o centenário de itapipoca/ce

16
Ano 1 - Número 1 - Março de 2015 Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca Anastácio Braga A TRILHA DE UM CRIME Anastácio Braga morreu no dia 7 de janeiro de 1928. Ia ver uma obra na Câmara dos Vereadores de Itapipoca quando foi surpreendido com cinco tiros. Pega de surpresa, Itapipoca, emocionada, passou sete dias para inumar o corpo. Com o sepultamento correu atrás do homicida. Aqui, toda essa história que foi noticiada no dia 10 de janeiro de 1928 no jornal O Globo do Rio de Janeiro com o título recuperado nesta matéria: “Ora, Matei um Homem”. Páginas 8 e 9 Cangaceiro antes do can- gaço, Antônio Braga, o Conduru, assustava Itapipoca e a região de Uruburetama no século XIX. Preso duas vezes em Fernando de Noronha, fugiu daquela ilha em uma jangada e se tornou santo na Amazônia. Páginas 12 e 13 Filha de família humilde, Francimar de Oliveira era criança ainda quando o pai morreu. Ajudando a mãe em casa superou as adversidades e se tornou cabeleireira conhecida em Fortaleza. Hoje, viaja por todo o mundo e conta sua bela história aqui. Páginas 4 e 5 Mastodontes e tigres de- dentes-de-sabre são dois animais pré-históricos que circularam por Itapipoca há 30 mil anos. A descoberta foi feita pelo professor Paurilo Barroso, em 1952, e reconhecida, posteriormente, pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro. No Centenário, a história desta descoberta nos Tanques do João Cativo. Páginas 10 e 11 A Praça Perilo Teixeira, que já se chamou Inocêncio Braga, em homenagem ao pai de Anastácio Braga, e de Matriz, por causa da Igreja, está cercada por prédios históricos que datam do tempo do Segundo Império no Brasil. A velha Casa da Câmara e Cadeia e o prédio da prefeitura são dois deles. Páginas 6 e 7 Conduru BIOGRAFIA DE UM SANTO Superação MINHA VIDA NESTA EDIÇÃO Paleontologia ITAPIPOCA HÁ 30 MIL ANOS Centro de Itapipoca: patrimônio histórico

Upload: sayd

Post on 21-Jul-2016

327 views

Category:

Documents


16 download

DESCRIPTION

Jornal

TRANSCRIPT

Ano 1 - Número 1 - Março de 2015

Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca

Anastácio Braga

A TRILHA DE UM CRIMEAnastácio Braga morreu no dia 7 de janeiro de 1928. Ia ver uma obra na Câmara dos Vereadores de Itapipoca quando foi surpreendido com cinco tiros. Pega de surpresa, Itapipoca, emocionada, passou sete dias para inumar o corpo. Com o sepultamento correu atrás do homicida. Aqui, toda essa história que foi noticiada no dia 10 de janeiro de 1928 no jornal O Globo do Rio de Janeiro com o título recuperado nesta matéria: “Ora, Matei um Homem”.Páginas 8 e 9

Cangaceiro antes do can-gaço, Antônio Braga, o Conduru, assustava Itapipoca e a região de Uruburetama no século XIX. Preso duas vezes em Fernando de Noronha, fugiu daquela ilha em uma jangada e se tornou santo na Amazônia.Páginas 12 e 13

Filha de família humilde, Francimar de Oliveira era criança ainda quando o pai morreu. Ajudando a mãe em casa superou as adversidades e se tornou cabeleireira conhecida em Fortaleza. Hoje, viaja por todo o mundo e conta sua bela história aqui.Páginas 4 e 5

Mastodontes e tigres de-dentes-de-sabre são dois animais pré-históricos que circularam por Itapipoca há 30 mil anos. A descoberta foi feita pelo professor Paurilo Barroso, em 1952, e reconhecida, posteriormente, pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro. No Centenário, a história desta descoberta nos Tanques do João Cativo.Páginas 10 e 11

A Praça Perilo Teixeira, que já se chamou Inocêncio Braga, em homenagem ao pai de Anastácio Braga, e de Matriz, por causa da Igreja, está cercada por prédios históricos que datam do tempo do Segundo Império no Brasil. A velha Casa da Câmara e Cadeia e o prédio da prefeitura são dois deles. Páginas 6 e 7

ConduruBIOGRAFIADE UM SANTO

SuperaçãoMINHA VIDANESTA EDIÇÃO

PaleontologiaITAPIPOCA HÁ30 MIL ANOS

Centro de Itapipoca: patrimônio histórico

A cidade de Itapipoca começou a ser colonizada em 1683 pelos portugueses. Mas só em 1744 foi que um deles, chamado Francisco Pinheiro do Lago, Sargento-Mor, solicitou da Coroa portuguesa, e conseguiu, uma sesmaria no alto da Serra de Uruburetama na qual se fixou. O verdadeiro colonizador de Itapipoca, no entanto, não foi o Sargento-Mor, mas seu genro, Jerônimo Guimarães de Freitas, que se casou com sua filha, Francisca Pinheiro do Lago.

Mais determinado que seu sogro, Jerônimo tomou conta da sesmaria de Itapipoca e transformou, em povoado, o que, até então, era apenas uma floresta. Denominada Arraial de São José de 1744, quando foi fundada, a 1823, quando passou da categoria de arraial para a de vila com o nome de Imperatriz em homenagem à mulher de Dom Pedro I, dona Leopoldina, a vocação da futura Terra dos Três Climas, Itapipoca, não era a de permanecer no alto da serra de Uruburetama, mas a de se fixar na planície, tal como se vê hoje.

Tal mudança começou a acontecer por volta de 1844, quando um grupo de comer-ciantes, para guardar os produtos que desci-am das serras de Uruburetama e se dirigiam para Fortaleza em carro de boi levantaram

Itapipoca e a Guerrade Secessão nos EUA

2 Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca - ANO 1 - Nº1 - Março de 2015

ORIG

ENS

DE U

MA

CIDA

DEalguns galpões ao pé das serras, justamente no lugar onde hoje fica a cidade de Itapipoca.

