o fenômeno hatsune miku: estratégia de comunicação e ... · estratégias do marketing 3.0 e vem...
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OfenômenoHatsuneMiku:estratégiadecomunicaçãoemarketingna
relaçãocomacomunidadedefãs
KarolineCordeiroXimenesdeOliveira
Outubro,2017
DissertaçãodeMestradoemCiênciasdaComunicação-Comunicação
Estratégica
OfenômenoHatsuneMiku:estratégiadecomunicaçãoemarketingna
relaçãocomacomunidadedefãs
KarolineCordeiroXimenesdeOliveira
DissertaçãodeMestradoemCiênciasdaComunicação–Comunicação
Estratégica
Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do
grau de Mestre em Ciências da Comunicação – Comunicação Estratégica–, realizada sob a
orientação científica da Professora Doutora Graça Rocha Simões.
“Sei que há léguas a nos separar Tanto mar, tanto mar Sei também quanto é preciso, pá Navegar, navegar Canta a primavera, pá Cá estou carente Manda novamente Algum cheirinho de alecrim”
Chico Buarque de Holanda
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Mônica Cordeiro e Francisco Ximenes, que são a minha base e sempre apoiaram as minhas decisões, até a de morar e estudar em um país do outro lado do Atlântico. À minha mãe um agradecimento especial, por ser exemplo, inspiração e orgulho na área académica. O mundo precisa de mais pessoas assim, e, sem ela eu jamais teria conseguido chegar aqui. Ao meu companheiro, amigo, parceiro, amante, marido e eterno namorado, Adriano Leite, que esteve comigo desde os primeiros preparativos para viver em outro país. Obrigada por cuidar de mim, por embarcar nas minhas aventuras e por me tirar dos dramas desnecessários sempre. Muito amor por você e nossos filhotes de quatro patas (Jericoacoara e Pipa). Ao meu irmão, Klaus Ximenes, minha cunhada Camilla Targino e meu sobrinho lindo e amado, Lorenzo, que apoiaram minha decisão de morar em outro país e sei que vibram com minhas conquistas. A tia Emília, minha segunda mãe, aos meus sogros e meus cunhados: obrigada por todo o apoio e amor. A amiga que se tornou membro da família cearense, Camila Matta, obrigada por existir, por ter me ensinado tanto nesses dois anos de convivência e por ter me dado uma outra família no Sul do Brasil. Sentirei muitas saudades de alimentar você. A todos os amigos, velhos e novos, que me apoiam e torcem por mim nessa aventura de ser imigrante brasileira em terras lusitanas. Em especial Raissa Hilgenberg, minha conterrânea que apenas em Lisboa fincou os pés no meu coração. A Portugal, país que me acolheu e escolhi para ser meu lar. Aos professores que me guiaram até aqui, pela generosidade e dedicação na transmissão de conhecimento, em especial para minha orientadora Professora Doutora Graça Rocha Simões.
O FENÔMENO HATSUNE MIKU: ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO E
MARKETING NA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE DE FÃS
Karoline Cordeiro Ximenes de Oliveira
RESUMO Nos últimos 20 anos o mundo presenciou uma grande revolução no que diz respeito aos avanços tecnológicos. Com a chegada da internet a informação deixou de ser um processo local para apresentar-se em âmbito global, reconfigurando o tempo e o espaço e gerando novas formas de relações sociais. A web 2.0 pode ser considerada a principal responsável por essas mudanças, pois foi quando a internet deixou de ser predominantemente receptiva para ser ativa. Neste contexto surgiu o nosso objeto de estudo, a cantora virtual japonesa Hatsune Miku (HM), uma criação da empresa de software Crypton Future Media (CFM), que idealizou uma personagem com características típicas de animes e mangás para ajudar a vender um sintetizador de voz, o Vocaloid. Assumidamente criada como uma estratégia de marketing aperfeiçoada, após dois anos de sua criação Miku deixou de ser apenas voz e ilustração para existir como projeção holográfica, apresentando concertos no Japão e, posteriormente, em outros países, inclusive ocidentais. Neste contexto, este trabalho teve como objetivo geral compreender como a empresa que criou Hatsune Miku se utiliza das estratégias comunicacionais e de marketing na divulgação dela e como se processa a angariação de novos apreciadores do fenômeno, buscando também compreender como se dá a relação com a comunidade de fãs. Como objetivos específicos, procuramos conhecer a evolução da comunicação e do marketing da personagem holográfica, bem como verificar quais as estratégias utilizadas pela empresa. Enquanto metodologia científica realizamos uma pesquisa documental, com abordagem qualitativa, dentro de um estudo de caso, tendo como corpus de análise dados coletados em sites, blogs e redes sociais para ajudar a construir (em ordem cronológica) a trajetória de Miku ao longo dos seus 10 anos de existência. A partir da análise dos resultados, pode-se concluir que dois fatores foram essenciais para tornar a cantora virtual numa celebridade: o design virtual com que ela foi apresentada ao mercado e a fase da internet participativa (web 2.0). Somando esses dois fatores, acreditamos que a empresa criadora de HM se utilizou de estratégias do Marketing 3.0 e vem traçando uma boa comunicação estratégica. PALAVRAS-CHAVE: comunicação, comunicação estratégica, marketing, marketing 3.0, web 2.0, holograma, Hatsune Miku
THE HATSUNE MIKU PHENOMENON: COMMUNICATION AND MARKETING
STRATEGY IN RELATION TO THE COMMUNITY OF FANS
Karoline Cordeiro Ximenes de Oliveira
ABSTRACT
Over the last 20 years the world has witnessed a major revolution in technological advances. With the arrival of the Internet, information is no longer a local process to present itself at a global level, reconfiguring time and space and generating new forms of social relations. Web 2.0 can be considered the main responsible for these changes, because it’s here that the Internet stopped being predominantly receptive to be active. This is the context of our object of study, Japanese virtual singer Hatsune Miku (HM), a creation by the software company Crypton Future Media (CFM), that idealized a character with typical characteristics of animes and manga to help sell a voice synthesizer, the Vocaloid. Taken as an improved marketing strategy, two years after its creation Miku ceased to be just a voice and illustration to exist as a holographic projection, presenting concerts in Japan and later in other countries, including Western ones. In this context, the objective of this work is to understand how the company that created Hatsune Miku uses communication and marketing strategies to promote it and to attract new followers of the phenomenon, also trying to understand how the relationship with the fan community develops. As specific objectives, we seek to study the evolution of the communication and marketing processes of the holographic character, as well as to verify the main strategies used by the company. As for the methodology followed, we conducted a documental research, with a qualitative approach, within a study of case, having as corpus of analysis data collected on websites, blogs and social networks to help build (in chronological order) Miku's trajectory throughout her 10 years of existence. From the analysis of the results, it can be concluded that two factors were essential to make the virtual singer a celebrity: the visual design with which it was presented to the market and the participatory internet phase (web 2.0). Adding these two factors, we believe that the company that created HM has used Marketing 3.0 strategies and has been drawing good strategic communication. KEYWORDS: communication, strategic communication, marketing, marketing 3.0, web 2.0, hologram, Hatsune Miku
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS ..................................................................................... 12
2. CLARIFICAÇÃO DE CONCEITOS SOBRE COMUNICAÇÃO E MARKETING ..... 19
2.1 Comunicação Estratégica ......................................................................................... 19 2.2 Marketing ................................................................................................................. 22 2.3 Marketing 3.0: novo “ethos” de fazer mídia ........................................................... 26
3. DO CULTO DAS CELEBRIDADES AO MUNDO DOS FÃS ..................................... 30
3.1 A Construção de Uma Celebridade Virtual: Hatsune Miku ................................... 35 4. O CASO HATSUNE MIKU ............................................................................................ 40
4.1 Caminhos metodológicos ......................................................................................... 40 4.2 Estratégias comunicacionais e de marketing da cantora virtual .............................. 42
5. DISCUSSÃO DE RESULTADOS E CONCLUSÃO ..................................................... 52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 57
Anexos ..................................................................................................................................... 62
Anexo 1: Timeline .................................................................................................................... 63
Anexo 2: Capa Vocaloid .......................................................................................................... 64
Anexo 3: Notícia TecMundo ................................................................................................... 65
Anexo 4: Notícia revista Galileu .............................................................................................. 66
Anexo 5: Revista eletrônica Fantástico .................................................................................... 67
Anexo 6: Anúncio Toyota ........................................................................................................ 68
Anexo 7: Show de HM no Brasil ............................................................................................. 69
Anexo 8: HM é notícia no mundo da moda ............................................................................. 70
Anexo 9: Anúncio Domino’s ................................................................................................... 71
Anexo 10: : Figurino by Louis Vuitton.................................................................................... 72
Anexo 11: Twitter de Lady Gaga ............................................................................................. 73
Anexo 12: HM no David Letterman Show .............................................................................. 74
Anexo 13: Entrevista com Cosima Oka-Doerge ...................................................................... 75
Anexo 14: Anúncio PlayStation ............................................................................................... 76
Anexo 15: Anúncio Lux com scarlett johansson ..................................................................... 77
Anexo 16: Lançamento videojogo na PS Store ....................................................................... 78
Anexo 17: Ingresso online pra shows de HM .......................................................................... 79
Anexo 18: Site comemorativo dos 10 anos .............................................................................. 80
Anexo 19: Redes sociais .......................................................................................................... 81
Anexo 20: Canais oficiais ........................................................................................................ 83
Anexo 21: Entrevista com Fã ................................................................................................... 85
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura1:HatsunemikutrajandomodelodesenhadoporLouisVuitton..............................................................46
Figura2:Imagemdositelilianpacce.com.br,em13deOutubrode2017...........................................................46
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1: As fases do marketing .............................................................................................. 25
Tabela 2: Canais de comunicação oficiais de HM ................................................................... 49
Tabela 3: Redes sociais de HM ................................................................................................ 50
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1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS1
Castells (2002) refere que no fim do segundo milênio da Era Cristã, vários
acontecimentos de importância histórica transformaram o cenário social da vida humana.
Uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação começou a remodelar
a base material da sociedade em ritmo acelerado.
Ao longo do tempo, reforça o autor, a informação deixou de ser um processo local
para se apresentar em âmbito global. Nesse sentido, reconfigurou o tempo e o espaço,
acelerando as práticas e “encurtando” as distâncias comunicacionais.
Como lembra Castells (2003), a formação de redes é uma prática humana muito
antiga, mas as redes redimensionaram-se a partir de três processos alavancados nas últimas
décadas do século XX e elencados pelo autor. Reconhece-se que as exigências da economia
por flexibilidade administrativa e por globalização do capital, da produção e do comércio; as
demandas da sociedade, em que os valores da liberdade individual e da comunicação aberta,
tornaram-se supremos e os avanços extraordinários na computação e nas telecomunicações
possibilitaram uma revolução eletrônica sem paralelo.
Como mostram os estudos, realizados por Cogo e Brignol (2011), as redes manifestam
uma forma de estar junto, de conectar-se e formar laços, ao mesmo tempo em que podem
implicar em um modo de participação social cuja dinâmica conduza ou não a mudanças
concretas na vida dos sujeitos ou das organizações. Entende-se ainda que as redes sociais
configuram interações entre sujeitos, podendo apresentar-se como redes informais,
configuradas por demandas subjetivas, ou podem ser organizadas formal ou
institucionalmente a partir da atuação coletiva de grupos com poder de liderança, podendo,
ainda, ser híbridas entre as duas configurações.
1 O presente trabalho utiliza a Língua Portuguesa na versão escrita no Brasil, país de origem da autora, com o objetivo de obter reconhecimento de universidades brasileiras. Utiliza também termos técnicos de comunicação adotados no Brasil.
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Além disso, reforçam as autoras referidas acima, as redes contam, para sua
organização e funcionamento, com a mediação das tecnologias da informação e da
comunicação, especialmente a internet, ao mesmo tempo em que são dinamizadas por
espécies de teias invisíveis, formadas por interações entre sujeitos não mediadas pelas
tecnologias.
Desta forma, compreendemos que o desenvolvimento da tecnologia da informação
trouxe a internet e, por meio dela, a humanidade está experimentando novas formas de
comunicação interpessoais e também está tendo que aprender a conviver com novos produtos
que surgiram a partir desses avanços tecnológicos.
Nas observações de Lévy (1999), as tecnologias digitais apareceram, então, com a
infraestrutura de um novo espaço de comunicação, sociabilidade, organização e de transação,
em uma nova era da informação e conhecimento.
Diante disso, é possível perceber que a internet se tornou um lugar comum nos tempos
atuais. Aparelhos como computadores, tablets e smartphones estão, normalmente, presentes
no dia-a-dia das pessoas e com isso o mundo parece estar conectado a apenas um clique,
independentemente de onde geograficamente as pessoas estejam.
Na década de 1990, quando o uso da internet começou a se popularizar e os agregados
domésticos começaram a possuir computadores ligados a internet discada, não se imaginava
as mudanças que a humanidade presenciaria em apenas 20 anos.
O século XX e, principalmente, o século XXI, foram recheados de grandes avanços
tecnológicos de informação, de tal forma que, atualmente, é muito difícil desassociar o real do
virtual.
Neste contexto, este trabalho pretende estudar uma celebridade pop japonesa virtual,
conhecida como Hatsume Miku (HM), surgida especificamente a partir dessas mudanças
tecnológicas. Miku foi criada pela empresa de software Crypton Future Media (CFM) para
ajudar a vender um produto, o vocaloid2
2Software que permite aos utilizadores reproduzirem sequências vocais realistas a partir de bibliotecas sonoras de vocalizações humanas.
