"noites de tormenta" - "nicholas sparks!!!

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"Há três anos, Adrienne Willis perdeu as esperanças no amor quando o marido a trocou por uma mulher mais jovem. Tendo que cuidar sozinha dos três filhos adolescentes e do pai doente, ela acha que nunca será capaz de recuperar a autoestima e a vontade de viver.Por isso, quando sua amiga Jean precisa fazer uma pequena viagem e lhe pede que tome conta de sua pousada, ela vê uma oportunidade para mudar de rotina. A previsão de tempestade iminente, no entanto, faz com que os próximos dias não pareçam muito promissores.Pelo menos até a chegada de Paul Flanner,o único hóspede com reserva para o fim de semana prolongado.Aos 54 anos, Paul é um cirurgião bem-sucedido que enfrenta fantasmas parecidos com os de Adrienne.Nos últimos seis meses, a esposa pediu o divórcio e ele rompeu relações com o filho.Ao ver sua vida perder o rumo,Paul decidiu vender a clínica e a casa e ir à pequena cidade de Rodanthe para encerrar um doloroso capítulo de seu passado.Logo Paul e Adrienne começam a descobrir!!!

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OArqueiroGERALDOJORDÃOPEREIRA(1938-2008)começousuacarreiraaos17anos,quandofoitrabalharcomseupai,océlebreeditorJoséOlympio,publicandoobrasmarcantescomoOmeninododedoverde,deMauriceDruon,eMinhavida,deCharlesChaplin.

Em1976,fundouaEditoraSalamandracomopropósitodeformarumanovageraçãodeleitoreseacaboucriandoumdoscatálogosinfantismaispremiadosdoBrasil.Em1992,fugindodesualinhaeditorial,lançouMuitasvidas,muitosmestres,deBrianWeiss,livroquedeuorigemàEditoraSextante.

Fãdehistóriasdesuspense,GeraldodescobriuOCódigoDaVinciantesmesmodeeleserlançadonosEstadosUnidos.Aapostaemficção, que não era o foco da Sextante, foi certeira: o título se transformou em um dosmaiores fenômenos editoriais de todos ostempos.

Masnãofoisóaoslivrosquesededicou.Comseudesejodeajudaropróximo,Geraldodesenvolveudiversosprojetossociaisquesetornaramsuagrandepaixão.

Comamissãodepublicarhistóriasempolgantes,tornaroslivroscadavezmaisacessíveisedespertaroamorpelaleitura,aEditoraArqueiroéumahomenagemaestafiguraextraordinária,capazdeenxergarmaisalém,mirarnascoisasverdadeiramenteimportantesenãoperderoidealismoeaesperançadiantedosdesafiosecontratemposdavida.

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Títulooriginal:NightsinRodantheCopyright©2002porNicholasSparks

Copyrightdatradução©2015porEditoraArqueiroLtda.

Todososdireitosreservados.Nenhumapartedestelivropodeserutilizadaoureproduzidasobquaisquermeiosexistentessemautorizaçãoporescritodoseditores.

tradução:MariaClaradeBiase

preparodeoriginais:TaísMonteiro

revisão:CristhianeRuizeVictorAlmeida

diagramação:IlustrarteDesigneProduçãoEditorial

capa:RaulFernandes

imagemdecapa:SvetlanaSewell/ArcangelImages

adaptaçãoparaebook:MarceloMorais

CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃONAFONTESINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ

S726n Sparks,Nicholas

Noitesdetormenta[recursoeletrônico]/NicholasSparks[traduçãodeMariaClaradeBiase];SãoPaulo:Arqueiro,2015.

recursodigital

Traduçãode:NightsinrodantheFormato:ePubRequisitosdosistema:AdobeDigitalEditionsMododeacesso:WorldWideWebISBN978-85-8041-466-0(recursoeletrônico)

1.Ficçãoamericana.2.Livroseletrônicos.I.Biase,MariaClarade.I.Título.

15-25804 CDD:813CDU:821.111(73)-3

Todososdireitosreservados,noBrasil,porEditoraArqueiroLtda.

RuaFunchal,538–conjuntos52e54–VilaOlímpia04551-060–SãoPaulo–SP

Tel.:(11)3868-4492–Fax:(11)3862-5818E-mail:[email protected]

www.editoraarqueiro.com.br

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ParaLandon,LexieeSavannah.

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T rês anos antes, em umamanhã quente de novembro de 1999,AdrienneWillis havia voltado àpousada e achado, àprimeiravista, queo lugar estava igual, como se apequenahospedaria fosseimuneaosol,àareiaeàmaresia.Avarandatinhaacabadodeserpintadae,nosdoisandares,umapartedasvenezianaspretasbrilhantessedestacavaentreascortinasbrancasdasjanelasretangulares,lembrandoasteclasdeumpiano.Orevestimentodecedrotinhaacordeneveempoeirada.Nosdoisladosdaconstrução,arelvacosteiraacenavaemcumprimento,enquantoadunamudavadeaparênciaimperceptivelmenteacadadiaeacadagrãoquesedeslocava.

Osolpairandoentreasnuvensconferiaaoarumcaráterluminescente,comosepartículasdeluzestivessem suspensas na neblina. Por um momento, Adrienne teve a sensação de que voltara notempo.Noentanto,olhandocommaisatenção,poucoapoucocomeçouanotarasmudançasqueadecoraçãonãoconseguiaesconder:deterioraçãonoscantosdasjanelas,linhasdeferrugemaolongodotelhado,manchasdeáguapertodascalhas.Apousadaestavaemdecadênciae,emborasoubessequenãohavianadaaseualcanceparamudarisso,Adriennefechouosolhos,comoseassimolugarpudessemagicamentevoltaraseroqueumdiafora.

Agora, em pé na cozinha de sua própria casa, faltando alguns meses para seu sexagésimoaniversário,Adriennedesligouo telefonedepoisdefalarcomafilha.Sentou-seàmesa, refletindosobreaquelaúltimavisitaàpousadaerecordandoolongofimdesemanaquepassaralá.Apesardetudooqueaconteceradesdeaquelaépoca,aindaseapegavaàcrençadequeoamoreraaessênciadeumavidaplenaemaravilhosa.

Lá fora chovia. Ouvindo os pingos baterem suavemente no vidro da janela, ficou grata pelasensaçãodeconstânciaefamiliaridade.Lembrar-sedaquelesdiassemprelheproduziaumamisturadeemoções–algoparecidocomnostalgia,masnãoexatamenteisso.Comfrequênciaanostalgiaeraromantizada, enãohavianenhummotivopara tornar essas lembrançasmais românticasdoque jáeram.EAdrienne tambémnão as partilhava comos outros. Eramdela e, como passar dos anos,passaraavê-lascomoumaespéciedeexposiçãodemuseudaqualeranãoapenasacuradora,mastambémaúnicaespectadora.Deummodoestranho,passaraaacreditarqueaprenderamaisnaquelescincodiasdoqueemtodaasuavida.

Estavasozinhanacasa.Seusfilhoseramadultos,seupaimorreraem1996eelasedivorciaradeJackhaviadezesseteanos.Emboraosfilhosàsvezesaincentivassemaencontraralguémcomquempassarosanosquelherestavam,Adriennenãotinhanenhumavontadedefazerisso.Nãoquetivesseumpéatráscomoshomens;pelocontrário,mesmoagoraseusolhosàsvezeseramatraídosparahomensmaisjovensnosupermercado.Comoalgunsdelesaparentavamserapenasalgunsanosmaisvelhosqueseusprópriosfilhos,elaficavacuriosasobreoquepensariamseanotassemolhando-os.

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Rejeitariam-nacomveemência?Oulheretribuiriamosorriso,achandoointeressedelaencantador?Nãosabiaaocerto.TampoucosabiaseelesseriamcapazesdeveralémdoscabelosgrisalhosedasrugaseenxergaramulherqueAdriennefoiumdia.

Nãoquelamentasseestarmaisvelha.Écomumaspessoasfalaremsempararsobreasglóriasdajuventude,masAdriennenãotinhanenhumavontadedeserjovemdenovo.Devoltaràmeia-idade,talvez,masnãoàjuventude.Eraverdadequesentiafaltadealgumascoisas–subirescadasdedoisemdoisdegraus,carregarváriassacolasdesupermercadodeumavezouterenergiaparaacompanharos netos que corriam pelo quintal –,mas trocaria tudo isso de bom grado pelas experiências quetivera,eestassóvieramcomoavançardaidade.Eraofatodepoderolharparatráseverquenãoteriamudadoquasenadaemsuavidaque,atualmente,faziaosonovirfácil.

Alémdisso,serjovemtinhaseusproblemas.Nãosóselembravadelesporexperiênciaprópria,comoobservaraseusfilhosenfrentandoaansiedadedaadolescênciaeaincertezaeocaosdoiníciodavidaadulta.Emboradoisdeles tivessemmaisde30anoseo terceiro,quase30,àsvezeselaseperguntavaquandoamaternidadedeixariadeserumtrabalhoemtempointegral.

Matttinha32anos,Amanda31eDanacabaradefazer29.Todosostrêsfizeramfaculdade,eelaseorgulhavadisso,porquehouveumtempoemquenãotinhacertezadequeissofossepossível.Seusfilhoseramhonestos,gentiseindependentese,demodogeral,eratudooquedesejaraparaeles.Matttrabalhava como contador,Dan como locutor esportivo do noticiário noturno emGreenville e osdois eramcasadose tinhamaprópria família.QuandoavisitavamnoDiadeAçãodeGraças, elagostavadeficarsentadaobservando-oscorreratrásdospróprios filhos,sentindo-seestranhamentesatisfeitacomomodocomotudoaconteceraparaeles.

Ascoisaseramumpoucomaiscomplicadasparasuafilha.Ascriançastinham14,13e11anosquandoJacksaíradecasa,ecadaquallidaracomodivórcio

de um modo diferente. Matt canalizara sua agressividade para os esportes e, por vezes, tiveraepisódiosdemaucomportamentonaescola,masAmandaforaamaisafetada.Comofilhadomeioeúnicamenina, sempre foraamais sensívele,naadolescência,precisaradopaiemcasa,aindaqueapenasparaevitarosolharespreocupadosdamãe.ComeçaraasevestircomroupasqueAdrienneconsideravafarrapos,asaircomumaturmaqueficavanaruaatétardee,nosanosseguintes,juraraestarperdidamenteapaixonadaporpelomenosunsdezrapazesdiferentes.Depoisdaescola,passavahoras no quarto ouvindo música no último volume, ignorando os chamados da mãe para jantar.HouveperíodosemqueelamalfalavacomAdrienneouosirmãos.

Demorou alguns anos, mas Amanda enfim encontrara seu caminho e passara a ter uma vidaestranhamenteparecida comaque amãeumdia tivera.ConheceuBrent nauniversidade, casou-secomeledepoisdaformaturaetiveramdoisfilhosnosprimeirosanosdecasamento.Comomuitoscasais jovens, enfrentaram dificuldades financeiras, mas Brent era sensato de ummodo que Jacknuncafora.Assimqueoprimeirofilhodelesnasceu,fezumsegurodevida,emboranemelenemAmandaesperassemprecisardissopormuito,muitotempo.

Estavamerrados.Brent se fora havia oito meses, vítima de um tipo muito agressivo de câncer de testículo.

Adriennevia a filhamergulhar emumadepressãoprofunda.Na tardedodia anterior, ao levarosnetos para casa, depois de passar um tempo com eles, encontrara as cortinas fechadas, a luz da

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varandaaindaacesaeAmandasentadanasaladeestar,deroupão,comamesmaexpressãovaziadodiadoenterro.

Foinaquelemomento,empénasaladeAmanda,queAdriennesoubequeerahoradecontaràfilhasobreopassado.

Catorzeanos.Eraotempoquehaviapassado.Emtodosaquelesanos,Adriennesóhaviacontadoaumapessoaoqueacontecera:seupai,que

morreracomosegredo.AmãedeAdriennehaviafalecidoquandoelaaindatinha35anos.Emboraasduastivessemum

bomrelacionamento,Adriennesempreforamaispróximadopai.Aindaachavaqueeletinhasidoumdosdoishomensquerealmenteacompreendiam,esentiasuafaltaagoramaisdoquenunca.Avidadopai fora igual à demuitos homensde suageração.Tendo aprendidoumofício emvezde ir àfaculdade, ele passara quatro décadas em uma fábrica de móveis com um salário que era sóminimamentereajustadoacadaano.Usavaumchapéudefeltromesmonoverão, levavaoalmoçoem umamarmita com dobradiças estridentes e saía de casa às 6h45 em ponto todos os dias parapercorrerapéos2,5quilômetrosatéotrabalho.

Ànoite,depoisdojantar,opaicolocavaumcardigãeumacamisademangascompridas.Suascalças amarrotadas lhe davam uma aparência desleixada, que se tornara mais evidente com odecorrerdosanos, sobretudoapósamortedaesposa.Elegostavadesesentarnapoltrona,comoabajuramareloacesoaoseu lado,e ler livrosdefaroesteesobreaSegundaGuerraMundial.Nosúltimosanosantesdeseusderrames,osóculosantiquados,assobrancelhasespessaseorostomuitoenrugadoofaziamparecermaisumprofessoruniversitárioaposentadodoqueooperárioquefora.

Haviauma tranquilidadenopaiqueAdriennesemprequisera imitar.Costumavapensarqueeleteriasidoumbompadreoupastor,easpessoasqueoviampelaprimeiravezgeralmentetinhamaimpressãodequeeleestavaempazconsigomesmoecomomundo.Eraumbomouvinte;comoqueixo apoiado namão, nunca desviava o olhar do rosto das pessoas enquanto elas falavam, suaexpressãorevelandoempatiaepaciência,humoretristeza.AdriennedesejouqueopaiestivessealiagoraparaAmanda;eletambémperderaumcônjugeeelaachavaqueafilhaouviriaoavô,aindaquesóporelesaberquãodifícileraaquilo.

Ummêsantes,quandoAdriennehavia tentadogentilmentefalarcomAmandasobre tudooqueestavaacontecendo,elaselevantaradamesabalançandoacabeça,irritada.

–Istonãotemnadaavercomvocêeopapai–dissera.–Vocêsdoisnãoconseguiramresolverseusproblemas,entãosedivorciaram.MaseuamavaoBrent.Sempreoamarei,masoperdi.Vocênãosabecomoévivercomalgoassim.

Adriennenãodisseranada,masquandoAmandasaíradasala,abaixaraacabeçaesussurraraumaúnicapalavra.

Rodanthe.

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AomesmotempoqueAdriennesesolidarizavacomafilha,sepreocupavacomosnetos.Maxtinha6anoseGreg,4e,nosúltimosoitomeses,elanotaramudançasclarasnapersonalidadedeles.Amboshaviamse tornadoretraídosequietos.Nenhumdosdois tinha jogadofutebolnooutonoe,emboraestivessesesaindobemnojardimdeinfância,Maxchoravatodasasmanhãsantesdeir.Gregvoltaraafazerxixinacamaeaterataquesderaivaàmenorprovocação.Adriennesabiaquealgumasdessasmudançassedeviamàperdadopai,mastambémrefletiamapessoaqueAmandasetornaradesdeaúltimaprimavera.

Graças ao segurodevida,Amandanãoprecisava trabalhar.Ainda assim,nosprimeirosmesesapósamortedeBrent,Adriennepassaraquasetodososdiasnacasadeles,mantendoascontasemordem e fazendo comida para as crianças enquanto a filha dormia e chorava em seu quarto.Amparava-asemprequeelaprecisava,ouvia-aquandoelaqueriafalareaforçavaapassarumaouduas horas ao ar livre todos os dias, acreditando que o ar fresco a faria lembrar que poderiarecomeçar.

Adrienneacreditavaqueafilhaestavamelhorando.Noiníciodoverão,Amandavoltaraasorrir,noinícioraramenteedepoiscomumpoucomaisdefrequência.Aventurara-seairàcidadealgumasvezese levaraascriançasparapatinar.Dessamaneira,Adriennecomeçaraaseafastaraospoucosdasobrigaçõesqueassumira.Sabiaqueera importanteAmandavoltara teraresponsabilidadeporsua própria vida.Adrienne acreditava que havia conforto na rotina; esperava que, diminuindo suapresençanavidadafilha,Amandafosseforçadaaperceberissotambém.

Masemagosto,nodiaqueteriasidoseusétimoaniversáriodecasamento,Amandaabriuaportadoclosetda suítequedividiacomomarido,viupoeira seacumulandonosombrosdos ternosdeBrentesubitamenteparoudemelhorar.“Regrediu”nãoéotermoexato–aindahaviamomentosemque parecia elamesma–,mas namaior parte do tempo dava a impressão de ter se tornado outrapessoa. Não estava deprimida nem feliz, nem animada nem desanimada, nem interessada nementediadacomqualquercoisapertodela.ParaAdrienne,eracomoseAmandativesseseconvencidodequeseguiremfrentedealgummodoembotariasuaslembrançasdeBrent,edecidiranãodeixarissoacontecer.

Masnãoerajustocomascrianças.Elasprecisavamdesuaorientaçãoedeseuamor;precisavamdesuaatenção.Precisavamquelhesdissessequetudoficariabem.Játinhamperdidoopai,oqueerabastantedifícil.MasnosúltimostemposAdriennepassaraaacharquetinhamperdidoamãetambém.

Àluzfracadacozinha,Adrienneolhouparaseurelógio.Aseupedido,DanlevaraMaxeGregaocinema,paraqueelapudessepassaranoitecomAmanda.ComoAdrienne,seusdoisfilhosestavampreocupadoscomosmeninosdeAmanda.Nãosótinhamseesforçadomaisparaestarpresentesna

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vida deles, como quase todas as suas conversas recentes com Adrienne tinham começado outerminadocomamesmaquestão:

“Oquevamosfazer?”Hoje, quando Dan repetira a pergunta, Adrienne lhe garantira que conversaria com a filha.

Emboraofilhocaçulativesseficadocético–elesnãohaviamtentadotodoessetempo?–,elasabiaqueestanoiteseriadiferente.

Adrienne tinha poucas ilusões sobre o que os filhos pensavam dela. Sim, eles a amavam e arespeitavam,maselasabiaquenuncaaconheceramrealmente.Aosolhosdeles,elaeragentil,masprevisível,doceeestável,umapessoaamigávelquepassaraavidacomsuavisãoingênuadomundointacta.Elacombinavacomessepapel,éclaro–veiascomeçavamasurgirnoaltodesuasmãos,seucorpo perdera um pouco a forma que tinha na juventude e as lentes de seus óculos ficarammaisgrossas ao longo dos anos –,mas quando os via com expressões que visavam animá-la, às vezestinhadeconterumarisada.

Sabia que parte do equívoco dos filhos se devia ao desejo de vê-la assim, comouma imagempreestabelecidaqueachavamaceitávelparaumamulherdasuaidade.Eramaisfácil–e,paradizeraverdade, mais cômodo – pensar na mãe como uma pessoa mais contida do que ousada, maiscomportada do que alguém com experiências que os surpreenderiam. E, correspondendo ao seupapeldemãegentil,previsíveleestável,Adriennenãotinhavontadedemudaraopiniãodeles.

Sabendo queAmanda chegaria a qualquermomento, foi até a geladeira e pôs uma garrafa devinhosobreamesa.Acasaesfriaradesdeatarde,entãoligouotermostatoacaminhodoquarto.

OaposentoqueantesdividiracomJackagoraerasódelaeforaredecoradoduasvezesdepoisdodivórcio. Foi até a cama de dossel que desejara desde a juventude.Debaixo dela havia uma caixapequena,eAdrienneapôssobreotravesseiroaseulado.

Dentrodacaixahaviaacartaqueeledeixaranapousada,umafotodeletiradanaclínicaeacartaque recebera algumas semanas antes doNatal. Embaixo desses itens havia duas pilhas amarradas,cartastrocadasporeles,enomeiodelasumaconchaqueumdiaencontraramnapraia.

Adrienne pôs a carta de lado e puxou um envelope de uma das pilhas, lembrando-se de comohavia se sentidonaprimeiravezemque lera seuconteúdo, edepois tirouuma folhadedentro.Opapelestavamaisfinoefrágil,ea tintahaviadesbotadoao longodosanos,masaspalavrasaindaeramlegíveis.

QueridaAdrienne,

Nuncafuibomemescrevercartas,porissoesperoquemeperdoeseeunãoconseguirmefazerentender.

Acrediteounão,chegueihojedemanhãemumburroedescobriondevoupassarmeusdiasporalgumtempo.Gostariadepoderlhedizerqueémelhordoqueeuimaginava,mascomtodaasinceridade,nãoposso.Naclínicafaltatudo–remédios,equipamentoeosleitosnecessários–, mas falei com o diretor e acho que conseguirei resolver pelo menos parte do problema.Emboraelestenhamumgeradordeenergia,nãohánenhumtelefone,portantosópodereiligarpara vocêquando for aEsmeraldas.Ficaaalgunsdias de viagem, e a próxima remessade

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suprimentossóchegarádaquiaalgumassemanas.Sintomuitoporisso,masachoqueambossuspeitávamosquepoderiaserassim.

AindanãoviMark.Eleestáemumaclínicaisoladanasmontanhasesóvoltarámaistarde,hoje à noite.Depois eu lhe conto como foi,mas a princípio não estou otimista.Como vocêdisse, acho que precisamos nos conhecer melhor antes de tentarmos resolver os problemasentrenós.

Nãoconsigocontarquantospacientesatendihoje.Maisdecem,euacho.Hámuitotemponão atendia pessoas assim, com esses tipos de problemas,mas a enfermeira ajudou,mesmoquandoeupareciaperdido.Achoqueelaficougrataporeuestarlá.

Pensoemvocêconstantementedesdeque fuiembora,perguntando-meporquea jornadaemqueestoupareceumelevaratévocê.Seiqueocaminhoaindanãoterminoueavidaéumaestradacheiadecurvas,massópossoesperarquedealgummodomelevedevoltaaolugaraoqualpertenço.

Éassimqueencaroasituaçãoagora.Eupertençoavocê.Enquantodirigia,edepoisdenovo quando o avião estava no ar, imaginei que ao chegar aQuito a veria namultidãomeesperando.Sabiaqueissoseriaimpossível,masporalgummotivotornouumpoucomaisfácildeixá-la.Foiquasecomosepartedevocêtivessevindocomigo.

Quero acreditar que isso é verdade. Melhor, eu sei que é verdade. Antes de nosconhecermos,euestavatãoperdido,eaindaassimvocêviualgoemmimquedealgummodomedeuumrumodenovo.AmbossabemosomotivodeeuteridoaRodanthe,masnãopossoparardepensarque forçasmaiores estavamemação.Fui lápara encerrarumcapítulo emminhavida,esperandoqueissomeajudasseaencontrarmeucaminho.Masachoquevocêeraoqueeuestavaprocurandootempotodo.Eévocêqueestácomigoagora.

Sabemos que terei de ficar aqui por um período. Não sei ao certo quando voltarei, eemboranãotenhasepassadomuito tempo,perceboquenuncasenti tantoa faltadealguém.Partedemimquerentraremumaviãoeiratrásdevocêagora,masseissofortãorealquantoacho que é, tenho certeza de que vamos conseguir.E eu voltarei, eu lhe prometo.No poucotempo que passamos juntos, tivemos algo com que amaioria das pessoas só pode sonhar eestoucontandoosdiasparavê-ladenovo.Nuncaseesqueçadequantoeuamovocê.

Paul

Quando terminou de ler, Adrienne pôs a carta de lado e pegou a concha que eles haviamencontrado em uma manhã de domingo, tanto tempo antes. Mesmo agora cheirava a maresia, aeternidade; tinha o odor primordial da própria vida. Era média, com formas perfeitas e semrachaduras,algoquaseimpossíveldeacharnomarrevoltodeOuterBanksapósumatempestade.Umpresságio,pensaranaépoca,eselembroudetê-lalevadoàorelhaeditoquepodiaouvirooceano.Paulriraeexplicaraqueeraoprópriooceanoqueelaestavaescutando.Tinhapostoosbraçosaoseuredoresussurrado:

–Amaréestáalta,nãopercebeu?Adrienneexaminouoconteúdodacaixa,pegouoqueachavanecessárioparasuaconversacom

Amandaedesejoutermaistempoparaveroresto.Talvezmaistarde,pensou.Pôsositensrestantes

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nagavetadebaixo,sabendoquenãohavianecessidadedeAmandaveraquelascoisas.Comacaixanamão,levantou-sedacamaealisouasaia.

Suafilhachegarialogo.

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2

Adrienneestavanacozinhaquandoouviuaportadafrenteseabrirefechar;uminstantedepois,Amandaentravanasala.

–Mãe?Adriennepôsacaixasobreobalcãodacozinha.–Estouaqui!–gritou.QuandoAmanda empurrou a porta de vaivém e entrou na cozinha, encontrou amãe sentada à

mesacomumagarrafadevinhofechadanasuafrente.–Oqueestáacontecendo?–perguntouAmanda.Adriennesorriu,pensandonoquantoafilhaerabonita.Comcabeloscastanho-claroseolhoscor

de avelã em harmonia com as maçãs do rosto altas, ela sempre fora linda. Embora fosse umpouquinhomais baixa do queAdrienne, a postura ereta como a de uma dançarina fazia com queparecessemaisalta.Tambémeramagra,umpoucodemaisnaopiniãodamãe,maselaaprenderaanãotecercomentáriossobreisso.

–Euqueriafalarcomvocê–disseAdrienne.–Sobreoquê?Emvezderesponder,Adrienneapontouparaamesa.–Achoqueémelhorvocêsesentar.Amandaseaproximoudamãe.Sentou-seàmesa,abaixouosolhos,eAdriennepegousuamão.

Apertou-a,nãodissenadaeentãoasoltoucomrelutânciaenquantoseviravanadireçãodajanela.–Mãe?–disseAmanda.–Vocêestábem?Adriennefechouosolhosefezquesimcomacabeça.–Estou.Sóestavameperguntandoporondecomeçar.Adrienneseenrijeceuligeiramente.–Ésobremimdenovo?Porquesefor...Adrienneainterrompeucomumgestodacabeça.–Não,ésobremim–falou.–Voulhecontaralgoqueaconteceuhácatorzeanos.Amanda inclinou a cabeça para o lado e, no ambiente familiar da pequena cozinha, Adrienne

começousuahistória.

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3

Rodanthe,1988

O céumatinal estava cinzento quandoPaul Flanner saiu do escritório do advogado. Fechando ozíperdocasaco,seguiuporentreanévoaeentrouemseuToyotaCamryalugado,pensandoqueavidaquetiveranosúltimos25anosterminaraformalmentecomsuaassinaturadocontratodevenda.

Eraoiníciodejaneirode1988eelejáhaviavendidoseusdoiscarrosesuaclínicamédicanomêsanterior.Agora,nessaúltimareu-niãocomseuadvogado,venderasuacasa.

Nãosabiacomosesentiriaemrelaçãoaisso,mas,aogirarachavenaignição,percebeuquesóexperimentava uma vaga sensação de término.Naquelamanhã, percorrera a casa pela última vez,cômodoacômodo,esperandoselembrardecenasdesuavida.PensaraquevisualizariaaárvoredeNatal e se lembraria de quão animado seu filho ficava ao descer pelas escadas e ver os presentestrazidosporPapaiNoel.Tentara recordaroscheirosnacozinhanoDiadeAçãodeGraçasouemtardeschuvosasdedomingoquandoMarthapreparavaumensopado,ouossonsdevozesvindasdasaladeestarondeaesposaeeletinhamoferecidodezenasdefestas.

Masenquantopassavadeumcômodoaoutro,parandoporummomentoaquiealiparafecharosolhos,nenhumalembrançasurgiu.Percebeuqueacasanãoeranadaalémdeumaconchavaziaeseperguntoumaisumavezporqueviveraláportantotempo.

Paulsaiudoestacionamento,entrounotráfegoeseguiuparaainterestadual,evitandoofluxodecarros vindo do subúrbio.Vinteminutos depois, virou naRodovia 70, de pista dupla, que ia parasudestenadireçãodacostadaCarolinadoNorte.Nobanco traseirohaviaduasmochilasgrandes.Suaspassagens aéreas eopassa-porte estavamnabolsade couronobancodo carona.Napicapehaviaumkitmédicoeváriossuprimentosquelhepediramparalevar.

O céu era uma tela mesclada de branco e cinza e o inverno estava completamente instalado.Choveraporumahoraduranteamanhãeoventonorte faziaa temperaturaparecermaisbaixa.Aestradanãotinhamuitomovimentonemestavaescorregadia,entãoPaulpôsocontroledevelocidadeumpoucoacimadolimite,deixandoospensamentosvoltaremaoquefizeranaquelamanhã.

BrittBlackerby,seuadvogado,tentaradissuadi-loumaúltimavez.Eleseramamigoshaviaanos;seismesesantes,quandoPaulfalarapelaprimeiravezsobretudooquequeriafazer,Brittacharaqueeleestivessebrincandoederaumagargalhada.

–Atéparece!SóquandoolharaporcimadamesaparaorostodePaul,perceberaqueoamigoestavafalando

sério.Paul tinha se preparado para aquela reunião, é claro. Esse era um hábito que não conseguia

perder. Empurrara sobre a mesa três páginas impecavelmente digitadas informando o que

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considerava serem preços justos e seu parecer sobre os contratos propostos. Britt olhara para aspáginasporumlongomomentoantesdeergueravista.

–IstoéporcausadeMartha?–perguntara.–Não–respondeuPaul.–Ésóalgoqueeuprecisofazer.Nocarro,Paulligouoaquecimentoepôsamãonafrentedasaída,deixandooaresquentarseus

dedos.Olhandopeloespelhoretrovisor,avistouosarranha-céusdeRaleigheseperguntouquandoosveriadenovo.

Tinha vendido a casa para um jovem casal – o marido era executivo de uma companhiafarmacêuticamultinacionaleaesposaerapsicóloga.Osdoisforamveracasanoprimeirodiaemquetinhasidoanunciada.Voltaramnodiaseguintee,algumashorasdepois,fizeramumaoferta.Foioprimeiroeúltimocasalavisitaracasa.

Paulnãoficarasurpreso.Eleestavapresentenasegundavisitadocasaleosvirapassarumahoraexaminandotodososdetalhesdacasa.Apesardastentativasdedisfarçarsuaimpressão,assimqueosconheceuPaulsoubequeacomprariam.Elelhemostrouosdetalhesdosistemadesegurançaecomoabriroportãoqueseparavaapropriedadedorestodobairro;deuonomeeocartãodevisitadeseujardineiro paisagista e da empresa demanutenção da piscina, coma qual ainda tinha umcontrato.Explicou que omármore do vestíbulo havia sido importado da Itália e as janelas de vitral foramfeitasporumartesãoemGênova.Acozinhatinhasidoreformadaapenasdoisanosantes;ageladeiraSub-ZeroeofogãoVikingaindaeramconsideradosdeúltimageração;cozinharparavinteoumaispessoasnãoseriaumproblema.Eleos levaraàsuíteprincipaleaseubanheiro,depoisaosoutrosquartos, notando que olharam demoradamente para as cornijas esculpidas à mão e as paredespintadascomesponja.Noandardebaixo,apontouparaamobíliafeitasobencomendaeocandelabrodecristaleosdeixouexaminarotapetepersasobamesadecerejeiranasaladejantar.Nabiblioteca,observouohomempassarosdedospelo revestimentodemadeiradebordoedepoisolharpara alumináriaTiffanynocantodaescrivaninha.

–Eopreçoincluitodaamobília?–perguntouohomem.Paul fezque simcomacabeça.Ao sairdabiblioteca,pôdeouviros sussurrosanimadosdeles

enquantooseguiam.Quase uma hora depois, quando estavam em pé à porta, prontos para ir embora, fizeram a

perguntainevitável:–Porqueestávendendo?Paulolhouparaohomemconscientedequehaviamaisnaperguntadoquesimplescuriosidade.

PareciahaverumindíciodedesgraçanoquePaulestavafazendoeelesabiaqueopreçoerabaixodemaismesmoseacasafossevendidasemosmóveis.

Paulpoderiaterditosimplesmentequenãoprecisavamaisdeumacasatãogrande.Ouqueacasaera adequada para alguémmais jovem, que não se importasse com as escadas. Ou que planejavacomprarouconstruiroutracasaequeriaumadecoraçãodiferente.Ouqueplanejavaseaposentareeratrabalhosodemaiscuidardetudoaquilo.

Masnenhumdessesmotivoseraverdadeiro.Emvezderesponder,elefitouohomemdiretonosolhos.

–Porqueestáquerendocomprá-la?–perguntou.

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Seutomfoiamigáveleohomemsevoltouporummomentoparaaesposa.Elaerabonita,umamorenamignonmaisoumenosdamesmaidadequeomarido–cercade35anos.Ohomemtambémera bonito, seguro de si, altivo e com um ar de pessoa destinada a ser bem-sucedida. Por ummomento,elesnãopareceramcompreenderoquePaulquisdizer.

–Éotipodecasacomquesempresonhamos–respondeufinalmenteamulher.Paulassentiu.Simlembro-medesentirissotambém.Pelomenosatéseismesesatrás,pensou.–Entãoesperoquelhestragafelicidade–retrucou.Ummomentodepois,ocasal seviroupara iremboraePaulosobservouacaminhodocarro.

Acenou-lhesantesdefecharaporta,mas,assimqueficousozinho,sentiuumnónagarganta.Olharparaohomem,percebeu,ofizeraselembrardecomocostumavasesentiraoseolharnoespelho.E,porummotivoquenãosoubeexplicar,Paulsubitamentepercebeuqueestavaàbeiradaslágrimas.

ArodoviapassavaporSmithfield,GoldsboroeKinston,cidadespequenasseparadasentresipor50quilômetrosdeplantaçõesdealgodãoetabaco.Paulcresceranessaregião,emumapequenafazendanosarredoresdeWilliamston,eospontosdereferêncialheeramfamiliares.Passouporceleirosdesecagemdetabacoecasasdefazendadeaparênciainstável;viuumaprofusãodeviscosnosgalhosaltos de carvalhos à beira da rodovia. Filas longas e estreitas de pinheiros separavam umapropriedadedaoutra.

ParouparaalmoçaremNewBern,umaexóticacidadesituadanaconfluênciados riosNeuseeTrent.Entrouemumadelicatéssennobairrohistórico,comprouumsanduícheeumcafée,apesardofrio, se instalouemumbancopertodoSheratoncomvistaparaamarina. Iateseveleirosestavamatracados em suas vagas, balançando suavemente à brisa.A respiração de Paul formava pequenasnuvens. Depois de terminar o sanduíche, ele tirou a tampa do copo de café. Observando o vaporsubir,pensounamudançaderumoqueotinhalevadoatélá.

Foraumalongajornada,refletiu.Suamãemorreraquandoeleeracriançaenãotinhasidofácilseroúnicofilhodeumpaiqueganhavaavidacultivandoaterra.Emvezdejogarbeisebolcomosamigosouirpescar,arrancarervasdaninhasetirarlagartasdasfolhasdetabaco,dozehoraspordia,sobumsolescaldantequelhedeixavaascostascomumtompermanentededourado.Comotodasascrianças, às vezes ele se queixava,mas emgeral aceitavabemo trabalho.Sabia queopai era umhomembomeprecisavadesuaajuda.Erapacienteegentil,mas,comooavôdePaul,tambémnãoera de falar, amenos que tivesse algo importante para dizer. Quase sempre a pequena casa delesproporcionava o sossego encontrado em uma igreja. Além de perguntas superficiais sobre comoPaulestavasesaindonaescolaouoqueacontecianasplantações,osjantareserampontuadosapenaspelos sons de talheres batendonos pratos.Depois de lavar a louça, o pai ia para a sala de estar eexaminavarelatóriossobreaatividaderuralenquantoPaulmergulhavanoslivros.Elesnãotinhamtelevisãoeorádioraramenteeraligado,excetoparaouviremaprevisãodotempo.

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Eram pobres e, embora Paul sempre tivesse o que comer e um quarto quente para dormir, àsvezes sentia vergonha de suas roupas ou de nunca ter dinheiro suficiente para ir à loja deconveniênciacomprarumbiscoitomaiscaroouumagarrafaderefrigerante,comoseusamigos.Devezemquandoeleouviacomentáriossarcásticossobreessascoisas.Emvezderesponder,Paulsededicava aos estudos, como se tentasse provar a simesmoque tudo aquilo não tinha importância.Anoapós anochegavaemcasa comnotas excelentes, sóque, emboraopai seorgulhassede suasconquistas, havia um ar demelancolia nele sempre que olhava para os boletins de Paul, como sesoubessequeumdiaofilhodeixariaafazendaparanuncamaisvoltar.

OshábitosadquiridosnasplantaçõesseestenderamaoutrasáreasdavidadePaul.Elenãosófoioorador da turmana formatura como também se tornouumótimo atleta.Quando foi cortadodotime de futebol em seus tempos de calouro, o treinador recomendou que ele tentasse corridas demontanhas. Ao perceber que a diferença entre vencedores e perdedores era o esforço e não agenética, Paul começou a acordar às cinco da manhã para fazer dois treinos por dia. Deu certo:entrou na Universidade Duke com uma bolsa integral para atletas e foi o melhor corredor dainstituição durante quatro anos, além de brilhar também em sala de aula. Durante todo o curso,relaxou em relação à sua saúde uma vez e quasemorreu por causa disso,mas nunca deixou queacontecessedenovo.Especializou-seemquímicaebiologiaeseformoucomlouvor.Naqueleanotambémsetornouumdosmelhoresatletasdopaís,ficandoemterceirolugarnacorridanacionalemmontanhas.

