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Notas de aula de Eq. Dif. OrdinÆria Luiz San Martin 1 Desigualdade de Gronwall Lema 1.1 Sejam : I ! R e : I ! R funıes contnuas denidas num intervalo I =[a; b) com a<b 1. Suponha que (t) 0, t 2 I , e que u : I ! R Ø uma funªo contnua que satisfaz u (t) (t)+ Z t a (s) u (s) ds para t 2 I . Entªo, u (t) (t)+ Z t a (s) (s) e R t s (r)dr ds: Demonstraªo: Considere a funªo v (t) = exp Z t a (s) ds Z t a (s) u (s) ds que Ø derivÆvel, pois a primitiva de uma funªo contnua Ø derivÆvel. Sua derivada Ø v 0 (t) = (t) e R t a (s)ds Z t a (s) u (s) ds + (t) u (t) e R t a (s)ds = (t) u (t) Z t a (s) u (s) ds e R t a (s)ds : Como (t) 0, a desigualdade da hiptese implica que v 0 (t) (t) (t) e R t a (s)ds : Agora, v (a)=0, portanto v (t)= R t a v (s) ds e essa integral Ø majorada pelo segundo termo da œltima desigualdade, isto Ø, v (t) Z t a (s) (s) e R s a (r)dr ds: 1

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Notas de aula de Eq. Dif. Ordinária

Luiz San Martin

1 Desigualdade de Gronwall

Lema 1.1 Sejam � : I ! R e � : I ! R funções contínuas de�nidas num intervaloI = [a; b) com a < b � 1. Suponha que � (t) � 0, t 2 I, e que u : I ! R é umafunção contínua que satisfaz

u (t) � � (t) +

Z t

a

� (s)u (s) ds

para t 2 I. Então,

u (t) � � (t) +

Z t

a

� (s) � (s) eR ts �(r)drds:

Demonstração: Considere a função

v (t) = exp

��Z t

a

� (s) ds

��Z t

a

� (s)u (s) ds

que é derivável, pois a primitiva de uma função contínua é derivável. Sua derivada é

v0 (t) = �� (t) e�R ta �(s)ds

Z t

a

� (s)u (s) ds+ � (t)u (t) e�R ta �(s)ds

= � (t)

�u (t)�

Z t

a

� (s)u (s) ds

�e�

R ta �(s)ds:

Como � (t) � 0, a desigualdade da hipótese implica que

v0 (t) � � (t)� (t) e�R ta �(s)ds:

Agora, v (a) = 0, portanto v (t) =R tav (s) ds e essa integral é majorada pelo segundo

termo da última desigualdade, isto é,

v (t) �Z t

a

� (s)� (s) e�R sa �(r)drds:

1

Em vista de de�nição de v (t) esta desigualdade signi�ca e�R ta �(s)ds �

R ta� (s)u (s) ds �R t

a� (s)� (s) e�

R sa �(s)ds, que é o mesmo queZ t

a

� (s)u (s) ds �Z t

a

� (s)� (s) eR ta �(r)dr�

R sa �(r)drds

�Z t

a

� (s)� (s) eR ts �(r)drds:

Por �m, substituindo esta última desigualdadade na desigualdadade da hipótese sechega ao resultado �nal

u (t) � � (t) +

Z t

a

� (s)u (s) ds

� � (t) +

Z t

a

� (s)� (s) eR ts �(r)drds:

Corolário 1.2 Nas mesmas condições do lema suponha além do mais que � é crescente(� (t) � � (s) se t � s). Então,

u (t) � � (t) eR ta �(s)ds:

Demonstração: De fato, nesse caso, � (t) � � (s) se a � s � t e como � (t) � 0,segue da desigualdade de Gronwall que

u (t) � � (t) + � (t)

Z t

a

� (s) eR ts �(r)drds:

Mas, a derivada de eR ts �(r)dr, como função de s, é �� (s) e

R ts �(r)dr, isto é, o negativo do

integrando da integral do segundo membro. Portanto,

u (t) � � (t) + � (t)h�e

R ts �(r)dr

is=ts=a

= � (t) + � (t)��e

R tt �(r)dr + e

R ta �(r)dr

�= � (t) e

R ta �(r)dr:

2

1.1 Desigualdade para t < a

Lema 1.3 Sejam � : I ! R e � : I ! R funções contínuas de�nidas num intervaloI = (b; a] com �1 � b < a. Suponha que � (t) � 0, t 2 I, e que u : I ! R é umafunção contínua que satisfaz

u (t) � � (t) +

Z a

t

� (s)u (s) ds

para t 2 I. Então,u (t) � � (t) +

Z a

t

� (s) � (s) eR st �(r)drds:

Demonstração: A re�exão em relação ao ponto a é de�nida por t 7! 2a � t. Aimagem do intervalo (b; a] por essa re�exão é o intervalo [a;eb) com eb = 2a � b se�1 < b e eb =1 se b = �1. Dadas u, � e � de�na eu, e� e e�, compondo com a re�exãorelação a a, isto é, eu (t) = u (2a� t), e� (t) = � (2a� t) e e� (t) = � (2a� t). Aplicandoa re�exão na desigualdade da hipótese se obtém para t 2 [a;eb) a seguinte desigualdade(levando em conta que a derivada da re�exão t 7! 2a� t é �1)

eu (t) � e� (t)� Z a

t

e� (s) eu (s) ds� e� (t) + Z t

a

e� (s) eu (s) dsAplicando o lema 1.1 se obtém

eu (t) � e� (t) + Z t

a

e� (s) e� (s) eR ts e�(r)drds t 2 [a;eb):Aplicando de volta a re�exão em relação a a se obtém

u (t) � � (t)�Z t

a

� (s) � (s) e�R ts �(r)drds

� � (t) +

Z a

t

� (s) � (s) eR st �(r)drds t 2 (b; a]:

Da mesma forma que no caso t � a pode-se simpli�car a desigualdade, agora se � édecrescente, com a mesma demontração por re�exão, observando que se � é decrescenteentão e� (t) = � (2a� t) é crescente.

Corolário 1.4 Nas mesmas condições do lema suponha além do mais que � é decres-cente (� (t) � � (s) se t � s). Então,

u (t) � � (t) eR at �(s)ds:

3

2 Limites de soluções maximais

Seja _x = f (t; x) uma equação com f contínua e localmente Lipischitz em relação ax. A proposição a seguir mostra que os pontos limites de uma solução maximal dessaequação não estão no domínio de de�nição da equação.

Proposição 2.1 Seja f : U � R � E contínua e localmente Lipschitz em relação ax 2 E. Seja x : (�; !) ! E uma solução maximal de _x = f (t; x). Então, não existeuma sequência tn ! ! e z 2 E tal que (!; z) 2 U e limn x (tn) = z. O mesmo valepara sequência tn ! �.

Demonstração: Só vai ser demonstrado o caso em que tn ! !, pois o caso tn ! �é análogo.Suponha a existência de tn ! ! e z 2 E tal que (!; z) 2 U e limn x (tn) = z.

Tome vizinhanças V � W de (!; z) tal que f é Lipschitz em W (e, portanto em V ) elimitada em V . Isto é, existem L > 0 e M > 0 tal que jjf (t; x)� f (t; y)jj < L jjx� yjje jjf (t; x)jj < M sempre que (t; x), (t; y) 2 V .Escolha uma bola em R � E da forma (! � �; ! + �) � B (z; �1) que está contida

em V .Tome 0 < r < �1=2. Então, é possível escolher um intervalo [a; b] � (! � �; ! + �)

tal que ! 2 (a; b) e M (b� a) < r. (De acordo com a demonstração do teorema deexistência e unicidade local isso garante que existe uma única solução de�nida em [a; b]que passa por (!; z).)Voltando à sequência tn, tome n su�cientemente grande de tal forma que tn 2 [a; b]

e jjx (tn)� zjj < �1=2. Isso implica que B [x (tn) ; r] � B (z; �1) o que por sua vezimplica que

[a; b]�B [x (tn) ; r] � (! � �; ! + �)�B (z; �1) � V:

Daí que no �retângulo� [a; b] � B [x (tn) ; r] vale jjf (t; x)� f (t; y)jj < L jjx� yjje jjf (t; x)jj < M . Como M (b� a) < r, a demonstração do teorema de existênciae unicidade local garante que existe uma única solução y : [a; b] ! E com condiçãoinicial y (tn) = x (tn).Mas isso é um absurdo pois a solução maximal dada x (t), de�nida em (�; !), passa

por (tn; x (tn)), o que implica que qualquer solução com essa condição inicial tem in-tervalo de de�nição contido em (�; !). �

Corolário 2.2 Seja _x = f (x) uma equação autônoma com f : V � E ! E, V aberto,contínua e localmente Lipschitz. Seja x (t) é uma solução maximal com intervalo dede�nição (�; !) e suponha que exista limt!! x (t) = z 2 V . Então, ! = +1. O mesmovale para limt!� x (t).

