o campo de gravidade terrestre geofísica - uspeder/ead/apostilas/plc0010_05.pdfum corpo na...
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Fernando Brenha RibeiroEder Cassola Molina
5.1 Introdução5.2 Gravitação Universal5.3 Força centrífuga e força centrípeta5.4 Força da gravidade e aceleração da gravidade5.5 Medição da aceleração da gravidade5.6 Correções gravimétricasReferências
Licenciatura em ciências · USP/ Univesp
Geof
ísic
a5O CaMpO de GRavIdade teRRestRe
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Geofísica
5.1 IntroduçãoO que o posicionamento por satélite utilizando GPS, a navegação, o nível da água nos oceanos,
a forma da Terra, o movimento de rotação da Terra ao redor do Sol, a queda dos corpos em
direção vertical têm em comum? Uma resposta correta contemplaria o fato de que todos esses
itens têm relação com o campo de gravidade terrestre. A força da gravidade é responsável por
inúmeros fenômenos do cotidiano e pode estar presente de forma intuitiva, como no caso da
queda de um corpo ou, de forma não tão explícita, como no caso do nível de água nos oceanos.
É a força da gravidade que molda o Universo, desde a menor concentração de matéria até a
mais extensa galáxia. Ela também é responsável pela forma arredondada dos corpos, pelos movi-
mentos de corpos ao redor de outros, e até pela famigerada queda da maçã, que pretensamente
levou um grande cientista a elaborar uma das mais importantes teorias da Física.
Na Geofísica, a força da gravidade, por estar relacionada às massas, e por consequência
à densidade, pode ser utilizada para investigar a distribuição de massa do interior terrestre.
Qualquer corpo que tenha um contraste de densidade em relação ao material à sua volta
pode, em princípio, ser detectado pela medição da força da gravidade. A área da Geofísica que
utiliza as informações do campo de gravidade para investigar a distribuição de densidades no
interior da Terra é chamada Gravimetria. Note que existe um método em Química Analítica
que tem esse mesmo nome e é baseado na medição da massa de um composto ou um radical
separado do material que pode causar interferência.
5.2 Gravitação UniversalA análise do movimento dos corpos ao redor do Sol e da Lua ao redor da Terra, feita por
diversos cientistas e consolidada por Isaac Newton, levou à elaboração da Lei da Gravitação
Universal, segundo a qual entre duas partículas de massas m1 e m
2 existe uma força, que pode
ser calculada pelo produto dessas massas dividido pelo quadrado da distância que as separa
(Figura 5.1) multiplicado por uma constante, ou seja:
1 21 2 2
Gm mFm mr
=
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5 O campo de gravidade terrestre
Essa força é chamada força gravitacional, e não deve ser confundida com a força da
gravidade, como veremos a seguir.
5.3 Força centrífuga e força centrípetaUm corpo na superfície da Terra não está sujeito apenas à força gravitacional, mas também a
uma força que tende a arremessá-lo para fora da superfície (se o referencial for colocado no próprio
corpo), provocada pela rotação terrestre. Essa força é chamada força centrífuga na literatura geofísica
e, apesar da inconveniência da nomenclatura do ponto de vista da Física, será utilizada dessa forma
neste texto. É interessante, porém, explicar a razão pela qual esse termo é inconveniente.
Pelo princípio da inércia (Primeira Lei de Newton), um corpo deve manter seu estado de
movimento retilíneo uniforme (ou repouso), a não ser que sobre ele seja aplicada alguma força
(nas palavras de Newton, “Todo corpo se mantém em estado de repouso ou de movimento uniforme
retilíneo em que se encontra, a menos que alguma força aja sobre ele, obrigando-o a mudar de estado”).
Por exemplo, uma pedra amarrada a um barbante realizando um movimento circular, para
um observador situado no solo, está sujeita a uma força dirigida na direção do barbante e que
aponta para o centro da trajetória (a mão da pessoa que está girando a pedra).
