o discurso de autoridade no jornalismo

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O DISCURSO DE AUTORIDADE NO JORNALISMO: A UTILIZAÇÃO DE DADOS NUMÉRICOS NA INFOGRAFIA 1 Kelly De Conti Rodrigues 2 Resumo: O estudo investiga a estruturação discursiva de infográficos, observando tanto a sua composição textual quanto imagética. Por meio da metodologia da análise do discurso de linha francesa, busca analisar a construção de sentido na organização de dados estatísticos no jornalismo, tendo como base empírica os casos do Blog Estadão Dados e da Folha de S. Paulo. A análise inclui as técnicas de organização dos infográficos que são utilizadas para construção de sentido na produção de conteúdo a partir de bases de dados. A partir disso, a pesquisa observa que os dados numéricos atuam como uma espécie de discurso de autoridade, conferindo credibilidade e criando uma ilusão de real na narrativa jornalística. Contudo, nota-se que as articulações entre textos e imagens são importantes componentes retóricos capazes de mobilizar diferentes interpretações a partir dos mesmos dados. Palavras-Chave: Estadão Dados. Folha de São Paulo. Infografia. Jornalismo. Narrativas. INTRODUÇÃO 1 Trabalho apresentado na disciplina “Composição Imagética e Produção de Sentido”, ministrada pela Profa. Dra. Eliza Bachega Casadei, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FAAC-UNESP) . 2 Aluna do Programa de Mestrado em Comunicação Midiática da Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FAAC-UNESP) e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). E-mail: [email protected] .

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Jornalismo de Dados e Infografismo

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O DISCURSO DE AUTORIDADE NO JORNALISMO: A UTILIZAO DE DADOS NUMRICOS NA INFOGRAFIA[footnoteRef:1] [1: Trabalho apresentado na disciplina Composio Imagtica e Produo de Sentido, ministrada pela Profa. Dra. Eliza Bachega Casadei, do Programa de Ps-Graduao em Comunicao Miditica da Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (FAAC-UNESP).]

Kelly De Conti Rodrigues[footnoteRef:2] [2: Aluna do Programa de Mestrado em Comunicao Miditica da Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (FAAC-UNESP) e bolsista da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (Fapesp). E-mail: [email protected].]

Resumo: O estudo investiga a estruturao discursiva de infogrficos, observando tanto a sua composio textual quanto imagtica. Por meio da metodologia da anlise do discurso de linha francesa, busca analisar a construo de sentido na organizao de dados estatsticos no jornalismo, tendo como base emprica os casos do Blog Estado Dados e da Folha de S. Paulo. A anlise inclui as tcnicas de organizao dos infogrficos que so utilizadas para construo de sentido na produo de contedo a partir de bases de dados. A partir disso, a pesquisa observa que os dados numricos atuam como uma espcie de discurso de autoridade, conferindo credibilidade e criando uma iluso de real na narrativa jornalstica. Contudo, nota-se que as articulaes entre textos e imagens so importantes componentes retricos capazes de mobilizar diferentes interpretaes a partir dos mesmos dados.

Palavras-Chave: Estado Dados. Folha de So Paulo. Infografia. Jornalismo. Narrativas.

INTRODUOQuando se aborda a representao objetiva da realidade, comum a utilizao de nmeros e estatsticas com a inteno de mostrar preciso a respeito do tema tratado. A matematizao das ideias, portanto, age como legitimadora das informaes. Esse fenmeno ocorre tanto na cincia quanto em prticas profissionais, sobretudo aquelas que se fazem assumir como referenciais, como no jornalismo.Neste, alis, os nmeros conferem credibilidade informao, fazendo com que o pblico passe a acreditar com mais segurana no contedo descrito. Nesse contexto, os infogrficos passaram a preencher papel importante ao detalhar os dados e torn-los visualmente mais atrativos.Contudo, esse papel dos nmeros no jornalismo pode ser ilusrio, uma vez que os organizadores das informaes que iro compor o produto final utilizam mecanismos retricos e discursivos para atribuir sentido. Isso significa que a forma como os dados esto organizados influencia a interpretao do contedo. Como aponta Certeau (1994, p. 287) ao tratar dessa pretenso de descrever o real em narrativas como a jornalstica:

Os relatos do-que-est-acontecendo constituem a nossa ortodoxia. Os debates de nmeros so as nossas guerras teolgicas. Os combates no carregam mais as armas de ideias ofensivas ou defensivas. Avanam camuflados em fatos, em dados e acontecimentos. Apresentam-se como os mensageiros de um real (CERTEAU, 1994, p.287).

