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3 CAPÍTULO 1 O Estado do Consumo Hoje Gary Gardner, Erik Assadourian e Radhika Sarin A China bem merece a reputação de ser o país da bicicleta. Durante todo o século XX, milhões de bicicletas, literalmente, apinha- vam as ruas de suas cidades, não apenas como meio de transporte pessoal, mas tam- bém como veículo de entrega – levando de tudo, desde materiais de construção até frangos a caminho do mercado. Mesmo nos anos 80 poucos automóveis circula- vam nas ruas chinesas. 1 Um visitante dos anos 80 que retorne hoje a Xangai ou outra cidade chinesa di- ficilmente a reconhecerá. Em 2002, havia 10 milhões de carros particulares e o nú- mero de proprietários crescia acelerada- mente: a cada dia, em 2003, cerca de 11.000 mais veículos juntavam-se ao trá- fego das rodovias chinesas – 4 milhões de carros novos no ano. As vendas au- mentaram 60% em 2002 e em mais de 80% no primeiro semestre de 2003. Até 2015, nesse ritmo, os analistas da indús- tria calculam que 150 milhões de automó- veis estarão congestionando as ruas chi- nesas – 18 milhões a mais do que circula- vam nas ruas e rodovias dos Estados Uni- dos em 1999. A classe emergente de con- sumidores chineses está aderindo entusi- asticamente ao aumento da mobilidade e elevação do status social representado pelo automóvel – milhões aguardam durante meses e assumem dívidas substanciais para tornarem-se membros pioneiros da nova cultura automobilística chinesa. 2 As vantagens desse caminho desenvolvimentista são evidentes para as autoridades governamentais, que o encora- jam. Cada novo automóvel fabricado na China representa dois novos postos de tra- balho para trabalhadores chineses, e a renda que recebem estimula, por sua vez, outros setores da economia chinesa. Ademais, a corrida para atender à demanda está atrain- do investimentos maciços de empresas es- trangeiras – a General Motors investiu US$ 1,5 bilhão em uma nova montadora em Xan- As unidades de medidas mencionadas neste livro são métricas, salvo quando o uso normal determine de outra forma.

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Estado do Mundo 2004

O ESTADO DO CONSUMO HOJE

C A P Í T U L O 1

O Estado doConsumo HojeGary Gardner, Erik Assadourian

e Radhika Sarin

A China bem merece a reputação de ser opaís da bicicleta. Durante todo o século XX,milhões de bicicletas, literalmente, apinha-vam as ruas de suas cidades, não apenascomo meio de transporte pessoal, mas tam-bém como veículo de entrega – levando detudo, desde materiais de construção atéfrangos a caminho do mercado. Mesmonos anos 80 poucos automóveis circula-vam nas ruas chinesas.1

Um visitante dos anos 80 que retornehoje a Xangai ou outra cidade chinesa di-ficilmente a reconhecerá. Em 2002, havia10 milhões de carros particulares e o nú-mero de proprietários crescia acelerada-mente: a cada dia, em 2003, cerca de11.000 mais veículos juntavam-se ao trá-fego das rodovias chinesas – 4 milhõesde carros novos no ano. As vendas au-mentaram 60% em 2002 e em mais de80% no primeiro semestre de 2003. Até

2015, nesse ritmo, os analistas da indús-tria calculam que 150 milhões de automó-veis estarão congestionando as ruas chi-nesas – 18 milhões a mais do que circula-vam nas ruas e rodovias dos Estados Uni-dos em 1999. A classe emergente de con-sumidores chineses está aderindo entusi-asticamente ao aumento da mobilidade eelevação do status social representado peloautomóvel – milhões aguardam durantemeses e assumem dívidas substanciaispara tornarem-se membros pioneiros danova cultura automobilística chinesa.2

A s v a n t a g e n s d e s s e c a m i n h odesenvolvimentista são evidentes para asautoridades governamentais, que o encora-jam. Cada novo automóvel fabricado naChina representa dois novos postos de tra-balho para trabalhadores chineses, e a rendaque recebem estimula, por sua vez, outrossetores da economia chinesa. Ademais, acorrida para atender à demanda está atrain-do investimentos maciços de empresas es-trangeiras – a General Motors investiu US$1,5 bilhão em uma nova montadora em Xan-

As unidades de medidas mencionadas neste livro sãométricas, salvo quando o uso normal determine deoutra forma.

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gai, enquanto a Volkswagen comprometeu-se a aplicar US$ 7 bilhões, ao longo dos pró-ximos 5 anos, no aumento de produção.3

A China está, naturalmente, seguindoum caminho muito bem marcado, emborajá tenham passado-se oito décadas desdeque o uso generalizado do automóvel po-pularizou-se nos Estados Unidos. Entretan-to, a história automotiva da China não estáligada nem aos chineses nem ao automó-vel. Dos estabelecimentos de fast-food àscâmeras descartáveis, e do México à Áfri-ca do Sul, grande parte do mundo está hojeentrando na sociedade de consumo numritmo alucinante. Segundo uma estimativa,a “classe consumista” possui hoje mais de1,7 bilhão de adeptos – com quase a meta-de deles no mundo “em desenvolvimento”.Uma cultura e estilo de vida que se torna-ram comuns na Europa, América do Nor-te, Japão e em alguns outros bolsões doplaneta no século XX e que se globalizamno século XXI.4

A sociedade de consumo tem, claramen-te, um forte encanto e traz consigo muitosbenefícios econômicos. Também seria in-justo argumentar que as vantagens obtidaspor uma geração anterior de consumidoresnão deveriam ser compartilhadas pela gera-ção seguinte. Todavia, o aumento disparadodo consumo na última década – e as proje-ções alucinantes que logicamente dele deri-vam – indica que o mundo como um todose verá, em breve, frente a um grande dile-ma. Caso os níveis de consumo que as vá-rias centenas dos milhões de pessoas maisafluentes gozam hoje repliquem-se por, pelomenos, metade dos cerca de 9 bilhões depessoas que deverão ser adicionadas à po-pulação mundial em 2050, o impacto emnossa oferta de água, qualidade do ar, flo-

restas, clima, diversidade biológica e saúdehumana será extremamente grave.5

Apesar dos perigos à frente, há poucosindícios de qualquer desaceleração da loco-motiva consumista – nem mesmo em paí-ses como os Estados Unidos, onde a maio-ria dispõe de uma oferta ampla dos bens eserviços necessários à condução de uma vidadigna. Em 2003 os Estados Unidos dispu-nham de mais carros particulares do que demotoristas, e os utilitários esportivos,beberrões de gasolina, estavam entre os ve-ículos mais vendidos do país. Novas habi-tações aumentaram 38% em 2002, em com-paração a 1975, apesar de haver um núme-ro menor de pessoas, em média, por mora-dia. Os próprios americanos estão maiorestambém – tão maiores, na realidade, que umaindústria multibilionária surgiu para atenderàs necessidades desses cidadãos, oferecen-do tamanhos maiores de roupas, mobíliamais resistente e até mesmo ataúdes maisespaçosos. Se as aspirações consumistas danação mais rica do mundo não podem sersaciadas, as perspectivas de controle doconsumo nos outros países, antes dodesnudamento e degradação por completodo nosso planeta, são desanimadoras.6

Entretanto, nem tudo está perdido.Defensores do consumo, economistas,legisladores e ambientalistas vêm desen-volvendo opções criativas para atender àsnecessidades das pessoas e, ao mesmotempo, reduzir os custos ambientais e so-ciais associados ao consumo em massa.Além de ajudar as pessoas a encontrar oequilíbrio entre muito e pouco consumo,dão maior ênfase a bens e serviços públi-cos, a serviços em lugar de bens, a benscom maior teor de reciclados e a alterna-tivas genuínas para os consumidores.

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Conjuntamente, essas medidas poderãoajudar na obtenção de alta qualidade de vidacom um mínimo de agressão ambiental edesigualdade social. A chave é aplicar umolho crítico não apenas na “quantidade”do consumo, mas também na“racionalidade”. (Vide Capítulos 5 e 8.)

O consumo não é um mal. As pessoasprecisam consumir para sobreviver, e osmais pobres precisam consumir mais paraterem vidas dignas e oportunidades. Porémo consumo ameaça o bem-estar das pes-soas e do meio ambiente quando se tornaum fim em si mesmo – quando se torna oprincipal objetivo de vida de um indivíduo,por exemplo, ou a medida máxima de su-cesso da política econômica de um gover-no. As economias de consumo em massaque geraram um mundo de abundância paramuitos no século XX vêem-se frente a umdesafio diferente no século XXI: enfocarnão o acúmulo indefinido de bens, e simuma melhor qualidade de vida para todos,com o mínimo de dano ambiental.

Consumo em Cifras

Por qualquer medida – despesas domésti-cas, número de consumidores, extração dematéria-prima – o consumo de bens e ser-viços tem aumentado constantemente nasnações industrializadas durante décadas, ecresce aceleradamente em muitos paísesem desenvolvimento. As cifras contam ahistória de um mundo sendo transformadopor uma revolução do consumo.

