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Miguel Villas-Boas Sader O Direito ao Estádio na Cidade de Exceção: a privatização do Maracanã como violação do direito à cidade no Rio de Janeiro em tempos de megaventos esportivos Orientador: Sergio Veloso Rio de Janeiro 2016.2

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Miguel Villas-Boas Sader

O Direito ao Estádio na Cidade de Exceção: a privatização do Maracanã como violação do

direito à cidade no Rio de Janeiro em tempos de megaventos esportivos

Orientador: Sergio Veloso

Rio de Janeiro 2016.2

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Miguel Villas-Boas Sader

O Direito ao Estádio na Cidade de Exceção: a privatização do Maracanã como violação do

direito à cidade no Rio de Janeiro em tempos de megaventos esportivos

Monografia apresentada ao Instituto de Relações Internacionais da

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) como

requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Relações

Internacionais

Orientador:

Sergio Veloso

Rio de Janeiro 2016.2

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Aos atletas, dirigentes e membros da comissão técnica da Associação Chapecoense de Futebol, protagonistas de uma das histórias mais fascinantes que o esporte já escreveu, vítimas do acidente com o voo LaMia 2933, em 29 de novembro de 2016.    

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Agradecimentos  

 

Agradeço, primeiramente, à minha família, pelo o apoio durante toda

minha trajetória até aqui. A minha mãe, Luciana; a minha irmã, Maria

Isabel; aos companheiros Vanderlei, Dila e Angela; a meus cães, Nelson e

Guta; e especialmente a meu pai, Emir, por ter me apresentado este

universo tão fascinante que é o estádio de futebol, muito obrigado.

Agradeço às minhas irmãs Anna Flynn e Maria Luiza Belo, que, ao

longo deste conturbado ano de 2016, quando a barra parecia pesar demais

sobre meus ombros, lá estavam, uma de cada lado, de braços e corações

dados, para me ajudar a carregá-la.

Agradeço a minhas amigas, Mariana Mayworm, Francisca Feiteira,

Paula Monteiro, Maria Luiza Freire, Maria Eduarda Perpetuo, Ana Luiza

Ramos, Ana Luisa Martins e Luisa Fenizola, e aos meus amigos Hans

Rodriguez, Gabriel Neves, Caio Barros e Fernando Sousa – o Vampiro –,

joias preciosas que encontrei pelo caminho durante estes cinco anos de

graduação.

Agradeço a meus amigos de longa data, Gabriel Cassar, André

Buffara, Frederico Botelho, Pedro Gonçalves, Nicolas Herzog, Rafael

Almeida, Pedro Seixas, Rodrigo Fraga e outros, que, apesar de a vida nos

colocar em caminhos tão distintos, seguem ao meu lado.

Agradeço aos meus companheiros de idas ao estádio, que

compartilham comigo a consternação com a destruição da alma e da

memória do Maracanã.

Faço aqui um agradecimento especial à Andressa Good, que, ainda

que involuntariamente, jogou luz sobre uma parte do meu ser que até pouco

tempo atrás vivia na sombra. Por ter sido parte fundamental do início deste

processo de autoconhecimento – contínuo e constante – sempre com muita

intensidade, cumplicidade e amor, muito obrigado.

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Agradeço a meu orientador, Sergio Veloso, por ter me apoiado na

escolha do tema e me guiado ao longo deste tortuoso processo de produção

acadêmica.

Agradeço aos professores Victor Coutinho Lage, Manuela Trindade

Viana, Paulo Chamon, Marcio Scalercio, Carlos Frederico Gama e Miguel

Borba de Sá pelos ensinamentos, ora dentro de sala de aula, ora fora dela.

Agradeço aos funcionários e companheiros da biblioteca da PUC-

Rio pela companhia nos dias mais tensos de produção deste trabalho.

Agradeço ainda a toda a comunidade da Vila Autódromo por abrir

meus olhos para a desigualdade urbana e por mostrar da melhor maneira

possível, com coragem, afeto e brilho nos olhos, as formas de combatê-la.

A vocês, meus mais sinceros agradecimentos. Cada um, de um jeito

ou de outro, está presente nas linhas deste trabalho.

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Resumo

Esta monografia tem como objetivo analisar o espaço do estádio Jornalista

Mario Filho – o Maracanã – como arena de confronto entre duas

concepções de cidade: a cidade de exceção (VAINER, 2016) e o direito à

cidade (LEFEBVRE, 2015; HARVEY, 2012). Desde o momento de sua

construção, iniciada em 1948, o Maracanã foi projetado para ser um grande

espaço de encontros, democrático e popular, e assim se consolidou no

imaginário e na vida cotidiana do cidadão carioca. Consagrado nas décadas

seguintes como templo das massas, apropriado por elas para o uso criativo e

o exercício do direito à cidade (LEFEBVRE, 2015; HARVEY, 2012), a

partir dos anos 1990 o Maracanã foi submetido a uma série de reformas que

alteraram profundamente sua natureza, transformando-o em um espaço de

exceção, inserido no projeto privatizante de cidade, em curso no Rio de

Janeiro desde o primeiro o primeiro mandato do prefeito Cesar Maia. Tal

projeto tem como estratégia fundamental para a sua execução a realização

de megaeventos esportivos em solo carioca. Deste modo, o estudo de caso

da privatização do Maracanã funciona como caso-modelo para entendermos

um processo de transformação urbana que é global.

Palavras-chave Maracanã; cidade de exceção; direito à cidade; megaeventos esportivos;

globalização.

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Sumario    

Introdução ...................................................................................................... 8

Capítulo 1: Cidade de Exceção e o Direito à Cidade no Rio de Janeiro ..... 11

1.1. Sobre a Cidade de Exceção .............................................................. 11

1.2. Sobre o Direito à Cidade .................................................................. 22

Capítulo 2: Megaeventos esportivos: o modelo de negócios a serviço da

cidade de exceção ........................................................................................ 26

2.1: Do amadorismo ao grande negócio: a comodificação do esporte .... 27

2.2: Megaeventos esportivos e a reprodução da cidade de exceção ........ 30

2.2.1: A legitimação discursiva da exceção: a retórica do legado ....... 31

2.2.2: A institucionalização da exceção como regra ............................ 33

Capítulo 3: A Metamorfose do Maracanã: de templo das massas à centro de

consumo ...................................................................................................... 37

3.1 Período 1948 – 1999: O Maracanã apropriado pelas massas para o

exercício do Direito à Cidade .................................................................. 40

3.2. Período 1999 – 2016: o fim do estádio popular e o surgimento da

arena padrão FIFA ................................................................................... 46

3.3. A Arena Maracanã: futebol-mercadoria na cidade de exceção ........ 56

Considerações Finais ................................................................................... 60

Referências Bibliográficas .......................................................................... 62

 

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Introdução  

“Flamengo planeja volta ao Maracanã com ingresso acessível e

homenagem à torcida”1. Com esta manchete, o jornal Extra anunciou, em

14 de outubro de 2016, a primeira partida do rubro-negro carioca no

Estádio Jornalista Mario Filho, fechado até então para uso exclusivo do

Comitê Olímpico Internacional. Na ocasião, quem quisesse assistir à peleja

entre os dois clubes mais populares do Brasil – Flamengo e Corinthians – ,

deveria desembolsar a quantia mínima de R$ 80,00. Para os padrões atuais

do futebol, este é considerado um preço “acessível”.

Acessível para quem? Na cidade do Rio de Janeiro, quem pode

assistir aos jogos de futebol no estádio? Este é apenas um caso que ilustra o

que o espaço do estádio do Maracanã se tornou: um local caro, elitizado e

restrito a um público de classe média com poder aquisitivo considerável.

Inserido dentro do projeto privatizante de cidade de exceção (VAINER,

2016), inaugurado em meados da década de 1990 sob a égide do prefeito

Cesar Maia, o Maracanã deixou de ser um espaço de encontros e de

celebração da cultura popular para se tornar um grande centro de consumo.

Do momento de sua construção até a chegada desta concepção

urbanística no Rio de Janeiro, importada de Barcelona, o estádio se

consolidou no imaginário e na vida cotidiana do cidadão carioca como um

espaço de enorme relevância cultural, tendo sido palco de momentos tanto

trágicos como festivos que tem grande significância na construção de uma

identidade brasileira. Consagrado como templo popular, apropriado pelas massas para o

uso criativo e o exercício do direito à cidade (LEFEBVRE, 2015;

HARVEY, 2012), o Maracanã foi submetido a uma série de reformas que

alteraram profundamente sua natureza, transformando-o em espaço de

                                                                                                               1 Ver: http://extra.globo.com/esporte/flamengo/flamengo-planeja-volta-ao-maracana-com-ingresso-acessivel-homenagem-torcida-outras-casas-20287596.html (Acessado pela última vez em 06/12/2016)

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exceção. Tais reformas, apesar de estarem inseridas em um processo de

transformação das cidades que ocorre em escala global, estão carregadas de

especificidades locais.

Hoje, a urbanização representa o principal vetor de expansão do

capitalismo global e isto tem impactos bastante significativo na vida das

populações das cidades do mundo todo (HARVEY, 2012). Práticas

cotidianas da vida urbana – como ir ao estádio de futebol torcer pelo seu

time – têm sido cada vez mais tomadas por um globalizante e

homogeneizante processo de mercantilização.

Deste modo, com esta monografia, pretendo apresentar o estádio do

Maracanã como arena de confronto entre duas concepções de cidade: a

cidade como espaço de direitos e a cidade como espaço de consumo. Com

este intuito, no primeiro capítulo apresentarei os conceitos de cidade de

exceção e direito à cidade, que funcionarão como minhas categorias da

análise ao longo dos capítulos seguintes. No segundo capítulo, apresentarei

os mecanismos de funcionamento dos megaeventos esportivos, que dentro

da estratégia de produção da cidade de exceção em curso no Rio de Janeiro,

tiveram importante papel de catalisador. Finalmente, no terceiro capítulo,

apresentarei o estudo de caso da reforma do Maracanã, mostrando como ele

materializa o confronto entre as duas categorias de análise apresentadas no

primeiro capítulo.

Considero importante fazer ainda uma digressão para falar sobre a

relevância dos estudos urbanos para o campo disciplinar de Relações

Internacionais, dado o contexto atual da globalização, em que cidades

apresentam-se como atores ou espaços tão relevantes para dinâmicas

globais e internacionais quanto os estados nacionais. Ao longo da trajetória

na graduação em Relações Internacionais, dos tantos questionamentos que

surgiram, um me incomodou de maneira mais destacada. Por que a temática

das cidades ainda é tão negligenciada dentro deste campo, mesmo após as

chamadas viradas teóricas? Reconhecer o protagonismo que as cidades

assumem dentro dos fenômenos globais nos dias de hoje é urgente. E é

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visando apontar para a importância de a disciplina de Relações

Internacionais dar este passo que fiz a escolha deste tema. 2

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Capítulo 1: Cidade de Exceção e o Direito à Cidade no Rio de Janeiro

1.1. Sobre a Cidade de Exceção

O debate sobre o impacto da realização de megaeventos nas cidades

passa obrigatoriamente pela discussão acerca do modelo de cidade e de

planejamento urbano que se quer. No caso específico da cidade do Rio de

Janeiro, que será explorado mais profundamente ao longo desta

monografia, a convergência destas duas questões é ainda mais clara que em

outros. Isto se deve pelo fato de o início da saga da cidade do Rio de

Janeiro em busca do direito de sediar os Jogos Olímpicos acontece

justamente no momento em que uma nova concepção de cidade se

consolida. Estamos falando do primeiro mandato do prefeito César Maia

(1993-1996), quando foi elaborado o Plano Estratégico da Cidade do Rio de

Janeiro, marco fundador deste processo (VAINER, 2000).

Em 22 de novembro de 1993, a Prefeitura do Rio de Janeiro firmava com a Associação Comercial (ACRJ) e a Federação das Indústrias (FIRJAN) um acordo para a promoção do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (PECRJ). Em 4 de fevereiro de 1994, 46 empresas e associações empresariais instauraram o Consórcio Mantenedor do PECRJ, garantindo recursos para o financiamento das atividades e, particularmente, para contratação de uma empresa consultora catalã, de profissionais que iriam assumir a Direção Executiva do Plano e de outros consultores privados. Em 31 de outubro do mesmo ano, em sessão solene, é instalado o Conselho de Cidade – ‘instância maior do Plano Estratégico da Cidade do Rio do Janeiro’, segundo os termos constantes do convite assinado triplicemente pelos Presidentes da ACRJ, da FIRJAN e pelo Prefeito. (VAINER, 2000)

O fato de a empresa de consultoria de onde sairiam os Diretores

Executivos do Plano ser de Barcelona não é obra do acaso. O documento se

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baseia na experiência da cidade catalã como sede dos Jogos Olímpicos de

1992, quando por lá se consolidou a concepção de cidade que viria a ser

instalada por aqui. Não à toa, subsequentemente à aprovação do Plano,

nasce a primeira candidatura da cidade do Rio de Janeiro a sede das

Olimpíadas, no caso aqui as que vieram a ser disputadas em 2004, em

Atenas, na Grécia.

De que modelo de cidade estamos falando? As condições da

assinatura do Plano são sintomáticas para identificarmos o processo pelo

qual passa não somente a cidade do Rio de Janeiro, mas muitas outras

metrópoles no mundo. Afinal, apesar de analisarmos o caso específico do

Rio de Janeiro, estamos, a todo tempo, falando de um processo global,

inerente à expansão do capitalismo e que tem as cidades como

protagonistas. Uma diversidade enorme de autores das mais variadas áreas

já se utilizaram de nomes diferentes3 para definir tal modelo. Para fins

metodológicos, utilizarei aqui o conceito de Cidade de Exceção,

desenvolvido por Vainer (VAINER, 2016).

