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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 5459
O ENSINO DE HISTÓRIA NOS EXAMES FINAIS DA ESCOLA NORMAL DE NITERÓI (1896-1900)1
Cristiane Kozlowsky2
No campo da História da Educação, as pesquisas sobre a cultura escolar e os saberes
escolares ampliaram as possibilidades de estudo a partir da utilização de fontes
diversificadas. O contato com o arquivo da Escola Estadual Liceu Nilo Peçanha, localizado no
município de Niterói (RJ), propiciou a oportunidade de ter contato com um número
relevante de textos escritos pelos alunos da Escola Normal de Niterói. Os textos estão
contidos em exames de diversas disciplinas escolares.3 Algumas provas são para admissão ao
curso normal, enquanto outras são provas finais para conclusão do curso, datadas de fins do
século XIX e início do século XX.
Diversas indagações surgiram diante do vasto material encontrado no acervo em
questão. Afinal, em fins do século XIX, qual era a concepção de História que predominava na
Escola Normal de Niterói? Quais eram os conteúdos ensinados relacionados a esta
disciplina? Por que alguns assuntos eram abordados e outros sequer mencionados? Quais
materiais didáticos serviam de referência para estudar História naquela instituição? Quem
eram os professores que ensinavam essa disciplina?
Em razão de tais inquietações, a pesquisa de mestrado em andamento toma como foco
de interesse a concepção de história presente na Escola Normal Niterói. Ou seja, por meio da
análise dos exames finais realizados pelos normalistas ao longo da última década do século
XIX, pretendemos compreender qual a concepção de História que prevaleceu no ensino de
história daquela instituição.
O campo do currículo e os trabalhos de diversos pesquisadores da área constituem-se
como um importante arcabouço para a construção da pesquisa. Neste estudo, nosso objetivo
consiste em fazer uma breve análise sobre o processo de renovação dos programas da Escola
1 Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão da bolsa de pesquisa para a realização do mestrado.
2 Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Federal Fluminense. E-Mail: <[email protected]>.
3 Até o momento encontramos exames das seguintes disciplinas: Álgebra; Aritmética; Geometria; Português; Literatura; Geografia; Moral e Cívica; História Universal; História do Brasil (ou História Pátria); Corografia do Brasil e Cosmografia; História Natural (História Natural e Química – a partir de 1898); Química (a partir de 1900); Física; Francês; Pedagogia (às vezes aparece junto com a matéria de Metodologia); Metodologia; Música; Caligrafia e Desenho; Costura/ Trabalhos de agulha; e, Agronomia e Economia Rural.
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Normal de Niterói durante os anos finais do século XIX com o intuito de compreender por
qual motivo ampliou-se o espaço da disciplina História no currículo da instituição. Para a
realização deste trabalho, utilizaremos como fonte de pesquisa as grades curriculares da
Escola Normal de Niterói dos anos de 1892, 1893 e 1900. Além disso, parte dos conteúdos
disciplinares serão analisados através de alguns exames finais de História do Brasil e de
Metodologia,4 realizados pelos normalistas.
O processo de renovação dos programas da Escola Normal de Niterói nos anos de 1892,
1893 e 1900 será analisado a partir da perspectiva em que o sentido dado a programa de
ensino aproxima-se da ideia de currículo, no que se refere à distribuição das disciplinas
escolares com objetivos de ensino e aprendizagem. Encontramos em outros pesquisadores a
referência ao termo currículo para tratar do processo de escolarização brasileiro no século
XIX (SOUZA, 2000, p. 9-28). Feitas estas observações, aqui, programa de ensino e currículo
terão sentidos semelhantes sem o receio de utilizar conceito/ideias de uma época para
analisar os processos históricos de outro tempo.
A Escola Normal de Niterói no contexto da educação nacional
O Ato Adicional de 1834, por meio das alterações promovidas no texto da constituição
imperial, conduziu ao estabelecimento das primeiras escolas normais. A partir da criação do
Município Neutro com a separação entre a corte e a Província do Rio de Janeiro, a autonomia
provincial foi ampliada. As mudanças aprovadas refletiam o novo cenário político do Brasil.
Naquele momento, sem a intervenção do poder régio, as tendências políticas presentes,
representadas pelas alas liberal e conservadora, disputavam o poder. Enquanto os
conservadores defendiam o modelo da monarquia constitucional e as suas diretrizes políticas
centralizadoras, os liberais consideravam que os poderes régios deveriam sofrer limitações.
