em 1993, seria impossível não dar por elas. Havia quase cinco mil no parque, o valor máxi-mo já registado. O número de animais tem vido a diminuir desde então. Ninguém sabe ao certo porquê, mas as teorias abundam. Achaz tem duas. Segundo uma delas, as fêmeas estão a acasalar mais tardiamente, gerando crias mais fracas, menos equipadas para a sobrevivência. A outra baseia-se nas alterações climáticas: a erva costu-mava atingir o auge no pino do Verão, quando as crias nasciam. Como agora há menos neve, a erva cresce mais cedo. Isso signifi ca que os recém-nas-cidos têm menos alimento disponível, leite menos nutritivo para beber e até menos possibilidades de encontrar parceiros.
Achaz espera que uma análise de dados reco-lhidos por satélite mostrando como a vegetação do bosque alpino mudou ao longo das três últimas décadas possa ajudar a resolver o mistério. Mas a cabra é um enigma antigo. Na região costeira de Puglia, vestígios fósseis revelaram a presença an-cestral do animal. Os intestinos de Ötzi, a múmia
famosas, mas mais estáveis e abundantes do que a cabra. Segundo o último censo, existem oito mil no território. Nas encostas de Orvieille, Caterina Ferrari decifra os comportamentos e estruturas sociais das marmotas — roedores peludos que se deslocam entre a erva alta, assobiando avisos em código umas às outras. A bordo de uma jangada no lago Djouan, Rocco Tiberti capturou milhares de trutas-das-fontes, removendo uma espécie que devorou insectos e outros organismos endémicos desde a sua importação na década de 1960.
E depois há o lobo. Em 2007, mais de um sé-culo após o extermínio da espécie no parque, apareceu uma alcateia de sete lobos no vale de Aosta. Quando alguns pastores perderam ovelhas, culparam os lobos. Em 2011, a alcateia desapare-ceu, mas, no ano seguinte, chegou outro casal, desta vez ao luxuriante vale de Soana. No Outono passado, havia pelo menos cinco animais.
Bruno Bassano, veterinário e director científi co do parque, defende que os lobos são uma bên-ção: matam as raposas e os javalis mais fracos,
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equilibrando a ecologia. Mas os autóctones divi-dem-se. Alguns dizem que o animal ameaça os seus rebanhos. Outros lucram com ele. Numa charcutaria na aldeia de Piamprato, há T-shirts com adoráveis desenhos de lobos para venda, penduradas ao lado de fatias de presunto.
Anna Rotella não está preocupada. Numa ma-nhã em Valsavarenche, ela e o seu sócio Claudio Duguet mungem ovelhas e cabras e depois con-duzem o rebanho, atravessando o rio Savara, até um lugar onde há erva boa. “Só os ignorantes têm medo dos lobos”, diz Anna. “Os agricultores e os pastores com formação sabem que eles não são maus. Têm fome, como qualquer outra criatura.”
Na secção do parque no Piemonte, os membros da família Longo, de rostos rosados – Beppe, Lina, o fi lho Claudio e a namorada deste, Licia – tam-bém argumentam que os lobos não incomodam. Vivem numa casa de pedra emoldurada por en-costas rasgadas por quedas de água e vestígios de avalanchas. Aqui, tudo é feito à mão, tal como era há cem anos.
Beppe e Claudio retiram seis pedaços redon-dos de queijo de um caldeirão enferrujado que está ao lume. Lina recolhe pedaços de manteiga de uma batedeira, pousando-os num bloco. Licia lava as mãos numa banheira com uma escova, uma pedra e água fornecida por um sistema de abastecimento que serpenteia montanha acima.
Mais uma dezena de outras famílias leva um modo de vida parecido no vale. É uma existência no limite do equilíbrio fi nanceiro, mas, como diz Lina, é um estilo de vida inestimável e intemporal.
