o exercÍcio do poder e da lideranÇa internacional no sÉculo xxi

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MBA em Relações Internacionais T1 Trabalho de conclusão de curso: “O exercício do poder e da liderança internacional no século XXI” Aluno: Johnny Kallay São Paulo Novembro 2014

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MBA em Relações Internacionais T1

Trabalho de conclusão de curso: “O exercício do poder e da liderança internacional no século XXI”

Aluno: Johnny Kallay

São Paulo Novembro 2014

 

JOHNNY KALLAY

“O exercício do poder e da liderança internacional no século XXI”

Trabalho de Conclusão de Curso do MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Turma 1, do Programa FGV Management.

São Paulo

2014

 

TERMO DE COMPROMISSO

O aluno Johnny Kallay, abaixo assinado(s), do curso de MBA em Relações

Internacionais, Turma 1 do Programa FGV Management, realizado nas dependências

da FGV Unidade Paulista, no período de 18/08/2012 a 06/09/2014 declara que o

conteúdo do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “O exercício do poder e da

liderança internacional no século XXI” é autêntico, original e de sua autoria

exclusiva.

São Paulo, 12 de Novembro de 2014.

Assinatura

 

 

 

TERMO DE APROVAÇÃO

O Trabalho de Conclusão de Curso

Título: “O exercício do poder e da liderança internacional no século XXI”

Elaborado por Johnny Kallay e aprovado pela Coordenação Acadêmica foi aceito como pré-

requisito para a obtenção do certificado do curso de MBA em Relações Internacionais, nível

de especialização do Programa FGV Management.

Data da aprovação:

São Paulo, _____ de ___________________ de 20_____.

___________________________________ Coordenador Acadêmico

 

 

 

DECLARAÇÃO O aluno Johnny Kallay abaixo-assinado, do curso de MBA em Relações Internacionais, do Programa FGV Management, realizado nas dependências da instituição conveniada FGV Paulista, localizada em São Paulo, no período de 18/08/2012 a 06/09/2014, AUTORIZA a divulgação de informações e dados apresentados na elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado “O exercício do poder e da liderança internacional no século XXI”, com objetivos de publicação e/ou divulgação em veículos acadêmicos.

São Paulo, 12 de Novembro de 2014.

Assinatura  do  aluno

 

                                 

 

 

 

“O exercício do poder e da liderança internacional no século XXI”

 

 

 

Índice

1 Introdução................................................................................................................................6

2 O Poder unipolar e a geopolítica revisionista.........................................................................7

3 Detenção de poder no século XXI...........................................................................................8

4 Transformando recursos em estratégia de sucesso..................................................................9

4.1 O novo impulso da força econômica e militar dos Estados Unidos.........................9

4.2 A China pró-ativa e seus desafios...........................................................................11

5 A União Europeia do século XXI – Líderes ou liderados?....................................................13

6 Instituições multilaterais como instrumentos de poder..........................................................14

6.1 Potências em ascensão criando um ambiente de transição de domínio..................14

6.2 Bretton Woods e as iniciativas do bloco BRICS....................................................15

6.3 Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a Organização para

Cooperação de Xangai (SCO).......................................................................................17

7 O processo de interação transnacional na liderança global ...................................................18

8 Conclusão..............................................................................................................................19

Bibliografia...............................................................................................................................21

Sumário

___________________________________________________________________________

Neste artigo busco apresentar elementos que mostram um sentido do exercício da liderança

global no século XXI e como os prováveis atores protagonistas implementam suas estratégias

e recursos num ambiente de interdependência ao mesmo tempo que se mantem atrelados ao

conceito de um sistema internacional predominantemente anárquico. Eu vou demonstrar uma

certa combinação entre a teoria acadêmica e a realidade no que se refere às estratégias e

desafios especificamente dos Estado Unidos e da China para se posicionarem como líderes no

século XXI, discorrendo sobre como determinados conceitos das teorias realista e liberal

ocorrem na prática por meio das ações destes atores em seus esforços para obterem mais

poder e liderança no sistema internacional, transformando recursos em estratégias, sem

sugerir no entanto uma retomada ao sistema bipolar. Trago para reflexão importante papel da

União Europeia e as expectativas ao seu redor por representar um importante polo de atração

e de influência mundial e ainda apresento o fator importante e revelador de uma nova

dinâmica de poder que surge de uma iniciativa multilateral, a do bloco das potências

emergentes BRICS, de sua institucionalização via criação de seus próprios bancos em

 

 

 

contrapartida ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, fomentando a discussão

sobre o relacionamento das grandes potências com as potências emergentes dentro das

instituições do sistema Bretton Woods caracterizada pela preponderância política ocidental.

Argumento sobre a utilização da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)

e da Organização para Cooperação de Xangai (SCO) como instrumentos de estratégia

geopolítica de seus líderes, e sobre o papel que ambas tem assumindo gradualmente frente aos

novos desafios mundiais.

Chamo a atenção aos eventos transnacionais e seus impactos no desenvolvimento de

ações coletivas no âmbito internacional que tem se tornado veículo de afirmação de liderança,

contextualizando o atual momento de transição de um mundo unipolar, herdado com o final

da Guerra Fria pelos Estados Unidos, para um mundo que se mostra propenso ao

multilateralismo mas que ainda acomoda seus desafios numa moldura que tem se mostrado

mais rígida que flexível.

___________________________________________________________________________

Palavras chave: desafio, desenvolvimento, energia, Estado, estratégia, influência,

interdependência, liderança, militar, multilateralismo, multipolar, poder, potência,

preponderância, projeção, recurso, relacionamento, unipolar.

