o desenvolvimento do discurso...

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ESCOLA MODERNA Nº 40•5ª série•2011 […] a construção do conhecimento é uma ativi- dade humana coletiva. O conhecimento da reali- dade só é possível como uma função da interação en- tre indivíduos, as suas comunidades e os contextos materiais dessas comunidades. […] O professor precisa de acompanhar o desenvol- vimento da escrita dos seus alunos, de modo a esta- belecer objetivos e a variar as tarefas de escrita, pro- vocando a prática de diversos tipos de texto, multi- plicando as situações e os contextos. Ivone Niza, 2002 O presente texto pretende descrever o per- curso que foi sendo construído pela pro- fessora e pelos alunos, enquadrado no modelo pedagógico do Movimento da Escola Mo- derna, com vista ao desenvolvimento do dis- curso escrito. Ao privilegiar a instituição de cir- cuitos de comunicação que atribuíssem sen- tido e autenticidade aos escritos dos alunos e à sua produção cooperada, procurou-se acentuar a vertente dialógica deste trabalho e a cons- ciência de que diferentes audiências e destina- tários implicam formatos, estratégias, recursos específicos e diversificados. Estimular a comu- nicação a partir da socialização do trabalho in- telectual e progressivamente coconstruir uma comunidade de aprendizagem foram os desa- fios que o ensino e a aprendizagem da escrita nos exigiram. Se entendermos a escrita, não somente como um processo linguístico, com a tónica no uso apropriado das estruturas gramaticais, mas como um processo sociocultural, de cocons- trução de sentidos, teremos de dirigir a atenção para o contexto e processos colaborativos en- volvidos na produção de textos e nas ativida- des de escrita. E nesta perspetiva dialógica, a ênfase é colocada no modo como textos e res- petivos contextos se desenvolvem e se influen- ciam mutuamente, pois «a relação entre os tex- tos e os contextos é entendida como mais recí- proca e coprodutiva.” (Kostouli, 2005a, p. 35) Neste sentido, o desenvolvimento da es- crita depende, sobretudo, dos contextos que se constroem na sala de aula a partir da diversi- dade de perspetivas e representações que os alunos trazem para os momentos de interação, de forma a que a comunidade de práticas se vá estabelecendo e redefinindo. “Se as produções escritas e as interações que de- las decorrem fazem parte dos múltiplos recursos que contribuem para a construção da cultura da sala de aula, ao que tudo indica, aprender a escrever no contexto da sala de aula não pode mais ser enten- dido como um processo que implica somente o domí- nio das estruturas léxico-gramaticais. Deverá ser antes entendido (de acordo com Rogoff, 1990) como uma realização coletiva que envolve a «apropriação» gradual pelas crianças de um determinado conjunto de recursos semióticos dependentes do respetivo con- 35 O desenvolvimento do discurso escrito Marina Cunha* * 3.º Ciclo do Ensino Básico. REVISTA N.º 40 06/07/11 18:01 Page 35

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[…] a construção do conhecimento é uma ativi-

dade humana coletiva. O conhecimento da reali-

dade só é possível como uma função da interação en-

tre indivíduos, as suas comunidades e os contextos

materiais dessas comunidades.

[…]

O professor precisa de acompanhar o desenvol-

vimento da escrita dos seus alunos, de modo a esta-

belecer objetivos e a variar as tarefas de escrita, pro-

vocando a prática de diversos tipos de texto, multi-

plicando as situações e os contextos.

Ivone Niza, 2002

Opresente texto pretende descrever o per-curso que foi sendo construído pela pro-

fessora e pelos alunos, enquadrado no modelopedagógico do Movimento da Escola Mo-derna, com vista ao desenvolvimento do dis-curso escrito. Ao privilegiar a instituição de cir-cuitos de comunicação que atribuíssem sen-tido e autenticidade aos escritos dos alunos e àsua produção cooperada, procurou-se acentuara vertente dialógica deste trabalho e a cons-ciência de que diferentes audiências e destina-tários implicam formatos, estratégias, recursosespecíficos e diversificados. Estimular a comu-nicação a partir da socialização do trabalho in-telectual e progressivamente coconstruir umacomunidade de aprendizagem foram os desa-

fios que o ensino e a aprendizagem da escritanos exigiram.

Se entendermos a escrita, não somentecomo um processo linguístico, com a tónica nouso apropriado das estruturas gramaticais, mascomo um processo sociocultural, de cocons-trução de sentidos, teremos de dirigir a atençãopara o contexto e processos colaborativos en-volvidos na produção de textos e nas ativida-des de escrita. E nesta perspetiva dialógica, aênfase é colocada no modo como textos e res-petivos contextos se desenvolvem e se influen-ciam mutuamente, pois «a relação entre os tex-tos e os contextos é entendida como mais recí-proca e coprodutiva.” (Kostouli, 2005a, p. 35)

Neste sentido, o desenvolvimento da es-crita depende, sobretudo, dos contextos que seconstroem na sala de aula a partir da diversi-dade de perspetivas e representações que osalunos trazem para os momentos de interação,de forma a que a comunidade de práticas se váestabelecendo e redefinindo.

