neo-clientelismo e cooptação na manutenção do poder local
TRANSCRIPT
-
7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local
1/16
NEO CLIENTELISMO E COOPTAO NA
MANUTENO O PODER POLTICO LOCAL:
Estudo de um caso
Professor do Departamento e incias Sociais d Universidade Estadual e Londrina
Este
artigo
apresenta
os resultados parciais
de
uma pesquisa
realizada
em
1995/96
pelo
autor, que procurava compreender
um
conjunto de prticas polticas de tipo clientelistas
desenvolvido pelo governo municipal de uma cidade interiorana
de
porte mdio. Tais prticas
fazem parte de
um modelo
poltico-administrativo instalado pela elite dominante
da
cidade.
Sob
sua iniciativa constri-se um quadro institucional: a) burocrtico, que no
colabora
na
criao
de
canais formais , institucionalizados, de participao e representao dos interesses
das classes populares;
b) cooptador
e autoritrio, que
busca
a todo o
tempo
tutelar as
organizaes
coletivas dos setores populares, restringido-lhes a liberdade e autonomia. O
fenmeno do clientelismo local reconstrudo a partir
de
relatos colhidos
junto
a lideranas
populares que estiveram frente
de
movimentos sociais no perodo enfocado.
Palavras-chave: Poder local, neo-clientelismo, classes populares .
INTRODUO
E
ste artigo resulta
de
pesquisa realizada sobre
um
conjunto de prticas polticas especficas
que
vinham sendo desenvolvidas pelo
governo municipal de
uma
cidade de porte mdio do interior
paranaense,
na
sua relao com
os
movimentos
reivindicatrios de
moradores
da periferia do municpio
durante, o perodo que vai de
1984
a 1995. Observe-se
que
so trs gestes comandadas pelo
mesmo
grupo poltico.
Tais prticas reapresentam arena polti ca antigas formas de
clientelismo, personalismo e compadrio, que
por
tanto tempo
marcaram as relaes entre Estado e sociedade civil no Brasil.
No caso desta cidade, no s grande parte
da
administrao,
como
tambm algumas reas da administrao e secretarias,
por exemplo
as de ao social e
obras
, apresentavam
suas
polticas elaboradas, de
maneira
significativa,
conforme
diretrizes
clientelistas
e
poltico-partidrias
.
Ou seja,
prevaleciam nas formulaes
das
polticas pblicas locais,
as orientaes
por
critrios particulares
de
ao, bem mais
do
que por
critrios universalistas.
Principalmente a
partir da dcada de 70
o pas
conheceu o surgimento de
novos movimentos sociais
que
punham em
cena
a presena e identidade de atores sociais
que at ento estavam excludos do espao poltico
institucionalizado. Mesmo assim, embora se tenha observado
a diminuio das prticas cliente istas, certo que as mesmas
continuam
em
vigor, orientando o fazer poltico
de
inmeras
elites polticas locais e regionais.
Assim
sendo, buscou-se, enquanto objetivo geral
da
pesquisa: verificar como se colocavam as relaes entre os
atores sociais do governo local (representado, especialmente,
numa figura singular deste caso, que o vereador do bairro )
e dos setores populares (representados nas lideranas dos
mo\,imentos reivindicatrios
de
bairro), j que era ntida a
presena
de tipos especiais de redes e relaes de
poder
clientelistas e autoritrias, construdas a partir das interaes
daqueles atores e
grupos
sociais,
envolvidos
no caso
em
questo. Portanto, interessava ver como era possvel a
presena de um forte processo de domnio em relao aos
movimentos populares de bairro, que j fazia parte do
modelo poltico-administrativo da elite poltica hegemnica
na cidade estudada, e que era baseado na cooptao de
lider n s
popul res
e no
person lismo
de
lguns
vereadores do bairro .
Rev. Mediaes, Londrina, v.
2
n.
2
p 41-56, jul./dez. 1997 41
-
7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local
2/16
A Sobrevivncia de Prticas
Polticas 'Arcaicas'
Desde a dcada de 70 os movimentos reivindicatrios
dos bairros vm se colocando, entre os movimentos sociais,
como uma das manifestaes mais significati
vas
das classes
populares. I) Muitos foram capazes de pr em
questionamento as tradicionais polticas urbanas locais,
gestando, s vezes, uma nova correlao de foras com a
qual as administraes, doravante, deveriam contar; e outros
tantos, so, ainda, capazes de ir legitimando um conjunto de
direitos sociais, antes ignorados ou
negados.
Por outro lado, boa parte destes movimentos abriu
o
espao para o desenvolvimento de novas estratgias de
cooptao, revivendo novamente antigas prticas de
clientelismo.
lACOB/, 1983,
p.
67) No obstante seja
notria a diminuio de prticas desse tipo, v-se que ainda
sobrevivem. Os setores populares, continuam a ser objeto
de intensos mecanismos que pretendem seu controle,
administrao e manipulao, visando a minimizao do
impacto de suas possveis intervenes no processo poltico
de gesto da coisa pblica.
Dessa maneira, a retomada dos direitos democrticos
no
ps-ditadura incio
dos anos 80), no
excluiu
o
desenvolvimento de dispositivos de manipulao poltica
que serviram e ainda servem como contrabalano crescente
participao poltica dos setores populares, e sua relativa,
mas significativa, autonomia face ao Estado e partidos
polticos propriamente ditos.
De um modo geral tm sido pouco freqentes os
estudos e documentao das variadas formas de manipulao
poltica que so contemporneas abertura poltica da
dcada de
80
Esta pesquisa almeja a partir da anlise num municpio
determinado, revelar e caracterizar a manifestao de um
conjunto daquelas prticas, encarnadas especialmente na
figura do vereador do bairro , nas relaes sociais que
estabelece com certas lideranas de alguns bairros, com os
movimentos populares de reivindicao e algumas entidades
(I)
A opo pelo conceito de classes sociais populares justifica-se em
razo de que ele facilita a percepo dos agrupamentos a que nos
referimos nesta pesquisa, tratando com maior justeza da socializao
e articulao dos trabalhadores nos espaos coletivos da sua vida
cotidiana, para
alm
do espao do trabalho formal. Trata-se na
cidade
em
destaque dos pobres urbanos que compartilham condies
de vida similares e que montam coletividades no local de
sua
moradia. (ZALUAR,1985b,
p. 36) Quanto a estes ltimos, alm da
identidade gestada pelo fato
de
ocuparem posies sociais idnticas
na produo, identificam-se e unem-se na luta, motivados
por
interesses comuns que desenvolvem em relao certas exigncias
de servios e equipamentos coletivos, que demandanl, especialmente,
do Estado.
Neste
sentido,
merece ateno,
a considerao de
Thompson, onde, sob seu ponto de vista, a classe acontece quando
alguns
homens, como
resultado
de
suas experincias
comuns,
sentem e articulam a identidade de seus interesses entre
si
e contra
outros homens,
cujos
interesses diferem e geralmente se opem)
aos seus. A experincia de classe determinada, em grande medida,
pelas
relaes
de produo
em que os
homens nasceram
ou
entraram involuntariamente. (Apud CARDOSO,1995, p. 50)
de representao coletiva onde participam trabalhadores.
Intencionando contribuir na r:onstruo de respostas
incmoda pergunta: como possvel que vigore ainda, nos
tempos da cidade e da democracia, prticas polticas
explicitamente clientelistas?
Trata-se do estudo de como a elite poltica de
uma
cidade de interior, vem garant indo o acesso e a manuteno
do poder poltico local, mediante mtodos que se distanciam
(se no contrariam)
do
esprito central da idia de
democracia,
que
implicaria, ao
contrrio,
a garantia da
autonomia (2) poltica dos atores sociais participantes na
arena
poltica, e a publicizao real
das estruturas
administrativas do Estado.
Importa, portanto, verificar e explicitar que a partir da
dcada
de
80, no
s
os movimentos populares redescobrem
novas formas de ao e participao, buscando a construo
da cidadania de fato das classes populares, bem como de
extrema relevncia verificar que o Estado, neste contexto das
relaes com os movimentos sociais, alm de
ampliar
seu
espao
de atendimento e institucionalizao
da
representao
3)
daqueles setores, modifica
sua
dinmica
de interao com
os
mesmos, desenvolvendo novas prt icas
polticas especficas
que pretendem
a reproduo de seu
domnio e a obstaculizao da construo
da autonomia
poltica das classes populares .
Desvelar um caso particular de
ressurgimento
de
prticas especficas baseadas na cooptao, personalismo e
manipulao
parte do objetivo e contribuio desta
pesquisa.
De fato, o que se processou desde o ressurgimento
dos movimentos sociais das classes populares, como alerta
Marcos Novaro,
que as prticas, vnculos e crenas que
operam a vida poltica transbordaram os estreitos limites
das
formas
representativas estabelecidas;
natural,
portanto, que ressurjam os velhos e nunca esgotados
debates em torno da representao NOVARa, 1995, p. 78),
at porque, conforme indica Paoli, sobrevive mais premente
do que nunca, a necessidade e a responsabilidade de se
construir
um espao civil cuja legitimidade modifique o
autoritrio
funcionamento do
aparato
estatal que
se
conhece de longa data no Brasil. (PAOU, 1992,
p
498)
certo que as relaes sociais da esfera da poltica
no Brasil historicamente foram matizadas no paternalismo,
no clientelismo e no autoritarismo, quando olhadas do ngulo
das posies que ocuparam as classes populares e a
representao de seus interesses. (ORTIZ, 1995, p 69) A
(2) Neste caso convm observar que a autonomia referida, diz respeito
autonomia poltica e ideolgica dos movimentos e atores sociais
face ao Estado, e no a idia de que aqueles poderiam concretizar
seus objetivos e atender suas demandas sem se relacionarem com
este e com ele interagirem. Aquela autonomia implica a permanente
tenso entre a vivncia de seus espaos e a tutela do Estado.
(3) Pressupe-se o reconhecimento de que a representao
imprescindvel
e de que, pelo menos parcialmente constitui as
pessoas pblicas, as identidades, vontades e interesses representados,
inclusive um avano necessrio para pensarmos numa ampliao
radical da
poltica
democrtica pois permite o
abandono
do
assistencialismo, do qual se alimentam,
em
boa medida, as tradies
autoritrias. (NOVARO, 1995, p.89; ver tambm CHAU, 1989)
Rev. Mediaes, Londrina,
v.
