o diário profissional como instrumento de...

17
E ste artigo surgiu de uma proposta que me foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo da Escola Moderna (MEM) com o meu grupo de 1.º ano de escolaridade, a partir das reflexões que fui fazendo no meu diário profissional, do qual irei retirando alguns excertos. Não pretendo passar nenhum «receituário» nem nenhuma vi- são acabada e perfeita do modelo. Vou relatar aspectos do meu primeiro ano de serviço, em que a falta de experiência profissional e a adap- tação a um colégio da linha de Sintra, com re- gras e hábitos muito próprios, com famílias que já tinham muito presente que escola que- riam para os seus filhos (como acontecerá em todo o lado), constituíram obstáculos e provo- caram inseguranças que tive de ir ultrapas- sando, felizmente com a ajuda de um grupo cooperativo que muito me apoiou e me fez avançar. O diário de profissão surgiu de uma grande paixão pela escrita e do seu papel terapêutico na aprendizagem e no crescimento profissio- nal a partir das ansiedades, dos medos, das frustrações, bem como de todas as coisas deli- ciosas que nos acontecem no quotidiano. Ini- ciei-o, em primeiro lugar, porque o grupo coo- perativo me incentivou a isso, mas também porque «…quando se assume aquilo que causa an- siedades e se procura compreender isso, então cami- nha-se para o conhecimento. É nesta convicção que inicio a minha primeira reflexão como professora.» (12.09.2004). Este artigo vai focando as dinâmicas princi- pais do modelo do MEM, e a forma como, tac- teando entre o desconhecido, o inesperado, a teoria e a prática acompanhada por outros pro- fissionais, me fui aproximando progressiva- mente dos seus princípios, objectivos e práticas. Incluirei sempre algumas das minhas reflexões para mostrar como decorreu a organização da sala de aula, como instituí o Conselho de Coo- peração Educativa, como se organizou o Tempo de Trabalho Autónomo, como iniciámos o processo de aprendizagem da leitura e da es- crita, e como surgiram alguns projectos. Antes de começar: a organização da sala de aula «Esta fase inicial de adaptação e mentalização é fundamental. Olhar para a sala onde vou trabalhar com o meu grupo, idealizar qual a melhor forma de dispor o mobiliário e os materiais para lhe dar um cariz funcional e adequado aos meus princípios de trabalho, perceber de que materiais disponho e de quais irei precisar para além desses, adaptar-me ao funcionamento da instituição para saber como fazer as coisas... tudo isso constituiu o bolo das minhas preocupações iniciais» (12.09.2004). Pensar como deveria dispor todo o material disponível, desde o mobiliário aos livros da bi- 14 ESCOLA MODERNA Nº 24•5ª série•2005 O Diário Profissional como instrumento de aprendizagem Marta Louseiro* 1.º CEB. REVISTA Nº24 7/3/06 17:08 Página 14

Upload: others

Post on 21-Jul-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

Este artigo surgiu de uma proposta que me foi feita para passar a escrito o percurso da

instituição progressiva do modelo da EscolaModerna (MEM) com o meu grupo de 1.º anode escolaridade, a partir das reflexões que fuifazendo no meu diário profissional, do qualirei retirando alguns excertos. Não pretendopassar nenhum «receituário» nem nenhuma vi-são acabada e perfeita do modelo. Vou relataraspectos do meu primeiro ano de serviço, emque a falta de experiência profissional e a adap-tação a um colégio da linha de Sintra, com re-gras e hábitos muito próprios, com famíliasque já tinham muito presente que escola que-riam para os seus filhos (como acontecerá emtodo o lado), constituíram obstáculos e provo-caram inseguranças que tive de ir ultrapas-sando, felizmente com a ajuda de um grupocooperativo que muito me apoiou e me fezavançar.

O diário de profissão surgiu de uma grandepaixão pela escrita e do seu papel terapêuticona aprendizagem e no crescimento profissio-nal a partir das ansiedades, dos medos, dasfrustrações, bem como de todas as coisas deli-ciosas que nos acontecem no quotidiano. Ini-ciei-o, em primeiro lugar, porque o grupo coo-perativo me incentivou a isso, mas tambémporque «…quando se assume aquilo que causa an-siedades e se procura compreender isso, então cami-nha-se para o conhecimento. É nesta convicção que

inicio a minha primeira reflexão como professora.»(12.09.2004).

Este artigo vai focando as dinâmicas princi-pais do modelo do MEM, e a forma como, tac-teando entre o desconhecido, o inesperado, ateoria e a prática acompanhada por outros pro-fissionais, me fui aproximando progressiva-mente dos seus princípios, objectivos e práticas.Incluirei sempre algumas das minhas reflexõespara mostrar como decorreu a organização dasala de aula, como instituí o Conselho de Coo-peração Educativa, como se organizou o Tempode Trabalho Autónomo, como iniciámos oprocesso de aprendizagem da leitura e da es-crita, e como surgiram alguns projectos.

Antes de começar: a organização da sala de aula

«Esta fase inicial de adaptação e mentalização éfundamental. Olhar para a sala onde vou trabalharcom o meu grupo, idealizar qual a melhor forma dedispor o mobiliário e os materiais para lhe dar umcariz funcional e adequado aos meus princípios detrabalho, perceber de que materiais disponho e dequais irei precisar para além desses, adaptar-me aofuncionamento da instituição para saber como fazeras coisas... tudo isso constituiu o bolo das minhaspreocupações iniciais» (12.09.2004).

Pensar como deveria dispor todo o materialdisponível, desde o mobiliário aos livros da bi-

14

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

O Diário Profissional como instrumento de aprendizagem

Marta Louseiro*

1.º CEB.

REVISTA Nº24 7/3/06 17:08 Página 14

patricia
Textbox
patricia
Textbox
patricia
Textbox
patricia
Textbox
patricia
Textbox
Page 2: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

blioteca, de modo a receber os alunos num es-paço acolhedor e de raiz marcadamente demo-crática e participante, foi logo o meu primeiroponto de reflexão. Afinal «o cenário de trabalhonuma sala de aula deverá proporcionar um envolvi-mento cultural estruturado para facilitar o ambientede aprendizagem curricular deste ciclo de educaçãoescolar» (Niza 1998, p. 84). À primeira vista, or-ganizar a sala de aula não será nada de especialcomparativamente com todo o trabalho peda-gógico que há a fazer com os alunos. Mas oque é facto é que, tal como afirma Sérgio Niza,essa organização facilita todo o trabalho que sequer realizar, fazendo logo transparecer os ob-jectivos pedagógicos que estão por detrás dosistema que o professor quer adoptar para tra-balhar com os seus alunos. Ora, num grupo em

que, como eu ambicionava, se iriam construirde forma participada, e através de uma comu-nicação livre e autêntica, aprendizagens de raizcooperativa, em que os apoios mútuos entrepares e entre os alunos e o professor contribui-riam para que cada um se apropriasse progres-sivamente, a seu ritmo, e a partir das suas vi-vências, dos conteúdos e competências curri-culares, era preciso que as mesas estivessemorganizadas para grupos de trabalho, que osmateriais estivessem dispostos de modo aque todos os pudessem utilizar; era preciso ha-ver registos que fossem ajudando o grupo a re-gular a sua actividade, e ferramentas de apro-priação cultural. Tudo isto é difícil de equacio-nar quando o espaço que se tem é limitado equando não se sabe bem qual a parte deste ce-nário que cabe ao professor, ou ao conjunto doprofessor com os seus alunos.

