o catolicismo na construção da identidade do pt 2 (2)
TRANSCRIPT
-
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CINCIAS SOCIAIS CURSO DE ESPECIALIZAO EM SOCIOLOGIA URBANA
O CATOLICISMO NA CONSTRUO DA IDENTIDADE DO PARTIDO DOS
TRABALHADORES: CARISMTICOS E LIBERTADORES NAS ELEIES DE
2004 NO RIO DE JANEIRO
JOAQUIM ALVES FERREIRA FILHO
Rio de Janeiro
2005
-
JOAQUIM ALVES FERREIRA FILHO
O CATOLICISMO NA CONSTRUO DA IDENTIDADE DO PARTIDO DOS
TRABALHADORES: CARISMTICOS E LIBERTADORES NAS ELEIES DE 2004
NO RIO DE JANEIRO
Monografia apresentada Universidade do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial obteno do grau de Especialista em Sociologia Urbana.
ORIENTADORA: Prof. Dr. Ceclia Loreto Mariz
Rio de Janeiro, agosto de 2005
-
A religio a teoria geral deste mundo, seu compndio enciclopdico, sua lgica popular, sua dignidade espiritualista, seu entusiasmo,sua sano moral, seu complemento solene, sua razo geral de consolo e de justificao. a realizao fantstica da essncia humana por que a essncia humana carece de realidade concreta. (MARX, 1843)
-
RESUMO
O objetivo principal deste trabalho analisar alguns aspectos da influncia de importantes
segmentos do catolicismo contemporneo brasileiro na configurao atual do Partido dos
Trabalhadores (PT). Alguns destes segmentos catlicos pertencem aos grupos inspirados pela
teologia da libertao tal como as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e outros
participam da Renovao Carismtica Catlica (RCC). Este trabalha analisa primeiramente os
elementos que contriburam para a construo de uma identidade catlica no PT desde sua
fundao at os dias atuais. Investiga como a ascenso do Pentecostalismo catlico da RCC
influencia o desempenho poltico do partido na sociedade. Discute que as mudanas na
orientao poltica da do PT nas eleies de 2002 podem ter atrado segmentos sociais novos
a este partido. Estes segmentos so diferentes daqueles que criaram o PT na dcada de 1980,
tendo alguns deles ligaes com o RCC. Este trabalho oferece dados empricos das eleies
de 2004 na cidade de Rio de Janeiro que compara o desempenho eleitoral de dois candidatos
catlicos do PT, um da RCC e o outro relacionado a teologia da libertao.
PALAVRAS-CHAVES:
Partidos Polticos - Renovao Carismtica Catlica - Comunidades Eclesiais de Base -Teologia da Libertao - Partido dos Trabalhadores
-
ABSTRACT
The main objective of this work is to analyze some aspects of the influence of important
segments of the Brazilian contemporary Catholicism in the current configuration of the
Workers Party (Partido dos Trabalhadores or PT). Some of these Catholics belong to groups
inspired by the Liberation Theology, such as the Christian Base Communities, and others
participate in the Charismatic Renewal Catholic Movement (RCC). This works first analyzes
the elements that contribute to construct a catholic identity at the PT since its foundation until
the current days. It investigates how the ascension of the catholic Pentecostalism of the RCC
influences the political performance of the PT in the society. It argues that changes on the PT
political orientation in 2002 elections may have attracted new social segments to this party.
These segments are different from those that had created PT in the decade of 1980, having
some of them links with the RCC. This work offers empirical data on the 2004 elections in the
city of Rio de Janeiro comparing the electoral performance of two PT Catholics candidates,
one of the RCC and the other related to Liberation Theology.
KEY WORDS
Party Politics - Charismatic Renewal Catholic - Christian Base Communities - Liberation Theology -Workers Party
-
SUMRIO
I) INTRODUO ....................................................................................................................8
II) FIM DA DITADURA MILITAR, REVITALIZAO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS E FUNDAO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES.............................11
III) AS TRANSFORMAES NA IGREJA CATLICA NO MUNDO CONTEMPORNEO:...........................................................................................................16
IV) A IGREJA CATLICA NO BRASIL E A FORMULAO DA TEOLOGIA DA LIBERTAO .......................................................................................................................19
IV.1) As Comunidades Eclesiais de Base ____________________________________ 23
V) INFLUNCIA DO CATOLICISMO NA FORMAO DA IDENTIDADE DO PARTIDO DOS TRABALHADORES.................................................................................35
VI) A RENOVAO CARISMTICA CATLICA NO BRASIL: HISTRICO E INSERO POLTICA ........................................................................................................44
VII) O CATOLICISMO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: TENSES, CONSENSOS E SUPERAES ..................................50
VII.1) O catolicismo petista nas eleies de 2004 na cidade do Rio de Janeiro _____ 59
VIII) CONSIDERAES FINAIS.......................................................................................80
IX) REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...........................................................................84
ANEXOS .................................................................................................................................89
-
LISTA DE ANEXOS: ANEXO A Histrico dos Intereclesiais das CEBs ANEXO B Documento de Propaganda Eleitoral: Campanha para Vereador de Jos Zumba (Duque de Caxias/RJ, 2004) ANEXO C Documento de Propaganda Eleitoral: Campanha para Deputado Estadual de Artur Messias (RJ, 2002) ANEXO D Documento de Propaganda Eleitoral: Campanha para Deputado Estadual de Paulo Banana Amorim (RJ, 1990) ANEXO E Documento de Propaganda Eleitoral: Campanha para Senador de Patrus Ananias (MG, 1990) ANEXO F Documento de Propaganda Eleitoral: Campanha para Deputado Federal Constituinte de Tilden Santiago (MG, 1986) ANEXO G Documento de Propaganda Eleitoral: Campanha para Deputado Estadual de Marcelo Dias (RJ, 1994) ANEXO H Documento de Propaganda Eleitoral: Campanha para Vereador de Adilson Pires (Rio de Janeiro/RJ, 2004) ANEXO I Documento de Propaganda Eleitoral: Campanha para Vereador de Deize Alves (Rio de Janeiro/RJ, 2004) ANEXO J Documento de Propaganda Eleitoral: Campanha para Vereador de Nazareth Barreto (Rio de Janeiro/RJ, 2004) ANEXO K Documento de Propaganda Eleitoral: Campanha para Deputado Estadual de Adilson Pires (RJ, 1986) ANEXO L Documento de Propaganda Eleitoral: Campanha para Deputado Estadual de Adilson Pires (RJ, 1986) ANEXO M Documento de Propaganda Eleitoral: Campanha para Vereador de Adilson Pires (Rio de Janeiro/RJ, 2004) ANEXO N Documento de Propaganda Eleitoral: Campanha para Vereador de Adilson Pires (Rio de Janeiro/RJ, 2004) ANEXO O Informativo do Mandato do Vereador Adilson Pires (Rio de Janeiro/RJ, 1999) ANEXO P Documento de Propaganda Eleitoral: Campanha para Vereador de Nazareth Barreto (Rio de Janeiro/RJ, 2004)
-
8
I) INTRODUO
Esse trabalho tem como objetivo central a investigao sobre a importncia atual do
catolicismo como uma das bases do Partido dos Trabalhadores a partir, sobretudo, da anlise
do desempenho eleitoral de dois candidatos catlicos e de entrevistas com militantes do PT da
cidade do Rio de Janeiro.
A linha investigativa parte da considerao da influncia de setores progressistas da
Igreja Catlica na construo histrica e poltica do Partido dos Trabalhadores, ao mesmo
tempo em que procura reconhecer possveis alteraes ocorridas na identidade do PT a partir
da ascenso do partido ao poder federal e de sua mudana gradativa de representao social.
Essas mudanas poderiam se explicar, sobretudo, por uma guinada programtica e eleitoral do
grupo dirigente do PT, ao determinante para a atrao de novos segmentos da sociedade at
ento refratrios ao instrumental terico e a prtica poltica do partido.
No caso de nossa investigao, destacamos a adeso ao PT desses novos segmentos da
sociedade ligados especificamente Renovao Carismtica Catlica (RCC), que pode ser
inferido pelo crescimento eleitoral, poltico e partidrio na cidade do Rio de Janeiro de
candidatos dessa importante vertente do catolicismo. Consideramos que a RCC transfere seu
discurso religioso para a prtica poltica, incorporando o instrumental partidrio e refletindo
suas respectivas condies de classe e identidades religiosas diversas daquelas que formaram
o PT, redimensionando, portanto, a identidade do partido.
Por outro lado, analisamos tambm a atenuao da influncia da Teologia da
Libertao e de seu principal instrumento, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), como
interventoras na construo da identidade do PT e indcios originais da influncia catlica no
partido. Ao considerarmos o enfraquecimento da Teologia da Libertao e, por extenso, de
-
9
seus setores na estrutura do PT, esse estudo considera da mesma forma a ascenso da RCC
como grupamento catlico importante.
Consideramos relevante tambm para esse trabalho a contextualizao dessa
influncia catlica a um cenrio histrico e poltico precedente. Por isso, analisamos o
fortalecimento dos movimentos sociais no Brasil no final da dcada de 1970, momento de
fundao do PT e de reorientao da prtica catlica para um perfil mais poltico e popular.
A parte final do trabalho dedicada s anlises do discurso partidrio, da interveno
poltica e da identidade religiosa de agentes envolvidos diretamente na vida orgnica do PT.
As opinies e informaes dos entrevistados destacados no decorrer do texto
relacionam-se ao engajamento desses agentes num contexto institucional religioso. Arrolando
transformaes substanciais no catolicismo contemporneo, esses agentes difundem um olhar
comprometido com a mudana social pela perspectiva do PT e transferem seu discurso
religioso para a dinmica partidria.
A opo pelos nomes entrevistados seguiu o critrio de suas respectivas
representatividades no organismo partidrio como militantes de base, parlamentares,
dirigentes e candidatos ligados a setores catlicos da RCC e da chamada igreja progressista.
Alm desses critrios, consideramos importante enfatizar que os personagens
destacados em nossa pesquisa possuem uma identidade partidria com o autor, mesmo que
certas concepes religiosas e polticas sejam distintas.
As entrevistas realizadas seguiram o padro de entrevistas semi-estruturadas. Optamos
por esse mtodo pela certa uniformidade de inquirir alguns aspectos ao entrevistado e buscar
semelhanas nas falas dos outros entrevistados. Os temas centrais desenvolvidos se
relacionaram a uma percepo inicial da realidade dos envolvidos no mbito religioso e
posteriormente no mbito poltico-partidrio
-
10
A anlise de documentos internos do PT, tais como material de campanha poltica,
teses partidrias, manifestos, declaraes, documentos de congressos, serviu tambm para a
construo desse texto e de suas concluses acerca do objeto estudado.