Neste sentido, as províncias deveriam ter maior autonomia.
Após alguns meses da reforma constitucional de 1834, por meio da Lei nº 10
(04/04/1835), a Província do Rio de Janeiro foi a primeira a implantar uma Escola Normal
no Brasil. Segundo Leonor Maria Tanuri, “o modelo que se implantou foi o europeu, mais
especificamente o francês, resultante de nossa tradição colonial e do fato de que o projeto
nacional era emprestado às elites, de formação cultural europeia” (2000, p.63).
De acordo com Heloísa Villela (1990), o currículo previsto pela lei que criou a Escola
Normal da Província do Rio de Janeiro era mais extenso que o proposto pela lei de Instrução
4 Há uma questão na Prova de Metodologia que versa sobre o Ensino de História.
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Pública do Império do Brasil. As escolas de primeiras letras do Império tinham como objetivo
ensinar apenas a ler, escrever, contar e transmitir a doutrina católica, ou seja, a instrução era
vista como um fim: ficar em condição de igualdade com as ditas Nações civilizadas. Ao passo
que, no caso da Escola Normal de Niterói, a educação era vista como um meio para propagar
ideologias e obter um consenso para o fortalecimento da hegemonia do grupo dirigente. A
valorização do ensino da língua nacional, da lógica (ensino de aritmética e geometria) e dos
conhecimentos geográficos – sobretudo do território nacional – de antemão evidenciavam o
uso da educação como um recurso para se alcançar tal objetivo.
As limitações de conteúdo e a insistência em métodos pouco frutíferos tornaram
apático o ensino nas primeiras escolas primárias do Brasil. No decorrer dos primeiros quatro
anos de funcionamento, a Escola Normal fluminense formou apenas treze professores e
acabou por ser extinta em 1849 (VILLELA, 1990, p. 173-176). De modo geral, as Escolas
Normais criadas pelas diversas províncias tiveram sua trajetória marcada por incertezas e
adversidades. O contínuo processo de abertura e fechamento levou tais instituições à
decadência e ao descrédito.
Após a proclamação da República uma nova constituição foi promulgada em fevereiro
de 1891. A Carta Magna, embora apresentasse um número maior de dispositivos sobre
educação, não contribuiu com nenhuma modificação em relação à Escola Normal. A
instrução primária e profissional foi mantida sob a responsabilidade dos, agora, estados e
municípios.
Benjamin Constant – propagador das ideias do positivismo no Brasil – logo após a
proclamação do novo regime, em 1890, exerceu funções importantes no recém-criado
Ministério dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. O conjunto de decretos
que compõem a significativa reforma conhecida como Reforma Benjamim Constant priorizou
a educação, sobretudo, os estabelecimentos mantidos pelo governo federal na capital da
República. Tais modificações procuravam abarcar o ensino primário e secundário, dando um
caráter cientificista à educação. Além de demonstrar preocupação quanto à formação e à
qualificação do corpo docente dedicado ao magistério primário. No entanto, a tendência
cientificista e positivista da época não parece marcar o ensino da Escola Normal de Niterói,
pois, de acordo com Heloísa Villela:
Até o final do século [XIX] sucederam-se pequenas reformas na Escola Normal que não mudaram em essência o caráter das disciplinas do curso. Num momento fortemente marcado pela tendência cientificista e positivista, não identificamos na escola de Niterói essa influência que tão nitidamente pode ser percebida na escola de São Paulo e, sobretudo, na do Rio de Janeiro, sob a influência de Benjamin Constant. Isso não quer dizer que
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embates não tenham ocorrido em torno das questões curriculares e, até mesmo, sob o sentido de se manter tal instituição, uma vez que havia outra congênere tão próxima, pois a da Corte havia sido inaugurada em 1881 (2000, p. 113).
O destaque dado à aprendizagem como solução para propagar conhecimentos e valores
levou ao centro da cena as práticas escolares e a relação professor-aluno. Ocorreram
alterações no espaço físico das escolas, além da intensificação na utilização de materiais
didáticos e o estímulo à produção de uma literatura escolar nacional.5 Neste sentido, o
currículo deveria exaltar a educação do corpo e da alma dos alunos e não ser voltado apenas
para conhecimentos básicos – no caso, leitura, escrita, cálculo e ensinamentos sobre o
catolicismo. Para tanto, era necessário ampliar a variedade de matérias e complexificar os
temas abordados. Além das inovações incorporadas ao ensino da leitura e da escrita –
essencial para o aprendizado – no tocante à disciplina de História do Brasil, seu estudo
ganhou autonomia, ampliou-se e tornou-se obrigatório.