Essa força, que faz com que a pedra não se desloque em linha reta, como postula o princípio
da inércia, é chamada força centrípeta (segundo Newton, “aquela pela qual o corpo é atraído ou
impelido ou sofre qualquer tendência a algum ponto como a um centro”). O observador situado no solo
pode ser considerado como estando em um referencial inercial, ou seja, um referencial fixado
em um corpo rígido que está em repouso ou em movimento retilíneo uniforme. Para esse
Figura 5.1: Configuração de duas partículas de massa m1 e m2 e a força de atração gravitacional entre elas.
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observador situado em um referencial inercial, então, tem de existir uma força que mantém a
pedra na trajetória circular, pois, se essa força não existisse, a pedra teria de se mover em linha
reta e não percorreria a trajetória curva.
Essa situação muda se pensarmos em um observador situado em um referencial não inercial, ou
seja, esse observador não estaria em repouso ou em movimento retilíneo uniforme; por exemplo, um
observador colocado na pedra que está amarrada ao barbante estaria nessa situação. Esse observador
situado em um referencial não inercial sente uma força que o está arremessando para fora, e não em
direção ao centro da trajetória descrita pela pedra (a mão da pessoa que está girando a pedra presa
ao barbante). Essa “força fictícia” que somente o observador situado em um referencial não inercial
percebe é chamada força centrífuga.
Note que a força centrífuga não é uma força real; ela é uma “força” que nasce da percepção de
um observador que não está em um referencial inercial, ou seja, é uma “força fictícia”. É importante
observar que a força centrífuga não é a reação da força centrípeta, como é tentador pensar, pois
ambas agem no mesmo corpo, ao contrário das forças de ação e reação estabelecidas pela Terceira
Lei de Newton (“A ação é sempre igual e oposta à reação; isto é, as ações de dois corpos um sobre o outro são
sempre iguais e em sentidos contrários” ), que são de mesma natureza, mas atuam em corpos diferentes.
5.4 Força da gravidade e aceleração da gravidadeUm corpo situado na superfície terrestre está sujeito ao
efeito conjunto da força gravitacional, que tende a atraí-lo
na direção e sentido do centro da Terra, e da força centrífu-
ga causada pela rotação da Terra, que tende a arremessá-lo
ao espaço (Figura 5.2). A ação conjunta dessas duas forças
origina uma força resultante denominada força da gravidade,
que tem intensidade e direção ligeiramente diferentes das que
apresenta a força gravitacional (que é somente de atração).
Pela segunda Lei de Newton (“As mudanças que ocorrem
no movimento são proporcionais à força motora, e se fazem na
linha reta na qual se imprimiu essa força”), essa força resul-
tante, agindo sobre a massa m do corpo, dará origem a
Figura 5.2: Forças que atuam em um corpo situado na superfície da Terra. As forças estão fora de escala relativa para permitir sua visualização, visto que a força gravitacional é aproximadamente 300 vezes maior do que a força centrífuga.Legenda: CM - Centro de Massa; PN - Polo Norte.
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uma aceleração chamada aceleração da gravidade, se este for deixado cair nas proximidades da
superfície terrestre (desconsiderando o atrito do ar). Assim, podemos verificar que a força que
atrai um corpo em queda livre nas proximidades da superfície da Terra é função da massa do
corpo e da massa da Terra, e a aceleração com que o corpo cai é função da massa da Terra (e da
posição do corpo em relação ao equador terrestre, se considerarmos a força centrífuga), mas
independe da massa do corpo.
Essa relação, que pode não parecer intuitiva, de que dois corpos de massas diferentes caem
com velocidades iguais (se não houver outras forças envolvidas, como o atrito com o ar, por
exemplo) foi comprovada pelos astronautas na missão Apollo 15, num dos experimentos mais
esperados pelos cientistas e leigos em geral. O astronauta deixou cair um martelo e uma pena,
sob ação única da força da gravidade, pois não há atmosfera na Lua para gerar uma força de
atrito com o ar, e ambos tocaram o solo ao mesmo tempo!.