___________________________________________________________________________

   

 

6  

1 - Introdução

Imersos num conjunto de regras de convivência, os Estados são desafiados por eles

mesmos a manterem o equilíbrio entre seus interesses e os valores que compartilham com

outros, baseando-se no respeito à independência de cada um, na honra aos acordos

estabelecidos entre eles, no controle e monitoramento do uso recíproco da força. São Estados

soberanos que formam uma complexa trama global de poder, interdependência e dependência

através do relacionamento e interação entre si, com organizações internacionais e

intergovernamentais e com os indivíduos, e a partir daí configura-se a sociedade internacional

viva e pulsante.

Conquistar poder sobre outros Estados, seja no campo econômico, militar, social ou

político, ou até mesmo se destacar de forma relevante no conjunto destes 4 campos, pode

conferir-lhes o status de grande potência dentro da sociedade internacional. A lógica esta em

aumentar o sua influência dentro do espectro do poder global a fim de garantir sua segurança

e domínio. De acordo com John Mearsheimer, existem 5 pressupostos que baseiam a busca

por poder: 1) de que o sistema anárquico, não caótico e nem dividido pela desordem, sem uma

autoridade central por definição, é que caracteriza o mundo como uma competição por

segurança e guerra; 2) de que as grandes potencias tem capacidade militar suficiente para

sempre lhes oferecer a oportunidade de agredir ou possivelmente destruir um ao outro; 3) de

que os Estados nunca sabem ao certo as intenções dos outros Estados; 4) de que a

sobrevivência é o objetivo primário das grandes potencias e; 5) de que as grandes potências

são atores racionais, refletem sobre o seu ambiente externo e pensam de modo estratégico

sobre como sobreviver nele. Quando estes 5 pressupostos estão amarrados entre si criam

poderosos incentivos para que as grandes potências atuem de maneira ofensiva umas com as

outras, resultando em padrões de comportamento como o medo, a autoajuda e a busca pela

maximização de poder. Sendo assim, as grandes potências estarão sempre atentas aos

movimentos umas das outras para encontrar oportunidades que possam gerar alguma

mudança no balanço de poder dentro do sistema internacional e para que possam adquirir

incrementos de poder às custas de seus rivais, podendo para tanto empregar diversos meios

que variam desde econômicos e diplomáticos, até militares, mesmo que isso resulte em

atitudes suspeitas ou hostis.

A multipolaridade, que caracterizou a política internacional entre os anos 1648

(Tratado de Westphália) e 1945 (fim da Segunda Guerra Mundial), quando nenhuma única

grande potência tinha domínio absoluto sobre os outros Estados e os acordos e alianças eram

flexíveis, com o término da Segunda Guerra Mundial em 1945 cedeu lugar ao inusitado

   

 

7  

sistema bipolar. Estados Unidos e União Soviética, dois países economicamente grandes, auto

suficientes pelos padrões históricos e com posse de armas de destruição em massa, se

enfrentaram por e com visões ideológicas distintas e opostas, e formaram alianças com outros

Estados de maneira rígida. Este período da história contemporânea de embate entre duas

“superpotências” ao chegar ao fim em 1989, sinalizou um retorno ao tradicional sistema

multipolar. Porém, o colapso da União Soviética coroou os Estados Unidos com a posição de

única superpotência, uma situação ainda mais inusitada. Mas o acúmulo de recursos e

capacitações nas mão de um único Estado estimularia o surgimento de novas grandes

potências e de coalisões entre potências determinadas a balancear o poder. O momento

unipolar teria tempo restrito, até o surgimento de um renovado sistema multipolar pois os

Estados não tolerariam a preponderância de outro por um longo período de tempo.

A fusão de primazia em tecnologia, principalmente da informação, com o poder

econômico e militar adicionado de um apelo ideológico relevante, ofereceu aos Estados

Unidos o posto de única superpotência mundial após 1989. No entanto é necessário uma

ponderação mais analítica a cerca de quais bases determinariam a durabilidade da

preponderância unipolar dos Estados Unidos.

2 - O Poder unipolar e a geopolítica revisionista

Os Estados Unidos e seus principais aliados da União Europeia certamente

consideram vários movimentos da atualidade perturbadores, como forças Russas cercando a

Ucrânia, a China atuando de forma suspeita nas suas disputas ao longo de sua costa oriental e

sul no Oceano Pacífico, o Japão buscando uma estratégia de atuação internacional mais

assertiva, o Irã dando suporte ao grupo islâmico Hezbollah, fatos geopolíticos que podem

levar a crer que potências do passado estarão voltando e recriarão renovadas rivalidades frente

ao Ocidente. Porém ao longo de 70 anos, desde a Segunda Guerra Mundial, incluindo o

período da Guerra Fria, os Estados Unidos vem logrando estabelecer sua liderança mundial de

forma sólida, por meio de construção de instituições multilaterais, de formação de alianças, de

estabelecimento de acordos comerciais e parcerias políticas e militares, e vem trazendo vários

países para sua órbita. Soma-se a isto tudo o fato do estado de bem-estar social e as vantagens

tecnológicas que alcançaram estarem bastante avançados se comparados a qualquer outra

nação, até mesmo à China e à Rússia. Na Europa o período pós Guerra Fria se mostrou

favorável ao preceitos do Ocidente com o desmembramento da União Soviética, a unificação

da Alemanha e a adesão de Estados Bálticos e de outros integrantes do Pacto de Varsóvia à

OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e à União Europeia.

   

 

8  

Contudo, conforme os argumentos de Walter Russel Mead em seu artigo “The Return

of Geopolitics”, existe um movimento revisionista liderado principalmente pela Rússia, China

e Irã, que busca desafiar o Ocidente e sua crença num mundo liberal, aberto e pacífico

estabelecido nestas 3 primeiras décadas do pós Guerra Fria, contestando o status quo do

mundo unipolar que sob seus pontos de vista precisa ser revisto. Estes estados se lançam em

ações e políticas unilaterais dificultando o próprio relacionamento entre eles, que tem se

mostrado nada menos que complexo num ambiente de interdependência global. A Rússia tem

certo grau de temor ou receio com relação à ascensão de sua vizinha China e ambiciona

resgatar o máximo possível da força, respeito e domínio da extinta União Soviética. A China

por sua vez, não pretende ter papel secundário nos assuntos globais e muito menos se curvar

ou abrir seu flanco para o total estabelecimento de um domínio americano em seu continente,

e o Irã busca substituir a atual ordem no Oriente Médio liderada pela Arábia Saudita e

dominada por sunitas, por uma ordem cujo epicentro seria Teerã e sob sua visão islâmica

xiita. Um único forte ponto em comum que se ressalta é que os 3 concordam que os Estados

Unidos são o principal obstáculo para que atinjam seus objetivos revisionistas, porém a

superação deste obstáculo constitui um árduo caminho a ser percorrido.