Depoisdacorrida,deuamedalhaaopaiedissequehaviafeitotudoaquiloporele.–Não–respondeuopai.–Vocêcorreuporsimesmo.Sóesperoqueestejacorrendonadireção

dealgo,nãoparalongedealgo.Naquela noite, deitado na cama, Paul olhou para o teto, tentando descobrir o que o pai queria

dizer.Emsuamente,eleestavacorrendonadireçãodealgumacoisa,nadireçãodetudo.Deumavidamelhor. Estabilidade financeira. Um modo de ajudar o pai. Respeito. Ausência de preocupações.Felicidade.

NoseuúltimoanonaDuke,ficousabendoemfevereiroqueforaaceitonafaculdadedemedicinadeVanderbilt.Entãofoivisitaropaiparalhedaraboanotícia.Opaidissequeestavafelizporele.Porém,naquelanoite,muitodepoisdahoraemqueopaijádeveriaestardormindo,Paulolhoupelajanelaeoviu,umafigurasolitáriapertodacerca,olhandoparaoscampos.

Três semanasdepois, elemorreudeumataquecardíacoenquantoaravaa terra empreparaçãoparaaprimavera.

Paulficouarrasadocomaperda,masemvezdedarumtempoasimesmoparaoluto,evitouaslembrançasmergulhandoaindamaisemsuastarefas.Matriculou-senaUniversidadeVanderbiltcomantecedência, fez o curso de verão, inscreveu-se em três matérias para se adiantar nos estudos eacrescentouaulasextrasaumagradejálotada.Depoisdissosuavidapassouemumborrão.Iaparaaaula,faziaseutrabalhonolaboratórioeviravaasnoitesestudando.Corria8quilômetrospordiaesempre cronometrava suas corridas, tentando melhorar a cada ano que passava. Evitava boates ebares; ignorava os eventos das equipes de atletismo da universidade. Comprou por impulso umatelevisão,masnuncaatiroudacaixaeavendeuumanodepois.Emboratímidocomasgarotas,foi

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apresentadoaMartha,umaloiradaGeórgiadetemperamentotranquiloquetrabalhavanabibliotecadafaculdadedemedicina,equandodemorouachamá-laparasairelatomouainiciativa.

EmborapreocupadacomoritmofrenéticodePaul,Marthaaceitouopedidodecasamentodele.Dezmesesdepois,elesentraramnaigreja.Comaproximidadedasprovasfinais,nãohouvetempoparaaluademel,masPaulprometeuquefariamumaviagemnofimdoanoletivo.Nuncafizeram.Mark,ofilhodeles,nasceuumanodepois,masPaulnuncatrocouumafraldaoucolocouomeninoparadormirnosprimeirosdoisanosdavidadofilho.

Emvez disso, postava-se àmesa da cozinha e não parava de estudar, olhando incessantementeparadiagramasdafisiologiahumanaouestudandoequaçõesquímicas,fazendoanotaçõesetirandoanotamáximaemumaprovaapósaoutra.Formou-seemtrêsanoscomoomelhoralunodaturmaesemudoucomafamíliaparaBaltimore,comoobjetivodefazerresidênciaemcirurgianohospitalJohnsHopkins.

Àquela altura ele sabia que cirurgia era sua vocação. Muitas especialidades exigem bastanteinteração humana e segurar amão dos pacientes; Paul não eramuito bom em nenhuma das duascoisas.Masacirurgiaeradiferente:ospacientesestavammaisinteressadosnahabilidadedomédicodoqueemsuacapacidadedecomunicação,ePaulnãosótinhaaconfiançaparadeixá-lostranquilosantesdacirurgiacomoeracapacitadotecnicamente.Elefloresceunesseambiente.Nosúltimosdoisanosdesuaresidência, trabalhounoventahorasporsemanaedormiuquatrohoraspornoite,mas,estranhamente,nãomostrounenhumsinaldecansaço.

Depoisdaresidência,fezumaespecializaçãoemcirurgiacraniofa-cialesemudoucomafamíliaparaRaleigh,ondesetornousóciodeoutrocirurgiãoemumaclínicajustamentequandoapopulaçãocomeçavaaaumentarcombastanterapidez.Sendoosúnicosespecialistasnesse tipodecirurgianaárea,aclínicadelesprosperou.Aos34anos,Paulpagarasuasdívidasdafaculdadedemedicina.Aos36,eraassociadoatodososgrandeshospitaisdacidadeerealizavaamaiorpartedoseutrabalhonocentro médico da Universidade da Carolina do Norte. Lá participou de um estudo clínico sobreneurofibromascommédicosdaMayoClinic,ONGdaáreadeserviçosmédicosepesquisasmédico-hospitalares. Um ano depois, teve um artigo sobre lábios leporinos publicado no New EnglandJournal ofMedicine. Outro artigo sobre hemangiomas se seguiu quatromeses depois e ajudou aredefinirosprocedimentoscirúrgicosnessaáreaparacrianças.Suareputaçãoaumentoue,depoisdeoperarcomsucessoafilhadosenadorNorton,queficaradesfiguradaemumacidentedeautomóvel,PaulfoimatériadecapadoWallStreetJournal.

Além do trabalho de reconstrução, ele foi um dos primeirosmédicos naCarolina doNorte aincluircirurgiaplásticaemsuaclínica,efezissojustamentequandoaáreacomeçavaacrescer.Seutrabalho evoluiumuito, sua renda semultiplicou e ele começou a acumular coisas. Comprou umBMW,umMercedes,depoisumPorscheeoutroMercedes.Marthaeeleconstruíramacasadeseussonhos.Paulcomproutítuloseaçõesdeumadezenadefundosdiferentes.Quandopercebeuquenãopodialidarcomacomplexidadedomercado,contratouumadministradordeinvestimentos.Depoisdisso, seu dinheiro começou a duplicar a cada quatro anos. Então, quando tinha mais do queprecisavaparaorestodesuavida,começouatriplicar.

Ainda assim, Paul trabalhava. Marcava cirurgias não só durante a semana, mas também aossábados. Passava as tardes de domingo no consultório. Quando estava com 45 anos, o ritmo que

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mantinha enfim esgotou seu sócio, que se desligou da clínica e foi trabalhar comoutro grupo demédicos.

NosprimeirosanosapósonascimentodeMark,Marthafrequentementefalavasobreteremoutrofilho.Como tempo, paroude tocar no assunto.Embora insistisse para quePaul tirasse férias, elerelutava.MarthaacabavaindovisitarospaiscomMark,deixandoomaridoemcasa.Eleencontravatempo para participar de alguns dos acontecimentos mais importantes da vida do filho, aqueleseventosqueocorriamumaouduasvezesporano,masperdiaquasetodooresto.

Eleseconvenceudequeestavatrabalhandoporsuafamília.OuporMartha,queenfrentaracomeleasdificuldadesdosprimeirosanos.Oupelamemóriadopai.Oupelo futurodeMark.Masnofundosabiaquefaziaissoporsimesmo.

Se tivesse que dizer qual tinha sido seumaior arrependimento em todos aqueles anos, seria opouco contato com o filho; contudo, apesar de sua ausência na vida dele, Mark o surpreenderadecidindo se tornar médico. Depois que foi aceito na faculdade, Paul espalhou a notícia peloscorredoresdohospital, feliz coma ideiadequeo filho seria seucolegadeprofissão.Agora elesteriammaistempojuntos.Assim,levouMarkparaalmoçarumdia,naesperançadeconvencê-loasetornarcirurgião.Ojovemsimplesmentebalançouacabeça.

–Essaéasuavida–respondeu-lhe.–Eumavidaquenãomeinteressanemumpouco.Parasersincero,sintopenadevocê.

Aquilo doeu e os dois discutiram. Mark fez acusações amargas, Paul ficou furioso e, comoresultado,ofilhoacabousaindoapassoslargosdorestaurante.PaulserecusouafalarcomelepelassemanasseguinteseMarknãofeznenhumatentativadereconciliação.Semanassetransformaramemmesesedepoisemanos.EmboraMarkmantivesseumrelacionamentoafetuosocomamãe,evitavairparacasaquandosabiaqueopaiestavalá.

Paul lidou com a desavença com o filho do único modo que sabia. Sua carga de trabalhocontinuou a mesma e ele corria seus costumeiros 8 quilômetros por dia; de manhã estudava aspáginas de finanças do jornal.Mas podia ver a tristeza nos olhos deMartha e houvemomentos,geralmentetardedanoite,emqueseperguntoucomofazeraspazescomofilho.Partedelequeriapegar o telefone e ligar,mas nunca encontrava disposição para isso. Soube pela esposa queMarkestavasesaindobemsemele.Emvezdeseespecializaremcirurgia,tornou-semédicodefamíliae,depois de váriosmeses se especializando, deixou o país para trabalhar como voluntário em umaorganizaçãohumanitáriainternacional.

DuassemanasdepoisdeMarkirembora,Marthapediuodivórcio.Seaspalavrasdofilhoumdiaodeixaramfurioso,asdeMarthaodeixaramestupefato.Tentou

dissuadi-la,maselaointerrompeugentilmente:–Vocêvaimesmosentirminhafalta?Nósmalnosconhecemos...–Eupossomudar–sugeriuPaul.Marthasorriu.–Seiquepode.Edeveria.Masdeveriafazerissoporquequer,nãopormim.Paulpassouassemanasseguintesconfuso.Ummêsdepois,apóster terminadoumacirurgiade

rotina, suapacientede62 anos JillTorrelson, deRodanthe,CarolinadoNorte,morreuna saladerecuperação.

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Paulsabiaquetinhasidoaqueleterrívelacontecimento,naesteiradosoutros,queolevaraatéali.

Após terminar seu café, Paul voltou para o carro e pegou de novo a rodovia. Quarenta e cincominutos depois, chegou a Morehead City. Atravessou a ponte para Beaufort, seguiu pela estradasinuosaedepoistomouadireçãolesterumoaCedarPoint.

Havia uma beleza tranquila nas terras baixas costeiras e ele desacelerou o carro, assimilandoaquilotudo.Sabiaqueavidaeradiferenteali.Enquantodirigia,ficoumaravilhadocomaspessoasque o cumprimentavam e com os idosos sentados em um banco do lado de fora de um posto degasolinaquepareciamnãoternadamelhorparafazerdoqueveroscarrospassarem.

Nomeiodatarde,pegouabalsaparaOcracoke,umvilarejonoextremosuldeOuterBanks.Sóhaviamaisquatrocarrosnabalsaeduranteasduashorasdeviagemeleconversoucomosoutrospassageiros.PassouanoiteemummotelemOcracokeeacordouquandoosolseergueuacimadaágua. Tomou café da manhã e passou as horas seguintes caminhando pelo povoado rústico,observandoaspessoasprepararemsuascasasparaatempestadequeseformavaaolargodacosta.

Quando finalmente se sentiu pronto, Paul jogou asmochilas no carro e seguiu emdireção aonorte.

Outer Banks era um lugar ao mesmo tempo estranho e místico, pensou. Com capim-serrasalpicandoasdunasarredondadaseárvoresdobradaspelaeternabrisa,eraumlocalcomonenhumoutro.As ilhas umdia tinham sido ligadas ao continente,mas depois da última era glacial omarinundaraaáreaaoeste,formandoPamlicoSound.Atéadécadade1950,nãohavianenhumaestradanessasériede ilhaseaspessoas tinhamdedirigirpelapraiaparachegaràscasasalémdasdunas.Mesmoagoraissoerapartedaculturae,enquantodirigia,Paulviumarcasdepneuspertodaágua.

Océutinhaclareadoemalgunspontos.Emboraasnuvenscorressemfuriosamentenadireçãodohorizonte,àsvezesosolespiavaporentreelas,emprestandoaomundoumfortebrilhobranco.Porcimadoroncodomotor,podiaseouviraviolênciadooceano.

Naquelaépocadoano,OuterBanksficavabastantevazia,ePaultinhaaqueletrechodeestradasóparaele.Nasolidão,voltouapensaremMartha.

Odivórciohaviasidoformalizadoapenasalgunsmesesantes,masforaamigável.Paulsabiaqueelaestavasaindocomoutrohomemeachavaqueaviracomelemesmoantesdesesepararem,masissonãotinhaimportância.Atualmente,nadapareciaimportante.

QuandoMarthafoiembora,Paulreduziuashorasdetrabalho,achandoqueprecisariadetempoparaorganizar as coisas.Masmesesdepois, emvezdevoltar à suavidanormal, reduziu-as aindamais.Continuavaacorrercomregularidade,masdescobriuquenãotinhamaisnenhuminteresseemlerocadernodefinançasdemanhã.Duranteavidatodasóprecisaradeseishorasdesonopornoite,mas,estranhamente,quantomaisdiminuíaoritmodesuarotina,demaishoraspareciaprecisarparasesentirdescansado.

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Também havia outras mudanças, como as físicas. Pela primeira vez em anos, Paul sentiu osmúsculosdosombrosrelaxarem.Asrugasemseurostoaindaeramproeminentes,masaintensidadequeantesviaemseureflexonoespelhoforasubstituídaporumaespéciedemelancolia.Eemboradevesseserfrutodesuaimaginação,tinhaaimpressãodequeseuscabelosgrisalhosenfimtinhamparadodecair.

Algunsmeses antes, ele achava que tinha tudo.Havia corrido sem parar e atingido o auge dosucesso,masagorapercebiaquenuncaseguiraoconselhodeseupai.Durantetodaasuavidacorreraparalongedealgumacoisa,nãonadireçãodealgumacoisae,nofundodoseucoração,sabiaquetudoforaemvão.

Estavacom54anosesozinhonomundo.Olhandoparaafaixadeasfaltovaziaàsuafrente,nãopôdedeixardeseperguntarporquecorreratanto.

Sabendo que agora estava perto, Paul se preparou para a última parte da viagem.Ficaria emumapequenapousadapertodarodovia,cujadiáriaincluíaocafédamanhã.QuandochegouaosarredoresdeRodanthe,olhouemvolta.Ocentrodacidade, seéquepodia ser chamadoassim,consistia emváriaslojasquepareciamvenderquasetudo.Oarmazémcomercializavaferramentasematerialdepesca,assimcomogênerosalimentícios;opostodegasolinavendiapneusepeçasdeautomóveisetambémofereciaserviçodemecânico.

Ele não precisava pedir nenhuma informação e, umminuto depois, saiu da rodovia para umacurta estrada de cascalho. Avaliou que a pousada em Rodanthe era muito mais charmosa do queimaginava:umaantigacasavitorianabrancacomvenezianaspretaseumaacolhedoravaranda.Nabalaustrada havia vasos com amores-perfeitos desabrochando e uma bandeira dosEstadosUnidostremulavaaovento.

Pegousuascoisasependurouasmochilasnoombro.Depoissubiuaescadaeentrou.Opisoeradepinhoeseviaodesgastedeanosestandosobsapatoscomareia.Bemdiferentedopisodaantigacasa de Paul. À esquerda havia uma aconchegante sala de estar bem iluminada por duas grandesjanelasqueemolduravamalareira.Elesentiucheirodecaféfrescoeviuqueumpequenopratodebiscoitosforaarrumadoparasuachegada.Achouquepegandoadireitaencontrariaodono,eseguiuaquelecaminho.

Emborativessevistoumpequenobalcão,ondesupôsqueeraarecepção,nãohavianinguématrásdele.Nocanto,notouaschavesdosquartos;oschaveiroseramminiaturasdefaróis.Quandochegouaobalcão,tocouacampainhaeesperouqueaparecessealguémparaatendê-lo.

Apósalgumtempotocoudenovo,edessavezouviuoquepareceuumchoroabafadovindodealgum lugar nos fundos da casa. Deixou suas coisas no chão, entrou na recepção e empurrou asportasdevaivémquelevavamàcozinha.Sobreobalcãohaviatrêssacolasdemercadoaindacheias.

Aportadosfundosestavaabertaeelefoinessadireção.AvarandarangeuquandoPaulsaiu.Àesquerdaviucadeirasdebalançoeumapequenamesaentreelas,eàdireitaviuafontedosom.

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Elaestavaempénocanto,olhandoparaomar.ComoPaul,usavaumacalçajeansdesbotada,mascom um suéter grosso de gola rulê. Seus cabelos castanho-claros estavam presos para trás comalgumasmechassoltasesvoaçandoaovento.Eleaviusevirar,assustadacomosomdasbotasdele.Atrásdela,umadezenadeandorinhasseguiaacorrentedearehavia,sobreabalaustrada,umaxícaradecafé.

Paul desviou o olhar, mas seus olhos foram atraídos para ela de novo. Embora estivessechorando,davaparaverqueerabonita,mashaviaalgonomodotristecomomudavaopesodeumpé para o outro que deu a entender que ela não se dava conta da própria beleza.O que, pensariasempreaoselembrardaquelemomento,sóserviaparatorná-laaindamaisatraente.

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Amandaolhouparaamãe.Adrienne havia feito uma pausa e seu rosto agora estava voltado para a janela.A chuva havia

parado;láfora,océuestavacheiodesombras.Nosilêncio,Amandaouviuozumbidoconstantedageladeira.

–Porqueestámecontandoisso,mãe?–Porqueachoquevocêprecisasaber.–Masporquê?Querodizer,quemeraele?Emvezderesponder,Adriennepegouagarrafadevinhoeaabriu.Depoisdeencherumataça

parasi,serviuafilha.–Vocêpodeprecisardisso–falou.–Mãe?Adriennedeslizouataçaporcimadamesa.– Lembra quando fui para Rodanthe? Quando Jean perguntou se eu podia tomar conta da

pousada?Amandademorouummomentopararecordar.–Querdizer,quandoeuestavanoensinomédio?–Isso.Quando Adrienne recomeçou, Amanda se viu pegando o vinho e se perguntando o que

significavatudoaquilo.

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Empépertodabalaustradanavarandadosfundosdapousada,emumatardeescuradequinta-feira,Adriennedeixouaxícaradecaféaquecersuasmãosenquantoolhavaparaomar,notandoqueestavamaisrevoltodoqueumahoraantes.Aáguatinhaumtomferruginoso,comoodocascodeumvelhoencouraçado,edavaparaverpequenascristasespumantesseestendendoemdireçãoaohorizonte.

Partedeladesejavanãoterido.Estavatomandocontadapousadaparaumaamigaeesperaraquefosse uma espécie de descanso,mas agora parecia um erro. Em primeiro lugar, o clima não iriacooperar–odiainteiroouviranorádioavisossobreagrandetempestadequevinhanaqueladireção–,eelanãoestavaanimavacomapossibilidadedeficarsemeletricidadeoupresadentrodecasapordias.Porém,maisdoqueisso,apesardomautempo,apraiatraziamuitaslembrançasdasfériasemfamília,diasfelizesemqueestiverasatisfeitacomavida.

Pormuitotemposeconsiderarasortuda.ConheceraJackquandoaindaestavanoensinomédioeelecursavaoprimeiroanodafaculdadededireito.Naquelaépocaeleseramconsideradosumcasalperfeito. Jackeraaltoemagroe tinhacabelospretoscacheados; elaeraamorenadeolhosazuis,poucomaismagradoqueagora.Afotodocasamentoocupavaumlugardedestaqueemsuasaladeestar, logoacimada lareira.Eles tiveramoprimeiro filhoquandoAdrienneestavacom28anosetiverammaisdoisnostrêsanosseguintes.Comomuitasoutrasmulheres,Adriennetiveradificuldadeem perder todo o peso que ganhara,mas se esforçara para isso e, embora nunca tivesse chegadopertodoqueumdiafora,sentia-sebem.

Eerafeliz.Adoravacozinhar,mantinhaacasalimpa,afamíliafrequentavaaigrejaeAdriennefaziaopossívelparaqueJackeelativessemumavidasocialativa.Quandoascriançascomeçaramafrequentar a escola, ofereceu-se para ajudar nas turmas delas, compareceu a reuniões de pais eprofessores, trabalhouna escola dominical e foi a primeira a se apresentar quandoprecisaramdevoluntários para levar as crianças de carro às excursões escolares.Assistiu a horas de recitais depiano,peçasnaescola,jogosdebeisebolefutebol,ensinoutodososseusfilhosanadaregargalhouaoveraexpressãonorostodelesnaprimeiravezemquepassarampelosportõesdaDisney.Emseu40º aniversário, Jack lhe fez uma festa surpresa no clube de campo e quase duzentas pessoascompareceram.Foiumanoitecheiaderisosebomhumor,porémmaistarde,depoisquechegaramemcasa,AdriennenotouqueJacknãoaolhavaenquantoelasedespiaantesdeirparaacama.Emvezdisso,apagouasluzesefingiuqueestavadormindo.

Avaliandoopassado,Adriennesabiaquedeveriaterpercebidoquenadaeraoqueparecia,masestavaocupadademaiscomacriaçãodeseustrêsfilhos.Alémdomais, tinhaconsciênciadequeapaixãoentreelespassariaporperíodosdedeclínio.Estavacasadahaviatemposuficienteparasaberdisso.Presumiuquetudovoltariaasercomoantesenãosepreocupou.Masissonãoaconteceu.Com

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41anos,Adrienneestavapreocupadacomorelacionamentodelesecomeçaraaexaminaraseçãodeautoajuda da livraria – procurando títulos que pudessem aconselhá-la sobre como melhorar ocasamento – e às vezes se via ansiando pelo futuro, quando as coisas poderiam desacelerar.ImaginavacomoseriaavidadeavóouoqueJackeelafariamquandovoltassematertempoparadesfrutardacompanhiaumdooutro.Talvezentão,pensou,ascoisasvoltassemaseroqueumdiatinhamsido.

FoimaisoumenosnessaépocaqueviuJackalmoçandocomLindaGaston.AdriennesabiaqueLinda trabalhava na empresa de Jack, no escritório deles em Greensboro. Embora Linda fosseespecializadaemdireitoestadual, enquanto Jack trabalhavacomcontenciosogeral,Adrienne sabiaque seus casos às vezes se sobrepunham e exigiam colaboração, por isso não se surpreendeu aopassarnafrentedorestauranteevê-losjuntos.EmboraLindanãofosseumaamigaíntima,tinhasidoconvidadamuitasvezesa iràcasadeles;elassempresederambem,mesmoLindasendodezanosmaisnova.FoisóquandoAdrienneentrounorestaurantequenotouomodocarinhosocomqueelesseolhavam.Esedeucontadequeestavamdemãosdadassobamesa.

Porumlongomomento,Adrienneficouparalisada,mas,emvezdeconfrontá-los,sevirouesaiuantesdeteremachancedevê-la.

Emnegação,naquelanoitepreparouojantarfavoritodeJackenãofalounadasobreoquevira.Fingiuquenadatinhaacontecidoe,comotempo,conseguiuseconvencerdequeseenganarasobreoque havia entre eles. Talvez Linda estivesse passando por um momento difícil e ele a estivesseconfortando.Jackeraassim.Ou,quemsabe,aquilofosseumafantasiapassageiraquenenhumdelesconcretizou,umromanceplatônicoenadamais.

Mas não era.O casamento deles começou a entrar emuma espiral descendente e Jackpediu odivórciomesesdepois.DissequeestavaapaixonadoporLinda.Nãoqueriaqueaquiloacontecesseeesperava que ela entendesse. Adrienne não entendia e deixou isso claro para ele. Mesmo assim,quandoelacompletou42anos,elesaiudecasa.

Três anos depois, Adrienne ainda achava impossível seguir em frente. Embora eles tivessemguardacompartilhadados filhos,eraapenasnopapel. JackmoravaemGreensboroeaviagemdetrês horas de carro era longa o suficiente paramanter as crianças comAdrienne durante amaiorpartedo tempo.Emgeral ela ficavagratapor isso,mas apressãode criá-las sozinha testava seuslimitestodososdias.Ànoite,comfrequênciadesabavanacamaecontinuavaacordadaporquenãopodia evitar as perguntas que passavam por sua mente. E embora nunca tivesse confessado paraninguém,àsvezes imaginavaoquediriaseJackaparecesseàportae lhepedisseparaaceitá-lodevolta,sabendonofundodoseucoraçãoqueprovavelmentediriaquesim.

Elaseodiavaporisso,masoquepodiafazer?Nãoqueriaaquelavida,nãoapediraouesperara.Tampoucoamerecia,pensou.Tinhafeitooque

mandavao figurino, seguidoas regras.Durantedezoitoanos, fora fiel. Ignoraraosmomentosemque Jackbebera demais, levava-lhe café quente quando ele trabalhava até tarde e nuncadizia nadaquandoeleiajogargolfenosfinsdesemanaemvezdeficarcomosfilhos.

Era apenas sexo que ele procurava?Claro que Linda eramais jovem emais bonita,mas issorealmenteera tãoimportanteparaJackparaele jogarfora todoorestodesuavida?Osfilhosnãosignificavamnada?Elanãosignificavanada?Nemosdezoitoanosjuntos?E,dequalquermaneira,

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nãotinhasidoelaqueperderaointeresse–nosúltimosanos,semprequefaziamamor,eraelaquemtomavaainiciativa.Seodesejoeratãoforte,porqueelenãofizeranadaarespeito?

Oueraporqueeleaachavaentediante?Éclaroquenãotinhammuitashistóriasnovasparacontar.Com o passar dos anos, a maioria dessas histórias tinha sido reciclada em versões ligeiramentediferenteseambosjásabiamofinaldelasdepoisdeapenasalgumaspalavras.Emvezdisso,faziamoqueAdrienne achavaque amaioriados casais fazia: ela lheperguntava como forao trabalho, eleperguntavasobreosfilhoseelesfalavamsobreaúltimaexcentricidadedeummembrodafamíliaousobre o que estava acontecendona cidade.Houvemomentos emque atémesmoAdriennedesejoualgo mais interessante sobre o que conversar. Será que ele não entendia que dali a alguns anosaconteceriaomesmocomLinda?

Aquilonãoerajusto.Atémesmoseusamigostinhamditoisso,eelaachouqueestivessemdoseulado.Podiamatéestar,mastinhamummodoestranhodedemonstrar.Nomêsanterior,elaforaaumafestadeNataldeumcasalqueconheciahaviaanoseJackeLindaestavamlá.Assimeraavidaemuma cidade pequena do sul – as pessoas perdoavam esse tipo de coisa –,masAdrienne não pôdeevitarsesentirtraída.

Alémdamágoaedatraição,elasesentiasolitária.NãohaviatidonenhumencontrodesdeodiaemqueJacksaíradecasa.EmRockyMount,solteirosnacasados40eraalgoescassoeosquehavianãoeramnecessariamenteotipodehomemqueelaqueria.AmaioriatinhaumpassadocomplicadoeAdrienneachavaquenãoconseguiriacarregarnadaalémdaprópriabagagem.Noinício,disseasimesmaparaserseletiva,equandopensouqueestivesseprontaparavoltaraomundodosencontrosfezuma listamentaldascaracterísticasqueprocurava.Queriaalguém inteligente,gentileatraente.Mais importante do que isso, alguém que aceitasse o fato de ela estar criando três adolescentes.Achavaque issopudesse serumproblema,mascomoseus filhoserammuitoautossuficientesnãoacreditouqueseriaotipodeobstáculoquedesencorajariaamaioriadoshomens.

Elaestavaerrada.Nosúltimostrêsanos,ninguémaconvidaraparasaire,recentemente,passaraaacreditarqueisso

nuncamudaria.ObomevelhoJackpodiasedivertir,podialerojornalduranteocafédamanhãaoladodeumamulhermaisjovem,masparaAdrienneissosimplesmentenãoestavanoscript.

E,éclaro,haviaaspreocupaçõesfinanceiras.Jackhavialhedadoacasaepagavaapensãofixadapelotribunalnaépoca,masnãoeraobastante

para fechar as contas. Apesar de Jack ganhar bem enquanto eles estavam casados, não haviampoupadoosuficiente.Comomuitoscasais,passaramanosno interminávelciclodegastarmaisdoque ganhavam. Trocavam de carro com frequência e sempre viajavam nas férias; quando astelevisõesdetelaplenasurgiramnomercado,foramaprimeirafamíliadobairroaterumaemcasa.ElasemprehaviaachadoqueJackestavapoupandoparaofuturo,jáqueeraelequemlidavacomodinheiro.Masnãoestava,eAdriennetevedearranjarumempregodemeioexpedientenabibliotecalocal.Emboranãoestivessemuitopreocupadaconsigomesmaoucomosfilhos,temiaporseupai.

Um ano após o divórcio, seu pai tivera um derrame, e depois mais três em rápida sucessão.Agora precisava de cuidados 24 horas por dia.A clínica para idosos que encontrara para ele eraexcelente,mascomofilhaúnicatinhaaresponsabilidadedepagarporela.Apartedodinheiroquelherestaradoacordoerasuficienteparapagarpormaisumano,masdepoisdissonãosabiaoque

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faria.Tudooqueganhavanabibliotecajátinhadestinocerto.QuandoJeanhavialheperguntadoseela poderia tomar conta da pousada em sua ausência, devia ter desconfiado que Adrienne estavaenfrentando dificuldades financeiras e deixara mais dinheiro do que o necessário para ossuprimentos. Seu bilhete dizia para Adrienne ficar com o resto como pagamento por sua ajuda.Adrienneficougrataporaquilo,masacaridadedeamigosferiaseuorgulho.

No entanto, o dinheiro era apenas parte de suas preocupações com o pai. Às vezes Adrienneachava que ele era a única pessoa que sempre estivera a seu lado. Precisava dele, especialmenteagora.Conversar com ele em suas visitas era uma espécie de fuga para ela, e a ideia de que issopudesseterminaraapavorava.

Oqueseriadele?Edela?Adriennebalançouacabeça, forçando-sea afastar essasperguntas.Nãoqueriapensar emnada

disso, sobretudo agora. Jean tinha dito que tomar conta da pousada seria tranquilo – só havia umquarto reservado –, eAdrienne esperara que esse período por lá fosse clarear suamente. Queriaandarnapraiaou leralguns romancesqueestavamemsuamesadecabeceirahaviameses;queriapôrospésparacimaeobservarastoninhasbrincandonasondas.Esperaraencontraralívio,masnavarandadapousadadesgastadapelomaremRodanthe, esperandoa tempestadequeestavaporvir,sentiu-seesmorecer.Elaeraumamulherdemeia-idadesozinha,frágilesobrecarregadadetrabalho.Seus filhos estavamenfrentandodificuldades, seupai estavadoente e elanão sabia ao certo comoconseguiriaseguiremfrente.

Foiquandocomeçouachorare,minutosdepois,aoouvirpassosnavaranda,seviroueviuPaulFlannerpelaprimeiravez.

Pauljávirapessoaschoraremtalvezmilharesdevezes,masgeralmentenosconfinsdeumasaladeesperadehospital,aoacabarumacirurgia,aindacomasroupasdocentrocirúrgico.Paraele,esseuniforme tinhaservidocomoumaespéciedeescudocontraanaturezapessoaleemocionaldeseutrabalho.Nuncachoraranapresençadaquelescomquemfalaraetampoucoconseguiaselembrardeseusrostos.Nãoseorgulhavadeadmitirisso,masessaeraapessoaqueumdiafora.

Naquelemomento,porém,aoolharparaosolhosvermelhosdamulhernavaranda,sentiu-seumintruso. Seu primeiro instinto foi erguer as velhas defesas.Mas havia algo nela que tornava issoimpossível.Podiaserocenárioouofatodeestarsó;dequalquermaneira,aondadeempatiaqueoinvadiufoiumasensaçãoestranhaqueopegoutotalmentedesprevenido.

Esperandoqueelefossechegarmaistarde,Adriennetentousuperarseuconstrangimentoportersidoflagradanaqueleestado.Forçandoumsorriso,enxugouaslágrimas,tentandofingirquetinhamsidocausadaspelovento.

Contudo,aosevirarparaelenãopôdeevitarfitá-lo.Sãoosolhos,pensou.Eramazuis, tãoclarosquepareciamquase translúcidos,mas tinhamuma

intensidadequenuncavira.

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Elemeconhece,pensousubitamente.Oupoderiameconhecerseeulhedesseumachance.Tão rápido quanto esses pensamentos vieram, ela os descartou, achando-os ridículos. Não,

decidiu,nãohavianadadeincomumnohomemempéàsuafrente.ErasóohóspededequeJeanlhefalara.Comoelanãoestavaaobalcão,eleforaatéaliàsuaprocura;eraisso.Entãoseviuavaliando-ocomoosestranhoscostumamfazer.

EmboraelenãofossetãoaltoquantoJack–tinhacercade1,80metrodealtura–,eramagroeestavaemboaforma.Osuéterqueusavaeracaroenãocombinavacomsuacalçajeansdesbotada,mas de algum modo ficava bem nele. Seu rosto era anguloso, marcado por rugas na testa quesugeriamanosdeconcentração forçada.Oscabelosgrisalhoseramcurtosehaviamechasbrancaspertodasorelhas.Calculouqueeleestavanacasados50,masnãoconseguiudeterminarmaisdoqueisso.

Naquelemomento,Paulpareceuperceberqueaestavaencarandoeabaixouosolhos.– Sintomuito –murmurou. –Não tive a intenção de interromper. – Ele apontou por cima do

ombro.–Vouesperarládentro.Nãotenhapressa.Adriennebalançouacabeça,tentandodeixá-loàvontade.–Tudobem.Euiaentrarmesmo.Aofitá-lo,reparouemseusolhosmaisumavez.Estavammaissuavesagora,estreitadoscomum

indíciodelembrança,comoseeleestivessepensandoemalgotriste,mastentasseesconder.Adrienneestendeuobraçoparapegarsuaxícaradecafé,usandoissocomodesculpaparasevirar.

QuandoPauldeixouaportaaberta,elalhefezumsinalcomacabeçaparair.Enquantoeleandavaà sua frente pela cozinha, em direção à recepção, Adrienne ficou admirando seu físico atlético ecoroulevemente,perguntando-seoquederanela.Censurando-se,foiparatrásdobalcão.Conferiuonomenolivrodereservaseergueuosolhos.

–PaulFlanner,certo?Vaificarcinconoites,indoemboranaterçademanhã?–Sim.–Elehesitou.–Épossívelconseguirumquartocomvistaparaomar?Adriennepegouoformulárioderegistro.–Claro.Naverdade,podeficarcomqualquerquartodoandardecima.Éoúnicohóspedecom

reservaparaestefimdesemana.–Qualdelesvocêrecomenda?–Todossãobons,maseuficariacomoquartoazulsefossevocê.–Porquê?–Porqueeletemascortinasmaisescuras.Sedormirnoamareloounobranco,acordaráaoraiar

dodia.Asvenezianasnãoajudammuitoeosolnascebemcedo.Asjanelasdessesquartosdãoparaoleste.–AdriennedeslizouoformulárionadireçãodePaulepôsacanetaaoladodele.–Podeassinaraqui?

–Claro.Adrienneobservou-oassinar,pensandoquesuasmãoscombinavamcomseurosto.Osnósdos

dedoseramproeminentes,comoosdeumhomemmaisvelho,masseusmovimentoseramprecisosecalculados.Viuqueelenãoestavausandoumaaliançadecasamento–nãoqueissoimportasse.

Paulpôsacanetadelado,pegouoformulárioesecertificouqueopreencheracorretamente.SeuendereçoestavaregistradoaoscuidadosdeumadvogadoemRaleigh.Adriennepegouumachaveno

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quadroaolado,hesitouedepoisescolheumaisduas.–Ok,tudocertoaqui.Querverseuquartoagora?–Porfavor.Pauldeuumpassopara trás enquanto ela contornavaa escrivaninhae ianadireçãoda escada.

Pegousuasmochilaseaseguiu.QuandoAdriennechegouàescada,parouparaesperá-lo.Apontouparaasaladeestar.

–Há café e alguns biscoitos ali. Fiz o café há uma hora, então ainda ficará fresco por algumtempo.

–Euviquandoentrei.Obrigado.Haviaquatroquartosnoandardecima:umvoltadoparaafrentedecasaetrêscomvistaparao

mar.Nasportas,Paulnãoviuplacascomnúmeros,maspalavras–Bodie,HatteraseCapeLookout–easreconheceucomoosnomesdosfaróisaolongodeOuterBanks.

–Podeescolher–disseAdrienne.–Trouxeastrêschaves,paraocasodegostarmaisdeoutro.Paulolhouparaastrêsportas.–Qualéoazul?–Ah,euqueochamoassim.JeanochamadeSuíteBodie.–Jean?–Éadona.Sóestoutomandocontadascoisasenquantoelaestáfora.AsalçasdasmochilasestavammachucandooombrodePauleeleasmudoudeposiçãoenquanto

Adrienneabriaaporta.Quandoeleentrou,elasentiuumamochilabaternela.Paulolhouaoredor.Oquartoeraexatamentecomoimaginara:simpleselimpo,mascommais

personalidadedoqueosquartostípicosdehotéisàbeira-mar.Haviaumacamadedosselcentralizadaabaixodajanelacomumamesadecabeceiraaolado.Umventiladordetetozumbiaegiravadevagar.No canto oposto, perto de umgrande quadro do farolBodie, havia uma porta quePaul presumiulevaraobanheiro.Aolongodaparedepróximahaviaumacômodadesgastadaquepareciaestaralidesdequeapousadaforaconstruída.

Comexceçãodosmóveis,quasetudoerapintadoemváriostonsdeazul.Ocapachonochãoeraazul-claro,amantaeascortinas,azul-marinho,eoabajurnamesinhadecabeceiraeradeumtomintermediárioebrilhante,comoapinturadeumcarronovo.Emboraacômodaeamesinhafossembrancas, tinham sido decoradas com motivos marítimos. Até o telefone era azul, o que o faziaparecerdebrinquedo.

–Oqueacha?–Édefinitivamenteazul.–Querverosoutrosquartos?Paulpôsasmochilasnochãoenquantoolhavaparaajanela.–Não,esteestáótimo.Maspossoabrirajanela?Estáumpoucoabafadoaqui.–Fiqueàvontade.Paulatravessouoquarto,abriuotrincoeergueuopainel.Comoacasaforapintadamuitasvezes

aolongodosanos,a janelaemperroudepoisdesubiruns3centímetros.Paul tentouerguê-lamaisumpoucoeAdrienneviuosmúsculosrijosdosantebraçosdelesecontraíremerelaxarem.