2 n. 2,
p.
41-56, jul./dez. 1997
42
-
7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local
3/16
observao da recorrncia de uma srie de experincias de
governos estaduais e locais que assentam-se em prticas
polticas clientelistas e autoritrias, demonstram a importncia
de se
revelar e compreender como possvel tal
sobrevivncia. Ou seja, uma parte do maquinismo poltico
brasileiro, ainda hoje, parece basear-se em prticas polticas
arcaicas .
Nota-se que h de fato uma certa herana cultural
poltica sobrevivida do coronelismo.
Por
isso no so
estranhos nas prticas corriqueiras do sistema poltico
brasileiro o curral eleitoral, o voto de cabresto , a corrupo
eleitoral, o nepotismo, a apropriao do Estado por farrulias
importantes. Como se ainda tais prticas se orientassem pelo
imaginrio do coronel, do
'senhor',
do mandonismo. O que
instiga a curiosidade diante
da
manuteno de formas sociais
de convvio poltico singulares, que impem
a presena de
relaes clientelstas nas instituies ditas
modernas
AVEL/NO FILHO, 1994, 226), levando em conta que
sobrevivem poucas reminiscncias das condies de vida
material como as que deram or igem e sustentaram aquelas
relaes. 4)
Procedimentos etodolgicos
Optou-se por usar como principal fonte de informao
e avaliao das prticas polticas que constrem e sustentam
o vereador do bairro e as relaes clientelistas ali instaladas,
os relatos de lderes populares que estiveram atuando frente
de movimentos de bairro ou outros movimentos (partidrio,
por exemplo), ao menos em parte do perodo pesquisado. E,
mais, privilegiou-se a entrevista com aquelas lideranas que
postaram-se crtica e autonomamente em relao s gestes
municipais que servem de pano de fundo ao perodo em
questo, e prtica de cooptao permanente que desenvolve
o vereador do bairro .
So, portanto, lideranas que no se sujeitaram, s
prticas de clientelismo e influncia
personalista
do
vereador
do
bairro . Inclusive, em razo disso, algumas foram
perseguidas, policiadas e so, ainda hoje, quase todas,
estigmatizadas na
cena
poltica 'oficial' da cidade. E,
justamente por essas razes, so fontes qualificadas para
uma avaliao crtica daquelas prticas.
Foram feitos contatos pessoais (vrias conversas
informais) e entrevistas com doze lideranas dos bairros que
circundam especialmente dois bairros (Bairro l e Bairro
'3');
trs entrevistados no residem exatamente nessas reas,
embora tivessem acompanhado de perto e vivenciado o
fenmeno estudado
. Fica para
outra
ocasio as
interpretaes dos prprios clientes daquelas prticas e
as dos polticos, seus condutores.
Dada a forte expresso dos fenmenos comentados
na pesquisa na rea prxima queles bairros, centrou-se a
(4)
Quanto a essas condies, so muito ilustrativos os captulos
UI
,
IV
,
VII do livro Razes do Brasil, de Srgio Buarque de Holanda. Ele, por
exemplo, reconhece que o
patriarcalismo e o personalismo
so
traos de prticas polticas
fixados entre ns por uma tradio e
origens seculares, que ainda influenciam e ajudam a de senhar nosso
maquinismo poltico. (HOLANDA, 1988, p. 47)
anlise a partir destes locais, no obstante , certo que mais
duas reas (Bairro '6' e Bairro '9') conhecem a presena do
vereador do bairro e as prticas polticas que o acompanham.
Foi dada nfase anlise qualitativa destes
depoimentos, onde se pde buscar, alm das informaes
mais particulares sobre as prticas polticas especificas ali
desenvolvidas e suas implicaes, o esclarecimento de como
se coloca a mediao entre sujeitos, a estrutura e o processo
social, principalmente, por intermdio da categoria classes
populares. A escolha dos entrevistados foi feita a partir do
prprio conhecimento e experincia do autor sobre os fatos
e os
personagens envolvidos, buscando selecionar
as
pessoas cujas atitudes expressas revelavam maior
significao para os fins da pesquisa. Obviamente, para
preservar suas privacidades, os entrevistados solicitaram a
omisso de seus nomes, que foram substitudos por outros
sinais indicadores. O mesmo tratamento foi utilizado quanto
aos personagens eventualmente citados e localidades de
que
trata
a
presente
pesquisa. Segue-se
deste
modo a
indicao de Bruce Cohen de que
os socilogos devem estar certos de que no esto
causando
nenhum mal
aos
indivduos
pesquisados. Devem tratar a informao fornecida
.
..
) de forma confidencial. No devem enganar os
investigados: devem dar-lhes informaes precisas
sobre a natureza do estudo.
.
..) lm disso, os
socilogos devem precaver-se contra possveis
danos aos indivduos pesquisados.
(COHEN, 1980,
p.
13 e
17)
Dos contedos das entrevistas, esta pesquisa deteve
se, particularmente, sobre os juzos formulados pelos
entrevistados a respeito das prticas do clientelismo local.
Relevou-se a direo Uuzo positivo ou
negativo),
a
intensidade e a freqncia desses julgamentos.
Os Novos
ovimentos
Sociais
Desde a metade dos anos
70
o regime militar que se
instalou em 1964 revelava sinais de que o modelo econmico
adotado estava se esgotando, e a forma violenta de domnio
da qual fazia uso, apresentava os mesmos sintomas. 5)
No bojo
da crise do modelo
que
se
acentuava a
partir do final dos anos 70, ressurgia o protesto dos setores
populares urbanos. Por
um
lado retomava vigor
o
sindicalismo operrio atravs de grandes movimentos
grevistas (greves operrias no
ABC
Paulista) e de uma
renovao na postura diante do legalismo Celetista, que
atrelava por demais as entidades sindicais ao controle do
Estado desde Getlio. Este novo sindicalismo renascia
criticando e colocando-se autnomo quanto ao sindicalismo
tutelado pelo Estado. Por outro lado , as classes populares
(5)
Este texto no se deter na explicao do processo de esgotamento
que sofre o regime militar. Para uma introduo compreenso
deste fenmeno ver, por exemplo: LINHARES, 1996, p. 301-340.
Rev.
Mediaes, Londrina, v. 2, n. 2 p. 41-56, jul./dez. 1997
43
-
7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local
4/16
urbanas organizavam-se em novas formas de movimentos
sociais que surgiram nas lutas
por
condies melhores de
vida nas cidades: o Movimento do Custo de Vida , protestos
pblicos
realizados por moradores da periferia e por
favelados,
movimento
por
creches,
organizao dos
moradores dos bairros em Associaes, etc.
De qualquer modo,
esses movimentos
sociais
instalavam na ordem do dia novos atores sociais , que no
geral, pleiteiavam a ampliao dos direitos de cidadania,
reformulando, inclusive, a idia de cidadania restrita comum
ao receiturio liberal clssico: quer dizer, cidadania como os
direitos e obrigaes
polticas
de
cada
indivduo.
UNHARES
, 1996, p. 342). A ampliao do contedo da
cidadania
para
os grupos sociais que
compunham
estes
novos movimentos, implicava a incluso de uma extensa lista
de direitos que ultrapassam em muito o simples exerccio do
voto. O que interessa mais nesta pesquisa, perceber que
para esta renovada concepo de cidadania, orientadora de
boa parte daqueles movimentos, a mesma se punha como
produto de uma relao de poder composta
de
presses e
contrapresses, produzindo imagens simblicas dinmicas
de auto-reconhecimento dos grupos sociais e dos seus
projetos. LINHARES, 1996, p. 342)
Neste contexto, desenvolveram-se variadas formas
de auto-organizao dos setores das classes populares :
associaes profissionais e de bairro, de consumidores,
sindicatos. E estas novas entidades da sociedade civil
organizada .
..)
assumem o papel de interlocutores legtimos
com o Estado e mesmo os partidos), mostrando que os
mecanismos clssicos de representao - o indivduo e seu
voto - estavam em crise. LINHARES,
1996,
p. 342)
No geral, os novos movimentos sociais urbanos eram
organizados por moradores pobres de bairros perifricos das
mdias
e grandes cidades brasileiras, expressando o
descontentamento e reivindicaes destes em relao forma
de ocupao do solo urbano, quanto ao acesso a servios
pblicos coletivos (como fornecimento de gua, rede de
esgoto,
rede
eltrica,
sade,
transporte
coletivo)
e,
especialmente, problemas vinculados exigncia
em
torno
dos
dficits
de moradia popular.
Parte considervel das Cincias Sociais no Brasil
considera que os novos movimentos sociais, surgidos na
dcada de 70, significavam a consolidao de maneiras
alternativas efetivamente vlidas e reconhecidas, das classes
populares colocarem suas lutas (demandas e reivindicaes),
a partir do
local
onde habitavam, questionando
principalmente as formas de interveno do Estado autoritrio
no meio urbano. Assim sendo, eles foram responsveis pela
ampliao da presena de setores das classes populares na
vida poltica brasileira, principalmente dos movimentos
reivindicatrios dos bairros pobres.
Quanto s possibilidades, limites e contradies dos
novos movimentos sociais que o Brasil vem conhecendo
desde a dcada de 70, e sua relao
com
a construo da
cidadania,
podem-se, simplificadamente,
destacar duas
posies polares, que
se
distinguem
pela
diferenciao que
denotam aos significados desses movimentos.
A primeira
delas
desenvolve suas observaes
relevando o carter intermitente, cclico e defensivo dos
movimentos. Como observa Paoli, tal posio considera a
ausncia de unidade
de
seus interesses, o imediatismo e
corporativismo de suas aes como um grande impecilho
necessidade
de generalizar suas lutas e conquistas, de
maneira que no se universalizam como perspectiva de um
outro horizonte poltico para a sociedade. PAOLI, 1992,
p. 503; ver tambm JACOB1, 1990). Alm do que, esses
movimentos recusariam os tipos de representao poltica
institudos, confirmando sua dificuldade para a formulao
de projetos de maior abrangncia.