Com muita destreza, os Estados Unidos articularam uma consistente habilidade de

ganhar aliados e de influenciar outros Estados. Em seu artigo “The Illusion of Geopolitics”,

Gildon John Ikenberry cita um estudo liderado pelo cientista político Brett Ashley Leeds em

que mostra que os Estados Unidos lograram parcerias militares com mais de 60 países

enquanto a Rússia conta com 8 aliados formais e a China com apenas 1, a Coréia de Norte. As

alianças oferecem para os Estados Unidos uma sólida plataforma de projeção de seu poder

além de transferir a carga da promoção da segurança. A capacidade militar que seu sistema

consagrou, supera qualquer força que a Rússia ou a China possam gerar nas futuras décadas.

3 - Detenção de poder no século XXI

De acordo com Joseph Nye, poder depende do contexto e é um complexo jogo de

xadrez de 3 níveis, superior, mediano e inferior. O nível superior se configura pelo poder

militar e os Estados Unidos tendem à supremacia, o nível mediano é representado pelo poder

econômico que se apresenta multipolar e tem os Estados Unidos, Europa, Japão e a China

como atores principais, e o nível inferior é caracterizado pelas relações transnacionais que

cruzam fronteiras e estão fora do alcance dos governos, incluindo atores não estatais, como

bancos, empresas, organizações internacionais, etc., neste nível lida-se com ameaças e

desafios como epidemias, terrorismo, mudanças climáticas entre outros e por conta de seu

   

 

9  

poder tão difuso não cabe analisá-lo sob a ótica unipolar, multipolar ou da hegemonia. Para a

detenção de poder é imprescindível que o foco não esteja concentrado apenas nas forças

militares coercitivas ou somente na construção de mecanismos econômicos de atração, é

preciso contemplar os 3 níveis simultaneamente. Concentrar todos os esforços num único

nível é criar uma tendência à perda deste jogo. É preciso transformar as fontes de poder, os

recursos, em estratégias de sucesso.

4 - Transformando recursos em estratégia de sucesso

4.1 - O novo impulso da força econômica e militar dos Estados Unidos

A previsão da Agência Internacional de Energia (IEA sigla em inglês) é de que os

Estados Unidos alcancem sua independência energética até 2035.

O recente surgimento da produção de petróleo e gás dos Estados Unidos tem sido

magnífico. Entre 2005 e 2010, a participação do gás natural não convencional na produção

total de gás dos Estados Unidos cresceu de 4% para 24% e nos últimos anos o país tem visto

sua produção de hidrocarbonetos crescer mais rapidamente que em qualquer outro país e com

forte tendência de se manter neste ritmo nas próximas décadas. A tecnologia do horizontal

drilling e do hydraulic fracturing (fracking) tem fundamental importância pela viabilização

econômica proporcionada à exploração de grandes reservas de gás natural e petróleo. Se

compararmos com outros países com grande potencial de produção de gás natural não

convencional, veremos problemas na China com seu limitado recurso de água para o processo

de extração do gás, na Argentina com a insegurança para investimentos externos, e em vários

países da Europa com restrições ambientais. Diferentemente dos Estados Unidos, para

resgatar os vastos recursos que existem em outros países, seria necessário optar por

burocráticos processos via empresas nacionais e internacionais, as quais atualmente

apresentam pouco interesse neste negócio fora dos Estados Unidos.

Hoje, com os custos de energia europeus e japoneses altos, indústrias americanas,

como a química e a plástica, ganham significativas vantagens comparativas em custos de

produção, que resultarão na criação de até 1 milhão de postos de trabalho até 2025 segundo

estimativa da consultoria Price Water House Coopers, ganhos fiscais e consequente

crescimento de seu PIB, fortalecendo ainda mais a economia americana.

Levando em consideração que os salários da China começam a ficar em alta e o preço

do gás na Europa que segundo a IEA está atualmente 3 vezes maior e deve dobrar nos

próximos 20 anos, os Estados Unidos começam a vislumbrar maior vantagem nos custos de

suas exportações que, segundo a Boston Consulting Group, serão de 5% a 25% menores em já

   

 

10  

em 2015 em comparação com a Alemanha, Itália, França, Reino Unido e Japão em diversos

segmentos da indústria, e a diminuição dos gastos com importação de petróleo auxiliará na

diminuição do déficit comercial impulsionando o ritmo do crescimento de sua economia.

A importação de petróleo diminuirá gradativamente ao longo das próximas décadas

com as melhoras em eficiência, as mudanças no comportamento dos consumidores, o

aumento da utilização de biocombustível doméstico, com os fortes ganhos na produção de

óleo bruto e com a expansão da produção de gás natural. A exportação de gás e carvão

aumentará, e o seu nível de competitividade, que já figura em terceiro lugar no índice do

Global Competitiveness Report 2014-15 do World Economic Forum, os Estados Unidos

conseguirão grande vantagem de barganha dentro do sistema internacional de comércio.

Extração mais segura com relação aos impactos ambientais será necessária, assim

como inovações futuras em termos de transporte, distribuição e consumo, que gerarão ganhos

de bilhões de dólares para os consumidores e garantirão um futuro promissor.