O grande êxodo, no entanto, se deu por volta de 1860, quando ocorreu a chamada Guerra de Secessão, nos Estados Unidos, e muita coisa mudou no mundo. Como a Inglaterra precisava de algodão e este deixou de ser explorado pelos Estados Unidos, a terra da rainha foi obrigada a buscar por ele em quase todos os continente. Foi assim que a coroa inglesa descobriu Itapipoca ou Itapipoca descobriu as libras esterlinas daquele país. Como as serras de Uruburetama eram uma grande produtora de algodão, o casamento foi perfeito. A produ-ção do conhecido “ouro branco” aumentou, consideravelmente, em Itapipoca e, com ele, o número de galpões na planície.

Em pouco tempo, portanto, a Vila da Imperatriz, que ficava no alto da serra, desceu para o pé desta e, no dia 3 de novembro de 1862, a sede mudou de lugar. Com o fim da Guerra de Secessão, o mundo volta ao normal. A cidade de Itapipoca, no entanto, não era mais a mesma. Havia cres-cido muito. Estava apta a ser elevada à cate-goria de cidade e assim aconteceu. Antes disso, porém, houve a Proclamação da República, em 1889 e, com ela, algo surpre-endente: determinados a apagar, de vez, a memória da monarquia, uma das primeiras providências que os republicanos tomaram assim que assumiram o poder, foi mudar o nome das cidades que, por acaso, se desti-nassem a homenagear o império. A Vila da Imperatriz, naturalmente, estava nesta lista. Assim, a Vila perdeu o nome de Imperatriz conforme lhe fora dado em 1823, um ano após a Independência do Brasil, e voltou a se chamar Itapipoca outra vez para, em 1915, finalmente, ser elevada à condição de cidade.

A publicação deste jornal se deve a esta data e não à de 1744, quando Itapipoca surgiu como povoado, ou a de 1823, quando adquiriu o status de vila. A intenção da equipe que trabalha neste projeto, por sua vez, é a de comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca, e não apenas o dia em que foi elevada à condição de cidade, 31 de agosto de 1915. Assim, aqui está o primeiro número desta empreitada que se estenderá até dezembro deste ano com mais nove números e muitas surpresas em suas dezesseis páginas.

Igreja do Arapari construída em 1772, ainda tem traços da época. De arquitetura barroca, é um dos monumentos mais velhos do município e conta a historia dos primeiros habitantes da cidade

Publicação do Instituto Episteme de Saúde, Educação e Cultura – CNPJ 056727010001-90 - Rua Plácido Castelo, 2265CEP 63 900-000 - Centro Quixadá CE.- Telefone: (88) 3412.2443 (14h às 18h).

Presidente do Instituto Episteme: Dr. Carlos Magno Cordeiro Barroso - Jornalista Responsável: Natalício Barroso (1375 CE).Texto: Natalício Barroso - Assessoria: Ito Liberato Barroso e Pedro Hamilton da Fonseca Elia - Colaboração: Lya Carvalho Jardim

Ilustração: Álcio Cordeiro Barroso e Pacelli C. Barroso - Design Editorial: Chagas Neto (jornalista - 487CE) - Impressão: Expressão GráficaEXPE

DIE

NTE

3Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca - ANO 1 - Nº1 - Março de 2015

ASD

FGR

FKJJ

A casa vizinha chamava a atenção por causa do tamanho e da movimenta-ção. Havia dez filhos, um pequeno campo de futebol, um riacho que passa-va por dentro do terreno e um pomar de grandes proporções. Era difícil para uma menina, que morava em uma casa de taipa, não sentir a diferença. Assim, quando Francimar estava com dez anos, começou a freqüentar a casa vizinha e a prestar algum tipo de serviço. Lavava os pratos, por exemplo, diz ela no alpendre da casa de dois andares onde mora atualmente e que dá para um pátio interno longo e comprido dentro do qual circula um boxer. Lavava os pratos mesmo quando não precisava fazer isso, explica. Era a única forma, pensava ela, de garantir o jantar daquele dia para ela, a mãe e os irmãos, pois como a dona da casa vizinha não tinha o hábito de pôr o jantar na geladeira, passava o que podia para Francimar que, por sua vez, levava para sua residência e, assim, alimentava a família.

As ferramentasda felicidade

4 Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca - ANO 1 - Nº1 - Março de 2015

MIN

HA

VID

ANascida em Itapipoca, Francimar de Oliveira começou a vida profissionalcomo manicure. Hoje, cabeleireira conhecida, viaja pelo mundo participandode cursos e fazendo turismo

Foram alguns anos vivendo assim até o dia em que a vizinha abastada se voltou para ela e perguntou se não que-ria ser manicure. Francimar disse que sim mas, como não tinha dinheiro, sequer, para comprar o alicate, também não tinha como exercer aquela profissão. Dona Albinha, como se chamava a vizi-nha, comprou os assessórios e deu de presente para Francimar: tesoura para cutícula, cortador de unha e alicate. “E não só isso, diz Francimar, deu as mãos também para eu treinar”. Foi assim, informa ela, que tudo começou. Como era muito dinâmica, passou a fazer as unhas de outras pessoas e, em breve, estava com uma freguesia imensa em Itapipoca.

Senac

Francisca Oliveira Clemente Pompeu, mais conhecida como Francimar, morava na Rua José Airton Teixeira, antiga Waldemar Falcão em

Francimar e João ClementePompeu, o esposo

5Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca - ANO 1 - Nº1 - Março de 2015

Itapipoca. Ali recebia, todo dia, a visita de suas clientes (quando não ia à casa delas) para trabalhar. A casa era peque-na, diz ela. Tinha apenas dois comparti-mentos. Em um deles, dona Socorro, a mãe, fazia a comida. No outro, a filha trabalhava. Com o tempo, Itapipoca começou a ficar pequena. Como não dispunha de curso de manicure nem de cabeleireiro, nessa época, era preciso ir embora. Pelo menos era o que diziam as clientes para a filha de dona Socorro Oliveira. Francimar esperou até que, um dia, dona Albinha se mudou para Fortaleza e Francimar foi junto. Falou com a dona Albinha sobre o assunto. Queria saber se podia passar pelo menos dois meses com ela e a família na capital do estado. Dona Albinha concordou. Francimar permaneceu quatro anos na casa de dona Albinha estudando no Senac da Av. Tristão Gonçalves. No pri-meiro dia em que chegou no Senac, a decepção: soube, por intermédio do atendente, que não havia mais vaga. Mas quando disse que era do interior, o atendente falou que, nesse caso, ela tinha chance. Mais tarde, quando passou pelo mesmo atendente, já inscrita, afir-mou que, um dia, seria professora do Senac e, tal como prometeu, cumpriu. Foi, de fato, professora do Senac.