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Criada como voz e ilustração em 2007, seu sucesso foi tanto que a empresa a
apresentou como personagem holográfica dois anos depois, em cima de um palco, juntamente
com uma banda formada por músicos orgânicos em um show onde Miku cantava, pulava e
dançava. Rapidamente HM deixou de ser conhecida apenas no Japão e, atualmente, realiza
concertos em diversos outros países, inclusive na América do Norte.
Miku tornou-se, pois, uma cantora virtual e se faz presente em programas televisivos,
campanhas publicitárias, possui contas em redes sociais como Facebook, com mais de dois
milhões e meio de fãs, e no Instagram, com uma quantidade menor, mas também significativa
de 48 mil.
De acordo com o site oficial da Piapro3, há mais de 100 mil músicas lançadas em seu
nome, 170 mil vídeos no YouTube e um milhão de ilustrações - sendo esse conteúdo, quase
em sua totalidade, produzido pelos fãs. É possível redesenhar Miku, criar letras de músicas
que falem sobre suas origens e personalidade, produzir histórias e coreografias (AOKI,2017).
Como podemos observar, por tratar-se de um vocaloid, boa parte da produção de
conteúdo musical de Miku é feita por seus fãs, e, essa construção coletiva evidencia a
identidade da cantora virtual deixando sua personalidade maleável e permitindo que os fãs
valorizem muito suas criações.
Consideramos os números referidos acima surpreendentes, principalmente se formos
pensar que se trata de um ser inorgânico. No Japão, o sucesso de Hatsune Miku aconteceu
pela maneira como foi apresentada ao mercado. Com traços e características típicas de animes
e mangás, rapidamente chamou a atenção dos otakus (de que falaremos mais detalhadamente
no capítulo dois) e, acreditamos que isso contribuiu para a grande e rápida aceitação de Miku.
Outra razão que atribuímos à popularidade exacerbada da cantora virtual é o avanço
tecnológico na comunicação digital. Compartilhando desse pensamento, reforça o Gerente de
Marketing da Crypton Future Media, que responde pela empresa CFM nos Estados Unidos da
América e Europa, Cosima Oka-Doerge, em uma entrevista concedida ao Shutterstock, em
2014: “outro fator que contribui para o rápido crescimento da popularidade da Miku foi que,
em 2007, muitos serviços de compartilhamento de vídeo estavam surgindo, então os criadores
tinham onde apresentar sua música e vídeos para o mundo todo”, revela. 3OsiteconstruídopelaCFMpermiteocompartilhamentodeconteúdonoJapão.
15
Miku surgiu, portanto, nesse contexto da internet e com a proposta de ser uma
estratégia de marketing aperfeiçoada para ajudar a vender um produto da empresa: o
Vocaloid. Entretanto, o alcance da personagem ganhou proporções enormes num curto espaço
de tempo, inclusive, ultrapassou as fronteiras do oriente e ganhou visibilidade também em
diversos países ocidentais, nos quais já fez grande concertos.
A idealização e criação de uma personagem holográfica que consegue atingir várias
pessoas em todo o mundo só é possível ocorrer devido a todas as mudanças que o espaço
cibernético proporciona. Como aponta Le Breton (2003) o ciberespaço como um modo de
existência completo, portador de linguagens, de culturas, de utopias, desenvolve
simultaneamente um mundo real e imaginário de sentidos e de valores que só existe por meio
do cruzamento de milhões de computadores e do emaranhado de diálogos, de imagens, de
interrogações de dados, discussões em chats, mundo virtual do entre todos provisório e
permanente, real e ficcional. Imenso espaço imaterial de comunicação de encontros, de
informações, de divulgação de conhecimento, de comércio etc, que coloca provisoriamente
em contato indivíduos afastados no tempo e no espaço.
Com esse “imenso espaço imaterial de comunicação de encontros”, reconhecemos que
a profecia de Andy Warhol de que “no futuro, todos terão os seus 15 minutos de fama” se
concretiza, ou seja, o ciberespaço torna possível qualquer pessoa comum tornar-se conhecida
em todo o mundo.
O uso dessas estratégias na internet significa estar em sintonia com o mercado e com
essas novas tecnologias. As redes sociais são ferramentas essenciais e são conhecidas no
mundo inteiro como um meio de comunicação e, sobretudo, reconhecidas como um
instrumento valioso de troca de informações que permite a interação e a interatividade de
forma instantânea com usuários do mundo todo.
Pereira (2006) reconhece que a emergência das tecnologias digitais ou tecnologias de
informação e da comunicação pode ser vista como um dos fatores determinantes para a
constituição de uma cultura contemporânea marcada, dentre outros aspectos, por novas
práticas de comunicação e, em consequência, sujeita a transformações em curso, ainda não
apreendidas plenamente.
Vasconcelos (2009) considera que essa comunicação, dentro de um processo de
marketing, viabiliza a conquista de um resultado esperado pela empresa. Ela garante que todo
o planejamento de marketing, realizado com vista a um determinado mercado, alcance o êxito
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esperado, ou seja, torne-se conhecido de seu público-alvo. Para o autor, planejar a
comunicação é apresentar uma mensagem de forma a despertar no público-alvo a percepção
desejada para a conquista do retorno objetivado.
Torna-se significativo trazer o argumento de Keller (2010) de que, normalmente, o
processo de uma marca de valor não consiste em ações de comunicação agressivas no curto
prazo, mas sim de criação de valor para a marca como estratégia de longo prazo.
Nesse sentido, Queiroz e Aleixo (2013) citam o estudo de Cravens (2007) quando
referem que a internet auxilia nesse processo quanto a exposição global da marca, e, para
além disto, proporciona uma útil capacidade de construção da mesma no ambiente online a
nível mundial. Isto porque o volume de publicidade gerada nesse meio de comunicação diz
respeito a propagação de ideias e opiniões livres de qualquer influência da marca.
Giardelli (2011) reforça que as empresas despertaram para o potencial das mídias
sociais, que crescem a cada dia, criando suas próprias redes sociais ou redes de nicho, para
direcionar o foco do trabalho, especialmente no cliente. Essa explicação é reforçada por Terra
(2005) quando compreende que a mídia social utiliza a tecnologia da web para compartilhar
ideias, opiniões e experiências, através da disponibilidade de textos, imagens, vídeos,
desenhos, podcast, dentre outros. É a nova mídia que privilegia a discussão bidirecional, em
formato de discussão, valoriza a honestidade e a transparência. Essas mídias sociais são
alguns dos meios que as empresas de hoje têm para transmitir suas mensagens para o público.
As redes sociais, complementa Giardelli (2011), permitem interagir, compartilhar,
inovar e empreender, é o valor da diversidade entre pessoas, ou seja, as redes sociais
possibilitam uma conexão de pessoas, sendo a marca mais uma “pessoa” que se insere no
mundo virtual.
Queiroz e Aleixo (2013) reconhecem que o marketing digital voltado para a
construção da marca vem somar um meio interativo e eficiente de informar o consumidor
sobre produtos e serviços que a empresa oferece, criando um canal de comunicação cujo
feedback do mercado é imediato. A construção de marcas ocorre ao reforçar a mensagem por
mais esta ferramenta comunicacional, e criando um relacionamento positivo com seus grupos
de interesse.
Assim Hallanan (2007) reconhece que a Comunicação Estratégica, como o uso
intencional da comunicação por uma organização, cumpre a sua missão. Conforme a
explicação da autora pode-se caracterizar a Comunicação Estratégica por um planejamento
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bem definido e estruturado, que envolve uma série de ações no âmbito da comunicação e que
tem o intuito de alcançar um objetivo global de uma organização. Ações de comunicação
isoladas não podem ser consideradas estratégicas.
A definição de Bond et al., (1999, p. 2) complementa a tese da autora acima no que diz
respeito a Comunicação Estratégica: Strategic communications does not consist of sending
out an occasional press release or publishing an op-ed once a year. It means that an
organization treats media relations and communications as important, fully integrated,
consistent, and ongoing functions and invests resources in it. A strategy, by definition, is “a
plain, method, or series of manoeuvres for obtaining a specific goal or result.
Sun Tzu tem uma frase conhecida que diz Strategy without tactics is the slowest route
to victory. Tactics without Strategy is the noise before defeat, ou seja, a estratégia é a chave
do sucesso.
Casos como o de Hatsune Miku nos fazem refletir sobre os impactos dessas novas
tecnologias nos hábitos do cotidiano.
Após a explanação geral sobre o objeto de estudo e o contexto em que ela está
inserida, torna-se significativo explicar que este trabalho se inicia, portanto, a partir de uma
inquietação: como o trabalho da empresa que está por trás de HM se utiliza das estratégias
comunicacionais e de marketing na divulgação e na relação com a comunidade de fãs da HM?
Como angaria novos apreciadores para a cantora virtual?
Para os objetivos específicos definimos conhecer a evolução da comunicação e do
marketing da personagem inorgânica, além de verificar quais as estratégias usadas para
vender o produto.
Para cumprir os objetivos propostos no estudo, como caminhos metodológicos,
realizamos uma pesquisa documental4 e com abordagem qualitativa, dentro de um estudo de
caso, que serão detalhados no terceiro capítulo.
4Apesquisadoranãotemfluêncianoinglêsenojaponês,entãosuapesquisaseconcentrounoidiomaportuguês.AcreditamosqueagrandecomunidadejaponesaexistentenoBrasilfazcomqueaprojeçãodonossoobjetodeestudosejamaiorládoqueemPortugalouemoutrospaísesdelínguaportuguesa,porisso,muitodosdadoscoletadossãodesitesbrasileiros.
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Para a efetiva condução da pesquisa a coleta de dados ocorreu durante o mês de
Outubro de 2017, através de pesquisa documental, em sites, blogs, Facebook, Instagram e
Youtube, compilando materiais desde o surgimento do caso Hatsune Miku no sentido de
conseguir perceber como se deu o respectivo processo de comunicação e marketing desde o
seu principio até os tempos atuais. Como corpus do estudo trazemos notícias, recortes de
programas televisivos em que ela participou, citações de artistas orgânicos falando sobre ela e
material impresso de seus canais de comunicação.
Este trabalho organizou-se em duas grandes etapas. A primeira etapa consisti em
revisão de literatura no âmbito de estudos relacionados a comunicação estratégica, marketing,
redes sociais, celebridades (capítulos 2 e 3). Já a segunda etapa visou um estudo de caso do
holograma Hatsune Miku através de uma análise qualitativa do material recolhido, traçando
uma ordem cronológica de fatos que contribuíram para seu desenvolvimento e sucesso
(capítulo 4) e que serviram como suporte e orientação para as nossas conclusões (capítulo 5).
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2. CLARIFICAÇÃO DE CONCEITOS SOBRE COMUNICAÇÃO E
MARKETING
Para falar sobre Hatsune Miku como um fenômeno pensado para contribuir na venda
de um produto, buscamos clarificar alguns conceitos, a exemplo no âmbito da Comunicação
Estratégica e do Marketing, para que, na sequência deste trabalho, pudéssemos fazer a relação
entre a parte conceitual e o objeto de estudo ora apresentado.
Corrêa (2005, p.98) afirma que o processo de comunicação evoluiu na medida em que
o homem encontrava sinergia entre modos, formas e meios de expressão. Na compreensão do
autor tal evolução vem sendo marcada pela introdução de novos “modus faciendi e modus
operandi” que foram se sofisticando em patamares equivalentes à evolução do conhecimento
e das tecnologias.
Com a chegada da internet, o processo de comunicação interpessoal e empresarial
passou por mudanças importantes. Quando surgiu a web 2.0, em que migramos de uma
internet onde a comunicação era predominantemente receptiva para uma internet ativa e
produtiva de informações, as instituições tiveram que se adequar a uma nova forma de se
comunicar.
Trazemos essa reflexão porque acreditamos que a chegada da web 2.0 impactou o
meio empresarial, ou seja, as organizações, que antes tinham apenas os veículos tradicionais
(televisão, rádio, jornal e revista) para se comunicar com o seu público, passam a ter uma
ferramenta de comunicação dinâmica, que exige criatividade e velocidade no quesito
interatividade. Este novo cenário faz com que as organizações invistam em estratégicas
comunicacionais como aliadas permanentes da instituição e não apenas marginais.
2.1 Comunicação Estratégica
A comunicação é a forma como os humanos (e os animais) partilham diferentes
informações entre si, que vão desde a troca de experiências até ideias e sentimentos. A raiz da
palavra tem a ver diretamente com o fato de tornar algo comum ou compreensível, ou seja,
comunicar é uma tarefa que envolve gestos, imagens, textos escritos, e a própria ausência de
palavras em determinadas situações.
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Podemos dizer que comunicar vai muito além de informar. “A comunicação não é
apenas uma troca de informações "duras", mas também a partilha de pensamentos,
sentimentos, opiniões e experiências” (Gill e Adams, 1998, p.42).
Sousa (2003) diz que quando alguém tem a iniciativa de comunicar, tem alguma
intenção. Se pensarmos a comunicação dessa forma, onde há sempre uma finalidade,
poderíamos dizer que toda comunicação é, de alguma forma, estratégica.
Quando passamos para o campo das organizações, Bueno (2005) ressalta que a
comunicação empresarial não flui no vazio, ou seja, não se realiza às margens da organização,
muito pelo contrário, ela está associada a um particular sistema de gestão, uma específica
cultura organizacional e que é expressão, portanto, de uma realidade concreta.
Para que a comunicação empresarial seja assumida como estratégica, haverá, pois, necessidade, de que essa condição lhe seja favorecida pela gestão, pela cultura e mesmo pela alocação adequada de recursos (humanos, tecnológicos e financeiros), sem os quais ela não se realiza. A intenção ou o desejo apenas não produz a realidade (BUENO, 2005, p.12).