As despesas domésticas – o que segasta em bens e serviços em nível famili-ar – ultrapassaram US$ 20 trilhões em2000, contra US$ 4,8 trilhões em 1960(em dólares de 1995). Parte desse aumento

quádruplo deveu-se ao aumentopopulacional (vide Quadro 1-1), mas ovolume maior ocorreu em função do avan-ço da prosperidade em vários países. Es-sas cifras globais mascaram gigantescasdisparidades nos gastos. Os 12% da po-pulação mundial que vivem na América doNorte e na Europa respondem por 60%do consumo privado global, enquanto aterça parte da humanidade que vive no Sulda Ásia e na África Subsaariana, repre-senta apenas 3,2%. (Vide Tabela 1-1.)7

Em 1999, cerca de 2,8 bilhões de pes-soas, duas entre cada cinco no planeta –sobreviviam com menos de US$ 2 por dia,o que as Nações Unidas e o Banco Mun-dial consideram como mínimo para aten-der às necessidades básicas. Aproximada-mente, 1,2 bilhão de pessoas viviam sob“extrema pobreza”, medida por uma ren-da diária média de menos de US$ 1. Entreos mais pobres estão centenas de milhõesde agricultores de subsistência, que, pordefinição, não têm salário e raramente en-volvem-se em transações comerciais. Paraeles, e para todos os pobres do mundo,os gastos em consumo concentram-sequase que totalmente no atendimento àsnecessidades básicas.8

Embora a maior parte dos gastos deconsumo ocorra nas regiões mais ricas domundo, o número de consumidores distri-bui-se mais eqüitativamente entre as regi-ões industrializadas e em desenvolvimen-to. Isso ficou evidente pela pesquisa reali-zada pelo ex-consultor do Programa dasNações Unidas para o Meio Ambiente(PNUMA), Matthew Bentley, que descre-ve a existência de uma “classe de consu-midor” global. Essas pessoas têm rendasuperior a US$ 7.000 anuais em termos de

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paridade de poder aquisitivo (uma medidade renda ajustada ao poder aquisitivo emmoeda local), ou seja, aproximadamente onível da linha oficial de pobreza da EuropaOcidental. A própria classe de consumidorglobal varia muito em termos de riqueza,

mas seus membros caracteristicamente dis-põem de televisão, telefones e Internet, juntoà cultura e idéias que esses produtos trans-mitem. Essa classe de consumidor somacerca de 1,7 bilhão de pessoas – mais deum quarto do mundo. (Vide Tabela 1-2.)9

A Divisão de População das Nações Unidascalcula que a população mundial crescerá 41%até 2050, atingindo 8,9 bilhões de pessoas. Damesma forma que a crescente aquisição deaparelhos eletrodomésticos e automóveis podeacabar com a economia de energia conquistadapelas melhorias de eficiência, esse aumento nosnúmeros humanos ameaça neutralizar qualqueravanço na redução do volume de bens que cadapessoa consome. Por exemplo, mesmo que oamericano comum coma 20% menos carne em2050 do que comia em 2000, o consumo total decarne nos Estados Unidos será aproximadamente5 milhões de toneladas superior em 2050 devido,unicamente, ao crescimento populacional.

Com a expectativa de 99% do crescimentopopulacional ocorrer nas nações emdesenvolvimento, esses países precisarãoconsiderar cuidadosamente o duplo objetivo daestabilização populacional e maior consumopara o desenvolvimento humano. O mundoindustrializado poderá ajudar os países emdesenvolvimento a estabilizar suas populaçõesdando apoio ao planejamento familiar, educaçãoe melhoria da situação das mulheres. E poderáreduzir o impacto de um maior consumoajudando na adoção de tecnologias mais limpase mais eficientes.

Mas seria um erro considerar o crescimentopopulacional como um desafio enfrentadoapenas pelas nações pobres. Quando semisturam crescimento populacional e altosníveis de consumo, como ocorre nos EstadosUnidos, a importância do primeiro exacerba-se.Por exemplo, embora a população dos EstadosUnidos aumente a um ritmo de,

aproximadamente, 3 milhões de pessoas ao ano,e a Índia aumente em quase 16 milhões, essecontingente americano adicional causa maiorimpacto ambiental. Ele é responsável por 15,7milhões de toneladas adicionais em emissões decarbono na atmosfera, contra apenas 4,9milhões de toneladas na Índia. Países ricos, compopulações em crescimento, precisam atentarpara o impacto tanto do seu consumo quantode suas políticas populacionais.

Outras tendências demográficas menosdiscutidas mesclam-se também ao consumosob formas surpreendentes. Por exemplo, emfunção do aumento da renda, urbanização efamílias menores, o número de pessoas em umúnico domicílio, entre 1970 e 2000, caiu de 5,1para 4,4 nos países em desenvolvimento e de3,2 para 2,5 nas nações industrializadas,enquanto o número total de domicíliosaumentou. Cada nova residência naturalmenterequer espaço e materiais. Além disso, aseconomias obtidas com um maior número depessoas compartilhando energia,eletrodomésticos e mobiliário são perdidasquando menos pessoas vivem na mesma casa.Assim, alguém morando só nos EstadosUnidos consome 17% mais energia, per capita,do que uma moradia com duas pessoas. Então,mesmo em algumas nações européias e noJapão, onde a população total não sofre umaumento significativo, ou até mesmo nemcresce, a dinâmica doméstica emtransformação deve ser analisada comocondutora de maior consumo._______________________________________FONTE: vide nota final 7.

QUADRO 1-1. E QUANTO À POPULAÇÃO?

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Tabela 1-1. Gastos com Consumo ePopulação, por Região, 2000

FONTE: vide nota final 7.

Quase a metade dessa classe de consu-midor global vive nos países em desenvolvi-mento, e somente China e Índia respondempor 20% do total mundial. (Vide Tabela 1-3.)Na verdade, a classe conjunta de consumi-dores nesses dois países, com 362 milhõesde pessoas, é maior do que esta classe emtoda a Europa Ocidental (embora o consumi-dor chinês ou indiano comum, naturalmente,consuma significativamente menos do que oeuropeu). Entretanto, grande parte do mundoem desenvolvimento não está representadaneste incremento de novo consumo: a classede consumidor da África Subsaariana, a me-nor de todas, é de apenas 34 milhões de pes-soas. Na realidade, a região tem ficado essen-cialmente à margem da prosperidade vivida pelamaior parte do mundo nas últimas décadas.Medidas em termos de gastos per capita deconsumo privado, a África Subsaarianacaiu 20% em 2000, em comparação àsduas décadas anteriores, distanciado-secada vez mais do mundo industrializado.10

Tabela 1-2. Classe de Consumidores, por Região, 2002

1A soma não confere devido a arredondamentos.FONTE: vide nota final 9.

Região

(percentual)

Participaçãonos Gastos

Mundiais doConsumoPrivado

Participaçãona

PopulaçãoMundial

Estados Unidos eCanadá

Europa Ocidental

Leste da Ásia ePacífico

América Latina eCaribe

Europa Oriental eÁsia Central

Sul da Ásia

Austrália e

Nova Zelândia

Oriente Médio eÁfrica do NorteÁfrica Subsaariana

31,5

28,7

21,4

6,7

3,3

2,0

1,5

1,41,2

5,2

6,4

32,9

8,5

7,9

22,4

0,4

4,110,9

Estados Unidos e CanadáEuropa OcidentalLeste da Ásia e PacíficoAmérica Latina e CaribeEuropa Oriental e Ásia CentralSul da ÁsiaAustrália e Nova ZelândiaOriente Médio/África do NorteÁfrica SubsaarianaPaíses IndustrializadosPaíses em Desenvolvimento

Mundo

Região

Número de PessoasPertencentes à Classe

de Consumidores

Classe de Consumidorescomo Parcela da

População Regional

Classe de Consumidorescomo Parcela da Classe

de Consumidores Globais1

(milhões)

271,4348,9494,0167,8173,2140,719,878,034,2

912816

1.728

(percentual)

85892732361084255

8017

28

(percentual)

16202910108142

5347

100

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Tabela 1-3. Dez Maiores PopulaçõesNacionais de Classe de Consumidor, 2002

FONTE: vide nota final 10.

Os países em desenvolvimento não sódispõem de grandes blocos de consumido-res como também têm maior potencial paraexpandir suas fileiras. Por exemplo, o grandecontingente de consumidores da China eÍndia constitui apenas 16% da população,enquanto na Europa esta cifra atinge 89%.Efetivamente, na maioria dos países emdesenvolvimento, a classe de consumido-res representa menos da metade da popu-lação – às vezes muito menos –, havendobastante espaço para crescimento. Combase apenas nas projeções populacionais, aclasse de consumidores globais está proje-tada, conservadoramente, para atingir pelomenos 2 bilhões de pessoas até 2015.11

Esses números indicam que a história doconsumo no século XXI poderá referir-setanto a nações consumidoras emergentesquanto a tradicionais. Em um dos seus in-formativos em 2003, o Programa das Na-ções Unidas para o Meio Ambiente obser-vou que o incremento da posse de automó-

veis na Ásia para os níveis da média mundi-al adicionaria 200 milhões de veículos à fro-ta global – uma vez e meia o número decarros existentes, hoje, nos Estados Unidos.Preocupações quanto ao impacto desse tipode desenvolvimento demonstram a urgên-cia da busca de caminhos alternativos, sus-tentáveis, para a prosperidade da região. Aomesmo tempo, temores quanto a aumentospotenciais do consumo asiático ficarão des-locados caso ofusquem a necessidade dereformas nos países ricos, onde altos níveisde consumo têm sido a regra por décadas.Os antigos países industrializados da Euro-pa e América do Norte, juntamente com Ja-pão e Austrália, são responsáveis pelo maiorvolume de degradação ambiental global as-sociada ao consumo.12

As tendências do consumo abrangempraticamente todo e qualquer bem e servi-ço, que podem ser categorizados sob diver-sas formas. De maior interesse são os itensfundamentais, como água e alimentos; suastendências indicam se as necessidades bási-cas estão sendo satisfeitas. Outros itens deconsumo indicam como as opções de vidaestão se desenvolvendo para as pessoas e onível de conforto que estão tendo.