4

Demonstração: De fato, o dominio de de�nição da equação diferencial (onde selocalizam os grá�cos das soluções) é R� V . Se limt!! x (t) = z 2 V então (!; z) 2 Va menos que ! = +1. �

3 Solução maximal de equação linear

Dado o espaço de BanachE denote por L (E) o espaço dos operadores lineares contínuosde E, que também é um espaço de Banach com a norma jjT jj = supjjxjj�1 jjTxjj.Uma equação linear (ou melhor a�m) é da forma

_x = A (t)x+ v (t) (1)

onde A : (a; b)! L (E) e v : (a; b)! E são contínuas de�nidas no intervalo (a; b) � R,a < b. O domínio de de�nição da equação é o produto (a; b)� E.A equação (1) satisfaz as condições do teorema de existência e unicidade, pois

1. f (t; x) = A (t)x+ v (t) é contínua. (As aplicações p : L (E)�E ! E, p (T; x) =Tx e + : E � E ! E, (x; y) 7! x + y são contínuas. Portanto, f é composta deaplicações contínuas.)

2. f (t; x) = A (t)x + v (t) é localmente Lipschitz em relação a x, pois f (t; x) �f (t; y) = A (t)x� A (t) y = A (t) (x� y), daí que

jjf (t; x)� f (t; y)jj = jjA (t) (x� y)jj � jjA (t)jj � jjx� yjj :

No entanto, como A é contínua, t 7! jjA (t)jj é limitada em qualquer intervalofechado [c; d] � (a; b). (Lembre-se de que num espaço de Banach qualquer aaplicação z 7! jjzjj é contínua.) Portanto, dado t0 2 (a; b) existem um intervalo(c; d) � (a; b) com t0 2 (c; d) e L > 0 tal que jjA (t)jj < L se t 2 (c; d). Dessaforma, dado (t0; x0) 2 (a; b)� E o conjunto V = (c; d)� E é uma vizinhança de(t0; x0) tal que

jjf (t; x)� f (t; y)jj � jjA (t)jj � jjx� yjj < L jjx� yjj

se (t; x) e (t; y) estão em V .

Consequentemente, por cada (t0; x0) 2 (a; b)�E passa uma única solução maximalde (1).

Proposição 3.1 O intervalo de de�nição de qualquer solução maximal de (1) é todoo intervalo (a; b).

5

Demonstração: Tome uma solução maximal x (t) de�nida no intervalo (�; !). Pelaproposição 2.1, os pontos limites quando t ! ! estão na fronteira do dominio dede�nição da equação, que é (a; b) � E. Com isso, a única possibilidade para ! < bé que limt!! x (t) = 1 (isto é, limt!! jjx (t)jj = +1 em R) o mesmo ocorrendo comlimt!� x (t) =1 se a < �. Portanto, supondo por absurdo que ! < b se chega a umacontradição mostrando que x (t) é limitada num intervalo [t0; !). Para isso será usadoa desigualdade de Gronwall.Suponha que x (t0) = x0 de tal forma que a solução maximal satisfaz

x (t) = x0 +

Z t

t0

(A (s)x (s) + v (s)) ds:

Portanto,

jjx (t)jj � jjx0jj+Z t

t0

jjA (s)x (s) + v (s)jj ds

� jjx0jj+Z t

t0

jjv (s)jj ds+Z t

t0

jjA (s)x (s)jj ds

� jjx0jj+Z t

t0

jjv (s)jj ds+Z t

t0

jjA (s)jj � jjx (s)jj ds:

Isso mostra que x (t) satisfaz a hipótese do lema de Gronwall no intervalo [t0; !) com� (t) = jjx0jj+

R tt0jjv (s)jj ds e � (t) = jjA (t)jj. Daí que

jjx (t)jj � � (t) +

Z t

a

� (s) � (s) eR ts �(r)drds t 2 [t0; !):

As funções � e � são continuas no intervalo (a; b), portanto limitadas em qualquer in-tervalo fechado [c; d] � (a; b). Se ! fosse < b então o segundo membro da desigualdadeacima seria limitado em [t0; (b+ !) =2] e portanto em [t0; !), mostrando que x (t) élimitada nesse intervalo, o que é uma contradição. Portanto, ! = b. Da mesma forma,se aplica a desigualdade de Gronwall para t < t0 para concluir que � = a. �

6

4 Existência de soluções

É possível mostrar a existência (não unicidade) de soluções de uma equação diferencial_x = f (t; x), x 2 E, assumindo apenas a continuidade de f , desde que E seja dedimensão �nita (E = Rn). Cada solução é construída como limite uniforme de umasequência aplicações contínuas. O garante a existência da sequência que tem limite éo teorema de Ascoli-Arzelá, cujo enunciado em espaços métricos é o seguinte:

� Teorema de Ascoli-Arzelá: Sejam X e Y espaços métrico com X compacto eY completo. Denote por C (X; Y ) o espaço das aplicações contínuas f : X ! Ycom a distância d (f; g) = supx2X d (f (x) ; g (x)). As seguintes condições sãonecessárias e su�cientes para que um subconjunto C � C (X;Y ) seja relativa-mente compacto (isto é, o fecho de C é compacto):

1. C é equicontínuo, isto é, 8" > 0, 9� > 0, 8f 2 C, d (x; y) < � )d (f (x) ; g (y)) < ".

2. Para todo x 2 X o conjunto ff (x) 2 Y : f 2 Cg é relativamente compacto.

Teorema 4.1 Seja _x = f (t; x) com f : U � R�Rn ! Rn contínua. Então, para todo(t0x0) 2 U existe um intervalo [a; b] com t0 2 (a; b) e uma solução x : [a; b]! Rn comx (t0) = x0.

A idéia da demonstração consiste em construir a solução como limite uniforme deuma sequência de aplicações xn : [a; b] ! Rn, que são lineares por partes. Essasaplicações lineares por partes são de�nidas da seguinte forma: se [a; b] é um intervalocom t0 2 [a; b] tome uma partição P de [a; b] que contém t0, isto é, a partição é daforma

P = fa = s0; s1 : : : ; sm = t0; t1; t2; : : : ; tn = bg:Então, se de�ne a função contínua xP : [a; b]! Rn que é linear nos intervalos [si; si+1]e [ti; ti+1] e nesses intervalos a derivada (constante) é dada pelo valor de f (ti; x (ti)) nosintervalos [ti; ti+1], à direita de t0, e f (si+1; x (si+1)) nos intervalos [si; si+1], à esquerdade t0. Isto é, xP é de�nida indutivamente da seguinte maneira:

1. À direita de t0: xP (t) = x0 + (t� t0) f (t0; x0) se t 2 [t0; t1], o que de�ne, emparticular xP (t1) = x0 + (t1 � t0) f (t0; x0). Nos sucessivos intervalos se de�ne

xP (t) = x (ti) + (t� ti) f (ti; xP (ti)) se t 2 [ti; ti+1] :

O que dá

xP (t) = x0+

i�1Xj=0

(tj+1 � tj) f (tj; xP (tj))+(t� ti) f (ti; xP (ti)) se t 2 [ti; ti+1] :

7

2. À esquerda de t0: xP (t) = x0 + (t� t0) f (t0; x0) se t 2 [sn�1; t0]. E daí

xP (t) = x (si+1) + (t� si+1) f (s+1i; xP (si+1)) se t 2 [si; si+1] :

O que dá

xP (t) = x0�i�1Xj=0

(sj+1 � sj) f (sj+1; xP (sj+1))�(t� si) f (si; xP (si)) se t 2 [si; si+1] :

O problema dessa construção é que pode acontecer que num determinado passo dade�nição de xP o ponto �nal do intervalo (por exemplo xP (ti+1)) caia fora do domínioU de de�nição de f o que impede de de�nir o passo seguinte. Isso se evita com aseguinte escolha do intervalo [a; b]:

� Escolha um �cilindro� [a; b] � B [x0; r] � U com t0 2 (a; b) e r > 0, tal quepara todo (t; x) 2 [a; b] � B [x0; r], kf (t; x)k < M (existe por continuidade) eM (b� a) < r (faça uma escolha preliminar e depois diminua o intervalo [a; b]).