Mas antes de falarmos sobre comunicação estratégica, julgamos ser importante
discorrer sobre estratégia. A palavra estratégia é facilmente encontrada em assuntos
relacionados a campos de batalhas, guerras, conflitos. Sua origem vem do grego “strategia”,
que significa plano, método utilizado para alcançar um determinado objetivo desejado.
Com origem na Antiguidade Clássica, estratégia é a arte do comando militar e teve sua
formalização matemática na Teoria dos Jogos, que tem como principal objetivo determinar a
melhor estratégia para cada jogador, ou seja, a estratégia seria um plano de ação para um jogo
Clausewitz, no livro Princípios da Guerra, diz que nenhuma guerra pode ser vencida
sem a compreensão precisa dos objetivos e da disponibilidade de meios, ou sem o cálculo
racional das capacidades e das oportunidades, ou o estabelecimento dos limites éticos ao uso
da força – sempre submetida aos objetivos políticos estabelecidos.
Desta forma, podemos considerar que estratégia é um estudo prévio de um cenário,
aonde tenta-se prever e antecipar o futuro e, a partir daí, montar um plano de ações para
conseguir chegar ao objetivo. Para Colin S. Gray, a estratégia visa influenciar e moldar o
ambiente futuro ao invés de simplesmente reagir a ele, ou seja, ela é proativa, preventiva.
Whittington (2002, p. 1-48) fala de quatro teorias sobre estratégia em contexto
organizacional/empresarial: a clássica, a evolucionista, a processualista e a sistêmica:
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1) A teoria clássica, que assume uma perspectiva essencialmente racional, voltada
para a maximização do lucro, e se respalda na tese de que um planejamento bem
realizado permite a previsão de resultados a longo prazo;
2) A teoria evolucionista, diferentemente da teoria clássica, aposta na
imprevisibilidade do mercado e no sucesso das empresas “mais fortes”. Concentra-
se na redução de custos, decisão que, ao ser tomada unilateralmente pelas
empresas, as torna menos vulneráveis ao ambiente em constante mudança;
3) A teoria processualista também não aceita a racionalidade do planejamento de
longo prazo, mas, diferentemente dos evolucionistas, não se julga refém do
mercado. Ela julga que os resultados são obtidos de forma lenta e gradual, através
de experimentação e aprendizado contínuos. Aposta, portanto, que a estratégia
consiste na consolidação, a longo prazo, das competências internas das
organizações;
4) A teoria sistêmica é, de todas elas, a mais relativista e menos dogmática e assume
que a estratégia depende do mercado, mas também das condições sociais e da
cultura das organizações. Admite que o planejamento é possível e necessário, mas
que precisa levar em conta fatores internos e externos às organizações e, de
alguma forma, prevê os conflitos (que podem ser superados) entre as esferas
global e local.
Na esfera da comunicacional, Bueno (2005) admite que a comunicação estratégica se
afina melhor na teoria sistêmica de estratégia, já que ela maximiza a importância das
condições sociais, dá ênfase à dimensão cultural e aceita o planejamento multifatorial, ou seja,
que não se limita ou prioriza a vertente meramente econômica ou financeira.
Ainda, segundo o autor, sob essa perspectiva teórica, fica subentendido que a
administração estratégica (que subsidia as diferentes estratégias – como a estratégia ou
estratégias aplicadas ao processo comunicacional) não se resume a uma instância meramente
operacional (formulação e implementação de planos ou ações), embora, necessariamente, a
inclua.
Bueno (2005, p.15) defende a tese de que a comunicação empresarial estratégica:
...parte de uma leitura ampla do macroambiente (econômico, político, socio-cultural e mesmo da legislação em vigor, o que é fundamental em determinados segmentos de atuação), incorpora o diagnóstico ou auditoria interna, tendo em vista a realidade do mercado (explicitação dos pontos fortes e fracos da organização) e estabelece procedimentos (ou métodos)
22
sistemáticos de avaliação. Isso significa que a administração estratégica pressupõe análise permanente dos resultados e admite reajustes de modo a garantir que os objetivos sejam cumpridos. A administração estratégica pressupõe um processo e não se reduz a uma ação específica.
Nesse sentido, Bueno (2005, p.18) parte do princípio que a comunicação empresarial
estratégica requer, obrigatoriamente, a construção de cenários, fundamentais para um
planejamento adequado e que, efetivamente, leve em conta as mudanças drásticas que vêm
ocorrendo no mundo dos negócios e da própria comunicação.
O autor reforça ainda que a comunicação empresarial estratégica precisa observar a
constituição de grandes redes e monopólios que incorporam a produção de conteúdo e sua
distribuição para mercados globais, bem como a aproximação acelerada das áreas de
informação, marketing, lazer e entretenimento. Desta forma, este trabalho perfilha a
perspectiva da comunicação estratégica sistêmica, pois, como veremos no terceiro capítulo,
acreditamos que nosso objeto de estudo se enquadra nas características deste conceito.
2.2 Marketing
Muito se fala em marketing na atualidade, embora, é percebido que, no senso comum,
o termo é facilmente confundido como sinônimo de vendas. Posto isso, é importante
esclarecer que as vendas têm o foco no produto e/ou serviço, ou seja, sua finalidade é
meramente de transação comercial. Já o marketing é centrado no consumidor e tem como fim
criar uma relação.
Segundo Kotler (2003, p. 155), “Marketing é a ciência e a arte de conquistar e manter
clientes e desenvolver relacionamentos lucrativos com eles”. O autor salienta que, na
atualidade, a manutenção e a fidelização dos consumidores deve ser a principal diretriz das
empresas, sendo a segunda a conquista por novos clientes. Conforme o autor, esse
posicionamento permite mais dividendos à empresa no presente e também com o passar dos
anos.
O conceito do marketing enquanto ferramenta estratégica de empresas sofreu
alterações ao longo dos anos. De acordo com Lindon et al. (2004), existem cinco fases
distintas na evolução do marketing, chamadas de “Ciclo do Marketing”. São elas: estágio
artesanal, estágio industrial, estágio do consumidor, estágio do valor e estágio relacional.
23
De acordo com os autores acima, a primeira fase do marketing foi o estágio artesanal,
ocorrido durante o século XIX e início do século XX, altura em que o marketing era visto
como uma atividade secundária e intuitiva por parte dos donos das empresas. Tinha-se como
estratégia de marketing produzir, vender e obter lucro. Nessa fase, os produtos mais
requisitados pelo consumidor eram os bens e serviços essenciais, como alimentação, vestuário
e utensílios.
Designada de estágio industrial, a segunda fase ocorreu até os anos 30 do século
passado. Nesse período, o marketing era vocacionado para o produto, onde o objetivo da
empresa era produzir rápido e em grandes volumes, de modo a reduzir custos de produção.
Essa fase remete para uma frase famosa de Henry Ford que dizia “o cliente pode ter carro de
qualquer cor desde que seja preta”. Esta fase do marketing, Kotler (2013) designou como
Marketing 1.0. E, segundo ele, “o marketing resumia-se a vender o resultado da produção da
fábrica a todos os que a pudessem comprar”.
Segundo Lindon et al. (2004), resultante da fase anterior, surge o estágio do
consumidor, durante as décadas de 1940 e 1950, época que teve como marco o aumento do
número de empresas no mercado, ou seja, o cliente passou a ter mais poder de escolha. Com
preços baixos e ofertas abundantes de bens relatados na fase anterior, esta fase fez com que
houvesse modificações no modo de atuação das empresas. Em consequência disso, a simples
produção em massa e de venda de produtos e/ou serviços de qualidade não era mais suficiente
para alcançar as receitas e lucros da empresa.
Foi no estágio do consumidor que o mercado começou a apostar em técnicas como
pesquisa de mercado, adequação de produtos e serviços de acordo com as necessidades e
desejos dos clientes. Assim deu-se a “passagem de uma ótica de produção para uma ótica de
mercado” e o marketing passou a coordenar produtos, preços, distribuição e comunicação
(LINDON et al., 2004, p. 29). Já nas décadas de 1970 e 1980, segundo os autores acima, surge o quarto estágio: o do
valor. Fase onde é crescente a importância do marketing no seio das empresas que buscam
pela satisfação e fidelização do consumidor, de modo que utilizam a diferenciação pelo
posicionamento (apresentando a história, visão, missão e valores da empresa), segmentação,
criação de valor e construção de marcas cativantes em mercados onde a concorrência ainda
não operava. Ou seja, quanto mais o consumidor confia na marca, mais rápido o consumidor a
promove.
24
O estágio relacional dá continuidade a essa sequência de fases, visto que é marcado
pelo aparecimento da internet, da TV a cabo, celulares com ligação à internet banda larga. Na
visão de Kotler (2013) com o desenvolvimento das tecnologias da informação a partir dos
anos 90, o Marketing 1.0 (até então aplicado), passou o 2.0, onde o conceito chave é a
diferenciação como modo de responder aos desejos, às necessidades e às exigências de um
mercado mais inteligente, informado e repleto de ofertas comparáveis. A iteração com os
consumidores passou a ser realizada de “um para um”. O surgimento da internet conferiu ao
marketing um carácter mais interativo, personalizado e relacional.
Nessa época, adverte Kotler (2010) a frase “o cliente é o rei” funciona bem e é nela
que o Marketing 2.0 opera. O Marketing 2.0 ainda é “push”, os clientes escolhem o que
querem, mas, de certa forma, eles são alvos passivos das campanhas de marketing e
publicidade, ou seja, os clientes ainda não têm discernimento das estratégias que estão sendo
utilizadas e que afetam sua escolha de compra.
Kotler (2010) defende que hoje estamos testemunhando o surgimento do Marketing
3.0, o marketing “pull”. É a era onde o marketing requer atrair e extrair do consumidor o que
ele quer. Quem dita as regras são os desejos e necessidades dos consumidores. O que antes
era, em sua grande maioria, mídia de massa, hoje é mídia segmentada. Houve uma inversão
na comunicação, todo processo de comunicação agora deverá começar pelo público-alvo. A
tabela abaixo sintetiza o que atrás foi descrito:
25
Marketing 1.0
Centrado no produto
Marketing 2.0
Voltado para o
consumidor
Marketing 3.0
Voltado para os
valores
Objetivo Vender produtos Satisfazer e reter os
consumidores
Fazer do mundo um
lugar melhor
Forças propulsoras Revolução Industrial Tecnologia da
informação
Nova onda de
tecnologia
Como as empresas
veem o mercado
Compradores de
massa, com
necessidades físicas
Consumidor
inteligente, dotado de
coração e mente
Ser humano pleno,
com coração, mente e
espírito
Conceito de marketing Desenvolvimento de
produto
Diferenciação Valores
Diretrizes de marketing
da empresa
Especificação do
produto
Posicionamento do
produto e da empresa
Missão, visão e valores
da empresa
Proposição de valor Funcional Funcional e emocional Funcional, emocional e
espiritual
Interação com
consumidores
Transação do tipo um-
para-um
Relacionamento um-
para-um
Colaboração um-para-
muitos
Tabela 1: As fases do marketing
Fonte: Kotler (2010)
Compreendemos assim que com o Marketing 3.0 surge a era voltada para os valores,
onde o objetivo é fazer do mundo um lugar melhor. Em vez de tratar as pessoas simplesmente
como consumidoras, as empresas e os profissionais de marketing devem tratar os clientes
como seres humanos plenos: com mente, coração e espírito. No Marketing 3.0 as
organizações precisam colaborar com os consumidores, com o que é útil e relevante do ponto
de vista do cliente.
26
2.3 Marketing 3.0: novo “ethos” de fazer mídia
Ao identificar as mudanças de comportamento dos consumidores, pode-se dizer que,
ao longo dos anos, o marketing foi evoluindo e se transformando de acordo com o contexto
econômico e cultural da sociedade.
Conforme Hunt (2010) a importância da conexão à internet e a adequação a esse tipo
de inovação é um fato e ficar de fora dessa realidade não é mais uma opção. Assim, os
smartphones, os computadores e os tablets estão fazendo as pessoas ficarem cada vez mais
conectadas, pois esses aparatos (ligados à internet) possibilitam acessar quaisquer tipos de
informação ou conteúdo com apenas um clique.
Atualmente, na argumentação de Afonso e Borges (2013), quando queremos saber
sobre qualquer coisa, tirar dúvida sobre um assunto qualquer, a primeira atitude que temos é
procurar na internet. No nosso entendimento, para as empresas, a internet se tornou uma
ferramenta essencial como canal de comunicação direto com os clientes, além de uma
oportunidade de estreitar os laços de suas marcas com os consumidores, já que “vivemos a era
do always on”.
As empresas que colocam em prática o marketing voltado para os valores, como
sugere Kotler (2013), e aproveitam as “tecnologias de nova vaga” como força
impulsionadora, ganham mercado, já que essas tecnologias são as responsáveis por promover
a conexão e a interação entre indivíduos e grupos, além de ajudarem a construir positivamente
as soluções dos problemas existentes na sociedade.
Muito mais que um conceito, o Marketing 3.0 se apresenta como uma realidade, que,
segundo o autor acima, é vivenciada por empresas que vêem seus consumidores terem maior
acesso às tecnologias, maior poder de comparação de produtos e, sobretudo, decisão de
compra.
Dentro desse contexto da internet e a Era do marketing 3.0, as empresas estão cada vez
mais apostando em diferenciar seus produtos por meio da comunicação bilateral e se
utilizando de ferramentas de marketing para criar uma relação com o consumidor que vai
muito além de simplesmente vender.
É fato que esse novo modelo faz com que as empresas tenham que se atualizar e se
ajustar à realidade de consumo do século XXI. Tavares (2010) refere que o esforço das
marcas torna-se ineficiente quando não há a percepção para a mudança: a comunicação de
27
marketing, como vem sendo utilizada por grande parte das empresas, está fadada ao fracasso.