Gurgel do Amaral

Francimar entrou no Senac como manicure, mas foi como cabeleireira que saiu de lá. Foi aluna do Gurgel do Amaral, atual presidente da Associação dos Cabeleireiros do Ceará e pioneiro

nesta área no estado. Convidada pelos amigos para permanecer um fim de semana em Fortaleza, recusava sempre até o dia em que perguntaram o motivo e ela revelou. Disse que passava os fins de semana trabalhando em Itapipoca para se manter durante a semana na capital do estado. Sabendo disso, Gurgel do Amaral arranjou logo um emprego para a aluna em Fortaleza e, em segui-da, a chamou para trabalhar com ele em seu próprio salão. Francimar foi e, em pouco tempo, começa a ajudar a mãe para, depois, sair da casa de dona Albinha e alugar um pequeno quitinete.

A casa onde havia morado, no interi-or, melhorou bastante o seu aspecto desde que as coisas começaram a dar certo em Fortaleza: o teto, que era de palha de coqueiro foi substituído por um telhado tradicional enquanto a estrutura interna da residência adquiria nova fisio-nomia. Foi quando Francimar abandonou o emprego e resolveu montar o seu pró-prio negócio: o salão de beleza. Com o tempo, casa-se com o advogado João Clemente Pompeu e hoje desfruta de uma vida que não se restringe mais ao Ceará ou ao Brasil, pois costuma viajar para a Europa, principalmente a França, onde faz cursos de cabeleireira ou Nova Iorque onde participa de cursos de maquiagem.

Indagada pelo repórter se já chegou aonde queria; se não precisava de nada mais em sua vida, sorri e responde. Diz que o grande sonho de sua vida agora é o de ver os anos passar em harmonia com a família ao mesmo tempo em que quer assistir ao nascimento dos netos e, quem sabe, dos próprios bisnetos...

Hoje, Francimar desfruta de uma vida que não se restringe mais ao Ceará ou ao Brasil, pois costuma viajar para a Europa, principalmente a França, onde faz cursos de cabeleireira ou Nova Iorque onde participa de cursos de maquiagem.

Eduardo, Iasmin (esposa), João Clemente, Francimar, João Ítalo e a esposa Gabriela

Cercada por uma balaustrada que, segundo algumas pessoas, serviam para separar os ricos dos pobres ou os negros dos brancos, a Praça Perilo Teixeira que, no passado, se chamava da Matriz, tam-bém era muito arborizada. A iluminação pública era precária, mas havia algo de poético naqueles postes de pequena estatura carregando verdadeiros globos terrestres no alto. De um lado, uma fonte; do outro, um quiosque e, na ponta do triângulo, um coreto. Era ali que a população se aglomerava, quando havia retreta, e acompanhava os músi-cos em seus movimentos. Domingo, quando terminava a missa na Matriz, a população voltava para a praça e se punha a circular em torno dela. Os homens em uma direção e as mulheres em outra para, assim, se encontrar de vez em quando.

Tomada de pés de benjamim, muitos eram aqueles e aquelas que reclamavam das lacerdinhas que infesta-vam estas árvores. A brincadeira, muitas vezes, era rir destas pessoas que esfre-gavam os olhos até ficar úmidos depois de vermelhos. Com o tempo, os pés de benjamim foram substituídos por casta-

O centro do centroda cidade

6 Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca - ANO 1 - Nº1 - Março de 2015

CORA

ÇÃO

DE IT

APIP

OCA

nholeiras que não têm o mesmo porte daquelas árvores, mas também não tinham inseto.

As andorinhas eram um espetácu-lo à parte. Bastava aparecer na cidade para, toda tarde, logo que o sol descam-bava no poente, elas surgir por cima da praça e dar início a seu ritual. Era uma dança edificante, que começava no alto e, depois de várias evoluções, iam bai-xando até, finalmente, pousar nos galhos de benjamim e ali ficar. Dizem que houve um tempo em que as andorinhas tiveram um acompanhante. Trata-se de um saxo-fonista que toda tarde, quando as aves ditas passeriformes pelos entendidos apareciam dispostas a pousar, começava a tocar seu saxofone sentado na calçada da casa onde morava na Rua do Fogo.

A Praça Perilo Teixeira, na verda-de, é o coração de Itapipoca. Afinal, foi para ali que os comerciantes de 1844 desceram as serras de Uruburetama e construíram os primeiros galpões que, no futuro, mudariam a sede da então Vila da Imperatriz para a planície onde hoje fica a cidade. Para quem se senta em um dos bancos da praça e olha em volta pode se deparar com o passado. A velha cadeia pública, por exemplo, que fica do lado esquerdo de quem chega do norte e olha naquela direção; o prédio da prefei-tura municipal que fica do outro lado e a catedral que, tal como estes dois monu-mentos, também tem sua história. Sentar na Praça Perilo Teixeira, portanto, e olhar em volta é o mesmo que fazer

Praça Perilo Teixeira

Quem senta na praça Perilo Teixeira, em Itapipoca, e olha em volta, se depara com a velha cadeia pública, que data do Império, o prédio da prefeitura, do mesmo período, e a catedral

7Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca - ANO 1 - Nº1 - Março de 2015

uma viagem no tempo que começaria na igrejinha de São Sebastião, um pouco mais distante, e daria ali, na praça.

A Viagem

Fundada em 1868, a Igrejinha de São Sebastião tem uma história muito interessante. Contam os mais antigos, que quando foi levantada, os trabalhadores entraram em um acordo. Iriam fazer o serviço de graça, mas, como não podiam trabalhar durante o dia, fariam isso no período da noite. Assim, queriam que, enquanto as paredes do templo fossem erguidas, a paróquia contratasse um san-foneiro para tocar para eles. E assim acon-teceu. As paredes da igrejinha de São Sebastião foram levantadas durante a noite ao som de sanfona assim como as muralhas da antiga cidade de Tebas, na Grécia, foram erguidas ao som de uma lira tocada por Anfion. Para iluminar o serviço, os trabalhadores acenderam várias foguei-ras que, com o tempo, deram nome à rua da igreja, que hoje se chama do Fogo.