De volta ao café em Degıoz, Luigino Jocollè explica que já não há dinheiro para os parques nos dias que correm. O que falta em notas so-beja em burocracia. As leis ambientais colidem com códigos da construção civil e com interesses empresariais, tornando difícil a preservação desta mistura de cultura e conservação no parque. Nada de novo, portanto. “Em Gran Paradiso, é sempre preciso equilibrar as prioridades sociais com as prioridades naturais”, comenta Luigino. j
VIRGINIA W. MASON. FONTE: GEO4MAP
0 mi 500
0 km 500
ÁREA EMDESTAQUE
ITÁLIA
Turim
FRANÇA
A L P E S
E
UR O P A
] [
0 mi 5
0 km 5Edifícios Distribuição da cabra
no PN Gran Paradiso
Trilho
Ceresole RealeLocana
Orvieille
NoascaIngria
Arvier
Sparone Alpette
PontCanavese
Pont
Cogne
BruilValnontey
La Thuile
Piamprato
Valsavarenche
Ribordone
Degioz
Valprato Soana
Ronco Canavese
ITÁLIA
FRANÇA
VALE D’AOSTA
PIEMONTE
Levionaz
Savara
LagoDjouan
LagoCeresole
PARQUE NACIONAL
MONTE AVIC
Al p e s G r a i o s
Va l e Soana
V a l e C o g n e
Val e
R hêm
e s
Vals a v a r e nche
V a l e Orco
PassagemNivolet
PARQUE NACIONAL GRAN PARADISOGran Paradiso
Monte Avic
PARQUE NACIONAL VANOISE
7°30′7°E
45°30′N
3.006m
4.061m
Com o maciço de Gran Paradiso espreitando atrás de um banco de nuvens, uma gralha voa e plana nas colunas de ar quente e correntes ascendentes. O parque serve de lar a cerca de cem espécies de aves.
A cabra é o totem de Gran Paradiso. Há séculos que o seu destino está entrelaçado com o do parque.
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Um parque para todas as estações: na Primavera, os machos lutam para estabelecer supremacia (à esquerda) e as camurças (no topo) parem as suas crias; actualmente, há cerca de oito mil em Gran Paradiso. Durante a estação fria, o arminho, por norma castanho encarniçado, veste o casaco branco de Inverno.
A noite de Verão cai sobre um bosque alpino salpicado de flores silvestres. Num país cheio de vida, num continente superlotado, a paisagem intacta de Gran Paradiso é um oásis bucólico.
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Em 2011, as piores cheias dos últimos 50 anos na Tailândia inundaram a aldeia de Wilaiporn Hongjantuek, perto de Banguecoque. Ela insistiu em fazer compras para a família.
Mundo em submersão Texto e fotografias de Gideon Mendel
Relacionados ou não com as alterações climáticas, os fenómenos meteorológicos extremos parecem mais frequentes. E contudo torna-se difícil medir as suas repercussões na vida de cada pessoa. Co-
mecei a documentar esses impactes em 2007, quando fotografei dois episódios de cheias ocorridos com pou-cas semanas de intervalo, um no Reino Unido e outro na Índia. Comovi-me com os efeitos destas cheias e com a vulnerabilidade que parecia unir as vítimas.
Desde então, visitei zonas de cheias pelo mundo fora. Viajei até ao Haiti, ao Paquistão, à Austrália, à Tailândia, à Nigéria, à Alemanha, às Filipinas, e re-gressei novamente ao Reino Unido. Nas paisagens alagadas, a vida é subitamente virada do avesso e a normalidade fica suspensa.
No centro do meu projecto estão os retratos. Cos-tumo seguir os meus sujeitos quando eles regressam a casa, vencendo as zonas alagadas. Trabalho com eles para criar imagens íntimas nas suas casas inundadas. Embora em poses potencialmente convencionais, o seu ambiente está alterado de forma desconcertante. Estão frequentemente zangados com as circunstâncias ou com a reacção das autoridades. Muitos querem que as suas dificuldades sejam testemunhadas e gostam de dar a conhecer ao mundo aquilo que lhes aconteceu.
Costumo fotografar com película e máquinas Rolleiflex. O digital pode ser mais fácil, mas acho que a textura da película possui uma qualidade particular e as máquinas antigas acrescentam formalidade e serie-dade à situação. A cheia é um mito ancestral em várias culturas, uma força destruidora que torna os humanos impotentes. À medida que o clima se torna mais extre-mo, os relatos mitológicos tornam-se literais. j
noTAS DIÁRIO DE UM FOTÓGRAFO
As tempestades que assolaram a Grã-Bretanha no Inverno de 2013-14 produziram um nível inédito de pluviosidade e cheias generalizadas em algumas regiões. Numa planície conhecida localmente como Somerset Levels, milhares de hectares de terra agrícola, incluindo a quinta de Roger Forgan, permaneceram submersos durante meses.
noTAS DIÁRIO DE UM FOTÓGRAFO | nationalgeographic.pt
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Na aldeia de Burrowbridge, em Somerset, o construtor Dave Donaldson e a sua filha Heather, de 12 anos, posam para a fotografia na sua casa inundada. Embora a restante família tenha sido evacuada durante algum tempo, Dave permaneceu no local para tentar salvar o gado da devastação aquática que, nas suas palavras, “parecia produzida por um filme apocalíptico bizarro”.