Como já dito anteriormente, o embrião da exceção carioca foi

formado na década de 1990, sob a égide de Cesar Maia. Não por acaso, ela

tem origem em um período de fortalecimento do ideário neoliberal tanto em

países do centro como da periferia do capitalismo. Naturalmente, a difusão

da ideia de que o bom funcionamento da economia de um país dependeria

de uma diminuição da ingerência do Estado ao mínimo teve impactos

bastante significativos nas políticas urbanas e na vida cotidiana dos

cidadãos. As cidades passaram a ser vistas então não mais como campo de

ação do Estado, e sim do capital privado, que seria capaz de otimizar as

oportunidades que o ambiente urbano oferece para o desenvolvimento.

Segundo Vainer, o planejamento urbano moderno, marcado por uma

presença forte do Estado, perde espaço para um novo tipo de planejamento,

marcado pela flexibilidade, market friendly e market oriented (VAINER,

                                                                                                               3  É muito comum também a utilização dos termos “cidade-mercadoria” ou “cidade-empresa”.    

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2016). No momento da aprovação do Plano Estratégico, portanto, na

verdade, transferindo a responsabilidade da gestão do espaço urbano para

os empresários ali presentes.

Neste contexto, até mesmo a retórica utilizada para se discutir

questões urbanas mudou. Nos grandes fóruns urbanísticos mundo afora,

passou a ser comum se referir a um mercado global de cidades (VAINER,

2000). Competitividade e flexibilidade se tornaram atributos essenciais dos

grandes centros urbanos. Competitivos, porque disputam entre si os

investimentos de excedente de capital disponível no referido mercado.

Flexíveis, porque somente com plena e total liberdade de ação os novos

gestores urbanos – leia-se o capital privado, em suas diversas formas –

poderão maximizar o potencial das cidades, de modo a torná-los,

competitivos de fato.

O urbanista francês François Ascher, um dos principais críticos da

maneira de se pensar e gerir a cidade neoliberal, definiu esta concepção de

planejamento urbano como “urbanismo ad hoc”.

O neo-urbanismo privilegia a negociação e o compromisso em detrimento da aplicação da regra majoritária, o contrato em detrimento da lei, a solução ad hoc em detrimento da norma. (ASCHER, 2001)4

Uma cidade em que todos os instrumentos e instituições jurídicos e

institucionais podem ser relativizados é uma cidade marcada pelo

autoritarismo e pela falta de democracia. A soluções ad hoc às quais Ascher

se refere são as soluções propostas para agradar o mercado, e não o

interesse coletivo de cidadãos. Trata-se da lei legalizando o desrespeito à lei

(VAINER, 2016).

Para que a implementação de tais medidas de exceção é necessário,

no entanto, que haja um forte argumento de sustentação por trás para que se                                                                                                                4 Ao analisarmos a realização de megaeventos, dispomos de alguns elementos que corroboram a afirmação de Ascher. Os principais deles são a Lei Geral da Copa e a Lei Geral das Olimpíadas, que examinaremos mais detalhadamente no segundo capítulo.

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possa criar um consenso que permita a flexibilização de mecanismos tão

fundamentais para a vida republicana e democrática (no caso do Brasil, a

Constituição Federal). Como em outros casos evidenciados ao longo da

história, no caso da cidade neoliberal o totalitarismo também se sustenta na

sensação coletiva de medo e de crise. No Rio de Janeiro, a exceção de

instaura como a saída para a cidade que se encontrava em crise de

crescimento desde os anos 80.

No novo sistema político institucional, porém, não há espaço para as

aspirações e sonhos de todo o conjunto de cidadãos. Ele se caracteriza pela

consolidação da hegemonia de uma burguesia que, amedrontada pela

possiblidade de perda de seus privilégios, atua de modo a controlar o

espaço urbano de acordo com os seus interesses, punindo, assim, todos

aqueles que não são contemplados por esta coalizão de poder burguesa.

Para definir este processo característico da cidade de exceção neoliberal

(VAINER, 2016), o autor Neil Smith, orientado pelo conceito de

acumulação por desapropriação de David Harvey (HARVEY, 2004) utiliza

o termo revanchismo, que remete à ideia da recuperação do direito de

exploração do espaço da cidade – perdido (ou roubado) em um momento de

crise – por aqueles que são seus usuários legítimos (SMITH, 1996)

É possível conectar esta interpretação da cidade contemporânea com

as reflexões do italiano Giorgio Agamben sobre o estado de exceção5. Ele

diz que na contemporaneidade há uma naturalização da sensação de crise

que permite a transformação do estado de exceção em regra e,

consequentemente, a instauração de sistemas políticos desiguais que

priorizam os interesses de uma elite em detrimento dos daqueles que devem

ser eliminados em nome da normalização da vida social.

O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a instauração, por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não

                                                                                                               5  Reflexões estas que inspiraram Vainer a utilizar o termo “Cidade de Exceção”.

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integráveis ao sistema político. Desde então, a criação voluntária de um estado de emergência permanente (ainda que, eventualmente, não declarado no sentido técnico) tornou-se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos. (AGAMBEN, 2004)

Por se apresentar como única saída viável para a crise urbana, a

cidade de exceção (VAINER, 2016) ganha um caráter de legitimidade. O

Estado forte provedor de políticas e serviços públicos passa a ser visto

como atrasado. Há, agora, a urgência da transformação da natureza deste

Estado em empreendedor (mais uma vez a retórica do business presente na

discussão sobre cidades) que atribui ao capital privado um papel de

protagonista da administração do espaço urbano. David Harvey afirma que

esta transição do gerenciamento para o empresariamento da administração

urbana é um processo que teve início nos anos 70 e 80 nos países de

capitalismo avançado e que na virada dos anos 80 para os 90 chega aos

países de capitalismo tardio paralelamente ao fortalecimento dos ideais

neoliberais que pregavam uma ingerência cada vez menor do Estado na

formulação de políticas econômicas e, consequentemente, também nas

políticas urbanas (HARVEY, 1996).

A partir da concepção da cidade como o um lugar de domínio de

encontros entre atores diversos e heterogêneos 6, o Estado administrador

teria a função de gerenciar os bens e os espaços urbanos com base no

interesse coletivo dos cidadãos. Nesta interpretação, a cidade é considerada

um sujeito passivo, submetida à intervenção da autoridade estatal que sobre

ela irá agir. Com o fortalecimento da ideia de empresariamento urbano, a

cidade se torna um ator ativo, dotado de agência própria. A ideia de

                                                                                                               6 Esta concepção de espaço urbano, que não apenas Harvey mas uma enorme gama de estudiosos das cidades toma como ponto de partida, nasce concomitantemente aos primeiros estudos de Sociologia Urbana, com a Escola de Chicago, nas primeiras décadas do século XX. Como definiu, Louis Wirth, proeminente pensador desta corrente, “para fins sociológicos, uma cidade pode ser definida como um núcleo relativamente grande, denso e permanente de indivíduos socialmente heterogêneos” (WIRTH, 1938).

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desenvolvimento urbano passa a estar atrelada não mais a um Estado que

apenas administre e gerencie o convívio entre os cidadãos, mas sim a um

Estado que atue de maneira dinâmica na criação e consolidação de polos de

consumo dentro do espaço das cidades. Isto significa dizer que as relações

sociais que ocorrem no urbano passa a ser pautada por uma lógica de

consumo, privatista e neoliberal.

Deste modo, a adoção da estratégia de empresariamento (ou

empreendedorismo) urbano dialoga claramente com a consolidação do

Planejamento Estratégico como forma de se pensar o urbanismo, já que este

afirma que as cidades carecem de uma nova forma de governança, por

estarem submetidas aos mesmos desafios e problemas enfrentados por

empresas. A solução encontrada para esta questão é justamente uma forma

de governança que não apenas permita, mas incentive e fortaleça a criação

de espaços privados e de consumo dentro das cidades. As cidades passam a

ser compreendidas simultaneamente como mercadorias a serem vendidas e

como empresas que competem em um mercado capitalista global. Um

desdobramento importante do fortalecimento desta concepção, é a criação

de um forte apelo em torno da agenda urbana pela união e convergência do

conjunto de forças envolvidas na produção e reprodução da cidade para

alcançar um interesse comum, que seria o sucesso na competição global de

cidades, que por sua vez acarretaria em uma aceleração do desenvolvimento

(VAINER, 2000).

Enquanto mercadoria, a cidade é vendida é vendida pelo seu prefeito

a um grupo restrito de atores que terão o direito de usufruir dos seus bens,

serviços e, sobretudo, do seu espaço para gerar lucro. Já quando

compreendida como empresa, ela deixa de ser objeto, passivo, e assume

caráter de sujeito ativo, agente. Porque a cidade não apenas é vendida; ela

precisa se vender. Existe uma competição entre as cidades pela atração de

investimentos. Cada uma delas precisa, portanto, tornar seus atributos

atraentes para os investidores que procuram por um local, uma

materialidade, para empreender seus projetos.

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No Rio de Janeiro, esta concepção chega ao seu ápice em 2016 com

a realização dos Jogos Olímpicos e o encerramento do ciclo de

megaeventos que se iniciou em 2007, com os Jogos Pan-americanos. Neste

momento, apesar de grandes críticas por parte dos movimentos sociais, o

atual prefeito Eduardo Paes, apesar de não conseguir eleger seu sucessor em

função de particularidades referentes ao pleito no Rio que não nos cabe

discutir aqui, se despede do cargo com uma imagem de urbanista

visionário, moderno e empreendedor. Prova disto é o convite recebido por

Paes para ministrar aulas e palestras sobre o desenvolvimento das cidades,

na renomada Universidade de Columbia, em Nova Iorque.7

A euforia que os Jogos Olímpicos trouxeram pelo ambiente festivo,

com a maciça chegada de turistas de todo o mundo e com a celebração das

competições esportivas se sobrepôs aos seus custos. O Rio de Janeiro pós-

megaeventos é uma cidade onde reinam os interesses do capital privado.

Como sugere a planilha do Planejamento Estratégico, na capital fluminense

serviços que outrora seriam atribuídos naturalmente à tutela do poder estatal

– seja ele a prefeitura ou o governo estadual – hoje estão sob a

administração de empresas privadas. Por meio das chamadas Organizações

Sociais (OS), a prefeitura abdicou do papel de gestora plena das políticas de

saúde e terceirizou a administração da rede de hospitais e clínicas para a

iniciativa privada.8 A FETRANSPOR, um sindicato composto por empresas

de ônibus, é quem tem a gestão da rede de transportes, podendo alterar as

tarifas e as rotas dos ônibus sem transparência alguma.9

Uma das principais marcas da gestão de Paes são as chamadas

Parcerias Público Privadas – as PPPs – sempre invocadas pelo prefeito

como legado positivo para a cidade no que diz respeito não apenas a                                                                                                                7 Ver: http://www.jb.com.br/rio/noticias/2015/11/08/prefeito-eduardo-paes-dara-aulas-em-universidade-de-nova-york-em-2017/ (Acessado pela última vez em 06/12/2016) 8 Ver: http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo3/a-privatizacao-da-saude-no-municipio-do-rio-de-janeiro-o-caso-das-organizacoes-sociais-oss.pdf. (Acessado pela última vez em 06/12/2016) 9 Ver: https://www.fetranspor.com.br/a-fetranspor-sobre-a-fetranspor. (Acessado pela última vez em 06/12/2016)  

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investimentos em infraestrutura mas também para a autoestima do carioca,

já que hoje as duas maiores PPPs do Brasil estão localizadas no Rio de

Janeiro, e não em São Paulo, principal polo econômico.10 Através deste tipo

de parceria, a prefeitura transferiu a administração de regiões de tamanho

bastante significativo11 da cidade para consórcios compostos por empresas

privadas, sobretudo empreiteiras. Este é o caso da zona portuária, chamada

agora de Porto Maravilha, no Centro da cidade, e também do Parque

Olímpico, na região que outrora era denominada de Jacarepaguá e que

agora, para atender aos interesses da especulação imobiliária, é chamada de

Nova Barra ou Barra Olímpica. No caso do Porto Maravilha, é possível

observar que serviços como, por exemplo, iluminação das vias públicas,

manutenção do asfalto de calçadas, coleta de lixo, manutenção de sinais de

trânsito etc., que naturalmente seriam atribuídos ao poder municipal, são de

responsabilidade da Concessionária Porto Novo, da qual fazem parte as

empreiteiras Odebrecht Infraestrutura, OAS e Carioca Engenharia.

É importante dizer que não se deve generalizar e condenar como um

todo as Parcerias Público Privadas. Em situações em que as negociações

sejam feitas de maneiras transparentes e equilibradas, elas podem funcionar

como um ótimo mecanismo de desenvolvimento, uma vez que poupam os

cofres públicos de investimentos pesados em infraestrutura e garantem

benefícios para a população como um todo. Porém, o que se observa no

caso das PPPs cariocas são acordos absolutamente desiguais, em que os

interesses dos atores privados se sobrepõem aos interesses públicos. Além

de estarmos falando de empresas que com frequência figuram nas páginas

policiais do noticiário por estarem envolvidas em escândalos de

                                                                                                               10 Ver: https://www.youtube.com/watch?v=5Qs1zXNQkok. (Acessado pela última vez em 06/12/2016) 11 O Parque Olímpico ocupa uma área de 1,18 milhões de m², o equivalente ao Bairro do Leme, em uma área da fronteira de expansão da especulaçãoo imobiliária (http://www.riomais.net/). Já o Porto Maravilha, ocupa cerca de 5 milhões de m², tomando por inteiro os bairros de Santo Cristo, Saúde e Gamboa, e parte dos bairros do Caju, Centro, Cidade Nova e São Cristóvão (http://www.portomaravilha.com.br/portomaravilha).

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corrupção 12 , via de regra os megaprojetos levados a cabo por elas

representam medidas gentrificadoras de higienização e limpeza social, que

tem impactos extremamente negativos na vida das camadas mais populares,

como por exemplo a perda de suas casas por meio de remoções forçadas ou

simplesmente a expulsão de determinadas áreas da cidade pelo aumento

significativo do custo de vida e das taxas de aluguel (a chamada remoção

branca).

