natureza & conservação ano 2003 vol.1 n.1

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Abril 2003 . vol. 1 . nº 1 . Fundação O Boticário de Proteção à NaturezaNatureza & Conservação . Curitiba-PR . v 1 . nº1 . pp 1-116 . abril 2003

Acervo Fundação O BoticárioAcervo Fundação O BoticárioAcervo Fundação O BoticárioAcervo Fundação O BoticárioAcervo Fundação O Boticário

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Editorial.Editorial.Editorial.Editorial.Editorial. - 6565656565

O que é certo para o mundo – a conservação em uma perspectiva histórica.

Right for the World: preservation in historical perspective. - 6767676767Alfred Runte

Uma perspectiva sobre a depredação de animais domésticos por grandes felinos no Brasil.

A personal view on the depredation of domestic animals by large cats in Brazil - 7171717171Peter G. Crawshaw Jr.

Artigos Científicos . Artigos Científicos . Artigos Científicos . Artigos Científicos . Artigos Científicos . Scientific ArticlesScientific ArticlesScientific ArticlesScientific ArticlesScientific Articles

Restauração de áreas degradadas: a nucleação como base para incrementar os processossucessionais.

Restoration of damaged land areas: using nucleation to improve successional processes - 8585858585Ademir Reis, Fernando Campanhã Bechara, Marina Bazzo de Espíndola, Neide Koehntopp Vieira,

Leandro Lopes de Souza

Trampolins ecológicos e zonas de benefício múltiplo: ferramentas agroflorestais para aconservação de paisagens rurais fragmentadas na Floresta Atlântica Brasileira.

Stepping-stones and benefit zones: agroforestry tools for the conservation of rural

landscapes in the Brazilian Atlantic Forest - 9393939393Laury Cullen Jr., Tiago Pavan Beltrame, Jefferson Ferreira Lima, Claudio Valladares Padua, Suzana Machado Padua

Diretrizes para o uso de concessões em Parques Estaduais do Paraná.

Guidelines for concessions in Paraná State Parks - 102102102102102Eduardo Nobuo Watanabe, Leide Yassuco Takahashi

Notas . Notas . Notas . Notas . Notas . Notes and EventsNotes and EventsNotes and EventsNotes and EventsNotes and Events

Estradas-parque, uma oportunidade pouco explorada para o turismo no Brasil.

Parkways, a little exploited opportunity for the tourism in Brazil - 7474747474Marc J. Dourojeanni

Razões sexuais desviadas em populações da cuíca Micoureus demerarae em fragmentos deMata Atlântica.

Biased sex ratios in populations of the woolly mouse opossum Micoureus demerarae in

Atlantic Coastal Forest fragments - 7878787878Fernando A. S. Fernandez, Camila S. Barros, Markus Sandino

Resenha: “Biologia da Conservação”, de Richard B. Primack e Efraim Rodrigues.Book Review: “Biologia da Conservação” (Conservation Biology), by Richard B.

Primack and Efraim Rodrigues. - 111111111111111Fernando Fernandez

Ponto de Vista . Ponto de Vista . Ponto de Vista . Ponto de Vista . Ponto de Vista . Point of ViewPoint of ViewPoint of ViewPoint of ViewPoint of View

Resenha: Tornando os parques eficientes: Estratégias para a conservação da Natureza nosTrópicos.

Book Review: Tornando os parques eficientes: Estratégias para a conservação da Natureza nosTrópicos. Curitiba: Editora da UFPR/ Fundação O Boticário, 2002. (The Portuguese edition from

the original “Making parks work: Strategies from preserving tropical nature”. - 112112112112112Maísa Guapyassú

Agenda.

Agenda. - 113113113113113

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O lançamento da Revista Natureza & Conservação representa a realização de um sonho. E não se trata de um sonhocomum, nem simples. E sua realização, ao contrário de sonhos comuns, não o encerra; em vez disso, o amplia aindamais, pois requer um compromisso de continuidade, o que desde já está institucionalmente assegurado. Comosonho em construção, ainda é um projeto de relativamente poucos, mas esperamos que muitos passem a partilhá-lo.Como efetivo projeto editorial, este sonho surgiu da necessidade de se discutir com elevado nível de qualidade aquestão da conservação da natureza no Brasil, de possibilitar a existência de um veículo para troca de idéias eexperiências ampliando o debate em termos de público e de nível de qualidade, tanto no âmbito das ciênciacorrelatas, como das aplicações técnicas e da própria filosofia da conservação e da ética ambiental.

Natureza & Conservação nasceu ousada: baseada no Brasil e priorizando temas relevantes à realidade nacional, sepropõe a tratar de assuntos de interesse global a respeito de conservação da natureza, recebendo para issocontribuições de diversas partes do mundo. E já em seu primeiro número vem com todas as suas seções publicadassimultaneamente, na íntegra, em português e em inglês. E mais: com sua distribuição abrangendo cerca de 400bibliotecas de instituições de ensino e pesquisa e organizações governamentais e não governamentais de 30 países,além do Brasil, possibilita que as matérias aqui discutidas tenham alcance mundial.

Mas por que horizontes tão ousados? Porque no Brasil, país de altíssima biodiversidade que precisa ser protegida, seproduz ciência de boa qualidade, inclusive no que diz respeito à conservação da natureza, mas com resultados que,em geral, não são acessíveis aos usuários e tomadores de decisões que dela necessitam. Muitos dos nossos autoresnesta temática, para divulgar seu trabalho, precisam publicar em inglês em revistas estrangeiras, o que restringe oacesso de quem deveria ser o principal público leitor: técnicos e conservacionistas brasileiros. Ou seja, raramenteeste material brasileiro de qualidade, publicado no exterior, tem divulgação no Brasil e chega às mãos dos interessados,sem contar que muitos desses têm limitações para comunicação em inglês.

Por outro lado, muitos artigos interessantes e de qualidade, produzidos por autores estrangeiros, não alcançam opúblico brasileiro, deixando de produzir importantes desdobramentos práticos para a conservação. Natureza &Conservação assumiu o desafio de unir os elos abertos dessa corrente e para isso, arca com o ônus de fazer astraduções necessárias, disponibilizando material de boa qualidade em ambos os idiomas.

Assim, este projeto editorial inicia o caminho para o alcance do audacioso objetivo da Revista, que é o de possibilitaro surgimento de uma espiral ascendente de informação sobre conservação da natureza, onde conhecimento einformação geram mais práticas conservacionistas que, por sua vez, geram mais informações, debates e conhecimento,e assim sucessivamente.

Nosso primeiro número apresenta na Seção Ponto de Vista três autores bastante considerados no cenário daconservação da natureza: Alfred Runte, filósofo norte-americano, que trabalhou no Serviço Nacional de Parquesdaquele país e ainda é pouco conhecido pelos conservacionistas brasileiros, discute o porquê da criação e manutençãode unidades de conservação e o papel do poder público no processo; Marc Dourojeanni, respeitadíssimo e bastanteconhecido, traz uma interessante defesa da categoria de manejo estrada-parque, não incluída no Sistema Nacionalde Unidades de Conservação; e Peter Crashaw Jr, pesquisador brasileiro conhecido por seu trabalho com felinos,discute o polêmico tema da predação de animais domésticos por este grupo de animais no Brasil.

Na Seção Artigos Científicos, autores de origens diversas discutem diferentes temas da conservação, que incluem oefeito da fragmentação de hábitats sobre populações animais, as possibilidades de recuperação de áreas degradadasna indução do processo sucessional, a utilização de trampolins ecológicos como estratégias de conservação ediretrizes para concessões em unidades de conservação. Já na Seção de Notas, além de informações sobre eventosligados à conservação da natureza que irão acontecer brevemente no Brasil e no Exterior, temos a resenha de doislivros recentemente publicados no país, “Biologia da Conservação” de Richard Primack e Efraim Rodrigues, e“Tornando os Parques Eficientes”, organizado por John Terborgh e outros.

Com tudo o que apresentamos, resultado da cooperação de muitas pessoas que confiam neste projeto, não podíamosterminar este editorial sem agradecer às mesmas pela confiança e por partilhar conosco seu tempo, conhecimentos,esforços e influência na transformação de um sonho em realidade. Como presidente do Comitê Editorial e Diretor daFundação O Boticário de Proteção à Natureza, me refiro: primeiro aos profissionais de altíssimo nível que compõemo Conselho e o Comitê Editoriais que tanto doaram em prol da Revista e da sua causa maior que é a conservação danatureza; segundo, àqueles que, acreditando na viabilidade do projeto, nos enviaram artigos de qualidade, passandopelo crivo dos nossos revisores e permitindo que partilhemos seus conhecimentos e experiências: e, terceiro, à todaa equipe da Fundação O Boticário e a nossos parceiros externos, que tanto fizeram para tornar realidade mais esteimportante projeto da organização.

Miguel Serediuk MilanoPresidente do Conselho Editorial de Natureza & Conservação

Diretor da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza

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Ponto de Vista Natureza & Conservação . vol 1 . nº 1 . abril 2003 - pp. 08-12

Alfred Runte

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O que é certo para oO que é certo para oO que é certo para oO que é certo para oO que é certo para omundo – a conservaçãomundo – a conservaçãomundo – a conservaçãomundo – a conservaçãomundo – a conservaçãoem uma perspectivaem uma perspectivaem uma perspectivaem uma perspectivaem uma perspectivahistóricahistóricahistóricahistóricahistóricaAlfred RunteAlfred RunteAlfred RunteAlfred RunteAlfred Runte

Pesquisador Independente1

O lançamento de uma nova revista voltada à proteçãode ecossistemas naturais é um anseio de todos nós.Vivemos em uma época de muitos perigos para omundo natural, embora seja também um período degrandes promessas em contrário. Nunca na históriahumana tantas nações se posicionaram em favor danatureza, concordando que ela precisa de cuidados.É o espírito cooperativo que serve como antídoto aoódio e à guerra. Agora, a boa vontade com relação ànatureza parece prevalecer sobre os preconceitos eas divergências. De repente, aprendemos a ver a belezadas nossas respectivas histórias naturais e percebemostambém a beleza das pessoas que as protegem.O estabelecimento desse marco filosófico comum re-quer a existência de uma paisagem natural, o quemotiva a implantação de parques e áreas protegidas.Nada deve depreciar a importância de, por qualquermeio, salvar terras para esse fim. Em todo o mundoexistem mais de trinta mil áreas protegidas, em maisde 180 nações, 140 das quais integrantes da WorldConservation Union, que agora planeja seu décimoquinto congresso mundial (Green and Paine, 1997).Incluindo partes da Groenlândia e da Antártica, 10%da superfície do planeta é protegida de algumamaneira. Quem não aplaudiria isso como um ganho,e declararia um presente para o planeta?Mais do que aplaudir, é preciso entender que umpresente composto de terras cobertas por paisagensnaturais requer vigilância. Mesmo nos Estados Unidos,onde se originou o sistema de parques nacionais, asforças que tentam miná-los são resilientes. “O podereconômico é paciente”, declara Michael Frome, umadas mais eminentes vozes conservacionistas (Frome,2002). O poder econômico procura investir mais emshopping centers e loteamentos suburbanos do quena conservação. Uma área ao ar livre, para umempreendedor, se assemelha mais a um campo degolfe do que a um lugar adequado para aves e vidaselvagem. Sem um limite – representado pelosparques e áreas silvestres – o empreendedorismojamais pensaria em parar. Isso se encaixa adequada-mente aos Estados Unidos, onde o padrão de vida émedido constantemente pela habilidade (e desejo)da pessoa em consumir.Torna-se então um problema para os conservacionistas

quando os críticos rejeitam os parques nacionais e asáreas silvestres, considerando-os, como alguns o fazemagora, como a resposta “errada” para nossas necessi-dades (Cronon, 1996). Em parte, isso representa umtipo de rejeição ao que possa parecer norte-americano,idéia que começou entre os intelectuais na década de1960 e que teve na guerra do Vietnã um de seuscatalisadores.A geração precedente havia enfrentado o fascismo eacreditou que a Segunda Guerra Mundial era justa. Nadécada de 1970, sua confiança se espalhou sobretudo o que era criação norte-americana, inclusive osparques. Conseqüentemente, a maior parte dos filhosdessa geração, incluída no chamado “Baby Boom”(1946-1964), cresceu descobrindo os parques; no meucaso, em visitas às montanhas Catskill e Adirondack,as duas maiores reservas florestais protegidas doEstado de Nova Iorque.Pareceria lógico que, uma vez ingressando nas Univer-sidades, nós fôssemos abraçar o movimento ambien-talista no seu sentido mais amplo. Por outro lado, osparques eram o ponto perfeito de agrupamento.Represar o Grand Canyon? Cortar as florestas desequóias da Califórnia? Qual o melhor exemplo – se osempreendedores norte-americanos estavampropondo acabar com os parques - para explicar todaa sua indiferença pelo mundo natural (Runte, 1997)?Vietnã à parte, a geração mais nova pensava como ade seus pais: que a natureza precisa ser cuidada pelogoverno. Os estudantes universitários, por outro lado,desgostosos com as políticas governamentais, aindaaspiravam a ser guardiões das terras públicas. Comopreparação, muitos escolhiam uma nova carreira, osEstudos Ambientais, também conhecidos comoCiências Ambientais. Com as ameaças às áreas silvestresmuito próximas, os estudantes almejavam serinstruídos com relação aos parques em sala de aula, elevaram sua paixão a campo. A popularidade deacampamentos e mochileiros cresceu fragorosamente.Outros percorriam os rios nos meses de verão. A guerrado Vietnã ainda soava no fundo, minando a confiançade todos na política externa dos Estados Unidos, anão ser nos aspectos em que essa política cooperavacom a disseminação de parques.Finalmente, a formatura chegava e, com ela, a chancede agir. Os estudantes lutavam por Yosemite, GrandeCanyon, Yellowstone e pelo Alasca. Muitos se juntaramao National Park Service (Serviço Nacional de Parques),outros ao U. S. Forest Service (Serviço Florestal dosEstados Unidos) e outros ainda ao Departamento deManejo de Terras. Parques estaduais e municipais tam-bém foram beneficiários dessa nova geração de guar-diões zelosos. Outros estudantes se juntaram ao SierraClub, à Wilderness Society (Sociedade de Vida

1 [email protected]

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Selvagem) e à Sociedade Audubon em WashingtonDC, na pressão sobre o Congresso para a criação denovos parques. Onde quer que esses estudantes seestabelecessem, nenhum deles duvidava um sómomento: apenas o governo poderia proteger as áreassilvestres. Se o governo não tomasse essa iniciativa,quem o faria? Que outro agente unificador poderiapossivelmente assumir essa tarefa?Eu posso ter perdido alguma coisa com relação àsduas últimas décadas, mas esse idealismo sumiu doscampi universitários norte-americanos. De uma formaperturbadora, outras prioridades tomaram seu lugar.De novo o dinheiro passou a ser o fundamental paramuitos estudantes. A maioria aspira a empregos quepaguem muito bem em uma grande empresa, em vezde buscar colocações em órgãos públicos.Pouquíssimos estudantes ouvem o argumento de queos parques podem ser alguma coisa a mais.Também não é um argumento conservacionista, aqueletradicional que diz que nós não deveríamos “engessar”nossos recursos naturais. Os liberais apóiam esse argu-mento, também. Segundo eles, é tempo de as pessoasreclamarem a posse dos parques, lideradas pelosdescendentes dos nativos americanos. De acordo comos que defendem essas idéias, essas pessoas sabemcomo manejar melhor as áreas silvestres, que o governolhes roubou em primeiro lugar. Por exemplo, osEstados Unidos não devem aos Blackfeet, comooriginais ocupantes do Parque Nacional Glacier, emMontana, os direitos de subsistência fora das suasterras (Catton, 1997)? Com o governo fora do caminho,as forças de mercado devem prevalecer de novo. Porque parar os Blackfeet, nesse caso? Ter ou nãoparques, e como conduzi-los, deve ser deixado a cargodas corporações, não do governo, defendem.Estas idéias parecem indicar que os norte-americanoshoje em dia escolheram lutar a respeito de qualquercoisa, para provar quem é mais patriota. O assuntoque o Brasil (e que o mundo) precisa levar emconsideração é que os Estados Unidos não sãoinfalíveis. Até o momento, todo nosso aprendizadoconservacionista é fruto de tentativa e erro.Considerando todos os pontos de vista, nosso focotem se voltado para metade da questão, aquela queignora o aspecto da nossa responsabilidade comrelação a algo maior que nós mesmos. Com respeito aáreas silvestres, não estamos mais no século XIX, masmuitos norte-americanos preferem agir como se aindaestivéssemos.O mundo nunca pára de mudar, tanto para melhorcomo para pior. Mas existem alguns norte-americanosquestionando os benefícios dos parques,especialmente a partir dos púlpitos das universidades.Como isto começou? Começou porque os parquessão geridos pelo governo e o mantra é odiar o governo– odiar nosso ser coletivo. Então, qualquer grupo,

seja liberal ou conservador, pode fazer um trabalhomelhor? Os índios americanos poderiam fazer melhor?Mesmo eles têm carros, televisões, motos de neve earmas de fogo altamente potentes. Será que optariampelo bem coletivo, quando as ferramentas utilizadaspor eles são comprovadamente mais destrutivas emlongo prazo?Sem dúvida, a preservação é uma construção teórica,na qual as pessoas são parte da natureza, também.Caçadores e extratores de recursos nunca sonharamcom parques, os quais, quando são implantados,interferem no seu estilo de vida. Sem dúvida, as pessoasque querem coisas diferentes da conservação pensamem si mesmas como perdedoras, e sempre pensarãodesse modo. Mas o que são realmente essesargumentos, além de advertências de que oseparatismo nunca perdura? Já que o mundo estámudando – e está mesmo – as pessoas têm que seadaptar a isso.Os parques são uma adaptação, não a solução perfeita,de como lidar com essas mudanças. Continua sendoum engano histórico, tanto por parte dosconservadores como dos liberais, a busca do queambos chamam de perfeição. “Façam as coisas domeu modo e atingirão a perfeição.” Isso é tolice. Emprimeiro lugar, sem a participação do governo,nenhum dos lados terá nada para argumentar, porquenão existirão mais terras disponíveis. A possibilidadede perfeição subsiste apenas porque existe governo;as áreas silvestres não são mantidas por si só. Umséculo atrás, o governo dos Estados Unidosdeterminou que o capitalismo de fronteira não iriainvadir o que restou do Oeste. Indivíduos, posseiros,madeireiros, fazendeiros e construtores de ferroviaspoderiam ter invadido a região. O governo disse não:o desenvolvimento não iria impossibilitar que serepensasse o uso daquelas terras no futuro.O que ocorreu nessa ocasião foi que o país olhou parafrente, não para trás, e viu o futuro como seria – incerto.Esse é o desafio que todas as nações enfrentamquando há domínio público sobre suas terras. Afinal,o domínio deveria ser público ou privado? Poderia sero melhor de ambos? Em qualquer instância, como sereconciliar com o passado e dar chance às incertezasdo futuro?Fazendo uma retrospectiva seletiva do passado – sobreo que deveria ter sido - nós nunca mudaríamos o queaconteceu. Em todo o mundo, como alguém poderiater feito retroceder o movimento de populações e ocrescimento populacional, que desafiaram todas asidéias originais de natureza e justiça? Com relação aisso, todos nós desperdiçamos as oportunidades quetivemos anteriormente. No ano de meu nascimento,1947, existiam 150 milhões de pessoas vivendo nosEstados Unidos. Nós estamos perto dos 300 milhõesagora. O mundo em 1947 tinha dois bilhões de

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habitantes, agora tem seis bilhões e esse númerocontinua crescendo. Se, subitamente, o que quer queisso significasse, o crescimento populacional seestabilizasse, esses seis bilhões de pessoas aindaestariam aqui. Certamente, seria mais fácil, como aspopulações se movem através dos espaços abertos,que esses bilhões de pessoas não estivessem aqui,mas estão.Nos Estados Unidos, se o medo propalado pelosconservacionistas do século XIX era de que a ganânciadas corporações poderia destruir as paisagens, o nãorevelado medo dos ambientalistas do século XX é queo crescimento populacional termine o trabalho.Interpretar seletivamente a história não altera a visãodo poder público, a não ser que esses receios sejamlegítimos. Tão logo essa legitimidade fale por si mesma,o governo se verá obrigado a agir.Simplesmente, qualquer grande país com recursosnaturais críticos para si mesmo (e para o planeta), éobrigado a agir. De um modo ideal, se aprenderá comos erros alheios, respeitando-se os direitos dosocupantes atuais. Mas também há que se admitir quemudar a terminologia empregada não vai resolver oproblema. “Subsistência”, a palavra favorita parajustificar o adiamento, ignora que ninguém “subsiste”mais. Das vilas mais isoladas até as maiores cidades,todos buscam a superação. Os nativos, observandoessas mudanças, são passíveis de sucumbir a isso,também. Igualmente, a palavra “escolha” ignora quea nossa opção pelo uso da terra é egoísta. Poucoscidadãos observadores precisam ser lembrados de quea escolha nas mãos de corporações se volta agora,mais do que nunca, para o crescimento.Para a natureza, em todo mundo, isso se resume emquanto será mantido – por todos. Ser mantido nãosignifica intocado – ou onde ficará adequadamentedesocupado –, mas sim ser amado e respeitado. Issoenvolve compreender a diferença entre justificativasemocionais e racionais. E representa estabelecer regrase se submeter a elas. Emocionalmente, seriamaravilhoso fazer voltar o relógio para uma época eidade mais simples. Em termos práticos, quanto maiso mundo se desenvolve para acomodar a suapopulação, mais as paisagens naturais vão encolhendo.O antídoto para essas questões - agora com relação atodos nós – é manter a concepção original de áreassilvestres. Com isso, nós podemos mudar nosso pensa-mento. Sem isso, ficaremos mais pobres em termos deopção. Consideremos de novo os Estados Unidos, quecom 600 milhões de acres de terras públicas(243 milhões de hectares) está entre as nações com amaior área sob domínio público do mundo (NationalGeographic Society, 2002). Mas vejamos o que se fazcom essa estatística (isso para não mencionar que a

maior parte dessas áreas é composta por terras semi-áridas). Dividida entre a população atual do país, issoresulta em menos de um hectare por pessoa. O quepoderia fazer cada pessoa com o equivalente a umcampo de futebol?O fato de serem terras públicas é que as torna signifi-cativas. Então, na realidade, cada norte-americanopossui 600 milhões de acres e, tecnicamente, tem oprivilégio de repensar o seu uso. A privatização dasterras iria representar a perda desse significado etambém a perda da importância que as opçõesrepresentam. Se nada mais servir como justificativa,elas possuem valor como espaços abertos, livres. Osonho de que eu estou sozinho no horizonte – umsonho ainda alcançável graças aos parques – seriareposto por qual outro? Se for pelo dinheiro, todas asopções estão encerradas. Se isso acontecer, tudo queexistir entre o horizonte e o observador estaráocupado. As áreas silvestres serão somente mais outrocampo de golfe.A procura por parques e áreas silvestres nos EstadosUnidos começou justamente porque o horizonte temimportância. O que os pioneiros destruíram aleatoria-mente, os artistas e naturalistas procuraram resoluta-mente defender – uma imagem anunciadora dapromessa de uma cultura cuja força se derivava depaisagens intocadas. Como colocou eloqüentementeRoderick Frasier Nash, “o cavalheiro letrado segurandouma pena, não o pioneiro com seu machado, fez oprimeiro gesto de resistência contra as forçaspoderosas do antagonismo” ( Nash, 2001).Bem a tempo, os norte-americanos descobriram queessas paisagens representavam mais do que simplesespaços abertos. Elas eram também tesourosbiológicos. Mas, sem a primeira preocupação, asegunda descoberta não teria sido feita. Sem osespaços abertos, não teria havido outras opções adescobrir.Além do poder público, apenas a riqueza temprotegido privadamente as paisagens e, sempre a umacerta altura, também, essa proteção tem sido minada.Mesmo nos Estados Unidos, com uma grandequantidade de cidadãos ricos comprometidos com acausa, pouco resta de paisagens naturais além dosparques e demais áreas protegidas. Ao longo dos anos,filantropos diversos têm contribuído com bilhões dedólares para a causa da preservação das paisagens.Apesar disso, cada empreendedor na região dasMontanhas Rochosas ainda sonha transformar a áreaem pequenas chácaras. Traduzindo: pegue um ranchohistórico, divida-o em tantos lotes quanto o permitir alei. Anuncie a venda desses lotes em outdoorsgigantescos e cerque cada estrada de acesso ao“rancho” com shopping centers. Então, o Parque

2 Nota da tradução::::: O maior e mais conhecido gêiser do mundo

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Nacional Yellowstone, historicamente ladeado porfazendas, será cercado por outro tipo de uso de terras– por lotes de cinco a 20 hectares, pequenos demaispara usar como pastagem e grandes demais para quese cuide de gramados.De uma certa maneira, revertendo essa tendência depulverização, o magnata das comunicações Ted Turner,vem comprando milhares de hectares em Montana,mantendo-os como fazendas (Las Cruces Sun-News,1997). Mas, como muitos fazendeiros locais estão ven-dendo suas propriedades, até mesmo um homem tãorico como ele não vai conseguir continuar comprandoterras. No fim das contas, a preservação vai ficar porconta do governo. No final, a conservação das áreasnaturais recairá sobre os parques.O antagonismo existente agora leva, mais do quenunca, a uma mixórdia fatal e repugnante – causandoa perturbação da vida selvagem, comprometimentode bacias hidrográficas e destruição de todo umhorizonte de expectativas. Chegar a Yellowstoneatualmente não gera mais uma sensação de reverência– ou de merecimento –, mas de direito de entrar efazer o que bem se entenda. Será que a mudança daposse de Yellowstone, devolvendo-o para aspopulações nativas, ou entregando-o a umacorporação que o administre visando lucros, alterariaa situação? Entregue-o às Empresas Disney, medisseram recentemente. Será que Mickey Mouse prote-geria realmente Old Faithful?2 E, ainda mais, imagineas pressões que resultariam com a concretização dequalquer uma dessas possibilidades. Sem dúvida, aconfusão em termos de manejo iria se espalhar parqueadentro e suas paisagens estariam condenadas.Mesmo que os milionários favoráveis a Yellowstonepassassem a controlá-lo, o que aconteceria quando ariqueza mudasse de mãos? O que vai acontecer comMontana quando Ted Turner morrer? Igualmente morreo comprometimento com as áreas que ele protege.Fica claro que apenas o governo pode proteger a possi-bilidade da terra permanecer como está. O poderpúblico é a única garantia de permanência, a melhoresperança de que uma paisagem, uma vez mantida,não tenha que sofrer todo o processo para serpreservada novamente.Isso explica por que as pessoas sérias pertencentes aosetor privado, interessadas em preservar terras, acabamse voltando a certa altura para o governo, conscientesde que sua participação pessoal não tempermanência... Mesmo no caso de terras públicas,existe sempre alguém com uma proposta que não secoaduna com a preservação. Podemos ampliar arodovia, ter um hotel maior, construir outroestacionamento, abrir um bar? Sempre existe alguémquerendo viver perto da natureza, mesmo quando age

contra ela. O dinheiro não escolhe lados. No entanto,ele entra na equação do uso da terra, pesando no ladoegoísta, não no lado do bem coletivo.Em todo o mundo, essa é o maior instrumento depressão sobre os parques ameaçados e a razão pelaqual os argumentos contra a sua posse pelo poderpúblico são completamente equivocados. Para quemdefende esses argumentos, todas as áreas protegidasrepresentam a negação de oportunidades. “Pense oque eu (nunca nós) poderia fazer com ela!” Apenas aslimitações legais têm mantido em suspenso anecessidade premente de converter os espaços abertosem áreas “desenvolvidas”. Tem sido a norma acreditarna insistência de que os seres humanos são parte danatureza, mesmo quando vivem contra ela.O desafio desta nova Revista, e da conservação, édebater honestamente todos os pontos de vista. Sepor acaso o mundo determinar que os parques estãoerrados (o que a história duvida), os parques aindaestarão aqui. Nada terá sido perdido por poupar essasterras, acreditando-se na possibilidade delas seremnecessárias aos fins que se destinam. O Brasil nãoperderá nada salvando a Amazônia, mesmo quedescubra posteriormente que ela não precisava tersido salva. Os métodos usados para a conservaçãopodem ser ajustados. A recusa em conservar não podeser revertida. As paisagens que forem convertidas emusos econômicos irão permanecer perdidas, o quequer que os cientistas do futuro possam dizer sobre oque deveria ter acontecido com elas.Isto posto, nós vivemos este debate atualmente apenasporque nossos ancestrais ousaram tomar a decisão.Eles protegeram as terras e nos deixaram uma opção.Agora nós temos que decidir sobre o futuro: o que aposteridade vai receber de nós? Nenhuma chance derever suas posições? Somos nós suficientemente sábiospara mudar cada paisagem, deixando nada mais paraser decidido?O pressuposto da preservação reside na humildadehistórica – a posteridade detém o direito, também.Talvez a nossa culpa não tenha que ser a culpa deles.Talvez eles solucionem nossos problemas. Talvez elesoptem pelo desenvolvimento e a ocupação, certos deque as nossas opções foram equivocadas. O horizontenão precisa ser totalmente primitivo. A certeza é que,sem herdar um espaço em branco na tela, eles nãopoderão pintar o que acharem que vai combinar como todo.O Brasil, através da Revista Natureza & Conservação,vai entrar com toda força nesta discussão também,pensando no que significam as áreas protegidas, nãoapenas no que elas previnem. Vocês se sentiriammenos brasileiros sem elas? Caso sim, saibam que amágica das áreas protegidas vem sempre