Em termos de necessidades básicas, astendências são mistas. A absorção diária decalorias aumentou tanto no mundo industria-lizado quanto nos países em desenvolvimen-to, desde 1961, à medida que a oferta de ali-mentos ampliou-se pelo menos em nível glo-bal. Todavia, a Organização das Nações Uni-das para Alimento e Agricultura (FAO) divul-ga que 825 milhões de pessoas ainda estãosubnutridas e que, em 1961, uma pessoa ab-sorvia, diariamente, 10% a mais de calorias(2.947 calorias) no mundo industrializado doque as pessoas consomem, hoje, no mundo

Estados UnidosChinaÍndiaJapãoAlemanhaFederação RussaBrasilFrançaItáliaReino Unido

(milhões)242,5239,8121,9120,776,361,357,853,152,8

50,4

(percentual)841912959243338991

86

País

Populaçao daClasse de

Consumidores

Participaçãona População

Nacional

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Tabela 1-4. Proporção das DespesasDomésticas em Alimentação

1 Paridade em poder aquisitivo.FONTE: vide nota final 13.

em desenvolvimento (2.675 calorias). A pre-sença da fome frente à oferta recorde de ali-mentos reflete a realidade de seu alto custopara a grande parcela da população pobremundial, que não dispõe de renda suficientepara adquiri-los. Na Tanzânia, por exemplo,onde os gastos per capita domésticos foramde US$ 375 em 1998, 67% das despesas fa-miliares destinavam-se à alimentação. No Ja-pão, as despesas domésticas per capita fo-ram de US$ 13.568 naquele ano, porém ape-nas 12% foram gastos em alimentação. (VideTabela 1-4.)13

volvimento. Mesmo assim, o consumo decarne está subindo nas regiões mais prós-peras do mundo em desenvolvimento, àmedida que as taxas de renda e urbaniza-ção aumentam. Metade da carne suínamundial é consumida na China, por exem-plo, enquanto o Brasil é o segundo maiorconsumidor de carne bovina, em seguidaaos Estados Unidos. E a carne está sendocada vez mais consumida como fast-food,freqüentemente mais intensiva em termosde energia para produzir. De acordo comum recente estudo de marketing, a indús-tria de fast-food na Índia está crescendo auma taxa de 40% ao ano, devendo gerarmais de um bilhão de dólares em vendasaté 2005. Enquanto isso, um quarto da suapopulação continua subnutrida – uma situ-ação praticamente inalterada ao longo daúltima década.14

Água limpa e saneamento adequado,instrumentais para prevenir a disseminaçãode doenças contagiosas, são também ne-cessidades básicas de consumo. Da mes-ma forma que ocorre com a maioria dosbens, o acesso à água e ao saneamento estámais disponível para as populações maisricas, embora a situação dos mais pobresneste particular tenha melhorado um pou-co durante a última década. Em 2000, 1,1bilhão de pessoas não tinham acesso à águapotável, definido como a disponibilidade de,pelo menos, 20 litros por pessoa, por dia, auma distância de um quilômetro da mora-dia do consumidor. E duas em cada cincopessoas ainda não dispunham de instala-ções sanitárias adequadas, como uma liga-ção com sistemas de esgotos ou fossa sép-tica, ou até mesmo latrina de fossa. As po-pulações rurais são as que mais sofrem.Em 2000, apenas 40% das populações ru-

Os ricos do mundo não só absorvemmais calorias do que os pobres, mas essascalorias provêm de alimentos mais intensi-vos em recursos, como carne bovina e la-ticínios, que são produzidos por meio douso de grandes volumes de grãos, águae energia. (Vide Capítulos 3 e 4.) Aspessoas nos países industrializados obtêm856 de suas calorias diárias de produtosanimais, contra 350 nos países em desen-

TanzâniaMadagáscarTajiquistãoLíbiaHong KongJapãoDinamarcaEstados Unidos

(dólares)1

375608660

6.13512.46813.56816.38521.515

(percentual)6761483110121613

País

DespesaDoméstica PerCapita, 1998

Parcela Gastaem

Alimentação

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O ESTADO DO CONSUMO HOJE

Tabela 1-5. Consumo Familiar, Países Selecionados, Cerca de 2000

FONTE: vide nota final 17.

rais dispunham de instalações sanitáriasadequadas, em comparação com 85% doshabitantes urbanos.15

Conforme cresce a renda, as pessoasobtêm acesso a outros bens de consumoque não os alimentos. O uso de papel, porexemplo, tende a aumentar à medida queas pessoas tornam-se mais alfabetizadas eaumentam os elos de comunicação. Glo-balmente, o consumo de papel mais quesextuplicou, entre 1950 e 1997, tendo do-brado desde meados dos anos 70; o britâ-nico médio consumiu 16 vezes mais papelno final do século XX do que no início.Na realidade, a maior parte do papel mun-dial é produzida e consumida nos paísesindustrializados: só os Estados Unidos pro-duzem e utilizam um terço do papel mun-dial, e os americanos consomem mais de300 quilos anuais per capita. Em contras-te, nas nações em desenvolvimento comoum todo, as pessoas consomem 18 quilosde papel cada uma, anualmente. Na Índia,a cifra anual é de 4 quilos, e em 20 naçõesda África é de menos de 1 quilo. OPNUMA estima que 30–40 quilos de papel

são o mínimo necessário para atender àsnecessidades básicas de alfabetização ecomunicação.16

A prosperidade crescente também dáacesso a bens que asseguram novos ní-veis de conforto, conveniência e entrete-nimento para milhões de pessoas. (VideTabela 1-5.) Em 2002, 1,12 bilhão de fa-mílias, cerca de três quartos da popula-ção mundial, possuíam pelo menos umtelevisor. Assistir à TV tornou-se uma dasprincipais formas de lazer, com o cida-dão médio do mundo industrializado pas-sando três horas – metade do seu tempode lazer – na frente de um televisor, dia-riamente. A TV oferece aos telespec-tadores acesso a notícias locais e entre-tenimento, mas também exposição aincontáveis produtos de consumo veicu-lados em comerciais e durante os pro-gramas. E a visão que emerge da tela temum escopo cada vez mais global. Dentreos 1,12 bilhão de domicílios com televi-sores, 31% eram assinantes de TV acabo, expostos freqüentemente a umacultura global de entretenimento.17

NigériaÍndiaUcrâniaEgitoBrasilCoréia do SulAlemanhaEstados Unidos

(Dólares de 1995per capita)

194294558

1.0132.7796.907

18.58021.707

(kWhper capita)

81355

2.293976

1.8785.6075.963

12.331

PaísGastos Familiares

em ConsumoEnergiaElétrica

Aparelhos deTelevisão

LinhasTelefônicas

TelefonesCelulares

ComputadoresPessoais

6883

456217349363586835

640

212104223489650659

46

4443

167621682451

76

181675

556435625

(por mil habitantes)

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Estado do Mundo 2004

O ESTADO DO CONSUMO HOJE

Muitas dessas conveniências eram con-sideradas como luxo quando surgiram ori-ginalmente, mas são agora consideradasnecessidades. Realmente, onde infra-es-truturas sociais desenvolveram-se em tor-no deles, alguns desses bens de consumotornaram-se parte integrante do dia-a-diamoderno. Os telefones, por exemplo,transformaram-se num instrumento es-sencial de comunicação – em 2002, havia1,1 bilhão de linhas fixas e outro 1,1 bi-lhão de aparelhos celulares. Um percentualsignificativo da população mundial, inclu-indo a grande maioria dos consumidoresglobais, hoje dispõe no mínimo de acessobásico a telefones. As comunicações tam-bém avançaram após a introdução daInternet. Esta adição mais recente às co-municações modernas conecta hoje cercade 600 milhões de usuários.18

Uma grande parcela dos gastos em con-sumo está concentrada em produtos reco-nhecidamente desnecessários para o con-

forto ou sobrevivência, mas que tornam avida mais agradável. Essas compras inclu-em desde os pequenos prazeres diários,como doces e refrigerantes, até grandesaquisições, como iates oceânicos, jóias ecarros esportes. Os gastos nesses produ-tos não representam necessariamente con-duta censurável por parte da sociedade glo-bal de consumo, uma vez que pessoas sen-satas podem discordar quanto ao que cons-titui consumo excessivo. Mas esses gas-tos são uma indicação da riqueza exceden-te que existe em muitos países. Na realida-de, os valores gastos no consumo extremocontestam a visão de que muitas das ne-cessidades básicas dos pobres mundiaisnão-atendidas sejam muito dispendiosaspara atender. A provisão de alimentação ade-quada, água potável e educação básica paraos mais pobres pode ser realizada gastan-do-se muito menos do que se gasta anual-mente em cosméticos, sorvetes e ração deanimais de estimação. (Vide Tabela 1-6.)19

Tabela 1-6. Gasto Anual em Itens de Luxo Comparado com os Recursos Necessáriospara o Atendimento de Necessidades Básicas Selecionadas

FONTE: vide nota final 19.