A presente pesquisa buscou analisar esse aspecto da produo jornalstica. Portanto, o objetivo verificar a construo de sentido na infografia, considerando dois parmetros como ponto de partida: 1) os efeitos de sentido que so mobilizados pelos dados estatsticos; 2) as articulaes discursivas das relaes texto-imagem nos infogrficos.

O EU E O OUTRO NO ATO COMUNICATIVO Estamos aqui para dizer o qu?. Para o linguista francs Patrick Charadeau (2010, p. 69), essa pergunta permeia todo tipo de discurso. Segundo o autor, portanto, o ato comunicativo sempre estruturado a partir de finalidades que giram em torno da expectativa em que se baseia a troca.A respeito desses objetivos, o socilogo francs Dominique Wolton (2010, p. 17) aborda os motivos que permeiam o ato comunicativo. Ele destaca trs razes que se encontram misturadas e hierarquizadas conforme as circunstncias em que est inserido. O primeiro propsito apontado pelo autor compartilhar, que se trata de uma necessidade humana fundamental e incontornvel. Em seguida vem a seduo, inerente a todas as relaes humanas e sociais. A ltima a convico, ligada a todas as lgicas de argumentao utilizadas para explicar e responder a objees.Nessa linha de raciocnio, Charaudeau (2010, p.67) acrescenta que a existncia de um discurso implica a adequao a um contrato de comunicao, uma vez que a atribuio de valor aos atos de linguagem depende do palco em que esto inseridos, com suas variaes de espao, de tempo, de relaes, de palavras, dentro dos quais se encenam as trocas sociais. Nesse contrato, o jogo de regulao das prticas sociais instaurado pelo conjunto de pessoas que tentam viver em comunidade e pelos discursos de representao, produzidos para justificar essas mesmas prticas a fim de valoriz-las.Nessas trocas comunicacionais, pressupomos a existncia de algum que dever ser atingido pelo discurso, o qual pode ter quatro tipos de objetivos, como enumera Charaudeau: o fazer fazer, o fazer saber, o fazer crer e o fazer sentir. O primeiro leva o interlocutor a agir de determinada maneira. No segundo caso, o emissor objetiva transmitir informaes a algum que se pressupe no possu-la. J o fazer crer busca convencer o interlocutor de que algo verdadeiro, enquanto o ltimo provoca nele um estado emocional agradvel ou desagradvel. Esses quatro sentidos podem ser utilizados em conjunto no processo comunicativo, mas isso no exclui que um deles tenha mais nfase, dependendo da intencionalidade do autor.Em todas essas instncias, encontra-se um objetivo em comum: convencer o enunciatrio. Ou seja, em toda estrutura discursa existem componentes argumentativos para que o receptor interprete de maneira a acreditar no que se diz. Para isso, utiliza-se recursos que podem conferir credibilidade s informaes.Essa concepo implica que o pathos seja um elemento presente em qualquer narrativa, uma vez que este se trata de uma projeo discursiva do enunciatrio - em oposio a um estado de esprito emprico - na medida em que determina as escolhas lingusticas por parte do enunciador, como destaca o linguista Jos Luiz Fiorin (2004a). O autor se refere ao pathos como as emoes despertadas no receptor a partir de um conjunto de tcnicas discursivas mobilizadas pelo narrador. Trata-se, portanto, de considerar a relevncia de se despertar determinados estados de esprito no receptor, capazes de influenciar a interpretao do que foi narrado. Essa conjectura avalia que, a partir de um mesmo tema, uma mesma pessoa pode pensar de determinada forma quando se encontra em certo estado de esprito (mais afvel, por exemplo), mas receber esse mesmo contedo numa intensidade diferente ou pensar em algo totalmente diverso se estiver em outro estado (mais hostil, por exemplo). Por conseguinte, bem argumentar implica conhecer o que move ou comove o auditrio a que o orador se destina (ARISTTELES apud FIORIN, 2004b, p.23). Aliado a isso, Fiorin (2004a, p.40) afirma que como se produz um enunciado para comunic-lo a algum, o sujeito produtor do discurso desdobra-se num enunciador e num enunciatrio. Ou seja, o primeiro utiliza procedimentos argumentativos, procurando fazer com o segundo aceite o que ele diz. Enquanto isso, o enunciatrio realiza um fazer interpretativo. pertinente destacar que o pathos se trata de uma projeo desses receptores.