A velha propaganda, a mais forte de todas as comunicações de marketing, está perdendo
forças ao longo dos anos. No Marketing 3.0 os consumidores evoluíram e mudaram seus
comportamentos de compra, comunicação, percepção e valores.
Na visão de Jenkins (2009) a partir do poder sobre as marcas adquirido pelos
consumidores, as empresas percebem as mídias digitais como um novo canal de
relacionamento com os públicos e buscam usar a convergência a favor dos negócios.
Reconhecemos irreversíveis os avanços das novas tecnologias e a adesão das mídias
digitais por parte dos consumidores, que trouxeram mudanças e transformações de
comportamento de consumo. Assim, torna-se significativo que as empresas incorporem as
ferramentas digitais nas estratégias de marketing e comunicação de forma séria e planejada.
Um exemplo sobre essa evolução da comunicação, é a campanha do Barack Obama,
visto que o dia 4 de novembro de 2008 ficou registrado na história como um dia importante
na política e na mudança da comunicação quando os americanos elegeram Barack Obama.
A principal mensagem de Barack Obama na sua campanha era a de mudança, e foi
isso que mobilizou grande número de jovens eleitores. Considerando os argumentos de Hunt
(2010) o mundo havia mudado, as pessoas haviam mudado e a campanha de Obama já estava
no patamar do Marketing 3.0.
Um grande pioneiro nos estudos de comunicações, Marshal McLuham (citado por
Hunt, 2010), falou que “O intermediário é a mensagem”; ele ainda não sabia que o futuro
presidente norte americano iria usar sua teoria tão perfeitamente. “O intermediário era a
internet e a mensagem era mudança. Se algum intermediário de comunicação mudou algo, foi
a internet” (Hunt, 2010, p.48).
Nesse contexto, Hunt (2010) assegura que a campanha de Barack Obama ganhou o
capital social que o levou a vencer a eleição porque ouviu os eleitores, se envolveu com a
comunidade, ofereceu uma mensagem convincente e envolvente.
Barack Obama foi usando com precisão estratégias do Marketing 3.0. A mudança que
fez parte da mensagem de sua campanha era o que as pessoas queriam ouvir e foi o suficiente
para envolver os eleitores.
Simões (2009) reconhece que a mídia é uma instituição onipresente na vida social
contemporânea, sendo possível pensá-la como constituinte e constituída pela sociedade em
28
que se inscreve. O desenvolvimento dos meios de comunicação alterou profundamente as
experiências dos indivíduos, os modos de lidar com as temporalidades, a percepção que temos
do mundo, possibilitando novos tipos de interações entre os sujeitos.
Na avaliação da autora acima, pensar a mídia como configuradora de experiências faz
com que os produtos midiáticos possam afetar os indivíduos, que, por sua vez, agem a partir
dessa afetação. Nesse processo, tanto a mídia como a sociedade se reconfiguram, se atualizam
em um processo de mútua afetação. Essa realidade entre mídia e sociedade pode ser analisada
a partir dos diferentes temas que permeiam e constroem essa relação como é a temática das
celebridades.
Simões (2009) cita o estudo de Marshall (1997) para conceituar as celebridades como
figuras que ocupam o espaço de visibilidade da mídia e são construídas discursivamente.
Nesse caso, de acordo com Weschenfelder (2014) a dinamização do acesso às
tecnologias convertidas em meios permite criar espaços virtuais que possibilitam novas
formas de interação. Sendo assim, a autora, afirma que a intensificação dos processos de
mediação com a emergência do digital, e as forças de acesso dimensionadas pela internet,
agilizam novos formatos de contatos entre fãs e celebridades.
Morin (1989) explica que a mídia desempenha, nesse sentido, um papel importante
não apenas no processo de visibilidade da imagem das estrelas, mas na própria constituição de
um sujeito como celebridade.
A conceituação de uma estrela, segundo Morin (1989), envolve a veneração por seus
fãs, estes que lhe dão amor e ela que retribui com a sua arte. A estrela é conceituada como
uma pessoa desejada, alguém almejado por indivíduos.
Hatsune Miku, objeto deste estudo, enquadra-se no perfil de uma artista se observada
desta forma, porém, ela possui um diferencial em relação ao padrão da análise do autor, pois
trata-se de uma personagem que nasceu com a intenção de ser uma estratégia de marketing e
ajudar a dar mais visibilidade a um produto. Miku existe, é uma cantora, possui voz, figurino,
produtos, é almejada por seus fãs, mas não está inserida no mundo como um ser humano, de
carne e osso. HM é um ídolo virtual a partir da colaboração entre seus fãs.
Diante dos diversos conceitos tratados neste capítulo, acreditamos que HM enquadra-
se não só no conceito de artista de Morin (1989), mas também está inserida na discussão
29
sobre comunicação estratégica e marketing, que faremos mais a frente no terceiro capítulo
deste trabalho.
30
3. DO CULTO DAS CELEBRIDADES AO MUNDO DOS FÃS
Trabalhos anteriores relacionados ao nosso objeto de estudo nos levaram a
entrevistar uma fã5 de HM na tentativa de compreender minimamente o sentimento que a
celebridade virtual causa nas pessoas e foi assim que chegamos a Thais Hayde Viana Jovaneli
(anexo 21). Atualmente com 24 anos (quando fizemos a entrevista ela tinha de 23 anos),
possui dupla nacionalidade (brasileira e americana) e reside na Carolina do Norte (EUA)
desde sua infância. Jovaneli diz que conheceu a HM buscando músicas na internet quando
tinha por volta dos 20 anos de idade.
Pelo que podemos perceber na breve entrevista, chegar a HM não foi difícil, pois a
garota possui um pouco de conhecimento sobre a cultura japonesa, a exemplo de algumas
regras sociais, história, tradições, músicas e festivais. Ao ser questionada porque tornou-se fã
de Miku, ela responde: “Adoro esse estilo de música e a ideia de ter computadores cantando e
replicando o estilo de vida humana. Me encanta ver a programação que leva a ter um
holograma a cantar, se movimentar e interagir com os fãs”.
Decidimos abrir este capítulo falando sobre esse depoimento porque nos inquieta
imaginar que um ser virtual possa despertar interesse e emoções nas pessoas, como vimos no
testemunho de Jovaneli e também ao longo deste trabalho, e como observaremos mais a
seguir, em comentários postados das redes sociais. É instigante tentar perceber como um ser
não orgânico pode atrair seres orgânicos ao ponto de humanos tornarem-se seus fãs,
desejarem ver o ídolo de perto, assistirem aos concertos etc.
Com esse sentido, como referido na introdução, consideramos relevante abordar
questões históricas de como surgem às celebridades e os fãs. Com este objetivo, fomos buscar
autores que explicassem como surge o processo de construção dos ídolos, além de trazer à
tona como hoje essa questão é afetada pelas mudanças que configuram a sociedade
midiatizada.
Na concepção do termo celebridade Simões (2013) entende que este é o mais utilizado
na sociedade contemporânea por nomear as figuras públicas alçadas ao lugar da fama. O
5Jovaneli,emborasejabrasileira,nãosabeescreverbememportuguês.
31
estudo de Rojek (2008) complementa que essa associação entre celebridade e fama é
identificada na própria etimologia do termo:
a raiz latina do termo e celebrem, que tem conotações tanto de “fama” quanto de “estar aglomerado”. Existe também uma conexão em latim com o termo celere, de onde vem a palavra em português celeridade, significando “veloz”. As raízes latinas indicam um relacionamento no qual uma pessoa é identificada como possuindo singularidade, e uma estrutura social na qual a característica da fama é fugaz. Em francês, a palavra célebre, “bem conhecido em público”, tem conotações semelhantes. E, além disso, sugere representações da fama que florescem além dos limites da religião e da sociedade cortesã. Em resumo, associa celebridade a um público, e reconhece a natureza volúvel, temporária, do mercado de sentimentos humanos (ROJEK, 2008, p. 11).
Simões (2013) esclarece que o processo de construção das celebridades não é um
fenômeno recente e, portanto, há diferentes maneiras de reconstruir o histórico seja pela
contextualização da antiguidade, seja como uma marca da modernidade.
Rojek (2008) destaca que desde o tempo dos imperadores romanos e das tradições
alexandrinas, o status de celebridade está relacionado à imagem, ao exibicionismo e ao drama.
Portanto, o exibicionismo que está relacionado às celebridades já existia na sociedade antiga.
Nesse contexto, de acordo com Jorge (2014) considera-se que a primeira figura na
história da fama foi Alexandre III da Macedónia, o “Grande”. Em Roma, a acepção de fama
celebrava o estado, e não o indivíduo. Era o coletivo a ser alvo de honras e glórias e cada
indivíduo procurava afirmar-se como o melhor representante dos valores da sua classe.
Simões (2013) explica que de Alexandre a Júlio Cesar, passando por Jesus Cristo,
reconhece-se a fama como privilégio de certos grupos, particularmente as elites políticas e
religiosas, que buscavam conquistar e manter uma distinção em relação aos demais. Outros
estudos como os de Rojek (2008), Marshal (2006) e Morin (1989), entendem a emergência
das celebridades como uma marca da modernidade, que deve ser compreendida a partir das
características desse momento histórico.
Jorge (2014) cita o estudo de Gamson (1994) para explicar que em meados do século
XIX, inúmeras mudanças dramáticas nos media de publicidade e comunicação se
estabeleceram a celebridade como um fenómeno de “massa”. Na ótica de Turner (2004), a
difusão da celebridade através dos media de massas modernos contribuiu para a exorbitância
da visibilidade cultural contemporânea da celebridade.
Como apontado por Jorge (2014), o ambiente cultural mais vasto interagiu com as
mudanças tecnológicas, particularmente no que se refere às fronteiras entre a vida pública e
32
privada. Os media passaram a ocupar um lugar fundamental na construção, no controle da
reiteração e renovação da celebridade.
A autora referida acima esclarece que além de serem intermediários na cultura das
celebridades, os media afirmaram-se como fornecedores de figuras célebres com
características associadas às figuras do cinema, da televisão ou dos novos media.
Gomes (2004) alerta que ainda que muito embora a visibilidade midiática tenha um
papel indispensável na configuração da imagem pública, esse processo não se encerra nos
limites dos dispositivos midiáticos. Afinal a imagem pública começa a existir apenas na
recepção, ainda que certamente possa ser programada na emissão.
O autor acima complementa e reforça que é na interlocução entre mídia e sociedade
que a imagem pública é construída, controlada e atualizada. Na administração da sua imagem
o interesse de vários atores sociais se voltam para as celebridades que passam a ser entendidas
como figuras públicas que ocupam o espaço da visibilidade da mídia.
Jorge (2014) entende que a internet veio trazer novas possibilidades para a ascenção
de celebridades, através de blogues, redes sociais ou vídeos. Um exemplo ainda mais claro da
ligação entre celebridades e indústria cultural é o astro Justin Bieber, figura associada a
espontaneidade e menor mediação. Sua carreira, em 2009, começou no YouTube e hoje o
jovem é sucesso mundial. Suas músicas e seu estilo são objetos de desejo de milhões de fãs.
Desejo em grande parte decorrente da individualização de Justin Bieber como celebridade.
No caso particular de Miku, os fãs têm papel fundamental e ativo pois, além do
consumo, grande parte da produção de conteúdo da personagem é feita por eles, seja por meio
das músicas produzidas através do software Vocaloid, seja pelos vídeos e jogos concebidos
pelo público, como mais adiante falaremos.
No entanto, Rojek (2008) esclarece que na indústria da cultura, as celebridades são
utilizadas para explorar as massas e o entretenimento funciona como uma espécie de controle
social, que tem como objetivo reforçar e ampliar o domínio do capital. A identificação das
massas com as celebridades é sempre falsa, visto que as mesmas, normalmente, não são
consideradas reflexos da realidade, mas invenções planejadas para realçar o domínio do
capital.
33
A Escola de Frankfurt encara as celebridades como o fio condutor do poder
dominante, enquanto, para Morin, elas também são a expressão dos desejos frustrados e
reprimidos do público.
Rojek (2008) sustenta que somos atraídos por celebridades porque elas são
apresentadas como a antítese de uma falha psicológica generalizada em nós mesmo. Isso
ocorre devido à alienação gerada pelo capitalismo, que obriga o público a projetar nas
celebridades seus próprios desejos reprimidos de satisfação, que são idealizações do que é
normalmente degradado na cultura capitalista.
Conforme sugere Matta (2009), a celebridade é uma «marca mercadologicamente
construída» para gerar grandes audiências e receitas financeiras. Rojek (2008) também
enfatiza que a cultura da celebridade é o único aglomerado de relacionamentos humanos em
que a paixão mútua opera sem interação física.
Na avaliação de Rojek (2008), à medida que o rosto da celebridade se transforma em
um bem de consumo, o culto à mesma pode ocorrer de forma exagerada e compulsiva e os fãs
podem adotar os valores e estilos do rosto público e, em alguns casos, desenvolver obsessões
incontroláveis. As relações entre celebridades e fãs são formadas entre um rosto público e um
consumidor anônimo.
O autor complementa que as relações são parassociais, ou seja, ocorrem mediadas pela
mídia, ao invés do encontro cara a cara. Embora as celebridades possam encontrar e conversar
pessoalmente com seus fãs em ocasiões específicas, seu relacionamento com eles é
predominantemente abstrato, pois ocorre através dos meios de comunicação de massa e não
pela interação direta. O autor também ressalta que a cultura da celebridade é um dos
mecanismos mais importantes para mobilizar o desejo abstrato. Ela personifica o desejo num
objeto animado, que admite níveis mais profundos de apego e identificação do que com
mercadorias inanimadas.