O Ensino de História nos programas e nos conteúdos dos exames finais da Escola Normal de Niterói
A história das disciplinas escolares é marcada por tensões e disputas entre diversos
grupos que, em fins do século XIX, em geral, eram compostos por políticos e intelectuais.
Evidentemente, a história do ensino de História não é diferente. O processo de construção do
Estado nacional trouxe à cena questões ligadas à escolarização da população. As divergências
sobre o que era importante para ser ensinado ao futuro cidadão geraram enfrentamentos
entre grupos próximos às esferas do poder educacional. Neste contexto, o ensino de história
passou a ser objeto de inúmeras disputas, dentre as quais, destacamos: história sagrada
versus história laica; história humanista versus história científica; história universal versus
história nacional.
As experiências de ensino/aprendizagem da disciplina História vivenciadas por alunos
e professores, a quem foi atribuída a responsabilidade incutir, difundir e formar a
nacionalidade brasileira nos dão pistas que ajudam a construir um mosaico sobre a história
da História como conhecimento escolarizado. Compartilhamos com André Chervel a
perspectiva de que os conteúdos de ensino são
5 Citamos alguns exemplos da produção brasileira de literatura escolar: livro de leitura com lições de português, história e geografia com autoria de Olavo Bilac e Manoel Bomfim intitulado Através do Brasil; nesta mesma perspectiva Júlio Lopes de Almeida escreveu Histórias da nossa terra; e Silvio Romero (1890) A História do Brasil ensinada pela biografia de seus heróis.
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entidades sui generis, próprios da classe escolar, independentes numa certa medida, de toda realidade cultural exterior à escola, e desfrutando de uma organização, de uma economia interna e de uma eficácia que elas não parecem dever nada além delas mesmas, quer dizer à sua própria história (1990, p.180).
As teorias críticas do currículo elaboraram uma inversão nos fundamentos das teorias
curriculares tradicionais. Enquanto os modelos tradicionais limitavam-se a analisar apenas a
atividade técnica de como fazer o currículo, as teorias críticas, ao questionarem o status quo,
enfatizando as injustiças e desigualdades sociais, tomaram para si a missão de construir um
arcabouço teórico para “desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o
currículo faz” (SILVA, 2015, p.30). Os estudiosos da área debruçaram-se sobre a tarefa de
denunciar o papel da escola e do currículo na reprodução da estrutura social. Duas correntes
destacaram-se como influentes no campo da teoria curricular crítica: a Sociologia do
Currículo, com origem nos Estados Unidos da América, e, a Nova Sociologia do Currículo,
com origem na Grã-Bretanha.
Jean-Claude Forquin destaca a fecundidade e a originalidade dos aportes teóricos da
sociologia crítica, demonstrando a importância das pesquisas de estudiosos como Michael
Young e Basil Berstein. Contudo, o pesquisador do campo do currículo aponta “uma certa
fragilidade no plano da validação empírica e talvez uma certa falta de perspectiva histórica”
(FORQUIN, 1992, p.40). Neste aspecto, a história das disciplinas escolares pode ser uma
importante ferramenta para ampliar o entendimento dos currículos educacionais e desbravar
novos caminhos de pesquisa. Segundo Forquin,
É por isto que se pode considerar que trabalhos sócio-historiográficos como os conduzidos na França por Chevel ou na Grã-Bretanha por Ivor Goodson abrem verdadeiramente caminhos novos à reflexão sociológica sobre o currículo, as matérias escolares, os conteúdos e as práticas de ensino (1992, p.40)
A partir das reflexões de Ivor F. Goodson, compreendemos que “o currículo escrito é o
testemunho público e visível das racionalidades escolhidas e da retórica legitimadora das
práticas escolares” (GOODSON, 1992, p.20). Neste sentido, o currículo não é um dado
atemporal, mas uma construção social atravessada por disputas. Tais disputas podem ser
externas, isto é, ligadas a questões políticas e sociais ou podem ser internas, ou seja,
derivadas do interior do campo científico e/ou profissional – comumente relacionadas às
questões teórico-metodológicas.
Nas propostas educacionais brasileiras realizadas no decorrer das primeiras décadas do
século XIX, frequentemente, o ensino de História estava vinculado ao ensino de Geografia.