O pathos no a disposio real do auditrio, mas a de uma imagem que o enunciador tem do enunciatrio. Essa imagem estabelece coeres para o discurso: por exemplo, diferente falar para um auditrio de militantes polticos ou para um auditrio que julga a poltica uma coisa aborrecida. Nesse sentido, o auditrio, o enunciatrio, o target, como dizem os publicitrios, faz parte do sujeito da enunciao; produtor do discurso, na medida em que determina escolhas lingsticas do enunciador. Evidentemente, essas escolhas no so necessariamente conscientes (FIORIN, 2004b, p.24).

O jornalismo, como ato comunicativo, cria efeitos de sentido nos enunciados proferidos, com o objetivo de convencer o auditrio. Para conferir credibilidade e aumentar a adeso dos receptores ao que dito, o profissional utiliza-se de processos retrico-argumentativos na construo das narrativas.

O DISCURSO DE AUTORIDADE DO JORNALISMO E SEU EFEITO DE REALO fazer jornalstico pode ser considerado como uma srie de artefatos lingusticos que procuram representar determinados aspectos da realidade e resultam de um processo de produo e fabrico onde interagem diversos fatores (SOUSA, 2002, p. 13). Dentre esses elementos que servem de instrumento para comunicar fatos da suposta realidade esto textos, udios e imagens que objetivaro convencer os receptores, conforme discutido no tpico anterior. Por essa razo, no h nenhum sentido em falar de acontecimentos em si; s se pode falar de acontecimentos sob descrio (CHARAUDEAU, 2010, p. 103).Assim como aponta Certeau (1982), a produo discursiva deriva de uma combinao entre a edificao de um lugar de sentidos ou seja, a semantizao e de uma seleo, de maneira que possa ser ordenada uma inteligibilidade por meio de uma normatividade. Isso se deve ao processo artificial da comunicao humana, uma vez que se baseia em artifcios, descobertas, ferramentas e instrumentos, a saber, em smbolos organizados em cdigos (FLUSSER, 2007, p.89).Em discursos como o jornalstico, que se reveste de pretenses de narrar a realidade, a organizao desses elementos citados tentam criar uma iluso de correspondncia estrita e imediata entre o acontecimento e sua representao. Como descreve Barthes (1988), esse tipo de discurso incorpora determinadas caractersticas que, ao tomar a estrutura do ter-estado-presente (ou seja, do aconteceu, aquilo que se passou realmente) como princpio norteador da fala, geram um efeito de realidade capaz de transmitir a iluso de ser minuciosamente fidedigno ao fato, apenas o representando.Uma das formas de criar essa impresso, como exemplifica o prprio Barthes, a tentativa de mascaramento do enunciador, de modo que parea que os fatos se narram sozinhos, sem a interferncia da interpretao e das vises do produtor. Trata-se, portanto, de uma estratgia que busca anular aspectos passionais do enunciador, de forma que as marcas de sua existncia no fiquem evidentes no discurso. um meio, portanto, de criar a iluso de que se trata de uma narrativa objetiva e fiel realidade.Pcheux (2008) tambm aborda essa tentativa de ocultamento do enunciador. Para ele, o narrador, ao pensar sobre aquilo que quer dizer, faz uma interpretao do(s) discurso(s) que norteiam a narrativa que ir produzir. A partir dessa ideia, Pcheux afirma que interpretar produzir um enunciado que traduza o enunciado de origem. Por esse motivo, defende que o ato de descrever se trata de um processo que no pode ser dissociado da interpretao.Acrescente-se a isso o fato de que toda descrio est exposta ao que Pcheux (2008, p. 53) chama de equvoco da lngua, ou seja, todo enunciado intrinsecamente suscetvel de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro. Ou seja, em qualquer discurso, impossvel desconsiderar a presena de um enunciador e sua influncia na produo de sentido.Assim, a realidade observada em textos jornalsticos pode projetar uma imagem que, se analisada mais amplamente, destoar o contedo dos textos do objeto s quais se referem. Em resumo,

