o futuro de deus - deepak chopra

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FICHA TÉCNICA Título original: The Future of God — A Practical Approach to Spirituality for our Times Autor: Deepak Chopra Copyright © 2014 by Deepak Chopra Edição portuguesa publicada por acordo com Harmony Books, uma chancela de The Crown Publishing Group, uma divisão de Random House, Inc. Tradução © Editorial Presença, Lisboa, 2015 Tradução: Ana Saldanha Capa: Catarina Sequeira Gaeiras/Editorial Presença Imagem da capa: Shutterstock Fotocomposição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda. 1. a edição, Lisboa, abril, 2015 Depósito legal n. o 389 345/15 Reservados todos os direitos para a língua portuguesa (excepto Brasil) à EDITORIAL PRESENÇA Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730-132 BARCARENA [email protected] www.presenca.pt

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Page 1: O Futuro de Deus - Deepak Chopra

FICHA TÉCNICA

Título original: The Future of God — A Practical Approach to Spirituality for our TimesAutor: Deepak Chopra

Copyright © 2014 by Deepak ChopraEdição portuguesa publicada por acordo com Harmony Books, uma chancela

de The Crown Publishing Group, uma divisão de Random House, Inc.Tradução © Editorial Presença, Lisboa, 2015

Tradução: Ana SaldanhaCapa: Catarina Sequeira Gaeiras/Editorial Presença

Imagem da capa: ShutterstockFotocomposição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda.

1.a edição, Lisboa, abril, 2015Depósito legal n.o 389 345/15

Reservados todos os direitospara a língua portuguesa (excepto Brasil) à

EDITORIAL PRESENÇAEstrada das Palmeiras, 59

Queluz de Baixo2730-132 BARCARENA

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Para todos aqueles que procuram.

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ÍNDICE

Prólogo | 11

Porque Deus Tem Futuro | 17

Deus É um Verbo, Não um Substantivo | 23

A VIA PARA DEUS

Primeiro Estádio: Descrença | 37

Dawkins e as Suas Ilusões | 39

Resposta ao Ateísmo Militante | 49

Provar a Existência do Ornitorrinco | 55

Segundo Estádio: Fé | 71

Para Além do Ponto Zero | 73

Má Fé | 99

O Projeto da Sabedoria | 119

Os Milagres São Possíveis? | 143

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Terceiro Estádio: Conhecimento | 167

Deus Sem Fronteiras | 169

Existe um Mundo Material? | 187

O Mundo Subtil | 205

Transcendência: Deus Aparece | 237

A Questão Mais Difícil | 259

Epílogo: Deus de Relance | 287

Agradecimentos | 293

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PRÓLOGO

A fé está com problemas. Ao longo de milhares de anos, a reli-gião tem -nos pedido para aceitarmos com fé um Deus bondoso, que sabe tudo e possui todo o poder. Por consequência, a História tem percorrido um caminho longo e por vezes tumultuoso. Tem havido momentos de grande entusiasmo entremeados com horrores inomináveis em nome da religião. Mas hoje em dia, pelo menos no Ocidente, a era da fé encontra -se num estado de declínio acentuado. Para a maior parte das pessoas, a religião é simplesmente um ponto assente. Não existe uma ligação viva com Deus. Entretanto, a des-crença tem aumentado. Nem outra coisa seria de esperar.

Quando se desvenda o fosso inultrapassável entre nós e Deus, vem à tona um tipo profundo de deceção. Já passámos por demasiadas catástrofes para confiarmos numa divindade que seja benigna e que nos ame. Quem pode pensar no Holocausto ou no 11 de setembro e acreditar que Deus é amor? Uma série  incon-tável de outras deceções vem à mente. Se sondarmos o que real-mente se passa quando as pessoas pensam em Deus, verificaremos que a sua margem de segurança em relação à religião está a dimi-nuir. Estão imbuídas de uma sensação persistente de dúvida e de insegurança.

Durante muito tempo, a responsabilidade da fé coube ao crente imperfeito. Se Deus não intervém para aliviar o sofrimento ou

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conceder a paz, a culpa deve ser nossa. Neste livro, inverti as coisas, atribuindo de novo a responsabilidade a Deus. Chegou o momento de fazer algumas perguntas diretas.