Embora, na raiz
do
discurso antiEstado presente aqui,
esteja o reflexo
do
corte que estimula a emergncia de diversas
[outras] formas de resistn cia, colocando
permanentemente mesmo aps as alteraes
polticas que j apontavam certo processo de
redemocratizao
d
sociedade, a tenso existente
entre o carter de resistncia do movimento social
e sua institucionalizao. (J ACOBI, 1990, p. 34-5)
No perodo (dcada de 70), o Estado
era
identificado
como o agente da ordem que oprimia, reproduzia a carncia
nos bairros,
mantinha
o controle dos
trabalhadores
nas
fbricas e que forava o silncio
do
conjunto da sociedade.
Importa, porm, para essa interpretao, salientar que
a maioria das prticas reivindicatrias destes movimentos
sociais no se pautaria na perspectiva de transformar a
sociedade, incutindo-lhe um sentido novo. Na verdade, essas
prticas pouco afetariam a esfera poltica dada.
De
qualquer maneira, as interpretaes pessimistas
quanto ao papel dos movimentos
na mudana
social no
ignoraram que as lutas levantadas por eles representariam
uma
das formas de presso permanente dos setores
populares sobre o
Estado
na
busca
de respostas concretas
s
suas
demandas .
Obviamente
que tais
lutas
se
subordinavam aos fluxos e refluxos das diversas conjunturas
e tambm s lgicas prprias de funcionamento pautadas
por um maior ou menor enquadramento institucional.
Por outro lado, uma segunda interpretao considera
que dentro do processo poltico mais amplo, o crescimento e
consolidao dos movimentos sociais das classes populares
leva ao reconhecimento crescente daqueles, como
interlocutores vlidos e legtimos dos
interesses
destas
classes. Neste mesmo processo, mudam, relativamente, o
discurso e certas prticas dos rgos pblicos que passam a
incorporar paulatinamente as demandas da populao dos
bairros perifricos.
Assim, a presena do coletivo, ou
da
cidadania
coletiva, como aponta Paoli (1992), gera uma nova qualidade
na idia de participao na gesto da coisa pblica. E ainda,
segundo observao
de
Pedro Jacobi, aqui a representao
no resume todo o esforo de organizao, mas configura
uma parte de um processo onde os moradores criam as
condies para influenciar na dinmica de funcionamento
de um rgo do Estado. JACOBI, 1990, p. 38)
Destaca-se aquela face dos movimentos sociais
Rev
Mediaes Londrina
v
2 n. 2
p.
41-56 jul./dez. 1997
44
-
7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local
5/16
populares onde a entrada em cena de novos personagens
funda o incio de
uma
sociabilidade ancorada
na
solidariedade de classe
e
atravs da qual
as
classes
populares passam a fazer parte da cena i s t r i ~ como atores
que no se limitam a papis j fixados por outras classes,
mas como sujeitos que, por iniciativa prpria desenham a
cena de sua ao.
Verifica-se, na verdade, certo avano social, levando
inscrio das demandas e prticas dos setores populares
numa nova noo de direitos, retirando-as do campo das
reclamaes e reivindicaes.
Tal avano constitui-se em
elemento fundamental para a superao do ethos autoritrio
presente no Estado brasileiro. Objetiva pois, especialmente ,
a interferncia nas estruturas institucionais do Estado,
permitindo
avanos no plano dos sistemas de representao,
cristali zando-se em novas formas de manifestao de
identidades coletivas que
carregam
consigo
as
contradies entre a conquista
de
uma cidadania ampliada
e a permanncia de uma situao de excluso. JACOBl,
In:
SADER,
1987,
p 19)
H,
nesta perspectiva,
a potencialidade de
consubstanciao de nova prticas que possam configurar
o papel de interlocutores aos movimentos, que propiciem o
seu reconhecimento pelo Estado, e que promovam, por sua
vez, os espaos de atuao e prticas destes movimentos
no sentido de disseminar concepes mais avanadas de
gesto pautadas
por
formas
de
efetiva descentralizao
do
poder. JACOBl
, In
:
SADER,
1987, p
22)
Note-se, porm, que a presena de diversos
movimentos reivindicando
maior
participao
social,
questionando o discurso participacionista , tem revelado
algumas contradies, como a dificuldade dos governos
municipais em propor uma incorporao efetiva da populao
na tomada de decises de seu interesse.
Ocorre que, no obstante o papel fundamental que
os movimentos sociais populares vm desempenhando na
abertura e consolidao de espaos de participao e
representao dos interesses populares junto ao Estado,
ressurgem prticas polticas especficas, iniciadas muitas
vezes, por grupos polticos conservadores que esto na
direo dos governos municipais, baseadas na cooptao,
no personalismo e na tentativa de manipulao daqueles
prprios movimentos. Certamente os interesses estratgicos
desses grupos referem-se reproduo do seu domnio e
obstaculizao
da
construo da autonomia poltica das
classes populares.
este ressurgimento o objeto de estudo desta
pesquisa, que vai procurar revelar em e g u i ~ como o Estado
(aqui representado por um governo municipal) ps-ditadura
militar tambm foi capaz de renovar seus mecanismos de
dominao poltica frente a setores das classes populares
que fortaleciam sua autonomia e capacidade poltica crtica.
CLlENTELlSMO ECOOPT O N
M NUTENO DO PODER
POLTICO LOC L
(Quadro Poltico-Institucional geral)
De
acordo com Jacobi, no obstante tornar-se cada
vez mais difcil grupos polticos dominantes reproduzirem
vontade, atravs do Estado, prticas pautadas nos esquemas
populistas, sua reemergncia no
improvvel, dada a
presena e a permanncia de lideranas tradicionais
frente dos esquemas clientelistas passveis de reeditar cenas
de
filme visto. Em sua avaliao, basicamente, a retomada
destas prticas ou sua rejeio, est na dependncia
dos
avanos do
movimento social
quanto ao seu nvel de
politizao
e de desenvolvimento de uma conscincia
crtica. JACOBI,
In:
SADER, 1987, p. 21)
Tal opinio centra o enfoque na importncia que
determinados quadros institucionais (tipos de partidos, de
lideranas, canais de participao, de movimentos sociais e
de leis), tm para a reproduo e sustentao de esquemas
baseados no clientelismo.
Tambm nesta pesquisa, houve o privilegiamento
da
apresentao de um destes quadros que facilitam a sobrevida
daqueles esquemas. Embora trate de situaes restritas a
uma localidade (cidade de porte mdio interiorana), possvel
compar-las s de outros quadros j analisados, encontrando
se inmeras similaridades e aproximaes que permitem inferir
que
a presena de
certas situaes institucionais
(autoritarismo, burocratismo e elitismo)
tomam
mais
favorveis a reproduo do clientelismo.
Ver:
DINIZ, 1982a
e 1982b;ZALUAR, 1985ae 1985b;AVELINOFll..,HO, 1994)
Certamente h tambm outros elementos sociais e
culturais que do sua contribuio, gestando relaes sociais
facilitadoras de prticas polticas cIientelistas. Apenas para
indicar um exemplo, no caso estudado, a Igreja, atravs de
seus
movimentos
pastorais,
tem
relevncia destacada.
Inmeros lderes de comunidade que em seguida tornar-se
o vereadores de bairro , ligados ao clientelismo, passaram
antes pela condio de lideranas religiosas, o que
provavelmente influenciou deveras sua idia acerca
do
que
a poltica, a comunidade , e como se faz poltica na e para
a comunidade . Especialmente se levar em conta uma
formao religiosa que destacava o servio comunidade,
a doao e a caridade (como atributos fundamentais da vida
social do cristo), conforme pode-se perceber nas entrevistas
realizadas.
Da
mesma forma esses valores participam de parte
considervel da instruo do comportamento dos moradores
que compem a clientela daquelas prticas. Do exemplo
acima, tem-se uma idia da importncia de se levar em
considerao, na
busca
de uma compreenso mais
totalizadora do fenmeno clientelismo, como o quadro geral
institucional que o circunscreve, articula-se com aspectos
culturais e simblicos particulares, certamente compondo
se, num plano ideolgico, com um sistema especfico de
valores e de padres de comportamento cotidiano. (Ver
Rev.
Mediaes Londrina
v.
2,
n.
2, p. 41-56 jul./dez. 1997
45
-
7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local
6/16
DaMAITA,1996)
Por outro lado, Victor Nunes Leal observou que
dentro das
situaes sociais que podem
auxiliar no
desenvolvimento de prticas c\ientelistas est a pobreza
do povo, seu atraso cvico e intelectual.
(1986,
p.
258)
Comentando a existncia do c\ientelismo em bairros
da cidade do Rio de Janeiro, Alba Zaluar destacou que a
fonte dele est muito menos na ignorncia poltica dos
moradores pobres, do que na imensa reserva
de
necessidades e carncias abertas manipulao dos
polticos oportunistas. (ZALUAR, 1985b, p. 62)
Alguns depoimentos colhidos para esta pesquisa
atestam o considerado acima:
.
..) realmente havia muitas demandas nestes
bairros que foram loteados no incio dos anos
80; o pessoal ia l auto-construir, devagarinho,
suas casas, e a no tinha nada mesmo. No tinha
asfalto, no tinha esgoto, no tinha nada. (Diretor
de Associao de Moradores)
Pro povo aquilo era uma salvao. Por exemplo,
voc tava s vezes, nafila do nibus, e comeava
a falar, a questionar: Sabe, algumas senhoras, o
pessoal mais antigo achava inquestionvel o caso
do ( .. ) [vereador A l, por que ele deu remdio:
- Ele me d remdio.
Da voc conversava com a pessoa:
- Mas olha, esse remdio tem l no Posto.
- No. Esse remdio ele que compra.
E,
realmente, se voc
for
ver,
para essa senhora
uma vantagem. Ela conseguiu um remdio caro,
uma coisa cara.
[Ex-integrante de Comunidade
Ec\esial de Base: C.E.B. do Bairro 1 ]
Esta pesqui sa reconhece a importncia dos elementos
culturais (simblicos) e sociais sempre presentes na
composio do fenmeno do clientelismo. Porm, manter
se- circunscrita tentativa de
descrever
o
quadro
institucional geral que abarca as prticas c\ientelistas
destacadas na cidade estudada, buscando caracterizar, em
certos pormenores, o fenmeno.