O autor acima referido também defende que as celebridades humanizam desejos e
também funcionam como objetos de nostalgia, conforme envelhecem e continuam sendo
transformadas em mercadorias pela indústria cultural. Além disso, nem a morte é um
empecilho. Vide casos como o de Elvis Presley, Michael Jackson, Frank Sinatra, entre vários
outros. Músicas, vídeos, fotos e textos sobre todos esses artistas encontram-se disponíveis em
abundância na internet. Serão para sempre lembrados.
34
Sobre essa questão Edgar Morin introduz o termo “olimpianos” em seu livro Cultura
de Massas no século XX – Neurose, que se refere às estrelas da grande imprensa, produtos da
cultura de massa e detentores de uma natureza divina e humana.
Conforme Morin (1997), a cultura de massa é uma disseminação da cultura de forma
industrial, mantendo constante produção sobre formas de arte. Hatsune Miku é uma figura
que, associada a um software, permite a massificação de produtos associados à cantora, assim
como o próprio Vocaloid.
Na compreensão de Morin, a indústria cultural significa a produção de arte em ritmo
industrial, logo, Miku se relaciona com o termo que foi criado com a ideia de mostrar que a
arte pode assumir um perfil de consumo, e ela acaba se tornando um veículo de disseminação
de suas músicas.
Miku tornou-se uma celebridade instantânea, conforme já referido, tendo mais de 70
mil cópias do software vendidas, 150 mil músicas originais utilizando sua voz, mais de 3 mil
CDs produzidos6, além de produtos e shows ao vivo. O êxito da campanha levou Miku a ser
considerada o primeiro ídolo japonês virtual (AOKI,2017).
Bittencourt (2015) pondera que, a despeito da adequação da figura célebre aos
imperativos dessa visibilidade espetacular, ela também é uma pessoa, dotada de valorações
inalienáveis. Para não perder de forma vertiginosa o status adquirido mediante a exploração
temporária de sua imagem para consumo, a celebridade se encontra na necessidade urgente de
sempre se reinventar como signo espetacular, mesmo que isso viole seus princípios
axiológicos fundamentais, pois tudo se curva e se cala ao poder do dinheiro.
Nenhuma celebridade, na análise de Bittencourt (2015), após ascender do mundo
anônimo dos comuns para o plano superior do estrelato, deseja retornar vergonhosamente
para a escuridão do esquecimento público e suas inerentes consequências negativas, uma das
quais é a progressiva decadência financeira, pois aquilo que não aparece não se torna
vendável.
A celebridade não raro faz triunfar o kitsch, pois o sucesso é a meta incondicional de
sua existência, e qualquer procedimento conveniente para que possa se manter em evidência é 6AocompararmoscomacantoraportuguesaAurea,porexemplo,Mikutemnúmerosmuitomaisrobustos,vistoqueacantoraorgânicapossuiapenastrêsálbunsgravadosemestúdioeumaovivo.
35
legitimado axiologicamente por sua consciência reificada pelos signos do capital. O ídolo
passa a ser fabricado para doutrinar, para instigar nas massas desejos específicos de consumo
e conduta que estejam de acordo com os interesses das grandes corporações. A celebridade é
assim a mercadoria viva.
A celebridade, complementa Torres (2011), é um dos desenvolvimentos da sociedade
do espetáculo, torna-se assim uma indústria que vende imagens, narrativas e emoções na
intimidade e como identidade, submetendo-se como qualquer outra indústria, às leis da oferta
e da procura.
Uma representação desse cenário atual, permeado por dispositivos tecnológicos e
pelas comunidades em rede, surge na figura de Hatsune Miku, a celebridade-personagem que,
além de realizar shows holográficos por todo o Japão, países da Ásia e da América do Norte,
se faz presente na TV, em revistas, em diversas campanhas publicitárias e, em especial, na
internet.
3.1 A Construção de Uma Celebridade Virtual: Hatsune Miku
No contexto da Era do marketing 3.0, as empresas estão cada vez mais apostando em
diferenciar seus produtos por meio da comunicação bilateral e se utilizando de ferramentas de
marketing para criar uma relação com o consumidor que vai muito além de simplesmente
vender, como referido no capítulo anterior.
Um exemplo desse modelo que vem sendo adotado pelo mercado é o nosso objeto de
estudo: Hatsune Miku. Como dito na introdução, HM foi criada pela empresa de software
japonesa Crypton Future Media (CFM), em 2007, para ajudar a vender um programa
sintetizador de voz, o Vocaloid.
Vocaloid é um software de síntese de voz desenvolvido através de um projeto de
pesquisa entre a Universidade Pompeu Fabra, em Espanha, e a Yamaha, que apoiou
financeiramente o desenvolvimento e, mais tarde, desenvolveu o software para o produto
comercial chamado “Vocaloid”.
Pouco depois de finalizá-lo, a Yamaha Corporation cedeu o programa para que
empresas terceirizadas o desenvolvessem: assim qualquer companhia que tivesse interesse
poderia adquirir uma licença e criar seu próprio vocaloid.
36
Em 2004, a companhia britânica Zero-G Limited lançou os dois primeiros Vocaloids
do mundo, chamados L♀LA e LE♂N, que tinham suas embalagens ilustradas apenas com
bocas. No mesmo ano, a empresa trouxe outro Vocaloid, no entanto, diferente dos anteriores,
este trazia um retrato realista na arte do box.
Após os lançamentos da Zero-G Limited, em 2004, a japonesa CFM apresentou ao
mercado o primeiro Vocaloid japonês, chamado de Meiko (voz feminina). Para ilustrar a
capa, a empresa decidiu trazer um desenho estilo mangá como uma estratégia para chegar ao
público-alvo (produtores musicais). A ideia foi bem recebida e fez a companhia acreditar que
apostar na indústria da cultura japonesa de mangás e animes seria uma boa forma de ajudar
nas vendas do sintetizador de voz.
Em 2006, a CFM lançou outro Vocaloid, o Kaito (voz masculina). Embora a empresa
tenha se apropriado de ilustrações de animes também para estampar a arte do box, o Kaiko foi
considerado um fracasso comercial.
O sucesso do programa no Japão veio a acontecer só em 2007, quando a Crypton
lançou Hatsune Miku. O ineditismo não justifica a repercussão que o vocaloid passou a ter, já
que ela não foi o primeiro sintetizador de voz. Na verdade, Miku surgiu como uma estratégia
de marketing aperfeiçoado, e, acreditamos que as estratégias utilizadas para promover o
produto vocaloid contribuíram para sua fama, o que vamos explicar a seguir.
Na atualidade, Miku é uma personagem virtual, ou seja, materialmente falando, ela
não é um ser orgânico, mas sim uma projeção holográfica, que realiza concertos não só no
Japão, pois seu sucesso já rompeu as fronteiras do oriente. A cantora virtual se apresenta em
diversos lugares do mundo, tendo inclusive sido responsável pela abertura de show da Lady
Gaga, em 2014, por exemplo.
O nome da personagem em japonês significa “O Primeiro Som do Futuro”. O nome
vem da redução de “Hajimete no Oto” Hatsu (Primeiro), Ne (Som) e Mirai (Futuro) Miku. O
visual de HM traz traços de uma garota de 16 anos, 1,58mts, 42kg, cabelos verdes e
cumpridos, olhos grandes, redondos e cheios de brilho, ou seja, seu visual foi totalmente
inspirado na cultura japonesa de mangás e animes.
Sousa (2014) assinala que Hatsune Miku surgiu como estratégia de marketing
aperfeiçoada, tendo na criação de um novo sintetizador de voz a empresa decido dar
personalidade a personagem que ilustraria a capa do Vocaloid.
37
HM é uma síntese perfeita do zeitgeist otaku, a começar pelos totós e headgear à la Sailor Moon da era digital, passando pela sua vestimenta entre o seifuku (uniforme escolar japonês) e a fantasia sci-fi, até à silhueta desenhada para encaixar nos trâmites do cânone moé (cabeça grande, ombros estreitos, peito pequeno, cintura larga, braços e pernas esguios), com vibes de lolita na saia armada tipo abajur.
De acordo com Saitõ Tamaki (2007):
In general, the term otaku is used to indicate adult fans of anime, but it can obviously be expanded to include fans of manga and video games, those who collect scale model figures of characters from these media, aficionados of monster movies and other special effects genres, and so forth.
Assim, quais as razões para Hatsune Miku se tornar um sucesso no Japão? Uma delas
é a forma como Miku foi apresentada ao mercado. Com traços e características típicas de
animes e mangás, aliadas vestimentas e poses que mexem com o imaginário masculino e,
portanto, a diferenciam de Meiko, por exemplo. Falaremos mais sobre a aparência de Miku
aliada a uma estratégia no próximo capítulo.
O fato é que Miku tornou-se um sucesso instantâneo, tendo milhares de cópias do
software vendidas, CDs produzidos, e diversos produtos levando seu avatar, como camisetas,
bonecos, cadernos, bonés etc.
Outro fator que acreditamos ter contribuído para a sua rápida fama é que os Vocaloids
podem ser comprados por qualquer pessoa, sejam produtores musicais profissionais ou
amadores, e o de Miku não é diferente. Tendo ela o seu visual com forte apelo para o público
otaku, rapidamente surgiram diversas composições musicais com sua voz.
Sousa (2014) ressalta que “o sucesso comercial de HM foi imediato, inesperado e sem
precedentes, transpondo o seu público-alvo original (produtores profissionais) para cair nas
graças dos criadores amadores da subcultura otaku”.
Como já referido na introdução, reforçamos a nossa hipótese de que os avanços
tecnológicos na comunicação digital e a web 2.0, contribuíram para a popularidade do objeto
de estudo, pois a possibilidade de criar canções e ter onde apresentar essas criações, como
dito pelo Gerente de Marketing da Crypton, Cosima Oka-Doerge, se adequa a realidade da
Era do Marketing 3.0.
38
Embora HM tenha surgido em 2007, apenas dois anos depois, em 2009, realizou o seu
primeiro concerto sendo projetada de forma holográfica em uma tela transparente, enquanto
músicos (orgânicos) conduziam a parte instrumental no palco.
Sousa (2014) descreve o concerto7:
O público, (...), vê-se também reflectido neste vidro, numa adequada metáfora do processo de criação colaborativa em massa que HM representa: profundamente interdependentes, autores (artistas amadores e autopublicados), actor (HM) e espectadores (fãs) intersectam-se como num sistema de vasos comunicantes, em que os consumidores-produtores fazem o performer (que, literalmente, não existe sem eles), (SOUSA, 2014).
Quando Sousa se refere a “criação colaborativa em massa” é porque as canções e os
videoclipes de HM são feitas pelos fãs, ou seja, os avanços tecnológicos permitiram não só a
sua divulgação enquanto cantora virtual, mas uma total integração entre criadores e
consumidores do conteúdo de HM, algo muito próprio do que chamamos de web 2.0.
O crescimento do seu sucesso foi tal, que, em 2010, um novo add-on8 foi lançado para
a voz da personagem, no qual foram introduzidos seis novos tons de voz ao programa
original.
Valente e Mattar (2007) e Vilaça (2012) reconhecem que o crescimento da internet e
as mudanças de forma de participação nela contribuíram para a compreensão de uma chamada
web 2.0, na qual usuários não apenas consumem informações mas as produzem e divulgam de
modo colaborativo por formas variadas.
Como discutido em Vilaça (2012), a web 2.0 não se refere à velocidade ou tecnologia
de acesso, mas às práticas sociais nela desenvolvidas. Na web 2.0, passamos de uma internet
predominantemente receptiva - da “leitura” e “audição” – e de consumo de informações para
uma internet ativa da “escrita” e da “fala” – e produtiva de informações.
Essa forma de produção de conteúdo acaba por gerar um repertório musical
incomensurável, heterogêneo, com composições e letras que refletem as preferências e
experiências dos diversos criadores, permitindo a HM transitar por todos os gêneros musicais,
7ExctratosdoconcertovisionáveisnoYoutube:https://www.youtube.com/watch?v=NXsPGNfYo_o8Pacote de expansão.
39
e se adequar ao gosto de vários tipos de públicos. Os números refletem a afirmação acima
descrita. Com menos de um ano do lançamento de Miku, já existiam mais de 36.000 vídeos
com a tag “Hatsune Miku”, no NN9.
O Gerente de Marketing da CFM, Cosima Oka-Doerge, ainda na entrevista concedida
ao Shutterstock , em 2014, diz que Miku inspira pessoas ao redor do mundo e tornou-se ícone
desse movimento onde a criação é acessível a todos, pois agora há uma interface de
colaboração mútua onde as realizações musicais “estão vindo de baixo para cima, e não ao
contrário, de cima para baixo”, afirma Cosima Oka-Doerge.
Em 2016, Hatsune Miku realizou sua maior turnê até o momento, passando pelos três
países da América do Norte (Estados Unidos, Canadá e México). Em adição aos concertos,
foram realizados, em algumas cidades, festas, festivais de filmes de curta duração (produzidos
pelos fãs e premiados) e workshops de desenho, além de terem sido disponibilizados para
compra produtos temáticos e pacotes VIPs, que incluem vantagens no horário de entrada aos
shows e produtos exclusivos (AOKI,2017).
Embora Hatsune Miku não seja portadora de inteligência artificial, a personagem
holográfica é notícia em jornais e telejornais, participa de programas, e é até garota
propaganda de grandes marcar, como veremos no próximo capítulo.
9Plataforma online de vídeo-sharing, semelhante ao YouTube.
40
4. O CASO HATSUNE MIKU
4.1 Caminhos metodológicos
Recordamos que temos como objetivo geral deste trabalho tentar compreender como a
empresa que criou Hatsune Miku se utiliza das estratégias comunicacionais e de marketing na
divulgação dela e como a empresa angaria novos apreciadores do fenômeno. E ainda, como
essas questões afetam a relação com a comunidade de fãs.