-
11
II) FIM DA DITADURA MILITAR, REVITALIZAO DOS MOVIMENTOS
SOCIAIS E FUNDAO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES
No final da dcada de 1970, o principal projeto da ditadura militar, o milagre
econmico, entrou em acelerado processo de crise e esgotamento. Agravado com o aumento
dos preos do petrleo durante o governo de Ernesto Geisel (1974-1979), suas implicaes
negativas para a sociedade brasileira derivaram, sobretudo, da opo da equipe econmica do
governo seguinte de Joo Baptista Figueiredo (1979-1985) em adotar uma postura recessiva
frente economia.
Quando o presidente Ernesto Geisel foi empossado, e 15 de maro de 1974, a economia mundial vivia mudanas dramaticamente importantes e adversas para o Brasil. A exploso dos preos do petrleo e suas repercusses atingiram frontalmente o pas, terceiro importador mundial. Inviabilizaram o modelo de crescimento do chamado milagre econmico. (COUTO, 1999.p.133).
Assim, a conjuntura econmica daquela poca colocou em risco o projeto de abertura
poltica gradativa iniciada pelo governo Geisel e, posteriormente, continuado pelo governo
Figueiredo.
Uma questo que preocupava muito no comeo do governo Figueiredo, apesar de seus juramentos e promessas, era a capacidade de seu governo conciliar a continuidade da abertura com as perspectivas sombrias da economia. De fato, a partir de 1979, ocorreram novos aumentos do preo do petrleo (...) maior devedor do Terceiro Mundo, o Brasil foi dramaticamente penalizado e a economia dos paises industrializados entrou em recesso. (...) Mas veio a recesso profunda e a liberalizao no deixou de prosperar. (COUTO, 1999. pp. 259-260).
Os efeitos dessa crise, aos poucos foram sentidos no aumento do custo de vida e da
inflao, na elevao dos ndices de desemprego e no arrocho salarial. A crise do milagre
econmico acentua o descontentamento com o regime, alvo de profundas crticas, acusado,
em particular, de ter acentuado as desigualdades regionais e sociais, com uma brutal
concentrao de renda junto aos mais ricos. (F. SILVA, 1990, p.373)
-
12
Os resultados sociais desses problemas econmicos expressaram-se tambm nos
resultados eleitorais de 1974 e 1976, quando o nico partido de oposio legalizado da poca,
o Movimento Democrtico Brasileiro (MDB), conseguiu expressivos resultados nas eleies
parlamentares.
Com as evidncias do crescimento eleitoral da oposio no pas, o governo Geisel
tomou medidas visando refrear esse movimento com a edio da Lei Falco de 1976 e do
Pacote de Abril de 19771. Mesmo assim, o crescimento da oposio eleitoral e dos
movimentos sociais determinou o ritmo tenso e reivindicatrio das relaes entre a sociedade
civil e o Estado at o fim do ciclo da redemocratizao formal em 1985.
Como canal para contestar e superar esses problemas organizou-se uma ampla luta
pela participao poltica. Foram movimentos e campanhas de base social diversificada e de
orientaes ideolgicas diversas que reunindo lderes polticos, intelectuais, religiosos e
militares com um vis nacionalista, foram extremamente importantes para a redemocratizao
do pas.
A trajetria desses movimentos sociais resumia-se na defesa dos direitos humanos,
cujo pice foi a Campanha pela Anistia em 1979, nos movimentos contra o Custo de Vida
organizado por associaes de moradores, comunidades religiosas e grupos de mulheres, na
Campanha pelas Diretas-J em 1984, organizada para a realizao de eleio direta para
Presidente da Repblica naquele momento e a Campanha pela Constituinte em 1979-1980,
com a proposta de uma Assemblia Nacional Constituinte como primeiro passo para a
normalidade democrtica do pas.
1 Pela Lei Falco o governo limitava o uso dos meios de comunicao pelo candidato durante a propaganda eleitoral. O Pacote de Abril, editado pelo Presidente Geisel, fechou o Congresso Nacional e instituiu a eleio indireta dos governadores de estado e de um tero do Senado, alm de cassar parlamentares oposicionistas. Ver F. SILVA, 1990.
-
13
Essa sucesso de momentos reivindicatrios colocou a autonomia frente a um Estado
militar desgastado, como a questo-chave para a compreenso deste momento da
redemocratizao institucional do Brasil.
A defesa da autonomia para o fortalecimento dos movimentos sociais era inovadora
pois reivindicava-se um duplo distanciamento. De um lado em relao ao Estado
autoritrio. De outro lado em relao s prticas populistas e clientelistas presentes nas
associaes de moradores, nos sindicatos e nas relaes polticas em geral (...).
(GOHN,1997,p.282)
Por conseguinte, o momento da transio democrtica permitiu aos movimentos
sociais uma participao efetiva na construo de uma sociedade politicamente atuante nos
moldes de uma nascente democracia representativa ou, em termos alternativos, numa
democracia participativa (ZALUAR, 2003) mais diretamente ligada sociedade do que
propriamente ao Estado, reforando a manifestao da diferena e da cidadania ativa
(ZALUAR, 2003, p.211).
Na fase final da ditadura militar brasileira, em fins da dcada de 70, os movimentos
sociais inovadores no seu discurso e na sua pratica social eram (...) particularmente aqueles
que se vinculavam s prticas da Igreja Catlica, na ala articulada Teologia da
Libertao (GOHN, 1997, p.281).
O momento poltico da abertura democrtica de 1979, possibilitou institucionalmente
a reforma partidria de 1980. O pluripartidarismo dela resultante permitiu a determinadas
organizaes partidrias recm-criadas2 a incorporao de referenciais tericos ligados aos
2 Os partidos criados com a Reforma Partidria de 1979-1980 foram os seguintes: Partido Democrtico Social (PDS), que substituiu a antiga ARENA (Aliana Renovadora Nacional) como partido de sustentao do regime, o Partido do Movimento Democrtico Brasileiro (PMDB), herdeiro do MDB, referencial de oposio durante a maior parte do regime militar, o Partido Popular (PP), de posies polticas centristas e moderadas em torno da figura de Tancredo Neves, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), herdeiro do trabalhismo de Getulio Vargas, o Partido Democrtico Trabalhista (PDT), tambm ligado ao trabalhismo de Vargas, mas por conta da figura poltica de Leonel Brizola, situado no campo progressista e o Partido dos Trabalhadores (PT) de contedo socialista e expresso, dentre outros aspectos, do novo sindicalismo brasileiro do final da dcada de 1970. Os partidos comunistas, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B), proscritos no Regime Militar, somente tiveram seus registros permitidos com o inicio da Nova Repblica, no Governo de Jos Sarney (1985-1990). Ver F. SILVA, 1990.
-
14
movimentos sociais e populares emergentes. O ltimo governo da ditadura militar, o de Joo
Figueiredo (1979-1984), no conseguiu impedir o avano dessas aes sociais.
De maneira especial, o Partido dos Trabalhadores (PT) destacou-se nesse contexto da
redemocratizao. Contraposto a organizaes partidrias proscritas ou conservadoras, o PT
representou um espao de atuao legal para trabalhadores rurais, operrios, militantes
catlicos, intelectuais, estudantes e pequenas organizaes de esquerda. Enfim, aqueles
agentes sociais que durante a ditadura militar foram silenciados encontraram no PT a
expresso para as suas necessidades.
Fundado em 25 de fevereiro de 1980, o PT propunha a democracia interna a partir das
bases e participao nos movimentos sociais, reestruturando-os e incorporando-os
organicamente para dinamizar as transformaes econmicas e polticas da sociedade
brasileira.
Nas suas origens, no ano de 1979 o PT surgiu,
(...) com o avano e o fortalecimento desse novo e amplo movimento social que, hoje, se estende das fbricas aos bairros, dos sindicatos as comunidades eclesiais de base; dos Movimentos contra a Carestia as associaes de moradores; do Movimento Estudantil e de intelectuais s associaes profissionais; do movimento dos negros as movimento das mulheres, e ainda outros, como os que lutam pelos direitos das populaes indgenas (...) Cabe citar, ademais dos setores que atualmente o apiam, [o Movimento pelo Partido dos Trabalhadores], alguns parlamentares do MDB (...) e os setores da Igreja mais comprometida com a libertao social. (DIRETRIO NACIONAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, pp. 55 -56).
Os segmentos sociais que fundaram o PT, em termos gerais, convergiram para a
defesa do socialismo como estratgia para as mudanas sociais no Brasil.
Os dois primeiros segmentos da formao do PT compuseram-se de representantes do
novo sindicalismo brasileiro e de intelectuais de esquerda, ambos reagentes a ditadura militar
e crtica ao modelo distinto de socialismo, representado pelo Partido Comunista Brasileiro
-
15
(PCB), matriz de vrias organizaes polticas de esquerda que enveredaram pela opo da
luta armada contra a ditadura militar constituda em 1964.
Outro segmento social importante que contribuiu para a formao do PT foi ligado aos
movimentos populares, representados pelas associaes de moradores nos bairros e favelas,
entidades estudantis e por organizaes como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-
Terra (MST). A formao dessa organizao, vinculada ao importante cenrio do crescimento
dos movimentos sociais no Brasil, no possui uma data especfica para a sua fundao. A
crescente organizao dos segmentos sociais em torno da questo da terra e da reforma
agrria motivou uma srie de acontecimentos, especialmente a partir de 1978 (STDILE e
SRGIO, 1993).
Na origem, nos anos 70, o MST esteve associado a CPT (Comisso Pastoral da Terra). Nos anos 80 passou a contar com dirigentes ligados a CUT e ao PT, e a fundamentar seu projeto no socialismo marxista. (...) O MST transforma-se no maior movimento popular do Brasil nos anos 90.(GOHN, 1997, p.305).
Constituiu-se tambm como segmento social formador do PT, segmentos da Igreja
Catlica que denominaremos como Igreja Progressista ou catlicos progressistas. Por ser
objeto de anlise desse trabalho, a relao da Igreja Catlica com o PT ser abordada com
mais profundidade em captulos posteriores.
Ao destacarmos a participao de setores progressistas e populares do catolicismo na
formao do PT, consideramos como marco a nova orientao do Vaticano para a atuao
Igreja Catlica na Amrica Latina. Para isso, importante delinear um cenrio histrico sobre
essas mudanas.
Portanto, esses segmentos sociais impulsionaram a tarefa histrica do PT, ou seja, a
da perspectiva de transformao da sociedade pela prtica constante de experincias e
dilogos polticos, que deram ao partido uma identidade com os setores sociais mais
necessitados ao longo de 25 anos de sua histria.