As remoções, de fato, se tornaram uma marca registrada da gestão

do atual prefeito. Foi no período do mandato de Eduardo Paes que a

prefeitura do Rio de Janeiro levou à cabo o terceiro grande ciclo de

remoções da história da cidade13, sendo este o que atingiu os maiores

números. Segundo dados do último dossiê do Comitê Popular da Copa e

das Olimpíadas do Rio de Janeiro, lançado em 2015, sobre megaeventos

esportivos e violações de direitos humanos, entre os anos de 2009 e 2015,

22.059 famílias foram removidas de suas casas, totalizando cerca de 77.206

pessoas deslocadas no espaço interno da capital fluminense (COMITÊ

POPULAR DA COPA E DA OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO,

2015) 14.

O retorno desta que pode ser considerada a forma mais violenta de

desrespeito ao direito à moradia não pode ser desvinculada da esteira de

megaeventos pelos quais a cidade do Rio de Janeiro passou nos últimos

anos. Seu caráter de urgência, pelo tempo limitado de preparação, e a

criação de um sentimento de comoção e mobilização nacional em torno da

realização destes eventos como forma de recuperação do orgulho patriótico

criam um ambiente propício para o poder estatal, associado a interesses

                                                                                                               12 Ver: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/lava-jato-encontra-registro-de-propina-em-obra-do-porto-maravilha-no-rio/. (Acessado pela última vez em 06/12/2016) 13 Os primeiros grandes ciclos de remoções aconteceram durante as gestões de Pereira Passos, na primeira década do século XX, e de Carlos Lacerda, na década de 1960. 14 O dossiê pode ser acessado online em: http://www.childrenwin.org/wp-content/uploads/2015/12/Dossie-Comit%C3%AA-Rio2015_low.pdf. (Acessado pela última vez em 06/12/2016)

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privados, levar a cabo projetos de remoções que violam princípios básicos

dos direitos humanos. Em função das grandes obras tidas como condições

para a realização de eventos deste porte, sejam elas de aberturas de vias de

mobilidade urbana, de construção de equipamentos esportivos ou de

revitalização de áreas degradadas, o setor imobiliário da cidade viveu um

vertiginoso processo de valorização. A isto, soma-se o apogeu (à época) do

programa “Minha Casa, Minha Vida”, do Governo Federal, que em teoria

visava empreender projetos de construção de moradia popular para as

camadas mais necessitadas, mas que na realidade se tornou uma espécie de

ferramenta de auxílio para a política de remoções, uma vez que as

autoridades argumentavam tecnicamente que os removidos estariam sendo

deslocados para um local com melhores condições de vida. O que se via na

prática, porém, era que em sua grande maioria, os conjuntos habitacionais

do programa eram construídos nas áreas mais carentes de infraestrutura

urbana, serviços de qualidade e ofertas de emprego (sobretudo na Zona

Oeste), servindo apenas aos interesses corporativos das grandes

empreiteiras associadas ao projeto, que expandem sua atividade lucrativa

para novas regiões da cidade, e não das populações afetadas pelas

desapropriações, conforme ilustra o mapa abaixo:    

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Fonte: SMH – 2016: Remoções no Rio de Janeiro Olímpico

(FAULHABER e AZEVEDO, 2016)15  

A realização de megaeventos esportivos, como veremos mais

profundamente a partir do segundo capítulo, consolida a cidade de exceção

(VAINER, 2016) e acelera os processos de rupturas e jurídicas e

institucionais características dela. Entretanto, é importante compreender

que a relação entre tais rupturas e os grandes eventos aos quais nos

referimos não é de causalidade. Estamos falando de um processo pelo qual

cidades de todo o globo passam – sobretudo grandes metrópoles, e ainda

mais especificamente as grandes metrópoles do Sul Global –

independentemente de serem ou não elas sedes de Jogos Olímpicos, Copas

do Mundo ou torneios de magnitude parecida. É um processo inerente à

expansão do capitalismo, que encontra na urbanização seu principal vetor,

globalizante e neoliberal. A realização de megaeventos esportivos se                                                                                                                15 Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/blogs/estadao-rio/livro-mapeia-remocoes-de-moradores-na-gestao-de-eduardo-paes/. (Acessado pela última vez em 06/12/2016)

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configura de fato como um período de aceleração deste processo, em

função principalmente dos prazos de entrega apertados, mas não é correto

afirmar que a consolidação da cidade de exceção (VAINER, 2016) decorre

fundamentalmente dela (OLIVEIRA, 2014; BROUDEHOUX, 2016)

1.2. Sobre o Direito à Cidade

A cidade de exceção (VAINER, 2016), portanto, seguindo à risca o

receituário neoliberal, privatizante, emerge como a antítese da cartilha do

direito à cidade, desenvolvida primeiramente pelo francês Henri Lefebvre,

em 1967, e atualizada pelo geógrafo britânico David Harvey na última

década (LEFEBVRE, 2015; HARVEY, 2012). Como Harvey descreve:

O direito à cidade está muito longe da liberdade individual de acesso a recursos urbanos: é o direito de mudar a nós mesmos pela mudança da cidade. Além disso, é um direito comum antes de individual já que esta transformação depende inevitavelmente do exercício de um poder coletivo de moldar o processo de urbanização. (HARVEY, 2012)

Tanto para Lefebvre (1967) como para Harvey (2012), o ponto

principal para compreender o que é o direito à cidade (LEFEBVRE, 2015;

HARVEY, 2012) é enxergarmos o espaço urbano como um espaço de

direitos e de construção coletiva do conjunto de citadinos16.

Lefebvre faz duras críticas à visão tecnocrata que coloca o coletivo

de pessoas que habitam a cidade mais como objetos do que sujeito da

produção e reprodução do espaço social. Para ele, inclusive, os debates

sobre o direito à cidade (LEFEBVRE, 2015) transcendem as discussões –

                                                                                                               16 Lefebvre diferencia, em sua obra, citadinos (citadins) de cidadãos (citoyen). O primeiro refere-se ao conjunto de habitantes da cidade, enquanto o segundo faz referencia àqueles aos quais o Estado confere a cidadania política, ou seja, um grupo mais restrito (LEFEBVRE, 2015).

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tão em voga à época que escreveu o livro Contra os tecnocratas, em 1967

(um ano antes de publicar O direito à cidade) – sobre qual modelo de

regime político seria o mais eficiente: o socialismo soviético ou o

capitalismo norte-americano. Lefebvre faz duras críticas aos regimes

socialistas do século XX, pois segundo ele, apesar de se proporem uma

sociedade alternativa à sociedade de consumo, não propõem uma forma de

sociabilidade que permita a construção do espaço das cidades de maneira

coletiva. O socialismo real, para Lefebvre, seguiu a linha tecnocrática de

produção dos espaços, a partir da consolidação de um Estado forte, com

uma economia planificada, provedor de moradia e infraestrutura urbana,

porém de maneira absolutamente vertical, de cima para baixo. O socialismo

do século XX não rompeu com a racionalidade automatizadora que torna a

vida cotidiana desprovida de sentido e autenticidade (LEFEBVRE, 1969).

Para que o direito à cidade seja pleno, é preciso que haja a

apropriação do espaço da cidade pelos cidadãos, de forma que a produção

social do espaço seja politizada, e não apenas técnica, como muitos

políticos, dos mais diferentes posicionamentos propõem, atribuindo à

tecnocracia uma carga positiva que deixaria Lefebvre desgostoso.

(LEFEBVRE, 2015).17

                                                                                                               17 Enquanto escrevo esta monografia, o Brasil vive período eleitoral nas cidades, com pleitos para os cargos de prefeitos e vereadores. Um fenômeno chamou a atenção nas durante as campanhas eleitorais em diversas cidades do país, inclusive nas maiores metrópoles, como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte: a grande força que ganhou o discurso “apolítico”, que propõe gestões “puramente técnicas”, levadas à cabo por candidatos, que com orgulho, se auto intitulam como “de fora da política”. Em São Paulo, o empresário João Dória foi eleito no primeiro turno em sua primeira corrida eleitoral. Em Belo Horizonte, outsider o ex-presidente do Clube Atlético Mineiro Alexandre Kalil chega com força no segundo turno contra o deputado estadual João Leite. Já no Rio de Janeiro, apesar dos principais nomes que participaram do pleito eleitoral já terem carreiras consolidadas na vida política, o discurso tecnocrático, pretensiosamente neutro, se fez presente na campanha de vários candidatos, sobretudo na de Carlos Osório. O culto à tecnocracia pode ser evidenciado até mesmo na campanha de Marcelo Freixo, candidato da esquerda, que reivindicou para si a agenda do direito à cidade, obtendo apoio inclusive o apoio de David Harvey, principal nome desta agenda nos dias de hoje. Ainda que para fins eleitoreiros, dadas as circunstâncias da disputa do segundo turno, é de chamar atenção o uso recorrente desta retórica.

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Como exemplo de experiência de produção do espaço urbano pelo

povo, tanto Lefebvre (1967) como Harvey (2012), resgatam o caso da

Comuna de Paris, que emergiu após a reforma urbana empreendida por

Haussman (que pode ser, em muitos aspectos, comparada às reformas de

Pereira Passos no Rio de Janeiro da virada do século XIX para o XX). Na

situação, em um cenário de crise econômica, em 1853, o imperador Luís

Bonaparte delegou a Georges-Eugène Haussmann a função de comandar

uma série de obras de infraestrutura na cidade de Paris, de modo a auxiliar

na retomada do desenvolvimento econômico francês. Além de ter sido

responsável por uma série de obras de abertura de avenidas na região

central de Paris que tiveram como consequência a remoção de grande parte

da classe trabalhadora para os subúrbios, a reforma haussmaniana foi

responsável por uma mudança radical nas formas de sociabilidade da

Cidade-Luz. Paris se tornou um grande centro de consumo e principal polo

de turismo, moda e prazer da Europa Ociental.

Após obter relativo sucesso na missão de absorver os excedentes de

capital em um primeiro momento, em 1868 o sistema financeiro francês

entrou em colapso e a França se encontrava novamente em crise, o que

trouxe à tona todas as contradições e desigualdades da urbanização levada a

cabo por Haussmann. Neste contexto, emerge a Comuna de Paris, que

Harvey define como “um dos maiores episódios revolucionários da história

urbana capitalista”, em que os trabalhadores que haviam sido removidos

para as periferias retomaram as áreas centrais da cidade para si,

reivindicando o direito de usufruir dos bens da cidade que eles haviam

construído com a própria mão-de-obra (HARVEY, 2012).

                                                                                                                                                                                                                                                                                                               Tais discursos batem de frente com a noção lefebvriana do direito à cidade, que pretende romper justamente com este administrativismo técnico em que um poder público se propõe a entregar o bem-estar aos cidadãos. Para tal, a produção do espaço da cidade não pode se limitar aos agentes de governo. O governo deve, na realidade, ser a penas o executor de políticas construídas a partir do diálogo, que escute as demandas elaboradas coletivamente pelos habitantes da cidade, que devem ser os verdadeiros detentores do poder de criar e recriar a vida urbana (LEFEBVRE, 2015).  

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Este é apenas um caso que serve para ilustrar que, de tempos em

tempos, esta crescente expansão via urbanização do capitalismo resulta em

revoltas de reivindicação da cidade por parte das populações que têm seus

direitos negados neste processo. São outros exemplos as revoltas nos EUA

após o assassinato de Martin Luther King em 1968, o movimento de

Occupy Wall Street, em Nova Iorque, os protestos na praça da Taksim, em

Istambul, as manifestações de junho de 2013, no Brasil, etc. Em comum,

todos eles têm a pauta do direito à cidade (LEFEBVRE, 2015; HARVEY,

2012), a vontade de renovação das formas de sociabilidade características

do espaço da cidade, de modo a propiciar um estilo de vida urbano mais

solidário, equitativo, com completo usufruto dos lugares e plena fruição de

direitos, batendo de frente com a lógica neoliberal privatizante, que se

tornou hegemônica nas cidades em âmbito global e que no Rio de Janeiro

se materializa na realização de megaeventos esportivos.

Na medida em que, com o fim do ciclo de megaeventos, a cidade do

Rio de Janeiro caminha para uma consolidação de seu status de exceção,

ela, simultaneamente, se consolida como espaço de esperança e de

resistência, pelo aprofundamento das desigualdades e contradições do

modelo de gestão urbana em vigor somado à tradição de pluralidade e

efervescência política característica da capital fluminense. Apesar de terem

sofrido uma brutal mudança de rota, tendo sido apropriadas por interesses

dos agentes mais conservadores de nossa sociedade, as jornadas de junho

representam o início do esgotamento deste modelo.

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Capítulo 2: Megaeventos esportivos: o modelo de negócios a serviço da cidade de exceção No primeiro capítulo, expus a discussão sobre o processo de

mercantilização da vida pela qual as cidades do mundo todo vêm passando.

Este é um processo global, inerente à expansão do capitalismo, que hoje

tem a urbanização como principal vetor. Entretanto, mesmo este sendo um

processo pelo qual metrópoles de todo o globo passam, cada caso tem

especificidades que contribuem para a aceleração ou aprofundamento destes

processos que não podem ser ignoradas.

As estratégias para levar a cabo o processo de neoliberalização

diferem de cidade para cidade. O discurso da necessidade de modernização

pode se articular aos mais diversos argumentos. O foco deste trabalho é o

caso específico da cidade do Rio de Janeiro e, conforme dito anteriormente,

a narrativa da produção da cidade de exceção (VAINER, 2016) carioca está

intimamente relacionada com a sua saga pelo direito de sediar megaeventos

esportivos.

Cronologicamente, ambos os processos datam dos anos 90, com a

eleição de Cesar Maia ao cargo de prefeito e a primeira candidatura da

cidade à sede olímpica, para os Jogos Olímpicos de 2004, e atingem seu

momento mais crítico com a realização dos Jogos Olímpicos de 2016, sob a

égide do Prefeito Eduardo Paes, e de uma coalizão de agentes privados.