“Se as produções escritas e as interações que de-

las decorrem fazem parte dos múltiplos recursos que

contribuem para a construção da cultura da sala de

aula, ao que tudo indica, aprender a escrever no

contexto da sala de aula não pode mais ser enten-

dido como um processo que implica somente o domí-

nio das estruturas léxico-gramaticais. Deverá ser

antes entendido (de acordo com Rogoff, 1990) como

uma realização coletiva que envolve a «apropriação»

gradual pelas crianças de um determinado conjunto

de recursos semióticos dependentes do respetivo con-

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O desenvolvimento do discurso escrito

Marina Cunha*

* 3.º Ciclo do Ensino Básico.

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texto (por exemplo, géneros e padrões interacionais)

que a comunidade considera importantes para fazer

sentido e, de facto, mostrar sentido.» (Kostouli,

2005b, pp. 94-95)

A escrita no tempo compartilhado pela turma e no tempo do trabalho de projetos – circuitos de comunicação.

Uma preocupação fundamental da minhaprática pedagógica consiste na instituição decircuitos de comunicação e que estes consti-tuam o motor de desenvolvimento do discursoescrito, entendendo, com esse fim, o programade Língua Portuguesa como um conjunto depossibilidades para a construção de produtosculturais, de «obras», ou seja, não perdendo devista as palavras de Sérgio Niza: Cabe-nos re-forçar, portanto, a dimensão social das produ-ções culturais da escola num currículo cen-trado em produtos culturais ou obras, assenteem circuitos vivos de interações sociais (Niza,2001, p. 4).

No entanto, a escrita que se desenvolve notempo dos projetos não corresponde, no início,e sobretudo se tenho as turmas pela primeiravez, à designação de projeto, na sua inteireza eem tudo o que elaborar um projeto implica.

Com isto quero dizer que, embora procureque alguns dos «projetos» de escrita e leitura,pelo menos os iniciais, tenham uma visibili-dade mais imediata para que seja mais fácilque os alunos percebam o que se pode fazercom as palavras e com o que está expresso noPrograma, algumas propostas de trabalho vêmdo professor, subtraindo, no processo de in-vestigação que todo o projeto pressupõe, a faseinicial da conceção. Ora se alguma virtude teráeste esforço inicial poderá ser, como nos refereCassany, trazer a escrita para o tempo de salade aula, partilhar os processos de escrita, cola-borar com os outros na construção de sentidos,o que só se conseguirá se a escrita tiver inten-cionalidade comunicativa e social autênticas.

Muitos professores acreditam que se em-prega melhor o tempo de aula explicando regrasgramaticais e estudando o manual e que a pro-dução escrita – para além de ser uma tarefa su-postamente individual e silenciosa – pode reali-zar-se em casa, como trabalhos para casa.Assim, quase sem nos darmos conta, estigmati-zamos a capacidade de escrever com todas asconotações negativas – aborrecimento, obriga-ção, solidão, carga suplementar – que têm os de-veres. E também impedimos que os alunos pos-sam mostrar como escrevem em aula (que pos-sam partilhar os seus processos cognitivos deescrita), que possam ver como escrevem os ou-tros colegas e o próprio professor, que possamcolaborar com os colegas na elaboração do quealguns psicólogos consideram ser uma atividadede complexa dificuldade cognitiva. Se o impor-tante é aprender a comunicar, a atribuir sentido– como sugere a literatura psicopedagógica, alinguística e inclusivamente os currículos – en-tão deixemos os alunos escrever na sala de aula,para que realmente pratiquem e aprendam afazê-lo. Não aprenderão somente a escrever,aprenderão muito mais: a refletir, a desenvolverideias, a partilhar e analisar a língua. (Cassany,sd, p. 1).

No entanto, o que se pretende salientar é quequando os alunos escrevem textos no tempoatribuído em sala de aula, estão enquadradosnum contexto e mesmo quando a escrita surgeem torno de alguma leitura, está integrada numcircuito que pode passar pela comunicação àturma, pela elaboração de livros para apresentaraos colegas da Escola, e por uma miríade de hi-póteses que se pretende autêntica. Como de-fende Sérgio Niza, deve-se procurar fugir dossimulacros didáticos que, muitas vezes, sãotomados como parte da «tradição».

Assim, poderia começar por descrever essesprimeiros «projetos», de que o trabalho oficinalé parte intrínseca. Este, segundo Ivone Niza(2002),

requer a experimentação cooperada entre osalunos e o professor, de um percurso que vaidesde a fala daquilo que se quer escrever à pro-dução escrita (que pode ser a pares ou em pe-queno grupo) até à leitura/comunicação dos tex-tos produzidos (p. 36).

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Recusa-se aqui o conceito de oficina as-sente no princípio do lúdico/da diversidade depropostas de escrita que o professor podemandar fazer e que em muitos manuais apa-rece designado como tal. Como reforça IvoneNiza (2000),

[…] segundo [Lucy Calkins], motivar paraescrever é muito diferente de ajudar jovens a en-volver-se profundamente numa escritapessoal. E cada um de nós só se sentetocado pela escrita quando esta setransforma num projeto pessoal e inter-pessoal.» (p. 37)

Muitas propostas de produção es-crita surgem a partir da leitura de tex-tos diversos (narrativos, poéticos, dra-máticos, crónicas), e com o objetivo deserem divulgados à turma ou a um de-terminado destinatário e esse objetivo,por ser incorporado no próprio pro-cesso de escrita, transforma a naturezada relação do(s) aluno(s) com o queestá(ão) a escrever.