Elapigarreou.

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–Achoquevocêdeveriasaberqueéaprimeiravezqueficoresponsávelpelapousada–falou.–Vimaquimuitasvezes,massemprequandoJeanestava.Então,senãoestiversatisfeitocomalgumacoisa,nãohesiteemmedizer.

Paulsevirou.Decostasparaovidro,seustraçosseperderamnassombras.–Nãosepreocupe–disseele.–Nãosoumuitoexigente.Adriennesorriuenquantotiravaachavedaporta.–Ok.AgoraascoisasqueJeanmepediuparaavisar.Háumaquecedordebaixodajanela;ésó

ligar sequiser.Só temduas regulagens e no início ele faz algunsbarulhos,masdepois de algunsminutospara.Há toalhas limpasnobanheiro;seprecisardemais,ésómedizer.Eemborapareçademorarumaeternidade,aáguaquentefinalmentesairá.Euprometo.

AdrienneviuosorrisodePaulenquantoelacontinuava:–Eamenosquecheguemaisalgumhóspedenestefimdesemana,enãoesperoqueissoaconteça

a não ser que alguém fique preso por causa da tempestade, podemos comer quando você quiser.NormalmenteJeanserveocaféàsoitodamanhãeojantaràssetedanoite,masseestiverocupadonesseshoráriosésómedizereeufaçoosajustesnecessários.

–Obrigado.Adrienneparou,tentandolembrarsehaviaalgomaisparadizer.–Ah, outra coisa: o telefone está programado para só fazer chamadas locais. Se quiser fazer

ligaçõesdelongadistância,terádeusarumcartãotelefônicoouligaracobrar.–Estábem.Elaparouàporta.–Algumapergunta?–Achoquevocêjámedissetudo.Exceto,éclaro,oóbvio.–Oquê?–Seunome.Elapôsachavesobreacômodaaoladodaportaesorriu.–Adrienne.AdrienneWillis.Paulatravessouoquartoe,surpreendendo-a,estendeu-lheamão.–Prazeremconhecê-la,Adrienne.

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6

PaultinhaidoaRodantheapedidodeRobertTorrelsone,enquantotiravaalgunsitensdamochilaeoscolocavanasgavetas,seperguntounovamenteoqueRobertquerialhedizerouseesperavaqueopróprioPaulconduzisseamaiorpartedaconversa.

JillTorrelsonoprocuraraporquetinhaummeningioma.Umcistobenignoquenãorepresentavaumaameaça àvida,mas era ruim,paradizer omínimo.Omeningiomaestavado ladodireitodorosto,estendendo-sedapontedonarizatéabochechaeformandoumamassaroxabulbosacobertapor cicatrizes nos pontos em que ulcerara ao longo dos anos. Paul havia operado dezenas depacientescommeningiomaerecebidomuitascartasdeagradecimentopeloquefizera.

Haviapensadosobreissomilvezeseaindanãosabiaporqueelamorrera.Tampoucopareciaqueaciênciapodiaforneceraresposta.AautópsiadeJilltinhasidoinconclusiva.Noinício,osmédicos-legistaspresumiramqueelativeraalgumtipodeembolia,masnãoconseguiramencontrarnenhumaevidênciadisso.Depois seconcentraramna ideiadeque tiverauma reaçãoalérgicaàanestesiaoumedicaçãopós-cirúrgica,masissotambémfoidescartado.TampoucotinhasidonegligênciadapartedePaul;acirurgiacorrerasemnenhumproblemaeo legistanãoencontraranadaforadocomumcomoprocedimentooualgoquepudesseserindiretamenteresponsávelpelamortedeJill.

A fita de vídeo tinha confirmado isso. Como o meningioma era considerado típico, oprocedimento fora filmado pelo hospital para possível uso pelo corpo docente.Depois a fita foraassistidapelaequipecirúrgicadohospitaleportrêscirurgiõesdeforadoestado.Maisumavez,nãodescobriramnadaerrado.

Algumas condições médicas foram mencionadas no relatório. Jill Torrelson estava acima dopesoeapresentavaespessamentoarterial;maisàfrente,poderiaterprecisadodeumapontedesafena.Eradiabéticae,comofumaraduranteavidainteira,tinhauminíciodeenfisema,emboramaisumaveznadadissorepresentasseumaameaçaeexplicassedeformaadequadaoqueacontecera.

Aparentemente não havia nenhum motivo para a morte de Jill Torrelson; era como se Deusapenasativessechamado.

Como muitos outros em sua situação, Robert Torrelson abriu um processo de morte pornegligência contra Paul, o hospital e o anestesista. Paul, como a maioria dos cirurgiões, estavacoberto por seguro contra erromédico. Como de costume, foi instruído a não falar comRobertTorrelson sem a presença de um advogado e, mesmo assim, somente se estivesse prestandodepoimentoeRobertestivessenasala.

Ocasonãochegoualugarnenhumporumano.Aoreceberorelatóriodaautópsia,oadvogadodeRobertcontratououtrocirurgiãoparareverafitadevídeo.Quandoosadvogadosdaseguradoraedohospitalcomeçaramasolicitarmedidasjudiciaisparaatrasaroprocessoeaumentaroscustos,ele

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pintou um triste quadro do que seu cliente estava enfrentando. Embora não dissessem issodiretamente,osadvogadosdaseguradoraesperavamqueRobertdesistissedoprocesso.

AaçãoeracomoasoutraspoucasmovidascontraPaulFlanneraolongodosanos.AdiferençaeraquePaulreceberaumbilhetepessoaldeRobertTorrelsondoismesesantes.

Nãoprecisariatê-loguardadoparaselembrardoqueestavaescrito.

CaroDr.Flanner,Gostariadefalarcomosenhorpessoalmente.Émuitoimportanteparamim.Porfavor.RobertTorrelson

Nofimdotexto,deixaraseuendereço.Depoisdelerobilhete,Paulomostraraparaosadvogadoseelesrecomendaramfortementeque

oignorasse.Seusantigoscolegasnohospitaltambém.“Deixeissoparalá”,disseram.“Quandotudoterminar,poderemosmarcarumencontrocomele,seaindaquiserconversar.”

MashaviaalgonasimplessúplicaacimadaassinaturacuidadosadeRobertTorrelsonquetocouPaul,eeledecidiunãolhesdarouvidos.

Emsuaopinião,jáignoraracoisasdemais.

Paulvestiuseucasaco,desceuaescada,saiuesedirigiuaocarro.Nobancodianteiro,pegouabolsadecourocontendoseupassaporteeapassagemaérea,masemvezdevoltarparaapousada,deuavoltanacasa.

Doladodapraiaoventosopravafrioeeleparouporummomentoparafecharozíperdocasaco.Apertando a bolsa de couro sob o braço, enfiou as mãos dentro do casaco e abaixou a cabeça,sentindoabrisafustigarseurosto.

O céu o fez se lembrar das cores que vira em Baltimore antes das tempestades de neve quetingiamomundodetonscinzentos.Àdistância,avistouumpelicanodeslizandologoacimadaágua,as asas cortandoo ar.Perguntou-separa onde a ave iria quando a chuva chegasse ao augede suaforça.

Perto da água, parou. As ondas rolavam em duas posições diferentes, e quando colidiamlançavamnuvensdeespumaparacima.Oarestavaúmidoegelado.Olhandoporcimadoombro,viua luz amarela da cozinha da pousada. Adrienne passou como uma sombra pela janela e depoisdesapareceudevista.

TentariafalarcomRobertTorrelsonnamanhãseguinte.Atempestadeeraesperadaparaapartedatarde,provavelmentecontinuariadurantetodoofimdesemana,eaíelenãopoderiafazernada.Tambémnãoqueriaesperaratésegunda-feira;seuvoopartiriadeDullesnaterçaàtarde,eeleteriaquesairdeRodantheantesdasnovedamanhã.NãopodiacorreroriscodenãofalarcomTorrelson.

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Considerandoatempestadequeestavaporvir,eramelhorfazerissologoparanãocorreroriscodeum imprevisto.Até segunda-feira os postes de eletricidade poderiam ter sido derrubados, haveriariscodeenchentesouTorrelsonpoderiaestarcuidandosóDeussabiadoqueapósatempestade.

Paul nunca tinha ido a Rodanthe,mas achava que não demoraria a encontrar a casa.A cidadepareciatersóalgumasdezenasderuas.Poderiapercorrê-lasemmenosdeumahora.

Depoisdealgunsminutosnaareia,Paulsevirouparavoltaràpousada.Nessemomento,avistouAdrienneWillisnajanela.

Tinhagostadodosorrisodela.

Dajanela,AdriennesepegouolhandoparaPaulFlannerenquantoelevoltavadapraia.Estavatirandoascomprasdassacolasetentandocolocá-lasnosarmárioscertos.Haviacomprado

naquelatardeositensqueJeanrecomendara,masagoraseperguntavasedeveriateresperadoPaulchegarparalheperguntaroqueeledesejavacomer.

Achegadadeleadeixaraintrigada.Jeanlhecontaraquepretendiafecharapousadaapósoano-novoesóreabri-laemabril,masPaultelefonaraseissemanasantesesepropuseraapagarodobrodadiáriaseelamantivesseolugarabertopormaisalgunsdias.

Paul não estavade férias,Adrienne tinha certeza.Não sóporqueRodanthenão eraumdestinopopular no inverno, mas também porque ele não parecia estar. E seu comportamento ao fazer ocheck-innãoeraodealguémqueforaalipararelaxar.

Eletambémnãomencionaranadasobreteridovisitarparentes,oqueprovavelmentesignificavaqueestavaalianegócios.Masissotambémnãofaziamuitosentido.Alémdapescaedoturismo,nãohavia muitos negócios em Rodanthe e, com exceção das empresas que serviam aos própriosmoradores,amaioriafechavaduranteoinverno.

Adrienne ainda estava tentando chegar a uma conclusão sobre isso quando o ouviu subindo aescadadosfundosebatendoaareiadospésnaentrada.

Logo depois, a porta se abriu com um rangido e Paul entrou na cozinha. Quando ele tirou ocasaco,elanotouqueapontadeseunarizestavavermelha.

–Achoqueatempestadeestáseaproximando–comentouele.–Atemperaturacaiupelomenosunsdezgrausdesdeestamanhã.

Adriennepôsumacaixadecroutonsnoarmárioeolhouporcimadoombroenquantorespondia:–Eusei.Tivedeligaroaquecimento.Aenergiaelétricanacasanãoédasmelhores.Realmente

deuparasentiroventoentrandopelasjanelas.Umapenaotemponãoestarbomdurantesuaestadia.Paulesfregouosbraços.–Acontece.Aindatemcafé?Achoqueprecisodeumaxícaraparameaquecer.–Agorajádeveestarvelho.Voufazerumfresco.Sóvailevaralgunsminutos.–Senãoforatrapalhar...–Demodoalgum.Achoquetambémprecisodeumaxícara.

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–Obrigado.Vousódeixarocasaconoquarto,darumalavadanorostoejáestareidevolta.EledeuumsorrisoantesdesairdacozinhaeAdriennesoltouoardospulmões,semtersedado

contadequeprenderaarespiração.NaausênciadePaul,pegouumpunhadodegrãosfrescos,trocouo filtroe começoua fazerocafé.Pegouobuledeprata,despejou seuconteúdonapiaeo lavou.Enquantofaziaisso,ouviuospassosdelenoquartoacima.

EmboraAdriennejásoubessequePaulseriaoúnicohóspedenaquelefimdesemana,nãosederacontadequãoestranhoseriaestarsozinhanacasacomele.Ousozinhaepontofinal.Claroqueseusfilhostinhamasatividadesdeleselhesobravaalgumtempoasósdevezemquando,masnuncaeramuito. Eles podiam voltar a qualquer momento. Além disso, eram da família. Não era a mesmasituaçãoemqueestavaagora.Nãopodiaevitarasensaçãodeestarvivendoavidadeoutrapessoa,umaexistênciacujasregrasnãoconheciamuitobem.

Serviu-sedeumaxícaradecaféedespejouorestonobule.EstavacolocandoorecipientedevoltanabandejanasaladeestarquandoouviuPauldescendoaescada.

–Bemnahora–disseela.–Ocaféestápronto.Querqueeuacendaalareira?QuandoPaulentrounasala,Adriennesentiuumaromadeáguadecolônia.Eleestendeuobraço

portrásdelaparapegarumaxícara.–Pormim,não,estábomassim.Talvezmaistarde.Adrienneassentiucomacabeçaedeuumpequenopassoparatrás.–Bem,seprecisardealgumacoisa,estareinacozinha.–Acheiquevocêtivesseditoquequeriaumaxícara.–Jápegueiuma.Deixeilánobalcão.Eleergueuosolhos.–Nãovaisejuntaramim?Houve uma nota de expectativa nomodo como ele falou, como se realmente quisesse que ela

ficasse.Adrienne hesitou. Jean era boa em conversar com estranhos, mas ela não. Aomesmo tempo,

ficoulisonjeadacomoconvitedele,emboranãosoubesseaocertoporquê.–Tudobem–dissefinalmente.–Jávoltocomaminhaxícara.Quando retornou, Paul estava sentado em uma das duas cadeiras de balanço perto da lareira.

AquelesempreforaocômodofavoritodeAdriennenapousada,comsuaparedecheiadefotografiasem preto e branco da vida em Outer Banks na década de 1920 e uma longa prateleira de livrosdesgastadospelomanuseio.Duasjanelasaolongodaparedeopostadavamparaooceano.Haviaumapequena pilha de lenha perto da lareira junto a um recipiente com gravetos para acender o fogo,comoapromessadeumanoiteaconchegantecomafamília.

Paulseguravaaxícaradecafénocolo,balançandoparaafrenteeparatráseapreciandoavista.Oventomoviaaareiaeanévoaseaproximava,dandoumailusãodecrepúsculo.Adriennesesentouna poltrona ao lado da dele e, por ummomento, observou a cena em silêncio, tentando não ficarnervosa.

Paulsevirouparaela.–Achaqueatempestadevainosvarrerdomapaamanhã?Adriennepassouamãopeloscabelos.

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–Duvidomuito.Estelugarestádepéhásessentaanoseaindanãofoivarridodomapa.–Vocêjáesteveaquiduranteumatempestadevindadonordeste?Querodizer,umagrandecomo

aqueestáprevista?– Não. Mas Jean sim, então não pode ser tão ruim assim. Porém ela é daqui, talvez esteja

acostumada.Enquantoelafalava,Paulaavaliou.Algunsanosmaisnovadoqueele,comoscabeloscastanho-

claros ligeiramente cacheados cortados na altura dos ombros. Não era magra, mas também nãoestava acima do peso; para ele, o corpo de Adrienne era sedutor de um modo que desafiava ospadrõesirreaisdaTVoudasrevistas.Elatinhaumalevesaliêncianonarizealgumasrugasemvoltadosolhosedoslábios,quesóatornavammaisinteressante.

–Evocêdissequeelaésuaamiga?–Nósnos conhecemosnauniversidade. Jean eraumadasminhas colegasdequarto e ficamos

amigasnaquelaépoca.Estacasaeradosavósdela,masseuspaisatransformaramemumapousada.Depoisquevocê feza reservadoquartoelame ligou,porque tinhade ir aumcasamento foradacidade.

–Masvocênãomoraaqui?–Não,moroemRockyMount.Conhece?–Conheço,sim.CostumavapassarporlánasminhasviagensparaGreenville.Aoouvirisso,Adrienneseperguntounovamentesobreoendereçoqueelepuseranoformulário

deregistro.Tomouumgoledecaféepousouaxícaranocolo.– Sei que não é daminha conta,mas o que está fazendo aqui? Não precisa responder se não

quiser.Sóestoucuriosa.Paulmudoudeposiçãonacadeira.–Precisoterumaconversacomumapessoa.–Éumalongaviagemdecarroparaterumaconversa.–Nãotivemuitaescolha.Elequeriafalarcomigopessoalmente.AvozdePaulsooutensaedistantee,porummomento,elepareceuperdidoempensamentos.Em

meioaosilêncio,Adrienneouviuabandeiratremulandonafrentedacasa.Paulcolocousuaxícaranamesapróximaaeles.–Oquevocêfaz?–perguntoufinalmente,suavozcalorosadenovo.–Alémdetomarcontade

pousadasdeamigas?–Eutrabalhonabibliotecapública.–Trabalha?–Vocêparecesurpreso.–Achoqueestou.Esperavaquevocêdissessealgodiferente.–Comooquê?– Para ser sincero, não sei ao certo, mas não isso. Você não parece ter idade para ser uma

bibliotecária.Naminhacidade,todasestãonacasados60anos.Adriennesorriu.–Éumempregodemeioexpediente.Tenhotrêsfilhos,entãofaçoascoisasdemãetambém.–Quantosanoselestêm?

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–Têm18,17e15.–Dãomuitotrabalho?–Não,nãomuito.Desdequeeuacordeàscincoenãovádormirantesdameia-noite,nãoétão

ruim.EledeuumarisadinhaeAdriennesentiuquecomeçavaarelaxar.–Evocê?Temfilhos?–Sóum.–Porummomentoeleabaixouosolhos,masdepoisvoltouafitá-la.–Eleémédicono

Equador.–Elemoralá?–Porenquanto.ÉvoluntárioháalgunsanosemumaclínicapertodeEsmeraldas.–Vocêdeveterorgulhodele.–Tenho.–Elefezumapausa.–Mas,parasersincero,eledeveterpuxadoissodaminhamulher.

Oumelhor,daminhaex-mulher.Émaisobradeladoqueminha.Adriennesorriu.–Ébomouvirisso.–Oquê?–Quevocêaindaaprecia asboasqualidadesdela.Querodizer, embora estejadivorciado.Não

conheçomuitaspessoasquedizemessascoisasdepoisdaseparação.Geralmente,quandofalamdeseusex-cônjuges,ésósobreoquedeuerrado,sobretudoderuimqueaoutrapessoafez.

Paulseperguntouseelaestavafalandoporexperiênciaprópriaeachouquesim.–Fale-mesobreseusfilhos,Adrienne.Oqueelesgostamdefazer?Elatomououtrogoledecafé,pensandoemcomoeraestranhoouvi-lodizeronomedela.–Meusfilhos?Ah,bem,vamosver...Matteraquarterbacktitulardotimedefuteboleagorajoga

nadefesadotimedebasquete.AmandaadorateatroeacaboudeganharopapeldeMariaemAmor,sublimeamor.EDan...bem,atualmentetambémestájogandobasquete,masanoquevemachaquevaisededicaràlutalivre.Otreinadorestálheimplorandoparatentardesdequeoviunoacampamentodeesportesnoverãopassado.

Paulergueuassobrancelhas.–Impressionante.–Oquepossodizer?Devemterpuxadoàmãe–gracejouAdrienne.–Porqueissonãomesurpreende?Elasorriu.– É claro que essas são apenas as partes boas. Se eu tivesse lhe falado sobre as variações de

humor e comportamento, ou lhemostrado seus quartos bagunçados, provavelmente você pensariaquesouumapéssimamãe.

Paulsorriu.–Duvidomuito.Pensariaapenasquevocêémãedeadolescentes.– Em outras palavras, você está me dizendo que seu filho, o médico consciencioso, também

passouporisso,entãoeunãodeveriaperderasesperanças?–Deveterpassado.–Masnãotemcerteza?

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–Naverdade,não.–Elefezumapausa.–Eunãofuiumpaitãopresentequantodeveria.Houveumaépocaemqueeutrabalhavademais.

Adriennepercebeuqueeradifícilparaeleadmitiraquiloeseperguntouporqueofizera.Antesdechegaraalgumaconclusão,otelefonetocoueambosseviraramnadireçãodoaparelho.

–Comlicença–disseAdrienne,selevantando.–Tenhoqueatender.Paulaobservouseafastar,notandomaisumavezoquantoeraatraente.Apesardorumoquesua

clínicahaviatomadonosúltimosanos,elesempreseinteressaramenospelaaparênciadoquepelasqualidadesinteriores:bondadeeintegridade,sensodehumoresensibilidade.Semdúvida,Adriennepossuía todas essas características, mas Paul tinha a sensação de que não tinham sido apreciadasdurantemuitotempo,talveznemmesmoporela.

DavaparaverqueAdrienneestavanervosaquandosesentoupertodelepelaprimeiravez.Paulachou isso estranhamente cativante. Commuita frequência, sobretudo em sua área de trabalho, aspessoas pareciam querer impressionar, sempre tentando dizer as coisas certas e exibindo suasaptidões.Outrasfalavamsemparar,engrenandoemummonólogo,enãohánadamaisentediantedoqueumapessoapetulante.NenhumadessascaracterísticaspareciaseaplicaraAdrienne.

E tinhadeadmitirqueerabomconversarcomalguémquenãooconhecia.Duranteosúltimosmeses, se alternara entreperíodosde solidão eoutros emque evitava aspessoas e suasperguntassobreestarsesentindobemounão.Maisdeumavez,colegasindicaramumbomterapeuta,dizendoqueosajudara.Paultinhaficadofartodeexplicarquesabiaoqueestavafazendoetinhacertezadesuadecisão.Eficaraaindamaiscansadodosolharesdepreocupaçãorecebidosemresposta.

Mas havia algo emAdrienne que lhe dava a impressão de que ela entenderia o que ele estavapassando.Nãosabiaexplicarporquese sentiaassimouporque isso importava.Mas,dequalquermodo,tinhacertezadisso.

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7

Algunsminutosdepois,Paulpôssuaxícaravazianabandejaealevouparaacozinha.Aochegar lá,Adrienneaindaestavaao telefone,decostasparaele,apoiadanobalcão,comas

pernascruzadaseenrolandoumamechadecabeloentreosdedos.Pelotom,Paulpercebeuqueelaestavaprestesadesligarepôsabandejasobreobalcão.

–Sim,recebiseubilhete...aham...sim,elejáchegou...HouveumalongapausaenquantoAdrienneouviae,quandofaloudenovo,suavozestavamais

baixa:–Estádandononoticiárioodiainteiro...Peloqueouvidizer,deveserbemforte...Ah,estábem...

debaixodacasa?...Sim,achoquepossofazerisso...querodizer,nãodevesermuitodifícil,certo?...Denada...Divirta-senocasamento...Tchau.

PaulestavapondosualouçanapiaquandoAdriennesevirou.–Vocênãoprecisavatrazeraxícaraparacá–disseela.–Eusei,masestavavindonestadireção.Queriasaberoqueteremosparaojantar.–Estácomfome?Paulabriuatorneira.–Umpouco.Maspossoesperar,sevocêpreferir.– Não, também estou ficando com fome. – Então, vendo o que ele estava prestes a fazer,

acrescentou:–Deixeissocomigo.Vocêéohóspede.Paul deu um passo para o lado enquantoAdrienne se juntava a ele perto da pia. Ela lavou as

xícaraseobuleenquantofalava:–Suas opções são frango, bife oumassa commolho cremoso. Posso fazer o que quiser,mas

devo avisar que o que não comer hoje, provavelmente comerá amanhã. Não posso garantir queencontraremosalgumalojaabertaestefimdesemana.

–Qualquercoisaestábom.Podeescolher.–Frango?Jáestádescongelado.–Ótimo.–Eeuestavapensandoembatatasevagensparaacompanhar.–Pareceótimo.Adrienne enxugou asmãos emuma folha de papel-toalha e depois pegouo avental que estava

penduradonopuxadordoforno.Pondo-osobreseusuéter,continuou:–Quetalumasaladatambém?–Sósevocêquiserfazer.Senão,tudobem.Elasorriu.

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–Puxa,vocênãoestavabrincandoquandodissequenãoeraexigente.–Meulemaé:desdequeeunãotenhaquecozinhar,comoqualquercoisa.–Nãogostadecozinhar?–Nuncativequefazerisso.Martha,minhaex,estavasempretestandoreceitasnovas.Edesdeque

elafoiembora,tenhocomidoforatodasasnoites.–Bem,tentenãomecolocarnospadrõesdosrestaurantes.Seicozinhar,masnãosouumachef.

Emgeralmeusfilhosestãomaisinteressadosemquantidadedoqueemoriginalidade.–Comcertezaficaráótimo.Mastereitodooprazeremajudá-la.Adrienneolhouparaele,surpresacomaoferta.–Sósevocêquiser.Sepreferirrelaxarláemcimaouler,possolheavisarquandoestiverpronto.Elebalançouacabeça.–Eunãotrouxenadaparalerenãoconseguireidormirànoitesemedeitaragora.Elahesitouporuminstante,antesdefinalmenteapontarparaaportadooutroladodacozinha.– Bem... obrigada. Pode começar descascando as batatas. Estão ali na despensa, na segunda

prateleira,pertodoarroz.Paul seguiu o dedo dela.EnquantoAdrienne abria a geladeira para tirar o frango, observou-o

pelo canto do olho, achando que era bom, e um pouco desconcertante, saber que ele a estavaajudandonacozinha.Issosugeriaumafamiliaridadequeadeixouligeiramentedesestabilizada.

–Temalgumacoisaparabeber?–perguntouPaulatrásdela.–Querodizer,nageladeira?Adrienne afastoupara o lado alguns itens antes de olhar para a prateleira de baixo.Havia três

garrafasdeitadas,mantidasnolugarporumvidrodepicles.–Gostadevinho?–Dequetipo?Adriennepôsofrangosobreobalcãoedepoispegouumadasgarrafas.–Éumpinotgrigio.Ébom?–Nuncaexperimentei.Quasesemprebebochardonnay.Vocêjáprovou?–Não.Eleatravessouacozinhacomasbatatasnamão.Depoisdecolocá-lassobreobalcão,pegouo

vinho.Adrienneoviuestudarorótuloporummomentoantesdeerguerosolhos.–Parecebom.Aquidizque tem toquesdemaçãe laranja,entãonãopodeser ruim.Sabeonde

possoencontrarumsaca-rolhas?–Achoqueviumemumadasgavetasporaqui.Deixe-meprocurar.Adrienne abriu a gaveta abaixo e depois a do lado, sem sorte.Quando finalmente o localizou,

entregou-oaPaul,sentindoosdedosroçaremnosdele.Comalgunsmovimentosrápidos,Paultiroua rolha e apôsde lado.Havia taçaspenduradas sobo armáriopertodo fogão.Paulpegouumaehesitou.

–Querqueeulhesirvaumataça?–Porquenão?–disseAdrienne,aindacomasensaçãodotoquedele.Paulencheuduas taçaseentregou-lheuma.Sentiuoaromadabebidaedepois tomouumgole

enquantoAdrienne fazia omesmo.Quando o sabor permaneceu no fundo de sua garganta, ela sepegouaindatentandoentendersuassensações.

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–Oqueachou?–perguntouPaul.–Ébom.–Tambémgostei.–Elegirouolíquidodentrodataça.–Naverdade,émelhordoquepenseique

seria.Tenhoquemelembrardisso.Adriennesentiuumsúbitoimpulsodeseafastaredeuumpequenopassoparatrás.–Bem,voucomeçaraprepararofrango.–Achoqueessaéminhadeixaparacomeçaratrabalhar.EnquantoAdrienneprocuravaafôrmadeassardebaixodoforno,Paulpôssuataçanobalcãoe

foiparaapia.Abriuatorneiraelavouasmãos.Adriennenotouqueeleaslavounapalmaenodorsoedepois cadadedo individualmente.Ela ligouo forno, reguloua temperatura eouviuo cliquedachamaseacendendo.

–Temalgumdescascadoràmão?–perguntouele.–Procureiummaiscedoenãoachei,entãovocêterádeusarumafacadeponta.Tudobem?Paulriubaixinho.–Achoqueconsigo.Souumcirurgião.Assimqueeledisseisso, tudofezsentido:asrugasemseurosto,a intensidadeemseuolhar,o

modocomolavaraasmãos.Adrienneseperguntouporquenãopensaranissoantes.Paulficouaoladodela,estendeuamãoparaasbatatasecomeçoualavá-las.

–VocêeramédicoemRaleigh?–perguntouela.–Era.Vendiminhaclínicanomêspassado.–Seaposentou?–Decertomodo.Naverdade,estouindomejuntaraomeufilho.–NoEquador?– Se ele tivesse perguntado, eu teria recomendado o sul da França,mas duvido que fosseme

ouvir.Adriennesorriu.–Ealgumavezelesouvem?–Não.Maseutambémnãoouvimeupai.Achoquetudoissoépartedocrescimento.Por ummomento, nenhum deles disse nada.Adrienne acrescentou vários temperos ao frango.

Paulcomeçouadescascarasbatatas,asmãossemovendoeficientemente.–ImaginoqueJeanestejapreocupadacomatempestade–comentouele.Adrienneoolhouderelance.–Comosabe?– Pelo modo como você ficou calada ao telefone. Achei que ela estava lhe falando sobre os

preparativosafazernacasa.–Vocêébemobservador.–Vaidarmuitotrabalho?Querodizer,ficareifelizemajudarsevocêprecisar.–Cuidado,porquepossoaceitar.Erameuex-maridoquecostumavaficarresponsávelpelacaixa

deferramentas,nãoeu.E,parasersincera,elenãoeratãobomassim.–Eusempreacheiqueessaeraumahabilidadesuperestimada.–Elepôsaprimeirabatatanatábua

de cortar e pegou a segunda. – Há quanto tempo está divorciada? Não precisa responder se não

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quiser.Elanãosabiaaocertosequeriafalarsobreisso,massurpreendeuasimesmarespondendo:–Trêsanos.Maselefoiemboraumanoantes.–Seusfilhosmoramcomvocê?–Duranteamaiorpartedotempo.Agoraestãodeférias,entãoestãovisitandoopai.Evocê?Há

quantotempoestádivorciado?–Sóalgunsmeses.Assinamosospapéisemoutubro.Maselatambémfoiemboraumanoantes.–Foielaquemfoiembora?Paulassentiu.–Sim,masaculpafoimaisminhadoquedela.Euquasenãoficavaemcasaeelasimplesmentese

encheudisso.Seeufosseela,achoqueteriafeitoomesmo.AdriennerefletiusobrearespostadePaul,pensandoqueohomemqueviaagoranãopareciaem

nadacomoqueeleacabaradedescrever.–Quetipodecirurgiavocêfazia?Depois que ele lhe respondeu, ela ergueu os olhos. Paul continuou, como se antecipando as

perguntas:– Entrei nessa área porque gostava de ver os resultados óbvios do que fazia e era muito

gratificante saber que eu estava ajudando as pessoas.No início as cirurgias eram, namaior parte,trabalhosdereconstruçãodepoisdeacidentesoucorreçõesdedefeitoscongênitos,coisasassim.Masnosúltimosanosissomudou.Agoraaspessoasprocuramcirurgiasplásticas.Fizmaisrinoplastiasnosúltimosseismesesdoqueimagineiserpossível.

–Oqueeuprecisariamudar?–perguntouela,brincando.Paulbalançouacabeça.–Absolutamentenada.–Sério.–Estoufalandosério.Eunãomudarianada.–Émesmo?Eleergueudoisdedos.–Palavradeescoteiro.–Vocêjáfoiescoteiro?–Não.Elariu,massentiuasbochechasficaremvermelhas.–Bem,obrigada.–Denada.Quandoterminoudetemperarofrango,Adrienneopôsnoforno,regulouotimeredepoislavou

novamenteasmãos.Paullavouasbatataseasdeixoupertodapia.–Oqueeufaçoagora?–Hátomatesepepinosnageladeira,paraasalada.Paulpassouportrásdela,abriuaportadageladeiraepegouoslegumes.Adriennesentiuocheiro

daáguadecolônianopequenoespaçoentreeles.–ComofoicresceremRockyMount?–perguntouPaul.

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AprincípioAdriennenão soubemuitobemoque responder,masdepoisdealgunsminutos sesentiumaisàvontadeeengrenouemassuntosfamiliareseconfortáveis.Contouhistóriasdospais,falousobreocavaloqueopailhederadepresentequandoelatinha12anos,recordouashorasquetinhampassadojuntoscuidandodeleecomoaquilolheensinaramaissobreresponsabilidadedoquequalquer coisa que fizera depois. Mencionou que conhecera Jack em uma festa na fraternidadequandoestavanoúltimoanodoensinomédioedescreveuseusanosnauniversidadecomcarinho.Contouque elesnamorarampordois anos eque, quandoela fez seusvotos, achouque seriaparasempre. Então ela ficou em silêncio por um momento, balançou levemente a cabeça e mudou oassuntoparaosfilhos,semquererseconcentrarnodivórcio.

EnquantoAdriennefalava,Paulpreparouasalada,cobrindo-acomoscroutonsqueelacompraramais cedo. De vez em quando fazia perguntas, apenas o suficiente para ela saber que estavainteressadonoquedizia.AanimaçãonorostodeAdrienneaocontarsobreopaieosfilhosofezsorrir.

Anoite estava chegando e as sombras começavama se estender pelo cômodo.Adriennepôs amesaenquantoPaulosserviademaisvinho.Quandoacomidaficoupronta,elessesentaram.

Durante o jantar, foi Paul quemmais falou.Contou aAdrienne sobre sua infância na fazenda,sobre as dificuldades da faculdade de medicina, sobre a época que passara fazendo corridas demontanhaesobrealgumasdesuasidasanterioresaOuterBanks.Quandofalousobreopai,Adriennepensouemdividircomeleoqueestavaacontecendocomodela,massecontevenoúltimominuto.JackeMarthaforammencionadosapenasdepassagem,assimcomoMark.Amaiorpartedaconversagirouemtornodeamenidades–porora,nenhumdosdoisestavaprontoparairalémdisso.

Quando terminaram o jantar, o vento diminuíra para uma brisa e as nuvens se juntavam nacalmariaantesdatempestade.PaullevouospratosparaapiaenquantoAdrienneguardavaassobrasnageladeira.Agarrafadevinhoestavavazia,amarésubiaeasprimeiras imagensde relâmpagoscomeçavamasurgirnohorizonte,fazendoomundoláforacintilarcomosealguémestivessetirandofotografiasparaselembrardaquelanoiteparasempre.

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8

DepoisdeajudarAdriennecomalouça,Paulapontoucomacabeçaparaaportadosfundos.–Quermeacompanharemumacaminhadapelapraia?–perguntou.–Anoiteestábonita.–Nãoestáesfriando?–Comcerteza,masachoqueseráaúltimachancequeteremospelospróximosdias.Adrienneolhoupela janela.Deveria ficar e limparo restodacozinha,mas issopodia esperar,

certo?–Claro–concordou.–Voupegarumcasaco.OquartodeAdrienneficavapertodacozinha,emumcômodoqueJeanacrescentarahaviadoze

anos.EramaiordoqueosoutrosaposentosdacasaetinhaumbanheiroprojetadocomumaJacuzzienormenomeio. Jean tomavabanhodebanheira regularmente, e todas asvezesqueAdrienne lhetelefonavaquandoestavadeprimida,esseeraoremédioqueaamigalherecomendavaparamelhorarseuhumor:“Vocêestáprecisandodeumlongobanhodebanheira,bemquenteerelaxante”,diziaela,esquecendoquehavia trêsadolescentesnacasaquemonopolizavamosbanheirosequearotinadeAdriennenãolhedeixavamuitotempolivre.

Ela tirou seu casaco do armário e depois pegou uma echarpe.Enrolando-a no pescoço, olhouparaorelógioeficousurpresacomarapidezcomqueashoraspareciamterpassado.Quandovoltouparaacozinha,Paulaesperavajádecasaco.

–Estápronta?–perguntou.Adrienneergueuagoladeseucasaco.–Vamoslá.Masprecisoavisá-loquenãosouumagrandefãdetempofrio.Meusanguesulino

prefereocalor.–Nãovamosdemorarmuito.Euprometo.PaulsorriuenquantoelessaíameAdrienneligoualuzqueiluminavaaescada.Andandoladoa

lado,seguiramparaadunabaixa,nadireçãodaareiacompactapróximaàbeiradaágua.Haviaumabelezaexóticananoite;oarestavafrescoerevigoranteeocheirodeáguasalgada

pairavananévoa.Nohorizonte, relâmpagoscintilavamemumritmoconstante, fazendoasnuvenspiscarem.QuandoAdrienneolhounaqueladireção, notouquePaul tambémobservavao céu.Seusolhosparecemregistrartudo,pensou.

–Vocêjáviuaquilo?Relâmpagoscomoaqueles?–perguntouPaul.–Nãonoinverno.Noverãoissoacontecedevezemquando.–Sãocausadospelasfrentesfriasqueestãovindojuntas.Começaramquandoestávamosjantando,

oquemefazacharqueessatempestadeserámaiordoqueestãoprevendo.–Esperoquevocêestejaerrado.

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–Possoestar.–Masduvidaqueesteja.Pauldeudeombros.– Digamos apenas que se eu soubesse que uma tempestade desse nível estava prevista, teria

tentadoreagendarminhavinda.–Porquê?–Nãosoumaisumgrandefãdetempestades.VocêselembradofuracãoHazel?Em1954?–Claro,maseueranovanaquelaépoca.Fiqueimaisanimadadoqueassustadaquandofaltouluz

nanossacasa.ERockyMountnãofoiatingidacomtantaforça,pelomenosnãononossobairro.–Vocêtevesorte.Eutinha21anoseestavanaUniversidadeDuke.Quandosoubemosqueestava

vindo,algunsdosrapazesdaequipedecorridaacharamqueseriaumaboaexperiênciasefôssemosparaWrightsvilleBeach para fazer uma festa do furacão.Eu não queria ir,mas eles fizeramumaespéciedechantagememocionalcomigo,jáqueeueraocapitãodaequipe.