A Figura 5.3 mostra a representação da aceleração gravitacional (lembrando, relativa somente
à força de atração) na superfície terrestre, ao passo que a Figura 5.4 traz a representação da
aceleração da gravidade (que inclui o efeito da força centrífuga) nessa mesma superfície.
Apollo 15 proves Galileo CorrectO vídeo desse experimento pode ser visualizado no site da NASA, acesse o link.
Figura 5.3: Representação da aceleração gravitacional na superfície da Terra. Valores em m/s2
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Geofísica
Nota-se, nas Figuras 5.3 e 5.4, que tanto a aceleração gravitacional (que leva em conta
somente a atração) quanto a aceleração da gravidade (que considera os efeitos da atração e da
rotação), geralmente, são maiores nas regiões polares da Terra e menores nas regiões equatoriais.
Se lembrarmos que a Terra tem um formato ligeiramente achatado nos polos, em primeira
aproximação, e que a força centrífuga é máxima na região equatorial e mínima nos polos, essa
distribuição de valores faz sentido, uma vez que na região equatorial um ponto está aproxima-
damente 23 km distante do centro de massa da Terra que nas regiões polares. Newton já havia
percebido esse fato, quando analisou os motivos pelos quais dois relógios de pêndulo de boa
qualidade, produzidos e calibrados em Paris, apresentavam pro-
blemas em fornecer o horário correto ao serem utilizados pró-
ximo ao equador. Como o período de oscilação de um pêndulo
depende da aceleração da gravidade e do comprimento do
pêndulo, um relógio calibrado em uma região do planeta pode
não fornecer o horário correto quando usado em outra região.
É por isso que esse tipo de relógio tem uma forma de ajustar o
comprimento do pêndulo.
Uma figura geométrica regular simples que ajusta muito bem a
forma da Terra é um elipsoide de revolução biaxial (Figura 5.5),
com dimensões que são continuamente reajustadas, conforme
Figura 5.4: Representação da aceleração da gravidade na superfície da Terra. Valores em m/s2
Figura 5.5: Configuração do elipsoide de revolução, que melhor ajusta a forma e a distribuição global de massa da Terra, usado como referência em cálculos gravimétricos.
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aumenta a quantidade e a precisão dos dados disponíveis. Valores típicos da dimensão de seu
semieixo equatorial ficam em torno de 6.378 km, ao passo que o semieixo polar apresenta valores
em torno de 6.356 km.
Não devemos esquecer, porém, que os valores de aceleração da gravidade dependem
da distribuição de massa da Terra como um todo, ou seja, dos valores de densidade e da
configuração geométrica da distribuição dessa propriedade presentes em subsuperfície em vários
níveis. Normalmente, ocorre que as coisas estão interligadas; por exemplo, valores regionais
menores de densidade, geralmente, estão associados a valores maiores de topografia, e vice-versa.
É por isso que as montanhas estão acima do nível médio do mar e o fundo oceânico está abaixo
desse nível; normalmente, a densidade média das regiões montanhosas é menor do que a densidade
média global da Terra, e a densidade média da crosta oceânica, maior do que a média global do
planeta. “A natureza sempre busca o equilíbrio”, dizia o saudoso professor Dino Bigalli.
5.5 Medição da aceleração da gravidadePara que a gravimetria permita a investigação da distribuição de densidades no interior da
Terra, é preciso conseguir medir os valores de aceleração da gravidade com precisão suficiente.
Métodos clássicos de medição dessa grandeza, geralmente, envolvem engenhosos dispositivos
baseados em queda livre, oscilação de pêndulos ou deformação de uma mola, apesar de haver
equipamentos baseados em materiais supercondutores ou na vibração de cordas. Todos esses
equipamentos, independentemente do método que utilizam, são chamados gravímetros.