Toda esta infraestrutura promissora garantirá aos Estados Unidos um grau confortável

de segurança no âmbito militar. O Departamento de Defesa Americano tem sido o maior

consumidor de combustível do país, utilizou 90 milhões de barris de petróleo por um custo de

USD15 bilhões em 2013 e este consumo vem crescendo rapidamente. De toda a demanda

americana por petróleo, 1,3% está por conta das forças armadas e representa mais de 80% do

consumo de combustível do governo federal americano. Com isto, nota-se o quanto as forças

americanas contam com o fornecimento seguro de combustíveis. Considerando que o melhor

jeito de se perder uma guerra é não ter combustível, o Pentágono, com vistas em transformar

as forças americanas numa organização que utiliza apenas o combustível necessário deixando

de ser aquela que utiliza todo o quanto recebe, planeja ter uma força militar que necessite de

menos energia para operar e que pode se adaptar aos diversos recursos energéticos

disponíveis e às diversas tecnologias que se encaixarem em suas diferentes necessidades

operacionais.

As boas perspectivas da independência energética aliviarão o apetite por energia das

forças americanas e reduzirão sua possível vulnerabilidade energética. Enquanto a

dependência americana de importação de petróleo vem decrescendo rapidamente, a China,

cujas forças armadas recebem contínuos e altos investimentos, maiores que qualquer outra

nação que não os Estados Unidos, tem sua dependência de importação de petróleo crescente

assim como seu comércio com países produtores de energia como a Rússia, Arábia Saudita e

até mesmo o Irã. Mesmo com algum evento que ameace o fluxo de combustível no Oriente

Médio como a queda do regime na Arábia Saudita por exemplo, os Estados Unidos estarão

   

 

11  

bem preparados em comparação a qualquer outra grande economia, proporcionando nas

próximas décadas para si grandes vantagens geopolíticas e crescimento econômico. A sua

busca por políticas energéticas mais eficientes liderada pelo Pentágono automaticamente

proporcionará uma melhor segurança nacional para toda a sociedade americana.

4.2 - A China pró-ativa e seus desafios

Robert W. Fogel, vencedor do Nobel de Economia de 1993, prevê que em 2040 a

economia chinesa chegará a US$123 trilhões, sua renda per capita será de US$85 mil, muito

mais alta que a do Japão e mais que o dobro da previsão para a União Europeia, e sua parcela

do PIB global será de 40%, bem superior aos 14% dos Estados Unidos que por sua vez não

terão ainda sua riqueza per capita ultrapassada. Neste cenário a China terá todas as condições

de se estabelecer como nação economicamente predominante.

Todo este notável sucesso baseado num espetacular desempenho econômico nos

últimos anos, não alcançará os patamares previstos e nem se sustentará se os líderes chineses

não forem hábeis e determinados em suplantar os tremendos desafios internos e externos de

seu país, tratando da crescente desigualdade de renda, da intranquilidade social potencial, da

escassez de combustível e água, da modernização de sua capacidade de governança, da

segurança alimentar e de tomar posições mais assertivas à medida que questões da política

mundial cada vez mais interferem em suas questões de segurança nacional.

Em 2009 a enorme crise financeira que assolou os Estados Unidos deixou milhões de

chineses desempregados quando várias das fabricas de bens de exportação fecharam suas

portas gerando níveis de risco muito altos na sociedade chinesa. Tal evento mostrou à

liderança da China que construir a economia consolidando-se como grande exportador,

principalmente para os Estados Unidos, Europa e Japão, não deveria ser seu único caminho,

mostrou que deveria modificar seu modelo de modo a depender mais da enorme base de seus

consumidores domésticos, mas para tanto teria que oferecer à população um padrão de vida

melhor ao mesmo tempo que deveria criar condições para que seu vasto interior pudesse

também obter avanços que diminuissem as enormes diferenças sócio-econômicas que

apresenta em relação à sua costa oriental.

A China vem considerando atentamente alguns fatores essenciais no sentido de

oferecer à sua população condições básicas que darão suporte ao seu acelerado avanço rumo a

uma economia preponderante. Primeiramente, prioritariamente e sabidamente o governo

chinês vem fazendo enormes investimentos na educação que trarão como resultado no médio

prazo um índice próximo a 100% de alunos matriculados no ensino médio e 50% no ensino

   

 

12  

universitário, acrescentando por si só 6 pontos percentuais ao seu índice de crescimento anual.

Em seguida, são os investimentos no setor rural que em 2009 foi responsável por cerca de

30% do crescimento econômico do país, e transformações em curso nesta zona convertem

este setor subestimado em um motor econômico. Em terceiro lugar, o governo começa a

voltar também sua atenção ao setor informal de serviços, pois muitos empreendimentos

pequenos não informam seus números e consequentemente as autoridades deixam de

contabilizar de maneira correta as melhoras na qualidade de produção. Na sequência, o

sistema político chinês, ao contrário do que normalmente se pensa, que Pequim sempre está

no comando, tem se tornado muito mais receptivo que no passado, a maioria das reformas

bem sucedidas tem sido idealizadas e realizadas em nível local. Por fim, as lideranças bem

sabem dos benefícios do crescente gosto da população das grandes cidades pela aquisição de

bens como roupas, automóveis e eletrônicos, e continuar a oferecer meios para um melhor

padrão de vida e renda per capita pode proporcionar um futuro muito promissor à China.

Por outro lado, todo o seu desenvolvimento interno e o atual cenário político

internacional, vem impondo desafios que aumentam a demanda por ações imediatas. Com

vistas ao futuro, a nova liderança do presidente Xi Jinping parece firmemente decidida a

reformular sua postura global de maneira ousada e criativa, tendo como princípio que a China

tem que pensar globalmente à medida que se globaliza.

Os ambiciosos vértices de sua estratégia são compostos pela 1) prosperidade das áreas

costeiras conquistando uma posição de poder marítimo para si aumentando sua

competitividade e, 2) a aceleração do desenvolvimento de seu vasto interior.

