o estilo de improvisação de helio delmiro na musica brasileira

30
O ESTILO DE IMPROVISAÇÃO DE HÉLIO DELMIRO NA MÚSICA BRASILEIRA Oliver Pellet Santos , Faculdade de Artes do Paraná, Curitiba-PR RESUMO Esta pesquisa foi realizada a partir da transcrição e análise do improviso executado pelo guitarrista Hélio Delmiro na música “mulher rendeira”, cuja composição é de Zé do Norte. Buscou-se identificar e analisar características relevantes da prática de improvisação traçando um paralelo com o estilo do jazz. A pesquisa ganha importância no sentido de colocar a disposição da classe geral dos músicos as técnicas de improvisação apreendidas no processo de transcrição e análise além de tentar suprir uma lacuna existente na música brasileira no que concerne à escassez de material no assunto, buscando uma merecida valorização do artista brasileiro. O procedimento metodológico utilizado foi a transcrição do improviso do músico seguida de uma análise das técnicas por ele utilizadas, observando com o devido embasamento teórico os seguintes elementos: relação escala acorde, sobreposição de arpejos, utilização de motivos e do cromatismo. Palavras-chave: Improvisação. Jazz. Música brasileira.

Upload: doanxuyen

Post on 20-Dec-2016

250 views

Category:

Documents


8 download

TRANSCRIPT

O ESTILO DE IMPROVISAÇÃO DE HÉLIO DELMIRO NA MÚSICA BRASILEIRA

Oliver Pellet Santos, Faculdade de Artes do Paraná, Curitiba-PR

RESUMO Esta pesquisa foi realizada a partir da transcrição e análise do improviso executado

pelo guitarrista Hélio Delmiro na música “mulher rendeira”, cuja composição é de Zé

do Norte. Buscou-se identificar e analisar características relevantes da prática de

improvisação traçando um paralelo com o estilo do jazz. A pesquisa ganha

importância no sentido de colocar a disposição da classe geral dos músicos as

técnicas de improvisação apreendidas no processo de transcrição e análise além de

tentar suprir uma lacuna existente na música brasileira no que concerne à escassez

de material no assunto, buscando uma merecida valorização do artista brasileiro. O

procedimento metodológico utilizado foi a transcrição do improviso do músico

seguida de uma análise das técnicas por ele utilizadas, observando com o devido

embasamento teórico os seguintes elementos: relação escala acorde, sobreposição

de arpejos, utilização de motivos e do cromatismo.

Palavras-chave: Improvisação. Jazz. Música brasileira.

2

2

INTRODUÇÃO Hélio Delmiro é indubitavelmente um dos mais importantes guitarristas e

violonistas do Brasil e faz parte de uma geração que desenvolveu e criou uma

linguagem específica do violão e da guitarra no que concerne aos estilos brasileiros.

Além de ter tocado com grandes artistas de projeção nacional e internacional como

Victor Assis Brasil, Milton Nascimento, Clara Nunes, Elis Regina, Sarah Vaughan,

Elizete Cardoso, Michel Legrand, Charlie Haden, Carla Bley, entre outros, Hélio

Delmiro foi uma referência para toda uma geração de violonistas e guitarristas,

mostrando novas possibilidades ao instrumento e incluindo a improvisação de estilo

jazz dentro de um contexto musical brasileiro.

PROBLEMATIZAÇÃO A música brasileira em suas vertentes instrumentais, carece de material que

possibilite uma analise técnica das opções estéticas dos caminhos musicais que

vêm tomando e uma conseqüente disponibilização desses elementos para a classe

dos músicos em geral. Se um músico deseja estudar e aprender com a contribuição

musical de qualquer grande nome do jazz norte americano ele terá a sua disposição

um sem número de material de pesquisas já realizadas no assunto. No universo

guitarrístico, é muito vasto o material escrito sobre grandes nomes do instrumento

nos Estados Unidos como Wes Montgomery, Charlie Christian, Pat Metheny, John

Scofield, etc. Possivelmente grande parte da discografia desses artistas também já

se encontra transcrita e disponível para o músico aprendiz, ávido por absorver tais

conhecimentos.

Mas quando se trata de músicos brasileiros, tal material fica tão reduzido que

muitas vezes tais músicos são marginalizados, no sentido de serem jogados a

margem, devido à tamanha dificuldade em acessar tais linguagens. Interessante

notar que muitas vezes, o material que temos a respeito de músicos brasileiros foi

feito ou disponibilizado por fontes estrangeiras, tanto norte americanas como

européias.

