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- GUIA DE LEITUR A -PA R A O P R O F E S S O R
No oco da avelã
Muriel MingauIlustrações Carmen SegoviaTradução Chantal CastelliFaixa etária a partir de 10 anos32 páginas
TEMAS Morte / Relação mãe-filho / Conto popular escocês
a autora Muriel Mingau nasceu em 1961 em Nontron, França, em uma família de origem haitiana. Morou por trinta anos em Paris, onde teve uma formação eclética: estudou Letras, Teatro e Contabilidade. Na década de 1990, passou a se dedicar somente à literatura, embora hoje também trabalhe como jornalista cultural no Populaire du Centre, jornal da cidade de Limoges, França, onde mora. Seu único hobby é escrever, mas ela se interessa por tudo relacionado à arte e à cultura, principalmente literatura, teatro e artes plásticas.
a ilustradora Carmen Segovia nasceu em 1978 em Barcelona, Espa-nha. Cresceu entre Cerdanyola, a periferia de Barcelona e o deserto de Tabernas, na província de Almeria. Depois de estudar Cinema e Cenografia, frequentou a Escola de Disseny i d’Arts Llotja e o Centre Universitari de Disseny i Art (Eina). Especializou-se em ilustração e hoje trabalha para jornais, revistas, agências de publicidade e grandes editoras internacionais. Também colabora com bandas e projetos mu-sicais, além de desenvolver projetos pessoais de pintura e desenho. Seu trabalho foi apresentado em exposições individuais na Cidade do México, em Barcelona, Valência, Bilbao, Montpellier e Madri, e pode ser visto em: carmensegovia.blogspot.com.br (em espanhol) e www.carmensegovia.net (em inglês).
o livro Não há vida sem morte. Essa
é a principal lição aprendida por Paul,
o protagonista de No oco da avelã,
baseado em um conto tradicional es-
cocês. Temendo perder a mãe doente,
ele fica radiante quando consegue
aprisionar a Morte em uma casca de
avelã. No entanto, logo os problemas
começam a aparecer: os pescadores
voltam de mãos vazias, o açougueiro
não consegue abater seus novilhos, os
vegetais não se deixam arrancar da terra
e os ovos não podem ser quebrados.
Confrontado por sua mãe, Paul se com-
promete a recuperar a avelã e libertar a
Morte para que a vida siga seu curso.
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N o o c o d a a v e l ã • M u r i e l M i N g a u
OBRA EM CONTEXTO
c o n to p o p u l a r e c u lt u r a o r a l
A narrativa de Muriel Mingau segue a estrutura dos contos po-
pulares, ou contos maravilhosos. Começando pelo tradicional
“Há muito tempo”, traz elementos prodigiosos, inexplicáveis
racionalmente: personificação da morte, aprisionamento e
posterior libertação dela, animais falantes e aventura no fundo
do mar. Além disso, estão presentes outros aspectos dos contos
populares, como a relação entre um herói e seu antagonista (Paul
e a Morte), seu deslocamento no espaço (jornada heroica em
busca da avelã), a necessidade de reparação de um erro (libertar a
Morte, restaurar a normalidade da vida) e o ensinamento moral.
Essas características não são arbitrárias, uma vez que o li-
vro tem como origem uma narrativa da tradição oral escocesa,
“Death in a Nut” [Morte em uma noz], primeiramente recolhi-
da e transcrita pelo contador de histórias Duncan Williamson
(1928-2007). Ele pertencia à comunidade nômade dos viajantes
das Highlands, região montanhosa no norte da Escócia. Filho de
pais analfabetos e pobres, cresceu ouvindo histórias ao redor do
fogo. Aos 15 anos, começou a viajar, trabalhando principalmente
em fazendas e reunindo-se vez ou outra com a comunidade para
partilhar relatos e cantar. Adulto, seguiu viajando e coletando
narrativas de pessoas que conheceu — fazendeiros, camponeses,
outros viajantes etc. Chegou a recolher mais de 3 mil histórias,
ajudando assim a divulgar e a manter vivos a história oral, os
contos, os cantos e as narrativas da cultura tradicional celta.
Williamson costumava ressaltar o papel pedagógico das his-
tórias, fundamental em sua formação. Num contexto difícil, de
muita pobreza, as narrativas contadas pelos mais velhos trans-
mitiam valores e ampliavam assim a compreensão do mundo.