-
16
III) AS TRANSFORMAES NA IGREJA CATLICA NO MUNDO
CONTEMPORNEO:
As dcadas posteriores a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) configuraram cenrios
de crise e de incertezas em todos os setores e aspectos da vida social. A bipolarizao
ideolgica entre capitalismo e socialismo da Guerra Fria, as guerras, a fome, a reestruturao
tecnolgica e produtiva do capitalismo, refletiram-se diretamente no ritmo de vida das pessoas
levando-as a um redimensionamento das suas formas de viver, sentir e pensar, includas
nesses casos as expresses de religiosidade que levou a um declnio da religio em termos
individuais e institucionais a partir das dcadas de 1940 e 1950. Esse estgio capitalista, com
a modernizao da vida cotidiana e da estrutura das sociedades, fortaleceria o processo da
secularizao, entendido de uma forma geral como o enfraquecimento da religio nas esferas
da vida privada e pblica. Segundo Peter Berger:
Por secularizao entendemos o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura so subtrados dominao das instituies e smbolos religiosos.(...) ela afeta a totalidade da vida cultural e da ideao e pode ser observada no declnio dos contedos religiosos na arte, na filosofia, na literatura e, sobretudo, na ascenso da cincia, como uma perspectiva autnoma e inteiramente secular, do mundo. (1985, p.119).
Porm, a noo de secularizao no contexto histrico das dcadas de 1950 e 1960
relativizada e atualizada por Berger (2001). Os conflitos entre os padres da modernidade e os
valores da Igreja Catlica geraram movimentos no sentido contrrio ao da secularizao, ou
seja, a contra- secularizao e a dessecularizao (Berger, 2001).
-
17
Os efeitos desses conflitos se fizeram presentes nos rumos da Igreja Catlica,
sobretudo com a convocao do Conclio Vaticano II3 em 1961 e o aggiornamento 4 originado
dele, determinantes para a postura de reforar os valores religiosos. No se tratava apenas de
discutir a regulao da f ou a reafirmao de dogmas. As questes terrenas tomavam conta
tambm da formulao doutrinria do Vaticano.
Conforme colocou o Papa Paulo VI, a Humanidade est em via de grandes
transformaes (...) Tudo isso, como as ondas de um mar, envolve e sacode a prpria Igreja
(apud AQUINO, 1999, p.622).
Os rumos doutrinrios da Igreja Catlica nos sculo XX mudaram sensivelmente a
partir dos pontificados de Joo XXIII (1958-1963) e de Papa Paulo VI (1963-1978). Surge,
aos poucos, uma nova atitude do Vaticano perante os problemas sociais que passam a ser
discutidos cotidianamente no mundo religioso institucional e mudam o eixo da evangelizao
da Igreja Catlica para reas no mundo e para problemas estruturais at ento
desconsiderados.
No pontificado de Joo XXIII a Igreja Catlica passa a ter uma posio mais ligada
aos problemas do mundo terreno conforme evidenciada nas Encclicas5 Mater et Magistra
(1961) e Pacem in Terris (1963).
A Mater et Magistra considerou que a socializao um dos aspectos caractersticos
da nossa poca e que o progresso social deve acompanhar e igualar o desenvolvimento
econmico, de modo que todas as categorias sociais tenham parte nos produtos obtidos em
maior quantidade (apud AQUINO, 1999, p.622).
3 Reunio de dignitrios eclesisticos, especialmente bispos, convocada, presidida e sancionada pelo Papa, para deliberar sobre questes de f, costumes, doutrina ou disciplina eclesistica. 4 Nesse sentido, aggiornamento a atualizao da Igreja frente ao compromisso ecumnico e ao encontro com outros diferentes grupos para a construo da paz, [que] abriu caminhos promissores para que ento fraes no hegemnicas, que lutavam por reformas internas na Igreja, ganhassem cada vez mais espao dentro de sua milenar estrutura.(PAIVA apud SOARES, 2001, pp. 80-82). Segundo Berger (2001), o aggiornamento simplesmente a harmonia da Igreja com o mundo moderno (p. 12). 5 Carta circular do papa abordando algum tema da doutrina catlica.
-
18
Alm disso, a Encclica reafirmou o direito da propriedade, ressalvando a condio de
que ela se difundisse efetivamente entre todas as classes sociais.
Na Encclica seguinte, a Pacem in Terris, Joo XXIII reafirmou a funo social da
propriedade e tratou dos direitos fundamentais do homem. Fez referncias ascenso social,
poltica e econmica das classes trabalhadoras e das mulheres.
O pontificado de Joo XXIII foi marcado pela convocao do Conclio Vaticano II,
em dezembro de 1961, cuja direo efetiva, no entanto, coube ao Papa Paulo VI, por conta do
falecimento de Joo XXIII.
A despeito da oposio de uma corrente conservadora, algumas medidas progressistas
foram aprovadas no Conclio como o estabelecimento do culto nas lnguas nacionais, o uso
dos meios de comunicao social para a divulgao da f catlica e o aumento do nmero de
leigos na participao da vida da Igreja. Alm disso, foram definidas as caractersticas de uma
Igreja ecumnica, com isso admitindo a aproximao com os no-catlicos.
Em termos teolgicos, o Concilio Vaticano II redimensionou a importncia do
religioso, do sentimento da f e do acolhimento da palavra de Deus pelos cristos ao
abandonar a concepo de uma eclesiologia6 do poder, ligada a hierarquia e substitu-la,
conforme Cato (1985), por uma eclesiologia da comunidade, em que a Igreja concebida
como a comunidade dos cristos que se renem em cada lugar do mundo, atravs da histria,
procurando exprimir em sua vida e em sua palavra o sentido do dom de Deus feito a todos os
homens em todas as lnguas e culturas. (p.37).
6 Por eclesiologia entende-se o complexo de doutrinas teolgicas relativas Igreja ou histria da Igreja.
-
19
IV) A IGREJA CATLICA NO BRASIL E A FORMULAO DA TEOLOGIA DA
LIBERTAO
As novas orientaes do Conclio Vaticano II ao considerar realidades de
subdesenvolvimento, misria e excluso poltica, encontraram na Amrica Latina a medida
perfeita para sua aplicao. As decises do Conclio para a realidade latino-americana tiveram
como marco o II Conselho Episcopal Latino Americano (II CELAM) realizado em 1968 na
cidade de Medelln, Colmbia.
Nesse contexto, emergiram duas vertentes principais a partir da reflexo da igreja sobre si mesma: uma preocupada com as questes sociais mais amplas, como os direitos humanos e a opo pelos pobres, que resultou na Teologia da Libertao e nas Comunidades Eclesiais de Base; e a outra de feitio mais tradicional, influenciada pelo pentecostalismo, que resultou na Renovao Carismtica Catlica. (A. SILVA, 2002. p.20)
Alm das prprias reorientaes teolgicas produzidas pelo aggiornamento do
Concilio Vaticano II, a sistematizao de estudos sobre a Teologia da Libertao considera
essa vertente do pensamento catlico contemporneo, produto de movimentos polticos e
culturais de esquerda nos anos 60 e 70 e de uma nova realidade social (MAINWARING,
1989, MORAES, 2003 e A. SILVA, 2002).
A afirmao de Mainwaring (1989) sobre esse novo momento da Igreja Catlica
destaca que:
no a inteno de proteger interesses institucionais (...) que explicam a mudana da Igreja. a funo de uma nova identidade institucional e de novas condies econmicas, polticas e sociais que a explica. Isolar as condies polticas e sociais ou a nova doutrina institucional com fator nico de mudana, deixar de perceber o carter dialtico desse processo. (1989, p.134).
O agrupamento desses fatores dimensionou essa nova forma de ser igreja. Os telogos
da libertao adotaram uma postura de evangelizao popular ao incorporarem em suas
prticas sociais elementos que unem textos sagrados e rituais litrgicos a elementos de anlise
-
20
da realidade das populaes mais empobrecidas. Uma viso transformadora da sociedade
incorporou-se ao instrumental terico da Teologia da Libertao por conta da incluso de
referenciais marxistas nessa nova teologia.
Para Michael Lwy (1991) a doutrina e os fins da Teologia da Libertao so assim
resumidos:
1- Um implacvel requisitrio moral e social contra o capitalismo dependente, seja como sistema injusto, inquo, seja como forma de pecado estrutural. 2- A utilizao do instrumental marxista para compreender as causas da pobreza, as contradies do capitalismo e as formas da luta de classes. 3 - Uma opo preferencial em favor dos pobres e da solidariedade com a sua luta pela auto libertao. 4 - O desenvolvimento de comunidades crists de base entre os pobres, como uma nova forma da Igreja e como alternativa ao modo de vida individualista imposto pelo sistema capitalista. 5 - Uma nova leitura da Bblia, voltada principalmente para as passagens como o xodo paradigma da luta de libertao de um povo escravizado. 6 - A luta contra a idolatria (e no o atesmo) como inimigo principal da religio isto , contra os dolos da morte, adorados pelos novos faras, os novos Csares e os novos Herodes: Mamon,7 a Riqueza, o Poder, a Segurana Nacional, o Estado, a Fora Militar, a Civilizao Ocidental. 7 - A libertao humana histrica como antecipao da salvao final em Cristo, como Reino de Deus. 8 - Uma crtica da teologia dualista tradicional como produto da filosofia platnica grega e no da tradio bblica nas quais as histrias humana e divina so distintas mas inseparveis. (pp. 27-28).
Os opositores da Teologia da Libertao a condenaram pelo uso das categorias de
anlise do socialismo marxista junto aos seus desgnios religiosos. Porm, segundo Dussel
(1999):
(...) a teologia da libertao usa um certo marxismo de uma certa maneira, nunca incompatvel com os fundamentos da f. Alguns tm uma posio mais claramente classista; outros, mais populista; alguns usam apenas o instrumental da crtica ideolgica, outros o social e mesmo o propriamente econmico. (p.494).
7 Na Antigidade eram cultuados muitos deuses. Mamon, contudo, no era o nome de uma divindade e sim um termo de origem aramaica que significava dinheiro, riqueza. Jesus, no Evangelho, afirmou que no era possvel servir simultaneamente a Deus e a Mamon (Lucas 16:13).
-
21
O carter evidenciado na formao do PT em defesa do socialismo para transformar a
realidade social, autentica como vlidas consideraes sobre o socialismo marxista e a
religio. Essas consideraes so originadas da naturalizao que se faz sobre a reconhecida
afirmao de Marx da religio ser o pio do povo: A religio o soluo da criatura
oprimida, o corao de um mundo sem corao, o esprito de uma situao carente de
esprito. o pio do povo. (MARX, 1843)
Um texto bsico do pensamento marxista, a Introduo Crtica da Filosofia do
Direito de Hegel de 1843, apresenta o pensamento marxista em suas crticas a religio no
sentido de consider-la como instrumento de opresso a partir da autoconscincia humana de
um mundo invertido.
Este Estado, esta sociedade, engendram a religio, criam uma conscincia invertida do mundo, porque eles so um mundo invertido. (...) Por conseguinte, a luta contra a religio , indiretamente, a luta contra aquele mundo que tem na religio seu aroma espiritual. (MARX, 1843)
Com essa afirmao, Marx indica o autoritarismo das chamadas religies
salvacionistas o judasmo, o cristianismo e o islamismo. A religio serviria as classes
dominantes como instrumento de opresso.