O que é que Deus tem feito por nós ultimamente?Para nos sustentarmos a nós próprios e à nossa família, o que

é mais eficaz, ter fé ou trabalhar no duro?Já alguma vez nos rendemos realmente e deixámos que Deus nos

resolvesse um problema realmente difícil?Porque é que Deus permite que exista tanto sofrimento no

mundo? A existência de um Deus que nos ama é um jogo ou uma promessa vazia?

Estas questões são tão perturbantes que evitamos colocá -las, e para milhões de pessoas nem sequer são já importantes. A pró-xima tecnologia que virá melhorar as nossas vidas já se desenha no horizonte. Um Deus que tenha relevância no século xxi está praticamente extinto.

Na minha perspetiva, a verdadeira crise da fé não tem a ver com a diminuição da frequência de igrejas, uma tendência que teve o seu início na Europa Ocidental e nos Estados Unidos durante os anos 1950 e continua a verificar -se atualmente. A verdadeira crise tem a ver com encontrar um Deus que tenha relevância e em quem possamos confiar. A fé apresenta -nos uma bifurcação na estrada e todos nós chegámos lá. Uma das vias conduz a uma realidade repre-sentada por um Deus vivo; a outra conduz a uma realidade em que Deus não só está ausente, mas é também uma ficção. Em nome desta ficção, os seres humanos lutaram e morreram, torturaram infiéis, empreenderam cruzadas sanguinolentas e perpetraram todos os horrores imagináveis.

Há uma demonstração de cinismo extremamente chocante no Novo Testamento, quando Jesus está na cruz — uma forma lenta e agonizante de morrer — e a multidão que assiste, incluindo os sumos sacerdotes de Jerusalém, troça dele:

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«Salvou os outros», diziam eles, «e não pode salvar -se a si mesmo! Se é o Deus de Israel, desça da cruz e acreditaremos nele. Confiou em Deus; Ele que o livre agora, se o ama!» (São Mateus, 27:42 -43)

O veneno contido nestas palavras não diminuiu com o tempo, mas há uma faceta ainda mais perturbante. Jesus ensinou que as pessoas deviam confiar em Deus completamente, que a fé pode mover montanhas. Ensinou que ninguém devia trabalhar hoje ou poupar para o dia de amanhã, porque a Providência providenciará o necessário. Pondo de lado o significado místico da Crucificação, deveríamos nós possuir aquele tipo de confiança?

As pessoas não se apercebem, mas chegam a uma bifurcação na estrada muitas vezes ao dia. Não estou a escrever de uma perspe-tiva cristã — não pratico qualquer forma de religião organizada na minha vida pessoal —, mas Jesus não queria dizer que a Providên-cia forneceria dinheiro, alimentos, abrigo e muitas outras bênçãos se esperássemos o tempo suficiente. Referia -se ao alimento desta manhã e ao abrigo desta noite. «Pede e receberás; bate à porta e a porta será aberta» aplica -se a escolhas que fazemos no momento presente. E isso faz aumentar substancialmente a parada, porque se Deus é dececionante por causa de todas as vezes que não respondeu ao nosso apelo, nós somos dececionantes por causa de todas as vezes que enveredámos pela via da descrença — literalmente, a todas as horas do dia.

A semente da descrença está em todos nós. Proporciona -nos bastantes razões para não termos fé. Como ser humano compade-cido, tenho a esperança de que teria olhado para o espetáculo da crucificação e teria sentido pena. Mas quando se trata da minha própria vida, vou trabalhar, poupo para o futuro e olho por cima do ombro à noite numa rua perigosa. Deposito mais fé em mim mesmo do que num Deus externo. Chamo a isto o ponto zero, o nadir da

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fé. No ponto zero, Deus não tem realmente importância, quando se trata da questão complicada de viver. Visto do ponto zero, Deus é irrelevante ou fraco. Pode olhar para o nosso sofrimento e sentir--se comovido ou, o que é igualmente provável, talvez encare o nosso sofrimento com um encolher de ombros.