Ao norte da Praça Perilo Teixeira existia, no passado, não existe mais, um edifício que se chamava Avenida. Foi cons-truído por um fazendeiro de São Bento de Amontada chamado Santos Belo. Por isso mesmo, a população de Itapipoca chamava o Edifício Avenida de “Prédio do Santos Belo”. O edifício tinha dois pavimentos. No de baixo, funcionava um restaurante. No de cima, realizavam-se bailes durante a festa de Nossa Senhora das Mercês, padro-eira de Itapipoca, que se comemora no dia 24 de setembro. Terminadas as novenas da padroeira, Santos Belo reunia a sociedade mais abastada de Itapipoca de paletó e gravata em sua casa para participar de um baile. Da janela do primeiro andar, onde a festa se realizava, dava para ver o hotel de dona Nana Barroso, que também não existe mais e, um pouco adiante, a casa de Perilo Teixeira, também chamada de Casa Branca e que ainda hoje existe.

Perilo Teixeira e Pe. Abelardo

Perilo foi uma das figuras mais importantes de Itapipoca. Político com-petente, foi prefeito de Aracati quando estava com 18 anos apenas. Depois, foi deputado estadual e, em seguida, depu-tado federal. Tinha uma rixa terrível com o Padre Abelardo Ferreira Lima que, por sinal, era seu vizinho. A rixa era pública. Padre Abelardo tinha uma irradiadora. Perilo Teixeira tinha outra. A irradiadora do padre Abelardo se chamava Voz do Campanário e a do Perilo levava o nome dele. De vez em quando o padre e o político entravam em choque pelos alto-falantes. A população, quando isso acon-

tecia, ia, justamente, para a praça que, nessa época, se chamava da Matriz, e não Perilo Teixeira, e acompanhava o embate torcendo por um ou outro.

Ao lado da casa paroquial fica a prefeitura (ainda que hoje não passe de uma extensão da principal). Construída em 1877, para ser um colégio e não sede administrativa, a prefeitura foi palco de inúmeras disputas políticas. Dentre elas a que houve entre o Cel. Domingos Braga Filho, mais conhecido como Mingueira, e o povo de Itapipoca. Insatisfeito com os rumos da administração pública o povo cercou a prefeitura tendo, à frente, ses-senta homens armados e, depois de um pequeno tiroteio no qual houve um morto e alguns feridos, o chefe político entregou as chaves da casa e a população entrou no local. Do lado da prefeitura, a igreja principal da cidade: a de Nossa Senhora das Mercês que surgiu em São Bento de Amontada, subiu para a Vila Velha poste-riormente (atual Arapari), desceu a serra em seguida e, finalmente, se localiza em torno da praça Perilo Teixeira.

Do lado direito da igreja fica a velha Cadeia Pública que quando foi concluída, na seca dos três oito, 1888, era considerada a maior do estado com seus dois pavimentos, paredame de quase um metro de espessura, porta central majestosa, muro alto e armas do império no pórtico principal. Hoje não passa de um arremedo do que foi. Naquela época, sediava a Câmara dos Vereadores no alto. Em baixo, ficavam os presos que, de vez em quando, eram surpreendidos com um baile, no andar de cima. Era a população de Itapipoca que ali se divertia enquanto o Clube Social Imperatriz não chegava.

Casa da Câmarae Cadeia Pública

Perilo Teixeira foi uma das figuras mais importantes de Itapipoca. Político competente, foi prefeito de Aracati quando estava com 18 anos apenas. Depois, foi deputado estadual e, em seguida, deputado federal. Tinha uma rixa terrível com o Padre Abelardo Ferreira Lima que, por sinal, era seu vizinho. A rixa era pública.

Anastácio Alves Braga, mais conheci-do como Anastácio Braga, nasceu em Itapipoca ainda no tempo do Império, 1864, quando D. Pedro II estava no auge de seu poder e a República não passava de uma miragem que, quem sabe, nunca daria certo. Viajando para a Amazônia, posteriormente, logo após sair do Seminário da Prainha, em Fortaleza, volta para a terra natal como homem maduro e capaz de herdar as terras do pai, Coronel Inocêncio Francisco Braga.

A grande paixão do Coronel Anastácio Braga, no entanto, era a políti-ca. Foi por causa dela que conquistou grandes inimigos como o Coronel Mingueira e grandes amigos como o gover-nador do estado na época, Moreira da Rocha. Militando no Partido Democrata enquanto seus adversários militavam no Conservador, o Coronel Anastácio Braga tinha uma grande vantagem sobre seus

‘‘Ora, mateium homem’’

8 Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca - ANO 1 - Nº1 - Março de 2015

AN

AST

ÁC

IO B

RA

GA

Por Natalício Barroso

Da Redação

inimigos: simpatia. Coisa que quase nin-guém perdoava nele porque lhe rendia muitos votos. Assim, no dia fatídico de 7 de janeiro de 1928, o Coronel Anastácio Alves Braga foi morto, barbaramente, na Rua Municipal, atual Rua Anastácio Braga, por um homem que se chamava Joaquim Jerônimo Sousa ou, como era mais conhe-cido, Quincoló.

A forma como o crime foi perpetrado, impressiona. Há quem diga que o dito Quincoló esperou Anastácio Braga passar pela rua para o surpreender pelas costas. E assim aconteceu. Deu o primeiro tiro nos rins de seu desafeto, o segundo e o tercei-ro na cabeça e os dois últimos bem perto da vítima para que não houvesse qualquer chance de sobrevivência. Saindo do local do crime sem correr, Quincoló encontra-se com uma senhora que se aproxima dele e pergunta, aflita, o que havia acontecido já que ouvira os cinco tiros disparados. Quincoló responde sem a menor emoção: “Ora, matei um homem”. E foge.

