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Aula 3 – 18/08 O Estado no Direito Internacional Público

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Aula 3 – 18/08!O Estado no Direito Internacional Público

Continuação aula 2 - Plano da obra (Tourme-Jouannet 2013)"

I.  produto histórico e cultural"II.  ordem jurídica"III.  instrumento de regulação e intervenção

social"

II. O DIN como ordem jurídica"•  Debate sobre o fim da ordem interestatal

clássica"•  Sujeitos e normas"•  Unidade ou fragmentação"

•  Como produto cultural europeu, apresenta as características da juridicidade ocidental"

•  Vontade de impor uma ordem racionalizada aos Estados, diante do que parece ser a desordem da sociedade internacional"

•  No início do século XX, a noção de ordem jurídica que predomina no direito interno se traslada à ordem internacional"

Pós Segunda Guerra"•  Expansão e ocaso dos regimes comunistas"•  Desenvolvimento das OIs, especialmente da

família onusiana"•  Abolição do direito de fazer a guerra"•  Descolonização e consagração do princípio da

autodeterminação dos povos"•  Reconhecimento internacional dos DH"•  Fim da guerra fria"•  Advento da globalização econômica"

•  Diferença entre o modelo clássico (westfaliano), fundado no pluralismo liberal dos Estados soberanos"

•  modelo jurídico-político da Carta de 1945, que corresponde aos novos objetivos da comunidade internacional, notadamente com a emergência dos DH e dos povos no plano internacional"

•  Em diversas disciplinas, há o debate sobre o abandono do modelo interestatal clássico (para alguns em 45, para outros com a mais recente globalização, para outros nem houve)"

•  No direito, o debate depende da forma como se encara a história do DIN, segundo as representações culturais de cada um, e suas correntes acadêmicas e políticas"

Reconfiguração do DIN"•  Pós-45, pós-colonial e pós-guerra fria"•  Nem ruptura radical, nem reprodução,

mas entrecruzamento"•  Antigos sujeitos e práticas convivem com

novos"•  Não há a substituição de um direito pelo

outro, e grande parte das tensões existe exatamente por causa disto"

Objeto"•  Um direito que rege tanto relações e

situações internas aos Estados como internacionais"

•  O importante é identificar a fonte"

•  Há a convergência entre direitos internos pela via da harmonização"

•  E há a transnacionalização (exs. Lex mercatoria, lex sportiva, lex informatica)"

•  Pluralismo jurídico normativo e institucional"

Sujeitos de DIN"1.  Estado"2.  OIs"3.  Atores econômicos privados"4.  Atores cívicos (ONGs, sindicatos,

associações)"•  Evolução técnica, ética e política"

Exemplo: ASAQ"•  Rede de atores públicos e privados

(ONGs, fundações privadas, laboratórios farmacêuticos, universidades e agências da ONU) comercializa sem patentes a um dólar a caixa"

•  2007"

•  a inflação de novas práticas jurídicas torna incertos os limites entre direito e não-direito"

•  podem ser mais frágeis à medida que se desenvolvem, pois abraçam demasiados domínios para que possam regulá-los corretamente"

•  a presença invasiva de normas internacionais na ordem interna é considerada forma de imperialismo jurídico"

Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, CDI/ONU 2006"

•  Relatório do grupo de estudos “Fragmentation of international law: difficulties arising from diversification and expansion of international law"

http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/CN.4/L.682 "

A que servem múltiplas declarações e textos internacionais?"

•  Ilusão perigosa de que qualquer problema pode receber uma resposta que parece jurídica, quando o caso é de respostas éticas, sociais e econômicas"

•  Hard e soft law supostamente tudo regulariam"

•  O resultado pode ser desilusão e ressentimento"

Realidade atual: tendências opostas"

•  De um lado, o direito se fragmenta"•  De outro, ele vai erigindo princípios como

mais fundamentais do que outros, beneficiando de um consenso mais amplo do que outros, e constroem paulatinamente uma certa unidade "

Doutrinas sobre a desestruturação do DIN"

•  Pós-modernas – pluralismo irredutível, evolução desordenada, fragmentação irreversível"

•  As que reconhecem alguma coerência sistêmica:"

-  Complexidade: ordem coerente, mas complexa, com elementos heterogêneos em tensão;"

-  Governança mundial: nova forma de regulação da sociedade mundial, público/privada, oficial/oficiosa;"

-  Constitucionalização do DIN: ordenação por princípios"

III – DIN como instrumento de regulação e intervenção social"

1.  Finalidades"2.  Paz"3.  Desenvolvimento"4.  DH"

1. Finalidades"•  dupla finalidade: liberal e providencial"•  não apenas regula as RI, mas é um

instrumento de intervenção nas sociedades internas e na sociedade internacional"

a) finalidade liberal!