Para Deus ter futuro, é imperativo que escapemos ao ponto zero e encontremos uma nova maneira de viver espiritualmente. Não precisamos de novas religiões, de melhores Escrituras ou de testemunhos mais inspiradores da grandeza de Deus. As versões que já temos são suficientemente boas (e suficientemente más). Um Deus digno de fé tem de possuir uma relevância efetiva e não vejo como isso é possível até Ele começar a prestar provas em vez de nos dececionar.

Uma mudança assim tão radical implica algo igualmente radical: repensarmos totalmente a realidade. O que as pessoas não com-preendem é que quando desafiamos a noção de Deus desafiamos a própria noção de realidade. Se a realidade é só o que aparece à superfície, então não há nada em que ter fé. Podemos manter -nos colados ao ciclo permanente de notícias e fazermos os possíveis por lidar com o que se passa. No entanto, se a realidade for algo que se estenda para dimensões mais elevadas, a história muda. Não é pos-sível reconstruir um Deus que nunca existiu, mas podemos consertar uma ligação avariada.

Decidi escrever um livro sobre como voltar a estabelecer a ligação com Deus para que ele se torne tão real como o pão e tão fiável como o nascer do sol — escolham algo em que acreditem e que saibam ser real. Se um tal Deus existe, não há razão para nos sentirmos dececionados com ele ou connosco mesmos. Não é necessário nada que se assemelhe com fé cega. No entanto, algo mais profundo tem de fazer -se, uma reconsideração do que é possível. Isso implica uma transformação interna. Se alguém nos disser: «O reino do céu está dentro de cada um de nós», não devemos pensar, com uma sensação

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de culpa: Em mim é que não está. Deveríamos perguntar -nos o que é necessário para transformar aquela afirmação numa verdade. A via espiritual começa com a curiosidade de que algo tão inacreditável como Deus possa de facto existir.

Milhões de pessoas já ouviram falar da «ilusão de Deus», um slogan de um bando de ateus militantes que são inimigos decla-rados da fé. Este movimento perturbador centrado em torno de Richard Dawkins apresenta os seus ataques veementes, com fre-quência pessoais, em termos da ciência e da razão. Mesmo que não apliquemos a palavra ateu a nós mesmos, muitos de nós vivemos como se Deus não importasse, o que afeta as opções que tomamos nas nossas vidas diárias. A descrença venceu implicitamente para todos os efeitos.

Para sobreviver, a fé só pode ser restaurada através de uma explo-ração mais profunda do mistério da existência.

Não tenho palavras duras a dizer sobre o ateísmo sem militância. Thomas Jefferson escreveu: «Não encontro no cristianismo ortodoxo uma única faceta que o redima», mas também colaborou na funda-ção de uma sociedade baseada na tolerância. Dawkins e companhia orgulham -se de serem intolerantes. O ateísmo pode revelar sentido de humor em relação a si próprio, como quando George Bernard Shaw disse ironicamente: «O cristianismo talvez fosse uma coisa boa se alguém o experimentasse alguma vez.» Todas as linhas de pensamento têm o seu oposto e no que diz respeito a Deus a des-crença é o oposto natural da fé.

Não é correto, no entanto, partir do princípio de que o ateísmo se opõe sempre a Deus. De acordo com uma sondagem paradoxal de Pew Research de 2008, 21 por cento dos Americanos que se des-crevem como ateus acreditam em Deus ou num espírito universal, 12 por cento acreditam no Céu e 10 por cento rezam pelo menos uma vez por semana. Os ateus não perderam completamente a fé; não há nada a reprovar nisso. Mas Dawkins professa um niilismo

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espiritual com um sorriso e num tom de reconforto. Apercebi -me de que tinha de tomar uma posição contra isso, embora não sinta qualquer animosidade pessoal contra ele.

A fé tem de ser salva para bem de todos. Da fé brota uma paixão pelo eterno, que é ainda mais forte do que o amor. Muitos de nós perdemos essa paixão ou nunca a conhecemos. Ao defender a exis-tência de Deus, gostaria de ser capaz de instilar a premência expressa nuns versos de Mirabai, uma princesa indiana que se tornou uma grande poetisa mística:

O amor que me liga a vós, Senhor,É inquebrável

Como um diamante que despedaça o marteloQuando é batido.