Como objetivos específicos, buscamos conhecer a evolução da comunicação e do
marketing da personagem holográfica, bem como verificar quais as estratégias utilizadas pela
empresa.
Para alcançar os objetivos do estudo ora apresentado, fizemos uma seleção de
conteúdos e abordagens sobre a cantora virtual desde o seu surgimento até a atualidade, o que
corresponde a um período de 10 anos.
Optou-se por recolher o maior número de documentos possíveis sobre Hatsune Miku
e, a partir desse corpus, fazer uma análise qualitativa dos documentos procurando construir o
caso HM, pelo percepctiva da comunicação e do marketing.
Richardson (citado por Raupp e Beuren, 2013, p. 91 - 92) ressalta que os estudos que
“empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de determinado
problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos
dinâmicos vividos por grupos sociais”, além de destacar que “…abordar um problema
qualitativamente pode ser uma forma adequada para conhecer a natureza de um fenômeno
social”.
Como apontado por De-Sordi (2013), a pesquisa qualitativa emprega técnicas
interpretativas para análise e compreensão de fenômenos, de natureza subjetiva. Conforme
sugere a autora a pesquisa qualitativa aborda temas muito peculiares, trabalhando com
questões sociais, com nível de realidade que não pode ser quantificada e, sobretudo, procura
dar ênfase nos significados, crenças e valores dos informantes.
González Rey (2005) reforça que ao desenvolver um estudo qualitativo, cabe ao
pesquisador a grande responsabilidade de estar atento à própria criatividade, à flexibilidade e
à capacidade de perceber-se como sujeito da pesquisa, uma vez que ele representa neste
momento um núcleo gerador de pensamento que o torna inseparável da pesquisa.
41
Minayo (2006) complementa afirmando que para entender alguns aspectos da
realidade dos sujeitos do estudo, a pesquisa qualitativa consente uma justaposição da
realidade vivida. A investigação no método qualitativo dá profundidade ao mundo dos
significados das ações e das relações humanas, possibilitando, enfim, a valoração não do que
é equacionável e sim da vivência, da experiência e do cotidiano, por meio da descrição da
experiência humana, definida por seus próprios atores.
Conforme Godoy (1995) na pesquisa qualitativa o resultado não é o foco da
abordagem, mas sim o processo e seu significado, ou seja, o principal objetivo é a
interpretação do fenômeno ou objeto de estudo. Assim, no que refere aos estudos qualitativos,
os mais conhecidos e utilizados são o estudo de caso, a etnografia e a pesquisa documental,
apesar de, pela sua flexibilidade não excluírem outras possibilidades de estratégias de
pesquisa.
Seguindo as orientações dos autores acima e reforçando, como sugere Patton (2002),
que o propósito de um estudo de caso é reunir informações detalhadas e sistemáticas sobre um
fenômeno é que optamos pelo método não como uma escolha somente de procedimentos, isto
é, esse reconhecimento do método se dá pela escolha de um determinado objeto a ser
estudado. Nesse sentido, na investigação ora apresentada, o caso do holograma Hatsune Miku,
decidimos pelo método de estudo de caso.
O método, segundo o argumento de Gil (2009: 57 e 58), visa à obtenção de uma
grande quantidade de informações acerca de um caso. Apresenta uma análise intensiva,
empreendida numa única ou em algumas organizações, visto que envolve a reunião de
informações numerosas e detalhadas para apreender a totalidade de uma situação.
De acordo com Voss, Tsikriktsis e Frohlich (2002) a unidade de análise pode ser o
indivíduo, uma prática cultural, um processo de trabalho, um grupo de pessoas ou mesmo a
política e a estratégia organizacional. A definição da unidade de análise depende do objetivo
que o pesquisador pretende atingir com o estudo de caso.
Diante um caráter subjetivo da pesquisa, na tese de Yin (2010), torna-se, portanto,
necessária a obtenção do maior número de informações possíveis do objeto de estudo para
que então possa se desenvolver com clareza o trabalho de análise descritiva do processo.
Nesse contexto, o autor esclarece que o estudo de caso é uma investigação empírica que
investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real.
42
Enquanto corpus de análise foram, portanto, coletadas comunicações sobre HM desde
sua criação, até os dias atuais10. A coleta de dados ocorreu durante o mês de Outubro de 2017,
exclusivamente online (sites, Facebook, Instagram, blogs, veículos jornalísticos online etc.).
Fizemos uma linha do tempo (anexo 1) para que a análise possa ser melhor acompanhada.
4.2 Estratégias comunicacionais e de marketing da cantora virtual
É importante relembrar que Hatsune Miku foi desde o princípio idealizada pela CFM
para ser uma estratégia de marketing aperfeiçoada, já que a empresa tinha criado,
anteriormente, outros personagens para ilustrar seus primeiros vocaloids, no entanto, foi Miku
que de fato ganhou uma projeção maior não só no Japão, mas no mundo.
Tentamos encontrar conteúdos sobre HM e a primeira notícia que achamos sobre a
personagem foi em 2010. Antes deste ano, o que conseguimos achar foi a imagem da primeira
arte do box do vocaloid de Miku (anexo 2).
Julgamos de suma importância destacar a aparência da cantora virtual. Assim como
Sousa (2014), tal como já referido no capítulo 3, acreditamos que o visual de HM contribuiu
muito para o sucesso imediato que Miku teve no Japão após o seu lançamento e, tratando-se
de um produto que foi criado para ser uma estratégia de marketing.
Segundo Sousa (2014), o responsável pela sua aparência é KEI, um jovem ilustrador,
que, entregou a imagem de Hatsune Miku depois de um mês da respectiva encomenda, numa
“síntese perfeita do zeitgeist otaku, a começar pelos totós e headgear à la Sailor Moon da era
digital, passando pela sua vestimenda entre o seifuku (uniforme escolar japonês) e a fantasia
sci-fi, até à silhueta desenhada para encaixar nos trâmites do cânone moé (cabeça grande,
ombros estreitos, peito pequeno, cintura larga, braços e pernas esguios), com vibes de Lolita
na saia armada tipo abajur”. (s/d, p. 124 a 130).
Não sabemos qual o briefing específico que o ilustrador recebeu, mas supomos que,
sendo Hatsune Miku pensada como uma estratégia de marketing aperfeiçoada, tenha se dado
um direcionamento muito focado para que o ilustrador a desenhasse com características que
10Algumasmaisantigasjánãoestãodisponíveisesóconseguimoslocalizarpormeiodeoutrostrabalhosenotícias.
43
envolvessem o público pretendido pela empresa. Como já referimos no terceiro capítulo, após
o lançamento da diva vocaloid, surgiram mais de 36000 vídeos com o tag “Hatsune Miku” no
NN.
É claro que esse sucesso não se deve apenas ao visual da diva. Acreditamos que dois
aspectos tenham colaborado para esse boom que Miku teve desde o seu surgimento. O
primeiro é o design visual com forte apelo e, o segundo é o fato de o vocaloid ser uma
ferramenta que proporciona uma criação colaborativa própria do Marketing 3.0, como sugere
Kotler (2010).
De acordo com o que falamos no primeiro capítulo, nesta fase, o marketing deixa o
relacionamento um-para-um e parte para a colaboração um-para-muitos, tendo a internet
como uma aliada essencial. É nesta fase que o marketing, segundo o autor acima, requer atrair
e extrair do consumidor o que ele quer, e nada mais adequado do que dar ao cliente uma
ferramenta (vocaloid) com que ele possa criar (as canções).
Apenas dois anos após o seu surgimento como vocaloid, o sucesso de Miku foi tal, que
levou a Crypton a fazer mais um grande investimento: a primeira apresentação de Hatsune
Miku como personagem holográfica. A partir deste momento, é possível observar que a
cantora virtual começa a ganhar projeção mundial, mesmo que ainda apenas como fenômeno
tecnológico e por via de uma abordagem comunicacional que consideramos inadequada, pois
percebemos que as primeiras notícias relacionadas a Miku falam dela como “cantora que não
existe”, ou seja, as reflete um maravilhamento tecnológico e não uma apreciação enquanto
cantora.
Durante a nossa pesquisa, ao procurar no Google por “Hatsune Miku holograma”, a
primeira notícia que aparece é datada de 2010 e é de um site que traz como tema principal a
tecnologia. (anexo 3) A matéria fala em como o Japão é lembrado por estar sempre lançando
tendências “que mais parecem saídas de um filme de ficção científica” e diz ainda: “mas
dessa vez eles foram muito além e lançaram em turnê uma cantora que, literalmente, não
existe”. No entanto, é curioso constatar que a notícia se refere a HM como “a Lady Gaga do
futuro”.
Ainda na mesma linha de pensamento, em Novembro de 2010, continuamos a coletar
notícias que trazem HM como um ser que não existe, como é o caso da matéria publicada na
Galileu, respeitada revista no Brasil sobre assuntos de ciências e tecnologias. (anexo 4)
44
Dizer que Hatsune Miku “não existe” nos causa estranheza, já que ela apresenta
concertos, é noticiada em TV, jornais, revistas, sites, blogs e, como veremos mais adiante,
possui uma grande comunidade de fãs no mundo. Face ao exposto, sentimos a necessidade de
refletir sobre a percepção do real diante dos desenvolvimentos tecnológicos atuais e da
comunicação virtual que os acompanha.
Sobre essa questão, Castells (2002) relembra ensinamentos de Roland Barthes e Jean
Baudrillard ao afirmar que as formas de comunicação são baseadas na produção e no
consumo de signos. Por isso, defende que toda realidade é percebida virtualmente. O autor
recorre ao dicionário para fortalecer o argumento:
“‘virtual: que existe na prática, embora não estrita ou nominalmente’, e ‘real: que existe de facto’. Portanto, a realidade como é vivida, sempre foi virtual porque é sempre percebida por intermédio de símbolos formadores de prática como um certo sentido que escapa à sua rigorosa definição semântica”, (Castells, 2002, p. 489)
A discussão sobre Miku ser real ou não, para nós, é ultrapassada, pois Miku continua a
fazer concertos, participar de exposições e a ser noticiada em veículos tradicionais e virtuais,
como por exemplo, em 2011, o Fantástico. O programa de televisão se define como revista
eletrônica, é exibido aos domingos na Globo (canal brasileiro de TV aberta), e trouxe matéria
falando de como são os concertos de HM. Na sequência, o repórter fez entrevistas no Japão e,
em uma delas a entrevistada diz que gosta da “cantora porque as músicas de Hatsune Miku
são compostas por pessoas diferentes, então nenhuma canção se parece com a outra”.
No artigo “Hatsune Miku: How a Virtual Idol Inspired Creativity”, publicado em 2015
pelo portal The Artifice, o artigo acrescenta como Hatsune Miku promove e instiga ações
colaborativas e o uso da criatividade entre a sua comunidade de fãs, mencionando ainda que
já foram produzidas mais de 100 mil músicas pelo vocaloid, confirmando o que a entrevistada
disse sobre a característica de HM.
Como foi referido no terceiro capítulo, a web 2.0 diz respeito a uma internet produtiva
de informação e é exatamente isto que acontece com Hatsune Miku. São os próprios fãs que
produzem o conteúdo da cantora virtual e isso lhe dá um repertório heterogêneo e que reflete
as preferências e experiências dos diversos criadores. Para podermos comparar alguns dos
dados obtidos, refira-se a cantora orgânica pop norte-americana, Ariana Grande, que arrasta
milhares de seguidores nas redes sociais, iniciou sua carreira na música em 2013 e,
atualmente, possui cerca de 60 músicas gravadas.
45
Voltando a 2011, descobrimos um comercial da Toyota (Anexo 6) em que Hatsune
Miku é a garota propaganda, associando o seu nome à tecnologia do carro Corolla.
Identificamos outros comerciais com a participação centrada em Miku, no entanto, do que
conseguimos encontrar na internet, esse terá sido o primeiro. Posteriormente outras grandes
marcas também já associaram seus nomes ao da cantora virtual, como a Sony, a rede de lojas
de conveniência 7 Eleven, a LG e até o próprio Google.
Tomando como referência Bueno (2005), quando fala sobre a teoria sistêmica de
estratégia, descrito no primeiro capítulo, a comunicação empresarial estratégica requer a
construção de cenários e não se reduz a uma ação específica. E foi isto que observamos no
caso Hatsune Miku. Desde sua criação, a Crypton, incansavelmente, promove o seu produto
(vocaloid) por meio da personagem HM, a envolvendo em outros nichos de mercado e sempre
buscando novas parcerias.
Mais um exemplo dessa estratégia aconteceu em 2012, momento em que começamos a
perceber mudanças no que diz respeito a forma como Miku é noticiada. A marca Louis
Vuitton criou um look para a cantora virtual e isso a tornou notícia no setor da moda e
inclusive artigos na área do marketing. (anexo 8)
Em nosso entendimento, vincular Miku a grandes marcas proporciona mais
visibilidade e mais projeção mundial, embora, neste caso específico, a comunidade de fãs da
cantora tenha criticado o croqui by Louis Vuitton para o figurino da ópera “The End”.
Segundo o site de uma das maiores colunistas de moda no Brasil, Lilian Pacce, os fãs
queixavam-se que o cabelo não estava azul e os olhos azuis demais.
46
Figura 1: Hatsune Miku trajando modelo desenhado por Louis Vuitton.
Figura 2: Imagem do site lilianpacce.com.br, em 13 de outubro de 2017
A roupa, inspirada na coleção Primavera-Verão 2013, repercutiu em sites e blogs, não
só de moda mas de marketing também. A notícia (Anexo 10) enaltece a marca Louis Vuitton
dizendo que a grife “acaba de quebrar mais uma barreira ao criar trajes de novo show da
47
sensação da música japonesa” e afirma que a grife foi chamada para desenvolver o novo
guarda roupa da cantora virtual.
