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Revista Olhares Sociais / PPGCS / UFRB, Vol. 03. Nº. 01 – 2014/ pág. 3
NOS TEMPOS DA DITADURA: A MEMÓRIA DE UMA MULHER BAIANA
NA RESISTÊNCIA
ARY ALBUQUERQUE CAVALCANTI JUNIOR1
RESUMO
O presente artigo é parte integrante dos estudos realizados no Programa de Pós-
Graduação em História Regional e Local da Universidade do Estado da Bahia, com o
objetivo de analisar e refletir sobre memórias de mulheres baianas que resistiram à
ditadura militar. Este período foi marcado por fortes ações governamentais no intuito de
coagir quaisquer movimentos que fossem de encontro a Segurança Nacional do Estado.
Ao passo que no ano de 2014 completou-se 50 anos da tomada do Estado pelos
militares, este trabalho também propõe a discussão de novas fontes e abordagens sobre
o período. Quanto à participação de mulheres baianas no contexto histórico já
mencionado e à luz de novas implicações, apresentamos a senhora E.A., que tivera a
vida alterada a partir do momento em que o regime militar é instaurado no Brasil.
Palavras-chave: Ditadura – Memórias – Mulheres – Bahia
ABSTRACT
This article is part of the studies in the Postgraduate Program in Regional and Local
History at the University of Bahia, which aims to analyze and reflect on Bahian women
memories that resisted the military dictatorship. This period was marked by strong
government action in order to coerce any movements which are against the State
National Security. While in 2014 was completed 50 years of state taken by the military,
this work proposes the discussion of new sources and approaches of the period. The
participation of Bahian women in the historical context mentioned above and the light
of new implications, presented Mrs. EA, which had life changed from the time when the
military regime is established in Brazil.
Keywords: Dictatorship - Memories - Women – Bahia
1 Mestrando em História Regional e Local – Universidade do Estado da Bahia (UNEB) E-mail:
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
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INTRODUÇÃO
A ditadura militar brasileira no ano de 2014 completou 50 anos desde sua
instauração (1964). Ao longo das últimas décadas, inúmeras obras e estudos surgiram
no intuito de problematizar e não deixar “morrer” as experiências traumáticas do
período. Contudo, é importante pontuar que ainda no período ditatorial, principalmente
após a década de 70 do século XX, com a lei 6.683/79 de anistia, houve um “boom” de
trabalhos que visaram trazer aos olhos do grande público memórias de resistentes,
anistiados e torturados, além de suas reflexões sobre a ditadura civil-militar de 1964
(Martins Filho, 2003).
No campo da história, a historiografia brasileira passou a debater a utilização da
memória e da história oral como ente importante para as novas abordagens
historiográficas na década de 80 (Montenegro, 2010). Nessa perspectiva, o presente
trabalho aborda a relação da memória com as reconstruções realizadas por uma mulher
baiana na resistência ao período militar e suas implicações a partir de suas
rememorações. Contudo, por questões pessoais, a senhora abordada neste estudo terá
seu nome representado pela sigla E.A.
No que concerne às mulheres nos anos de chumbo, estas ainda galgam espaços,
ao passo que a maior parte da bibliografia sobre ditadura quando remetida à memória
estas aparecem com poucos registros (Gianordoli Nascimento, 2006). Ainda como
estudante de graduação me perguntava se a “falta” de relatos ou de muitos estudos sobre
as mulheres resistentes ao período se dava pela falta de espaço na academia, abstenção
do debate por traumas entre outros imagináveis. Contudo, percebi que todos os pontos
elencados poderiam fazer sentido, uma vez que na década de 60 a política era um
espaço prioritariamente masculino. Além disso, por mais que houvesse resistência de
muitas mulheres ao período, e que se dê o devido espaço, muitas mulheres preferem o
anonimato, principalmente pelos traumas e exposições causados pela tortura (Colling,
1997).
No que se relaciona ao período militar, percebemos que os maiores nomes e as
representações de luta política se voltam aos homens, a exemplos de Marighela e Carlos
Lamarca. Contudo, o que se permeia neste breve artigo não é o reducionismo ou o
romantismo à história das mulheres nos anos de chumbo, bem como não levar em conta
homens que resistiram e militaram no período, longe disso, o que se permeia é o
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reconhecimento de um espaço há muito tempo negado, e que aos poucos vem ganhando
novos estudos e abordagens.
