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O ESTADO E A REESTRUTURAÇÃO DO TERRITÓRIO: UM OLHAR SOBRE O ABASTECIMENTO AGROALIMENTAR NO BRASIL
Thiago Augusto Nogueira de Queiroz UFRN
Francisco Fransualdo de Azevedo UFRN
[email protected] Resumo O objetivo deste trabalho é analisar o papel do Estado brasileiro no processo de reestruturação do abastecimento agroalimentar, e consequentemente na reestruturação do território, através da criação e normatização das centrais de abastecimento, atendendo, sobretudo, a uma lógica do capital. O texto inicia-se com uma discussão sobre as diversas crises geradas ou criadas pela instabilidade inerente ao sistema capitalista, a partir das coexistências de modelos históricos de acumulação. Na sequência discute-se o processo de reestruturação produtiva (produção stricto sensu, dsitribuição, troca e consumo), intrinsecamente ligado à reestruturação estatal (através do neoliberalismo) e dos territórios nacionais (transformações na dinâmica urbana e regional), a partir da criação, pela instância federal do Estado brasileiro, das centrais de abastecimento. Palavras-chave: Reestruturação do território. Estado. Abastecimento agroalimentar.
Introdução
As crises são geradas, de forma espontânea ou induzidas, para que possa ocorrer um
reinvestimento do capital sobreacumulado para novos setores econômicos ou novas
regiões do mundo. Como exemplos podem-se citar as crises de 1929 e 1973, que apesar
das suas especificidades mostraram-se importantes para a reestruturação do sistema
capitalista, a partir da adoção de políticas econômicas por parte dos estados nacionais,
redefinindo e difundindo modelos produtivos, de circulação e consumo pautados na
capacidade máxima de exploração do trabalho, dos recursos naturais, ampliação dos
mercados e da capacidade de consumo.
Nesse contexto, os efeitos de tais crises também refletiram diretamente no espaço
geográfico brasileiro, afetando diretamente a política econômica nacional, fortemente
sustentada pelo Estado, sobretudo através do endividamento público para financiar a
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produção agroindustrial, a circulação, a infraestrutura, o sistema financeiro e até mesmo
o consumo, sobretudo no período recente.
Já no que concerne as crises no setor de abastecimento agroalimentar nota-se que estas
ocorreram no Brasil principalmente nos anos de 1918, 1937 e 1962 (LINHARES &
SILVA, 1979), requerendo do Estado nacional algumas ações e normas, a exemplo da
implantação e/ou reestruturação das centrais de abastecimento .
Nesse contexto, a reestruturação denota, portanto uma reação à crise, um conjunto de
transformações necessárias para que o sistema capitalista possa sobressair ou superar
suas instabilidades internas. A atual reestruturação do capital vem ocorrendo desde a
década de 1970, no denominado período da globalização, marcado pela suposta
passagem de um modelo de acumulação rígido (também denominado fordista), para um
modelo de acumulação flexível (também chamado de pós-fordista). Na verdade, não há
uma ruptura da rigidez para a flexibilidade, pois toda a atual crise-reestruturação do
capital é causa e consequência da coexistência dos dois modelos.
A reestruturação abarca várias dimensões da vida social. A dimensão econômica da
reestruturação é denominada de reestruturação produtiva, ou seja, a reestruturação na
produção, na distribuição, na troca e no consumo, através da inovação tecnológica,
relacionada a dimensão financeira. A dimensão política é a reestruturação estatal
marcada pelas políticas do Estado neoliberal. E por fim, a dimensão sócio-espacial que
é caracterizada pelos rebatimentos espaciais da reestruturação produtiva e estatal,
ocorrendo concomitantemente aos demais tipos uma reestruturação do território, a
formação socioeconômica e espacial de um Estado-nação, que se dá sob a lógica do
capital (HARVEY, 2004a).
A reestruturação produtiva da agricultura brasileira nas décadas de 1960 e 1970
provocou a última crise do setor de abastecimento alimentar no Brasil em 1962,
intensificada pela crise econômica global de 1973, necessitando-se assim de uma
reestruturação na distribuição alimentar. Nesse contexto, foram criadas no Brasil as
centrais de abastecimento que tinham como meta aumentar o fluxo, assim como o
consumo de produtos agrícolas nas principais cidades e capitais dos estados federados
brasileiros.
Nessa perspectiva o objetivo deste trabalho é analisar o papel do Estado brasileiro na
reestruturação do abastecimento agroalimentar, e consequentemente na reestruturação
do território através da criação das centrais de abastecimento, que tem buscado,
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sobretudo atender a lógica de produção do capital. O caminho percorrido para se chegar
a atingir tal objetivo envolveu um levantamento bibliográfico sobre a história do
abastecimento alimentar, em especial de hortifrutigranjeiros no Brasil, além de um
levantamento de dados junto à Associação Brasileira das Centrais de Abastecimento
(Abracen) e à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Inicialmente, o texto
traz uma discussão sobre as crises do modo de produção capitalista, posteriormente
elencando os modelos históricos de acumulação, e por fim, trata da reestruturação em
suas diversas dimensões, incluso dos serviços de abastecimento agroalimentar.
O papel do estado na reestruturação do abastecimento de hortifrutigranjeiros
Muitas vezes, o sistema capitalista é instável, não conseguindo o equilíbrio desejável
para garantir um contínuo processo de acumulação do capital, gerando momentos de
crise, que são muitas vezes necessárias e inevitáveis para resolver, mesmo que de forma
temporária e incipiente, os pontos de instabilidade do processo, por exemplo, a
superacumulação e o subconsumo. As crises são “momentos de reconfiguração radical
do desenvolvimento capitalista” (HARVEY, 2011, p. 37). Nesse contexto:
As crises são, de fato, não apenas inevitáveis, mas também necessárias, pois são a única maneira em que o equilíbrio pode ser restaurado e as contradições internas da acumulação do capital, pelo menos, temporariamente, resolvidas. As crises são, por assim dizer, os racionalizadores irracionais de um capitalismo sempre estável (HARVEY, 2011, p.65).