O alvoroço foi grande na cidade de Itapipoca, onde o crime ocorreu. Cotado para deputado estadual pelo governo do estado nas próximas eleições, natural que seus correligionários considerassem políti-co o crime perpetrado pelo homicida princi-palmente quando se soube que, antes de se dirigir para o local do assassinato havia passado na farmácia do Coronel Mingueira ou, como se chamava oficialmente, Domingos Braga Filho, chefe político dos Conservadores, em Itapipoca, e inimigo declarado de Anastácio Braga. Mas nada foi provado. A repercussão do crime, no entanto, foi imediata. Ocorrido por volta das 10h da manhã de Sábado quando o Coronel Anastácio se dirigia para a Câmara dos Vereadores a fim de fiscalizar uma obra, às 16h, aproximadamente, Fortaleza e o governador do estado tomavam conhe-cimento do fato por intermédio de telegra-mas enviados pelo então prefeito de Itapipoca, Coronel Joaquim Barroso Braga, que contava ao governador, principalmen-te, como tudo havia acontecido: “Venho informar a V. Sa. que quando Anastácio se dirigia Prefeitura Municipal fiscalizar servi-ços de caixa-dágua”, escreve o prefeito no dia 7 de janeiro, dia do crime, em telegra-ma reproduzido no dia 9 de janeiro de 1928 pelo Diário do Ceará, “foi traiçoeira-mente assassinado por Joaquim Jerônimo de Sousa que, saindo da casa de Mingueira, o esperava numa esquina e armado de revólver colt, calibre 38, duplo, desfechou cinco tiros”.

Chefe político bastante prestigiado na década de 1920 em Itapipoca, o Cel. Anastácio Braga foi barbaramente assassinado em janeiro de 1928 por desafeto político. Aqui, a trajetória deste crime.

7Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca - ANO 1 - Nº1 - Março de 2015

Providência As providências tomadas pelo

governador foram imediatas. Mas insufi-cientes. Mandou o tenente Otávio Bezerra cuidar da situação e dar início ao inquérito, mas como Quincoló não foi encontrado, apesar de ter sido visto no distrito de Enxada e Taboca por algum tempo, as coisas ficaram mal resolvidas. O único a prestar depoimento, na verda-de, foi o Coronel Mingueira que tentou se explicar na delegacia. Disse que Quincoló, quando entrou em sua farmá-cia em busca de determinado remédio, sequer foi recebido por ele porque, como o remédio não estava pronto, gritou isso de longe para ele. Disse, também, que havia fechado as portas da farmácia logo após o ocorrido porque teve medo de ver a loja invadida por inimigos políticos. Dadas estas explicações foi solto e nada mais ocorreu com o Coronel Mingueira. Pelo menos por dois meses porque, pas-sado este tempo, em 3 de março de 1928, o coronel foi barbaramente ataca-do por Prismilau de Sousa Teixeira, sobrinho de Dona Sílvia Braga, viúva do Coronel Anastácio Braga.

O caso se deu em Fortaleza. O Coronel Mingueira se dirigia da Praça do Ferreira para o Alagadiço Novo de bonde quando o agressor se aproximou dele, por traz, tal como Quincoló com Anastácio Braga, e o apunhalou três vezes. Felizmente os passageiros do bonde reagi-ram e salvaram a vida do coronel que, apesar dos golpes, se recuperou na Santa Casa sob a severa vigilância de alguns médicos. Preso, Prismilau disse, ao delega-do, que a intenção dele era a de vingar a morte de Anastácio Braga pois, segundo ele, havia prometido ao marido de sua tia que se, um dia, fosse morto por alguém, ele não deixaria vivo o homem que o matou. O que o sobrinho de Dona Sílvia não soube explicar era se o Coronel Mingueira fazia parte ou não do suposto complô que redundou na morte do Coronel Anastácio Braga.

Exéquias do Coronel

Com a morte do Coronel Anastácio Braga, a cidade de Itapipoca simplesmente parou. Foram sete dias de luto. Somente no sétimo dia, a cidade resolve enterrar o seu filho mais querido. Habitada por uma população de mil pessoas, pelo menos três mil estiveram no enterro que foi oficiado pelo Monsenhor Antônio Tabosa Braga acompanhado pelos padres Aureliano Matos e Manoel Pinto. Do enterro, partici-param também o deputado Soares Bulcão ao lado do representante do governo do estado, Capitão Francisco Montenegro, que partiu de Fortaleza com ordens expressas, por parte do governador, para consolar a família enlutada.

Itapipoca se arma e invade Sobral

Mas nem tudo estava acabado depois do enterro. Quincoló não tinha sido preso e, por causa disso, continuava a persegui-ção e a comoção. No início, logo após a morte do Coronel Anastácio, fora visto na Taboca, distrito de Itapipoca, almoçando, depois, no município de Santana. A traje-tória do assassino, portanto, o levava para Sobral, terra dos Conservadores, correligi-onários do Coronel Mingueira.

Identificado o provável destino do assassino, a cidade de Itapipoca entrou em polvorosa. Abandonando a ação da polícia que, na verdade, não sabia o que fazer, a população tomou, para si, a responsabili-dade de prender o homicida. Arma-se como pode e dirige-se para Sobral. Na terra do Pe. Tupinambá Frota, as duas facções se defrontam. Conta o jornal A Esquerda, no dia 11 de fevereiro de 1928, baseado em relato de outro periódico, ao qual a Esquerda chama de “brilhante matu-tino”, que “as hostes itapipoquenses já chegaram a transpor as fronteiras do muni-cípio inimigo”. “Acham-se, pois, continua, [frente] à frente, numa atitude belicosa, os Conservadores de Sobral e os Democratas de Itapipoca”. Felizmente o governador intervém e a guerra entre Itapipoca e Sobral se desfaz antes mesmo de começar.

Para homenagear o filho ilustre a população de Itapipoca ergueu um peque-no mausoléu nas proximidades da antiga estrada de ferro e hoje, quando alguém passa por lá, ainda vê aquele túmulo de mármore que guarda, em seu interior, os restos mortais deste homem que nunca foi esquecido por seus conterrâneos.

Moreira da Rocha,governador do Ceará em 1928

Com a morte do Coronel Anastácio Braga, a cidade de Itapipoca simplesmente parou. Foram sete dias de luto. Somente no sétimo dia, a cidade resolve enterrar o seu filho mais querido. Habitada por uma população de mil pessoas, pelo menos três mil estiveram no enterro que foi oficiado pelo Monsenhor Antônio Tabosa Braga acompanhado pelos padres Aureliano Matos e Manoel Pinto.