JUSTIFICATIVA

Uma pesquisa como essa, ganha importância e relevância no sentido de

buscar suprir esse vazio da nossa música, possibilitando que os rumos e sotaques

que ela tem tomado ao longo de todos esses anos não desapareçam, nem fique

3

3

limitada para um seleto grupo de felizardos que de alguma maneira conseguiram

absorver tais conhecimentos.

OBJETIVOS DA INVESTIGAÇÃO O objetivo principal desse trabalho é transcrever e analisar a improvisação

realizada por Hélio Delmiro na música “mulher rendeira” de Zé do norte com o intuito

de dissecar e disponibilizar as técnicas por ele utilizadas para a classe geral dos

guitarristas, compreendendo melhor como se deu o processo de reflexo da música

norte americana nos estilos brasileiros.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS A idéia de improvisação vem na maioria das vezes atrelada à idéia de criação

espontânea, podendo ser inserida nos mais variados contexto ou estilos musicais.

Como essa pesquisa parte da hipótese de um possível reflexo do jazz norte

americano (mais especificamente no âmbito da guitarra) na música brasileira de

Hélio Delmiro, os parâmetros a serem analisados estarão, logicamente, inseridos no

paradigma da improvisação jazzística. Com a intenção de confirmar, ou não a

hipótese sugerida no início, os elementos utilizados nas improvisações do músico

serão analisados no que diz respeito ao uso de escalas, arpejos, harmonizações e

reharmonizações, motivos rítmicos e melódicos e assim por diante.

Dentro do universo jazzístico, a improvisação pode seguir vários conceitos

que vão mudando de acordo com o tempo e espaço, porém o conceito básico

consiste em compor uma nova melodia “in real time”, ou seja, durante a execução

á uma harmonia já pré-estabelecida. A diferença, portanto de um compositor para

um improvisador é simplesmente que o compositor pode a qualquer momento

corrigir suas melodias e tem um tempo “ilimitado” para entregar sua versão final. Já

o improvisador vai compondo na hora suas melodias e deve estar preparado para

“contar uma história” interessante e agradar os ouvintes sem fazer uso da borracha.

No ocidente, a improvisação muitas vezes é relacionada ao jazz justamente

por esta ser matéria prima principal deste estilo e também porque no decorrer do

tempo foi se criando uma linguagem bem sistematizada e difundida no mundo. Tanto

que podemos ver essa linguagem de improvisação utilizada no jazz estendida para

os mais variados estilos musicais. No caso dessa pesquisa o foco estará nesse tipo

de improvisação aplicada aos estilos brasileiros mais especificamente no baião.

4

4

No livro “The art of Jazz improvisation” de Bob Taylor (2000), com a

intenção de conceituar a improvisação, o autor enumera três definições básicas do

assunto:

Definição 1: Improvisação jazzística é composição e execução simultâneas.

Definição 2: Improvisação jazzística é a escolha de notas que “se encaixam”

nos acordes.

Definição 3: Improvisação jazzística é uma comunicação a partir da música.

No mesmo livro, Bob Taylor (2000) também enumera sete elementos básicos

que funcionam como base para o que ele chama de cinco níveis de improvisação.

Os sete elementos numerados são: melodia, ritmo, expressão, desenvolvimento,

progressões de acordes, performance e análise. O autor também comenta a

respeito dos pré-requisitos do improvisador, são eles: boa leitura musical, domínio

dos arpejos e escalas, bom trabalho do som e da técnica do instrumento,

reconhecimento de intervalos (treinamento auditivo) e desejo de estar sempre

aprendendo mais sobre improvisação. Os chamados níveis de improvisador do

modo como ele descreve são os seguintes:

Nível 1 - Iniciante: início do aprendizado das tonalidades, acordes, escalas e

idéias básicas da improvisação.

Nível 2 - Aprendiz: aprendizado das ferramentas básicas da improvisação

como desenhos melódicos e ritmo swing (interpretação do ritmo onde duas colcheias

passam a soar como semínima e colcheia quialteradas, fórmula muito utilizada no

estilo jazzístico).

Nível 3 - Intermediário: Aprofundamento das habilidades de

desenvolvimento, padrões e variações rítmicas.