Com essa escolha de [a; b]� B [x0; r] a aplicação xP �ca bem de�nida, já que paras; t 2 [a; b] vale a desigualdade kxP (t)� xP (s)k �M jt� sj �M (b� a) � r, pois, porexemplo se t 2 [ti; ti+1] e s 2 [sk; sk+1] então

kxP (t)� xP (s)k �i�1Xj=0

(tj+1 � tj) kf (tj; xP (tj))k+ (t� ti) kf (ti; xP (ti))k

+k+1Xj=0

(sj+1 � sj) kf (sj+1; xP (sj+1))k+ (sk+1 � s) kf (sk+1; xP (sk+1))k

� M

i�1Xj=0

(tj+1 � tj) +k+1Xj=0

(sj+1 � sj) + (t� ti) + (sk+1 � s)

!� M (t� s) :

Em particular, kxP (t)� x0k = kxP (t)� xP (t0)k �M (b� a).O conjunto de funções fxP : P partiçãog satisfaz as hipóteses do teorema de Ascoli-

Arzelá, que são

1. Equicontinuidade. De fato, kxP (t)� xP (s)k � M jt � sj, portanto dado " > 0pode-se tomar � < "=M .

8

2. Para cada t 2 [a; b] o conjunto fxP (t) : P é partiçãog é relativamente compactopois está contido na bola B [x0; r], que é um conjunto compacto. (É aqui queentra a hipótese de que E é de dimensão �nita, pois uma bola de raio r > 0 doespaço de Banach E é compacta se, e só se, E é de dimensão �nita.)

Agora tome a sequência de partições Pn que divide sucessivamente os intervalospela metade, isto é, P = fa = s0; s

n1 ; : : : ; s

nm = t0; t

n1 ; : : : ; t

nkg com tni = t0 + i b�t0

2n,

sni = a+ i t0�a2n. Pelo teorema de Ascoli-Arzelá existe uma subsequência yk = xPnk que

converge uniformemente à função x : [a; b]! B [x0; r]: x = lim yk.Essa função x é a solução procurada. Para ver isso, em primeiro lugar x (t0) = x0

pois para toda partição P vale xP (t0) = x0, por contrução.Como x é limite uniforme de aplicações contínuas, x é contínua. Portanto, faz

sentido escrever a integralR tt0(f (s; x (s))) ds.

Deve-se mostrar então que x (t) = x0+R tt0(f (s; x (s))) ds, ou o que é a mesma coisa,

deve-se mostrar que x (t)� x0 �Z t

t0

(f (s; x (s))) ds

= 0;o que será feito veri�cando que essa norma é < " para todo " > 0. Essa igualdade éobtida comparando com yk, através de x (t)� x0 �

Z t

t0

(f (s; x (s))) ds

� kx (t)� yk (t)k+ kyk (t)� x0 � Skk (2)

+

Sk � Z t

t0

(f (s; x (s))) ds

(3)

onde Sk é a soma de Riemmann, (no intervalo entre t0 e t) determinado pela partiçãoPnk . Por exemplo,

Sk =i�1Xj=0

(tj+1 � tj) f (tj; x (tj)) + (t� ti) f (ti; x (ti)) se t 2 [ti; ti+1] :

Agora, dado " > 0 faça as seguintes escolhas de inteiros N1; N2; N3 2 N:

1. N1 tal que kyk � xk1 = supt2[a;b] kyk (t)� x (t)k < "=3 se k � n1.

2. N2 tal que kyk (t)� x0 � Skk < "=3. Para escolher N2 tome em primeiro lugar� > 0 tal que kf (t; x)� f (s; y)k < se jt � sj + kx� yk < � (esse � existe pela

9

continuidade uniforme de f no compacto [a; b] � B [x0; r]). Agora tome N2 talque se k � N2 então kyk � xk1 < �. Então,

kyk (t)� x0 � Skk �i�1Xj=0

(tj+1 � tj) kf (tj; x (tj))� f (tj; yk (tj))k

+(t� ti) kf (ti; x (ti))� f (ti; yk (ti))k

� "=3 (b� a)

i�1Xj=0

(tj+1 � tj) + (t� ti)

!� "=3:

3. N3 tal que Sk � R tt0 (f (s; x (s))) ds < "=3 se k � N3. Isso é possível pois as

somas de Riemmann convergem para a integral.

Por �m, tomando k � maxfN1; N2; N3g a desigualdade (2) mostra que x (t)� x0 �Z t

t0

(f (s; x (s))) ds

� "=3 + "=3 + "=3 = ";

concluíndo a demonstração do teorema.

Corolário 4.2 Se f é contínua então por cada (t0; x0) passa alguma solução maximalde _x = f (t; x).

Demonstração: A construção de soluções maximais via o lema de Zorn requer ape-nas que por cada condição inicial passe pelo menos uma solução. �

O exemplo típico é a da equação _x = x2=3, cujo segundo membro é contínuo, masnão Lipschitz (ao redor da origem). Por uma condição inicial (t0; 0) passam in�ni-tas soluções locais e por qualquer condição inicial (t0; x0) passam in�nitas soluçõesmaximais.Vale a pena comentar que existem exemplos de equações diferenciais _x = f (x), em

dimensão in�nita, com f contínua e não Lipschcitz que não admite solução.

5 Dependência continua

As soluções de uma equação diferencial (contínua e loc. Lispchitz) dependem continua-mente das condições iniciais e dos �parâmetros�, isto é, da função f do segundo membro

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(o enunciado preciso dessa dependência será dado abaixo). As demonstrações estãobaseadas na desigualdade de Gronwall (seção 1), que permite estimar kx (t)� y (t)kpara duas soluções x (t) e y (t) de equações diferenciais �próximas�com condições ini-ciais �próximas�.De maneira precisa, sejam g; f : U � R� E ! E contínuas e localmente Lipschitz

e denote os �uxos de _x = f (t; x) e _y = g (t; y) por (t; s) e � (t; s), respectivamente.Tome duas soluções x (t) = (t; t0)x0 e y (t) = � (t; s0) y0 com condições iniciais (t0; x0)e (s0; y0), respectivamente. Suponha que x e y estão de�nidas no intervalo [a; b] quecontém t0 e s0. Para t 2 [a; b], essas soluções satisfazem

x (t) = x0 +

Z t

t0

f (s; x (s)) ds y (t) = y0 +

Z t

s0

g (s; y (s)) ds;

de tal forma que

kx (t)� y (t)k � kx0 � y0k+Z t

t0

kf (s; x (s))� g (s; y (s))k ds+����Z t0

s0

kg (s; y (s))k ds���� :

A segunda integral do segundo membro pode ser majorada através de

kf (s; x (s))� g (s; y (s))k � kf (s; x (s))� f (s; y (s))k+ kf (s; y (s))� g (s; y (s))k :

Se for usada uma condição de Lipschitz para f , então kf (s; x (s))� f (s; y (s))k �L kx (s)� y (s)k. Obtendo então a desigualdade

kx (t)� y (t)k � kx0 � y0k+����Z t0

s0

kg (s; y (s))k ds����+ Z t

t0

kf (s; y (s))� g (s; y (s))k ds(4)

+

Z t

t0

L kx (s)� y (s)k ds: (5)

Essa é uma desigualdade do tipo u (t) � (t) +R tt0� (s)u (s) como a que aparece na

hipótese do lema de Gronwall com u (t) = kx (t)� y (t)k, � (t) � L e

(t) = kx0 � y0k+����Z t0

s0

kg (s; y (s))k ds����+ Z t

t0

kf (s; y (s))� g (s; y (s))k ds: (6)

A desigualdade (4) foi obtida com a hipótese de que ambas as soluções estãode�nidas num mesmo intervalo. Dessa forma, o primeiro passo para mostrar a con-tinuidade (ao redor de uma solução dada) é provar que soluções de equações próximasa _x = f (t; x) com condições iniciais também próximas são de�nidas nos intervaloscorretos.

11

Para a demonstração do próximo lema convém observar que se x : [a; b] ! E écontínua e seu seu grá�co graf (x) está contido no domínio U � R � E de f entãopropriedades locais da f valem nas vizinhanças de graf (x). Por exemplo, se f é lo-calmente Lipschitz em relação a x então existe uma vizinhança V de graf (x) e L > 0tal que kf (t; y)� f (t; z)k < L ky � zk se (t; y), (t; z) 2 V . Isso porque para cada(t; x (t)) 2 graf (x) tem uma vizinhança V(t;x) em que f é Lipschitz com constanteL(t;x(t)) > 0. Como graf (x) é compacto existe um recobrimento �nito e �nitas con-stantes de Lipschitz sendo que L é a menor delas. Da mesma forma, se f é contínuaentão f é limitada numa vizinhança de graf (x).