Por exemplo:

• Livro de contos a partir de ilustrações delivros infantis, para apresentar a turmasdo 1.º ciclo;

• Livro de contos a partir de conto de umautor para apresentar na Biblioteca, na Se-mana da Leitura;

• Livro de crónicas à semelhança de… (porexemplo, as crónicas de Ricardo AraújoPereira) para enviar ao escritor e convidá-lo a vir à Escola;

• Livros elaborados à semelhança de outroslivros de autor (Ex: À semelhança deAmados Gatos, de José Jorge Letria).

No sétimo ano, os alunos elaboraram diver-sos textos narrativos em torno de imagens delivros infantis, explicando por que razão as ti-nham escolhido e em que momento da ação aspoderiam encaixar, de modo a que a sequêncianarrativa se tornasse mais explícita e pudesse

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Doc. 1 – Regulação do projeto «Livro para o 1.º Ciclo»

Doc. 2 – Página do Livro para apresentar ao 1.º Ciclo

assegurar um encadeamento lógico e mais ex-tenso da própria história. Muitos destes aspe-tos foram sendo observados e apreciados pelaturma com a finalidade de servir de ajuda emsituações de aperfeiçoamento ao nível da coe-rência e da coesão do texto. O público-alvo(alunos do 1.º ciclo a quem se destinava o livroa construir) não se compadecia com momen-tos de aborrecimento.

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crita pode acabar por reduzir ou obliterar oque o aluno tem a dizer, estes supostos «mo-delos» poderão constituir-se como um coletede forças, um espartilho. A intenção subja-cente é dar exemplos, fornecer informação, re-velar e desocultar mecanismos mais comple-xos que possam ajudar no desenvolvimento dafala interior, ler na perspetiva de um escritor enão tanto fazer ler para escrever melhor.

Com base nas apresentações dos seus escri-tos à turma, os restantes grupos fizeram algunscomentários, de acordo com os parâmetrosutilizados nos exames e que nos obrigaram aaproximarmo-nos dessa metalinguagem a par-tir dos exemplos dos próprios alunos (o quesignifica cumprir o tema e a tipologia, consi-derar a coerência e a coesão …).

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E deste esforço «de encontar o elo mínimode uma coisa comum» surge:

• Livro de contos para ser apresentado auma turma do 1.º ciclo;

No caso dos contos para apresentar na Se-mana da Biblioteca, começámos por ler umconto de mistério de Edgar Allan Poe, «O esca-ravelho de ouro», para nos apercebermos dealguns mecanismos da construção do suspense,tanto no início da história como no seu de-curso, dado que precisávamos de cativar a au-diência de 2.º ciclo, na semana da leitura, aquem íamos apresentar textos, pretendíamosescrever à maneira de Poe.

Doc. 3 – Estrutura da situação inicial do conto de Edgar Allan Poe

Doc. 4 – Apreciação dos contos elaborados pelos alunos e sugestões de melhoramento

A perceção destes aspetos a priori decertonão assegura a sua transferência para os escri-tos dos alunos, mas num primeiro momentoserve de linhas orientadoras para a apreciaçãodos textos, dispersando-nos menos na multi-plicidade de aspetos a observar e a melhoraraquando da comunicação dos textos à turma.Neste caso, tentámos explorar a forma comoas situações iniciais dos textos podiam serapresentadas, para que os alunos dispusessemde uma variedade de possibilidades quandoiniciassem os seus textos. Pretendia-se desven-dar um pouco do plano/estrutura da histórialida. No entanto, e pensando nas palavras deSérgio Niza, para quem um plano prévio da es-

Desta apreciação concluiu-se que os finaisda grande maioria dos textos não reforçamnem as expectativas iniciais, nem o suspenseque, mais nuns textos do que em outros, ti-nham conseguido manter. A aula de aperfei-çoamento em coletivo incidiu precisamente nareflexão sobre diversas formas de «resolver oproblema» do desfecho num texto narrativo,sem, no entanto, ter a pretensão de que comessa reflexão e com um texto o problema fi-casse resolvido e a partir desse momento, emoutros textos narrativos, esse aspeto fosse«aprendido/apreendido»

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natários que nos obrigassem a incorporar aideia de leitor e que os levassem a participarem momentos de interação construtores desentidos. “[…] o sentido não é intrínseco a ne-

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Doc. 5 – Aperfeiçoamento, em coletivo, do conto à maneira de…

Doc. 6 – Regulação do projecto «Crónicas e cronistas» // Exemplo da capa e de um texto do produto

Com a elaboração do livro de crónicas àmaneira do livro de crónicas de Ricardo AraújoPereira, a preocupação não recaiu tanto no quesão as pretensas características de uma crónica(tipo de texto que viaja pelas fronteiras dotexto poético, do texto narrativo, do informa-tivo – vejam-se as crónicas de Lobo Antunes),mas na intencionalidade comunicativa e nosdiversos mecanismos utilizados para conse-guir a ironia, a crítica. Não era tarefa fácil, mashouve alunos que se foram aproximando orapela forma, ora pelo tom discursivo, ora pelovocabulário. A primeira etapa passou pela es-colha e delimitação dos assuntos a criticar,pois o enfoque dado a um assunto mais geralpermitiria descobrir as suas particularidades efugir do modo mais estereotipado como esseassunto viria a ser abordado. E, depois dos di-versos textos apresentados à turma, estes re-sultaram num livro para oferecer ao escritor,acompanhado de uma carta, que servissem deargumento para a sua vinda à escola.