Cosméticos

Ração de animais deestimação na Europa eEstados Unidos

Perfumes

Cruzeiros marítimos

Sorvetes na Europa

US$ 18 bilhões

US$ 17 bilhões

US$ 15 bilhões

US$ 14 bilhões

US$ 11 bilhões

Saúde reprodutiva para todas as mulheres

Erradicação da fome e má-nutrição

Alfabetização universal

Água potável para todos

Vacinação de todas as crianças

País

GastoAnual

Objetivo Social ou Econômico Investimento ExtraAnual Necessário para

Atingir o Objetivo

US$ 12 bilhões

US$ 19 bilhões

US$ 5 bilhões

US$ 10 bilhões

US$ 1,3 bilhão

A crescente febre do consumo duranteo século XX levou a um maior uso de ma-térias-primas, o que complementa os gas-tos familiares e a quantidade de consumi-

dores como medida de consumo. Entre1960 e 1995 o consumo mundial de mine-rais aumentou 2,5 vezes, metais, 2,1 ve-zes, produtos madeireiros 2,3 e produtos

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sintéticos, como plásticos, 5,6 vezes. Essecrescimento superou o aumento da popu-lação mundial, tendo ocorrido mesmo quan-do a economia global mudou para abran-ger mais indústrias de serviços, como tele-comunicações e finanças, que não são tãointensivas em materiais como indústria,transportes e outros setores outrora domi-nantes. A duplicação do consumo de me-tais, por exemplo, ocorreu mesmo quandoestes se tornaram menos essenciais para ageração de riqueza: em 2000, a economiaglobal consumiu 45% menos metais do quetrês décadas anteriores para gerar um dó-lar de produto econômico.20

O consumo de combustível e materi-ais reflete o mesmo padrão de desigual-dade global encontrado no consumo deprodutos finais. Só os Estados Unidos,com menos de 5% da população global,consomem aproximadamente um quartodos recursos mundiais de combustíveisfósseis, queimando quase 25% do car-vão, 26% do petróleo e 27% do gás na-tural mundial. Adicionando-se a isso oconsumo de outras nações ricas, adominância de apenas uns poucos paísessobre o consumo de materiais globais faz-se evidente. Em termos de consumo demetais, os Estados Unidos e Canadá, Aus-trália, Japão e Europa Ocidental – que de-têm, entre si, 15% da população mundial– consomem 61% do alumínio produzi-do a cada ano, 60% do chumbo, 59% docobre e 49% do aço. O consumo percapita também é alto, especialmente emrelação ao que é verificado nas naçõesmais pobres. O americano comum con-some 22 quilos de alumínio por ano, en-quanto o indiano consome 2 quilos e oafricano, menos de 1 quilo.21

Enquanto isso, o apetite mundial cres-cente por papel pressiona cada vez mais asflorestas globais. Reservas virgens desti-nadas à produção de papel, por exemplo,representam, aproximadamente, 19% dacolheita mundial de madeira e 42% da ma-deira produzida para uso “industrial” (tudomenos lenha). Em 2050, a indústria de ce-lulose poderá representar mais da metadeda demanda industrial da madeira global.22

O consumo de matérias-primas comometais e madeira poderá, em princípio,separar-se do consumo de bens e servi-ços, uma vez que muitos produtos pode-rão ser remanufaturados ou fabricados demateriais reciclados. Todavia, os materiaisna maioria das economias no século XXnão circularam mais de duas ou três vezes.Mesmo hoje, a reciclagem fornece apenasuma pequena parcela dos materiais utiliza-dos nas economias mundiais. Cerca de me-tade do chumbo consumido atualmentevem de fontes recicladas, como tambémum terço do alumínio, aço e ouro. Apenas13% do cobre vem de fontes recicladas,em comparação a 20% em 1980. Enquan-to isso, a reciclagem do lixo urbano conti-nua, em geral, baixa, mesmo nas naçõesque têm condições de implantar uma infra-estrutura de reciclagem. As 24 nações quecompõem a Organização para Cooperaçãoe Desenvolvimento Econômico (OCDE) efornecem esses dados, por exemplo, têmuma taxa média de reciclagem de apenas16% para o lixo urbano; metade deles reciclamenos de 10% do seu lixo.23

Enquanto isso, a parcela do suprimentototal de fibra de papel originária de fibrareciclada teve um crescimento apenas mo-desto, de 20% em 1921 para 38% hoje.Esse pequeno aumento, frente a aumentos

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bem superiores no consumo de papel, sig-nifica que o volume de papel não-recicladoé maior do que nunca. À luz das projeçõesda FAO de que o consumo global de papelaumentará em quase 30% entre 2000 e2010, a parcela de papel a ser reciclada seráde importância crucial e terá um grandeimpacto sobre a saúde das florestas mun-diais nos anos futuros.24

Motivadores Díspares,Resultados Comuns

O apetite global por bens e serviços é movi-do por um conjunto de influências, em gran-de parte, independentes, desde avançostecnológicos e energia barata até novas es-truturas comerciais, meios poderosos decomunicação, crescimento populacional eaté mesmo necessidades sociais dos sereshumanos. Esses motivadores díspares – al-guns heranças naturais, outros acidentes dahistória e outros mais inovações humanas –interagiram para impulsionar a produção e ademanda a níveis recordes. No processo,criaram um sistema econômico de abundân-cia sem precedentes e impacto ambiental esocial sem paralelo.

A história começa com o consumidor.Economistas de renome, desde AdamSmith, têm alegado que os consumidoressão atores “soberanos” que fazem esco-lhas racionais a fim de maximizar sua sa-tisfação. Ao contrário, os consumidorestomam decisões falhas por intermédio deum conjunto de julgamentos baseados eminformações incompletas e tendenciosas.Suas decisões são basicamente movidaspela propaganda, regras culturais, influên-cias sociais, impulsos fisiológicos e asso-

ciações psicológicas, cada um dos quaispotenciais incrementadores do consumo.25

As motivações fisiológicas desempe-nham um papel central no estímulo ao con-sumo. O desejo inato do estímulo prazerosoe alívio do desconforto são motivaçõespoderosas que evoluíram durante milêniospara facilitar a sobrevivência, como quan-do a fome leva uma pessoa a buscar comi-da. Esses impulsos são reforçados pelasexperiências dos consumidores. Produtosque nos satisfizeram no passado são lem-brados como prazerosos, aumentando odesejo de consumi-los novamente. Nassociedades de consumo, onde alimentos eoutros bens são abundantes, esses impul-sos estão levando a níveis danosos de con-sumo devido, em parte, a serem mais esti-mulados ainda pela propaganda. De fato,estudos psicológicos recentes constataramque esses impulsos podem até ser incita-dos subconscientemente, despertando umdesejo maior, como por uma bebida após asensação de sede ter sido instigada.26

Hábitos de consumo, também, têmraízes sociais. O consumo é, em parte, umato social através do qual as pessoas ex-pressam suas identidades pessoais e grupais– escolhendo o jornal de uma certa linhapolítica, por exemplo, ou a moda preferidaentre pares sociais. Motivadores sociaispodem ser impulsionadores insaciáveis deconsumo, contrastando com o desejo poralimento, água ou outros bens, que estácircunscrito aos limites da capacidade. Em1954, o cidadão britânico comum, porexemplo, podia contar com uma base ma-terial ampla – alimentos, vestuário, abrigoe acesso a transporte em quantidade sufi-ciente para levar uma vida digna. Assim, ogasto maior que acompanhou a duplicação

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da riqueza em 1994 foi, provavelmente, umatentativa de satisfazer necessidades sociaise psicológicas. Após o primeiro par de sa-patos, por exemplo, a posse de sapatos podenão ter nada a ver com a proteção dos pés,e sim com conforto, estilo ou status. Taisdesejos podem ser ilimitados e, portanto,ter o potencial de manter o consumo emconstante crescimento.27

Estoques abundantes de bens, produtode gigantescos aumentos de eficiência pro-dutiva desde a Revolução Industrial, esti-mulam ainda mais a propensão social e psi-cológica da humanidade de consumir. Umoperário industrial moderno produz numasemana o que suas contrapartidas no sé-culo XVIII realizavam em quatro anos. Ino-vações, como a linha de montagem deHenry Ford, reduziram drasticamente otempo de produção de uma carroceria, de12,5 horas em 1912 para 1,5 hora em 1913– e têm melhorado tremendamente desdeentão. Hoje, uma montadora da Toyota noJapão produz 300 Lexuses completos, pordia, empregando apenas 66 operários e 310robôs. Aumentos de eficiência como estesreduziram dramaticamente os custos eincrementaram as vendas. Isso é mais evi-dente na indústria de semicondutores, naqual eficiências de produção ajudaram a re-duzir o custo de um megabit de computa-ção, de cerca de US$ 20.000 em 1970, paraaproximadamente US$ 0,02 em 2001. Ta-manha ordem de grandeza em capacidadede computação a custos tão reduzidos ati-çou a revolução da informática.28