Mund o em submersão 95
Joseph e Endurance Edem, com o seu filho Godfreedom e a filha Josephine, posam em frente ao portão da sua casa, em Igbo- gene, na Nigéria. Em 2012, a Nigéria sofreu a sua pior cheia em meio século. “Tive medo e pensei que íamos morrer na água”, disse Josephine. Pelo menos, 360 pessoas morreram afogadas.
Entre Julho de 2011 e Janeiro de 2012, 65 das 77 províncias da Tailândia foram declaradas zonas de catástrofe devido às cheias. Provocadas pelas monções que inundaram a sua casa, junto de Banguecoque, as cheias estavam “associadas às alterações climáticas”, disse Sakorn Ponsiri. “Pode voltar a acontecer… Temos de estar mais preparados.”
noTAS DIÁRIO DE UM FOTÓGRAFO | nationalgeographic.pt
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As águas das cheias cercam uma casa e uma escola junto de Muzaffarpur, no estado indiano de Bihar. Segundo os habitan-tes, as cheias de 2007 foram as piores a que assistiram nas suas vidas. A cheia encerrou escolas, afectou milhares de pessoas e ceifou mais de mil vidas.
Mund o em submersão 99
As cheias de 2014 em Inglaterra “pareceram surreais”, diz Jeff Waters (na imagem com a mulher, Tracy, no seu jardim em Staines- -upon-Thames). A água parou à porta de sua casa. Na aldeia de Moorland, Shirley Armitage não teve tanta sorte: a casa que o pai construiu em 1955 ficou alagada até à altura do peito (em cima).
national geo graphic • month xx PHOTO: CREDIT HERE
Bill Bonner, arquivista da National GeographicBill Bonner, arquivista da National Geographic
Em acção
Memória fotográfi ca“Já vi o mundo todo. Não como ele é hoje, mas como era há cem anos”, diz Bill Bonner, arquivista da National Geographic desde 1983. Com 127 anos de história, os arquivos da revista são extensos, mas Bill conhece-os como ninguém. Segundo os seus cálculos, já terá manipulado centenas de milhares de imagens, mas ainda lhe faltam muitas mais: há oito milhões de fotogra� as e ilustrações no arquivo e a maioria não foi publicada nem vista por mais ninguém. “Há mais de 12 mil ilustrações e uma das maiores colecções de autochromes”, diz. “Temos imagens da década de 1870 e temos fotogra� as retocadas à mão.” Bill trabalha sozinho numa divisão climatizada e sem janelas da cave da nossa sede em Washington, escolhendo ima-gens para projectos externos, livros e para a nossa secção “No baú”. Ele consegue olhar para uma fotogra� a que não via há cinco anos e lembrar-se do fotógrafo que a tirou, do local e da reportagem associada. Ao contrário das fotogra� as, o seu trabalho “não envelhece”. – Kathryn Carlson
Bill Bonner rodeado por milhões de imagens, “fantasmas vivos”, como ele chama às pastas temáticas repletas de imagens. Explore o arquivo da National Geographic em nationalgeographic.ptADRIAN COAKLEY
Uma abordagem polida sobre o amor e a luxúria no reino animal
Instinto básico
HABITATAmérica Central e do Sul ESTATUTOPouco preocupante (quatro espécies)
OUTROS FACTOSDuas das seis espécies de preguiças estão em risco: a preguiça-de-coleira, no Brasil, foi classi� cada como “vulnerável” e a preguiça-anã do Panamá está “critica-mente ameaçada”.
Quando um dos mamíferos mais lentos do planeta acasala, “tudo é muito rápido”.
Não se apressa o amor!As preguiças celebrizaram-se como o mamífero mais lento do planeta. Por dia, podem percorrer apenas alguns metros e repousam 20 das 24 horas do dia. O seu metabolismo é tão lento que elas descem ao solo para defecar apenas uma vez por semana. E ainda bem que assim é, porque a sua falta de agilidade em terra torna-as muito vulneráveis.
O esqueleto da preguiça adaptou-se à permanência em equilíbrio nas árvores. É assim que ela come, dorme… e acasala. Embora a exposição sobre a fl oresta tropical do Aquário de Baltimore tenha acolhido quatro crias, os funcionários nunca assistiram a um acto de cópula ou a um nascimento, conta o curador Ken Howell: “Acho que levam vidas muito privadas”. Quando o isolamento conduz à actividade sexual, “aparente-mente é tudo muito rápido”.
Mark Rosenthal, perito de um programa de salvamento de animais exóticos no Michigan, discorda. Graças a um smartphone e a uma boa dose de sorte, Mark conseguiu fi lmar um “vídeo muito raro de duas preguiças a acasalar”, suspensas num ramo. A sua narrativa pausada descreve a cena como se se tratasse de uma partida de xadrez: “O macho continua a tentar… ela está receptiva… Ele vai tentar novamente… Peço a quem estiver a assistir que tenha paciência: são preguiças.”