Em vrios autores
brasileiros
reconhecida
a
presena atual do clientelismo no quadro da poltica
brasileira, a despeito da industrializao, da emergncia dos
novos movimentos sociais e das alteraes legais que
institucionalizaram canais formais e efetivos de participao
dos setores populares na gesto do Estado. (AVELINO
FILHO,
1994
; DINIZ, 1982b;DROULERS, 1989;ORfIZ,
1995;
ZALUAR, 1985ae 1985b; SADER, 1987)
De fato, a impresso que h no a de que o fenmeno
esteja de volta, mas sim a de que ele nunca deixou de existir.
Como aparece recorrentemente, bem provvel que o correto
seja consider-lo como um dos aspectos que compe a vida
poltica brasileira, um continuum, e no um adendo a ela.
Em sua especificidade (de modalidade de atuao
poltica), o clientelismo manifesta-se a partir de
um sistema
de lealdades, que se estrutura em torno da distribuio de
recompensas materiais e simblicas, em troca de apoio
poltico. (DINIZ, 1982b, p. 23)
O passar do
tempo
imprimiu modificaes na
estruturao do fenmeno e nos seus mecanismos de
reproduo, embora baseie-se ainda
no
favor,
no
personalismo,
na cooptao e na informalizao da poltica.
No Brasil, onde
as
taxas de crescimento urbano
so bem mais elevadas, sai-se de uma situao de
clientelismo na qual a subordinao pessoal nascia
da total dependncia econmica
para
uma
situao de clientelismo poltico moderno, onde o
poltico torna-se um dos intermedirios no acesso
aos recursos do Estado. Essa funo
de
intermedirio cada vez mais importante, a do
'broker' dos anglo-saxes, literalmente o corretor,
esse personagem do mundo urbano e da esfera
poltica
moderna, que desconta no
trfico
de
influncia para ter acesso a bens do Estado, uma
dessas figuras que bem poderia ser a do famoso
despachante
da sociedade
brasileira
: o
intermedirio obrigatrio nas relaes
complicadas que o cidado enfrenta com um Estado
excessivamente
burocrtico.
Essa funo de
intermedirio passa, ento, e cada vez mais, pelos
canais da poltica. Essas formas de clientelismo
modernizado so bem diferentes do clientelismo
tradicional. A sua esfera de influncia mais
extensa
e
implica
o
controle
dos canais
de
organizao coletiva, sindicatos ou associaes
de
bairro. (DROULERS, 1989,
p.
140)
No municpio estudado essa extensa esfera
de
influncia
aparece com nitidez, apontando para um
estilo de
poltica que j dura 12 anos (1984-96), e que marcado pelo
autoritarismo e pela busca permanente de cooptao e controle
dos movimentos sociais populares.
A partir dos relatos das entrevistas revelam-se sinais
que indicam a tentativa de cooptao que vai para alm das
lideranas populares e de Associaes de Moradores de
Bairro. Esses mesmos relatos apontam prtica semelhante em
relao
ao sindicato dos servidores municipais e
escolha
(pela prefeitura) seletiva dos componentes do Conselho
Municipal de Sade e o controle firme das aes da Federao
das Associaes de Moradores da cidade.
O grupo de depoimentos que segue abaixo explicita
os detalhes do comportamento que vem desenvolvendo o
grupo poltico que detm o controle do executivo municipal e
da maioria do legislati vo, desde 1984.
Sobre a relao da prefeitura com o Sindicato dos
Servidores:
Rev. Mediaes Londrina v. 2 n. 2 p. 41-56 jul./dez. 1997
46
-
7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local
7/16
( .. ) foi
um processo marcante, porque foi um
processo de discusso poltica.
Teve
um grupo de
servidores que comearam
afazer
um processo de
criar um sindicato, e criaram. Comearam a
questionar a prefeitura, a politizar e tudo mais.
Teve uma greve feia aqui. Foi no
.
.. ) [prefeito do
perodo]. Mobilizaram todo o pessoal, teve uma
discusso muito boa . A, eles [a prefeitura]
comearam a perseguir o pessoal. Elesfizeram um
processo assim de cassao mesmo. Matou de uma
forma que hoje no existe nada. Pr voc ter uma
idia, o servidor pblico de
.
..
)
[da cidade] est
h dois anos recebendo o salrio parcelado, em
duas, trs vezes, e ningum faz nada. Nem se
questiona.
(Depoimento colhido em maio de 1996.
Fundadora e ex-integrante da P.J.: Pastoral da
Juventude; ex-diretora
da
Associao
de
Moradores do Bairro
2 ;
ex-diretora da Federao
de Associaes de Moradores .)
Quanto ao
controle
sobre a
Federao das
o relato abaixo demonstra como a prefeitura
. ..) [o executivo municipal] tentou implantar a
questo da criao da Associao de Moradores.
Era uma forma de organizao nos bairros. Mas,
eram todas cooptadas. Por exemplo, dava infra-
estrutura, dava camiseta, boletins, esses negcios.
Fazia indiretamente
,
n? Mas faziam Os
candidatos eram os cabos eleitorais deles, o pessoal
que trabalhava pr campanha dele, o pessoal da
linha deles. Conseguiram umas
15,
mas boa parte
era meio fantasma, s burocrtica. Mas era bom,
porque compunham a Federao das Associaes,
tambm criada por eles, guiada por eles. (Ex
diretora de Associao de Moradores; ex-integrante
da P.O.: Pastoral Operria)
Nos relatos freqente a
observao
de que a
uma
o junto s lideranas populares que despontavam,
ao esquema clientelista do grupo
:
Eu lembro que teve uma poca pr
sa
vereadores,
eu no lembro qual das eleies mas, convidaram
o ... [liderana ligada
PI. na poca] pr sair
vereador, eles do PMDB. Tentaram comprar [a
liderana] pr sair a vereador dizendo pr ele
que bancavam a campanha dele, etc. Tem um outro
amigo da gente que, inclusive ele saiu candidato
na ltima gesto, junto com [candidato a prefeito],
que o (.. .). At, nessa poca, ele participava com
a gente, s que ele no era muito aprofundado na
situao. Ele defende .. O .
..
), ele no erafiliado
ao Partido [PT], mas tinha uma aproximao
muito grande com
a gente E, ele tem
uma
influncia muito grande, porque ele canta, puxa
os cantos na igreja, tem violo, qualquer lugar
que chega toca uma viola e canta. Ele era pr sair
candidato pelo
PT. E
na ltima eleio ele saiu
candidato com o . .. ) [ltimo prefeito eleito]
PMDB) e saiu decepcionadssimo [no foi eleito,
inclusive].
(Ex -diretor de Associao de Moradores,
membro da P.O. e ex-candidato a vereador na
cidade)
A escolha e cooptao de lideranas aparece sempre,
nos relatos,
como
uma
condio
essencial para
o
funcionamento do clientelismo local, em razo de que a
montagem
do
esquema clientelista, de sua rede de
funcionamento, depende muito de mediaes pessoais entre
a prefeitura e a comunidade e as entidades coletivas das
classes populares.
A extenso do controle das iniciativas polticas, como
j foi observado, pode ir at onde houver interesses das
classes populares em jogo:
Voc pode
pegar
aqui o Conselho de Sade
[municipal] que elesformaram. Eles pegaram uma
pessoa da igreja, mas uma pessoa ligada a eles.
Funcionrio deles. Eles no pegou, assim, um
coordenador da Pastoral dos Imigrantes, da PO.
No. Eles escolheram uma pessoa ligada a eles,
que trabalha para eles, pr trabalhar no Conselho.
(Lder comunitrio, ligado Pastoral dos Migrantes
e P.O. da Regio do Bairro 3 )
Selecionar, cooptando, lideranas para participarem
da rede de influncia e de clientela instalada na cidade, implica
por sua vez a eliminao de lideranas alternativas:
Na
verdade, liderana aqui, desde o
.
..) [prefeito do perodo
aludido]
at agora, sempre foi assim, quem concorda com
eles convidado para participar.
(Coordenador da P.O., ex
diretor de Associao de Moradores)
Tratando ainda do quadro poltico institucional geral
do municpio, que circunscreve e inclui o clientelismo local,
nota-se que no plano poltico referido no se encontram
canais institucionalizados previstos de participao popular
e/ou de recepo de suas demandas, facilitando e estimulando
a procura de alternativas informais e individualizadas de
atendimento.
O
que, indubitavelmente
,
cria laos
de
dependncia e instiga prtica do favor e da ddiva :
Hfilas de gente na prefeitura. Ao invs de
ser
por
exemplo, Secretaria de
Ao
Social, eles [os
moradores] procuram a Cmara de Vereadores.
Voc pode passar pr voc ver a fila de gente em
frente
Cmara.
comum.
O
pessoal vai procurar
eles [os vereadores] l na Cmara. (Ex-diretor de
Associao de Moradores)
Contgua
ausncia de canais
e
espaos de
participao e representao dos interesses dos setores
populares est a presena de iniciativas da prefeitura em
Rev. Mediaes, Londrina,
v. 2
n.
2
p. 41-56, jul./dez. 1997 47
-
7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local
8/16
fazer a seleo dos reclamantes e das reivindicaes, levadas
at ela pelos moradores dos bairros pobres:
Chegava l na prefeitura, o cara que cuidava . .
chamava Assuntos Comunitrios, a Secretaria, esse
cara, nunca me esqueo desse cara. Ele falava
assim pr mim:
-
Voc
representante do qu?
Eu no representava nada. Primeiro ele falou:
- Voc sabia que vocs tem o presidente da
Associao de Moradores, assim, assim,
...
Enfim, ele dava a lista e eu dizia:
- Mas olha, esse pessoal no
t
ouvindo essa
queixa ..
Da ele dizia:
- Olha, aqui, ns no recebemos,
ns
no
podemos registrar nada, aqui.
E ns levamos um abaixo-assinado, e ele disse que
no podia
registrar
nada. (Ex-integrante de
C.E.B. : Comunidade Eclesial de Base)
o Vereador do Bairro
No municpio em foco, destaca-se a maneira peculiar
que caracteriza o exerccio do
poder
poltico local
(6) ,
especialmente a relao entre parte do legislativo (alguns
vereadores) e a populao moradora da periferia da cidade.