«… Sabendo que o cenário tem que estar mon-tado quando os alunos chegarem, que parte do ce-nário tenho eu o direito de montar sozinha? (…) Afi-nal o ecoponto até poderia ter sido construído por umgrupo de alunos, o material da pintura poderia terservido de pretexto para a elaboração de uma listade material, a arrumação dos livros da Bibliotecapoderia ter dado para trabalhar a categorização dostextos e eventualmente problemas matemáticos rela-cionados com as quantidades (…)».

«Mas também é bom chegar à sala no 1.º ano deescolaridade e sentir que a professora já preparou ascoisas, que ela não nos recebeu numa sala vazia(…) E a dúvida continua: o que tenho eu o direito defazer sozinha? Se calhar o melhor é apresentar asala aos alunos como está e perguntar-lhes o queacham dela (…) na realidade, quando se chega aum local de trabalho ele já está montado, já fun-ciona. Só com o passar do tempo é que nos vamoshabituando (…) e ousando propor alterações e/ ouacrescentar novas coisas. Se calhar com os meus alu-nos também tem que ser assim» (12.09.2004).

Estas observações podem quase tocar a es-fera da infantilidade, mas na verdade é dissoque se trata, uma forte infantilidade profissio-

15

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

Figura 1 – Sala de aula

Figura 2 – Sala de aula

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 15

patricia
Textbox
patricia
Textbox
patricia
Textbox
patricia
Textbox
Page 3: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

nal. É incrível como quero tantas vezes que osmeus alunos façam tudo bem à primeira, se eu,profissional da educação, esbarro no primeirocontacto com o espaço em que vou trabalharcom eles. No entanto, estas reflexões ajuda-ram-me a exteriorizar as dúvidas que, depois,outros colegas me ajudaram a clarificar e des-dramatizar. Por certo que se tivesse organizadoa sala de aula sem reflectir, o resultado não te-ria tido a mesma eficácia.

No fundo, as grandes opções que tomei fo-ram: agrupar as mesas, para que a interacçãoentre os alunos pudesse ser maior em todos osmomentos de trabalho; organizar váriasáreas de trabalho (apoio específico), como aárea de escrita (computador), a biblioteca e aárea das expressões; estruturar áreas de

apoio geral a todo o trabalho do grupo,como sejam a bancada com os ficheiros e res-pectivos registos de pilotagem, o espaço domaterial cooperativo e o espaço destinado à or-ganização cooperada do grupo dispondo desdeo início dos registos principais: presenças,mapa do tempo, calendário, diário de turma eprograma curricular do 2.º ano de escolaridade,com linguagem adaptada às crianças.

Os princípios centrais do modelo e os riscos de o desvirtuar à partida

Os três pilares de relacionamento com osoutros e com o saber nos quais assenta o mo-delo de trabalho do MEM são, como explicitaSérgio Niza: os circuitos de comunicação, a coope-ração educativa e a participação democrática directa(Niza 1998, pp. 78-82). Aliás, não se conseguiráajudar as crianças a viver democraticamente senão se vir a turma como uma comunidade deaprendizagem que interage constantementeatravés de sistemas diversificados e autênticosde comunicação, e vai, através de práticas de-mocráticas directas de negociação, cons-truindo cooperativamente o saber e a sua pró-pria cultura de grupo. Essa construção partici-pada leva à operacionalização do contratopedagógico daquele grupo, que difere do con-trato tradicional na medida em que não hásubmissão de uma das partes à outra, mas simum comum acordo, em que cada um dos ele-mentos se implica na contratualização emcausa, tornando-a um compromisso seu, e seesforça para cooperar com o outro elementona consecução do contrato. O contrato pedagó-gico é, depois, composto por inúmeros contratosdidácticos, que podem ser mais ou menos ex-tensos, envolver mais ou menos pessoas, cru-zar relacionamentos entre o professor, os alu-nos e estes entre si… é um conjunto diverso deinteracções negociadas (Jonnaert e Borght,2002). Todo este sistema de contratualizações énegociado em Conselho de Cooperação, mo-mentos em que cada criança pode expor o seu

16

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

Figura 3 – Sala de aula: área da leitura e biblioteca

Figura 4 – Sala de aula: área das expressões

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 16

patricia
Textbox
patricia
Textbox
patricia
Textbox
patricia
Textbox
Page 4: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

ponto de vista e em que o grupo deve chegarsempre a consenso (palavra de onde deriva Con-selho, e não mera assembleia ou reunião), atra-vés da argumentação e da comunicação (es-crita e oral), para expor opiniões e registar de-cisões, que passam a ser as leis da turma, dacomunidade de aprendizagem. E é de realçar oque diz Sérgio Niza a este propósito: « (…) asatitudes, os valores e as competências sociais e éticasque a democracia integra, se constroem enquantoalunos, com os professores, em cooperação vão ex-perienciando e desenvolvendo a própria democraciana escola»; «democracia na interacção escolar e for-mativa, não pode querer dizer a forma actual dedemocracia política transposta para a escola. Aquia participação quer-se em directo (…) não podere-mos reservar a alguns [alunos] apenas, a oportuni-dade de experimentar, em confronto com os proble-mas sociais da escola, a aprendizagem cívica daparticipação democrática em directo» (Niza 1998,pp. 82 e 83).

É muito difícil concretizar estes princípioscom as crianças na sala de aula, quando, en-quanto comunidade de professores nas esco-las, e na vida, isto raramente existe. Daí que te-nha tido, e continue a ter, muitos medos e an-siedades, falhe inúmeras vezes impondosimplesmente a minha vontade, como é tradi-ção acontecer no ensino. Receava, e receio,que este limiar entre a democracia e o autori-tarismo seja tão ténue que facilmente possa

cair nas amarras dos «tribunais» e dos castigos,do «fazes porque eu quero e eu é que mando»,das votações, entre muitas outras coisas. Cedi,e cedo, de facto, muitas vezes a esses riscos e aessas imposições sociais, mas a reflexão foi-meajudando a voltar a resolver as coisas com osmeus alunos em democracia directa, sócio-construída por nós, através da livre expressãode todos, e de uma prática de Conselho cadavez mais profunda e coerente, a qual eu pró-pria, e em primeiro lugar, possa respeitar inte-riormente, para que assim os alunos também ofaçam. Isto foi e é, de facto, o mais difícil detudo, e daí algumas das passagens que escrevi:

«Vou lançar-vos alguns dos dilemas que mais meatormentaram: como consigo eu chamar a atençãodo grupo sem gritar mais alto do que todos? O queé que eu faço quando não me respeitam nem respei-tam o grupo nos momentos colectivos? E agora algu-mas contra-perguntas, já mais reflectidas (com umagrande ajuda da reflexão do Pedro): em que situa-ções é que eu tenho a necessidade e o direito de ter ogrupo todo centrado em mim? Que noções de res-peito e de grupo já conversei com os meus alunos?Qual a importância que podem ter para eles os mo-mentos colectivos se só estão habituados a trabalhare a ouvir histórias? Bom, como vêem lá estava o meulado tradicional e centralizador a funcionar. Ondeesteve a minha sensibilidade para perceber até ondeé que eles conseguiam – e não apenas queriam – ir?