Quanto ao contexto em que se dará a tomada do poder pelos militares, é
importante pontuar que o pós-segunda guerra contribuiu para as reviravoltas que a
política mundial sofreu nos anos que se sucederam. A partir do acirramento entre
ideologias o mundo vivia no cenário denominado Guerra Fria, a partir de uma
bipolarização. (Montenegro, 2010). Dessa forma,
(...) esse foi um modelo que se estabeleceu e se ampliou após a Segunda Guerra Mundial, tendo os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Soviéticas Socialistas como símbolos, respectivamente, do mundo capitalista e do mundo comunista, em relação à América Latina a ascensão de Fidel Castro em Cuba acirraria
ainda mais as disputas nesse cenário. (Montenegro, 2010, p. 138)
Nessa perspectiva, com a efervescência do embate ideológico de proporções
mundiais, a década de 60 trouxe consigo ideais culturais, políticos e sociais que se
expandiram pelo mundo e consequentemente para o Brasil. Ainda, como aponta
Montenegro (2010), a preocupação e o temor que o Brasil seguisse o modelo cubano
(comunista) fez com que o governo americano tivesse atenção central na política
externa Brasileira. Como apresenta Skidmoore (2004), o patrocínio Norte-Americano
no golpe de 1964 era algo existente. E na madrugada de 1º de Abril de 1964, o Golpe
civil-militar declara um novo período na história nacional (Alves, 2005). Com a tomada
do Estado Brasileiro, ou como os próprios militares da época diziam: a Revolução
gloriosa, o objetivo inicial era coibir o avanço do comunismo no Brasil, além de
proteger as famílias e a igreja contra os subversivos, trazer o equilíbrio econômico ao
país e resolver o problema do caos social que se encontrava (Skidmoore, 2004).
Uma vez o país comandado por militares, estes formulam formas de coagir e
coibir quaisquer movimentos e ações que fossem contrários as suas bases ideológicas ou
que ferissem os princípios de Segurança Nacional, baseados no Manual da Escola
Superior de Guerra Norte-Americana (ESG). Dessa forma, segundo Alves (2005), os
comunistas passam a ser chamados de “subversivos”, tachados por muitos como o
grande inimigo da Ditadura. Além disso, a guerra revolucionaria é automaticamente
vinculada à infiltração comunista e à iniciativas indiretas por parte do comunismo
internacional controlado pela União Soviética (...).(ALVES, 2005: p. 45)
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Nessa perspectiva, após os 21 anos (1964 – 1985) que se deram os embates entre
o governo dos militares e seus opositores, um legado de memórias foi apresentado
através de livros, obras cinematográficas e entrevistas de indivíduos que tiveram
participação no período, bem como que fizeram estudos posteriores e escreveram
biografias, a exemplos de Gabeira (1979) e Gorender (1987). Contudo, os trabalhos
referentes à ditadura militar brasileira vêm a cada dia apresentando novos olhares e
perspectivas de análise. Nesse âmbito, passaram a surgir estudos que buscam analisar a
inserção da mulher como ativa no processo político do período, a exemplos de Ridenti
(1990), Ferreira (1996) e Colling (1997).
No que tange ao início deste estudo sobre a resistência das mulheres baianas na
ditadura surgiu ainda na graduação, justamente para compreender os problemas em
torno da reconstrução memórialística e no quanto suas experiências em movimentos
sociais, organizações armadas, bem como a clandestinidade e exílio representam a
memória do período militar. Além disso, percebi a escassez de estudos sobre as
mulheres baianas no período ditatorial, tanto fora quanto dentro do Estado, ao passo que
a Bahia teve ampla resistência e luta política neste recorte histórico2. Para tal estudo
aqui apresentado foram utilizadas entrevistas orais com a senhora E. A., além de
documentos da época e outros encontrados em arquivos. Dona E. A. é ex-militante do
Partido Comunista Brasileiro (PCB), motivo pelo qual foi presa e indiciada no Inquérito
Policial Militar (IPM) do seu partido ficando presa por pouco mais de 5 meses. Logo, o
presente trabalho apresentará a memória e a participação de uma mulher baiana na
resistência à ditadura militar, bem como suas implicações na rememoração dos fatos.
MEMÓRIA E DITADURA
Em torno da discussão da memória e de novos olhares sobre a ditadura militar é
possível concebermos as inúmeras “armadilhas” encontradas em torno da reconstrução
dessa memória pós-ditadura. Logo, com as inúmeras publicações de memórias dos anos
de chumbo, é possível concebermos que estas partiram de rememorações do passado a
2 Ver ZACHARIADHES, GC., org. Ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos
objetivos, novos horizontes. Salvador: EDUFBA, 2009.
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partir de conceitos ideológicos do indivíduo, sua formação política, social etc (Martins
Filho, 2003). Dando-nos o subsídio para compreender o quão a memória está vinculada
aos interesses políticos, sociais, individuais de cada indíviduo que se propõe a
rememorar algo, neste caso o período militar. Como define Le Goff (2003, p. 419), a
memória tem a propriedade de “conservar certas informações, remete-nos em primeiro
lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar
impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas”.