Além disso, o ritual de contar histórias reforçava os sensos de
comunidade e continuidade, de memória coletiva e pessoal: as
narrativas de um povo sobrevivem ao contador, mas o contador
também permanece na lembrança dos mais jovens cada vez que
as histórias aprendidas com eles são recontadas. Esse sentido de
continuidade está em “Death in a Nut”: a mãe afirma que ficará
feliz com a vinda da morte porque sabe que o filho continuará
vivo, assim como o resto do mundo.
contos maravilhosos
No livro Morfologia do conto maravilhoso (Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006), o teórico russo Vladimir Propp (1895-1970) analisa a forma dos contos populares russos, mostrando que, apesar da aparente diversidade, eles têm em co-mum as seguintes características: número limitado de funções (ações que provocam o desenrolar da narrativa) e personagensbásicas (que realizam as funções). Essascaracterísticas, que compõem a estruturaprofunda dos contos, seriam, segundoPropp, universais, ou seja, estariam presen-tes em qualquer conto popular indepen-dentemente de seu lugar de origem ou deseu conteúdo.
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na r r at i va e e x p e r i ê n c i a
Duncan Williamson encarna a figura tradicional do narrador,
estudada pelo filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940).
No ensaio “O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai
Leskov” (Obras escolhidas, v. 1: magia e técnica, arte e política.
3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987), de 1936, Walter Benjamin
mostra como a arte de narrar é tradicionalmente exercida por
dois tipos fundamentais: o camponês sedentário e o marinheiro
comerciante. O primeiro representa as histórias e tradições
de um país; o segundo, o saber que vem de longe. Ambos
misturam-se ao longo dos tempos: assim, um mesmo narrador
pode carregar tanto o saber do passado como a experiência do
viajante. Parece ser esse o caso de Williamson, que atuava como
depositário e transmissor de um saber coletivo e ancestral, ao
qual se somava sua experiência nômade.
Walter Benjamim afirma também que a narrativa tradicional
tem sempre uma “dimensão utilitária”, seja um ensinamento
moral, uma sugestão prática ou um provérbio. Como co-
menta em seu ensaio: “o narrador é um homem que sabe dar
conselhos” (p. 200). Essa mesma função prática da narrativa
oral, muito valorizada por Williamson, é resgatada na obra de
Muriel Mingau. Se No oco da avelã ajuda a entender o sentido
da morte e, portanto, da vida, são as personagens da mãe de
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Paul e da Morte que encarnam essa função pedagógica, acon-
selhando o menino. Ela afirma:
— Você se dá conta, Paul, de que destruiu a única coisa que
mantém o mundo vivo? Não tem jeito, meu menino, precisa
reencontrar a Morte e libertá-la para que as coisas voltem ao
normal. (p. 17)
E a Morte, após sua libertação, indaga:
— Então, Paul […], está satisfeito? […] Achou que, triunfando
sobre mim, tudo ficaria bem? Veja […], você tem muito que
aprender, particularmente que, sem mim, a vida logo se torna
impossível. (p. 24)
Porém Williamson, assim como os outros narradores
tradicionais, é um tipo em extinção. Walter Benjamin já dizia
nos anos 1930 que a verdadeira arte de narrar estava em baixa,
porque se perdeu a capacidade de dar conselhos. Historica-
mente, a narrativa oral foi substituída pelo romance, forma
literária que surgiu no início do século XVII e ascendeu na
Inglaterra do século XVIII, popularizando-se graças à con-
solidação da burguesia. O isolamento do indivíduo está na
origem do romance, gênero radicalmente distinto da tradição
oral, sobretudo porque está vinculado à palavra impressa e ao
livro, destinado à leitura solitária. Por sua vez, a sabedoria e a
transmissão da experiência na cultura oral foram substituídas
pela informação, pelas notícias — forma de comunicação
também firmada com a ascensão da burguesia.
na r r at i va e m o rt e
Com o enfraquecimento das organizações de vida comunitárias,
momentos fundamentais como nascimento e morte passaram
por uma profunda transformação no Ocidente. Até meados
do século XX, ambos aconteciam principalmente no ambiente
doméstico. A família podia participar com maior proximidade,
imprimindo-lhes o sentido de ciclo natural da existência. Os
avanços na medicina e na tecnologia, ao mesmo tempo que
prolongam a expectativa de vida, transferem esses eventos para
o ambiente hospitalar. A morte, afastada do cotidiano, sofre
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um processo de proscrição, devendo ficar fora de cena, oculta.