Porém, o que representam para a realidade urbana estes grandes

eventos? Quais os princípios, valores e interesses por trás da Copa do

Mundo e dos Jogos Olímpicos? Quais são as engrenagens que fazem esta

grande máquina seguir rodando? Estas são algumas das questões que serão

exploradas nesta parte, a partir das categorias de análise apresentadas no

primeiro capítulo – direito à cidade versus cidade de exceção –.

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2.1: Do amadorismo ao grande negócio: a comodificação do esporte O esporte pode ser considerado uma das tradições humanas mais

antigas. Segundo estudos, a primeira edição Jogos Olímpicos da

Antiguidade data de 776 a.C., na Grécia Antiga. Desde então, a prática

esportiva e os grandes eventos passaram por uma série de profundas

transformações em seu modus operandi, porém sempre marcados por uma

forte carga de simbolismo. A celebração de corpos em movimento, e união

dos povos marcada pelo encontro fraterno de atletas das mais diversas

nacionalidades e culturas, a premiação dos campeões são alguns, retratados

nas cenas das competições ou nas imagens das grandiosas cerimônias de

abertura e encerramento, são alguns dos elementos que até hoje sustentam a

realização dos Jogos Olímpicos. 18

Foi com base nestes princípios que, na década de 1890, na Europa, o

Barão de Coubertin liderou o movimento pela retomada dos Jogos

Olímpicos, disputados pela última vez no século IV d.C. Naquele momento,

o esporte era visto como um privilégio das elites europeias, principalmente

pelo fato de ainda não haver remuneração financeira para tais práticas, o

que pressupõe dizer que todos os atletas dispostos a disputar as Olimpíadas

tivessem bens para se sustentar. Tratava-se, portanto, de um entretenimento

com fim em si próprio, uma prática desinteressada e despolitizada, voltada

para a recreação da aristocracia (OLIVEIRA, 2014).

Durante muito tempo, na contramão do aumento da popularidade dos

Jogos, que, consequentemente, despertava o interesse de potenciais

patrocinadores e parceiros econômicos, o discurso do desinteresse

comercial foi proferido com veemência pelo Comitê Olímpico

                                                                                                               18 A questão sobre a forma como estes elementos são instrumentalizados por interesses privados será explorada mais a frente.

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Internacional, autoridade máxima do “Movimento Olímpico” 19, em um

primeiro momento. Apesar de, desde a sua primeira edição depois da

retomada, em Atenas, no ano de 1896, já haverem anúncios publicitários

promovendo o evento, o texto da Carta Olímpica daquele ano proibia

qualquer tipo de publicidade nos locais de competição. Apenas com a

primeira transmissão ao vivo das competições, em Roma, 1960, que as

regras de proteção aos direitos televisivos e de exploração da marca

olímpica começam a engatinhar.

Na década de 1970, com uma nova crise monetária internacional

assolando o globo, em função da queda do preço do petróleo, o capitalismo

se viu mais uma vez na necessidade de encontrar novas formas de se

investir os excedentes de produção, de modo a superar tal situação

(HARVEY, 2012). É neste contexto que a profissionalização esportiva

ganha força. O esporte passa então a ser visto como uma atividade geradora

de lucro, uma verdadeira commodity, passível de ser comercializada.

Não por coincidência, é neste momento de virada que sobem ao

poder das duas principais instituições esportivas do mundo – o Comitê

Olímpico Internacional (COI) e a Federação Internacional de Futebol

Associado (FIFA)20 – duas figuras responsáveis pela transformação do

esporte em uma das atividades mais rentáveis e lucrativas do mundo.

Em 1974, assume a presidência da FIFA o brasileiro João

Havelange, com a proposta de tornar o futebol uma mercadoria capaz de

circular no mercado global. Associado ao empresário alemão Horst Dassler,

dono da marca de artigos esportivos Adidas e da empresa de marketing

internacional International Sport and Leisure (ISL), responsável por

comercializar os direitos televisivos da Copa do Mundo e das Olimpíadas,

Havelange empreendeu uma jornada – bem sucedida – em busca de ampliar                                                                                                                19 Ver o texto da Carta Olímpica em: https://stillmed.olympic.org/Documents/olympic_charter_en.pdf. (Acessado pela última vez em 06/12/2016) Trata-se de um conjunto de regras, normas e estatutos que norteiam a realização dos Jogos Olímpicos. Ao longo da história assumiu vários formatos e nomenclaturas. Foi atualizada pela última vez no ano de 2013. 20 Instituição que também assina a Carta Olímpica.  

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ao máximo o poder de alcance do futebol. Entre 1974 e 1998, período em

que presidiu a instituição, a FIFA admitiu mais de 60 novas federações-

membras. Hoje, são 209 federações de futebol associadas, número superior

ao de países-membros da ONU (193).21 Se em 1974 a Copa do Mundo era

disputada por 16 seleções, sendo a maioria delas europeias e americanas, a

partir de 1998, ano em que Havelange deixou a presidência, o número subiu

para 32, contando com representatividade maior para as seleções africanas,

asiáticas e da Oceania.

Já em 1980, quem assume o poder no COI é o espanhol Juan

Saramanch, com um projeto de marketing global igualmente ousado e

globalizante, porém divergente em alguns pontos do da FIFA. O

marqueteiro britânico Michael Payne foi o responsável pela elaboração do

novo programa de marketing que veio a tornar os Jogos Olímpicos uma das

marcas mais valiosas do mundo. Horst Dassler também foi importante na

guinada do COI em busca de valorização. Com o auxílio destes dois nomes,

Saramanch realizou mudanças significativas no que diz respeito às

transmissões de TV dos Jogos Olímpicos, assumindo diretamente o controle

das negociações dos contratos, que até então eram feita pelo Comitê

Organizador dos Jogos Olímpicos (Cojo) 22. Além disso, através da ISL, de

Dassler, Saramanch criou o programa The Olympic Partners (TOP), que

estabeleceu a exclusividade de exploração por categoria de bem ou serviço

para parceiros específicos do COI. Importante dizer aqui que a

exclusividade é um dos pontos cruciais para entender o funcionamento do

modelo de negócios que se tornaram os megaeventos esportivos nos dias de

hoje.

Os números comprovam a capacidade tanto da Copa do Mundo de

futebol quanto dos Jogos Olímpicos de mobilizar olhares, corpos e almas ao

redor do mundo. De acordo com balanço feito pela FIFA sobre a Copa de

2014, mais de 3,2 bilhões de pessoas assistiram ao torneio no mundo todo.                                                                                                                21 Ver: https://nacoesunidas.org/conheca/paises-membros/. (Acessado pela última vez em 06/12/2016) 22 Para cada edição, um novo Cojo é formado por autoridades locais das sedes.

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A partida final, entre Argentina e Alemanha, realizada no Maracanã

superou a marca de 1 bilhão de telespectadores, estabelecendo um novo

recorde de audiência para as decisões do campeonato.23 Já o COI, registrou

números ainda mais significativos para os Jogos Olímpicos do Rio de 2016.

Segundo a entidade, 3,5 bilhões de pessoas – cerca de metade da população

do planeta – assistiram a pelo menos um minuto de transmissão do evento.

A cerimônia de abertura, apesar de não alcançar o recorde de 1 bilhão de

telespectadores da de Pequim, em 2008, foi assistida pelo significativo

número de 342 milhões de pessoas.

Não há dúvidas que o fato de estarem associados aos elementos

passionais e imateriais do esporte credenciam FIFA e COI a serem marcas

tão valiosas e disputadas por empresas que desejam ter seus nomes

associados a eles e também por cidades e países que almejam sediar seus

eventos. Porém é importante frisar que sem uma estratégia de marketing

globalizante e ambiciosa como as de Havelange, Saramanch e seus

parceiros, a prática esportiva não alcançaria a capacidade de mobilização

que tem atualmente e que lhe confere tanto valor publicitário e econômico.

2.2: Megaeventos esportivos e a reprodução da cidade de exceção Na última seção, foi possível entender a razão pela qual algumas das

empresas mais poderosas do mundo desejarem ter suas marcas associadas a

megaeventos esportivos tais como a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

Porém, o que tem isso a ver com as cidades? O que faz com que

governantes de todas as partes do mundo disputem com tanto afinco o

direito de sediar estes eventos? Dada a capacidade que eles apresentam de                                                                                                                23 Fonte: http://revistaplacar.uol.com.br/noticias/copa-do-mundo/copa-de-2014-teve-32-bilhoes-de-espectadores.phtml#.WD2qDhIrLwd. (Acessado pela última vez em 06/12/2016)  

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mobilizar investimentos pesados de capital, a resposta parece óbvia, porém

seus impactos na vida cotidiana das populações das cidades por onde eles

passam são bastante complexos.

Se em tempos passados a razão de ser de grandes eventos esportivos

era a celebração dos valores imateriais do esporte, hoje em dia é o modelo

de negócios – ainda que escorados nestes valores – que estes eventos

representam. Já falamos de diversos agentes e interesses envolvidos neste

modelo: a FIFA e o COI, interessados em valorizar e ampliar o alcance de

suas marcas; as empresas privadas que vendem produtos com exclusividade

nos eventos realizados pelas instituições; os grandes veículos de mídia,

movidos pelos direitos de transmissão exclusiva dos eventos. Porém, para

que os planos destes agentes possam ser postos em práticas, falta uma peça

chave na engrenagem desta grande máquina: espaço, no sentido físico da

palavra.

Ao falarmos das organizações esportivas que promovem estes

eventos, estamos falando de instituições poderosíssimas, com capacidade de

influenciar fluxos de capital, bens e serviços no mundo inteiro, porém que

carecem de um território onde possam agir de maneira soberana. É com esta

valiosa mercadoria – o espaço – que as cidades e países que sediam estes

eventos entram no negócio24.

2.2.1: A legitimação discursiva da exceção: a retórica do legado

Motivados pela capacidade de movimentação de capital e pelos

grandes investimentos que estes eventos atraem e legitimados pela retórica

do legado que promete benefícios para toda a população das sedes,

governantes do mundo todo disputam acirradamente pelo direito de

                                                                                                               24    Negócio  aqui  com  sentido  de  business.  

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hospedá-los. Receber uma Copa do Mundo ou uma Olimpíada configura

uma rara oportunidade de exposição da cidade para investidores externos,

em busca de um local para materializá-los em grandes projetos e

intervenções no espaço urbano. Nas palavras do próprio prefeito do Rio de

Janeiro Eduardo Paes, sediar um megaeventos “é a oportunidade que você

tem de vender o seu país”25. Como vimos no capítulo anterior, esta é a

lógica de funcionamento da cidade neoliberal em um capitalismo cada vez

mais dependente da urbanização para a alocação dos excedentes de

produção (HARVEY, 2012).

O papel que o discurso da produção de legados deixados por

megaeventos esportivos é de suma importância para legitimar os processos

de candidatura das cidades e países que adotam esta estratégia

desenvolvimentista. Através dele, as autoridades convencem a opinião

pública de que os benefícios trazidos superarão os custos, criando assim um

ambiente de forte apelo e comoção em torno da candidatura.

Tais legados podem ser divididos em dois grupos: os legados

tangíveis e os intangíveis. Como legados tangíveis, podemos apontar os

resultados práticos dos grandes investimentos, materializados em

intervenções urbanas, feitos na cidade durante a preparação para os

megaeventos e que ficam para a posterioridade, como melhorias nas redes

de transporte, modernização de áreas inteiras da cidade, geração de

empregos, etc. Já os legados intangíveis são aqueles ligados a questões

abstratas, como a propagação de uma imagem positiva da sede no mundo, o

fortalecimento do senso de identidade e pertencimento ao país ou cidade, o

incentivo à práticas esportivas, etc. (OLIVEIRA, 2016).

Porém, o que se observa na prática é bem diferente. Sustentados pelo

discurso do legado, a coalizão de poderes locais que governa a cidade de

exceção (VAINER, 2016) neoliberal enxerga na realização de megaeventos

esportivos argumentos fortíssimos para pôr projetos que refletem seus                                                                                                                25 Fonte: TV Folha. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KxPlHIqUfkc. (Acessado pela última vez em 06/12/2016)

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interesses, e que aprofundam a desigualdade urbana. Há ainda o agravante

do sentido de urgência que os megaeventos conferem a estes projetos, uma

vez que há a pressão pelo cumprimento dos prazos de entrega das obras

para a realização dos megaeventos. 26

O legado como ferramenta discursiva faz a ponte para que o modelo

de negócios dos grandes eventos esportivos aprofunde a lógica da exceção

urbana. Ele conecta a urgência de se vender para o mundo a imagem de

uma cidade pacífica, limpa e atraente aos investidores, com as demandas

das organizações que promovem os megaeventos e seus parceiros

comerciais. Nas palavras da professora de Planejamento Urbano Nelma

Gusmão de Oliveira (2016):

A realização de projetos que, visando interesses de elites, ignoram as necessidades da maioria da população, não encontraria espaço para a sua concretização, muito menos em tão curto espaço de tempo sem um discurso legitimador. O discurso do legado, cujos resultados e relação direta com a realização do evento são sempre muito difíceis de mensurar, se adequa perfeitamente a esse fim. (OLIVEIRA, 2016)

Com o caminho aberto por este discurso legitimador, a exceção é

institucionalizada na cidade, através de políticas de criminalização da

pobreza, especulação imobiliária, transferência de recursos públicos à

iniciativa privada, remoções e etc., sempre de modo a atender os interesses

das elites que governam a cidade de exceção, em detrimento das

necessidades da maior parte de sua população (VAINER, 2016;

OLIVEIRA, 2016).