As crises do processo de acumulação do capital ocorrem quando: não existe um
excedente de mão de obra para a expansão da produção; não há quantidades necessárias
de meios de produção no mercado para que haja a possibilidade da expansão da
produção conforme o capital seja reinvestido; e, por fim, não existe um mercado para
absorver as quantidades crescentes de mercadorias produzidas (HARVEY, 2011).
Uma quarta via de explicação para a crise de acumulação é proposta por David Harvey,
para o qual, os momentos de crise estão diretamente associados às esferas da atividade
produtiva, a saber: tecnologias e formas de organização, relações sociais, arranjos
institucionais e administrativos, processos de produção e de trabalho, relações com a
natureza, reprodução da vida cotidiana e da espécie, e concepções mentais de mundo
(HARVEY, 2011). Para o referido autor o capital não pode circular ou acumular-se sem
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tocar em cada uma dessas esferas. Quando o capital encontra barreiras ou limites em
uma ou mais esferas, precisa achar meios para contornar ou superar essas dificuldades,
quando estas são graves, então, as crises são geradas.
As crises podem ser classificadas como sendo: crises locais, quando atinge um ou
alguns Estados, um ou alguns setores da economia; crises regionais, que atinge uma ou
várias regiões do mundo, um ou alguns setores da economia; e por fim, as crises
globais, que abarcam direta e indiretamente todos os setores da economia e todas as
regiões do mundo, como por exemplo, as crises de 1929, 1973 e 2008 (HARVEY,
2011).
Em relação ao abastecimento, podem-se destacar, no Brasil, três importantes crises a
partir do século XX: a crise de 1918, a crise de 1937, e a crise de 1962 (LINHARES &
SILVA, 1979). A crise de 1918 contextualiza-se com o fim da Primeira Guerra
Mundial, e com as freqüentes crises da produção de café no Brasil, surgindo as
primeiras indústrias brasileiras através da substituição de importações de bens de
consumo duráveis.
A crise do abastecimento brasileiro que ocorreu em 1937 está atrelada a crise global
ocorrida em 1929, a qual se agravou ao longo dos anos, tendo como outro agravante o
período da Segunda Guerra Mundial, evidenciando um processo de contínua crise até o
ano de 1945. No Brasil, evidenciavam-se os primeiros anos da industrialização a partir
da substituição de importação de bens intermediários e equipamentos, além da
implantação de indústrias de base como a Companhia Siderúrgica Nacional, a
Companhia Vale do Rio Doce, e a Petrobras.
A crise de 1962 está contextualizada com o período pós Segunda Guerra Mundial, a
Guerra Fria num contexto político do sistema-mundo bipolarizado, um conflito político
e ideológico (capitalismo X socialismo) entre as duas potências mundiais da época,
Estados Unidos e União Soviética. No Brasil essa crise se configurou e se agravou com
o regime político ditatorial desencadeado pela ditadura militar, bem como com a crise
global ocorrida em 1973, a qual ficou conhecida como crise do petróleo.
As crises, espontâneas ou provocadas pelos próprios agentes do capital, servem
principalmente para que esses sujeitos possam reproduzir e expandir a capacidade
produtiva e renovar as condições de acumulação, ou seja, propicia uma mudança do
processo de acumulação do capital para um novo nível. Este novo nível tem como
características: aumento da produtividade e da exploração da mão de obra pela
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utilização de máquinas e equipamentos mais sofisticados; diminuição do custo de mão
de obra devido ao desemprego gerado pela crise; a atração do excedente de capital para
outras ou novas linhas de produção mais lucrativas; e o aumento da demanda efetiva
(HARVEY, 2005).
Há quatro elementos importantes para que ocorra esse aumento da demanda efetiva: o
primeiro é a penetração do capital em novas atividades através da reorganização de
formas já existentes de atividades, ou através da diversificação de atividades; o segundo
é a criação de novos desejos e novas necessidades de consumo através da publicidade e
da propaganda; o terceiro é a quantidade populacional ótima, ou seja, o crescimento
populacional compatível com a reprodução do capital em longo prazo; e por último o
ajuste espacial na morfologia e na rede urbana e a expansão geográfica do capital para
novas regiões, a reestruturação da dinâmica urbana e regional (HARVEY, 2005).
Para explicar o que é reestruturação, Ruy Moreira, apriori, apresenta três modelos
espaço-tempo que estão intimamente associados ao processo de reestruturação
(MOREIRA, 2002). O primeiro refere-se ao modelo histórico que é a duração de tempo
de uma dada estrutura política e econômica de uma dada sociedade. O segundo é o
modelo de acumulação que é o recorte estrutural do modelo histórico, definido a partir
de um ramo da economia. Já o terceiro é o modelo industrial, isto é, o modelo histórico
no qual o modelo de acumulação está focado na indústria.
O modelo histórico de acumulação mundial é caracterizado por três períodos
(MOREIRA, 2002). O primeiro período ocorreu do Renascimento, século XIV, ao
Iluminismo, século XVIII, caracterizado pela acumulação comercial europeia. O
segundo período decorre do Iluminismo, século XVIII, ao advento do capitalismo
tardio, meados do século XX, caracterizado pela acumulação industrial. O terceiro
período vai do capitalismo tardio, meados do século XX, ao capitalismo globalizado,
século XXI, quando se evidencia a acumulação financeira.