Em primeiro lugar h um loteamento dos bairros da
cidade entre os vereadores pertencentes
ao
partido que dirige
o executivo. H uma estrutura marcada pela diviso de reas
de influncia, delimitando o poder de diferentes vereadores
nas vrias circunscries, onde se firmam clientelas eleitorais
locais. Pelos depoimentos, tal diviso coloca-se desde 1984,
quando se consolidou
no
poder um grupo poltico ligado ao
antigo MDB, e que mantinha at o final de 1995 o
dOllnio
poltico na cidade. Porm essa di viso de reas de influncia,
podia contemplar vereadores que no eram daquele partido.
Em poca de eleies,
por
exemplo em
88,
e a gente
viu isso mais em
92,
eles tinham brigas assim .. , de
um candidato no outro bairro. Tal regio era a
regio de tal candidato.
- Era minha regio. Era territrio meu.
Inclusive
o
prprio pessoal
do
bairro era
acostumado com essa idia. (Ex-integrante da P O.
na regio do Bairro
'4
'/Bairro
'1 ')
At
as crianas sabem que o (. ..
)
[vereador 'B'} o
vereador do
(.
..) [bairro '3'}. (Integrante da P.O .
da regio do Bairro '5'. Ex-diretor de Associao
de Moradores da regio)
(6)
A expresso poder local refere-se idia de espao delimitado e
formao de
id
entidades e prticas polticas especificas
embora a
referncia a uma espacialidade particular , o poder local no se
resume a ela. Espao, neste caso, diz respeito
indicao,
em
forma
de abstrao, da presena de relaes sociais privilegiadas entre
atores e grupos sociais que interagem na disputa e na cooperao.
(FlSCHER
,
/991,
p.
88;
ver
tambm
LEDRUT, 1981)
No mumclplO pesquisado, o funcionamento do
esquema clientelista instalado depende essencialmente da
mediao poltica e da cooptao de lderes e movimentos
de reivindicao, promovidas pelo vereador do bairro .
V-se que freqente nos relatos, a insinuao, a
desconfiana de que o mapeamento e distribuio dos bairros
da cidade entre alguns vereadores deriva de iniciativa do
prprio grupo poltico que comanda o executivo municipal.
E mais. Cr-se que tal iniciativa prev ainda fazer
vereadores para essas regies. Quase sempre cooptando
lideranas ligadas
ao
meio popular, com certa ascendncia
junto aos moradores de determinada regio. Quer dizer que o
poder pblico
local (o grupo poltico
hegemnico
na
prefeitura) desenvolve iniciativas
estimula
a prpria
mediao pessoalizada) que favorecem bastante a instalao
do clientelismo e da personalizao das relaes polticas
nascidas entre o Estado e
as
classes populares daqueles
bairros.
Eles pegaram as pessoas que mais despontavam
nos bairros. Tanto que o pessoal [antigos lderes
comunitrios, religiosos} , ou
foi trabalhar na
prefeitura como funcionrio ou algum se elegeram
vereadores. Um exemplo, em
(.
.. ).[Bairro '5'} eles
pegaram o coordenador do Grupo de Jovens, que
era o . .. )[cita o
nome).
Tinha dez anos de
Coordenador de Grupo de Jovens . Da, eles
pegaram ele de candidato e o grupo de jovens saiu
na rua fazendo campanha pr ele. (Integrante da
P.J. e P O. desde 1985 na cidade)
O
(.
..
)
['vereador
do Bairro
1 ]
trabalhou no
comeo dos anos
80
na construo d Parquia
da regio. Ele ajudou bastante na sua construo.
De maneira espontnea. Ele era de l. A prefeitura
se aproximou dele, viu que ele tava despontando
como liderana,
j
trabalhou em cima dele. A
teve
a campanha dos banheirinhos,
quefoi
um negcio
ligado
junto
com a Parquia. E quem era o
coordenador? Era o
(.
..) ['vereador do bairro
1 }.
A, ele fazia os mutiro. E o nome dele
foi
se
projetando. (Ex-integrante da
P.O
. e de C.E.Bs. na
regio do Bairro l de 1987 a 1990)
o papel da representao poltica, aqui, reduzido a
uma viso clientelista e de favoritismo. A engrenagem poltica
do municpio funciona articulando executivo, secretarias e
vereador do bairro . Portanto sempre atravs da mediao
personalizada e no de forma impessoal, segundo padres
universalistas
mecanismos formais e/ou canais
institucionais).
quase que um subsistema poltico, para alm
do
institucional e formal, constitudo principalmente pelos
secretrios das pastas prioritrias (sade, obras e Assuntos
Comunitrios), o vereador do bairro e a liderana local, onde
se
processam mensagens e demandas que, com a influncia
e mediao do vereador do bairro , sero transmitidas
ao
rgo competente da prefeitura.
Rev.
Mediaes, Londrina, v. 2, n. 2, p. 41-56, jul./dez. 1997
48
-
7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local
9/16
Nesse ponto, era claro assim, a questo que esse
vereador ele daquela .. [regio]. Ele que faz.
Aquilo que elafalou
de
quando foi l pr prefeitura,
a prefeitura falou:
- No! VEcs tem o vereador tal. Pede
pro
vereador, que o vereador de vocs vem aqui.
J era delimitada a rea deles." (ex-participante
de C.E.Bs.
da
regio do Bairro
1
de
1988 a 1990)
Comentando a poltica c1ientelistamoderna, George
Avelino Filho diz que ela
mais competllzva que
sua
antecessora e suas
relaes tendem a ser muito mais frgeis,
j
que
mais 'instrumentais'. Ela sobrevive a partir da sua
capacidade de substituir os antigos laos de
lealdade pessoal pela
oferta de benefcios
materiais, os mais individuais possveis,
e
maneira
a evitar conflitos e maximizar o seu arco de
injluncia eleitoral.
O
patrono moderno
o broker
[corretor, despachante]. E seu poder depende das
suas habilidades em operar como intermedirio
entre sua clientela e os recursos pblicos". (
1994,
p.
227
Observa-se que o poder e popularidade
do
vereador
do bairro decorre de seu poder poltico e prestgio social.
Quer dizer, da capacidade de intervir diretamente no aparelho
adrrnistrativo municipal, distribuir pessoalmente, recursos
e servios, ajeitar um emprego, adiantar um atendimento
mdico pelo S.U.S., etc. Esse mesmo prestgio e capacidade,
obviamente que em propores menores, ele vai transferir
para pessoas chave na comunidade, sua clientela. s vezes,
um diretor de Associao de Moradores, ou um lder religioso
de expresso, ou, se necessrio, ele mesmo promove a
construo de uma liderana sua, colocando-a como
intermediria na distribuio de alguns servios da prefeitura:
organizadora da horta comunitria, responsvel
pela
distribuio gratuita de leite, recolhedora dos pedidos de
escritura
de
terrenos, etc. Esta liderana, amiga prxima do
vereador do bairro faz o papel de intermediria entre os
moradores e os polticos, e estes (na figura do vereador do
bairro ), entre as lideranas e a prefeitura (executivo,
secretarias, Cohab, etc.)
Desta maneira, o que deveria
ser
um direito : o
atendimento s necessidades em termos de servios pblicos;
e uma prerrogativa da cidadania: a existncia de canais e
mecanismos formais e impessoais de relao poltica, tomam
se possibilidades sujeitas concesso e barganha. Prticas
tpicas
do
clientelismo, inscritas num esquema informal de
ligao mediada entre a comunidade e o governo municipal.
(DINIZ, 1982a)
Quando se colocam demandas concretas, como
questes de abastecimento de gua, limpeza pblica,
segurana e policiamento,
ou
ainda, iluminao, calamento
de ruas, oferta de escola e hospitais, abre-se espao para o
acionamento de vnculos personalistas, como forma de
encaminhamento de reivindicaes destas questes.
Era bem assim: tudo o que a Associao de
moradores
reivindicava ou
pedia
, era aquele
canal feito pelo vereador. A gente pedia, o . .. )
[vereador C ] era o vereador da vila, a ele
colocava l na audincia l, como ele tava pedindo
aquilo. No tava nem preocupado que era um
pedido
da
Associao de Moradores tal, que ele
tava levando. No! Ele dizia que era dele. (Ex
diretora da
Associao
de
Moradores do Bairro
2 )
Agora ele tfazendo, e voc v que uma prtica
que continua, a questo das escrituras
da
casa.
. .. ) A Associao solta um panjletinho dizendo
que quem no tem as casas regularizadas pr
procurar a prefeitura. Da, essa prefeitura o
.
..
)
[vereador
'B'].O . ..
) [vereador
'B'] d as
escrituras. Mas, na
verdade
ele no d. Ele
encaminha. Porque eles tem a Assessoria Jurdica
da
prefeitura, e eles, em nome do
.
..
) [vereador
'B']
...
0 .
. . [vereador
'B']
manda l, os
documentos, faz o pedido, e eles do de graa a
escritura pr pessoa. Porque se no, ele teria que
procurar um cartrio prfazer esse papel. Da, ele
'quebra'
pro cara,
n?
Fica
mais
barato
.
(Fundador e ex-integrante da P.J. na cidade;
integrante da P.O. da regio do Bairro 3 ')
O vereador de bairro aproveita as oportunidades para
distribuir pessoalmente obras e servios pblicos, como
ddiva sua, como benemerncia, generosidade. De fato, o
que se objetiva a futura gratido, em forma de voto,
preferencialmente.
. .. ) ele [o vereador 'B '] defendido no (
..
.) [bairro
3 '] por isso, porque ele 'o vereador das caixa
d 'gua',
ele
que entregava. Caixas
d'gua
conseguidas com verba
do
Estado. S que ficou
um negcio assim, como se ele trouxe as caixa
d'gua e entregou. (Morador do Bairro 5 , ao
lado do Bairro
3
e participante do movimento
de
P.O.
da regio)
. ..
)
a questo das telha .. Deu o vento, no outro
dia ele passou nas casas anotando nome e, ele
veio da prefeitura. lgico: se destelhou a casa
do cara, o outro traz telha .. Voc acha que o cara
vai recusar? Lgico, ele t adorando. E, ento,
ele ficou com o nome feito
a.
(Ex-integrante
da
P.J. de
86
a
89.
J disputou a direo da Associao
de Moradores da regio do bairro 3 com chapa
autnoma em relao
prefeitura)
Rev.
Mediaes, Londrina,
v. 2
n.