Como há crianças entre o público, Mark editou o vídeo de modo a chegar ao fi m antes das preguiças. A previsível consumação, diz, “acon-teceu de pernas para o ar. E não demorou muito!” — Patricia Edmonds
JOEL SARTORE
Esta preguiça-real (Choloepus didactylus) foi fotografada no Zoológico Infantil Lincoln, no Nebrasca (EUA).
No baú Com Bill Bonner, arquivista da National Geographic
Paul ThomPson, muTual Film ComPany/naTional GeoGraPhiC CreaTive
Todos os olhos na revoluçãonesta cena urbana de 1914, captada na cidade mexicana de Zacatecas, vê-se à lupa o sinal de um oculista. as forças do líder rebelde Pancho villa tinham acabado de conquistar esta cidade ferroviária, decisiva para as forças federais do presiden-te victoriano huerta. a batalha de Zacatecas foi uma das mais sangrentas da guerra civil mexicana. Cerca de sete mil pessoas morreram e muitos milhares foram feridas. esta fotografia foi provavelmente adquirida para ilustrar reportagens sobre o mé-xico na edição de Julho de 1916 da revista. no entanto, nunca chegou a ser publicada. o homem que transporta o caixão (ao centro) é possivelmente a única pista para a mensagem inscrita no verso da imagem. refere-se ali que esta foi uma das “últi-mas fotografias da guerra”. — Margaret G. Zackowitz
de cima para baixo: © dSp tv/Woody Ledeboer; © NatioNaL GeoGraphic chaNNeLS/eLe; © NatioNaL GeoGraphic chaNNeLS
Big Cat Week15 a 21 de Fev., 17h
O Negócio da Droga 66.as feiras, às 22h10O tráfico de substâncias ilícitas é um negócio em mudança. Na nova série, acompanhamos trafican- tes, agentes policiais, con- sumidores e vendedores.
Uma semana sobre os maiores felinos do mundo: “Man vs Lion”, “Future Cat”, “Tiger Wars”, “Lion Gangland”, “Tiger’s Reven- ge”, “Top Cats” e “Puma”.
Eficientes e obstinados, os engenheiros nazis chegaram a deter vantagem tecnológica, criando algumas das máquinas mais desenvolvidas da Segunda Guerra Mundial.
O regime nazi construiu estruturas militares ambiciosas apoiadas em tecnologia de ponta, eficientes máquinas de terror, grandes sistemas defensivos e algumas das primeiras armas de destruição maciça. Nesta história da Segunda Guerra Mundial, desvendamos os segredos da engenharia de seis estruturas nazis, dando a conhecer as histórias dos projectistas e engenheiros que ajudaram a criá-las, revelando de que forma moldaram o destino do conflito mais mortífero da história.
Superestruturas Nazis 23.as feiras, às 22h10
National Geographic na televisãoProcure a programação completa em natgeotv.com/pt
tomasz stachura / santi
Naufrágio no Bálticoo Mars, navio de guerra do século XVi e jóia da coroa sueca, afundou-se no Bálti- co durante uma batalha naval brutal contra dinamarqueses e alemães. os arqueólogos descobriram que este grande navio transportava também um tesouro de ouro e prata.
Fuga do horrorno segundo ano do projecto uma Jornada pelo mundo, Paul salopek testemunha o drama em que vivem os refugiados sírios: três milhões de pessoas cruzaram as fronteiras com a Jordânia, a turquia e o Líbano desde o início da guerra civil.
Dúvidas irrazoáveisnum clima de cepticismo crescente e elevada polarização, a desconfiança face à ciência aumenta, ganhando adeptos até nos temas sobre os quais existe consenso entre os peritos. Por que motivo algumas pessoas duvidam da razão?
Vida luminosaDepois do sol, a fonte mais abundante de energia luminosa provém dos seres bioluminescentes. Fungos, insectos e uma miríade de organismos aquáticos emitem luz para atrair presas, dissuadir predadores ou encontrar parceiros.
Gronelândia: a imensidão do nadao fotógrafo australiano murray Fredericks passou vários meses na Gronelâdia suportando temperaturas de -50ºc. o resultado: imagens tremendas destas paragens inóspitas onde as planuras infinitas fundem-se com o horizonte.
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arqueólogos suecos estudam os destroços do Mars, afundado no Báltico em 1564. as características do sítio arqueológico mantiveram o navio num estado muito apreciável de conservação.
Março 2015PrÓXimo nÚmEro
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PORTUGAL
SOB OSOB OVULCÃO
Fotografando as erupções mais
dramáticas
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