 

2.2.2: A institucionalização da exceção como regra

                                                                                                               26 A partir do terceiro capítulo, este movimento será ilustrado pelo caso da privatização do Maracanã.

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Que o discurso do legado tem papel crucial na implementação de

políticas de exceção é um fato. Porém como, em termos práticos, tais

políticas tomam forma? Podemos encontrar uma boa forma de responder

esta pergunta olhando para o exemplo da Lei Geral da Copa. Conforme dito

no primeiro capítulo deste trabalho, na cidade de exceção a lei vem

legalizar o desrespeito à lei (VAINER, 2016), e a Lei Geral da Copa (LGC),

nº 12.663/201227 retrata de forma clara este movimento.

De modo a adequar não apenas os estádios onde as partidas do

mundial seriam disputadas, mas também seus arredores e outras áreas das

cidades-sede aos padrões FIFA, o governo brasileiro e a entidade máxima

do futebol, em conjunto, definiram os moldes desta lei. Tal acordo teve

como consequência a suspensão da vigência de diversas normas

constitucionais (MAIOR, 2014).

A criação de zonas de exclusividade nos entornos dos estádios e das

chamadas Fan Fest28, prevista no artigo 11º, ilustra esta situação. A Lei

Geral da Copa estabeleceu que, em uma área que abrange o perímetro de

dois quilômetros ao redor das arenas, apenas a FIFA e seus parceiros

poderiam realizar atividades de fim comercial, determinando inclusive o

fechamento de estabelecimentos já existentes. Trata-se, portanto, de uma

área da cidade pública que, provisoriamente, passa a ser inteiramente

administrada por agentes privados.

A Lei Geral da Copa também institucionaliza, através do artigo 21º,

a obrigação da União a indenizar a FIFA por qualquer lesão que ela venha a

sofrer, como por exemplo, a realização de atividades comerciais de agentes

que não sejam parceiros oficiais da organizadora do torneio nas zonas de

exclusividade.

                                                                                                               27 Disponível em: http://www.copa2014.rs.gov.br/conteudo/1200/lei-geral-da-copa. (Acessado pela última vez em 06/12/2016) 28 As Fan Fests são eventos oficiais da Copa do Mundo, organizados e custeados pelas cidades-sede, para que aqueles que não conseguiram ingressos para assistir às partidas in loco possam acompanhá-las em um telão, com shows e festas nos intervalos.

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Seguindo os moldes da Lei Geral da Copa, os Jogos Olímpicos

também dispuseram de uma jurisdição específica para o período de sua

realização. E da mesma forma que sua antecessora, a Lei Geral das

Olimpíadas, nº 13.28429, também representou a relativização e violação de

alguns direito fundamentais e socais consagrados. Além de também criar

zonas de exclusividade para as atividades comerciais do COI e seus

parceiros ocorram sem concorrência, tal lei representa um grande retrocesso

no que diz respeito ao direito de manifestação, garantido no artigo 5º da

Constituição Federal de 1988. O artigo 28º da lei olímpica veta o uso de

qualquer tipo de bandeiras ou cartazes para qualquer outra finalidade que

não seja a manifestação festiva e amigável.

A Lei Geral da Copa e a Lei Geral das Olimpíadas representam o

caso mais caricato de funcionamento da lógica da exceção urbana, porque a

criação delas configura o desrespeito legal à própria Constituição Federal

de 1988, porém o caráter de urgência dos megaeventos esportivos fazem

com que ela se estenda para muito além destas duas leis. Segundo Vainer

(2016):

No caso do Rio de Janeiro, que inspira esta comunicação, as formas de ilegalidade e da exceção aparecem por toda parte e se multiplicam em virtude da nova emergência: a Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Assim, por exemplo, embora o Estatuto da Cidade tenha determinado que todas as cidades deveriam aprovar seus novos Planos Diretores até julho de 2008, somente em dezembro de 2010 isso aconteceu. A Prefeitura e a Câmara Municipal irmanam-se para produzir toda uma nova e generosa (com o grande capital) legislação de isenções e favores fiscais e urbanísticos, transformando a exceção urbanística em regra. (VAINER, 2016)

O direito fundamental à moradia é constantemente violado através

da política de remoções empreendida pela prefeitura visando abrir espaço                                                                                                                29 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13284.htm. (Acessado pela última vez em 06/12/2016)

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para as obras. O direito à liberdade de expressão é violado com a proibição

de manifestações políticas contrárias à realização dos jogos. Diversos casos

poderiam ser citados, porém para os fins deste trabalho, irei me aprofundar

em um caso específico de ilegalidade que a lógica de exceção, catalisada

pela realização de megaeventos esportivos, produz. Trata-se da

relativização do tombamento do Maracanã e das tantas rupturas sociais,

econômicas, culturais urbanísticas, arquitetônicas e políticas que ele

representa, conforme será exposto no próximo capítulo

   

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Capítulo 3: A Metamorfose do Maracanã: de templo das massas à centro de consumo

“Portanto, é claro que é triste: as torcidas de futebol talvez ainda sejam capazes de criar um novo ambiente que seja eletrizante, mas jamais poderão recriar o antigo, que exigia vastos números e um contexto no qual esses números pudessem se unir num único e imenso corpo reagente. (…) Os grandes clubes parecem ter se cansado de suas torcidas, e sob certo aspecto, quem pode culpá-los? (…) as famílias de classe média — o novo público alvo — não só irão se comportar bem, como pagar muito mais para fazê-lo.” (HORNBY, 2000)

“O Maraca é nosso”. O grito entoado com orgulho pelas torcidas dos

principais clubes de futebol do Rio de Janeiro ao longo das últimas décadas

há de ser ressignificado. Consolidado não apenas como cartão posta, o

Estádio do Maracanã, desde sua construção, desempenha papel de grande

importância nas dinâmicas da vida cotidiana dos cidadãos cariocas, tendo

desempenhado papel de local de encontros, festas e manifestações

populares, abrigando momentos de enorme tristeza ou alegria coletiva, em

uma cidade que tem a diversidade como característica marcante. No

entanto, após a série de mudanças em sua estrutura arquitetônica, que

chegou ao seu ponto mais crucial com a reforma para a adequação do

estádio para a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de

2016, este espaço viu sua relação com a cidade e com os cidadãos ser

alterado profundamente.

Neste capítulo, procura-se compreender o estádio de futebol como

microcosmo da reprodução social da cidade. A partir da observação e

análise de acontecimentos que tomam lugar dentro deste espaço micro, é

possível compreender dinâmicas macro que regem as dinâmicas urbanas,

como é o processo de mercantilização da vida cidadã nas cidades.

No caso específico a ser analisado aqui, tomarei a metamorfose do

estádio do Maracanã – de local de encontro da diversidade e manifestação

de cultura popular em polo de consumo e de celebração da cultura do

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espetáculo –, desde sua construção até os dias atuais, como reflexo do

fortalecimento da concepção urbanística neoliberal da cidade de exceção

(VAINER, 2016) no Rio de Janeiro, que data do início da década de 90. Ou

seja, aqui, entendemos o Maracanã como um espaço de fricção entre as

agendas do direito à cidade (LEFEBVRE, 2015; HARVEY, 2012) e da

cidade de exceção (VAINER, 2016).

Há, portanto, um foco na relação entre duas dimensões do espaço:

aquele construído como estrutura física e aquele construído como estrutura

simbólica, palco de relações sociais particulares. A mudança na dimensão

arquitetônica do Maracanã acompanhou uma transformação de seu

significado e de sua relação com a cidade e com os cidadãos do Rio de

Janeiro. Deste modo, faz-se necessário compreender como as sucessivas

reformas do equipamento em questão impactam nos processos de

construção de memória coletiva e identidade ligados a ele.

O modelo de estádio que se impõe atualmente no Rio de Janeiro e

em diversos lugares do globo está inserido na lógica da mercantilização do

espaço urbano, que bate de frente com a agenda do direito à cidade

(LEFEBVRE, 2015; HARVEY, 2012). Em outras palavras, quero dizer que

a reforma do Maracanã ilustra com clareza o processo urbano

contemporâneo – neoliberal e privatizante –, privilegiando as relações de

troca em detrimento à lógica da apropriação dos espaços da cidade pelos

cidadãos para a reprodução da vida com base nas suas demandas e desejos,

sejam eles relacionados à sobrevivência material ou ao lazer e

entretenimento (MASCARENHAS, 2015). Utilizando o vocabulário

marxista do qual fazem uso diversos autores (sendo Harvey e Lefebvre os

mais relevantes) para pensar as relações sociais no espaço urbano, podemos

dizer que, nos dias de hoje, o valor de troca do Maracanã se sobrepôs ao seu

valor de uso, assim como o que ocorre em diversos locais da cidade de

exceção (VAINER, 2016) neoliberal. 30

                                                                                                               30 Nas palavras do professor Orlando Santos Junior: “Marx tem uma concepção dialética e relacional de valor, ou seja, para ele não existiria uma definição

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Deste modo, a partir de uma análise histórica, buscarei mostrar como

a forma de se pensar, viver e administrar a cidade do Rio de Janeiro

caminha lado a lado com o papel exercido pelo Maracanã no imaginário e

na vida cotidiana do carioca. Alguns períodos devem ser destacados ao

longo dessa cronologia e dedicarei atenção especial à reforma mais recente

(2010-2013), que tem relação direta com a realização de megaeventos

esportivos na capital fluminense, e seus impactos nas formas de

sociabilidade características da cidade. A linha do tempo será dividida em

dois períodos principais:

1. De 1948 até 1999: período que abarca o momento da

construção do estádio e do complexo esportivo e as

                                                                                                                                                                                                                                                                                                               absoluta do que sejam valor de uso e valor de troca, mas cada um desses conceitos estaria relacionado ao outro, a partir de situações e circunstâncias concretas. O valor de uso estaria relacionado ao processo de consumo, vinculado às necessidades para a nossa existência, para nossa reprodução social. Por exemplo, uma camisa tem valor de uso para quem a usa, como vestimenta. Ou ainda, se alguém tem uma bicicleta parair a trabalho, sua bicicleta tem, para ele, um valor de uso relacionado à sua mobilidade. O mesmo vale para os demais bens que utilizamos e consumimos na nossa vida (na nossa reprodução social): geladeiras, televisões, sapatos, casas, etc. Todos os bens que consumimos para a nossa existência têm valor de uso. O valor de troca é uma relação quantitativa, ou seja, a proporção pela qual se podem trocar valores de uso. Por exemplo, quantas camisas são necessárias para trocar por um sapato ou vice-versa. A criação de valores de troca está vinculada ao processo de produção de mercadorias que possam ser usadas e consumidas pelos seres humanos. E esse processo de produção de mercadorias envolve a aplicação de trabalho socialmente necessário sobre algum objeto da natureza para criar objetos úteis para a reprodução social (por exemplo, para produzir uma mesa, eu preciso aplicar determinada quantidade de tempo de trabalho sobre a madeira). Como é possível perceber, Marx relaciona o valor de troca e o valor de uso. O que interessa é o fato de uma mercadoria ter, ao mesmo tempo, valor de uso e valor de troca. Só que quando uma mercadoria tem valor de uso para alguém, ela não tem valor de troca para essa mesma pessoa (pois ela usa essa mercadoria para viver, para se reproduzir socialmente e não para trocar por outras mercadorias); e, ao contrário, quando determinada mercadoria tem valor de troca para seu possuidor, ela não tem valor de uso para o mesmo (ele possui a mercadoria com o objetivo de trocá-la por outra). Vejamos: se alguém faz camisas para vender (e assim poder, com o dinheiro adquirido, comprar comida, roupas, eletrodomésticos, etc), para ele essas camisas têm valor de troca. Mas elas só vão ter valor de troca se efetivamente elas tiverem valor de uso para quem vai comprá-las (pois, caso contrário, o produtor dessas camisas não vai conseguir vendê-las).” (JUNIOR, 2011)  

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diversas discussões envolvendo o projeto original, e em

que o Maracanã se consolida como relevante espaço de

encontro e festividade na vida cotidiana da população

carioca. Neste período, entende-se o estádio como espaço

de exercício do direito à cidade (LEFEBVRE, 2015;

HARVEY, 2012).

2. De 1999 até os dias de hoje: período em que, no embalo da

nova concepção de cidade que chega ao Rio de Janeiro na

década de 90, se inicia a série de reformas no equipamento

e que irá atingir seu momento mais crítico na preparação

para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de

2016. Neste momento, o estádio passa a ser apropriado

para reprodução da cidade de exceção (VAINER, 2016).

3.1 Período 1948 – 1999: O Maracanã apropriado pelas massas para o exercício do Direito à Cidade As polêmicas envolvendo o Maracanã não são exclusivas do tempo

presente. Desde antes de sua construção, o projeto inicial já mobilizava

discussões acaloradas. À época, sob a presidência de Eurico Gaspar Dutra

(1946-1951), o Brasil celebrava o direito de sediar a Copa do Mundo de

Futebol de 1950, a primeira após um intervalo de doze anos desencadeado

pela Segunda Guerra Mundial. No pós-Guerra, tal oportunidade

representava para o Estado brasileiro a possibilidade de exibir a sua força

política e a pujança de sua economia emergente, de modo a cavar um lugar

ao Sol no sistema internacional.

Com este intuito, ganhou força a ideia de erguer no Rio de Janeiro,

então capital do país, aquele que viria a ser o maior estádio de futebol do

mundo. A construção no curto período de tempo (iniciada apenas dois anos

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antes da abertura do campeonato) refletiria a modernização brasileira e

sobretudo os avanços das técnica e tecnologias de arquitetura e engenharia.

Neste momento, surge o primeiro grande debate envolvendo o estádio.

Discordantes da visão de que tal construção pudesse de fato ter impactos

positivos questionavam a validade de se investir recursos públicos em algo

tão supérfluo para uma população ainda carente de serviços de saúde e

saúde de qualidade (BIENENSTEIN, NIN e SANTOS, 2016).