Nesse contexto, o modelo histórico brasileiro é concentrador, oligopolista, com desigual
distribuição da riqueza e da renda, e extremamente excludente, com a marginalização da
maioria da população do poder de decisão e da organização da sociedade (MOREIRA,
2002). Segundo o referido autor, o modelo de acumulação brasileiro é centrado no
monopólio. A origem desse modelo está no monopólio de terra e de escravos no período
colonial e imperial, seguido do monopólio dos frutos de uma acumulação primitiva
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interna nos primeiros anos de república, e por fim, ocorre o monopólio financeiro e
industrial desde o período de ditadura militar até os dias atuais.
Dentro desse modelo histórico de acumulação brasileiro, há quatro momentos do
modelo industrial (MOREIRA, 2002). O primeiro momento é o da substituição da
importação de bens de consumo não duráveis, entre as décadas de 1910 e 1940. O
segundo momento é o da substituição de importações de bens intermediários e de
equipamentos, entre as décadas de 1930 e 1970. No terceiro momento ocorre a
substituição de importação de bens de consumo duráveis, desde a década de 1960. Por
último, ocorre a substituição de importações de insumos industriais agrícolas, iniciado
na década de 1980, podendo ser considerado uma derivação do terceiro momento.
Observa-se que o terceiro/quarto do modelo histórico industrial brasileiro coincide com
o terceiro período do modelo histórico de acumulação, que se inicia em meados do
século XX. Neste caso, a partir do terceiro período de acumulação mundial, evidenciado
desde meados do século XX, se caracteriza em termos econômicos pela tendência à
globalização do mercado, em termos políticos pela tendência ao neoliberalismo, e em
termos culturais pela tendência a ideologia do pós-modernismo. No Brasil, o referido
período se caracteriza pela substituição de importações de bens de consumo duráveis e
de insumos agrícolas, através do monopólio industrial e financeiro, concentrado em
oligopólios.
A partir dos modelos expostos, pode-se inferir um modelo histórico de abastecimento
no Brasil. Antes de 1918, o abastecimento ocorria através das feiras livres, das
quitandas e dos mercados públicos, sem a intervenção direta do Estado. Entre 1918 e
1972, há a intervenção, pelo menos normativa, do Estado no abastecimento. No entanto,
os meios para o abastecimento continuaram os mesmos: feiras, quitandas, mercados
públicos, como também os, já existentes, supermercados. A partir do ano de 1972, o
Estado passa não só a normatizar, mas também a gerir o abastecimento com a criação,
em diversos estados federados brasileiros, das centrais de abastecimento. Assim o
abastecimento atacadista passa a ser feito pelas centrais, mas, sem deixar de existir o
comércio varejista das feiras livres, dos mercados públicos e dos supermercados.
Ao se pensar o abastecimento alimentar no contexto da reestruturação produtiva é
importante considerar que esta última envolve
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o reordenamento da relação política-economia que informa todos os modelos. Vale dizer, a recriação, pelo sentido, dos modelos histórico e de acumulação. [...]. A reorganização total da sociedade do trabalho, enquanto forma histórico-industrial do capitalismo, um formato que agora se esgota e se redefine em face do fim do ciclo da formação do capitalismo como sociedade industrial (MOREIRA, 2002, p. 34).
Assim, depreende-se que o processo de reestruturação abrange e pressupõe
transformações das estruturas econômicas, políticas, logo, socioespaciais que ocorrem
na mudança de um modelo espaço-tempo para outro. Desse modo, a reestruturação
contemporânea se caracteriza pela passagem de um modelo espaço-tempo industrial
para um novo modelo, provavelmente, o que se denomina frequentemente de
globalização, de neoliberalismo, de pós-modernismo.
As mudanças recentes na dinâmica da globalização se caracterizam: pela
desregulamentação financeira desde o início dos anos 1970; pela profunda mudança
tecnológica e de inovação e melhoria dos produtos; pelo novo sistema de comunicação,
a revolução da informação, e as mudanças produzidas na organização e nas
necessidades de produção e de consumo; assim como, pela redução do custo e do tempo
do transporte de mercadorias e pessoas (HARVEY, 2004b).
As conseqüências desse período de globalização são, a saber: a alteração das formas de
produção e de organização; o aumento da força de trabalho global; as alterações na
população global; a urbanização acelerada com mudanças ecológicas, políticas,
econômicas, sociais e espaciais da população; as mudanças do papel do Estado, cujas
operações passaram a ser disciplinadas pelo capital monetário e financeiro; a nova
ordem geopolítica mundial; o novo conjunto de problemas políticos e ambientais
globais; e a preservação e a produção de diversidades culturais (HARVEY, 2004b).
Nesta perspectiva, a globalização “significa alguma coisa relativa à nossa Geografia
histórica recente, é bem provável que designe uma nova fase de exatamente esse mesmo
processo intrínseco da produção capitalista do espaço” (HARVEY, 2004b, p. 81).
Portanto, as crises que afloram periodicamente no capitalismo ocorrem porque este
sistema é movido pelo ímpeto de acelerar o tempo de giro do capital, o ritmo de
acumulação do capital, e também é incentivado a eliminar todas as barreiras espaciais,
por meio do ajuste espacial, da expansão geográfica, e da reestruturação do território
(HARVEY, 2004b).