Dessa forma, a aproximação com o presente é um fator que merece atenção
quando se pensa na memória e na sua relação com as Ciências Humanas e neste caso
especificamente com a História. Segundo Sarlo (2007, p. 57), “A disciplina histórica
também é perseguida pelo anacronismo, e um de seus problemas é justamente
reconhecê-lo e traçar seus limites”. Sendo assim, as posições atuais, bem como as novas
concepções de mundo no qual os indivíduos estão vivendo, também influenciam o ato
de rememorar. Logo, o ato de rememorar não é tão simples e merece um olhar atento do
estudioso que fará uso.
Além da questão anacrônica da memória, ainda merecem destaque dois pontos,
sua subjetividade e sua construção individual e coletiva. Quanto ao primeiro, apesar de
já mencionada a relação com posicionamentos políticos e individuais do indivíduo,
segundo Sarlo (2007), só a partir da década de 70 e 80 do século passado é que
inovações como o reconhecimento da subjetividade passa a ser valorizado, algo que esta
autora atribui como “guinada subjetiva”. Sendo esta algo que acompanhou a “guinada
linguística” que desde o século XIX a literatura apresentava destaque a subjetividade
nos relatos e discursos narrados. Segundo Sarlo (2007, p. 18), este fato
(...) coincide com uma renovação na sociologia da cultura e nos estudos culturais, em que a
identidade dos sujeitos voltou a tomar o lugar ocupado, nos anos de 1960, pelas estruturas .
Restaurou-se a razão do sujeito, que foi, há décadas, mera “ideologia” ou “falsa consciência”,
isto é, discurso que encobriria esse depósito escuro de impulsos ou mandatos que o sujeito
necessariamente ignorava. Por conseguinte, a história oral e o testemunho restituíram a confiança
nessa primeira pessoa que narra sua vida (privada, pública, afetiva, política) para conservar a
lembrança ou para reparar uma identidade machucada.
Quanto ao segundo ponto, recorremos à abordagem de Maurice Halbawachs, um
dos maiores nomes no estudo sobre memória. Nessa perspectiva, traz a discussão entre
uma memória individual e uma memória coletiva. Segundo Halbwachs (1990), a
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memória individual é diferente da história de um indivíduo, pois, toda memória
individual sofre influencia do coletivo, de um grupo ao qual se identifica. Dessa forma,
Halbwachs (1990), nega a história individual como única, vendo-a como uma
elaboração psíquica, desenvolvida a partir de contato com as sociedades. Logo, apesar
de inúmeras obras de memórias apresentarem particularidades em suas abordagens e
fatos, estas estão condicionadas a já apresentada subjetividade, bem como a memória de
um grupo no qual fez e/ou faz parte e/ou o indivíduo se identifica. Neste ponto, é
possível identificar que a cada entrevistada realizada com determinados sujeitos que
viveram a ditadura em âmbitos políticos e de resistência, como a própria mulher, a cada
fato mencionado, há aproximações com grupos de esquerda, partidos, companheiros,
movimentos sociais, etc demonstrando uma ideia de pertencimento. Logo, discursos
como “nós fizemos a resistência”, “o partido resistiu”, “a juventude foi à luta”, além de
apresentar um discurso de determinado indivíduo, o relaciona com uma coletividade de
sujeitos e objetos. Sendo assim, é possível nos ater a ideia que por mais individual que
seja o ato de rememorar, o mesmo é tão coletivo quanto suas memórias.
No que tange às memórias da ditadura, uma vez apresentada as concepções e as
motivações militares, é necessário atribuir que respaldados em atos institucionais, tal
como o de nº 5, o governo passou a ter a máquina administrativa, política, social e
cultural sobe sua égide. Dessa forma, uma série de relatos e obras passam a divulgar
denúncias de torturas a presos políticos e contrários à segurança nacional (ALVES,
2005). Como exemplo de uma obra de denúncia ainda no período, temos “Torturas e
torturados”, de Márcio Moreira Alves, que apesar das inúmeras restrições consegue ser
publicado em 1967 fazendo uma série de denúncias à Ditadura e suas práticas contrárias
aos Direitos Humanos.
Na década de 70 e 80, principalmente após a lei 6.683/79, Lei de Anistia, muitos
trabalhos passam a trazer memórias de indivíduos que resistiram à ditadura, como já
mencionado anteriormente, a exemplo de Gabeira (1971). Porém, não se pode esquecer
da memória dos militares que também passam a reverenciar o período e seus atos em
defesa nacional, como “Os Sete matizes da rosa” (Carvalho, 1978) e “Rompendo
silêncio” (Ustra, 1987). Contudo, na visão dos militares, a lei de anistia serviria como
uma conciliação entre o Estado e os presos e anistiados políticos, ou seja, zerando as
contas com o período (Martins Filho, 2003). Segundo (Scarpelli, 2007), sendo algo que
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fica claro na falta de referências de punição ou algo do gênero a responsáveis por atos
de prisão, tortura e assassinatos na ditadura militar brasileira.