17

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

Figura 6 – Sala de aula: mesas em grupo

Figura 5 – Sala de aula: ecoponto

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 17

patricia
Textbox
Page 5: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

Se calhar até poderiam ir mais longe se os assuntostivessem sito intercalados com outras coisas... se eutivesse tido a sensibilidade para perceber que, comodiz o Pedro, o que é fundamental para mim podenão passar de «uma seca» para eles, precisamenteporque não é (ainda) significativo» (20.09.2004)

«Parece que eu tenho que me chatear para quetodos fiquem atentos... mas se continuarmos assimsó se vão habituar a trabalhar quando eu falo alto edou ordens quase militaristas: «agora senta-te di-reito, já!»; «Senta-te ali naquela cadeira até acal-mares e depois voltas para o lugar. Isto é só umaajuda para ver se não tens que ficar sem intervalo»,«dá-me já esse brinquedo que já estou farta de teavisar que não se pode brincar na sala. Não sabesque está escrito nas regras, quantas vezes temos queler para te lembrares?»... etc. Será que é este o ca-minho? Sinto-me muito mal ao sentir que o meugrupo só me consegue respeitar nestes moldes. Quala via para chegarmos à democracia? Como instituiro diálogo e a negociação num grupo que mal con-segue estar em colectivo? Às vezes desespero.»(27.09.2006)

O Conselho de Cooperação Educativa – estrutura central para a construçãoda democracia

Paralelamente a todas estas angústias e difi-culdades esteve sempre a obsessão de instituire dar sentido ao Conselho. Eu tinha presenteque só depois de os alunos começarem a per-ceber para que servia o Conselho de Coopera-ção é que todas estas situações de conflito eansiedade iriam diminuir. De facto foi, e conti-nua a ser, um processo longo e moroso, cheiode altos e baixos, avanços e recuos, mas cujaleitura de evolução longitudinal se afigurounão só positiva, como central em todo o pro-cesso de instituição do modelo, e de aprendi-zagem do grupo. Desde as tarefas, às regras, àgestão do tempo, dos materiais e dos conflitos,passando por diversas preferências a assumirpela turma, entre muitas outras coisas, foi emConselho que tudo foi tomando forma; que o

grupo – comunidade de aprendizagem – foi ga-nhando a sua própria identidade e construindoa sua cultura singular e autêntica.

«Bom, para além destas descobertas, o jogo teveque ser interrompido com negociação de algumas re-gras de comunicação, imediatamente registadas pormim. Como escrevia tanto, tive de pedir ajuda a umvoluntário para dar a palavra, surgindo a tarefa dechefe de turma (será que me precipitei?). Foi essealuno e o outro colega que, mais tarde, acabou porassumir a tarefa em conjunto com ele, quem organi-zou a fila para o intervalo e para o almoço, certifi-cando-se de que ninguém fazia barulho no corredor(claro que o silêncio foi impossível, mas pelo menosnão perturbaram muito o trabalho de quem estavanos gabinetes).»

«E lá se passou a hora. Eu ia observando e re-gistando algumas coisas (umas por escrito, outrasmentalmente). (…) De manhã já tínhamos decididoquem seriam os responsáveis das horas, porque erapreciso avisar quando é que já estava na hora do re-creio e, depois, do almoço. Quando o responsávelavisou, eu insisti para que todos se sentassem e ob-servassem como tinha ficado a sala: «está toda de-sarrumada, professora»; «e já sujei a minha folha namesa», «eles deixaram ali os elásticos todos nochão»... então foi preciso negociar algumas regraspara a arrumação da sala, e distribuir mais algu-mas responsabilidades: a da área da pintura, a domaterial e a da limpeza. Já quase todos têm tare-fas... afinal até foi fácil. Só que há um problema:já não tenho alunos disponíveis para quase nada.Quem vai tratar do calendário? E das faltas? E dacasa-de-banho? E do ecoponto? Bom, veremos, tudose há-de negociar! Mas será que me precipitei? Pa-rece-me que as coisas até correram mais ou menos,que foram fluindo, surgindo a necessidade de se fa-lar delas... mas será que fui eu que forcei? Se calhartinha tudo tão arquitectado na minha cabeça que atépareceu que estava a exagerar...» (16.09.04)

Sempre considerámos como Conselho, to-dos os momentos em que o grupo se juntavapara resolver ou decidir alguma coisa. Há mo-mentos de Conselho que são diários (Planifica-

18

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 18

patricia
Textbox
Page 6: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

ção Diária e Avaliação do Dia); outros são se-manais (conselho de sexta-feira em que se dis-cutem as ocorrências no diário de turma; Ava-liação do Plano Individual de Trabalho e Plani-ficação Semanal, no conselho de segunda-feira)e há ainda momentos de Conselho Extraordi-nário, que correspondem a todas as vezes emque é preciso parar, lembrar regras, decidir coi-sas urgentes que não podem ficar para o conse-lho de sexta-feira. Os excertos que apresentocorrespondem a toda esta diversidade de mo-mentos que, em suma, compõem o Conselhode Cooperação. De apoio a estes momentosexistem dois registos importantes a explicitar: oDiário de Turma e a acta do Conselho. O pri-meiro é onde os alunos podem ir registando, aolongo da semana, coisas que queiram ver resol-vidas ou discutidas pelo grupo em Conselho;foi inicialmente composto pelas colunas «gos-tei», «não gostei», «proponho» e «aprendi» pas-sando, mais tarde, a incluir uma coluna deno-minada de «pergunto», em substituição da co-luna «aprendi», uma vez que as ocorrênciasdesta última passaram a ser feitas no próprioPlano Individual de Trabalho (P.I.T.) e, poste-riormente, num registo colectivo de planifica-ção e avaliação cooperada.

Quanto à acta do Conselho, não é mais doque uma passagem a escrito das decisões toma-das em Conselho de Cooperação, inicialmenteescrita por mim de forma extensiva e, maistarde, assumida pelos presidentes da semana,mediante preenchimento de um registo pré-es-truturado pelo grupo, de modo a simplificar etornar mais operacional a escrita das actas.