•  Todos os Estados desfrutam de igualdade soberana"

•  Eles possuem direitos e deveres iguais e são membros equivalentes da comunidade internacional, não obstante as diferenças de ordem econômica, social, política ou de outra natureza"

Resolução 2625 da AG/ONU (24/10/1970)"

(cont.) A igualdade soberana compreende os seguintes elementos:"

a)  os Estados são juridicamente iguais;"b)  cada Estado desfruta de direitos inerentes à plena

soberania;"c)  cada Estado tem o dever de respeitar a personalidade

dos outros Estados;"d)  a integridade territorial e a independência política do

Estado são invioláveis;"e)  cada Estado tem direito de escolher e desenvolver

livremente seu sistema político, social, econ.e cultural;"f)  cada Estado tem o dever de cumprir plenamente e de

boa fé suas obrigações internacionais e de viver em paz com os outros Estados."

•  Até a descolonização, o direito internacional era um direito estigmatizante em si, que refletia a distorção de poder entre os Estados, o sentimento de superioridade civilizatória de toda uma classe política e o racismo de uma época"

•  mas o reconhecimento dos novos Estados não se faz com base num direito à diferença, sequer levando em conta as diferenças, e sim com base no direito à igualdade"

b) finalidade providencial!

•  Com o fim de criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, ... as Nações Unidas favorecerão:"

•  a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social;"

•  b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e"

•  c) o respeito universal e efetivo dos DH e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião."

art. 55 "Carta de São Francisco"

4 características deste direito-providência"

1) direito de intervenção, e não de abstenção ou regulação, no sentido de intervencionismo – de regular os mais variados domínios da vida dos indivíduos – e é isto que aumenta sua intrusão nos direitos internos"

2) a finalidade material e providencial, ao contrário da liberal e formal, não tem limites claros – a vontade de atender às necessidades e prevenir os riscos pode ser ilimitada"

•  ex.: objetivos do Milênio (2000-2015)"

3) práticas de atores privados e públicos – por ex., Protocolo de Quioto (1997)"

4) direito de polícia, necessidade de segurança – “comunidade de riscos”, “ameaças globais”"

Nem liberal, nem providência: ambos"

•  o DIN se caracteriza por finalidade antagônicas e complementares, cada uma com sua própria lógica"

•  mescla de eficiência e impotência"

ESTADO COMO PROTAGONISTA DO DIN!

Personalidade jurídica"•  Aptidão para a titularidade de direitos e

deveres"•  Plano interno: na ordem nacional"•  Plano externo: na ordem internacional"

Comunidade internacional (Dinh)"•  Ficção jurídica fundada no fato de que todos

os Estados são submetidos a um mesmo direito"

•  Visão universalista do direito internacional: o Estatuto do TIJ e outras convenções reconhecem a existência de regras escritas e consuetudinárias gerais, a jurisprudência refere o DI geral ou comum"

•  Esta percepção não obsta o reconhecimento da existência de regras particulares entre Estados (regionais ou bilaterais)"

Lento reconhecimento jurídico"•  Jus cogens - art. 53 da Convenção de Viena sobre o Direito

dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, promulgada no Brasil em 14/12/2009 com reservas"

•  Espaço extra-atmosférico “apanágio de toda a humanidade” (art.1 Tratado sobre os Princípios Que Regem as Actividades dos Estados na Exploração e Utilização do Espaço Exterior, Incluindo a Lua e Outros Corpos Celestes 1967)"

•  Fundo dos oceanos além dos limites da jurisd. nac. “patrimônio comum da humanidade”(art. 136 Montego Bay 1982)"

•  Projetos da CDI http://www.un.org/law/ilc/ “comunidade de Estados em seu conjunto”"

•  TPI para ex-Ioguslávia trata da obrigação de cooperar com o tribunal como um dever em relação ao “conjunto da comunidade internacional”"

Artigo 53 CV direito dos tratados"

Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens) "

•  É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza."