Beneficiando-se de vastos recursos financeiros e de sua posição como principal

parceiro comercial de mais de 120 nações, Pequim vem tomando iniciativas de política

externa e ampliando sua atuação estratégica, concentrando seu olhar sobre o oeste na

investida denominada “Marcha para o Oeste” objetivando criar um cinturão econômico ao seu

redor e implementar iniciativas importantes como o Corredor Econômico China-Paquistão e o

Corredor Econômico Bangladesh – Índia – China – Mianmar e restabelecendo o antigo

caminho comercial que ligava a China à Rússia, a Rota da Seda. Os esforços americanos com

as iniciativas do Acordo de Parceria Trans-Pacífico (TPP) que exclui a China e do Acordo

Transatlântico de Parceria Comercial e Investimentos (TTIP), são vistos por Pequim como

uma ameaça ao seu progresso considerando-os instrumentos de contenção econômica que

visam desacelerar o seu desenvolvimento e, vendo-se cercada por velhos e novos inimigos

como o Japão, o Vietnã e a Índia, e por outros países com posse de arsenais nucleares como o

Paquistão, vem adotando firmes atitudes com relação à salvaguarda de sua segurança

   

 

13  

nacional. Esta sua investida rumo ao oeste reflete a importância que dá à estabilidade de sua

vizinhança e o funcionamento destes projetos aumentará a conectividade entre estas

economias, promoverá o comércio de fronteiras e ampliará os mercados facilitando o

desenvolvimento entre todos. O próprio presidente Xi Jinping, reconhecendo o imenso

potencial dos vínculos com seus vizinhos, destacou que as relações chinesas terão como

princípios diplomáticos a intimidade, a honestidade, a beneficência e a tolerância. E com

relação aos Estados Unidos, a China também quer se comprometer com uma maior

aproximação, na cúpula do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) 2014 em

Pequim, o presidente chinês disse ao presidente americano que os dois países precisam

ampliar as áreas de cooperação e aumentar a colaboração em questões internacionais, "Nós

devemos ampliar as áreas nas quais podemos e devemos cooperar e a China está disposta a

trabalhar com os Estados Unidos para conduzirmos no futuro" afirmou Xi.

Porém, o campo vital para o sucesso de toda e qualquer investida chinesa no século

XXI será sem dúvida o energético. A China terá que gerenciar sua crescente dependência em

questões de energia diante das preocupações quanto ao intenso surgimento do islamismo

político e das grandes mudanças no cenário estratégico do Oriente Médio e do Norte da

África. A China deve se posicionar de maneira a intensificar sua atuação nas questões

políticas e sociais e nos conflitos destas regiões contribuindo para suas resoluções, buscando

diminuir as tensões em nome de seu próprio interesse.

Um dado preocupante para as autoridades chinesas foi divulgado pelo Centro de

Pesquisa e Desenvolvimento do Conselho de Estado da China, através de um relatório de

Fevereiro de 2014, que apontou que 75% do petróleo consumido na China em 2030 terá que

ser importado caso medidas para conter o consumo não sejam tomadas imediatamente, e a

Energy Information Administration (EIA) dos Estados Unidos, apresenta estatísticas que

mostram que a China, já em 2014, supera os Estados Unidos como o maior importador de

petróleo do mundo, confirmando um dado alarmante para os líderes chineses no jogo pela

busca de mais poder diante da perspectiva americana de independência energética.

5 - A União Europeia do século XXI – Líderes ou liderados?

A economia da Alemanha é quarto vezes menor que a americana, porém o total da

economia da União Europeia é levemente superior à dos Estado Unidos com uma população

em torno dos 300 milhões enquanto a Europa beira os 500 milhões, mas com fertilidade

declinante que empurra a idade da população para cima e encolhe o percentual de pessoas que

atuam na força de trabalho, dificultando o crescimento. Os cidadãos valorizam longas férias,

   

 

14  

aposentadoria precoce e semana de trabalho mais curta em detrimento do consumo maior.

Mesmo assim, em termos de capital humano, tecnologia e exportação podemos dizer que

tanto Estados Unidos como União Europeia estão bem emparelhados. Não fosse a crise

econômica atingir a Europa em finais da primeira década dos anos 2000, muitos economistas

apostavam na substituição do dólar americano pelo euro como a moeda corrente de reserva.

Em termos culturais, sua influência é bastante penetrante, são pioneiros e exercem

importante papel em várias instituições internacionais. Em termos comerciais e junto à

Organização Mundial do Comercio (OMC) exerce influência tal qual os Estados Unidos e

portanto é capaz de balancear as forças americanas nesta esfera. Atualmente a União Europeia

representa aproximadamente 17% do comércio internacional enquanto os Estados Unidos

resta em torno 12%.

Em termos militares os seus gastos são de aproximadamente 50% dos Estados Unidos,

porém contam com um contingente humano superior e ainda com dois países com posse de

arsenais nucleares. Com relação à sua defesa e segurança a União Europeia não tem um

sistema próprio e organizado, e entre ter sua própria política de segurança e defesa

contrabalanceando o poder americano ou aliar-se incondicionalmente aos Estados Unidos

dividindo os custos financeiros e militares da ordem internacional, parece que tende a adotar

um comportamento de civilian power, ou seja sem recorrer a forças militares buscando

soluções negociadas nos canais multilaterais para garantir uma capacidade de decisão real

pois tem habilidades em compartilhar o poder, insistir em acordos e resolver conflitos via

comitês, que são qualidades que num mundo altamente interdependente e conectado se

tornaram um padrão global.

Atualmente a Europa vive uma fase pessimista e parece perder influência projetada

para o século XXI numa nova ordem geopolítica dominada pelos Estados Unidos e por

potencias emergentes lideradas pela China.