Como sabemos, prevaleceu o lado favorável à construção. Superada

esta discussão, surgiu então a polêmica envolvendo o projeto do estádio e o

local onde ele seria erguido. Duas propostas de dois vereadores udenistas

ganharam maior notoriedade e polarizaram o debate dentro do parlamento e

na opinião pública. Carlos Lacerda, opositor do prefeito Ângelo Mendes de

Morais, defendia que o equipamento fosse edificado no longínquo bairro de

Jacarepaguá, na Zona Oeste 31, enquanto Ary Barroso, famoso radialista

esportivo carioca, argumentava que este ficasse localizado na região central

da cidade (HOLANDA, 2014).

Em 1977, Lacerda publicou um livro depoimento em que explicita

sua posição quanto ao caso, ocorrido três décadas antes:

Sobre o Maracanã, que foi feito contra a minha vontade, há uma boa história para contar. Quando eu era vereador, cismaram de fazer o estádio no Maracanã e sugeri que fizessem junto da Lagoa de Jacarepaguá, lá na Barra da Tijuca. Primeiro, porque era visível que a cidade ia crescer para aquele lado; segundo, porque havia um projeto, desde o tempo em que Napoleão Alencastro foi diretor da Central, de fazer um ramal eletrificado de 12 km, ligando Madureira ao Leblon. Você ligava a cidade por trás e, com o campeonato mundial de futebol, seria muito fácil convencer o Governo Federal a construir logo aquele ramal. (LACERDA, 1977)

                                                                                                               31    A expansão da malha urbana na direção da Zona Oeste era um projeto antigo de Lacerda. Como governador do Estado da Guanabra (1960-1965), ele ficou marcado pela chamada segunda onda de remoções do Rio de Janeiro. Com um argumento higienista, seu objetivo era apagar as favelas da paisagem da Zona Sul, levando seus moradores para as periferias da Zona Oeste, pouco explorada até então.    

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As discussões se seguiram até que a Prefeitura do Rio tomasse a

decisão de seguir a proposta de Barroso. Um fator decisivo para isto foi a

questão do acesso ao estádio por parte da população. O local escolhido para

a construção, na Zona Norte, era considerado um ponto equidistante entre o

subúrbio, o Centro e a Zona Sul, sendo margeado por duas grandes vias – a

Radial Oeste e a Avenida Maracanã – e alimentado pela linha ferroviária da

Central do Brasil. Por esta questão, podemos, então, que desde a concepção

original de seu projeto, o Maracanã já carregava a missão de ser um espaço

democrático, de confluência social, acessível para toda a população,

independente da região da cidade onde se mora.

Foi então realizado um concurso para definir a equipe de arquitetos e

engenheiros responsável pela obra. Seis projetos chegaram à final, sendo

um deles elaborado por Oscar Niemeyer, que, apesar de àquela época ainda

não ter atingido o status de principal nome da arquitetura brasileira, já se

firmava como um dos principais nomes da área. Sua proposta, tidapela

vanguarda modernista arquitetônica como a mais ousada, previa a

construção de um estádio olímpico para 130 mil pessoas, com um enorme

arco que passaria por cima das arquibancadas, inspirado na obra de Le

Corbusier do Palácio dos Sovietes, em Moscou. Ela, no entanto, foi

derrotada pela dos arquitetos Rafael Galvão, Orlando da Silva, Pedro

Bernardo Bastos, Antônio Dias Carneiro, Miguel Feldman e Waldir Ramos.

Em 1948, foi iniciada a construção Estádio Municipal do Rio de

Janeiro 32 , batizado popularmente de Maracanã pela região onde está

localizado, em formato elipsoide, com capacidade para 150.000 pessoas33

(distribuídas em: 87.000 nas arquibancadas, 30.000 nas cadeiras especiais;

500 na tribuna, 2.000 convidados especiais e o restante em pé no setor que

viria a ser conhecido popularmente como geral). Dois anos depois, em                                                                                                                32 Anos depois, o estádio mudaria de nome para Estádio Jornalista Mário Filho, em homenagem ao radialista, irmão de Nelson Rodrigues, importante nome na popularização do futebol e na construção do Maracanã. 33 Por diversas vezes, a capacidade foi extrapolada, tendo atingido o recorde de cerca de 200.000 pessoas na partida final da Copa de 1950, entre Brasil e Uruguai.

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1950, a obra do estádio estava concluída. Os outros equipamentos previstos

no projeto – piscinas com arquibancadas para 25.000 pessoas, um tanque

para saltos ornamentais, um ginásio poliesportivo com capacidade para

25.000 pessoas, um estádio de atletismo e um parque de recreação infantil

para 500 crianças – só vieram a ser entregues em 1965.34

Na capital da república, o maior estádio de futebol do mundo àquele

momento seria então o maior símbolo da pujança econômica de um país

disposto a superar o status de periferia do capitalismo. E a repercussão

internacional da Copa contribuiu para isso. Um exemplo clássico da

chamada “diplomacia da bola”. Através do evento, o Estado brasileiro

exibia suas virtudes para o mundo. Uma grande festa, em que o Maracanã

era a cereja do bolo.

A final do torneio, com a derrota da Seleção Brasileira contra o

Uruguai em um Maracanã abarrotado por cerca de 200.000 pessoas, entrou

para o imaginário popular como uma espécie de morte coletiva da nação.

Apesar da Copa ter cumprido seu papel estratégico para com o Estado, o

episódio – batizado popularmente de “Maracanazo” – se tornou um trauma

até hoje não superado.

Nas décadas seguintes, o Maracanã se consolidou como espaço

público e, sobretudo, democrático. De acordo com as palavras da geógrafa

Ana Fani Alessandri Carlos:

O espaço público, por sua vez, tem uma multiplicidade de sentidos para a sociedade, em função da cultura, dos hábitos e dos costumes, que não pode ser negligenciado. Nesse caminho, é substancialmente, troca social, movimento, e relaciona-se, portanto, à atividade plena do indivíduo, que, pela relação com o outro, é definidora de seus destino. Lugar onde se realiza um tipo de troca de conteúdo social diferente daquela que dá conteúdo ao espaço privado (...), o espaço público expõe tensões, ambiguidades, conflitos. Diferenciando-se do nível do

                                                                                                               34 O projeto ainda abrangia, além das instalações citadas, uma quadra de basquete descoberta com arquibancadas com capacidade para 10.000 pessoas, um stand de tiros e uma concha acústica, que nunca foram construídos.    

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privado, contempla a possibilidade do acaso e do inesperado, sendo também o lugar de festa e dos referenciais constituidores da identidade. Em sua dimensão política, não negligenciável, contempla a esfera pública. (CARLOS, 2011)

Ao longo de sua história, podemos ver que o Maracanã se encaixa na

descrição de Carlos. Apropriado pela massas de torcedores dos tradicionais

clubes cariocas, tornou-se espaço de congraçamento coletivo e festas que

encerram elementos que estão no seio do que podemos considerar uma

cultura popular brasileira, como o futebol, obviamente, mas também o

samba e o carnaval.

Tal movimento se torna mais nítido se olharmos para a trajetória das

torcidas organizadas. Surgidas nos anos 40, eram elas as responsáveis por

comandar os movimentos, cantos e coreografias nas arquibancadas. No

Maracanã, elas encontraram um novo espaço, muito mais amplo que as

outras praças esportivas existentes até então e com extrema facilidade para

movimentação, para elevar tais manifestações a outro patamar. Surgidas

nos anos 40, quando o principal adereço para se manifestar dentro do

estádio eram os lenços, as torcidas organizadas protagonizaram um

processo de carnavalização do futebol no Brasil, com a introdução de

grandes bandeiras, baterias de samba e outros elementos característicos do

carnaval.

A partir dos anos 1960, este modelo festivo começa a tomar outras

formas. Reforçando a ideia de que o futebol é um espelho da sociedade e

que o estádio de futebol é um microcosmo das relações sociais urbanas,

surgem as chamadas Torcidas Jovens. No contexto da ditadura militar e da

insurgência estudantil, elas entram em cena com o intuito de instaurar

dissidências dentro daquele ambiente festivo, levando para dentro dele a

necessidade de protestar e manifestar insatisfação, seja com os jogadores,

seja com os dirigentes ou com questões relativas à situação social/política

do país.

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O que se assistiu nas décadas seguintes foi uma crescente

visibilidade destes grupos e um aumento vertiginoso em seu número de

adeptos. Eles passaram, então, a representar a realidade da violência urbana

dentro do mundo do futebol. O funk, ritmo dos morros, passou a dividir

espaço com o samba nas trilhas sonoras das arquibancadas e os confrontos

violentos envolvendo estas torcidas e a polícia passaram a ser cada vez mais

frequentes. Posteriormente, isto seria instrumentalizado pelas autoridades

governamentais e pelas forças do mercado para que se conduzisse um

processo de elitização e mercantilização do futebol com base em um

discurso que criminalizava as torcidas organizadas, alegando que, para

tornar o estádio um ambiente seguro seria preciso domesticar e reprimir tais

grupos. Mais a frente, me aprofundarei neste movimento.

No ano de 1983, se inicia uma série de tentativas de tombamento do

Maracanã, em função do valor cultural que este adquiriu para a população

brasileira. A primeira iniciativa partiu do Ministério da Educação e Cultura

(MEC), que propôs que fosse realizado o tombamento pelo Serviço do

Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (SPHAN). O secretário à época

argumentou que “o Maracanã é um símbolo sociológico marcante ao

pluralismo cultural brasileiro, sendo necessário preservar e salvar o palco

maior da alegria do povo” 35. Tal processo, no entanto, só teria desfecho no

ano de 2000, com o tombamento do estádio pelo IPHAN (antigo SPHAN).

Antes disso, foi necessário que acontecesse uma tragédia para que o

debate em torno da preservação do estádio ganhasse caráter de maior

urgência. Na final do Campeonato Brasileiro de 1992, disputada entre

Flamengo e Botafogo, o guarda-corpo da arquibancada onde ficavam os

torcedores rubro-negros cedeu, ocasionando na morte de três pessoas e mais

centenas de feridos que caíram na geral. 36 A partir deste episódio, uma

                                                                                                               35 Fonte: Jornal dos Sports, 24/09/1983. “MEC sugere o tombamento do Estádio Mario Filho”. 36 Ver: https://esportes.terra.com.br/botafogo/ha-20-anos-maracana-amargava-sua-real-e-maior-

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nova concepção de administração do espetáculo esportivo ganhou força e

viria a desembocar na última reforma do Maracanã. E é aqui que entramos

no segundo período de sua história.

3.2. Período 1999 – 2016: o fim do estádio popular e o surgimento da arena padrão FIFA

Conforme dito no primeiro capítulo, é justamente em meados dos

anos 90 que chega ao Rio de Janeiro, sob a égide do prefeito Cesar Maia,

uma nova concepção de cidade: a chamada cidade de exceção (VAINER,

2000). É a lógica da cidade-mercadoria e da cidade-empresa, que prioriza o

fortalecimento de polos de consumo e as relações sociais são pautadas pelo

valor-de-troca (JUNIOR, 2011), aquilo que é comercializado são

justamente o espaço e os bens urbanos.

Tal evento acontece paralelamente ao – e como consequência do –

fortalecimento do ideário neoliberal em âmbito global, conduzido sobretudo

pelas políticas privatizantes de Margareth Thatcher no Reino Unido e de

Ronald Reagan nos Estados Unidos. É natural pensar que este movimento

traria consequências para as políticas públicas para as cidades. E mais

natural ainda entender que, em uma cidade como o Rio de Janeiro, em que

o futebol é elemento de enorme importância na vida cotidiana das pessoas,

mobilizando milhões de corpos e mentes, que uma localidade de magnitude

e valor do Maracanã, que desde sua criação até o anos de 2013 sempre foi

administrado pelo poder público37, logo se tornasse alvo destas tendências.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                               tragedia,96a9045a408aa310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html. (Acessado pela última vez em 06/12/2016). 37 De 1950 a 1960, da Prefeitura do Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Em 1960, com a criação do Estado da Guanabara, esteve sob tutela da ADEG (Associação dos Estádios da Guanabara), e assim permaneceu até 1975, com a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, quando passou a ser

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Com o forte argumento da deterioração estádio, comprovado com o

acidente de 1992, a nova coalizão de poderes instituída na cidade vai

empreender uma série de tentativas de privatização do equipamento. Apesar

de apenas se consolidar em 2013, com a concessão de sua administração

para um consórcio formado por empresas privadas, antes disso o Maracanã

passou uma série de reformas que alteraram profundamente sua natureza e

as formas de sociabilidade características do estádio.

É importante dizer que, no que diz respeito à mudança na forma de

se administrar jogos de futebol, o Brasil também seguiu os passos dos

britânicos. Se podemos definir um marco inicial na jornada privatizante da

administração do esporte, ele ocorreu na Inglaterra. Mais precisamente em

Hillsborough, no ano de 1989. Na ocasião, em um jogo envolvendo as

tradicionais equipes do Liverpool e do Nottingham Forest, válido pela

semifinal da Copa da Inglaterra, por uma falha do policiamento e da

administração do evento, houve superlotação no setor onde os torcedores do

Liverpool se localizavam, ocasionando na queda do alambrado que

separava as torcidas do gramado. O saldo foi de 96 mortos, pisoteados e

asfixiados, e centenas de feridos. 38

A grande mídia inglesa e as autoridades atribuíram a

responsabilidade pela tragédia aos hooligans 39 , porém anos depois

investigações revelaram que houve falha no policiamento e descaso das

autoridades que comandavam o esporte no país com uma partida de

tamanha relevância. O episódio foi instrumentalizado de modo que a

Primeira Ministra Margareth Thatcher estendesse suas medidas neoliberais

para o mundo do futebol, através do chamado “Relatório Taylor”, que

deflagrou uma série de mudanças na forma de se administrar o futebol, com

                                                                                                                                                                                                                                                                                                               administrado pela SUDERJ (Superintendência dos Esportes do Rio de Janeiro). O período de administração da SUDERJ foi de 1975 até 2013. 38 Ver: https://mazoioluis.wordpress.com/tragedia-com-96-mortos-que-mudou-o-futebol-na-inglaterra-completa-20-anos/; https://esportes.terra.com.br/lance/entenda-o-que-foi-a-tragedia-de-hillsborough,c1c1e9b1cebf8ce71c1929c3e6dd698357r5uc2r.html. 39 Nome dado aos torcedores organizados na Inglaterra.