Como o lótus a erguer ‑se da águaA minha vida ergue ‑se de vós,

Como a ave noturna a fitar a lua de passagemPerco ‑me a pensar em vós.Ó meu amado — voltai!

Em qualquer época, a fé é assim: um grito do coração. Se esti-verem decididos a acreditar que Deus não existe, estas páginas não têm qualquer hipótese de vos convencerem de que ele existe. A via nunca está fechada, no entanto. Se a fé puder ser salva, o resultado será um aumento da esperança. Por si só, a fé não pode trazer -nos Deus, mas faz algo mais oportuno: torna Deus possível.

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PORQUE DEUS TEM FUTURO

No que diz respeito a Deus, quase todos nós, tanto os que creem como os que não creem, sofremos de uma espécie de mio-pia. Só vemos — e por conseguinte só acreditamos — no que está mesmo à nossa frente. Os crentes veem Deus como uma figura paternal benévola a conceder graças e justiça enquanto julga os nossos atos cá em baixo. O resto das pessoas pensa que Deus é muito mais distante, impessoal e desprendido. No entanto, Deus pode estar ainda mais envolvido, mais próximo do que a nossa respiração, de facto.

A toda a hora, alguém no mundo se espanta ao descobrir que a experiência de Deus é real. O maravilhamento e a certeza ainda se manifestam. Tenho sempre à mão um excerto de Walden, de Tho-reau, sobre isto mesmo, em que ele fala do «trabalhador rural solitá-rio numa quinta nos arredores de Concord, que teve o seu segundo nascimento.» Tal como nós, Thoreau pergunta -se se o testemunho de alguém sobre uma «experiência religiosa peculiar» é válido. Em resposta, lança um olhar que abrange séculos:

Zoroastro, há milhares de anos, percorreu a mesma estrada e teve a mesma experiência, mas ele, sendo mais sábio, sabia que era universal.

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Se uma pessoa der consigo subitamente infundida com  uma experiência que não consegue explicar, diz Thoreau, deve cons-ciencializar -se de que não está sozinha. O seu despertar insere -se numa grande tradição.

então Comungue humildemente com Zoroastro, e, através da influência liberalizante de todas as grandes figuras, com o próprio Jesus Cristo, deixe «a nossa igreja» ir borda fora.

Em linguagem contemporânea, Thoreau aconselha -nos a confiar-mos na nossa crença mais profunda de que a experiência espiritual é real. Os céticos viram este conselho de pernas para o ar. O  facto de a existência de Deus ter sido sentida ao longo dos séculos só demonstra que a religião é um resquício primitivo, uma relíquia mental que deve-ríamos rejeitar e para isso treinar os nossos cérebros para rejeitarem. Para um cético, Deus persistiu no passado porque os sacerdotes possuíam o poder de obrigar as pessoas a terem fé, não permitindo quaisquer desvios entre os seus seguidores. Mas todas as tentativas de clarificar as coisas — de dizer, de uma vez por todas, que Deus é absolutamente real ou absolutamente irreal — continuam a fracassar. A confusão persiste e todos nós sentimos o impacto da confusão e da dúvida.

Onde está agora?

Passemos do abstrato para o pessoal. Quando olha para si e se pergunta onde se situa na questão de Deus, encontra -se quase com certeza numa das seguintes situações:

Descrença: Não aceita que Deus seja real e exprime a sua descrença vivendo como se Deus não fizesse qualquer diferença.

Fé: Tem a esperança de que Deus seja real e exprime a sua espe-rança como fé.

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Conhecimento: Não tem dúvida de que Deus é real e por conse-guinte vive como se Deus estivesse sempre presente.