Nível 4 - Elevado: Uso das habilidades musicais com confiança para criar

solos de qualidade elevada.

Nível 5 - Avançado: Domínio das formas mais avançadas de improvisação

como liberdade rítmica e tocar “outside” (fora da harmonia).

Jamey Aebersold, músico e educador conhecido no meio em questão,

enumera em seu livro “How to play jazz and improvise” (1967) as seguintes

ferramentas para desenvolver a habilidade da improvisação: escalas, acordes

(arpejos), som, articulação, intuição, desejo de criar, ritmo e sentimento ou emoção.

5

5

Portanto, a liberdade que vem geralmente associada ao nome da

improvisação na realidade bate de frente com uma série de convenções que são

fatores determinantes para o sucesso do solo que estará sendo construído. Entre

esses fatores determinantes podemos citar: relação escala X acorde, sobreposição

de arpejos,uso de motivos rítmicos e melódicos, e uso de cromatismo.

A respeito da relação escala-acorde, podemos encontrar no material de

Jamey Aebersold a afirmação de que o jazz e a música ocidental em geral utilizam

cinco categorias básicas de acordes: maior,menor (dórico),dominante,meio

diminutos e diminutos. A partir desses tipos básicos de acordes, o autor em seu livro

“How to improvise” (1967) lista uma série de escalas que se designam para cada

um desses acordes básicos formando um vocabulário de escalas. Segue abaixo a

relação já citada:

Acordes maiores: escala maior (não enfatizando o quarto grau), escala

pentatônica maior, escala lídia, escala bebop maior,escala maior harmônica, escala

lídia aumentada, escala aumentada, escala lídia com #9, escala diminuta e escala

blues.

Acordes dominantes: escala mixolídia, escala pentatônica maior,escala

bebop, escala espanhola, escala mixolídia #11 ou lídio dominante, escala hindu,

escala de tons inteiros, escala diminuta, escala de blues

Acordes menores: escala menor dórica, escala pentatônica menor, escala

bebop, escala menor melódica (ascendente ou jazz menor melódica) escala bebop

menor, escala blues, escala menor harmônica, escala diminuta, escala frigia, escala

menor natural (eólia)

Acordes meio diminutos: escala lócria, escala lócria 9 e escala bebop

Acordes diminutos: escala diminuta

A respeito da sobreposição de arpejos, vemos que a idéia básica é obter

notas de tensão de um determinado acorde realizando a superposição de uma outra

tríade ou tétrade. Uma prática muito comum é a utilização de sobreposição por tons

vizinhos, confira a seguir o efeito gerado:

Acorde : CM7

Sobrepondo GM7 (vizinho direto) obtemos: 5j, M7, 9 e #11

Sobrepondo Am7 (vizinho direto) obtemos: 13,T, 3 e 5j

Sobrepondo Em7 (vizinho indireto) obtemos : 3,5j,M7 e 9

6

6

Em seu livro “Acordes, arpejos e escalas”, Nelson Faria (1999) apresenta

uma tabela com diversos arpejos sobrepostos e seus respectivos resultados que são

muito utilizados na improvisação. A seguir vemos alguns exemplos da tabela

apresentada por Nelson Faria:

Acorde tipo M7 (exemplo CM7)

Arpejo sobreposto Resultado

Bm

Bm7

CM7(9,#11)

CM7/6 (9,#11)

D CM7/6(9,#11)

F#m7(b5) CM7/6 (#11) Quadro1: Sobreposições para acorde do tipo M7.

Fonte: Nelson Faria (1999)

Acorde tipo m7 (exemplo Cm7)

Arpejo sobreposto Resultado

Gm7 Cm7(9,11)

BbM7 Cm7(9,11,13)

Am7(b5) Cm7(13)

Dm Cm7(9,11,13)

F Cm7(11,13) Quadro2: Sobreposições para acorde do tipo m7.

Fonte: Nelson Faria (1999)

Acorde tipo 7 (exemplo C7)

Arpejo sobreposto Resultado

Cm7 C7(#9)

C(#5) C7(#5)

Db dim7 C7(b9)

Gm(M7) C7(9,#11)

EM7(#5) C7(#5,#9)

Bbm7(b5) C7(b9,b13) Quadro 3: Sobreposições para acorde do tipo 7.

Fonte: Nelson Faria (1999)

7

7

O uso de uma determinada sobreposição é questão de gosto pessoal e varia

de acordo com o músico. Visto que as possibilidades são bastante extensas.