A globalização também baixou os pre-ços e estimulou o consumo. A partir de 1950rodadas sucessivas de negociações comer-ciais reduziram gradativamente as tarifasde muitos produtos, com conseqüências

diretas nos consumidores. Os australianos,por exemplo, já têm hoje uma economia de2.900 dólares australianos na compra deum automóvel, devido a reduções tarifáriasque entraram em vigor após 1998. E oAcordo da Tecnologia de Informação daOrganização Mundial de Comércio, em1996, eliminou por completo as tarifas so-bre a maioria dos computadores e outrastecnologias de informação, com algumasreduções chegando a 20–30%. As oito ro-dadas das negociações comerciais globaisdesde 1950 atiçaram a expansão econômi-ca mundial.29

Um mundo globalizante também permi-tiu que grandes corporações buscassemalém-fronteiras uma mão-de-obra mais ba-rata – chegando a pagar poucos centavospor hora. (Vide Capítulo 5.) Zonas deprocessamento de exportação (ZPEs) –áreas industriais minimamente regulamen-tadas que produzem bens para o comércioglobal – vêm multiplicando-se ao longo dasúltimas três décadas, em resposta à deman-da por mão-de-obra barata e ao desejo deincrementar exportações. Das 79 ZPEs em25 países em 1975, houve um aumentopara cerca de 3.000 em 116 nações em2002, com as zonas empregando cerca de43 milhões de trabalhadores na montagemde tênis, brinquedos, vestuário e outrosbens por muito menos do que custariamnos países industrializados. As zonas au-mentam a disponibilidade de mercadoriasbaratas para consumidores globais, porémsão freqüentemente criticadas por abusosem direitos trabalhistas e humanos.30

Enquanto isso, inovações tecnológicasde todos os tipos aumentaram a eficiênciaindustrial, elevando a capacidade das pes-soas e das máquinas na extração dos re-

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cursos. Hoje, frotas de “supertraineiras”,por exemplo, podem processar centenas detoneladas de peixe por dia. São responsá-veis, em parte, por declínios da ordem de80% sofridos por comunidades de peixesoceânicos nos 15 anos desde o início daexploração comercial. Os equipamentos deminas também são mais musculosos: nosEstados Unidos, as mineradoras hoje dedi-cam-se à “remoção de cumes”, que podereduzir a altura de uma montanha em deze-nas de metros. Além disso, a capacidadedos caminhões octuplicou, aumentando de32 para 240 toneladas entre 1960 e iníciodos anos 90. E a produção por mineiroamericano mais que triplicou no mesmoperíodo. Finalmente, serrarias de cavaco –instalações que lascam árvores inteiras emcavacos para papel e compensados – po-dem transformar mais de 100 cargas deárvores em cavacos diariamente. Essesavanços da capacidade humana em explo-rar imensas áreas de recursos naturais, e acusto baixo, ajudam a suprir os mercadoscom produtos baratos – um estímulo amaior consumo.31

apenas 7% maior no período 1997–2001do que no período 1970–74. E as redu-ções nos custos dos transportes ajuda-ram a disponibilizar maior quantidade debens para um maior número de pesso-as. As taxas de frete aéreo caíram emquase 3% anuais na maioria das rotasinternacionais entre 1980 e 1993, o queajuda a explicar por que produtos pere-cíveis como maçãs da Nova Zelândia ouuvas do Chile são hoje facilmente en-contradas em supermercados europeuse americanos. Os mercados em expan-são também permitem às empresas au-mentar a divisão da mão-de-obra utili-zada na produção e entrega de bens eserviços e conseguir maior economia deescala, cada uma das quais reduzindoainda mais os custos de produção.32

O ritmo incomparável desses avançostecnológicos durante o século XX levou àadoção cada vez mais acelerada de novosprodutos. Nos Estados Unidos, passaram-se 38 anos até que o rádio chegasse a umaaudiência de 50 milhões de pessoas, 13 anospara a televisão atingir igual número e ape-nas 4 anos para a Internet fazer o mesmo.Isso manteve as linhas de produção em ple-no funcionamento nas indústrias da in-formação, nas quais a Lei de Moore – aregra empírica de que a capacidademicroprocessadora dobra a cada 18 meses– provocou o lançamento de computadorese outros produtos digitais cada vez mais pos-santes. O suprimento regular de novos pro-dutos, por sua vez, provocou giro acelera-do nas últimas duas décadas – aumentandoainda mais o consumo.33

As forças que movem o consumo sãoencontradas até nas realidades econômi-cas que as modernas corporações enfren-

Nas sociedades de consumo,onde os alimentos e outros bens sãoabundantes, os impulsos estãolevando a níveis danosos de consumo.

A energia barata e a melhoria dostransportes também alimentaram a pro-dução, reduzindo custos e facilitando oaumento da distribuição. Apesar do sur-to nos preços do petróleo nos anos 70,o preço deflacionado do petróleo estava

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Figura 1-1. Gastos em Publicidade nos Estados Unidose Mundiais, 1950–2002

tam. A maioria das empresastem custos fixos substanciais –maquinaria pesada, prédios fa-bris e veículos de entrega ne-cessários para produzir e ven-der seus produtos. Uma indús-tria de última geração desemicondutores, por exemplo,custa hoje algo em torno de US$3 bilhões, um gigantesco inves-timento, que deve gerar retor-no mesmo quando as vendasestão fracas. Os custos fixos,então, representam risco finan-ceiro. Esse perigo pode ser re-duzido por meio do aumentoda produção e das vendas,para que os custos fixos diluam-se porum maior volume de produtos e maiordiversidade de mercados. Assim, a pres-são constante para a cobertura dos cus-tos fixos cria uma urgência na amplia-ção da produção – e na busca de novosclientes para adquirirem a produção con-tínua dos bens.34

A necessidade de novos clientes in-centiva as empresas a desenvolver umagama de novos instrumentos destinadosa estimular a demanda, muitos dos quaisse aproveitam das necessidades fisioló-gicas, psicológicas e sociais das pesso-as. A propaganda tem sido, talvez, o maispoderoso desses instrumentos. Hoje, apublicidade permeia quase todos os as-pectos da mídia, incluindo transmissõescomerciais, mídia impressa e Internet. Osgastos globais em publicidade atingiramUS$ 446 bilhões em 2002 (em dólares de2001), um aumento quase nove vezessuperior a 1950 (Vide Figura 1-1.) Maisda metade foi gasta nos Estados Unidos,

onde os anúncios representam cerca dedois terços do espaço de um jornal co-mum, quase metade da correspondênciaque os americanos recebem, e cerca deum quarto da programação da televisão.Mas a publicidade também expande-semundialmente. Gastos em publicidadefora dos Estados Unidos aumentaram 3,5vezes ao longo de 20 anos, com os mer-cados emergentes mostrando um cresci-mento particularmente acelerado. NaChina, os gastos em anúncios publicitá-rios aumentaram 22% só em 2002.35

A publicidade está cada vez mais dirigidae sofisticada, como se vê pelos esforçosde veiculação de produtos nos filmes e pro-gramas de televisão. Estudos recentes cons-tataram que mais da metade dos casos denovos fumantes entre a juventude deveu-se à sua exposição ao fumo em filmes, porexemplo. E apesar de uma “proibição” vo-luntária na veiculação de produtos por par-te da indústria, nos Estados Unidos aveiculação efetiva quase duplicou, com 85%

500

400

300

200

100

0

Bilhões de Dólares

(base=2001)

Mundo

Estados Unidos

Fonte: McCann-Erickson

1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010

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dos 250 principais filmes realizados entre1988 e 1997 mostrando fumantes em cena.De fato, o fumo está mais predominantenos filmes do que entre a população dosEstados Unidos. Com Hollywoodauferindo talvez metade da sua receita devendas fora dos Estados Unidos, o fumonos filmes continua a formar padrões deconduta também. E os estúdios estrangei-ros prestam-se, cada vez mais, comoveículos de propaganda do tabaco. Entre1991 e 2002, cerca de três quartos dosfilmes produzidos em Bollywood (o equi-valente indiano de Hollywood) continhamcenas de fumantes.36

Práticas inovadoras de vendas tambémajudaram a incrementar a demanda. A intro-dução do cartão de crédito nos Estados Uni-dos, nos anos 40, ajudou a aumentar o totaldo consumo quase onze vezes entre 1945 e1960. Hoje, o uso maciço de cartões de cré-dito é incentivado vigorosamente, uma vezque os lucros das empresas emitentes de-pendem da manutenção de grandes saldosmensais por parte dos consumidores. Em2002, 61% dos usuários de cartões de cré-dito nos Estados Unidos mantiveram umsaldo médio mensal em aberto de US$12.000, a uma taxa de juros anual de 16%.(Vide Capítulo 5.) Dessa forma, um usuáriopagaria cerca de US$ 1.900 anuais em cus-tos financeiros – mais do que a renda médiaper capita (na paridade de poder de com-pra) de pelo menos 35 países.37

O crédito também incentiva o gasto naÁsia, América Latina e Europa Oriental. NoLeste Asiático, a parcela familiar dos em-préstimos bancários totais aumentou de27%, em 1997, para 40% em 2000. Emvários países, as principais montadorasestão ampliando sua linha de produção de-

vido a essa explosão do financiamento. Umdos diretores da General Motors, PhilipMurtaugh, realça a importância do créditona China: “Assim que implantamos o tipode sistema financeiro abrangente da GM,como temos nos Estados Unidos, anteci-pamos um grande salto nas vendas”.38