Quando uma pessoa enceta uma busca espiritual, quer pas-sar da descrença para o conhecimento. No entanto, a via não é de modo nenhum clara. Quando se levanta de manhã, qual é a coisa espiritual a fazer? Deveria esforçar -se por viver no momento presente, por exemplo, o que é considerado muito espiritual? Se a paz reside nalgum lado, reside no momento presente. No entanto, Jesus descreve como uma tal decisão é de facto radical: «Por isso vos digo: Não vos inquieteis quanto à vossa vida, com o que haveis de comer ou de beber, nem quanto ao vosso corpo... Procurai pri-meiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo. Não vos preocupeis, portanto, com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã já terá as suas preocupações.» (São Mateus, 6:25, 33 -34)

Na versão de Jesus, viver no presente implica confiar plenamente que Deus tudo providenciará. A sua confiança em Deus é ilimitada. O que quer que Jesus necessite ser -lhe -á trazido. Mas, e que dizer dos pobres trabalhadores judeus que constituíam a sua assistência, a  lutarem por obter a satisfação das suas necessidades mais bási-cas, a viverem uma vida sombria sob o jugo da opressão dos Roma-nos? Poderiam ter a esperança de que a Providência cuidaria deles; poderiam até ter fé suficiente para acreditar nisso. Mesmo assim, renderem -se constituía um ato místico. Só Jesus se encontrava num estado de consciência totalmente assente na Providência, porque via Deus em todo o lado.

As sementes da descrença existem em todos nós, porque nas-cemos numa época secular que questiona tudo o que é místico. É  melhor ser livre e cético do que estar manietado por mitos, superstições e dogmas. Quando o ceticismo que existe dentro de nós toma a dianteira, a descrença é um estado aceitável. No entanto, para

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a maior parte das pessoas é também um estado de infelicidade. Não se sentem realizadas num mundo totalmente secular em que a vene-ração mais profunda, poderia argumentar -se, vai para os heróis desportivos, a Internet e para a obtenção de um corpo perfeito. A Ciência não nos dá nenhuma garantia de que a vida tem sentido quando descreve o universo como um vazio gélido dominado pelo acaso aleatório.

E assim a fé persiste. Queremos que o universo seja o nosso lar. Queremos sentir -nos ligados à criação. Acima de tudo, não queremos a liberdade se ela implicar suportarmos uma ansiedade e uma insegurança permanentes, uma liberdade que tenha largado as amarras ao sentido da vida. Por conseguinte, quer lhe chame-mos agarrar -se à fé ou seguir as tradições dos nossos antepassados, a crença religiosa existe por toda a parte. Para milhares de milhões de seres humanos não existe uma alternativa viável.

Mas, e o terceiro estádio, a seguir à descrença e à fé — o conhe-cimento certo de Deus —, que é o mais raro e o mais difícil de alcançar? Para ter verdadeira certeza, pode ter de se passar por uma experiência transformadora ou manter milagrosamente a alma ino-cente de uma criança pequena. Nem uma nem outra são muito rea-listas na vida da maior parte das pessoas. As pessoas que recupe ram de uma experiência de quase morte, que, para começar, são extrema-mente raras, não têm provas concretas de se «encaminharem para a luz» que possam convencer um cético. O que mudou para elas é privado, interno e subjetivo. Quanto à inocência das crianças, temos boas razões para a abandonar. A felicidade da infância é um estado ingénuo, ainda não formado, e, por mais feliz que fosse, ansiávamos por experienciar um mundo mais alargado de realizações. Os cumes criativos da História humana são atingidos por adultos, não por crianças grandes.

Digamos que se reconhece num destes três estados: descrença, fé ou conhecimento. É natural que estejam todos misturados e que

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tenha momentos passageiros de cada um deles. Segundo os frios modelos estatísticos, a maioria das pessoas concentra -se sob o arco mediano de uma curva em forma de sino*, uma parte da vasta maioria que acredita em Deus. Nos extremos da curva encontra--se uma minoria minúscula: à esquerda os ateus empedernidos; à direita, as pessoas profundamente religiosas que buscam Deus por vocação. Mas pode dizer -se que a maior parte das pessoas que respondem que acreditam em Deus não experimenta sensações de maravilhamento ou de certeza. Tipicamente, dedicamos os nossos dias a tudo menos a Deus: a sustentar a família, a procurar o amor, a esforçar -nos por ter êxito, a deitar a mão a mais bens materiais na interminável correia transportadora do consumismo.