6 - Instituições multilaterais como instrumentos de poder

6.1 - Potências em ascensão criando um ambiente de transição de domínio

As últimas duas décadas mostram acentuado crescimento econômico de países em

desenvolvimento. A China já é a segunda maior economia mundial com um PIB, segundo

dados do World Bank GDP 2013, de US$9.2 trilhões, atrás somente dos Estados Unidos com

US$16.8 trilhões e à frente do Japão com US$4.9 trilhões e das outras economias do G-7. O

Brasil, Rússia e Índia, outras grandes potências econômicas em ascensão vem

   

 

15  

respectivamente com um PIB de US$2.2 trilhões (7º posição), US$2.1 trilhões (8º posição) e

US$1.9 trilhão (10º posição).

Com grande peso na economia mundial as potências em ascensão estão abrindo as

portas para um sistema econômico internacional de cunho multipolar, traduzido em graduais

mudanças de autoridade e de influência dentro de organizações multilaterais como o World

Bank e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Modificações e reformas do sistema

financeiro mundial tiveram lugar nos últimos 20 anos, como por exemplo a

institucionalização do G-20 onde vários países emergentes vêm tentando implementar

mudanças principalmente no que se refere ao processo de tomada de decisões. O fenômeno

incentiva também o surgimento de novas organizações multilaterais como o bloco BRICS,

formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que tem se institucionalizado e

disseminado a chamada solidariedade do “Sul Global.”

Neste sentido, a criação de novos mecanismos financeiros vem paulatinamente

alterando o formato inicial de 70 anos atrás e portanto podem oferecer a possibilidade de que

um novo desenho da arquitetura financeira internacional esteja sendo construído na prática.

6.2 - Bretton Woods e as iniciativas do bloco BRICS

Os Estados Unidos gozaram do privilegiado status de serem a nação mais próspera e a

maior economia mundial durante as últimas décadas e, principalmente após a quebra do lastro

entre o dólar e o ouro na década de 1970, usam veementemente seu peso econômico e político

para promoverem ideais liberais da forma mais conveniente possível e que sirva aos seus

interesses, inclusive protegendo-os, independentemente de qualquer impacto que suas ações

possam gerar mundo afora. Sua escolhas foram o centro de todas as decisões no âmbito

financeiro internacional sempre considerando os seus aliados europeus, fincando e projetando

seu poder financeiro através instituições ocidentais do sistema Bretton Woods,

monopolizando o cargo da presidência do Banco Mundial e assegurando a segunda posição

no FMI enquanto a primeira permanece nas mãos dos europeus, estabelecendo seu domínio e

concentração de poder sobre o sistema de gerenciamento monetário internacional. Tal

concentração caracteriza este sistema como unipolar tendo em vista a força de cunho

unilateral exercida pelo Ocidente, que por si só estimula naturalmente o surgimento de outras

forças determinadas a balancear tal poder, trazendo a oportunidade para um renovado sistema

financeiro multipolar.

Com relação ao poder econômico e conforme argumenta Robert Wade, podemos

destacar hoje 3 polos economicamente fortes no mundo e que preconizam o modo com o qual

   

 

16  

a força econômica será estabelecida nas próximas décadas, os Estados Unidos, a União

Europeia, ambas representando as forças estabelecidas do Ocidente, e o bloco dos países que

formam os BRICS representando as economias em ascensão. E são estes países que surgem

como potências econômicas e que estão 1) lançando uma nova pressão no balanço das forças

econômicas mundiais, 2) questionando a atual via do relacionamento econômico global dentro

das atuais instituições financeiras estabelecidas pelo Ocidente, e 3) estabelecendo a

multipolaridade.

Este bloco tem se tornado a mais proeminente plataforma política para equilíbrio de

forças e defendem uma via da “cooperação multilateral” onde todos se engajam em acordos e

iniciativas para satisfazerem as necessidades comuns, mas até então as relações tem se

estabelecido pela via da “incorporação hegemônica”, ou seja, as economias emergentes se

subordinando às preferências das economias ocidentais estabelecidas. Porém se os Estados

Unidos e o G-7 insistem em fazer valer a sua hegemonia e não propõem para as atuais

instituições do sistema Bretton Woods um papel e uma governança com as quais economias

em ascensão se sintam identificados estas se engatam num movimento de mudança. O bloco

dos BRICS, em 2014, assinou o acordo que cria o seu próprio Banco de Desenvolvimento, o

NBD (Novo Banco de Desenvolvimento), uma instituição para financiar projetos de

infraestrutura e desenvolvimento baseado na necessidade de novos recursos de interesse do

bloco e de outros com os quais se relacionam, considerando as limitações tanto dos bancos

multilaterais (Banco Mundial) como de atuação mais internacionalizada dos bancos de

desenvolvimento destes países. Assinaram também o Tratado para o estabelecimento do

Arranjo Contingente de Reservas (CRA), com um montante inicial de US$ 100 bilhões que

funcionará como um mecanismo de retaguarda para os países participantes, adicionalmente a

outros já existentes como FMI. Tal movimento tem relevância para as áreas econômicas e

financeiras internacionais e muito valor político. A reunião dos chefes de Estado e/ou de

governo dos BRICS recentemente em Brasília com os chefes de Estado e/ou governo de todos

os países da América do Sul reforça o caráter político do grupo, inserindo no diálogo e em sua

estratégia a prioridade dos países em desenvolvimento. Anualmente mais de 30 encontros são

promovidos dentro do fórum BRICS quando se discutem temas diversos desde educação,

saúde pública até finanças. O bloco também tem demonstrado uma forte coesão política e um

exemplo disto foi a sua disposição em evitar o isolamento da Rússia e assegurar sua presença

no G-20 em 2014 devido a crise na Criméia, desafiando as diretrizes das lideranças ocidentais

neste sentido, porém ainda permanece um grupo cuja maioria dos membros não tem interesse

em antagonizar desnecessariamente os Estados Unidos.