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Nesse contexto, busca-se a redução do custo e do tempo de deslocamento no espaço
através da inovação tecnológica, da construção de infraestruturas físicas fixas destinadas
a facilitar o deslocamento, assim como, dar suporte à circulação de pessoas,
mercadorias e informação nas atividades de produção-distribuição-consumo, e por fim,
construir uma organização territorial por meio do poder estatal e que ao mesmo tempo
atenda aos interesses de monopolização do capital.
A atual reestruturação do capital, em um momento de contínua crise desde a década de
1970, pode ser considerada como a passagem de um processo rígido de acumulação
para uma acumulação flexível (HARVEY, 1992). Em relação à dimensão econômica, a
acumulação rígida se caracteriza por uma produção em massa, uniforme, padronizada,
com grandes estoques, com detecção tardia de erros, os produtos defeituosos são
ocultados, havendo perda de tempo de produção, esta é voltada para os recursos, e a
redução dos custos se dá por meio do controle dos salários. Já a acumulação flexível se
caracteriza pela produção em pequenos lotes, variação de produtos, não existência de
estoques, detecção imediata dos erros, rejeição dos produtos defeituosos, redução do
tempo perdido, com a produção voltada para a demanda, o aprendizado ocorrendo na
prática e o planejamento feito em longo prazo.
Em termos técnicos, que é derivado da dimensão econômica, a acumulação rígida se
caracteriza por uma única tarefa do trabalhador, pagamento baseado em critérios de
definição de emprego, com especialização das tarefas, pouco ou nenhum treinamento no
trabalho, organização vertical, redução da responsabilidade do trabalhador, e nenhuma
segurança no trabalho. No entanto, a acumulação flexível se caracteriza pelas múltiplas
tarefas, pelo pagamento pessoal, pela eliminação da demarcação de tarefas, pelo
treinamento concomitante ao trabalho, pela organização horizontal da empresa, há a co-
responsabilidade do trabalhador, e há segurança no emprego apenas para alguns
profissionais mais qualificados.
Considerando o aspecto político, na acumulação rígida, o Estado se caracteriza pela
regulamentação, rigidez, negociação coletiva, socialização do bem-estar social, acordos
multilaterais, estabilidade geopolítica, centralização do poder, Estado subsidiador,
promovendo políticas regionais, sendo a pesquisa e desenvolvimento financiados pelas
firmas, e inovação tecnológica feita pela indústria. Já no contexto da acumulação
flexível o Estado é desregulamentador, flexível, negociador individualmente com cada
empresa, privatizador das necessidades coletivas, proporcionador de tensões
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geopolíticas e desestabilidade, além descentralizador do poder, tornando-se
empreendedor, investidor em políticas territoriais, em pesquisa, desenvolvimento e em
inovação.
O Estado é um instrumento de dominação de um grupo social dominante, e
ideologicamente representa os interesses de todos os grupos sociais. Essa contradição
pode ser resolvida pelo Estado através: da/na expressão de independência e de
autonomia manifestada pelas instituições e órgãos estatais, disseminada pelos
funcionários do Estado, que apresentam esses órgãos como superior e separado da
sociedade; e os interesses de classe são ilusoriamente universalizados como interesse
geral, através da disseminação de idéias (HARVEY, 2005).
Três aspectos são inerentes aos Estados modernos capitalistas: os diversos instrumentos
do aparelho estatal dão uma função autônoma para o Estado no desenvolvimento do
capitalismo, agindo, ideologicamente de forma neutra, como agente e árbitro nos
conflitos e nas relações sociais de produção; o Estado cumpre a função básica de
reproduzir a sociedade capitalista, mesmo que atue de formas diferentes em cada
sociedade; o Estado, por fim, constitui-se com estruturas e funções atreladas ao capital,
fornecendo subsídios para a sobrevivência da formação social capitalista (HARVEY,
2005).
Nesse contexto político-econômico, o Estado brasileiro tem adotado políticas públicas e
normatizações do território fortemente marcadas por tais fatores. Por exemplo, a crise
de 1918 vivenciada no Brasil no setor agroalimentar, foi marcada pela primeira
intervenção do Estado no que concerne à normatização do mercado hortifrutigranjeiro
(LINHARES & SILVA, 1979). O Estado interveio com a criação, em 1918, do
Comissariado de Alimentação Pública (transformada em 1920 em Superintendência de
Abastecimento), através também da criação da Delegacia Executiva da Produção
Nacional, e através da política de preços mínimos. A Superintendência de
Abastecimento promoveu a compra de alimentos, a isenção fiscal de batata, arroz,
feijão, leite, milho e charque, a organização de cooperativas, o incentivo a criação de
feiras livres e aos próprios produtores para venderem nas feiras.
Na crise do abastecimento em 1937, os mecanismos de intervenção do Estado estavam
associados aos serviços de economia rural, às pesquisas socioeconômicas do meio rural,
ao incentivo ao cooperativismo, e ao incentivo aos seguros agropecuários e agrícolas.
Por trás de todas essas políticas havia o quadro teórico da necessidade de intervenção do
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Estado na economia, o keynesianismo (LINHARES & SILVA, 1979). O governo
federal criou em 1937 a Comissão Reguladora de Tabelamento que tinha como
atributos: estudar os mercados alimentícios de primeira necessidade; verificar os custos
de aquisição nas áreas produtoras organizar a tabela de preços, limitando o lucro dos
atacadistas e varejistas; verificar a aplicação dessas tabelas; e fiscalizar a qualidade e
peso dos produtos à venda.