2
p. 41-56, jul./dez. 1997
49
-
7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local
10/16
Ele [o 'vereador do Bairro 1 ) vai realmente visitar
as pessoas. Tem um destelhamento? Ele vai, leva a
telha, e ele coloca a telha. E, ele excelente
pedreiro. Traz na casa. Tem caso l, que ele ajuda
a construir. Da, faz a escritura. Faz mutiro em
que ele organiza, que ele sabe .. "
(Ex-membrode
C.E.R noBairro' 1,de88a90)
Outroelementobsico
na
constituio
de
relaes
olticas
clientelistas o
favor.
O favor gera
uma
recebe umfavor fica emdbito comaquele que o
na
primeiraoportunidade.Na
de
fato,ofavorsempreseinstalacomo
armadilha, atravsdo qualopoltico tentaprendero
campanha
de
construo de banheirosexternos,em
os tinham,promovidapelaprefeituraem
987:
o
. ..
) [vereador
A ) se elegeu com
esses
banheirinhos. Eles comearam a distribuir no s
para quem precisava. Evidentemente, para pessoas
estratgicas, lderes que tem uma certa influncia
na
rua,
cabos eleitorais e tal. E a, o
. ..
)[vereador
A ) voltou ento cobrando de quem tinha feito
banheirinho. Caso do 'seu' . .. ) [cita o nome de
um morador), nessa eleio da Associao de
Moradores [relatada anteriormente). Ele tinha
uma certa amizade com a gente, mas tava assim
chateado porque o . ..
)
[vereador A ') tinha feito
banheirinho na casa dele. Como que ele iafaz,
n? Ento, realmente ele apelava
para essa
questo. Outra questo que ele apelava era essa
mesmo:
- Tudo bem, voc vai precisar de mim.
Voc
vai
precisar de uma escritura ..
Uma outra coisa que ele trabalhava muito, era
escritura de casa, de terreno."
(
Ex-integrantede
C.E.B.
na
regiodobairro'5', noperodo88/90eda
P.O.em seguida)
Teve uma poca que deu uma chuva de vento a. O
.
..)
[o
vereador
B )
ia de
casa
em
casa,
entregando telha pr
cobrir.
Ele
que ia l
entregar:
- , t entregando ... (Exintegranteda
P.J.
naregio
doBairro
'7')
EliDinizsintetizouofenmenodoclientelismocomo
sendo a prtica do
favor
e a arte da seduo poltica.
(1982b, p.22)
No
que
dizrespeitomaneira
de
seprestaro
favor, elencou-seatrs, inmeros exemplos.E nofaltam
tambmsituaesquerevelamparte da
estratgiautilizada
pelo'vereadordobairro'paraaseduo desua clientelaTal
(7)
Aqui, significando grupointegradopor semelhanas econmicas,
culturaise religiosas, o que lhes garantiria,em tese, irmandade,
coesoe relaes harmnicas entre seus membros.
encantamentonoseassentaapenasnatroca,
na
ofertade
'benefcios' materiais.
Aparecer
como
'homem
daquele
bairro',como'filho
da
regio'artimanhaquefuncionabem,
pois encontra acolhida numa solidificadarepresentao
ideolgicadoqueseja ' comunidade'(7) , inclusivedeforte
inspiraoreligiosa, que afetaas avaliaes de
boa
parte
daquelapopulaoinscritanoplanodoclientelismo.
Almde'pertencer'
'comunidade',precisoaparecer
comopessoaigualaosoutrosmoradoresdobairro,ouseja,
apresentar-secomohomempobre,devestimentassimplese
atitudesmodestas.Importa,mesmoagorasendoumpoltico,
nodistanciar-sedopovo,doseujeito,dassuasmaneiras.
Esse negcio do vereador de bairro, mas forte)
forte aqui em
.
.. ) [na cidade), a ponto do cara
falar que mora no bairro, e no mora. Tipo o . ..
)
[vereador 'B'). Ele 'o vereador do .
..
)[bairro
'3'}', ele mora l no Centro, perto do
.
..)[colgio
da cidade), e ele 'o vereador do ( .. )[bairro '3 ') ' .
a segunda gesto dele.
(Ex-diretordaAssociao
deMoradores
do
Bairro'2')
Eles no tm muita coisa. Voc pode ver que o . ..)
[vereador B ) anda com um fusquinha velho.
At
na campanha dele, o emblema era um fusquinha
daqueles
69.
Ento, se eles tm alguma coisa, eles
tm escondido. No aparece.
(Ex-militante
da
P.J.
naregio)
O .
..
) [vereador E ) era um vereador, quando ns
chegamos l, em descenso, porque ele no tinha
essa prtica, esse pique do
.
.)
[vereador
A
'i.
Ele
j
comeou a andar de terno. J se distanciou.
O
(. .. )[vereador
A )
no. Anda tudo sujo,
pr
l e
pr c; fazendo casa, e tal. "(Ex-coordenadorade
C.E.Bs.naregio,noperodode1989e1991)
Esteestilode'polticadecomunidade'frisaocarter
pessoaldarelaorepresentante-representado,pelaqualo
vereadordo bairrodesenvolvevnculosprimrios
com
os
moradores,comooconhecimentopessoal,aamizade,eato
compadrio.Ocorrequeainterfernciadestetipodevnculo
desideologiza(camuflaaideologia),despolitizaumgrupode
relaessociaisqueso,antesdetudo,polticas.Pelomenos
na
suafundamentao.
(8)
Nocasopesquisado,outrodadoqueajudaaformar
oconjuntodasprticasclientelistas,oda violncia.
Esta
tambmaparececomotemrecorrente.
Da mesma
maneira
queasprticasclientelistasinserem-senumquadropoltico
ondea violnciacomponentesempre vista,o prprio
clientelismo,
em
particular,tambmseescora,todootempo,
em atos violentos. O 'vereador
do
bairro', nos contatos
cotidianosquemontanosbairrosbuscandolevantaremanter
ocontrolepolticodeparcelas
da
populao,demonstrano
ter
escrpulos
na
execuo dos seus (e da prefeitura)
objetivos.
(8)
Sobreo carterde classe do Estado, ver SOBRINHO,mimeo.
Rev. Mediaes, Londrina, v. 2, n. 2, p. 41-56, jul./dez. 1997
50
-
7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local
11/16
Esse pessoal sempre foi muito violento com a gente.
Uma das coisas que o ( .) [vereador A ] utilizava,
para desqualificar nosso movimento,
erafalar mal
das mulheres que participavam. Tinham muitas
mesmo Ento, uma das coisas, era chamar a gente
de vaca,
mulher--toa,
por
exemplo. Eu
pessoalmente j tive numa
outra eleio de
Associao no ( ..) [Bairro
8 ]
e ele, simplesmente
enlouqueceu e:
- Essa vaca, e tal...
Os negros ele chamava de macacada. O caso
especfico do ( .) [vereador A i, ele era realmente
muito violento, preconceituoso. E,
a
as pessoas
se intimidavam sim, porque ele ameaava:
- Voc vai precisar
de
uma escritura.
E,
realmente, se precisasse dele e ele tivesse
alguma .. . algum vis com a pessoa, ah , a pessoa
no conseguia mesmo. Coisa que direito, s que
ele
ia l [na prefeitura] e barrava.
Eu
no
conseguia aula em ( ) [cita a cidade]. Passei no
teste seletivo em segundo lugar. Precisei
mudar
para ( .) [cita o nome da cidade vizinha]
para
conseguir.(Ex-coordenadora de C.E.B. na regio
do Bairro ' j e Bairro 4 , no final dos anos 80.
Participou
de /numeros movimentos
reivindicatrios neste perodo)
Por exemplo, na questo do transporte coletivo.
Ns fizemos quatro reunio pr tirar uma pauta
de
rei vindicao
para
fazer com o ( ... )
[proprietrio da empresa prestadora do servio
na regio] . Marcou na Cmara, o ( ... )
[proprietrio da empresa] veio. Da eles [os
vereadores
do
PMDB, situao na poca],
mudaram tudo. Chegou l na hora, apresentaram
outra pauta de reivindicao que no tinha nada
a ver. Alis, eles comearam a defender a planilha
de custo do ( .)
[proprietrio
da
empresa].
Inclusive da saiu um tumulto muito grande. Uma
menina do ( ) [bairro 2 ]foi empurrada, quebrou
o culos, e teve um tumulto grande, justamente
por isso
a.
(Ex-integrante da P.i. na regio do
Bairro 7 , na segunda metade dos anos 80 )
Nesta
cidade
, trata-se
de
um
clientelismo
estreitamente (mas no unicamente, como j ressalvamos na
introduo) vinculado reproduo eleitoral. Tanto nos seus
objetivos quanto na sua existncia. Quer dizer que , do
resultado das eleies municipais que depende a definio
de quem se constituir no dono deste ou daquele bairro,
quem mediar o fluxo de servioslbenefcios do Estado
(prefeitura), e at, provavelmente, quais lideranas do bairro
tero eminncia e quais perdero espao e influncia naquele
perodo. Aqui, o clientelismo no pode ser desligado de sua
eficincia eleitoral.
(AVELlNO FILHO, 1994,
p.
231)
Em razo disso, o sistema eleitoral e os partidos
polticos so peas-chave no processo aqui analisado. Para
ser eleito como vereador (ou reeleger-se), pode vir a ser
fundamental contar com a indicao e colaborao de alguma
clientela j instalada e sob influncia de algum vereador
do
bairro . Por outro lado, ser vereador abre a perspectiva de
construir sua prpria rea de influncia, de definir uma
jurisdio prpria de ascendncia, o que pode vir a garantir
a reeleio, ou a eleio de um companheiro de partido ,
enfim, certo controle da competio poltica nos redutos.
certo que, aqueles que podem manipular boa
quantidade de recursos estatais (pblicos) detm um
instrumento decisivo para a estruturao e o controle de
uma rede de influncias, o que amplia suas chances de
sobrevivncia eleitoral, alargando seu cacife e prestgio social.
considerando tal importncia que as duas ltimas
disputas eleitorais
no
municpio foram palco de intensa luta,
e mereceram, do grupo poltico que comanda a prefeitura, a
acentuao da compra de votos e o aperto no grau de
violncia que usualmente utiliza, ou do qual conivente:
Na ltima eleio pr prefeito aqui em ( .) [cita a
cidade], a polcia teve que tomar duas kombi
lotada de cesta bsica. Amanh era a eleio. Hoje
s lOhOOm
[22hOOm]
eles tavam com a kombi
carregada de cesta bsica pr
levar
pro ( .. )
[bairro 1 ' ] pr distribuir pro povo. Ele s
distribuam noite. (Fundador da P.i. na cidade)
Na ltima eleio para presidente da repblica e
deputados,
(
.) nos cercaro, enfiaram a camionete na frente
da variant e eu parei. Desceram com um pedao
de pau desse tamanho, cercou a frente do carro.