Mas outros desafios foram propostos eaceites pelos alunos, para que se encontrassemcontextos significativos de produção e desti-

“Fazer radicar a produção escrita na dinâ-mica discursiva da comunicação faz com queaquela se organize mais como um desenvolvi-mento do que como uma aprendizagem.”(Niza, 2000, p. 35).

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mento de alguns aspetos da construção de umtexto informativo, chegou-se à constituição deum guião de escrita para futuros textos damesma natureza. Procura-se que a reflexão so-bre a língua radique na produção dos alunos eque esta se desenvolva na interação que se es-tabelece com os discursos, as vozes, as perspe-tivas dos outros.

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nhum texto em particular; antes resulta das re-lações que mutuamente se vão constituindoentre os textos e as camadas de contextos nasquais os textos estão integrados.” (Kostouli,2005b, p. 4)

Ainda como desafio, os alunos: – Escreveram textos de opinião sobre livros,

filmes, discos e jogos, crónicas, notícias deacontecimentos em que se envolveram (Parti-cipação na Maratona de Poesia de Sintra; En-cenação de uma peça de teatro no âmbito dadisciplina de Inglês), para o Jornal da Escola;

– Escreveram para participarem em ativida-des solicitadas por revistas (Exemplo: Visão Jú-nior «E se de repente…»; «Os meus livros pre-feridos»

Doc 7. Notícias elaboradas pelos alunos, apresentadas no jornal da Escola

Doc. 8 – Aperfeiçoamento, em coletivo, dos textos para o jornal, com utilização de guião de aperfeiçoamento

Relativamente a estes dois textos, a sua ela-boração decorreu do aperfeiçoamento em co-letivo de escritos elaborados individualmentee a pares. Posteriormente e após o levanta-

Também em torno de algumas leituras inte-grais, os alunos pproduziram diversos textosque assentaram em momentos prévios de es-crita. No âmbito do conto de Manuel da Fon-seca, «Aldeia Nova» e antes da sua leitura, osalunos escreveram sobre uma figura impor-tante nas suas vidas, real ou imaginária, re-cente ou do passado. Estes breves escritos fo-ram partilhados, oralmente, pela turma, demodo a imprimir-se uma maior autenticidadeà proposta de escrita que se poderia tornar de-

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muito diversos na sua interação com o textode autor. Se alguns alunos houve que a ele seancoraram, outros só se apoiaram nele paradescobrirem uma escrita verdadeiramente pes-soal.

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masiado artificial por decorrer da leitura de umtexto e autor. No entanto, essas produções,para além de constituírem o exemplo de umadas formas que os próprios escritores utilizampara desencadear a escrita (tomada de notas,recurso a situações do passado), poderiam vira servir de matéria para os textos dos alunos,conduzindo a uma maior aproximação ao uni-verso do conto do autor.

Doc. 9 – Texto elaborado pelo aluno, antes da leitura do conto e Manuel da Fonseca

Doc. 10 – Planificação do texto

Depois de efetuarem a leitura do conto,procedeu-se à exploração/discussão em tornodo texto, centrando-se a observação na sua es-trutura, na forma como a alternância temporalserviu a(s) intencionalidade(s) do autor. Estadiscussão que teve como base um quadro queos alunos preencheram com alguma informa-ção e que serviria como «plano» do texto à ma-neira de…, uma vez que se tentaria que o queos alunos tivessem para dizer se pudesse com-plexificar através da experimentação de umasequência temporal menos linear. Duranteeste processo, os alunos tiveram oportunidadede apresentar, de forma breve, algumas dasideias que registaram e que orientariam o seuescrito, trocando impressões com os colegasque se pronunciaram sobre algumas das op-ções tomadas. Os textos que surgiram foram

Por exemplo, no caso do texto do Gonçalo,na interação com o professor e durante a es-crita do texto, foram efetuadas algumas modi-ficações ao nível da construção frásica e daconcordância verbal. Já em interação com aturma, após a apresentação do texto, regista-ram-se os comentários e sugestões para o seuaperfeiçoamento do texto. A proximidade aoconto de Manuel da Fonseca explicitou-se aonível da sua estrutura narrativa, da voz do nar-rador e da sequência temporal, da construçãode uma personagem a partir de elementos des-critivos interessantes com recurso a algumasfiguras de estilo. Sugeriu-se que se evitassemas repetições de palavras e se suprimissemalguns parágrafos que comprometiam a coe-rência.

No texto da Joana encontramos um dis-curso mais autêntico que comoveu os colegas,não só por ter escrito sobre a figura da avó,mas porque a ficção, suportada por diversosmecanismos textuais da narrativa lida, lheemprestou uma dimensão que nos “tocou” atodos.

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• Escritos para enviar aos correspondentes,em formato livro, revista, jornal deturma…);

• Blogues para divulgar à turma, ou na pá-gina da escola, que incluam textos de na-tureza diversa;

• E-books;• Revista em papel ou online;• Exposição de textos poéticos / de antolo-

gias poéticas.