Sujeito de direito? "•  Dividida em mais de 190 Estados com

interesses antagônicos, a Comunidade não parece estar apta a assumir direitos e deveres internacionais, ainda menos de agir em juízo ou ser sancionada"

•  Ou seja, não tem personalidade jurídica internacional (diferente de uma organização agindo em nome da comunidade internacional)"

Pessoas de DIP"•  Tudo se modifica quando a comunidade

age por intermédio de um mandatário"•  Quais são os sujeitos desta comunidade?"•  Entidades que são destinatárias diretas

das normas internacionais"•  Doutrina clássica: Estados"•  Escola sociológica: apenas os indivíduos"•  Surgimento das OIs desmente ambas"

Direito positivo"•  Os sujeitos de direito, num sistema jurídico,

não são necessariamente idênticos quanto a sua natureza ou a extensão dos seus direitos (parecer do TIJ, 1949)"

•  Nada proíbe, então, a coexistência de diversos sujeitos de direito internacional, que se distinguem por estatutos jurídicos diferentes e uma personalidade jurídica mais ou menos afirmada"

Estado"•  A diferença notável que existe entre os

sujeitos de direito explica-se pelas condições históricas de aparição do direito internacional"

•  Para os Estados, a personalidade jurídica deriva da simples existência e se caracteriza pela soberania, constatada como um fato pelo direito, e não atribuída por ele"

•  Sujeito maior e originário do direito, o DIP regula a sua personalidade"

•  Aos demais sujeitos, o DIP atribui – personalidade jurídica derivada!

Sujeito ou ator das R.I.? ""  Ator: conotação ampla, qualquer pessoa ou

entidade que busque espaço ou possua voz no cenário internacional"

"  Sujeito: dotado de personalidade jurídica internacional, titularidade de direitos e obrigações (no direito civil: capacidade exprime poderes ou faculdades, personalidade é o que resulta desses poderes, pessoa é o ente a quem a ordem jurídica outorga esses poderes)"

Antonio Cassese (1937-2011)""  Diferente do Estado, todos os outros

atores, embora IMPORTANTES, possuem uma capacidade legal limitada na área dos direitos e deveres internacionais, e, ainda, uma capacidade limitada de agir, ou seja, de efetivar seus direitos e poderes em juízo e em outros procedimentos"

Aparente contradição"•  Centralidade do Estado como pessoa

internacional"•  Quando ele se enfraquece -> logo,

debilidade do próprio DI? De cerca de 500 “unidades de poder” na Europa dos séculos XVII e XVIII, passa-se, depois da Revolução Francesa, a cerca de 30, e depois a quase 200 (não menos de 150 no século XX) – indício da atualidade do Estado"

  Reconhecimento de Estado e de governo"  Sucessão de Estados"  Proteção diplomática"  MicroEstados"  Privilégios e imunidades diplomáticas e

consulares "  Imunidade de jurisdição"

Principais temas do Estado como sujeito de DIN"

Reconhecimento de Estado e de governo"

•  Lembrar diferença entre Estado e governo"

•  O reconhecimento de governo caiu em desuso!

Reconhecimento de Governo"

•  Doutrina Tobar (MRE Equador, 1907) - Recusa de reconhecimento a mudanças violentas de governo até que comprovem aprovação popular!

•  Preocupação com a estabilidade?"•  Estranho é que os Estados Unidos a acolheram (1910

a 1930 mais ou menos, inclusive Wilson e Roosevelt)"

•  Mas também foi usado pela Venezuela para não reconhecer o governo brasileiro de 1964"

Doutrina Estrada (Secr. Est. RE México)"

•  A Tobar é inaceitável pois deixa ao arbítrio do estrangeiro a aferição da legitimidade ou ilegitimidade de um regime"

•  É conseqüência do princípio da não-intervenção que os governos não dependam de reconhecimento"

•  Mas pode haver rompimento das rel. diplomáticas"

•  Do mesmo modo, um Estado pode manter relações com movimentos de libertação, autoridades insurrectas, etc."

RECONHECIMENTO DE ESTADO!