–Nãofoiláopontoondeofuracãotocouaterra?– Não exatamente, mas foi bem perto. Quando chegamos, a maioria das pessoas tinha sido

evacuada da ilha, mas nós éramos jovens e estúpidos, e ficamos mesmo assim. No início foidivertido. Brincamos de tentar manter o equilíbrio enquanto o vento inclinava nossos corpos,achandoaquilo tudoótimoenosperguntandoporqueaspessoas tinhamsepreocupadotanto.Masalgumashorasdepoisoventosetornoufortedemaisparacontinuarmosabrincadeiraeachuvacaíatorrencialmente,entãodecidimosvoltarparaDurham.Masnãoconseguimossairdailha.Aspontestinham sido fechadas quando o vento atingiu 80 quilômetros por hora e nós ficamos presos. E atempestade continuava a piorar. Às duas da manhã aquilo parecia uma zona de guerra. Árvoresderrubadas,telhadosarrancadose,paraondequerqueolhássemos,haviaalgoquepoderianosmatarvoandopelasjanelasdocarro.Efaziamaisbarulhodoquevocêpodiaimaginar.Achuvacaíacomforçanocarroefoientãoqueatempestadechegouaoauge.Alémdisso,eraluacheia,amaréestavaaltaeasmaioresondasquejávivinhamumaatrásdaoutra.Felizmentenãoestávamostãopertodapraia, mas naquela noite vimos quatro casas serem arrastadas. Quando achávamos que não podiapiorar,postesdeeletricidadecomeçaramasepartir.Presenciamostransformadoresexplodiremumapósooutroeumadaslinhascaiupertodocarro.Foiaçoitadapeloventoduranteorestodanoite.Estavatãopertoquepodíamosverasfaíscas.Pormuitopoucoatingiuocarro.Alémderezar,achoquenenhumdenósdisseumaúnicapalavraumparaooutropelorestodanoite.Aquilofoiacoisamaisidiotaquejáfiz.

AdriennenãohaviatiradoosolhosdePaulenquantoelefalava.–Vocêtevesorteemtersobrevivido.–Eusei.Napraia,aviolênciadasondasfizeraaespumaformaroquepareciabolhasdesabãonobanho

deumacriança.–Eununcatinhacontadoestahistóriaaninguém–acrescentouPaul.–Porquenão?–Porque de certomodo aquele não era... eu.Eu nunca havia feito nada tão arriscado, e nunca

voltei a fazer.Foi quase como se tivesse acontecido comoutrapessoa.Você teriademeconhecer

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paraentender.Eueraotipodesujeitoquenãosaíanasnoitesdesexta-feiraparanãoseatrasarnosestudos.

Elariu.–Nãoacreditonisso.–Éverdade.Eunãosaía.Enquanto eles caminhavam pela areia dura, Adrienne olhou para as casas atrás das dunas.

Nenhumaoutraluzestavaacesae,nassombras,Rodanthelhepareceuumacidadefantasma.–Possodizerumacoisa?–perguntouela.–Querodizer,nãoqueroquemeentendamal.–Nãosepreocupe.ElesderamalgunspassosenquantoAdrienneprocuravaaspalavras.–Bem...ésóquequandovocêfalasobresimesmo,équasecomoseestivessesereferindoaoutra

pessoa.Dizquecostumavatrabalhardemais,masworkaholicsnãovendemsuasclínicasparairparaoEquador.Dizquenãofaziacoisasmalucas,masentãomecontaumahistóriaemquefez.Sóestoutentandoentender.

Paul hesitou.Ele nãodevia explicaçõesnema ela nemaninguém,mas caminhando sobo céubruxuleante na noite fria de janeiro subitamente percebeu que queria que ela o conhecesse –conhecessedeverdade,comtodasassuascontradições.

– Tem razão – começou –, porque estou falando sobre duas pessoas. Eu já fui o jovem quesemprequissercirurgião,osujeitoquesópensavaemtrabalhoeocaracomocasarãoemRaleighondemoravacomaesposaeofilho.Mashojeemdianãosounadadisso.Nestemomento,sóestoutentando descobrir quemPaul Flanner realmente é e, para ser sincero, começo ame perguntar sealgumdiaencontrareiaresposta.

–Achoquetodomundosesenteassimàsvezes.MaspoucaspessoasdecidiriamsemudarparaoEquadorcomoconsequênciadisso.

–Éporissoquevocêachaqueeuvou?ElesderammaisalgunspassosemsilêncioantesdeAdrienneolharparaele.–Não–respondeuela.–Achoquevocêvaiporquequerconhecerseufilho.Elaviuasurpresanorostodele.–Issonãofoimuitodifícildedescobrir–comentou.–Vocêmaltocounonomedeleanoitetoda.

Masseachaqueissovaiajudar,ficofelizporir.Paulsorriu.–Bem,vocêéaprimeiraaficar.NemmesmoMarksooumuitoempolgadoquandoconteipara

ele.–Elevaisuperarisso.–Vocêacha?–Esperoquesim.Éoquedigoamimmesmaquandotenhoproblemascommeusfilhos.Pauldeuumarisadaeapontouporcimadoombro.–Quervoltar?–Euestavatorcendoparavocêdizerisso.Minhasorelhasestãocongelando.Elesvoltaram, seguindo suasprópriaspegadasna areia.Emboraa luanãoestivessevisível, as

nuvensacimadelesbrilhavam,prateadas.Adistância,ouviramoprimeiroribombodetrovão.

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–Comoeraoseuex-marido?–Jack?–Elahesitou,semsabersedeveria tentarmudardeassunto,eentãodecidiuqueaquilo

nãotinhaimportância.Paraquemeleiriacontar?–Aocontráriodevocê–respondeufinalmente–,Jackachaquejáseencontrou.Sóquefoicomoutrapessoa,enquantoestávamoscasados.

–Sintomuito.–Eutambém.Oupelomenossentia.Agorasóvejocomoumadaquelascoisasdodestino.Tento

nãopensarsobreisso.Paulselembroudaslágrimasqueviraantes.–Econsegue?–Não,mascontinuotentando.Afinal,oquemaispossofazer?–SempreháoEquador.Elarevirouosolhos.–Éverdade.Nãoseriaótimo?Eupoderiachegaremcasaedizer:“Desculpem-me,crianças,mas

vocêsvãoterquesevirarsozinhas.Mamãevaificarforaporumtempo.”–Elabalançouacabeça.–Não,porenquantoeuestoupresa,decertomodo.Pelomenosatétodoselesestaremnauniversidade.Nestemomento,precisamdomáximodeestabilidadepossível.

–Pelovistovocêéumaótimamãe.–Tentoser.Masmeusfilhosnemsempreachamisso.–Encaredestaforma:quandoelestiveremosprópriosfilhos,vocêterásuavingança.–Ah,meuplanoéessemesmo.Jáestoutreinando.“Quetalumpoucodebatatasfritasantesdo

jantar?”“Não,éclaroquevocênãoprecisaarrumarseuquarto.”“Éclaroquepodeficaracordadoatétarde”...

Paulsorriu,pensandoemquantoestavagostandodaconversa.Gostandodela.Àluzprateadadatempestade que se aproximava, ela estava linda, e ele se perguntou como o marido podia tê-ladeixado.

Sempressa,elesvoltaramparacasa,ambosperdidosempensamentos,apreciandoossonseasvisões,nenhumdosdoissentindonecessidadedefalar.

Haviaconfortonaquilo,pensouAdrienne.Muitaspessoaspareciamacreditarqueosilêncioeraum vazio que precisava ser preenchido, mesmo que nada importante fosse dito. Vivera muitassituações como essa no interminável circuito de coquetéis a que costumava ir com Jack. Seusmomentos favoritos tinham sido aqueles emque conseguira escapar sem ser vista e passar algunsminutosemumavaranda isolada.Àsvezes jáhaviamaisalguémlá,alguémqueelanãoconhecia,masquandoelesseviamfaziamumsinalafirmativocomacabeça,comoseemumpactosecreto.Semperguntas,semconversafiada...Combinado.

Ali,napraia,aquelesentimentotinhavoltado.Anoiteerarevigorante,comabrisabalançandooscabelosdeAdrienneeacariciandosuapele.Sombrasseespalhavamàsuafrentenaareia,movendo-se,formandoimagensquasereconhecíveisedepoisdesaparecendodevista.Aáguadomareraumredemoinhoescuro.ElasabiaquePaultambémestavaassimilandoessascoisas;eletambémpareciaperceberquepalavrasarruinariamaquelemomento.

Continuaram caminhando em um agradável silêncio,Adriennemais certa a cada passo de quequeria passarmais tempo comPaul.Mas isso não era tão estranho, era?Ele estava sozinho e ela

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também.Eramviajantes solitários apreciandouma faixade areia deserta emumavila à beira-marchamadaRodanthe.

Quandochegaramàpousada,entrarampelacozinhaetiraramoscasacos.Adriennependurouodelanocabideiroaoladodaporta,juntocomsuaecharpe;Paulpendurouodeleaolado.

Adrienne juntou asmãos e soprou dentro delas a fim de aquecê-las, vendo Paul olhar para orelógioedepoisao redordacozinha,comoseperguntassea simesmosedeveriadaranoiteporencerrada.

– Que tal algo quente para beber? – ofereceu ela rapidamente. – Posso fazer um cafédescafeinado.

–Vocêtemchá?–Achoquesim.Vouconferir.Ela atravessou a cozinha, abriu o armário perto da pia e afastou alguns itens para o lado,

apreciandoofatodequeelesteriamumpoucomaisdetemponacompanhiaumdooutro.HaviaumacaixadeEarlGreynasegundaprateleirae,quandosevirouparamostrá-la,Paulassentiucomumsorriso.Adriennepassouportrásdeleparapegarachaleiraedepoisaencheudeágua,conscientedaproximidade entre eles.Quando a chaleira apitou, serviu duas xícaras e eles forampara a sala deestar.

Sentaram-senovamentenascadeirasdebalanço,emboraoambienteestivessediferenteagoraqueosolsepusera.Pareciamaissilenciosoeíntimonoescuro,seéqueissoerapossível.

Enquanto bebiam o chá, falaram pormais uma hora sobre vários assuntos, em uma conversadescontraídaefácil.Masdepois,comopassardanoite,Adrienneseviufalandosobreseupaieseustemoresemrelaçãoaofuturo.

Como médico, Paul já tinha ouvido histórias semelhantes com alguma regularidade. Mas atéaquele momento eram apenas isto: histórias. Os pais dele tinham morrido e os pais de Marthaestavam vivos e bem,morando na Flórida;mas dava para ver pela expressão deAdrienne que odilemadelaeraalgoqueeleficavafelizemsaberquenãoteriadeenfrentar.

–Háalgoqueeupossafazer?–perguntou.–Conheçomuitosespecialistasquepoderiamreveroprontuáriomédicodeleeverseháummododeajudá-lo.

–Obrigadaporoferecer,masnão.Jáfiztudoisso.Oúltimoderramerealmenteoafetou.Mesmosehouvessealgoquepudesseajudá-lo,achoquenãoexistechancedeelepoderviversemcuidados24horaspordia.

–Oquevocêvaifazer?– Não sei. Espero que Jack mude de ideia sobre dar um apoio financeiro adicional para o

tratamentodomeupai.Etalvezelemude.Durantealgumtempoosdoisforammuitopróximos.Mas,caso ele não possa ajudar, acho que terei de arrumar um emprego em tempo integral para poderarcarcomtodasasdespesas.

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–Seráquevocênãopoderecorreràassistênciapúblicadesaúde?Assimquepronunciouaspalavras,Paulsoubequalseriaaresposta.–Meupaipoderiaserqualificadoparareceberassistência,masoslugaresconfiáveistêmlistasde

esperamuitolongaseamaioriaficaaalgumashorasdedistância,entãoeunãopoderiavisitá-locomfrequência.Eeutambémnãoiadeixá-loemumlugarquenãoconfiasse.

Adriennefezumapausa,seuspensamentossealternandoentreopassadoeopresente.–Quandomeupaiseaposentou–dissefinalmente–,fizeramumafestinhadedespedidaparaele

na fábrica. Eume lembro de ter pensado quemeu pai sentiria falta de ir lá todos os dias. Haviacomeçadoatrabalharnafábricaaos15anosesófaltoudoisdiasdurantetodaavida,pormotivodedoença.Umdia,fizalgunscálculosedescobrique,somadastodasashorasdetodososdias,meupaitinha passado quinze anos de sua existência naquela fábrica. No entanto, eleme garantiu que nãosentiriafaltadaquelelugar.Queagoraquehaviaseaposentado,tinhagrandesplanos.

AexpressãodeAdriennesesuavizou.–Oqueelequisdizerfoiqueplanejavafazerascoisasquedesejavaemvezdaquelasquetinhade

fazer. Ficar comigo, com os netos, com os amigos, ler seus livros... Elemerecia alguns anos detranquilidade depois de tudo por que tinha passado, e aí... – Adrienne interrompeu o que estavadizendoeemseguidafitouosolhosdePaul.–Vocêgostariadeleseoconhecesse.Atémesmoagora.

–Tenhocertezaquesim.Maselegostariademim?Adriennesorriu.–Meupaigostadetodomundo.Antesdosderrames,nãohavianadamaisagradávelparaeledo

queouviraspessoasesaber tudosobreelas.Eleéohomemmaispacientedomundoe,porcausadisso,aspessoassempreseabriamcomele.Atémesmoestranhos.Elaslhecontavamcoisasquenãocontariam amais ninguém porque sabiam que ele era confiável. – Ela hesitou. –Mas sabe qual éminhalembrançamaisforte?

Paulergueulevementeassobrancelhas.–Algoqueele costumavamedizerdesdequeeueraumagarotinha.Não importavaquantoeu

tivessemesaídobemoumalemalgumacoisa,seeuestivessefelizoutriste,meupaisempremedavaumabraçoefalava:“Estouorgulhosodevocê.”

Elaficoucaladaporummomento.–Nãoseioqueessaspalavrastêm,massempremecomoveram.Devotê-lasouvidoummilhão

devezes,massemprequemeupaiasdiziaelasmedeixavamcomasensaçãodequeelemeamariaindependentementede tudo.Éengraçado,porquequando fiqueimaisvelhacostumavabrincarcomelesobreisso.Mas,mesmonaquelaépoca,quandoeuestavaprestesasairdecasa,elediziaissoeeuaindaficavatodaderretida.

Paulsorriu.–Seupaipareceserumhomemextraordinário.–Eleé–retrucouAdrienne,aprumando-senacadeira.–Eéporissoqueencontrareiummodode

elenãoprecisarirembora.Aqueleéomelhorlugardomundoparaele.Épertodecasaenãosóoscuidadossãoexcepcionaiscomootratamcomoumapessoa,nãoapenascomoumpaciente.Meupaimereceumlugarassimeissoéomínimoquepossofazer.

–Eletemsortedeterumafilhaquecuidadele.

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– Eu também tenho sorte. – Enquanto Adrienne olhava para a parede, seus olhos pareceramperdero foco.Entãoelabalançouacabeça,subitamentesedandocontade tudooque tinhadito.–Masvocêficoumeouvindofalarsemparar.Desculpe.

–Nãohámotivoparasedesculpar.Fiqueifelizporouvir.Comumsorriso,Adrienneseinclinouumpouquinhoparaafrente.–Doquevocêsentemaisfaltaemsercasado?–Presumoqueestejamosmudandodeassunto.–Acheiqueerasuavezdefalarumpouco.–Éomínimoqueeupossofazer,certo?Eladeudeombros.–Éoqueeuacho.Agoraqueeumeabri,éasuavez.Pauldeuumsuspirodebrincadeiraeolhouparaoteto.–Muitobem.Doqueeusintofalta...–Elejuntouasmãos.–Achoqueédesaberqueháalguémà

minhaesperaquandochegoemcasadotrabalho.GeralmenteeusóchegavatardeeMarthajátinhaido para a cama. Mas saber que ela estava lá parecia natural e tranquilizador, como as coisasdeveriamser.Evocê?

Adriennepôssuaxícaradechánamesa.–Dascoisasbásicas.Alguémcomquemconversarefazerasrefeições,osbeijinhosrápidosde

manhãantesdequalquerumdosdoisterescovadoosdentes.Mas,parasersincera,nestemomentoestoumaispreocupadacommeusfilhos,emsaberdoqueelessentemfalta.SintofaltadeterJackporperto por causa deles. Acho que crianças pequenas precisam mais da mãe do que do pai, masadolescentes precisamdo pai.Especialmente asmeninas.Não quero queminha filha pense que oshomenssãoidiotasqueabandonamsuasfamílias,mascomovoulheensinarissoseseuprópriopaiagiuassim?

–Nãosei.Adriennebalançouacabeça.–Oshomenspensamnessascoisas?–Oslegais,sim.–Porquantotempovocêficoucasado?–Trintaanos.Evocê?–Dezoito.–Cáentrenós,seriadeseesperarqueaestaalturajátivéssemosentendidotudo,certo?–Oquê?Osegredodafelicidadeeterna?Nãoacreditomaisqueissoexista.–É,achoquevocêtemrazão.Do corredor, ouviram as badaladas do relógio.Quando parou, Paul esfregou a nuca, tentando

aliviaradordaviagem.–Achoquevoudormir.Odiavaicomeçarcedoamanhã.–Poisé–retrucouAdrienne.–Euestavapensandoamesmacoisa.Mas eles não se levantaram imediatamente.Continuaram sentados pormais algunsminutos no

mesmosilêncioquehaviampartilhadonapraia.DevezemquandoeleolhavaparaAdrienne,masdesviavaoolharantesqueelanotasse.

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Comumsuspiro,Adrienneenfimselevantoueapontouparaaxícaradele.–Possolevarissoparaacozinha.Estouindonaqueladireção.Paulsorriuenquantolheentregavaaxícara.–Eumedivertimuitohoje.–Eutambém.Ummomentodepois,AdrienneobservouPaulsubindoaescada.Entãoelasevirouecomeçoua

fecharapousada.Noquarto,elasedespiueabriuamalaparaprocurarumpijama.Aofazerisso,viuseureflexo

noespelho.Nadamau,mas,parasersincera,aparentavaaidadequetinha.Paulforagentilaodizerqueelanãoprecisavadenenhumaintervençãocirúrgica,pensou.

Haviamuitotempoqueninguémafaziasesentiratraente.Vestiuopijamaefoiparaacama.Jeantinhaumapilhaderevistasnamesadecabeceirae,por

alguns minutos, Adrienne folheou uma delas antes de apagar a luz. Na escuridão, não conseguiuparardepensarnanoitequeacabaradeter.Asconversasserepetiamsempararemsuamente;elapodiaveromodocomooscantosdabocadePaulsecurvaramemumsorrisotodasasvezesqueeladisseraalgoqueeleacharaengraçado.Duranteumahora,ficousevirandodeumladoparaoutro,semconseguirdormir,ansiosaealheiaaofatodeque,noandardecima,PaulFlannerestavafazendoamesmacoisa.

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Apesardeterfechadoasvenezianaseascortinasparabloquearaluzdamanhã,Paulacordouaonascerdosolnasexta-feiraepassoudezminutossealongandoparadiminuirasdoresmusculares.

Abriuasvenezianaseinspirouoarmatinal.Haviaumadensanévoasobreaáguaeocéutinhaassumido um tom grafite. Nuvens escuras e carregadas passavam em paralelo à costa, em altavelocidade. A tempestade chegaria antes do cair da noite, mais provavelmente no meio da tarde,pensouPaul.

Sentou-senabeiradacamaevestiusuaroupadecorrida.Depoiscolocouumcasacocorta-ventoporcimadacamiseta.Tiroudagavetaumpardemeiasextraseasenfiounasmãos.Entãodesceuaescada e olhou ao redor. Adrienne ainda não se levantara. Ele sentiu uma pontinha de decepçãoquandonãoaviu edepois seperguntouporque isso importava.Destrancouaporta e, umminutodepois,jáestavacaminhandoparaaquecerocorpoantesdepassarparaumritmomaisforte.

Doseuquarto,AdrienneouviuorangerdosdegrausquandoPauldesceuaescada.Sentou-senabeiradadacama,afastouascobertasecalçouumpardechinelos,desejandoaomenosterfeitoumcafé.Nãosabiaseeleiriaquererumantesdecorrer,maspoderiaterlheoferecidopelomenos.

Láfora,osmúsculoseasarticulaçõesdePaulcomeçavamaentrarnoritmoeeleacelerou.Nãoeranemdelongeoquantocostumavacorreraos20ou30anos,maseraconstanteerevigorante.

Corrernuncaforaapenasumexercícioparaele.Haviachegadoaopontoemqueaatividadenãoapresentava nenhuma dificuldade; correr 8 quilômetros não consumia mais energia do que ler ojornal.Paulvia a corridamais comouma formademeditação,umdospoucosmomentosemquepodiaestarsó.

Eraumamanhãmaravilhosaparacorrer.Embora tivessechovidoduranteanoiteeelepudessevergotasnospara-brisasdoscarros,achuvapassararapidamentepelaáreaeamaioriadasestradasjáestavaseca.Traçosdenévoaaindasemoviamemumcortejofantasmagóricodeumapequenacasaparaoutra.Eleteriagostadodecorrernapraiaporqueerararoteressaoportunidade,masemvezdissodecidiuaproveitarotempoquepassariacorrendoparaencontraracasadeRobertTorrelson.Seguiu pela rodovia, passou pelo centro da cidade e depois virou na primeira esquina, atento aocenárioàsuavolta.

Emsuaopinião,Rodantheeraexatamenteoqueparecia:umaantigavilapesqueiraàbeira-mar,um lugar em que a vidamoderna demorara a chegar. Todas as casas eram demadeira e, emboraalgumasestivessememmelhorescondiçõesdoqueoutras, compequenosquintaisbemcuidadosecanteirosdeterraondenasceriamfloresnaprimavera,paraondequerqueolhassepodiaveraaridezdavidacosteira.Atémesmocasascompoucomaisdedezanosestavamdecadentes.Cercasecaixasde correio foram corroídas pelo tempo, e telhados de zinco apresentavam ferrugem. Espalhados

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pelos quintais da frente havia vários itens da vida diária naquela parte do mundo: botes a remo,motoresdebarcoquebrados,redesdepescautilizadasnadecoraçãoecordasecorrentesusadasparamanterestranhosadistância.

Algumas casas não passavam de barracos, com as paredes prestes a desabar – parecia quequalquer ventania um poucomais forte poderia derrubá-las. Em alguns casos, varandas da frenteestavam caindo aos pedaços e haviam sido escoradas com qualquer coisa que pudesse evitar quedesabassemtotalmente:blocosdeconcreto,tijolosempilhadosesarrafos.

Mas havia atividade ali, mesmo ao amanhecer, mesmo nas casas que pareciam abandonadas.Enquanto corria,Paul viu fumaça saindode chaminés e homens emulheres cobrindo janelas commadeiracompensada.Osomdemarteladascomeçaraaencheroar.

Virou no quarteirão seguinte, olhou para a placa de rua e continuou a correr.Algunsminutosdepois,virounaruaemqueRobertTorrelsonmorava.Sabiaqueeranonúmero34.

Passoupelosnúmeros18e20,olhandoparaafrente.Algunsdosvizinhospararamoqueestavamfazendoeoobservarampassar,comoolhardesconfiado.Emmenosdeumminuto,Paulchegouaoseudestino.

Eraumaconstruçãocomoamaioriadasoutrasporali:nãomuitobempreservada,mastampoucoumbarraco.Eraumaespéciedeempateentrehomemenaturezaemsuabatalhapelacasa.Compelomenosmeioséculodeexistência,tinhaapenasumandareeracobertacomumtelhadodezinco;semcalhasparaescoamento,achuvadeinúmerastempestadesrajaradecinzaatintabranca.Navarandahaviaduascadeirasdebalançodesgastadaspelotempodispostasobliquamente.Aoredordasjanelas,PaulviuumaúnicafileiradeluzesdeNatal.

Umapequenaconstruçãoanexaficavanosfundos,comasportasdafrenteabertas.Dentrohaviaduasbancadasde trabalhocobertascomredesevarasdepescar,baúse ferramentas.Duasgrandesgarateias estavam encostadas na parede e Paul viu uma capa de chuva amarela pendurada em umganchologoàentrada.Derepentesurgiuumhomemdassombras,carregandoumbalde.

O sujeito pegou Paul desprevenido e ele virou o rosto para o outro lado antes que o homempudesse flagrá-lo olhando. Era cedo demais para uma visita, e não queria fazê-la em roupas decorrida.Entãoergueuoqueixocontraabrisa,virounaesquinaseguinteetentouvoltaraoritmo.

Não foi fácil. A imagem do homem permaneceu com ele, fazendo-o se sentir vagaroso; cadapasso eramais difícil do que o anterior.Apesar do frio, quando terminouhavia uma fina camadabrilhantedesuoremseurosto.

Caminhouosúltimos50metrosatéapousada,aspernastensasdevidoaoexercício.Daestrada,viuquealuzdacozinhaforaacesa.

Sabendooqueissosignificava,sorriu.

Enquanto Paul estava fora, os filhos deAdrienne haviam telefonado e ela passara algunsminutosfalandocomcadaumdeles,felizporestaremsedivertindocomopai.Umpoucodepois,ligoupara

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olardeidosos.Emboraseupainãopudesseatenderaotelefone,AdrienneprovidenciaraparaqueGail,umadas

enfermeiras,fizesseissoporele,eelaatenderanosegundotoque.– Bem na hora – falou. – Eu estava justamente dizendo a seu pai que você ligaria a qualquer

minuto.–Comoeleestáhoje?–Umpoucocansado,masforaissoestábem.Voucolocarotelefonenoouvidodele,estábem?Ummomentodepois,aoouvirarespiraçãoásperadopai,Adriennefechouosolhos.–Oi,pai–começou,econversoucomeleduranteváriosminutos,comoteriafeitoseestivesselá

pessoalmente.Falou-lhe sobre a pousada, a praia, as nuvens de tempestade e os relâmpagos e, embora não

tivesse mencionado Paul, perguntou-se se o pai sentia em sua voz o mesmo tremor que elaexperimentavaaoevitaronomedele.

Paul subiu a escada. Dentro da casa, o cheiro de bacon enchia o ar, dando-lhe boas-vindas. Emseguida,Adrienneabriuasportasdevaivém.

Ela usava uma calça jeans e um suéter azul-claro que acentuava a cor de seus olhos.À luz damanhã,estavamquaseturquesa,fazendoPaulselembrardecéuscristalinosnaprimavera.

–Vocêacordoucedo–observouela,pondoumamechadecabeloatrásdaorelha.ParaPaul,ogestopareceuestranhamentesensual,eeleenxugouosuordatesta.–Sim,euquiscorrerlogoparaficarlivredissoantesdemeudiacomeçar.–Foitudobem?–Jáfoimelhor,maspelomenoscorri.–Elemudouopesodeumpéparaooutro.–Apropósito,

ocheiroaquiestáótimo.–Comecei a preparar o café damanhã enquanto você estava fora. –Ela apontou por cima do

ombro.–Quercomeragoraouesperarumpouco?–Senãoseimportar,euprefirotomarumbanhoantes.–Semproblemas.Euestavapensandoemfazerummingau,quedevedemorarunsvinteminutos

paraficarpronto.Comoquerseusovos?–Quetalmexidos?–Achoqueconsigofazer isso.–Ela fezumapausa,gostandodafranquezanoolhardePaule

continuandocaladapormaisummomento.–Voudarumaconferidanobaconantesquequeime–dissefinalmente.–Vejovocêemalgunsminutos,certo?

–Claro.Depois de observá-la se retirar, Paul subiu a escada para seu quarto, balançando a cabeça e

pensando em quão bonita ela estava. Despiu-se, deu uma lavada na camisa na pia, pendurou-a no

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varão da cortina e abriu o registro no boxe.ComoAdrienne avisara, a água quente demorou umpoucoparasair.

Tomoubanho,sebarbeou,vestiuumacalçacargoeumacamisasocial,calçoumocassinsefoisejuntar aAdrienne.Na cozinha, ela estava levandopara amesaduas tigelas, uma com torradas e aoutracomfrutasfatiadas.QuandoPaulpassouportrásdela,sentiuocheirodoxampudejasmimqueelausaranaquelamanhã.

–Esperoquenãoseimporteseeumesentarcomvocêdenovo–disseAdrienne.Paulpuxouacadeiraparaela.–Não,dejeitonenhum.Naverdade,euestavatorcendoparaisso.Porfavor–disseele,fazendo

umgestoparaqueelasesentasse.Adrienneodeixouempurraracadeiraparaa frentedepoisqueela seacomodoueoobservou

enquantoeletambémsesentava.–Tenteiencontrarumjornal–disseela–,masaprateleiradoarmazémjáestavavaziaquando

chegueilá.–Issonãomesurpreende.Haviamuitaspessoasnaruaagorademanhã.Achoquetodosestãose

perguntandoquãoruimoclimaestaráhoje.–Nãoestáparecendomuitopiordoqueontem.–Issoéporquevocênãomoraaqui.–Vocêtambémnão.–Não,masjátestemunheiumagrandetempestade.Aliás,jálheconteisobrequandoeuestavana

universidadeefuiparaWilmington...Adrienneriu.–Evocêjurouquenuncacontouessahistória.–Achoqueestáficandomaisfácilagoraquequebreiogelo.Eéminhaúnicahistóriaboa.Todoo

restoébastanteentediante.–Duvidomuito.Peloquemecontou,achoquesuavidatemsidotudo,menosentediante.Paulsorriu,semsaberaocertoseaquiloeraumelogio,massatisfeitodequalquermaneira.–OqueJeandissequetinhadeserfeitohoje?Adrienneseserviudeumpoucodeovoepassouatigelaparaele.–Bem,osmóveisdasvarandasprecisamserguardadosnogalpão.Tambémtenhoquefecharas

janelaseastravasinternasdasvenezianas,depoiserguerasproteçõescontrafuracões.Supostamenteelassãodeencaixar,eháalgunsganchosparamantê-lasnolugar;depoissãofirmadascomsarrafos.

–Esperoqueelatenhaumaescada.–Sim,ficadebaixodacasa.–Nãoparecenadamuitodifícil.Comoeudisseontem,ficariafelizemajudá-ladepoisquevoltar.Adrienneolhouparaele.–Temcerteza?Vocênãoprecisafazerisso.–Nãoénadademais.E,dequalquermodo,nãotenhomaisnadaplanejado.Parasersincero,eu

nãoconseguiria ficarsentadodo ladodedentroenquantovocê faz todoo trabalho.Eumesentiriaculpado,mesmosendoohóspede.

–Obrigada.

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–Nãohádequê.Eles terminaram de se servir, encheram suas xícaras de café e começaram a comer. Paul a

observou passarmanteiga emuma torrada,momentaneamente absorta na tarefa.À luz cinzenta damanhã,elaestavaaindamaisbonitadoquenodiaanterior.

–Vocêvaiseencontrarcomaquelapessoaquemencionouontem?Paulfezquesimcomacabeça.–Depoisdocafédamanhã.–Vocênãoparecemuitofelizcomisso.–Nãoseisedevoficarfelizounão.–Porquê?Depois de uma breve hesitação, ele lhe contou sobre Jill e Robert Torrelson: a cirurgia, a

autópsia e tudo o que aconteceu depois, inclusive o bilhete que recebera pelo correio. Quandoterminou,Adriennepareceuestudá-lo.

–Evocênãofazideiadoqueelequer?–Imaginoquetenhaavercomoprocesso.Adriennenãoestavatãocertadisso,masnãodissenada.Apenaspegouseucafé.–Bem,independentementedoqueaconteça,achoquevocêestáfazendoacoisacerta.Comoestá

fazendocomMark.Paul não disse nada, mas não era necessário. O fato de ela ter entendido era mais do que

suficiente.Atualmente isso era tudo o que ele queria de alguém e, mesmo tendo conhecido Adrienne

somente na véspera, sentiu que de algummodo ela já sabiamais sobre ele do que amaioria daspessoas.

Outalvez,pensou,maisdoquequalquerpessoa.

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Depoisdocafédamanhã,Paulentrouemseucarroetirouaschavesdobolsodocasaco.Adrienneacenoudavaranda,desejandoboasorte.Emseguida,Paulolhouporcimadoombroecomeçouadarmarchaàréparasairdaentradadeveículos.

Algunsminutosdepois,elechegouàruaondeTorrelsonmorava;emborapudesseteridoapé,nãosabiacomquerapidezoclimapioraria,enãopretendiaserapanhadopelachuva.Tambémnãoqueria se sentir preso se o encontro começasse a correr mal. Embora não tivesse ideia do queesperar,decidiuquediriaaTorrelsontudooqueaconteceraduranteacirurgia,masnãoespeculariasobreacausadamortedeJill.

Desacelerouocarro,estacionouaoladodaruaedesligouomotor.Depoisdeummomentodepreparação, saiu e começou a percorrer o caminhopara pedestres.OvizinhodeTorrelson estavamontadoemumaescada,martelandoumpedaçodemadeiracompensadasobreumajanela.EleolhouparaPaul,tentandodescobrirquemera.Paulignorou-oe,quandochegouàcasadeTorrelson,bateuàportaedeuumpassoparatrás,dandoalgumespaçoasimesmo.

Quandoninguématendeu,bateudenovo,dessaveztentandoouviralgummovimentoládentro.Nada.Foiparao ladodavaranda.Emboraasportasdaconstruçãoanexaaindaestivessemabertas,nãoviuninguém.Pensouemgritaronomedele,masdepoisdesistiu.Entãosedirigiuaoporta-malasdoseucarroeoabriu,pegouumacanetadedentrodokitmédicoearrancouumafolhadeumdoscadernosdeanotaçõesquepuseraládentro.

Escreveuseunomeeonomedapousada,depoisumbreverecadodizendoqueficarianacidadeatésegunda-feirademanhã,seRobertaindaquisessefalarcomele.Entãodobrouopapel,dirigiu-seà varanda da frente e o enfiou pelo caixilho da porta, certificando-se de que não voaria. Estavavoltandoparaocarro,sentindo-seaomesmotempodesapontadoealiviado,quandoouviuumavozatrásdele:

–Possoajudá-lo?QuandoPaulsevirou,nãoreconheceuohomemempépertodacasa.Emboranãoconseguissese

lembrardaaparênciadeRobertTorrelson–seurostoeraumentremilhares–,sabiaquenuncaviraaquelapessoa.Eraumjovemde30epoucosanos,magro,comcabelospretosraleando,usandoumcasacodemoletomeumacalça jeans.OlhavaparaPaulcomamesmadesconfiançaqueovizinhodemonstraraantes.

–Sim–respondeuPaul.–EstouprocurandoRobertTorrelson.Éaquiqueelemora?Ojovemassentiu,semmudaraexpressão.–Sim,eleémeupai.–Eeleestáemcasa?

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–Osenhorédobanco?Paulbalançouacabeça.–Não.MeunomeéPaulFlanner.Ojovemdemorouuminstanteparareconheceronome.Seusolhosseestreitaram.–Omédico?Paulfezquesimcomacabeça.–Seupaimeenviouumbilhetedizendoquequeriafalarcomigo.–Paraquê?–Nãosei.–Elenãomefalounadasobrenenhumbilhete.Enquantofalava,osmúsculosdeseusmaxilaressecontraíram.–Podelhedizerqueestouaqui?Ojovemenganchouopolegaremseucinto.–Elenãoestá.Aodizerisso,relanceouosolhosparaacasaePaulseperguntouseestavafalandoaverdade.–Podeaomenosavisá-loqueeuapareci?Deixeiumbilhetenaportadizendo-lheondepodeme

encontrar.–Elenãoquerfalarcomosenhor.Paulabaixouosolhosedepoisosergueudenovo.–Achoquecabeaeledecidir,nãoé?–retrucou.–Quemdiabovocêpensaqueé?Achaquepodeviraquie tentarsesafardoquefezcomuma

conversa?Comosefosseapenasumerrooualgodotipo?Paulnãodissenada.Sentindosuahesitação,ojovemdeuumpassonadireçãodeleecontinuou,

erguendoavoz:–Váemboradaqui!Nãoqueromaisvê-loporperto,emeupaitambémnãoquer!–Certo...estábem...OjovempegouumapápróximaePaulergueuasmãos,recuando.–Estouindo...Virou-seecomeçouatomaradireçãodocarro.–Enãovolte!–gritouohomem.–Nãoachaquejáfezosuficiente?Minhamãeestámortapor

suacausa!Paulestremeceuàquelaspalavrasferinaseentrounocarro.Depoisdeligaromotor,foiembora

semolharparatrás.Nãoviuovizinhodescerdaescadaparafalarcomojovem;nãoviuojovematirarapánochão.

Nãoviuacortinadasaladeestarvoltaraolugardentrodacasa.Tambémnãoviuaportadafrenteseabrirnemamãoenrugadaquepegouobilhetequecaírana

varanda.

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Minutosdepois,AdrienneouviaPaul contaroqueacontecera.Nacozinha,Paul estavaapoiadonobalcão,comosbraçoscruzados,olhandoparaforadajanela.Suaexpressãoeravazia,introvertida;elepareciamaiscansadodoqueao sair.Quando terminoudecontar,o rostodeAdrienne revelouumamisturadeempatiaepreocupação.

–Pelomenosvocêtentou–disseela.–Eissoajudoumuito,nãoé?–Talvezelenãosoubessesobreobilhetedopai.Paulbalançouacabeça.–Nãoé só isso.Temavercomomotivoprincipalparaeuestar aqui.Queriaver sepodiade

algum modo consertar a situação ou pelo menos torná-la compreensível, mas nunca terei essachance.

–Aculpanãofoisua.–Entãoporquemesintocomosefosse?Nosilêncioqueseseguiu,Adriennepôdeouvirotique-taquedoaquecimento.–Porquevocêseimporta.Porquevocêmudou.–Nadamudou. Eles ainda acreditam que eu amatei. – Ele suspirou. – Pode imaginar como é

saberquealguémachaissodevocê?–Não–admitiuAdrienne.–Nuncativedepassarporalgoassim.Paulapenasbalançouacabeça,parecendoexausto.Elaesperouparaverseaexpressãodelemudaria.Quandonãomudou,Adriennesurpreendeuasi

mesmaindonadireçãodeleepegandosuamão.Noinícioestavarelutante,masdepoisPaulrelaxoueelasentiuosdedosdeleseentrelaçandoaosdela.