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Apesar da tentativa de perseguir a utopia deBarthes, a que S. Niza (2003) nos convida e in-cita, ao dizer-nos que:

[…] a forma mais promissora para mobilizardiscursos progressivos que integrem, nessas co-munidades, a produção de escrita, depende daorganização de sistemas autossustentados deprodução cultural. Tais sistemas, alimentadospor fluxos de comunicação interativa, serão es-timulados pela circulação dinâmica de textosorais e escritos e de leituras públicas ou inter-pessoais que suscitem novos textos por influên-cia de transformações intertextuais progressi-vas. […] verdadeiros sistemas de «acting wri-ting», infindáveis (p. 4)

a verdade é que o “caminho da iniciação àcultura virtual da escrita e da produção deobras de cultura científica ou artística requerum trabalho de projeto” (Niza, 2005, p. 3).Com esse objetivo, e porque só assim podere-mos confiar verdadeiramente na capacidadeintelectual dos alunos, o tempo destinado aotrabalho de projetos dos alunos é fundamental.

Projetos que podem passar pela elaboraçãode:

Doc. 11 – Excerto do texto da Joana

Doc. 12 – Instrumento de organização do trabalho de projeto

Com base num tempo estipulado para aconcretização dos seus projetos, os alunos pla-nificam, a partir de uma listagem de sugestõesde produtos culturais e de tipos de texto con-templados no Programa, o que pensam fazer,apresentando essa organização aos colegas eao professor, para que se possa pensar na suaexequibilidade, para que se possa enriquecer oseu desenvolvimento com comentários e as-sim assegurar alguma qualidade do produto fi-nal e da respetiva comunicação. É igualmenteimportante que toda a turma tenha conheci-mento e se implique nas escolhas de cadagrupo. Esta fase de antecipação e de sequen-cialização das tarefas é bastante difícil e sócom o apoio do coletivo e com a insistência nasua prática sistemática poderemos começar,gradualmente, a verificar que os próprios alu-

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De toda esta produção, saem textos queservirão para aperfeiçoamento a pares, ou emcoletivo.

No decurso da sua apresentação na sala deaula, ou à comunidade escolar, os projetos po-derão receber apreciações, ou seja, como de-fende Sérgio Niza, ao fazê-los passar por “es-tes procedimentos culturais, fazê-los progre-dir, desenvolvê-los e compreendê-los melhor[…]” “[…]sujeita-se o trabalho à crítica para lhedar mais qualidade e desfazer equívocos.”

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nos lhe atribuem validade. Sobretudo, quando,na regulação e avaliação se compara o que re-gistaram no seu plano e o que, de facto, con-cretizaram, ou seja, o compromisso da escritapela própria escrita.

Doc. 13 – Registos de planificação do trabalho de projeto

Doc. 15 – Registo da avaliação dos trabalhos de projeto, após a sua comunicação à turma

Doc. 16 – Comentário dos colegas nos blogues decorrentes dos projetos

Doc. 14 – Aperfeiçoamento de texto a pares, com registo de sugestões e comentários

O momento da partilha em sala de aula, aotomar diversos formatos, confere sentido so-cial ao trabalho realizado e contribui sobrema-neira para a construção de uma comunidadede aprendizagem.

Neste momento, julgo oportuno salientar aimportância, no trabalho de projeto, do mo-mento de aperfeiçoamento a pares ou com oprofessor em pequeno grupo, pois atravésduma interação mais individualizada pode-mos convocar procedimentos e a metalingua-

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que o professor pode fazer da leitura de algunspoemas de alguns poetas da sua preferência.O projeto da turma do oitavo ano sustentou-senessa premissa, tendo resultado uma antologiade poemas (Algumas rosas para a Joana) e asua exposição, intitulada «A poesia saiu à rua»no pátio da escola, levados que fomos pelospercursos de Eugénio de Andrade e Sophia deMello Breyner, percursos que fizemos umpouco nossos.

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gem específicos para a resolução de problemasque os textos podem colocar. Aproximamo-nos mais do trabalho dos alunos e conhece-mos as suas possibilidades e dificuldades, por-que lhe damos tempo, nos aproximamos, con-versamos e implicamos. Os textos partilhadosnesta fase intermédia da elaboração dos proje-tos são talvez menos importantes do que a«conversação» em torno deles, a negociação designificados, o questionamento das intenções,a manipulação da organização discursiva, ocompartilhar de perspetivas diferentes, a argu-mentação para apoiar as afirmações. Enfim,traz-se para o coletivo e leva-se para o pe-queno grupo o que pode ser o trabalho de coo-peração pela comunicação, obrigando-nos apensar como é que os alunos conversamquando têm de realizar uma tarefa conjunta.

Uma perspetiva sociocultural da educaçãona aula apoia o uso da atividade cooperativa,mas também põe em relevo a necessidade de ra-ciocinar tanto sobre os procedimentos como so-bre os princípios que sustentam as atividadesque se espera que os alunos realizem comoparte da sua educação. Os próprios alunos têmnecessidade de aceder a esse raciocínio e tem deser um raciocínio convincente. […] Há boas ra-zões para crer que frequentemente as criançasnão estão seguras, nem sabem o que se esperaque façam nem para que servem as atividadeseducativas e que os professores proporcionamaos alunos pouca informação útil a esse res-peito. Não pode dar-se por adquirido que osalunos já compreendem e sabem qual o melhorcaminho para a “aprendizagem em conjunto”na sala de aula. (Mercer, 1997, p. 35).