A primeira vez em que se ouviu falar nos Tanques do João Cativo foi no tempo do Império, quando os negros, fugidos, corriam para lá em busca de proteção. Como era uma região abrupta e cheia de escarpas, ali se aglomeravam e se defendiam tal como Zumbi, em Palmares. Diferente de Zumbi e seu povo, no entanto, a luta travada entre os cativos negros fugidos de Itapipoca e seus senhores não foi assim tão acirra-da. Mas existia um chefe: João Cativo, que tinha este nome por dois motivos: primeiro, porque fora cativo, no passa-do; segundo, porque passara da condi-ção de cativo a protetor dos negros fugi-dos no futuro.

A fama do Tanque do João Cativo, no entanto, não se deve à luta dos negros por sua liberdade, mas aos “tan-ques” propriamente ditos. Redescobertos em 1952 por Paurilo Barroso, eles mos-traram, ao Brasil, a partir daquela data, algo que a população de Itapipoca talvez não acreditasse se lhes tivesse sido dito ao pé do ouvido. Mas como Paurilo se comunicou com Gustavo Barroso, no Rio de Janeiro, este, logo após ler a sua carta na qual revelava que havia encon-

O itapipoquense queveio do Pacífico

Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca - ANO 1 - Nº1 - Março de 2015

TANQ

UES

DO JO

ÃO C

ATIV

O10

Em 1859, quando a Comissão Científica esteve em Itapipoca, descobriu uma caveira de 30 mil anos. Em 1952 Paurilo Barroso desenterrou ossadas de mastodontes e smilodontes nos Tanques do João Cativo

trado fósseis em Itapipoca, pediu para se comunicar com a Dra. Heloisa Alberto Torres, que tinha sido ex-diretora do Museu Nacional. Paurilo se comunicou com a doutora. Mandou uma carta e alguns fósseis como amostra para ela. Três anos depois, em 1955, chegava, em Fortaleza, o Dr. Carlos de Paula Couto, diretor da secção de paleontologia do Museu Nacional à procura do itapipo-quense. Paurilo, quando soube disso, foi até o Dr. Paula Couto no Lord Hotel, na capital cearense, e os dois conversaram demoradamente. Como resultado desta conversa Dr. Couto voltou ao Ceará, em 1961, acompanhado do Prof. Fausto Luís de Sousa Cunha, geólogo, com o objetivo de explorar os Tanques do João Cativo em Itapipoca.

Na terra de Perilo Teixeira, os dois professores, quando por aqui chegaram no mês de janeiro, deram início ao seu trabalho junto com Paurilo: escavaram os tanques e descobriram pelo menos cinco. Apenas dois deles apresentavam fósseis em grande quantidade. Os outros nem tanto.

O que mais surpreendeu os cien-tistas, no entanto, foi observar que, no

Foto da escavação realizada no ano de 1961 por Paula Couto e Paurilo Barroso

11Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca - ANO 1 - Nº1 - Março de 2015

meio daquela ossada toda, havia algu-mas que destoavam, completamente, do que se poderia imaginar. Trata-se das ossadas do que eles mesmos denomina-ram de palheolamas ou, em outras pala-vras, lhamas: animais que medem um pouco mais de um metro de altura, pos-suem pescoço delgado, porte elegante e cabeça pequena. Nada demais nessa descrição. Mas quando se sabe que estes animais são naturais de regiões frias como os Andes e não de regiões quentes como o Nordeste, dá no que pensar. A conclusão a que os cientistas chegaram era a de que a região de Itapipoca foi, durante muito tempo, uma região fria e não quente como hoje.

Mastodontes e Smilodontes

Os outros fósseis também surpre-enderam. Afinal, quem haveria de imagi-nar que no meio daquela planície cerca-da pelas serras de Uruburetama haveria de, um dia, ter andado um mastodonte ou, em outras palavras, um elefante antigo, ou um smilodonte, também conhecido como “tigre de dentes de sabre”? A suposição é tão absurda que, se alguém tivesse dito isso sem provar nada ninguém, certamente, haveria de acreditar nele. A realidade, no entanto, se impôs. Os mastodonte e os smilodon-

Gustavo Barroso, no Rio de Janeiro, logo após ler a carta de Paurilo Barroso na qual revelava que havia encontrado fósseis em Itapipoca, pediu para se comunicar com a Dra. Heloisa Alberto Torres, que tinha sido ex-diretora do Museu Nacional

Paula Couto preparando material em laboratório, coletou mais de três mil peças

tes andaram em Itapipoca há milhares de anos acompanhados, ainda por cima, por gliptodontes (tatus gigantes), ere-motérios (preguiças) e milodonte, outra espécie de preguiça. E há mais coisa nessa mina. Ainda hoje existe, no Museu Nacional do Rio de Janeiro, uma cabeça de homem pré-histórica que foi desco-berta em 1859 pela famosa Comissão Científica que foi organizada em 1856 pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Denominada Comissão das Borboletas porque, de certa forma, não transmitia credibilidade a ninguém, foi esta comissão, no entanto, que encon-trou, mais ou menos nas imediações dos Tanques do João Cativo, a cabeça de um homem que, pelas análises feitas, data de 30 mil anos atrás.

Denominada de o Homem de Uruburetama, tal como se denomina de Homem de Cro-Magno ou de Australoptecos a outros, o Homem de Uruburetama, segundo se supõe, não é natural de Itapipoca, mas do Pacífico. Como se explicar isso? Ninguém sabe. O certo é que Dr. Paula Couto, depois de cavar os Tanques do João Cativo durante 22 dias com Paurilo e seu amigo Sousa Cunha, foi embora levando, como fruto de seu trabalho, um caminhão cheio de fósseis. Coisa que hoje, certamente, ninguém deixaria...

Dr. Carlos de Paula Couto e seu assistente prof. Fausto Luís de Sousa nos Tanques do João Cativo em 1961

Tigre de dentes de sabre

Mastodonte

Pequeno de estatura e de aparên-cia frágil, Conduru apavorava a região de Uruburutema com suas maldades. Preso em Fernando de Noronha, fugiu em uma jangada, sobreviveu ao alto mar e mudou de vida.