Lema 5.1 Seja f : U � R�E ! E contínua e localmente Lipschitz e tome a soluçãomaximal x : (�; !)! E com condição inicial x (t0) = x0. Se [a; b] � (�; !) é um inter-valo fechado com t0 2 [a; b] então existe � > 0 tal que se js0 � t0j < �, ky0 � x0k < � esupt2[a;b] kg (t; x (t))� f (t; x (t))k < � então [a; b] está contido no domínio de de�niçãoda solução maximal y (t) de _y = g (t; y (t)) com condição inicial y (s0) = y0.Aqui g : V ! E é contínua e localmente Lipschitz de�nida numa vizinhança V de

graf�xj[a;b]

�.

Demonstração: Tome um aberto W que contém graf�xj[a;b]

�, tal que f é Lipschitz

em W com razão L e existe M > 0 tal que kf (t; z)k < M se (t; z) 2 W .Escolha r > 0 tal que para todo t 2 [a; b], a bola B [x (t) ; r] � W (existe pois [a; b]

é intervalo compacto). Por �m, escolha � > 0 tal que se a� : [a; b]! R é dada por

a� (t) = � (1 + (M + �) + jt� t0j) eLjt�t0j

então a� (t) < r para todo t 2 [a; b] (existe pois a� converge uniformemente a 0 em [a; b]quando � & 0).Sejam então s0, y0 e g satisfazendo as condições do enunciado (pode-se assumir que

g está de�nido em W , diminuindo W se necessário). Denote por (�; !) o intervalode de�nição da solução maximal y (t) de _y = g (t; y (t)) com y (s0) = y0. Suponhapor absurdo que ! � b. Então x (t) e y (t) estão de�nidas em t 2 [t0; !), portanto adesigualdade (4) vale, isto é, kx (t)� y (t)k � (t) +

R tt0L kx (s)� y (s)k ds com (t)

dado por (6). As hipóteses sobre s0, y0 e g permitem majorar (t) usando as seguintesdesigualdades:

1. kx0 � y0k < �.

2. kg (s; y (s))k � kg (s; y (s))� f (s; y (s)) + f (s; y (s))k � kg (s; y (s))� f (s; y (s))k+kf (s; y (s))k < � +M . Portanto,����Z t0

s0

kg (s; y (s))k ds���� � (� +M) jt0 � s0j < (� +M) �:

12

3.R tt0kf (s; y (s))� g (s; y (s))k ds < �jt� t0j.

Portanto, (t) � �+(M + �) �+�jt�t0j, e daí que kx (t)� y (t)k � �+(M + �) �+�jt � t0j +

R tt0L kx (s)� y (s)k ds. Pela desigualdade de Gronwall (veja corolário 1.2),

segue que

kx (t)� y (t)k � (� + (M + �) � + �jt� t0j) ejR tt0Ldsj

� � (1 + (M + �) + jt� t0j) eLjt�t0j = a� (t) < r:

Isso implica que os pontos limites de y (t) quando t! ! estão contidos na bola fechadaB [(!; x (!)) ; r] � W . Mas, contradiz a proposição 2.1, que diz que os pontos limitesnão pertencem ao interior do domínio. Portanto, ! > b. Da mesma forma se mostraque � < a e daí que [a; b] � (�; !). �

Agora é possível mostrar que as soluções dependem continuamente dos dados. Man-tenha as notações do lema com � > 0, s0, y0 e g satisfazendo as condições do enunciado.Então, a solução y (t) está de�nida em [a; b] e, portanto vale a desigualdade (4). Afunção (t) de�nida em (6) será majorada pelas seguintes desigualdades:

1. O segundo termo da de�nição de (t):����Z t0

s0

kg (s; y (s))k ds���� � (M + �) js0 � t0j

que vem do fato de que kg (s; z)k �M + � no aberto W .

2. O terceiro termoZ t

t0

kf (s; y (s))� g (s; y (s))k ds � (b� a) kf � gk1

onde kf � gk1 = sup(s;z)2W kf (s; z)� g (s; z)k.

Com isso se obtém (t) � � = cte, onde

� = ky0 � x0k+ L1js0 � t0j+ L2 kf � gk1

com L1 = (M + �) > 0 e L2 = b� a > 0. A partir de (4) se obtém então

kx (t)� y (t)k � � +Z t

t0

L kx (s)� y (s)k ds:

13

Por �m, a desigualdade de Grownwall, na forma do corolário 1.2, fornece

kx (t)� y (t)k � eL(b�a) (ky0 � x0k+ L1js0 � t0j+ L2 kf � gk1) t 2 [a; b] :

Tomando então kx� yk1 = supt2[a;b] kx (t)� y (t)k sai a desigualdade �nal desejada

kx� yk1 � eL(b�a) (ky0 � x0k+ L1js0 � t0j+ L2 kf � gk1) :

Essa é uma desigualdade de Lipschitz para a aplicação (t0; x0; f) 7! x = f (�; t0)x0de�nida num aberto de R� E � CL a valores em C ([a; b]; E). (Notação: f é o �uxode _x = ft (x) e CL é o conjunto das aplicações contínuas e loc. Lipschitz de�nidas emabertos de R � E.) Isso mostra de imediato a dependência contínua das soluções emrelação a (t0; x0; f), sendo que pode-se tomar a converência uniforme no espaço dassoluções.Em resumo, foi demonstrada a seguinte a�rmação.

Teorema 5.2 A aplicação (t0; x0; f) 7! x = f (�; t0)x0 é localmente Lipschitz (e,portanto, contínua) em relação à topologia da convergência uniforme no espaços dassoluções. Essa a�rmação deve ser entendida da seguinte maneira: dados f : U 2R � E ! E contínua e localmente Lipschitz e as condições iniciais (t0; x0) seja [a; b]um intervalo fechado contido no intervalo da solução maximal x (t) com t0 2 [a; b] ex (t0) = x0.Nessas condições existem � > 0, Li > 0 (i = 1; 2; 3) e uma vizinhança W � U de

f(t; x (t)) : t 2 [a; b]g tal que se

1. js0 � t0j < �, ky0 � x0k < � e

2. g : W ! E é contínua e localmente Lipschitz tal que

kf � gk1 = sup(s;z)2W

kg (s; z)� f (s; z)k < �;

então a solução y (t) de _y = g (s; y) com condição inicial (s0; t0) está de�nida em [a; b]e vale (em C ([a; b] ; E))

kx� yk1 � L1 ky0 � x0k+ L2js0 � t0j+ L3 kf � gk1 :

Corolário 5.3 Seja f : U 2 R � E ! E contínua e localmente Lipschitz e suponhaque (tn; xn) 2 U , n � 0, é tal que lim tn = t0 e limxn = x0. Seja [a; b] um intervalofechado contido no domínio da solução maximal t 7! (t; t0)x0. Então, existe n0 2 Ntal que se n � n0 a solução maximal t 7! (t; tn)xn está de�nida em [a; b] e (t; tn)xnconverge uniformemente a (t; t0)x0 em [a; b].

14

Demonstração: Imediata a partir do teorema. �

Corolário 5.4 Seja f : U 2 R�E ! E contínua e localmente Lipschitz e tome (t; s) 2R2. Seja (t; s) : E ! E o �uxo e denote por dom (t; s) e im (t; s) o seu domínio dede�nição e a sua imagem, respectivamente. Então, dom (t; s) e im (t; s) são abertos(eventualmente vazios) e (t; s) : dom (t; s)! im (t; s) é um homeomor�smo.