– Por mais difícil que seja aceitar isso – começou ela com todo o cuidado –, você tem quecompreender que,mesmo que conseguisse falar com o pai hoje, é bem provável que não tivessemudadoopensamentodofilho.Eleestámagoadoeémais fácilculparalguémcomovocêdoqueaceitarofatodequeahoradamãehaviachegado.Eindependentementedodesenrolardasituação,vocêfezumacoisaimportanteindoatélá.

–Quecoisa?–Vocêouviuoqueofilhotinhaadizer.Emboraeleestejaerrado,vocêlhedeuachancedefalar

comosesente.Deixou-odesabafare,nofinaldascontas,talvezfosseissoqueopaiqueriaotempotodo.Comoelesabequeocasonãovaiajulgamento,queriaquevocêouvissepessoalmenteseuladodahistória.Soubessecomoelessesentem.

Pauldeuumsorrisosombrio.–Issofazcomqueeumesintamuitomelhor–falou,comironia.Adrienneapertouamãodele.–Oqueesperavaqueacontecesse?Queelesouvissemeaceitassemdeimediatooquevocêtinhaa

dizer?Depoisquecontrataramumadvogadoeprosseguiramcomoprocesso,mesmosabendoquenão tinham nenhuma chance?Depois que ouviram o que todos os outrosmédicos disseram?Elesqueriamquevocêviesseparaqueosouvisse.Nãoocontrário.

Paulficoucalado,masnofundosabiaqueelatinharazão.Porquenãoperceberaissoantes?

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–Seiquenãofoifácilouviressascoisas–continuouAdrienne–,seiqueelesestãoerradosequeéinjustopôraculpadoqueaconteceuemvocê.Masvocêlhesdeualgoimportantehojee,maisdoqueisso,foialgoquenãoeraobrigadoafazer.Podeseorgulhardisso.

–Nadadoqueaconteceufoiumasurpresaparavocê,nãoé?–Naverdade,não.–Vocêchegouaessaconclusãohojedemanhã?Quandoeulheconteisobreeles?–Eunãotinhacerteza,masacheiqueascoisaspoderiamtomaresserumo.UmbrevesorrisosurgiunorostodePaul.–Vocêéinacreditável,sabia?–Issoébomouruim?Paul apertou amão dela, pensando que gostava de senti-la na sua. Parecia algo natural, quase

comoseasegurasseháanos.–Éótimo–respondeuPaul.Eleafitoucomcarinho,ederepenteAdriennepercebeuqueestavapensandoembeijá-la.Embora

partedelaquisesseisso,seuladoracionalsubitamentealembrouqueerasexta-feira.Elestinhamseconhecido no dia anterior e logo ele iria embora.Assim como ela.Além disso, aquela não era averdadeira Adrienne, era? A mãe e filha preocupada, a esposa trocada por outra mulher, abibliotecária...Naquelefimdesemanaelaeraalguémdiferente,alguémquemalreconhecia.Otempoque estava passando ali parecia um sonho e, embora os sonhos fossem agradáveis, lembrou a simesmaqueeramapenasissoenadamais.

Deuumpequenopassoparatrás.QuandosoltouamãodePaul,viuumlampejodedecepçãonosolhosdele,masquelogodesapareceu.

Elasorriu,forçando-seamanteravozfirme:–Aindaestádispostoameajudarcomacasa?Querodizer,antesqueotempopiore?–Claro.Sómedêalgunsminutosparacolocarumaroupamaisconfortável.–Nãoprecisaterpressa.Aindatenhoquedarumpulonoarmazém.Esquecidecomprargeloe

umacaixatérmica.Parateralgumacomidaàmãocasofalteluz.–Certo.Elafezumapausa.–Vocêvaificarbem?–Vou.Adrienneesperou,parasecertificardequeacreditavanele,depoislhedeuascostas.Sim,dissea

simesma,elafizeraacoisacerta.Tinharazãoemtersoltadoamãodele.Contudo,aosairpelaporta,nãopôdeevitara sensaçãodequederaascostasparaachancede

encontrarumpoucodafelicidadequelhefaziafaltahaviatantotempo.

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Paul estava no andar de cima quando ouviu Adrienne dar partida no carro. Olhando pela janela,observouasondasquebrando, tentandoentenderoqueacabaradeacontecer.Algunsminutosantes,quandoolharaparaela,sentiraumlampejodealgoespecial,masquedesapareceratãorápidoquantoacontecera,eaexpressãonorostodelalhedisseraporquê.

Entendia a reticência de Adrienne. Afinal de contas, eles viviam em um mundo definido porlimites,quenemsemprepermitiamespontaneidade,ações impulsivasparaviveromomento.Sabiaqueera issoquepossibilitavaaprevalênciadaordemnodecorrerdavida,masnosúltimosmesessuasaçõestinhamsidoumatentativadedesafiaresseslimites,rejeitaraordemqueadotaraportantotempo.

Não era justo esperar o mesmo de Adrienne. Ela estava em uma posição diferente; tinharesponsabilidades,comodeixaraclaronavéspera,eessasresponsabilidadesexigiamestabilidadeeprevisibilidade.Elejápassaraporessafase.Agorapodiaviverdeacordocomregrasdiferentes,masAdriennenãopodia.

Noentanto,algohaviamudadonocurtotempodesdequechegaraàpousada.Podiatersidonodiaanterior, quando estavam caminhando na praia, ou quando ela lhe contara sobre seu pai, ou atémesmonaquelamanhã,quandocomeramjuntosàluzsuavedacozinha.Outalveztivesseacontecidonomomentoemqueela lhe seguravaamãoe elenãoquerianadaalémdepousargentilmenteoslábiosnosdela.

Não importava. Tudo o que sabia era que estava começando a se apaixonar por uma mulherchamadaAdrienne,queestavacuidandodapousadaparaumaamigaemumapequenacidadecosteiranaCarolinadoNorte.

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RobertTorrelsonsesentouàvelhaescrivaninhacomtampodecorrernasaladeestar,ouvindoseufilhocobrirasjanelascomtábuasnosfundosdacasa.EmsuamãoestavaobilhetedePaulFlanner.Eleodobravaedesdobravadistraidamente,aindaintrigadocomaapariçãodomédico.

Nãoesperavaporaquilo.Emborativesseescritoobilhetepedindoqueviesse,tinhacertezadequeseriaignorado.Flannereraummédicomuitobem-sucedidonacidade,representadoporadvogadoscaros. Nenhum deles parecera dar amínima para ele ou sua família durantemais de um ano. Aspessoasricasdacidadeeramassim;ele,porsuavez,estavafelizpornuncaterprecisadoconvivercompessoasqueganhavamavidatrancadasemescritórios.Tambémdetestavaterdelidarcomgentequeseachavamelhordoqueosoutrosportermaisinstrução,maisdinheiroouumacasamaior.PaulFlanner,quandoohaviaconhecidoapósacirurgia,lhepareceraessetipodeserhumano.Erarígido,distante,eomodolacônicocomoseexplicaradeixouRobertcomasensaçãodequeelenãoperderiaumminutodesonoporcausadoqueacontecera.

Eaquilonãoestavacerto.AvidadeRoberterapautadaporvaloresdiferentes,quetinhamsidohonradosporseupai,seu

avôe,antesdeles,pelosavôsdeseuavô.AsorigensdesuafamíliaemOuterBanksremontavamaquaseduzentosanos.Geraçãoapósgeração,elestinhampescadonaságuasdePamlicoSound,desdea época emqueospeixes eram tão fartosqueumapessoapodia jogarumaúnica rede epescarosuficiente para encher a proa. Agora havia cotas, regulamentações, licenças e grandes empresas,todosatrásdepeixescadavezmaisescassos.Hojeemdia,quandoRobertsaíadebarco,nametadedas vezes se considerava com sorte se pescava o suficiente para pagar o combustível de queprecisava.

Tinha67anos,maspareciadezanosmaisvelho.Seurostoestavacheioderugasemanchas,eseucorpo pouco a pouco perdia a batalha contra o tempo. Tinha uma longa cicatriz que ia do olhoesquerdo à orelha.A artrite lhe provocava dores nasmãos e ele perdera o dedo anelar direito aoprendê-loemumguinchoenquantopuxavaasredes.

MasJillnãotinhaseimportadocomnadadisso.Eagoraelasefora.Naescrivaninhahaviaumretratodaesposa,Robertaindasepegavaolhando-osemprequeestava

sozinhonasala.Sentiafaltadetudooquesereferiaaela:omodocomomassageavaseusombrosquandoelevoltavanosfinsdetardefriosdeinverno;ocostumedesesentaremjuntosnavarandadosfundosparaouviremmúsicanorádio;ocheirodelaapóspassartalconopeito,umodorsimplesedelimpeza,frescocomoodeumrecém-nascido.

PaulFlannertiraratudoissodele.SabiaqueJillaindaestariacomelesenãotivesseidoparaohospitalnaqueledia.

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Seufilhotiverasuavez.Eagoraeleteriaadele.

Adriennefezocurtotrajetodecarroatéacidadeeparounopequenoestacionamentodecascalhodoarmazém,dandoumsuspirodealívioaodescobrirqueaindaestavaaberto.

Haviatrêscarrosestacionadosdequalquermaneira,cadaqualcobertocomumafinacamadadesal. Dois idosos com bonés de beisebol estavam na frente, fumando e bebendo café. ObservaramAdrienne sair do carro e pararam de falar. Quando ela passou por eles a caminho do armazém,cumprimentaram-nacomumgestodecabeça.

Oarmazémera típicodaquelasáreas rurais:pisodemadeiradesgastado,ventiladoresde tetoeprateleirasatulhadasdeprodutos.Pertodacaixaregistradorahaviaumpequenobarrilcompiclesdeendro para venda e, perto dele, outro barril contendo amendoim torrado. Nos fundos havia umapequena grelha com hambúrgueres e sanduíches de peixe frescos à mostra e o cheiro de friturapairavanoar,emboranãohouvesseninguématrásdobalcão.

Amáquinadegeloficavanocantodosfundos,pertodasgeladeirasdecervejaerefrigerante.Aoestenderobraçoparaaalçadamáquina,viuaprópriaimagemrefletidanopaineldaporta.Parouporummomento,comoseestivessesevendocomolhosdiferentes.

Quanto tempohavia se passadodesdeque alguéma achara atraente?Ouque alguémque tinhaacabadodeconhecerhouvessedesejadobeijá-la?Sealguémtivesselhefeitoessasperguntasantesdeelachegarali,suarespostaseria:desdeodiaemqueJacksaíradecasa.Masissonãoeraexatamenteverdade,era?Jack tinhasidoseumarido,nãoumestranho,ecomoelesnamorarampordoisanosantesdesecasarem,faziaquase23anosquenãosedeparavacomalgoassim.

Éclaroque, se Jacknãoa tivesse abandonado, elapoderia ter vivenciadoexperiênciasdo tiposem se dar conta e semnunca pensar duas vezes sobre o ocorrido.Mas agora, nas circunstânciasatuais,achavaissoimpossível.Passaramaisdametadedavidasemdespertarointeressedehomensatraentes,enãoimportavaquantoquisesseseconvencerdequeseusmotivosparaevitá-lostinhamsebaseadonobomsenso, nãopodiadeixar depensar que a falta depráticadurante23 anos tambémtinhaalgoavercomisso.

NãopodianegarquesesentiaatraídaporPaul.Nãosóporeleserbonitoe interessante,ouatémesmocharmoso,emborareservado.Tambémnãoerasóportê-lafeitosesentirdesejável.Não,eraodesejosincerodeledemudar–deserumapessoamelhor–queacativavamais.Jáhaviaconhecidopessoas como ele – assim como os médicos, os advogados frequentemente eram viciados emtrabalho–,mas jamaisconheceraalguémquenãosó tinhadecididomudaras regrascomasquaissemprevivera,comoestavafazendoissodeummodoqueaterrorizariaamaioriadaspessoas.

Concluiu que havia algo nobre nisso. Ele queria corrigir os defeitos que reconhecia em simesmo, queria construir um relacionamento com o filho distante e tinha ido para lá porque umestranhobuscandorespostaslheenviaraumbilhetepedindoquefosse.

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Quetipodepessoafaziaessascoisas?Quetipodeforçaissoexigia?Oucoragem?Maisdoqueelatinha,pensou.Maisdoquequalquerumqueconheciatinha.Pormaisquequisessenegá-lo,estavafelizporalguémcomoeletê-laachadoatraente.

Enquantopensavasobreessascoisas,Adriennepegouosdoisúltimossacosdegelodisponíveiselevoutudoparaacaixaregistradora.Depoisdepagar,saiudoarmazémesedirigiuaocarro.Umdosidososaindaestavasentadonavarandae,quandoelaocumprimentoucomacabeça,ohomemtinhaumaexpressãoestranha,tristeealegreaomesmotempo.

Durante a breve ausência deAdrienne o céu se tornaramais escuro.O vento a atingiu ao sair docarro. Um assovio quase fantasmagórico começara a circundar a pousada, uma flauta espectraltocandoumaúnicanota.Nuvensgiravameseagrupavamaopassarem.Ooceanoestavaagitadoe,naareia,asondasrolavampesadamenteporcimadamarcadamaréaltadodiaanterior.

Enquantopegavaogelo,AdrienneviuPaulvirdedetrásdoportão.–Vocêcomeçousemmim?–gritouela.–De jeitonenhum.Sóestavamecertificandodequeconseguiriaencontrar tudo.–Eleapontou

paraascompras.–Precisadeajudacomisso?Adriennebalançouacabeça.–Jápegueitudo.Nãoestámuitopesado.–Elaapontoucomacabeçaparaaporta.–Masémelhor

começarpordentro.Vocêseimportaseeuforaoseuquartofecharasvenezianas?–Não,claroquenão.Váemfrente.Dentrodacasa,Adriennepôsacaixade isoporpertodageladeira,abriuossacosdegelocom

umafacadecarneedespejouoconteúdodentro.Pegouumpoucodoqueijoedasfrutasquehaviamsobradodocafédamanhãeofrangodanoiteanterioreospôsdentrodorecipiente,pensandoqueaquela não era uma refeição para apreciadores da culinária gourmet,mas era boa o suficiente nocasodenãohavermaisnadadisponível.Então,notandoqueaindahaviaespaço,pegouumagarrafadevinhoeacolocouporcimadetudo,sentindoumaemoçãoproibidaàideiadebebê-lodepoiscomPaul.

Forçando-seaafastaraquelesentimento,passouosminutosseguintessecertificandodequetodasasjanelasestavamtrancadaseastravasinternasdasvenezianasnoprimeiroandarfechadas.Noandardecima,checouosquartosdesocupadosprimeiro,edepoisfoiparaodePaul.

Destrancou a porta e entrou, notando que ele fizera a própria cama. As mochilas estavamdobradas perto da cômoda; as roupas que Paul usara mais cedo já tinham sido guardadas e osmocassins estavam no chão perto da parede, as pontas juntas e viradas para fora. Os filhos dela,pensou,podiamaprenderalgocomelesobreasvantagensdemanteroquartoorganizado.

No banheiro, ao fechar uma janela pequena, reparou na saboneteira e no pincel de barbear dePaul, ao lado da gilete. Estavam na bancada da pia, ao lado do frasco de loção pós-barba.

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Involuntariamenteveio-lheàcabeçaaimagemdePaulalinaquelamanhãe,aofazerisso,seuinstintolhedissequeeleaquiseraaseulado.

Balançou a cabeça e se dirigiu à janela ao lado da cama, sentindo-se uma adolescentebisbilhotandooquartodospais.Aochegarlá,viuPaulcarregandoumadascadeirasdebalançodavarandaparaguardá-ladebaixodacasa.

Elesemoviacomosetivessevinteanosamenos.Jacknãoeraassim.Comopassardotempo,engordaraemrazãodosmuitoscoquetéisesuabarrigabalançavaquandoelepraticavaqualquertipodeatividadefísica.

MasPauleradiferente.AdriennesabiaqueelenãotinhanadaavercomJack,efoiali,noquartodele, que ela teve uma vaga sensação de ansiedade e expectativa, algo parecido com o que umapostadordeviaexperimentarcadavezqueosdadoseramlançados.

Debaixodacasa,Paulestavapreparandoascoisas.Asproteçõescontra furacõeseramdealumíniocorrugado,com76centímetrosde largurapor

1,82metrodealtura.Emtodaselashaviaainformação–escritacomummarcadordetextoàprovad’água–sobreajaneladacasaaquepertenciam.Paulasergueudapilhaeascolocoudelado,emgrupos,pensandonoqueprecisavafazer.

Estava terminando quando Adrienne desceu. Trovões soavam a distância, ribombandolongamente.Adriennenotouqueatemperaturacomeçavaacair.

–Comoestáindo?–perguntou.Seutom,pensou,nãoerafamiliar;eracomoseoutramulherestivessefalando.–Estásendomaisfácildoquepensei–respondeuPaul.–Sóprecisoencaixarasproteções,pôras

braçadeirasedepoisestesgrampos.–Equantoàmadeiraparamanterissonolugar?– Também não émuito difícil.Os encaixes já estão prontos. Só tenho de pôr os sarrafos nos

suportesemartelaralgunspregos.ComoJeandisse,umapessoasódácontadotrabalho.–Achaquevaidemorarmuito?–Talvezumahora.Vocêpodeesperarládentro,sequiser.–Nãohánadaqueeupossafazer?Querodizer,paraajudar?–Naverdade,não.Mas,sequiser,podemefazercompanhia.Adriennesorriu,gostandodoconvite.–Combinado.Durante cerca de uma hora, Paul foi de uma janela a outra, posicionando as proteções, com

Adrienne lhe fazendo companhia. Enquanto trabalhava, sentiu o olhar dela às suas costas e selembroudodesconfortoqueexperimentaradepoisqueelasoltarasuamãonaquelamanhã.

Logoumalevechuvacomeçou,quefoiengrossandoacadainstante.Adrienneseaproximoumaisda casa, tentandonão semolhar,masdescobriuque issonãoajudavamuito em razãodaventania.

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Paulcontinuounomesmoritmo;achuvaeoventonãopareciamafetá-lo.Depois de cobrir todas as janelas, ele colocou as proteções e os ganchos.Quando começou a

posicionarasbraçadeiras,relâmpagosiluminavamaáguaeachuvacaíacomforça.Paulcontinuouatrabalhar. Fixou cada prego comquatromarteladas regulares, como se lidasse com carpintaria háanos.

Apesardachuva,elesconversavam;Adriennenotouqueelemantinhaoassunto leve, longedetudooquepudesseserinterpretadodomodoerrado.PaullhefalousobrealgunsdosreparosqueopaieeletinhamfeitonafazendaequeeletambémpoderiafazernoEquador,portantoerabompegarnovamenteojeitodaquilo.

EnquantoAdrienne o ouvia, percebeu que Paul estava lhe dando o espaço que achava que elaqueria. Mas ao observá-lo, de repente ela soube que manter distância era a última coisa que lhepassavapelacabeça.

TudoemPaulfaziacomqueansiasseporalgoquenuncaconhecera:omodocomoeletornavafáceis aquelas tarefas, a formade seusquadris e suaspernasnacalça jeansenquantoele estavanaescada acima dela, aqueles olhos que sempre refletiam o que pensava e sentia. Debaixo da chuvatorrencial, Adrienne se sentiu atraída pela pessoa que Paul era, e também pela pessoa que elapercebeuqueelequeriaser.

QuandoPaulterminou,estavacomocasacodemoletomeajaquetaensopadoseorostopálidodefrio.Depoisdeguardaraescadaeasferramentas,juntou-seaAdriennenavaranda.Elapassouasmãos pelos cabelos, afastando-os do rosto. Os leves cachos tinham sido desfeitos e qualquerevidência demaquiagem havia desaparecido. Em seu lugar havia uma beleza natural e, apesar docasacogrossoqueelausava,Paulimaginousuasformasfemininasporbaixo.

Foinessemomento,enquantoelesestavamsobobeiraldo telhado,quea tempestade irrompeucom todaa fúria.Um longoe faiscante raiocaiunomareum trovãoecooucomosedois carrostivessem colidido na rodovia. O vento soprava em rajadas, fazendo os galhos das árvores securvarememumaúnicadireção.Achuvacaíadelado,comosetentandodesafiaragravidade.

Porummomentoelesapenasobservaram, sabendoquemaisumminutosobachuvanão fariadiferença.Eentãosevirarameentraramnacasasemdizerumasópalavra.

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Comfrioemolhados,cadaumfoiparaseuquarto.Paulsedespiueabriuoregistro,esperandoatéovaporseerguerportrásdacortinaparaentrarnoboxe.Seucorpolevoualgunsminutosparaseaquecer.Demoroumuitomaisnobanhodoquecostumavaesevestiudevagar.Mesmoassim,quandofoiparaoandardebaixo,Adrienneaindanãohaviareaparecido.

Comasjanelascobertas,acasaestavaescuraePaulacendeualuzdasaladeestarantesdeiràcozinhapegarumaxícaradecafé.Achuvabatiafuriosamentenasproteçõesdoladodefora,fazendoa casa ecoar a vibração. Trovões ribombavam de forma contínua, parecendo ao mesmo tempopróximosedistantes,comoossonsemumaestaçãodetremcheia.Voltouparaasalacomaxícaradecafé.Emboraaluzestivesseacesa,asjanelastapadasdavamaimpressãodequeanoitechegaraeelesedirigiuàlareira.

Colocou três pedaços de lenha lá dentro, empilhando-os demodo a permitir o fluxo de ar, edepois jogou algunsgravetos emvolta.Procuroupelos fósforos e os encontrou emumacaixademadeiranoconsoledalareira.Ocheirodeenxofrepairounoarquandoacendeuoprimeiropalito.

Osgravetosestavamsecosepegaramfogo rapidamente.LogoPaulouviuumsomcomoodepapel sendo amassado, quando a lenha começou a arder.Dali a algunsminutos o carvalho estavaproduzindo calor e ele puxou a cadeira de balanço para perto, esticando os pés na direção daschamas.

Estava confortável, mas ainda poderia ficar melhor, pensou. Levantou-se, atravessou a sala eapagoualuz.

Sorriu.Melhor.Muitomelhor.

Em seu quarto, Adrienne não se apressou. Depois que eles entraram na casa, decidiu seguir oconselhodeJeanecomeçouaencherabanheira.Mesmoquandofechouatorneiraedeslizouparadentro,ouviuaáguacorrendopelostubosesoubequePaulaindaestavanoandardecimatomandobanho.Haviaalgodesensualemsaberdisso,edeixouessasensaçãoinvadi-la.

Doisdiasantes,não imaginavaquesentiria issoporalguém,muitomenosporumhomemqueacabaradeconhecer.Suavidanão lhepermitiaesses rompantes,pelomenosnãoultimamente.Erafácilpôraculpanosfilhosoudizerasimesmaquesuasresponsabilidadesnãolhedeixavamtempo

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paraalgoassim,masissonãoeratotalmenteverdade.Tambémtinhaavercomapessoaqueelasetornaradepoisdodivórcio.

Sim,sentira-setraídaezangadacomJack;qualquerumpodiaentenderisso.Massertrocadaporumamulhermais jovem tinha outras implicações. Pormais que tentasse não se concentrar nelas,haviamomentosemquenãopodiaevitá-lo.Jackahaviarejeitado,assimcomorejeitaraavidaqueeles construíram juntos. Isso era um golpe devastador para ela como esposa emãe,mas tambémcomomulher.Aindaque,deacordocomele,nãotivesseplanejadoseapaixonarporLinda,precisaratomardecisõesconscienteseracionaisaolongodocaminho;nãoeracomosetivessesidoobrigadoafazeroquefizera.Semdúvidaeleprecisarapensarnoqueestavafazendo,precisaraconsideraraspossibilidades quando começara a ter um caso com Linda e a encontrá-la com frequência. E nãoimportavaquantoJacktentasseatenuaroqueacontecera,eracomosetivesseditoaAdriennenãosóque Linda era melhor em todos os sentidos, como também que Adrienne não valia o tempo e oesforçonecessáriosparaconsertaroquequerqueeleachassequehaviadeerradonorelacionamentodeles.

Comodevia reagiraesse tipoderejeição?Erafácilparaosoutrosdizeremqueelanão tiveraculpanenhumanoqueacontecera,queJackestavapassandoporumacrisedemeia-idade,masaindaassimaquiloaafetava.Especialmentecomomulher.Édifícilsesentirdesejadaquandovocênãosesente atraente. E três anos sem nenhum encontro amoroso só serviram para enterrar de vez suaautoestima.

Ecomoelatinhalidadocomessesentimento?Passaraadedicaravidaaosfilhos,aopai,àcasa,aotrabalho,àscontasapagar.Deformaconscienteounão,pararadefazerascoisasquelhedariamaoportunidadedepensaremsimesma.Acabaram-seasconversasrelaxantescomamigasaotelefone,as caminhadas e os banhos de banheira. Parara atémesmo de trabalhar em seu jardim.Até então,acreditavaquetudooqueelefaziaeraparamantersuavidaemordem,agorapercebiaqueforaumerro.

Afinaldecontas,nãohaviaajudado.Elaficavaocupadadesdequeacordavaatéomomentoemqueiaparaacama,ecomosenegaraqualquerpossibilidadederecompensa,nãotinhanadaporqueansiar.Suarotinaeraumasériedetarefas,eissobastavaparadeixarqualquerpessoaesgotada.Derepente,Adriennepercebeuque, abrindomãodaspequenas coisasque faziamavidavaler apena,tudooquehaviaconseguidoeraseesquecerdequemrealmenteera.

AchavaquePauljátinhadescobertoissoaseurespeito.E,dealgummodo,passaraqueletempocomelelhederaumachancedepercebê-lotambém.

Mas aquele fimde semananão estava servindo apenas para que ela reconhecesse os erros quecometera.Tambémtinhaavercomofuturoecomoviveriadaliparafrente.Opassadoficaraparatrás;nãohavianadaquepudessefazeremrelaçãoaisso.Masaindatinhaofuturonasmãos,enãoqueriapassarorestodavidasesentindocomonosúltimostrêsanos.

Depilouaspernaseficoumergulhadanabanheirapormaisalgunsminutos,temposuficienteparaquasetodaaespumadesaparecereaáguacomeçaraesfriar.Entãoenxugou-seepegouohidratanteque estava sobreobalcão, sabendoque Jeannão se importaria.Passouumpouconaspernas e nabarriga,depoisnosseiosebraços,apreciandoomodocomoocremefaziasuapeleganharvida.

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Enrolou-senatoalhaefoiatésuamala.Aforçadohábitoafezprocurarumacalçajeanseumsuéter,masoscolocoudeladoapóspegá-los.Seestavapensandomesmoemumamudançaemseuestilodevida,poderiamuitobemcomeçaragora.

Não levaramuitas roupas para a pousada, certamente nada que fosse elegante,mas tinha umacalçapretaeumablusabrancaqueAmandalhederanoNatal.Elaascolocaranamalacomavagaesperançadeumdiasairànoite.Agoralhepareciaumaboaocasiãoparausá-las.

Secouoscabeloseoscacheoucomumsecador.Emseguidasemaquiou:passourímeleumtoquede blush, então uma camada do batom que comprara algumas semanas antes, mas que quase nãousara. Inclinando-se na direção do espelho, aplicou umpouquinho de sombra, apenas o suficienteparaacentuaracordeseusolhos,comocostumavafazeremseusprimeirosanosdecasada.

Depois, pôs a blusa para dentro da calça e sorriu ao ver seu reflexo no espelho. Faziamuitotempoquenãosesentiabonita.

Saiu do quarto e, ao passar pela cozinha, sentiu cheiro de café. Era o que beberia em um diacomum,especialmenteporqueaindaerade tarde,masemvezdeseservirdeumaxícara,pegouaúltimagarrafadevinhonageladeiraedepoisosaca-rolhaseduastaças,sentindo-sevivae,enfim,nocontrole.

Aolevartudoparaasaladeestar,viuquePauljáhaviaacendidoalareiraequeissodealgummodotinhafeitoasalaparecerdiferente,comoserefletisseomodocomoelasesentia.OrostodePaulbrilhavaàluzdaschamas.Quandoelepercebeusuapresença,ergueuoolharparadizeralgo,masnenhumapalavrasaiudesuabocaquandoaviu.Tudooqueelepôdefazerfoifitá-la.

–Exagerei?–perguntouAdrienne,finalmente.Paulbalançouacabeça,semdeixardeolharparaela.–Não,dejeitonenhum.Vocêestá...linda.Adriennedeuumsorrisotímido.–Obrigada.Suavozfoisuave,quaseumsussurro,umtomquenãousavahaviamuitotempo.Continuaramaseencarar,atéqueAdrienneenfimergueulevementeagarrafa.–Quetalumpoucodevinho?Seiquefezcafé,mascomatempestadeacheiquepoderiacairbem.Paulpigarreou.–Achoótimo.Querqueeuabra?–Émelhor,amenosquequeirapedaçosderolhanovinho.Nuncativejeitoparaisso.QuandoPaulselevantoudacadeira,elalheentregouosaca-rolhas.Eleabriuagarrafacomuma

série demovimentos rápidos eAdrienne segurou as duas taças enquanto ele as enchia. Paul pôs agarrafa sobre amesa e pegou sua taça damão dela quando se sentaram nas cadeiras de balanço.Adriennenotouqueestavammaispróximasdoquenavéspera.

Elatomouumgoledevinhoeabaixouataça,satisfeitacomtudo:suaaparênciaeomodocomosesentia,osabordovinho,asalaemsi.Aluzbruxuleantedofogofaziasombrasdançaremaoredordeles.Achuvatorrencialbatiacontraasparedesdoladodefora.

–Issoéencantador–disseela.–Estoufelizporvocêteracendidoalareira.Noarqueesquentava,Paulsentiuumtraçodoperfumedelaemudoudeposiçãonacadeira.

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–Euaindaestavacomfrioquandovimparaasala–comentou.–Parecequeacadaanodemoromaisparameaquecer.

–Mesmodepoisde todosaquelesexercícios?Eeuaquipensandoquevocêestavaconseguindoevitarosdanoscausadospelotempo.

Eleriubaixinho.–Quemmedera.–Vocêpareceestarsesaindomuitobem.–Issoporquevocênãomevêdemanhãbemcedo.–Masnãoénessehorárioquevocêcorre?–Querodizer,antesdisso.Quandosaiodacama,malconsigomemover.Andocomoumvelho,

quasemearrastando.Todasessascorridasmecustaramcaroaolongodosanos.Enquanto eles balançavam as cadeiras para a frente e para trás, Paul viu o brilho das chamas

refletidonosolhosdela.–Jáfaloucomseusfilhoshoje?–perguntou,tentandonãoencará-ladeummodoóbviodemais.Elafezquesimcomacabeça.–Elestelefonaramdemanhãenquantovocêestavafora.Estavamsepreparandoparairesquiar.

VãopassarofimdesemanaemSnowshoe,emWestVirginia.Estãoansiososporissohámeses.–Pelovistovãosedivertir.–Sim.Jackébomnisso.Semprequevãovisitá-loeletemváriascoisasdivertidasprogramadas,

como se a vida com ele fosse uma grande festa. – Ela fez uma pausa. –Mas tudo bem. Ele nãoparticipadeummontedecoisasporcontadadistância,eeunãotrocariadelugarcomelepornada.Éumaépocaquenãovoltamais.

–Eusei–murmurouPaul.–Acrediteemmim,eusei.Adrienneestremeceu.–Sintomuito.Eunãodeviaterditoisso.Elebalançouacabeça.–Não fazmal. Embora você não estivesse falando demim, sei que perdimais do que posso

esperarrecuperar.Pelomenosagoraestoutentandofazeralgoparamudar.Sóesperoquedêcerto.–Dará.–Vocêacha?–Tenhocerteza.Achoquevocêéotipodepessoaquerealizatudooquesepropõeafazer.–Destaveznãoserátãofácil.–Porquenão?– Mark e eu não temos um relacionamento muito bom hoje em dia. Na verdade, não temos

relacionamentonenhum.Fazanosquemalnosfalamos.Adrienneoolhou,semsaberaocertooquedizer.–Eunãosabiaquefaziatantotempo–faloufinalmente.–Comopoderiasaber?Nãoéalgoqueeutenhaorgulhoemadmitir.–Oquevocêvaidizerparaele?Quandoseencontrarem?–Nãotenhoamenorideia.–Paulolhouparaela.–Algumasugestão?Vocêparecemuitoboaem

lidarcomosfilhos.

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–Nãosei...Achoqueeuprimeiroteriadesaberqualéoproblema.–Éumalongahistória.–Temosodiainteiro,sevocêquiserfalarsobreisso.Paul tomou um gole, como se tentasse se decidir. Então, durante a próxima meia hora,

acompanhadodosomdoventoedachuvaqueaumentavamláfora,contouaAdriennequenãoestavaporpertoenquantoMarkcrescia,falousobreadiscussãonorestauranteesobresuaincapacidadedefazeralgoparaacabarcomodesentendimentoentreeles.Quandoterminou,ofogoqueimavamaisdevagar.Adrienneficoucaladaporumtempo.

–Éumasituaçãobemdifícil–admitiuela.–Eusei.– Mas você sabe que a culpa não é toda sua. São necessárias duas pessoas para haver um

desentendimento.–Issoébastantefilosófico.–Maséverdade.–Eentão,oqueachaquedevofazer?–Achoquenãodeveriapressionardemais.Provavelmentevocêsprecisamseconhecermelhor

antesdecomeçarematentarresolverosproblemasquetêmumcomooutro.Paulsorriu,pensandonaspalavrasdela.–Sabe,esperoqueseusfilhossaibamcomoamãedeleséinteligente.–Nãosabem.Masaindatenhoesperançadequedescubram.Paul riu,pensandoqueapeledelaestava radianteà luzsuave.Faíscassaíramdeumpedaçode

lenha,enquantoafumaçasubiapelachaminé.Paulencheudenovoasduastaçasdevinho.–QuantotempoplanejaficarnoEquador?–perguntouAdrienne.–Aindanãoseiaocerto.DependedeMark.Maseudiriaquepelomenosumano.Dequalquer

maneira,foioqueeudisseaodiretor.–Edepoisvaivoltar?Eledeudeombros.–Quem sabe?Acho que eu poderia ir para qualquer lugar.Não tenho nadame esperando em

Raleigh.Parasersincero,aindanãopenseinoquefareiquandovoltar.Talvezfiquemehospedandoempousadasenquantoosdonosestiveremforadacidade.

Adrienneriu.–Achoquevocêficariabastanteentediadocomisso.–Masseriabomseumatempestadeestivessevindo.–Éverdade,masvocêteriaqueaprenderacozinhar.–Bempensado.–Paulolhouparaeladerelance,metadedeseurostoaindanasombra.–Então

talvezeumemudeparaRockyMounteaprendalá.Ao ouvir as palavras dele, Adrienne sentiu as bochechas enrubescerem. Balançou a cabeça e

olhouparaooutrolado.–Nãodigaisso.–Oquê?–Coisasquenãovaifazer.

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–Oqueafazpensarquenãovoufazerisso?Adrienneevitouoolhardeleetampoucorespondeu.Emmeioaosilênciodasala,Paulviuopeito

delasubiredesceracadarespiração.Tambémviuumasombrademedoatravessarseurosto,masnão sabia se era porque ela queria que ele a beijasse ou porque tinhamedo. Estendeu amão e apousounobraçodela.Quandofaloudenovo,foiemumavozsuave,comosetentasseconfortarumacriançapequena:

–Desculpe,eunãoqueriadeixá-ladesconfortável,masestefimdesemana...estousentindoalgoqueeunãosabiaqueexistia.Querodizer,écomoumsonho.Vocêécomoumsonho.

OcalordamãodelepareceupenetrarnosossosdeAdrienne.–Eutambémtenhopassadoótimosmomentos–disseela.–Masnãosesentedomesmomodoqueeu.Adrienneolhouparaele.–Paul...eu...–Não,vocênãoprecisadizernada...Elaointerrompeu:–Preciso,sim.Vocêquerumarespostaeeudareiuma,estábem?–Fezumapausa,organizando

ospensamentos.–QuandoJackeeunosseparamos,foimaisdoqueapenasofimdeumcasamento.Foiofimdetudooqueeuesperavadofuturo.Etambémofimdequemeuera.Queriaseguiremfrente,etentei,masomundonãopareceumaismuitoempolgadocomigo.Oshomensemgeralnãodemonstravam interesse, e acho queme fechei em uma concha. Este fim de semana vocême fezperceberisso,eaindaestoutentandoentenderascoisas.

–Nãoentendimuitobemoquevocêestátentandomedizer.–Nãoquerodizerqueminharespostaénão.Eugostariadevê-lodenovo.Vocêécharmosoe

inteligente,eosúltimosdoisdiassignificarammaisparamimdoquepodeimaginar.MassemudarparaRockyMount?Umanoémuito tempo,enãohácomosabercomonósdoisestaremosaté lá.Olhequantovocêmudounosúltimosseismeses.Podehonestamenteafirmarquesesentirádamesmaformaameurespeitodaquiaumano?

–Sim–disseele.–Posso.–Comopodetertantacerteza?Láfora,oventoestavaforteeconstante,uivandoenquantoas rajadasatingiamacasa.Achuva

golpeavaasparedeseotelhado;avelhapousadarangiasobaincessantepressão.Paulpôssua taçadevinhode lado.OlhandoparaAdrienne,não tevedúvidadequenuncavira

umamulhermaisbonita.–Porquevocêéoúnicomotivopeloqualeuvoltaria–falou.–Paul...não...Elafechouosolhose,porummomento,Paulachouqueaestavaperdendo.Issooassustoumais

do que imaginava ser possível, e sentiu o resto de sua resistência desaparecer.Olhou para o teto,depoisparaochão,eseconcentrouemAdriennedenovo.Levantou-sedacadeiraeseaproximoudela.Comumdedo,virouorostodeAdrienneemsuadireção,conscientedequeestavaapaixonadoporela,portudonela.