Foi criada também, em 1939, a Comissão de Abastecimento vinculada ao Ministério da
Agricultura que deveria levantar os estoques, fixar os preços máximos de venda em
grosso e a varejo, adquirir mercadorias nas áreas produtoras, distribuir as mercadorias
compradas, e requisitar mercadorias, promovendo a distribuição. No período de guerra
foi criado o Serviço Técnico de Alimentação Social e a Comissão de Financiamento da
Produção em 1943, a Comissão Nacional de Alimentação e a Comissão Nacional de
Preços em 1945, e por fim, após o conflito bélico, foi criado o Serviço Nacional de
Alimentação em 1947.
Por fim, na crise brasileira do setor de abastecimento agroalimentar ocorrida em 1962, a
intervenção do Estado deixa de ser apenas normativa e passa a ser direta na organização
e na regulação do sistema de abastecimento, através da criação das centrais de
abastecimento nas maiores capitais dos estados brasileiros, a partir de 1972
(LINHARES & SILVA, 1979).
A reestruturação produtiva da agricultura brasileira nas décadas de 1960 e 1970, tinha
como características: as mudanças técnicas e a consolidação do complexo
agroindustrial; a intensa urbanização, o crescimento do emprego não agrícola, a
demanda crescente por produtos agrícolas e agroindustriais nacionais para o mercado
exterior; e a relevância da política de crédito rural, através da mediação estatal no auge
da crise, da esfera normativa, financeira, fiscal, produtiva e previdenciária do Estado
(DELGADO, 1984). Essas transformações na produção-consumo agrícola instigaram as
transformações da distribuição, com a criação das centrais de abastecimento no Brasil,
que provocou uma reestruturação da dinâmica urbana e regional a partir dessas redes de
abastecimento.
Em 1962, ainda no governo João Goulart, foi criada a Superintendência Nacional de
Abastecimento (Sunab), o órgão executivo do abastecimento; a Companhia Brasileira
de Alimentos (Cobal), órgão responsável pela constituição de estoques, regulação e
comercialização de produtos; e a Companhia Brasileira de Armazenagem (Cibrazem)
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que tinha o objetivo de criar e regular redes de armazém. Já os planos financeiros
relativos a produção ficavam sob a tutela da Comissão de Financiamento da Produção
(CFP), criada anteriormente em 1943. Através da Comissão Nacional de Estabilização
de Preços (Conep), sob a direção da Sunab, o governo promoveu a prática de preço
mínimo para produtos ditos essenciais (arroz, feijão, milho, soja, amendoim), como
também, promoveu campanhas para desenvolver o hábito da pechincha entre os
consumidores.
O Grupo Executivo de Modernização do Abastecimento (Gemab), criado em 1968,
dentro do regime militar, recomendava a criação e implantação de centrais de
abastecimento nas capitais e nos principais núcleos urbanos do país. Os resultados desse
grupo de estudo também subsidiaram as metas do Primeiro Plano Nacional de
Desenvolvimento (I PND), que foi executado entre 1972 e 1974. Nesse contexto, foram
criadas as primeiras centrais de abastecimento no Brasil, através da assessoria de
organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação (FAO), e de técnicos dos Estados Unidos e da Europa. O Segundo PND
executado entre 1975 e 1979 também proporcionou a implantação de mais centrais de
abastecimento em todo o Brasil.
Foi criado, em 1972, o Sistema Nacional de Centrais de Abastecimento (Sinac). A
gestão deste sistema ficou sob a responsabilidade da Cobal. Este sistema tinha como
objetivos reduzir os custos de comercialização no atacado, formar economias de escala,
melhorar a qualidade dos produtos alimentícios e intensificar os serviços de
classificação e padronização, propiciar condições para ampliação e difusão do sistema
de informações do mercado agrícola, reduzir os custos dos comércios varejistas, reduzir
a flutuação da oferta dos produtos agrícolas, aperfeiçoar os mecanismos de formação de
preços e elevar o nível de renda dos empresários agrícolas, além de buscar eliminar
gradativamente os problemas urbanísticos ocorridos (trânsito, poluição sonora e visual,
e insalubridade) decorrentes das feiras livres (ABRACEN, 2011).
Diante do exposto é importante observar que a maioria dessas normas territoriais e
eventos promovidos pelo Estado brasileiro já prenunciavam e valorizavam elementos
típicos do modelo estatal neoliberal, o qual se constitui numa “forma política instável e
contraditória” (HARVEY, 2008, p.75). Vale lembrar que este modelo de Estado surgiu
em meados do século XX, e começou a se consolidar a partir dos anos 1970, não
seguindo um padrão de características, variando e se adaptando em diferentes lugares e
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em diferentes períodos. O Estado neoliberal cria um “clima” de negócio e investimentos
favoráveis para os empreendimentos capitalistas, e nos momentos de crise, o Estado
neoliberal favorece a integridade e a sobrevivência do capital financeiro em detrimento
dos interesses da população.
Há cinco contradições do Estado neoliberal, a saber: de um lado o Estado tem que
atender aos interesses do capital, e do outro tem que ser competitivo na geopolítica
global; enquanto ocorre a preservação do capital financeiro em momentos de crise, há
também a volatibilidade especulativa, escândalos financeiros, e a instabilidade crônica;
ao mesmo tempo em que há uma idéia de liberdade individual no mercado, a livre
concorrência, mas ao mesmo tempo um autoritarismo do capital; no mesmo sentido,
quanto mais se defende a livre concorrência e a competição, mais se observa o
crescimento do poder econômico e político dos monopólios e dos oligopólios através
das corporações globais, nacionais e locais; por fim, a mercantilização de todas as
coisas, até mesmo da cultura, provoca também uma incoerência social, destruição da
solidariedade social (HARVEY, 2008). Embora se admita também os movimento de
resistência e contra-racionalidades em várias escalas, lugares e regiões.