Demonstração: O domínio dom (t; s) é o conjunto dos elementos x0 2 E taisque (s; x0) 2 U e a solução maximal x (t) com x (s) = x0 está de�nida em t. Se(s; x0) 2 U então existe uma vizinhança aberta V de x0 tal que (s; z) 2 U para todoz 2 V , pois U é aberto. Por outro lado, pelo lema 5.1, existe uma vizinhança abertaW de x0 tal que para todo y 2 W a solução (�; s) y está de�nida em t. Então,x0 2 V \W � dom (t; s), mostrando que dom (t; s).Já im (t; s) = dom (s; t) pois (s; t) � (t; s) = iddom (t;s) e (t; s) � (s; t) =

iddom (s;t), pela propriedade do �uxo. Portanto, im (t; s) também é aberto e como (s; t) e (t; s) são a inversa uma da outra e ambas são contínuas, essas aplicaçõessão homeomor�smos. �

15

6 Equações lineares

Uma equação linear_x = A (t)x+ v (t) (7)

comA : (a; b)! L (E) e v : (a; b)! E satisfaz as condições de continuidade e Lipschitzlocal do teorema de existência e unicidade. Conforme foi demonstrado suas soluçõesmaximais estão de�nidas em todo o intervalo (a; b). Isso signi�ca que se (t; s) denotao �uxo de (7) então para todo (t; s) 2 (a; b)� (a; b) tanto o domínio quanto a imagemde (t; s) coincidem com o espaço todo E.A equação linear homogênea associada é

_x = A (t)x: (8)

As soluções de (7) são obtidas das soluções da equação homogênea através da

� Fórmula da variação dos parâmetros: Denote por � (t; s) : E ! E o �uxoda equação homogênea (8) e por (t; s) o �uxo da equação não homogênea (7).Então,

(t; s)x = �(t; s)x+ �(t; s)

Z t

s

� (u; r)�1 v (r) dr: (9)

Para veri�car essa fórmula basta derivar em relação a t e usar a unicidade dassoluções. Quando t = s os dois lados dessa igualdade se reduzem a x. Derivandoo segundo membro em relação a t, levando em conta os três termos em que taparece, se obtém

A (t) (� (t; s)x) + A (t) � (t; s)

Z t

s

� (u; r)�1 v (r) dr + �(t; s) � (t; r)�1 v (t)

que é o mesmo que

A (t)

�� (t; s)x+ �(t; s)

Z t

s

� (u; r)�1 v (r) dr

�+ v (t)

o que signi�ca que o segundo membro de (9) satisfaz a equação _x = A (t)x+v (t).Como as condições iniciais são as mesmas, esse segundo membro tem que ser (t; s)x.

Observação: O nome �fórmula da variação dos parâmetros�vem da idéia de procu-rar soluções de (7) da forma y (t) = � (t; s) c (t), isto é, variando (como função de t) acondição inicial x (parâmetro) nas soluções � (t; s)x de _x = A (t)x. Tomando derivada

16

de y (t) = � (t; s) c (t), em relação a t, se obtém y0 (t) = A (t) � (t; s) c (t)+� (t; s) c0 (t),isto é, y0 (t) = A (t) y (t) + � (t; s) c0 (t). Forçando que y seja solução de y0 (t) =A (t) y (t) + v (t) se obtém então

A (t) y (t) + v (t) = A (t) y (t) + � (t; s) c0 (t) ;

isto é, c0 (t) = � (t; s)�1 v (t) que é o que aparece na fórmula.

6.1 Solução fundamental

A seguir serão apresentadas diversas propriedades do �uxo � (t; s), (t; s) 2 (a; b)�(a; b),da equação linear _x = A (t)x. Conforme mencionado acima, o domínio e a imagem de� (t; s), (t; s) 2 (a; b)� (a; b), é todo o espaço E e por de�nição vale

d

dt(� (t; x)x) = A (t) � (t; s) (x) :

O �uxo � (t; s) é conhecido pelo nome de solução fundamental da equação linear.

Proposição 6.1 � (t; s) : E ! E é transformação linear contínua, isto é, � (t; s) 2L (E).

Demonstração: A continuidade vale em geral para �uxos. A linearidade é conse-quência da unicidade das soluçôes: dados x; y 2 E, as curvas � (t) = � (t; s) (x+ y) e� (t) = � (t; s)x + �(t; s) y satisfazem � (s) = � (s) = x + y e ambas são soluções daequação pois A (t) é linear. Da mesma forma, se c é escalar então � (t) = � (t; s) (cx)e � (t) = c� (t; s)x são soluções com a mesma condição inicial. �

A seguir será demonstrado que a aplicação (t; s) 2 (a; b)2 7! � (t; s) 2 L (E) écontínua em relação à norma de L (E). Esse fato pode ser obtido como consequênciado teorema geral de continuidade em relação a parâmetros. No entanto, é convenienteter uma demonstração especí�ca para equações lineares. O seguinte lema garante, antesde mais nada que essa aplicação é limitada.

Lema 6.2 Tome um intervalo fechado [c; d] � (a; b) e t0 2 [c; d]. Então, existe C > 0tal que para t 2 [c; d], k� (t; t0)k < C.

Demonstração: É uma aplicação da desigualdade de Gronwall. Como � (t; t0)x =x+

R tt0A (s) � (s; t0)xds, vale a desigualdade

k� (t; t0)xk � kxk+Z t

t0

kA (s)k k� (s; t0)xk ds

� kxk+M

Z t

t0

k� (s; t0)xk ds;

17

onde M = supt2[c;d] kA (t)k. Segue do lema de Gronwall que

k� (t; t0)xk � kxk eM jt�t0j � eM(d�c) kxk t 2 [c; d] :

Portanto, k� (t; t0)k � eM(d�c) se t 2 [c; d]. �

Proposição 6.3 A aplicação (t; s) 2 (a; b)2 7! � (t; s) 2 L (E) é contínua em relaçãoà k�k de L (E).

Demonstração: Em primeiro lugar se mostra a continuidade num ponto (t0; t0) dadiagonal. Tome um intervalo [c; d] � (a; b) com t0 2 [c; d]. Seja M = supt2[c;d] kA (t)ke C > 0 como no lema anterior. Então, para t 2 [c; d] vale

k� (t; t0)x� xk �Z t

t0

kA (s)k k� (s; t0)xk ds

� M

Z t

t0

C kxk ds

� MCjt� t0j � kxk :

Daí que k� (t; t0)� idk � MCjt � t0j, o que garante a continuidade em (t0; t0) pois� (t0; t0) = id.Para ver a continuidade num pair arbitrário (t0; s0) 2 (a; b)2 se escreve

� (t; s)� � (t0; s0) = � (t; s)� � (t; s0) + � (t; s0)� � (t0; s0)

e daí se obtém as desigualdades:

1. k� (t; s)� � (t; s0)k = k� (t; s0) � (s0; s)� � (t; s0)k � k� (t; s0)k�k� (s0; s)� idke

2. k� (t; s0)� � (t0; s0)k = k� (t; t0) � (t0; s0)� � (t0; s0)k � k� (t; t0)� idk�k� (t0; s0)k.

Agora, seja [c; d] � (a; b) tal que s0; t0 2 (c; d) e seja C = sup(t;s)2[c;d]2 k� (t; s)k.Então, se (t; s) 2 (c; d)2 vale a desigualdade

k� (t; s)� � (t0; s0)k � C (k� (s0; s)� idk+ k� (t; t0)� idk) :

Daí que usando a condinuidade em (s0; s0) e em (t0; t0) segue a continuidade em (t0; s0).�

18

Uma outra forma de obter a continuidade de � (t; s) é olhar essa solução fundamen-tal como a solução da equação diferencial linear induzida em L (E), dada por

_X = A (t)X X 2 L (E) : (10)

Essa equação em L (E) satisfaz as hipóteses de uma equação linear num espaço deBanach. Isso porque o produto (X; Y ) 2 L (E) � L (E) 7! XY 2 L (E) é umaaplicação contínua (pois kXY k � kXk � kY k), daí que para qualquer X 2 L (E) atranslação à esquerda LX (Y ) = XY é contínua. O segundo membro de (??) é dadopor LA(t) (g) e a aplicação t 7! LA(t) é contínua pois é composta de aplicações contínuas.Daí que vale o teorema de existência e unicidade para a equação (??) em L (E).Por outro lado,

� (t; t0)x = x+

Z t

t0

A (s) � (s; t0)xds

= x+

�Z t

t0

A (s) � (s; t0) ds

�x

pois x sai da integral por ser constante. Daí que

� (t; t0) = id +

Z t

t0

A (s) � (s; t0) ds

já que essas transformações lineares são iguais para todo x 2 E. Isso signi�ca quet 7! � (t; t0) é solução de (??) com condição inicial � (t0; t0) = id.Aliás, as demais soluções de (??) são obtidas compondo � (t; s) com a condição

inicial X0. De fato, se � (t) = � (t; t0)X0 então � (t0) = X0 e

�0 (t) =

�d

dt� (t; t0)

�X0

(pois a aplicação (X; Y ) 2 L (E) � L (E) 7! XY 2 L (E) é bilinear e contínua). Daíque

�0 (t) = (A (t) � (t; t0))X0 = A (t) (� (t; t0)X0) = A (t)� (t) :

Isso justi�ca o nome de solução fundamental dado ao �uxo � (t; s).