Contudo, até hoje temos um grande embate entre os que buscam deixar o
passado e sua fixação na história como uma página virada, e os que trazem discussões
sobre o período ditatorial militar e denúncias sobre o passado. No início de abril de
2014, no Clube Militar do Estado do Rio de Janeiro, um grupo de militares aposentados
se reuniu para comemorar e congratular o aniversário de 50 anos de revolução gloriosa,
pondo fim à ameaça comunista. Enquanto que no final do mesmo ano a “Comissão da
Verdade” entregou ao governo brasileiro um dossiê contendo mais de 300 nomes de
torturadores e vítimas da ditadura militar. Ou seja, o embate entre as memórias do
período militar ainda se encontram como feridas abertas, perdurando um debate sem
precedentes e que expõe principalmente a subjetividade do fato histórico.
A MULHER E A HISTORIOGRAFIA
Na relação entre mulher e história, em meados do século XIX haviam poucas
menções a essas nos estudos até então realizados. Na maioria das abordagens sobre as
mulheres, ganhavam destaque relatos de cronistas, visões de época que partiam de uma
abordagem que priorizava a beleza, a fragilidade, a virtude, ou pelas suas praticas que as
levavam ao descrédito familiar, como por exemplo, uma vida particular escandalosa,
relacionada a traições (Perrot, 2005).
Segundo Matos (2000), as crises de paradigmas da escrita da história
possibilitou que a mesma se revigorasse, levando-a a outras histórias, como a história
das mulheres, algo que ganha força no século XX. Até então, Segundo Perrot (2005), no
que tange à participação da mulher, o silêncio era um mandamento, principalmente
pelas religiões, pela política e pela cultura do comportamento. Ao passo que,
Silêncio das mulheres na igreja ou no templo; maior ainda na sinagoga ou na mesquita, onde elas
não podem nem mesmo penetrar na hora das orações. Silêncio nas assembleias políticas
povoadas de homens que as tomam de assalto com sua eloquência masculina. Silêncio no espaço
publico onde sua intervenção coletiva é assimilada à histeria do grito e a uma atitude barulhenta
demais como a da “vida fácil”. Silêncio, até mesmo na vida privada, quer se trate do salão do
século 19 onde calou-se a conversão mais igualitária da elite das Luzes, afastada pelas
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obrigações mundanas que ordenam que as mulheres evitem os assuntos mais quentes – a política
em primeiro lugar – suscetíveis de perturbar a conviviabilidade, e que se limitem às
conveniências da polidez. “Seja bela e cale a boca”, aconselha-se às moças casadoiras, para que
evitem dizer bobagens ou cometer indiscrições. (Perrot, 2005, p. 10)
No início do século XX, mais precisamente na década de 30, a Escola
Historiográfica dos Annales passa a operar uma ruptura na história, passando a
problematizá-la. Contudo seus interesses ainda perpassam apenas campos econômicos e
sociais. O que segundo Michelle Perrot (1995) só mudara após a década de 70, na sua
terceira geração, passando a um olhar mais receptivo quanto à presença de discussões da
natureza de gênero e da participação da mulher na história.
A partir da década de 70, os estudos passaram a rever as imagens e os
pressupostos que estavam enraizados pela historiografia com relação às mulheres. Por
conseguinte, passou-se a questionar a exclusão e o discurso universal masculino. Já a
partir da década de 80 os estudos voltados para a mulher se apresentavam mais amplos e
heterogêneos, mas seus enfoques ainda calcavam discussões em torno do trabalho e do
cotidiano nas fábricas (Matos, 2000).
Assim, a historiografia das mulheres, passa a ganhar destaque a partir de autores
como Thompson, Michelle Perrot, Joan Scott, Mary del Priori, que em seu tempo
histórico trouxeram contribuições e propostas inovadoras de observar a história das
mulheres. Contudo, Matos (2000) traz uma reflexão importante ao analisar o avanço dos
estudos sobre as mulheres na história. Segundo esta,
O crescimento da produção historiográfica permite apontar que não se trata apenas de inco rporar
as mulheres no interior de uma grande narrativa pronta, quer mostrando que as mulheres atuaram
tanto quanto os homens na história, quer destacando as diferenças de uma “cultura feminina”,
perdendo-se, assim, a multiplicidade do ser feminino, podendo cair numa mera perspectiva
essencialista (Matos, 2000, p. 15).
Apesar do espaço conquistado pelas mulheres na história, este ainda causa
surpresa em simpósios e eventos, algo por experiência própria. Ao ponto que inúmeros
sãos os questionamentos quanto à busca por um tema que se difere de um estudo
tradicional da história, tal como a política, a escravidão e o trabalho. E apesar dos
inúmeros trabalhos realizados e que trazem consigo uma abordagem da mulher não
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como subalterna na história, mas pertencente e agente ativo em sua construção, os
estudos precisam continuar. Afinal,
Escrever uma história das mulheres é um empreendimento relativamente novo e revelador de
uma profunda transformação, está vinculado estreitamente à concepção de que as mulheres têm
uma história e não são apenas destinadas à reprodução, que elas são agentes históricos e possuem
uma historicidade relativa as ações cotidianas, uma historicidade das relações entre os sexos.