Finalmente, políticas governamentaissão, às vezes, responsáveis pelo incremen-to do consumo. Subsídios econômicos,que hoje totalizam cerca de US$ 1 trilhãoanuais, mundialmente, age como umamarola através da economia, estimulandoo consumo ao longo do seu curso. O go-verno dos Estados Unidos, por exemplo,desde a II Guerra Mundial, subsidiou aconstrução de residências suburbanas porintermédio de benefícios fiscais e outrosincentivos. Lares suburbanos espaçososajudaram a atiçar o consumo de uma vas-ta gama de bens de consumo duráveis,incluindo refrigeradores, televisores, mo-bílias, lavadoras e automóveis. Estes, porsua vez, requerem enormes quantidadesde matérias-primas, um terço do ferro eaço, um quinto do alumínio e dois terçosdo chumbo e borracha nos Estados Uni-dos. E a expansão dos subúrbios levou aum maior gasto público em novas rodovi-as, postos de bombeiros, delegacias depolícia e escolas. O Centro de TecnologiaDistrital de Chicago constatou, no final dosanos 90, que empreendimentos imobiliári-os de baixa intensidade são cerca de 2,5vezes mais intensivos no uso de materiaisdo que os empreendimentos de alta densi-dade. Assim, a decisão de subsidiar resi-dências suburbanas teve um grande efeitonos padrões de consumo nos EstadosUnidos na última metade do século XX.39

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Problemas no Paraíso

Em Capitalismo Natural, uma análise daseconomias industriais em 1999, seus auto-res, Paul Hawkins, Amory Lovins e HunterLovins, declaram que os Estados Unidosgeram um volume gigantesco do que esteschamaram de “desperdício” – todo gastopara o qual nenhum valor é recebido. Essesdesembolsos pagam por uma multidão desubprodutos indesejados do sistema econô-mico americano, inclusive poluição hídricae atmosférica, tempo perdido em engarra-famentos do trânsito, obesidade e crime,entre muitos outros. De acordo com os cál-culos dos autores, esse desperdício custouaos Estados Unidos pelo menos US$ 2 trilhõesem meados dos anos 90 – cerca de 22% dovalor da economia. Essa estimativa, eviden-temente, é uma projeção, porém a análise éútil ao chamar a atenção de forma abrangenteà quase despercebida subestrutura das eco-nomias industriais modernas. O custoambiental e social das economias industriaisestá cada vez mais evidente.40

Realmente, a própria existência dodesperdício, ou refugo no sentido maistradicional – seja de domicílios, minas,canteiros de obras e fábricas –, demons-tra que as economias industriais são fa-lhas em seus projetos. Contrastandocom os bens e serviços produzidos pe-los milhões de outras espécies do nossoplaneta, que geram subprodutos úteis enão refugo sem valor, as economias hu-manas são projetadas sem muita aten-ção aos resíduos da produção e do con-sumo. O impacto dessa falha é gigan-tesco, a começar pelo extrativismo. Porcada tonelada aproveitável de cobre, porexemplo, são descartadas 110 toneladas

de restos rochosos e minérios. À medi-da que os metais rareiam, o refugo ten-de a aumentar: para se obter o ouro ne-cessário para fazer uma aliança de ca-samento, são produzidas cerca de 3 to-neladas de resíduo tóxico.41

Quase todos os ecossistemasmundiais estão perdendo lugarpara residências, fazendas,shoppings e fábricas.

O refugo do consumo é igualmentesombrio, especialmente nos países ricos.O habitante comum de um país da OCDEgera 560 quilos de lixo urbano por ano e,com exceção de três, todos os 27 paísesgeraram mais, per capita, em 2000 doque em 1995. Mesmo nos países consi-derados líderes em política ambiental,como a Noruega, a redução dos fluxosde lixo é um desafio constante. Em 2002,o norueguês comum gerou 354 quilos delixo, 7% mais do que no ano anterior. Aproporção do lixo reciclado tambémcresceu, porém estancou em menos dametade do total gerado. Enquanto isso,os americanos continuam sendo os cam-peões mundiais do lixo, produzindo, percapita, 51% mais lixo urbano do que ohabitante comum de qualquer outro paísda OCDE. Há um vislumbre de boas no-tícias dos Estados Unidos: o índice percapita aparentemente estabilizou-se nosanos 90. Mesmo assim, somando-se osaltos níveis de lixo por cidadão america-no ao crescimento contínuo da popula-ção dos Estados Unidos, chega-se a umentulho descomunal.42

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As tendências do uso dos recursos eda saúde dos ecossistemas indicam queas áreas naturais também estão sob oestresse das pressões crescentes do con-sumo. (Vide Tabela 1-7.) Uma equipe in-ternacional de ecólogos, economistas ebiólogos conservacionistas publicaram umestudo em Science, em 2002, indicandoque quase todos os ecossistemas mundi-ais estão perdendo lugar para residências,fazendas, shoppings e fábricas. Como re-vela o estudo, a relva marinha e leitos dealgas estão declinando 0,01–0,02% ao ano,florestas tropicais 0,8%, pesqueiros ma-rinhos 1,5%, ecossistemas de água doce(pântanos, baixios, lagos e rios) 2,4% e

manguezais em assustadores 2,5%. Tam-bém mencionou grandes perdas anuais,difíceis de quantificar, de recifes de co-ral, pradarias e terras cultivadas. Apenasas florestas temperadas e boreais mostra-ram revitalização, aumentando 0,1% aoano após décadas de declínio. Verificaçõesconstantes de declínio ambiental globalpodem ser encontradas no Índice PlanetaVivo, um instrumento desenvolvido pelaWWF International (Fundo Mundial paraa Natureza) para medir a saúde das flo-restas, oceanos, rios e outros sistemasnaturais. O Índice mostra um declínio de35% na saúde ecológica do planeta desde1970. (Vide Figura 1-2.)43

Tabela 1-7. Tendências Globais dos Recursos Naturais e do Meio Ambiente

FONTE: vide nota final 43.

Indicador Ambiental

O consumo global de carvão, petróleo e gás natural foi 4,7 vezes maior em 2002 do que em1950. Os níveis de dióxido de carbono em 2002 foram 18% maiores do que em 1960, e estãoestimados em 31% a mais desde o início da Revolução Industrial, em 1750. Os cientistasatribuíram a tendência de aquecimento durante o século XX ao acúmulo de dióxido de carbonoe outros gases retentores de calor.

Mais da metade das terras alagadas do planeta, desde pântanos costeiros a baixios interioranos,foi perdida devido, em grande parte, à drenagem ou aterro para loteamentos ou agricultura.Cerca da metade da cobertura florestal original do mundo também já deixou de existir, enquantooutros 30% estão degradados ou fragmentados. Em 1999, o consumo global de madeira paracombustível, madeireiras, papel e outros produtos foi mais que o dobro do consumo de 1950.

O nível do mar subiu 10 – 20 centímetros no século XX, uma média de 1– 2 milímetros ao ano,como conseqüência do degelo da massa continental polar e da expansão dos oceanos devido àmudança climática. Pequenas ilhas-nações, embora responsáveis por menos de 1% das emissõesglobais de gases de estufa, correm o risco de serem inundadas pelo aumento do nível do mar.

Cerca de 10 – 20% das terras cultivadas mundiais sofrem algum tipo de degradação, enquantomais de 70% dos pastos globais estão degradados. Ao longo do último meio século, a degradaçãodo solo reduziu a produção de alimentos em cerca de 13% nas terras cultivadas e 4% nos pastos.

Em 1999, o pescado total foi 4,8 vezes o volume de 1950. Apenas nos últimos 50 anos asfrotas de traineiras pescaram pelo menos 90% de todos os grandes predadores oceânicos –atum, marlim, peixe-espada, tubarão, bacalhau, halibut, arraia e linguado.

O bombeamento excessivo da água subterrânea está causando declínio dos lençóis freáticos emregiões agrícolas chave na Ásia, África do Norte, Oriente Médio e Estados Unidos. A qualidadeda água também está deteriorando-se devido ao escoamento de fertilizantes e pesticidas,produtos petroquímicos que vazam de tanques de armazenagem, solventes clorados, metaispesados despejados pelas indústrias e lixo radioativo de usinas nucleares.

Combustíveis fósseise a atmosfera

Degradação deecossistemas

Nível do mar

Solo/terras

Pesqueiros

Água

Tendência

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Figura 1-2. Mudanças na Atividade Econômica e naSaúde dos Ecossistemas, 1970–2000

sumo já haviam excedido acapacidade ecológica do pla-neta no final dos anos 70 ouinício dos anos 80. Tamanhosuperconsumo só é possívelpor meio da redução dos es-toques das reservas naturais,como quando a água de poçoé bombeada a ponto de redu-zir os níveis freáticos.44

A busca agressiva de umasociedade de consumo demassa também corre-laciona-se com um declínio dos indi-cadores de saúde em muitospaíses. “Doenças do consu-mo” continuam a crescer. Ofumo, por exemplo, um hábi-

to de consumo alimentado por dezenasde bilhões de dólares em publicidade,contribui para cerca de 5 milhões demortes, mundialmente, a cada ano. Em1999, despesas médicas e perdas de pro-dutividade relacionadas ao tabaco custa-ram aos Estados Unidos mais de US$ 150bilhões – quase uma vez e meia a receitadas cinco maiores multinacionais de fumonaquele ano. Igualmente, o excesso depeso e a obesidade, resultantes geralmentede uma dieta inadequada e estilo de vidacada vez mais sedentário, afetam mais deum bilhão de pessoas, reduzindo a quali-dade de vida, custando bilhões em trata-mento de saúde à sociedade e contribu-indo para o aumento acelerado da diabete.Nos Estados Unidos, cerca de 65% dosadultos estão com excesso de peso ouobesos, causando uma perda anual de300.000 vidas e pelo menos US$ 117 bi-lhões em tratamento de saúde em 1999.45