«E o Conselho, valia ou não a pena realizarConselho sobre o trabalho de dois dias? Que assun-tos teríamos nós para tratar? Bom, essa dúvida dis-solveu-se quando a Sónia [professora do 2.ºano] medisse que um aluno dela apanhava todos os dias deum aluno meu [eles tinham estado na escola duranteparte do Verão], facto do qual os pais já se tinhamido queixar, e que eles os dois não conseguiam re-solver. Sugeri a esse aluno que fosse escrever o quese tinha passado no nosso diário de turma, porque

era assim que resolvíamos os problemas, e assim ofez. Então, tínhamos que fazer Conselho! Para alémdisso já havia um outro «não gostei» de um aluno dasala que, corajosamente, me pediu para o ajudar aescrever logo de manhã, sobre uma coisa que se ti-nha passado no dia anterior. Eu aproveitei para es-crever um «gostei» sobre o facto de ter começado atrabalhar com este grupo, e uma proposta, sobre anecessidade de haver tarefas para todos e, especial-mente, um responsável pelo calendário e pelo mapado tempo. Para além disso ainda pensei em apro-veitar o Conselho para falar do programa e daagenda semanal, pois era importante que todos co-nhecêssemos os moldes de trabalho para avançar-mos de forma organizada. Escusado será dizer queisso era a minha ingenuidade e insegurança a fun-cionarem. Depois de eu ler e de resolvermos os as-suntos do diário de turma, inclusivamente chamandoo aluno da outra sala para vir ao nosso Conselhoquando se leu a sua intervenção, já os alunos esta-vam todos aos suspiros, na risota e a reclamaremque «ó professora, mas isto vai ser sempre assim?Quando é que vamos trabalhar? Já estou farto deestar aqui a falar...»; «Professora tenho fome,quando é que vamos lanchar», entre outras. O queé que se responde nestas situações? Que poderia euesperar, afinal, do primeiro Conselho? Os assuntosforam resolvidos, até arranjámos um responsávelpara o calendário e para o mapa do tempo... quepoderia eu querer mais?» (17.09.04)

«Acho que sou mais tolerante com alguns alunosdo que com outros e isso inquieta-me bastante. Achoque acontece devido à minha insegurança pessoal:há uns que já conheço bem, dos quais tolero melhoros disparates, e há outros que controlo muito mal,com os quais sou mais intransigente. Isso não émesmo nada justo... vou conversar com esses meni-nos com os quais me irrito mais facilmente e combi-nar com eles sinais ou estratégias para eu ou os co-legas lhes chamarmos a atenção sem termos que gri-tar.» (21.11.04)

«O Conselho, escusado será dizer que, peranteeste clima, foi quase inexistente, isto é, estivemosreunidos em conselho, mas quase não se leu nada dodiário porque eu passei o tempo todo a agarrar miú-

19

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 19

patricia
Textbox
Page 7: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

20

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

Figura 7 – Plano Individual de Trabalho: frente

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 20

patricia
Textbox
Page 8: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

dos para não se baterem e a gritar com outros parase calarem... parece que nada daquilo é importantepara os meus alunos, mesmo os que escreveram nãoestiveram minimamente interessados em resolver osseus próprios assuntos, volta e meia estava alguéma falar em cocó, xixi (…) ou a cortar o próprio ca-belo... bom, foi mesmo para esquecer. Às tantas játinha perdido grande parte do meu auto controlo, jásentia que me estava a irritar por tudo e por nada eque tinha perdido a sensibilidade para perceber seos alunos que se estavam a portar mal estavam afazê-lo propositadamente, ou se estavam a ser pro-vocados por outros, ou até mesmo se estavam ou nãoa fazer um esforço para se conseguirem controlar.(…) Sinto que a minha falta de experiência me im-pede de ter a descontracção para parar, para mudarde actividade, para não ligar a certos comentáriosque só são feitos precisamente para me chamar aatenção, a evitar provocações antecipando-as e pre-venindo-as com a leitura e o relembrar das regras...enfim... é muito difícil ser-se professor, e ainda mais

quando não se quer ser autoritário mas se tem queser para evitar faltas de respeito. Mas claro queNÃO DESISTO.» (27.09.04)

«Os presidentes já conseguem gerir sozinhos aavaliação e troca de responsabilidades. No entantoé uma actividade que se torna morosa, uma vez queé preciso conjugar a auto e hetero-avaliação das res-ponsabilidades com as possibilidades das tarefasdisponíveis na semana e as já realizadas nas sema-nas anteriores. Acho incrível como é que crianças deoito anos conseguem lidar com esta complexidade deforma já tão competente!» (23.01.06)

«O Rodrigo e o Gustavo são excelentes presiden-tes. Não deixam que o Conselho seja chato porqueidentificam muito bem o que é necessário e o que édesnecessário e têm facilidade em gerir as interven-ções de forma diligente e eficaz. Há adultos que nãoconseguem ter a mesma perspicácia. São formidá-veis!» (27.01.06)

21

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

Figura 8 – Plano Individual de Trabalho: verso

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 21

patricia
Textbox
Page 9: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

«O José é presidente. Pela primeira vez quis serele espontaneamente a escrever a acta do Conselho.Está a fazer uma óptima gestão e está muito maduronas suas observações.» (10.02.06)

O Trabalho Autónomo

A operacionalização do Tempo de Trabalho(ou Estudo) Autónomo sempre foi uma dascoisas que mais me assustou. Achava que nãoiria conseguir dar apoio suficiente, que os alu-nos não se conseguiriam organizar com os seusplanos, que relacionar este momento com agestão flexível do currículo e as listas de verifi-cação de conhecimentos seria uma «missãoimpossível». No entanto, estava consciente daimportância que esta dinâmica tem na verda-deira aprendizagem e, muito em especial, nagestão dos apoios às crianças com maiores di-ficuldades.

Esta é uma dinâmica central do Modelo Pe-dagógico do MEM e é o espaço privilegiadopara o treino, para a detecção de dúvidas e ne-cessidades, para a experimentação e para seoperacionalizar a Diferenciação Pedagógica. «Em cada dia da semana dispõe-se de cerca de umahora, pelo menos, para que os alunos, individual-mente ou a pares, possam treinar capacidades ecompetências curriculares guiados por exercícios pro-postos em ficheiros; possam estudar, em textos infor-mativos ou nos manuais, as matérias nucleares dosrespectivos programas e possam exercitar-se no tra-balho de produção ou de revisão de textos escritos,proceder a leituras à sua escolha, ou realizar quais-quer outras actividades de consolidação ou de de-senvolvimento das aprendizagens» (Niza 1998,p. 90).

Para além de uma diversidade de registoscolectivos que dão conta quer do trabalho quecada um vai fazendo nas várias áreas, quer dautilização dos ficheiros disponíveis na sala, háum registo fundamental que guia todo o traba-lho semanal do aluno, nomeadamente as suasactividades durante os Tempos de Estudo Au-tónomo (T.E.A.): o Plano Individual de Traba-

lho (P.I.T.). Trata-se de um registo que inclui,para além de outras coisas, uma listagem dasactividades acordadas em Conselho que po-dem ser realizadas nos Tempos de TrabalhoAutónomo, e espaços respectivos para planifi-cação, registo e avaliação da execução dasmesmas em cada semana de trabalho. É este oinstrumento regulador que «no modelo do MEM(…) permitiu operacionalizar a diferenciação do tra-balho que defendemos, ou seja, a que permite acada um trabalhar segundo as necessidades queprogressivamente vai consciencializando na interac-ção com os outros, de modo a progredir no currículo»(Santana 1999, p.21). Este instrumento é ava-liado individual e colectivamente todas as se-manas, no momento do Conselho designadode Avaliação do P.I.T. e é essa regulação feitaem grupo que vai permitindo a cada um a to-mada de consciência das suas necessidades econsequente adequação progressiva do seu tra-balho às mesmas.

Não posso dizer que tenha sido fácil imple-mentar esta dinâmica do Trabalho Autónomoao longo do tempo, mas consigo agora perce-ber, através de uma leitura longitudinal do meudiário, que foi uma das dinâmicas nas quaismais apostei e que, como tal, foi aquela ondeos progressos são mais notórios, num espaçode tempo mais curto.