Escrever tal história significa levá-la a sério, querer superar o espinhoso problema das fontes
(“Não se sabe nada das mulheres”, diz-se em tom de desculpa). Também significa criticar a
própria estrutura de um relato apresentado como universal, nas próprias palavras que o
constituem, não somente para explicar os vazios e os elos ausentes, mas para sugerir uma outra
leitura possível. (PERROT, 1995, p. 9)
No Brasil, os primeiros estudos de gênero ganham destaque nos anos 80, e já
demonstram um grande avanço, uma vez que apresentam uma mulher participativa na
história, possuidora de ideias e anseios particulares (Matos, 2000). Na década de 90 a
inserção dos debates em torno das questões de gênero que opunham mulheres x homens
trazem um novo balanço para o debate. Neste sentido, não podemos deixar de citar as
contribuições e influencias dos estudos de Foucault e Derrida para os debates, que
trouxeram novas pesquisas em torno das discussões de gênero e sobre a história das
mulheres, convergindo com a nova tendência historiográfica em questão, a história das
mentalidades (Matos, 2000).
Na perspectiva atual, o debate em torno da história das mulheres alcançou novos
sujeitos, pesquisadores, grupos de pesquisa e extensão, simpósios e eventos temáticos,
algo que demonstra a solidificação da história das mulheres como campo histórico no
Brasil. Sendo assim, cabe a nós pesquisadores e simpatizantes com a história das
mulheres ampliarmos tais discussões e trazer novas abordagens não só para a
historiografia, mas para as Ciências Humanas como um todo.
MULHERES NA DITADURA MILITAR
No campo de estudo sobre as mulheres na Ditadura Militar, este ainda é pouco
abordado. Principalmente quando se remete a participação da mulher na resistência.
Segundo Gianordoli Nascimento (2006), as narrativas das mulheres, bem como suas
lembranças e consequentemente as reconstruções de suas histórias de vida deixaram a
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possibilidade de tentar resgatar o aparato social, cultural, político do Brasil daquele
período. Assim, analisando o contexto de obras que remontam a história ditatorial, os
países que um dia viveram um período como este, “pouco se tem construído
socialmente sobre os acontecimentos, prevalecendo outra ditadura: a do silêncio dos que
viveram e contribuíram para a construção desse período histórico”.(Gianordoli-
Nascimento, 2006, p. 25).
Na perspectiva de se reconstruir a memória da ditadura, ao longo dos últimos 21
anos, “uma grande parcela desses sujeitos não pôde, por motivos diversos, assumir e
contar suas histórias, a mulher, como categoria, tem poucos registros históricos
pertinentes” (Gianordoli-Nascimento, 2006, p. 26). Dessa forma, percebemos o quanto
se torna valioso os testemunhos de mulheres que militaram contra o regime, afinal,
através do conteúdo de suas narrativas, a partir das lembranças e consequente da
reconstrução de suas histórias de vida, poderá ser analisada uma perspectiva diferente
do que até então foi possível ser observado. Principalmente na relação entre o ser
mulher, ser militante e resistir à ditadura tanto militar quanto cultural da época.
Nessa perspectiva, ao realizar um grande levantamento de memória de mulheres
no período, foi possível encontrar obras memorialísticas apenas de mulheres, e que
serve para o leitor ampliar o estudo sobre o período sobre diferentes perspectivas. Dessa
forma, podemos mencionar “Memórias das mulheres do exílio” (Costa et all, 1980),
obra que teve dois volumes que relatam as memórias de mulheres brasileiras residentes
fora do país contando sobre o período e sua vivência no exílio. Além desta, temos
“Glória, mãe de preso político” (Viana, 2000) e “Uma história para Érica” (Moraes,
2002) que também remontam a ditadura militar sobre a perspectiva das mulheres.
Ainda no que concerne a participação das mulheres nos anos de chumbo,
existem outras implicações. A posição da mulher dentro dos movimentos de esquerda,
bem como sua representação pela ditadura, torturadores e famílias era algo quase que
em sua totalidade vista de forma negativa. Salvo que muitas mulheres participaram da
resistência e da luta armada na ditadura como aponta Ridenti (1990), contudo, a
participação da mulher nos questionamentos políticos e socioculturais era algo que não
rompia apenas com o conceito político, mas moral e cultural do ser masculino e do ser
feminino.