Uma medida do impacto do consu-mo humano sobre os ecossistemas glo-bais é encontrada no sistema de conta-bilidade da “pegada ecológica,” que medea quantidade de terra produtiva que umaeconomia requer para produzir os recur-sos de que precisa e assimilar seus resí-duos. Cálculos realizados pelo grupocaliforniano Redefining Progress reve-lam que a Terra possui 1,9 hectare, percapita, de terras produtivas para suprirrecursos e absorver resíduos. Todavia,são tão grandes as demandas ambientaisdas economias mundiais que o cidadãocomum hoje utiliza 2,3 hectares de terraprodutiva. Esse número global oculta,certamente, uma enorme variedade depegadas ecológicas – desde os 9,7 hec-tares demandados pelo americano co-mum, até o 0,47 hectare utilizado pelomoçambicano comum. A análise das pe-gadas revela que os níveis totais de con-

3,0

2,5

2,0

1,5

1,0

0,5

0,0

1970=1,0

Índice do ProdutoMundial Bruto

Índice Planeta Vivo

Fonte: Maddison, FMI, WWF Intl, PNUMA, RP

1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000

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O ESTADO DO CONSUMO HOJE

O fracasso da tese de que maisriqueza e consumo proporcionam àspessoas uma vida mais realizadapode ser o argumento mais eloqüentepara uma reavaliação da nossaabordagem do consumo.

tuições. Dados de outros países prósperossão mais encorajadores, embora já estejamevidentes alguns sinais de desengajamentosocial. A participação organizacional conti-nua alta em muitos países europeus, mas onível de envolvimento e interação pessoalestá em queda em algumas nações e a par-ticipação é, freqüentemente, mais transitó-ria do que no passado. Até na Suécia, comfortes redes comunitárias e sociais, há si-nais preocupantes: o engajamento políticoé cada vez mais passivo e os níveis de con-fiança nas instituições estão caindo.47

Robert Putnam, professor de PolíticasPúblicas da Universidade de Harvard, identi-ficou limitações de tempo, dispersãoresidencial e longa permanência frente à tele-visão como os três destaques da sociedadeamericana que podem explicar o declínio noengajamento cívico e, em conjunto, respon-sáveis por parte da situação. Todos os trêsestão ligados ao alto consumo: pressões detempo estão freqüentemente ligadas à neces-sidade de trabalhar longas horas para susten-tar hábitos de consumo; a dispersão é resul-tado da dependência do automóvel e do de-sejo de casas e terrenos maiores; e o longotempo frente à televisão ajuda a promover oconsumo através da exposição à publicidadee programações que freqüentemente roman-tizam estilos consumistas de vida.48

Talvez a prova mais contundente de oconsumo contínuo estar gerando benefíci-os decrescentes esteja nos estudos que com-param o nível cada vez mais alto de riquezapessoal nos países ricos, com a parcela es-tagnada da população, nessas nações, quealega estar “muito feliz”. Embora a felicida-de auto-revelada entre os pobres tenda acrescer com o aumento da renda, os estu-dos revelam que o elo entre felicidade e au-

A “saúde social” em geral também caiunos Estados Unidos nos últimos 30 anos,conforme o Índice de Saúde Social da Uni-versidade Fordham. Esse índice documentaaumentos da pobreza, suicídio juvenil, ca-rência de seguro-saúde e desigualdade derenda a partir de 1970. E apesar de possuirníveis de consumo superiores à maioria dasnações industrializadas, os Estados Unidostêm o pior escore em inúmeros índices dedesenvolvimento: está em último lugar en-tre os 17 países da OCDE medidos no Ín-dice de Pobreza Humana dos países indus-trializados, do Programa das Nações Uni-das para o Desenvolvimento, que compilaindicadores de pobreza, analfabetismo fun-cional, longevidade e inclusão social.46

Um estudo da OCDE também docu-mentou o desengajamento de envolvimentocívico em alguns países industrializados,particularmente os Estados Unidos e Aus-trália. Em ambos os países, o número deassociados em organizações formais temcaído, como tem caído também a intensi-dade de participação em termos de presen-ça e disposição de assumir lideranças. En-quanto isso, interações sociais informais –jogar cartas com vizinhos, ir a piqueniques,etc. – também declinaram sensivelmente emambos os países, da mesma forma que osníveis de confiança entre pessoas e insti-

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mento de renda é quebrado logo que níveismodestos de renda são atingidos. O fracas-so da tese de que mais riqueza e consumoproporcionam às pessoas uma vida maisrealizada pode ser o argumento mais elo-qüente para uma reavaliação da nossa abor-dagem do consumo.49

O desapontamento pela capacidade de oconsumo produzir vidas mais realizadas estágerando descontentamento entre acadêmicos,legisladores e a população. Um grande nú-mero de livros publicados nos anos 90 docu-mentou o desagrado com as sociedades or-ganizadas em torno do consumo. Os títulosdizem tudo: O Americano Pródigo, O Ame-ricano Estressado, Um Século TodoConsumista, Confrontando o Consumo e OAlto Preço do Materialismo, entre outros.Embora as análises divirjam, todos esses au-tores expressam o ponto de vista de que associedades focadas no consumo não são sus-tentáveis, por razões ambientais ou sociais.

Descontentamento com um compro-misso com o alto consumo ficou patentetambém em termos políticos e básicos.Vários governos europeus já estãoimplementando ou planejando reformas dehorários de trabalho e férias, por exemplo.E algumas pessoas na Europa e nos Esta-dos Unidos estão começando a adotar esti-los de vida mais simples. De forma lenta,mas constante, já é evidente o interesse daspessoas em atribuir ao consumo um papelmais coadjuvante do que principal.50

Um Novo Papelpara o Consumo

Apesar dos problemas associados à socie-dade de consumo, e não obstante as medi-das experimentais para redirecionar as

sociedades para um caminho menos dano-so, a maioria das pessoas nos países in-dustrializados ainda continua numa rota deconsumo ascendente e muitas outras, nospaíses em desenvolvimento, permanecematoladas na pobreza. A fim de promover ointeresse experimental por um novo papelpara o consumo, qualquer visão terá queincluir respostas a quatro quesitos-chave:

• Estará a classe de consumidor globaltendo uma qualidade de vida melhorem função dos seus níveis crescen-tes de consumo?

• Poderão as sociedades perseguir oconsumo de forma equilibrada, espe-cialmente harmonizando o consumoao ambiente natural?

• Poderão as sociedades reformular asopções do consumo para uma esco-lha genuína?

• Poderão as sociedades priorizar oatendimento às necessidades básicasde todos?

De modo geral, os consumidores es-tarão se beneficiando da cultura globalde consumo? Indivíduos, importantesárbitros dessa questão, podem conside-rar os custos pessoais associados a altosníveis de consumo, dívida financeira,tempo e estresse relacionado ao trabalhopara sustentar um alto consumo e ao tem-po necessário para limpar, melhorar, guar-dar ou, de outra forma, manter as pos-ses. E como o consumo substitui o tem-po com família e amigos.

Tanto indivíduos quanto legisladores de-vem analisar o aparente paradoxo de que aqualidade de vida, freqüentemente, é melho-rada quando se age dentro de limites clara-

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mente definidos sobre o consumo. As flo-restas, por exemplo, podem serdisponibilizadas para todos indefinidamentese não forem exploradas mais rapidamenteque sua taxa de renovação. Igualmente, aque-le que adotar parâmetros claros de bem-es-tar pessoal – exercitando-se diariamente ealimentando-se bem, por exemplo – prova-velmente terá uma qualidade de vida melhordo que outro que consuma de formadesordenada e irrestrita. Na realidade, a pre-missa básica da economia do consumo emmassa – ou seja, que o consumo ilimitado éaceitável, e até desejável – choca-se, funda-mentalmente com os padrões de vida domundo natural e com os ensinamentos so-bre moderação, comuns a filósofos e líde-res religiosos em todas as culturas e atravésde grande parte da história da humanidade.

taxas de renovação; e os empregadoresfreqüentemente premiam trabalhadores quepassam longas horas no trabalho. Cada umdesses excessos impõe um preço em bem-estar pessoal ou social. Existem inúmerasformas imaginativas de harmonizar as op-ções de consumo às necessidades sociais eambientais – desde legislação estabelecendoníveis obrigatórios de teores de reciclagem,até leis de “devolução” de produtos que res-ponsabilizam os fabricantes pelos produtose resíduos que criam.

Terceiro, estarão sendo proporciona-das aos consumidores oportunidades deescolha genuínas, que os ajudam a aten-der suas necessidades? Claramente, associedades de consumo em massa ofere-cem mais produtos e serviços do que qual-quer outro sistema econômico da históriada humanidade. Todavia, os consumido-res nem sempre encontram o que preci-sam. Consideremos os transportes: o aces-so seguro e conveniente a apenas cincoalternativas – andar a pé, de bicicleta,transportes públicos, transporte solidárioou carro particular – poderá proporcionaropções mais eficazes de levar as pessoasa seus destinos do que uma escolha entre100 modelos numa revendedora de auto-móveis. E onde a escolha genuína estiverpresente a opção mais desejável pode nãoser acessível, como ocorre com alimen-tos orgânicos em alguns países. Os go-vernos precisam reformular incentivos eregulamentos econômicos para facilitar àsempresas a oferta de opções acessíveisque atendam às necessidades dos clien-tes. Também têm um papel na contençãodos excessos do consumo, principalmen-te através da remoção de incentivos paraconsumir – desde a energia subsidiada até

A premissa básica da economia doconsumo em massa – ou seja, queo consumo ilimitado é aceitável, eaté desejável – choca-se,fundamentalmente, com ospadrões de vida do mundo natural.