–Adrienne...–sussurrou,equandoelafinalmenteofitouviuaemoçãonosolhosdele.

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Paul não conseguiu dizer as palavras, mas Adrienne imaginou que podia ouvi-las, e isso foisuficiente.

Porque foi nessemomento, capturada pelo olhar firme de Paul, que soube que também estavaapaixonadaporele.

O tempo parou e nenhum dos dois pareceu saber o que fazer, até que Paul pegou a mão deAdrienne. Com um suspiro, ela o deixou fazer isso, recostando-se em sua cadeira quando elecomeçouapassaropolegaremsuapele.

Paulsorriu,esperandoumareação,masAdriennepareceusatisfeitaempermanecerquieta.Nãoconseguiu interpretar a expressão dela, mas parecia sugerir tudo o que Paul estava sentindo:esperança e medo, confusão e aceitação, paixão e reserva. Mas pensando que Adrienne poderiaprecisardeespaço,soltouamãoeselevantou.

–Voupôroutropedaçodelenhanalareira–disse.–Ofogoestáficandobaixo.Adrienneassentiu,observando-oagachar-sediantedofogo,osjeansjustosnascoxas.Aquilonãopodiaestaracontecendo,disseasimesma.PorDeus,elatinha45anos;nãoerauma

adolescente.Eramaduraosuficienteparasaberquealgoassimnãopodiaserreal.Eraconsequênciadatempestade,dovinho,dofatodeelesestaremsozinhos.Eraumacombinaçãodemilcoisas,disseasimesma,masnãoeraamor.

Noentanto,aoverPaulacrescentaroutropedaçode lenhaà lareiraeolharemsilêncioparaofogo,tevecertezadeque,sim,eraamor.AexpressãoinconfundívelnosolhosdePaul,otremornavozdeleaosussurrarseunome...AdriennesoubequeossentimentosdePauleramreais.Comoosseus.

Masoqueissosignificava?Paraeleeparaela?PormaisquefossemaravilhososaberquePaulaamava,nãoerasó issoquehaviaali.Oolhardele tambémdemonstravadesejo,e issoaassustara,ainda mais sabendo que a amava. Ela sempre havia achado que fazer amor era mais do que umsimplesatoprazerosoentreduaspessoas.Englobavatudooqueumcasaldeviapartilhar:confiançaecompromisso, esperanças e sonhos, uma promessa de enfrentar o que quer que o futuro pudessetrazer.Adriennenuncahaviaentendidoaventurasdeumanoite sóoupessoasquepulavamdeumacamaparaoutra.Issotransformavaoatosexualemalgoquasesemsentido,nãomaisespecialdoqueumbeijodeboa-noite.

Embora eles se amassem, Adrienne sabia que tudo mudaria se ela se entregasse a seussentimentos.Ultrapassariaumafronteiraquecriaranaprópriamente,ealgoassimnão tinhavolta.Fazer amor comPaul significaria criar um laço com ele pelo resto de suas vidas, e não sabia seestavaprontaparaisso.

Tambémnãotinhacertezadequesaberiaoquefazer.Jacknãoapenashaviasidooúnicohomemcomquemestiverae,durantedezoitoanos,oúnicohomemcomquemquiseraestar.Apossibilidadede se entregar a outro a deixava ansiosa. O ato amoroso era uma dança que envolvia uma trocagentil,eaideiadequepoderiadesapontarPaulquasefoisuficienteparaimpedi-ladedeixaraquiloiradiante.

Mas não conseguiu evitar. Não mais. Não quando ele a olhava daquele modo, não com seussentimentosporele.

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Adrienneestavacomagargantasecaeaspernastrêmulasquandoselevantoudesuacadeira.Paulaindaestava agachadodianteda lareira.Ela se aproximouepousouasmãosnosombrosdele.OsmúsculosdePaulsecontraíramporummomento,masquandoAdrienneoouviususpirar,relaxaramdenovo.Eleseviroueaencarou,efoinesseinstantequeAdriennefinalmentesentiuqueestavaserendendo.

Tudoaquilopareciacerto–elepareciacerto–,eempéatrásdePaulelasoubequesepermitiriairparaolugarondedeveriaestar.

Láfora,umraiocortouocéu.Ventoechuvaseuniram,batendonasparedes.Asalaesquentouquandoaschamascomeçaramaaumentarmaisumavez.

Paulficouempéeaencarou.AexpressãodeleeraternaquandopegouamãodeAdrienne.Elaachouqueeleabeijaria,maseleapenasergueuamãodelaeamantevepressionadanoprópriorosto,deolhosfechados,comosequisesseselembrardaqueletoqueparasempre.

BeijouascostasdamãodeAdrienneantesdesoltá-la.Entãoabriuosolhos,inclinouacabeçaeseaproximouatéroçaroslábiosnorostodela,beijoslevesantesdeenfimchegaràboca.

AdrienneseinclinouparaafrenteenquantoPaulaabraçava,sentindoosseioscontraopeitodeleeabarbaporfazer.

Eleacariciousuascostaseseusbraços,eelaabriuoslábios,sentindoaumidadedalínguadele.Ele beijou seu pescoço e seu rosto, e quando pôs asmãos em sua cintura o toque foi eletrizante.Quandotocouemseusseios,Adrienneficousemfôlego.Obeijoparecia interminável,enquantoomundoaoredorsedissolviaemalgodistanteeirreal.

Agora não havia volta para nenhum dos dois, e ao se aproximarem ainda mais foi como seestivessemnãosóseabraçando,masafastandotodasaslembrançasdolorosas.

PaulenterrouasmãosnoscabelosdeAdrienneeelaapoiouacabeçaemseupeito,ouvindoocoraçãodelebatertãorápidoquantooseu.

Então,quandofinalmenteconseguiramseseparar,Adrienneprocurouamãodele.Deuumpequenopassoparatráse,puxando-ocomdelicadeza,oconduziuparaoquartodoandar

decima.

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Nacozinha,Amandaolhavafixamenteparaamãe.Não dissera nada desde que Adrienne começara sua história, e já tinha tomado duas taças de

vinho,asegundaumpoucomaisrápidodoqueaprimeira.AgoraasduaspermaneciamemsilêncioeAdriennepodiasentiraansiedadedafilhaparasaberoqueviriaaseguir.

MasAdriennenãopodiaconversarcomAmandasobreisso,e tampoucoprecisava.Suafilhajáeraumaadulta;sabiaoquesignificavafazeramorcomumhomem.Tambémtinhaidadesuficienteparasaberque,emboraessafosseumapartemaravilhosadavidadeumcasal,adescobertaumdooutroeraapenasisto:umaparte.AdrienneamavaPaul.Seelenãotivessesignificadotantoparaela,seaquelefimdesemanativessegiradoemtornoapenasdeumanecessidadefísica,elanãoterianadapara se lembrar além de alguns momentos prazerosos, especiais apenas porque estivera sozinhadurante tanto tempo. No entanto, o que os dois partilharam foram sentimentos que estiveramenterradosdurantemuitotempo,sentimentosquediziamrespeitosomenteaeles.

Alémdisso,Amandaerasuafilha. Issopoderiaparecerantiquado,mascontarosdetalhesseriainapropriado. Algumas pessoas conseguiam falar sobre essas coisas, mas Adrienne nunca tinhaentendidocomo.Sempreacharaqueoquartoeraumlugardesegredoscompartilhados.

Mesmo se quisesse contar, sabia que não conseguiria encontrar as palavras. Como poderiadescreverasensaçãoquandoelecomeçouadesabotoarsuablusaouosarrepiosquepercorreramseucorpoquando ele passouos dedos ao longode suabarriga?Ou como suapele pareceu esquentarquandoseuscorposse juntaram?OuasensaçãodabocadePaulnos lugaresondeeleabeijoueomodo como ela apertou os dedos com força na pele dele? Ou o som da respiração dos doisacelerandoenquantoelescomeçavamasemovercomoumsó?

Não,nãopodiafalarsobreessascoisas.Emvezdisso,deixariaafilhaimaginaroqueacontecera,porqueAdriennesabiaquesó sua imaginaçãopoderiacaptarosdetalhesdamagiaquesentiranosbraçosdePaul.

–Mãe?–sussurrouAmanda,finalmente.–Quersaberoqueaconteceu?Amandaengoliuemseco,desconfortável.–Sim–limitou-seadizerAdrienne.–Querdizer...–Sim–repetiuela.Amandatomouumgoledevinho.Empertigando-se,pôsataçasobreamesa.–E...?Adrienneseinclinouparaafrente,comoseestivesseprestesacontarumsegredo.

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–Sim–sussurrou.Edesviouoolhar,entregando-seaopassado.Eles haviam feito amor naquela tarde eAdrienne passara o resto do dia na cama. Enquanto a

tempestaderugialáfora–comfolhassendoarrancadaseárvoresfustigadaspeloventobatendonacasa–,Paulamantevepertodele,comoslábiospressionadoscontraafacedela,ambosrelembrandoo passado, falando sobre os planos para o futuro e se maravilhando com os pensamentos esentimentosquehaviamlevadoàquelemomento.

Aquiloera tãonovoparaelaquantoparaPaul.NosúltimosanosdeseucasamentocomJack–talvezduranteamaiorpartedele,pensouagora–,fazeramoreraalgomecânico,rápido,sempaixãoesem ternura.Raramenteconversavamdepois também,porque logoJackviravade ladoecaíanosono.

NãosóPaulamantevepertodeledurantehorascomoseu ternoabraçoa fez saberqueaquelemomento era tão significativo para ele quanto a intimidade física que tinham partilhado. Paul lhebeijouoscabeloseorosto,erepetia,deummodosoleneeseguro,queelaeralindaequeaadorava,semprequeacariciavaumapartedeseucorpo.

Emboraelesnãotivessemconsciênciadisso,porqueasjanelasestavamcobertas,océusetornarapreto.Ondaserguidaspeloventogolpeavamasdunas.Aantenadacasafoiarrancadae lançadadooutro ladoda ilha.Areiaevento tentaramentrarpelaportados fundos,que tremia soba forçadatempestade.Aenergiaelétrica foicortadaemalgummomentonasprimeirashorasdamanhã.Elesfizeram amor uma segunda vez na total escuridão, guiados pelo toque, e quando terminaramfinalmente adormeceram nos braços um do outro, enquanto o olho da tempestade passava sobreRodanthe.

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Q uando acordaram, namanhã de sábado, estavam famintos,mas sem energia elétrica e com achuva ainda caindo, Paul levou o isopor para o quarto e eles comeram no conforto da cama,enquantoalternavammomentosengraçadosesérios,implicavamumcomooutrodebrincadeiraoupermaneciamemsilêncio,saboreandoomomentoeacompanhiaagradável.

Aomeio-dia, o vento diminuíra o suficiente para se aventurarem a sair para a varanda.O céucomeçava a clarear, mas a praia estava cheia de destroços: pneus velhos e escadas de casasconstruídas tão próximas da água que tinham sido apanhadas pelas ondas. A temperatura estavasubindo, embora ainda fosse frio demais para ficaremdo ladode fora semcasaco,masAdriennepôdetirarasluvasparasentiramãodePaulnasua.

Aenergiaelétricaretornouporvoltadasduasdatarde,masfoicortadadenovo,voltandocercadevinteminutosdepois.Acomidanageladeiranãohaviaestragado.Adriennegrelhoualgunsbifeseeles fizeram uma longa refeição, acompanhada de sua terceira garrafa de vinho. Em seguida,tomaram um banho de banheira juntos. Paul ficou sentado atrás de Adrienne, com a cabeça delaapoiadaemseupeito,passando-lheaesponjasobreabarrigaeosseios.Adriennefechouosolhos,afundandonosbraçosdele,sentindoaáguaquenteacariciarsuapele.

Naquelanoite,elesforamatéacidade.Rodanthevoltavaàvidadepoisdatempestade,epassarampartedanoiteemumbarlúgubre,ouvindomúsicadeumjukeboxedançando.Olugarestavacheiodegenteda regiãoquequeriacontarsuashistóriassobrea tempestade,ePauleAdrienneeramosúnicosnapistadedança.Paulapuxouparapertoeelesgiraramlentamente,indiferentesàsconversaseaosolharesdasoutraspessoas.

Nodomingo,Paulguardouasproteçõescontrafuracõesepôsascadeirasdebalançodevoltanavaranda.Océuestavaclaropelaprimeiravezdesdeatempestadeeelescaminharampelapraia,comotinhamfeitoemsuaprimeiranoitejuntos,notandoquantotudohaviamudadodesdeentão.Ooceanocavaragrandessulcosnaareiadapraiaeváriasárvorestinhamtombado.Amenosde2quilômetrosdedistância,PauleAdriennepararamparaolharparaumacasa–metadesobreestacasemetadenaareia – que fora vítima da força da tempestade. A maioria das paredes havia cedido, as janelasestavamquebradasepartedotelhadoforacarregadapelovento.Umlava-louçasestavacaídodeladopertodetábuaspartidasque,emalgummomento,forampartedavaranda.Pertodaestrada,umgrupode pessoas tirava fotografias para mandar para o seguro e, pela primeira vez, Paul e Adrienneperceberamatéquepontoatempestadeforaforte.

Quando começaram a voltar, a maré estava subindo. Caminhavam devagar, seus ombros setocando de leve, quando depararam comuma concha.O exterior sulcado estava semienterrado naareiaecercadodeinúmerosfragmentosminúsculosdeconchasquebradas.QuandoPaulaentregou

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para ela, Adrienne a levou à orelha. Foi nesse momento que ele caçoou dela por afirmar queconseguiaouvirooceano.Elea abraçoudizendo-lhequeela era tãoperfeitaquantoa conchaquetinham acabado de encontrar. EmboraAdrienne soubesse que a guardaria para sempre, ainda nãotinhaamenorideiadequantoaquelepequenoobjetoacabariasignificandoparaela.

Tudooquesabiaeraque,naquele instante,estavanosbraçosdohomemqueamava,desejandoqueelepudessemantê-laassimparasempre.

Nasegunda-feirademanhã,PaulsaiudacamaantesdeAdrienne.Contrariandosuafaltadeaptidãonacozinha,surpreendeu-alevando-lheocafédamanhãnacamaemumabandeja,despertando-acomocheirodecaféfresco.Ele lhefezcompanhiaenquantoelacomia,eriuquandoAdrienneseapoiounos travesseiros, tentando inutilmentemanter o lençol alto o suficiente para cobrir seus seios.Astorradas estavam deliciosas, o bacon, crocante, e ele havia posto a quantidade perfeita de queijocheddarraladonosovosmexidos.

Embora os filhos de Adrienne às vezes lhe levassem o café na cama no Dia dasMães, era aprimeiravezqueumhomemfaziaissoparaela.Jacknuncaforadepensarnessascoisas.

QuandoAdrienne terminou, Paul foi dar uma corrida rápida enquanto ela tomava banho e sevestia. Ao chegar, ele atirou suas roupas sujas na lavadora e tomou banho. Quando reencontrouAdrienne, na cozinha, ela estava ao telefone com Jean, que havia ligado para saber como estava.EnquantoAdriennelhecontava,Paulaabraçou,sentindoocheirodeseupescoço.

Aotelefone,Adrienneouviuosominconfundíveldaportadapousadarangendoaoseabrire,emseguida, o barulho de botas no piso demadeira. Falou para Jean que precisava desligar e saiu dacozinha para ver quem era. Ausentou-se por menos de umminuto. Quando voltou, encarou Paulcomosenãoconseguisseencontrarpalavras.Deuumsuspirolongoeprofundo.

–Eleestáaquiparafalarcomvocê.–Quem?–perguntouele.–RobertTorrelson.

RobertTorrelsonestavaesperandonasaladeestar,sentadonapoltronacomacabeçabaixa,quandoPaul apareceu. Ele ergueu os olhos sem sorrir, o rosto indecifrável.Antes de entrar na sala, PaulpensouquetalveznãofossecapazdedistinguirorostodeRobertemumamultidão,masohomemdiantedeleerabastantefamiliar.Foraoscabelos,queestavammaisbrancosdoquenoanoanterior,pareciaomesmodasaladeesperadohospital.SeuolharestavatãoseveroquantoPaulimaginara.

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A princípio, Robert não disse nada. Limitou-se a fitar Paul enquanto ele puxava a cadeira debalançodemodoaficaremdefrenteumparaooutro.

–Vocêveio–disseRobertfinalmente.Suavozeraforteeásperacomoadeumfumante,comumsotaquesulino.–Vim.–Nãopenseiqueviria.–Poralgumtempo,tambémnãotivecerteza.Robertbufoucomoseesperasseisso.–Meufilhomecontouquefaloucomvocê.–Sim.Robertsorriuamargamente.–Eledissequevocênãotentouseexplicar.–Não–respondeuPaul.–Nãotentei.–Masaindaachaquenãofeznadaerrado,nãoé?Pauldesviouoolhar,pensandonoqueAdriennedissera.Não,nuncaosfariamudardeopinião.

Eleseaprumou.–Emseubilhete,osenhordissequequeriafalarcomigoequeissoeraimportante.Bem,euestou

aqui.Oquepossofazerpelosenhor,Sr.Torrelson?Robertenfiouamãonobolsodafrentedacamisaepegouummaçodecigarroseumacaixade

fósforos.Acendeuum,puxouumcinzeiroparamaispertoeserecostounacadeira.–Oquedeuerrado?–perguntou.–Nada–respondeuPaul.–Acirurgiacorreutãobemquantoeuesperava.–Entãoporqueelamorreu?–Eugostariadesaber,masnãosei.–Foiissoqueseusadvogadoslhedisseramparafalar?–Não–respondeuPaulcalmamente.–Éaverdade.Achoqueédissoqueosenhorestáatrás.Se

eupudesselhedarumaexplicação,daria.Robert levou o cigarro à boca e deu uma tragada. Ao expelir a fumaça, Paul ouviu um leve

chiado.–Sabiaqueelajátinhaotumorquandonosconhecemos?–Não–dissePaul.–Nãosabia.Robertdeuoutra longa tragada.Quandovoltoua falar, suavozestavamais suave,assombrada

porlembranças.–Nãoeratãograndenaépoca,éclaro.Eramenorqueumanoz,eacortambémnãoeratãoruim.

Masaindadavaparavê-loclaramentededia,comosealgotivessesealojadodebaixodapeledela.Eaquilosemprea incomodou,mesmoquandoerapequena.Elaeraalgunsanosmaisnovaqueeu,econtavaquesempreiaàescoladecabeçabaixa.Nãoédifícilsaberporquê.

Robert fez uma pausa, organizando os pensamentos, e Paul soube que devia permanecer emsilêncio.

–Comoeracomumnaqueletempo,elanãoterminouosestudos,porquetinhadetrabalharparaajudar a família. Foi nessa época que eu a conheci. Ela trabalhava no píer onde descarregávamos

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nossos peixes e cuidava das balanças. Acho que tentei falar com ela por um ano antes que medirigisseumaúnicapalavra,masassimmesmoeugostavadela.Erahonestaetrabalhadora.Elausavaoscabelosparaescondero rosto,mas,devezemquando,eu tinhaachancedeespiaroquehaviaembaixo e me deparava com os olhos mais bonitos que já tinha visto. Eram castanho-escuros esuaves, sabe? Como se ela nunca tivesse magoado ninguém, porque isso simplesmente não faziapartedela.Eucontinuei tentandomeaproximardela e ela continuouame ignorar, atéqueumdiaenfimdeve terchegadoàconclusãodequeeunão iriaparar.Entãoaceitoumeuconvitepara sair,masmalmeolhouanoitetoda.Ficousóolhandoparabaixo.

Robertjuntouasmãos.–Maseuaconvideiparasairdenovoassimmesmo.Foimelhornasegundavez.Percebiqueela

eradivertidaquandoestavarelaxada.Quantomaisaconhecia,maisgostavadela.Depoisdealgumtempo,comeceiaacharque talvezestivesseapaixonado.Eunãome importavacomaquiloemseurosto.Nemnaépocanemnoanopassado.Maselasim.Sempreseincomodoucomaquelecaroço.

Elefezumapausa.–Nosvinteanosseguintes,tivemossetefilhos.Aquelacoisapareciaaumentaracadavezqueela

amamentava.Nãoseisehaviaalgumarelação,maselatambémpercebia.Dequalquerforma,todososmeusfilhos,mesmoJohn,oqueosenhorconheceu,achavamqueelaeraamelhormãedomundo.Eeramesmo.Conseguiaserfirmequandoprecisava,maseraamulhermaisdocequejáconhecinorestodotempo.Euaamavaporissoeéramosfelizes.Avidaaquinãoéfácilduranteamaiorpartedo tempo,mas ela a tornava fácil paramim.Eume orgulhava dela, de ser visto com ela, e faziaquestãodequetodosaquisoubessemdisso.Penseiqueeraosuficiente,masachoquenãofoi.

PaulpermaneceuimóvelenquantoRobertprosseguia:– Uma noite, ela viu um programa na televisão sobre uma mulher com um tumor, com

fotografiasdeantesedepois.Achoquesimplesmenteenfiounacabeçaquepoderiaselivrardaquilodeumavezportodas.Foinessaépocaquecomeçouafalarsobrecirurgia.Oprocedimentoeracaroenósnãotínhamosplanodesaúde,maselaficavaperguntandosepodíamosdarumjeito.

RobertolhouPaulnosolhos.–Nãohavianadaqueeupudessedizerparafazê-lamudardeideia.Pediquenãose importasse

comisso,maselanãomedeuouvidos.Àsvezeseuaencontravanobanheirotocandonorosto,ouaouvia chorar, e sabia que ela queria a cirurgiamais do que tudo. Tinha vivido com aquela coisaduranteavidainteiraeestavafarta.Fartadomodocomoestranhosevitavamolharparaela,comoascrianças a encaravam. Então finalmente cedi. Peguei todas as nossas economias, fui ao banco econsegui um empréstimo dando meu barco como garantia. Depois marcamos uma consulta comvocê.Elaestavatãoanimada!Achoquenuncaavitãofelizcomnadanavidaeissomedeuacertezadequeeuestavafazendoacoisacerta.Antesdacirurgiafaleiqueficariaesperandoporelaeaveriaassimqueacordasse.Sabeoqueelamedisse?Sabequaisforamsuaspalavrasparamim?

RobertencarouPaul,parasecertificardequetinhaaatençãodele.– Ela disse: “Durante toda a minha vida eu quis ser bonita para você.” Nesse momento, só

conseguipensarqueelasempretinhasido.Paulabaixouacabeça.Haviaumnóemsuagarganta.

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–Masvocênãosabianadadisso.Paravocê,elaeraapenasamulherquefoifazerumacirurgia,ou a mulher que morreu, a mulher com aquela coisa no rosto, a mulher cuja família o estavaprocessando.Nãofoijustodasuapartenãoconhecerahistóriadela.Elamereciamaisdoqueisso.

Robertbateuapontadocigarronocinzeiropelaúltimavezeopôsdelado.–Vocêéaúltimapessoacomquemelafalou,aúltimapessoaqueaviuviva.Elaeraamelhor

mulher domundo e você não tinha nem ideia disso. –Ele fez uma pausa, deixando suas palavrasseremassimiladas.–Masagoratem.

Emseguida,eleselevantoue,semolharparatrás,foiembora.

DepoisquePaulcontouahistóriadamulherdoRobert,Adriennetocouemseurostoeenxugousuaslágrimas.

–Vocêestábem?–Nãosei.Achoqueestouumpoucoabalado.–Imagino.Foimuitoparaassimilar.–Exatamente.–Estásatisfeitoportervindo?Eporeleterlheditoessascoisas?–Simenão.Eraimportanteparaelequeeusoubessequemelaeraeestousatisfeitoporisso.Mas

issotambémmedeixatriste.Elesseamavammaisquetudoeagoraelasefoi.–Sim.–Nãoparecemuitojusto.Adriennedeuumsorrisotriste.–Enãoé.Quantomaioroamor,maioratragédiaquandotermina.Essesdoiselementossempre

andamjuntos.–Mesmoparanósdois?– Para todos – respondeu ela. –Omelhor que podemos esperar na vida é que isso demore o

máximodetempoparaacontecer.Eleapuxouparaseucolo.Beijou-lheoslábiosedepoisaabraçou,mantendo-apróxima.Porum

longotempoficaramnessaposição.Masquandoestavamfazendoamor,naquelanoite,Adriennepensounasprópriaspalavras.Eraa

últimanoitedelesjuntosemRodanthe,aúltimaporpelomenosumano.Pormaisquetentasse,nãoconseguiuconteraslágrimasqueescorreramsilenciosamenteporseurosto.

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A drienne não estava na cama quando Paul acordou, na terça-feira demanhã. Ele a havia vistochorando à noite, mas não dissera nada, sabendo que falar também o levaria às lágrimas.Mas anegaçãoodeixouperturbadoesemconseguirdormirdurantehoras.PermaneceuacordadoenquantoAdrienne adormecia em seus braços, aconchegada e sem querer soltá-lo, como se tentandocompensaroanoemquenãoestariamjuntos.

ElahaviadobradoasroupasdePaul,eelepegouoqueprecisavaparapassarodiaantesdepôrorestonasmochilas.Depoisdetomarbanhoesevestir,sentou-seaoladodacama,comumacanetanamão,ecomeçouacolocarospensamentosnopapel.Deixouacartaemseuquarto,levouasmochilasparaoandardebaixoeascolocoupertodaportadafrente.Adrienneestavanacozinha,fazendoovosmexidos,comumaxícaradecaféperto,sobreobalcão.Quandosevirou,Paulviuqueosolhosdelaestavamvermelhos.

–Olá–aventurou-seadizer.–Olá–respondeuAdrienne,virandoorostoparaooutrolado.Começouamexerosovosmais

rápido,mantendooolharconcentradonafrigideira.–Acheiquevocêpoderiaquerertomarcafédamanhãantesdeir.

–Obrigado–dissePaul.–Eutrouxeumagarrafatérmicadecasaquandovim.Sequiserumpoucodecaféparaaviagem,

podelevá-la.–Obrigado,masnãoépreciso.Vouficarbem.Elacontinuouamexerosovos.–Sevocêquiseralgunssanduíches,tambémpossopreparar.Paulfoinadireçãodela.–Vocênãotemdefazerisso.Possocomeralgumacoisadepois.E,parasersincero,duvidoque

euváterfome.Adrienne não parecia estar ouvindo e ele pôs as mãos nas costas dela. Ouviu-a suspirar

tremulamente,tentandonãochorar.–Ei...–disseele–Euestoubem.–Temcerteza?Elaassentiuefungouenquantotiravaafrigideiradofogão.Enxugandoosolhos,continuouase

recusar a olhar para Paul. Vê-la daquele jeito o fez se lembrar do primeiro encontro deles navaranda, e sentiu umbolo na garganta.Nãopodia acreditar quemenos de uma semana se passaradesdeentão.

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–Adrienne...não...Entãoelafinalmenteolhouparaele.–Nãooquê?Nãofiquetriste?VocêvaiparaoEquadoreeutenhodevoltarparaRockyMount.

Comopossoevitarodesejodequeistonãoterminetãorápido?–Tambémtenhoessedesejo.–Éporissoqueestoutriste.Porqueseiquevocêsesentedamesmaforma.–Elahesitou,tentando

controlarossentimentos.–Sabe,quandoeumelevanteihojedemanhã,disseamimmesmaquenãoiriachorardenovo.Queiaserforteealegre,paravocêselembrardemimassim.Masquandoouviochuveiro,medeicontadequevocênãoestaráaquiamanhã,entãosimplesmentenãopudeevitar.Masvouficarbem.Deverdade.Souforte.

Adriennedisseissomaisparasidoqueparaele.Paulpegouamãodela.–Adrienne...ontemànoite,depoisquevocêdormiu,penseiquetalvezeupudesseficarumpouco

mais.Talvezmaisumoudoismesesnãofaçamtantadiferença...Elabalançouacabeça,interrompendo-o.–Não.VocênãopodefazerissocomMark.Nãodepoisdetudopeloquevocêsdoispassaram.E

vocêprecisadisso,Paul.Estáconsumindo-o;senãoforagora,meperguntosealgumdiairá.Passarmaistempocomigonãotornarámaisfácildizeradeusquandochegarahora,eeunãomeperdoariaporsaberqueomantivecomigoeafastadodoseufilho.Mesmosenósplanejássemossuaidamaisparaafrente,euaindachorariaquandochegasseahora.

Eladeuumsorrisocorajosoantesdeprosseguir:– Você não pode ficar. Ambos sabíamos que você iria embora antes de começarmos nossa

história. Embora seja difícil, nós dois sabemos que é o certo a fazer. É assim que as coisas sãoquandotemosfilhos.Àsvezestemosdefazersacrifícios,eesseéumdeles.

Paul concordou com a cabeça, contraindo os lábios. Sabia que ela tinha razão, mas desejavadesesperadamentequenãotivesse.

–Prometequeesperarápormim?–perguntou,comavozentrecortada.–Claro.Seeuachassequevocêestá indoemboraparasempre,choraria tantoque teríamosde

tomarocafédamanhãemumbarco.Apesardetudo,Paulriu,eAdrienneseinclinouparaele.Beijou-oantesdesedeixarserabraçada.

Elesentiuocalordocorpodela,olevetraçodeseuperfume.Adriennepensoumaisumavezqueeramuitobomficarnosbraçosdele.Perfeito.

–Nãoseicomoouporque issoaconteceu,masachoqueestavaescritoqueeuviriaparacá–dissePaul.–Paraconhecervocê.Durantemuitosanos,sentiquefaltavaalgoemminhavida,masnãosabiaoqueera.Agorasei.

Elafechouosolhos.–Eutambém–sussurrou.Paulbeijouseuscabelosedepoisencostouorostonodela.–Vaisentirsaudades?Adrienneseforçouasorrir.–Acadaminuto.

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Osdoistomaramcafédamanhãjuntos.Adriennenãoestavacomfome,masseforçouacomereasorrir de vez em quando. Paul beliscou sua comida, demorando mais do que de costume paraterminar.Quandoacabaram,levaramalouçanapia.

Eram quase nove horas e Paul conduziuAdrienne pelo balcão da frente, dirigindo-se à porta.Pegou as duas mochilas e as colocou nos ombros; Adrienne segurava a bolsa de couro com apassagemaéreaeopassaporte.

–Achoqueésóisso–dissePaul.Ela contraiu os lábios. Os olhos de Paul estavam lacrimosos, assim como os dela, e ele os

mantinhaabaixados,comoseparaescondê-los.– Você sabe como entrar em contato comigo na clínica. Não sei se o serviço de correio é

eficiente,masemalgummomentodevoreceberascartas.MarksemprerecebeutudooqueMarthalheenviou.

–Certo.Elesacudiuabolsadecouro.–Alémdisso,tenhoseuendereçoaqui.Vouescreverparavocêassimquechegarlá.Etelefonar

também,quandotiverumachance.–Estábem.PaulestendeuamãoparatocarorostodeAdrienneeelaoencostounamãodele.Ambossabiam

quenãohaviamaisnadaadizer.Adrienneoacompanhouatéocarroeoobservoupôrasmochilasnobancotraseiro.Depoisde

fecharaporta, ele aolhouporum longo tempo, semconseguir rompera conexão,maisumavezdesejandonãoterdeir.Finalmenteseaproximoudelaeabeijoudosdoisladosdorostoenoslábios.Porfim,aabraçou.

Elafechouosolhoscomforça.Paulnãoestavaindoemboraparasempre,disseasimesma.Elestinham sido feitos um para o outro; teriam todo o tempo do mundo quando ele voltasse.Envelheceriam juntos.Ela jáhaviavivido semPauldurantemuito tempo.Oqueeramaisumano,certo?

Noentanto,nãoeratãofácilassim.Adriennesabiaque,seseusfilhosfossemmaisvelhos,elairiaaoencontrodelenoEquador.SeofilhodePaulnãoprecisassedopai,elepoderiaficaralicomela.Suasvidasestavamseguindorumosdiferentesporcontadesuasresponsabilidades,eissoderepentelhepareceucrueleinjusto.Comoachancequeelestinhamdeserfelizespodiaterchegadoàqueleponto?

Pauldeuumsuspiroprofundoefinalmenteseafastou.Porummomento,desviouoolharedepoisvoltou-separaela,enxugandoosolhos.

Adrienneoseguiuatéoladodomotoristaeoobservouentrar.Comumsorrisofraco,elepôsachavenaigniçãoeagirou.ElaseafastoudaportaabertaePaulafechou.Depoisabriuajanela.

–Umanoeestareidevolta–afirmou.–Prometo.–Umano–sussurrouAdrienne.

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Paullhedeuumsorrisotriste,engatouaréecomeçouarecuarcomocarro.Adriennesevirouparaobservá-lo,sofrendomuitocadavezquePaulolhavaparaela.

OcarrofezacurvaaochegaràestradaePaulpressionouamãocontraovidroumaúltimavez.AdrienneergueuadelaemumsinaldeadeusenquantoviaocarroirparalongedeRodanthe,paralongedela.

Ficouempénaentradadeveículosatéocarrosumirdevista.Então,ummomentodepois,eracomosePaulnuncativesseestadolá.

Amanhãestavaclara,océuazulcompequenasnuvensbrancas.Umbandodeandorinhasvoavanoalto.Amores-perfeitos roxoseamarelos tinhamabertosuaspétalasaosol.Adrienneseviroueseguiudevoltaparaapousada.

Ládentro, tudoparecia igualaodiaemquechegara.Nadaestavaforadolugar.Paul limparaalareiranavésperae empilharamais lenhaao lado; as cadeirasdebalançoestavamdevolta a suasposiçõesoriginais.Obalcãodafrentepareciaemordem,comcadachaveemseulugar.

Mas os cheiros permaneciam: do café damanhã deles juntos, da loção pós-barba de Paul, docorpodelenasmãos,norostoenasroupasdela.

AquiloerademaisparaAdrienne.Elasentiafaltaatédossonsqueindicavamapresençadelenapousada.Não haviamais ecos de conversas tranquilas, o somda água correndo pelos tubos ou oritmodaspisadasdePaulsemovendoemseuquarto.Tambémnãohaviamaisorugidodasondas,otamborilarpersistentedatempestadeeoestalardofogo.Emvezdisso,olugartinhasidopreenchidocomos sonsdeumamulherque sóqueria serconfortadapelohomemqueamava,masnãopodiafazernadaalémdechorar.

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16

RockyMount,2002

Adriennehaviaterminadosuahistóriaeestavacomagargantaseca.Apesardosefeitosinebriantesdaúnicataçadevinhoquetinhatomado,estavacomdornascostasporterficadosentadanamesmaposição durante tanto tempo. Remexeu-se na cadeira, sentiu uma pontada e a reconheceu como oiníciodeartrite.Quandomencionara issopara seumédico,elea fizera se sentaremumasalaquecheiravaaamônia.Ergueraseusbraçoselhepediraparadobrarosjoelhos,entãolhereceitaraumremédioqueelanuncachegouacomprar.Aquiloaindanãoera tão sério,dissea simesma.Alémdisso,tinhaumateoria:seumapessoadasuaidadecomeçaatomarcomprimidosparaumadoença,logomaiscomprimidosvãosurgireumhábitose iniciará.Empouco tempo,ela teriacápsulasdetodasascoresparatomar,algumasdemanhã,outrasànoite,algumasduranteasrefeiçõeseoutrasnão,eseriaobrigadaaandarcomumarelaçãodehoráriosparafazertudodireito.Nãovaliaapenatantaamolação.

Amanda estava sentada com a cabeça baixa. Adrienne a observou, sabendo as perguntas queviriam. Eram inevitáveis, mas esperava que não viessem imediatamente. Precisava de tempo paraorganizarospensamentos,terminaroquecomeçara.

EstavafelizporAmandaterconcordadoemirvê-laemsuacasa.Faziamaisdetrintaanosquemoravaali,econsideravaaquelelugarseuverdadeirolar,maisaindadoqueacasaemqueviveraquando criança.As portas podiam estar empenadas, o carpete do corredor, fino como papel, e ascores dos azulejos do banheiro terem saído de moda há anos, mas havia algo tranquilizador emconhecer aquela casanosmínimosdetalhes.Aquele lugar tinhahábitos, comoela, e ao longodosanos achavaque tinham se combinadodemodoa tornar suavidamais previsível e estranhamenteconfortadora.

Aconteciaomesmonacozinha.TantoMattquantoDanhaviamseoferecidoparareformá-lanosúltimosanos,enoaniversáriodeAdrienneprovidenciaramavisitadeumempreiteiroparadarumaolhada no lugar. Ele havia batido nas portas, enfiado a chave de fenda em frestas nos cantos dosbalcões,ligadoedesligadointerruptoreseassoviadoaoverofogãoantiquadoqueelaaindausavaparacozinhar.Porfim,recomendaraquesubstituíssequasetudoedeixaraumorçamentoeumalistadereferências.EmboraAdriennesoubessequeseusfilhostinhamtidoboasintenções,disse-lhesqueseriamelhoreconomizaremodinheiroparaalgodequeprecisassemparaasprópriasfamílias.

Além disso, gostava da cozinha do jeitinho que ela era. Modernizá-la acabaria com suapersonalidadeeAdriennegostavadaslembrançasqueolugardespertava.Afinaldecontas,foraaliquepassaramamaiorpartedeseutempojuntoscomoumafamília,antesedepoisdeJackirembora.