3 Nota da tradução: pocket parks, no original.

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Alfred Runte

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acompanhada da urgência de ocupá-las. Se o poderpúblico não tivesse agido, o exemplo dos EstadosUnidos não seria dos melhores.É importante considerar que o primeiro significadoatribuído às paisagens nos Estados Unidos foi maiscultural do que ecológico, como bem testemunha aevolução dos parques. Os parques nacionaiscomeçaram principalmente nas montanhas,alcançando então canyons e desertos. Eles têm carátermonumental (sugerindo orgulho nacional), compouco interesse de uso econômico da paisagem. Como tempo, a idéia de parques nacionais em áreas ricasde recursos biológicos foi ganhando força. Mas, comexceção dos Everglades, no sul da Flórida, não existemgrandes parques em terras baixas.Com a Amazônia, o Brasil enfrenta o desafio de salvaro ambiente natural que todos parecem desejar. Àmedida que os Estados Unidos se voltaram para aproteção da diversidade biológica, as áreas protegidasdestinadas a isso se tornaram pequenas e esparsas.Geralmente, estão restritas aos chamados parqueslineares, ou “parques de bolso”,3 margeandodeterminados rios, lagos ou ao longo da costa. Nãoexiste nada “linear” com relação à Amazônia. Nossodesafio mais próximo ao de vocês, brasileiros, talvezseja o Alasca. Lá, os nativos têm direitos adquiridos deseus ancestrais, incluindo a prioridade na seleção deterras antes que os parques sejam implantados. Háalguma surpresa no fato deles escolherem as terrasbaixas, forçando os parques a ocuparem as encostas?Apesar disso, o Alasca ainda era tão esparsamentepovoado no século XX que se pode considerar que,para a expansão da população de nativos, esse séculoainda não aconteceu.Com relação à população, o século XX abriu caminhona Amazônia e o século XXI promete repetir o mesmofeito. Há que se pensar, então, que rumos o Brasil estátomando. Valores conflitantes estão presentes emtodos os lugares e uma população crescenterepresenta enormes demandas. Sem a conservaçãoagora, haverá menos oportunidades para que elaaconteça no futuro, e talvez chegue um ponto emque nem haja mais oportunidades. Sem se desviar parao lado da generosidade hoje, não existirá chance nofuturo para corrigir os rumos.Simplesmente, não peçam desculpas por salvar tantoquanto seja possível, ou por insistir que isso seja feitoagora. Como Wallace Stegner falou sobre os EstadosUnidos, os parques nacionais foram a melhor idéiaque já tivemos (Stegner, 1983). A idéia é flexível, aterra não o é. Sem a preservação, todas as opçõesestão encerradas. Para estarem seguros, vocês têmque dar boas vindas ao futuro, incorporando osignificado da conservação, mas alertando aos seusherdeiros, também. É preciso que eles conheçam a

diferença, como todas as nações vêm tentando, entrejustiça e permissividade. As áreas que mantiverempreservadas serão as únicas áreas protegidas que terão.É necessário que entendam quando odesenvolvimento passa a ser uma força destruidora,admitindo as limitações dos interesses individualistas.Devem entender que precisam garantir o seu futuro,como garantimos o nosso, não destruindo a criaçãoque pode redimir a todos nós.

ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências

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Natureza & Conservação . vol 1 . nº 1 . abril 2003 - pp. 13-15 Ponto de Vista

Uma perspectiva sobre a depredação de animais domésticos por grandes felinos no Brasil

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Uma perspectiva sobre aUma perspectiva sobre aUma perspectiva sobre aUma perspectiva sobre aUma perspectiva sobre adepredação de animaisdepredação de animaisdepredação de animaisdepredação de animaisdepredação de animaisdomésticos por grandesdomésticos por grandesdomésticos por grandesdomésticos por grandesdomésticos por grandesfelinos no Brasilfelinos no Brasilfelinos no Brasilfelinos no Brasilfelinos no BrasilPeter G. Crawshaw Jr.Peter G. Crawshaw Jr.Peter G. Crawshaw Jr.Peter G. Crawshaw Jr.Peter G. Crawshaw Jr.Floresta Nacional de São Francisco de Paula/RS

CENAP/IBAMA1

A mortalidade da onça-pintada ou jaguar (Pantheraonca) e da onça-parda, puma ou suçuarana (Puma con-color), infligida por fazendeiros como forma de controleda depredação de animais domésticos, é atualmenteum dos principais fatores responsáveis pela diminuiçãodas populações remanescentes dessas espécies noBrasil. O alegado aumento da população de onças-pintadas no Pantanal Mato-grossense, em anosrecentes, por vezes propalado pela imprensa nacional elocal, tem contribuído para a falsa impressão de que aespécie está longe da ameaça de extinção. Na verdade,com exceção do tempo em que a espécie era caçadapara comercialização da pele para o mercadointernacional, talvez nunca se tenha matado tantasonças como agora. Qualquer pessoa que tenha contatocom a situação atual no Pantanal sabe disso. Isso sedeve, em parte, a uma retomada da pecuária, depois deum longo ciclo de baixa produção decorrente de umperíodo de altas cheias anuais, entre meados dos anos70 e 80. Esse mesmo ciclo de cheias e a conseqüentedescapitalização e o êxodo rural de grandes áreasremotas no Pantanal possibilitaram a recuperação daespécie, que repovoou áreas onde havia sido extintano fim da década de 70. Da mesma forma, a existênciaainda de grandes áreas de florestas na Amazônia cria aimpressão de que a espécie ainda está segura naquelaregião. No entanto, um levantamento recente feito pelaWildlife Conservation Society, em seu programa deconservação do jaguar (www.savethejaguar.com), feitonas Reservas de Desenvolvimento Sustentável deMamirauá e Amaná, no Estado do Amazonas, reportoua morte de dezenove animais entre os anos de 1994 e1999, a maioria deles arpoada quando atravessava rios.A preferência da onça-pintada por ambientesribeirinhos, onde se concentram também as suasprincipais presas, expõe a espécie a um maior contatocom o homem, uma vez que moradores daquela vastaregião habitam as beiras de rios, usados como vias deacesso aos pontos mais remotos.Com uma distribuição geográfica mais ampla (do Cana-dá à Patagônia) e com um maior potencial reprodutivoe de adaptação a modificações ambientais produzidaspelo homem, a onça-parda, como espécie, está em situa-ção bem melhor de conservação que a onça-pintada.No entanto, embora no Brasil ainda ocorra em áreasonde a pintada já foi extinta, a onça-parda está sujeitaao mesmo tipo de pressão exercida pelos produtoresrurais.

De uma maneira geral, fora da Amazônia e do Pantanal,o aumento na freqüência de ocorrências envolvendo apresença das duas espécies de felinos, geralmente inter-pretado como indicando um aumento nas suas popu-lações, é quase sempre decorrente desses animais esta-rem encurralados em fragmentos de matas cada vezmenores, com menos alimento. A falta de alimentodecorrente da diminuição de hábitats naturais é agra-vada pela competição com o próprio homem, que caçacomo esporte ou para subsistência as mesmas espéciesque constituem as presas dos grandes felinos. Quandoas presas, como capivaras, porcos-do-mato, veados,pacas, tatus, escasseiam, as onças passam a procuraralimento nas criações domésticas. Uma vez adquirido ohábito de predar animais domésticos, mais fáceis deserem abatidos, por haverem perdido o instinto antipre-dador no processo de domesticação, alguns felinos àsvezes mudam seus hábitos e permanecem próximosdemais de habitações humanas. Embora ataques a pes-soas sejam extremamente raros, essa proximidade épreocupante, principalmente para as pessoas e famíliasque convivem com o problema.Nesse contexto, é inegável o fato de que alguns animaispodem causar prejuízos consideráveis. . . . . Mesmo umaanálise superficial e imparcial mostra que o problemaexiste, sim, e é até certo ponto irrelevante o fato dealguns fazendeiros exagerarem os números de animaisdomésticos abatidos Não importa se ele perde paraonças 600 bezerros por ano de um total de 12.000cabeças (ou seja, 5% de perda, mas que representapotencialmente um prejuízo de cerca de R$ 180.000,00se esses bezerros tivessem chegado à idade de venda)em uma grande fazenda no Pantanal, ou 1 vaca deleite, de um total de 2, que garantiam o sustento dafamília de um pequeno proprietário ao lado do ParqueNacional de Iguaçu. O que importa é que não é justo asociedade exigir que os pecuaristas arquem sozinhoscom o prejuízo decorrente de manter onças em suaspropriedades – mesmo porque eles não vão fazê-lo. Sea situação continuar sem solução, podemos estar certosque essas espécies serão inexoravelmente empurradascada vez mais para perto da extinção.É no mínimo preocupante o fato da sociedade em gerale mesmo de algumas instituições preservacionistasacharem que, pelo fato de a caça estar proibida no país,essas espécies estão protegidas. Se houvesse no Brasilum sistema extremamente eficiente de fiscalização parafazer com que a lei que protege a fauna fosse realmenteimplementada, talvez ela até contribuísse para a suapreservação. No entanto, não podemos esquecer que anova Lei de Crimes Ambientais (Lei 6.905), em seu artigo37, permite o abate de animais “para proteger lavouras,pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidorade animais, desde que autorizado pela autoridadecompetente”. Embora, em última instância, o “órgãocompetente” devesse, pela sua atribuição específica,ser o Centro Nacional de Pesquisa para a Conservaçãode Predadores Naturais (CENAP/IBAMA), é virtualmenteimpossível manter um controle da situação,

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Ponto de Vista Natureza & Conservação . vol 1 . nº 1 . abril 2003 - pp. 13-15

Peter G. Crawshaw Jr.

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considerando a diversidade de competênciasmunicipais, estaduais e federais, e as diferentes pressõeseconômicas, sociais e políticas em todo o país. E éimportante lembrar que qualquer tentativa desordenadanesse sentido, mesmo respeitando a lei, será apenassomada aos já elevados números de animais abatidosilegalmente.Por outro lado, é absurdo e completamente contrapro-ducente assumir uma posição de confronto com osfazendeiros que têm cumprido a legislação, mantendosuas áreas de preservação permanente e de reserva legal.Na verdade, de certa forma, é graças a eles que aindatemos populações de onças fora das áreas de parques ereservas, pois, das alternativas de exploração do solo, apecuária é a que mais permite a coexistência com afauna silvestre em geral, desde que praticada de maneiraextensiva. E pelas numerosas ocorrências que chegamao CENAP/IBAMA e a órgãos e pessoas que trabalhamcom o tema, existe por parte dos fazendeiros umatendência crescente no sentido de entender anecessidade de conservação das onças, desde que sejaresolvido (ou pelo menos diminuído) o prejuízo quealgumas delas causam. Afirmo até que dependerá delesa permanência de populações significativas de onças(e da fauna silvestre em geral) no futuro, pois nemmesmo os países mais adiantados do mundo têm umsistema de parques e reservas públicas com áreasuficiente para garantir a sobrevivência, a longo prazo,dos grandes carnívoros, que utilizam grandes áreasindividuais e tem reprodução proporcionalmente maislenta do que os herbívoros. No Brasil, a percentagemde áreas protegidas federais de proteção integral, emrelação ao tamanho do país, é de meros 3,6%. Essequadro é ainda mais dramático se considerarmos afiscalização deficiente mesmo dentro das áreasprotegidas.Alguns projetos estão testando no Brasil atualmentediferentes estratégias que possam diminuir a freqüênciade depredação, usando técnicas para condicionamentoaversivo para desencorajar os predadores. Estratégiasjá usadas em situações semelhantes em outros paísesincluem cercas elétricas, uso de substâncias nauseantesem carcaças de animais abatidos, colares tóxicos, apara-tos eletrônicos que acendem luzes e emitem sons fortes,cães e lhamas de guarda para os rebanhos (no caso deovinos), fogos de artifício, entre outras. Algumas dessastécnicas envolvem custos relativamente altos, quedesestimulam seu uso. Em algumas situações,entretanto, medidas extremamente simples, comomudanças no manejo dos rebanhos, podem produzirresultados significativos, a baixo custo. Exemplos járealizados seriam a concentração de nascimentos debezerros em um período mais curto, para permitir ummanejo mais intensivo e melhor proteção, e manter asclasses mais vulneráveis dos rebanhos longe dos locaisde maior ocorrência dos predadores.Quando se consultam os fazendeiros, no entanto, existequase uma unanimidade quanto às soluções propostaspara dirimir o conflito: a indenização pelos prejuízos

decorrentes da depredação e/ou a possibilidade demanejo das populações de felinos pelos próprios fazen-deiros através da caça desportiva. Na primeira alterna-tiva, a indenização/compensação pelos prejuízos seriafeita pelo governo ou por organizações não-governa-mentais. Embora ela seja bem menos chocante do queo manejo através da caça, existem fatores condicio-nantes importantes que devem ser levados emconsideração quanto à sua implantação. Na verdade,ela poderia ser até prejudicial, se aplicada apenas noâmbito local e por um espaço de tempo relativamentecurto, pois será criado o precedente e uma expectativaque, por uma questão de justiça, deverá ser estendida atodos aqueles em igual situação, independentementeda região do país. A revolta causada naqueles nãoincluídos em tal programa certamente implicaria ummaior controle ilegal dos felinos. E, se não houver umacaracterística auto-sustentável permanente para ofundo de indenização, por prazo indefinido, ele serácertamente fadado ao insucesso. A meu ver, uma soluçãopossível (ainda que difícil, em um primeiro momento),seria uma negociação no plano ministerial sobre atransformação de uma percentagem (5–10%?) de umdos impostos fiscais que já recaem sobre a classe dosprodutores rurais para criar um fundo nacional decompensação. Uma vez que o problema de depredaçãoincide em apenas uma pequena parte dos produtoresdo país, é de se esperar que os recursos provenientesdesse fundo sejam suficientes ainda, quem sabe, paraindenizar a perda de animais de criação (de fundoeconômico) resultantes até de picadas de cobraspeçonhentas?!? Outro problema associado, mesmo con-siderando que o fundo pudesse dar certo, como umaopção permanente, seria a necessidade de um sistemaconfiável e eficiente de perícia, ou seja, de verificaçãoda ocorrência a ser indenizada, que dificultasse a pos-sibilidade de corrupção ou de má-fé por parte dosenvolvidos. Teria que ser criado um corpo técnico multi-institucional, em número suficiente para atender àdemanda nacional, para atestar a veracidade dasreclamações e a aplicabilidade da indenização. Emboraessa necessidade possa parecer inatingível, cabe lembrarque existem instituições como a Emater e a Embrapa,que já têm um histórico de contato muito próximo comos produtores e são extremamente difundidas no país.A elas se somariam todas as outras instituições ligadasao tema, como IBAMA, secretarias de meio ambientemunicipais e estaduais, ONGs voluntárias etc. Por umaquestão de atribuição, o fundo poderia ser administradopelo IBAMA e implementado através de convênios comas instituições participantes do programa. Acompensação, parcial ou total, poderia/deveria sercondicionada ao cumprimento de algumas medidassimples de prevenção por parte dos fazendeiros, aexemplo do que já é feito em países onde um programasimilar é aplicado.Embora a outra alternativa proposta por fazendeiros, ade manejo de “animais- problema” através da caça des-portiva, certamente encontre resistência por uma boa

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Natureza & Conservação . vol 1 . nº 1 . abril 2003 - pp. 13-15 Ponto de Vista

Uma perspectiva sobre a depredação de animais domésticos por grandes felinos no Brasil

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parte da sociedade, eu não acredito que ela deva sersumariamente descartada, pelo menos não sem experi-mentos bem controlados. A premissa da proposta é ade que felinos reincidentes, isto é, que se habituaram aviver principalmente de animais domésticos, mesmocom a ocorrência de presas silvestres alternativas, seriamabatidos por caçadores desportistas mediantepagamento de um valor alto, que compensaria oprejuízo causado pela depredação. Não pretendo demaneira alguma advogar em favor da prática da caça,mas ela existe e vai continuar existindo no Brasil, legalou ilegalmente, independentemente da vontade depessoas ou grupos que abominam esse esporte. E éinegável que a caça é usada em vários países, tanto deprimeiro como de terceiro mundo, como instrumentoeficiente de manejo da fauna. Desta forma, algumasonças que, por um ou outro motivo, tiveram seucomportamento de predação alterado, passando a sealimentar principalmente de animais domésticos, seriamsacrificadas para, com isso, preservar a vida daquelasque ainda retêm seu comportamento alimentar natural.E, sob o ponto de vista de conservação, é preferível ofazendeiro consciente que maneja uma população deonças em sua propriedade como um recurso auto-sustentável, e portanto tem interesse em mantê-la ali,do que aquele proprietário que desmata 5.000, 10.000 hectares ou mais para plantio de monoculturas e depoisse diz “ecologista” porque não permite a caça nospequenos fragmentos de mata que sobraram em suapropriedade. Sob esse ponto de vista, cabe lembrar ospapéis de espécies “guarda-chuva” e indicadora atri-buídos aos grandes felinos, em que a presença de umapopulação dessas espécies geralmente indica um ecos-sistema saudável.A existência de técnicas já estabelecidas e comprovadaspara a captura seletiva de grandes felinos com cãesespecialmente treinados, a ponto de poder escolherindivíduos específicos a ser capturados, quando bemempregadas, permite um nível de controle que talveznão seja possível com outras espécies. Além disso,permite variantes no sistema que poderiam incluircapturas para translocação ou para caçadasfotográficas, para casos em que não fosse necessária amorte do animal.A alternativa de translocação pode parecer atrativa emalguns casos e, na verdade, já foram feitas algumastentativas no Brasil, inconclusivas, pelo fato de não terhavido monitoramento adequado do indivíduo após asoltura na nova área. Experimentos já realizados nosEUA com a onça-parda, utilizando a rádio-telemetria,indicam que a translocação tem maior chance de su-cesso quando o animal translocado é um sub-adultoem idade de dispersão natural. Se a área na qual ele foirelocado tiver tamanho adequado, alimento naturalabundante e animais do sexo oposto para reprodução,existe uma boa chance que ele permaneça ali. Portanto,se a translocação for bem planejada, ela pode ser umaforma eficiente de remover um animal de uma área dealta densidade humana para outras menos habitadas,fazendo ainda um manejo genético entre as

populações. Por outro lado, deve-se antes considerarque, se o animal em questão já estiver habituado apredar criações, é de se esperar que, uma vez solto emuma nova área, continue a procurar esse tipo dealimento. Isso pode ocorrer quando uma fêmea queadquiriu o hábito transmite-o para os seus filhotes, antesda sua independência nutricional. Nesse caso, oproblema estaria apenas sendo transferido de uma áreapara outra. Animais adultos, já com território próprio,geralmente não permanecem na área em que foramsoltos e, via de regra, tentam retornar à sua área original.Nesse caso, existe um maior risco de situaçõesindesejáveis, pelo fato desses animais se encontraremextremamente estressados, por atravessarem áreas quenão conhecem, geralmente não conseguindo sealimentar adequadamente. Outros casos freqüentes depredação de animais domésticos envolvem indivíduosjá de idade avançada (geralmente machos), expulsosde seu território por um outro animal mais forte e maisjovem. Uma vez que já não mais contribuemreprodutivamente para a população, pois a reproduçãonessas espécies está condicionada à posse de um terri-tório, não se deve considerar a translocação. Esses ani-mais seriam possíveis candidatos para o manejo atravésda caça desportiva. Outras soluções possíveis seriamdestiná-los a jardins zoológicos para fins educativos,criadouros científicos ou instituições de pesquisa, umavez que têm eles origem conhecida na natureza,podendo ser utilizados também para bancos genéticos.Uma outra consideração importante a se fazer, emrelação à translocação, é o efeito que a introdução deum animal em uma nova população poderia ter, tantoem termos de desestruturar a sua organização social,como na possibilidade de transmissão de caracteresgenéticos indesejáveis ou de doenças.Não é a intenção do presente trabalho detalhar propos-tas de manejo dos grandes felinos no Brasil, o que deve-ria ser feito em uma etapa subseqüente, no menor prazopossível. O objetivo é o de apresentar o problema eoferecer para debate algumas possibilidades que podemajudar a diminuir o conflito e que, talvez, levem ainda aoutras alternativas viáveis. O que não podemos fazermais é ignorar essa situação ou mesmo encarar o pro-blema de forma acadêmica, dizendo que ele deve aindaser estudado. Para muitas populações, não será possívelesperar mais 5 ou 10 anos de estudos. Com o conheci-mento que já se dispõe atualmente, é necessário apenascoordenar esforços que se traduzam em ações concretasde planejamento e legislação, mesmo que inicialmenteem experimentos controlados em estudos-piloto paraque, uma vez comprovados, possam ser aplicados emescala mais ampla. Na verdade, a conservação dos preda-dores de topo da cadeia alimentar representa um testeda nossa disposição e capacidade de preservar para asgerações futuras parcelas de ecossistemas íntegros, emque a Natureza possa ser observada e sentida por todosaqueles que a valorizam. E essa responsabilidade é nãoapenas do governo, nem de entidadesconservacionistas ou de fazendeiros, mas da sociedadecomo um todo.

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Ponto de Vista Natureza & Conservação . vol 1 . nº 1 . abril 2003 - pp. 16-20

Marc J. Dourojeanni

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Estradas-parque, umaEstradas-parque, umaEstradas-parque, umaEstradas-parque, umaEstradas-parque, umaoportunidade poucooportunidade poucooportunidade poucooportunidade poucooportunidade poucoexplorada para o turismoexplorada para o turismoexplorada para o turismoexplorada para o turismoexplorada para o turismono Brasilno Brasilno Brasilno Brasilno Brasil

Marc J. DourojeanniMarc J. DourojeanniMarc J. DourojeanniMarc J. DourojeanniMarc J. Dourojeanni 1

Engenheiro Agrônomo e Florestal, M Sc., Ph. D. Até dezembro de 2002 EspecialistaAmbiental Principal do Banco Interamericano de Desenvolvimento, com base emBrasília/DF.

Antecedentes no mundo e no BrasilAntecedentes no mundo e no BrasilAntecedentes no mundo e no BrasilAntecedentes no mundo e no BrasilAntecedentes no mundo e no Brasil

O nome e o conceito das estradas-parque parece tertido origem nos Estados Unidos da América (EUA),onde essas unidades de conservação são conhecidascomo parkways e são gerenciadas pelo Serviço deParques (US Park Service) ou pelos serviços de parquesestaduais, em coordenação com o respectivodepartamento de estradas de rodagem. Na AméricaLatina, são raras as estradas-parque, sendo o Brasilum dos poucos países que mostraram interessemoderado nessa categoria.A América Latina e o Brasil, ao não terem adotado asestradas-parque, desperdiçaram uma excelente opor-tunidade de fomentar o turismo, impulsionar a eco-nomia local e reduzir riscos de acidentes. Por exemplo,ao percorrer as estradas que unem Rio de Janeiro aAngra dos Reis, Parati e Ubatuba, passando por umadas paisagens mais espetaculares do mundo, nãoexiste nenhum ponto onde o visitante possa parar ocarro com segurança para desfrutar da vista, beberum refrigerante e descansar. A mesma situação seobserva na “Rodovia do Mercosul”, entre São Paulo ePorto Alegre, passando por serras costeiras com vistapara o mar ou as montanhas e lagos, sem que existamestacionamentos e mirantes para poder apreciá-lossem riscos. Essa situação se repete, lamentavelmente,no país todo, ainda que resolvê-la possa ter um customínimo, em especial se for prevista no momento deconstruir, melhorar ou duplicar as estradas.O tema das estradas-parque não é novo no Brasil,tendo sido discutido desde a década de 1970, naocasião do Primeiro Plano do Sistema de Unidades deConservação do Brasil. Ainda que nenhuma estrada-parque federal tenha sido estabelecida, existem jáalgumas estradas-parque estaduais, principalmenteno Pantanal. Também existem estradas chamadas“estradas-parque”, embora, na realidade, não reúnamnenhuma característica que mereça esse título. O casomais patético é o da “Estrada-Parque Estrutural”, noDistrito Federal, que só oferece vista para enormesfavelas e bairros industriais.A Lei Nº 9.985 de 2000, Lei do Sistema Nacional deUnidades de Conservação (SNUC), não prevê asestradas-parque como categoria. Mas algumas

legislações estaduais as incluem, como no caso deMato Grosso e Mato Grosso do Sul. Por isso, embora onormal para uma estrada-parque seja ser criada pordispositivo legal, conjuntamente com as áreas naturaisque a guarnecem, existem estradas-parque que nãoseguem essa regra, entre elas a Estrada-Parque Ilhéus–Itacaré, no Sul da Bahia. Essa estrada-parque baiana ésui generis, no sentido de que, embora a estrada tenhasido construída respeitando princípios aceitáveis numaestrada-parque, é independente das duas Áreas deProteção Ambiental (APAs) longitudinais que aacompanham. As APAs têm nome próprio e sãoindependentes da estrada-parque no tocante à gestão.Essa estrada-parque tampouco tem, pelo mesmomotivo, um plano de manejo conjunto com as APAs(elas, sim, têm planos de manejo), nem pedágio ou,menos ainda, a sinalização correspondente a umaverdadeira unidade de conservação.Em 17 de março de 1993, o Estado do Mato Grosso doSul emitiu o Decreto Nº 7.122, criando estradas-parqueno Pantanal, sobre vários trechos da MS-184 e da MS-228, desde o Buraco das Piranhas até o entroncamentocom a BR-262, perto de Corumbá, passando peloPasso da Lontra e a Curva do Leque. Essa estrada éparte do Programa Pantanal com o BancoInteramericano de Desenvolvimento (BID). O Decretoestabeleceu uma faixa marginal de 300 metros de cadalado da estrada, sob a categoria de Área Especial deInteresse Turístico.No Estado do Mato Grosso, onde as estradas-parqueforam criadas pelo Decreto Nº 1.795 de 1997,considera-se a Transpantaneira (MT-060) como umaestrada-parque praticamente desde a sua construção.Na atualidade, essa estrada é a que mais similitudetem com uma verdadeira estrada–parque já que, em1976, foi controlada pelo extinto Instituto Brasileirode Desenvolvimento Florestal (IBDF), a seguir peloInstituto Brasileiro de Meio Ambiente e RecursosNaturais Renováveis (IBAMA) e, agora, pela Fundaçãode Meio Ambiente do Estado do Mato Grosso (FEMA-MT) e pela Polícia Florestal. A Prefeitura de Poconé atécobra, esporadicamente, um pedágio que é pago, semmuita discussão, pelos visitantes, embora essaPrefeitura não tenha atribuição legal para fazer acobrança e não aplique o dinheiro na conservação daestrada. Até agora nenhuma APA foi estabelecida emconjunto com a estrada.