( .. ) recolheram nosso material [de campanha] e
ameaaram. Eles foram pagos pr faz isso.
No
outro dia, os mesmos que fez isso era fiscal nas
mesas de apurao. O ( .. ) [parente de um alto
funcionrio da administrao municipal] tava
junto. O cara que trabalha na delegacia fazendo
carteira de identidade, que eles colocaram l,
tambm, tava junto. O motorista da camionete
trabalha na prefeitura. Um outro baixinho que
tava junto, trabalha na prefeitura tambm. Todos.
Gente que eles [grupo poltico dominante]
contrataram, barra pesada
. (
Ex-diretor
de
Associao
de
Moradores)
Depois de instalada a rede clientelista, mant-la a
qualquer preo toma-se imperioso, porque tais prticas tm
influncia certa sobre o voto de parte dos moradores. Esta
influncia, como
j foi demonstrado, sustenta-se na relao
pessoal que instala trocas constantes dos moradores com o
vereador do bairro , mesmo que mediadas,
s
vezes, por
alguma outra pessoa
de
influncia daquele bairro, ligada
ao vereador.
No restam dvidas de que, para o poltico local,
garantir uma clientela privada, mant-la sob sua influncia,
revela-se de uma importncia indiscutvel na obteno de
votos, ou para si, ou para seus indicados.
Rev. Mediaes, Londrina, v. 2, n. 2, p 41-56, jul./dez. 1997 51
-
7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local
12/16
Pelo suposto, no se h de poupar esforos (o
'vereador do bairro
,
e a prefeitura), no sentido de barrar ou
reduzir ao mximo as possibilidades das classes populares
de construrem movimentos sociais reivindicativos (atravs
de Associao de Moradores, ou no), de carter autnomo
e independente daquelas redes cliente listas esclarecidas
anterionnente.
A escolha do perodo recortado para esta pesquisa,
levou em considerao tambm que havia nesta fase, a
existncia de movimentos autnomos de reivindicao dos
moradores, nos bairros onde se finnaram e se desenvolveram
relaes de clientelismo, articuladas, especialmente, pelo
'vereador do bairro'. Foram movimentos surgidos a partir de
uma srie de demandas que se punham:
. ..
)
de 87 a 89, teve essa demanda do asfalto, teve
uma demanda Posto de Sade, teve uma demanda
por
alfabetizao de adultos." (Ex-moradora do
Bairro
i
', integrou
CE.Bs
. e
P.O.
de
i987
a
i989)
o bairro sofria muito mesmo. Depois do quebra
quebra [de nibus ocorrido em i989, no Bairro
i ], deu at uma melhorada, mas antes a gente
sofria tipo um nibus a cada uma hora. Era muito
difcil mesmo.
E,
uma das coisas que o pessoal tinha
mais revolta era o nibus. " (Ex-integrante da P.O.
da regio)
.
. )
participvam os de movimentos
por
transporte coletivo, asfalto, sade .. Fazamos sem
ser nada, quer dizer, espontaneamente,
parte
..
.
Esses movimentos que a gente participava, era
absolutamente
autnomos
em relao
prefeitura. " (Fundador e ex-integrante da
P.J.
na
cidade. Ex-diretor de Associao dos Moradores
na regio do Bairro '3')
Pelo lado da prefeitura e do seu mediador, o 'vereador
do bairro', pe-se o esforo, num conjunto de iniciativas
que buscam reduzir o espao da poltica de setores das classes
populares (seus movimentos, reivindicaes) a espaos
tutelados e subordinados. At porque, se esse no o
objetivo imediato daquelas prticas,
,
sem dvida, o objetivo
estratgico final. Seguem relatos que confinnam a inteno:
Outro fato que eles colocavam contra a gente, era
na eleio das Associaes de Moradores.
Naquela poca,
se formasse
uma
Chapa
de
Associao de Moradores que no fosse do grupo
deles, ou ento que eles percebessem que fosse
pessoal Petista mesmo, eles financiavam a outra
Chapa. Dava camiseta; os vereadores deles vinha
no dia
eficavafa
zendo campanha.
O
.
..)
[vereador
D ',
integrante
da corrente hegemnica da
prefeitura], numa eleio da Chapa no
. . )
[bairro
'2'], ele ficou no porto do colgio pedindo voto
para a outra chapa. Quando a gente ganhava era
porque fazia composio com outras pessoas que
no eram
muito politi
zadas. No
primeiro
ns
tentamos sozinhos, da que no deu. (Ex-diretor
da Associao de Moradores do Bairro 2
.
integrante da
P.O.
na regio do Bairro '3')
A
Associao de Moradores,
enfim,
esses
movimentos populares que
eles
conseguiam
controlar atravs
do
vereador,
atravs
das
Associaes, tinha um vnculo. Da eles no tinham
nenhuma
autonomia. Era
uma
extenso
da
prefeitura no bairro. (Ex-integrante da
CE.E.
na
regio do Bairro
1 ,
no perodo 87-89)
Em 1990, lideranas populares ligadas s C.E.Bs . da
regio do Bairro ' l ' e Bairro'4 , organizaram-se para a disputa
da direo da Associao de Moradores do Bairro'
4
. Fizeram
trabalho cuidadoso, cadastrando os moradores do bairro,
confeccionando panfletos, utilizando-se de carro-de-som,
etc. A possibilidade de ganhar aquela eleio no Bairro 4 '
poderia resultar numa brecha no domnio hegemnico que a
prefeitura tinha sobre as Associaes da regio. Da, a mesma
no mediu esforos, juntamente com o 'vereador do bairro',
para impedir tal possibilidade:
Era ele [o 'vereador do bairro'], ele que tomou
conhecimento do nosso trabalho, da possibilidade
concreta que
a
gente tinha
de
ganhar
a
Associao do . ..) [Bairro 4 ]. E, ele que foi l
nas instncias do PMDB e na prpria prefeitura,
na Assuntos Comunitrios
[Secretaria de]
e
chamou a ateno. (Ex-integrante de
CE.Bs
. na
regio. Fe z
parte
da Chapa '
autnoma
que
disputou a referida eleio)
O .
..
)
[vereador A ] fez o seguinte: quando
percebeu que realmente a
gente tinha fe
ito
cadastro e tudo o mais, ele comeou a passar nas
casas. Porque o .
..)
[vereador
A ]
trabalha pr
caramba, de base. um trabalho peifeito, o dele.
Elefoi de casa em casa. [Moradora do Bairro
i '.
Ex-integrante da
P.O
. no perodo. Colaboradora
da chapa 'autnoma' na eleio em destaque)
Eles [a
prefeitura] levaram
um
carrinho
de
cachorro quente, e distribua. Faziafila escola
de samba Fiquei assustada com afesta. Trocavam
o voto por uma fichinha que dava direito ao
cachorro quente. Houve uma situao onde o
carro de som da Chapa autnoma ia
frente e
atrs vinha o carro do vereador do bairro ,
falando a
favor
da outra chapa. (integrante da
Chapa 'autnoma')
Numa perspectiva crtica verifica-se que os horizontes
polticos das 'comunidades' associadas rede clientelista
montada nesta
cidade tendem
resumir-se s suas
necessidades mais elementares, ligadas s condies de
transporte e de moradia, ao acesso limpeza pblica, ao
Rev.
Mediaes, Londrina,
v. 2,
n.
2,
p.
41-56, jul./dez. 1997 52
-
7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local
13/16
direito a ter um Posto de Sade funcionando na regio.
Obviamente que a centralidade destas questes tambm se
explica pela estrutura de escassez e de carncia que marca o
quadro material onde se inserem e que condicionam at com
certa rigidez, seu universo ideolgico. (RIBEIRO, 1993)
Da a disponibilidade para se sujeitarem mobilizao
populista
e ao apelo
da
poltica do favoritismo e de
concesses parciais que, por sua vez, fortalecem a carncia
estrutural que alimenta a engrenagem clientelista.
Teria
que ter
associaes
de
moradores
independentes, que
eles
fizessem a reunio,
discutissem a pauta de reivindicao e levasse
para a Cmara.
No. Aquele cara, vm aqui, chega l na Cmara,
lgico. Ele vai l com o Projeto, muito mais
prtico, do que voc ir defender. S que as pessoas
acabam ficando dependente desse cara em tudo.
Em tudo eles so dependentes da pessoa, e o cara
adora. E eles [os moradores] aprende a no
discutir nenhum problema que no seja ligado
questo local deles . No consegue ver que o
pessoal l passando necessidade porque ganha
uma misria, no consegue ver que no tem mdico
no Posto de Sade porque o sistema de sade no
Brasil tfalido. Eles no conseguem enxergar as
coisas para alm de
.
.. ) [cita a cidade). Essa
Associaes de moradores [cooptadas] conseguem
enxergar o seguinte:
- Ns vamos na prefeitura e reivindicamos.