A própria criação das centrais de abastecimento, no Brasil, exemplifica e até explica o
Estado neoliberal, pois, a gestão era de domínio público, mas todo o comércio era de
domínio privativo. No entanto, posteriormente houve uma tentativa de privatização das
centrais. Este tipo de atuação do Estado, através da privatização de empresas estatais é
uma das características essenciais do Estado neoliberal.
Em 1985, com a redemocratização do Estado brasileiro, iniciam-se as discussões, por
parte do governo federal, das privatizações das empresas estatais, entre elas as centrais
de abastecimento. Em 1986, o governo federal concedeu à Cobal o poder de transferir
os controles acionários das centrais de abastecimento para os governos estaduais ou
municipais, e em caso de não concordância por parte dos governos dos estados
federados, os entrepostos seriam transferidos para a iniciativa privada. Houve neste
período a criação de vários editais de licitação, mas, nenhuma empresa se manifestou
interessada na compra das ações, até mesmo porque a comercialização dos produtos já
era privatizada, somente a gestão das centrais era estatal (ABRACEN, 2011). Em 1987,
o governo federal transferiu todas as ações da Cobal para a União, fato que consolidou o
fim do Sinac. E em 1988, por não ter ocorrido as privatizações das centrais, a União
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transferiu os controles acionários das centrais de abastecimento do governo federal para
as instâncias estaduais ou municipais..
A partir do final da década de 1980, segundo a Abracen (2011), as centrais de
abastecimento passam a vivenciar, em sua maioria, problemas estruturais, a saber,
deterioração e obsoletismo das estruturas de mercado, deficiência na infraestrutura de
apoio, perda de competitividade, redução da oferta de recursos humanos especializados,
falta de modernização da gestão e da operacionalização logística, deficiência na visão
estratégica, e falta de integração entre os agentes envolvidos no processo de produção,
distribuição e consumo.
Depois do processo de descentralização da gestão, cada estado administrou de forma
particular sua Central de abastecimento. Em 1987 foi criada, na tentativa de manter a
unidade sistêmica, a Abracen, que é filiada à World Union of Wholesale Markets
(WUWM), como também à Federação Latino-Americana de Mercados de
Abastecimento (Flama). Em 1990, o governo federal criou a Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab), originada da fusão da Cobal com a CFP e com a CIBRAZEM
vinculada ao atual Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Em
1998 a Sunab foi extinta.
Somente em 2005, o governo federal volta a investir nas centrais de abastecimento, com
a criação do Programa Brasileiro de Modernização do Mercado Hortigranjeiro
(Prohort), no âmbito da Conab. O Prohort tem como objetivos desenvolver e integrar os
bancos de dados estatísticos das centrais de abastecimento, universalizar as informações
geradas, modernizar o processo de gestão técnica e administrativa das centrais,
estimular a agregação de tecnologia às cadeias produtivas de acordo com as exigências
dos consumidores, modernizar a infraestrutura física e técnica, modernizar os serviços
de apoio, incentivar as interações das centrais de abastecimento com as universidades,
órgãos de pesquisas e organizações não governamentais, e ampliar as funções das
centrais tornando-as áreas privilegiadas para a execução de políticas públicas de
abastecimento e segurança alimentar.
Uma das primeiras atividades do Prohort foi fazer o diagnóstico das centrais de
abastecimento no Brasil. De acordo com os dados da Companhia Nacional de
Abastecimento - Conab, o sistema brasileiro de mercados atacadistas hortifrutigranjeiros
é composto por 41 instituições gestoras – das quais 26 estão filiadas a Associação
Brasileira das Centrais de Abastecimento (Abracen) – e por 72 entrepostos distribuídos
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em 22 unidades da federação (CONAB, 2009). As instituições gestoras se apresentam
sob diversos formatos jurídicos, sendo 2 federais, 15 estaduais, 19 municipais, 5
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) ou conveniadas. O
Mapa 01 mostra a distribuição dos entrepostos de abastecimento pelo Brasil.
Mapa 01 – Localização dos entrepostos.
Fonte: CONAB, 2009.
Segundo os dados da Abracen (2011), atualmente, as centrais de abastecimento são
responsáveis pela circulação anual de mais de 17 milhões de toneladas de alimentos,
que representam um faturamento bruto de cerca de 17 bilhões de reais. Os dados
também mostram que as centrais de abastecimento brasileiras têm um faturamento
maior do que cada um dos 12 maiores setores da economia brasileira separadamente
(bens de capital, eletro eletrônico, farmacêutico, indústria da construção, indústria
digital, papel e celulose, química e petroquímica, serviços, siderurgia e metalurgia,
têxteis, transporte, varejo), o segundo maior faturamento em relação a 3 setores (bens de
consumo, energia, mineração), e o quarto maior em relação a outros 3 setores (atacado,
auto indústria, telecomunicações). No ano de 2012, no âmbito da Abracen foi discutido
também o Plano Nacional de Abastecimento (ABRACEN, 2012).
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Diante do exposto, nota-se que a reestruturação do setor agroalimentar está diretamente
ligada à reestruturação do território. Assim, a acumulação rígida é caracterizada pelo
consumo de massa (ou consumo despótico), a sociedade de consumo, o modernismo, a
totalidade, e a socialização. Por outro lado, na acumulação flexível, o aspecto ideológico
se caracteriza pelo consumo individual, o pós-modernismo, a adaptação, e a sociedade
do espetáculo.