[...] o texto jornalstico mantm relaes com a realidade, mas constri jornalisticamente um mundo que o leitor pode confundir como sendo o mundo extra-mental. Na verdade, o jornalismo apresenta aos leitores um tratamento da realidade, mas que pode ser confundido com um retrato do mundo (SILVA, 2006, p. 15).

A partir disso, pode-se concluir que o discurso jornalstico se enquadra no que o filsofo Cham Perelman (2005, p. 347) descreve como argumento de autoridade. Trata-se de uma forma de induo retrica, utilizada pelo enunciador, capaz de facilitar o processo de persuaso do auditrio.Ele explica que mais difcil fazer questionamentos sobre os discursos de algum que tenha credibilidade junto ao pblico do que aceitar passivamente os apontamentos de um orador que no goze desse prestgio. Por esse motivo, possvel afirmar que o jornalista algum que dispe dessa prerrogativa social para dizer/descrever a verdade, com menor desconfiana sobre seus apontamentos. Mesmo que o eu no aparea diretamente no discurso proferido, ele est previamente autorizado pela credibilidade da classe dos jornalistas, bem como pode ser corroborado pela confiana sobre a instituio que representa. Ou seja, esse elemento retrico se trata do valor dado aos testemunhos socialmente autorizados. Esses relatos tm o duplo e estranho poder de mudar o ver num crer, e de fabricar real com aparncias (CERTEAU, 1994, p. 288).Somando-se a isso, o produtor do discurso jornalstico ainda utiliza vrios recursos para aumentar a fidedignidade de sua narrativa. Como afirma Perelman,

As autoridades invocadas so muito variveis: ora ser o parecer unnime ou a opinio comum, ora certas categorias de homens, os cientistas, os filsofos, os Padres da Igreja, os profetas, por vezes a autoridade ser impessoal: a fsica, a doutrina, a religio, a Bblia; por vezes se tratar de autoridades designadas pelo nome (PERELMAN, 2005, p.350).

A fotografia um elemento considervel nesse sentido. Por meio dela, h uma sensao de congelamento do fato representado na sua exata forma, portanto inquestionvel. Contudo, sabido que muitos fatores so, evidentemente, influenciadores em uma narrativa fotogrfica, a exemplo do enquadramento. Outro recurso muito utilizado recorrer a algumas fontes de informao autorizadas, como instituies governamentais e especialistas de determinadas profisses.Nesse contexto, ganha cada vez mais evidncia a utilizao de dados numricos, sobretudo oriundos de pesquisas de instituies de credibilidade perante a sociedade em geral, para legitimar o discurso jornalstico. Em muitos casos, esses elementos fazem parte de infografias. Este recurso, que une imagens e textos, costuma facilitar a visualizao, mas tambm so importantes na produo de sentido, criando suas prprias narrativas.