Conceito de estrada-parque aplicávelConceito de estrada-parque aplicávelConceito de estrada-parque aplicávelConceito de estrada-parque aplicávelConceito de estrada-parque aplicávelao caso brasileiroao caso brasileiroao caso brasileiroao caso brasileiroao caso brasileiro

Nos EUA, as estradas-parque podem conter áreasnaturais públicas, que é o caso mais comum, ouprivadas, com restrições de uso, como no caso dasAPAs ou categorias equivalentes do Brasil.

1/ [email protected]

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Natureza & Conservação . vol 1 . nº 1 . abril 2003 - pp. 16-20 Ponto de Vista

Estradas-parque, uma oportunidade pouco explorada para o turismo no Brasil

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Ainda que as estradas-parque sejam consideradas uni-dades de conservação, deve-se reconhecer que elasnão são estabelecidas para preservar a natureza e simpara manter as belezas cênicas naturais, que são visíveisda estrada. A conservação da natureza nas faixas deambos os lados da estrada tem essencialmente umafinalidade estética e nem tanto uma finalidadeambiental típica.Em termos concretos, no caso brasileiro, uma estrada-parque é uma unidade de conservação de uso direto,pois se associa uma estrada, construída com caracterís-ticas especialmente adequadas para o turismo, comuma área suficientemente protegida para garantir aqualidade paisagística natural ou tradicional. Aproteção do entorno natural pode ser dada pelas APAsou por outras categorias que não impliquem a posseda terra pelo governo federal ou estadual. Elas impõemuma aplicação mais severa de restrições legais ao usoda terra, de forma a não ter impacto negativo napaisagem ou, no caso do Pantanal, também naobservação da fauna.Ainda é evidente que uma estrada federal, estadual ouvicinal, que tem percurso dentro de um parquenacional, ou de outras categorias de unidades deconservação, é de fato uma “estrada-parque”, tantomais porque o desenho, a construção e a operaçãodessa estrada devem adequar-se tanto às necessidadesda unidade de conservação como às do transportepúblico.

DesenhoDesenhoDesenhoDesenhoDesenho

Segundo foi indicado, uma estrada-parque é umaestrada que deveria ter um desenho especial,circundada nos dois lados por uma área protegidaque no caso brasileiro convém que seja uma APA. Alargura da faixa lateral é apenas a necessária parapreservar a paisagem visível a partir da estrada. Nocaso do Pantanal, por ser uma área plana, seriaidealmente entre 1 e 3 km a cada lado da estrada. Só300 metros, nas condições do Pantanal, como no casodas estradas-parque criadas no Mato Grosso do Sul,podem ser insuficientes. Evidentemente, a largura dafaixa depende do tamanho das edificações que pos-sam existir ou virem a ser construídas e, em especial,da topografia e do tipo de vegetação dominante.Existem, nos EUA, estradas-parque com apenas poucosmetros de faixa protegida, em virtude das edificaçõesestarem muito perto da estrada. Assim mesmo, essasedificações não são visíveis devido à existência dedensas cortinas de árvores.Em uma estrada-parque que corre por propriedadesprivadas, não se faz necessário que os proprietáriosmudem o uso que vêm tradicionalmente fazendo daterra, por exemplo, a pecuária extensiva no Pantanalou a pequena agricultura familiar típica das regiões

serranas de estados como Minas Gerais, Santa Catarinaou Rio Grande do Sul, entre outros. E mais, nessescasos, até as vivendas tradicionais podem fazer parteda paisagem da estrada-parque. Apenas se exige quenão mudem o uso da terra. Por exemplo, nessa faixa,que é declarada como APA, os fazendeiros não podemdesmatar para fazer novas áreas de agricultura oupecuária, construir uma casa moderna ou umdepósito, nem fazer obras que possam alterar o caráternatural ou seminatural tradicional do local. Tampoucopodem estabelecer restaurantes, hotéis, postos decombustível ou novas edificações de qualquer tipo.Os proprietários podem manter as edificações queexistiam no momento de declarar a APA. Em qualquercaso, devem consultar a autoridade da APA quando,por exemplo, precisarem fazer uma nova estrada deacesso às suas propriedades. Evidentemente, nomomento de estabelecer uma estrada-parque, é melhorevitar a inclusão de povoados localizados na estrada.Uma estrada-parque pode ser interrompida nos locaisonde as condições naturais ou estéticas foramalteradas e continuar depois desse local, sempre como mesmo nome, como se mostra no exemplohipotético anexo (FIGURA 1FIGURA 1FIGURA 1FIGURA 1FIGURA 1).Em termos de infra-estrutura, cabe distinguir entre: (i)a infra-estrutura da própria estrada e (ii) a infra-estru-tura de visitação. Numa estrada-parque, segundo ademanda do trânsito, a faixa de rodagem pode ter asmais diversas características, desde uma via simplesde chão até uma rodovia expressa de via dupla. Emgeral, o tráfego de caminhões é proibido ou limitado,embora existam exceções a essa regra. No caso doPantanal, dependendo das decisões dos respectivosestudos de impacto ambiental, as estradas serão todasrelativamente estreitas, asfaltadas ou de chãomelhoradas, em especial para reduzir a poeira, queincomoda os visitantes. Para reduzir a velocidade ondese concentram os animais, quer dizer, nos rios e lagoas,as pontes serão de uma via só nas MT-060(Transpantaneira) e MS-450 e 184/228. As estradas-parque têm, como elemento complementar indis-pensável, uma série de estacionamentos e/ou mirantesestrategicamente localizados em pontos de relevanteinteresse paisagístico e/ou faunístico. As estradas-par-que devem contar com um portão de entrada e umposto de controle e pedágio. Uma estrada-parque sedistingue pela sinalização, que é a típica de qualquerestrada, acrescida de sinalização e informação sobreos fatos naturais que se observa, a fauna etc.Dependendo dos casos, a velocidade pode ser anormal para as características da rodovia, ou pode sermuito menor quando os atrativos são muitoimportantes e convenha parar o veículo para apreciá-los, como no caso da presença da fauna no Pantanal.Os turistas, até os mais educados, não resistem a pararo automóvel, até em locais não autorizados, quando

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aparece um espécime que é raro. No Pantanal, écomum observar da própria estrada animais tão raroscomo onças, cervos-do-pantanal e tamanduás-bandeira, além de milhares de jacarés, aves e capivaras.Nesse tipo de estrada-parque, como no Pantanal, etambém pela necessidade de se evitar acidentes coma fauna que, com muita freqüência, transita sobre aprópria estrada, a velocidade máxima permitida deveser de 60 km/hora, rigorosamente controlados. As pon-tes estreitas, sonorizadores, quebra-molas e radaresou pardais, devem ser instalados na estrada que,ademais, deve contar com um severo controle, exercidopela polícia de trânsito e/ou a polícia florestal ouambiental.A infra-estrutura de visitação consiste nos miranteslocalizados nos próprios estacionamentos onde, senecessário, podem sair passarelas ou trilhas até lugaresde interesse (por exemplo, um ninhal de aves ou umalagoa com ariranhas) que estejam mais distantes (emnenhum caso além de 1.000 m). No portão de entrada,anexo ao posto de pedágio e controle, pode se estabe-lecer um pequeno centro de visitantes onde, além deantecipar o que vai ser visto, sejam dadas informações,instruções e recomendações aos visitantes. A vendade souvenirs é também aceitável nesses locais. A

sinalização sobre a natureza, a flora e a fauna é ocomplemento indispensável de toda estrada-parque.

ManejoManejoManejoManejoManejo

O manejo de uma estrada-parque é relativamente sim-ples e, se for necessário dispor de plano de manejo;em geral este não requer os detalhamentos ecomplexidades próprios dos planos de manejo deparques ou de outras categorias de uso direto ouindireto. Por ser a terra de propriedade privada, éessencial que o manejo leve em consideração umaforte participação dos proprietários afetados. Porexemplo, ainda que o gado possa permanecer na área,deve-se evitar que invada as áreas escolhidas paraserem apreciadas de mirantes ou passarelas e trilhas.Isso implica, além do zoneamento que será discutidomais adiante, uma estreita cooperação com osfazendeiros. Eles, além de outros interessados, devemintegrar o conselho de gestão da unidade. Na medidado possível, os vizinhos das estradas-parque devemser beneficiados economicamente por elas. Essasituação tem se dado, de fato, na Transpantaneira eem outras estradas-parque do Pantanal, onde muitosfazendeiros instalaram hotéis-fazendas, hotéis,

Figura 1. Desenho esquematizado de uma estrada-parque no Pantanal

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Estradas-parque, uma oportunidade pouco explorada para o turismo no Brasil

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restaurantes, postos de gasolina, serviço de apoio apescadores, etc.O manejo da estrada-parque inclui, de uma parte, omanejo da “estrada” e, de outra, o manejo do “parque”.Com respeito à estrada, além dos cuidados normaispara o tipo de estrada, devem ser tomados algunscuidados especiais. Entre eles, a manutençãocuidadosa da sinalização e dos equipamentos deredução e controle de velocidade, o manejo davegetação de beira de estrada, que reduz a visibilidadeda paisagem, a presença constante de patrulhaspoliciais para evitar excessos de velocidade, atitudesarriscadas para os visitantes ou para a fauna, controleespecial de cargas perigosas, em especialcombustíveis, agrotóxicos ou outros, que possam terimpacto desastroso na biota.O manejo do “parque”, dependendo de suas caracterís-ticas, difere pouco do manejo de outras APAs. No casodo Pantanal, o manejo do “parque” da APA écomparável ao manejo da área de uso intensivo deum parque nacional ou estadual, pois sua densidadede atrativos faunísticos e paisagísticos é farta (existe,ao longo da Transpantaneira, uma grande diversidadede “pantanais” a serem mostrados e explicados aosvisitantes). Mas, do mesmo modo que num parque,nem todos os atrativos podem ou devem ser abertosao público ao mesmo tempo, sendo necessárioestabelecer uma rotação que preserve o ecossistema.No caso do Pantanal, o acesso aos lagos e lagoas ouaos ninhais deverá ser feito por passarelas, por duasrazões simples: a primeira é que a área alaga e, asegunda, para evitar o impacto do pisoteio. As visitasaos ninhais devem ser monitoradas por guardas edispor de infra-estrutura especial para não molestaras aves.O manejo de estradas-parque em lugares de ecologiamenos rica que a do Pantanal é muito mais simples,pois muitas vezes o único atrativo é a paisagem, fre-qüentemente vista a distância, como as montanhasao longo das rodovias. Nesses casos, mirantes comalgumas explicações são suficientes.

AdministraçãoAdministraçãoAdministraçãoAdministraçãoAdministração

A administração de uma estrada-parque implica emestreita colaboração entre várias agências estaduaisou, na sua ausência, em uma delegação clara deresponsabilidades a uma delas. O usual é um trabalhobem coordenado entre a agência ambiental, a agênciaresponsável pela manutenção da estrada, a políciaflorestal ou ambiental e a polícia rodoviária. Obteruma relação harmoniosa entre essas quatro entidadesnão é sempre fácil, embora seja indispensável. O papeldas agências varia de acordo com o tipo de estrada-parque. No caso das estradas-parque do Pantanal éevidente que a responsabilidade maior é da agência

ambiental e da polícia florestal ou ambiental. No casode uma estrada-parque num grande eixo rodoviário,onde o atrativo principal seja paisagístico, é evidenteque a responsabilidade central fica com a agênciaresponsável pela rodovia e com a polícia rodoviária.Em estradas-parque complexas, com atrativosfaunísticos e com muita visitação, como naTranspantaneira, é necessário dispor de um chefe daunidade e de pessoal técnico, administrativo e demanutenção, como em qualquer outra categoria demanejo. Neste caso, considerando que a APA venha ater 2 km de largura a cada lado da estrada, que seestende por mais de 100 km, entre Poconé e PortoJofre, implica em uma área total de mais de40.000 hectares. Sob qualquer critério, essa é umaunidade de conservação importante.A necessidade de um conselho de gestão, no caso daTranspantaneira, é gritante. Por se tratar de uma APA,os donos da terra têm direitos que contrastam com alegislação pertinente e, por exemplo, quando se tratade construir uma trilha ou uma passarela, o acordoprévio com o proprietário da área é um requisitoinelutável. Por isso, para obter apoio e colaboração,um conselho de gestão, no qual os proprietáriosestejam bem representados, é chave para o sucessodo manejo. O conselho de gestão deve ter autoridadepara supervisionar e orientar o uso dos ingressos daunidade na própria unidade.Em estradas-parque essencialmente paisagísticas, emque a APA longitudinal é muito estreita, a necessidadede pessoal permanente e de conselho de gestão émenor, ainda que sempre desejável.

FinanciamentoFinanciamentoFinanciamentoFinanciamentoFinanciamento

Para comentar esse assunto, deve-se lembrar que nãoé concebível “fazer” uma estrada-parque. Ou existeuma estrada que passa por um local com qualidadesambientais ou, no outro caso, existe a necessidade defazer uma estrada e esta pode ser feita de modo avalorizar melhor os atributos naturais da região poronde vai passar. O elemento que decide a existênciade uma estrada-parque é a existência ou a necessidadede uma estrada. O inverso não existe.Toda estrada deve ter financiamento para a sua manu-tenção, o que usualmente deriva dos ingressos tribu-tários relacionados ao uso da estrada e confirmadosna ocasião da análise econômica que justifica osinvestimentos. Em outros casos, por exemplo, naquelasque têm administração privada, esses custos devemser cobertos pelo pedágio que é cobrado. Nas estradas-parque de alto volume de tráfego e que são,essencialmente, paisagísticas, não se deve fazer umacobrança especial ou adicional pelo mero fato de serestrada-parque. A cobrança deve ser em função doscustos de manejo claramente adicionais ao custo de

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manutenção da estrada. Estacionamentos e mirantesnão justificam um pagamento adicional. Mas, no casomencionado da Transpantaneira e outras semelhantes,a cobrança de um direito de entrada ou de trânsito éplenamente justificada para compensar, precisamente,os custos das obras adicionais, da sua manutenção edos custos do manejo, incluindo o controle.Obviamente, os vizinhos e usuários comerciais devemficar isentos desse pagamento, que só cabe aplicaraos visitantes.O cálculo da viabilidade econômica de estradas-parquecomo as do Pantanal não pode se limitar aos ingressospor conceito de visitação e venda de publicações ousouvenirs. Ele, além de considerar também oselementos que se incluem para qualquer outra estrada,deve avaliar e incluir o diferencial de desenvolvimentoeconômico que é derivado do fato de existir umaestrada-parque. Esse é o caso de todos os negóciosturísticos montados a partir da presença dos visitantes,estimulados pela estrada-parque e cujasustentabilidade, a médio e longo prazos, depende daexistência dela.

ConclusõesConclusõesConclusõesConclusõesConclusões

1. Existe a possibilidade de estabelecer os mais di-versos tipos de estradas-parque, quer seja emgrandes rodovias, nos trechos em que existempaisagens excepcionais; em rodovias menorescom atrativos naturais perto do eixo viário e/oupaisagens privilegiadas ou; como no caso doPantanal, em estradas que atravessam locaisexcepcionalmente ricos em recursos naturais, emespecial de fauna.

2. As categorias de unidades de conservação quemelhor se adaptam a estabelecer estradas-parque,no Brasil, são as Áreas de Proteção Ambiental.Elas, se não existem, podem ser criadas comounidades longitudinais em ambos os lados daestrada, com a largura que seja necessária para aproteção do atrativo natural que se desejaevidenciar.

3. A implantação de estradas-parque exige uma es-treita coordenação inter-institucional, especial-mente entre as agências ambientais e as encarre-gadas da construção e da administração das estra-das de rodagem.

4. Os planos de manejo das estradas-parque nãonecessitam do mesmo grau de sofisticação deoutras categorias. Mas, no caso de áreas quepossuem muita fauna, como o Pantanal, faz-semister uma análise cuidadosa das modalidadesem que o público visitante pode ver a fauna, semriscos recíprocos.

5. O custo de estabelecer estradas-parque pode serde muito baixo a baixo, em relação ao custo de

implantar parques ou outras categorias aptas paraa visitação. A maior parte dos custoscorrespondem à própria infra-estrutura viária(estacionamentos e mirantes), embora sejammínimos em comparação ao custo total dessasobras.

6. O custo do manejo das estradas-parque com altadensidade de atrativos naturais, como noPantanal, pode ser coberto pela cobrança deentrada aos visitantes e por outros ingressoshabituais nas unidades de conservação. Aviabilidade econômica das estradas-parque develevar em consideração o impulso aodesenvolvimento turístico que geram.

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Razões sexuais desviadas em populações da cuíca Micoureus demerarae em fragmentos de Mata Atlântica

Razões sexuais desviadasRazões sexuais desviadasRazões sexuais desviadasRazões sexuais desviadasRazões sexuais desviadasem populações da cuícaem populações da cuícaem populações da cuícaem populações da cuícaem populações da cuícaMicoureus demeraraeMicoureus demeraraeMicoureus demeraraeMicoureus demeraraeMicoureus demerarae em em em em emfragmentos de Matafragmentos de Matafragmentos de Matafragmentos de Matafragmentos de MataAtlânticaAtlânticaAtlânticaAtlânticaAtlânticaFernando A. S. Fernandez, PhDFernando A. S. Fernandez, PhDFernando A. S. Fernandez, PhDFernando A. S. Fernandez, PhDFernando A. S. Fernandez, PhD11111

Camila S. BarrosCamila S. BarrosCamila S. BarrosCamila S. BarrosCamila S. Barros

Markus SandinoMarkus SandinoMarkus SandinoMarkus SandinoMarkus Sandino

Departamento de Ecologia - Universidade Federal do Rio de Janeiro

Caixa Postal 68020 - Rio de Janeiro - RJ - 21941-590 – Brasil

Resumo:Resumo:Resumo:Resumo:Resumo: Desvio nas razões sexuais é um dos fatoresque ameaçam de extinção pequenas populações.Razões sexuais foram estudadas em três populaçõesda cuíca Micoureus demerarae em fragmentos de MataAtlântica, na Reserva Biológica Poço das Antas/RJ,entre 1995 e 2001. Essas populações são conectadaspor machos que dispersam entre elas, formando umametapopulação. Em uma população, as fêmeas foramsempre mais comuns; em uma outra, e possivelmenteem duas, houve reversão da direção do desvio, quefoi primeiramente para machos e depois para fêmeas.Os resultados não são consistentes com a hipótese decompetição local por recursos, que prediria desviospara o sexo que dispersa. São mais compatíveis com ahipótese de Trivers & Willard (1973), que prevê quefêmeas em más condições nutricionais deveriamproduzir mais fêmeas e quando em boas condições,gerariam mais machos. Por outro lado, a dispersãodesviada para machos também pode contribuir paragerar desvios, conforme quantos machos entrem esaiam de cada fragmento. Uma vez que é comum quemachos sejam o sexo que dispersa em mamíferos, ospadrões encontrados podem ser gerais para pequenosmamíferos em paisagens fragmentadas, e entendê-los seria importante para sua conservação.

Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave: fragmentação de hábitats, metapo-pulação, marsupiais, conservação, demografia.

IntoduçãoIntoduçãoIntoduçãoIntoduçãoIntodução

Pode-se dizer que o nascimento da Biologia da Conser-vação como ciência se deu quando Gilpin & Soulé(1986) apontaram os processos que ameaçam deextinção as populações pequenas. Um dos processosfoi chamado por eles de “aleatoriedade demográfica”,ou seja, as variações ao acaso nos parâmetrosdemográficos. Um desses parâmetros é a razão sexual(convencionalmente, proporção de machos emrelação a fêmeas). A fixação da razão sexual - todos osindivíduos de uma população serem de um único sexoem uma dada geração - é um dos modos pelos quaisa aleatoriedade demográfica pode levar umapopulação pequena à extinção. Uma vez que a fixação

da razão sexual é tão mais provável quanto maisdesviadas de 1:1 forem as proporções de machos efêmeas, é de grande interesse para a Biologia daConservação entender como e por que variam asrazões sexuais em pequenas populações na natureza.No clássico The Genetical Theory of Natural Selection,Fisher (1930) foi o primeiro a explicarconvincentemente por que na maioria das populaçõesnaturais a razão sexual é por volta de 1:1. Na idéia deFisher (1930), qualquer sexo que se tornasse menosabundante na população teria em média um sucessoreprodutivo maior, pois teria acesso a mais parceirosdo sexo oposto. Assim sendo, a seleção naturalfavoreceria mutações que levassem a aumentar afreqüência do sexo mais raro, tendendo sempre arestabelecer a razão sexual de 1:1.Quatro décadas depois, o interesse pelo estudo dasrazões sexuais na natureza teve um considerávelimpulso quando Trivers & Willard (1973) propuseramum interessante mecanismo pelo qual se esperaria quefêmeas dentro de uma população desviassem as razõessexuais de suas proles para um sexo ou para o outro.A argumentação de Trivers & Willard (1973) se aplicariaa espécies nas quais o sucesso reprodutivo dos machosdependia de sua condição corporal, enquanto o dasfêmeas, não. Essa situação é comum em muitasespécies de vertebrados, nos quais as fêmeas escolhemos machos para acasalamento. Num sistema assim, aseleção natural favoreceria que uma fêmea bemalimentada desviasse a razão sexual de sua prole afavor de machos - os quais, sendo robustos, tenderiama ter grande sucesso reprodutivo e, portanto, apropagar bem seus genes. Por outro lado, no caso deuma fêmea mal-alimentada, a seleção naturalfavoreceria o desvio da razão sexual de sua prole parafêmeas, uma vez que, mesmo não sendo muitorobustas, seu sucesso reprodutivo não seriaprejudicado por isso. A hipótese de Trivers & Willard(1973) tem sido amplamente discutida nas últimasdécadas e ganhou um considerável suporte quandoAustad & Sunquist (1986), em um eleganteexperimento de campo na Venezuela, mostraram quefêmeas de gambá (Didelphis marsupialis) que tinhamrecebido suplementação alimentar apresentavam asrazões sexuais de suas proles significativamentedesviadas para machos.Em 1995, Wright et al. apresentaram uma modificaçãoà hipótese de Trivers & Willard (1973), a hipótese davantagem da primeira ninhada. Em seu trabalho comgambás (Didelphis virginiana) na Flórida, elesverificaram que os indivíduos da primeira ninhadaapresentavam um tamanho corporal maior do que osda segunda, o que seria um fator vantajoso aos machosque nascessem na primeira, já que o maior tamanhocorporal aumenta o sucesso reprodutivo deste sexo.Devido a isso, as duas ninhadas apresentavam razõessexuais diferentes, a primeira tendendo para machose a segunda, para fêmeas.Uma outra hipótese para explicar desvios na razão

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sexual é a de competição local por parceiros (localmate competition), formulada por Hamilton (1967).Postulada inicialmente para parasitóides gregários,essa hipótese se aplicaria a situações em que fêmeascolonizam manchas de recursos nos quais sua prolese desenvolve e acasala, e de onde fêmeas saem paracolonizar novas manchas. Nesse caso, seria vantajosoque as mães investissem na produção da maiorproporção possível de fêmeas, de modo a maximizaro número de manchas favoráveis que fossemlocalizadas por descendentes seus. Assim sendo, onúmero de machos seria o mínimo necessário parainseminar tais fêmeas e as razões sexuais seriamfortemente desviadas para este último sexo.Já a hipótese de competição local por recursos (localresource competition; Clark, 1978), prediz que asfêmeas deveriam desviar a razão sexual das suas proles,favorecendo o sexo que dispersa, para evitarcompetição para si mesmos ou para sua prole futura.Tais desvios seriam mais fortemente favorecidos pelaseleção natural em épocas de menor disponibidadede recursos, nas quais a competição seria mais intensa.Strier (2000) recentemente discutiu a hipótese decompetição local por recursos como explicação parao desvio para fêmeas na população de muriquis(Brachyteles arachnoides) na Estação Biológica deCaratinga/MG. Em muriquis, são as fêmeas quedispersam.A importância para a conservação do estudo dascausas e efeitos das razões sexuais desviadas vemaumentando cada vez mais nas últimas décadas,devido à fragmentação de hábitats. Esse processotende a produzir, em cada mancha remanescente dehábitat, populações pequenas, nas quais a fixação darazão sexual torna-se uma possibilidade mais concreta.Além disso, em populações fragmentadas, surgemoutros tipos de mecanismos que poderiam explicardesvios das razões sexuais em populações. Porexemplo, em uma metapopulação – um conjunto depopulações conectadas por indivíduos que sedispersam entre elas (Hanski & Simberloff, 1997) – asrazões sexuais de cada uma das populações podemser desviadas se houver dispersão desviada para umsexo (sex-biased dispersal). No caso extremo de apenasum sexo dispersar, por exemplo os machos,populações com déficit deste sexo (i.e., que tivessemmais machos saindo da população em questão doque chegando a ela) teriam razões sexuais desviadaspara fêmeas. Por outro lado, populações com superávitde machos apresentariam desvios na direção oposta.Ou seja, desvios na razão sexual seriam produzidospor desequilíbrios nos balanços de entrada e saída demachos das populações. Este tipo de situação podeser comum por exemplo em mamíferos, nos quais adispersão desviada para um sexo é muito comum,sendo geralmente os machos que dispersam com maisfreqüência (Chepko-Sade & Halpin, 1987). Estahipótese tenderia a produzir razões sexuais desviadas

para direções diferentes, em populações distintas deuma metapopulação de uma mesma espécie.