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Além disso, a matéria História ora estava subordinado à moral religiosa, ora coexistia com a
História Sagrada (BITTENCOURT, 1993, p.195-196). Paulatinamente, nos anos finais do
Oitocentos, a disciplina História ganhou autonomia, pois passou a ter uma relação direta na
constituição da identidade nacional. Neste contexto, o ensino de História Universal, que
antes predominava nos programas quanto ao tempo de estudos, passou a dividir espaço nas
grades curriculares com a História Pátria.
Em fins do século XIX, a História esteve presente no currículo da Escola Normal
fluminense.6 No entanto, ao longo das reformas que aconteceram nos anos de 1892, 1893 e
1900, ocorreram algumas transformações que consideramos relevantes para este estudo. Do
mesmo modo, por tratar-se de um momento importante para a consolidação do processo de
escolarização no Brasil, as instituições escolares, dentre as quais as Escolas Normais,
passaram por modificações.
As frequentes aberturas e fechamentos das Escolas Normais e Liceus do período
imperial, em razão da falta de alunos, da descontinuidade administrativa, dos problemas de
infraestrutura, dos baixos salários e de tantos outros motivos, revela-nos a pouca ou a
ausência de compreensão com relação à necessidade de uma formação específica para os
professores das primeiras letras. Como aponta Tanure (2000, p.65), alguns presidentes de
Província e Inspetores de Instrução rejeitaram tais instituições como instrumento para
tornar os docentes mais bem preparados para o exercício da profissão.
Em muitos casos, não foram criadas escolas normais exatamente, mas, sim, um curso
normal ligado ao Liceu pelo acréscimo de uma cadeira de Pedagogia ou, no máximo, duas
cadeiras, uma de Pedagogia e outra de Metodologia (ALVES, 1997; VILLELA,2002). 7 A partir
desta solução econômica e que aligeirava a formação dos professores, a criação das escolas
normais públicas foi acomodada ao ensino secundário ministrado nos Liceus. De fato, as
duas escolas “acabaram influenciando-se mutuamente, ao mesmo tempo em que foram se
configurando como escolas distintas” (KULESZA, 1998, p.63).
Em 1892, a Escola Normal de Niterói foi fechada e a formação de professores passou a
ser realizada no Liceu de Humanidades onde criou-se uma cadeira de Pedagogia. Ao
6 ECAR, Ariadne Lopes. Conhecimentos pedagógicos como orientação para a “missão docente”: a formação na Escola Normal de Niterói na Primeira República (1893-1915). 2011. Dissertação de Mestrado – UERJ, Rio de Janeiro, 2011. p.88-89; 91-92; 97-99. Comparamos as grades curriculares dos anos de 1892, 1893 e 1900, disponíveis nesta dissertação de mestrado. Até o momento da pesquisa, ainda não tivemos acesso à coleção de leis do século XIX que se encontra na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ).
7 No período imperial, a Escola Normal de Niterói, o Liceu de Artes Mecânicas e a Escola de Arquitetos Medidores passaram a compor o Liceu Provincial. Foi mantida uma cadeira de Pedagogia para formar os professores. Esta experiência durou pouco tempo e após o fechamento do Liceu a Escola Normal ficou inoperante por mais de dez anos.
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observarmos a grade disciplinar de 1892, percebemos que as disciplinas de História e
Geografia eram oferecidas em conjunto durante os dois primeiros anos do curso. Para fins
comparativos, notamos que a disciplina Instrução Moral e Cívica esteve presente no
programa de 1892 durante os quatro anos de duração do curso, enquanto o ensino religioso
estava ausente na grade curricular. A intenção de substituir a moral religiosa pela moral de
natureza cívica parece ser o motivo de o ensino da disciplina Instrução Moral e Cívica ser
contemplado em todos os anos letivos.
Para a cidade de Niterói o início do período republicano foi conturbado em decorrência
do impacto da Revolta da Armada8 em seu território. A destruição foi tão grande que em 1894
a capital do estado passou a ser a cidade de Petrópolis. Somente em 1903, Niterói retomou o
título de capital. O prédio que abrigava a Escola Normal não teve condições de continuar seu
funcionamento e o ano letivo de 1893 foi cancelado.
No mesmo ano, 1893, foi publicada a Lei nº 41 que organizou o ensino público do
Estado do Rio de Janeiro. A Escola Normal de Niterói teve suas atividades restabelecidas e o
curso normal passou a ter duração de três anos (ECAR, 2011, p.85). As disciplinas de
História Universal e História do Brasil estavam presentes na grade curricular de 1893 como
um bloco único, porém, diferentemente da grade de 1892, o Ensino de História estava
separado do Ensino de Geografia e constava como matéria do segundo ano da Escola Normal.