6.2 Espaço das soluções

Denote por S o conjunto das soluções maximais de _x = A (t)x, que é um subconjuntodo espaço de funções contínuas C ((a; b) ; E). A linearidade do �uxo � (t; s) implica que

19

S é um subespaço vetorial de C ((a; b) ; E). De fato, como as soluções maximais estãode�nidas em todo o intervalo (a; b), pode-se �xar t0 2 (a; b) e obter o conjunto S dassoluções como o conjunto das aplicações

t 2 (a; b) 7! � (t; t0)x

com x variando em E. Isso signi�ca que a aplicação T : E ! S que a x 2 E associaa solução maximal � (t; t0)x tem imagem S. Essa aplicação é linear, pois � (t; t0) élinear, dessa forma S é um subespaço vetorial. Além do mais, a unicidade de soluçãogarante que T é injetora, portanto T é um isomor�smo entre E e S.Em principio esse isomor�smo é apenas algébrico. No entanto, restringindo as

soluções a intervalos compactos [c; d] � (a; b), se obtém homeomor�smos,Para [c; d] � (a; b), denote por S [c; d] o conjunto das restrições das soluções maxi-

mais a [c; d].

Proposição 6.4 S [c; d] é um subespaço fechado de C ([c; d] ; E), munido da norma dosupremo k�k1, isomorfo a E.

Demonstração: Para ver que S [c; d] é subespaço fechado, �xe t0 2 [c; d] e de�na aaplicação A : C ([c; d] ; E)! C ([c; d] ; E) por

(Ax) (t) = x (t0) +

Z t

t0

A (s)x (s) ds:

Essa aplicação é linear e se M = supt2[c;d] kA (t)k então A satisfaz as desigualdades

k(Ax) (t)k � kx (t0)k+Z t

t0

kA (s)k kx (s)k ds

� kxk1 +M (d� c) kxk1 :

Portanto, kAxk1 � (1 +M (d� c)) kxk1 o que mostra que A é contínua. No entanto,S [c; d] é precisamente o núcleo da aplicação linear contínua A � id, portanto é umsubespaço fechado.Agora, o isomor�smo T de�nido acima, obviamente continua valendo para S [c; d].

Ele é contínuo com inversa contínua. De fato,

k(T x) (t)k = k� (t; t0)xk � k� (t; t0)k � kxk � C kxk

onde C = supt2[c;d] k� (t; t0)k. Portanto, kT xk1 � C kxk, mostrando que T é con-tínua. Já a inversa T �1 de T associa a uma solução s (t) = � (t; t0)x o seu valors (t0) = � (t0; t0)x em t0. Portanto, kT �1sk = ks (t0)k � ksk1. �

20

7 Exponencial

Para uma equação linear _x = Ax com �coe�cientes constantes�A 2 L (E), o seu �uxo�t = �(t; 0) é dado pela série de potências (emL (E)) da exponencial. Essa exponencialpode ser de�nida numa álgebra de Banach qualquer, como é o caso de L (E), e em geraltambém fornece soluções (�uxos) de equações lineares. Nesse sentido, o que for feitoem L (E) pode ser feito em uma álgebra de Banach geral.Antes de mais nada, tome um espaço de Banach E e uma sérieX

n�0xn

com xn 2 E. A série é dita normalmente convergente se a série de números reaispositivos

Pn�0 kxnk for convergente.

Proposição 7.1 Se a série é normalmente convergente então ela é convergente.

Demonstração: De fato, a sequência das somas parciais sn =Pn

k=0 xk satisfazksn � smk =

Pmk=n+1 xk

�Pnk=m+1 kxkk = �n��m, se n � m onde �n =

Pnk=0 kxkk

é a soma parcial da série das normas. ComoP

n�0 kxnk converge, a sequência �n é deCauchy, e portanto a desigualdade escrita implica que sn é uma sequência de Cauchy.Como E é completo, sn converge, isto é, a série

Pn�0 xn converge. �

Seja agora (A; k�k) uma álgebra de Banach com unidade (elemento neutro da mul-tiplicação) denotada por 1. Uma série de potências em A é uma série da formaX

n�0anA

n

onde an 2 R, A 2 A, An são as potências sucessivas de A em relação ao produto de Ae A0 = 1.Considere a seguinte série de potências de números reais associada à série dadaX

n�0janjtn

e seja � > 0 o seu raio de convergência.

Proposição 7.2 A sérieP

n�0 anAn converge se kAk < �. Além do mais, o limite é

uniforme em toda bola B [0; r] com 0 � r < �.

21

Demonstração: Se kAk < � então a série é normalmente convergente pois kanAnk =janj � kAnk � janj � kAkn, pois numa álgebra de Banach kABk � kAk � kBk. Se kAk < �a série

Pn�0 janj � kAk

n converge e daí que a sérieP

n�0 kanAnk também converge.Denote por S (A) =

Pn�0 anA

n se kAk < �. Então para A 2 B [0; r] com 0 � r < �,valem as desigualdades S (A)�

nXk=0

akAk

= Xk�n+1

akAk

� Xk�n+1

jakj � kAkk �Xk�n+1

jakjrk:

Dado " > 0, pelo fato de que a sérieP

n�0 janjrn converge existe n0 2 N tal que se n �n0 então

Pk�n+1 jakjrk < ". Isso implica que se n � n0 então

S (A)�Pnk=0 akA

k <

", o que mostra a convergência uniforme em B [0; r], já que n0 não depende de A. �

Seja agora a série da exponencialXn�0

1

n!An = 1 + A+

1

2A2 +

1

3!A3 + � � � :

A série de números reais associada éP

n�0 tn=n! cujo raio de convergência é � = 1.

Portanto, a série da exponencial converge para todo A 2 A e converge uniformementeem qualquer bola fechada B [0; r], r > 0. Isso permite de�nir

expA =Xn�0

1

n!An A 2 A:

O que interessa para os �uxos das equações lineares é �xar A e tomar

exp tA =Xn�0

1

n!tnAn

o que de�ne uma função t 2 R 7! exp tA 2 A. Essa função é contínua pois assomas parciais sn (t) =

Pnk=0

1k!tkAk são contínuas (polinomiais em t) e sn (t) converge

uniformemente a exp tA em intervalos limitados da reta. Mais que isso

Proposição 7.3 t 2 R 7! exp tA 2 A tem derivada (exp tA)0 = A exp tA.

Demonstração: Tome a série de potênciasXn�0

1

n!tnAn+1 = A+ tA2 +

t2

2A3 +

t3

3!A4 � � � :

22

A série de números reais associadaP

n�01n!tnxn+1 tem raio de convergência � = 1,

portanto a série dada converge uniformemente para t em cada intervalo compacto deR. Escreve � (t) =

Pn�0

1n!tnxn+1. Pela convergência uniforme, � é contínua e a série

das primitivas converge para uma primitiva de � :Xn�0

Z t

0

1

n!tnAn+1 =

Z t

0

Xn�0

1

n!tnAn+1:

Mas, Xn�0

Z t

0

1

n!tnAn+1 =

Xn�0

1

n!tnAn = exp tA

Daí que (exp tA)0 = � (t). Por �m, para cada n � 0 valenXk=0

1

k!tkAk+1 = A

nXk=0

1

k!tkAk:

Passando ao limite se obtém � (t) = A exp tA. �

A proposição garante que X (t) = exp tA é solução da equação diferencial

_X = AX X 2 A (11)

com condição inicial X (0) = 1. Essa equação diferencial é linear pois o produto emA é distributivo. A função f que de�ne a equação é o operador linear T : A ! Ade�nido por T (X) = AX, que é contínuo pois jjT (X)jj = jjAXjj � jjAjj � jjXjj,pela propriedade da norma numa álgebra de Banach. Portanto, a equação satisfaz ascondições do teorema de existência e unicidade e X (t) = exp tA é a única solução comcondição inicial X (0) = 1.As demais soluções são dadas por multiplicação à esquerda por exp tA: a solução

com condição inicial X (0) = X0 é (exp tA)X0. Isto é, o �uxo �t de (11) é dado por

�t (X) = (exp tA)X �t = Lexp tA

onde LY indica a translação à esquerda por Y : LY (X) = Y X.A seguir são listadas algumas propriedades da exponencial:

1. Para todo t; s 2 R, exp (t+ s)A = (exp tA) (exp sA) = (exp sA) (exp tA). Issovem da propriedade de �uxo �t+s = �t � �s. Portanto, para todo X 2 A, vale

(exp (t+ s)A)X = �t+s (X) = �t ((exp sA)X) = (exp tA) (exp sA)X:

Em particular, tomando X = 1, se obtém a igualdade.