Segundo, será que nosso consumo estáeconomicamente, socialmente e ambien-talmente equilibrado? Nas sociedades deconsumo em massa, as leis e incentivos eco-nômicos freqüentemente encorajam as pes-soas a cruzar importantes limiares econô-micos, ambientais e sociais. Bancos e agên-cias de crédito instam os consumidores aassumir dívidas pesadas; empresas e indiví-duos exploram florestas, água subterrâneae outros recursos renováveis além de suas

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a promoção de empreendimentos imobili-ários de baixa densidade.

Finalmente, poderão as sociedades cri-ar uma ética de consumo que priorize oatendimento às necessidades básicas detodos? O bem-estar físico – incluindo aces-so adequado a alimentos sadios, água po-tável e saneamento, educação, tratamentode saúde e segurança pessoal – é base detodas as realizações individuais e sociais.Negligenciar essa base inevitavelmente li-mitará a capacidade de muitos realizaremseu potencial pessoal – e sua capacidadede fazer contribuições significativas à so-ciedade. Num mundo em que há mais pes-soas vivendo com menos de US$ 2 por diado que há na classe de consumidores glo-bais, a busca contínua por maior riquezapelos ricos – quando há pouca evidênciade que isso aumente a felicidade – suscitaquestões éticas graves.

Além do imperativo ético, a assistência atodos é uma razão de auto-ajuda. A falta deatenção às necessidades dos mais pobrespode causar maior insegurança aos maisprósperos e maiores gastos em medidas

defensivas. A necessidade de gastar bilhõesde dólares em guerras, segurança de fron-teiras e manutenção da paz está segura-mente relacionada à negligência mundialaos prementes problemas sociais eambientais. O mesmo ocorre em termoscomunitários. Gastos em educação particu-lar, comunidades cercadas, sistemas de alar-me doméstico são apenas algumas das for-mas em que a falta de investimentos nosmais pobres retorna para assombrar os ri-cos. Atender às necessidades básicas de to-dos, então, tanto é certo quanto inteligente.

Tratar dessas quatro questões daria aoconsumo um papel menos central em nos-sas vidas e liberaria tempo para o aperfei-çoamento comunitário e o fortalecimentodas relações interpessoais – fatores que ospsicólogos dizem ser essenciais para umavida realizada. Ao redirecionar as priorida-des sociais em direção à melhoria do bem-estar das pessoas, em vez de simplesmen-te acumular bens, o consumo poderá agirnão como o motor que conduz a econo-mia, e sim como um instrumento que pro-porciona uma qualidade melhor de vida.

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Sacos Plásticos

A T R Á S D O S B A S T I D O R E S

Sacos plásticos são o item deconsumo mais comum na faceda Terra. Sua leveza, baixocusto e impermeabilidade ostornam extremamenteconvenientes para carregarmantimentos, peças devestuário ou qualquer outracompra do dia-a-dia, sendodifícil imaginar a vida sem eles.

As primeiras “embalagens” plásticaspara pão, sanduíches, frutas e outrasverduras surgiram nos Estados Unidos, em1957. Sacos plásticos de lixo já estavampresentes nos lares e ao longo das calçadasem todo o mundo no final dos anos 60. Masesses itens popularizaram-se realmente emmeados dos anos 70, quando um novoprocesso de produção barata de sacosplásticos tornou possível para os grandesvarejistas e supermercados oferecerem aseus clientes uma alternativa para os sacosde papel. Hoje, em cada cinco sacos usadosnos mercados, quatro são plásticos, do tipode duas alças, semelhantes a uma camiseta.1

Esses sacos partem do petróleo bruto,gás natural ou outros derivadospetroquímicos, que são transformados nasfábricas de plásticos em cadeias demoléculas de hidrogênio e carbono,conhecidas como polímeros ou resina depolímero. (Resina de polietileno de alta

densidade é o padrão industrial para ossacos plásticos.) O polietileno ésuperaquecido e a resina líquida éextraída com um tubo, semelhante ao

processo de fabricar macarrão.Quando se obtém a forma

desejada, a resina éresfriada e endurecida,podendo ser achatada,selada, reforçada,perfurada ou impressa.2

Os sacos plásticostípicos, que pesam apenas alguns gramas etêm poucos milímetros de espessura,poderiam parecer completamente inócuosnão fosse o gigantesco volume da produçãoglobal. Fábricas em todo o mundoproduziram aproximadamente 4–5 trilhões desacos plásticos – desde grandes sacos delixo e sacolas resistentes para lojas até sacosmais finos para supermercados – em 2002, deacordo com estimativas do Chemical MarketAssociates, uma firma de consultoria daindústria petroquímica. A América do Norte eEuropa Ocidental são responsáveis porquase 80% do consumo desses produtos. Osamericanos descartam, anualmente, 100bilhões de sacos plásticos, que estão setornando cada vez mais comuns também nasnações mais pobres. E hoje sacos produzidosna Ásia representam um quarto dos sacosusados nas nações ricas.3

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ATRÁS DOS BASTIDORES: SACOS PLÁSTICOS

A produção de sacos plásticosconsome cerca de 20–40% menos energiae água do que a produção de sacos depapel e gera menos poluição e resíduossólidos, conforme avaliações de ciclo devida por parte de grupos industriais enão-industriais. Representantes daindústria de plástico também observamque sacos de papel ocupam menosespaço num aterro e que nenhum dosdois produtos decompõe-se sob ascondições predominantes nos aterros.(Sob condições adequadas, o saco depapel decompõe-se rapidamente,enquanto o mesmo não ocorre com osaco plástico.)4

Porém muitos sacos não encontram ocaminho dos aterros. Alguns são levadospelo ar depois de descartados. No Quênia,fazendeiros e conservacionistas reclamamcontra sacos presos em cercas, árvores emesmo nas goelas de pássaros. EmXangai, o governo estava gastando tantodinheiro na limpeza de sarjetas, esgotos etemplos antigos que lançou umacampanha para encorajar as pessoas adarem nós nos sacos, para impedi-los deserem levados pelo vento. O irlandêsdenomina os sacos, onipresentes, de sua“bandeira”; os sul-africanos resolveramapelidá-lo de “flor nacional”.5

Alguns fabricantes introduziramrecentemente no mercado sacosplásticos biodegradáveis ou orgânicos,fabricados com amidos, polímeros ouácido polilático, e não polietileno. Atéagora, estes correspondem a menos de1% do mercado a preços proibitivos,conforme o Biodegradable ProductsInstitute, uma associação que promoveo uso de materiais poliméricosbiodegradáveis. Não obstante, osorganizadores dos Jogos Olímpicos

2000, em Sidnei, Austrália, recolheram76% dos restos de comida gerados noseventos esportivos e vila olímpicausando utensílios e sacos plásticosbiodegradáveis, que se decompõem tãorapidamente quanto o alimento,eliminando a necessidade de separar olixo. (Na primavera seguinte, acompostagem adubou os jardins dacidade.)6

Em outros países, governos eindivíduos propõem uma solução maispermanente, que não dependa de novatecnologia. A Aliança de Mulheres deLadack e outros grupos de cidadãoslideraram uma campanha bem-sucedidano início dos anos 90 para proibir sacosplásticos naquela província da Índia,onde o dia 1o de maio é agoracomemorado como “Dia da Proibição doPlástico”. Bangladesh deu início à suaprópria proibição após constatar quesacos descartados estavam entupindoesgotos e drenos pluviais, aumentandoas inundações e a incidência de doençasveiculadas pela água.7

Em janeiro de 2002, o governo daÁfrica do Sul agiu, exigindo que aindústria fabricasse sacos maisresistentes e mais caros, a fim dedesencorajar o descarte – provocandouma redução de 90% em seu uso. AIrlanda criou um imposto de 15 centavospor saco a partir de março de 2002, o quelevou a uma redução de 95% em seu uso.Austrália, Canadá, Índia, Nova Zelândia,Filipinas, Taiwan e Reino Unido tambémplanejam proibir ou taxar os sacosplásticos.8

Supermercados em todo o mundoestão tomando a iniciativa de encorajarseus clientes a dispensarem os sacos – outrazerem suas próprias sacolas –

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ATRÁS DOS BASTIDORES: SACOS PLÁSTICOS

concedendo um pequeno desconto porsaco ou cobrando uma pequena taxa porestes. A Weaver Street Market, umamercearia comunitária na Carolina doNorte, deu um passo além ao vendersacolas de lona com desconto. As vendasdessas alternativas duráveisquintuplicaram, declarou o gerente JamesWatts, e o uso de sacos plásticos

despencou. “É bom para os negócios etambém para o meio ambiente”,acrescentou . Entretanto, a idéia de levarsacolas reutilizáveis sempre que se vai àscompras é tão simples e óbvia que amaioria das pessoas pode não perceber ogrande impacto que pode ter.9

— Brian Halweil