Mas no consegue ver que o Brasil precisa ser
mudado. Que eles tem que fazer reunies no bairros
para conscientizar as pessoas, discutir. Para voc
ver,
nosso
grupo
aqui
discute tudo, desde a
Reforma
Agrria , plebiscito , a questo da
previdncia. Tudo o que rolar l no Congresso
voc pode ter certeza que o grupo ali do Bairro 7
discutiu. (Integrante da P.O. da regio do Bairro
7
e Bairro
5
)
Neste municpio, a estrutura de vnculos que envolve
certas lideranas locais, os vereadores donos destas reas
e a prefeitura (suas secretarias), capaz, segundo alguns
relatos, de ser funcional at certo ponto, para a regio sob
tutela, porque facil ita a vinda de recursos e servios
pblicos, ao menos, em comparao com o atendimento
destinado a bairros que no esto articulados a esses
mecanismos. Quer dizer, o vereador do
bairro capaz de
agilizar benefcios pblicos para aquela regio sob sua
influncia, s que, em detrimento de um outro possvel padro
mais racional, mais justo at, de distribuio.
o caso descrito abaixo, onde os entrevistados
comparam a diferena de atendimento s necessidades que
recebe um bairro que vem tendo (h duas gestes) o seu
vereador (bairro 6 ) e um segundo bairro o bairro 7 ), onde
boa parte das lideranas comunitrias, ligadas
s
Pastorais
da Igreja Catlica (P.O., P.J.), vem h tempos resistindo ao
flerte cooptativo que busca sua sujeio forma de conduo
das polticas pblicas que at ento a Prefeitura vinha
desenvolvendo. Segundo os prprios entrevistados , o
vereador do bairro de fato privilegia a sua regio
justamente para garantir a reproduo
do
controle sobre certa
clientela eleitoral, garantindo seu futuro poltico.
Funciona naquele mtodo: em vez da Associao
de Moradores buscar, reivindicar, o vereador traz
alguns benefcios para o bairro.
atravs do
vereador.
Da
ele esquece que vereador do
municpio. Ele esquece do Bairro 7 , esquece do .. .
Ele lembra do bairro dele, que ele tem que se eleger
novamente ali. E isso a eles comearam desde a
poca do .
..
) [prefeito da poca], que onde eles
escolhia, mapeava os bairros. (Ex-integrante da
P.i. na cidade)
Alguns bairros ficam rfos, porque, veja bem, so
11
vagas para vereador. Aquela regio [do bairro
6 , Bairro 9
,
Bairro
10 ]
t com cinco
vereadores. Alguns so ligados mais ao Centro da
cidade, alguns so mdicos, no so ligados a
nada. Ento, quer dizer que isso no funciona.
Comparando com o
.
.. ) [bairro T], que um dos
bairros mais antigos. Mais antigo at que o Centro.
Praticamente ali no (
...
) [bairro
7
],fora o asfalto,
no foi fei to nada ali.
Tem
rede de esgoto, algumas
ruas ainda no tm. E no tem uma quadra, no
tem Posto de Sade. Problema de coleta de lixo . A
melhoradinha que teve, veio de denncia, no
l
de
maio [dia do trabalhador, onde as Pastorais da
regio organiz
am
eventos de
protesto
e
reivindicao], da Gesto da Associao [no
vinculada Prefeitura). (Integrante da P.O. na
regio do Bairro 7 )
Essa mediao permite prtica personalista que
adquira legitimidade junto aos atores envolvidos na rede de
relaes,
j
que, como foi dito anteriormente, aqui o
atendimento s necessidades de servios pblicos bsicos
j no encarado como um direito e uma prerrogativa de
cidadania. Considerada neste momento, como mecanismo
de manipulao poltica, essa prtica serve justamente para
perpetuar a excluso das classes populares da arena do poder
poltico local.
Sabe
porque
qu e
terrvel essa questo do
vereador de bairro. Porque no tem um vereador
para cada bairro, n? Ento, algumas regies
da
cidade ficam esquecidas, porque voc pode pegar
por exemplo, por mais assistncia que eles deram
pr
aquela regio l
[do
bairro J ], lgico que o
pessoal l ainda precisa de um monte de coisas,
mas l eles ainda fazem alguma coisa, aqui no
faz nada. Aqui na vila, o pessoal reivindica
uma
cancha de esportes, prs crianas brinc e no
tem. O pessoal joga bola
na
rua . Ali, naquela regio
do .
..
)
[bairro
6 ],
tem sete campo
de
futebol, eles
construram ginsio de esportes, tem quadra
.
.
Rev. Mediaes, Londrina, v. 2 n. 2 p. 41-56, jul./dez. 1997
53
-
7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local
14/16
Quer dizer por qu? Da eles enfia na cabea das
pessoas assim:
-
Tem
que ter o vereador viu? L tem vereador e
l funciona.
Mas no tem como cada bairro ter seu vereador.
(Ex-diretor da Associao dos Moradores do Bairro 2 )
Do ponto de vista ideolgico, a maneira como se
coloca a relao representante-representado dificulta a
possibilidade de identificao
do
eleitor-sujeito com um
grupo caracterizado por uma dada insero na estrutura
social,
ou
seja, a identidade enquanto trabalhador ou mesmo
enquanto cidado. Portanto, portador do direito de exigir
providncias
dos
poderes pblicos
de maneira clara
(institucionalizada, prevista) e direta, sem a necessidade das
mediaes populistas, que pessoalizam, no s um poder,
que na essncia o poder
de
um grupo ou de uma classe,
como pessoalizam tambm o poder do Estado, que deixa de
ser o que : um poder estruturado que serve
preferencialmente aos grupos dominantes da sociedade
(SOBRINHO, 198-). Assim, o governo municipal aparece aos
moradores dos bairros como uma rede de posies de poder
(de um vereador, de uma liderana, de um secretrio, etc.),
que pode garantir que se abra a porta de benefcios de vrios
tipos e dessa maneira, proteger e abrigar os que lhe esto
prximos.
Eu acho que o prejuzo desses vereadores, que,
quando
chega
o vereador
acaba
.
Ningum
reivindica. Ele chega, tudo ele. Ele que faz. Ele
d o dinheiro. Ele d passe, paga o nibus pro
pessoal ir para uma excurso. Qualquer coisa que
o pessoal
for
fazer, eles vo atrs dos vereadores.
Ento, o pessoal v os vereadores como algum
que tem dinheiro para dar para eles, pr ajudar
eles. Eles no vai na Cmara. A
reunio
da
Associao [de moradores}
sempre
tem
um
vereador junto
na reunio.
As vezes at
coordenando. Aqui no . .. ) [bairro
5 },
teve uma
reunio da Associao e Moradores para discutir
a questo da prestao das casa. O presidente do
bairro, antes de comear a reunio, ele fal:
- Passo a palavra pro . . ) [vereador 'F'}, antes
dele falar nada.
- Convidei vocs aqui e agora eu passo a palavra
pro ( .. ) [vereador 'F'}, (que era o vereador).
- Antes de qualquer discusso. (Integrante da
P.O.
na regio do Bairro 7 )
Uma conseqncia
seguinte
relacionada ao
clientelismo, mediado pelo vereador do bairro , o bloqueio
da ao
poltico-pedaggica inerente
s prticas de
organizao e ao coletiva das classes populares que se
criam autnomas. No caso especfico, implica retardar os
efeitos de transformaes poltico-institucionais que os
movimentos populares produzem, tanto no avano da
qualificao da atividade poltica destes movimentos, como
no
Estado, levando-o a incorporar, estruturando, demandas
de cidadania social, valorizadas como ganhos da democracia.
Ou
seja, tais prticas clientelistas tornam mais difcil
a possibilidade da participao comunitria e popular
conceberem-se
como um
processo no
qual as pessoas como
membros de grupos sociais, alcanam desenvolver
se plenamente, assumindo o poder de deciso em
tudo
que lhes diz respeito,
defendendo
seus
interesses imediatos por intermdio
de
suas
prprias organizaes. A ao comunitria livre
uma forma de pedagogia do oprimido: ensina
que a organizao uma forma de tomada do
poder.
(SOUZA e VIEIRA, 1984,
p.
98)
Um dos entrevistados destaca essa conseqncia:
Eu acho que uma das principais questes negativas
disso tudo a no politizao do povo mesmo, o
afastamento do povo da questo de
participar
mesmo da vida do bairro, da vida poltica, de ter
informao, saber. Ter vida, entendeu? O bairro
deixa de ter vida. (Ex-integrante da P.J. na cidade.
Candidata a vereadora em 1992)
H tempos a prefeitura mantm um programa de
distribuio de tquete-leite para
as
fanulias pobres da regio
em torno do Bairro 7
.
Ocorre que a distribuio do tquete
realizada por uma liderana comunitria que, alm desta
caracterstica, reconhecido como um inquestionvel cabo
eleitoral do grupo poltico que comanda a gesto do
municpio h trs pleitos. Inclusive a distribuio realizada
a partir da casa desta liderana.
Tal
prtica tipicamente
clientelista, e aqui conta com a mediao do preposto
no
bairro: um cabo eleitoral fiel, que certamente no deixar de
lembrar ao pobre que vem em busca
do
leite, que este
doao da prefeitura, e favor seu. O dbito est instalado,
junto humilhao e perda de dignidade . Veja-se o
comentrio que segue:
Ento, as pessoas no crescem. Como voc vai
crescer, se aquela pessoa t te dando o saquinho
de leite. Se fosse uma
coisa
diferente; pela
Associao de Moradores.
Voc
no pode comprar,
mas voc pegou um tquete, e durante o ms voc
ia na mercearia como qualquer
outra
pessoa,
passasse
pelo caixa e entregasse aquele
papelzinho, voc tinha dignidade. Mas da forma
que era feito , era tipo assim, para ganhar voto.
Fica de favor, as
pessoas
no crescem, ficam
dependentes daquilo. Acha que quem t dando
t ... (Ex-integrante da
P.O.
na regio do Bairro
1)
Efetivamente, o que h uma obstruo de possveis
canais efetivos de participao. Na verdade, aqui, esta no
passa de uma farsa. Ela cultivada, enquanto e porque, no
livre, autnoma. O governo local teme cercar-se pela
cidadania organizada. (DEMO, 1990)
Rev. Mediaes Londrina
v.
2 n. 2 p. 41-56 jul./dez. 1997
54
-
7/23/2019 Neo-clientelismo e Cooptao Na Manuteno Do Poder Local
15/16
E a gente, desde o comeo l
por
ser uma oposio,
a gente no teve da questo da prefeitura, ns no
tivemos espao nenhum. Isso no foi, de
jeito
nenhum, dado gente.
( . )
Eles no iam receber
mesmo que fosse um outro. No. Eles anulavam
mesmo. Ignoravam..
(Ex-moradora do bairro } .
Integrante de C.E.B. na regio, no perodo de 1988 a
1991
CONCLUSO
o surgimento dos novos movimentos sociais no Brasil
(a partir da dcada de 70) est ligado tentativa de setores
das classes populares de estabelecerem
um novo equilbrio de foras entre Estado aqui
entendido como o campo da poltica institucional:
do
govern