23

2. Para todo t 2 R, exp tA tem inversa (exp tA)�1 = exp (�tA). De fato, 1 =exp (t� t)A = exp (�tA) exp (tA), pelo item anterior.

3. exp tA comuta com A, como segue direto da de�nição pela série de potências.

4. Se AB = BA então para todo t 2 R vale (exp tA)B = B (exp tA) como seguetambém direto da de�nição da exponencial

5. Se AB = BA então para todo t; s 2 R as exponenciais também comutam

(exp tA) (exp sB) = (exp sB) (exp tA) :

De fato, �xando s 2 R, escreva � (t) = (exp tA) (exp sB) e � (t) = (exp sB) (exp tA).Então, �0 (t) = A (exp tA) (exp sB) = A� (t) e � (0) = exp sB. Por outro lado,�0 (t) = (exp sB)A (exp tA) e como A comuta com B, o item anterior garanteque �0 (t) = A (exp sB) (exp tA) = A� (t). Como � (0) = exp sB, segue � = �pois ambas são soluções de _X = AX com a mesma condição inicial.

6. Se AB = BA então para todo t 2 R, exp t (A+B) = (exp tA) (exp tB) =(exp tB) (exp tA). As funções � (t) = exp t (A+B) e � (t) = (exp tA) (exp tB)são soluções de _X = (A+B)X com mesma condição inicial X (0) = 1. � éevidentemente solução. Quanto a �, vale

�0 (t) = A (exp tA) (exp tB) + (exp tA)B (exp tB)

= (A+B) (exp tA) (exp tB) = (A+B) � (t)

pois A e B comutam, portanto (exp tA)B = B (exp tA).

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8 Teorema de Floquet

SejaA : R! L (E) uma aplicação contínua e periódica de período T , isto é, A (t+ T ) =A (t), t 2 R. De�na a equação linear _x = A (t)x, x 2 E, e denote por � (t) = � (t; 0) asolução fundamental com condição inicial t0 = 0 e � (0) = id.O teorema de Floquet consta de duas partes:

1. Escreva R = � (T ). Então, para todo t 2 R, � (t+ T ) = � (t)R. De fato, se� (t) = � (t+ T ) então

d� (t+ T )

dt= A (t+ T )� (t+ T )

implica que �0 (t) = A (t)� (t), isto é, � (t) é solução da equação (no espaçodas transformações lineares). No entanto, � (0) = � (T ) = R e daí que � (t) =� (t; 0)� (0) = � (t)R.

Como consequência, segue por indução que � (t+ nT ) = � (t)Rn, para qualquerinteiro n.

O signi�cado disso é que a solução fundamental de _x = A (t)x depende só de seusvalores no intervalo [0; T ]. A solução da equação em que A é periódica não é emgeral periódica e a não periodicidade é dada por R. Aliás a solução fundamental éperiódica se, e só se, R = id. Nesse caso, todas as soluções da equação _x = A (t)xsão periódicas de período T .

Em geral, uma solução � (t)x0 de _x = A (t)x é periódica se, e só se, Rx0 = x0.

2. Seja R = � (T ), como no item anterior, e suponha que exista B 2 L (E) tal queexpTB = R. Então, existe P : R ! L (E) contínua e T -periódica (P (t+ T ) =P (t)) tal que

� (t) = P (t) etB:

(Isto é, � (t) é uma exponencial a menos de uma translação à esquerda por umacurva periódica em L (E).)P (t) = � (t) e�tB satisfaz o que se pede, pois P é T -periódica e é claro, � (t) =P (t) etB. De fato, P (t+ T ) = � (t+ T ) e�TBe�tB = � (t)R � e�TBe�tB = P (t).

8.1 Imagem da exponencial em dim <1No item (2) do teorema de Floquet foi feita a hipótese de que R está na imagem daexponencial.

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No caso de dimensão �nita isso sempre vale quando o espaço é complexo, isto é, R éuma matriz complexa inversível. Isso porque exp :Mn�n (C)! Gl (n;C) é sobrejetora.De fato, se R é uma matriz complexa, que tem inversa então todos seus auto-valores

são 6= 0 e ela se decompõe em blocos de Jordan da forma0BBB@� 1 � � � 0.... . . . . .

......

.... . . 1

0 � � � � � � �

1CCCA =

0BBB@� 0 � � � 0.... . . . . .

......

.... . . 0

0 � � � � � � �

1CCCA0BBB@1 1=� � � � 0.... . . . . .

......

.... . . 1=�

0 � � � � � � 1

1CCCAcom � auto-valor.Basta veri�car que os blocos de Jordan estão na imagem da exponencial.Escreva a decomposição acima do bloco de Jordan como DU onde D = �id é a

matriz diagonal. D está na imagem da exponencial pois existe � 2 C tal que exp� = �.Por outro lado U é uma matriz unipotente, isto é, N = 1� U é nilpotente. Portanto,a série

log (1�N) = N +1

2N2 +

1

3!N3 + � � �

é na verdade um polinômio e daí que converge. Substituindo essa série (polinômio) nasérie da exponencial, se obtém exp (log (1�N)) = 1 � N = U , o que mostra que amatriz unipotente U está na imagem da aplicação exponencial.

9 Trajetórias de campos de vetores

Seja X : U ! E um campo de vetores de�nido no aberta U � E, isto é, _x = X (x) éuma equação diferencial autônoma. Denote por �t o seu �uxo.Dado x0 2 U existem duas possibilidades:

1. �t (x0) 6= x0 para todo t 6= 0 (onde �t (x0) estiver de�nido). Então, a soluçãot 7! �t (x0) é injetora, pois se �t (x0) = �u (x0) então �t�u (x0) = ��u�t (x0) = x0e, portanto t� u = 0. Nesse caso a solução maximal está de�nida num intervalo(�; �) e t 7! �t (x0) é homeomorfo a (�; �).

2. Existe T 6= 0 tal que �T (x0) 6= x0. Então, para todo t 2 R e n 2 Z, �t+nT (x0) =�t�nT (x0) = �t (�T )

n (x0) = �t (x0) e a trajetória é periódica de período T . (Emparticular, a solução t 7! �t (x0) está de�nida em (�1;+1).)O conjunto � = ft 2 R : �t (x0) = x0g é um subgrupo do grupo aditivo R (pois�t+s (x0) = �t (�s (x0)) = x0 se �t (x0) = x0 e �s (x0) = x0 e ��t (x0) = x0 se

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�t (x0) = x0) Além do mais, � é um subconjunto fechado pois t 7! �t (x0) écontínua.

� \ R+ 6= ; pois � é subgrupo. Seja ! = inffT > 0 : �T (x0) = x0g. Existemduas possibilidades:

(a) ! > 0. Então �! (x0) = x0 (pois � é fechado) e T 2 �, isto é, �T (x0) = x0se, e só se, T = n!, n 2 Z. De fato, fn! : n 2 Zg está obviamente contidoem �. Reciprocamente, tome T 2 � seja n 2 Z tal que T 2 [n!; (n+ 1)!).Então, T � n! 2 � e 0 � T � n! < !, o que implica que T � n! = 0 pois! é o in�mo.

(b) ! = 0. Então �t (x0) = x0, isto é, � = R e x0 é uma singularidade deX: X (x0) = 0. Para ver isso basta veri�car que � é denso (pois � éfechado). Tome b 2 R. Deve-se mostrar que para todo " > 0 existe z 2 �com jz � bj < ". Tome a 2 � tal que 0 < a < " e seja m 2 N tal queb 2 [ma; (m+ 1) a). Então, ma 2 � e b�ma < (m+ 1) a�ma = a < ".