Esse conjunto de religies, conforme Marilena Chau (2000), amortece a
combatividade dos oprimidos e explorados, porque lhes promete uma vida futura feliz. Na
esperana de felicidade e justia no outro mundo, os despossudos, explorados e humilhados
deixam de combater as causas de suas misrias nesse mundo (p.309).
Marx (1843) afirma que do sentimento religioso extrai-se uma lgica popular e um
entusiasmo para a construo de um esprito num mundo sem esprito.
Segundo Chau (2000), a religio quando se relaciona a aspectos que observam e
transformam a realidade pelo instrumental da ao poltica, um complexo de manifestaes
populares que permite a luta contra poderes autoritrios institudos a partir da aplicao dos
-
22
saberes religiosos. Se por um lado na religio h a face opicia do conformismo, h por
outro lado, a face combativa dos que usam o saber religioso contra as instituies
legitimadas pelo poder teolgico-poltico (CHAU, 2000, p.310).
Nesse sentido, as consideraes de Engels servem para neutralizar a face alienadora da
religio:
A histria do cristianismo primitivo oferece notveis pontos de semelhana com o movimento moderno da classe operria. Como este, o cristianismo foi em suas origens um movimento de homens oprimidos (...) Tanto o cristianismo como o socialismo dos operrios pregam a prxima salvao da misria e da escravido; o cristianismo situa esta salvao numa vida futura, depois da morte, no cu. O socialismo a situa neste mundo, numa transformao da sociedade. Ambos so perseguidos e acuados, seus adeptos so desprezados e convertidos em objetos de lei exclusivas, os primeiros como inimigos da raa humana, os ltimos como inimigos do Estado, inimigos da religio, da famlia, da ordem social. (ENGELS apud. LESBAUPIN, 2003, pp.17-18).
Para Engels ficam evidentes os pontos semelhantes entre o socialismo marxista e o
cristianismo primitivo, ambos considerados como formas de transformao social.
Portanto, a origem social dos respectivos adeptos, suas mensagens de libertao e o
incmodo deixado para as classes dominantes so pontos de convergncia nessa relao entre
religio, poltica e socialismo marxista.
A incorporao de categorias marxistas pela Teologia da Libertao foi adequada a
uma realidade social de circunstncias histricas, polticas e culturais diversificadas: a
Amrica Latina nas dcadas de 1960 e 1970.
Por uma exigncia da reflexo teolgica crtico-concreta a partir dos pobres e oprimidos que o instrumental das cincias humanas, particularmente do marxismo, tornou-se necessrio. a primeira teologia que utiliza esse instrumento analtico na histria, e o adota a partir das exigncias da f, evitando o economicismo, o materialismo dialtico ingnuo, o dogmatismo abstrato. Pode ento criticar o capital e a dependncia como pecado (...). No estabelece alternativas polticas pois esta no uma funo da teologia-, mas evita cair no terceirismo (nem capitalismo, nem socialismo, mas uma soluo crist poltica). No deixa por isso de ser uma teologia ortodoxa (que surge da ortopraxia) tradicional (...). Entra missionariamente em dilogo com o marxismo (dos partidos ou movimentos polticos latino americanos) (DUSSEL, 1999, p. 495).
-
23
IV.1) As Comunidades Eclesiais de Base O importante que so geralmente os pobres, ao mesmo tempo oprimidos e carentes, os membros das comunidades eclesiais de base. Eles constituem a base da sociedade (classes populares) e da Igreja (leigos) (...) uma maneira nova de ser igreja. (BOFF, 1983, pp. 196-197).
A maneira nova de ser igreja, na definio de Leonardo Boff, corporificou-se,
sobretudo, na dinmica de mobilizao social e educao poltica das Comunidades Eclesiais
de Base (CEBs). Os fundamentos das CEBs esto na congregao de pessoas que se
organizam para cultivar a f crist pela reflexo bblica em pequenos grupos e atuam na
melhoria das condies do lugar onde vivem atravs da postura democrtica de tomada de
decises coletivas, pelo voto ou pela consulta direta as pessoas participantes.
So comunidades, porque renem pessoas que tem a mesma f, pertencem mesma igreja e moram na mesma regio. Motivadas pela f, essas pessoas vivem uma comum-unio em torno de seus problemas de sobrevivncia, de moradia, de lutas por melhores condies de vida e de anseios e esperana libertadoras. So eclesiais, porque congregadas na igreja, como ncleos bsicos da comunidade de f. So de base, porque integradas por pessoas que trabalham com as prprias mos (classes populares).(BETTO, 1984, p.17).
A ligao das CEBs com a Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
certifica sua identidade eclesial mesmo quando no reconhecidas por uma autoridade religiosa
local, diferente do que ocorreu na Amrica Central, nomeadamente na Nicargua8. As CEBs
brasileiras, portanto, vinculam-se Igreja institucionalizada conforme aponta Mainwaring
8 Referncia ao processo da Revoluo Sandinista na Nicargua de 1979 e ao movimento guerrilheiro da FSLN (Frente Sandinista de Libertao Nacional) que derrubaram a ditadura de Anastsio Somoza. A FSLN contava em suas fileiras com catlicos originrios de um forte movimento de cristianismo de base ligado Teologia da Libertao, sob influncia das comunidades eclesiais de base e de telogos brasileiros. (SADER, 1992. pp. 73-74). Segundo Frei Betto: A Revoluo Sandinista fora obra de um povo tradicionalmente religioso e contara com a beno do episcopado. Era a primeira vez na histria que os cristos participavam ativamente de um processo insurrecional motivados por sua prpria f, apoiados por seus pastores (BETTO, 1986, pp.18-19).
-
24
(1989): Criadas a partir de 1963, formalmente nomeadas pelo Plano Pastoral Geral9 por
volta de 1965 e legitimadas por Medelln. (pp. 199-200).
As CEBs passaram a representar ento, a concretizao do Concilio Vaticano II ao
reproduzirem suas caractersticas transformadoras de mundo ,tornando-se , deste modo, mais
populares, politizadas e progressistas.
Justificadas de acordo com a Teologia da Libertao, as CEBs indicaram os maiores
sinais da insero social e poltica da Igreja Catlica no Brasil nas dcadas de 1960 e 1970.
As CEBs brasileiras derivaram tambm da necessidade de canalizar e estimular os
movimentos reivindicatrios que no podiam ser praticados durante a ditadura militar pelos
canais legais dos movimentos sindical, partidrio, estudantil e associativo.
Os sinais de mudana na Igreja Catlica no Brasil contextualizaram-se na dinmica
dos movimentos sociais do perodo e registraram-se a partir da edio do Ato Institucional n
5 (AI-5), em 1968.
O AI-5 (1968-1978), instrumento jurdico fundamental da ao repressiva da ditadura
militar no Brasil, fecha o Congresso, cassa inmeros mandatos parlamentares, estabelece a
censura prvia, os inquritos militares sigilosos. (...) O pas declarado em guerra
subversiva, com o estabelecimento da pena de morte. (F. SILVA, 1990, pp. 370 -371).
Portanto, a Igreja Catlica se constituiu num importante elemento de reao
democrtica contra os efeitos do AI-5, canalizada inicialmente por intermdio da CNBB. Em
9Em 1962, ainda antes do incio do Conclio Vaticano II, a CNBB lanava o Plano de Emergncia para preparar a Igreja para uma profunda renovao. Teve seu foco na parquia e no exerccio do ministrio sacerdotal, mas tambm estava orientado para as escolas catlicas e para a realidade scio-econmica. A fora motivadora desta primeira tentativa de pastoral de conjunto foi muito grande. Para colocar em prtica as ricas orientaes do Conclio Vaticano II, a CNBB lanou, em 1966, o Plano de Pastoral de Conjunto (1966-1970). Foi elaborado durante a VII Assemblia Geral Extraordinria da Conferncia, ainda em Roma, durante os trs meses da ltima sesso conciliar. A proposta deste Plano era que a Igreja no Brasil se ajustasse rpida e plenamente Igreja do Conclio Vaticano II.(SCHERER, 2004).
-
25
1968, Dom Alosio Lorscheider foi eleito secretrio-geral da CNBB. Suas posies firmes nas
denncias de torturas a presos polticos ganharam espao na imprensa e tiveram o apoio dos
bispos. Em 1969, a CNBB assumiu uma postura de enfrentamento ao AI-5: os bispos
criticavam o AI-5 por permitir violaes arbitrrias dos direitos humanos, (...) o direito de
expressar opinies e o direito a informao. Criticaram o governo militar por ameaar a
dignidade fsica e moral do individuo (MAINWARING, 1989, p.130).
Contudo, mesmo a ao institucional da CNBB no conseguiu evitar os efeitos do arco
repressor do AI-5 sobre organismos catlicos. Como resultado, o Ato Institucional n 5:
(...) no poupou nem mesmo as igrejas catlicas, pois em 20 de dezembro de 1978, uma bomba destruiu o altar da Igreja de Santo Antnio de Santana, em Nova Iguau (RJ). Antes deste atentado, o bispo de Nova Iguau, Dom Adriano Hiplito, havia sido seqestrado e espancado por pessoas no identificadas, em 02 de setembro de 1976. Desta maneira, fica claro que nenhuma oposio, at mesmo a eclesistica, seria permitida. (F.SILVA, 1990,p.382)
Os acontecimentos na Diocese de Nova Iguau, no estado do Rio de Janeiro, so
destacados no s por conta da reao do Estado militar e de seus agentes contra a postura
democrtica da Igreja Catlica, mas tambm pela referncia ao nome de Dom Adriano
Hiplito que, ao ser nomeado bispo daquela cidade, comeou a incentivar a aproximao da
Igreja Catlica com os movimentos populares priorizando as CEBs.
Sobre isso, Mainwaring (1989) comenta que:
A diocese de Nova Iguau foi criada em 1960 e foi relativamente conservadora at 1966. Naquele ano, Dom Adriano Hiplito foi nomeado bispo e comeou a incentivar as mudanas que levariam a Igreja a uma estreita identidade com as classes populares. Em 1968, durante a primeira assemblia diocesana, votou-se que as CEBs seriam uma das prioridades diocesanas. Coincidindo com o fechamento da sociedade civil, a Igreja comeou a criar grupos comunitrios crculos operrios, clube de mes, grupos de jovens, clubes de catecismo que discutiam a f e a realidade social. Durante os anos de maior represso, as CEBs eram praticamente as nicas organizaes populares a promover perspectivas polticas crticas.(...) sua importncia se refletiria no desenvolvimento posterior dos movimentos populares, pois facilitaram uma organizao e uma mobilizao quando houve um afrouxamento da represso.(p.212).
-
26
O ano de 1968 foi importante para as CEBs pois elas incorporaram na sua
organicidade um novo sentido histrico, teolgico e eclesial que se baseou na opo pelos
pobres referendadas pelo conselho episcopal reunido em Medelln naquele ano.