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As crianças tinham feito seus deveres de casa àmesa onde agora estava sentada; durante anos, oúnicotelefonedacasaeraumaparelhopresonaparedeeelaaindaselembravadasvezesemqueviraseus filhosesticandoo fioatéavarandana tentativade terumpoucodeprivacidade.Nadespensahaviamarcasalápisnobatentequemostravamavelocidadecomqueascriançastinhamcrescidoaolongodosanos.Adriennenãoseimaginavatrocandoissoporalgonovo,nãoimportavaquantofosseelegante.Aocontráriodasaladeestar,ondeatelevisãoestavaconstantementeligada,oudosquartos,queeramorefúgiodequemqueriaficarsozinho,acozinhaeraoúnicolugarparaondetodosiamfalareouvir,aprendereensinar,rirechorar.Olugarondeacasadeleseraoquedeviaser,olugarondeAdriennesempresesentiramaisfeliz.

TambémeraolugarondeAmandadescobriuquemsuamãerealmenteera.

Adriennetomouorestodoseuvinhoeempurrouataçaparaolado.Achuvahaviaparado,masasgotasquepermaneciamnajanelapareciamrefletiraluzdemodoatransformaromundoláforaemalgodiferente,algoqueAdriennenuncatinhavisto.Issonãoasurpreendia:àmedidaqueficavamaisvelha, descobria que tudo ao seu redor parecia mudar quando seus pensamentos retornavam aopassado. Esta noite, ao contar sua história, teve a sensação de que havia voltado no tempo e seperguntousesuafilhatinhanotadoalgumadiferença.

Não, concluiu, certamentenão,mas isso sedeviaà juventudedeAmanda.A filhanãopodia seimaginar no lugar de alguém de 60 anos, e às vezes Adrienne se perguntava quando Amandaperceberiaque aspessoasno fundonãoerammuitodiferentesumasdasoutras. Jovensouvelhas,homens ou mulheres, todas queriam as mesmas coisas: paz, uma vida tranquila, felicidade. Adiferença era que as pessoas mais jovens pareciam pensar que essas coisas estavam no futuro,enquantoasmaisvelhasacreditavamqueestavamnopassado.

Isso tambémseaplicavaàprópriaAdrienne,pelomenosemparte.Noentanto,pormaisqueopassado tivesse sidomaravilhoso, ela se recusavaapermanecerperdidanelecomomuitasde suasamigastinhamfeito.Opassadonãoerasóummarderosas:tambémtinhasuacotadesofrimento.OqueJackatinhafeitopassar,porexemplo,eseussentimentosemrelaçãoaPaulFlanneragora.

Esta noite, Adrienne choraria, mas, como prometera a si mesma todos os dias desde que eledeixaraRodanthe,seguiriaemfrente.Eraumasobrevivente,comoseupailhedisseramuitasvezes.Saberdissolhedavacertasatisfação,masnãoapagavaadorouasensaçãodeperda.

Atualmente tentava se concentrar nas coisas que lhe davam prazer. Adorava ver os netosdescobrindoomundo,visitaramigosesaberoqueestavaacontecendonavidadeles.Passaraagostaratédoempregonabiblioteca.

Otrabalhonãoeradifícil–agoraestavanaseçãodeconsultasespeciais,deondeoslivrosnãopodiamsair–ecomopodiamsepassarhorassemqueprecisassemdelaparaalgumacoisa,tinhaaoportunidadedeobservaraspessoasqueentravampelaportaenvidraçadadoprédio.Aolongodosanos aprendera a gostar disso. Enquanto as pessoas se sentavam às mesas e se acomodavam nas

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poltronasnas salas silenciosas, elaachava impossívelnãoprocurar imaginaravidadelas.Tentavadescobrir se alguémeracasadooucomque trabalhava, a cidadeemquemoravaouos livrosquepoderiamdespertar-lheointeresse.Edevezemquandotinhaachancededescobrirseestavacerta.Apessoa vinha lhe pedir ajuda para encontrar algum livro específico e ela iniciava uma conversaamigável.Namaioriadasvezes,suassuposiçõeschegavambempertodaverdadeeelaseperguntavacomotinhaadivinhado.

De vez em quando, aparecia alguém interessado nela. Há alguns anos, costumavam ser maisvelhos do que ela, e agora tendiam a ser mais jovens, mas de qualquer modo o processo era omesmo.Opretendente começava a passar longos períodos na seção de consultas especiais e faziamuitasperguntas,primeirosobrelivros,depoissobretemasgeraisefinalmentesobreela.Adriennenão se importava de respondê-las e amaioria acabava convidando-a para sair. Ela sempre ficavalisonjeada quando isso acontecia, mas no íntimo sabia que não importava quão maravilhoso opretendentepudesseser,elanãoconseguiriaabrirseucoraçãocomoumdiafizera.

SuaestadiaemRodanthetambémamudaradeoutrasformas.EstarcomPaulhaviacuradoseussentimentosdeperdaetraiçãoligadosaodivórcioeossubstituídoporalgomaisforteenobre.

Saber que era digna de ser amada tornou mais fácil manter a cabeça erguida. Com suaautoconfiança renovada,pôdevoltara falarcomJacksemintençõesocultasou insinuações, semaculpa e o arrependimento que antes não conseguia esconder. Isso aconteceu aos poucos. JacktelefonavaparafalarcomosfilhoseelesconversavamporalgunsminutosantesdeAdriennepassara ligação.Depois ela começou a perguntar por Linda e pelo trabalho dele, ou a lhe contar o quefizera nos últimos tempos. Pouco a pouco, Jack pareceu perceber que ela não eramais amesmapessoa. Essas conversas se tornaram mais amigáveis com o passar dos anos e, às vezes, eles setelefonavam só para bater papo.Na época emque o casamento de Jack comLinda começou a terproblemas,Adrienne e elepassavamhoras ao telefone, àsvezes até tardedanoite.Quando Jack eLindasedivorciaram,Adrienneestavaláparaajudá-loasuperarsuatristeza.Elaatépermitiuqueeleficassenoquartodehóspedesquandoapareciaparaverosfilhos.Ironicamente,Lindaodeixaraporoutrohomem,eAdrienneagoraselembravadeterficadosentadacomoex-maridonasaladeestarouvindo-oselamentarcomumcopodeuísquenamão.

Emumadessasvezes,jápassavadameia-noiteeJackhaviafaladoporalgumashorassobreoqueestavapassandoquandoenfimpareceuperceberquemoestavaouvindo.

–Tambémdoeutantoassimemvocê?–perguntou.–Doeu–respondeuela.–Quantotempolevouparadaravoltaporcima?–Trêsanos.Maseutivesorte.Jackassentiu.Comoslábioscontraídos,olhouparasuabebida.–Sintomuito–disse.–Acoisamaisidiotaqueeujáfizfoisairporaquelaporta.Adriennesorriuedeuumtapinhanapernadele.–Eusei.Masobrigadamesmoassim.Cercadeumanodepois,Jackligouconvidando-aparajantar.Eassimcomoelatinhafeitocom

todososoutroshomens,Adriennedissenão,educadamente.

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Adrienneselevantou,foiatéobalcãopegaracaixaquetrouxeradeseuquartoedepoisvoltouparaamesa.Aessaaltura,Amandaaobservavacomumfascínioquasecauteloso.Adriennesorriuepegouamãodafilha.

Aofazerisso,percebeuqueemalgummomentonasúltimashorasajovemsederacontadequenão conhecia a mãe tão bem quanto imaginava. Aquilo era, pensou Adrienne, uma espécie deinversão de papéis. Amanda estava com omesmo olhar queAdrienne às vezes tinha no passado,quando seus filhos se reuniam nos feriados e faziam brincadeiras sobre as coisas que haviamaprontado quando mais novos. Fazia apenas alguns anos que Adrienne ficara sabendo que Mattcostumavasairescondidocomosamigosesóvoltavatardedanoite,queAmandacomeçaraafumarnoterceiroanodoensinomédio(epararanomesmoano)eque tinhasidoDanquemcomeçaraopequenoincêndionagaragem,atribuídoaumatomadadefeituosa.Elarirajuntocomeles,sentindo-seingênua.EraassimqueAmandaestavasesentindoagora?

Na parede, o relógio tiquetaqueava, regular e constantemente. O aquecedor produziu um somsurdoaoseracionado.Amandasuspirou.

–Foiumahistóriaetanto–disse,girandoataçanamão.Aluzincidiusobreovinho,fazendo-obrilhar.–MatteDansabem?Querodizer,vocêcontouaeles?

–Não.–Porquê?– Não tenho certeza se eles precisam saber. – Adrienne sorriu. – Além disso, não sei se

entenderiam,independentementedoqueeulhesdissesse.Porseremhomens,tendemaserprotetores.NãoqueroquepensemquePaulestavaapenasseaproveitandodeumamulhersolitária.Àsvezesoshomens sãoassim: se conhecemalguéme seapaixonam,achamqueé real,não importa a rapidezcomqueaconteceu.Massealguémseapaixonaporumamulhercomquemsepreocupam,nãoparamdequestionarasintençõesdele.Parasersincera,nãoseisealgumdialhescontarei.

Amandafezquesimcomacabeçaantesdeperguntar:–Entãoporqueeu?–Porqueacheiquevocêprecisavasaber.Distraidamente, a jovem começou a enrolar uma mecha de cabelo nos dedos. Adrienne se

perguntouseessehábitoeragenéticoouseelaoadquiriraobservandoamãe.–Mãe?–Sim?–Porquenãonosfalousobreele?Querodizer,nuncamencionounadasobreisso.–Eunãopodia.–Porquenão?Adrienneserecostouemsuacadeiraerespirouprofundamente.–Noinício,achoquetemiaquenãofossereal.Sabiaquenosamávamos,masadistânciapode

fazercoisasestranhascomaspessoas.Antesde lhescontar, euqueriaestar seguradequeduraria.

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Depois,quandocomeceiareceberascartasdeleesoubequesim...nãosei...pareceuqueiademorartantoparavocêsoconheceremquenãovisentidoemdizerqualquercoisa...

Elaficouemsilêncioporummomento,escolhendocuidadosamenteaspróximaspalavras:–Você também precisa entender que agora vocês não sãomais osmesmos que eram naquela

época.Vocêtinha17anoseDansótinha15.Eunãosabiaseestavamprontosparaouviralgoassim.Querodizer,como teriamsesentidosevoltassemdacasadeseupaieeu lhescontassequeestavaapaixonadaporalguémquetinhaacabadodeconhecer?

–Nóspoderíamosterentendido.Adriennenãotinhatantacerteza,masnãodiscutiucomAmanda.Emvezdisso,deudeombros.–Quemsabe?Talvezvocêtenharazão.Talvezvocêspudessemteraceitado,masnaépocaeunão

quisarriscar.Esetivessedefazertudodenovo,provavelmentenãomudarianada.Amandamudoudeposiçãonacadeira.Emseguida,encarouamãe.–Temcertezadequeeleaamava?–perguntou.–Tenho.OsolhosdeAmandaestavamquaseazul-esverdeadosàluzquediminuía.Elasorriugentilmente,

comosetentandofazeraperguntaóbviasemmagoaramãe.Adrienne sabia o que a filha perguntaria a seguir. Era, pensou, a única pergunta lógica que

restara.Amandaseinclinouparaafrente,orostocheiodepreocupação.–Entãoondeeleestá?

NoscatorzeanosdesdequeviraPaulFlannerpelaúltimavez,AdriennetinhaviajadoparaRodanthecincovezes.Aprimeiradelasforaemjunhodomesmoano.Aareiapareciamaisbrancaeocéumaisbonitoeazul,masAdriennepreferirafazerasviagensrestantesduranteosmesesdeinverno.Apesarde nessas ocasiões a cidade estar cinzenta e fria, ela sabia que isso a faria se lembrar maisvividamentedopassado.

NamanhãemquePaulfoiembora,Adrienneficouperambulandopelacasa,semconseguirficarparada.Manter-seemmovimentopareciaseroúnicomododelidarcomseussentimentos.Nofimdatarde,quandoocrepúsculocomeçavaaconferiraocéu tonsdesbotadosdevermelhoe laranja,elasaiueficouolhandoparacima,tentandoencontraroaviãoemquePaulestava.Aschancesdevê-loeram infinitesimais,mas ficou lá assimmesmo, sentindo cada vezmais frio àmedida que a noitecaía. Ocasionalmente, via rastros de fumaça entre as nuvens, mas a lógica lhe dizia que eram deaviõesdabasenavaldeNorfolk.Quandoentrou,suasmãosestavamdormenteseelaaspassoupelaáguaquentenapia,sentindo-asformigar.MesmosabendoquePaulsefora,pôsamesaparadois.

PartedeAdrienneesperavaqueelevoltasse.Enquantojantava,imaginou-oentrandopelaportadafrente e largando asmochilas no chão, dizendo que não partiria sem passar outra noite com ela.

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Sugeririaqueeles fossememboranodia seguinte,ounooutro,quando seguiriampela estradanadireçãonorteatéAdriennefazeracurvaparaacasadela.

MasPaulnãovoltou.Aportadafrentenãoseabriueotelefonenãotocou.PormaisqueAdriennequisessequeeleficasse,sabiaquetinhatidorazãoemencorajá-loair.Umdiaamaisnãotornariaapartidamenosdifícil;outranoitejuntossósignificariaqueelesteriamdesedespedirnovamenteejáfora duro o suficiente da primeira vez.Não podia se imaginar tendo de dizer aquelas palavras denovo,tampoucopassarumdiaigualaoqueacabaradeter.

Na manhã seguinte, começou a limpar a pousada, movendo-se em um ritmo constante,concentradana rotina.Lavoua louça, depois secou eguardou tudo.Passouo aspiradordepónostapetes,varreuaareiadacozinhaedaentrada,espanouabalaustradadavarandaeaslumináriasdasaladeestar.DepoisarrumouoquartodeJeanatéacharqueotinhadeixadoigualaquandochegara.

Então,apóscarregarsuamalaparaoandardecima,abriuaportadoquartoazul.Não tinha entrado lá desde amanhã anterior.A luz da tarde projetava prismas na parede. Paul

tinhaarrumadoacamaantesdedescer,maspareciaterpercebidoquenãoprecisavadeixá-laperfeita.Havia pequenas protuberâncias sobo edredomnos pontos emqueo cobertor enrugara e o lençolpendiaemalgunslugares,quasetocandoochão.Nobanheiro,umatolhaestavapenduradanovarãodacortinaehaviaoutrasduasemboladasjuntaspertodapia.

Adrienneficouparadaporuminstante,assimilandoaquilotudo,antesdeenfimsuspirarepôrsuamalanochão.Aofazerisso,viunaescrivaninhaacartaquePaullheescrevera.Pegou-aesesentoulentamentenabeiradadacama.Nosilênciodoquartoondehaviamseamado,leuoqueeleescreveranamanhãanterior.

Quando terminou, Adrienne abaixou a carta e ficou sentada sem semexer, pensando em Paulescrevendo-a.Apósdobrarcuidadosamenteopapel,colocou-oemsuamalajuntocomaconchaquehaviamencontradonapraia.QuandoJeanchegou,algumashorasdepois,Adrienneestavaapoiadanabalaustradanavarandadosfundos,olhandoparaocéudenovo.

Jeanestavaanimadacomosempre,felizemverAdrienneeemvoltarparacasa.Falavasempararsobre o casamento e o hotel antigo em Savannah onde se hospedara. Adrienne a ouviu seminterrupçõese,depoisdojantar,dissequequeriadarumacaminhadanapraia.Felizmente,Jeannãoaceitouoconviteparaacompanhá-la.

Quandovoltou, aamigaestavadesfazendoasmalasemseuquarto.Adrienne se serviudeumaxícaradecháefoisesentarpertodalareira.Enquantosebalançavanacadeira,ouviuJeanentrarnacozinha.

–Ondevocêestá?–gritouela.–Aqui–respondeuAdrienne.Jeanentrounasalaummomentodepois.–Ouviumachaleiraassoviar?–Acabeidemeservirdeumaxícara.–Desdequandovocêbebechá?Adriennedeuumabreverisada,masnãorespondeu.Jeanpôsacadeiradebalançoaoladodadela.Láfora,aluaresplandecianocéu,fazendoaareia

brilhar.

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–Estouachandovocêmeiocalada–comentouJean.–Desculpe. –Adriennedeudeombros. –Só estouumpouco cansada.Achoque sinto falta da

minhaprópriacasa.–Possoimaginar.EufiqueicontandoosquilômetrosdesdequesaídeSavannah,maspelomenos

nãohaviamuitotrânsito.Sabecomoé,baixatemporada.Adrienneassentiu.Jeanserecostouemsuacadeira.–Correu tudo bem comPaul Flanner?Espero que a tempestade não tenha arruinado a estadia

dele.OuvironomedePaulfezAdrienneficarcomumnónagarganta,maselatentouparecercalma.–Achoqueatempestadenãooincomodounemumpouco–respondeu.–Mefalesobreele.Pelavoz,tiveaimpressãodequeeraumpoucoformal.–Não,demodoalgum.Elefoi...gentil.–Foiestranhoficarsozinhacomele?–Não.Nãodepoisqueeumeacostumei.JeanesperouparaverseAdrienneacrescentariaalgumacoisa,maselapermaneceuemsilêncio.–Bem...ótimo.Evocê?Tevealgumadificuldadeparaprepararacasaparaachuva?–Não.–Quebom.Agradeçooquefezpormim.Seiqueesperavaumfimdesemanatranquilo,masacho

queodestinonãoestavadoseulado,nãoé?–É,achoquenão.Talvez tivesse sido omodo como ela falou,mas algo fez Jean olhá-la comuma expressão de

curiosidade.Subitamenteprecisandoficarsozinha,Adrienneterminouseuchá.– Detesto não lhe dar mais atenção, Jean, mas acho que vou me recolher – disse, fazendo o

possívelparasuavozsoarnatural.–Estoucansadae tenhouma longaviagempela frenteamanhã.Quebomquevocêsedivertiunocasamento.

Jeanergueulevementeassobrancelhasaoencerramentorepentinodanoite.–Hã...bem,obrigada–falou.–Boanoite.–Boanoite.Adriennepercebeuoolhardesconfiadodaamiga,queaacompanhouatéelaterminardesubira

escada.Depoisdeabriraportadoquartoazul,despiu-seefoiparaacama,nuaesozinha.Podia sentir o cheiro de Paul no travesseiro e nos lençóis, e o inspirou, correndo os dedos

distraidamentepelosseioselutandocontraosonoaténãopodermais.Quandoselevantounamanhãseguinte,fezumbuledecaféefoidaroutracaminhadanapraia.

Emmeiahora,passoupordoiscasais.UmamassadearquentepassarapelailhaeAdriennesabiaqueodiaatrairiaaindamaispessoasparaabeiradaágua.

ÀquelaalturaPauljáhaviachegadonaclínicaeelaseperguntoucomodeviaser.Tinhaformadoumaimagemnacabeça,algoquetalveztivessevistonaTV,emumdocumentáriosobreanatureza–umasériedeconstruçõesfeitasàspressasnomeiodaselva,sulcosemumaestradadeterrasinuosa,pássarosexóticostrinandoaofundo–,masduvidavaqueestivessecerta.Gostariadesaberseelejá

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tinha falado com Mark, como fora esse encontro, e se Paul, como ela, ainda estava revivendomentalmenteofimdesemana.

Acozinha estavavaziaquandovoltou.Viuo açucareiro abertopertoda cafeteira eumaxícaravaziaaolado.Ouviuosomdistantedealguémcantarolandonoandardecima.

Seguiu o som e, quando chegou ao segundo andar, viu que a porta do quarto azul estavaentreaberta.Aproximou-se,viuJeaninclinadaparaafrentenabeiradadacama,enfiandoparadentroa última ponta de um lençol limpo. Os lençóis usados, que antes envolveram Adrienne e Paul,estavamemumbolonochão.

Adrienneolhouparaoslençóis,sabendoqueeraridículoficarchateada,masderepentesedandoconta de que demoraria um ano para sentir o cheiro de Paul de novo. Inspirou profundamente,tentandoconterochoro.

Jeanseviroucomosolhosarregalados,surpresacomosom.–Adrienne?Estátudobem?Mas Adrienne não conseguiu responder. Tudo o que pôde fazer foi levar as mãos ao rosto,

conscientedequedaliemdiantemarcariaosdiasnocalendárioatéPaulvoltar.

–PaulestánoEquador–respondeuAdrienneparaafilha.Elanotouquesuavozestavasurpreendentementefirme.–NoEquador?–repetiuAmanda.Tamborilounamesaenquantoolhavaparaamãe.–Porqueele

nãovoltou?–Elenãopôde.–Porquenão?Emvezderesponder,Adrienneergueuatampadacaixaepegouumafolhadepapelqueparecia

tersidotiradadeumcadernoescolar.Dobrada,amarelarapelotempo.Amandaviuonomedamãeescritonafrente.

–Antesqueeulhediga–continuouAdrienne–,queroresponderàsuaoutrapergunta.–Queoutrapergunta?Adriennesorriu.–VocêperguntouseeutinhacertezadequePaulmeamava.–Eladeslizouafolhadepapelpor

sobreamesanadireçãodafilha.–Estaéacartaqueelemeescreveunodiaemquefoiembora.Amanda hesitou antes de pegá-la. Desdobrava lentamente e, com a mãe sentada à sua frente,

começoualer.

QueridaAdrienne,Vocênãoestavaaomeuladoquandoacordeihojedemanhã,masdesejeiqueestivesse.Sei

queissofoiegoísmodeminhaparte,noentanto,achoqueessaéumadascaracterísticasquemantiveaolongodavida.

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Sevocêestálendoisto,significaquefuiembora.Quandoterminardeescrever,voudescerepedirpara ficar comvocêumpoucomais,masnão tenhonenhuma ilusão sobreoquemedirá.

Istonãoéumadeus,enãoqueroquepensenemporumminutoqueéomotivodestacarta.Emvezdisso,vouencararoanoàfrentecomoumachancedeconhecê-laaindamelhor.Ouvifalarempessoasqueseapaixonampormeiodecartas.Emborajáestejamosapaixonados,issonãosignificaquenossoamornãopossasetornaraindamaisprofundo,nãoé?Eugostariadepensarqueissoépossível,esequersaberaverdade,essaconvicçãoéaúnicacoisaquemefarásuportaropróximoanosemvocê.

Quando fecho os olhos, consigo vê-la caminhando pela praia em nossa primeira noitejuntos.Comrelâmpagosrefletindoemseurosto,vocêestavaabsolutamentelinda,eachoqueempartefoiissoquemelevouameabrircomvocêdeummodoquenuncafizcomninguém.Masnãofoisósuabelezaquememotivou.Foitudooquevocêé–suacoragemesuapaixão,asabedoriaeobomsensocomquevêomundo.Achoquenoteiessascoisasemvocênaprimeiravezemquetomamoscafée,naverdade,quantomaisaconhecia,maispercebiaquantosentiafaltadessasqualidadesemminhaprópriavida.Vocêéumajoiarara,Adrienne,eeusouumhomemdesorteportertidoachancedeconhecê-la.

Esperoquevocêestejabem.Aoescreverestacarta,seiquenãoestou.Despedir-medevocêhoje será a coisamais difícil que terei de fazer, e posso jurar com todaa honestidade que,quandovoltar,nuncamais farei issodenovo.Eu teamoagorapeloque jápartilhamos,e teamoantecipandotudooqueaindaestáporvir.Vocêéamelhorcoisaquejámeaconteceu.Jásintosaudades,masseiemmeucoraçãoquevocêestarásemprecomigo.Nospoucosdiasquepassamosjuntosvocêsetornoumeusonho.

Paul

Oano que se seguiu à partida dePaul foi diferente de todos os outros anos da vida deAdrienne.Superficialmente,ascoisascorreramcomodecostume.Elaparticipavadavidadosfilhos,visitavaopai uma vez por dia, trabalhava na biblioteca como sempre.Mas havia nela umnovo entusiasmo,alimentado pelo segredo que guardava, e a mudança em sua atitude não passou despercebida daspessoaspróximas.Elaestavasorrindomaiseatéseusfilhosnotaramquedavacaminhadasdepoisdojantarouvoltaemeiapassavaumahoranabanheira,ignorandoocaosaoredor.

Nessesmomentos,elasemprepensavaemPaul,masaimagemdeleeramaisrealquandoviaocaminhãodocorreiovindopelarua,parandonocaminhoparafazercadaentrega.

Ocaminhãocostumavapassarentredezeonzedamanhã,eAdrienneficavaàjanelaatéqueeleparassenafrentedesuacasa.Assimqueelepartia,elaiaatéacaixadecorreioeprocuravanomeioda correspondência os sinais reveladores das cartas de Paul: os envelopes aéreos bege que ele

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preferia, selos de postagem que descreviam ummundo do qual ela não sabia nada, o nome deleescritonocantosuperioresquerdo.

Quandoaprimeiradascartaschegou,elaaleunavarandadosfundos.Assimqueterminou,leudenovo,maisdevagar,parandoesedetendonaspalavras.Fezomesmocomascorrespondênciasseguintes. Quando elas passaram a chegar regularmente, percebeu que a mensagem de Paul naprimeiradelas,aqueeledeixaranapousada,eraverdadeira.Emboraissonãofossetãogratificantequantovê-loousenti-loabraçando-a,apaixãonaspalavrasdealgummodo faziaadistânciaentreelesparecermenor.

Adorava imaginá-lo escrevendoas cartas.Visualizava-oatrásdeumaescrivaninhaantiga, comuma única lâmpada iluminando-lhe o rosto cansado. Gostaria de saber se ele escrevia rápido, aspalavras fluindo ininterruptamente, ou se parava de vez em quando para olhar para o vazio,organizandoospensamentos.Àsvezesasimagensassumiamumaformaenacartaseguintetomavamoutra,dependendodoqueeleescrevera.Adriennefechavaosolhose tentavaadivinharoestadodeespíritodePaul.

Tambémescreviaparaele,respondendosuasperguntasecontandooqueestavaacontecendoemsuavida.Emtodososmomentoselaoimaginavaaseulado:seabrisabalançavaseuscabelos,eracomosePaulestivessegentilmentepassandoumdedosobresuapele;seouviaolevetique-taquedeumrelógio,eraosomdocoraçãodePaulenquantoelaencostavaacabeçanopeitodele.Masquandopousava a caneta, seus pensamentos sempre voltavam para os últimosmomentos dos dois juntos,abraçando-senaestradadecascalho,o roçar suavedos lábiosdele, apromessadeapenasumanoseparadosedepoisumavidainteirapelafrente.

Alémdisso,àsvezesPaultelefonava,quandotinhaoportunidadedeiràcidade.Ouviraternuranavozdelesempreafaziasentirumapertonagarganta.Assimcomoosomdesuarisadaeatristezaemsua voz quando lhe dizia quanto sentia sua falta. Ele ligava durante o dia, quando os filhos delaestavamnaescola.SemprequeAdrienneouviaotelefonetocar,seviaparandoporuminstanteantesdeatendê-lo, torcendoparaquefossePaul.Asconversasnãoduravammuito,emgeralmenosquevinteminutos,maseramsuficientesparafazê-lasuportarospróximosmeses.

Nabiblioteca,começouafazercópiasdepáginasdevárioslivrossobreoEquador,detodososassuntos,desdegeografiaatéhistória.Certavez,quandoumarevistadeviagenspublicouumartigosobrea cultura equatoriana, ela comprouumexemplar e ficou sentadadurantehoras estudandoasfotosepraticamentedecorandootexto,tentandoaprenderomáximopossívelsobreaspessoascomquemeletrabalhava.Àsvezes,semquererficavapensandosealgumadasmulheresolhavaparaelecomomesmodesejoqueela.

Adriennetambémcomeçouaescanearmicrofilmesdepáginasdejornaiscomunsedemedicina,procurandoinformaçõessobreavidadePaulemRaleigh.Nuncaescreveuoumencionouqueestavafazendoisso,porqueelefrequentementedizianascartasqueaquelaeraumapessoaquenuncaqueriavoltar a ser,mas ela não podia conter a curiosidade.Encontrou o artigo publicado noWall StreetJournal,comumafotodePaulnoalto.Diziaqueeletinha38anos,equandoAdrienneolhouparaorosto no retrato viu pela primeira vez como ele era quando mais jovem. Embora o tivessereconhecido de imediato, havia algumas diferenças que chamaram sua atenção – os cabelosmaisescuros partidos de lado, o rosto sem rugas, sério demais, com uma expressão dura – e não

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pareceramfamiliares.Ela lembravaquehavia seperguntadooqueeleachariadoartigoagora, sechegariaalhedaralgumaimportância.

TambémencontroualgumasfotosdePaulemnúmerosantigosdoRaleighNewsandObserver,um jornal da cidade dele. Nas imagens, ele aparecia cumprimentando o governador oucomparecendoàinauguraçãodanovaaladoDukeMedicalCenter.Adriennenotouqueelenãosorriaemnenhumadasfotos.Era,pensou,umPaulquenãoconseguiaimaginar.

Emmarço,semnenhummotivoespecial,Paulmandoufloresparaacasadela,edepoiscomeçouaenviá-las todososmeses.Adriennecolocavaosbuquêsemseuquarto, imaginandoqueos filhosacabariam notando e querendo saber quem os haviamandado,mas eles estavam concentrados emsuasprópriasvidasenuncaofizeram.

Emjunho,elavoltouaRodantheparaumfimdesemanaprolongadocomJean.Quandochegou,aamigaparecia tensa,comoseaindatentassedescobriroqueperturbaraAdriennenaúltimavezemqueestiveralá,masJeanvoltouaonormaldepoisdeumahoradeconversatranquila.Duranteofimde semana, Adrienne caminhou pela praia algumas vezes, procurando outra concha, mas nuncaencontrouumaquenãotivessesidoquebradapelasondas.

Quandovoltouparacasa,descobriuquehaviarecebidoumacartadePaul.Dentrodoenvelope,elemandouuma fotoqueMark tiraranaclínica.Emboramaismagrodoqueseismesesatrás,elepareciasaudável.Adrienneapoioua fotoàsuafrenteenquantoescreviaa resposta.Paul lhepediraumafotosua,eAdrienneprocurouemseusálbunsatéencontrarumaqueachasseboaosuficienteparamandar.

Overão estavaquente e úmido, eAdriennepassou amaior parte de julho emcasa, como ar-condicionado ligado. Em agosto, Matt foi para a universidade e Amanda e Dan voltaram para ocolégio. Quando as folhas nas árvores se tornaram amareladas, indicando a chegada do outono,Adrienne começou a pensar nas coisas que Paul e ela poderiam fazer juntos quando ele voltasse.ImaginouosdoisindoaBiltmoreEstate,emAsheville,paraveradecoraçãodeNatal,eseperguntouoque seus filhos achariamdelequandoaparecessepara a ceia, oucomoJean reagiriaquandoelareservasse um quarto na pousada no nome dos dois logo após o ano-novo. Sem dúvida, pensouAdrienne com um sorriso, a amiga ergueria uma sobrancelha ao ouvir isso.Conhecendo-a comoconhecia,noinícionãofalarianada,preferindoandarpelacasacomumaexpressãocomplacentedequemsabiadetudootempotodoejáestavaesperandoporaquilo.

Agora, sentada com a filha,Adrienne se lembrava daqueles anos, dosmomentos emque tinhaacreditadoqueaquelascoisasrealmenteaconteceriam.Costumavaimaginaroscenáriosemdetalhesvívidos,masnosúltimostemposseforçaraaparardefazerisso.Oarrependimentoquesempreseseguia ao prazer das fantasias a deixava se sentindo vazia, e sabia que seu tempo era mais bemempregadoquandopassadoaoladodaspessoasqueaindaerampartedesuavida.Nuncamaisqueriasentiroqueaquelessonhostraziam.Masàsvezes,apesardesuasmelhoresintenções,simplesmentenãopodiaevitá-los.

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–Nossa!–murmurouAmandaenquantoabaixavaacartaeadevolviaàmãe.Adriennedobrou-aemsuaposiçãooriginal,colocou-adeladoedepoispegouafotodePaulque

Marktirara.–Esteéele–disse.Amandapegouafoto.Apesarda idade,PauleramaisbonitodoqueAmandaimaginara.Elase

detevenosolhosquepareceramcativartantosuamãe.Depoisdeummomento,sorriu.–Possoentenderporquevocêseapaixonouporele.Temmaisalgumafoto?–Não–respondeuAdrienne.–Sóessa.Amandaassentiucomacabeça,estudandonovamenteafotografia.–Vocêodescreveubem.–Elahesitou.–AlgumdiaeleenviouumafotodeMark?–Não,maselessãoparecidos–disseAdrienne.–Vocêoconheceu?–Conheci.–Onde?–Aqui.Amandaergueuassobrancelhas.–Aquiemcasa?–Elesesentouondevocêestáagora.–Ondenósestávamos?–Naescola.Amandabalançouacabeça,tentandoprocessaressanovainformação.–Suahistóriaestáficandoconfusa–disse.Adriennedesviouoolharedepoisselevantoulentamentedamesa.Aosairdacozinha,sussurrou:–Tambémfoiconfusaparamim.

Emoutubro,opaideAdrienneserecuperaraumpoucodeseusderrames,emboranãoosuficientepara sair da clínica para idosos. Como sempre, Adrienne fora visitá-lo durante o ano inteiro,fazendo-lhecompanhiaetentandoaomáximodeixá-lomaisconfortável.

Administrandocuidadosamenteseuorçamento,conseguirapouparosuficienteparamantê-lo láaté abril,mas não sabia o que faria depois.Como as andorinhas noverão, a preocupação semprevoltava,emboraelafizesseopossívelparaesconderseustemoresdopai.

Namaioriadosdias,atelevisãoestavaligadaquandochegava,comoseasenfermeirasdoturnodamanhãachassemqueosompodiadealgummodoafastaraconfusãodamentedopai.AprimeiracoisaqueAdriennefaziaeradesligá-la.Elaeraaúnicavisitaregular,alémdasenfermeiras.Emboracompreendessearelutânciadeseusfilhosemirveroavô,prefeririaqueelesfossem.Nãosóporqueseupaiqueriavê-los,mastambémpeloprópriobemdeles.Sempreacharaimportanteestarpertodafamílianosbonsenosmausmomentos,pelasliçõesqueissopodiaensinar.

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Opaiperderaacapacidadedefalar,masAdriennesabiaqueeleentendiaoquelhediziam.Comolado direito do rosto paralisado, tinha um sorriso torto que ela achava afetuoso. Era precisomaturidade e paciência para ver além das aparências e enxergar o homem que um dia ele fora.Emboraseus filhosàsvezesdemonstrassemessasqualidades,emgeral se sentiamdesconfortáveisquandoAdrienneosfaziavisitaremoavô.Eracomoseolhassemparaeleevissemumfuturoquenão podiam se imaginar enfrentando; parecia que os assustava a ideia de que um dia tambémpoderiamterminardaquelaforma.

Adrienneajeitavaostravesseirosdopaiantesdesesentarnacama,pegaramãodeleeconversar.Namaioriadasvezes,falavasobreacontecimentosrecentes,sobreelaeosfilhos,eopaiaolhavafixamente, comunicando-se do único modo que podia: em silêncio. Sentada a seu lado, Adriennesempreselembravadainfância–docheirodeloçãopós-barbanorostodopai,delejogandofenoparadentrodoestábulo,doroçardabarbaporfazerquandoelelhedavaumbeijodeboa-noiteedaspalavrascarinhosasquesemprelhedissera.

NavésperadoDiadasBruxas,foivisitá-lo,sabendoquefinalmenteerahoradeelesaber.–Háumacoisaqueeuprecisocontar–começou.Então,domodomaissimplespossível,lhefalousobrePaulesobreoqueelesignificavaparaela.Quando terminou, ficou curiosa sobre o que o pai tinha achado do que acabara de dizer. Os

cabelosdeleerambrancoseralos,eassobrancelhaspareciamchumaçosdealgodão.Opaideuaquelesorrisotortoemoveuoslábios,tentandofalar.Elasentiuumapertonagargantaeseinclinousobreacama,pondoacabeçanopeitodele.Amão

boa do pai se moveu fracamente para suas costas, leve e suave. Sob ela, Adrienne sentiu-lhe ascostelas,agorafrágeisequebradiças,eobatimentosuavedocoração.

–Ah,pai–sussurrou.–Tambémestouorgulhosadevocê.

Na sala de estar, Adrienne foi até a janela e afastou as cortinas. A rua estava vazia e havia halosbrilhantes ao redor dos postes de luz. Em algum lugar distante, um cão latiu avisando sobre umintrusorealouimaginário.

Amandaaindaestavanacozinha,masAdrienne sabiaquea filhaacabaria indoa seuencontro.Foraumanoitelongaparaambas.

OquePauleelatinhamsidoumparaooutro?Mesmoagora,nãosabiaaocerto.Nãohaviaumadefiniçãofácil.Elenão tinhasidoseumaridoounoivo;chamá-lodenamoradofariaosentimentoentreelesparecerumapaixãoadolescente;amantes representavaapenasumapequenapartedoqueeles tinhampartilhado.Paul foiaúnicapessoaemsuavida,pensou,quepareceudesafiarqualquerdescrição.Quantasoutraspessoaspoderiamdizeromesmosobrealguém?

Nocéu,aluaestavacercadapornuvensazul-escurasqueabrisacarregavaparaoleste.Namanhãseguinte,choverianolitoral.

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AdrienneachoumelhornãomostrarasoutrascartasparaAmanda.Oqueelaficariasabendoaolê-las?OsdetalhesdarotinadePaulnaclínicaeomodocomoelepassavaseusdias?OucomoeraseurelacionamentocomMarkeosprogressosquefizera?Tudoissoestavaclaronascartas,assimcomoospensamentos,asesperançaseostemoresdePaul,masnadadaquiloserviaparatransmitiràfilhaoqueAdriennequeria.Ositensquesepararaseriamsuficientes.

No entanto, assim que Amanda fosse embora, Adrienne leria todas as cartas de novo. À luzamareladeseuabajurdecabeceira,correriaodedosobreaspalavras,saboreandocadaumadelas,sabendoquesignificavammaisdoquetudoparaela.