No limiar da família, dos costumes da época e da ditadura, bem como dos
torturadores, as mulheres tinham a função de resolver problemas destinados ao lar e seu
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espaço era restrito a questões familiares (Colling, 1997). Logo, as mulheres que
ousavam ir contra esse “sistema” cultural, travando uma luta político-ideológica
passavam a ser vistas de forma negativa e alienadas pela política. Sendo assim,
despossuídas de pensamentos próprios, ligadas a ideia de estarem atrás de seus maridos
e não por idealismo político, adjetivos como “puta comunista” e “mulher-macho”
passam a ser um sobrenome destinado para as mulheres. Ainda com base em relatos
apresentados por Colling (1994), problematizando a participação das mulheres na
ditadura, esta faz uma série de entrevistas com quatro ex-militantes, as quais deixam
inúmeras características importantes para análise.
Violeta lembra da época de suas prisões, quando a polícia tentava humilhar a mulher militante.
“A marca principal, a marca registrada era desmoralizar a gente, sempre nestes dois parâmetros
que eles sabiam que tocava mais fundo: ou a gente estava na luta para conseguir homem, ou a
gente estava na luta porque não era uma mulher. Inconcebível que uma mulher normal, bem
amada, fosse se meter naquele tipo de coisas.”
A humilhação na tentativa de descaracterizar esta mulher como uma mulher normal, mas
desviante, também aparece no depoimento de Pagu:
“O que eles queriam, na verdade, era atingir a mulher, era dizer que a mulher que se mete em
atividades políticas, ou em militância política, é uma mulher que no mínimo é pro stituta, dada a
vícios, dada a qualquer outra coisa menos séria”. (Colling, 1997, p. 101-102)
Ainda sob o olhar de Colling (1997), a mesma chama atenção para o fato que
muitos movimentos da esquerda buscavam uma revolução, contudo apenas em âmbitos
políticos, deixando o cultural no sentido de igualdade de gêneros de lado. Ainda nessa
perspectiva, os próprios movimentos de esquerda possuíam um caráter de elevação
masculina em comparação a ação feminina.
A trajetória da construção do sujeito político feminino é marcada por práticas sociais e projetos
específicos da sociedade. O reconhecimento das mulheres como sujeitos políticos encontra
barreiras na tentativa de desconstrução porque rompe com os padrões estabelecidos pela família
e opõe a sociedade, que determinou códigos masculinos de participação publica e política.
As mulheres militantes se identificam com o discurso masculino para se constituírem como
sujeitos políticos, já que na luta política sua condição de gênero esta subsumida no discurso de
unificação dos sujeitos. As relações de gênero são subtraídas pelos dois polos – o discurso da
esquerda e o da direita. O discurso feminino se perde, não tem memória. (COLLING, 1997: 95)
Ainda nesta perspectiva do espaço da mulher, segundo Ridenti (1990) existiam
muitas mulheres em organizações de esquerda, porém, poucas tiveram cargos de
destaque dentro delas. Dessa forma, no intuito de amenizar os problemas em torno desta
cultura machista, muitas mulheres negavam ou “reinventavam” sua sexualidade,
deixando de lado sentimentos, ou quaisquer paixões que pudessem fragilizá-la, ou que
pudessem levá-la a dificuldade na tomada de uma decisão difícil como atirar.
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No limiar da participação de mulheres em movimentos de esquerda, Ridenti
(1990) ressalva que o PCB (Partido Comunista Brasileiro) foi o partido com o maior
número de militantes do sexo feminino, a exemplo da senhora E. A. que será
apresentada no próximo tópico deste artigo. Ainda em meio aos estudos que
problematizam a participação da mulher na ditadura, contudo em âmbitos recentes,
podemos citar exemplos como Hessmann (2010) e Sinuelo (2011). A primeira observou
a construção da mulher comunista a partir da esquerda e de militantes do sexo
masculino, ao passo que a segunda faz uma belíssima investigação da trajetória política
de mulheres brasileiras que se envolveram na luta armada entre os anos de 1968 a 1971.
Esses e outros estudos recentes nos permitem perceber o quanto a participação das
mulheres na ditadura militar, neste caso na resistência e na luta armada, vem
apresentando estudos e representatividade a cada dia, além de espaço próprio dentro dos
estudos sobre os anos de chumbo.
Assim, resistências à ditadura, contra o meio social em que viviam e de certa
forma, contra uma “cultura” política enraizada e predominantemente machista são
apenas algumas características importantes para analisarmos ou refletirmos sobre a
importância desta temática tanto para a história do período, bem como para a história
das mulheres. A cada novo estudo é apresentado novos problemas, novos olhares para a
história, histórias construídas por Marias, Clarices e que precisam ser “descobertas” ou
trazidas à memória externa, para que seja conhecido um novo olhar, a partir das tantas
mulheres que contribuíram para a luta de redemocratização do país.