A sistematizao da opo pelos pobres uma mediao terica necessria a
compreenso do novo posicionamento da Igreja Catlica no final da dcada de 1960. Ao
articular as classes subalternas necessidade de uma estratgia de libertao para o povo
latino-americano, Leonardo Boff (1983) categoriza esses sujeitos histricos afirmando que:
O fato de ser pobre e fraco no constitui apenas um dado sociolgico; aos olhos da f constitui um acontecimento teolgico; o pobre, evangelicamente, significa uma epifania do Senhor; sua existncia um desafio lanado a Deus mesmo que resolveu, um dia intervir para restabelecer a justia porque a pobreza exprime uma quebra da justia. (...) So os pobres os naturais portadores da utopia do reino de Deus.(pp. 185-186.).
Por outro lado, ao ancorar em sua anlise aspectos sociolgicos, Boff (1983) percebe
na categoria dos pobres, para ele sub-homens e desumanizados (p.185-186), uma
potencialidade histrica para mudanas sociais ao afirmar que so realmente espoliados; at
h pouco eram objeto da misericrdia da Igreja e da sociedade (...) Agora se renem;
formam comunidades, acumulam uma conscincia crtica e transformadora em termos de
Igreja e de sociedade; fazem-se sujeitos da histria (BOFF, 1983, p.186). Nesse sentido, a
opo pelos pobres e sua teorizao constituem o canal vinculativo das CEBs sociedade.
Em 1975 realizou-se o Primeiro Encontro Intereclesial10 de CEBs em Vitria (ES). Foi
o primeiro ato substancial para sistematizar as CEBs no Brasil como nova realidade eclesial.
As CEBs enfatizaram e desenvolveram a participao poltica, o comunitarismo e a
educao popular, coincidindo o seu funcionamento com as caractersticas do PT e, portanto,
aproximando-as desse partido.
10 Cf. Histrico dos Intereclesiais das CEBs (Anexo A).
-
27
O PT representou a grande novidade poltica do cenrio brasileiro do incio da dcada
de 1980, por conta do fortalecimento das suas bases atravs de um intenso processo de
educao poltica aos seus militantes. Essa prtica acentuava, cada vez mais, as diferenas
desse partido perante outros que eram identificados como clientelistas, conservadores,
populistas ou autoritrios. Assim, o PT criou uma identidade partidria distinta e, mesmo
legalizado, no assumiu um carter exclusivamente eleitoral ou de chegada ao poder em curto
prazo.
As afinidades identitrias das CEBs com o PT explicam tambm o gradativo
afastamento das CEBs de partidos polticos como o PMDB, que mesmo tendo desempenhado
papel importante na transio da ditadura militar para a democracia, possua um vis
conservador e sem o componente da formao poltica sistemtica das suas bases.
A aproximao entre as CEBs e o PT comentada por Lesbaupin (2000):
Um pouco por toda parte, mas no sem dificuldades, os membros das CEBs se engajaram no PT. Este no foi o nico partido onde eles se engajaram, mas foi sem dvida o preferido. Pouco a pouco, um nmero importante de ncleos do PT foi constitudo pela ao das CEBs, sobretudo no interior do pas e nas periferias urbanas. A partir desse momento, membros das CEBs comearam a ser escolhidos para candidatos a cargos polticos: prefeitos, vereadores, deputados estaduais e deputados federais (p.63).
As vinculaes entre as CEBs e o PT no foram automticas, acrticas ou ainda frutos
de orientao oficial de ambos. Pelo aspecto religioso, a observao de Mainwaring (1989)
pertinente ao afirmar que:
as comunidades so principalmente comunidades de f, muitos participantes das CEBs no esto envolvidos em poltica. Entretanto, muitos membros das CEBs preocupam-se com as dimenses sociais e polticas da f e freqentemente lideram lutas locais por servios urbanos ou pelos direitos dos trabalhadores ou camponeses (...) lderes da Igreja fizeram distino entre as esferas poltica e religiosa, e as CEBs propriamente ditas so orientadas para as questes religiosas (p.189)
-
28
As CEBs surgiram no Nordeste brasileiro mas o plo concentrador dessa nova
realidade teolgica foi regio Sudeste. A ligao das CEBs com o PT foi mais intensa na
regio da Grande So Paulo, inclusive a cidade industrial de So Bernardo, origem do partido.
No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, destacamos as atuaes das CEBs
vinculadas ao PT, nas cidades de Duque de Caxias , Volta Redonda, Barra Mansa e Nova
Iguau.
Em Duque de Caxias, as prticas progressistas catlicas ligadas ao PT expressaram-se
no trabalho parlamentar e poltico de Jos Zumba, vereador da cidade por dois mandatos
(1997-2000 e 2001-2004), que como catlico praticante assessorou o bispo Dom Mauro
Morelli 11. Em 2004, no conseguiu renovar o seu mandato e se afastou oficialmente do PT.
Atualmente exerce a funo de diretor geral de Segurana Alimentar e Nutrio Sustentvel
da prefeitura de Duque de Caxias , cidade governada pelo prefeito Washington Reis
(PMDB)12.
Na cidade de Volta Redonda destacamos o nome de Ernesto Braga, atual secretrio de
comunicao da direo estadual do PT/RJ. Ele militou nas CEBs e fez parte da Coordenao
Diocesana da Pastoral Operria durante os anos de 1970 .Foi membro da primeira direo
nacional da Central nica dos Trabalhadores (CUT) em 1983 e candidato a deputado estadual
pelo PT fluminense em 1990 . Conforme documento de campanha daquele ano , Ernesto
analisa que a Igreja Catlica, em Volta Redonda e Barra Mansa, na prtica, tinha sua linha
de atuao dedicada preferencialmente aos pobres, comprometida com a organizao da
Classe Trabalhadora.
11 Cf. Documento de Propaganda Eleitoral (Anexo B). 12 O Prefeito de Duque de Caxias deu posse [em 11/07/2005] ao ex-vereador Jos Zumba Clemente da Silva, na Diretoria Geral de Segurana Alimentar e Nutrio Sustentvel. A solenidade que ocorreu no Plenrio da Cmara Municipal de Duque de Caxias contou com a presena de ex-bispo Dom Mauro Morelli e do atual bispo de Duque de Caxias e So Joo de Meriti, Dom Jos Francisco Rezende Dias. Ver: http://www.cmdc.rj.gov.br
-
29
Em Barra Mansa, a deputada estadual Ins Pandel, ex-prefeita da cidade (1997-
2000), construiu sua militncia poltica a partir de seu engajamento nas comunidades de
base da Igreja Catlica , na catequese e nas pastorais de juventude e operria da regio .
Na cidade de Nova Iguau, a militncia social das Pastorais da Juventude construiu,
junto com outros setores, a trajetria do ex-deputado estadual petista Artur Messias13 (1999-
2002), que o atual prefeito da cidade de Mesquita .
As relaes do catolicismo progressista com o PT. produziram tambm, ao longo da
dcada de 1990, a eleio de dois deputados estaduais pelo Rio de Janeiro, Paulo Banana
Amorim e Neirobis Nagae.
No incio dos anos de 1980, Paulo Amorim assumiu a direo nacional da Pastoral
Operria e comeou sua militncia social e poltica na Pastoral da Juventude na zona oeste da
cidade do Rio de Janeiro, regio da sua base eleitoral. Eleito deputado estadual em 199014 ,
exerceu o mandato at 1994.
Neirobis Nagae foi prefeito da cidade de Angra dos Reis (1988-1992) e deputado
estadual na legislatura de 1995 a 1998. Comeou a sua trajetria participando em CEBs e
ajudou na fundao do PT em 1979. (SECRETARIA DE POLTICAS PBLICAS DO
DIRETRIO ESTADUAL DO PT-RJ, 1989)
Na cidade do Rio de Janeiro, a existncia das CEBs regulada atualmente pela
Arquidiocese da cidade conforme o 10 Plano de Pastoral de Conjunto:
A conscincia missionria tem crescido em nossa Arquidiocese. Entre os principais motivos desse fato destacam-se: (...) Os Crculos Bblicos, como responsveis diretos pela criao de novas comunidades, sementes de outras parquias. O mesmo se diga das CEBs, verdadeira riqueza da vida em F em diversas comunidades, paroquiais ou no de nossa Arquidiocese. (IGREJA CATLICA. ARQUIDIOCESE DE SO SEBASTIO DO RIO DE JANEIRO, 2005, p.126)
13 Cf. Documento de Propaganda Eleitoral (Anexo C). 14 A campanha que elegeu Paulo Amorim em 1990 contou com o apoio, dentro outros nomes, do Frei Clodovis Boff e de Adilson Pires, que na poca era vereador pelo PT na cidade do Rio de Janeiro. Ver. Documento de Propaganda Eleitoral (Anexo D).
-
30
De uma forma geral, as CEBs sofrem uma crise de visibilidade. So poucas as que
possuem o mesmo feitio apresentado no passado. Afirma Lesbaupin (2000, p.56) que elas
esto passando dificuldades como praticamente todas as organizaes populares de ao
scio-poltica associaes de moradores, sindicatos, movimentos reivindicatrios, de
protesto esto passando nos ltimos anos.
As dificuldades de carter religioso inserem-se no avano das religies protestantes,
sobretudo o neopentecostalismo, e da Renovao Carismtica Catlica (RCC). Nas regies
das parquias onde as CEBs tm alguma influncia, os conflitos com RCC so mais
evidenciados por ser tratarem de uma disputa no mbito do catolicismo, que se resume no
questionamento dos carismticos a tendncia do engajamento dos membros das CEBs nas
questes sociais e poltica. Esse aspecto ser analisado com mais profundidade em captulo
posterior.
Um outro nvel de dificuldades vivenciado pelas CEBS relaciona-se reorganizao
dos movimentos sociais no Brasil.
O enfraquecimento da ditadura militar brasileira acabou diluindo em outros
segmentos do movimento social, as prticas democrticas at ento concentradas, em grande
parte, nas CEBs. Ao longo da dcada de 1980, a redemocratizao fez com que sindicatos,
associaes de moradores, representaes estudantis e partidos polticos incorporassem em
seus cotidianos prticas democrticas vivenciadas pelas CEBs durante boa parte da ditadura
militar.
Por outro lado, a ascenso e a consolidao do neoliberalismo no Brasil (1990 -2002),
com os governos Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, refluram os
movimentos sociais no pas e desfiguraram ainda mais a visibilidade da ao scio-poltica
das CEBs. A complexidade histrica produzida com o fim do socialismo real em 1989/1990,
tambm contribuiu para o enfraquecimento do movimento comunitrio das CEBs. Com isso,
-
31
elas se voltaram para uma atuao social com uma temtica diversificada, necessria e tpica
da reao dos movimentos sociais frente ao neoliberalismo. Os Encontros Intereclesiais das
CEBs de 1992,1997 e 2000, respectivamente em Santa Maria (RS), So Luis (MA) e Ilhus
(BA) comprovaram essa postura ao incorporar em suas celebraes litrgicas e nos plenrios
de discusses, temticas ligas as questes dos negros, dos ndios e das mulheres.