Em um estudo de uma metapopulação do marsupialneotropical Micoureus demerarae em um conjuntode fragmentos florestais no Estado do Rio de Janeiro,foram constatados dois padrões interessantes.Primeiro, apenas machos dispersam entre aspopulações (Pires & Fernandez, 1999; Pires et al.,2002). Segundo, foi verificado um desvio para fêmeasna razão sexual de uma das populações (Quental etal., 2001). No presente estudo, foram investigadas,por um prazo mais longo, as razões sexuais em outraspopulações da mesma metapopulação, constatando-se que houve desvios da razão sexual – em umadireção e/ou em outra – em todas as três populaçõesestudadas. O presente estudo relata e analisa taisdesvios, procurando avaliar se, no atual estado doconhecimento, os padrões encontrados permitemrefutar ou corroborar, para o caso da metapopulaçãode Micoureus demerarae, algumas das hipótesesexistentes para explicar desvios na razão sexual. Asimplicações dos desvios da razão sexual para aconservação de M. demerarae e de outros pequenosmamíferos neotropicais são então discutidas.

Material e métodosMaterial e métodosMaterial e métodosMaterial e métodosMaterial e métodos

Espécie estudada - As cuícas do gênero Micoureussão marsupiais de ampla distribuição, ocorrendo daColômbia ao norte da Argentina, Paraguai e Brasil. M.demerarae é uma cuíca de médio porte (alcança até130 gramas), comum na Mata Atlântica. Possui hábitosnoturnos e arborícolas, freqüentandopreferencialmente o sub-bosque de áreas florestais,inclusive de crescimento secundário (Passamani,1995); porém forrageiam também pelo chão,principalmente nos meses mais secos (Emmons a Feer,1997). Sua dieta é constituída principalmente deinsetos e frutos (Leite et al, 1994; Pinheiro et al., 2002).As fêmeas possuem áreas de vida menores que as dosmachos e são geralmente territoriais, enquanto osmachos sobrepõem livremente suas áreas de vida(Pires & Fernandez, 1999). M. demerarae temreprodução sazonal, ocorrendo em sua maior partede outubro a março, e as fêmeas têm com freqüênciaduas ninhadas por estação reprodutiva. Na área ondefoi realizado o presente estudo, as Ilhas dos Barbados(vide abaixo), M. demerarae é representado porpequenas populações (< 20 indivíduos, em média)ocupando cada fragmento de mata (Quental et al.,2001). Nessa mesma área, foram verificados, duranteo período de estudo, 12 movimentos de machos enenhum de fêmeas entre os fragmentos (Pires &Fernandez, 1999; Pires et al., 2002).

Área de estudo - o estudo foi realizado em um conjuntode oito fragmentos, chamados de “Ilhas dos Barbados”,dentro da Reserva Biológica de Poço das Antas

22Artigos Científicos Natureza & Conservação . vol 1 . nº 1 . abril 2003 - pp. 21-27

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Razões sexuais desviadas em populações da cuíca Micoureus demerarae em fragmentos de Mata Atlântica

(22o31’S; 42o17’W), uma das maiores reservas de MataAtlântica de baixada do Estado Rio de Janeiro. O climada área é tropical úmido; a temperatura média anual éde 24,6 oC e a precipitação média anual alcança 2.121mm (Ribeiro de Mello & Fernandez, 2000), com umamoderada sazonalidade, uma vez que menos de 30%das chuvas caem na estação seca, de abril a agosto.

A área dos fragmentos varia de aproximadamente 1,5a 15 ha, e as distâncias entre eles variam entre 60 e1.300 m (FIGURAFIGURAFIGURAFIGURAFIGURA 1 1 1 1 1). A história dos fragmentos erapouco conhecida antes da década de 1950, de modoque eles podem ser até mesmo resultantes defragmentação natural, embora possivelmente sejamresultado de profundas alterações na bacia do RioSão João (adjacente aos fragmentos) decorrentes deuma longa história de intervenções humanas na região(Viveiros de Castro & Fernandez, 2002). Mesmo quenão sejam fragmentos de origem antrópica, as “Ilhasdos Barbados” podem, pelo menos até certo ponto,servir de modelo para os processos ecológicos queafetam populações pequenas em fragmentosantrópicos após longo tempo de isolamento.Populações de M. demerarae são encontradas emtodos os fragmentos, mas em apenas três deles – osdenominados A (7 ha), D (8,8 ha) e E (11 ha) – foramfeitos estudos demográficos detalhados. Osfragmentos são separados uns dos outros por umamatriz composta de gramíneas exóticas, tais comosapê (Imperata brasiliensis), capim-gordura (Melinisminutiflora), capim-colonião (Panicum maximum),entremeadas por samambaias (Pteridium aquilinum)e árvores pioneiras esparsas (Trema micrantha eCecropia sp.)

Amostragem e análise de dados - As amostragensforam feitas no fragmento A de março de 1995 asetembro de 1998; no fragmento D, de abril de 1996a novembro de 2001; e, no fragmento E, de janeiro de2000 a janeiro de 2002. Até o ano de 2000, as

amostragens foram bimestrais, sendo os fragmentosamostrados em meses alternados. A partir de 2000, asamostragens passaram a ser trimestrais. Cadaamostragem foi constituída de uma sessão de cinconoites consecutivas de captura–marcação–recaptura.Em cada fragmento, foram marcadas grades formadaspor trilhas paralelas a cada 50 metros, havendo, emcada uma, pontos de captura distantes 20 metros entresi. Tais grades cobriram toda a área de cada fragmento.Foram usadas sempre duas armadilhas por ponto decaptura, sendo que até 1999 foram armadasarmadilhas no chão e em árvores a uma altura de cercade 2 m, e de 2000 em diante, as armadilhas em árvoresforam colocadas alternadamente a 2 m e emplataformas suspensas no dossel, a alturas quevariaram de 5 a 12 m. As armadilhas utilizadas foramSherman XLF 15 (38 x 10 x 12 cm), Tomahawk 603(48,5 x 17 x 17 cm) e Movarti 181-Z (32,5 x20 x 20,5 cm). A isca utilizada foi uma pasta compostade banana, aveia, creme de amendoim e bacon picado,colocada sobre uma rodela de aipim. Os indivíduoscapturados foram marcados com brincos de alumíniocom código alfanumérico único, permitindo oreconhecimento individual. Em cada captura foramregistrados, entre outros dados, o sexo, a condiçãoreprodutiva e a idade (através do padrão de erupçãodentária, seguindo Quental et al., 2001). Após oregistro dos dados, cada indivíduo foi liberado nomesmo ponto onde havia sido capturado. Ostamanhos populacionais foram estimados, para cadafragmento e cada sessão de amostragem, utilizando oestimador “jackknife” de Burnham & Overton (1979).Para testar a significância dos desvios da razão sexualem cada população, em relação à hipótese nula (1:1),foi utilizado o teste Wilcoxon signed-ranks paraamostras pareadas (Zar, 1999). Esse teste utilizou osdesvios para um sexo ou para outro dentro de cadasessão de amostragem, avaliando o número de desviosocorridos para um sexo ou para outro em cadapopulação, e as magnitudes desses desvios. Num únicocaso, com números amostrais muito pequenos, foiutilizado o teste binomial (Zar, 1999) em substituiçãoao Wilcoxon.

ResultadosResultadosResultadosResultadosResultados

Foram obtidas 950 capturas de 188 diferentes indi-víduos nos três fragmentos de mata estudados. Ostamanhos populacionais médios estimados em cadafragmento foram (número de indivíduos por sessãode amostragem + desvio padrão): fragmento A,11,78 + 6,19 (n = 22 sessões de amostragem);fragmento D, 10,03 + 6,22 (n = 31); fragmento E,8,63 + 3,25 (n = 6). Desvios significativos da razãosexual foram encontrados em todas as três populações(FIGURAFIGURAFIGURAFIGURAFIGURA 2 2 2 2 2). No fragmento A, a razão sexual foiconsistentemente desviada para fêmeas ao longo detodo o período em que essa população foi estudada,entre 1995 e 1999 (Wilcoxon, T+ = 4,5, p<0,0001).

Figura 1: Ilhas dos Barbados, um grupo de fragmentos florestais na parte sul da Reserva Biológicade Poço das Antas, Rio de Janeiro, Brasil. As áreas dos fragmentos variam de 1,4 a 15 ha.Populações de Micoureus demerarae foram estudadas nos fragmentos A, D e E.

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Figura 2: Razões sexuais (proporção de machos e fêmeas) das três populações do marsupial Micoureus demerarae em três fragmentos de Mata Atlântica. Preto = machos,hachurado = fêmeas.

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Por outro lado, no fragmento D, no período de 1996a 1998, a razão sexual foi desviada para machos (T- =15, p<0,05). Posteriormente, o desvio da razão sexualdessa população se inverteu, passando a ser desviadapara fêmeas no período de 1999 a 2001 (T+ = 13,p<0,05). Já no fragmento E, no início do estudo (1997a 1999), parecia haver uma tendência a uma razãosexual desviada para machos, que foram maisfreqüentes em três sessões de captura, enquanto nasduas outras não houve desvios (FIGURA 2); essatendência, no entanto, não foi estatisticamentesignificativa (teste binomial, p = 0,125). Na parte finaldo estudo, também no fragmento E, a razão sexual foisignificativamente desviada para fêmeas, entre 2000e janeiro de 2002 (Wilcoxon, T+ = 0, p<0,0001).

DiscussãoDiscussãoDiscussãoDiscussãoDiscussão

A constatação de desvios significativos na razão sexualdessas populações é por si só de grande importânciapara a conservação. É verdade que uma razão sexualdesviada para fêmeas pode ser até mesmo benéficapara uma população pequena, uma vez que fêmeassão mais limitantes para sua reprodução. Por outrolado, desvios agravam o risco de fixação da razãosexual, o que levaria as populações à extinção,independentemente de qual sexo seja fixado. De umaforma ou de outra, é provável que possamos tirar liçõesmais úteis para o manejo das pequenas populações seentendermos melhor as causas dos desviosobservados. Como as razões sexuais desviadas foramobservações incidentais dentro de um estudo maisamplo, que não foi planejado para testar suas causas,não seria razoável esperar que as hipóteses existentespudessem ser conclusivamente refutadas oucorroboradas nesse estágio. No entanto, os dadosexistentes nos permitem discutir algumas evidênciascontra ou a favor da maioria das hipóteses, assim comoindicar maneiras pelas quais poderiam ser testadas.

Antes de mais nada, é improvável que os desvios obser-vados nas razões sexuais se devam a razões puramenteamostrais, ou seja, devido à capturabilidade diferencialdos sexos. Se um dos sexos fosse mais fácil de capturarque o outro, dificilmente isso explicaria terem sidoencontrados desvios para ambos os sexos – em po-pulações diferentes e mesmo em períodos diferentesdentro de uma mesma população. Por exemplo, se osdesvios fossem devidos à utilização diferencial deestratos de vegetação pelos dois sexos, não seriapossível explicar que no início do estudo as populaçõesdos fragmentos A e D apresentaram simultaneamentedesvios em direções opostas.

A hipótese de competição local por parceiros não éconsistente com os padrões encontrados, uma vezque prediria desvios para um só sexo, aquele quedispersa. Ainda que pudéssemos reverter a previsãopara o sexo que dispersa em M. demerarae – machos

–, a hipótese não seria corroborada, pois há desviosna direção de ambos os sexos.

Os padrões encontrados também não parecem con-sistentes com a hipótese de competição local porrecursos. Em M. demerarae, são os machos quedispersam (Pires & Fernandez, 1999; Pires et al., 2002).Assim sendo, essa hipótese prediria que desvios paramachos deveriam ser encontrados em todas aspopulações no período pré-dispersão, e que o desvioreverteria para fêmeas após a dispersão ter ocorrido.No entanto, os resultados diferem desta previsão:qualquer que seja a época da dispersão, não háreversão da direção do desvio após este evento, poisas razões sexuais são desviadas para cada sexo porperíodos muito longos, cobrindo mais de um ano decada vez (FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2).Por outro lado, os padrões encontrados parecem, demodo geral, consistentes com a hipótese de Trivers &Willard (1973). No fragmento A, de 1995 a 1999, asrazões sexuais foram regularmente desviadas parafêmeas, ao passo que no fragmento D (e possivelmentetambém no E), aproximadamente no mesmo período,elas foram desviadas para machos. É possível que hajavariação na qualidade dos fragmentos, sendo quenesse período a população do fragmento A deveriaser mais pobre em recursos (o que favoreceria desviospara fêmeas) enquanto D e E seriam mais ricos emrecursos (o que favoreceria desvios para machos). Essepadrão seria consistente com a hipótese, embora nãose possa testá-la, na ausência de uma avaliaçãoquantitativa da disponibilidade de recursos. Éinteressante notar que Trivers & Willard (1973)propuseram que a razão sexual seria desviada nasproles de cada fêmea, embora não necessariamentena população como um todo (ou, no caso, nametapopulação). Lembrando que as populaçõesestudadas são conectadas por machos que sedispersam entre elas, essa predição é similar aospadrões encontrados, havendo na paisagem tantofragmentos com desvios para machos como outroscom desvios para fêmeas.Uma evidência adicional a favor da hipótese de Trivers& Willard (1973) é o fato de duas populações (de D ede E) que estavam sendo amostradas apresentaremdesvio a favor de fêmeas ao final do período de estudo(1999–2002), sendo que em pelo menos uma delas,e possivelmente as duas, tal padrão foi uma reversãode um desvio anterior na direção contrária(FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2). Estes últimos anos do estudo foramexcepcionalmente secos: de 1999 a 2001, aprecipitação média foi de apenas 1.572 mm ao ano,contra 2.218 mm em 1995–1998. Provavelmente,devido à baixa pluviosidade, a disponibilidade defrutos e insetos na área parece ter sido menor em1999–2001 (observações dos autores), o que deveter resultado em piora das condições nutricionais dasfêmeas na área. Nessa situação, o padrão esperado,de acordo com o raciocínio de Trivers & Willard (1973),

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Razões sexuais desviadas em populações da cuíca Micoureus demerarae em fragmentos de Mata Atlântica

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seria que elas passassem a investir em produzir maisfêmeas.No que diz respeito à hipótese de vantagem de primeiraninhada, essa hipótese poderia ser corroborada pornossos resultados, caso as razões sexuais fossemdesviadas para machos no início da estaçãoreprodutiva e para fêmeas no final da estaçãoreprodutiva, correspondendo à primeira e à segundaninhadas, respectivamente. Como os desvios para ummesmo sexo mantêm-se nas populações por longosperíodos, com freqüência excedendo um ano(FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2), os padrões obtidos não são consistentescom essa hipótese.Por outro lado, as evidências disponíveis são tambémconsistentes com a hipótese de os desvios seremsimplesmente produto de dispersão desviada para umsexo dentro da metapopulação. De acordo com Austad& Sunquist (1986), o desvio para um sexo ou paraoutro pode ser produzido durante a fecundação, querpor mortalidade diferencial dos sexos durante o inícioda vida dos filhotes, quer até mesmo por mortalidadediferencial de um sexo durante a dispersão. Os machosmovendo-se entre fragmentos, e indo com maisfreqüência para alguns fragmentos do que para outros,poderiam produzir o padrão observado de razõessexuais desviadas em direções diferentes em lugaresdistintos, assim como a reversão dos desvios no tempo.Essa idéia também ajudaria admiravelmente bem aentender alguns padrões específicos. Por exemplo, ofragmento A, que teve razão sexual desviada parafêmeas, é o mais isolado dos demais na paisagem(FIGURA 1). Isso não impede que machos saiam dele(chegando a outros fragmentos ou possivelmentemorrendo durante a dispersão), mas é possível queseja mais difícil que machos de outros fragmentosalcancem A com sucesso – o que explicaria, por déficitde machos, o desvio para fêmeas.Em resumo, embora várias hipóteses não pareçam serconsistentes com os dados, pelo menos duas o são: ade Trivers & Willard (1973) e a de desequilíbriosprovocados pelo fato de apenas os machosdispersarem entre populações. É plausível que ambasestejam corretas; ambos os processos poderiam estarinteragindo para gerar os desvios de razões sexuaisobservados nos fragmentos. Por outro lado, para quefosse possível refutar conclusivamente uma ou outra,seriam necessárias pelo menos duas coisas. A primeiraseria um conhecimento mais detalhado do processode dispersão em M. demerarae, com ênfase nasrelações entre a dispersão e a reprodução da espécie.A segunda seria um teste experimental de campo dahipótese de Trivers & Willard (1973), fornecendosuplemento alimentar para fêmeas, com um grupo-controle simultâneo não suplementado, e observandoos efeitos de tal manipulação sobre as razões sexuaisdas proles, como fizeram Austad & Sunquist (1986).Ambas as idéias são objetivos futuros do projeto depesquisa ainda em curso nas Ilhas dos Barbados.

Para avaliar a importância desses resultados para aconservação, deve-se fazer a pergunta: são estespadrões específicos de Micoureus demerarae nas Ilhasdos Barbados, ou são eles mais gerais que isso? Aindanão se sabe, mas há várias pistas. Os machos de M.demerarae movem-se entre fragmentos e as fêmeas,não; as fêmeas são geralmente territoriais e os machos,não (Pires & Fernandez, 1999). Pires & Fernandez(1999) propuseram que o segundo padrão seria acausa do primeiro, uma vez que, para uma fêmeamover-se, isso implicaria perder seu território jáestabelecido, correndo o risco de não ser capaz deobter um novo território num outro fragmento. Nesseponto, cabe notar que (1) fêmeas territoriais e machosnão-territoriais é um padrão muito comum emnumerosas espécies de pequenos mamíferos (Ostfeld,1990) e (2) o macho geralmente é o sexo que dispersaem mamíferos (Chepko-Sade & Halpin, 1987); namesma área, as Ilhas dos Barbados, esse de fato é ocaso em pelo menos várias outras espécies demarsupiais (Pires et al., 2002). Em vista de (1) e (2), sePires & Fernandez (1999) estiverem corretos em suainterpretação de por que as fêmeas não dispersam, éde se esperar que muitas outras espécies de pequenosmamíferos, talvez a maioria delas, devem serrepresentadas em paisagens fragmentadas porpopulações conectadas apenas por machos que semovem entre elas. Se assim for, entender os desviossexuais nas populações pequenas formadas nesse tipode paisagem, assim como as causas de tais desvios,pode ser uma base de conhecimentos de grandeimportância para que saibamos como minimizar riscosde extinção trazidos pela aleatoriedade demográfica.Se o mecanismo brilhantemente percebido por Fisher(1930) nem sempre consegue compensar os desviosde razões sexuais que ocorrem em pequenaspopulações em fragmentos, entender por que issonão acontece pode ser crucial para que consigamosconservá-las.

AgradecimentosAgradecimentosAgradecimentosAgradecimentosAgradecimentos

A Tiago B. Quental por ter chamado nossa atençãopara os desvios nas razões sexuais. A Leandro Travassose à Alexandra S. Pires pelas discussões. Aos várioscolegas do LECP, que ajudaram no trabalho de campo.Ao IBAMA, especialmente através de Whitson Júnior,Rafael Puglia Neto e Rodrigo Varella, que têm permitidoe apoiado o trabalho na REBIO de Poço das Antas. AAssociação Mico Leão Dourado, especialmente atravésde Denise Rambaldi, pelo apoio. A Luís Fernando deMoraes pelos dados meteorológicos. A três revisoresanônimos cujos comentários foram muito úteis paramelhorar o manuscrito. À Fundação O Boticário deProteção à Natureza, CNPq, FAPERJ, FUJB, PROBIO(PRONABIO-MMA, com apoio de BIRD e GEF), pelosapoios financeiros ao projeto e/ou aos autores.

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Razões sexuais desviadas em populações da cuíca Micoureus demerarae em fragmentos de Mata Atlântica

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Ademir Reis - Fernando Campanhã Bechara - Marina Bazzo de Espíndola - Neide Koehntopp Vieira - Leandro Lopes de Souza

Restauração de áreasRestauração de áreasRestauração de áreasRestauração de áreasRestauração de áreasdegradadas: a nucleaçãodegradadas: a nucleaçãodegradadas: a nucleaçãodegradadas: a nucleaçãodegradadas: a nucleaçãocomo base paracomo base paracomo base paracomo base paracomo base paraincrementar os processosincrementar os processosincrementar os processosincrementar os processosincrementar os processossucessionaissucessionaissucessionaissucessionaissucessionaisAdemir ReisAdemir ReisAdemir ReisAdemir ReisAdemir Reis - Doutor em Biologia Vegetal – UNICAMP, Biólogo, Professor TitularUFSC1

Fernando Campanhã BecharaFernando Campanhã BecharaFernando Campanhã BecharaFernando Campanhã BecharaFernando Campanhã Bechara - Mestre em Biologia Vegetal, UFSC, Eng. Florestal

Marina Bazzo de Espíndola Marina Bazzo de Espíndola Marina Bazzo de Espíndola Marina Bazzo de Espíndola Marina Bazzo de Espíndola - Bióloga, Mestranda em Biologia Vegetal, UFSC

Neide Koehntopp VieiraNeide Koehntopp VieiraNeide Koehntopp VieiraNeide Koehntopp VieiraNeide Koehntopp Vieira - Bióloga, Mestranda em Biologia Vegetal, UFSC

Leandro Lopes de SouzaLeandro Lopes de SouzaLeandro Lopes de SouzaLeandro Lopes de SouzaLeandro Lopes de Souza - Biólogo, UFSC

Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: A restauração de áreas degradadasrepresenta uma atividade básica para a conservaçãoin situ refazendo comunidades e formando corredoresentre fragmentos vegetacionais. A nucleação é umprincípio sucessional na colonização de áreas emformação e representa uma técnica básica para asatividades antrópicas que se proponham contribuirpara o restabelecimento de comunidades. Técnicasbásicas de nucleação são tratadas no sentido de avaliara melhor forma de aplicá-las em áreas degradadas,proporcionando uma maior diversidade para queocorra uma estabilização o mais rapidamente possível,com a mínima entrada artificial de taxas energéticas.São tratadas como técnicas de nucleação:transposição de solo, semeadura direta ehidrossemeadura, poleiros artificiais, transposição degalharia, plantio de mudas em ilhas de alta diversidadee coleta de sementes com manutenção da variabilidadegenética. A nucleação tornar-se-á uma técnica usual,quando, efetivamente, a legislação for mais explícitasobre o assunto e for ampliada a formação de recursoshumanos sobre os princípios básicos da sucessão dosecossistemas.

Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave: sucessão, conservação in situ,corredores artificiais.

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

A redução das áreas ocupadas por vegetação nativatem levado a alarmantes taxas de perdas debiodiversidade e ao empobrecimento dos recursosgenéticos (Myers et al., 2000). A conservação in situainda é a melhor forma de manutenção debiodiversidade, uma vez que permite a continuidadedos processos evolutivos (Kageyama, 1987).A criação e a implantação de unidades de conservaçãoé a melhor forma de efetivação da conservação insitu, porém, devido ao processo de fragmentação aque os ecossistemas estão expostos, é necessário quesejam desenvolvidas tecnologias eficientes para amanutenção da diversidade genética. A restauração

dos ecossistemas degradados pode ser uminstrumento para a formação de corredores quevenham a unir os fragmentos remanescentes,permitindo assim a continuidade do fluxo gênico,necessário para a manutenção das espécies e daviabilidade de suas populações.Os programas de restauração tradicionalmente sãoexecutados com alguns vícios que comprometem omodelo de conservação in situ: uma visão fortementedendrológica, com uso quase que exclusivo deespécies arbóreas; utilização de espécies exóticas,propiciando a contaminação biológica local epotencializando a degradação; tecnologias muitocaras, inviabilizando pequenos projetos que pudessemefetivamente restaurar a biodiversidade através deprocessos naturais de sucessão. Somam-se ainda aesses fatores a falta de ações concretas de empresasresponsáveis por grandes obras, para restaurar as áreasimpactadas pelos seus investimentos, e as deficiênciasna formação de recursos humanos para fiscalizar,orientar e executar programas de restauraçãoambiental.O presente trabalho visa divulgar técnicas alternativasde restauração a baixos custos que se fundamentamem processos sucessionais naturais, tendo como baseo princípio da nucleação.

Embasamento ecológico para aEmbasamento ecológico para aEmbasamento ecológico para aEmbasamento ecológico para aEmbasamento ecológico para arestauração através da nucleaçãorestauração através da nucleaçãorestauração através da nucleaçãorestauração através da nucleaçãorestauração através da nucleação

A nucleação é entendida como a capacidade de umaespécie em propiciar uma significativa melhoria nasqualidades ambientais, permitindo um aumento naprobabilidade de ocupação deste ambiente por outrasespécies ( ( ( ( (Yarranton & Morrison, 1974).....No processo de sucessão, as espécies componentesde uma comunidade, após a sua implantação eposterior morte, modificam-na, permitindo que outrosorganismos mais exigentes possam colonizá-la. Háregistros, no entanto, de espécies que são capazes demodificar os ambientes de forma mais acentuada.Essas espécies são tratadas de forma distinta naliteratura.Ricklefs (1996) denominou-as de espéciesfacilitadoras, considerando-se que facilitação é oprocesso pelo qual a espécie, numa fase inicial, alteraas condições de uma comunidade, de modo que asespécies subseqüentes tenham maior facilidade deestabelecimento.Hurlbert (1971) descreveu que, potencialmente, cadaindivíduo dentro de uma comunidade pode interagircom cada um dos outros que compartilham essamesma comunidade. Dentro desse contexto, o autorpropõe o conhecimento das probabilidades deencontros interespecíficos de cada espécie como umaferramenta básica para o entendimento da estabilidadede uma comunidade. Para o autor, as espécies com

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Restauração de áreas degradadas: a nucleação como base para incrementar os processos sucessionais

maiores probabilidades de encontros interespecíficossão as que mais contribuem para o aceleramento doritmo de sucessão de uma comunidade.Yarranton & Morrison (1974) constataram que aocupação de áreas, em processo primário de formaçãodo solo por espécies arbóreas pioneiras, propiciou aformação de pequenos agregados de outras espéciesao redor das espécies colonizadoras, acelerando oprocesso de sucessão primária. Esse aumento do ritmode colonização, a partir de uma espécie promotora,foi denominado pelos autores de nucleação. Scarano(2000) usou o termo “planta focal” para plantascapazes de favorecer a colonização de outras espécies,como a palmeira Allagoptera arenaria (Gomes) Kuntzee plantas do gênero Clusia L., capazes de propiciar aformação de moitas na restinga, favorecendo odesenvolvimento de cactáceas e bromeliáceas.Em ambientes secos, o fenômeno de “hydraulic lift”(remanejamento de água das camadas mais profundaspara horizontes mais superficiais do solo) representauma efetiva nucleação, capaz de propiciar o desen-volvimento de arbustos e ervas que não conseguematingir o lençol freático (Dawson, 1993; Horton & Hart,1998).Bechara et al. (1999) registraram que a associaçãoentre larvas bioluminescentes de Pyrearinustermitilluminans (Coleoptera) e térmitas, no Cerradobrasileiro, atraem vários outros artrópodes comoaranhas, centopéias, formigas, larvas de borboletas,escorpiões e outros insetos. Estes, por sua vez, atraempássaros e morcegos que, ao deixarem localmentesuas fezes, propiciam a formação de cupinzeiros, numsignificativo aumento na fitodiversidade.Possivelmente, esses cupinzeiros atuam como poleirospara pássaros onívoros que, por sua vez, dispersamsementes contidas em seu trato digestivo, formandonúcleos de vegetação ao redor dos cupinzeiros, quecontêm as larvas bioluminescentes.Miller (1978) e Winterhalder (1996) sugeriram que acapacidade de nucleação de algumas plantas pioneirasé de fundamental importância para processos derevegetação de áreas degradadas. Robinson & Handel(1993) aplicaram a teoria da nucleação em restauraçãoambiental e concluíram que os núcleos promovem oincremento do processo sucessional, introduzindonovos elementos na paisagem, principalmente, se aintrodução dessas espécies se somar à capacidade deatração de aves dispersoras de sementes.A capacidade nucleadora de indivíduos arbóreosremanescentes em áreas abandonadas após uso naagricultura ou em pastagens mostrou que taisindivíduos atraem pássaros e morcegos que procuramproteção, repouso e alimentos. Esses animaispropiciam o transporte de sementes de espécies maisavançadas na sucessão, contribuindo para o aumentodo ritmo sucessional de comunidades florestaissecundárias (Guevara et al., 1986). Selecionandoquatro árvores nessa condição, do gênero Ficus Tourn.

ex Lin., Guevara & Laborde (1993) houve registro dadeposição de 8.268 sementes, de 107 espéciesvegetais, no período de seis meses. Essas quatrofigueiras isoladas foram visitadas por 47 espécies depássaros frugívoros e 26 não frugívoros durante operíodo. Zimmermann (2001), observando quatroindivíduos de Trema micrantha Blume (grandiúva-de-anta) em área urbana, registrou, durante 13 horas deobservação, a presença de 18 espécies de aves queconsumiram 767 frutos.A capacidade de dispersão de sementes por aves emorcegos é evidenciada no estudo de caso da Ilha deKrakatau, na Indonésia, que foi totalmente destruídaem 1883 por um vulcão. Nessa ilha, Whittaker & Jones(1994) avaliaram todas as espécies locais após umséculo de recolonização natural. Registraram apresença de 124 espécies com síndrome de dispersãoendozoocórica, associadas aos morcegos e pássarosque migravam das ilhas mais próximas. Com esseestudo, os autores constataram que o processo decolonização e sucessão da floresta de Krakatau é umaexcepcional evidência da habilidade dos pássaros emorcegos para formarem uma nova comunidadeflorestal tropical em condições de grande isolamento.Os autores concluíram, ainda, que, com base noobservado em Krakatau, uma das formas maiseficientes e rápidas de restaurar áreas degradadas seriao plantio de espécies produtoras de frutos, capazesde atrair uma grande variedade de agentes dispersores,formando, portanto, núcleos de biodiversidade dentrode áreas degradadas.Reis et al. (1999) constataram que oetnoconhecimento, principalmente de caçadores,mostra que algumas plantas, de forma especial,quando frutificadas, exercem uma grande atraçãosobre a fauna, pois atraem tanto os animais que vêmse alimentar de seus frutos como aqueles que asutilizam para predar outros animais. Essas plantas sãodenominadas de bagueiras. Os autores citadossugeriram que as plantas bagueiras, ou seja, aquelasque são capazes de atrair uma fauna diversificada,devem ser utilizadas como promotoras de encontrosinterespecíficos dentro de áreas degradadas,exercendo, no contexto aqui tratado, o papel denucleadoras.O comportamento diversificado das aves, por sermuito diferenciado, pode ser aproveitado emprocessos de restauração através de formas muitovariadas. McClanahan & Wolfe (1993) observaram quea colocação de poleiros artificiais atrai determinadasaves que os utilizam para emboscar suas presas e, aomesmo tempo, depositar sementes de outras espécies.Isso ocorre porque muitas das aves que apresentampreferência pelo forrageamento em galhos secos sãoonívoras.A nucleação pode atuar sobre toda a diversidadedentro do processo sucessional envolvendo o solo,os produtores, os consumidores e os decompositores.