O crescente individualismo na sociedade capitalista, sobretudo
no meio urbano, contribui para tornar o ato de morrer algo
extraordinário, obsceno, solitário.
Tratamento semelhante é dado ao envelhecimento, numa
sociedade em que a propaganda e o consumo promovem o culto
à juventude e ao corpo saudável. Sinais da velhice como rugas
e marcas de expressão são mascarados por cirurgias plásticas
ou programas de computação gráfica. Palavras como “velho” e
“velha” são consideradas ofensivas, sendo substituídas por “pes-
soas da terceira idade” e, mais recentemente, “da melhor idade”.
O fato é que envelhecer hoje não significa obrigatoriamente
acumular uma sabedoria necessária e desejada. Sobressaem os
aspectos da perda (do viço) e da limitação (corporal), os quais
devem ser adiados a todo custo.
A perda da capacidade de contar histórias e compartilhar
experiências está intimamente relacionada à transformação da
ideia de morte ao longo dos tempos, conforme analisa Walter
Benjamin no ensaio citado:
É no momento da morte que o saber e a sabedoria do homem
e sobretudo sua existência vivida — e é dessa substância que
são feitas as histórias — assumem pela primeira vez uma forma
transmissível. (p. 207)
Ao se isolar os moribundos no hospital, privando-os do
convívio familiar, impossibilita-se também a transmissão fun-
damental da experiência e das histórias de vida.
a c r i a n ç a e a m o rt e
Embora as crianças só consigam compreender a morte em sua
totalidade por volta dos 10 anos de idade, indagações sobre
ela podem começar aos 3 anos. De modo geral, a maioria dos
pesquisadores destaca cinco aspectos no entendimento do fato,
progressivamente elaborados dos 5 aos 10 anos: inevitabilidade
(o que vive deve morrer um dia), universalidade (a morte acon-
tece com todos os seres vivos), irreversibilidade (os mortos não
podem voltar à vida), não funcionalidade (as funções vitais do
corpo cessam na morte) e causalidade (a morte é causada por
essa interrupção das funções vitais).
envelhecimento
Sem dúvida hoje não envelhecemos como antigamente. Vivemos mais e cultivamos a ideia de que se pode manter o bem-estar, a lucidez e a boa aparência até o final. Essa constante busca da saúde e da beleza, embora positiva, pode, quando exage-rada, gerar distorções e a própria recusa do envelhecimento e da morte. Existem associações, grupos e até partidos políticos que advogam a atenuação dos sintomas do envelhecimento ao ponto da própria imor-talidade. Acreditam que o envelhecimento deve ser tratado como doença, negando assim o fato de que é um processo inevitá-vel e universal.
A Academia Americana de Medicina Antienvelhecimento (A4M), organização baseada nos Estados Unidos, propõe uma série de intervenções, como hormônios, antioxidantes e dietas, que, combinadas a novas tecnologias (clonagem, modificação genética), produziriam uma “quase imortalidade”, com expectativa de vida de 150 a 200 anos. Já o Instituto da Imortalidade (ImmInst), outra organização norte-americana, tem como missão “vencer o mal da morte involuntária”.
Inúmeros médicos e pesquisadores apontam os problemas éticos desses grupos, criticando a associação indevida de interesses científicos e comerciais. Além disso, tais grupos servem a uma parte limitada da população, que pode pagar por esse tipo de tratamento. Não se deve esquecer que, na realidade, a expectativa de vida já varia de acordo com fatores socioeconômicos: em 2013, para a população geral do Brasil, ela era de 74,9 anos, segundo dados do IBGE (www.ibge.gov.br). Mas, se olharmos a expectativa de vida para cada região, veremos que a média no Sudeste, mais rico, era de 76,48 anos, ao passo que no Norte era de 71,79 anos.
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Se a morte é um tabu no mundo adulto, abordá-la com
crianças é mais ainda. Frequentemente tentamos poupá-las
disso, respondendo de forma indireta às perguntas ou usando
metáforas para tratar do falecimento de pessoas próximas: o tio
foi fazer uma grande viagem, o avô virou estrela e mora no céu,
e assim por diante. Os especialistas parecem concordar, contudo,
que a melhor abordagem é falar da morte de maneira simples e
natural, sem forçar a criança a nada (como velórios e enterros, a
não ser que ela deseje comparecer) e sem ocultar a verdade dela.
Os adultos devem falar do assunto de modo honesto, concreto
e não ambíguo, explicando-o do ponto de vista biológico. Essa
atitude tende a diminuir o medo infantil da morte, porque a mos-
tra como um evento natural, necessário à continuidade da vida.