Enfim, a dimensão socioespacial da acumulação rígida se caracteriza pela divisão
territorial do trabalho e por certa homogeneização dos mercados de trabalho. A
dimensão socioespacial da acumulação flexível caracteriza-se pela integração espacial e
pela diversificação dos mercados de trabalho. Não há uma ruptura, uma
descontinuidade, uma passagem sucessiva de um modelo rígido para um flexível.
Portanto, a reestruturação contemporânea do capitalismo é o processo gerado pela crise
da coexistência de dois modelos espaço-tempo, um modelo histórico de acumulação
rígido e um modelo histórico de acumulação flexível, sendo um processo inacabado,
que está em constante transformação.
O abastecimento em uma lógica rígida se caracteriza pelas fontes múltiplas de
fornecedores; pelas entregas de grandes quantidades cobrindo um grande período de
consumo; pelas datas de entrega definidas pelos compradores; pela tolerância em termos
de quantidades, atrasos e qualidades se o preço for conveniente; pelos contratos de curto
prazo não-renováveis; pela comanda única por entrega; pelo preço estabelecido pelo
fornecedor; pela comunicação centrada sobre os dados comerciais da venda; pelo
comprador como interlocutor único com o fornecedor; pela despreocupação em
minimizar o custo de transporte; pelo condicionamento definido pelo fornecedor; pelo
pagamento a cada operação; e pelo controle sobre todos os estoques.
O abastecimento em uma lógica flexível caracteriza-se pelas fontes únicas ou duais de
fornecedores o mais próximas do local de consumo do produto; pela entrega de
pequenas quantidades correspondendo a necessidades imediatas; pelas datas de entrega
em função das necessidades de produção; por nenhuma tolerância em relação a
qualidade ou atrasos; pelos contratos de longo prazo com pressão por uma melhora
contínua por parte dos fornecedores; por uma comanda aberta segundo o ano
especificando qualidade com quantidades abertas; pelo trabalho conjunto entre
comprador e fornecedor visando baixar os custos e assim fazer baixar os preços de
venda; pela comunicação centrada sobre a evolução da prestação do fornecedor com a
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assistência do comprador; pelo comprador facilitador da comunicação através da
abertura de outras informações da empresa; pela preocupação em diminuir os custos de
transportes, pelo uso de recipientes standard com a quantidade exata demandada; pelos
pagamentos feitos no final do mês; e pelos estoques reduzidos ou limitados, com ênfase
na qualidade. O Quadro 02 ilustra as características de um abastecimento na lógica da
acumulação rígida e na lógica da acumulação flexível do capital.
Quadro 02 - Comparação entre as formas de abastecimento rígido e flexível. Atividades Abastecimento rígido Abastecimento flexível
Seleção de fornecedores Fontes múltiplas sem ligação com a sua situação geográfica.
Fontes únicas ou duais de aprovisionamento o mais próximas do local de consumo do produto.
Entrega Entregas de grandes quantidades cobrindo um grande período de consumo.
Entrega de pequenas quantidades correspondendo a necessidades imediatas.
Iniciativa da entrega As datas de entrega são definidas pelos compradores.
As datas de entrega são função das necessidades de produção
Tolerância Tolerância em termos de quantidades, atrasos e qualidades se o preço é conveniente.
Nenhuma tolerância em relação a qualidade ou atrasos.
Tipos de contratos Contratos de curto prazo não-renováveis.
Contratos de longo prazo com pressão por uma melhora contínua por parte dos fornecedores.
Tipos de comandas Uma comanda por entrega. Uma comanda aberta segundo o ano especificando qualidade com quantidades abertas.
Especificação de produtos O fornecedor não define a concepção do produto.
O fornecedor é incitado a participar do desenvolvimento e da concepção do produto.
Fixação de preço O preço é estabelecido pelo fornecedor.
O comprador trabalha com o fornecedor visando a baixar os custos e assim fazer baixar os preços de venda.
Comunicação sobre a transação
Mudanças com relação ao prazo e à quantidade são objeto de ordens de compra.
Atrasos e quantidades são alteradas por parte do comprador através de via eletrônica.
Conteúdo da comunicação Centrado sobre os dados comerciais da venda.
Centrado sobre a evolução da prestação do fornecedor com a assistência do comprador.
Respostas às questões do fornecedor
O comprador é um interlocutor único com o fornecedor.
O comprador facilita a comunicação através da abertura de outras informações da empresa.
Determinação do modo de transporte
Não há uma preocupação em minimizar o seu custo.
Há uma preocupação em colocar o produto na unidade compradora.
Condicionamento Definidos pelo fornecedor. Utiliza recipientes standard com a quantidade exata demandada.
Fatura Pagamento a cada operação. Pagamentos normalmente no final do mês.
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Controle dos estoques Sobre todos os estoques. Reduzidos ou limitados. Preocupação com a qualidade.
Fonte: adaptado de Belik (2000).
Nos momentos de crise, há uma reestruturação do capital (SMITH, 1988). Na medida
em que a crise avança, ela adquire cada vez mais uma dimensão espacial. Esses
períodos de crise são também marcados por períodos de reestruturação do processo de
acumulação do capital. Assim, durante os momentos de crises, novas variáveis
econômicas, políticas e socioespaciais se estabelecem. A reestruturação é, assim, uma
resposta à crise.
Portanto, “a reestruturação, em seu sentido mais amplo, transmite a noção de uma
‘freada’, se não de uma ruptura nas tendências seculares, e de uma mudança em direção
a uma ordem e uma configuração significativamente diferentes da vida social,
econômica e política” (SOJA, 1993, p. 193). Assim, essa reestruturação, transforma a
dinâmica urbana e regional em diversas áreas do mundo.