10 Fluxo tubular

Seja X � E ! E um campo de vetores de classe Ck, k � 1. Um ponto x0 2 E é umasingularidade (ou é um ponto singular) de X se X (x0) = 0. Se �t denota o �uxo deX então �t (x0) = x0 (para todo t 2 R), isto é, x0 é um ponto �xo do �uxo.Ao redor de um ponto não singular x0 (isto é, X (x0) 6= 0), as trajetórias de X

podem ser �reti�cadas�da seguinte forma:Tome " > 0 tal que �t (x0) está de�nido para t 2 (�"; "). Então, existe uma

vizinhança U de x0 tal que �t está de�nida em U para todo t 2 (�"; ").Por outro lado, seja V � E um subespaço vetorial que complementa X (x0), isto é,

tal que E = RX (x0)�V . (No caso em que E é espaço de Banach de dimensão in�nita,deve-se tomar V como sendo um subespaço fechado. A existência de V é decorrênciado teorema de Hahn-Banach.) Então, existe uma vizinhançaW da origem de V tal quex0 +W � U . Em particular, �t (z) está bem de�nido para z 2 x0 +W e t 2 (�"; ").

Proposição 10.1 Existe um aberto W � V su�cientemente pequeno tal que a apli-cação � : (�"; ")�W ! E dada por

� (t; y) = �t (x0 + y)

é um difeomor�smo sobre sua imagem.

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Demonstração: Segue do teorema da função inversa. De fato, é uma aplicaçãodiferenciável e sua diferencial na origem é dada, para v 2 V , por

d� (0;0) (1; v) =d

dt�t (x0)jt=0 + (d�0)x0 (v)

= X (x0) + v;

que é um isomor�smo pois E = RX (x0) � V . O teorema da função inversa, garanteentão que � é um difeomor�smo ao redor da origem. �

A aplicação � �reti�ca�as trajetórias de X no seguinte sentido: o campo de vetoresY = ��1� X, isto é,

Y (t; y) = d��1 (t;y) (X (� (t; y)))

está de�nido no conjunto (�"; ")�W e suas trajetórias são os segmentos de retas

t 7! t+ v v 2 W

e Y é o campo constante Y (t; v) = (1; 0). Portanto, ao redor de x0, com X (x0) 6= 0, ocampo X é, a menos de uma reparametrização do espaço E, o campo X é constante.

Observação: No caso X (x0) = 0, o complementar V = E e � (t; y) = �t (y) tambémestão de�nidos. Mas � : (�"; ") �W ! E deixa de ser um difeomor�smo local, poisd� (0;0) (1; v) = X (x0) + v não é injetora.A reti�cação das trajetórias dada acima é o que se conhece por �uxo tubular

curto. Ele pode ser estendido ao longo de segmentos de trajetórias que não tenhamauto-interseção. Isso inclui as trajetórias (órbitas) não periódicas e os segmentos detrajetórias periódicas que não se fecham. Nesse caso a �reti�cação� se denomina de�uxo tubular longo.Para enunciar o teorema, seja �t (x0) um segmento de trajetória de�nido no intervalo

[a; b], com 0 2 [a; b], que não tem auto-interseção, isto é, �t (x0) 6= �s (x0) se t 6= s, t; s 2[a; b]. Em particular, X (x0) 6= 0 e daí que pode-se tomar um subespaço complementarV como acima e W � V tal que �t está de�nido em x0 +W para todo t 2 [a; b] (peloteorema da dependência contínua). Com isso se de�ne da mesma forma

� : [a; b]�W ! E � (t; y) = �t (x0 + y) :

Teorema 10.2 Suponha que �t (x0) 6= �s (x0) para t 6= s, t; s 2 [a; b]. Então pode-setomar um aberto W` � V su�cientemente pequeno tal que � : (a; b) �W` ! E é umdifeomor�smo sobre sua imagem.

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Demonstração: Em primeiro lugar se veri�ca que � é um difeo local, isto é, asdiferenciais d� (t;y) são isomor�smos para qualquer (t; y) 2 (a; b)�W`. De fato,

d� (t;y) (1; v) = X (�t (x0)) + (d�t)x0 (v)

= (d�t)x0 X (x0) + (d�t)x0 (v)

= (d�t)x0 (X (x0) + v) :

pois (d�t)x0 X (x0) = X (�t (x0)). Essa diferencial é um isomor�smo poisE = RX (x0)�V e (d�t)x0 é isomor�smo.Resta então veri�car que � é injetora se W` for convenientemente escolhido. Para

isso, suponha por absurdo que � não é injetora em [a; b] � B (0; r) para toda bolaB (0; r) em V . Então, vale vale a seguinte a�rmação:

� para todo n 2 N existem yn; zn 2 B (0; 1=n) � V e tn; sn 2 [a; b] tal que�tn (x0 + zn) = �sn (x0 + yn) e (tn; zn) 6= (sn; yn).

Nesse caso lim zn = lim yn = 0 e existem subsequências tnk , snk com limk tnk = t 2[a; b] e limk snk = s 2 [a; b]. Pela continuidade do �uxo se obtém

�t (x0) = limk�tnk (x0 + znk) = lim

k�snk (x0 + ynk) = �s (x0) :

Portanto, a hipótese do teorema implica que t = s e daí que lim (tnk � snk) = 0. Noentanto,

�tnk�snk (x0 + znk) = x0 + ynk = �0 (x0 + ynk) :

Agora, se aplica a proposição 10.1, do �uxo tubular curto: se k é su�cientementegrande então (tnk � snk ; znk) e (0; ynk) pertencem ao domínio (�"; ") � W onde � édifeomor�smo, o que implica que tnk = snk e znk = ynk , o que contradiz a hipótese deabsurdo.Portanto, existe uma bola W` = B (0; 1=n) tal que � : [a; b] � B (0; 1=n) ! E é

injetora. Como � é difeomor�smo local, isso conclui a demonstração do teorema. �

10.1 Aplicação de Poincaré

Dado o campo de vetores X seja �t (x0) uma órbita periódica de período mínimo !, istoé, �t (x0) = x0 se e só se t 2 !Z. A aplicação de Poincaré diz como órbitas próximasda órbita periódica cruzam um subespaço transversal x0 + V , onde E = RX (x0)� V .Para construir a aplicação de Poincaré deve-se tomar duas vizinhanças tubulares

uma curta, ao redor de x0 e uma longa num intervalo próximo de [0; !].

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1. Seja � : (�"; ")�W ! U � E um �uxo tubular curto, que é um difeomor�smocom imagem U .

2. Seja � ` : (��=2; ! � �) �W` um �uxo tubular longo com � e W` escolhidos daseguinte forma:

(a) tome � tal que �!�� (x0) 2 U e � ` é injetora em [��=2; ! � �].

(b) Por continuidade, existe uma vizinhança A de x0 tal que �!�� (x) 2 U sex 2 A. Escolha então W` � V , su�cientemente pequeno, de tal forma quex0 +W` � A, o que garante que �!�� (x0 + z) 2 U para todo z 2 W`.

Deve-se observar que no intervalo [��=2; ! � �] as condições para a de�nição do�uxo tubular longo estão satisfeitas. Isso porque se t; s 2 [��=2; ! � �], t 6= s, entãojt� sj < ! e daí que �t�s (x0) 6= x0, isto é, �t (x0) 6= �s (x0).Com essas escolhas se de�ne a aplicação de Poincaré� : W` ! W da seguinte forma:

se z 2 W` então � ` (z; ! � �) 2 U e, portanto, existe um único par (t; y) 2 (�"; ")�Wtal que � (t; y) = � ` (! � �; z). Com isso, se de�ne �(z) = y.Dito de outra maneira, seja �2 : (�"; ")�W ! W a projeção na segunda coorde-

nada. Então,� = � � �2 � (� `)!�� (12)

(� `)!�� é a aplicação parcial (� `)!�� (z) = � ` (! � �; z).A aplicação de Poincaré satisfaz as seguintes propriedades:

1. � é diferenciável de classe Ck (mesma classe de diferenciabilidade do campo X),como mostra a expressão (12) de � como composta de aplicações diferenciáveis.

2. Para z 2 W`, �(z) dá o �primeiro retorno�da trajetória (órbita) �t (x0 + z) aW no sentido em que as duas a�rmações a seguir são satisfeitas:

(a) x0 + �(z) está na órbita �t (x0 + z), pois, por de�nição �!�� (x0 + z) =�tz (x0 +�(z)) para algum tz 2 (�"; "), o que signi�ca que �!���tz (x0 + z) =x0 +�(z).

(b) Se tz é como no item anterior então �t (x0 + z) =2 x0+W se t 2 (0; ! � � � tz).De fato, se t 2 [0; ! � �] então �t (x0 + z) =2 x0 +W pois � ` é injetora em[��=2; ! � �]. Por outro lado, se �" < tz < 0 e t 2 [! � �; ! � � � tz] então�t (x0 + z) =2 x0 +W pois � é injetora em (�"; ").

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