Outra vertente primordial da escrita notempo de trabalho de projeto é a oportunidadeda escolha e do contacto com uma variedadede materiais autênticos da cultura, e que po-dem ser tão simplesmente, por exemplo, os li-vros. No que diz respeito ao trabalho em tornodo texto poético, a necessidade de pôr os alu-nos em contacto com estes recursos é indis-pensável, pois permite ao aluno a descobertade uma miríade de possibilidades expressivasque não poderá encontrar na seleção pessoal

Doc. 17 – Aperfeiçoamento, em coletivo, de texto de opinião

Doc. 18 – Divulgação de produtos culturais

Num primeiro momento trabalhámos aspalavras e pensámos nos modos como o fazía-mos, partilhando essas maneiras de fazer coma turma, apresentando os poemas e pronun-ciámo-nos sobre eles.

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quer à inibição afásica quer à tagarelice; à eufó-rica comunicação dos estereótipos e à especta-cularização da vida. Mas hoje e por hoje, contraos desastres acumulados, ensinar a ler poesia édecisivamente também ensinar a escrever. (p. 52)

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Doc. 19 – Exemplo de escrita dos alunos sobre os seus processos de escrita

Depois foi a vez de trazer os livros de mui-tos poetas, daqueles que conhecíamos e dosque nunca tínhamos ouvido falar, daquelesque parecia que percebíamos o sentido e deaqueles que pareciam indecifráveis. Os alunosescolheram os textos de que mais gostaram eprocuraram o que queriam «imitar» para pode-rem saber o que queriam dizer – uma escrita apares com ecos da forma, do vocabulário, dasmetáforas, dos títulos…dos textos que tínha-mos na aula e de que despudoradamente nosapropriámos. Resultaram escritos pessoais eautênticos depois de um esforço continuado ede muita produção do que chamámos textoscom características poéticas para compreender ospoemas que teimam em nos resistir como dizJoaquim Manuel Magalhães «[…] uma rimapobre face ao que eles [os poetas] têm para nósouvirmos».

Como refere Manuel Gusmão (2002), na re-vista «Relâmpago – A poesia no ensino»:

Ensinar a ler poesia – ir ao encontro dela, res-ponder-lhe – é a procura de uma experiênciapartilhada da linguagem onde defrontamos apoderosa e irredutível diferença que une e difereo oral e o escrito. Quando lemos em voz alta opoema (e devemos fazê-lo), há coisas no escritoque não passam. Quando lemos o escrito mudona página, precisamos contudo de um ouvidotreinado (por interior que ele seja). Trata-se,para além disso, de uma experiência que resiste

Doc. 20 – Exemplos de textos dos alunos, integrados num trabalho de projeto

Sendo o trabalho escrito efetuado pelosalunos resultado de um trabalho a pares, umavez que a interação e a partilha de processosde escrita, de ideias, de dúvidas e esclareci-mentos parece ajudar a combater a resistênciaà escrita, ajudar a resolver problemas que sur-jam no domínio da textualização, seja da or-ganização das ideias, da construção frásica,seja na seleção de vocabulário ou na correçãode algum erro ortográfico, seria interessanteprocurar verificar de que forma o trabalho apares, para a consecução desse produto cultu-

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A escrita no Tempo de EstudoAutónomo – mais circuitos de comunicação

Como Sérgio Niza esclarece no editorial darevista Escola Moderna n.º 34, este trabalhomais autónomo e de apoio individual aos alu-nos em dificuldade constitui um momentofundamental de diferenciação pedagógica e deacompanhamento mais efetivo das aprendiza-gens dos alunos.

Na preparação da agenda de trabalho, noinício de cada período letivo, estabelecem-seos tempos destinados ao trabalho em estudoautónomo que surge após diversas experiên-cias dos alunos na área da escrita e depois de játerem tido conhecimento do programa atravésda apresentação da lista de verificação. Assim,quando preenchem o seu Plano Individual deTrabalho, de forma a registarem algumas dasdificuldades que apresentam nessa competên-cia, partem de algumas premissas que, muitasvezes, os orientam relativamente, por exem-plo, a determinados tipos de texto, mas deforma demasiado geral. De facto, posicionar oaluno relativamente ao currículo, no que dizrespeito à competência da escrita, é algo com-plexo e que se vai construindo à medida que asexperiências neste domínio vão aumentando,ou seja, quantos mais textos o aluno escrever,mais se vai apercebendo, por si próprio, comajuda dos colegas, do professor, em confrontocom outros textos, das áreas em que vai sendonecessário trabalhar para que os seus textosganhem em significação, em coerência e se“aprenda a escrever e a aprender sobre o quese escreve”. (Niza, 2000, p. 33).

Nenhuma listagem dos elementos que cons-tituem o ofício da escrita poderia alguma vezser considerada completa – é uma competênciademasiado contingente, diversa, complexa e in-trincada. Poderá ser somente uma lista de algunselementos e não os elementos envolvidos naaprendizagem da escrita (Bomer, 2005, p. 203).