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Odum (1986) afirmou que a estabilidade de uma árearelaciona-se mais intimamente com a diversidade fun-cional do que com a estrutural (de biomassa existente).Dessa afirmação, deduz-se a importância das técnicasnucleadoras, pois elas são capazes de refazer, dentrodas comunidades, distintos nichos ecológicosdiferenciados, associados aos organismos que ascompõem.

Técnicas nucleadoras para aTécnicas nucleadoras para aTécnicas nucleadoras para aTécnicas nucleadoras para aTécnicas nucleadoras para arestauraçãorestauraçãorestauraçãorestauraçãorestauração

Transposição de soloTransposição de soloTransposição de soloTransposição de soloTransposição de solo

O solo pode ser entendido como um complexo deseres vivos, materiais minerais e orgânicos de cujasinterações resultam suas propriedades específicas(estrutura, fertilidade, matéria orgânica, capacidadede troca iônica, etc.). Os organismos do solo não sãoapenas seus habitantes, mas também seuscomponentes. A biodiversidade e a atividade biológicaestão estreita e diretamente relacionadas a funções ecaracterísticas essenciais para a manutenção dacapacidade produtiva dos solos (Coutinho, 1999).As algas são tidas como colonizadoras primárias dosolo, pela sua capacidade de fixar carbono e nitrogênioda atmosfera através dos processos de fotossíntese efixação biológica de nitrogênio, respectivamente. Apartir daí, fungos e bactérias terão recursos para sedesenvolver e liberar nutrientes dos minerais do solo,como o fósforo, o cálcio e o ferro. O solo formado,havendo disponibilidade de água, permitirá ocrescimento de plantas que, ao serem decompostas,gerarão matéria orgânica que reterá nutrientes,liberando-os lentamente para os próximoscolonizadores (Coutinho, 1999).Durante processos degradativos, o solo sofreprofundas modificações quanto às suas composiçõesquímica, biológica e estrutural. A perda da matéria

orgânica é a principal conseqüência da degradação,retardando o processo sucessional de restauração.A transposição de pequenas porções (núcleos) de solonão-degradado representa grandes probabilidades derecolonização da área com microorganismos,sementes e propágulos de espécies vegetais pioneiras,como ilustra a FIGURA 1FIGURA 1FIGURA 1FIGURA 1FIGURA 1.O objetivo desta técnica é a restauração do solo, com-ponente de grande importância nos ecossistemas,responsável pela sustentação da vegetação, emborapouco enfocado nos projetos de restauração. Com atransposição de solo, reintroduzem-se populações dediversas espécies da micro, meso e macro fauna/florado solo (microrganismos decompositores, fungosmicorrízicos, bactérias nitrificantes, minhocas, algas,etc.), importantes na ciclagem de nutrientes,reestruturação e fertilização do solo.A transposição de solo consiste na retirada da camadasuperficial do horizonte orgânico do solo (serapilheiramais os primeiros 5 cm de solo) de uma área comsucessão mais avançada. Winterhalder (1996)demonstrou as vantagens dessa técnica para arestauração e Rodrigues & Gandolfi (2000)propuseram a retirada de uma camada mais profundade até 20 cm de solo.Discute-se, ainda, se a transposição de solo de comu-nidades avançadas com grande diversidade de micro,meso e macroorganismos é preferível à de solo comprocesso de sucessão intermediária e predominânciade biota de caráter mais pioneiro. Sugerimos, portanto,transpor solos de distintos níveis sucessionais.Quando o “novo” banco de sementes é disposto naárea degradada, grande parte das sementes de espéciespioneiras que originalmente estavam enterradas nosolo ficam na superfície e tendem a germinar, já queem geral essas sementes são fotoblásticas positivas.As sementes que, após a transposição, continuarementerradas e não germinarem comporão o novo bancode sementes na área degradada.No caso de empreendimentos que envolvem a degra-dação de grandes áreas, a transposição da camadafértil do solo merece ser planejada no sentido de havertransposição concomitante ao processo de remoçãoe degradação. Em hidrelétricas, onde a área do lagoterá o solo inundado, as áreas degradadas pelaformação de áreas de empréstimo e bota-fora podemser cobertos com o solo fértil disponível na área dofuturo lago. Essa ação é parte integrante de umprograma de resgate da biota, pois representa umaforma eficiente de garantir a sobrevivência de muitaspopulações de micro, meso e macroorganismos quevivem no solo.

Semeadura direta e hidrossemeaduraSemeadura direta e hidrossemeaduraSemeadura direta e hidrossemeaduraSemeadura direta e hidrossemeaduraSemeadura direta e hidrossemeadura

As áreas degradadas carecem de propágulos (esporos,sementes, túberas, etc.) que recolonizem a área. Umaação urgente consiste na formação de um novo banco

Figura 1: A transposição de solo permite a colonização da área degradada com uma diversidadede micro, meso e macro organismos capazes de nuclear um novo ritmo sucessional.

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de sementes e a cobertura do solo para que ocorra aretomada da resiliência ambiental. Processos desemeadura são as formas mais diretas para recomporo banco e a cobertura da área.A chuva natural de sementes, provocada pela ação deagentes bióticos (fauna) e abióticos (vento e água),propicia a chegada de sementes que têm a função decolonizar áreas em processo de sucessão primária ousecundária. A sua intensidade depende da proximidadede áreas com cobertura vegetal e da ação dos vetoresde dispersão. Em áreas degradadas, a ação dos agentesbióticos fica comprometida, prevalecendo os agentesabióticos.A ação do homem em promover a formação denúcleos capazes de intensificar a chuva de sementespermite um expressivo aumento na colonização deuma área degradada.As semeaduras diretas ou hidrossemeaduras, tra-dicionalmente, utilizam coquetéis de gramíneasperenes exóticas e leguminosas que rapidamentefornecem cobertura ao solo. Por outro lado, ao seinstalarem, permanecem na área através de processosregenerativos, evitando a nucleação e, conseqüen-temente, impedindo a sucessão. Esses coquetéis sãofontes comuns de contaminação biológica emUnidades de Conservação.Estudos de auto-ecologia que sugerem espéciesnativas promotoras da retomada de resiliênciaambiental ainda são necessários. Algumascaracterísticas ecológicas, entretanto, são desejadasnas espécies que impulsionam o início do processode restauração: o crescimento rápido para a coberturado solo e interrupção do processo erosivo; odesenvolvimento de sistemas radiculares profundosque promovem a percolação de água e de nutrientese a aeração do solo, necessárias para odesenvolvimento de microorganismos; contribuiçãopara o acúmulo de matéria orgânica e nutrientes nosolo e imobilização de nutrientes na comunidade. Essascaracterísticas favorecem o melhoramento dascondições edáficas da área degradada, permitindo ainstalação de espécies mais exigentes no local. Nessesentido, cada espécie atua como elemento nucleador,propiciando o desenvolvimento não somente deespécies vegetais, como também de animais emicrorganismos ao seu redor.As gramíneas, diante de sua alta capacidade de colo-nização, de produção de matéria orgânica e demelhoria da qualidade do solo, são fundamentais nesseprimeiro momento do processo de restauração. Dentrodo princípio da nucleação, recomenda-se a utilizaçãode gramíneas anuais, capazes de produzir palhada epropiciar o processo sucessional.Existe, no entanto, dificuldade de obtenção desementes de espécies nativas, o que muitas vezesresulta, por exemplo, na utilização de espécies exóticascom alta potencialidade invasora, geralmente asBrachiaria spp. (capim-braquiária), que apresentam

alelopatia e grande capacidade regenerativa,estagnando o processo sucessional no local em quesão empregadas.Sugere-se, então, que sejam selecionadas gramíneasanuais e que apresentem baixos níveis de alelopatia,pois, após contribuírem para a cobertura,descompactação do solo e acúmulo de matériaorgânica, cedem espaço, após a sua morte, a novasespécies, dando continuidade à sucessão ecológica.Na falta de gramíneas nativas, admite-se, quando, forade Unidades de Conservação de Proteção Integral, ouso de gramíneas exóticas anuais. Para o inverno, autilização de aveia preta (Avena strigosa Schreb.) eazevém (Lolium multiflorum Lam.) podem, no sul doBrasil, produzir uma efetiva proteção do solo com suaspalhadas. Para o período de verão, o milheto(Pennisetum glaucum (L.) R. Br.), o sorgo (Sorghumbicolor (L.) Moench.) e o teosinto (Euchlaena mexicanaSchrad.) podem ser opções enquanto não houverdisponibilidade de sementes de gramíneas nativasanuais, mais adequadas para processos de restauração.Para promover a cobertura inicial do solo e a formaçãode um novo banco de sementes, é sugerida a utilizaçãode semeadura com alta diversidade. Para isto, pode-se utilizar a semeadura direta ou a hidrossemeaduraecológica. Essa é uma técnica mecanizada, na qualuma mistura de sementes, água, fertilizantes e agentescimentantes favorecem a aderência das sementes aosubstrato na área a ser restaurada.Recomenda-se, ainda, quebrar a dormência de apenasuma parte das sementes. Aquelas sem tratamento vãoformar um banco de sementes, permitindo que ocorragerminação ao longo dos anos. A formação de umnovo e efetivo banco de sementes atua, também, comoagente nucleador de um banco mais diversificado(Austrália, 2001).

Poleiros artificiaisPoleiros artificiaisPoleiros artificiaisPoleiros artificiaisPoleiros artificiais

Aves e morcegos são os animais mais efetivos nadispersão de sementes, principalmente quando se tratade transporte entre fragmentos de vegetação. Propiciarambientes para que esses animais possam pousar,constitui uma das formas mais eficientes de atrairsementes em áreas degradadas.McDonnell & Stiles (1983) instalaram poleiros artificiaisem campos abandonados e registraram que elesfuncionavam como foco de recrutamento devegetação devido ao incremento na deposição desementes por aves nesses locais.McClanahan & Wolfe (1993) verificaram que, em áreaaltamente fragmentada, os poleiros para avifauna(árvores mortas erguidas) aceleraram a sucessãoinicial, aumentando a diversidade de espécies e aquantidade de sementes em 150 vezes, principalmentede espécies pioneiras. Esses autores recomendam queos poleiros devem ser associados a outras técnicas derevegetação, como o plantio de espécies raras.

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Guevara et al. (1986) descreveram que árvores rema-nescentes em pastagens funcionam como poleirosnaturais para aves e morcegos frugívoros, que osutilizam para repouso (ao cruzarem de um fragmentoflorestal para outro), proteção, alimentação (poleirosfrutíferos) ou residência. As árvores remanescentestornaram-se núcleos de regeneração de altadiversidade na sucessão secundária inicial, decorrenteda regurgitação, defecação ou derrubada de frutos esementes pelas aves e morcegos. Os autores aindaconcluíram que os poleiros constituíram um bomexemplo do processo de nucleação, descrito porYarranton & Morrison (1974).Nesse sentido,recomenda-se aimplantação de poleirosartificiais para descanso eabrigo de aves emorcegos dispersores desementes como técnica denucleação para arestauração de grandesáreas abertas. A técnicaresulta em núcleos dediversidade ao redor dospoleiros que, com otempo, irradiam-se portoda a área degradada.Por ser uma técnica de

baixo custo, pode-se, opcionalmente, maximizar suafunção, propiciando um ambiente favorável para queas sementes depositadas sob os poleiros possamgerminar e produzir plantas nucleadoras. Para isso,recomenda-se colocar sob os poleiros camada dealguma palhada capaz de manter a umidade do solo ealguma matéria orgânica que venha a nutrir asplântulas emergidas ao redor dos poleiros.Propõem-se diversos tipos de poleiros artificiais, entreeles: poleiro seco, poleiro vivo, “torre de cipó” e poleirode cabo aéreo.O poleiro seco imita galhos secos de árvores para queas aves os utilizem principalmente como locais deobservação para o forrageamento, principalmente deinsetos. Pode ser feito de varas de bambu (nas quaissão deixadas as ramificações laterais superiores)enterradas perpendicularmente ao solo (FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2).O poleiro vivo imita o aspecto de galhos de árvorescom folhagem, sendo que as aves podem usá-lo pararepouso, visualização de caça e também para ali-mentação. Pode ser feito da mesma forma que os po-leiros secos, procedendo-se, na base, ao plantio de

indivíduos de espécie lianosa de crescimento rápido,de preferência zoocórica ou que exerça outro tipo denucleação, como as lianas associadas com bactériasfixadoras de nitrogênio.A “torre de cipó” imita árvores dominadas por cipósem bordas de mata que têm o papel de abrigo paraaves e, principalmente, morcegos, além de propiciarum microclima favorável no interior de sua estruturapara implantação de espécies esciófitas (FIGURA 3FIGURA 3FIGURA 3FIGURA 3FIGURA 3).A torre de cipó é uma técnica que possui inúmerasvariações, podendo ser instalada de forma individual,em círculos ou lineares. Outra variação é a torre decipó para quebra-ventos, que é constituída por faixascompridas e estreitas, perpendiculares à direção dosventos dominantes e flanqueadas nos dois lados porpoleiros vivos mais baixos (entrelaçados), dando aforma de “V” invertido para o desvio de correntes de

Figura 4: Cabos aéreos podem aumentar as superfícies dos poleiros artificiais, promovendomaiores probabilidades de chegada de propágulos e de nucleação em áreas degradadas.

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Figura 3: As torres de cipó oferecem abrigo para aves e morcegos e, por sua vez estes animaistransportam sementes dos fragmentos vegetacionais vizinhos, formando núcleos de diversidadeque num processo sucessional, atraem outras espécies animais e vegetais.

Figura 2: Os poleiros secos imitamramos secos onde algumas aves preferempousar para descansar e forragear suaspresas. A estadia destas aves nos poleirospermite que novas sementes possamcolonizar as áreas degradadas, formandonúcleos de diversidade advinda dosfragmentos vizinhos.

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Restauração de áreas degradadas: a nucleação como base para incrementar os processos sucessionais

ar para cima.As torres de cipó merecem mais estudos devido aoseu potencial diversificado no controle de microclimae no abrigo para morcegos.Finalmente, o poleiro de cabo aéreo imita a fiação dospostes da rede elétrica, forma de poleiro já integrada àpaisagem para muitos pássaros. Essa técnica pode serutilizada de forma a ampliar a função dos poleirossecos, através da sua união com cordas ou qualqueroutro material disponível (FIGURA 4FIGURA 4FIGURA 4FIGURA 4FIGURA 4).Transposição de galhariaTransposição de galhariaTransposição de galhariaTransposição de galhariaTransposição de galharia

Em áreas destinadas à mineração ou ao represamentode hidrelétricas, onde grandes áreas de solo sãoremovidas (áreas de empréstimo e bota-fora), a

principal causa da degradação ambiental está na totalausência de nutrientes no solo. Qualquer fonte dematéria orgânica disponível na região deve serutilizada, principalmente aquelas com nutrientesimobilizados.Exemplos comuns nessas áreas são os resíduos daexploração florestal. Evitando a queima, este materialpode ser enleirado, formando núcleos debiodiversidade básicos para o processo sucessionalsecundário da área degradada.As leiras de galharia no campo constituem, além deincorporação de matéria orgânica no solo e potencialde rebrotação e germinação, abrigos e microclimaadequados para diversos animais, como roedores,cobras e avifauna, pois são locais para ninhos ealimentação. As leiras normalmente são ambientespropícios para o desenvolvimento de larvas decoleópteros decompositores da madeira, cupins eoutros insetos (FIGURA 5FIGURA 5FIGURA 5FIGURA 5FIGURA 5).Essa técnica foi utilizada com sucesso na restauraçãode áreas de empréstimo nas Hidrelétricas de Itá eQuebra-Queixo/SC, onde foi observado que a galhariarecolhida da área do lago, além de seu efeitonucleador, contribuiu para um efetivo resgate da florae da fauna. Aderidos à galharia, foram transportadastambém sementes, raízes, alguns caules comcapacidade de rebrota, pequenos roedores, répteis eanfíbios. Estas leiras colonizaram e irradiaramdiversidade nas áreas de empréstimo (Reis, 2001).

Plantios de mudas em ilhas de altaPlantios de mudas em ilhas de altaPlantios de mudas em ilhas de altaPlantios de mudas em ilhas de altaPlantios de mudas em ilhas de altadiversidadediversidadediversidadediversidadediversidade

A implantação de mudas produzidas em viveirosflorestais é uma forma de gerar núcleos capazes deatrair maior diversidade biológica para as áreasdegradadas. O plantio de toda uma área degradada

Figura 6: Centros de alta diversidade de espécies e de formas de vida com floração/frutificaçãodurante todo o ano formam ambientes nucleadores de diversidade dentro de áreas degradadas.

Figura 5: Restos de vegetação quando enleirados podem oferecer excelentes abrigos para uma fauna diversificada e um ambientepropício para a germinação e desenvolvimento de sementes de espécies mais adaptadas aos ambientes sombreados e úmidos.

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com mudas geralmente é oneroso e tende a fixar acomposição no processo sucessional por um longoperíodo, promovendo apenas o crescimento dosindivíduos das espécies plantadas.A produção de ilhas como defendido por Reis et al.(1999) e Kageyama & Gandara (2000) sugere aformação de pequenos núcleos onde são colocadasplantas de distintas formas de vida (ervas, arbustos,lianas e árvores), geralmente com precocidade paraflorir e frutificar de forma a atrair predadores,

polinizadores, dispersores e decompositores para osnúcleos formados. Isso gera, rapidamente, condiçõesde adaptação e reprodução de outros organismos,como as plantas nucleadoras registradas nos trabalhosque embasaram a teoria desta proposta de restauração.A efetividade do conjunto de núcleos criados atravésdas ilhas de alta diversidade concretiza-se em suamáxima atividade quando o planejamento dessesnúcleos previr uma contínua produção de alimentodurante todo o ano da forma mais diversificadapossível. O planejamento inclui as variaçõesfenológicas e as formas de vida como previstas naFIGURA 6FIGURA 6FIGURA 6FIGURA 6FIGURA 6.

Coleta de sementes com manutençãoColeta de sementes com manutençãoColeta de sementes com manutençãoColeta de sementes com manutençãoColeta de sementes com manutençãoda variabilidade genéticada variabilidade genéticada variabilidade genéticada variabilidade genéticada variabilidade genética

Processos naturais de dispersão de sementes tendema propiciar a manutenção da diversidade genética daspopulações colonizadoras, tornando a disseminaçãoum processo aleatório e dificilmente privilegiandosementes de um ou poucos indivíduos no processode colonização de uma área. A diversidade genéticafavorece a adaptação às mais variadas situaçõesambientais.O processo de coleta de sementes, no entanto, nemsempre consegue manter a diversidade genética depopulações, uma vez que, geralmente, poucos

Tabela 1: Relacionamento entre as técnicas nucleadoras de restauração e seus efeitos funcionais através de processos sucessionais secundários.

Figura 7: Coletores de sementes dentro de comunidades de variados níveis de sucessãodisponibilizam sementes de muitas espécies, de diversas formas de vida e de grande variabilidadegenética durante todos os meses do ano.

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indivíduos são representados nos lotes de sementescoletados, fazendo com que os viveiros florestaisproduzam grande quantidade de mudas meio-irmãs,ou seja, provenientes de um mesmo indivíduo.Vencovski (1987) discutiu a representatividadegenética intrapopulacional e sugeriu que os lotes desementes utilizados em viveiros fossem provenientesde, no mínimo, 12 a 13 indivíduos, no sentido deatender às variações ambientais do novo sítio e evitarque os novos cruzamentos, localizados na áreaimplantada, fossem endogâmicos.É desejável que o material genético a ser colocado nasáreas degradadas, dentro da visão nucleadora, tenhaa maior heterozigosidade possível, pois a sucessão daárea dependerá do material genético produzidolocalmente nas gerações seguintes.Um programa de coleta durante todo o ano e o ma-peamento do maior número possível de matrizes decada uma das espécies selecionadas aumentará aprobabilidade efetiva das espécies e da sua funçãonucleadora.Uma das formas de garantir o abastecimento desementes durante todo o ano e de forma diversificadaé a colocação de coletores de sementes permanentesdentro de comunidades vegetais estabilizadas, comosugeriram Reis et al. (1999). Esses coletores,distribuídos em comunidades vizinhas das áreasdegradadas, em distintos níveis de sucessão primáriae secundária, captam parte da chuva de sementesnesses ambientes, propiciando uma diversidade deformas de vida, de espécies e de variabilidade genéticadentro de cada uma das espécies (FIGURA 7FIGURA 7FIGURA 7FIGURA 7FIGURA 7). Omaterial captado nos coletores pode ir para canteirosde semeadura indireta (sementeiras) ou ser semeadodiretamente no campo, onde formará pequenosnúcleos com folhas e sementes dentro das áreasdegradadas.

Considerações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finais

A atividade de restauração, tendo como princípiobásico a nucleação, tende a facilitar o processosucessional natural, tornando-se mais efetiva quantomais numerosos e diversificados forem esses núcleos.A TABELA 1 TABELA 1 TABELA 1 TABELA 1 TABELA 1 caracteriza os principais efeitos funcionaisde cada uma das técnicas nucleadoras, denotando asprincipais atividades de cada uma delas. Cada umatem as suas particularidades e, em conjunto, abrangemfatores básicos para a promoção da sucessão: aumentode energia e biodiversidade sobre o ambientedegradado.A utilização de ações nucleadoras, capazes de propor-cionar uma maior resiliência na sucessão secundáriade áreas degradadas, representa um compromisso emreproduzir processos sucessionais primários e secun-dários naturais. Refazer ecossistemas de forma artificialrepresenta um desafio no sentido de iniciar umprocesso de sucessão o mais semelhante possível com

os processos naturais, formando comunidadesdiversificadas biologicamente que tendam a umaestabilização o mais rapidamente possível com amínima entrada artificial de taxas energéticas.A escolha das técnicas para distintos ambientes, sejameles unidades de conservação ou corredores entre elas,implica em primar sempre pela não introdução deplantas exóticas que possam contaminá-las.A escolha de técnicas nucleadoras para umadeterminada área deve buscar o maior númeropossível delas, pois nas ações nucleadoras secomplementarão no sentido de rapidamente formaruma comunidade mais estabilizada. Quanto maior onúmero de ações nucleadoras, maiores serão aschances de aumento do ritmo sucessional.A proposta de restauração através do princípio danucleação tornar-se-á uma realidade quando houver,efetivamente, maiores esclarecimentos na legislaçãoe no esforço em formar recursos humanos voltados areproduzir a natureza em seus princípios sucessionais.