Na noite de 3 de novembro de 1843, um pequeno destacamento bate à porta da casa do Pe. Luís Antônio da Rocha Lima em Itapipoca.

Na comitiva, uma menina de 14 anos, chamada Francisca Gonçalves Rabelo, filha de Davi Gonçalves Rabelo, um cangaceiro, José Lourenço da Silva. A comitiva tinha um objetivo: casar o cangaceiro com a adolescente e quem comandava o grupo era um homem chamado Conduru. O padre Luís Antônio, quando se deparou com aquela tropa, não sabia o que fazer.

Conduru, naquela época, era consi-derado um dos homens mais cruéis do Ceará. Assim, pressionado por ele e todos aqueles que o acompanhavam, casa a moça com o cangaceiro e salva a própria vida.

Chamado Antônio Ferreira Braga, conta a lenda que Conduru era de pequena estatura e débil compleição. Isso, no entanto, não o impedia de prati-car maldades ainda hoje lembradas na Serra de Uruburetama. Uma delas se deu com um caboclo que subia uma carnaubeira para tirar dela os olhos e extrair a cera. Vendo aquilo, Conduru, de passagem, pediu ao caboclo para subir

O cangaceiro quevirou santo

Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca - ANO 1 - Nº1 - Março de 2015

NOTÍ

CIAS

DE

COND

URU

12

na palmeira o mais alto que pudesse e, quando chegou no topo, o facínora atirou nele só para ver o corpo cair, segundo confessou mais tarde. Encontrando um grupo de crianças tomando banho em um poço atirou em uma delas pelo mesmo motivo: queria ver o efeito da morte dentro dágua. A água tingida de sangue e o corpo boiando por cima dela.

Assim era este homem para o qual, fazer o bem, era impossível. Certa vez, não se sabe exatamente por quê, entrou na casa de um compadre e, como se destinava a matar a comadre, foi até o curral. O compadre tirava leite de vaca nesse dia. Apontando um bacamarte na direção dele disse, antes de atirar, que tinha ido ali para matar a comadre. Como o compadre, naturalmente, iria se vingar depois ou, pelo menos, tentar, começava a morte da comadre com a morte dele. E atirou. A mulher, ouvindo os tiros, foi até o curral e viu o marido morto com Conduru ao lado. Não enten-deu nada. Conduru, sem nada explicar, pediu à comadre para subir na porteira e quando esta chegou no último varal, atirou nela sem nenhuma compaixão. A mulher, percebeu depois, estava grávida e, para que o filho não sobrevivesse (se é que tinha alguma chance) tirou a crian-ça do ventre dela com uma faca e, em seguida, a batizou se servindo, para isso, da areia suja do curral. Era um monstro. Mas como era de família rica, ninguém se atrevia a mexer com ele até o dia em que decidiram prendê-lo. Conduru, nesse dia, estava na casa de um irmão, em

13Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca - ANO 1 - Nº1 - Março de 2015

Itapipoca. A casa foi cercada, inicialmen-te, por doze homens. Depois por duzen-tos e, no fim da peleja, Conduru foi preso. Remetido para Fortaleza, foi enca-minhado, posteriormente, para Fernando de Noronha. Na ilha, fez o que pode para fugir e conseguiu. Juntou cinco compa-nheiros de prisão, construiu uma peque-na jangada com eles, não se sabe como, e se atirou ao mar. Os cinco companhei-ros morreram de fome e sede em alto mar. Conduru sobreviveu e na solidão do mar fez uma promessa a Nossa Senhora. Disse que, se se salvasse daquela situa-ção desesperadora, haveria de ser outro homem. A santa atendeu. Conduru não só se salvou. Para mostrar, talvez, que havia atendido as suas preces, a santa fez com que a jangada, na qual o bandi-do navegava a esmo, fosse parar em Almofala, perto de Itapipoca, e Conduru recolhido por um vaqueiro que, por aca-so, pertencia a um parente próximo. Levado à casa deste parente foi tratado e ressuscitado.

Conta a lenda que, depois disso, o cangaceiro mudou, realmente, o seu estilo de vida. Mas algo muito estranho aconteceu. A mulher, no período em que andou ausente, teve um filho fora do casamento e isso abateu muito o

regenerado que voltou a alisar o baca-marte e sair pelo mundo fazendo estri-pulias. Preso outra vez, é levado para Fernando de Noronha de onde foge novamente. Em alto mar reza para Nossa Senhora e Nossa Senhora atende novamente. Conduru é conduzido para as praias da província do Pará. Ali se enfronha na floresta amazônica, muda de nome e vive como santo até morrer velho e solitário.

Ito Liberato Barroso nasceu no Rio Grande do Norte, mas foi em Itapipoca que se fixou. Ali se casou e teve filhos. Mudando-se para Fortaleza, posterior-mente, nunca esqueceu a terra do cora-ção. Itapipoca, para ele, não foi apenas um reduto amigo, no qual morou, mas fonte de muitas histórias e muitas aven-turas. Uma delas, diz ele, ocorreu na década de 1960, quando Perilo Teixeira o indicou para participar de uma comissão, liderada pelo professor Filgueiras Lima, e que tinha o objetivo de estudar os índios Tremembé, em Almofala.

Almofala, diz Ito, pertence ao município de Acaraú, mas a maioria dos acompanhantes do professor Filgueiras Lima, era itapipoquense. E cita três deles, pelo menos: Silva Novo, Agobar e Cândido Teixeira. Silva Novo era maestro e professor. Muitas vezes formava gru-pos de corais nos colégios ou promovia festas cívicas, como o desfile de 7 de Setembro, por exemplo. Agobar e Cândido Teixeira eram cantadores. Assim, quando estavam todos em Almofala, não era raro ver e ouvir os dois pelejando ao som de uma viola embaixo de um pé de cajueiro.