RELEMBRAR PARA QUE NUNCA MAIS SEJA REPETIDO
No intuito de analisar e estudar a resistência feminina ao autoritarismo da época,
bem como suas formas de sobrevivência política e ideológica, foi realizada entrevista
com a senhora E. A., que por motivos particulares terá o nome preservado. Baiana,
natural da cidade de Jaguaquara, foi estudante de Teatro na Universidade da Bahia até
1964, quando teve que abandonar o curso em virtude das perseguições que passou a
sofrer após a instauração do Golpe Civil Militar.
Como grande parte das mulheres que militaram politicamente neste período, E.
A. atribui-se características de uma mulher a frente do seu tempo, uma vez que saiu
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cedo do interior para buscar melhores condições de vida na capital. Algo bastante
recorrente em mulheres que tiveram participação política no período é sua posição
enquanto a ter uma pré-disposição a tomar atitudes que não eram tão aceitáveis na
cultura da época.
No ano de 1962 já em Salvador, com 17 anos, se envolve com o movimento
estudantil, com a luta operaria e com o campesinato. No movimento estudantil, faz parte
do Diretório Acadêmico de Teatro, onde tivera a experiência de ir ao município de Cruz
das Almas, palco de destaque no movimento de resistência política e estudantil. Por
ironia ou não do destino, lá encontra seu futuro marido, homem que já apresentava
posições políticas definidas e contrárias ao governo dos militares.
Uma vez militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), pertencente ao
Diretório Acadêmico de Teatro da Universidade da Bahia, E. A. nos conta que é
“expulsa” da instituição de ensino por ser acusada de “subversão”, passando a ser
procurada pela polícia. E ao saber da tomada da capital Salvador por tropas militares e
que o cerco a estudantes e/ ou quaisquer pessoas que fossem acusadas de subverterem a
ordem seriam presas. E. A., menciona que após uma tentativa de resistência de
permanência em Salvador, sem apoio e o medo da prisão, juntamente com seu, agora,
noivo recorre a familiares que moravam no interior da Bahia na busca de proteção.
No ida ao interior, agora como casal, E. A. e seu companheiro viajam com
destino incerto para São Miguel das Matas, contudo, erram o itinerário e retornam para
Salvador. Posteriormente viajam para Feira de Santana e Jequié antes de irem para o
Estado do Rio de Janeiro e se acomodarem no aparelho do PCB, local onde
posteriormente serão presos. Retomando rapidamente a passagem por Jequié, ao se
acomodarem na casa de um dos tios de E.A., estes a questionam porque estaria viajando
para o Rio de Janeiro com um homem sem estarem casados. Esse ponto nos chama a
atenção pela representação de uma cultura da época, onde mulher não viaja sozinha com
outro homem sem estar casada, remontando a ideia conservadora e com os devidos
cuidados do termo e do conceito “machista”. Além disso, isto nos leva a problematizar a
função da mulher naquela sociedade, sem apresentar ações fora da normalidade da
época, ou seja, familiar.
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Uma vez no Rio de Janeiro, E. A. atribui que viviam em uma semi-
clandestinidade e que apesar de ter duas carteiras de identidade, não as utilizou. A
princípio tentou encontrar emprego com a experiência que já tinha. Contudo, apesar de
trabalhar nos meses iniciais, o dinheiro que a mesma e seu companheiro obtinham não
dava para mantê-los. Ainda nessa perspectiva, E. A. menciona que no apartamento que
viviam com companheiros do partido, o PCB, compartilhavam e viviam em família.
Sendo este um dos pontos bastante mencionados em livros de memórias de resistentes à
ditadura (Alves, 1967).
Ainda em 1964, na procura por dirigentes do PCB, tais como Mario Alves, Ivam
Alves, Ivam Ramos Ribeiro, os militares chegam ao aparelho do Grajaú (bairro carioca)
e prendem todos, inclusive E. A. e seu companheiro. Ao ser levada para a prisão, E. A.
conta que o primeiro ato de tortura foi ser presa com apenas uma única peça de roupa, a
que estava portando. Além disso, a mesma menciona que os militares jogaram pó
xadrez, tingindo a roupa em cor preta, que ao entrar em contato com as vestes não havia
como limpá-las. Por conseguinte, E. A. relata que a demarcação dos presos, desde sua
abordagem e tratamento como criminoso não deixa de ser uma forma de tortura.
Quanto à relação entre os presos políticos e a vida em cárcere, E. A. diz que
apesar da situação em que o país vivia e as constantes ameaças a oposicionistas, os
presos tinham uma ótima relação entre si, favorecendo a laços de amizade e
companheirismo. Por conseguinte, E. A. menciona a amizade que tivera com uma
mulher que já se encontrava em cárcere e emprestara suas roupas a ela quando chegou.
Posteriormente essa amiga, fará menções a E.A. na obra “Torturas e Torturados” de
Alves (1967).