A confusão atual não está a beneficiar ninguém. A descrença é assombrada pelo sofrimento interior e pelo receio de que a vida não tenha objetivo. (Não me persuadem os ateus que dizem viver felizes num universo aleatório. Não acordam todas as manhãs a dizer: «Que maravilha, mais um dia em que nada realmente tem significado.») O estado de fé é também insustentável, de modo diferente: ao longo da História, tem resultado em rigidez, fanatismo e violência deses-perada em nome de Deus. E o estado do verdadeiro conhecimento? Parece ser o domínio dos santos, que são extraordinariamente raros.

No entanto, Deus está escondido algures, como uma sombra, nas três situações, quer em termos negativos (a divindade de que fugi-mos quando nos afastamos da religião organizada) quer posi tivos (uma realidade mais elevada a que aspiramos). Estar vagamente presente não é o mesmo que ser verdadeiramente importante, muito menos a coisa mais importante que existe. Se é possível tornar Deus real novamente, penso que toda a gente concordaria em tentar.

Neste livro propõe -se que é possível passar da descrença para a fé e daí para o verdadeiro conhecimento. Cada uma dessas fases

* O autor refere-se à representação gráfica da distribuição normal. (N. da T.)

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é um estádio evolutivo e ao explorar o primeiro descobrirão que o segundo se abre. A evolução é voluntária quando se aplica ao mundo interior. Existe uma total liberdade de escolha. Depois de conhe-cerem a descrença em todos os seus pormenores, poderão manter--se nesse estádio ou avançar para a fé. Depois de explorarem a fé, poderão fazer o mesmo, aceitando -a como o vosso lar espiritual ou olhando para lá dela. No fim da viagem encontra -se o conhecimento de Deus, que é tão viável como os dois primeiros estádios — e muito mais real do que eles. Conhecer Deus não é mais místico do que saber que a Terra gira em torno do Sol. Em ambos os casos, um facto é estabelecido e todas as dúvidas prévias e crenças errantes se dissipam naturalmente.

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DEUS É UM VERBO, NÃO UM SUBSTANTIVO

Tornou -se quase impossível implementar a fé obrigatória, espe-cialmente em nós próprios. O nosso velho modelo de Deus está a ser desmantelado perante os nossos próprios olhos. Em vez de tentarmos apanhar os pedaços, tem de ocorrer uma mudança mais profunda. A razão, a experiência pessoal e a sabedoria de muitas culturas começam já a combinar -se. Esta nova síntese é como Deus 2.0, com a evolução humana a dar um salto nas questões espirituais.

Deus 1.0 refletia as necessidades humanas, que são muitas e variadas, e essas necessidades assumiram uma personificação divina. As necessidades vieram em primeiro lugar. Como os seres humanos necessitam de proteção e segurança, projetámos Deus como nosso protetor divino. Como a vida precisa de ser ordenada, fizemos de Deus o supremo legislador. Invertendo o Génesis, criámos Deus à  nossa imagem e semelhança. Ele fazia o que nós queríamos que fizesse. O que se segue são os sete estádios que definimos para um tal Deus.

Deus 1.0

Feito à nossa imagem e semelhança

1. A necessidade de segurança e de proteção contra os perigosDeus transforma -se num pai ou numa mãe. Controla as forças

da Natureza, trazendo boa ou má sorte. Os seres humanos vivem

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como crianças ao abrigo da proteção de Deus. Os seus pensamentos não podem ser conhecidos; ele age por capricho, distribuindo amor ou punição. A Natureza é ordenada, mas não deixa de ser perigosa.

Este é o seu Deus se reza para obter socorro, se encara o divino como uma figura de autoridade, se acredita no pecado e na redenção e se reconhece a intervenção de Deus nos acidentes ou desastres que ocorrem subitamente.

2. A necessidade de realização e de atingir objetivosDeus torna -se um legislador. Instaura leis e segue -as. Isso per-

mite que seja possível conhecer o futuro: Deus recompensará quem seguir as leis e punirá quem lhes desobedecer. Sobre estes alicer-ces, os seres humanos podem construir uma vida boa e alcançar o sucesso material. O segredo está no trabalho árduo, que agrada a Deus, e numa sociedade que cumpre a lei, que reflete as leis da Natureza. O caos é ultrapassado; o crime é contido. A Natureza existe para ser dominada mais do que temida.