A respeito dos motivos vemos que eles são muito utilizados pelos

improvisadores como pelos compositores onde, a partir de uma idéia básica (rítmica

ou melódica), desenvolve-se um trecho musical que pode tomar os diferentes

caminhos. Segundo Bob Taylor, a improvisação motívica é responsável pela

construção e desenvolvimento conciso de um solo tornando-o ao mesmo tempo

lógico e emotivo. A idéia de repetição, que está muito ligada ao conceito de motivo,

é citada por Jamey Aebersold como algo muito importante no desenvolvimento de

um solo, pois segundo ele, ela ajuda a prender a atenção do ouvinte e a direcioná-lo

ao próximo trecho musical, como sinais de trânsito. Os motivos podem ser rítmicos,

quando se mantém o mesmo ritmo e variam-se as notas; ou melódico, quando as

notas são mantidas e o ritmo variado.

Finalmente, o uso do cromatismo é essencial na caracterização da

improvisação jazzística visto que é amplamente utilizado e muito bem estudado por

todos os improvisadores em geral. É muito comum o improvisador de jazz tocar

notas que não estão necessariamente dentro da escala de determinado acorde e

mesmo assim não soar como se estivasse tocando “fora” da tonalidade. A idéia

básica do cromatismo consiste em tocar notas que não estão na escala como

aproximações das notas “alvo” que são necessariamente notas do acorde ou suas

extensões. Há todo um sistema de cromatismo muito bem formulado pelos jazzistas

onde encontramos diversas maneiras de aproximar uma nota “alvo” inclusive de

como ataca-la priorizando os tempos fracos para as notas que estão “fora” e assim

por diante. A seguir vemos alguns exemplos de aproximações cromáticas recolhidas

de materiais de Jamey Aebersold(1967) e Don Mock(2003).

8

8

Figura 1: Exemplos de Cromatismo.

9

9

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS UTILIZADOS PARA A REALIZAÇÃO DA PESQUISA.

O procedimento adotado para a pesquisa foi à transcrição e análise do solo

de Hélio Delmiro em “Mulher rendeira” do disco “Chama”. A escolha desse solo tem

a ver com a proposta desse trabalho de analisar o comportamento de Hélio Delmiro

como improvisador dentro dos gêneros brasileiros. Visto que em seu repertório

notamos a presença de vários gêneros incluindo ate standards americanos, foi

escolhido, a partir de opção pessoal, um baião. Buscou-se um embasamento teórico

seguindo a escola norte americana do jazz no que concerne aos seguintes

elementos encontrados na improvisação em questão: relação escala acorde,

sobreposição de arpejos, improvisação motívica e uso de cromatismo. Apesar de

não fazer parte do objetivo principal do trabalho, é relevante observar a questão do

arranjo da música onde nota-se um caso de reharmonização muito interessante.

Procedimento muito utilizado na música instrumental a reharmonização da música

possibilitou ao instrumentista uma gama maior de sonoridades a serem

desenvolvidas durante o improviso que não seriam possíveis se fosse mantida a

harmonia original. Abaixo vemos uma comparação entre a harmonia original e a

reharmonização de Hélio Delmiro:

10

10

Figura 2: Harmonia básica de “Mulher Rendeira”.

11

11

Figura 3: Reharmonização de Helio Delmiro

12

12

Além do uso de substituições, dominantes secundários e acordes de

empréstimo modal, vemos ainda uma melodia com os valores dobrados e a adição

uma seção da mesma melodia tocada um tom e meio acima harmonizada de outra

forma.

IMPROVISAÇÃO

RELAÇÃO ESCALA X ACORDE A respeito do uso de escalas, podemos notar que Hélio procura sempre criar

suas frases utilizando as notas da harmonia e suas respectivas tensões. No solo de

“mulher rendeira” notamos que ao improvisar sobre acordes maiores, ele busca com

muita consciência evitar o quarto grau da escala, que no caso é uma nota evitada

por caracterizar e antecipar a próxima função na cadência perfeita. Durante toda a

seção de improviso, onde aparecem treze vezes acordes maiores, notou-se que

onze vezes Hélio evitou o quarto grau, uma vez ele tocou-o porém como nota de

passagem e apenas uma vez o utilizou como nota alvo. Notou-se também uma vez o

uso do modo lídio substituindo o modo jônico onde vemos como resultado a tensão

#11. Essa prática consciente de omitir a nota evitada do acorde também ficou

evidente no que concerne aos acordes menores. Nas catorze vezes em que os

acordes menores soavam na harmonia, onze Hélio optou por omitir a b13 (nota

evitada) passando por ela apenas uma vez. Nos demais casos ele utilizou a escala

dórica e uma vez apenas a escala dórica com M7, originária do campo menor

melódico. A seguir vemos alguns exemplos dessa prática de omitir as notas evitadas

dos acordes tanto maiores quanto menores.