À noite, ordens de transferência para todos os presos antigos, levados para lugar indeterminado,
permanecendo no xadrez apenas eu e minha companheira, (...), (cujo marido, também preso, foi
transferido naquela noite). Trancadas em nossa cela, assistimos à retirada dos companheiros. Em
poucos minutos, as celas são esvaziadas de todos os alimentos, móveis, roup as, instalações
elétricas. O trabalho é feito pelos novos presos, que mal se sustinham em pé. Estes passaram a
viver encarcerados em cubículos que compõe o xadrez especial da DOPS. Incomunicabilidade
total. As visitas são suspensas e jornais eliminados, a comida praticamente eliminada (reduzida a
uma caneca de café e um pão pela manhã e uma mistura imunda, repugnante, fria, ao meio dia –
impossível comer). Banhos proibidos e horas marcadas para se ir ao sanitário. Às noites
recomeça o ritual de interrogatórios e pancadarias. De nossa cela ouvimos os gemidos de dor e de fome. (ALVES, 1967, p. 157)
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Ainda no contexto das relações de amizade existentes entre os presos políticos,
segundo E. A. foram importantíssimos para a prática de resistência. Nesse contexto ela
relata uma cirurgia dentária malsucedida que passara no período em cárcere e que traz
sequelas até os dias atuais. Porém, segundo ela, em frente ao DOPS onde estava presa,
havia a padaria de um português onde sua esposa enviava toda noite duas mamadeiras
para nutri-la. Uma mamadeira de chá e outra de leite, algo que possibilitou sua
resistência física nas situações que enfrentava.
Após ficar 05 meses e 27 dias presa, E. A. é liberada pelo DOPS (Departamento
de Ordem e Polícia Social). Segundo ela nos relata, foram dois os principais motivos, o
primeiro por ela ser menor (17 anos na época) e por ter conseguido um habeas corpus
depois de muita relutância dos órgãos superiores e da repressão. Contudo, mesmo sendo
liberada, devia ir em dias intercalados ao Conselho de Guerra do Exército e se
apresentar, como uma espécie de liberdade sob controle, no intuito de reprimir novas
ações subversivas.
Permanecendo no Rio de Janeiro, com ajuda do partido e de movimentos que
acolhiam ex-presos e suas famílias E. A. ainda consegue o habeas corpus para seu
noivo. E após viver o período em cárcere e mais alguns anos de presença política no Rio
de Janeiro, em 1975, retorna já casada à Bahia. Posteriormente retoma atividades de luta
camponesa e de habitação em Salvador.
Com esta breve apresentação da história de E. A. é possível perceber as nuances
e as relações entre a ditadura, cultura da época estavam ligadas a sua história de vida.
As práticas de defesa aos próprios a partir do contato com grupos estudantis, políticos e
civis permitem-nos analisar o quanto a mulher, seja ela baiana ou de qualquer estado,
diga-se brasileira também apresentou formas de resistência à ditadura militar que se
iniciou em 1964. Contudo, também reconhecemos que não há uma verdade absoluta e
como já mencionada (Sarlo, 2007), a subjetividade faz parte dos processos de
rememoração, bem como a ligação do individual e do coletivo, ao passo que
reconstruímos nossa memória a partir do pertencimento a um grupo, a um coletivo
(Halbawchs, 1998). Assim, o presente trabalho é apenas um dos primeiros deste
pesquisador e sua batalha incessante na busca e no aprofundamento tanto de estudos das
mulheres nos anos de chumbo, bem como contribuir para novos estudos sobre a
ditadura militar brasileira e tirá-las do esquecimento se assim permitirem.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar do ano de 2014 ser sugestivo para as memórias do período ditatorial
brasileiro, muito ainda precisa ser realizado. Recorrentemente assistimos debates em
torno da Comissão da Verdade e suas ações no que tange ao direito das
responsabilidades do estado militar no período de seu governo. Contudo, ainda existe
uma quantidade enorme de arquivos e documentos que se encontram perdidos e
escondidos pelo Brasil e mundo a fora que conta detalhes sobre o que foi o período de
1964 a 1985 em nosso país.
No que se remete às memórias, por mais que problematizemos sua utilização e
seu método, sua importância é extrema. Uma vez que permite ao estudioso do período,
ter uma visão de época, por mais que dotada de subjetividade e aproximações com o
presente. As mulheres, assim como outros segmentos, negros, homossexuais etc
também possuíam peculiaridades no trato e na relação com a ditadura. A “puta”
comunista, adjetivo de tratamento dado a muitas mulheres que se envolviam com
política já é carregado de significados e de preconceitos voltados para a mulher.
Enquanto isso a pesquisa não para e tantas outras mulheres ganharão voz, seja
por mim ou por tantos outros estudiosos e estudiosas que se debruçam no tema da
ditadura militar e sua relação com as mulheres. Além disso, pontuo que muito mais que
donas de casa, as mulheres também foram a luta pela redemocratização no Brasil.
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