Sua realidade atual corresponde a um momento de maturidade poltica. Deste modo, a
conscincia social legada pelas CEBs fruto de um grau de refinamento intelectual e de ao
poltica qualificada formados ao longo de seu trabalho. Assim,
o aprendizado que se deu em seu interior, principalmente no sentido de passar para seus participantes as noes de igualitarismo e justia to caras sociedade ocidental moderna, parece ter ficado, parece ter sido estabelecido na personalidade daqueles indivduos.(SILVA, A. 2002, p. 129).
Como exemplos da maturidade poltica das CEBs, destacamos indicadores que
evidenciam seu enraizamento na sociedade, por conta de expressivas lideranas vinculadas ao
movimento social organizado ou a processos eleitorais, especialmente aqueles ligados a
candidatos do PT.
Ao considerar as CEBs como um importante organismo na formao de lideranas,
Soares (2001) enumera personagens que possuem destaque na sociedade civil e que tem em
comum suas identidades com as CEBs:
Caracterizadas sobretudo como importante movimento de formao de lideranas para a sociedade civil, despontaram nas CEBs, lderes de expresso nacional, como Vicentinho, Joo Pedro Stdile, Luiza Erundina, Jos Rainha, Marina Silva e Chico Mendes, que entre tantos outros, lutam por um pas democrtico. (SOARES, 2001, pp 37-38).
Os personagens citados , diretamente ou no, possuem identidades com o PT.
-
32
Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, foi importante dirigente sindical e atualmente
deputado federal pelo PT/ SP.
Joo Pedro Stdile e Jos Rainha so importantes referncias do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) que reivindica a reforma agrria no pas. Sempre
exerceram uma influncia muito grande na conduo da poltica agrria do PT. O movimento
pela reforma agrria no pas, no qual o MST a organizao mais destacada, teve origem
tambm no trabalho desenvolvido em fins da dcada de 1960 pela Comisso Pastoral da Terra
(CPT) 15, uma outra estrutura popular e progressista ligada a Igreja Catlica.
Chico Mendes, filiado ao PT em 1981, foi parlamentar e lder sindical na regio
amaznica. Juntamente com a senadora Marina Silva (PT /AC), transformou o ambientalismo
em preocupao partidria no mbito petista.
Luiza Erundina de Sousa foi prefeita da cidade de So Paulo pelo PT (1989-1992). De
formao catlica e com uma intensa militncia nas CEBs no passado, atualmente deputada
federal por So Paulo pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) no qual se filiou em 1997.
A trajetria de Luiza Erundina articula-se aos indicadores de enraizamento das CEBs
na sociedade em seus momentos eleitorais.
Em 2002 Erundina foi reeleita deputada e, no mesmo ano, seu partido lanou a
candidatura do ex-governador do estado do Rio de Janeiro (1999-2002), o evanglico
Anthony Garotinho a presidncia da Repblica. Mesmo considerando que a identidade
catlica de Luiza Erundina possa ter sido confrontada com a identidade evanglica de
Garotinho para impedir o crescimento eleitoral do ex-governador, enfatizamos em termos
15 A Comisso Pastoral da Terra (CPT) foi fundada em junho de 1975, em Goinia. Entre os compromissos assumidos no encontro, esto os compromissos de luta pela Reforma Agrria. Sendo reconhecida e apoiada pela CNBB, a CPT atua em conjunto com muitas Dioceses, parquias e comunidades. Assessora sindicatos, associaes de produtores, movimentos sociais e outras iniciativas populares Nasceu ligada Igreja Catlica, mas logo adquiriu carter ecumnico, tanto no sentido dos trabalhadores apoiados, quanto na incorporao de agentes de outras igrejas crists, destacadamente da Igreja Evanglica de Confisso Luterana no Brasil (IECLB) e Metodista A coordenao nacional presidida atualmente pelo bispo Dom Toms Balduno. Ver: < http://www.diocesechapeco.org.br/index1.php?link=pt_terra.php > e < http://www.cpt.org.br >
-
33
absolutos, que a identidade catlica progressista formada pelas CEBs, destinou a Erundina
uma votao admirvel. Seus eleitores optaram por uma dobradinha eleitoral que,
possivelmente, resgatou o imaginrio da relao entre as CEBs e o PT ao votarem em Lula
para a presidncia da Repblica. Desta forma, a tendncia de vincular o nome do candidato
majoritrio do PSB a candidatos proporcionais do mesmo partido foi modificada naquela
situao.
Voc teve a candidatura da Erundina para deputada federal e eu tenho amigos padres em So Paulo (...) Foi eleita atuando junto as CEBs, pelo PSB e um dos panfletos dela a chapa tela tinha o Lula para Presidente e no o Garotinho. Ela se elegeu pelo PSB com o Lula na chapa. Ela gastou muito pouco para se eleger. As CEBs enfraquecidas em So Paulo so muito melhores do que as que existem no Rio de Janeiro.
(Robson Leite em entrevista concedida ao autor em 09/04/2005)
Nesse caso, a eficcia do trabalho das CEBs revela que, independente da sigla
partidria, o candidato com vinculao histrica s CEBs reconhecido e votado. Isso mostra
a prevalncia da formao religiosa sobre a partidria que afinal de contas da natureza das
CEBs. Tal aspecto foi analisado por Marilena Chau, uma figura referencial na construo do
PT:
A reduo dos ncleos do PT s comunidades eclesiais de base escamoteia os seguintes fatos: a) nem todas as CEBs se vincularam ao PT; b) em cada CEB, nem todos so do PT; c) as associaes de bairros, os grupos feministas, homossexuais, negros, as associaes e pais e mestres, os grupos culturais, etc. que se ligaram ao PT no fazem parte de Cebs; d) o movimento sindical no uma CEB; e) membros de tendncias partidrias clandestinas e membros de associaes profissionais legalizadas que se ligaram ao PT no so membros das CEBs. Em resumo: h no PT mais gente do que os membros das CEBs e a relao do PT com a Igreja to heterognea quanto a de outros partidos , visto que a prpria Igreja no um monolito.(CHAU, 1982, p.10).
-
34
Nas eleies de 2002 na cidade de So Paulo, o trabalho deixado pelas CEBs resultou
seno na eleio, pelo menos na manuteno de uma densidade eleitoral tradicional do PT em
reas ligadas a uma atuao precedente dessas comunidades.
Enquanto a mdia do municpio de So Paulo no 2 turno da eleio presidencial acusou a porcentagem de votos vlidos de 51,1 % para Lula, na Zona Eleitoral de So Mateus o presidente eleito obteve o total de 67,2 % dos votos. Vantagem parecida ocorre no resultado para o governo do estado. O candidato do PT, Jos Genono, obteve 50,6 % dos votos em So Mateus, 14,8 % a mais do que sai mdia municipal, que foi de 35,8 % dos votos vlidos. Tiveram tambm votao expressiva os candidatos ao Senado Federal, Alusio Mercadante (34,7%) do PT, e Wagner Gomes (17,4 %) do PC do B. No foi diferente no que diz respeito aos candidatos Cmara dos Deputados (...) essa expressiva votao do PT se deu em um territrio onde houve uma atuao significativa da igreja por meio das CEBs, um territrio que continua sendo uma periferia urbana da cidade, e no qual as pessoas ali residentes continuam fazendo parte das camadas mais baixas da populao. (SILVA, A. 2002. p.130).
-
35
V) INFLUNCIA DO CATOLICISMO NA FORMAO DA IDENTIDADE DO
PARTIDO DOS TRABALHADORES
A reivindicao de identidades religiosas no PT no foi um movimento que
interferisse diretamente nas decises partidrias. O carter leigo, aconfessional e republicano
do PT corroboram essa tendncia. Os documentos oficiais que regulam e testemunham a vida
partidria consideram as contribuies do perfil progressista da Igreja Catlica, inserindo-a na
fundao do PT e na sua atuao nas bases do partido atravs das CEBs e da Teologia da
Libertao.
Contudo existem algumas controvrsias sobre a profundidade da atuao da Igreja
Catlica na formao do PT e na formulao de uma linha poltica influenciada pelo
catolicismo para a insero do partido na sociedade. Personagens envolvidos na fundao do
PT e que atualmente so responsveis por sua conduo comentam essa questo.
Um dos fundadores do PT, o presidente da Repblica Lus Incio Lula da Silva, se
pronunciou em diversos momentos sobre a influncia da Igreja Catlica na formao do seu
partido.
Em 1978, na fase considerada como pr-PT, Lula era reconhecido como a principal
liderana surgida com as greves do ABC paulista. Essas greves, responsveis pela
reestruturao do sindicalismo brasileiro, impulsionaram a idia entre os defensores do novo
partido, que esse deveria nascer estritamente da base sindical e sem nenhuma fora auxiliar
deslocada do movimento social para tambm compor a nova representao dos trabalhadores.
Nesse perodo se intensificou ainda no ABC paulista, o conflito entre os catlicos
que defendiam as transformaes no clero e apoiavam as reformas sindicais e aqueles que
pretendiam manter as tradies e a ordem estabelecida. (MORAES, 2003, p.17).
-
36
Para Lula, a arregimentao da classe trabalhadora na constituio do novo partido
poltico deveria sobretudo fortalecer o movimento sindical. Naquele momento, mesmo
considerando a existncia de pessoas de extrema validade dentro da Igreja, Lula acusou a
instituio de ter um pouco de responsabilidade pela situao que a classe trabalhadora
vive hoje. s por isso que eu no vejo a Igreja como salvadora da classe trabalhadora.16
Na condio de presidente do PT em 1980, Lula afirmou que
a Igreja tinha mesmo se definir. Seu lugar ao lado de quem sofre e explorado, como a gente v na vida de Cristo. No mesmo banco de igreja no podem sentar juntos o patro e o empregado, torturador e torturado (...) a sociedade brasileira ganhar muito com a aproximao entre a Igreja e a classe trabalhadora.17
No ano em que o PT disputou as suas primeiras eleies, em 1982, Lula, ento
candidato ao governo do estado de So Paulo, foi questionado sobre a influncia dos catlicos
na formao do PT e a sua relao direta com o corpo partidrio. Ele referiu-se opo feita
por setores da Igreja Catlica no Brasil pelo povo oprimido (GUATTARI, 1982). Lula
identificou claramente o momento em que a Igreja Catlica formulava e construa uma nova
prxis para a sua interveno teolgica e social na Amrica Latina, ao se referir a Conferncia
de Puebla18:
(...) O que existe, na verdade, que, a partir de Puebla, a Igreja brasileira, ou melhor, uma parte da Igreja brasileira, decidiu fazer uma opo na questo da organizao do povo oprimido. Foi a partir da que as comunidades de base e os bispos progressistas comearam a aparecer. E que sucede que as formas de organizao que eles propem coincidem com as do Partido
16 Cf. entrevista de Lula ao Programa Vox Populi, TV Cultura, So Paulo, maio de 1978. In: Lula - Luis Incio da Silva: Entrevistas e discursos. So Paulo, Ncleo Ampliado de Professores do Partido dos Trabalhadores, 1981, pp. 81-82. 17 Cf. entrevista de Lula concedida a Frei Betto para a Revista Isto , 28 /02/1980. In: Lula - Luis Incio da Silva: Entrevistas e discursos op. cit., p. 286. 18 Lula faz aluso ao encontro de Puebla, no Mxico, em janeiro de 1979, por ocasio da III Conferncia Episcopal Latino-Americana (CELAM), com a presena do Papa Joo Paulo II. Nesse encontro, novamente confrontaram-se diversas correntes do pensamento catlico. Mais uma vez prevaleceu a ala progressista. Reafirmou-se a Teologia da Libertao com as propostas de mudanas profundas nas estruturas latino-americanas, em benefcio da maioria, ou seja, dos pobres. (AQUINO, 1999, p.625).