Depois da Louis Vuitton, foi a vez de Givenchy também criar um look para Hatsune
Miku que, segundo Riccardo Tisci, Diretor de Design da grife, é cheia de elementos
dramáticos e transformou a “heroína” em queen fan.
Partindo para um outro segmento de mercado, muito diferente do da tecnologia e do
da moda, em 2013, a pizzaria Domino’s do Japão (Anexo 9) realizou uma campanha
colaborativa com a personagem, lançando uma aplicação que permitia que os fãs tirassem
fotos de Hatsune Miku em suas casas, segurando um cortador de pizza. Ademais, as caixas de
pizza eram impressas com designs diferenciados, e, com a utilização do modo de realidade
aumentada da aplicação, os usuários poderiam posicionar a câmera do telemóvel na caixa para
que ela se tornasse um palco para a realização de um show11. (Aoki, 2017).
Enquanto em 2010, HM era noticiada como a Lady Gaga do futuro, como referido
anteriormente, em 2014 a cantora virtual foi a responsável pela abertura do show da própria
Lady Gaga. O anúncio desse feito pela cantora americana aconteceu através do twitter, onde
Lady Gaga afirma que Hatsune Miku é a sua cantora virtual preferida. (anexo 11).
Em outubro do mesmo ano, a cantora inorgânica participou do talk-show de David
Letterman, um dos mais famosos apresentadores da televisão americana. Letterman costuma
entrevistar personalidades do show business, da política e da música mundial. Como Hatsune
Miku não é portadora de inteligência artificial, Letterman não a entrevistou, como também
não entrevistou ninguém da empresa que a criou. (anexo 12)
A participação de Miku no programa se resumiu a cantar uma música acompanhada de
músicos orgânicos. No final, Letterman se aproximou da projeção holográfica, ela acenou e
desapareceu. Embora não tenha havido diálogo, o apresentador divulgou a agenda de eventos
de Miku em New York e Los Angeles, e, para nós, tal acontecimento demonstra o quanto a
Crypton investe na promoção do seu produto, tanto no quesito de gerar conteúdo para
divulgação de HM (concertos, exposições) como na conquista de espaços espontâneos de
grande audiência mundial.
11Algomuitosemelhanteaoqueaconteceuem2016comoPokémonGo.
48
No nosso entendimento, o fato de não ter sido realizado um diálogo nesta participação
de Miku no programa norte-americano reforça a intenção de dar personalidade própria à
cantora virtual, uma vez que acreditamos que alguém falar por ela tiraria o caráter de real que
ela vem construindo ao longo dos anos e poderia acabar por descaracterizar Miku como
personagem.
No decorrer da pesquisa, analisando alguns dos grandes fatos que repercutiram na
mídia, observamos que ações de produção de Miku não são isoladas, aparentando estar dentro
de um plano estratégico de divulgação, promovendo mais visibilidade internacional e
angariando mais espectadores e curiosos.
Em 2015, foi anunciado que Hatsune Miku iria ter novo jogo para o PS4 e Vita, algo
que se concretizou apenas este ano e, de acordo com o que observamos em termos de
estratégias de comunicação e de marketing, acreditamos que o fato do lançamento ter sido no
ano em que ela comemora 10 anos de existência não foi coincidência, mas sim, algo pensado
especificamente para assinalar esta data. (Anexos 14 e 16)
Voltando à trajetória associada a grandes marcas mundiais, Miku também já
contracenou com a atriz norte-americana Scarlett Johansonn em um comercial da Lux. O
vídeo (anexo 15) mostra a cantora virtual retirando algo emblemático da sua aparência, os
totós, para soltar os cabelos após o uso do shampoo12.
Como parte das ações em comemoração do aniversário de 10 anos da existência da
cantora virtual, foi lançado um site comemorativo (que inclui a evolução histórica da cantora
e uma contagem regressiva para a celebração, que encerrou em 31 de agosto de 2017).
Embora muitos canais de comunicação de HM adotem o inglês como língua oficial, o que nos
parece uma grande demonstração de internacionalização da cantora, o site comemorativo está
totalmente em japonês. Consideramos este fato uma falha em termos de falta de comunicação
com os fãs que a cantora vem angariando a nível mundial.
Um exemplo de como a empresa utiliza a imagem de HM como estratégia de
comunicação e marketing foi a criação de uma linha especial de produtos para a
12 Não é, no entanto, possível entender perfeitamente tudo o que se passa neste anúncio dado ser em japonês e não temos conhecimento algum do idioma.
49
comemoração do aniversário de dez anos da criação da artista. Os produtos comercializados
online por uma plataforma digital (mikumerch.com), utilizando a língua inglesa, incluem
desde roupas e acessórios até os próprios CDs da cantora virtual. (Anexo 18). Além da loja
oficial, marcas como Tokyo Otaku Mote, Cd Japan, Amiami, Nippon Yasan e Hobby Search,
também comercializam produtos ligados a cantora digital.
Diante do exposto, podemos constatar que a associação do nome Hatsune Miku a
grandes marcas e celebridades orgânicas fazem com que o nome da cantora virtual circule por
um meio onde certamente ela não circularia apenas enquanto apelo tecnológico do vocaloid e
da projeção holográfica e, sem dúvida alguma, isso poderá acarretar a angariação de novos fãs
e demonstra a necessidade que a Crypton tem de se comunicar mais diretamente com o
público da cantora inorgânica.
Para nós, está muito claro que a empresa que está por trás de Hatsune Miku se utiliza
de ferramentas de comunicação e marketing para promover o vocaloid. A criação de
personagens para ajudar a vender produtos não é uma novidade no mercado da comunicação e
do marketing, mas criar uma personagem holográfica, com o uso de muito aparato
tecnológico, na Era do Marketing 3.0 e dando aos consumidores o poder da colaboração nos
parece é de fato estratégico e apropriado.
A partir da análise dos documentos colhidos, percebemos a intenção da empresa
criadora de HM em querer demonstrar a personalidade da cantora virtual mas não só isso,
também em desenvolver meios para uma comunicação mais direta com o público que ela
angaria mediante as ações internacionais que a ajudam a promover como ídolo pop japonês.
Para contribuir para este objetivo, para além dos canais oficiais de divulgação de Miku, que
listamos abaixo em forma de tabela, há também a considerar as páginas nas redes sociais,
como apresentaremos a seguir. Os canais oficiais destacam-se na tabela abaixo:
Canais oficiais de Hatsune Miku
Crypton https://ec.crypton.co.jp/pages/prod/vocaloid
Piapro http://piaprostudio.com/?lang=en
Expo http://mikuexpo.com
Piapro Comemorativo http://piapro.net/miku10th/
Tabela 2: Canais de comunicação oficiais de HM
50
Crypton, como dissemos ao longo deste trabalho, é a empresa responsável pela criação
de Hatsune Miku e adota o japonês como único idioma em seu site. Lá, é possível encontrar
informações não só sobre Miku13, mas também sobre outros vocaloids da empresa.
O site Piapro foi construído pela CFM, como referimos na introdução, e permite o
compartilhamento de conteúdo no Japão. A plataforma online foi feita para que os usuários
pudessem fazer upload das suas criações, além de permitir o encontro de parceiros para
colaborações. Neste já se percebe uma abertura maior no quesito internacionalização da
cantora virtual, visto que traz os idiomas japonês e inglês.
Expo adota o japonês e o inglês também e é responsável por trazer a agenda de
concertos e exposições da cantora virtual. Já o Piapro comemorativo dos 10 anos de Miku,
que foi lançado na intenção de mostrar o histórico, o percurso de Hatsune Miku desde de sua
criação, apresentando inclusive uma contagem regressiva, adota apenas o japonês.
Consideramos uma falha também, pois, embora Miku tenha quebrado as fronteiras do oriente
e tenha conseguido destaque mundial, sentimos necessidade de saber mais sobre o seu
passado, sobre tudo o que aconteceu até que ela ganhasse mais peso internacional.
Quanto às redes sociais, fazemos sobressair três que a Crypton utiliza para ter uma
comunicação mais direta com o público de Hatsune Miku. São elas:
HM nas redes sociais
Facebook https://www.facebook.com/HatsuneMikuOfficialPage/ 2.488.887 likes
Instagram https://www.instagram.com/hatsunemikuofficial/ 49,1 mil seguidores
YouTube https://www.youtube.com/user/HatsuneMiku 455.764 inscritos
Tabela 3: Redes sociais de HM
Em 14 de outubro de 2017
Escolhemos essas três redes sociais porque consideramos que são as de maior
visibilidade mundial. Como podemos observar, a empresa criou páginas exclusivas para a
13Percebemosissopormeiodeimagens.
51
personagem, o que mostra que a empresa que está por trás da cantora virtual quis, desde o
princípio, dar personalidade própria a HM.
No tangente aos idiomas destes canais de comunicação, o Facebook e o Instagram
adotam apenas o inglês no texto e o Youtube, embora traga na capa texto em inglês, as
postagens são todas em japonês.
Observamos que, destes três canais, o que ela atualiza com mais frequência é o
Facebook, com postagens constantes (não diárias), mas muitas vezes mais de um post por dia.
Na sequência vem o Instagram, sempre com temas e conteúdos diferentes do Facebook, ou
seja, os administradores tiveram o cuidado de manter uma espécie de linha editorial de acordo
com o que cada canal sugere. Na data da conclusão deste trabalho verificamos que a página
do Youtube não havia sido atualizada há mais de seis meses. Atribuímos esse descaso à
referida mídia social ao fato de já existir uma quantidade massiva de postagens diárias
realizadas pelos fãs/contribuintes nas páginas pessoais o que mantém uma divulgação
contínua da cantora virtual no Youtube, fato que pode ser comprovado por uma simples busca
pelo termo “Hatsune Miku” na página da rede social.
Ao longo da análise dos dados coletados, percebemos claramente a intenção de dar
personalidade à Miku, como a criação de looks de acordo com o seu visual, a não entrevista
no programa norte-americano e, agora, também nas redes sociais. Entendemos que dar
personalidade ao ser inorgânico só é possível na atualidade devido aos avanços tecnológicos e
a existência da web 2.0, que serve como um excelente canal (intermediado) de comunicação
entre HM e seus fãs. No capítulo seguinte teremos oportunidade de explicar melhor nosso
entendimento após a análise de dados realizada.
52
5. DISCUSSÃO DE RESULTADOS E CONCLUSÃO
A tecnologia tem alcançado patamares inimagináveis nos últimos anos, superando até
mesmo o que as mentes mais criativas ousaram antecipar. As fronteiras entre o real e o virtual
tornam-se mais fluidas a medida em que as novas técnicas de virtualização são refinadas,
tornando possível desde a substituição de atores já falecidos há décadas por suas imagens,
como Peter Cushing no filme Rogue One, à criação de novos ícones da cultura pop, como
Hatsune Miku, o objeto estudado neste trabalho.
Este novo momento tecnológico possibilitou uma maior aproximação entre as pessoas
e fez com que elementos culturais que antes só ganhariam repercussão local pudessem alargar
sua influência por todo o mundo. Se antes Hatsune Miku seria um fenômeno apenas entre os
fãs da cultura Otaku, estratégias de marketing somadas aos mecanismos de comunicação
atuais a projetaram de forma mais eficaz e a personagem totalmente virtual ganhou grande
repercussão mundial.
O estudo ora apresentado buscou tentar compreender como a empresa criadora de
Hatsune Miku se utilizou das estratégias de comunicação e marketing na divulgação da
personagem, além de tentar entender como a Crypton angaria novos apreciadores do
fenômeno holográfico.
Para alcançar os objetivos deste trabalho, trouxemos conceitos sobre comunicação
estratégica e a evolução das fases do marketing. Na sequência, realizamos um estudo sobre a
criação das celebridades, e, no terceiro capítulo, fizemos uma análise qualitativa a partir de
uma coleta de dados históricos de Hatsune Miku.
Após essa abordagem, verificamos que os avanços tecnológicos e a criação de diversas
redes sociais permitem que pessoas comuns possam ter reconhecimento e receber títulos de
figuras públicas por expressarem o que, normalmente, interessa a uma grande quantidade de
pessoas nas diferentes redes sociais.
Gostaríamos de destacar mais uma vez que o nosso objeto de estudo é um ser
inorgânico e que, ao longo da sua trajetória de 10 anos de existência, vem atraindo uma série
de curiosos e fãs. Com base no estudo realizado, podemos considerar, sim, que a empresa que
criou Hatsune Miku se apropria naturalmente de estratégias de comunicação e marketing para
desenvolver uma relação lucrativa com seus clientes.
53
Assumidamente encarada como uma estratégia de marketing aperfeiçoada, podemos
dizer que, desde o início da criação de HM, a Crypton Future Media se apropriou das
características do Marketing 3.0 para construir o que consideramos o fenômeno Hatsune
Miku.
No entanto, não podemos atribuir apenas à força da web 2.0 o mérito do impulso para
a projeção mundial que a cantora virtual passou a ter. A Crypton teve antes o cuidado de
investir na criação de uma personagem com traços e características diferentes das ilustrações
desenvolvidas para os dois vocaloids que antecederam Miku. Por isso, acreditamos que a
soma do visual de Hatsune Miku (descrita no terceiro capítulo) juntamente com as estratégias
de marketing aliadas a produção colaborativa da web 2.0 contribuiu para o seu sucesso.