No tocante à disciplina de Instrução Moral e Cívica, observamos a redução pela metade
do tempo dedicado ao seu estudo, ou seja, de quatro anos a disciplina passou a ser oferecida
nos dois anos finais do curso. A educação patriótica fundamentada pelos valores morais
estava estreitamente relacionada com a história e a geografia. O Ensino de História,
sobretudo o de História da Pátria, era considerado um instrumento para a aprendizagem de
outras disciplinas, como afirmava uma normalista em 1898:
A história é útil não só como elemento de educação, como também por cultivar efficazmente a memoria, a razão, a consciência e a vontade, e constitui um dos mais poderosos auxiliares que se pode dar na eschola primaria ao ensino cívico e ao da língua materna.9
Para construir o Estado-nação, modernizar a sociedade dando tons de civilidade e
incentivar o progresso, a escola passou a ser uma aposta certeira. A instrução primária e a
8 A Revolta da Armada – teve duração de seis meses entre os anos de 1893 e 1894 – foi liderada pela marinha que exigia a renúncia do presidente Marechal Floriano Peixoto. Esta exigência era baseada na Constituição de 1891. Após a renúncia do Marechal Deodoro da Fonseca, que governava provisoriamente, deveria ter ocorrido uma eleição para presidente, e não foi o que aconteceu. A partir da eclosão da Revolta, Niterói passou a ser palco de violentos combates.
9 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1898. Exame de Metodologia de Ermezinda de Mendonça Jardim. Grifos meus.
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figura do professor das primeiras letras tornaram-se símbolos fundamentais da escola
republicana. Cabia à professora
servir de modelo vivo das virtudes nacionais. Ela mesma, professora, transformar-se em símbolo, em modelo, nas suas atitudes, condutas, valores e sentimentos. Dar sentido à nação, mesmo nas pequenas coisas que dão a aparência de virtude, apresentando o modelo sem apresentar (MULLER, 2000, p.2).
Neste contexto, houve um aumento na procura pelo curso normal e no ano de 1900 a
Escola Normal de Niterói foi reorganizada. De acordo com Ariadne Ecar, “tal instituição
passou a ser considerada de caráter profissionalizante, dedicada aos candidatos ao magistério
e à educação moral, intelectual e prática” (ECAR, 2011, p.92).10 O curso normal voltou a ter a
duração de quatro anos.
Na grade curricular de 1900, o Ensino de História Universal foi separado do Ensino de
História do Brasil e ambos passaram a ser ensinados no decorrer de anos letivos diferentes,
respectivamente, terceiro e quarto – último – anos do curso normal. O ensino da disciplina
Instrução Moral e Cívica manteve-se como em 1893, ou seja, presente nos dois últimos anos
do curso. Percebemos que enquanto o Ensino de História ganhava extensão e autonomia
dentro do currículo, Moral e Cívica foi paulatinamente perdendo espaço. Tanto em 1893
quanto em 1900 não encontramos o ensino religioso presente entre as disciplinas ofertadas.
Na escola dos anos iniciais da República, a História Pátria passou a partilhar conteúdos
relacionados à moralidade e ao civismo tornando-se uma espécie de complemento da
educação Moral e Cívica. Por isso, ambas desempenharam um papel importante para a
realização das comemorações cívicas e a imposição de certas regras de conduta. O ensino de
História aliado ao civismo tinha a atribuição de formar moralmente o cidadão da República,
substituindo a moral cristã pela moral de natureza cívica. Em exame final, datado de 1898, a
aluna Sylvina Carneiro Borges afirma que “o ensino da História deve ser raciocinado, deve
despertar a curiosidade scientifica, exercitar convenientemente a memoria e, além disso,
deve ser essencialmente moral”. 11
Outra aluna, Arina Halfeld, escreveu em seu exame de Metodologia, no qual tirou a
nota máxima, como era entendido o vínculo entre estas duas disciplinas. A importância do
10 De acordo com a autora, em termos legais, a reorganização da Escola Normal de Niterói foi realizada através do Decreto 588, de 25 de janeiro de 1900, expedido e assinado por Alberto Torres.
11 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1898. Exame de Metodologia de Svlvina Carneiro Borges. Grifos meus.