Uma das potencialidades dessa lista de ve-rificação, não podendo, nem sequer preten-

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ral, assegura ou pode assegurar uma melhoriana qualidade dos escritos. O que se passa nointerior de alguns grupos quando temos umtexto interessante que surge com o nome dedois alunos, mas é nitidamente a voz de umsó? Que aprendizagens foram conseguidaspelo aluno que se limitou a ir acompanhandoa ditadura do pensamento do colega? Tentarcompreender esses processos dialógicos étambém ler alguns escritos dos alunos sobreas suas representações do trabalho com ooutro:

Doc. 21 – Reflexões dos alunos sobre a escrita a pares

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Esta diversidade de recursos é importante emuitos alunos encontram nela resposta à an-siedade inicial: «sobre o que é que vou escre-ver». Se o texto for escrito a pares, poderáacontecer uma discussão sobre o que escolhere porquê, o que, no fundo, corresponderá auma antecipação do próprio texto. No en-tanto, muitas vezes acontece que alguns alu-nos, depois de folhearem o dossier de escrita,alegam que nenhuma proposta lhes agrada.De facto, escrever não consiste somente ou se-quer em responder/resolver propostas. Umdos aspetos fundamentais do processo de es-crita, associado à própria noção de autoria eapropriação, tem a ver com a descoberta doque se quer dizer, sobre o que se quer escrever,para que o ato da própria comunicação possaperder algum do artificialismo didático que ro-deia a escrita na escola. Como referem Zemel-man e Daniels (1988):

Afinal, na aprendizagem da escrita, os alu-nos são convidados – obrigados, de facto, – aatribuir sentido ao mundo, a ponderar ideias, aexplorar valores, para encontrar as suas própriasligações, para inventar vozes, estilos, personasnuma página – e depois testar tudo, comuni-cando com os outros ao partilhar os escritos etrocar impressões (p. 3).

Poder conhecer os alunos enquanto escrito-res e as respetivas representações sobre a es-crita poderá constituir um primeiro momentoem que as subsequentes experiências em tornoda escrita se poderão apoiar. Neste sentido,podemos solicitar e reunir o conjunto de su-gestões de escrita que os alunos gostariam deconcretizar ao longo do ano (temas, títulos, ti-pos de texto), levando os alunos a participar naconstituição dos próprios recursos. Ou seja, jánão se trata somente das propostas do profes-sor, mas contemplam-se as ideias dos alunosna busca de uma maior autenticidade do tra-balho em torno do desenvolvimento da com-petência da escrita. Nancie Atwell designa estaapresentação inicial das esferas de interesse decada aluno na sala de aula e do próprio profes-

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dendo ser exaustiva, será insistir no caráter ofi-cinal da natureza da escrita, na insistência novocábulo «craft». Ora, no tempo de estudo au-tónomo, mais uma vez, a pares, ou individual-mente, apoiados pelo professor ou por algumcolega, os alunos registam no seu PIT os textosque gostariam de realizar para treinarem al-gum tipo de texto, para estudarem ou pesqui-sarem algum assunto, explorarem alguma te-mática. No âmbito do desenvolvimento dodiscurso escrito constituem-se alguns ficheiroscom diversas sugestões e que funcionam comoeventuais desencadeadores de escrita e quepodem incluir:

• Uma lista de títulos (a completar com ou-tros títulos inventados pelos alunos);

• Um conjunto de imagens (fotografias,pinturas);

• Sugestões de escrita a partir de uma ideiabase associada à ação;

• Propostas de inícios de textos;• Propostas para textos de opinião;• Sugestões de temas;• Sugestões de tipos de texto;

Muitas das sugestões aparecem descritasno próprio programa, na área dos «processosde operacionalização», sendo igualmente dis-ponibilizados aos alunos através do «Dossier deescrita».

Doc. 22 – Excerto da listagem de propostas no «Dossier de Escrita»

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narrativa dos próprios textos que gostaria deescrever sobre a qual podia assentar a intera-ção com outro colega.

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Doc. 23 – Excerto da listagem de propostas dos alunos no «Dossier de Escrita»

Doc. 24 – Sugestões de escrita de um aluno

sor de «territórios de escrita». Poder explorá-los permite gerar outras ideias, estabeleceruma espécie de autorretrato do escritor e aju-dar na construção de uma comunidade deaprendizagem, ao encontrarem-se possibilida-des de conhecer o outro com quem e paraquem poderemos escrever quando trabalha-mos a pares ou apresentamos um texto.

“A lista de territórios representa o meuautorretrato como escritora.” (Atwel, 1998,p. 120).

Obviamente, numa primeira fase e para al-guns alunos, esta listagem pouco significadoterá se não constituir um ponto de partida paraa construção de mais fala e de mais escrita emtorno de todas as ideias que se foram regis-tando. Por exemplo, no decurso do estudo au-tónomo, num apoio mais individualizado,pode-se conversar com o aluno sobre algumasdas suas opções, apresentar textos semelhan-tes, de autor ou escritos por outros alunos,orientar na exploração de alguma temática,tornando-a mais específica.

E se teremos de fazer esse trabalho mais ex-ploratório com alguns alunos, outros há quenos adiantam a tarefa. Aquando da apresenta-ção das propostas, a Catarina foi mais longe eacabou por registar uma espécie de sequência

Encontrar sentido(s) para a escrita que sevai desenvolvendo no tempo de estudo autó-nomo, mesmo que seja para resolver algumasdas dificuldades apresentadas pelos alunosnesse domínio, não se reduz a uma mero exer-cício e não acontece somente porque a escritatambém parte de sugestões mais pessoais.Acontece também porque a produção escritaencontra um motor para o seu desenvolvi-mento na possibilidade de divulgação (leituraem sala de aula, jornal da escola, blogues) e napossibilidade de alguns desses textos seremutilizados em trabalho de projeto. Por exem-plo, o texto da Laura que, tendo sido escrito eaperfeiçoado em Estudo Autónomo, foi utili-zado e desenvolvido pelo seu grupo quandodecidiram escrever um conto e construir um li-vro, intitulado Adoptada.