O DISCURSO DE AUTORIDADE DOS NMEROS E A ARTICULAO TEXTO-IMAGEM EM INFOGRFICOSDe acordo com Teixeira (2010, p. 16), o jornal The Times publicou, em 20 de abril de 1801, o esquema de uma batalha naval entre a frota inglesa e a dinamarquesa. Ele ainda estava longe dos modelos modernos de infografia, mas, a seu modo, narrou a estratgia que levou vitria britnica. Contudo, a mesma pesquisadora afirma que, de acordo com Peltzer (1991) e Sancho (2001), o primeiro infogrfico publicado pela grande imprensa aquele intitulado Mr. Blights House, veiculado na primeira pgina do The Times, em 07 de abril de 1806. Ele explicava um assassinato, detalhando o passo-a-passo do homicida quando estava dentro da casa, a trajetria da bala que matou Isaac Blight e o local onde o homem caiu morto (TEIXEIRA, 2010, p.17).

Os exemplos citados fizeram parte dos passos iniciais do infografismo, o qual ganhou diversos modelos e formas de representao ao longo dos anos. Aliando elementos icnicos e tipogrficos, essa modalidade discursiva do jornalismo pode agregar vrios formatos, como mapas, fotografias, ilustraes, grficos, tabelas, etc. Considerando aqueles que so produzidos na web, ainda possvel utilizar recursos como udios, vdeos e filtros de manipulao das informaes pelo usurio.J a utilizao de bases de dados numricas no jornalismo ganhou mais recorrncia sobretudo no final da dcada de 1960. Nesse momento, houve o desenvolvimento do chamado Jornalismo de Preciso a partir do qual derivaram as tcnicas do Jornalismo Guiado por Dados, conforme ficou mais conhecido atualmente com Philip Meyer, ento reprter do Detroid Free Press. O jornalista desenvolveu a reportagem The People Beyond 12th Street, em 1967, que propunha a utilizao de metodologias de pesquisa das Cincias Sociais para conhecer as causas e as caractersticas dos participantes de motins urbanos que aconteciam com frequncia na cidade naquele ano. Os resultados foram divulgados na reportagem que acabou comtemplada pelo Prmio Pulitzer.Com o passar dos anos, a incorporao de dados numricos em matrias jornalsticas ficou mais recorrente e ganhou ares de legitimao do discurso. Conforme destacado no tpico anterior, essa construo narrativa por meio de nmeros, ainda mais aliada infografia, passa por selees e interpretaes do profissional. Esses fatores contribuiro para a criao de efeitos de sentido.Com o intuito de exemplificar as consideraes anteriores, este trabalho traz a anlise emprica de dois infogrficos veiculados pelo Grupo Estado e pelo Grupo Folha. O intuito analisar a construo de sentido a partir de dois parmetros: 1) os efeitos de sentido que so mobilizados pelos dados estatsticos; 2) as articulaes discursivas das relaes texto-imagem nos infogrficos.A proposta demonstrar que os nmeros no so elementos fiis realidade (ou seja, no existe apenas uma narrativa possvel de provir atravs deles), mas esto dentro de um discurso produzido por um enunciador que faz uso de tcnicas de comunicao. Entre os elementos que influenciam em grande medida a construo dessas narrativas esto: a relao entre texto e imagem; os elementos e formatos utilizados na composio (tabelas, grficos, imagens e outros subsdios grficos que influenciam a produo de sentido); a combinao de dados e, no caso da internet, a manipulao de filtros e outros recursos hipertextuais.Um dos infogrficos analisados, publicado em meados de 2013 pelo Blog Estado Dados, pertencente ao Grupo Estado (empresa jornalstica a qual faz parte o jornal O Estado de S. Paulo), pressupe uma ligao entre a popularidade da presidente brasileira Dilma Rousseff e o ndice Nacional de Expectativa do Consumidor (INEC). Inicialmente, destacam-se duas importantes consideraes: o contexto em que foi publicado e a suposta relao diretamente proporcional entre os dados percebida pela composio imagtica.Em relao ao segundo aspecto, a projeo leva a crer que um ndice tem relao direta com o outro, contudo preciso lembrar que vrios outros fatores podem determinar a elevao ou queda de cada um deles. O ndice Nacional de Expectativa do Consumidor (INEC), por exemplo, um indicador que avalia o sentimento do consumidor quanto a fatores que afetam sua disposio de compra. As informaes so coletadas por intermdio de pesquisa de opinio pblica, e o INEC ajuda a prever variaes no ritmo da atividade econmica, estimando alteraes no nvel de consumo das famlias. Essa medida da confiana do consumidor depende do poder de compra, da variao salarial, dos ndices de desemprego, das variaes cambiais etc. Ou seja, difcil avaliar uma relao to ntima, de causa e consequncia, com a popularidade presidencial.No caso do primeiro aspecto, no se pode esquecer que a publicao foi realizada no perodo em que manifestaes populares eclodiam no pas, o que influencia nos nmeros que refletem a aceitao da presidente Dilma naquele momento. Alm deste fato, tambm seria necessrio considerar os vrios fatores que podem influenciar os ndices em cada um dos perodos que compem o grfico, bem como seus respectivos contextos econmicos, polticos e sociais.At mesmo o design escolhido influencia a leitura, uma vez que a relao diretamente proporcional que se busca criar fica mais evidente na estrutura escolhida. Um olhar superficial j suficiente para perceber que as barras que indicam o INEC acompanham a curva de popularidade presidencial. Se os dados estivessem em artes separadas, ou at mesmo ambas dispostas em barras, essa visualizao seria mais difcil. A proposta do jornal passar essa perspectiva de que os elementos esto correlacionados, como demonstra o ttulo do infogrfico: Confiana do consumidor em queda desgasta popularidade de Dilma. Os elementos analisados, portanto, mostram algumas das estratgias discursivas de convencimento das ideias que se pretendem transmitir por meio dos elementos que compe este produto jornalstico.