A unidade de medida utilizada em gravimetria para a aceleração da gravidade é o Gal, em
homenagem a Galileu Galilei. 1 Gal corresponde a 1 cm/s2, e é comum o uso de submúltiplos
dessa unidade, como o mGal (0,001 Gal ou 10-3 Gal) e o µGal (0,000001 Gal ou 10-6 Gal).
Assim, o valor de aceleração da gravidade no piso da entrada do laboratório de Gravimetria e
Geomagnetismo do IAG-USP é de 9,7864137 m/s2 ou 978.641,37 mGal.
Os gravímetros podem ser classificados, quanto ao tipo de informação que fornecem, em
duas categorias: gravímetros absolutos e gravímetros relativos. Os primeiros fornecem direta-
mente o valor da aceleração da gravidade em um local, ao passo que o segundo tipo fornece
uma medida do valor de aceleração da gravidade em um local em relação a um outro local onde
o valor dessa grandeza é conhecido.
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Geofísica
O tipo mais comum de gravímetro relativo utilizado em trabalhos rotineiros de Geofísica
é baseado na medição da deformação de uma mola que sustenta uma massa muito pequena.
Quanto maior a aceleração da gravidade, mais a mola vai se deformar. O sistema normal-
mente é termostatizado, para que nenhuma variação de temperatura cause deformação na
mola e, consequentemente, imprecisão nas medidas. A comparação da deformação da mola
entre um local onde se conhece o valor da aceleração da gravidade e um local onde esse
parâmetro é desconhecido permite, após diversas correções, determinar o valor preciso
dessa grandeza. A Figura 5.6 mostra o esquema simplificado de funcionamento de um
gravímetro relativo e a foto do equipamento em utilização para a realização de uma medida
nas dependências do IAG-USP.
Como esse equipamento realiza medições relativas, é necessário conhecer com precisão o
valor absoluto da aceleração de gravidade em algum ponto para realizar a comparação. Esse
ponto de aceleração da gravidade normalmente é obtido com o uso de um equipamento que
realiza medidas absolutas.
Os gravímetros absolutos geralmente utilizam o princípio da queda livre: um corpo pequeno
caindo em condições que permitam a ausência de forças que não sejam a da gravidade, normal-
mente em um tubo de material especial que dilate pouco e onde se procura manter vácuo.
Medem-se os tempos sucessivos de queda do corpo com precisão melhor do que 10-8 segundos
e a distância correspondente a esses tempos com precisão melhor do que 10-10 metros, o que
permite a determinação dos valores com a precisão necessária para a gravimetria, utilizando a
Figura 5.6: Esquema simplificado de funcionamento de um gravímetro relativo e imagem do equipamento sendo utilizado para uma medição.
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equação de movimento uniformemente acelerado. A Figura 5.7 mostra um equipamento desse
tipo realizando uma medição nas dependências do Observatório Abrahão de Moraes, em Valinhos.
Um outro modo de medir a aceleração da gravidade
de forma absoluta é utilizando pêndulos. O período
de oscilação de um pêndulo é função do comprimento
do pêndulo e da aceleração da gravidade e, utilizando
técnicas sofisticadas para a construção do equipamento,
é possível obter, com a precisão necessária, o valor da
grandeza desejada.
Outro engenhoso dispositivo para determinar a
aceleração da gravidade de forma relativa é o gravíme-
tro de corda vibrante, baseado na medição da frequên-
cia de vibração de uma corda (uma pequena fita
metálica de um material especial) tracionada pela força
da gravidade. Seu princípio fundamental de operação é
similar ao de uma corda de violão, com a frequência da
vibração sendo função da tensão na corda, que pode
ser ajustada esticando-se ou afrouxando-se a corda por
meio de parafusos no braço do instrumento. Nesse tipo
de gravímetro, quem faz o papel de tracionar a corda é
a aceleração da gravidade, e o equipamento permite a aquisição de uma grande quantidade de
dados em um certo intervalo de tempo, sendo ideal para levantamentos geofísicos aerotranspor-
tados. A Figura 5.8 mostra um gravímetro de corda vibrante durante uma operação de manu-
tenção no Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da USP.