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seja registado, pelo aluno, no seu Plano Indivi-dual de Trabalho, para que tenha consciênciado que realizou, tanto em relação às suas difi-culdades, como em relação ao que se propôsefetuar, e que deverá ser consentâneo com ocumprimento do Programa da disciplina.

Para além da perceção dos escritos efetua-dos e da sua variedade pelo próprio aluno, estaprofusão de textos tem de fazer sentido, tam-bém, para a turma. Por isso, com esse objetivo

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Doc. 25 – Texto produzido em Estudo Autónomo

Doc. 26 – Organização e tratamento de informação paraelaboração de texto informativo, no âmbito de um projeto

Para além dos aspetos referidos, relativa-mente, ao tempo da escrita em Estudo Autó-nomo, este momento é também fundamentalpara um acompanhamento mais individuali-zado do percurso, tanto ao nível da textualiza-ção, como do aperfeiçoamento de texto. ONuno, depois de determinar que gostaria deelaborar um texto informativo sobre o des-porto que pratica – pólo aquático –, escreveuuma versão inicial que foi sujeita a diversas al-terações, uma vez que, ao ler o texto ao pro-fessor, num momento de aperfeiçoamento,nos apercebemos de que haveria que organi-zar melhor a informação e utilizar alguns re-cursos linguísticos que levassem o leitor a in-teressar-se pela modalidade, como era inten-ção do aluno. Para esse efeito, sugeriu-se quefizesse o levantamento de algumas questões aque responderia com os seus conhecimentos eexperiência que dispunha sobre o assunto,bem como com a pesquisa que entretanto po-deria fazer para completar o texto e torná-lomais extenso. Estratégia que se revelou impor-tante e adequada à situação, uma vez que omesmo texto acabaria, igualmente e depois deter sido posto à consideração do grupo, em tra-balho de projeto, por fazer parte do conjuntode escritos no blogue entretanto elaborado.

Não sendo a regulação uma tarefa fácil,torna-se fundamental que o trabalho efetuado

Doc. 27 – Excerto do Plano Individual de Trabalho (Estudo Autónomo)

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ção de uma identidade, de uma comunidade.(A agenda de trabalho; o Plano Individual detrabalho; a lista de verificação; as apreciaçõesescritas das comunicações, do trabalho autó-nomo…)

De certa maneira, estamos a dar-lhes umaforma, e a forma que lhes damos é determinadapelos instrumentos que usamos no nosso «ofí-cio» – não tanto as palavras que dizemos oumesmo o currículo que planeamos, mas antes ocontexto/ambiente que criamos nas nossas sa-las de aula. Construímos o contexto pela nossapresença e trabalho que desenvolvemos e, porisso, na linguagem da nossa prática pedagógica,escrevemos as nossas expectativas para os nos-sos alunos (Bomer, 1995, p. 204).

Para concluir, embora, com este texto, sepretendesse dar uma visão global do desenvol-vimento do discurso escrito, muito haverá afazer, sobretudo, na articulação entre o traba-lho desenvolvido no tempo compartilhadopela turma e no tempo de projetos e entre otempo de Estudo Autónomo. Neste sentido,será importante pensar no tipo de acompanha-mento que poderá ser feito pelo professor epelos colegas com vista a um maior apoio dosalunos, ajudando-os a refletir sobre a constru-ção dos textos, no momento do aperfeiçoa-mento.

Ainda neste âmbito, gostaria, igualmente,de aprofundar o trabalho em torno da utiliza-ção da lista de verificação na regulação dasaprendizagens em Conselho de Cooperação,de modo a posicionar os alunos, de forma maisclara, em relação à apropriação do currículopara que este possa, de facto, estar sempresubjacente (implícita e explicitamente) naconstrução da comunidade de aprendizagem ena orientação das suas práticas.

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e para facilitar a avaliação das aprendizagens,aquando do Conselho de Cooperação, o tra-balho realizado é igualmente registado em co-letivo, para que todos se impliquem no per-curso de aprendizagem de cada um.

Doc. 28 – Excerto do Registo Coletivo (Estudo Autónomo)

O tempo de estudo autónomo constitui,assim, mais um momento em que a escrita semultiplica em quantidade e diversidade, pro-vando que os alunos têm muito para dizer equerem dizê-lo, além de contribuir para ficar-mos com muito material para aperfeiçoar, par-tilhar, divulgar.

Em jeito de conclusão

Com a profusão de escritos e a multiplici-dade de vozes, torna-se imprescindível refor-çar o papel do Conselho de Cooperação naregulação dos nossos percursos de aprendiza-gem, para que não se tornem numa «navega-ção à vista», ou seja, que a explicitação domapa mental interiorizado dê sentido ao queestamos a fazer (nas palavras de Sérgio Niza).E os registos ajudam-nos a perceber os contex-tos de escrita que foram sendo coconstruídos,devolvem-nos uma imagem (mais ou menoscompleta, consoante a forma e o tempo quededicamos a observar o que regulamos) do quefazemos e que nos pode orientar na constru-

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Doc. 29 – Instrumentos de regulação

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