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consequências elitizantes nos estádios40 e uma intensificação no combate

aos hooligans.

De maneira análoga à tragédia de Hillsborough, o acidente na final

do Brasileirão de 1992 foi utilizado para inaugurar uma série de medidas de

domesticação do torcedor de futebol no Maracanã e em diversas outras

praças esportivas Brasil afora. Além de diversas tentativas de privatização

do estádio – o que só viria a se tornar uma realidade em 2013 – foram

realizadas reformas que alteraram profundamente a natureza arquitetônica,

simbólica e socioeconômica deste espaço.

A primeira investida veio em 1997, no contexto da candidatura da

cidade do Rio de Janeiro a sede dos Jogos Olímpicos de 2004, sob o

argumento de que a modernização do complexo era urgente, pois

representava riscos à população, como teria sido comprovado em 1992.

Porém, com forte reprovação da opinião pública, o projeto, que previa a

construção de um shopping center no lugar do Estádio de Atletismo Célio

de Barros e do Parque Aquático Julio Delamare – logo foi refutado, em

função da derrota carioca no pleito a sede olímpica.

Em 1999, com a decisão da FIFA de realizar o Mundial de Clubes de

2000 no Rio de Janeiro, em homenagem aos 50 anos do Maracanã, o

governador Anthony Garotinho lança, por meio da SUDERJ, uma proposta

de concessão do complexo esportivo com a promessa de gerar mais

conforto e segurança. O projeto envolvia construção de um grande centro

comercial e de entretenimento, com cinemas, teatros, restaurantes, lojas, um

centro de convenção e um museu. Entretanto, não surgiram empresas

dispostas a assumir a administração do estádio e esta entrou para a lista de

tentativas frustradas de privatização.

Foram realizadas apenas as mudanças exigidas pela FIFA para a

realização do torneio. Foram colocados assentos nas arquibancadas, que

                                                                                                               40 A principal delas foi a determinação pelo fim dos terraces - as arquibancadas de concreto, onde os torcedores pagavam preços populares para assistirem ao jogo em pé – e a colocação de cadeiras em seus lugares nos estádios que recebessem partidas oficiais dos principais torneios.

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passaram a ser divididas em verdes, amarelas e brancas41. As cabines de

imprensa foram reformadas e houve ainda a construção do Hall da Fama do

estádio e de novos camarotes no setor localizado na parte de cima das

arquibancadas. A partir de então, o Maracanã deixa de ser o maior estádio

do mundo em capacidade, abrigando 103.022 pessoas, ao invés das cerca de

200.000. O custo total da reforma foi de cerca de R$ 106 milhões.

Ainda em 2000, é, finalmente decretado pelo IPHAN (Instituto de

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, antigo SPHAN) o tombamento

do estádio do Maracanã, encerrando a discussão iniciada nos anos 80.

Nelson Goulart Reis, no parecer sobre o tombamento expõe que:

(...) poucas vezes a monumentalidade reúne qualidades simbólicas de caráter democrático. Em geral, as obras monumentais são afirmações de poder sobre o povo. Neste caso, ocorre o contrário. O Maracanã tem a monumentalidade da massa que o utiliza, a qual representa. Não deve ser descaracterizado. 42

No entanto, conforme vimos no primeiro capítulo, uma legislação como o

tombamento de uma estrutura não está livre de relativização dentro do regime de

exceção que impera na cidade neoliberal. Ainda mais, quando nela entram em

cena os megaeventos. Mesmo após o decreto, o Maracanã seguiu sofrendo

sucessivas intervenções, que geraram transformações ainda mais profundas em

sua natureza do que as feitas antes do tombamento. Portanto, os rompimentos nas

formas de sociabilidade características do estádio que viemos analisando ao longo

deste capitulo não se limitam a uma perspectiva sociocultural, mas também

jurídico-legal (BIENENTSTEIN, MESENTIER, et al., 2014), conforme consta no

artigo 17 do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, ainda em vigor, sobre

os efeitos do tombamento:

                                                                                                               41 Sem distinção de preço entre as duas primeiras, localizadas atrás das balizas. A arquibancada branca, localizada na lateral oposta aos setores das cadeiras especiais e das tribunas de honra, tinham preços mais caros. 42 Fonte: Parecer sobre o tombamento do estádio, 12/04/2000 – Acervo documental IPHAN – Processo de tombamento nº 1.094-T-83.

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As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patromônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinquenta por cento do dano causado. 43

Em agosto de 2002, em assembleia da Organização Desportiva Pan-

americana (ODEPA), na Cidade do México, a cidade do Rio de Janeiro é

escolhida para sediar os Jogos Pan-Americanos de 2007. Para isso, novas

adequações precisariam ser feitas no Maracanã. À época, o Comitê

Organizador e o governo argumentaram que a reforma atenderia aos

padrões FIFA, o que garantiria que não seria necessária outra intervenção

caso a candidatura brasileira à sede da Copa de 2014 fosse bem sucedida.

Como sabemos, ela foi, e outra reforma bilionária foi realizada, como

veremos mais à frente.

Sem sombra de dúvidas, de todas as modificações, a de maior

relevância foi a supressão da geral, setor de ingressos populares, localizado

no nível do gramado e desprovido de qualquer conforto. Durante as décadas

que existiu, a geral se tornou folclórica, pela irreverência dos torcedores

que ali ficavam, apelidados de “geraldinos”. Ela era a representação maior

do caráter democrático e popular do antigo Maracanã. Sobre como definir o

comportamento do geraldino, o historiador Luiz Antônio Simas, no filme

“Geraldinos”, de Pedro Asbeg e Renato Martins explica:

Porque na geral você podia simplesmente ficar lá, calado, com seu rádio ouvindo e intuindo o jogo. Na geral você podia ficar alí, parado atrás do gol para ver o que ia acontecer. Na geral você podia ficar na muvuca (sic) no meio-de-campo, para tentar enxergar alguma coisa melhor. Na geral você podia ir com a sua bermuda e seu tênis tranquilo. Mas ao mesmo tempo se você quisesse ir vestido de cacique de txucarramãe, você ia. Ao mesmo tempo, se você não quisesse ver o jogo, você não precisava ver o jogo e ninguém iria estranhar isso. Então o comportamento do geraldino se define exatamente pelo

                                                                                                               43 Artigo 17 do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.

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que ele tem de indefinível. A geral era uma possibilidade. “Eu quero estar num estádio. Se eu vou ver o jogo ou não, dane-se (sic)”. 44 (Geraldinos, 2015)

Foram colocados 40 mil cadeiras no lugar onde ficavam a geral e as

chamadas cadeiras comuns. Como consequência, a capacidade do estádio

foi novamente reduzia, desta vez para 87.101 ocupantes. Além desta, foram

feitas outras modificações: o rebaixamento do gramado em 40cm; a

instalação de novos telões eletrônicos de 6m x 10m cada, além da reforma

do ginásio do Maracanãzinho, que teve a renovação do piso, dos vestiários

e dos sistemas de som e refrigeração. Esta reforma custou um total de R$

304 milhões.

Mesmo sem a geral, de 2006 a 2010 45 o Maracanã ainda conservou

em parte sua alma. Apesar de um fortalecimento da tendência de elitização

dos torcedores em função do fim do setor mais popular do estádio, a sua

arquitetura ainda lembrava em muito o estádio anterior à reforma,

mantendo todo o anel superior do estádio intacto. E é verdade também que,

se compararmos com o processo de gentrificação que estaria por vir nos

anos seguintes, o aumento dos preços dos ingressos após a reabertura não

representou uma mudança tão abrupta, mantendo tickets na faixa de R$

10,00 a R$ 20,00.

Em outubro de 2007, poucos meses após a realização do Pan, é feito

o anúncio do Brasil como sede da Copa do Mundo FIFA de 2014. Este

momento marca o início do período mais controverso da história do

Maracanã. Velhas polêmicas, como a questão da descaracterização de um

bem tombado, voltam à tona com toda a força. E novas polêmicas

envolvendo os reais custos e a necessidade da reforma surgem em um

contexto de investigação de grandes escândalos de corrupção no cenário

                                                                                                               44 Trailer disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6ofLRR60nLM. (Acessado pela última vez em 06/12/2016). 45    A  obra  foi  iniciada  em  março  de  2005  e  concluída  em  dezembro  de  2006,  porém  nem  todo  este  período  o  estádio  esteve  fechado.  Durante  todo  o  ano  de  2006,  o  estádio  funcionou  para  jogos  de  futebol  e  outros  eventos  apenas  com  o  anel  superior  aberto  e  o  anel  inferior  em  reforma.    

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político do país. Naturalmente, novas investidas privatizantes surgem, e

desta vez com um argumento de força inédita. A ideia inicial seria de uma

nova licitação para que o estádio fosse concessionado para a iniciativa

privada após a conclusão das obras de adequação.

Antes de dar início às reformas que readequariam o estádio às novas

demandas da FIFA46, chegou a ser cogitada até mesmo a implosão do

estádio para a construção de um totalmente novo, porém a ideia foi logo

refutada. Entretanto, a reforma que se desencadeou alterou de maneira tão

profunda a arquitetura e os padrões de comportamento do público que, de

fato, quase nada se vê do antigo Maracanã. Trata-se, sim, de um estádio

novo, erguido com o aproveitamento de algumas estruturas do antigo.

Firmada a parceria público-privada (PPP) entre o Governo do Estado

do Rio de Janeiro e o Consórcio Maracanã Rio 2014 (formado pelas

empreiteiras Odebrecht, Andrade Gutierrez e Delta)47 para a realização da

reforma, em setembro de 2010 têm início as demolições das estruturas das

arquibancadas e das cadeiras inferiores. De acordo com os padrões FIFA,

cada assento deve ser de 47cm, com encostos de pelo menos 30cm, além de

terem uma distância de no mínimo 85cm entre um e outro, de modo a

facilitar a circulação e ampliar o conforto. Com isso, no novo Maracanã os

torcedores se acomodariam todos em um único anel, formado

exclusivamente por cadeiras retráteis, e não mais pelas antigas

arquibancadas. Visualmente, as consequências desta modificação são

gritantes, já que até aquele momento o estádio sempre havia sido composto

por dois anéis, com as arquibancadas, as cadeiras especiais e as tribunas de

honra, no anel superior e a geral, posteriormente substituída por cadeiras

comuns, no anel inferior.

                                                                                                               46 Disponível em: http://www.portal2014.org.br/noticias/1125/CONHECA+AS+EXIGENCIAS+DA+FIFA+PARA+OS+ESTADIOS+DA+COPA.html. (Acessado pela última vez em 06/12/2016) 47 Fonte: https://www.copatransparente.gov.br/acoes/estadio-do-maracana-elaboracao-do-projeto-executivo-e-execucao-das-obras-civis. (Acessado pela última vez em 06/12/2016).  

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Outra grande polêmica envolvendo a arquitetura do estádio diz

respeito à marquise que cobria as arquibancadas. Técnicos contratados pelo

governo argumentavam que seria necessária a sua demolição, pois ela já

estaria gravemente comprometida e sua restauração atrasaria a conclusão da

obra, prevista para 2013. Em 2011, o superintendente do IPHAN Carlos

Fernando de Souza Leão Andrade autorizou a demolição da estrutura de

concreto, que veio a ser substituída por uma estrutura metálica inteiramente

nova coberta por lonas de fibra tencionada. À época, o Ministério Público

denunciou Andrade por crime contra o patrimônio cultural, já que

representaria a descaracterização de um bem tombado. Até hoje, o processo

tramita na justiça. 48 A alteração fez o custo da obra subir dos R$ 600

milhões previstos originalmente para R$ 1 bilhão.

Como já mencionado, o Complexo Maracanã até esta reforma

abrangia múltiplos usos. Além do estádio de futebol e do ginásio do

Maracanãzinho, o compunham também o Estádio de Atletismo Célio de

Barros, o Parque Aquático Julio Delamare, a Escola Municipal Arthur

Friedenreich e o Prédio do antigo museu do índio, ocupado pelo movimento

indígena Aldeia Maracanã. Com exceção do estádio e do ginásio, o projeto

proposto pelo governo do Estado em parceria com as construtoras

Odebrecht e Andrade Gutierrez previa a demolição de todas estas

instalações para a construção de um enorme estacionamento e um shopping

center, de modo que o estádio atendesse as exigências da FIFA e se tornasse

um centro comercial atraente, de modo a gerar interesse da iniciativa

privada pela concessão.

Em função da grande mobilização do movimento “O Maraca é

Nosso”, que organizou atos públicos, passeatas e compareceu em peso às

audiências públicas para pressionar as autoridades, a demolição das

                                                                                                               48 Ver: http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2013/11/1371353-ministerio-publico-denuncia-executivos-do-iphan-por-demolicao-de-parte-do-maracana.shtml. (Acessado pela última vez em 06/12/2016).

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instalações foi retirada da proposta de concessão. 49 O movimento,

composto por atletas, ex-atletas, professores, torcedores, ocupantes da

Aldeia Maracanã e diversos outros setores da sociedade civil, apontava para

a contradição de, às vésperas de receber os dois maiores megaeventos

esportivos do mundo, o governo do Rio destruir dois dos principais espaços

públicos de treinamento para dar lugar à um grande centro comercial

apropriado pela iniciativa privada.