Este é o seu Deus se acredita que Deus é razoável, quer que tenha sucesso, recompensa o trabalho árduo, distingue o certo do errado e criou o universo para que ele funcione segundo leis e prin-cípios.

3. A necessidade de estabelecer ligações, de constituir famílias e comunidades assentes no amor

Deus torna -se uma presença de amor dentro de cada coração. O olhar dos crentes virou -se para dentro. Estabelecer laços com os outros ultrapassa a mera sobrevivência mútua. A humanidade é uma comunidade ligada pela fé. Deus quer que construamos uma cidade na colina, uma sociedade ideal. A Natureza existe para alimentar a felicidade humana.

Este é o seu Deus se é idealista, otimista em relação à Natureza humana, crê na humanidade comum e tem uma atitude recetiva ao

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amor de uma divindade que tudo perdoa. O perdão será sentido interiormente, não concedido através de um sacerdote.

4. A necessidade de compreensãoDeus não julga. Tudo saber é tudo perdoar. A ferida na Natu-

reza humana que separa o bem do mal começa a sarar. A tole-rância aumenta. Desenvolvemos empatia por quem erra, porque Deus nos mostra a sua empatia. A necessidade de recompensas e  punições severas diminui. A vida tem muitos cambiantes do bem e do mal, e tudo tem as suas razões. A Natureza existe para nos mostrar toda a gama da vida na sua forma mais criativa e mais destrutiva.

Este é o seu Deus se ele compreende em vez de julgar, se encara com benevolência os seus atos porque Deus também o faz, se aceita o bem e o mal como aspetos inevitáveis da criação, se Deus lhe concede a sua compreensão.

5. A necessidade de criar, descobrir e explorarDeus torna -se uma fonte de criatividade. Concedeu -nos à nas-

cença a curiosidade. Mantém -se impossível de conhecer, mas revela segredo atrás de segredo na criação. Nos limites do universo, o desconhecido é um desafio e uma fonte de maravilhamento. Deus não quer que o veneremos, mas que evoluamos. A nossa missão é descobrir e explorar. A Natureza existe para nos proporcionar mistérios sem fim que desafiam a nossa inteligência — há sempre mais a descobrir.

Este é o seu Deus se vive para explorar e desenvolver a sua criatividade, se se sente mais feliz a confrontar o desconhecido, se  tem  total confiança que a Natureza, incluindo a Natureza humana, pode ser conhecida, desde que continuemos a questionar as coisas e nunca nos conformemos com uma verdade fixa e pré--ordenada.

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6. A necessidade de orientação moral e de inspiraçãoDeus torna -se puro maravilhamento. Depois de a razão atingir

os limites do entendimento, mantém -se o mistério. Os sábios, os santos e as pessoas divinamente inspiradas penetraram -no. Sentiram uma presença divina que transcende a vida quotidiana. O mate-rialismo é uma ilusão. A Criação foi construída em duas camadas, a  visível e a invisível. Os milagres tornam -se reais quando tudo é um milagre. Para chegar a Deus, temos de aceitar a realidade das coisas invisíveis. A Natureza é uma máscara do divino.

Este é o seu Deus se enveredou por uma busca espiritual. Quer saber o que se encontra por trás da máscara do materialismo, encon-trar a fonte da cura, sentir paz e estar em contacto direto com uma presença divina.

7. Unidade, o estado para além de todas as necessidadesDeus torna -se Uno. Existe uma realização total porque atingi-

mos o objetivo da nossa busca. Experienciamos o divino em toda a parte. O último resquício de separação desapareceu. Não sentimos necessidade de distinguir santos de pecadores, porque Deus permeia tudo. Neste estado, não conhecemos a verdade; tornamo -nos a ver-dade. O universo e tudo o que nele acontece são expressões de um só Ser subjacente, que é pura consciência, pura inteligência e pura criatividade. A Natureza é a forma externa que a consciência assume ao desenrolar -se no tempo e no espaço.