Figura 5.7: Realização de uma medição absoluta de aceleração da gravidade com um gravímetro baseado no princípio da queda livre.
Figura 5.8: Gravímetro de corda vibrante.
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Geofísica
Esse tipo de gravímetro foi utilizado, em 1973, para a medição da aceleração da gravidade na
Lua, e permitiu estimar a espessura da camada de basalto nas proximidades da região de pouso da
Apollo 17, com uma boa concordância com os valores fornecidos por dados de sísmica obtidos na
mesma missão. Essa foi a única vez em que uma medição bem-sucedida da aceleração da gravida-
de foi realizada pelo ser humano na superfície de um corpo que não fosse a Terra. A Figura 5.9
mostra o gravímetro instalado nas proximidades do local de alunissagem Taurus-Littrow.
Figura 5.9: Gravímetro de corda vibrante usado no experimento de aceleração da gravidade da Apollo 17, em 1973. Esse experimento permitiu estimar em aproximadamente 1,0 km a espessura da camada de basalto na região do pouso do módulo lunar. Experimentos de sísmica realizados na mesma missão forneceram valores um pouco maiores, mas concordantes com o resultado obtido com o gravímetro. / Fonte: NASA.
5.6 Correções gravimétricasO objetivo primário de um geofísico, ao coletar um conjunto de dados gravimétricos, é utilizá-lo
para identificar locais onde existe um excesso ou uma falta de massa em comparação com as regiões
adjacentes, associado a um contraste de densidade entre uma determinada rocha e as rochas que estão
ao seu redor. Para tanto, é necessário quantificar as diferenças entre os valores medidos e os valores
associados a um padrão ou modelo, de forma que seja possível avaliar se a aceleração da gravidade
medida em uma certa região é mais alta ou mais baixa do que o “normal” para a localidade.
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5 O campo de gravidade terrestre
Uma forma de estabelecer um “padrão” para a aceleração da gravidade é considerar um
modelo que represente muito bem a Terra na questão da forma e distribuição de massa, mas que
permita uma formulação simples para o cálculo da aceleração da gravidade em algum nível de
referência. O modelo mais utilizado para esse fim é um elipsoide de revolução biaxial, que tem
a mesma velocidade de rotação da Terra (admitida como constante para intervalos de tempo de
centenas a poucos milhares de anos) e a mesma massa da Terra (incluindo a massa da atmosfera).
Esse modelo é conhecido como “Terra Normal”.
Sendo uma figura geométrica relativamente simples, é possível calcular, na superfície desse elipsoide,
os valores de aceleração da gravidade em todos os pontos, de forma que possibilite ao geofísico comparar
os valores medidos com os valores “normais” em cada ponto de medida. Essa diferença é chamada
anomalia da gravidade e apresenta valores pequenos que estão associados ao desvio entre a forma
e a distribuição de massa complexas da Terra e a forma e distribuição de massa da “Terra Normal”.
A Figura 5.10 traz essas diferenças mapeadas para todo o planeta. Observe que as regiões
com topografia acentuada apresentam valores menores de anomalia da gravidade, ao passo que
grandes depressões da crosta oceânica apresentam anomalia da gravidade positiva.
Para que esses valores de anomalia da gravidade possam ser utilizados, são necessárias pelo
menos duas correções: uma que corrija o fato de o ponto de medida normalmente ser a super-
fície física da Terra e não uma superfície única de referência, como o nível médio do mar, por
Figura 5.10: Representação da anomalia da gravidade na superfície da Terra. Valores em mGal.