«Depois do almoço tivemos que trabalhar! «Óprofessora, mas quando é que nós vamos aprendera ler?»; «aqui na escola podem-se fazer pinturas?Pensava que na primária já não se podia!»; «pode-mos pintar com aguarelas professora Marta, é o queeu mais gosto, e já consegui abrir a minha caixi-nha...». Bom, perante isto avançámos para o Tempode Estudo Autónomo. Informei que todos os dias ía-mos ter uma hora para cada um trabalhar naquiloque achasse ser mais importante para si. Pergunteio que é que eles achavam que se podia fazer ali nasala... disseram algumas coisas, mas depois deixei--os partir à descoberta. Pintaram com aguarelas,com tintas, desenharam, pediram-me para escrevero que eram as coisas (cheguei a perguntar como éque achavam que se escreviam as palavras e houve

22

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 22

patricia
Textbox
Page 10: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

um aluno que até acertou em «janela»!), leram, (…)fizeram desenhos no computador...» (16.09.04)

«Eu queria ter-lhes apresentado o programa,queria ter combinado quem é que iria ficar respon-sável pelo calendário, queria, enfim, que eles me ou-vissem...mas eles só queriam trabalhar! «Professora,posso fazer aqueles jogos de ontem?»; «Professora,posso fazer pinturas?» (...) bom, expliquei-lhes que,como sabiam, todos os dias iríamos ter uma horapara cada um trabalhar nas suas coisas. Mas queessa hora seria sempre depois do intervalo da ma-nhã; (…) Depois do intervalo (…) foi Trabalho Au-tónomo. Pensei que já que eles queriam tanto traba-lhar autonomamente, então não poderíamos fazê-losem nos organizarmos. Escrevi numa folha grandeas actividades que eles tinham dito que se podiamfazer nesse tempo, acrescentámos mais uma ou ou-tra que não tinha sido dita, por cima escrevi o nomede cada um e compus uma tabela de duas entradas.Era o nosso primeiro Plano Colectivo a nascer. Com-binámos que cada um podia escolher uma daquelasactividades, mas que, antes de começar, tinha quevir marcar aquilo que ia fazer, para todos sabermosdo trabalho de cada um. Grande parte da turma es-colheu pintura, uma aluna escolheu escrita e outracontas... um par escolheu computadores e esteve atrabalhar no Paint Brush. Três alunos escolheramjogos e acabaram por trabalhar no geoplano, peloque tiveram que passar para a folha de registoaquilo que «desenharam» com os elásticos.»(17.09.06)

«Outro aspecto que me preocupou hoje foi a faltade interesse na avaliação dos Planos Individuais deTrabalho (P.I.T.) É claro que a certa altura todos secalaram e ouviram, embora eu sinta que foi quaseum favor que me fizeram. Tenho a perfeita noção deque, sendo a primeira vez que o fazem, não poderiaesperar muito mais. Até acho que cada um foi sin-cero naquilo que disse na sua autoavaliação e com-preendeu as minhas sugestões. Mas onde está o pa-pel do grupo nisto? Não sugeriram nada nem se in-teressaram pelo trabalho dos outros, apenas peloseu, e mesmo assim houve alunos que, estando nósa falar sobre o seu trabalho me perguntaram se po-diam ir à casa de banho. (…) No Tempo de Estudo

Autónomo (T.E.A.) a maior parte do grupo teve quecomeçar logo a trabalhar, enquanto eu fiquei com aoutra parte do grupo a fazer a autoavaliação dosplanos, uma vez que não tinha havido tempo paratodos na sexta-feira. Queria colectivizar tudo isso,mas não deu. Fiquei contente por saber que algunsdos meus alunos já estão muito interessados a tra-balhar em T.E.A., marcando e escolhendo as coisasde forma relativamente autónoma. No entanto háuma grande parte que aproveita para brincar e fa-zer sempre jogos... claro que falei nisso, mas nãoserviu de nada... lá está a ilusão do professor: «fala--se e a magia acontece!». Se calhar esses alunosainda precisam muito de fazer jogos, na verdade sãoos mais infantis e com menores períodos de concen-tração... mas como devo eu incentivá-los a sair dessepatamar e a avançar para o seguinte? Muitos delestêm capacidades cognitivas suficientes para avan-çar. O problema é mesmo a socialização e a inte-gração do sentido do trabalho escolar.» (27.09.04)

« (…) Afinal a minha grande preocupação temsido o tempo que tem corrido melhor: o Tempo deEstudo Autónomo. Fiz um fantasma na minha ca-beça de que seria dificílimo ajudar os meus alunos atrabalharem de forma autónoma. Afinal, esse é omomento mais longo da semana e aquele que corremelhor...» (28.09.04)

«O grupo já está a conseguir marcar muito me-lhor as coisas no P.I.T., inclusivamente planificandoà segunda-feira o trabalho para toda a semana. Al-guns alunos ainda planificam dia a dia e um ou doissó marcam depois de fazerem, porque ainda nãoconseguem planificar, mas o facto de a maioria já terconseguido planificar tudo hoje, parece-me umagrande conquista. Não sei se me estou a precipitar,mas acho que planificar é essencial para que oT.E.A. não se transforme num momento de puro la-zer». (11.10.04)

«Hoje irritei-me com o Vasco porque marcou to-dos os quadradinhos do P.I.T., mesmo depois de eulhe ter perguntado se conseguia fazer aquilo tudo eele me ter dito que não. Acho que me precipitei. Elevai ter que aprender com o erro e eu, enquanto pro-fessora consciente, vou ter que o deixar errar!»(24.10.2004)

23

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 23

patricia
Textbox
Page 11: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

«Conseguimos fazer a avaliação completa doP.I.T. pela primeira vez. Li a autoavaliação quecada aluno fez na sexta-feira, li o meu comentário ea cada aluno um colega pôde fazer uma pergunta oucomentário. Acho que foi um momento muito posi-tivo, houve crianças que se queixaram de um grandecansaço, mas eu sinto que este episódio demonstra jáum certo crescimento do grupo. Estou feliz!»(8/11/2004)

«Esta semana o P.I.T. foi novamente alterado:está dividido por áreas disciplinares, para facilitar amarcação... pensava eu! Ninguém marcou grandescoisas na área da Língua Portuguesa, apesar deesta estar bem explícita. Isso preocupa-me: acho queo grupo ainda não sabe marcar o P.I.T. de acordocom as necessidades que afirma ter, e os compromis-sos que assume nos momentos de avaliação doP.I.T.. Será que não estou a ser clara e objectiva osuficiente durante esses momentos? Ou será que es-tou a ser demasiado exigente com um grupo queainda mal começou a escolaridade?» (23.11.04)

Alguns aspectos da iniciação à leitura e à escrita

Outro dos aspectos que me atormentavaera, como é previsível, a iniciação à leitura e àescrita pelo processo interactivo. Por um lado,estava profundamente segura de que era por aío caminho que queria seguir, bem como daspotencialidades desse processo mas, por outrolado, é muito difícil gerir as ansiedades de algoque não se conhece bem, que é pouco previsí-vel e cuja evolução está dependente do grupo,da sua maturação, do seu próprio envolvi-mento comunicativo e da minha capacidadede apelar à comunicação escrita, dando sentidoàs actividades da escola e, logo, utilidade àsaprendizagens realizadas.