   

 

17  

6.3 - Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a Organização para

Cooperação de Xangai (SCO)

A consequência imediata do colapso da União Soviética para o sistema internacional

foi a permanência dos Estados Unidos como a única superpotência mundial, posição muitas

vezes contestada, porém o próprio sistema bipolar não permitiria, diante de uma situação de

debacle de qualquer um dos lados, outras opções para o período que imediatamente se

seguiria. Com esta posição os Estados Unidos sustentaram seu poder e disseminaram ainda

mais seus valores, mantiveram o domínio sobre os fluxos sociais, políticos, estratégicos e

econômicos, convivendo e se relacionando internacionalmente dentro das mesmas estruturas

ocidentais criadas e mantidas a partir de meados da década de 1940, como a OTAN, que com

26 países atualmente estabelece o debate quanto a ter uma atuação no futuro mais flexível,

efetiva e eficiente, quanto ao seu envolvimento em conflitos fora da Europa e quanto ao seu

papel como instrumento de poder. A organização vem atuando de forma que aumenta seu

alcance em termos geográficos e amplia suas operações em outras partes do mundo como no

Afeganistão e no treinamento de forças de segurança no Iraque, e reconhece que as ameaças

que seus membros enfrentam não estão mais somente nas esferas de segurança e territorial,

mas também nas esferas políticas e econômicas.

O seu uso como instrumento expansionista tem sido percebido e recebe críticas

explícitas e forte resistência atualmente por parte da Rússia, pois o avanço gradual da OTAN

para o leste europeu, zona de influência direta russa, e suas incursões na Ásia central, uma das

regiões mais ricas em energia do mundo, justificadas pela campanha anti-terror e pelo apoio a

reformas liberais e democráticas, podem levar a crer que os Estados Unidos por meio da

liderança que exerce na organização, queira expandir ainda mais seu domínio pela Eurásia,

com objetivos também de conter o avanço político e econômico chinês em sua estratégia

rumo ao oeste.

Por outro lado, terrorismo, separatismo, extremismo, tráfico de drogas e construção de

mecanismos de confiança mútua para resolução de disputas de fronteiras são motivos básicos

da formação da Organização para Cooperação de Xangai (SCO na sigla em inglês), uma

organização internacional cuja finalidade principal é a cooperação para a segurança. É

composta por 6 membros, a China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, e

Uzbequistão e que apesar de por vezes ser vista como uma contrapartida real à OTAN, tem

servido muito mais em questões de comércio e segurança entre seus membros.

A presença militar americana na Ásia central sempre incomodou, principalmente aos

mais fortes integrantes da SCO. Rússia e China preferem afastar a influência americana deste

   

 

18  

território salvaguardando, respectivamente, a influência em territórios da antiga União

Soviética e os objetivos de cultivar melhor a vizinhança para defender seus interesses, sem

contar ainda o enorme potencial energético da região e as questões de estabilidade regional

principalmente aquelas que afligem o Afeganistão que, segundo almejam seus membros,

deveriam ser cuidadas dentro do escopo da organização e sem influências externas, referindo-

se diretamente aos Estados Unidos e à OTAN. Atualmente a segurança na Ásia é muito

dependente de forças externas.

Com Índia, Paquistão e Irã como os primeiros da lista do atual plano de expansão da

SCO, nota-se o movimento para que a organização deixe de ser percebida como uma zona

“recreativa” da Rússia ou da China em suas iniciativas de política internacional. A entrada de

membros de peso oferecerá vigor ao seu desenvolvimento futuro e aumentará sua influência,

prestígio e respeito na arena internacional, sendo melhor posicionada para realmente desafiar

alianças estabelecidas e para defender a segurança regional nas próximas décadas.

Apesar da tendência de se considerar a SCO como uma concorrente da OTAN, os

líderes chineses e russos salientam que a organização é algo novo, uma parceria livre da rígida

disciplina que existe dentro da OTAN, além de estar totalmente em sintonia com as realidades

e as exigências do século XXI, e estão cientes de que somente a formação de um sistema de

segurança multilateral que abranja a maioria dos países poderá determinar a direção do futuro

desenvolvimento da Ásia.

7 - O processo de interação transnacional na liderança global

O movimento da informação e da disseminação de crenças, ideias, doutrinas, a

intensificação do transporte físico de objetos e pessoas, e o maior fluxo monetário e de

instrumentos de créditos, ao agirem simultaneamente se fortalecem como interação global no

século XXI criando um sistema internacional mais integrado e institucionalmente

regulamentado, um processo que certo ponto é contra-hegemônico.

As relações de interdependência e fluxos de ocorrências acima das fronteiras nacionais

se intensificaram nas últimas décadas criando múltiplos canais de comunicação entre as

sociedades, inclusive dando abertura ao surgimento de novos atores além dos Estados, com

isso as relações internacionais deixam de ter um viés estato-cêntrico e passam a contribuir

com a evolução do processo de interação transnacional, onde os atores agem de maneira

coletiva na articulação de políticas comuns, na realização de acordos e regimes técnicos, na

constituição de redes de cooperação, no aumento dos fluxos de comércio e financeiros,

caracterizando a sociedade internacional contemporânea.

   

 

19  

Os Estados Unidos, por sua vez, diante dos desafios e ameaças novas e inéditas do

século XXI, percebe que as soluções para questões transnacionais devem vir por vias

igualmente novas e inéditas, já que onerosas intervenções militares não tem se mostrado

eficazes, e ao defender ações multilaterais para lidar com o desrespeito aos direitos humanos,

a degradação ambiental, o terrorismo, etc., reforça sua liderança política internacional e

assegura sua influência ao propor “ações coletivas” (como a liderança da coalisão para

enfrentar o grupo islâmico extremista ISIS) com seus aliados visando contribuir para um

sistema internacional mais coeso e efetivo, demonstram suas intenções em se manterem no

controle do sistema internacional, notado também ao promoverem o deslocamento para um

mundo multipolarizado. O comentário do porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, diante da

presente luta mundial contra o vírus ebola, retrata o atual momento de liderança internacional

em questões transnacionais, “Quando temos tal situação de ebola no palco global, as pessoas

não perguntam o que estão fazendo os chineses para responder a essa ameaça. As pessoas não

telefonam perguntando se o presidente da Rússia Vladimir Putin pretende mobilizar recursos

russos para lutar contra o surto. As pessoas querem conhecer o que estão fazendo os Estados

Unidos nesse sentido. E o nosso presidente Barack Obama deu passos à frente, demostrando a

liderança americana que dá razões de orgulhar-se aos americanos”.