13

13

Figura 4: Relação escala x acorde utilizada por Hélio Delmiro na música “Mulher Rendeira”.

A respeito dos acordes dominantes, podemos perceber no improviso em

questão principalmente a utilização da escala mixolídia usando e abusando das

aproximações cromáticas. Algumas vezes notamos também o uso da escala

mixolídia com #11, a escala alterada, a escala mixolídia b9, b13 e a escala

dominante diminuta, respeitando quase sempre a relação acorde X escala como já

foi vista anteriormente no vocabulário tradicional de escalas.

14

14

SOBREPOSIÇÃO DE ARPEJOS A respeito do uso de sobreposição de arpejos, notou-se em ambos improvisos

o uso freqüente do arpejo do próprio acorde da harmonia. O quadro abaixo

demonstra tais ocorrências:

Acorde Arpejo utilizado

CM7 CM7

C

BM7 BM7

Am7 Am Quadro 4: Arpejos utilizados por Hélio Delmiro na música “Mulher Rendeira”.

Também foi observado o uso de sobreposições dos mais variados tipos.

Segue tabela com tais sobreposições e o efeito gerado no acorde.

Acorde Arpejo utilizado Efeito gerado

CM7 GM7 5j, M7, 9, #11

Ab7 Gb b7, 9, 11*

Ab7sus4 GbM7 b7, 9, 11, 13

BM7 F# 5j, M7, 9

Bbm7 Db b3, 5j, b7

Am7 Em 5j, b7, 9

G7sus4 CM7 11, 13, T, 3 (17)**

Bb7 Bm(b5) b9, 3, 5j

G7 Am 9, 11*, 13

Ab7 Am b9, 3, #5 Quadro 5:Sobreposições de arpejos utilizados por Hélio Delmiro na música “Mulher Rendeira”.

* notas evitadas

** Nos acordes tipo sus4, a terça (quando localizada na região aguda) pode

ser considerada como tensão. O guitarrista e professor Ted Greene utiliza a

nomenclatura 17 para esta tensão.

15

15

A seguir vemos alguns exemplos dos usos de arpejos e sobreposições de

arpejos já demonstrados.

Figura 5: Exemplos de uso de arpejos de Hélio Delmiro na música “Mulher Rendeira”.na

música “Mulher Rendeira”.

Improvisação motívica Percebemos que o improviso de Hélio Delmiro é permeado de motivos

rítmicos e melódicos que prendem realmente a atenção do ouvinte tornando o solo

mais coeso e mais interessante. É de alta relevância mencionar esses motivos e

disseca-los para obter uma melhor compreensão de seus funcionamentos.

16

16

Podemos observar um motivo interessante no compasso 33 (ver anexo) onde

Hélio toca três notas (F#, G e Bb) em semicolcheias. Essa técnica gera um efeito

interessante, onde obedecendo ao padrão da colcheia pontuada, a acentuação nos

três grupos de semicolcheias aparece cada hora diferente.

Figura 6: Exemplo de motivo utilizado na música “Mulher Rendeira”.

No compasso 49 (ver anexo) notamos a inserção de um motivo que vai se

desenvolver nos próximos compassos sempre com grupos de três notas.

Primeiramente uma aproximação da décima terceira do acorde (CM7), depois

novamente a mesma aproximação seguida da aproximação da fundamental, da

décima terceira e finalmente na sétima menor do acorde seguinte, o Bbm7.

Apresentando grande riqueza rítmica, Hélio desenvolve esses grupos de notas

primeiramente utilizando a sincopa e depois seguindo o padrão colcheia duas

semicolcheias sempre com colcheia pontuada de pausa.

17

17

Figura 7: Outro exemplo de motivo utilizado na música “Mulher Rendeira”.