As tendências que caracterizam a reestruturação contemporânea, que se evidencia desde
a década de 1970, são: o aumento da centralização da concentração de capital,
formando-se conglomerados empresariais, que combinam capital produtivo com o
financeiro e com o imobiliário; a integração tecnológica das diversas atividades,
terceirizando os serviços prestados às industrias; internacionalização e concentração do
capital em alguns oligopólios e monopólios do mercado mundial; o enfraquecimento
dos controles e da regulação do Estado, contribuindo para a lógica do poder do capital; a
intensificação da concorrência territorial dentro de cada Estado por novos investimentos
do capital ou pela manutenção dos existentes, também denominado de “guerra dos
lugares”; as transformações da divisão regional do trabalho em escala global e nacional;
as mudanças do mercados urbanos de trabalho; e por fim, há a concentração de
empregos em setores da economia, e em algumas cidades (SOJA, 1993).
Depois dessa breve discussão sobre reestruturação, pode-se inferir uma classificação
desse processo, isto é: reestruturação econômica, reestruturação política e reestruturação
socioespacial (MOREIRA, 2002). A reestruturação econômica é a reestruturação
produtiva, ou seja, do processo produção-consumo, com inovações na regulação do
trabalho, passando de uma normatização rígida para uma normatização flexível. Dentro
da reestruturação econômica, o referido autor destaca a reestruturação técnica, dando
ênfase a reestruturação industrial, ou seja, as inovações tecnológicas da terceira
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revolução industrial. A reestruturação política é a reestruturação estatal, pois, refere-se
às reformas neoliberais do Estado, transferência do patrimônio público para o privado,
via privatização de empresas estatais. Por fim, a reestruturação socioespacial
corresponde à reestruturação do território, a reestruturação da dinâmica urbana e
regional de um Estado-nação, de uma formação socioeconômica e espacial.
Portanto, a reestruturação produtiva da agricultura brasileira ocorrida nas décadas de
1960 e 1970, é marcada pela constituição do complexo agroindustrial no Brasil, pelas
mudanças técnicas na produção agrícola, pela crescente urbanização e êxodo rural, e
pela necessidade ascendente do consumo de produtos agrícolas. Essa dimensão
econômica e técnica da reestruturação ocorrem concomitantemente com sua dimensão
político-espacial, a reestruturação do território, através da criação, pelo Estado, em sua
instância federal, das centrais de abastecimento agroalimentar no Brasil.
Considerações finais
Diante do exposto é importante destacar que as crises periódicas do modo de produção
capitalista têm, sobretudo, o efeito de expandir a capacidade produtiva e renovar as
condições de acumulação, a partir de uma mudança que se dá através da produção do
espaço, da expansão geográfica, do ajuste espacial, e da reestruturação do território e de
sua dinâmica urbana e regional. Nesse sentido, observa-se a atuação do Estado nas
crises do abastecimento ocorridas em 1918, 1937 e 1962. Essa reestruturação tem como
principal agente o Estado neoliberal que atende à lógica do capital.
Na primeira crise do abastecimento brasileiro, ocorreu pela primeira vez a intervenção
do Estado no abastecimento, através da normatização. Na segunda grande crise, que
pode até ser considerada uma continuidade da anterior, ocorreu quando novamente o
Estado agiu a partir da normatização, criação de órgãos e instituições de incentivo a
produção e de promoção do abastecimento. A terceira crise decorreu no âmbito da
reestruturação produtiva da agricultura brasileira, que culminou na participação direta
do Estado no abastecimento, através da criação das centrais de abastecimento através do
governo federal.
A última reestruturação do abastecimento que teve início na década e 1970, com a
criação das centrais de abastecimento brasileiras, está diretamente vinculada com a
reestruturação produtiva da agricultura brasileira, com a consolidação dos complexos
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agroindustriais, com as mudanças das bases técnicas agrícolas, e associada às políticas
do Estado neoliberal. Observa-se a continuidade dessa reestruturação através da
tentativa de privatização, auge da espoliação exercida pelo Estado neoliberal, no final da
década de 1980 e início da década de 1990. Como também, nota-se o atual processo de
modernização e expansão das centrais de abastecimento brasileira, através da inovação
tecnológica, que vem ocorrendo desde 2005, acompanhada do discurso da logística, da
eficiência e da competitividade.
Referências
ABRACEN – Associação Brasileira das Centrais de Abastecimento. Manual operacional das Ceasas do Brasil. Belo Horizonte: AD2 Editora, 2011. ABRACEN – Associação Brasileira das Centrais de Abastecimento. Plano Nacional de Abastecimento. Belo Horizonte: AD2 Editora, 2011. BELIK, Walter. Mecanismos de coordenação na distribuição de alimentos no Brasil. BELIK, Walter; MALUF, Renato (Organizadores). Abastecimento e segurança alimentar: os limites da liberalização. Campinas: Unicamp, 2000. CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento. Diagnóstico dos mercados atacadistas de hortigrajeiros. Brasília: Prohort, 2009. DELGADO, Guilherme Costa. Capital financeiro e agricultura no desenvolvimento recente da economia brasileira. Tese de doutorado (Economia). Campinas: Unicamp, 1984. HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992. ______. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004a. ______. Espaços de esperança. São Paulo: Loyola, 2004b. ______. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005. ______. O neoliberalismo. São Paulo: Loyola, 2008. ______. O enigma do capital. São Paulo: Boitempo, 2011. LINHARES, Maria Yedda Leite; SILVA, Francisco Carlos Teixeira. História política do abastecimento (1918-1974). Brasília: Binagri, 1979. MOREIRA, Ruy. Os quatro modelos de espaço-tempo e a reestruturação. GEOgraphia, v. 4, n. 7, 2002.