O entendimento da morte como parte do ciclo vital é justa-
mente o que permite a Paul libertá-la, restaurando a normali-
dade. A mãe dele declara que “tudo tem um fim”, afirmando os
princípios da universalidade e da inevitabilidade. “Recusando
minha hora”, continua ela, “você bagunçou o mundo por
completo” (p. 17). A morte é o que torna a vida possível; é o
que mantém a ordem no mundo. O grande badejo diz: “já não
era sem tempo de dar um fim a essa grande desordem causada
por você” (p. 22). É assim que Paul, embora ainda hesitante
e com medo de perder a mãe, quebra a avelã, extraindo dela
a Morte: “Assim que se viu livre, ela saltou para o chão, onde
retomou o tamanho habitual” (p. 26). Seu posicionamento
no chão, retomando o tamanho habitual, nem maior nem
menor do que é, mostra como está sendo redimensionada por
Paul. A Morte não é uma assombração agigantada pelo medo,
nem está escondida. O elemento mágico fica por conta, aqui,
da alteração que ela faz no curso das coisas. Decide poupar a
vida da mãe naquele momento, como prova de gratidão pelo
fato de Paul tê-la libertado, mas promete voltar, lembrando
que é inevitável.
d o e n ç a, m o rt e e l u to
Quando a Morte finalmente retorna, o garoto não sente medo,
pois tem a certeza de que sua mãe aproveitou a vida ao máximo:
Paul viveu ainda longos anos de felicidade com a mãe, pois,
quando a Morte veio buscá-la, havia se tornado uma mulher
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com mais de cem anos. Desta vez ele ficou contente com sua
partida, pois não há vida sem a Morte. Isso desde muito tempo
Paul sabia. (p. 28)
Vemos então que parte da recusa inicial de Paul em aceitar
a morte da mãe tem a ver com o fato de ela ocorrer antes do
que esperava: não como etapa final da vida, mas na juventude
materna. Embora a morte de uma pessoa jovem por doença
possa parecer algo extraordinário, ela também é considerada
uma “morte natural”, por oposição a formas violentas como
a morte por acidente, suicídio, assassinato etc. Popularmen-
te, no Brasil, diz-se “morrer de morte morrida”, natural, por
oposição a “morrer de morte matada”, violenta e repentina.
(Cf. CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasi-
leiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 1954.)
Acompanhar a doença e a morte de um parente, por mais
doloroso que seja, é um processo que permite às pessoas en-
volvidas elaborar o luto e a perda. A elaboração continua após
a morte: em outra versão do mesmo conto, após o falecimento
da mãe, Paul chama amigos e vizinhos para uma refeição na
qual relembram os momentos alegres e tristes que passaram
com ela. Recordar a pessoa que se foi é um modo de trazê-la
de volta, mas também de desprender-se dela, superando pro-
gressivamente sua perda. No texto “Luto e melancolia” (1917),
o pai da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), explica o
papel das lembranças relacionadas ao objeto perdido no traba-
lho de luto. Revisitando cada uma delas, “o Eu fica novamente
livre e desimpedido” para voltar à realidade, redirecionando
seu afeto a outros objetos (Obras completas, v. 12. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010, p. 174).
p e r s o n i f i ca ç ã o da m o rt e
A personificação da morte é um dos recursos que tanto crian-
ças como adultos utilizam para lidar com a ideia e o medo
de morrer. Nos países de língua inglesa, a morte é em geral
representada como figura masculina, e não feminina. No conto
original de Duncan Williamson, trata-se de um homem velho,
barbado e magro, usando um casaco e carregando uma foice.
Esse instrumento, utilizado para ceifar, simboliza a interrup-
ção da vida, motivo pelo qual nesses países a representação
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da morte é chamada de “The Grim Reaper”, algo como “o
ceifador cruel”.
Já em No oco da avelã, Muriel Mingau e Carmen Segovia
representam a morte de acordo com a iconografia medieval
europeia: ela aparece como uma velha mulher, vestindo um
manto preto com capuz e portando uma foice. Foi essa repre-
sentação que herdamos no Brasil. No Dicionário do folclore
brasileiro, Câmara Cascudo dedica um verbete à figura da velha:
Entidade maléfica ou grotesca, intervindo nas estórias para
a função malévola de perturbar a felicidade ou dificultar a
conquista legítima de alguma coisa. Como permanência da
velha das tradições de Europa, misteriosa e cheia de poder,
simbolizando segredos, a morte, a treva, o inverno, reaparece
em algumas superstições. […] A velha-do-chapéu-grande é a
fome. A velha é a morte. (p. 904)
Mas Câmara Cascudo aponta também o “lado simpático”
da velha, associado à sabedoria, ao cuidado dos doentes e das
parturientes e à proteção religiosa.