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ensino de História Pátria estava intrinsicamente ligada aos conteúdos morais e civilizatórios
e devia contribuir para a formação da cidadania. De acordo com a normalista:
Deve-se ligar a maxima importancia ao ensino de história pátria, ele deve entrar como parte integrante do programma das escholas primarias e secundarias porque com a exposição e apreciação dos factos históricos pode-se fazer um curso quase completo de instrução moral e cívica, que muitíssimo contribue pâra a educação do futuro cidadão.12
De acordo com a Constituição Imperial de 1824, o Brasil era um país oficialmente
católico. Após a proclamação da República, a Carta Magna de 1891 reconhecia em seu texto a
liberdade de religião e de expressão religiosa, vedando-se ao Estado o estabelecimento de
cultos, sua subvenção ou formas de aliança. A educação oficial tornou-se laica e, ao contrário
da época imperial, o ensino religioso deixou de ser obrigatório.
O ensino religioso, embora não estivesse presente na grade curricular da Escola Normal
de Niterói no decorrer das três reformas mencionadas, seu conteúdo encontra-se
disseminado em diferentes textos escolares, inclusive, em compêndios de História Universal
e História Pátria. Em um exame de História do Brasil, datado de 1897, encontramos uma
questão em que o aluno deveria dissertar acerca dos “jesuítas como elemento de civilização
no Brasil”. A normalista Elisa Neves Teixeira, em meio a sua resposta afirmou que os jesuítas
foram um dos principais fatores de progresso da humanidade e “sua missão foi
incontestavelmente bella porquanto, embrenhando-se elles pela floresta, procuravam
converter em sectários da verdadeira religião christã milhares de homens sem fé”. 13
Encontramos alusão à religião católica nos exames finais de diversas disciplinas
escolares. Em uma prova de Português datada de 1898, por exemplo, o exercício de redação
tinha como tema “A fé”. Em uma avaliação de Francês, os alunos tinham que traduzir um
texto cujo título era “O Batismo”. Neste sentido, observamos uma cultura escolar marcada
por ensinamentos religiosos sem que, necessariamente, fosse preciso declarar na grade
curricular o ensino da religião. Com o advento da República e a separação entre a Igreja
católica e o Estado, oficialmente, o ensino religioso passou a estar ausente do currículo.
Contudo, no cotidiano escolar este conhecimento parece manter-se vivo e com boa saúde.
Apesar de os vestígios nos levarem a pensar a Escola Normal fluminense como um dos
lugares por excelência na tarefa de construir a identidade nacional, não podemos esquecer
que a escola não é um apenas um agente de transmissão de saberes elaborados fora dela.
12 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1898. Exame de Metodologia de Arina Halfeld. Grifos meus.
13 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1897 E-M. Exame de História do Brasil de Elisa Neves Teixeira. Grifos meus.
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Partimos do pressuposto de que as práticas e a experiência escolar confessam muito mais
sobre a produção do conhecimento do que supúnhamos. Os lugares de produção das
chamadas “ciências de origem”, que teoricamente são a base das diversas disciplinas
escolares, não dão conta de compreender as variadas formas com que os sujeitos vivenciavam
o aprender/ensinar de tais conhecimentos. Como afirma André Chervel:
A concepção de escola como puro e simples agente de transmissão de saberes elaborados fora dela está na origem da ideia, muito amplamente partilhada no mundo das ciências humanas e entre o grande público, segundo a qual ela é, por excelência, o lugar do conservadorismo, da inércia, da rotina. Por mais que ela se esforce, raramente pode-se vê-la seguir, etapa por etapa, nos seus ensinos, o progresso das ciências que se supõe ela deva difundir (1990, p.182).
Nos exames analisados até o momento, foi possível observar que a concepção de
História como “mestra da vida” (KOSELLECK, 2006, p.41-60) estava presente no Ensino de
História da Escola Normal de Niterói. O esforço para formar um sentimento nacionalista
carecia de personagens históricos que servissem como modelos de cidadania. Diversas provas
versam sobre as conquistas territoriais e fazem menção aos chefes militares e figuras políticas
de destaque. A normalista Cenira Adelina de Oliveira Vianna, por exemplo, ao dissertar sobre
a administração de Mem de Sá, tece diversos elogios à sua figura. De acordo com a resposta
da aluna, “Mem de Sá, cujo extraordinário tino administrativo alliado á prudência e a
intrepidez, brilhantemente se manifestou nos 14 annos do seo governo”.14
As fontes coligidas até o momento indicam que a visão da História como um mero
depósito de experiências vividas estava vigorosamente presente no Ensino de História da
Escola Normal fluminense nos anos finais do Oitocentos. Distanciada de uma concepção de
História racional e científica, orientada pelo paradigma iluminista presente no Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, percebe-se que no universo escolar, por estar atravessado
pela necessidade de edificar um sentimento nacional, em muitos momentos, optou-se pelas
lições baseadas na concepção clássica do passado em detrimento da ideia de progresso.