Figura 1. Infogrfico divulgado pelo Blog Estado Dados, em 2013, comparando a popularidade da presidente Dilma Rousseff e o ndice de Expectativa do Consumidor

O outro infogrfico da amostra foi divulgado pelo jornal Folha de S. Paulo no dia 07 de dezembro de 2014. A matria em questo destaca o resultado de uma pesquisa Datafolha, realizada pelo mesmo grupo de comunicao, e o infogrfico combina os atuais nmeros com resultados da mesma consulta de opinio em anos anteriores. Assim como no primeiro exemplo, ele aborda alguns ndices relacionados ao governo da presidente Dilma Rousseff, reeleita em 26 de outubro de 2014.O infogrfico composto pelos seguintes tpicos: a) a responsabilidade da presidente Dilma no caso Petrobras; b) o grau de conhecimento dos entrevistados sobre o caso; c) nveis de combate corrupo nos mandatos dos seis ltimos presidentes do Brasil; d) a expectativa quanto ao desempenho de cada um dos ltimos cinco presidentes dias antes de suas respectivas posses.Inicialmente, preciso contextualizar que o caso Petrobras se refere a uma operao, iniciada em 2014, que investiga um suposto esquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo essa empresa estatal brasileira, grandes empreiteiras do pas e polticos. A matria, cuja chamada de capa foi Brasileiro responsabiliza Dilma por caso Petrobras, associa a figura da chefe do Executivo ao escndalo, tanto por meio da manchete taxativa quanto pela forma como elenca os dados.Um elemento que pode ter influenciado o nmero que recebeu mais destaque do jornal a forma como ocorreu a elaborao da pergunta Dilma tem responsabilidade sobre o caso?. O termo responsabilidade se torna muito genrico nesse contexto. Por exemplo, as respostas afirmativas podem ter interpretaes como: ela sabia das irregularidades, mas nada fez; ela teve participao ativa, portanto estava diretamente envolvida nos desvios; ela tem responsabilidade, mas porque escolheu ou aprovou os gestores da Petrobras; dentre outras variadas formas de observar essa pergunta. Desse modo, nota-se a dificuldade de representao da realidade concreta e imutvel em um discurso, o que influencia nos ndices apresentados.J a respeito da maneira como os nmeros foram divulgados no infogrfico em questo, nota-se que, enquanto a pergunta destacada pelo jornal aponta uma avaliao negativa do governo, os demais ndices mostram o oposto. Se os nmeros positivos para Dilma fossem o destaque da manchete e tambm da ordem disposta no infogrfico (na publicao da Folha, o grfico sobre o caso da estatal consideravelmente maior e est no topo em relao aos outros), a percepo a seu respeito poderia tomar contornos afirmativos. A hierarquia escolhida para a apresentao dos dados, portanto, tambm importante na produo de sentido, uma vez que aquilo a que se confere mais destaque possui uma probabilidade muito maior de tambm ser recebido como ponto mais importante pelo pblico. O fato de ser o ndice com maior nfase tambm tem a possibilidade de criar um estado de esprito no receptor capaz de influenciar a forma de recepo das demais informaes, como destacado anteriormente ao tratarmos da definio do pathos por Fiorin.Tambm observando sob essa perspectiva, o grfico que aborda a ligao da presidente no caso Petrobras est dividido entre aqueles que atribuem muita (43%) e pouca (25%) responsabilidade, que se encontram somados totalizando o ndice de 68%. Uma outra forma de interpretao possvel seria unir aqueles que acreditam que ela no tem nenhuma relao com o caso (20%) aos que conferem pouco envolvimento, resultando em 45%, ou seja, a maioria. Neste caso, a manchete poderia afirmar, por exemplo, que os brasileiros acreditam que a presidente no a principal responsvel no caso, uma vez que a maioria dos entrevistados apontou que ela no tem responsabilidade ou que tem apenas uma pequena parcela de culpa.No se trata, portanto, de apontar um erro no grfico em questo, mas de verificar que, a partir de um mesmo conjunto numrico, possvel criar diferentes narrativas. A interpretao do jornalista e a forma como organiza o discurso, portanto, so importantes na produo de sentido.