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Geofísica
exemplo. Isso não permite comparar valores coletados em pontos de altitudes diferentes, entre
outros problemas. Exemplificando: se um ponto A, situado no topo da Serra do Mar (litoral
paulista), apresentar um valor de anomalia da gravidade (aceleração da gravidade medida na
superfície topográfica menos aceleração da gravidade prevista pelo modelo elipsoidal) menor
do que o de um ponto B, situado a uma distância pequena daquele, mas ao nível do mar, fica
difícil saber se o valor menor do ponto A está relacionado a uma distribuição de massa com
densidade menor do que a existente sob o ponto B, ou se está relacionado ao fato de o ponto
A estar em altitude maior, e, portanto, mais distante das massas atrativas. Sem poder distinguir
entre os dois efeitos, o da massa e da distância em relação à massa, fica impraticável utilizar esses
dados para uma análise da distribuição de massa na região.
Uma forma de eliminar esse efeito é realizar duas correções:
• uma para eliminar o efeito das diferentes altitudes dos pontos de medida, visando corrigir
as observações para permitir que estas adquiram um valor compatível com o que teriam
se fossem todas adquiridas em um mesmo nível de referência, escolhido como sendo o
nível médio do mar;
• a outra para eliminar o efeito das diferentes massas topográficas existentes entre os pontos
de medida e o nível médio do mar.
A primeira correção chama-se correção ar-livre, pois considera que, entre o ponto de medição e
o nível do mar, não existe massa (o efeito da massa topográfica será removido na próxima correção),
ou seja, seria como se o ponto estivesse "suspenso no ar", como se fosse coletado por um gravímetro
que estivesse parado a uma certa altitude acima do nível médio do mar. Para realizar esta correção,
é preciso conhecer a altitude do ponto em relação ao nível médio do mar com precisão melhor do
que 1 metro, na maior parte das vezes. Após essa correção, a anomalia da gravidade passa a se chamar
anomalia ar-livre.
A segunda correção chama-se correção Bouguer, em homenagem ao matemático e geodesista
francês Pierre Bouguer (1698-1758), que trabalhou em diversos problemas relacionados à forma
e às dimensões da Terra. Esta correção, engenhosamente, remove o efeito das massas topográ-
ficas existentes entre o ponto de medição e o nível médio do mar e, aliada à correção ar-livre,
dá origem à chamada anomalia Bouguer. Para realizar esta correção é preciso conhecer em
detalhes a topografia de uma região de, pelo menos, 200km ao redor do ponto de medição e a
densidade média dessa massa topográfica (na falta desta, utiliza-se para a densidade o valor padrão
internacional de 2,67 g/cm3). Esta anomalia permite ao geofísico realizar a análise da distribuição
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5 O campo de gravidade terrestre
de massa anômala no interior terrestre, pois já levou em consideração todos os fatores maiores que
poderiam prejudicar a análise. A Figura 5.11 mostra os valores de anomalia Bouguer calculados
para a Terra, utilizando a densidade padrão. Neste mapa é possível observar claramente as grandes
feições estruturais do planeta bem delineadas, como as cadeias de montanhas e as dorsais oceânicas.
A Figura 5.12 mostra, para a região do território brasileiro, os diferentes valores das grande-
zas associadas ao campo de gravidade terrestre para fins de comparação. Observe que as escalas
Figura 5.11: Representação da anomalia Bouguer utili-zando a densidade padrão de redução de 2,67 g/cm3 para as massas topográficas.
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Geofísica
são diferentes, pois o valor medido da aceleração da gravidade é da ordem de 980.000 mGal,
ao passo que as anomalias ar-livre e Bouguer são da ordem de centenas de mGal.
Figura 5.12: Representação da aceleração da gravidade, da anomalia da gravidade, da anomalia ar-livre e da anomalia Bouguer para o território brasileiro.