As principais características deste processode iniciação à leitura e à escrita são, por umlado, partir daquilo que as crianças já sabem edo próprio erro para evoluir na aprendizageme, por outro lado, partir da discursividade dascrianças para depois, em processos de maior

ou menor globalização, levar à integração eanálise das regras, características e funções docódigo escrito. Trata-se, portanto, de um pro-cesso e não de um método, uma vez que nãohá nenhuma estrutura preestabelecida ou ri-tualizada no uso de um manual a seguir, massim momentos de produção, contacto e análiseem contexto do código escrito, progressiva-mente mais complexos e profundos, con-soante os conhecimentos de cada criança e dogrupo todo.

Apesar das dificuldades com as quais me fuidebatendo, apesar das inseguranças, do ques-tionamento constante dos pais, das dificulda-des concretas de alguns alunos e dos timingsque, agora reconheço, poderiam ter sido maisacelerados se eu estivesse mais segura e fossemais experiente, considero que os progressosque agora vejo nos meus alunos justificam cla-ramente tudo isso. Quando se sente que a lei-tura e a escrita servem a vida do grupo e nãosão apenas elementos escolásticos, quando sevê que a funcionalidade e importância do có-digo escrito estão integrados, quando a quanti-dade e a qualidade de escrita e leitura ultrapas-sam consideravelmente aquilo a que é comumassistir-se nas escolas, quando a lógica do dis-curso das crianças é perceptível e de muitaqualidade, quando a diversidade de suportes,objectivos, interesses, instrumentos, formatos,destinatários da leitura e da escrita que acon-tece na sala é altamente rica e multifacetada,então posso dizer que, de facto, vale a penatrabalhar desta forma.

Na verdade não escrevi muito sobre esteprocesso no meu diário, aliás como para oresto das temáticas. Acho que o deveria terprolongado até mais tarde com a mesma in-tensidade dos primeiros meses.

Deixo-vos, no entanto, algumas das refle-xões que escrevi:

«Uma colega perguntou-lhe: «Mas o que é que tuestás a fazer?»; «Estou a ler», respondeu. «Mas tunão sabes ler!», retorquiu. «Mas no cantinho da lei-tura é para ler que eu sei, e eu estou a ler os meus li-vros». «Professora, também posso ler?»

24

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 24

patricia
Textbox
Page 12: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

De facto, as crianças já chegam à escolacom concepções de leitura e de escrita muitovariadas. O processo interactivo do MEM re-quer a valorização de todos esses conhecimen-tos anteriores à iniciação formal ao código es-crito, que constituirão pontos de partida paraaprendizagens mais desenvolvidas. Não setrata de um método contrastante com o desen-volvimento natural das crianças; trata-se deum processo que convida à reflexão sobre oque se produz para, em aproximações sucessi-vas decorrentes de muitas tentativas e treino,cada um se ir aproximando do código escritoconvencional, a seu ritmo e mediante estraté-gias próprias discutidas e partilhadas na comu-nidade de aprendizagem que é o grupo–turma.

«Depois disso avançámos com o referido jogo:pedia a um aluno para tirar uma tira, mostrava-apara todos tentarem identificar o nome escrito, e arespectiva pessoa partilhava uma ou várias coisassobre si, que eu ia anotando, chamando a atençãopara a forma como escrevia. Qual foi o meu espantoque um dos alunos acompanhou quase em simultâ-neo a minha leitura e assinalou a descoberta de trêspalavras repetidas. Para além disso quase todos sa-biam o nome de todos e o referido aluno até conse-guiu ler os meus dois primeiros nomes [Marta Sofia](porque também fiz uma tira com o meu), havendode facto uma Marta na turma que já se tinha apre-sentado, mas não havendo nenhuma Sofia. Como éque há professores que conseguem simplesmente ig-norar toda esta riqueza que as crianças já trazem(afinal já fazem leitura do mundo desde que nasce-ram), para lhes ensinarem os ditongos que, em si,nada significam?« (16.09.04)

«Seguiu-se a primeira actividade no caderno:cada um escreveu o seu nome e a data (depois de euexplicar como se muda o calendário). (…) Os tra-balhos que não estavam identificados foram identi-ficados por mim, mas alertando para a importânciade não nos esquecermos de o fazer, pois senão nãosabemos de quem são. Escrever o nome serve paraisso. (…) Uns terminaram mais cedo do que outros,como era de esperar, uns fizeram uma cópia já muitobem orientada no espaço e com letras bem desenha-

das e de tamanhos equilibrados. Outros misturaramos nomes todos com a data e ocuparam a folha toda,mas isso também era de esperar. Depois de fazeremesse trabalho e de afixarem os seus trabalhos, com-binámos que poderiam escrever no seu caderno ou-tras coisas que já soubessem, ou então que dese-nhassem.» (17.09.04)

«De manhã, antes da festa, estivemos a contarnovidades que eu escrevi e dei a cada autor. Comosó houve dois corajosos para falar, então só tivemosdois textos... em lugar de escolhermos um, e vendoque ambos geraram interesse e não eram mais doque uma frase, afixei os dois no quadro para faze-rem descobertas. Havia palavras iguais, palavrasque começavam da mesma maneira mas termina-vam de forma diferente, havia bocadinhos dos no-mes deles, letras conhecidas... enfim, acho que valeua pena lançar-lhes este desafio. Só que depois avan-çámos para a recomposição dos textos. Passei cadaum deles para tiras de cartão e, depois, distribuí astiras pelos grupos para que as cortassem em pala-vras. De seguida cada grupo foi compor os textosnos quadros de pregas, tendo os textos de referênciaao lado. Conseguiram compor os dois textos, só quecomo as palavras dos dois estavam todas mistura-das, e algumas, como já disse, até eram repetidas,foi uma actividade, admito, que exigiu um poder deconcentração muito grande. Não acho que tenhasido mau para eles, porque hoje pegámos num dostexto para o voltarmos a compor e a ler (...) e, na ge-neralidade, todos conseguiram, uns com maior faci-lidade do que outros, como é obvio, por isso é quetrabalharam sempre a pares ou trios.» (20.09.04)

«Bom, o Zeca decidiu começar a escrever. Todosos dias faz um livro (com folhas agrafadas), cheio dedesenhos, para dar ao irmão. Hoje decidiu escreverpalavras do dicionário ilustrado e da sala para in-cluir no livro. Até se ofereceu para ajudar a Marta aescrever em T.E.A. porque ela não sabe bem o que éque se pode fazer para escrever. Acho que isto foiuma grande conquista, tendo em conta que o Zeca éum miúdo com muitos problemas, sobretudo devidoa uma grande falta de auto-estima. Fiquei muito fe-liz por ele, e por todos, pois é mais uma prova de queo grupo está a crescer...» (11.10.04)

25

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 25

patricia
Textbox
Page 13: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

«O Zeca provou-me que nunca devemos duvidardo trabalho dos nossos alunos: ele andava há unsdias a fazer um livro cheio de desenhos, trabalhoque realizava precisamente nos momentos inoportu-nos, embora sem perturbar muito. Avisei-o imensasvezes que o Ler, Contar e Mostrar era para ouvir efalar, que ele estava a fazer desenhos e não partici-pava, que o Tempo de Estudo Autónomo não era sópara fazer desenhos, que os alunos deveriam traba-lhar nas suas dificuldades e, sobretudo, cumprir oseu P.I.T., etc.... Hoje, no tempo das histórias, oZeca disse-me assim:

– Ó professora, tens que ser sempre tu a ler umahistória ou eu posso ler uma que escrevi?