Figura 2. Infogrfico divulgado pelo jornal Folha de S. Paulo, em dezembro de 2014, com resultado de pesquisa Datafolha

CONSIDERAES FINAISA matematizao das ideias no jornalismo, em grande parte dos casos, utilizada para legitimar as informaes. Contudo, conforme abordado anteriormente, esses elementos tambm fazem parte de um discurso, a partir do qual o emissor pretende gerar conhecimentos e transmitir determinados pensamentos.A combinao de dados faz com que cada um destes ganhe um novo valor. Ou seja, a exemplo do que Maingueneau (2002, p.25) coloca a respeito das citaes em um texto, trata-se de retirar um material j significante de dentro de um discurso para faz-lo funcionar dentro de um novo sistema significante. Nesse novo contexto, ganham novos valores simblicos e criam diferentes narrativas.Conforme destacado nas anlises, entre os fatores que contribuem para influenciar as interpretaes esto as representaes grficas, as informaes/dados escolhidos, as fontes de coleta destas, alm da prpria interpretao primria realizada pelo jornalista ao observar os documentos. Os sentidos, portanto, so construdos a partir de subsdios como os mencionados.A partir das anlises dos infogrficos selecionados neste estudo, seria possvel sugerir trs importantes elementos para a leitura dos infogrficos: a) Analisar os dados selecionados e seus cruzamentos com as informaes organizadas no infogrfico como a existncia ou no de relao direta entre diferentes nmeros , observando suas formas de construo de sentido; b) Inquirir a respeito dos diferentes elementos e formatos utilizados na composio de infogrficos, como a escolha por um tipo de grfico (ilustraes, grfico de barras, linhas, disperso etc.) em detrimento a outro ou a insero de determinadas imagens; c)Avaliar a relao entre texto e imagem na construo das narrativas nos infogrficos, analisar suas intencionalidades e tambm a hierarquia/nfase dada a cada um deles.Este pode ser um exerccio importante no que se refere interpretao de infogrficos. Com isso, pudemos demonstrar a existncia de construo de diferentes discursos nesses produtos jornalsticos e a relevncia de se voltar um olhar crtico diante deles.

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