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Ademir Reis - Fernando Campanhã Bechara - Marina Bazzo de Espíndola - Neide Koehntopp Vieira - Leandro Lopes de Souza

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Natureza & Conservação . vol 1 . nº 1 . abril 2003 - pp. 37-46 Artigos Científicos

Trampolins ecológicos e zonas de benefício múltiplo: ferramentas agroflorestais para a conservação de paisagens rurais fragmentadas na Floresta Atlântica Brasileira

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Trampolins ecológicosTrampolins ecológicosTrampolins ecológicosTrampolins ecológicosTrampolins ecológicose zonas de benefícioe zonas de benefícioe zonas de benefícioe zonas de benefícioe zonas de benefíciomúltiplo: ferramentasmúltiplo: ferramentasmúltiplo: ferramentasmúltiplo: ferramentasmúltiplo: ferramentasagroflorestais paraagroflorestais paraagroflorestais paraagroflorestais paraagroflorestais paraa conservação dea conservação dea conservação dea conservação dea conservação depaisagens ruraispaisagens ruraispaisagens ruraispaisagens ruraispaisagens ruraisfragmentadas na Florestafragmentadas na Florestafragmentadas na Florestafragmentadas na Florestafragmentadas na FlorestaAtlântica BrasileiraAtlântica BrasileiraAtlântica BrasileiraAtlântica BrasileiraAtlântica Brasileira

Laury Cullen JrLaury Cullen JrLaury Cullen JrLaury Cullen JrLaury Cullen Jr1 - Engenheiro Florestal, M.Sc. IPÊ – Instituto de PesquisasEcológicas -Tiago Pavan BeltrameTiago Pavan BeltrameTiago Pavan BeltrameTiago Pavan BeltrameTiago Pavan Beltrame - Engenheiro Florestal, IPÊ – Instituto de PesquisasEcológicasJefferson Ferreira LimaJefferson Ferreira LimaJefferson Ferreira LimaJefferson Ferreira LimaJefferson Ferreira Lima - Técnico Agrícola, IPÊ – Instituto de PesquisasEcológicasClaudio Valladares PaduaClaudio Valladares PaduaClaudio Valladares PaduaClaudio Valladares PaduaClaudio Valladares Padua - Dr. Biólogo, IPÊ – Instituto de PesquisasEcológicas e Universidade de Brasília, UnBSuzana Machado PaduaSuzana Machado PaduaSuzana Machado PaduaSuzana Machado PaduaSuzana Machado Padua - Educadora Ambiental, M.Sc. IPÊ – Instituto dePesquisas EcológicasIPÊ- Instituto de Pesquisas Ecológicas, C.P 31, Teodoro Sampaio, SP. CEP: 19280-000Brasil. Fax: + 55-18-3282 3924

Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: A Floresta Atlântica Brasileira no Estado deSão Paulo é um dos ecossistemas mais ameaçados domundo, sendo que resta apenas 1,8% de sua coberturavegetal original. Com uma biodiversidade que incluiespécies endêmicas como o mico-leão-preto (Leonto-pithecus chrysopygus), um primata seriamenteameaçado de extinção, a preservação dosremanescentes florestais tornou-se uma prioridade. OInstituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), umaorganização sem fins lucrativos, estuda a floresta noPontal do Paranapanema e encarrega-se de iniciativasconservacionistas como educação ambiental,envolvimento da comunidade, restauração doshábitats e promoção de políticas públicas de proteçãode áreas naturais, ao mesmo tempo em que envolveas comunidades em iniciativas para melhorar suas con-dições de vida. O Movimento dos Trabalhadores RuraisSem Terra (MST) pressionou os proprietários locais e oGoverno para distribuir terras para famílias sem-terra,criando conflitos e gerando uma demanda para aconservação dos remanescentes florestais na região.Através de abordagens transparentes e participativas,o IPÊ obtém êxito ao colocar os preservacionistas e ossem-terra trabalhando juntos na restauração dehábitats. Essas iniciativas protegem a água, melhoramo solo e protegem os assentados de danos ambientais,enquanto também formam corredores ecológicos,zonas-tampão para proteger os fragmentos florestaise trampolins ecológicos para promover a dispersãode animais e plantas. Uma abordagem inovadora paraconservação que já vem sendo vista como um exemploa ser seguido em outros contextos.

Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: fragmentação, restauração de pai-sagens, participação da comunidade, Pontal doParanapanema.

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

A Floresta Atlântica Brasileira (Mata Atlântica) é umdos ecossistemas mais ameaçados do planeta e correrisco de destruição de forma indiscriminada. Quandoos europeus chegaram ao Brasil no século XVI, aFloresta Atlântica, caracterizada por sua altadiversidade, cobria um milhão de quilômetrosquadrados das costas leste e sul, representando 12%do território brasileiro. Essas florestas vêm sendofragmentadas e reduzidas a cerca de 7% de sua áreaoriginal (SOS Mata Atlântica & INPE, 1993). A MataAtlântica abriga uma grande diversidade biológica,possuindo aproximadamente 7% das espécies domundo, muitas das quais endêmicas e ameaçadas deextinção.O domínio Mata Atlântica pode ser subdividido emduas regiões principais, baseadas nos tipos devegetação e características geográficas (Eiten, 1974;Fonseca, 1985). O primeiro tipo, a Floresta TropicalLatifoliada Mesofítica Perenifólia, originalmente cobriagrande parte do leste do Brasil, estendendo-se até acosta. Esse tipo é encontrado em baixas e médiasaltitudes com precipitação média anual de 200 cm etemperatura média anual de 16–19 ºC (Hueck, 1972).O segundo tipo, a Floresta Tropical LatifoliadaMesofítica Semidecidual (Eiten, 1974), estende-se aoeste da linha de montanhas costeiras, até a regiãodos Planaltos. Esse tipo de vegetação cobriaoriginalmente grandes áreas de Minas Gerais, Rio deJaneiro, São Paulo e Paraná. As Florestas de Planalto(Matas de Planalto) estão em áreas de baixaprecipitação anual (100–150 cm) com uma estaçãoseca pronunciada de 5 a 6 meses, correspondente aoinverno, quando a média de precipitação mensal é decerca de 5 cm. Apesar da precipitação menor, asflorestas continuam presentes, contendo tantoespécies perenes quanto semidecíduas (Eiten, 1974;Alonso, 1997).Atualmente, grande parte dos remanescentes florestaisé encontrada nas encostas montanhosas ao longo dacosta. Muito pouco resta na região dos planaltos, poisa expansão agrícola, industrial e urbana resultaram naperda de mais de 98% da cobertura florestal (FIGURAFIGURAFIGURAFIGURAFIGURA11111). Resta apenas uma área de cerca de 280.000 ha(SOS MataAtlântica & INPE, 1993) do ecossistema maisfragmentado e ameaçado do domínio Mata Atlântica(Dean, 1995). Apesar de muitos desses remanescentesflorestais serem pequenos (TABELA 1TABELA 1TABELA 1TABELA 1TABELA 1), eles mantêmuma flora e fauna bastante diversas (Quintela, 1990),incluindo um dos mais ameaçados primatas domundo, o mico-leão-preto (Leontopithecuschrysopygus).Praticamente toda a Mata de Planalto ainda existenteé encontrada na região do Pontal de Paranapanema,localizada na região oeste do Estado de São Paulo(FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2). Essa região contém 84% do que resta dacobertura vegetal florestal do planalto e é considerada

1 [email protected]

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uma das áreas mais pobres e subdesenvolvidas doEstado. A maioria dessas florestas está empropriedades privadas. As áreas naturais protegidassão estimadas em menos de 1% da área total do Estadode São Paulo, sendo 26% dos remanescentes florestaisprotegidos oficialmente (SOS Mata Atlântica & INPE,1993).Apesar das regulamentações para preservação dosfragmentos de Floresta Atlântica, ações dosproprietários e comunidades locais estão exaurindoos recursos e acelerando a degradação ambiental. Hoje,as Leis Florestais Estaduais proíbem o uso ou remoçãoda vegetação natural, embora algumasregulamentações não sejam minimamente cumpridas.A concentração de terras, a especulação e a falta deterras (para os sem-terra) são as principais causas dadegradação na região do Pontal do Paranapanema.Esse sistema de propriedades resulta na exploraçãodos remanescentes florestais e ameaça os hábitatsrestantes (Cullen Jr. et al., 2000, 2001a, 2001b).

Fragmentos de Floresta Atlântica:Fragmentos de Floresta Atlântica:Fragmentos de Floresta Atlântica:Fragmentos de Floresta Atlântica:Fragmentos de Floresta Atlântica:valores sociais e biológicosvalores sociais e biológicosvalores sociais e biológicosvalores sociais e biológicosvalores sociais e biológicos

Publicações recentes enfatizam os valores sociais e

biológicos dos fragmentos florestais (Shafer, 1995;Schelhas & Greenberg, 1996; Turner & Corlett, 1996;Viana & Tabanez, 1996; Viana et al., 1997). São grandesos valores culturais e sociais dos fragmentos florestais,particularmente entre comunidades indígenas etradicionais. Comunidades locais que viveram pormuito tempo em associação com fragmentos florestaisfreqüentemente apresentam um modo de vidaintimamente ligado à floresta. Nesses casos, osfragmentos florestais podem ser importanteseconômica, social e espiritualmente e sãofreqüentemente valorizados, administrados eprotegidos pelas populações locais (Jacobson, 1995;Lyon & Horwich, 1996). Segundo Browder (1996, p.288), “Forest patches can function as social spacesshaped by human uses and values, seldom isolatedand unused fragments of habitat, owing theirpermanence and existence to the value placed on themby local people” (“fragmentos florestais podemfuncionar como espaços sociais ajustados à utilizaçãoe valores humanos, sendo raramente consideradoscomo fragmentos de hábitats isolados e sem uso,devendo a sua permanência e existência ao valorcolocado neles pela população local”). Entretanto, emoutros casos, benefícios e usos dos fragmentosflorestais não são reconhecidos e os fragmentos

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Figura 1: Diminuição da Floresta Atlântica no Estado de São Paulo, Brasil, de 1500 a 2000. Hoje restam apenas 8% da cobertura florestal original. Na região do Planalto restam3% da floresta original e a maioria desses remanescentes florestais está na região do Pontal de Paranapanema (Adaptado de Shafer, 1995).

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Trampolins ecológicos e zonas de benefício múltiplo: ferramentas agroflorestais para a conservação de paisagens rurais fragmentadas na Floresta Atlântica Brasileira

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florestais não são considerados social eeconomicamente produtivos. Nesses casos, eles sãoconsiderados meros “espaços físicos”.Esse cenário parece ser o caso da Mata do Planalto,especialmente na Região do Pontal do Paranapanema.A grande maioria das comunidades envolvidas naocupação das terras no Pontal não possuiconhecimentos tradicionais da floresta (Ferrari Leite,1998) e cerca de 70% são pequenos proprietários eassentados que não estão familiarizados com asflorestas tropicais de planalto. Muitos não têm tradição

como caçadores e agricultores de subsistência. Cercade 20% são pessoas que passaram a vida em centrosurbanos, encarando períodos de trabalhos marginaise desemprego.Muitos fragmentos florestais ocorrem em propriedadesprivadas e são, diversas vezes, consideradossimplesmente como remanescentes ou terrasimprodutivas. Os valores sociais reconhecidos nessesfragmentos florestais são pequenos, sendocomumente identificados apenas por instituiçõesprivadas de conservação, que estão desenvolvendoprogramas de educação ambiental e iniciativas detreinamento para conservação da biodiversidade(Pádua, 1997). As leis que protegem fragmentosflorestais são geralmente ineficazes, pois não foramintegradas aos sistemas de manejo de terra e estãoquase sempre além da capacidade de execução doEstado. A legislação exige que os proprietáriosmantenham 20% de sua propriedade com a coberturavegetal nativa.Os fragmentos de Floresta Atlântica possuem altosvalores biológicos, conservando a integridadeecológica, protegendo a biodiversidade regional efornecendo populações-fonte para a recolonizaçãode áreas previamente degradadas (Ditt, 2002). Emsegundo lugar, alguns dos fragmentos florestais sãoflorestas de galeria, naturais ou reconstituídas, que

Tabela 1: Tamanho e número dos fragmentos florestais na região do planalto noEstadode São Paulo.

Figura 2: Região do Pontal de Paranapanema. No canto inferior direito está o Parque Estadual Morro do Diabo (37.000 ha) circundado por fragmentos florestais. Asmanchas no mapa são fragmentos florestais que ainda existem na região. Abordagens inovadoras de conservação devem ser usadas para desenvolver uma estratégia deconservação viável para a paisagem rural na Floresta Atlântica, a qual está altamente fragmentada. Sendo uma estratégia, deve definir o uso apropriado da terra, de modoa que seja aceitável socialmente e assim garanta a sustentabilidade ecológica, e que esteja de acordo com as necessidades da população local.

Fonte: Viana & Tabanez (1996)

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criada Estação Ecológica do Mico Leão Preto, comárea de 5.500 ha. Esse corredor é fundamental àmanutenção do fragmento Tucano como um hábitatviável, pois proporciona o movimento de animais entreo Parque e o fragmento florestal. Os lotes dosassentados do movimento dos sem-terra circundamesse corredor florestal. Cada família, com cinco pessoasem média, possui aproximadamente 18 ha. Metadeda propriedade é utilizada para cultivo de subsistênciae/ou para venda (por exemplo, milho, algodão, café,mandioca, arroz e feijão); a outra metade é utilizadapara manter gado leiteiro. Devido às restrições do soloe à falta de práticas adequadas de manejo e suportetécnico, a produção agrícola é extremamente baixa ea maioria das famílias luta para satisfazer suasnecessidades básicas.Abordagem conservacionista I: zonas-Abordagem conservacionista I: zonas-Abordagem conservacionista I: zonas-Abordagem conservacionista I: zonas-Abordagem conservacionista I: zonas-tampão agroflorestaistampão agroflorestaistampão agroflorestaistampão agroflorestaistampão agroflorestais

Pouca atenção tem sido dada ao provável papel queos sistemas agroflorestais podem desempenhar,servindo de zonas-tampão e protegendo os fragmentosflorestais. Cinturões agroflorestais diversificados aoredor dos fragmentos florestais foram considerados,há pouco tempo, como prováveis tampões parareservas de biodiversidade ou como corredores parahábitats fragmentados nos trópicos (Wilson & Diver,1991; Gajaseni et al., 1996). O reflorestamento comtécnicas agroflorestais pode promover a preservaçãode hábitats e espécies e assegurar o compromisso dascomunidades com o reflorestamento. O entorno deflorestas, com tampões agroflorestais no lugar depastagens ou áreas cultivadas, pode reduzir em grandeparte os efeitos de borda e as invasões da floresta. Taiszonas-tampão agroflorestais criam um ambientelimítrofe aos fragmentos florestais, relativamentesimilar ao da floresta (Cullen Jr. et al., 2001b).O Projeto Abraço Verde (PAV) foi iniciado em 1997pelo IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), uma OSCIP(Organização da Sociedade Civil de Interesse Público)brasileira. Com assistência técnica do PAV, ascomunidades que vivem ao redor de fragmentosflorestais trabalham para estabelecer sistemasagroflorestais tampões que podem proporcionarproteção às bordas da floresta, elevar o padrão devida das famílias e estabelecer alternativas viáveis paragerações futuras. Na região do Pontal doParanapanema, o PAV está instalando zonas-tampãoagroflorestais como fonte de lenha, madeira, frutos,grãos e forragem, aliviando assim a pressão exercidapelos proprietários locais sobre o fragmento florestal.Essas zonas de benefício múltiplo consistem de umaárea agroflorestal linear (40–80 m de largura x 1–2 kmde comprimento) em cada propriedade,implementada na interface entre o fragmento florestale a matriz aberta (FIGURA 3FIGURA 3FIGURA 3FIGURA 3FIGURA 3). A abordagem conserva-cionista do PAV é baseada na premissa de que, estimu-lando a plantação e o uso de árvores e arbustos com

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proporcionam proteção dos divisores de águas eestabilizam solos potencialmente erosivos. Em terceirolugar, fragmentos florestais também podem funcionarcomo trampolins ecológicos para a dispersão deorganismos e como abrigo para aves locais emigratórias de longa-distância (Powell & Bjork, 1995;Greenberg, 1996). Finalmente, e o mais importante,constituem os últimos blocos de reconstrução desteecossistema ameaçado, podendo ser usados para osprogramas de restauração florestal e ligação depaisagens naturais.Em conseqüência dos problemas causados pela frag-mentação, são prioridades para a conservaçãoestratégias inovadoras de restauração das paisagensrurais na região da Floresta Atlântica, extremamentefragmentada. Tais estratégias devem definir o usoapropriado das terras, de forma social eecologicamente sustentável. Essas abordagens devemincorporar a análise da adaptabilidade (Hildebrand &Russel, 1996) da estrutura do sistema agrícola, o qual,em conjunto com as práticas agroflorestais (Nair,1993), pode resultar na proteção e preservação defragmentos florestais. Primeiramente, as zonas debenefício múltiplo ou zonas-tampão, que consistemde áreas agroflorestais estrategicamente localizadas,podem ajudar a reduzir os efeitos de borda, bem comoa dependência de recursos florestais, visto que asflorestas primárias estariam rodeadas por sistemasflorestados em vez de pastagens ou áreas cultivadas.Em segundo lugar, os trampolins ecológicos aumentama conectividade entre fragmentos florestais e podemcontribuir para o fluxo gênico de muitas espéciesatravés da dispersão de animais e plantas. Além dasáreas agroflorestais, os quintais agroflorestais tambémpodem funcionar como trampolins ecológicos.Este artigo mostra como a combinação da pesquisaecológica e da ação conservacionista podeproporcionar benefícios diretos tanto às comunidadescomo à vida selvagem: a restauração de paisagensatravés da incorporação de questões sociais,econômicas e institucionais,além da colaboração devários segmentos das comunidades locais como seuobjetivo básico. Ênfase especial é dada para encorajara participação e capacitação das comunidades locais.

MétodosMétodosMétodosMétodosMétodos

Nesta seção são apresentadas duas abordagens meto-dológicas; “zonas de benefício múltiplo” ou “zonas-tampão agroflorestais” e “trampolins ecológicosagroflorestais” para restauração da paisagem na regiãodo Pontal do Paranapanema. Ambas estão focadasem um dos mais importantes fragmentos florestais naregião do Pontal. Sendo uma reserva legal para oassentamento de Ribeirão Bonito, este fragmentofunciona como um corredor que liga o ParqueEstadual Morro do Diabo, com 37.000 hectares, a umfragmento florestal de 2.000 ha, denominado FlorestaTucano. Este fragmento é parte integrante da recém

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Trampolins ecológicos e zonas de benefício múltiplo: ferramentas agroflorestais para a conservação de paisagens rurais fragmentadas na Floresta Atlântica Brasileira

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várias utilizações no entorno dos fragmentos, haveráa valorização desses recursos e a conseqüenteproteção e conservação da floresta e da vida selvagem.Encorajando a exploração limitada de produtosnaturais como lenha, madeira, frutos e forragemvindos das zonas de benefício múltiplo, ascomunidades serão capazes de viver no entorno defragmentos florestais sem impactar na biodiversidadelocal.

Abordagem conservacionista II:Abordagem conservacionista II:Abordagem conservacionista II:Abordagem conservacionista II:Abordagem conservacionista II:Trampolins ecológicos agroflorestaisTrampolins ecológicos agroflorestaisTrampolins ecológicos agroflorestaisTrampolins ecológicos agroflorestaisTrampolins ecológicos agroflorestais

A restauração da conectividade ecológica através depequenas propriedades privadas entre áreasprotegidas pode ser crucial para os esforços deconservação eco-regionais. Uma maneira de ajudar aabrandar os efeitos da fragmentação é criar conexõesentre os fragmentos. Corredores trampolins ecológicos– do inglês stepping-stones (pequenas áreas comárvores que aumentam a conectividades entrefragmentos florestais) – constituídos de parcelasagroflorestais também podem contribuir para o fluxogênico de muitas espécies, permitindo a dispersãoanimal e vegetal. Os corredores trampolins permitema mistura de populações e a troca de genes, fazendocom que problemas como depressão endogâmica,estocasticidade demográfica e estocasticidadegenética tornem-se menos evidentes nos fragmentosreconectados (Gerlach & Musolf, 2000).Os trampolins ecológicos são áreas agroflorestais ejardins residenciais dispostos linearmente entrefragmentos muito maiores (FIGURA 4FIGURA 4FIGURA 4FIGURA 4FIGURA 4). Os corredoresenriquecem a matriz local, aumentando abiodiversidade local e facilitam o movimento deorganismos entre fragmentos florestais. O fragmentoque está diretamente conectado aos 37.000 ha do

Parque Morro do Diabo serve de fonte de dispersãode indivíduos do Parque para as populaçõesenfraquecidas dos fragmentos menores. Por exemplo,a maioria das espécies de borboletas é atraída para asbordas da floresta por causa da abundância deangiospermas que produzem bastante néctar nessasáreas. Conseqüentemente, as borboletas podem usaros corredores contínuos ou os trampolins ecológicoscomo hábitat permanente, e não apenas paramovimentação entre fragmentos florestais intactos(Haddad, 2000).A taxonomia e a diversidade de espécies de borboletasvêm sendo bastante estudadas e descritas no ParqueEstadual Morro do Diabo. De um total de 426 espéciesde borboletas encontradas no Parque, 160 são comunse outras 134 são especialistas em áreas perturbadasde floresta primária (Mielke & Casagrande, 1997). Essesinsetos são conspícuos, dispersando-se livrementeatravés de pequenas clareiras (100–300 m). Ostrampolins ecológicos podem, então, aumentar adiversidade de insetos, tanto local quantoregionalmente. O carisma inerente das borboletastambém as torna um importante ícone para apreservação. Como consideração final, e como foienfatizado por Buchmann & Habhan (1997), estamosapenas começando a sondar os efeitos a longo prazoem morcegos, aves e borboletas migratórias comrelação ao fato de existirem menos plantas nectaríferase menos trampolins ecológicos seguros disponíveisna paisagem. As notícias sobre a diminuição do númerode aves e abelhas não deixam muitos fazendeirosfelizes, pois eles tiram proveito da polinização cruzadanos cultivos agrícolas, sendo que algumas espéciescultivadas requerem esse processo reprodutivo.

ResultadosResultadosResultadosResultadosResultados

Envolvimento da comunidade eEnvolvimento da comunidade eEnvolvimento da comunidade eEnvolvimento da comunidade eEnvolvimento da comunidade e

(a)(a)(a)(a)(a) (b)(b)(b)(b)(b)

Figura 3: (a) Abraços Verdes implementados na interface entre um fragmento florestal e uma matriz aberta. Estas zonas de benefício múltiplo consistem em um plantioagroflorestal linear (40–80 m de largura x 1–2 km de comprimento), implementado na interface entre um fragmento florestal e uma matriz aberta. Zonas-tampão formadaspor parcelas agroflorestais ajudam a amenizar conflitos e reduzem o efeito de borda, visto que a floresta primária é circundada por sistemas florestais, em vez de pastagensou áreas cultivadas. O efeito de borda dentro da floresta é, então, muito reduzido. (b) A vegetação nativa de sub-bosque sob o plantio de Eucalyptus, intercalada comfrutíferas e outras árvores e arbustos com uso múltiplo (AAUM). Além disso, por causa da alta demanda de madeira e lenha na região, essas espécies têm sido ameaçadas pelaextração pelo homem. As observações também sugerem que espécies exóticas como Acacia e Eucalyptus são intolerantes à sombra e, portanto, não germinam, não cresceme não se adaptam ao sub-bosque denso e sombreado desses fragmentos florestais.

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implementação de agroflorestasimplementação de agroflorestasimplementação de agroflorestasimplementação de agroflorestasimplementação de agroflorestasNos últimos três anos, 75 corredores de trampolinsecológicos, de aproximadamente um hectare cada,foram criados pelo projeto para conectar váriosfragmentos. Por causa do nível de apoio dacomunidade ao longo desses anos, ambas asabordagens do projeto estão sendo eficazes nessaregião. As famílias, organizadas em pequenos grupos,são envolvidas em todas as etapas do projeto, desde otreinamento e extensão até seu planejamento,implementação, monitoramento e avaliação. O treina-mento inicial e a extensão agroflorestal se dá atravésde cursos de curta duração sobre agroflorestas, ondeos membros da comunidade aprendem eexperimentam os vários benefícios trazidos pelossistemas agroflorestais. Apresentações em diapositivose vídeo mostram como esses sistemas podem melhoraro microclima, intensificar a ciclagem de nutrientes eaumentar a fertilidade e a quantidade de matériaorgânica do solo. Também são discutidos outrosbenefícios indiretos como o controle de ventos,barreiras para doenças, controle de ervas dninhas epragas, aumento da porosidade e aeração do solo,proteção do solo contra o impacto das chuvas,controle de erosão e redução da necessidade de usode fertilizantes, com diminuição da lixiviação destesinsumos.Os proprietários podem vir a rejeitar as inovaçõesagroflorestais, pois o aprendizado e o domínio denovas tecnologias são, em alguns casos, difíceis, e osresultados positivos não ocorrem sem tentativas e erros(Hildebrand & Russel, 1996). Por isso, a escolha eimplementação de cada sistema agroflorestal ao redordos fragmentos florestais depende de discussão eplanejamento cuidadosos com cada proprietário. Oobjetivo é planejar comcomcomcomcom os proprietários e não porporporporporeles. Através do diagnóstico e planejamentoparticipativos (Raintree, 1990), comunidades rurais e

pesquisadores aprendem coletivamente como melhorimplementar novas opções de plantio e comomodificá-los e adaptá-los às condições locais espe-cíficas, maximizando assim os benefícios. É importantenotar que apenas cerca de 10–15% da área total dapropriedade de cada proprietário é considerada paraimplantação dos sistemas agroflorestais. Entretanto,o restante da área, geralmente utilizado para plantioou criação de gado leiteiro, é certamente beneficiado,direta ou indiretamente, pelas zonas agroflorestais.Embora nenhum modelo seja imposto aos proprietárioslocais, são sugeridas algumas práticas agroflorestaismais comuns. Logo, cada proprietário é livre paradesenvolver e adaptar essas práticas ao seu própriosistema. São necessárias linhas mestras gerais emalguns casos para guiar cada proprietário durante oprocesso de planejamento e implementação,especialmente considerando que a maioria dospequenos proprietários tem pouca experiência comessas práticas. A seguir são listados dois sistemasagroflorestais apresentados aos proprietários locais.Esses sistemas são os mais prováveis para satisfazer asnecessidades conservacionistas, agrícolas e sociais daregião.Combinações de plantações de espécies perenes eculturas de ciclo curto: em áreas mais populosas, osfazendeiros geralmente integram espécies anuais eprodução animal com espécies perenes, primariamentepara satisfazer as necessidades de alimentação. Umalistagem das culturas de ciclo curto é apresentada naTABELA 2TABELA 2TABELA 2TABELA 2TABELA 2. Essa também apresenta árvores perenes,nativas e exóticas, adequadas para as combinaçõesagroflorestais e com potencial de melhorar ascondições do solo e tamponar as bordas dafloresta (Nair, 1993).Sistema Silvopastoril: neste sistema o gado se alimentade plantas herbáceas tipicamente crescidas na sombrados núcleos florestais (Payne, 1985). As árvores são

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Figura 4: Trampolins ecológicos agroflorestais, pequenas ilhas de floresta, especialmente com alguns gêneros de plantas com flores e frutos – que aumentam a conectividadeentre fragmentos florestais –, formadas por quintais agroflorestais que contribuem para o fluxo gênico de muitas espécies, através da promoção da dispersão de plantase animais. Os trampolins ecológicos possuem cerca de um hectare de área cada e estão dispostos de forma essencialmente linear entre os assentamentos e os fragmentosflorestais. A distância média entre cada trampolim é de aproximadamente 800–1.200 metros. Nos últimos três anos, 65 corredores de trampolins ecológicos, de aproximadamente1 ha cada, foram criados pelo projeto para conectar vários fragmentos.

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plantadas para proporcionar sombra ao gado,promover o crescimento do pasto e fornecer forragemou outros produtos, ao mesmo tempo em queprotegem as bordas da floresta. Por exemplo, o gadopode pastar sob plantações de Eucalyptus e Acacia,que servem especificamente para fornecer madeira elenha, além de restaurar o solo. Sistemas silvopastoris

vêm sendo muito utilizados em regiões temperadas ealguns modelos mostram grande potencial para usonos trópicos (Payne, 1985; Oliveira et al., 1986; Lima,1996).Algumas espécies exóticas, como aquelas dos gênerosAcacia e Eucalyptus, podem tornar-se invasoras desistemas naturais ou seminaturais (Richardson, 1998).