Na mitologia grega, a morte era representada por Tânatos,
irmão de Hipnos (o Sono) e filho de Nix (a Noite). Na Teogoniade Hesíodo, Sono e Morte são nomeados “terríveis Deuses”.
Tânatos, uma figura masculina, é assim apresentado: “coração
de ferro e alma de bronze / não piedoso no peito, retém quem
dos homens / agarra, odioso até aos Deuses imortais” (São
Paulo: Iluminuras, 1995, pp. 147 e 149).
No entanto, a caracterização terrível não impede que
Tânatos seja também ludibriado, o que aparece em uma das
versões do mito de Sísifo. Zeus, para vingar-se de uma de-
núncia que Sísifo fizera contra ele, teria ordenado a Tânatos
que o matasse. Porém, Sísifo conseguiu acorrentar Tânatos,
de forma que nem ele nem ninguém podia morrer. O próprio
Zeus teve de enviar Ares, o deus da guerra, para forçar Sísifo
a libertar Tânatos, mas o astuto herói usou ainda de outros
ardis para conseguir voltar à terra e viver até idade avançada. O
interessante nessa versão do mito é que, de forma semelhante
à história contada por Muriel Mingau, a morte é aprisionada,
o que provoca uma interrupção na ordem normal da vida
— sua aparição como um ente físico permite que se imagine
também meios de enganá-la.
teogonia
O grego Hesíodo viveu provavelmente en-tre o final do século VIII a.C. e o começo do VII a.C. São dele e de Homero as mais antigas obras de poesia grega que chega-ram até nós. Na Teogonia, Hesíodo apre-senta o nascimento do mundo, mostrando seu modo de organização, e dos deuses, apresentando sua genealogia.
Assim como no caso de Homero, a obra de Hesíodo pertence a uma época em que a poesia era arte oral e coletiva. Ela constituía, como mostra o tradutor e pesquisador paulista Jaa Torrano em seu estudo “O mundo como função de musas” (Teogonia, p. 19):
O centro e o eixo da vida espiritual dos povos, da gente que — reunida em torno do poeta numa cerimônia ao mesmo tempo religiosa, festiva e mágica — a ouvia. Então, a palavra tinha o poder de tornar presentes os fatos passados e os fatos futuros […], de restaurar e renovar a vida.
Esse papel da poesia no mundo antigo evoca um pouco da arte dos narradores orais e contadores de histórias que está na gênese de No oco da avelã.
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NA SALA DE AULA
1. Após a leitura, peça aos alunos que façam uma
pesquisa sobre o modo como a morte é tratada em
programas de TV, filmes, revistas e jornais. Sugira
que pesquisem também como ela é vista em seu contexto
social e familiar. Proponha então uma discussão em
sala de aula. Conduza o debate, levantando problemas
e apontando paradoxos. Por exemplo: de um lado, a
morte é banalizada e explorada à exaustão pela mídia,
pelos filmes e videogames; de outro, nosso modo de
lidar com ela na esfera íntima, familiar, é muitas vezes
evitar ao máximo o assunto; ou seja, quando a morte
é tratada como um espetáculo, distancia-se da expe-
riência real.
2. No oco da avelã mostra como seria a vida sem a morte:
ninguém poderia mais se alimentar, uma vez que ne-
nhum ser morreria. Nesta atividade, peça aos alunos
que criem a própria versão de um mundo sem morte,
escrevendo um conto sobre a situação.
3. Com a ajuda do professor de Artes, apresente exemplos
da representação da morte provenientes de diferentes
épocas e partes do mundo, comparando-os com as belas
ilustrações do livro. Além disso, sugira aos alunos uma
pesquisa iconográfica sobre o modo de personificação
da morte em diversas épocas e culturas. Depois de apre-
sentadas e discutidas as imagens pesquisadas, peça que
criem sua própria personificação ou representação visual
da morte, aproveitando-se dos modelos tradicionais ou
contrapondo-se a eles.