Eu fiquei perplexa, não estava nada à espera,mas ele percebeu a minha satisfação. Era evidente!

– Claro que podes Zeca. O momento de históriasé para se lerem e ouvirem histórias. Não há ne-nhuma regra que diga que só eu é que posso ler.Acho óptimo que os alunos também façam isso. Oque é que o grupo acha?

– Pode ser. (Disseram alguns. Outros não se ma-nifestaram).

E o Zeca avançou:– Isto é a capa e isto é o meu nome. Fui eu que

fiz esta história. (autor) Vou fazer como a profes-sora: primeiro leio, e depois mostro os desenhos.

E leu. Leu, quer dizer, contou, porque na reali-dade não havia lá nada escrito.

Quando chegou o momento dos comentários, al-guns colegas disseram que tinham gostado, outrosque estava giro mas que ele tinha misturado váriashistórias numa, etc. Eu também pedi a palavra eagradeci ao Zeca por ter partilhado connosco o seutrabalho, elogiei a história que estava bem organi-zada, que tinha princípio, meio e fim, mas disse queaquele livro tinha uma coisa estranha: onde estavamas letras e as palavras para os outros também a po-derem ler?

O João disse logo:– Ó professora, tu não sabes, claro que essa é

uma história daquelas onde só aparecem as imagense quem lê é que inventa.

– Tens razão, não tinha pensado nisso. Não melembrei de que há livros assim.

E o Zeca:– Mas, ó João, eu não queria escrever uma his-

tória dessas para bebés. Isto é uma história a sério.Eu só não escrevi porque não sei escrever!

Claro que eu lhe sugeri logo se queria que eu oajudasse a escrever a história. Podíamos tentar es-crever os dois as palavras mais fáceis, e as outras eupodia escrever numa folha para ele copiar, uma vezque a história era muito grande. Concordou. Noscomputadores marcou no Plano Colectivo (da salados computadores) «escrever textos» e começou apassar a história.» (20.10.04)

«O Pedro não é capaz de colar os textos no ca-derno depois de os cortar em palavras, e lê muitopouco dos mesmos. A Marta também tem muita di-ficuldade. Estou preocupada, tenho que trabalharmais texto com eles no T.E.A..» (10.11.04)

«Mas quando é que os meus alunos vão dar er-ros? Acho que o grupo tem pouca iniciativa de escritae um excelente domínio do oral, que deve ser apro-veitado. Então, achei que devia propor que, a partirde agora, se faça um esforço para que todas as no-vidades, anedotas e histórias contadas no Ler, Con-

26

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

Figura 9 – Exemplo de um Trabalho de Texto do 1.º ano

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 26

patricia
Textbox
patricia
Textbox
Page 14: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

tar e Mostrar sejam escritas antes e lidas ao grupoou, pelo menos, escritas depois. É uma questão deplanificação do oral e de registo do mesmo. Da ma-neira como estamos a trabalhar agora, apesar de euperguntar sempre quem é que quer que eu escreva oque disse, e de o fazer muitas vezes, o que aconteceé que os alunos acabam por estar constantemente ainventar histórias no momento e, muitas vezes semgrande nexo. Será que estou a prejudicar a orali-dade em função do escrito?

A Marta escreveu um texto com a minha ajuda.Acho que se continuar a insistir com ela vai acabarpor despertar para a escrita.» (17.11.04)

«O Bruno voltou a contar a mesma história, por-que é a única que tem escrita. Mas já a leu melhordo que ontem e, para além disso, pediu-me para oapoiar na escrita de uma nova história. Isso parece-me positivo.»

«No trabalho de texto conseguimos dar título aotexto, melhorá-lo, identificar as partes melhoradas,

lê-lo antes e depois, de várias maneiras; inventaruma lista de palavras a partir da palavra «menina».Foi um trabalho muito interessante, o grupo estavaagitado devido – pareceu-me – a um grande empol-gamento. Não foi fácil respeitarem as regras da co-municação, mas isso deveu-se ao facto de teremmuito a dizer. Acho que foi positivo.

A Marta, o Pedro e a Beatriz estiveram umpouco ausentes... tenho que tentar dar-lhes maisapoio amanhã, durante a colagem do texto no ca-derno, para perceber o que é que eles já conseguemler do texto ou não.» (23.11.04)

O trabalho por Projectos

Recorrendo às palavras de Américo Peças«aqui o projecto surge como sentido, com cultura, eesse sentido é o de organizar o olhar, a escuta, asenergias, os sujeitos e as acções para responder a de-sejos e aspirações que são sempre necessidade dedesenvolvimento inter e intrapessoais. Projectos quecomprometem, descobrem os obstáculos e procuramos meios de os vencer. Esta cultura de projecto remeteo acto de educar para um outro paradigma: já nãotransmissão de informação sem ligação com o vivido,mas o aprender como meio de compreensão e acçãosobre os quotidianos, orientado para a resolução dosproblemas e das dificuldades, provocando novas emais intensas questões para nos fazermos todos (…)mais cultos e melhores cidadãos». (Peças 1999,pág. 59).

Nestas palavras estão, quanto a mim, asgrandes dificuldades de implementação doTrabalho de Projecto: transformar os projectos emmeios de aprendizagem que, muito para além docurrículo, nos façam ser mais cultos e melhores cida-dãos. Um projecto será algo a que o sujeito queo realiza se sinta ligado, com o qual se identifi-que e através do qual se proponha aprender epermita a aprendizagem a todos os outros ele-mentos do grupo.

Implementar esta realidade com crianças deseis anos, que não sabem ler nem escrever eque acabaram de chegar à escola foi, de facto,muito complicado. Muitas vezes esbarrei com

27

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

Figura 10 – Trabalho de Texto do 2.º ano: texto origi-nal com descobertas e algumas correcções ortográficas

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 27

patricia
Textbox
patricia
Textbox
patricia
Textbox
patricia
Textbox
Page 15: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

a possibilidade de fazermos todos o mesmoprojecto, de ser eu a escolher um tema mais fá-cil, de querer um tratado sobre cada assuntoabordado.

Basicamente, os alunos começaram por seorganizar em grupos de trabalho (pares outrios), de acordo com os temas do seu agrado,e preencherem um registo de planificação doprojecto, elaborando perguntas para as quaisquisessem obter respostas. As vias de recolherinformação podiam ser orais (entrevistas, etc.),documentais (livros, Internet, etc.) ou a própriaobservação. O registo queria-se simples e omais objectivo possível, face às questões colo-cadas inicialmente. A organização da informa-ção e a preparação da comunicação à turma es-tiveram sempre interligadas (o produto era oque se apresentava), de modo a facilitar o pro-cesso. A apresentação queria-se bem prepa-rada e com discurso espontâneo, ou seja, semestar a ler, embora isso fosse difícil de conse-guir. As sessões de trabalho sempre incluírammomentos colectivos de balanço periódico dasituação do trabalho de cada grupo, momentosde trabalho efectivo e momentos de comuni-cação. Os produtos finais foram, sempre quepossível, integrados em circuitos de comunica-ção, ou na escola, ou com os correspondentes.