Mais adiante, no compasso 81 (ver anexo), mais um motivo interessante

agora melódico. Utilizando apenas duas notas principais: D# e E, e também o uso

de três notas de apoio: A, G e Ab; Hélio desenvolve nove compassos onde a

variação fica por conta do ritmo. Trazendo grande eloqüência em seu discurso.

18

18

Figura 8: Exemplo de motivo melódico utilizado na música “Mulher Rendeira”.

Um pouco mais adiante, no compasso 97 do anexo vemos o mesmo caso de

um motivo melódico, agora utilizando as notas E, A e C, formando um arpejo de Am.

A partir desse simples arpejo Hélio consegue criar o ponto ápice de seu improviso

levando-o ao seu final variando apenas o ritmo se fazendo valer em demasia da

sincopa.

19

19

Figura 9: Outro exemplo de motivo melódico utilizado na música “Mulher Rendeira”.

Cromatismo

Talvez o aspecto que mais chama a atenção nos improvisos de Hélio Delmiro

seja o uso consciente e organizado das aproximações cromáticas. Presente a quase

todo momento, o cromatismo utilizado pelo músico muito se assemelha com o

utilizado no jazz o que traz uma necessidade vital em se fazer uma análise

detalhada de sua estrutura. No solo de “mulher rendeira”, podemos observar a

presença do cromatismo organizado obedecendo as recomendações dos jazzistas

de aproximar notas do acorde ou extensões e procurando faze-lo respeitando a

métrica do compasso. Foram identificados cinco tipos de aproximações cromáticas

nos solos de Hélio, sendo uns mais recorrentes e outros mais esporádicos. Segue

lista dos tipos citados:

20

20

Figura 10: Tipos de cromatismos utilizados por Hélio Delmiro.

Diversas vezes observamos o tipo1 acompanhado do tipo 2 formando um

padrão fraseológico interessante:

21

21

Figura 11: Exemplos do uso de cromatismos na música “Mulher Rendeira”.

22

22

No próximo trecho, vemos uma seqüência de cromatismos utilizando os

padrões 1,2,3 e 4:

Figura 12: Exemplos do uso de cromatismos na música “Mulher Rendeira”.

23

23

CONTRIBUIÇÕES QUE A PESQUISA PRETENDE OFERECER À ÁREA DE ESTUDO.

A partir da transcrição e análise do improviso de Hélio Delmiro, pode-se tirar

a conclusão de que eles podem ser classificados como improvisações do tipo

jazzístico, seguindo os padrões de uso de escalas, arpejos e cromatismos adotados

no jazz norte americano. Porém vemos esses elementos aplicados num cenário

brasileiro, utilizando músicas brasileiras e de acompanhamentos de estilos

originários do Brasil. Apesar de não deixar de mostrar ocasionalmente a linguagem

brasileira ao usar bastante a figura rítmica da sincopa e repetição de notas,

podemos observar com grande freqüência nos improvisos de Hélio Delmiro uma

forte influência do sotaque do jazz . Uma pesquisa como essa se faz oportuna no

sentido de buscar preencher uma lacuna existente no meio musical brasileiro, onde

quase não aparecem trabalhos que dão ao artista nacional o seu devido valor. Mais

ainda, esta pesquisa busca, de forma emblemática, fazer a música popular avançar

de sua antiga tradição oral para o meio acadêmico onde ela tem a oportunidade de

mostrar o seu devido valor e ainda servir de legado para as gerações futuras.

24

24

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AEBERSOLD, Jamey. How to play Jazz and improvise. New Albany: Alfred, 1967.

BAKER, David. How to play Bebop. Eua: Alfred, 1988.

MOCK, Don. Target tones. Miami, Warner Bros, 2003.

FARIA, Nelson. Acordes, arpejos e escalas para violão e guitarra. Rio de Janeiro:

Lumiar, 1999.

FREITAS, Sérgio. Teoria da Harmonia na Música Popular. Florianópolis: UDESC,

2002.

GUEST, Ian. Arranjo. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996.

KERNFELD, Barry. The new dictionary of Jazz. New York: Mamillar Publichers Ltda,

2002.

TAYLOR, Bob. The art of Jazz improvisation. EUA: Tayol –James, 2000.

Material Gravado: Compassos, 2004.

Chama, 1984.

25

25

Anexo

Partitura da transcrição do improviso de Hélio Delmiro na música “mulher rendeira”

26

26

27

27

28

28

29

29

30

30