4. A partir das narrativas populares, originadas na cultura
oral, peça aos alunos que, divididos em grupos, façam
uma pesquisa sobre contos populares de diferentes
lugares e tradições que tenham a morte como tema
e/ou personagem. Cada grupo ficará encarregado da
pesquisa sobre um lugar diferente — por exemplo,
lendas indígenas do Brasil ou o Dia dos Mortos e a
Para saber mais
Para o professor
• ABERASTURY, Arminda. A percepção damorte na criança e outros escritos. PortoAlegre: Artes Médicas, 1984.
• RAIMBAULT, Ginette. A criança e a morte.Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979.
Tanto o livro da psicanalista argentinaArminda Aberastury (1910-72) como o dapsicanalista francesa Ginette Raimbault(1924-2014) tratam da vivência e da per-cepção da morte pelas crianças.
• ELIAS, Norbert. A solidão dosmoribundos. São Paulo: Zahar, 2001.
O sociólogo alemão analisa como a morteé compreendida e tratada no Ocidente ede que maneira se transforma em umaexperiência asséptica e solitária. Contém aconferência “Envelhecer e morrer”.
• GAIMAN, Neil. Morte. São Paulo:Panini, 2014.
Conjunto de histórias protagonizadas pelapersonagem Morte, de Sandman, em queela aparece como uma figura jovem eestilosa, divertida e gentil, que adora aspessoas e se preocupa com elas.
• MARANHÃO, José Luiz de SouzaMaranhão. O que é morte. São Paulo:Brasiliense, 1998.
Nesse ensaio da coleção Primeiros Passos,o autor procura desmistificar a morte,apresentando diferentes concepções sobreela em vários contextos histórico-sociaise mostrando de modo crítico seu lugar nasociedade capitalista.
• SARAMAGO, José. As intermitênciasda morte. São Paulo: Companhia dasLetras, 2005.
Cansada de ser odiada, a Morte resolve suspender suas atividades. O que no início provoca um verdadeiro clamor patriótico logo se revela um grave problema. Um por um, ficam expostos os vínculos que ligam o Estado, as religiões e o cotidiano à mor-talidade comum de todos os cidadãos.
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Santa Morte no México. Será interessante descobrir
ainda como a morte aparece nas narrativas de países
africanos e árabes, da Índia, do Japão etc. Em seguida,
solicite a cada grupo que elabore um roteiro teatral
do conto escolhido. Incentive o trabalho de criação
sugerindo para a turma que acrescente novos elementos
às narrativas recolhidas. O trabalho envolverá também
a confecção de cenários e figurinos. No final desse
processo, cada grupo representará na frente dos outros
sua história.
elaboração do guia Chantal Castelli (poeta e doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo – USP); edição Lígia Azevedo; revisão Marcia Menin.
Para o aluno
f i l m e
• Festa no céu. Direção: Jorge R. Gutierrez.Estados Unidos, 2014. 95 min.
Manolo, apaixonado por Maria, é picadopor uma cobra e morre. Agora, ele tem queiniciar uma jornada por três mundos: o dosVivos, o dos Esquecidos e o dos Lembra-dos. A história se passa no México no Diados Mortos.
l i v r o s
• AZEVEDO, Ricardo. Contos de enganara morte. São Paulo: Ática, 2003.
Reunião de narrativas populares que têmcomo ponto comum o herói que tentavencer a morte. De forma divertida, ashistórias permitem uma reflexão sobre aimportância da morte na construção dopróprio sentido da vida.
• BUSATTO, Cléo. Pedro e o Cruzeiro doSul. São Paulo: Edições SM, 2006.
Quando seu tio faleceu, disseram para Pedroque as pessoas se transformam em estrelas.Em meio a lembranças ora tristes, ora diverti-das, o garoto divide com o leitor seu proces-so de descobrimento e amadurecimento.
• KOOIJ, Rachel van. A caixa de Klara. SãoPaulo: Edições SM, 2014.
Klara é uma professora muito querida, porisso seus alunos ficam chocados quandodescobrem que ela não viverá por muitomais tempo. Aos poucos, eles se fortalecematravés da memória do que viveram comela, dando-lhe uma grande prova de amor.
• PRATES, Valquíria; CORAZZA, Bianca.Histórias do além: as sete vidas de Bertran.São Paulo: Edições SM, 2007.
Maria Elvira procura explicações para amorte de seu gato Bertran. No percurso,aprende como chineses, egípcios e vikingslidavam com ela, e como fazem hoje me-xicanos, australianos e indígenas tapajós.