O processo de construção da disciplina escolar história não se identifica de modo
absoluto com o processo de constituição da história cientificista e positivista que se
consolidava no IHGB. Havia relações entre o conhecimento histórico produzido em ambas as
instituições. Todavia, a lógica do conhecimento científico “não pode ser compreendida de
forma dissociada do contexto humano e social que a produz” (LOPES, 2008, p.52). bem
14 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1900. Exame de História do Brasil de Cenira Adelina de Oliveira Vianna. Grifos meus.
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como a especificidade do universo escolar e os constrangimentos e acomodações da
escolarização dos saberes configuram uma história própria.
Alice Casimiro Lopes, pautada pelas contribuições teóricas de Basil Bernstein e Ivor
Goodson, salienta que o conhecimento escolar não é apenas uma adaptação do conhecimento
científico para fins educacionais. O discurso pedagógico dá outro significado, recontextualiza
múltiplos discursos e, nesse processo, produz novos sentidos. De acordo com Lopes,
A lógica científica no contexto escolar é uma lógica de recontextualizada, engendrada pelas relações de poder instituídas em um outro contexto social que não o científico. Sendo assim, as disciplinas escolares não têm por objeto a transmissão de princípios e conteúdos científicos estabelecidos a priori em instituições outras (2008, p.53).
Embora houvesse concordância entre monarquistas e republicanos sobre a importância
do papel do Estado como agente de transformação e modernização do país. Para a escrita e o
ensino da História, esses grupos disputavam em torno de qual regime político teria o
protagonismo para desencadear tais mudanças. As divergências giravam em torno das
referências que seriam adotadas para definir os marcos temporais para o Ensino de História
do Brasil. No exame da normalista Arina Halfeld, que foi avaliado com a nota máxima, a
aluna apresenta a divisão do programa de História Pátria da Escola Normal de Niterói:
Seguir-se-ha no ensino um programma como o adaptado pelo distincto Professor da Escola Normal, dividindo o curso da História do Brasil em 4 partes: a 1ª da descoberta do Brasil até ao domínio Hespanhol; a 2ª até á paz definitiva com a Hollanda sob o 2º dominio portuguez; a 3ª, até, á proclamação da Independencia; a 4ª, até á proclamação da República. 15
Observamos que não há nenhuma menção ao Império brasileiro ou à figura dos
monarcas no programa apresentado na reposta ao exame realizado pela normalista, tal
situação pode ser explicada pelas fragilidades do regime republicano em seus anos iniciais.
Ao pesquisarmos os exames finais de História Pátria dos normalistas de Niterói, realizados
entre 1896 e 1900, deparamo-nos com questões relativas a diversos assuntos, dentre os
quais: a primeira divisão do Brasil em dois governos gerais e subsequente reunião em um só;
os jesuítas como elemento de civilização; e, as invasões francesas do século XVIII. Em
aproximadamente vinte exames, não encontramos questões referentes ao Império brasileiro.
Neste momento, o regime republicano não estava com sua estabilidade garantida, as
incertezas políticas e as disputas entre as oligarquias marcaram os primeiros anos da
15 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1898. Exame de Metodologia de Arina Halfeld.
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República. Além disso, a figura do imperador era emblemática e devia ser tratada com
cautela. De acordo com Ângela de Castro Gomes, o imediato exílio da família imperial é um
forte indício do receio dos republicanos. Gomes assinala que
A República precisou lidar com cuidado com tal figura e com tudo o que ela representava, sobretudo, mas não exclusivamente, em seus momentos de implantação. Esse cuidado ainda se prolongou por algum tempo, o que explica que os pedidos de revogação do banimento da família imperial e de repatriamento dos restos mortais do casal de imperadores [...] tenham fracassado. Foi somente em 1921, [...] que o translado foi efetuado, numa cerimônia festiva (GOMES, 2002, p.20).