Ato unilateral, nem sempre explícito, pelo qual um Estado, no uso de sua prerrogativa soberana, admite a personalidade jurídica de direito internacional de outro"

Convenção de MVD sobre os direitos e deveres dos Estados (1934) - Artigo 1º"

O Estado como pessoa de Direito Internacional deve reunir os seguintes requisitos:"

I. População permanente"II. Território determinado"III. Governo"IV. Capacidade de entrar em relações com os

demais Estados"

Discricionariedade/Liberalidade"•  Reconhecimento de Estado é ato

declaratório, mas não constitutivo"•  A existência política do Estado é

independente do reconhecimento pelos outros!

Carta da OEA - 1948"•  Art. 13. A existência política do Estado é

independente do seu reconhecimento pelos outros Estados. Mesmo antes de ser reconhecido, o Estado tem o direito de defender a sua integridade e independência, de promover a sua conservação e prosperidade, e, por conseguinte, de se organizar como melhor entender, de legislar sobre os seus interesses, de administrar os seus serviços e de determinar a jurisdição e a competência dos seus tribunais. O exercício desses direitos não tem outros limites senão o do exercício dos direitos de outros Estados, conforme o direito internacional."

(cont.) Carta da OEA - 1948"•  Art. 14. O reconhecimento significa que o

Estado que o outorgante aceita a personalidade do novo Estado com todos os direitos e deveres que, para um e outro, determina o direito internacional."

Doutrina: Parecer nº 1 da Comissão de Arbitragem da Conferência para a paz na Iugoslávia (1992)"

•  Pontos principais:"- a existência e o desaparecimento do Estado são uma

questão de fato;"- os efeitos de reconhecimento por outro Estado são

puramente declaratórios;"- um Estado é constituído por um território e uma

população sujeitos a uma autoridade política organizada;"

-  o Estado é caracterizado pela soberania."

Sobre esta Comissão ver Alain Pellet: http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/afdi_0066-3085_1993_num_39_1_3130 !

O que há de novo? "

•  Opinião consultiva do TIJ sobre o Kosovo (2010) http://www.icj-cij.org/docket/files/141/16010.pdf "

•  O TIJ não considera necessário dizer se a declaração de independência do Kosovo é conforme ao DIN – o que a AG questionou é se a declaração de independência viola alguma norma, especialmente Resolução CS 1244 (1999)"

SUCESSÃO DE ESTADOS!

•  Mutação que não pode ser analisada como uma simples transferência de territórios de um Estado a outro"

•  Substrato material do direito"•  Pode ocorrer por:"- fusão ou agregação; secessão, dissolução

ou desmembramento; transferência territorial"

Princípio da continuidade""  O direito internacional afirma a

sobrevivência da personalidade jurídica de cada Estado através de seus regimes constitucionais sucessivos"

Fusão ou agregação"•  Soma horizontal ou igualitária (unidade

italiana 1860-70)"•  Soma mas não igualitária (reunificação

alemã 1990 – absorção da RDA pela RFA, segundo tratado de agosto de 90)"

•  Anexação Áustria pela Alemanha em 1938 - vedada!

Secessão, dissolução ou desmembramento"

•  Ex.: Egito e Síria, fusão em 1958 – República Árabe Unida, dissolução em 1961"

Transferência territorial"•  Muda a soberania incidente sobre o

território trasladado. Exs: Alasca, em 1867, da Rússia aos EUA; Acre, da Bolívia ao Brasil, em 1903"

Efeitos jurídicos"•  Sobre nacionalidade (normalmente direito de opção),

compromissos internacionais assumidos, bens públicos, dívida pública"

•  Inicialmente regidas por tratado bilateral ou lei do Estado resultante"

•  Mais tarde, são firmadas as Convenções de 1978 e 1983 sobre sucessão respectivamente, em tratados, depois bens, arquivos e dívidas"

•  Quanto aos tratados, tábula rasa. Pode haver notificação de sucessão, desde que compatível com os tratados"

•  Quanto à dívida, pode ser"- Contraída no interesse público do Estado,

deve ser repartida ponderadamente"- Ou odiosa, do regime (campanha colonial

Argélia, 1962)"

•  Arquivos – caso sobretudo da descolonização"

De gestão ou de soberania (a matriz transferia apenas os primeiros)"

Quanto à propriedade"•  Teoria do domínio eminente (atributo da

soberania)"•  o Estado, em sua condição de pessoa

jurídica, exerce soberania sobre seu território e sobre os bens nele existentes, podendo limitar o direito individual em nome do interesse coletivo (requisição, desapropriação, etc.)"