Contudo, mesmo com a retirada da demolição dos planos do

governo, no primeiro semestre de 2013 O Célio de Barros e o Julio

Delamare foram fechados arbitrariamente para servirem como canteiros de

obras, sem que houvesse tempo para que os professores e atletas que

usufruíam das instalações pudessem retirar seus equipamentos de lá. Com o

fechamento de seus locais de treinamento, a eles restou improvisar,

transferindo suas atividades para as ruas ou para outros espaços

inadequados. 50 Mesmo após a Copa e as Olimpíadas as duas instalações

seguem fechadas, sem previsão de reabertura, assim como a Escola

Municipal Arthur Friedenreich e o prédio do antigo museu do índio, de

onde os indígenas do movimento Aldeia Maracanã foram forçadamente

expulsos, em março de 2013, em um episódio marcado por truculência

policial. 51

O processo de licitação para definir quem ficaria com a concessão de

administração do Complexo Maracanã aconteceu em maio de 2013 e foi

permeado por mais polêmicas. O Consórcio Maracanã S.A., formado pelas

empresas Odebrecht, que também havia participado da reforma, pela IMX,

de Eike Batista e pela AEG saiu vencedor (a primeira com 90% de

                                                                                                               49 Ver: http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-mundo/noticia/2012/11/audiencia-publica-sobre-privatizacao-do-maracana-e-marcada-por-protestos.html. (Acessado pela última vez em 06/12/2016) 50 Ver: http://oglobo.globo.com/rio/bairros/sem-celio-de-barros-julio-de-lamare-atletas-treinam-para-as-olimpiadas-na-rua-13808468. (Acessado pela última vez em 06/12/2016) 51 Ver: https://raquelrolnik.wordpress.com/2013/03/22/remocao-forcada-da-aldeia-maracana-nao-e-assim-que-se-faz-uma-copa-do-mundo/. (Acessado pela última vez em 06/12/2016)  

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participação, e as outras duas com 5% cada).52 A principal polêmica que

emergiu naquele momento tratava do fato de o estudo de viabilidade

econômica da PPP do Maracanã, que viria a definir as bases do contrato de

concessão, ter sido realizado justamente pela IMX. Com base nisto, o

Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro moveu uma ação pedindo a

suspensão do processo licitatório, já que o consórcio do qual a empresa de

Eike Batista fazia parte sairia em vantagem indevida. O Tribunal de Justiça

do Rio, porém, permitiu que o processo continuasse por entender que a ação

não teria respaldo legal, pelo fato de a empresa ter sido a única a apresentar

um estudo de viabilidade econômica. 53

Posteriormente, em novembro de 2016, simultaneamente ao

processo de produção deste trabalho, mais um escândalo de corrupção

envolvendo o Maracanã veio à tona. Em investigações da Operação Lava-

Jato, o ex-governador Sergio Cabral, em exercício durante todo o processo

de reforma e de licitação do complexo, foi preso sob a acusação de receber

cerca de R$ 30 milhões de propina nas reformas do estádio. A acusação foi

feita em delação premiada de dois executivos da construtora Andrade

Gutierrez. Foi denunciada também o pagamento de propina de 1% ao

Tribunal de Contas do Estado, órgão responsável pela fiscalização dos

contratos.

Hoje, ao fim de 2016, o futuro do estádio é incerto. Alegando não

estar tirando todo o proveito do complexo esportivo, em função do primeiro

compromisso de construção do shopping center e do estacionamento na

área onde estão hoje o Célio de Barros e o Julio Delamare não ter sido

cumprido, O Consórcio Maracanã S.A. decidiu devolvê-lo ao Governo do

Estado. Por sua vez, vivendo um momento de grave crise financeira,                                                                                                                52 Em janeiro de 2015, o empresário Eike Batista anunciou a venda de sua parte para a Odebrecht, que passou a ter 95% de participação no consórcio. Ver: http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/01/15/imx-ex-empresa-de-eike-batista-vende-participacao-no-maracana.htm. (Acessado pela última vez em 06/12/2016) 53 Ver: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/05/130509_maracana_licitacao_vencedor_qa_cq_lgb. (Acessado pela última vez em 06/12/2016)  

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culminando com o decreto de estado de calamidade em junho de 2016, o

governo estadual não está disposto a assumir os custos da administração do

estádio. Com isso, será realizado um novo processo licitatório, no início de

2017, para que o gerenciamento do equipamento seja novamente concedido

à iniciativa privada.

O custo total da reforma foi de cerca de R$ 1,2 bilhão, o dobro do

previsto inicialmente.

3.3. A Arena Maracanã: futebol-mercadoria na cidade de exceção

No dia 02 de junho de 2013, o Novo Maracanã foi reaberto para a

partida amistosa entre as seleções de Brasil e Inglaterra.54 Totalmente

reformulado, com capacidade reduzida para 79 mil espectadores (quase um

terço dos mais de 200 mil que assistiram à final da Copa em 1950), todos

em um único anel, nova cobertura, ampliação da área de camarotes e VIPs,

o estádio em nada lembrava aquele que ganhou status de mítico mundo

afora.

Além dos graves impactos que a alteração na dimensão arquitetônica

tem sobre a preservação da memória coletiva em torno de um símbolo tão

marcante na cultura popular brasileira, a imposição de novas formas de

sociabilidade características do espaço do estádio de futebol é uma marca

da modernização não apenas do Maracanã, mas de todas as arenas

reformadas para a Copa do Mundo de 2014.

Inserido dentro do processo de mercantilização da cidade descrito no

primeiro capítulo, tais transformações tem como objetivo trocar a figura do

torcedor pela do consumidor. As massas – imprevisíveis, passionais,                                                                                                                54 Ver: http://globoesporte.globo.com/futebol/selecao-brasileira/noticia/2013/06/brasil-empata-com-inglaterra-no-reencontro-com-o-maracana.html. (Acessado pela última vez em 06/12/2016).

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intensas – saem de cena no novo Maracanã, dando lugar a um público

elitizado, com maior poder aquisitivo para consumir não apenas o

espetáculo (o ingresso para assistir ao jogo), mas também todo o tipo de

mercadoria que pode ser comercializada no interior do estádio (comidas,

bebidas, artigos esportivos, roupas, etc).

O aumento vertiginoso no preço dos ingressos levou a uma mudança

radical no perfil socioeconômico do público frequentador das partidas. A

argumentação para justifica-lo é técnica. Arenas nos padrões FIFA, por

serem mais modernos, têm um custo de administração maior, logo, é

preciso gerar maior receita para que a realização de eventos nelas sejam

viáveis. Uma das formas de se gerar mais receita é cobrando um preço mais

caro pelos ingressos.55 A tabela abaixo ilustra a lógica por trás deste

processo:

Média de público nos estádios do Campeonato Brasileiro 2007-2013:

Fonte: Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro (COMITÊ POPULAR DA COPA E DAS OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO, 2014)

Como podemos ver, os estádios estão cada vez mais vazios, porém

movimentando cada vez mais dinheiro com um ingresso médio cada vez

mais caro. A mensagem é clara: o torcedor das classes sociais mais baixas

não serve aos novos padrões dos estádios. Ao futebol mercantilizado,

                                                                                                               55 Outra forma muito utilizada pelos clubes e seus patrocinadores são os programas de sócio-torcedor. Estes programas também tem uma consequência elitizante, pois boa parte dos torcedores que acompanham futebol não têm condição de arcar com as caras mensalidades, que garantem acesso preferencial aos ingressos das partidas, além de outro benefícios.

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interessa o consumidor, que, além de ter poder aquisitivo para gerar renda

para as autoridades que administram o evento, se contenta em ser mero

espectador, isto é, parte passiva do espetáculo esportivo, contemplando,

aplaudindo, de forma serena. O torcedor característico do Maracanã pré-

reformas, que sofre, protesta, grita e se articula em grandes grupos, não está

contemplado neste perfil.

As cadeiras retráteis individuais, espaçosas e confortáveis,

dificultam a movimentação dos corpos, que era uma marca das

arquibancadas de concreto. Portanto, a restrição do acesso àquele espaço

não se baseia apenas em aspectos socioeconômicos, mas também

comportamentais. Não é apenas o torcedor de baixo poder aquisitivo que

deve ser excluído da festa, mas também o torcedor apaixonado, que irá

levar consigo padrões de comportamento que representam instabilidde e

uma ameaça à segurança, previsibilidade e serenidade que o novo ambiente

exige. Importante dizer que estas duas categorias – o torcedor pobre e o

torcedor apaixonado – não devem se confundir em um mesmo indivíduo, já

que o sentimento de pertencer e torcer por um clube atravessa todas as

camadas sociais.

Para que as atividades comerciais fluam plenamente no evento, é

preciso garantir a todo custo esta serenidade e segurança, que o torcedor

apaixonado pode vir a ameaçar. Pois são justamente estas atividades a razão

de ser daquele espaço, e não mais a celebração lúdica de um elemento da

cultura popular, como é o futebol. As novas arenas são espaços de

consumo. Portanto o estádio deixa de ser o local das massas e dá lugar a um

novo tipo de torcedor, individualizado, atomizado. Cada pessoa que

comprar um ticket para assistir a algum evento na arena, seja uma partida

de futebol, uma festa ou um show, é um consumidor daquele espetáculo e

um potencial consumidor de todas as outras mercadorias que nele possam

vir a ser comercializadas.

Esta é uma decorrência clara da transformação da forma de entender

o que representa o futebol ao longo da história. Desde que chegou ao Brasil,

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a modalidade já foi apropriada pela aristocracia descendente de imigrantes

europeus, para ao longo do século XX se consolidar como o esporte das

massas. Até que, nos anos 90 – não por coincidência – isto começa a

mudar. Hoje, o futebol, é uma commodity, e extremamente valiosa, pela sua

capacidade de mobilizar milhões de olhares. E no Maracanã, o palco que

atingiu uma notoriedade inédita no mundo futebolístico por todos os seus

aspectos descritos ao longo deste capítulo, essa ruptura é ainda mais

evidente.

No Maracanã, é evidenciado o processo de acumulação capitalista

por meio da desapropriação, descrito no primeiro capítulo: um bem público,

apropriado pelas massas para exercício da cultura popular urbana, tomado

de assalto por agentes privados, reprodutores da lógica da cidade de

exceção, de modo a transformá-lo em um polo de movimentação de capital

e geração de lucro a partir da comercialização de ingressos, de artigos

esportivos, de comidas e bebidas, negociação de naming rights etc. A luta

pela preservação do Maracanã é a luta pelo direito ao estádio

(MASCARENHAS, 2015). Protagonizada sobretudo pelos torcedores que

resistem às formas de sociabilidade características da nova arena, ela

representa, portanto, uma faceta bastante relevante da luta pelo direito à

cidade (LEFEBVRE, 2015; HARVEY, 2012).

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Considerações Finais

Ao longo do tortuoso processo de produção desta monografia, me

deparei com a complexidade e a dificuldade de se escrever sobre um tema

que se atualiza constantemente. Porém, pude perceber também que este

ponto é um fator que, na realidade, contribui para conferir relevância ao

estudo.

À luz dos motivos que fazem com que o futuro do estádio do

Maracanã ainda seja um grande ponto de interrogação, podemos ver que os

mecanismos que regem os megaeventos esportivos e a (re)produção da

cidade de exceção não funcionam sem que se constituam fortes resistências.

O surgimento de movimentos sociais contrários à privatização do estádio,

com pautas de preservação da chamada cultura torcedora no Brasil, é um

reflexo das contradições inerentes ao processo de construção da

excepcionalidade urbana.

O Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas é o principal exemplo de

movimento de resistência. Tendo reunido importantes setores da sociedade

civil carioca, como acadêmicos, lideranças populares e ONGs, hoje ele

funciona como principal canal das vozes de contestação ao modelo

excludente que o Rio de Janeiro empreende através dos megaeventos

esportivos. Suas pautas vão desde o combate às violações do direito à

moradia no Rio até a luta pela preservação do Maracanã.

Além disso, o avançar das investigações de escândalos de corrupção

envolvendo as últimas obras de adequação do Maracanã reforçam estas

vozes de resistência. A prisão do ex-governador do Rio de Janeiro, Sergio

Cabral, uma das principais figuras responsáveis pela consolidação da

coalizão de interesses e gentes privados que hoje governam a cidade, jogou

ainda mais luz sobre o debate em torno do debate sobre o estádio e as

contradições envolvendo a série de a qual ele foi submetido.

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Não foi objetivo deste trabalho ser nostálgico ou romantizar o antigo

estádio das massas e apontar para ele como modelo ideal. O antigo

Maracanã, apesar de ter sido apropriado pelas massas, era um ambiente

bastante conservador em diversos sentidos. No Brasil e no mundo, ainda é

forte a visão do futebol como prática machista e homofóbica. O estádio de

futebol, naturalmente, não foge a isto.

A modernização é, sim, necessária. Porém, da maneira como ela está

sendo feita, através da apropriação do estádio pelo mercado, ela é muito

mais danosa do que eficiente. A domesticação deste ambiente via consumo,

além de não combater o machismo e a homofobia no futebol, ainda

perpetua novos tipos de exclusão, por classe.

Após a conclusão deste trabalho, que visava, antes de tudo, entender

o Maracanã como arena onde se materializa o confronto entre a cidade de

exceção e o direito à cidade, diversas questões ficam abertas. É importante

frisar, todavia, que este trabalho não tem como objetivo necessariamente

propor saídas ou alternativas para o caso analisado. Esta, talvez, seja a

maior lacuna deixada nesta monografia. Torna-se, então, necessário pensar

quais os próximos passos a serem tomados, de modo a fazer com que esta

análise possa substanciar propostas concretas de políticas públicas ou

privadas capazes de incidir sobre este cenário de privatização da cidade, do

qual o maracanã é uma espécie de caso modelo.

Assim, entendo que duas questões permanecem abertas e que devem

ser tratadas em trabalhos futuros ao longo da continuação da minha

formação. São elas: como pensar formas de gestão democrática no futebol

em um mundo cada vez mais globalizado, neoliberal e privatizado? Qual o

papel do Estado, dos clubes e da iniciativa privada neste processo?

Responder a estas e outras perguntas é um desafio que pretendo enfrentar

em pesquisas futuras.

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