-
37
dos Trabalhadores. Nenhum bispo orienta os cristos a se inscreverem no PT. Mas eu acredito que todos ou ao menos uma grande parte orientam o cristo a adotar critrios para que escolham seus partidos e seus candidatos, e isto tambm coincide com as propostas polticas do PT. Ora, qualquer outro partido poderia adotar formas de organizao semelhantes s que ns preconizamos; a a orientao atual da Igreja poderia beneficiar a todos. (Entrevista de Lula concedida a GUATTARI, 1982, p.19).
Percebemos que a idia de privilegiar o movimento sindical na construo do PT
perdia sua fora inicial. Elaborava-se um projeto de insero na sociedade influenciado
tambm pelo trabalho dos militantes ligados ao das CEBs conforme indica Lespaubin
(2000) :
O fato desse partido ter nascido do movimento operrio e de outros movimentos populares, e que pretendesse ser no apenas um canal de expresso dos interesses das classes populares, mas tambm um partido onde os trabalhadores pudessem participar, exerceu uma forte atrao sobre os militantes das CEBs: elas tambm tinham nascido "de baixo para cima", das camadas populares; elas tambm permitiam a participao plena de trabalhadores. (LESBAUPIN, 2000, p.63).
No incio de 1989, ano em que participou da primeira eleio para presidente depois
da ditadura militar, Lula foi taxativo ao responder as crticas do tambm pr-candidato Leonel
Brizola (Partido Democrtico Trabalhista PDT) sobre a influncia da Igreja Catlica no PT.
Em entrevista ao jornal O GLOBO, Lula afirmou:
Eu imaginava que o Brizola fosse fazer crticas a Dom Eugnio Salles, a Dom Agnelo Rossi, ao setor de direita da Igreja. (...) No sei se a viso de Leonel Brizola aquela de que o padre deve ficar passando a mo na cabea da criancinha e dizer meu filho voc tem que se contentar em sofrer aqui na terra e ir para o cu quando morrer. Eu prefiro a Santa Igreja que est dizendo para o povo: Olha, levanta a cabea e luta porque ningum vai dar nada de graa, nada vai cair do cu. (SILVA,1989)
-
38
Pouco antes de ser eleito presidente da Repblica em 2002, Lula reafirma essa
condio de afinidade entre a ala progressista da Igreja Catlica e o PT. Infere-se nessa
declarao a proximidade orgnica entre as CEBs e o partido:
A Igreja nunca participou do PT. O que acontecia que, como o PT nasceu de um movimento sindical, de um movimento popular, havia setores da Igreja, os setores das comunidades de base, que tinham muita militncia poltica, e essas pessoas viam no PT um espao institucional para fazer poltica a Igreja, enquanto instituio, nunca se envolveu (...) O que fez o PT crescer foi o movimento sindical, o movimento popular (...) e, eu diria, setores progressistas da Igreja catlica, principalmente aqueles representados peal Teologia da Libertao. (Entrevista de Lula concedida a DINES et alii, 2000c, p.332).
Concomitante a essa anlise, o ex-presidente nacional do partido (1995-2001) e ex-
ministro-chefe (2003-2005) do Gabinete Civil do governo Lula, o deputado federal Jos
Dirceu de Oliveira e Silva, indica tambm, alm do catolicismo, as influncias de outras
religies na construo do PT:
A Igreja e o PT se separaram muito (...) Porque a Igreja estava no com o PT, mas com as lutas operrias e sindicais, com as lutas estudantis, no final da dcada de 70, incio da dcada de 80. Uma parte importante dos integrantes das Comunidades Eclesiais de Base se filiou ao PT. Mas o PT um partido laico e um partido muito pluralista do ponto de vista religioso. Ns temos espritas, ns temos no PT uma influncia muito forte do candombl, ns temos evanglicos com uma presena muito forte nos ltimos 10 anos. [grifo nosso] existem vrios deputados, uma senadora, Benedita da Silva, uma vice-governadora - mas a relao do PT com a Igreja, no entanto, foi uma relao na luta democrtica. E uma coincidncia entre grande parte dos militantes das instituies sociais da Igreja e de ativismo social terem se filiado ao PT. (Entrevista de Jos Dirceu de Oliveira e Silva concedida a DINES et alii, 2000a, p.310).
A senadora e atual Ministra do Meio-Ambiente, Marina Silva construiu sua militncia
social e poltica nos anos 80. Ela reivindica uma identidade catlica forjada na Teologia da
Libertao e adota o ecumenismo ao afirmar uma postura de respeito aos catlicos e aos
evanglicos:
-
39
Sou uma pessoa de formao catlica forte quase fui freira, inclusive , tive uma influncia muito grande da Teologia da Libertao. Mas hoje, com todo o respeito aos meus parceiros catlicos, tambm sou evanglica. Respeito as religies. Sou de formao crist, mas respeito as formas de religiosidade das pessoas.(...) Diria que as igrejas evanglicas esto engatinhando no processo de fazer essa juno entre os princpios ticos do cristianismo e os princpios que devem nortear as nossas aes do ponto de vista da nossa vida secular. (Entrevista de Marina Silva concedida a DINES et alii, 2000b, pp. 390-391).
A ocupao de espaos no governo federal por quadros petistas catlicos tambm
um dado importante e conseqente da influncia do catolicismo progressista no PT como, por
exemplo, Frei Betto, que coordenou o Programa Fome Zero19, concebido pelo governo federal
para acabar com a misria e reduzir a fome no Brasil.
Outros militantes catlicos progressistas do PT exerceram ou exercem funes junto
ao governo federal desde a posse de Lula em janeiro de 2003 at julho de 2005, conforme o
quadro a seguir:
19 Includo entre as propostas da campanha presidencial de 2002, o Programa Fome Zero foi anunciado como prioridade de governo no primeiro discurso do presidente eleito Luis Incio Lula da Silva, na manh seguinte eleio. O Fome Zero foi uma iniciativa do Instituto Cidadania, entidade independente e apartidria fundada por Lula. Foi financiado com recursos da Fundao Djalma Guimares, entidade vinculada Companhia Brasileira de Metalurgia e Minerao (CBMM), do Grupo Moreira Salles. O projeto teve incio em meados do ano 2000 e reuniu uma equipe com mais de 50 pesquisadores e colaboradores, entre os maiores especialistas do Brasil em polticas sociais, alimentao, nutrio e sade. No Fome Zero, so apresentados trs conjuntos de polticas articuladas entre si, tendo como foco a segurana alimentar, entendida como a garantia a todos os brasileiros de acesso a uma alimentao adequada sobrevivncia e sade em termos de quantidade, qualidade e regularidade. So elas: polticas estruturais voltadas para as causas profundas da fome e da pobreza; polticas especficas voltadas para atender diretamente as famlias no que se refere ao acesso ao alimento; e polticas locais que podem ser implantadas por prefeituras e pela sociedade. (BELIK, 2003, p.24)
-
40
NOME TITULAO REFERNCIAS NA IGREJA CATOLICA
Frei Betto (Carlos Alberto Libnio Christo)
Ex-Coordenador do Programa Fome Zero
Frei dominicano, militante da Juventude Estudantil Catlica (JEC), terico da Teologia da Libertao e das CEBs
Gilberto Carvalho Secretrio do presidente da
Repblica Pastoral Operria SP
Jos Fritsch Secretrio Nacional da Pesca Comisso Pastoral da Terra (CPT) e CEBs de Chapec/ SC (dcada de 1970)
Jos Graziano Ex-Secretrio de Segurana
Alimentar e Combate Fome Coordenador Estadual da JEC /SP (dcada de 1960)
Marcelo Resende Ex-Presidente do INCRA Ligado a CPT Marina Silva Ministra do Meio-Ambiente Ligada as CEBs
Olvio Dutra Ex-Ministro das Cidades Militante da Pastoral Operria /RS (dcada de 1980)
Patrus Ananias Ministro do Desenvolvimento
Social e Combate Fome
Assessor das CEBs em MG e fundador do movimento F e Poltica juntamente com Leonardo Boff (dcada de 1980)20
Ricardo Kotscho Ex-assessor de imprensa do
Presidente Lula Ligado a Grupos de Orao junto com Frei Betto (dcada de 1980)
Tilden Santiago Embaixador do Brasil em
Cuba Telogo e ex-padre-operrio (dcada de 1970)21
Fonte: BETTO, 2003 e PC do B, 2003.
Outros setores do catolicismo brasileiro ocuparam seus espaos no PT , como aquele
reivindicado por Plnio de Arruda Sampaio22 que foi um importante quadro da democracia-
crist no Brasil dos anos 50, tendncia originada da Ao Catlica23. Filiado ao PT em 1981,
20 Cf. Documento de Propaganda Eleitoral (Anexo E). 21 Cf. Documento de Propaganda Eleitoral (Anexo F). 22 Deputado federal por So Paulo pelo PDC (1962) e pelo PT por dois mandatos (1984 e 1986).Foi tambm candidato a governador do estado de So Paulo em 1990 e titular da Secretaria Agrria do Diretrio Nacional do PT em 1997. Foi ainda, na dcada de 198080, fundador de duas campanhas, a Ao da Cidadania pela tica na Poltica e a Ao da Cidadania contra a Fome e a Misria, juntamente com Betinho, Dom Luciano Mendes de Almeida e Dom Mauro Morelli. Atualmente compe um campo partidrio de atuao denominado de Ao Popular Socialista e lanou sua candidatura para presidente nacional do PT em 2005. 23 A Ao Catlica Brasileira, fundada em 1935, foi um movimento estimulado pelo pontificado de Pio XI (1922-1939) a partir da necessidade da Igreja Catlica de compreender e intervir na realidade social pobre e excludente da Amrica Latina. Essa ao baseou-se na participao dos leigos junto hierarquia eclesistica. No Brasil, essa ao do Vaticano encontrou receptividade junta a setores sociais como estudantes, operrios e
-
41
ele considera que, em grande medida, o partido a continuidade do esforo que a gente fez
nos anos 50. (Entrevista de Plnio de Arruda Sampaio concedida a DINES et alii, 2000b,
p.111). Ao vincular sua militncia ao PT percebemos um sentido de dupla superao no seu
discurso.