Como já referido, HM foi uma personagem criada para ajudar a vender um produto e,
no nosso entendimento, não há nada de inovador nesta estratégia, visto que existem tantos
outros personagens que surgiram com a mesma intenção. Porém, ao nosso ver, a Crypton fez
com que Miku se tornasse mais do que uma personagem, mais do que uma mera ilustração ou
uma projeção holográfica. A empresa tornou Miku uma cantora virtual, uma celebridade.
O caminho percorrido para alcançar esse status passou por diversas etapas, começando
pelo seu design criado em 2007, responsável pelo seu primeiro boom, mesmo que ainda só em
território japonês. Na sequência, acreditamos que a web 2.0 teve também uma grande
contribuição no que diz respeito ao sucesso imediato que Miku causou, pois foi com a
internet, e todos os canais de compartilhamento que surgiram na fase da web 2.0, que
proporcionou a divulgação da diva vocaloid.
O desenvolvimento das tecnologias de informação foi, sem dúvida, o principal
responsável pela existência de Miku, no entanto, sem a fase do Marketing 3.0 a cantora virtual
jamais teria tido a projeção mundial alcançada até agora. Por isso, relembramos o que referiu
Jorge (2014) ao dizer que antes os media ocupavam um lugar fundamental na construção e
renovação de uma celebridade, no entanto, a internet do Marketing 3.0 trouxe novas
possibilidades para a ascensão das celebridades, através da produção colaborativa e dos
espaços para compartilhar as criações dos fãs.
Como já mencionado no capítulo dois, Rojek (2008) afirma que a cultura da
celebridade é o aglomerado de relacionamentos humanos em que a paixão mútua opera sem
interação física, sendo o contato entre ídolos e fãs predominantemente abstrato, ou seja,
ocorre na maioria das vezes mediado pela mídia, embora, no caso das celebridades orgânicas
54
possa haver encontros e conversas pessoalmente com seus fãs. Porém, sabemos que essas
ocasiões de encontro cara a cara são específicas e raras.
Em nosso entender, o fato do relacionamento entre ídolos e fãs ser, na maioria das
vezes, mediado por alguma tecnologia (TV, jornais, internet), confere a Miku uma quase
igualdade (com um astro orgânico) no quesito comunicação com os fãs, visto que há sempre
um aparato tecnológico mediador no diálogo. Tais aspectos nos fazem entender o porquê de
Miku ter alcançado o status de celebridade e de causar interesse e emoções nas pessoas, como
o que aferimos na entrevista com Jovaneli e que percebemos em comentários nas redes sociais
de Miku.
Como vimos pela análise dos materiais recolhidos, além dos concertos em que HM
aparece como personagem holográfica, a cantora virtual é notícia em jornais, blogs, participa
de programas televisivos, é citada por famosos, contracena com artistas orgânicos, é garota
propaganda etc. Assim, percebemos como a Crypton foi, ao longo de 10 anos, conduzindo a
carreira de Miku até ela alcançar o título de fenômeno pop.
Voltamos a citar Matta (2009) quando afirma que a celebridade é uma marca
mercadologicamente construída para ganhar grandes audiências e receitas financeiras. Para
nós, HM, apesar de virtual, é a prova que esta afirmação corresponde a realidade e que a
empresa Crypton se utiliza de estratégias de comunicação e marketing para a tornar uma
celebridade e uma marca, com o intuito de gerar mais receitas para a empresa através da
personagem holográfica.
Acreditamos que, assim como as celebridades orgânicas, uma personagem inorgânica
também não deve ser imutável, ela deve ser dinâmica, assim como os humanos são e evoluem
com a trama. Além do aspecto do dinamismo, é importante também que o público se
identifique com a personagem e conseguimos observar essa característica nos dados
analisados sobre Miku.
Constatamos esse fato ao identificar, por exemplo, o nome de HM associado a grandes
marcas, como Louis Vuitton, Givenchy, Lux, Domino’s, Google e também símbolos pop’s,
como Lady Gaga e Scarlett Johansonn. Para nós, todas essas ações não isoladas fazem com
que Miku ganhe visibilidade em outros cenários que não só as pessoas fascinadas por
tecnologia e consideramos isto dinamismo na condução e evolução da personagem.
Entendemos também que, quanto mais o seu nome circula em outras esferas, mais
notícias a seu respeito ganham destaque e mais a Crypton mantém e conquista clientes, e,
55
como diz Kotler (2003), desenvolve relacionamentos lucrativos com eles (clientes), visto que,
além dos concertos e exposições, a empresa desenvolveu uma série de produtos
comercializados online.
O alcance de Hatsune Miku pode ser constatado pelo o número de seguidores no
Facebook. Em 14 de outubro de 2017, a cantora virtual tinha 2.488.887 likes. Ao
compararmos Miku com a cantora orgânica portuguesa Aurea, por exemplo, que possui uma
carreira sólida há aproximadamente 10 anos, e que ganha grande visibilidade por participar
atualmente do programa televisivo The Voice Portugal (transmitido pela RTP), a cantora
orgânica fica bem inferior em termos quantitativos, com apenas 342.626 likes (dados
coletados em 23 de Outubro de 2017) na mesma rede social.
No estudo reconhecemos que a web 2.0 foi usada como uma tendência que
possibilitou e reforçou a troca de informações e co-participação dos internautas com sites e
serviços virtuais disponíveis no ciberespaço. Dentro deste contexto, a web na Era do
Marketing 3.0 contribuiu para que as empresas buscassem soluções através das denominadas
“tecnologias de nova vaga” reconhecidas como a força impulsionadora para tal realização.
Essas tecnologias são as responsáveis por promover a conexão e a interação entre indivíduos e
grupos.
Consideramos que a Crypton coloca em prática este tipo de marketing, se utilizando
da personagem que criou para se relacionar com o consumidor 3.0. Isto posto, acreditamos
que toda essa repercussão e divulgação que a Crypton proporciona à personagem faz com que
Miku angarie mais fãs, sendo estes impactados por meio de tudo que Miku faz ou em que
participa os deixando imersos no universo da cantora virtual.
Embora já se fale em Marketing 4.0, no qual se tira proveito do humor responsável
pela mudança de ideias do consumidor para alcançar mais clientes e conseguir conquistar a
sua atenção, focamos este trabalho na web 2.0 e no Marketing 3.0 porque foi no contexto
desta fase do marketing que foi possível fazer com que um ser inorgânico o mesmo que é
feito com seres orgânicos, ou seja, utilizar boas estratégias de comunicação e de marketing
para se alcançar o status da fama.
Acreditamos que o presente trabalho conseguiu cumprir com os objetivos, e,
principalmente, foi esclarecedor para a pesquisadora, que sempre se mostrou inquieta com o
fato de um ser completamente inorgânico despertar interesse e emoção em seres humanos. Na
verdade, toda essa questão se resume à criação de uma celebridade e a ilusão que os
56
intermediários da comunicação entre ídolos e fãs causam, tornando seres orgânicos e virtuais
com o mesmo poder de alcance na Era da web 2.0 e do Marketing 3.0.
Ficará por seguir como Hatsune Miku vai se desenvolver no quadro do Marketing 4.0,
que pretendemos acompanhar e desenvolver em outros trabalhos relacionados a cantora pop
virtual japonesa.
57
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62
Anexos
63
Anexo 1: Timeline Hatsune Miku timeline:
2007 – Lançamento do Vocaloid 2 (Hatsune Miku)
2009 – Primeiro show do holograma
2010 – Primeira notícia internacional
2011 – Noticia em veículos de media de grande credibilidade (Fantástico e Galileu)
2011 – Comercial para Toyota
2012 – Look by Louis Vuitton (HM noticiada em diferentes segmentos)
2013 – Comercial para Domino’s pizzaria
2014 – Aparição no David Letteman Show e abertura dos shows de Lady Gaga
2015 – Comercial da Lux com Scarlett Johansson e Anúncio de videojogos para PS4 e
Vita
2017 – Lançamento do site comemorativo dos 10 anos de Hatsune Miku
64
Anexo 2: Capa Vocaloid Ano 2007 (31/ago/2007)
Arte do box do terceiro Vocaloid japonês Hatsune Miku
(fonte: Google Imagem, Janeiro 2016)
65
Anexo 3: Notícia TecMundo Ano 2010 (10/nov/2010)
https://www.tecmundo.com.br/musica/6411-conheca-hatsune-miku-a-cantora-holografica-do-futuro-.htm Em Outubro 2017
66
Anexo 4: Notícia revista Galileu Ano 2010 (15/nov/2010)
http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI187440-17770,00-HOLOGRAMA+D+E+POPSTAR+NO+JAPAO.html Em outubro 2017
67
Anexo 5: Revista eletrônica Fantástico Ano 2011 (8/jan/2011)
https://www.youtube.com/watch?v=L9dYedDrHio Em Outubro 2017
68
Anexo 6: Anúncio Toyota Ano 2011 (04/mai/2011)
https://www.youtube.com/watch?v=E15PE7iGT0U&feature=youtu.be Em Outubro 2017
69
Anexo 7: Show de HM no Brasil Ano 2011 (10/nov/2011)
https://madeinjapan.com.br/2011/11/10/fotos-do-show-de-hatsune-miku-no-brasil/ Em Outubro 2017
70
Anexo 8: HM é notícia no mundo da moda Ano 2012 (08/dez/2012)
https://www.lilianpacce.com.br/moda/o-dia-em-que-a-louis-vuitton-nao-fez-sucesso/ Em Outubro 2017
71
Anexo 9: Anúncio Domino’s Ano 2013 (07/jMar/2013)
https://www.youtube.com/watch?v=eKQ6gJXtPvk Em Outubro 2017
72
Anexo 10: : Figurino by Louis Vuitton Ano 2013 (abril/2013)
http://marketingnaweb2009.blogspot.pt/2013/04/louis-vuitton-veste-superstar-3d.html Em Outubro 2017
73
Anexo 11: Twitter de Lady Gaga Ano 2014 (15/abr/2014)
Hatsune Miku abre concerto de Lady Gaga e é citada no twitter da cantora orgânica (fonte:
Google Imagem, Janeiro 2016)
74
Anexo 12: HM no David Letterman Show
Ano 2014 (09/out/2014) – data do talkshow Link da participação de Hatsune Miku no programa de David Letterman
https://www.youtube.com/watch?v=lwJ1i5lCw0M
75
Anexo 13: Entrevista com Cosima Oka-Doerge
Ano 2014 (30/out/2014)
https://www.shutterstock.com/pt/blog/quem-ou-o-que-hatsume-miku-a-fabricao-de-uma-estrela-pop Em Outubro 2017
76
Anexo 14: Anúncio PlayStation Ano 2015 (31/ago/2015)
https://jogos.uol.com.br/ultimas-noticias/2015/08/31/cantora-virtual-hatsune-miku-ganhara-novo-jogo-para-ps4-e-vita.htm Em Outubro 2017
77
Anexo 15: Anúncio Lux com scarlett johansson Ano 2016 (29/ago/2016)
https://www.youtube.com/watch?v=Yr3gbpmrwX4&feature=youtu.be Em Outubro 2017
78
Anexo 16: Lançamento videojogo na PS Store Ano 2017 (10/jan/2017)
https://blog.br.playstation.com/2017/01/10/hatsune-miku-project-diva-future-tone-chega-hoje-a-ps-store/ Em Outubro 2017
79
Anexo 17: Ingresso online pra shows de HM Ano 2017 (10/out/2017)
https://www.viagogo.pt/Bilhetes-Concertos/Outros-Concertos/Miku-Hatsune-Bilhetes Em Outubro 2017
80
Anexo 18: Site comemorativo dos 10 anos Ano 2017 (10/10/2017)
https://mikumerch.com
81
Anexo 19: Redes sociais Canais nas Redes Sociais
82
83
Anexo 20: Canais oficiais Canais Oficiais
https://ec.crypton.co.jp/pages/prod/vocaloid Em Outubro 2017
http://piaprostudio.com/?lang=en Em Outubro 2017
84
http://mikuexpo.com Em outubro 2017
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Anexo 21: Entrevista com Fã
Entrevista por e-mail datada de 05 de Janeiro de 2016
Dados gerais
Nome completo: Thais Hayde Viana Jovaneli
Data de nascimento: 02/24/1993
Nacionalidade: Brasileira e Americana
País de residência e estado: Estados Unidos, Carolina do Norte
1. Como conheceu Hatsune Miku?
Buscando musica no Youtube.
2. Quando conheceu Hatsune Miku?
3 anos atras durante o verao.
3. É conhecedora da cultura japonesa? Se sim, o que conhece?
Eu sei um pouco sobre as suas regras sociais , história, tradições , música e festivais.
Tambem sei um pouco de japonês.
.
4. Em que momento virou fã de Hatsune Miku?
Quando eu primeiro ovir a musica dela, nao sabia quem cantava mas eu ja era fa da
musica e quando descubri a cantora so continuei explorando as musicas.
5. Por que virou fã?
Adoro anime e assito varias que tem este estilo de musica e ideia de ter computadors
cantando e replicando o estilo de vida humana.
6. O que mais gosta na cantora virtual? O que chama a atenção?
Gostou de ver-la cantar nos shows dela porque me encanta vendo a programacao que
leva at ter um holograma cantar, se movimentar, e interagir com os fãs.
7. Possui outros amigos fãs do holograma?
86
Nao.
8. Você é fã de algum (a) outro (a) cantor (a) “real”? Se sim, qual (ais)?
Apenas em animes.
9. O sentimento (para com os ídolos reais e virtuais) é igual? (caso a resposta anterior
tenha sido “sim”)
Sim, eu me emociono com personagens/idolos reais e fictícios .
10. Em 2016, Miku fará shows nos Estados Unidos, Canadá e México. Pretende ir para
algum desses?
Se eu poder, sim!
11. Você escuta Hatsune em que ocasiões (em casa, com amigos, dirigindo etc)?
Quando quiser/sentir falta da musicas dela.