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Exemplos de uso das informações do campo de gravidadeOs estudos relacionados ao campo de gravidade podem ser utilizados em diversas escalas para a investigação da distribuição de densidades no interior da Terra. Algumas aplicações típicas desse método no estudo da Terra serão abordadas nas aulas finais deste curso, mas vale a pena citar aplicações interessantes que estão descritas nos artigos recomendados abaixo
• Investigação da cratera de impacto de Chicxulub por meio de dados sísmicos e gravimé-
tricos (a cratera de Chicxulub é tida por alguns geocientistas como sendo o registro do impacto que gerou uma extinção em massa das espécies vivas, entre elas os dinossauros, há 65 milhões de anos)
→ Mapping Chicxulub crater structure with gravity and seismic reflection data - A.R. Hildebrand1, M. Pilkington, C. Ortiz-Aleman, R.E. Chavez, J. Urrutia-Fucugauchi, M. Connors, E. Graniel-Castro, A. Camara-Zi, J.F. Halpenny and D. Niehaus. Geological Society, London, Special Publications 1998, v. 140, p. 155-176. doi: 10.1144/GSL.SP.1998.140.01.12.
→ Chicxulub Multiring Impact Basin: Size and Other Characteristics Derived from Gravity Analysis. Virgil L. Sharpton, Kevin Burke, Antonio Camargo-Zanoguera, Stuart A. Hall, D. Scott Lee, Luis E. Marín, Gerardo Suáarez-Reynoso, Juan Manuel Quezada-Muñeton, Paul D. Spudis and Jaime Urrutia-Fucugauchi. Science 17 September 1993: Vol. 261 n. 5128
p. 1564-1567. DOI: 10.1126/science.261.5128.1564.
• Investigação de uma cratera de 500 km de diâmetro, oculta sob o gelo na antártica, por meio de dados gravimétricos. Estima-se que esta cratera tenha sido formada há 250 milhões de anos, época da maior extinção em massa da vida no planeta, quando até 96% das espécies marinhas e 70% das espécies vertebradas no planeta foram extintas.
→ GRACE gravity evidence for an impact basin in Wilkes Land, Antarctica. von Frese, R.R.B., L.V. Potts, S.B. Wells, T.E. Leftwich, H.R. Kim, J.W. Kim, A.V. Golynsky, O. Her-nandez, and L.R. Gaya-Piqué (2009). Geochem. Geophys. Geosyst., 10, Q02014, doi:10.1029/2008GC002149.
• O uso de dados do campo de gravidade para a caracterização da estrutura da Lua, Vênus, Marte e Terra.
→ The interior structure of the Moon: What does geophysics have to say? Wieczorek, M.A. Elements, 5, 35-40, doi:10.2113/gselements.5.1.35, 2009.
→ Crustal thickness of the Moon: New constraints from gravity inversions using polyhedral shape models. Hikida, H. and M.A. Wieczorek. Icarus, 192, 150-166, doi:10.1016/j.icarus.2007.06.015, 2007.
• Um dos mais esperados experimentos científicos realizados pelos astronautas da Apollo 15 mostra que a aceleração da gravidade independe da massa dos corpos que estão em queda livre. O texto e o vídeo destes experimentos podem ser encontrados nos links abaixo.
→ http://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/lunar/apollo_15_feather_drop.html
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Geofísica
ReferênciasGasperini, L., et al. Magnetic and seismic reflection study of Lake Cheko, a possible impact
crater for the 1908 Tunguska Event”. Geochemistry, Geophysics, Geosystems. v. 13, 2012.
Disponível em: <http://www.agu.org/pubs/crossref/2012/2012GC004054.shtml> Acesso
em: Ago. 2012.
GlossárioForça Centrífuga: A força centrífuga é máxima na região equatorial, onde a relação entre a força de atração e a
força centrífuga é da ordem de 1/300. Nas demais latitudes, esta força é menor, chegando a zero exatamente sobre o eixo de rotação.
Pierre Bouguer: Bouguer recebeu diversas homenagens por seu trabalho; ainda vivo, foi eleito membro da Aca-démie Royale des Sciences e da Royal Society of London. Postumamente, uma cratera na Lua e uma cratera em Marte receberam o seu nome. Um computador do laboratório de Gravimetria e Geomagnetismo do IAG--USP também recebeu o seu nome.