No final de cada comunicação avaliavam--se, desde cedo, a adequação ou a discrepânciaentre o planificado e o apresentado, entre o es-crito e o oral, bem como os critérios de quali-dade das comunicações. As aprendizagensefectuadas a partir dos projectos eram explici-tadas oralmente, mas com pouca convicção.Para fazer face a isso elaborou-se um ficheirode estudo a partir dos projectos apresentadose, presentemente, são os próprios autores quepreparam qualquer coisa para testar os conhe-cimentos dos colegas, logo após a comunica-ção, incitando-os ao estudo posterior do tema.

«Consegui terminar o preenchimento dos planosde projecto com os grupos que faltavam, enquanto osoutros trabalhavam em T.E.A. (não me consigo do-brar em muitas «Martas», é difícil que todos estejam

a trabalhar em projecto ao mesmo tempo sem maisnenhum adulto na sala. Como ainda não havia ma-terial para nenhum grupo, optei pelo Trabalho Au-tónomo, para conseguir planificar mais de perto comos grupos que não tinham conseguido terminar nooutro dia). Já todos os alunos têm tema e grupo. Nãofoi preciso muito: no tempo de Projectos disse-lhesque eles iriam poder investigar temas de que gostas-sem para todos aprendermos com isso. Surgiu logouma chuva de temas (todos animais, mas enfim) deinteresse, a partir dos quais os grupos se organiza-ram. Em termos de auto-estima e interesse os meus

28

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

Figura 11 – Trabalho de Texto do 2.º ano: registodas perguntas ao autor para expansão do texto

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 28

patricia
Textbox
patricia
Textbox
patricia
Textbox
patricia
Textbox
patricia
Textbox
Page 16: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

alunos estão muito desenvolvidos. Agora resta-mesaber canalizar toda essa energia e autoconfiançapara trabalhos mais produtivos do que perturbar obom funcionamento do grupo!» (27.09.04)

«O grupo de projecto dos «dinossauros» conse-guiu comunicar o seu trabalho. Pediram-me para ler

quase tudo, porque os nomes dos dinossauros erammuito grandes e difíceis... o trabalho estava muitoconfuso mas acho que, tratando-se de dois alunosum tanto desorganizados, e do seu primeiro projecto,foi um momento positivo!

O grupo das «focas» comunicou sozinho, mas sóa Beatriz é que explicou. A Marta não disse abso-lutamente nada! O que vale é que os próprios cole-gas comentaram isso e sugeriram que nas comunica-ções todos falassem. Vinda do grupo, a ideia tevemuito mais impacto do que se tivesse sido eu a dizê-la.» (8.11.04)

«O Vasco e o Zeca recusaram-se a comunicar oseu projecto porque estavam muito cansados e nãolhes apetecia ler! Fiquei um bocado aborrecida maslimitei-me a escrever no diário de turma, afinal elesjá se tinham comprometido a apresentar hoje; achoque o facto de não terem sido obrigados, mas sim devirem a ser confrontados com o grupo no Conselho émais eficaz e coerente, do que simplesmente se os ti-vesse obrigado a comunicar o projecto, se bem queera isso que me apetecia fazer no momento... conse-gui conter-me! Estou a melhorar!

O projecto do Diogo e do João («Tigres») não ti-nha quase nada senão desenhos feitos por eles. Nãorespondia às perguntas do plano de projecto. Du-rante a consecução do projecto preferiram quasesempre trabalhar sem ajuda, e eu abstive-me. Achoque os comentários dos colegas durante a avaliaçãodo projecto os ajudaram mais do que se tivesse sidoeu a chateá-los durante os momentos de trabalho.Os colegas disseram-lhes que achavam mal eles nãoterem escrito nada nem terem respondido às pergun-tas que se propuseram [presentes no plano e lidas àturma no início da comunicação], porque todos osoutros alunos o tinham feito ou, pelo menos, tentadofazer. Do grupo surgiram também algumas dessasrespostas, por exemplo: «eles são carnívoros. Querdizer que comem carne» (Bruno); ou «eu achoque eles atacam os cães porque são muito maiorese atacam os animais que não são tigres» (João).»(22.11.04)

«Hoje senti-me muito feliz no momento da comu-nicação dos projectos porque as comunicações forampreparadas, os comunicadores conseguiram ler e ex-

29

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5Figura 12 – Trabalho de Texto do 2.º ano:

texto trabalhado

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 29

patricia
Textbox
patricia
Textbox
Page 17: O Diário Profissional como instrumento de …centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_0_mod...foi feita para passar a escrito o percurso da instituição progressiva do modelo

plicar as informações do projecto. Mesmo o João fi-cou muito motivado com a comunicação e, apesardas suas dificuldades, comunicou uma boa parte doprojecto e os colegas fizeram um excelente trabalhode cooperação com ele, lendo baixo as palavras queele não sabia, mas deixando que a atenção recaíssesobre ele, através de uma postura discreta, não inco-modando a sua vez de participar. Ele também semanteve concentrado durante a participação dos co-legas.» (10.02.06)

O trabalho com este grupo e a reflexão, par-tilhada e acompanhada por colegas do MEM,permitiram-se dar passos substanciais na mi-nha prática. Sinto que me tornei mais segura,mais convicta das potencialidades deste mo-delo de trabalho e também mais certa de que areflexão sobre e durante o vivido, com paresde profissão, é determinante, atrevo-me a ge-neralizar, no crescimento profissional de qual-quer indivíduo. A escrita do Diário Profissionalfoi, e continua a ser (embora com um certoabrandamento que vou tentar dissipar) umaactividade com uma riqueza indescritível, querdo ponto de vista das tomadas de consciênciadas minhas necessidades e das do grupo, quer

em termos terapêuticos, já que a escrita temesse valor de «ajudar a dissipar fantasmas».Voltar a pegar nestes textos, organizá-los e vol-tar a reflectir sobre eles, durante a elaboraçãodeste escrito, ajudou-me a crescer mais en-quanto pessoa e enquanto profissional da edu-cação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JONNAERT, PH. E BORGHT, C. (2002). Criar condi-ções para aprender – o Socioconstrutivismo naformação de professores. S. Paulo. Artmed Edi-tora, pp.159-162; 178-188.

NIZA, S. (1998). A Organização Social do Tra-balho de Aprendizagem no 1.º Ciclo do En-sino Básico, Inovação, 11, n.º 1, pp. 77-98.

PEÇAS, A. (1999). Uma cultura para o trabalhode projecto, in Escola Moderna, n.º 6 (5.ª sé-rie), pp. 56-61.

SANTANA, I. (1999). O Plano Individual de Tra-balho como instrumento de pilotagem dasaprendizagens no 1.º CEB, in Escola Mo-derna, n.º 5 (5.ª série), pp.15-24.

30

ESCO

LA M

OD

ERN

AN

º 24•

5ª s

érie

•200

5

REVISTA Nº24 7/3/06 17:09 Página 30

patricia
Textbox
patricia
Textbox
patricia
Textbox
Louseiro, M. (2005). O Diário Profissional como instrumento de aprendizagem. Escola Moderna, 24, 5.ª série, 14-30.
patricia
Textbox
patricia
Textbox