8 - Conclusão

Atualmente o foco está na Ásia com relação a uma expectativa de transição de poder e

a uma nova configuração de forças hegemônicas. Sobrepondo seus obstáculos e agindo

estrategicamente China e Índia buscam maior peso de sua inserção internacional porém

enfrentarão ainda um longo caminho rumo a uma arquitetura de consenso regional. Ambas

com enormes desafios internos sociais, de infraestrutura, governança e segurança. A China

ainda deve atravessar um período de ajuste e transformação econômica significativa porém

tem demonstrado absoluta determinação de seus líderes na condução do país para superar

obstáculos e surpreender, e não há de ser diferente ao longo das próximas décadas. Seu

recente histórico de sucesso e a implementação de sua estratégia rumo ao oeste demonstra

como está atenta às suas necessidades atuais e futuras (principalmente energéticas) para

manter seu ritmo de crescimento, e que buscará os esforços necessários e empenhará muito

trabalho garantindo-se de sua enorme população para alcançar seus objetivos e de estabelecer

sua hegemonia regional em grande parte dos próximos 80 anos.

Quanto às instituições financeiras, o FMI e o Banco Mundial tem sido abertamente

influenciados pelas orientações do Ocidente e são excessivamente inclinadas para as políticas

   

 

20  

de liberalização do mercado que se mostram insuficientes diante das necessidades atuais dos

modernos mercados financeiros. Face a esta realidade a iniciativa do bloco BRICS leva ao

desprendimento ou a uma alternativa à atual ordem financeira e política internacional e pode

pesar muito na constituição de um renovado sistema financeiro ao estimular o surgimento de

uma nova ordem de cunho multipolar no século XXI. Porém, é extremamente importante que

este renovado sistema financeiro que aflora, onde o domínio e a força econômica serão

diluídos entre mais lideranças com visões de desenvolvimento distintas e desafios internos

variados, assegure que o papel conjunto do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da África

do Sul seja realmente relevante aos mais pobres e marginalizados do mundo, que a atuação do

bloco se reverta numa via para o oferecimento de um caminho real de saída da pobreza, com

políticas e práticas concretas que provem e confirmem ao longo do tempo que os seus

interesses não serão pelo acesso a mais recursos e mercados via o multilateralismo

econômico.

Quanto à União Europeia, podemos dizer que algumas de suas nações são as únicas na

atualidade capazes de projetar influência através de seu hard power e soft power

individualmente ou coletivamente tanto quanto os Estados Unidos e mesmo com a

heterogeneidade de seus pontos de vista, a falta de uma identidade coletiva única, a pouca

vontade para estabelecer uma força militar própria e uma atual economia que se esforça para

se manter saudável, a União Europeia e seu conjunto de países já foram capazes de

surpreender mais de uma vez ao longo da história e de acordo com as palavras do Diretor do

European Council of Foreign Relations “ O problema não é a Europa, mas talvez o nosso

defasado entendimento de poder.”

Os Estados Unidos por sua vez, entendem a ascensão de outras potências e as ameaças

que representam para sua liderança mundial, e empenham muita atenção aos movimentos da

poderosa China agindo de maneira que seu avanço seja contido por diversas vias,

principalmente se beneficiando de uma concorrência regional na Ásia à medida que tanto a

Índia quanto o Japão se estabelecem como bons motivos de preocupação para as lideranças

chinesas, que dividem então seus esforços ao invés de concentrá-las com exclusividade nos

Estados Unidos. Japão e Índia e até mesmo a Rússia com toda sua relação de

interdependência energética que possui com a China e que se intensifica cada vez mais,

representam uma forte pressão que contrabalanceará os avanços chineses, provocando o

equilíbrio necessário que acabará até mesmo restringindo qualquer iniciativa de confrontos

bélicos na região.

Contudo os americanos desperdiçaram a enorme vantagem adquirida com o título de

   

 

21  

única superpotência mundial no pós Guerra Fria. Se desde o início dos anos 2000 tivessem

mantido o compromisso de atrelar seu domínio às futuras exigências de mudanças nas

instituições e nas estruturas criadas no pós guerra para disseminar seus valores, conseguiriam

hoje exercer uma liderança internacional sem brechas e que melhor defendesse seus

interesses, porém não investiu na flexibilidade e adaptabilidade das instituições que

cultivaram, mantiveram nelas seus antigos privilégios e priorizaram duas guerras dispendiosas

contra o terrorismo ao invés de priorizarem a condução da governança global, o que está

permitindo o crescimento de outras potências capazes de contrabalancear seu poder

alimentando o que alguns chamam de seu declínio relativo. De toda forma a intensidade da

liderança mundial dos Estados Unidos nas próximas décadas está condicionada à maneira

com que conduzirão mudanças em seu comportamento, ajustes em seus envolvimentos em

questões internacionais, e inclusões participativas de outras economias emergentes na

cooperação multilateral. Por outro lado, é possível argumentar que a sua tão esperada

independência energética, por toda vantagem que poderá trazer nos campos econômicos e

militares frente a outras nações aspirantes à posição hegemônica, garantirá aos Estados

Unidos um dos pilares de uma posição privilegiada no cenário global, uma posição que

atrelada ao seu alto grau de desenvolvimento social e tecnológico e insuperáveis hard power e

soft power, assegurará, num mundo de potências regionais, sua credencial de potência

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