No dia em que saíram de Itapipoca para Almofala, afirma Ito, havia muitos carros enfileirados. Todos eles jeeps. O professor Filgueiras Lima, por sinal, levava a sua mulher na comiti-va para que acompanhasse os trabalhos ao lado dele. Em Almofala, quando ali chegaram, Ito se deparou com algo inusitado. A dança do Torém. Nunca tinha visto coisa igual. Conta ele que a

Comissão científicade Itapipoca

Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca - ANO 1 - Nº1 - Março de 2015

ITO

LIB

ERA

TO14

CONVERSACOM

dança do Torém se realiza, normalmente, no mês de setembro quando há muita abundância de caju no Ceará. No dia da festa, segundo ele, os índios tiram os cajus dos galhos das árvores e espre-mem o suco em várias cabaças. Depois enterram estas cabaças na terra com o suco de caju durante oito dias. No oitavo dia desenterram as cabaças e põem o suco de caju em uma outra grande que, por sua vez, colocam sob a terra nova-mente, mas sem cobrir. Aqueles que querem tomar daquela bebida pegam uma cuia, pequena, e bebem o quanto podem. Diz Ito Liberato que não demora-va muito para que o caboclo ficasse embriagado. Silva Novo, por exemplo, segundo ele, foi um deles.

Navegantes e a Avó MariaA pessoa mais interessante que

conheceu na aldeia, no entanto, foi uma índia chamada Navegantes. Era filha de uma índia, segundo ele, com um euro-peu. Por isso mesmo, tinha uma pele mais clara do que os outros. Os hábitos e costumes dela, porém, eram o mesmo dos outros índios porque, como sempre conviveu com eles, não podia ser dife-rente. Mas havia uma outra índia: a Avó Maria que, segundo Ito, estava com 60 anos e tinha o hábito de conversar com ele demoradamente. A tarefa que lhe foi incumbida pelo professor Filgueiras Lima, por sinal, foi aquela. Manter contato com o chefe da tribo. Como a Avó Maria era o chefe da tribo, e não um homem, foi com ela que manteve mais contato.

No dia em que a expedição foi embora de Almofala, a Avó Maria cha-mou seu novo amigo, e lhe deu um pre-sente. Disse que nunca tinha feito isso com ninguém. Mas faria aquilo com ele. Pediu a Dom Ito para se postar diante dela e, em seguida, se pôs a rezar em torno dele. Quando terminou de rezar disse que, a partir daquele momento seu novo amigo estava “de corpo fechado”. Nada o atingiria. Nunca seria agredido fisicamente por ninguém, nem sofreria qualquer tipo de acidente. Coisa que, segundo Ito, nunca aconteceu com ele, realmente. Está com 77 anos hoje e quando Avó Maria rezou em torno de seu corpo estava com pouco mais de vinte anos. É muita coincidência, conclui, para não ser verdade.

15Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca - ANO 1 - Nº1 - Março de 2015

Vindo do extremo sul, de campos gelados e de tórridos verões, lugares de estações muito bem identificadas e de estações de transição, meu olhar se encantou com esta parte do país que até então ignorava. Conhecer um lugar em uma carta cartográfica é bem dife-rente de sentir cheiros e sabores. Ver é diferente de olhar. Minha querida amiga Maria das Neves, uma senhorinha doce e gentil de Guaraciaba do Norte, moran-do no Rio de Janeiro desde que se casou, foi quem me apresentou o Ceará naquele distante ano de 1985 quando fui ser sua vizinha. Foi assim que desco-bri o gosto do caju, da manteiga da terra, do baião-de-dois, da rapadura molinha e branca com gostinho de coco, da paçoca, da tapioca e da cajuína.

Maria, Dora e Suzete foram me mostrando como era essa parte do Brasil que eu desconhecia. Em 1988 vim morar em Fortaleza e fiquei encantada com tudo o que vi no Ceará. Encontrei nessa terra coisas fantásticas. A come-çar pelas pessoas. Educadíssimas. Para um lugar que dizem não chover, a chuva tem sido pontual nesses dezessete anos. Pelo menos no litoral. O Ceará possui praias belíssimas. Em especial o Cumbuco, que parece uma catedral ao

Cheiros e sabores

16 Publicação do Instituto Episteme para Comemorar o Ano do Centenário de Itapipoca - ANO 1 - Nº1 - Março de 2015

UM

OU

TRO

OLH

AR Por Lya Carvalho Jardim

ar livre pela manhã e ao anoitecer. Possui bordados lindos e um artesanato que só é possível aqui. Ritmos maravi-lhosos. Um mar azul e um céu que con-quistou meu coração.

No Ceará as estações se fizeram invisíveis. Imaginem a delícia de morar em um lugar onde só existe calor e sol e a chuva, quando chega, não dura mais que um dia? Com muita sorte uma noite e um dia. Uma fruta e uma flor crava-ram gavinhas de amor e ternura em minha alma: o jambo e o bulgari. Sou capaz de comer dúzias de jambos (pena que ninguém os venda) e a casa recen-dendo ao suave perfume do bulgari é tudo de bom.

Conheci Itapipoca em 1994 ou 1996. Não lembro direito. Foi na primei-ra vez em que vim ao Ceará e o melhor baião que já provei estava no quiosque de uma praça. A Praça dos Três Climas. Foi quando soube que Itapipoca é uma dessas cidades sortudas que nascem com algo que lhes dá brilho próprio. Itapipoca possui três climas ao mesmo tempo: serra, sertão e praia. E a praia da Baleia, cheia de coqueiros, pedras e ventos é incomparável.

Meu Brasil é isso. Absolutamente encantador do Sul ao Norte que, infe-lizmente, não conheço. Minha mãe me deixou essa herança de pertencimen-to, de amor ao meu chão e antes de ser qualquer coisa na vida, sou brasile-ira. Aonde eu vá neste país, estou em casa. Ele é grande e multifacetado e, por isso mesmo, belo. Nesta Terra da Luz me sinto absolutamente brasileira, humana, livre. Neste oceano de janga-das e dragões, neste lugar que foi o primeiro a abolir a chaga da escravi-dão, terra de guerreiros, heróis e len-das. O único lugar, no planeta, a vaiar o sol. Terra onde a chuva não é só de água, mas também de poemas. Terra do Theatro José de Alencar, o terceiro mais antigo do país e único, em sua estrutura, com belíssimo jardim de Burle Marx.

O Ceará tem a rota do Sol Nascente e o esplendor desse mar verde, desse céu azul, desses dias esplendorosos. Por onde ando meu olhar descobre coisas. Pequenos fragmentos que ajudam meu país a ser a bela pátria para todos nós. Itapipoca comemora cem anos e com ela comemoramos juntos.

Poeta e Escritora gaúcha residente no Ceará há 17 anos