Os sujeitos que vivenciaram o ambiente escolar daquela época participaram ativamente
do estabelecimento da escolarização. São sujeitos desse processo histórico e não espectadores
ingênuos. Essas pessoas contribuíram com as suas ações, seus posicionamentos e sua cultura
para a formação da escola pelo qual passaram. Deste modo,
as culturas escolares não são um pressuposto, elas são o processo e o resultado das experiências de sujeitos, dos sentidos construídos e compartilhados e/ou disputados pelos autores que fazem a escola. Por isso, ao mesmo tempo em que tenho que considerar – do ponto de vista teórico e metodológico – a existência de outras culturas institucionais que estão em consenso e/ou conflito com a escola – como a cultura familiar, a cultura religiosa etc. –, é preciso que eu considere que os sujeitos que a constroem guardam, eles também, diversos pertencimentos e identidades pelos quais as culturas escolares estão continuamente informadas (FARIA FILHO, 2007, p.198).
Nesta chave de leitura, encontramos alguns sinais (GINZBURG, 1989, p.143-180) nos
exames dos normalistas. A aluna Ricarda Maigre Restier Gonçalves, ao dissertar sobre o
Ensino de História no exame final de Metodologia datado de 1898, critica a imposição de um
ensino patriótico a qualquer custo. A normalista argumenta:
Não queremos dizer (...) que a creança saiba tudo o que dizem esses livros sôbre “ os direitos e deveres do cidadão” que actualmente surgem de todos os prélos. Não somos absolutamente favoraveis ao ensino dos deveres do cidadão áquelles que não possuem noções prévias de história. O que queremos é que a creança comece o estudo da história pêla observação do que a cerca.16
Chervel enfatiza a capacidade de a escola produzir uma cultura específica, singular e
original. Para o autor “a instituição escolar era [e ainda é] capaz de produzir um saber
específico cujos efeitos estendiam-se sobre a sociedade e a cultura, e que emergia das
determinantes do próprio funcionamento institucional” (FARIA FILHO et al, 2004, p.144-
16 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1898. Exame de Metodologia de Ricarda Maigre Restier Gonçalves. Grifos meus.
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145). Neste sentido, o estudo da história das disciplinas escolares ao ser analisado em
confronto com as transformações que ocorreram tanto no interior da instituição escolar
quanto no seu entorno, constitui-se como caminho profícuo de pesquisa. Conhecer quais
eram as demandas e forças sociais que norteavam a elaboração da escolarização dos
conhecimentos traz uma relevante contribuição para a história da educação, para a história
cultural e para os estudos no campo do currículo.
Considerações Finais
Este texto apresentou resultados parciais de uma pesquisa mais ampla sobre o ensino
de História na Escola Normal de Niterói nos anos iniciais da Primeira República. A pesquisa
que ainda está em andamento é um estudo histórico sobre as disciplinas escolares e uma
investigação sobre a cultura escolar. A matéria História foi analisada em meio às
transformações sócio-históricas que ocorreram no Brasil e, especialmente, no estado do Rio
de Janeiro e sua capital, Niterói.
As concepções sobre o Ensino de História que nortearam as disputas no processo de
seleção dos conteúdos escolares evidenciam um projeto político-social civilizador. Com o
objetivo de construir a nação, agora, sob a égide do regime republicano, a pretensão de
substituir a moral cristã pela moral de natureza cívica em consonância com o fortalecimento
e autonomia do ensino de História Pátria demonstra um projeto direcionado para situar o
Brasil no mundo civilizado.
As reformas curriculares representaram uma profunda transformação na cultura
escolar. A escola que antes tinha o objetivo de ensinar a ler, a escrever, a contar e a
transmitir a doutrina católica passou a ter como propósito ensinar conhecimentos pautados
pela ciência, educar os corpos e difundir os valores morais e cívicos. Esse processo não
ocorreu sem que houvesse intensas disputas sobre quais conhecimentos deveriam ser
escolarizados e como deveriam ser ensinados. As três reformas curriculares que ocorreram na
Escola Normal de Niterói no período de oito anos demonstram, sobretudo no tocante ao
ensino da disciplina História, parte desse processo mais amplo vinculado a um projeto de
escolarização de cunho nacional.
Em síntese, pode-se dizer que a história das disciplinas escolares busca esclarecer os
motivos pelos quais uma parte do conhecimento foi legitimado enquanto outra parte foi
esquecida. As alterações nos conteúdos ocorrem por meio de disputas em que há objetivos e
visões diferentes sobre a ciência, a educação, a escola e, portanto, os programas de ensino.
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Deste todo, esse processo não ocorre sem as que os sujeitos que vivenciaram o ambiente
escolar contribuíssem com as suas ações, seus posicionamentos e sua cultura para a formação
da escola pelo qual passaram.
Referências
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