A = alimentação animal; AH = alimentação humana; AV = adubo verde; C = celulose (papel); CP = controle de pragas; CS = conservação do solo; EA = espécies apícolas; FA= uso pela fauna; Fi = fibra; L = látex; Le = lenha; Ma = madeira; MC = madeira para construção civil; Me = medicamento; N = fixação de nitrogênio; O = óleo; Or = ornamental;S = sombreamento para plantios; SB = shelterbelts.

Tabela 2: Principais culturas de ciclo curto e árvores exploradas nas combinações de plantações perenes e culturas de ciclo curto na região do Pontal em São Paulo,Brasil. A nomenclatura segue Smith et al. (1992) e Lorenzi (1992).

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Entretanto, Acacia e Eucalyptus vêm sendo muitocultivadas por décadas na região do Pontal, mas nãotêm sucesso na invasão de florestas ou paisagensabertas. Devido à alta demanda de madeira e lenha naregião, essas espécies são bastante visadas paraextração pelo homem. As observações tambémsugerem que essas espécies não toleram sombra enão germinam e crescem no sub-bosque denso esombreado dos fragmentos florestais.

Promotores da comunidade e viveirosPromotores da comunidade e viveirosPromotores da comunidade e viveirosPromotores da comunidade e viveirosPromotores da comunidade e viveirosagroflorestaisagroflorestaisagroflorestaisagroflorestaisagroflorestais

Até agora, o projeto já realizou cursos de treinamentoe instalou viveiros agroflorestais embasados nascomunidades em áreas biologicamente importantespara assegurar sua suntentabilidade. O experimentoenvolveu aproximadamente 500 famílias assentadasem mais de 12.000 hectares de terra. São realizadosprogramas educacionais e visitas de extensão por todaa região.A equipe do projeto percebeu que um excelente modode aumentar a participação em programasagroflorestais foi contratar um membro de cadacomunidade para propiciar a ligação entre acomunidade e a equipe do projeto. Denominadospromotores, essas pessoas são escolhidas pela suacapacidade de liderança e habilidade em organizar emotivar os demais. Todos os promotores são membrosantigos da comunidade, com grande registro deserviço comunitários. Os promotores participam dereuniões mensais com a equipe do projeto e sãoresponsáveis por informar à comunidade os objetivose suas respectivas atividades. Eles também servem defonte de informação para a comunidade, respondendoàs perguntas e desfazendo conceitos errôneos sempreque necessário. Com a assistência dos promotores e oentusiasmo dos membros da comunidade, o projetoinstalou com sucesso 16 viveiros agroflorestais nascomunidades, que servem de fontes de plantas parauso nos abraços verdes e nos trampolins ecológicos.O projeto forneceu ainda assistência técnica etreinamento sobre a construção e o manejo dosviveiros. Em troca, os membros da comunidadeconcordaram em plantar pelo menos 60% da sua cotade mudas de árvores na área do projeto; os 40%restantes podem ser usados em outras partes dapropriedade ou vendidos no mercado local, a fim deaumentar os ganhos. Em longo prazo, o cultivo dasárvores para produção de madeira de qualidadetambém poderá gerar lucro.As agroflorestas vêm recebendo considerável atençãona região do Pontal, sendo vistas como uma formapromissora de uso sustentável da terra e aindaadaptáveis às necessidades dos produtores de pequenaescala. O projeto espera adaptar, desenvolver epromover uma cultura local de sistemas agroflorestais

que contará com demonstrações nas propriedadespara recrutar novos usuários. Programas efetivospodem começar através do encorajamento dascomunidades para estabelecer áreas simples dedemonstração ou experimentos e para avaliar ecompartilhar seus resultados com os demaisprodutores (Nabham, 2001). Embora ainda esteja nasprimeiras etapas de desenvolvimento, essasabordagens conservacionistas servem de exemplos dosbenefícios ecológicos, sociais e econômicos dasagroflorestas.

DiscussãoDiscussãoDiscussãoDiscussãoDiscussão

Muitos conceitos-chave devem ser seguidos para seobter sucesso na aplicação dessas abordagens comomodelos em outras regiões com desafios similares: (1)estabelecer uma relação de confiança antes de iniciaro processo para assegurar uma comunicação positivaentre os participantes; (2) entender as necessidadesdos participantes – ser contextual; (3) manter omodelo simples.Primeiro, a relação de confiança entre extensionistase a comunidade-alvo é um elemento importante paraminimizar muitos problemas de relacionamento. Semisso, os participantes estarão sempre desconfiandoda ação dos outros e podem se tornar apreensivossobre suas respectivas participações de forma efetivano processo decisório. Programas prévios de educaçãoambiental na comunidade e a colaboração de grandese pequenos proprietários de terras em estudosecológicos aumentaram a visibilidade do programana comunidade e ajudaram a estabelecer um alto nívelde confiança. O menor envolvimento dos prováveisparticipantes em atividades controversas poderácontribuir com o estabelecimento da confiança e dorespeito entre todas as partes interessadas,especialmente quando o bem-estar e as posses dosparticipantes são afetados.Uma vez estabelecida a confiança, o passo seguinterequer o entendimento das necessidades dosparticipantes. Os membros da comunidade sócontinuarão a participar se o programa satisfizer seusobjetivos e der atenção aos problemas que elesjulguem importantes. Visto que a agrofloresta foiescolhida como suporte principal do programa, maisdiscussões foram necessárias para julgar quais técnicasfuncionariam melhor para os proprietários (Cullen Jr.et al., 2001). Ouvindo as necessidades dosproprietários, o IPÊ foi capaz de apresentar as técnicasagroflorestais que eram diretas, simples e queproporcionavam retorno rápido. Os trabalhos com osparticipantes e o atendimento de suas respectivasnecessidades aumentam a probabilidade departicipação. Em terceiro lugar, manter o modelosimples; o sucesso da experiência do Pontal está emsua simplicidade e flexibilidade. As sugestões dosparticipantes podem ser facilmente incorporadas ao

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sistema e as novas técnicas são disseminadasrapidamente através de um programa na comunidade.Começando pequeno, o programa pode apontar osproblemas à medida que eles surgem. Por exemplo, aexperiência do PAV começou com 15 famílias eaumentou para mais de 50. Foram incorporadas noprocesso de decisão todas as famílias de sem-terra etambém os grandes proprietários, mas somente umfragmento florestal foi selecionado para o móduloinicial. O projeto continua a crescer e outros viveirosestão sendo construídos para atender a mais fazendase fragmentos florestais.A Reforma Agrária no Pontal do Paranapanema forneceàs famílias anteriormente sem-terra um plano deagricultura e uma oportunidade de alcançar a auto-suficiência. O que o programa não proporciona, noentanto, são as habilidades e a assistência que osproprietários assentados precisam para se tornarprodutivos e preservar os fragmentos da FlorestaAtlântica do interior. Em vez de abordar o problemade preservação numa escala nacional, buscou-sedesenvolver um modelo localizado, que realmenteatenda aos interesses da comunidade e proteja essesvaliosos fragmentos florestais. Agora, as famíliasassentadas têm acesso a treinamento e recursos queaumentam a produtividade de suas propriedades.

ConclusõesConclusõesConclusõesConclusõesConclusões

Essa experiência demonstrou que a abordagem queintegra agroflorestas, educação e componentes depolíticas públicas tem potencial para alcançarbenefícios globais, se empregada em escala integral.Em julho de 2002, uma proposta preparada pelo IPÊpara estabelecer quatro fragmentos como provávelEstação Ecológica (Estação Ecológica Mico-Leão-Preto), totalizando 5.500 ha de hábitats protegidos,foi aceita pelo Governo Federal e uma nova áreaprotegida foi declarada na Região do Pontal. Ocontexto regional foi considerado quando esseprograma local foi desenvolvido. A compreensão dasnecessidades dos participantes e a atenção despendidacom elas mostraram-se um elemento importante parao sucesso.AgradecimentosAgradecimentosAgradecimentosAgradecimentosAgradecimentos

Este projeto é financiado por recursos do GovernoBrasileiro (PROBIO, PD/A e CNPq), da Fundação OBoticário de Proteção à Natureza, Inter AmericanFoundation, The Beneficia Foundation, FundaçãoAshoka, The Liz Claiborne Art Ortenberg Foundation,the Wildlife Trust (WT – USA), The Wildlife Preserva-tion Trust Canadá (WPTC), the Conservation, Food andHealth Foundation, the Durrel Wildlife PreservationInternational, the Rain Forest Alliance e the UnitedStates Agency for International Development (USAID).O apoio institucional também foi dado pelo InstitutoFlorestal São Paulo, pela COCAMP (Cooperativa dos

Assentados da Reforma Agrária do Pontal doParanapanema, São Paulo) e pela Fundação ITESP. Osautores agradecem a Kent Redford, Mary Pearl e Rich-ard Bodmer pelas valiosas considerações sobre asversões anteriores deste manuscrito.

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Diretrizes para o uso de concessões em parques estaduais do Paraná

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Diretrizes para o uso deconcessões em parquesestaduais do ParanáEduardo Nobuo WatanabeEduardo Nobuo WatanabeEduardo Nobuo WatanabeEduardo Nobuo WatanabeEduardo Nobuo Watanabe 1

Leide Yassuco TakahashiLeide Yassuco TakahashiLeide Yassuco TakahashiLeide Yassuco TakahashiLeide Yassuco TakahashiUniversidade Estadual de Maringá – PR

Resumo: os objetivos deste trabalho foram: levantar asituação do uso público nos parques estaduais doParaná; realizar um estudo de caso no Parque Nacionaldo Iguaçu; e integrar estes dados com o fim de elaborardiretrizes para as concessões nos parques paranaenses.Para conhecer a situação dos parques estaduais,utilizou-se um questionário para este propósito.Constatou-se que no Paraná não existe nenhumaatividade ou experiência com concessões em parquesestaduais, sob responsabilidade do Instituto Ambientaldo Paraná. No estudo de caso, foi realizada umaentrevista com o gerente do Parque Nacional doIguaçu; a análise dos autos de concorrência públicadas atuais concessões; e a verificação in loco dasconcessões instaladas dentro do Parque. Por fim,integrando as informações, foram elaboradas dire-trizes para as futuras concessões nos parques estaduaisdo Paraná: 1) a concessão como um meio e não umfim; 2) aplicação dos princípios do Direito ambientalàs concessões; 3) reavaliação da categorização dosparques estaduais; 4) seleção de parque-piloto; 5)definição dos aspectos a serem exigidos daconcessionária; 6) capacitação/treinamento dasequipes de fiscalização; 7) aperfeiçoamento do modelobrasileiro de concessões; e 8) efetivação do controlede visitação nos parques.

Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave: concessões, unidades deconservação. direito ambiental.

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

A visitação em áreas naturais vem aumentando nosúltimos anos e a pressão desta sobre as Unidades deConservação (UC) tem preocupado técnicos, pesqui-sadores e governantes. Segundo estimativas detécnicos da área de turismo, cerca de 40% das viagensinternacionais são motivadas pelo desfrute de áreasnaturais, demanda que tende a ter um crescimentoexponencial a cada ano. Em conseqüência, anecessidade de oferecer atividades recreativas de altaqualidade, sem promover a degradação do ambiente,tornou-se o maior desafio dos administradores de UC.A limitação de recursos humanos e equipamentos,aliada à falta de pesquisas sobre o tema uso público,têm dificultado o manejo e a conservação dessasunidades. Assim, ante a escassez de recursos públicos,dos objetivos essenciais das UC e da possibilidadelegal de promover o uso público nessas áreas, acredita-

se que o processo de concessão pode trazer grandesbenefícios à coletividade.Ressalta-se que dentre as finalidades das UC, além dapreservação, outro objetivo importante é o depromover a educação e interpretação ambiental,favorecendo condições de recreação em contato coma natureza, ou seja, a integração do homem com omeio ambiente. Porquanto, para que se possamconcretizar tais objetivos, as concessões mostram-secomo uma alternativa para solucionar parte dos atuaisproblemas que as UC enfrentam.A delegação de serviço público pelo Estado à iniciativaprivada possibilita que aquela, sem abrir mão da res-ponsabilidade, jurisdição e gerenciamento das UC,viabilize um melhor aproveitamento do potencial dosrecursos do meio ambiente. Embora essa alternativapareça simples, considerando o caráter sui generis e acontemporaneidade das questões ambientais, nota-se que o instituto da concessão aplicado às UC,obedecendo à legislação vigente, é um novoinstrumento em fase de implantação que suscitaestudos mais aprofundados.Diante desse panorama, estabeleceu-se comoobjetivos específicos deste trabalho:A) caracterizar a situação do uso público nos parques

estaduais do Paraná, frente ao processo de con-cessão;

B) estudar as atividades concedidas do ParqueNacional do Iguaçu, observando os aspectosrelevantes da situação passada, presente e futuradessas atividades; e,

C) elaborar as principais diretrizes para a concessãode atividades nos parques estaduais do Paraná.

Revisão da literaturaRevisão da literaturaRevisão da literaturaRevisão da literaturaRevisão da literatura

Sendo a Constituição Federal (CF) a lei maior que regeo ordenamento jurídico brasileiro, o meio ambientetem a sua tutela expressamente garantida no art. 225,que preceitua: “Todos têm direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado, bem de uso comum dopovo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever dedefendê-lo e preservá-lo para as presentes e futurasgerações”.É neste contexto que se inserem os Parques Nacionais,categoria de unidade de conservação prevista noSistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC),que além da preservação da biodiversidade permite ouso público dentro dos seus limites, compatível comos princípios de conservação.

A unidade de conservação parqueA unidade de conservação parqueA unidade de conservação parqueA unidade de conservação parqueA unidade de conservação parqueMilaré (2000) refere-se às unidades de conservaçãocomo espaços especialmente protegidos. Contudo,com o advento da Lei nº 9.985, de 18 de julho de2000 – SNUC – à luz do seu art. 2º, define-se comounidade de conservação: espaço territorial e seus

1 [email protected]

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Eduardo Nobuo Watanabe - Leide Yassuco Takahashi

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recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionaiscom características naturais relevantes, legalmenteinstituído pelo Poder Público, com objetivos deconservação e limites definidos, sob regime especialde administração, ao qual se aplicam garantiasadequadas de proteção. Ademais, sem perder de vistaos objetivos gerais traçados para as UC no art. 7º doSNUC, conforme o art. 11 do mesmo dispositivo legal,a categoria parque tem como objetivo básico: apreservação de ecossistemas naturais e belezascênicas, possibilitar as pesquisas científicas, odesenvolvimento de atividades de educação einterpretação ambiental, de recreação e do turismoecológico.Destaca-se ainda que qualquer interferência dohomem nessas áreas está condicionada a restrições,pois há que se tutelar o objetivo básico de qualquerUC, que é a preservação da natureza. A ação humanaencontra-se em segundo plano dentro das prioridadesdessas áreas.

A concessãoA concessãoA concessãoA concessãoA concessãoSegundo Meirelles (1991, p. 333-334), conceitua-secomo concessão:

A delegação contratual ou legal da execução do serviço,na forma autorizada e regulamentada pelo Executivo. Ocontrato de concessão é ajuste de direito administrativo,bilateral, oneroso, comutativo e realizado intuitu per-sonae. Com isto se afirma que é um acordo administra-tivo (e não um ato unilateral da administração), comvantagens e encargos recíprocos, no qual se fixam ascondições de prestação de serviço, levando-se em consi-deração o interesse coletivo na sua obtenção e as con-dições pessoais de quem se propõe a executá-lo pordelegação do poder concedente. Sendo um contratoadministrativo, como é, fica sujeito a todas as imposiçõesda administração, necessárias à formalização do ajuste,dentre as quais a autorização legal, a regulamentação e aconcorrência.

Experiência com concessões em UCs foraExperiência com concessões em UCs foraExperiência com concessões em UCs foraExperiência com concessões em UCs foraExperiência com concessões em UCs forae dentro do Brasile dentro do Brasile dentro do Brasile dentro do Brasile dentro do BrasilNo âmbito internacional, Pádua (2000) e Milano (2000)afirmam que inúmeras concessões foram realizadasem UC. Nos Estados Unidos, já são mais de 600concessões operando dentro dos parques, sobresponsabilidade do National Park Service (Clear,2002). Segundo informações de Dourojeanni & Pádua(2001), no Chile já foram licitados concessões para 5de seus mais importantes parques nacionais. Na CostaRica se tem notícia de concessões de lojas dentro deUC (Contrato de concesión, 1999). Na Austrália, Foster(2002) também informa que o Parks Victoria possuiconcessões dentro de suas unidades. Kramer et al.(2002) noticiam concessões na Nova Guiné eIndonésia. E, na África do Sul, o Kruger National Park(N’Wanetsi, 2002) também possui atividades con-cedidas.No Brasil, segundo informações de Pádua (2000), asconcessões já estão sendo implantadas em algunsparques nacionais como o do Iguaçu, da Tijuca e de

Itatiaia. Conforme informações de Mattedi (2001), oParque Nacional de Caparaó teria o seu edital delicitação publicado naquele ano.Sobre as concessões em UC, Dourojeanni e Pádua(2001) comentam que as privatizações [sic] de serviçosdentro dessas áreas não merecem muitos elogios. Osautores ponderam, dizendo e reconhecendo queatividades tais como restaurantes, lanchonetes, guias,aluguel de embarcações, entre outros, sejamoutorgadas à iniciativa privada. (Milano, (2001)também admite que muitos serviços prestados aopúblico possam ser melhor operados pela iniciativaprivada do que pela administração pública. E ambosfazem críticas à entrega de UC inteiras ao setor privado.Exemplo citado por Dourojeanni e Pádua (2001) é ocaso dos cinco parques nacionais do Chile que foramlicitados para uma concessão de 30 anos a empresasprivadas que apresentassem os melhores planos demanejo e de investimentos para estas áreas.Como coloca Dourojeanni (2001), há muitasevidências de que tal situação possa acelerar adegradação dos recursos, visto que o objetivo dainiciativa privada é o lucro e não os benefíciosambientais que ainda não tiveram seu valor econômicolevantado. Girot, Weitzner e Borrás (2002) reforçamesse posicionamento, além de alertar sobre o perigodas concessões, ainda pouco estudadas, que vêmganhando força como uma alternativa viável (soluçãode todos os problemas) para o uso público das áreasprotegidas.Como relato da experiência perniciosa do uso inade-quado das concessões em UC, a Commission for Envi-ronmental Cooperation (2002) informa que o usopúblico intensivo das áreas protegidas vemprovocando degradações ao meio ambiente, entre asquais a erosão, a poluição da água e alteração nocomportamento dos animais ou nas taxas dereprodução.

Material e métodosMaterial e métodosMaterial e métodosMaterial e métodosMaterial e métodos

Para atingir os objetivos propostos, este trabalho foidividido em 3 etapas, sendo elas:

Levantamento da situação atual do usoLevantamento da situação atual do usoLevantamento da situação atual do usoLevantamento da situação atual do usoLevantamento da situação atual do usopúblico nos parques estaduais do Paranápúblico nos parques estaduais do Paranápúblico nos parques estaduais do Paranápúblico nos parques estaduais do Paranápúblico nos parques estaduais do Paranáfrente ao processo de concessãofrente ao processo de concessãofrente ao processo de concessãofrente ao processo de concessãofrente ao processo de concessãoSegundo Paraná (2001), o Estado possui 22 unidadesde conservação classificadas na categoria parque esta-dual - P. E. Para levantar os dados sobre a situação douso público dessas unidades fez-se uso doquestionário. Este instrumento, o qual foi elaboradocom base em estudos desenvolvidos por Takahashi(1987), Magro et al. (1990), Merigliano (1990) eWatson et al. (1992), tem a finalidade de obter demaneira sistemática e ordenada informações sobre asvariáveis que intervêm em uma investigação (Denker,

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1998).Preliminarmente, foi realizado um pré-teste com essequestionário, para avaliar a clareza das perguntas e anecessidade de ajustes. Para este fim, foi enviada umaversão provisória do material para alguns chefes deUCs da região noroeste do Estado do Paraná. A partirdos resultados obtidos, essa versão foi readequada,reproduzida e então enviada aos chefes dos 22 parquesestaduais do Paraná, por meio de correspondênciaregistrada com atestado de recebimento.Uma carta de encaminhamento, assinada pelo res-ponsável técnico e coordenador do projeto, foianexada ao questionário, explicando os objetivos dolevantamento e solicitando a contribuição dosadministradores das UCs. Para facilitar o retorno doquestionário respondido, foi anexado um envelopeextra já selado.O tempo de retorno dos questionários durou em médiatrês meses. Situações como a demora na chegada dacorrespondência às mãos dos gerentes (via malote/correios), devido ao fato de estarem sediados nas UCse não passarem com freqüência pelos escritóriosregionais, mais a ausência de um gerente responsávelpara a unidade, contribuíram para o atraso dasrespostas.

Estudo de caso do Parque Nacional doEstudo de caso do Parque Nacional doEstudo de caso do Parque Nacional doEstudo de caso do Parque Nacional doEstudo de caso do Parque Nacional doIguaçu (PNI)Iguaçu (PNI)Iguaçu (PNI)Iguaçu (PNI)Iguaçu (PNI)O Parque Nacional do Iguaçu foi a unidade escolhidacomo objeto de um estudo de caso – metodologiadescrita por Lakatos & Marconi (1991) – por apresentaruma beleza singular; possuir uma visitação em tornode 700.000 visitantes anuais; pelo seu destaque entreas UCs do Brasil e do mundo; e pelas recentes evultosas concessões implantadas dentro dos seuslimites. Este estudo foi baseado numa avaliaçãodocumental das concessões, entrevista com o gerenteda unidade e observação sistemática da situação dasatividades concedidas.

Análise, síntese dos dados e elaboração deAnálise, síntese dos dados e elaboração deAnálise, síntese dos dados e elaboração deAnálise, síntese dos dados e elaboração deAnálise, síntese dos dados e elaboração dediretrizes para concessões em UCsdiretrizes para concessões em UCsdiretrizes para concessões em UCsdiretrizes para concessões em UCsdiretrizes para concessões em UCsApós a coleta dos dados obtidos com os questionários,realizou-se a análise descritiva e os resultados foramintegrados com as demais informações levantadas poroutros meios (estudo de caso e levantamento da lite-ratura) delineando-se as diretrizes básicas para umprocesso de concessão seguro aos parques estaduaisdo Paraná.

Resultados e discussãoResultados e discussãoResultados e discussãoResultados e discussãoResultados e discussão

Levantamento da situação dos parquesLevantamento da situação dos parquesLevantamento da situação dos parquesLevantamento da situação dos parquesLevantamento da situação dos parquesestaduais paranaensesestaduais paranaensesestaduais paranaensesestaduais paranaensesestaduais paranaensesConstatou-se que dos 22 parques estaduais, somente5 possuem alguma atividade delegada à iniciativaprivada. Dentre estas UCs o P. E. de Vila Velha, P. E. deCaxambu, P. E. do Monge e o P. E. João Paulo II não

estão sob controle exclusivo do Instituto Ambientaldo Paraná (IAP). Ou seja, estão em co-gestão com aParaná Turismo, as prefeituras ou o InstitutoAgronômico do Paraná. Nos parques estaduais sobresponsabilidade do IAP, as delegações somenteocorrem na forma de terceirizações.Estas delegações à iniciativa privada estão distribuídasnas atividades de limpeza (4 UCs), viveiro de mudas (1UC), plantio de mudas (1 UC), recuperação emanutenção de equipamentos (1 UC), posto deinformação e cobrança de ingresso (1 UC), alimentação(2 UCs) e loja de artesanato (1 UC).Quanto ao uso público, dentre as 22 unidades, 12(54,5%) estão abertas à visitação e possuem infra-estrutura, tais como: centro de visitantes, restaurantes,trilhas, mirantes, churrasqueiras, centro de pesquisa elojas. Destas, 3 não possuem controle de visitação.Dez parques (45,5%) estão fechados e não possuemnenhum tipo de estrutura para atender visitantes.Constatou-se também que somente 11 parquespossuem plano de manejo (PM), 10 não o possuem e1 parque apresenta este instrumento em fase deelaboração. Destes (10+1), apenas 3 UC estão abertasà visitação pública. As outras 8 estão fechadas.O plano de manejo (emergencial ou outro) é um docu-mento que toda UC deverá possuir, previsto expressa-mente no art. 27 do SNUC. É neste plano que as ativi-dades concessionáveis deverão estar previstas e deta-lhadas com todas as especificações técnicas possíveis.Por exemplo: a implementação de transporte coletivode passageiros, prevendo tipos de veículos que obe-deçam às normas especificadas pelo CONAMA sobre aemissão de poluentes no ar. Ademais, não somentepela exigência legal como também sob o aspectotécnico-administrativo, este instrumento é de grandeimportância referencial para os administradores dosparques (Milano, 1997).Comentando sobre o interesse da iniciativa privadanas concessões, Prado (1996) afirma que a iniciativaprivada participará da estruturação e viabilização deinvestimentos em infra-estrutura quando calcados naatratividade e rentabilidade do projeto. Ou seja, incasu, em parques que possuam algum atrativo que

Quadro 1: Referência para classificação da beleza cênica em UC.

Fonte: Auer (1995)

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1 Média anual2 Não estão sob administração exclusiva do Instituto Ambiental do Paraná

3 Fonte: Auer (1995)(-) não mensurado

Quadro 2 - Situação dos parques estaduais do Paraná frente à concessão de atividades à iniciativa privada.

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gere grande visitação ou no mínimo apresente umpotencial significativo de visitação. Desta forma, ocontrole da visitação constitui uma base de dados degrande importância para as concessões. Assim, comoreferencial da atratividade dos parques estaduais combase na beleza cênica, tomaram-se os dadoslevantados por Auer (1995) em seu trabalho dedissertação. A sua pontuação foi realizada tendo co-mo referência os valores do QUADRO 1QUADRO 1QUADRO 1QUADRO 1QUADRO 1, quepontuação esta inclusa no QUADRO 2QUADRO 2QUADRO 2QUADRO 2QUADRO 2, adaptadasaos dados obtidos pelos questionários.Analisando-se os valores atribuídos à beleza cênica eà visitação (parques abertos e com controle do nº devisitantes), na maioria dos casos nota-se umacorrelação positiva entre ambas, ou seja, quanto maiora pontuação atribuída à beleza cênica, maior seria avisitação e, por conseguinte, maior a possibilidade desustentação econômica pelo uso de concessões dentrodessas áreas. Um caso excepcional é o Parque EstadualVila Rica do Espírito Santo, onde a beleza cênica talveznão seja o principal motivo da maior visitação emrelação ao P. E. da Mata dos Godoy. Outrascaracterísticas como melhor infra-estrutura paravisitação (facilidade de acesso, equipamentos pararecreação, museu), proximidade de centros urbanos edivulgação podem possibilitar uma visitaçãodiferenciada entre os parques. Assim os itens docontrole da visitação e o seu potencial ensejammaiores estudos considerando as peculiaridades queafetam cada UC.

Além disso, o QUADRO 2QUADRO 2QUADRO 2QUADRO 2QUADRO 2 demonstra que há muitopor fazer em termos de plano de manejo e uso públicodentro dos parques estaduais do Paraná. Existemmuitos parques sem esse documento e infra-estruturamínima que impossibilitam sua abertura à visitação.Esses requisitos são muito importantes para delinear aforma de viabilização das concessões dentro dosparques.