Hoje,apesardapresençadafilha,Adrienneestavasó.Sempreestaria.Estavaconscientedissoaocontarsuahistórianacozinhaetambémagora,empéjuntoàjanela.ÀsvezesimaginavaquemteriasidosePaulnãosurgisseemsuavida.Talveztivessesecasadodenovo.Teriasidoumaboaesposa?Melhor:teriaescolhidoumbommarido?

Não seria fácil.Algumas de suas amigas viúvas ou divorciadas tinham se casado de novo.Osnovosmaridos,namaioria,pareciambonshomens,masnenhumdeleseracomoPaul.ComoJack,talvez houvesse alguns, mas não como Paul. Adrienne acreditava que o amor e o romance erampossíveis em qualquer idade, mas ouvira o bastante de suas amigas para saber que muitosrelacionamentos acabavam sendo problemáticos demais para valerem a pena. Não queria seconformarcomalguémmediano,nãoquandotinhacartaslembrando-adoqueperdera.Porexemplo,existiriaalgumhomemcapazdelhesussurraraspalavrasquePaulescreveraemsuaterceiracarta,palavrasqueeladecoraradesdeoprimeirodiaemqueaslera?

Quandoeudurmo,sonhocomvocê.Quandoacordo,anseioportê-laemmeusbraços.Naverdade,o tempoemqueestamosseparadossóme faz termaiscertezadequequeropassartodasasnoitesaseulado,eestartodososdiasemseucoração.

Ouaspalavrasdacartaseguinte?

Quandoescrevopara você, sinto sua respiração e imaginoque, quando você lê, tambémsenteaminha.Éassimcomvocêtambém?Essascartassãopartedenósagora,partedanossahistória,umlembreteeternodequepassamosporisso.Obrigadapormeajudarasobreviveraesteano,mas,maisdoqueisso,obrigadoantecipadamenteportodososanosfuturos.

Ouatémesmoestas,depoisqueMarkeeletiveramumadiscussãonaqueleverão,algoque,comoeradeseesperar,odeixaradeprimido:

Hámuitascoisasqueeudesejohojeemdia,mas,acimadetudo,queriaquevocêestivesseaqui.Éestranho,porquenãoconsigomelembrardaúltimavezquechoreiantesdeconhecê-la.Agoraparecequeaslágrimasvêmfacilmente...Masvocêtemummododefazercomquemeusmomentosde tristezapareçamvalerapena,deexplicarascoisasdeumaformaquediminuiminhador.Vocêéumtesouro,umadádiva,equandoestivermosjuntosdenovovouabraçá-la

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atémeus braços ficarem fracos e eu não conseguirmais sustentá-los. Pensar em você é àsvezesaúnicacoisaquemefazseguiremfrente.

Olhando para a face distante da lua, Adrienne soube a resposta. Não, pensou, não encontrariaoutrohomemcomoPaul.Aoapoiaracabeçanajanelafria,sentiuapresençadeAmandaatrásdesi.Adriennesuspirou,sabendoqueestavanahoradeterminarahistória.

–ElevirianoNatal–falou,avoztãobaixaqueAmandatevedeseesforçarparaouvir.–Setudotivessedadocerto.Eutinhareservadoumquartodehotel,parapodermosficaràvontadenaprimeiranoite.Atécompreiumagarrafadepinotgrigio.–Ela fezumapausa.–HáumacartadeMarkqueexplicatudo.

–Oqueaconteceu?Na escuridão, Adrienne finalmente se virou.Metade de seu rosto estava na sombra e, quando

Amandaviuaexpressãodamãe,sentiuumarrepio.DemorouummomentoparaAdrienneresponder,emumsussurro:–Vocênemimagina?

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Amandaviuqueacarta tinhasidoescritaemumafolhadomesmocadernoquePaulusaraparaescreveraprimeira.Notandoquesuasmãosestavamligeiramentetrêmulas,colocou-aabertasobreamesa.

Entãorespiroufundoecomeçoualer.

QueridaAdrienne,Sentado aqui, percebo que nem imagino por onde devo começar. Afinal de contas, nós

nunca nos vimos. Eu a conheci por meio de meu pai, não é a mesma coisa. Parte de mimgostariadepoderfazerissopessoalmente,masemvirtudedosmeusferimentosaindanãopudepartir.Entãoaquiestoueu,tentandoencontrarpalavrasemeperguntandosequalquercoisaqueeuescrevafaráalgumsentido.

Desculpe-mepornãoterlhetelefonado,masconcluíquenãoseriamaisfácilouviroquetenhoadizer.Eumesmoaindaestoutentandoentender.

Seiquemeupaifalousobremim,masachoimportantequeconheçanossahistóriadomeupontodevista.Esperoqueissolhedêumaboaideiadohomemqueaamou.

Vocêprecisaentenderque,enquantoeucrescia,nãotiveumpai.Sim,nósmorávamosnamesmacasaeelesustentavaamimeàminhamãe,masnuncaestavaporperto;sóapareciapara me repreender sempre que havia um B em meu boletim. Lembro que minha escolaparticipavadeuma feiradeciências todososanos,masdo jardimde infânciaaononoano,meupainuncacompareceu,nemumaúnicavez.Nuncamelevouaumjogodebeisebol,nuncajogou bola comigo no quintal nem passeou comigo de bicicleta. Ele mencionou que haviacontado um pouco disso para você, mas acredite: foi pior do que ele provavelmente deu aentender.QuandopartiparaoEquador,sinceramente,esperavanuncamaisvê-lo.

Então,porincrívelquepareça,eledecidiuvirparacá,paraficarcomigo.Entendaque,nofundo,semprehouveemmeupaiumaarrogânciaquepasseiadetestar,eachavaqueavindadelesedeviaaisso.Podiaimaginá-lotentandoderepenteagircomoumpai,dandoconselhosde que eu não precisava nem queria ouvir. Ou reorganizando a clínica para torná-la maiseficiente, ou tendo ideias brilhantes para tornar o lugar mais habitável para nós. Ou atémesmocobrandoalgunsfavoresqueficaramlhedevendoaolongodosanosparatrazerumaequipecompletadejovensmédicosvoluntáriosparatrabalharnaclínica,esecertificandodequea imprensadenossopaís tivesse conhecimentodeque ele era responsável por todasasboasações.Meupaisempreadorouverseunomenosjornaisesabiamuitobemoqueaboapublicidadepodiafazerporeleeporsuaclínica.Quandoelechegou,euestavapensandoem

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arrumarminhasmalaseirparacasa,deixá-loparatrás.Tinhaummontederespostasprontasparatudooqueachavaqueelepoderiadizer.“Medesculpe.”“Umpoucotardeparaisso.”“Émuito bom ver você.” “Eu gostaria de poder dizer o mesmo.” “Acho que deveríamosconversar.”“Maseunãoacho.”Sóque,emvezdequalquerumadessascoisas,tudooqueeledissefoi“Olá”e,aoverminhaexpressão,simplesmenteassentiucomacabeçaeseafastou.Essefoinossoúnicocontatoduranteaprimeirasemanadeleaqui.

Ascoisasaindademoraramparaseacertar.Nãofoinadarápido.Durantemeses,espereiquemeupaivoltasseaseuscomportamentosantigos,efiqueisemprecomumpéatrás,prontopara revidar.Maselenunca fez isso.Nunca reclamoudo trabalhooudascondições, sódeusugestões quando lhe foram pedidas e, embora nunca tivesse confessado, o diretor enfimadmitiu que foi meu pai quem forneceu os medicamentos novos e os equipamentos que noseramessenciais,apesardeterinsistidoparaquesuadoaçãopermanecesseanônima.

O que eumais gostei foi ele não ter fingido que éramos algo que nunca tínhamos sido.Durantemesesnãofomosamigoseeunãoovicomoumpai,maselenuncatentoumefazermudardeideiasobreessascoisas.Nãomepressionoudemodoalgum,eachoquefoiaíquecomeceiabaixaraguarda.

Achoqueo que estou tentandodizer é quemeupaimudou e, poucoa pouco, comecei aacreditarquehaviaalgonelequemereciaumasegundachance.Eletinhacomeçadoamudarantes de conhecê-la,mas você foi o principalmotivo de ele ter se tornado a pessoa que setornou.Antesdeconhecê-la,meupaibuscavaalgo.Quandovocêapareceu,eleencontrou.

Elefalavadevocêotempotodoenãopossoimaginarquantascartasdeveterlheenviado.Eleaamava,mas tenhocertezaquesabedisso.Oque talveznãosaibaéqueeunãoestavatotalmenteconvencidodequeelesabiaosignificadodeamaralguémantesdevocêaparecer.Meupaiconseguiumuitascoisasnavida,masnãotenhodúvidadequeteriatrocadotudoporumavidaaoseulado.Considerandoquefoicasadocomminhamãe,nãoémuitofácilescreverisso, mas achei que gostaria de saber. E com certeza ele gostaria de saber que eu entendiquantovocêsignificavaparaele.

Dealgummodo,vocêmudoumeupai.Porsuacausaeunãotrocariaesteúltimoanopornada.Nãoseicomofezisso,masotransformouemumhomemdequemjásintofalta.Vocêosalvoue,fazendoisso,achoquedecertomodomesalvoutambém.

Sabe,eleestavanaquelaclínicaisoladanasmontanhasporminhacausa.Aquelanoitefoiabsolutamenteterrível.Faziadiasquechoviaetodasasestradasestavamtomadaspelalama.Quandoaviseipelorádioquenãoconseguiriavoltarporquemeujipenãopegava,eumgrandedeslizamento de terra era iminente, foi ele quem pediu outro jipe – apesar dos protestosfrenéticosdodiretor–paratentarmealcançar.Meupaifoimesalvar,equandopercebiqueeraele sentadoatrásdovolante,achoque foiaprimeiravezqueovicomopai.Atéaquelepontosempretinhasidomeupai,claro,masnãonosentidoqueapalavraimplica,seentendeoqueeuquerodizer.

Nós conseguimos sair de lá a tempo. Minutos depois, ouvimos um estrondo quando alateraldamontanhacedeu,destruindoaclínicaporcompleto.Lembroquenosentreolhamossemconseguiracreditarquetínhamosescapado.

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Gostariadepoderlhedizeroquedeuerradodepois,masnãosei.Eleestavadirigindocomcuidadoetínhamosquasechegado.Davaparaverasluzesdaclínicaprincipalnovaleabaixo.Mas quando fizemos uma curva fechada, o jipe começoua derrapar. Só o que eu vi foi quetínhamossaídodaestradaeestávamoscaindopelaencostadamontanha.

Foraquebrarobraçoeváriascostelas,euestavabem,maslogopercebiquemeupainão.Griteiparaeleaguentarfirme,queeuiabuscarajuda,masmeupaiagarrouminhamãoememantevenolugar.Achoquesabiaqueestavapertodofimequeriaqueeuficassecomele.

Foiquandoohomemquehaviaacabadodesalvarminhavidamepediuparaperdoá-lo.Ele a amava, Adrienne. Por favor, não se esqueça disso. Apesar do pouco tempo que

passaram juntos, ele a adorava, e eu lamentomuito sua perda.Quando as coisas estiveremdifíceis,comoestãoparamim,pensequenãosóeleteriafeitoporvocêomesmoquefezpormim,comotambémqueeutiveachancedeconhecereamarmeupaigraçasavocê.

Achoqueéissoqueestoutentandodizer.Obrigadoporler.MarkFlanner

Amandapousouacartanamesa.Agoraestavaquaseescuronacozinhaeelapodiaouvirosomda própria respiração. Adrienne ficara na sala de estar, sozinha com seus pensamentos. Amandadobrouacarta,pensandoemPaul,namãee,estranhamente,emBrent.

Comesforço,conseguiuselembrardaqueleNatal,tantosanosantes–amãepassaraquaseanoitetodacalada,dandodevezemquandosorrisosquesemprepareciamumpoucoforçados,equandochoraratodospresumiramteralgoavercomopaideles.

Elapassouportudoaquilosemdizernada.ApesardeamãeePaulnãoteremvividojuntososanosqueelativeracomBrent,Amandasoube

comabsolutacertezaqueamortedePaulatingiraAdriennecomamesmaintensidadequeelaprópriaexperimentaraaosesentaraoladodacamadeBrentpelaúltimavez.

Comumadiferença:aocontráriodeAmanda,amãenãotiveraachancededizeradeus.

Quandoouviuossonsabafadosdossoluçosdafilha,Adrienneseafastoudajaneladasalaefoiparaacozinha.Amandaaolhouemsilêncio,osolhoscheiosdeangústia.

Adrienneficouparada,observandoa filha,eentãoabriuosbraços. Instintivamente,Amandaselevantou, tentando em vão conter as lágrimas.Mãe e filha ficaram abraçadas na cozinha por umlongotempo.

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O ar havia esfriado um pouco e Adrienne acendera algumas velas na cozinha para aquecê-la eiluminaroespaço.Sentadaàmesa,puseradevoltanacaixaascartasdeMarkea foto.Amandaaobservouseriamente,comasmãosnocolo.

–Sintomuito,mãe–disseemvozbaixa.–Portudo.PorvocêterperdidoPauleporterdepassarporissosozinha.Nãoconsigonemimaginarcomodevetersidoguardartudoissodentrodevocê.

–Nemeu–disseAdrienne.–Eunãoteriaconseguidosemajuda.Amandabalançouacabeça.–Masvocêconseguiu.–Não–retrucouAdrienne.–Eusobrevivi,masnãofizissosozinha.Amandapareceuintrigada.Adriennelhedeuumsorrisomelancólico.–Seu avô – explicouAdrienne. –Meupai. Foi com ele que eu chorei.E chorei todos os dias

durantesemanas.Semele,nãoseioqueeuteriafeito.–Mas...Amandanãoconcluiuafrase.–Maselenãopodiadizernada?Nãoprecisava.Elemeouviaeeradissoqueeuprecisava.Além

domais,eusabiaquenadaquemeupaidissessefariaadorpassar,mesmoseeleconseguissefalar.–Elaergueuoolhar.–Vocêsabedissotãobemquantoeu.

Amandacontraiuoslábios.–Eugostariaquevocêtivessemecontado–comentou.–Querodizer,antes.–PorcausadoBrent?Amandaassentiu.–Eusei,masvocêaindanãoestavaprontaparaouvir.Precisavadetempoparavivenciarseuluto

àsuaprópriamaneira.Porumlongomomento,Amandanãodissenada.–Issonãoéjusto.VocêePaul,Brenteeu–sussurrou.–Não,nãoé.–Comoconseguiuseguiremfrentedepoisdeperdê-lodessamaneira?Adriennedeuumsorrisosaudoso.–Euviviumdiadecadavez.Nãoéissoqueaspessoasnosaconselhamafazer?Seiqueparece

banal,maseucostumavaacordardemanhãedizerparamimmesmaquesóprecisavaserforteporumdia.Apenasumdia.Fizissorepetidamenteporváriosanos.

–Dojeitoquevocêfala,parecequefoimuitosimples–murmurouAmanda.–Nãofoi.Foiapiorépocadaminhavida.

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–Pioratémesmodoquequandopapaifoiembora?–Issotambémfoidifícil,masdiferente.–Adriennedeuumrápidosorriso.–Comovocêmesma

disse,lembra?Amandadesviouoolhar.Sim,elalembrava.–Eugostariadetertidoachancedeconhecê-lo.–Vocêteriagostadodele.Querodizer,comotempo.Naquelaépoca,talveznão.Aindaesperava

queseupaieeunosreconciliássemos.Automaticamente Amanda levou a mão à aliança que ainda usava e a girou no dedo, o rosto

indecifrável.–Vocêperdeutantacoisa...–Sim,perdi.–Masparecetãofelizagora...–Eusou.–Comoconsegue?Adriennejuntouasmãos.–Éclaroque fico tristequando lembroqueperdiPauloupensonos anosquepoderíamos ter

passados juntos.Fiquei tristenaépocaeaindafico.Masvocê tambémtemdeentenderoutracoisa:pormaisqueomodocomoascoisasaconteceramtenhasido terrívele injusto,eunão trocariaosdiasquetivecomelepornada.

Adriennefezumapausa,certificando-sedequeafilhaentendia.–NacartadeMark,eledissequeeudecertaformasalveiPauldesimesmo.MasseMarktivesse

meperguntado, eu teria lheditoquenós salvamosumaooutro.Se eununcao tivesse conhecido,duvido que perdoaria Jack, e não teria sido amãe ou a avó que sou agora.Graças a ele, voltei aRocky Mount sabendo que ia ficar bem, que tudo daria certo e que, independentemente do queacontecesse, eu sobreviveria. E o ano que passamos nos correspondendo me deu a força de queprecisavaquandoenfimsoubeoquehaviaocorridocomele.Sim,fiqueiarrasadaporperdê-lo,massepudessevoltarnotempo,sabendooqueaconteceria,aindaiaquererquenãodesistissedaviagem,por causa do filho. Paul precisava acertar as coisas com Mark. O filho precisava dele, sempreprecisou.Enãoeratardedemais.

Amandadesviouoolhar,sabendoqueelatambémestavafalandosobreMaxeGreg.–Foiporissoqueeulheconteiessahistória–continuouAdrienne.–Nãosóporquepasseipelo

quevocêestápassando,mastambémporquequeriaquevocêentendessecomoorelacionamentodelecomofilhoeraimportante.EoquesignificouparaMarksaberdisso.Essasferidassãodifíceisdecurarenãoqueroquevocêsoframaisdoquejáestásofrendoagora.

Adrienneestendeuobraçosobreamesaepegouamãodafilha.–SeiqueaindaestádelutoporBrentenãohánadaqueeupossafazerparaajudá-lacomisso.

Mas se ele estivesse aqui, diria para você se concentrar nos seus filhos, nãonamorte dele.Ele iaquererquevocê se lembrassedosbonsmomentos, nãodos ruins.E, acimade tudo, iaquererquevocêficassebem.

–Euseidetudoisso...Adrienneainterrompeucomumgentilapertodemão.

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–Vocêémaisfortedoquepensa–prosseguiu–,massóseestiverdispostaalutar.–Nãoéassimtãofácil.–Éclaroquenão,masvocêprecisaentenderquenãoestou falandosobresuasemoções.Você

nãopodecontrolá-las.Aindavaichorar, ainda terávezesquenãose sentirácapazde ir em frente.Mastemdeagircomosefossecapaz.Nessesmomentos,asaçõessãoasúnicascoisasquevocêpodecontrolar.–Elafezumapausa.–Seusfilhosprecisamdevocê,Amanda.Achoquenuncaprecisaramtanto.Masultimamentevocênão temestadopresentepara eles.Seiqueestá sofrendo, e sofroporisso,masvocêémãeenãopodecontinuaragindoassim.Brentnãoteriadesejadoisso,eseusfilhosestãopagandoopreço.

Quando Adrienne terminou, Amanda estava com o olhar baixo. Mas então, quase em câmeralenta,ergueuacabeça.

Pormaisquequisessesaber,AdriennenãotinhaamenorideianoqueAmandaestavapensando.

QuandoAmandachegouemcasa,Danestavadobrandoaúltimatoalhadocestoenquantoassistiaaum canal de esportes na TV. Tinha separado as roupas em pilhas sobre amesinha de centro. Eleprocurouocontroleremotoparadiminuirovolume.

–Euestavaimaginandoaquehorasvocêiavoltar–comentou.–Ah,oi–disseAmanda,olhandoaoredor.–Ondeestãoosmeninos?Danapontoucomacabeçaenquantoacrescentavaumatoalhaverdeàpilha.–Elesforamparaacamaháalgunsminutos.Aindadevemestaracordados,sevocêquiserlhes

darboa-noite.–Ondeestãoosseusfilhos?–DeixeicomKira,quandofomosparacasa.Sóparavocêficarsabendo,Maxdeixoucairmolho

de pizza na camiseta do Scooby-Doo. Acho que é uma das favoritas dele, porque ficou muitochateado.Euacoloqueidemolho,masnãoconseguiencontrarotira-manchas.

Amandaassentiu.–Voucomprar este fimde semana.Tenhode ir ao supermercadomesmo.Tambémprecisode

outrascoisas.Danolhouparaairmã.–Sefizerumalista,Kirapodecompraroquevocêprecisa.Seiqueelavaifazercompraslápara

casa.–Obrigada,masestánahoradeeuvoltarafazerisso.–Estábem...Dandeuumsorrisoinseguro.PorummomentonemelenemAmandadisseramnada.–Obrigadaporlevarosmeninosparapassear–falouela,rompendoenfimosilêncio.Dandeudeombros.–Nãofoinadademais.Nósíamossairdequalquermaneira,eacheiqueelespoderiamgostar.

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–Não–disseAmanda,séria.–Querodizer,obrigadaportodasasvezesquevocêfezisso.Nãosóporhoje.VocêeMatttêmsidoótimosdesde...desdequeBrentmorreu,enãoseisejáfaleiquantosougrataporisso.

DandesviouoolharàmençãodonomedeBrent.Pegouocestoderoupasvazio.– Para que servem os tios, não é?Quer que eu passe aqui amanhã para pegar osmeninos de

novo?Euestavapensandoemandardebicicletacomascrianças.Amandabalançouacabeça.–Obrigada,masachoquenãovaiserpreciso.Danolhouparaelacomumaexpressãodedúvida.Amandanãopareceunotar.Elatirouocasaco

eocolocousobreacadeirajuntocomsuabolsa.–Hojeeutiveumalongaconversacomamamãe.–É?Comofoi?–Vocênãoacreditarianametadeseeulhecontasse.–Oqueeladisse?–Vocêtinhadeestarlá.Masdescobriumacoisaquenãosabiasobreela.Danergueuumasobrancelha,emexpectativa.–Elaémaisfortedoqueparece–disseAmanda.Danriu.–Sim...claro,elaémuitoforte–faloucomironia.–Nãopodevernemumpeixinhomorrerque

começaachorar.–Issopodeserverdade,masdemuitosmodoseuqueriaserfortecomoela.–Apostoquesim.QuandoDanviuaexpressãosériadairmã,subitamentepercebeuqueaquilonãoeraumapiadae

franziuassobrancelhas.–Espere–disse.–Nossamãe?

Danfoiemboraalgunsminutosdepoise,apesardesuastentativasdedescobriroqueamãecontaraaAmanda,elaserecusoualhedizer.AmandaentendiaosmotivosdosilênciodeAdrienne, tantonopassadocomonopresente,esabiaqueelacontariaaDanquandoesetivesseummotivoparaisso.

Depois que o irmão foi embora, Amanda trancou a porta e olhou ao redor da sala. Além dedobrarasroupas,elehaviaarrumadotudo.Antesdeelatersaído,haviavídeosespalhadospertodatelevisão, uma pilha de xícaras vazias na mesinha lateral e revistas de um ano empilhadasdesordenadamentenaescrivaninhapertodaporta.

Danhaviacuidadodetudo.Maisumavez.Ela apagou as luzes, pensando em Brent, nos últimos meses e em seus filhos. Greg e Max

dividiamumquartono fimdocorredor.AntesdeBrentmorrer, ela ajudavaosgarotosa fazeremsuasorações,liaparaeleslivrinhoscomdesenhoscoloridosedepoisoscobriaatéoqueixo.

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Hojeseuirmãojáhaviafeitoissoparaela.Nanoiteanterior,ninguémfizera.Dirigiu-seaoandardecima.Acasaestavanaescuridão.Noaltodaescada,ouviuossussurros

entrecortadosdeseusfilhos.Seguiupelocorredor,parouàportadoquartodeleseolhouparadentro.Osdoisdormiamemcaminhascomedredonsdecoradoscomdinossaurosecarrosdecorrida.

Haviabrinquedosespalhadosentreascamas.Umalumináriaestavaligadaemumatomadapertodoarmárioe,nosilêncio,elaviunovamentequãoparecidoscomopaiosdoisgarotoseram.

Eles haviam parado de se mexer. Sabendo que ela os observava, queriam que pensasse queestavamdormindo.

Ochãorangeusobopesodela.Maxpareceuestarprendendoarespiração.GregolhouparaelaefechouosolhosquandoAmandasesentounabeiradadacama.Elaseinclinou,beijou-onabochechaepassougentilmenteamãopeloscabelosdele.

–Oi–sussurrou.–Estádormindo?–Estou–respondeuGreg.Amandasorriu.–Querdormircomamamãehoje?Nacamagrande?–perguntouela,baixinho.Gregpareceudemorarumpoucoparaentender.–Comvocê?–É.–Quero–disseele,eAmandaobeijoudenovoenquantoomenininhosesentava.EntãoelafoiatéacamadeMax.Oscabelosdeletinhamassumidoumbrilhodouradoàluzque

entravapelajanela,parecendoumenfeitedeNatal.–Oi,querido.Maxengoliuemseco,osolhosfechados.–Possoirtambém?–Sevocêquiser.–Euquero–disseele.Amandasorriuquandoelesselevantaram,equandocomeçaramasedirigiràportaelaospuxou

paratrás,paraabraçá-los.Elestinhamcheirodegarotinhos:deterra,gramamolhadaeinocência.–Quetalirmosamanhãaoparqueedepoistomarmossorvete?–sugeriuela.–Podemossoltarpipa?–perguntouMax.Amandaosapertoucommaisforça,fechandoosolhos.–Odiainteiro.Enodiaseguintetambém,sequiserem.

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Passavadameia-noiteeAdrienneestavasentadanacamaemseuquarto,segurandoaconcha.Danhaviatelefonadoumahoraantes,cheiodenovidadessobreAmanda.

–Elamedissequevai saircomosgarotosamanhã, sóeles três.Queelesprecisampassarumtempocomamãe.–Elefezumapausa.–Nãoseioquevocêdisse,masachoquefuncionou.

–Quebom.–Então,oquevocêfalouparaela?Sabe,Amandafoiumpoucoreservadaemrelaçãoaisso.–Amesmacoisaquetenhoditootempotodo.AmesmacoisaquevocêeMattnãoparamdedizer.–Entãoporquedestavezelaaouviu?–Porquefinalmentequis–respondeuAdrienne.Mais tarde, depoisde ter desligadoo telefone,Adrienne leu as cartasdePaul, como sabiaque

faria.Ela tambémhavia lido as cartas que enviara aPaul durante aquele ano.Estavamna segundapilha, a que Mark Flanner tinha trazido quando fora à casa dela dois meses depois de Paul serenterradonoEquador.Emboraaslágrimastornassemdifícilveraspalavrasdele,aspalavrasqueelamesmaescreveraeramaindamaisdifíceisderevisitar.

Antesdeirembora,AmandahaviaseesquecidodeperguntarsobreavisitadeMark,eAdriennenãoalembraradisso.Maisàfrente,afilhapoderiavoltaratocarnesseassunto,masmesmoagoraAdriennenãoestavacertasobreatéquepontocontaria.Essatinhasidoaúnicapartedahistóriaqueguardaratotalmenteparasiaolongodosanos,trancadacomoascartas.NemmesmoseupaisabiaoquePaulfizera.

Àluzpálidaqueseinfiltravapelajanela,Adrienneselevantoudacama,pegouumcasacoeumcachecolnoarmárioedesceuaescada.Abriuaportadosfundosesaiu.

Asestrelasbrilhavamcomopequenas lantejoulasnacapadeummágico,eoarestavaúmidoefrio.Noquintal,viupoçasescuras refletindoocéucordeébano.Luzesbrilhavamnas janelasdosvizinhose,emboraAdriennesoubessequeeraapenassuaimaginação,quasepôdesentiramaresia,comoseanévoamarinhaestivesseinvadindoosjardinspróximos.

Mark havia ido à casa de Adrienne em uma manhã de fevereiro; ainda estava com o braçoenfaixado apoiado em uma tipoia, mas Adrienne mal notara. Em vez disso, ficou encarando-o,incapazdedesviaroolhardorostodele.Eraexatamenteigualaopai,pensou.AoabriraportaeverosorrisotristedeMark,Adriennedeuumpequenopassoparatrás,fazendoumgrandeesforçoparaconteraslágrimas.

Sentaram-se àmesa, com duas xícaras de café entre eles, eMark tirou as cartas da bolsa quetrouxera.

–Eleasguardou–disse.–Eunãosabiaoquefazercomelasalémdetrazê-lasparavocê.

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Adrienneassentiuenquantoaspegava.–Obrigadaporsuacarta–falouela.–Seiquantodevetersidodifícilparavocêescrevê-la.–Nãohádequê–respondeuMarke,porumlongomomento,ficouemsilêncio.Depois,enfim,disse-lheporqueviera.Agora,navaranda,AdriennesorriaaopensarnoquePaul fizeraporela.DepoisqueMarkfoi

embora, ela tinha ido visitar o pai na clínica para idosos, o lugar de onde ele nunca teria de sair.ComoMarkhaviaexplicado,Paulcuidaradetudoparaqueopaipermanecesseláatéofimdeseusdias – um presente com que esperara surpreendê-la. Quando ela ameaçou protestar,Mark deixouclaroquePaulteriaficadocomocoraçãopartidoseelanãoaceitasse.

–Porfavor–pediraele.–Eraissoquemeupaiqueria.Nosanosseguintes,AdrienneselembraracomcarinhodoúltimogestodePaul,assimcomode

todos os detalhes dos poucos dias que passaram juntos. Paul ainda significava muito para ela –sempre significaria –, e no ar frio da noite de inverno que se aproximava, Adrienne soube quesempresesentiriadessaforma.

Jápassaradametadedavida,masnãosesentiaassim.Anosinteirostinhamdesaparecidodesuamemória,comopegadasnaareiapertodabeiradaágua.AnãoserpelosdiasqueestiveracomPaul,àsvezesachavaqueviveraaprópriavidacomumníveldeconsciêncianãomuitomaiordoqueodeumacriançapequenaemumlongopasseiodecarro,olhandoapaisagemmudarpelajanela.

Apaixonara-seporumestranhoemumfimdesemana,enuncaseapaixonariadenovo.OdesejodeamarnovamentechegaraaofimemumaestradasinuosanoEquador.Paulmorrerapelofilhoe,naquelemomento,partedeAdriennemorreratambém.

Porém, ela não tinha se tornado amarga. Na mesma situação, sabia que também teria tentadosalvaroprópriofilho.Sim,Paulsefora,maslhedeixaramuito.Elahaviaencontradoamorealegria,umaforçaquenuncasouberaquetinha,enadapoderialhetirarisso.

Mas agora estava tudo terminado, exceto as lembranças, eAdrienne as construíra com infinitocarinho.Eramtãoreaisparaelaquantoocenárioparaoqualolhavaagora.Piscandoparaconteraslágrimasquetinhamcomeçadoacair,ergueuoqueixo.Olhouparaocéuerespiroufundo,ouvindooecodistantedasondasquebrandonapraiaemumanoitetempestuosaemRodanthe.

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Agradecimentos

Noitesdetormenta,comomuitosdemeusromances,nãopoderiatersidoescritosemapaciência,oamoreoapoiodeminhaesposa,Cathy.Elasóficamaislindaacadaanoquepassa.

Como a dedicatória é aos meus três outros filhos, tenho de agradecer a Miles e Ryan (queganharamumadedicatóriaemUmacartadeamor).Amovocês!

Também gostaria de agradecer a Thereza Park e JamieRaab, respectivamenteminha agente emeueditor.Elesnãosótêmótimosinstintoscomonuncamedeixaramescorregarnaescrita.Emboraàsvezeseuresmunguesobreosdesafiosque issorepresenta,oprodutofinaléoqueégraçasaosdois.Quandoelesgostamdahistória,aschancesaumentamdequevocê,leitor,vágostartambém.

LarryKirshbaumeMaureenEgentambémmerecemmeusagradecimentos.QuandovouaNovaYork, visitá-los é comovisitarminha família.Eles tornaramaWarnerBooksum larmaravilhosoparamim.

DeniseDiNovi,aprodutoradeUmacartadeamoreUmamorpararecordar,émuitocompetentenoquefazetambéméumapessoaquerespeitoeemquemconfio.Éumaboaamigaemereceminhagratidãoportudooquefez–eaindafaz–pormim.

Richard Green e Howie Sanders, meus agentes em Hollywood, são ótimos amigos, ótimaspessoaseótimosnoquefazem.Obrigado,rapazes.

ScottSchwimer,meuadvogadoeamigo,semprecuidademim.Obrigado.Na área de publicidade, preciso agradecer a JenniferRomanello,EmiBattaglia eEdnaFarley;

Flageorestodopessoaldodesigndacapaamericana;CourtenayValentieLorenzoDeBonaventura,daWarnerBros.;HuntLowryeEdGaylordII,daGaylordFilms;MarkJohnsoneLynnHarris,daNewLineCinema:foiótimotrabalharcomtodosvocês.Obrigado.

MandyMoore e ShaneWest forammaravilhosos emUm amor para recordar, e agradeço seuentusiasmopeloprojeto.

Eháaspessoasdafamília(quetalvezgostemdeverseusnomesaqui):Micah,Christine,AlliePeyton; Bob, Debbie, Cody e Cole;Mike e Parnell; Henrietta, Charles e Glenara; Duke eMarge;DianneeJohn;MonteeGail;DaneSandy;Jack,Carlin,Joe,ElaineeMark;MichelleeLemont;Paul,JohneCaroline;Tim,JoannieePapaPaul.

E,éclaro,comopossomeesquecerdePauleAdrienne?

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Sobreoautor

NICHOLASSPARKS lançou seuprimeiro livro aos 31 anos, ao qual se seguiramoutros 18.Suasobrasforamtraduzidaspara50idiomasejávenderammaisde100milhõesdeexemplaresnomundotodo.OnzedeseuslivrosganharamadaptaçõesparaocinemaeparaaTV.

OautormoranaCarolinadoNorteetemcincofilhos.

www.nicholassparks.com

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CONHEÇAOUTROSTÍTULOSDOAUTOR

OMILAGRE

Jeremy Marsh é um jornalista cético que dedica a vida a investigar e desmentir fenômenossobrenaturais. Ele está no auge do sucesso, prestes a ir trabalhar naTV, quando recebe uma cartacuriosa.

Nela, uma senhora relata a ocorrência de luzes estranhas e fantasmagóricas no cemitério deBooneCreek,umapequenacidadenaCarolinadoNorte.Farejandoumaboahistória,JeremysaideNovaYorkevaipassarumasemanalá.

Quando começa suas investigações, ele conhece a obstinada Lexie Darnell. Responsável pelabiblioteca local, ela está determinada a proteger as pessoas e a cidade que tanto ama – e nemumpoucodispostaaconfiarnoforasteiro.Depoisdesofrerpelotérminodedoisrelacionamentos,elatemduascertezas:aprimeiraédequeseulugaréemBooneCreek,easegundaédequenãosepodeacreditarnumhomemtãosedutorquantoJeremy.

Oqueelanãoimaginaéqueojornalistatambémtemsuasferidas.Elenuncaconseguiusuperarcompletamenteadordeseucasamentodesfeitoeafrustraçãodesaberquejamaispoderáserpai.

Enquanto tentadescobrir averdadepor trásdas luzesdocemitério, Jeremy temquedesvendartambémosprópriossentimentosesevêdiantedeescolhasmuitodifíceis,entreelasadevoltarparaavidaqueconheceemNovaYorkoufazeralgocompletamentenovo:acreditar.

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OMELHORDEMIM

Naprimaverade1984,osestudantesAmandaColliereDawsonColeseapaixonaramperdidamente.Emboravivessememmundosmuitodiferentes,oamorquesentiamumpelooutroparecia forteobastanteparadesafiartodasasconvençõesdeOriental,apequenacidadeemquemoravam.

Nascido emuma família de criminosos, o solitárioDawson acreditavaque seu sentimentoporAmandalhedariaaforçanecessáriaparafugirdodestinosombrioquepareciatraçadoparaele.Ela,umagarotabonitaedefamíliatradicional,quesonhavaentrarparaumauniversidadederenome,vianonamoradoumporto seguro para toda a sua paixão e seu espírito livre. Infelizmente, quandooverãodoúltimoanodeescolachegouaofim,arealidadeosseparoudemaneiracrueleimplacável.

Vinte e cinco anos depois, eles estão de volta a Oriental para o velório de Tuck Hostetler, ohomemqueumdiaabrigouDawson,acobertouonamorodocasaleacabousetornandoomelhoramigodosdois.

SeguindoasinstruçõesdecartasdeixadasporTuck,ocasalredescobrirásentimentossufocadoshádécadas.Apóstantotempoafastados,AmandaeDawsonirãoperceberquenãotiveramavidaqueesperavamequenuncaconseguiramesqueceroprimeiroamor.Umúnico fimdesemana juntosetalvezseusdestinosmudemparasempre.

Numromanceenvolvente,NicholasSparksmostratodaasuahabilidadedecontadordehistóriasereafirmaqueoamoréaforçamaispoderosadoUniverso–eque,quandoduaspessoasseamam,nemadistâncianemotempopodemsepará-las.

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ORESGATE

TaylorMcAden é voluntário do corpode bombeiros da pequenaEdenton.Destemido a ponto deparecer imprudente, enfrenta incêndios,participade salvamentos,desafiaamorte semhesitar.Masumacoisaelenãotemcoragemdefazer:entregarseucoração.

Portodaavidaeleseenvolveucommulheresqueestavammaisembuscadeapoioquedeamor–esempreseafastavadelasassimqueorelacionamentocomeçavaaficarsério.

Numa noite de tempestade, enquanto sinalizava postes de energia caídos, Taylor encontra umcarrobatidonabeiradaestrada.Assimquerecobraossentidos,Denise,amotorista,perguntapelofilho.MasKyle, ummenino de 4 anos que tem problemas de audição e de fala, não está em suacadeirinhanobancotraseiro.

Duranteabuscapelogaroto,Denisesesurpreendeaoverqueestádiantedeumhomemcapazdeabrirmãodaprópriavidaparasalvarumacriança.EoqueTaylornemimaginaéqueesseresgateserámuitodiferentedetodososquejáfez,poisexigirámaisdoquecoragemeforçafísica–etalvezpossalevá-loàprópriasalvação.

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