Referindo-se a continuidade, Plnio de Arruda atualiza a sua precedente identidade
catlica ligada ao Partido Democrata Cristo (PDC) com a dos novos segmentos catlicos
construtores do partido. Para ele o depositrio natural de sua trajetria poltica o PT: De
modo que todo este movimento [o da Igreja Catlica] est no PT, e eu acho que ele seria pelo
menos o caminho natural se eu tivesse tido a liderana do PDC o tempo inteiro.(Entrevista
de Plnio de Arruda Sampaio concedida a DINES et alii, 2000b, p.111)
A segunda superao o esforo de uma ao ligada a um grupo de catlicos nas
dcadas de 1940 e 1950, sobretudo no estado de So Paulo. Tal movimento objetivava
resgatar a democracia-crist e a sua correspondente expresso partidria, o Partido Democrata
Cristo (PDC)24, do uso clientelista e eleitoreiro que determinados polticos faziam desses
referenciais catlicos. Portanto, tal empenho se direcionou para coloc-los num patamar de
uma ao poltica transformadora da sociedade:
Um grupo de pessoas de pouco escrpulo, polticos tradicionais que usavam a legenda como legenda de aluguel. (...) Isso provocou uma reao muito forte no pessoal da Ao Catlica, porque naquele tempo ela era muito forte. (...) A figura central disso foi Alceu Amoroso Lima, o Tristo de Athayde (...) Mas tinha figuras como Dom Hlder Cmara (...) e o cardeal de So Paulo Dom Carlos Carmelo (...) Esse grupo resolveu entrar no PDC e regener-lo. O PDC surgiu como esforo. (...) foi um esforo muito grande de fazer uma poltica democrtica, e com contedo social, dentro dos marcos do capitalismo. (Entrevista de Plnio de Arruda Sampaio concedida a DINES et alii, 2000b, p.111).
trabalhadores rurais catlicos, utilizando o mtodo do ver, julgar e agir, origem da Teologia da Libertao e ao incorporada pelas CEBs nos anos 60 e 70. (MORAES, 2003) 24 Em 1965, o Ato Institucional n 2, extinguiu todos os partidos polticos, inclusive o PDC, criando em seu lugar apenas dois partidos: a Arena e o MDB. Em 1985 com a abertura poltica, novamente a Democracia Crist implantada no Pas, com a fundao do PDC (Partido Democrata Cristo).
-
42
Plnio de Arruda constata, no entanto, limitaes tericas e prticas pouco combativas
na histria da Ao Catlica e de sua via partidria, o PDC. Rejeita a concepo de partidos
polticos de carter confessional , ao declarar que:
ns j no queramos mais um partido confessional (...) que era uma posio nossa dos anos 50, no tinha mais cabimento nos anos 80. Mas os espertalhes resolveram que a legenda ainda tinha um apelo eleitoral e a refizeram. E fizeram esse partidinho raqutico que tem a 25. (Entrevista de Plnio de Arruda Sampaio concedida a DINES et alii, 2000b, p.92).
Suas convices polticas se direcionaram ento para a defesa do socialismo. Segundo
seu depoimento: Hoje sou um homem socialista. Naquele tempo eu no era; era
rigorosamente um democrata-cristo, um homem do regime democrtico liberal, com uma
poltica social relativamente avanada.(Entrevista de Plnio de Arruda Sampaio concedida a
DINES et alii, 2000b, p.91).
O entendimento desse ator social sobre a formao e a identidade do PT no diverge
substancialmente da fala de outros registrados nesse texto. Portanto, Plnio de Arruda afirma
que:
o PT uma confluncia de trs correntes: do sindicalismo autntico, vivo; dos grupos marxistas da guerrilha, ou da oposio marxista; e de grupos catlicos que se conscientizaram no exlio e aqui. (...) De toda essa perseguio a Igreja em que surgiu um novo clero, uma nova teologia, que foi a Teologia da Libertao. E surgiu todo um movimento de comunidade de base na igreja. (Entrevista de Plnio de Arruda Sampaio concedida a DINES et alii, 2000b, pp. 110-111).
25 Em 1995, a Direo Nacional do PDC solicitou ao Tribunal Superior Eleitoral a mudana da nomenclatura e sigla para Partido Social Democrata Cristo, PSDC (27). O "S" acrescentado antiga sigla destina-se, segundo documentos polticos do partido, a enfatizar o compromisso da Democracia Crist, com a Justia Social. Obteve o registro definitivo em 1997. (Fonte: www.tse.gov.br).
-
43
Apesar disso, seu depoimento identifica uma certa resistncia s posies catlicas
vivenciadas por ele no PT, por alguns setores partidrios, notadamente aos de grupos
marxistas ligados ao trotskismo.
Quando cheguei no PT a resistncia era fortssima (...) pois um homem catlico, uma pessoa de natureza mais moderada nas coisas que faz, ento eu tive uma resistncia fortssima. Companheiros do PT acharam execrvel que eu estivesse l. Mas eu acho que isso foi totalmente superado. (Entrevista de Plnio de Arruda Sampaio concedida a DINES et alii, 2000b, p.111)
Deste modo, a convivncia entre grupos marxistas e catlicos no PT nunca foi
tranqila. A necessidade de harmonizar esses posicionamentos num discurso unificado, ou
seja, num discurso petista, foi objeto de preocupao e de posicionamento de fundadores e
dirigentes do PT nos seus primeiros momentos de atuao poltica.
Conforme Jos Dirceu, o PT um partido onde milhares de comunistas e marxistas
convivem com cristos (...) quero dizer que necessrio debater o marxismo-leninismo, a
social-democracia, o reformismo, o trotskismo. necessrio debater a religio dentro do
PT (OLIVEIRA E SILVA, 1986, p.40).
Atualmente, o crescimento da Renovao Carismtica Catlica no mbito poltico-
partidrio brasileiro, em especial no PT, tambm uma importante tendncia examinada no
captulo seguinte.
-
44
VI) A RENOVAO CARISMTICA CATLICA NO BRASIL: HISTRICO E
INSERO POLTICA
Algumas instituies religiosas perderam poder e influncia em muitas sociedades, mas crenas e prticas religiosas antigas ou novas permaneceram na vida das pessoas, s vezes assumindo novas formas institucionais e s vezes levando a grandes exploses de fervor religioso. (BERGER, 2001, p.10).
A Renovao Carismtica Catlica teve origem nos EUA no final dos anos 60.
Conhecida tambm como pentecostalismo catlico, a RCC surge num momento em que o
mundo vive o auge da Guerra Fria, o anticomunismo, o movimento da contracultura, as
revoltas estudantis e a guerrilha na Amrica Latina. Nos EUA, crescem os movimentos pelos
direitos civis e contra a Guerra do Vietn.
Includos nessa conjuntura poltica, destacamos os efeitos do Concilio Vaticano II que
com os seus fundamentos, abriu caminho para a estruturao desse importante movimento
catlico contemporneo.
Dentre as propostas do Vaticano II, enfatizaram-se renovao litrgica e bblica, a
reviso da funo do leigo no mundo e na Igreja, a procura de novas relaes entre a Igreja
e a sociedade moderna e outras religies.(CARRANZA, 2000, p.27). Ao referenciar a
funo dos leigos na Igreja Catlica, vrios agrupamentos laicos formaram-se a partir das
orientaes do Concilio. Um deles foi a Renovao Carismtica Catlica que , como
movimento leigo, foi prevista pelo encontro conciliar. Sua posterior criao e reconhecimento
era uma questo oficial para o Vaticano e, naturalmente, para os adeptos da RCC. O
reconhecimento inicia-se com o Papa Paulo VI em 1973, sendo ratificado em 1979 pelo Papa
Joo Paulo II.
Esse ponto merece nfase, pois nele reside a justificativa para a diferenciao da
identidade do pentecostalismo catlico com o pentecostalismo evanglico ou protestante.
-
45
Segundo Carranza, desde seus primrdios a RCC manifestou algumas diferenas com o
pentecostalismo protestante, tais como: a concepo de autoridade, de obedincia e de
pertena a Igreja Catlica (2000, p.25). Deste modo, o reconhecimento do Vaticano
autenticou a identidade da RCC diante do mundo catlico e religioso.
O uso da expresso pentecostalismo catlico para denominar a RCC, nomeou-a nos
seus primrdios e, estrategicamente, foi alterada, pois representava um incmodo, j que
pentecostal ou seita era a designao pejorativa dos evanglicos que no pertenciam as
igrejas histricas (CARRANZA, 2000, p.35).
Mais do que semntica (CARRANZA, 2000) tal mudana teve o propsito de
afastamento do ecumenismo, fundamento do Conclio Vaticano II e aparentemente
representou um retrocesso na linha do ecumenismo conciliar. Essa ao de distanciamento da
abertura ecumnica foi iniciada na mesma poca que o Vaticano reconheceu a RCC.
Contudo, nenhuma medida de retaliao da alta hierarquia do catolicismo sobre a RCC foi
verificada. Assim sendo, esse ato deliberado, na verdade, acirrou as disputas e as rivalidades
entre a RCC e os pentecostais evanglicos.
Por isso, entendemos que a RCC de fato um movimento que objeta o protestantismo,
no o das igrejas protestantes histricas, mas o protestantismo dos proslitos, dos pentecostais
ou ainda dos neopentecostais.
A RCC tem como fundamento o resgate de prticas espirituais, litrgicas e teolgicas
que, a nosso ver, reforam a identidade religiosa catlica ao retomar o dilogo transcendente.
o retorno do catlico a sua igreja de origem ou, segundo Berger (2001, p.18), (...) a
continuidade do lugar da religio na experincia humana.
A simbologia e os rituais usados pela RCC em suas celebraes so mais uma reao
visual, miditica e imediata ao avano pentecostal. Tais prticas desempenham, de certa
forma, um retorno ao catolicismo primitivo.
-
46
Os grupos de orao, a leitura aplicada da Bblia, o culto a Maria (a mariolatria), o
fervor missionrio 26, o batismo pelo Esprito Santo, a glossolalia 27, a emotividade e a
informalidade na comunicao com Deus, so prticas que caracterizam a RCC, alm de
rezar com os braos elevados para o alto, gesto que posteriormente ficaria como marca
registrada das expresses religiosas dos carismticos (CARRANZA, 2000, p.24).
Convencionou-se afirmar que a RCC preocupa-se com o esprito e no com a poltica
(BOFF,Clodovis, 2000; CARRANZA, 2000). Contudo essa afirmao naturalizada .A partir
da dcada de 1970 houve um esforo por parte da mdia e de setores conservadores da Igreja
em desgastar a imagem de catlicos progressistas que se engajaram em movimentos polticos
e partidrios . Ao neutralizar tais segmentos progressistas, incl