Estudo de caso – o Parque Nacional doEstudo de caso – o Parque Nacional doEstudo de caso – o Parque Nacional doEstudo de caso – o Parque Nacional doEstudo de caso – o Parque Nacional doIguaçu (PNI)Iguaçu (PNI)Iguaçu (PNI)Iguaçu (PNI)Iguaçu (PNI)Conforme consulta documental, atualmente são 3 oscontratos de concessões vigentes dentro do PNI sobresponsabilidade do IBAMA. Estes contratos tiveramseu início com os editais de concorrência públicaMMA/IBAMA nº 1/97, 1/98 e 2/98.Sendo as concessões sujeitas à licitação na modalidadeda concorrência pública, todos os procedimentoslegais seguiram os preceitos da Lei das Licitações (Leinº 8.666, de 21.06.1993) e da Lei das Concessões ePermissões (Lei nº 8.987, de 13.02.1995).Assim, uma vez tendo acesso aos volumes dos autosde concorrência pública das três concessões, foramobservados alguns aspectos peculiares de cadaatividade concedida. Por exemplo: quanto aotransporte (Concorrência pública 1/98), teve-se comopreocupação a exigência de determinados itensmitigadores de impacto como: emissão de gasesconforme especificação EURO II/ CONAMA fase IV –poluição do ar; sistema de redução de ruídos (pneus e

Fonte: PNI (2002)* Início das atividades das concessões.

Quadro 3 - Visitação mensal do Parque Nacional do Iguaçu.

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motor) – limite máximo aceitável de 83dB externo –CONAMA – poluição sonora; e, freio ABS – preocupaçãocom a fauna e segurança dos visitantes. Em relação àarquitetura e construção (em todas as concessões), asobras deveriam estar integradas à paisagem natural eprimar pelo uso de materiais naturais. Aos visitantes,teve-se a preocupação de manter, em favor do usuário,contrato de seguro; viabilizar o acesso e uso da infra-estrutura para pessoas com deficiência física ou visual;proibir a venda de produtos tabagísticos; fixar o tempomáximo de circulação entre ônibus de 10 minutos; e,exigir ônibus equipados com ar-condicionado. Quantoà destinação dos resíduos, deveria haver projetos detratamentos, reciclagem, armazenamento do lixo,coleta e destino final dos esgotos e resíduos sólidos.Além disso, sempre que possível, utilizar produtosbiodegradáveis.Analisando a visitação, conforme dados do PNI, QUA-QUA-QUA-QUA-QUA-DRO 3DRO 3DRO 3DRO 3DRO 3, constata-se que durante o período inicial denove meses de funcionamento das concessões nãohouve mudança significativa no número de visitantesno parque. A partir do mês de setembro, após oatentando às torres gêmeas do World Trade Center dodia 11 de setembro de 2001, notou-se uma sensívelredução na visitação do PNI.Tendo em vista o recente funcionamento dasconcessões, mais os fatores externos que podem afetara visitação, deflui-se que essa análise deverá serrealizada com um maior número de dados para que asconclusões possam refletir melhor a relação davisitação com o melhoramento da infra-estrutura deuso público mediante estas delegações.

A) Situação in loco - Aspectos positivosNão obstante não fazer parte do contrato deconcessão, verificou-se que o PNI possui um sistemade tarifação diferenciada para a comunidade doentorno (11 municípios que constam no PM).Conforme o chefe da unidade, Sr. Júlio Gonchorosky(2001b), os moradores do entorno do parque, desdeque comprovem sua residência, pagam uma tarifadiferenciada para o acesso ao PNI (R$ 3,00 – três reais).Os demais visitantes pagam R$ 8,00 (oito reais).

B) Situação in loco - Aspectos negativosMuitos dos problemas observados nas atividadesdelegadas a terceiros relaciona-se ao fato daconcessão do PNI ser a primeira a ser implantada noBrasil e representar um verdadeiro aprendizado decomo fazer uso deste instrumento de gestão em UC.Dentre os aspectos negativos constatou-se:

• Falta de observância do término da revisão do PMpara a abertura das concessões;

• O embarque e o desembarque de passageiros éfeito na mesma plataforma e, segundoinformações da fiscal do IBAMA, nos dias de altofluxo de visitação, forma-se congestionamento en-tre quem está entrando e saindo dos ônibus;

• Não há divulgação clara das atividades concedidasà iniciativa privada ou executadas pelo IBAMA, oque dificulta a distinção da responsabilidadequanto aos serviços prestados;

• Falta de uma central de atendimento do IBAMA.Não havia um local onde os visitantes pudessemfazer consultas, reclamações ou sugestõesreferentes às concessões;

• Inobservância de normas técnicas quanto aoarmazenamento de combustível das lanchasutilizadas no passeio do Macuco Safári; e,

• Atraso (julho/2001) na implantação do sistema deavaliação qualitativa, por parte do IBAMA, dos ser-viços prestados pelas concessionárias. Não haviaum sistema bem estruturado de fiscalização daqualidade dos serviços prestados. Ou seja, estavamem fase do desenvolvimento do modelo.

C) A experiência do gerente com as concessõesEm que pese as concessões afetarem somente a estru-tura de uso público, ela ainda tem as suasconseqüências no que diz respeito também à gestãodo parque. De acordo com o Chefe do PNI, no planoinstitucional, a concessão de atividades à iniciativaprivada veio fortalecer a imagem do IBAMA frente àcomunidade local e ao governo estadual. Aimplantação das concessões no uso público do parquefoi um desafio pelo qual o IBAMA mostrou o seuposicionamento quanto à sua capacidade de gestãodo parque.Conforme Gonchorosky (2001b), o aspecto maisbenéfico do processo de concessão foi a exoneraçãodo Estado em fazer um investimento vultoso naconstrução da infra-estrutura instalada para a o usopúblico dentro do parque.Gonchorosky (2001a) afirma ainda que uma vezimplantada a concessão do transporte coletivo,diminuiu a circulação de veículos dentro do parqueem 50% (cinqüenta por cento), havendo uma reduçãono índice de atropelamento de animais silvestres naordem de 80% (oitenta por cento). Esta restrição foium processo realizado de forma gradativa paraamenizar o confronto entre o IBAMA e as pessoasenvolvidas no transporte de visitantes pelo PNI. O usodos veículos coletivos possibilitou maior conforto parao visitante dentro de veículos dotados de ar-condicionado e grande área envidraçada/aberta paraapreciação das paisagens do parque. Em termos deinfra-estrutura, a implantação do sistema de transportecoletivo fez com que se exigisse a construção de umestacionamento para comportar os veículos que nãotivessem acesso ao interior do parque. Toda esta estru-tura foi viabilizada sem investimentos diretos de verbaspúblicas mediante as concessões.Quanto aos problemas, o gerente do PNI afirma que amaior dificuldade gerada pela implantação das conces-sões é o monitoramento do empreendimento, desdea instalação da infra-estrutura até a sua operação.

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Segundo ele, o atual modelo de concessão exige muitomais preparo e responsabilidade dos administradoresque estão ou estarão gerenciando estas áreas. Estefato também é relatado por Sellars (2002), o qual afirmaque a partir da década de 60, época em que asconcessões foram instituídas nos Estados Unidos, apressão sobre a gerência dos parques ficou maior.

Diretrizes para concessões em parquesDiretrizes para concessões em parquesDiretrizes para concessões em parquesDiretrizes para concessões em parquesDiretrizes para concessões em parquesestaduais do Paranáestaduais do Paranáestaduais do Paranáestaduais do Paranáestaduais do ParanáAs duas primeiras estratégias dizem respeito à cons-cientização necessária dos tomadores de decisão daestrutura administrativa. Já as demais estratégiasreferem-se à situação dos parques estaduais do Paraná.

Diretriz 1 – A concessão como um meio e não um fim– conscientização 1Na mesma linha defendida por Milano (2000) para osplanos de manejo, a concessão é um instrumento deadministração e manejo do uso público; ficando claroque é um meio e não um fim que deve ser buscadopara a consecução dos objetivos dos parques.Gonchorosky (2001b), ratifica que a concessão deatividades dentro de UC é um instrumento para o usopúblico. A administração pública não deve acreditarque a concessão seja uma panacéia para abertura dosparques ao público e a sustentação das UC. Além disso,frisa-se que mesmo com o uso das concessões, oEstado não poderá se eximir das suas atribuições sobreo parque porque a fiscalização, o monitoramento e aadministração ainda continuarão sobresponsabilidade.

Diretriz 2 – Aplicação dos princípios do Direitoambiental às concessões – conscientização 2Garantir e divulgar a adoção dos princípios do Direitoambiental, quais sejam: a) Princípio da legalidade; b)Princípio da supremacia do interesse público naproteção do meio ambiente em relação aos interessesprivados; c) Princípio da indisponibilidade do interessepúblico na proteção do meio ambiente; d) Princípioda intervenção estatal obrigatória na defesa do meioambiente; e) Princípio da participação popular naproteção do meio ambiente; f) Princípio da garantiado desenvolvimento econômico e socialecologicamente sustentado; g) Princípio da avaliaçãoprévia dos impactos ambientais das atividades dequalquer natureza; h) Princípio da prevenção de danose degradações ambientais ou princípio da precaução;e, i) Princípio da responsabilização das condutas eatividades lesivas ao meio ambiente.

Diretriz 3 – Reavaliação da Categorização dos ParquesEstaduaisComo já levantado por Auer (1995), mesmo antes do

SNUC, algumas UC do Paraná encontravam-se enqua-dradas de forma inadequada quanto a categorização.Assim, para começar o processo de concessão de ativi-dades dentro dos parques estaduais deve-se primeirolevantar nos atuais parques (22) o seu correto enqua-dramento técnico-legal.

Diretriz 4 – Selecionar Parque(s)-piloto(s) para preparo,treinamento e aperfeiçoamento da administração deconcessões em UC.Conforme Kramer et al. (2002), o estudo de casosconstitui numa das alternativas apresentadas para oprocesso de conhecimento da relação Estado-iniciativaprivada.A escolha de uma UC categorizada conforme o SNUCe os preceitos técnicos devem seguir alguns critérioscomo: apresentar potencial de visitação; caso possuaum PM, fazer uma revisão visando a incorporação detoda a atividade concessionada; e, na hipótese de nãoexistir um PM, elaborar este documento prevendo edescrevendo as atividades a serem concessionadas.

Diretriz 5 – Definir claramente todos os parâmetrosdas atividades “concessionáveis” no termo dereferência, edital de concorrência e no contrato deconcessão e seus anexos.Conforme Kettl (1998), a avaliação do desempenhodas organizações estatais já é muito difícil. Assim, noque diz respeito a delegações, as dificuldades deavaliação serão potencializadas. Neste sentido, o autorrecomenda que o Estado tem que se tornar umcomprador inteligente (saber o que quer) para entãopossibilitar que os vendedores – neste caso osconcessionários – possam se adequar à demandaestatal.

Diretriz 6 – Preparar corpo técnico estatal parafiscalizaçãoOs chefes de parques ou outras pessoas do corpotécnico estatal deverão estar a par de todo o conteúdodo processo de concessão das atividades dentro daUC. Definido o que se quer das concessões (estratégia5), é preciso treinar as pessoas efetivamente envolvidasno processo para que possam cobrar aquilo querealmente está previsto nos regulamentos. Para tantofaz-se necessário o preparo do corpo técnico de comoproceder diante dos possíveis problemas dasconcessões.

Diretriz 7 – Aperfeiçoar o modelo brasileiro deconcessões.Conforme Kramer et al. (2002), a mera importação demodelos estrangeiros pode não funcionar para deter-minadas áreas, devido às peculiaridades de cada UC.Ademais, esta estratégia visa estudar novas alternativas

1 Modelo alternativo de concessão, proposto por Pires e Giambiagi (2000, p. 27), no qual“a concessão se expirará quando a receita realizada se igualar à receita esperada pelaconcessionária, permitindo ao poder concedente relicitar a concessão, com tarifas maisbaixas, antecipando o benefício de redução das tarifas em relação ao prazo previsto nomodelo atual”.

2 Modelo de concessão chileno, no qual a iniciativa privada apresenta de antemãoestudo de viabilidade de atividades com potencial para concessão dentro de UC.

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adaptáveis ao sistema brasileiro de concessões.Exemplo disso são os modelos propostos por Pires &Giambiagi (2000) – “endogenização”1 – e Principales2

(1997). Com base nas experiências resultantes doparque-piloto, analisar as melhores opções para a UC.

Diretriz 8 – Implantar o controle de visitação na UCConcomitantemente ao desenvolvimento do modelode concessão nos parques que já se encontram abertosao público e onde não exista nenhum tipo deacompanhamento da visitação, implantar um sistemaonde se possa registrar o fluxo e o perfil de visitantesdessas UC. Pois, segundo Pires & Giambiagi (2000), émuito difícil prever uma demanda de serviço numaárea totalmente nova ou sobre o qual não se dispõede um histórico estatístico.

Somente após o desenvolvimento final de um sistemasólido de manejo de concessões, com as devidas adap-tações peculiares a cada UC, dever-se-á implantá-loem outras unidades que possuam potencial técnico-legal para este instrumento de gestão.

ConclusõesConclusõesConclusõesConclusõesConclusões

A) Inexiste, até o momento, qualquer experiência comconcessões (nos moldes da Lei nº 8.987, de 13/02/1995) nos parques estaduais do Paraná,gerenciados diretamente pelo IAP. Isto ensejamaiores estudos por este órgão para o início doprocesso de delegação de serviços dentro de UC,começando pela reavaliação da categorização dosparques estaduais;

B) Considerando a relação Estado-iniciativa privada,a implantação de concessões em parques estaduaisexige estudos técnicos que deverão constar nosplanos de manejo dos parques. A segurança da“viabilidade ambiental” (prevista no plano demanejo) e econômica (elaborados com base navisitação e no seu potencial) é crucial para osucesso das concessões;

C) Considerando a concessão implantada no PNI,nota-se que a participação da iniciativa privadano uso público da UC possibilitou melhoria nainfra-estrutura de visitação do parque. Neste caso,sem o desembolso de recursos pelo Estado.Contudo, os impactos causados pela implantaçãoe o uso intensivo dos recursos ainda deverão serobjeto de estudos mais aprofundados;

D) Tendo em vista as falhas constatadas naimplantação das concessões no PNI, recomenda-se que este instrumento deva ser utilizado de formacautelosa (princípio da precaução), pois há muitoque se estudar ainda sobre a relação Estado - MeioAmbiente - Iniciativa Privada, evitando-se desta

forma danos que possam ser irreversíveis para omeio ambiente; e,

E) Ainda com fundamento no princípio daprecaução, faz-se necessário um estudo-piloto paraque as delegações sejam realizadas de formasegura e sem entrar em conflito com os objetivosda UC. Os remanescentes de biomas protegidospelas UC não podem ser vítimas da imprudênciados atos do homem. O estudo deverá estar focadonos aspectos ambientais e legais que osempreendimentos poderão afetar.

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Notas Natureza & Conservação . vol 1 . nº 1 . abril 2003

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“Biologia da Conservação”, de“Biologia da Conservação”, de“Biologia da Conservação”, de“Biologia da Conservação”, de“Biologia da Conservação”, deRichard B. Primack e EfraimRichard B. Primack e EfraimRichard B. Primack e EfraimRichard B. Primack e EfraimRichard B. Primack e EfraimRodrigues.Rodrigues.Rodrigues.Rodrigues.Rodrigues.Terceira Impressão (2002), EfraimTerceira Impressão (2002), EfraimTerceira Impressão (2002), EfraimTerceira Impressão (2002), EfraimTerceira Impressão (2002), EfraimRodrigues / Editora Vida, Londrina,Rodrigues / Editora Vida, Londrina,Rodrigues / Editora Vida, Londrina,Rodrigues / Editora Vida, Londrina,Rodrigues / Editora Vida, Londrina,327 pp.327 pp.327 pp.327 pp.327 pp.

Por Fernando FernandezPor Fernando FernandezPor Fernando FernandezPor Fernando FernandezPor Fernando Fernandez

Ao ser apresentado à plena exuberância da Mata Atlân-tica no Rio de Janeiro, um atordoado amante da natu-reza chamado Charles Darwin escreveu: “minha menteestá um caos de delícias”. Se hoje a cada dia um poucomais da natureza real se perde e mais difícil se tornaviver a luxuriante experiência dos sentidos vivida porDarwin, paradoxalmente nunca houve tanta atençãoda humanidade para a natureza e para os problemasde sua conservação. A mídia nos traz a cada semanauma enxurrada de informação sobre espéciesameaçadas, assim como sobre mais outro paraísoecológico. Paradoxalmente, no entanto, esses temastão cruciais são ainda muito mal compreendidos pelopúblico em geral, com prejuízo para a conservação.Afinal, se o público percebesse o quão alterados eempobrecidos são a maioria dos tais “paraísosecológicos”, certamente teria uma percepção melhorda urgência da conservação. Mas para muitos, osproblemas ambientais são uma “terra de ninguém”: aecologia, diz-se, é a ciência do óbvio. Esta mentalidadefavorece que muitos problemas ambientais sejamainda entregues a profissionais bem intencionados,porém sem conhecimento adequado. Pior ainda, tam-bém gerou um grande mercado onde licenças paradestruir são muito fáceis de obter. Tal situação é refor-çada pelas falácias da moda, que dizem que qualquercoisa só é boa se tem aplicação econômica e socialimediata. Conhecimento científico de qualidade nãoé algo para um país como o nosso; contentemo-nosem ser um país de técnicos, e olhe lá. Esta mentalidade,porém, tem se revelado desastrosa, como nos mostrama cada dia os problemas ambientais cada vez maisgraves. Um ecossistema, muito longe de óbvio, éinfinitamente mais complexo que um prédio ou quequalquer uma das nossas admiráveis maravilhastecnológicas. Os processos biológicos são centrais emqualquer problema de conservação, e, portanto paralidarmos com tais problemas, há que se conhecer doque se trata - e conhecer bem.Neste panorama, cabe destacar a grande importânciade “Biologia da Conservação”, de Richard Primack eEfraim Rodrigues. Trata-se do primeiro livro em portu-guês a apresentar de forma completa como osprincípios da biologia (incluindo ecologia) e ciênciascorrelatas se aplicam à conservação da natureza.Muitas destas idéias importantíssimas, tais como os

processos ecológicos e genéticos que levam à extinçãode pequenas populações, populações mínimas viáveise efeitos da fragmentação florestal, são aqui pelaprimeira vez destrinchados de forma didática em umtexto acessível e em português. “Biologia daConservação” tem uma perspectiva admiravelmenteampla, que vai desde a ecologia e a genética até abase ética da conservação. Também discute de formalúcida e informativa aspectos práticos, tais comoplanejamento e manejo de reservas naturais, educaçãoambiental e financiamento de projetos ambientais. “Biologia da Conservação” é a versão brasileira de umlivro publicado anteriormente por Primack em colabo-ração com autores locais da China, Alemanha, Japão,Indonésia, Vietnã e Coréia do Sul. No caso do Brasil, opapel de autor local (assim como de produtor e editordo livro) foi exercido, com competência, por EfraimRodrigues. O resultado feliz desse arranjo é que o textobásico de Primack é temperado com uma grande quan-tidade de exemplos referentes a espécies brasileiras eecossistemas brasileiros. Lá estão os micos-leões, oProjeto Tamar, Mamirauá. Isso torna o livro mais útil emais agradável de ler para todos aqueles que seinteressam por conservação no Brasil. É também umlivro bem escrito, cuja leitura é tornada mais fluidapela fartura de ilustrações e de gráficos. Por outrolado, o nível de profundidade do texto parecer oscilarum pouco, parecendo às vezes bastante aprofundado,e às vezes um pouco básico demais. Cabe ressaltarque as primeiras duas impressões (de 2001) traziamuma boa quantidade de erros, causados por traduçõeserrôneas de termos científicos, os quais prejudicavamseriamente o livro. Felizmente, na terceira impressão –que é tão modificada que deveria ser consideradacomo uma edição revista – todos estes erros foramlaboriosamente corrigidos. Recomenda-seenfaticamente que os leitores procurem a terceira im-pressão, e não as duas primeiras.O Primack & Rodrigues, como já é conhecido, podeser usado como um excelente livro-texto paradisciplinas universitárias de Biologia da Conservação,seja a nível de graduação ou de pós-graduação strictusensu. Mais que isso, é um livro agradável que forneceuma base de conhecimentos ampla, sólida e atualizadapara qualquer um que se interesse em trabalhar comconservação da natureza no Brasil. Não há chavãomais velho e irritante que terminar uma resenhadizendo que o livro vem preencher uma importantelacuna na literatura. Mas o leitor que me perdoe,porque para o Primack & Rodrigues este chavãorepresenta a mais pura expressão da realidade.

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Natureza & Conservação . vol 1 . nº 1 . abril 2003 Notas

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Tornando os parques eficientes:Tornando os parques eficientes:Tornando os parques eficientes:Tornando os parques eficientes:Tornando os parques eficientes:Estratégias para a conservaçãoEstratégias para a conservaçãoEstratégias para a conservaçãoEstratégias para a conservaçãoEstratégias para a conservaçãoda Natureza nos Trópicos.da Natureza nos Trópicos.da Natureza nos Trópicos.da Natureza nos Trópicos.da Natureza nos Trópicos.Curitiba: Editora da UFPR/ FundaçãoCuritiba: Editora da UFPR/ FundaçãoCuritiba: Editora da UFPR/ FundaçãoCuritiba: Editora da UFPR/ FundaçãoCuritiba: Editora da UFPR/ FundaçãoO Boticário, 2002. (Edição emO Boticário, 2002. (Edição emO Boticário, 2002. (Edição emO Boticário, 2002. (Edição emO Boticário, 2002. (Edição emportuguês do original “Making parksportuguês do original “Making parksportuguês do original “Making parksportuguês do original “Making parksportuguês do original “Making parkswork: strategies for preservingwork: strategies for preservingwork: strategies for preservingwork: strategies for preservingwork: strategies for preservingtropical nature”. Washington DC:tropical nature”. Washington DC:tropical nature”. Washington DC:tropical nature”. Washington DC:tropical nature”. Washington DC:Island Press, 2002). Organizadores:Island Press, 2002). Organizadores:Island Press, 2002). Organizadores:Island Press, 2002). Organizadores:Island Press, 2002). Organizadores:John Terborgh, Carel van Schaik, LisaJohn Terborgh, Carel van Schaik, LisaJohn Terborgh, Carel van Schaik, LisaJohn Terborgh, Carel van Schaik, LisaJohn Terborgh, Carel van Schaik, LisaDavenport e Madhu Rao.Davenport e Madhu Rao.Davenport e Madhu Rao.Davenport e Madhu Rao.Davenport e Madhu Rao.

Por Maísa Guapyassú

Como praticar conservação em países onde as questõesfundamentais não dão lugar a preocupações impor-tantes? Como decidir o que é imprescindível para paísesonde a miséria e a violência são o cardápio diário? Comotornar a conservação uma realidade? Nós sabemos, oupelo menos alguns de nós o sabem, que a conservaçãoda natureza é fundamental para a preservação da vidana terra. Mas a questão principal, e ainda nãorespondida é como conciliar essa necessidade comoutras que muitas vezes parecem mais importantes.O combate à miséria é imprescindível. Mas manter osecossistemas funcionando é igualmente vital, por causados serviços que eles fornecem. Os ecossistemas fun-cionam como apoio ao combate à miséria, na medidaque mantêm, por exemplo, o suprimento de água, aciclagem de nutrientes e a própria biodiversidade, quepor sua vez auxilia a manter os ciclos da natureza funcio-nando. E as unidades de conservação são a melhormaneira de abrigar e proteger os ecossistemas.“Tornando os parques eficientes” é o resultado de umencontro que reuniu 30 conservacionistas no norte daFlórida, Estados Unidos, em agosto de 1999, cujoobjetivo foi compartilhar informações entre o pessoalque atua nas linhas de frente da conservação nostrópicos. O livro é dividido em 32 capítulos escritos pordiferentes autores, e dividido em quatro partes. A ParteI é introdutória, e serve como uma visão geral à situaçãodas áreas protegidas em todo o mundo. A Parte IImostra uma série de estudos de caso, da África, Ásia eNovo Mundo, incluindo o Brasil. Na Parte III, a maispolêmica, o leitor toma conhecimento da ampla gamade problemas enfrentados pelas unidades deconservação em diferentes níveis hierárquicos. Sãosugeridas alternativas para superar esses problemas. AParte IV remete a questões filosóficas sobre aconservação, discutindo posturas tradicionais, econcluindo que as unidades de conservação devemfuncionar realmente; caso não o façam, a natureza tro-pical estará em risco.O livro foi escrito por 35 autores diferentes, apresen-

tando então estilos distintos, alguns deles pesados, maisdifíceis de ler, mas estes são minoria. Alguns textosfluem tão bem que o leitor não consegue parar de leraté o fim do capítulo – e fica querendo mais. Estes sãomaioria. São interessantes, cheios de experiênciasverídicas. Experiências de pessoas que vivem ou viveramo dia a dia e as situações problemáticas em áreasprotegidas no mundo todo.Alguns autores ousam desafiar e criticar grandes doa-dores internacionais de dinheiro, como o BancoMundial e a USAID, entre outros. Eles criticam osmétodos, princípios e iniciativas desses doadores, comoos IDCPs (Projetos Integrados de Conservação eDesenvolvimento) quando usados como panacéia, oapoio financeiro de curto prazo, que não resolve osproblemas básicos, e ainda pode causar outros piores.Eles criticam ações como a generalização deprocedimentos, tais como desenvolver alternativaseconômicas no entorno imediato das unidades deconservação de proteção integral, sem consideraçõescom relação à biodiversidade e à conservação da própriaárea. Em alguns lugares, essas iniciativas atraem tantagente, que as áreas protegidas se vêem seriamenteameaçadas.Eles discutem como o paternalismo pode ser perigoso.Como trazer realmente as pessoas para a causa da con-servação? O limite entre o paternalismo e o apoio àcomunidade é muito estreito, como mostrado no livro.Como lidar com a guerra e suas conseqüências? Comomanter a integridade das áreas protegidas sob condiçõestão difíceis como conflitos armados, revoltas civis, emultidões de refugiados famintos? Como manter a inte-gridade sob fortes pressões políticas e econômicas?Os autores apontam as contradições entre a políticaglobal de um país e as reais ações do seu governo, oabismo entre o discurso e a ação. E mais do que reclamardos problemas encontrados, os autores buscaramsoluções. Algumas vezes soluções parciais, naimpossibilidade de resolver integralmente o problema.Mas eles continuam tentando, mesmo expulsos dospaíses onde trabalham por causa de revoluções, guerra,confrontos civis e economias destroçadas. Elescontinuam trabalhando, mesmo fora do país, apoiandoo pessoal local, e voltando tão logo se faça possível.Eles são heróis? Talvez não. São pessoas comuns,comprometidas com uma causa na qual acreditam.Os autores não propõem receitas ou soluções mágicas.A maioria deles ainda está fazendo e aprendendo. Maseles têm algo em comum, a fé na importância das uni-dades de conservação, sua disposição em continuartentando, e muita criatividade e comportamento pró-ativo. Eles enfrentam problemas sociais, econômicos epolíticos, mesclados em mosaicos complexos eraramente replicáveis. Cada caso é um caso. Nóspodemos aprender com eles, refletir e procurar nossospróprios caminhos a partir das experiências descritas.Nós podemos não concordar com todas as idéias expos-tas no livro, mas elas nos farão pensar.