Este é o seu Deus se sentir uma ligação total à sua alma e à sua origem. A sua consciência expandiu -se, adotando agora uma perspe-tiva cósmica. Vê tudo a acontecer na mente de Deus. O êxtase dos grandes místicos, que parecem especialmente dotados ou escolhidos, torna -se agora acessível, porque amadureceu completamente do ponto de vista espiritual.

O Deus que completa este esquema, Deus como Uno, é dife-rente dos outros. Não é uma projeção. Significa um estado de total

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certeza e maravilhamento, e se conseguir atingir esse estado já não estará a projetar. Todas as necessidades foram satisfeitas; o caminho terminou com a própria realidade.

Olhando para esta lista, talvez não se identifique com nenhuma das necessidades que Deus poderia satisfazer. É compreensível quando a fé é uma confusão. Nenhuma versão de Deus é suficien-temente forte para obter a sua adesão. A confusão está também enraizada na forma como o cérebro processa as escolhas. Quando está a decidir num restaurante se mandar vir uma salada ou um cheeseburger gordurento, a sua escolha é organizada por grupos dis-tintos de neurónios no córtex cerebral. Um grupo defende a opção da salada, o outro a do cheeseburger. Está a tomar uma decisão.

Mas, ao mesmo tempo, cada grupo de neurónios envia sinais químicos para suprimir a atividade do outro. Este fenómeno, que dá pelo nome de «inibição cruzada», está a ser estudado por espe-cialistas do cérebro. A noção básica é familiar: no desporto, os adeptos torcem pela sua equipa e vaiam a outra equipa. Em todos os conflitos armados, é dito aos soldados que Deus está do seu lado, mas não do lado dos outros. Provavelmente, a maneira de pensar em que somos «nós contra eles» tem uma profunda ligação cere-bral. Em relação a dúvidas espirituais, a ideia de um Pai que nos ama inibe a ideia de um Pai castigador. Cada uma delas tem a sua própria base racional e uma diminui a outra. Um pai que nos ama deveria amar todos os seus filhos igualmente, mas todos os povos favorecidos por Deus sofreram sem causa. Como o comportamento de Deus é tão errático como o nosso, qualquer razão para venerar um tipo de Deus é inibida por uma versão rival — por sete versões rivais, de facto.

Se Deus 1.0 é uma projeção, isso significa que Deus não existe? É mais um prego para o seu caixão? Não necessariamente. O facto de Richard Dawkins e companhia rejeitarem Deus não significa

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que o seu ponto de vista seja completo ou verdadeiro. Peça -se a um adolescente para descrever os seus pais e obter -se -á uma descrição pouco fiável. Como adolescente, ele tem uma visão confusa de como são os pais. Combina a necessidade das crianças de amor, segurança e proteção com a necessidade dos adultos de independência, autos-suficiência e identidade própria. Quando os dois lados se encontram, verifica -se um processo de inibição cruzada. Ninguém aceitaria cegamente as críticas de um adolescente aos pais, muito menos abo-liria a instituição da família com base nelas. De forma semelhante, na nossa visão confusa de Deus, somos testemunhas pouco fiáveis da verdadeira Natureza do divino e as nossa dúvidas não significam que Deus deva ser abolido.

Uma Nova Versão, Deus 2.0

Todas as épocas criam um Deus que serve só durante algum tempo (embora esse tempo possa durar séculos). A nossa época faz uma exigência mínima ao espírito: queremos uma divindade que possamos ignorar livremente.

Como, então, deveríamos recriar Deus? Estou a referir -me a Deus no mundo ocidental. Outras variedades de Deus não estão ainda prontas para serem renovadas. O islão fundamentalista é uma ação de retaguarda que está desesperadamente a tentar preservar Deus 1.0, insistindo na versão mais primitiva, um Deus que protege os fiéis da aniquilação; um tal Deus não pode deixar de ser uma questão de vida ou de morte. Também não estou a referir -me a Deus no Oriente, uma parte do mundo com uma longa tradição de encarar Deus como Uno. É Deus 1.0 no seu sétimo estádio, uma presença que está infundida em toda a criação. Uma divindade como essa não tem localização, a não ser na origem da nossa consciência, que só pode ser encontrada após uma viagem interior. Deus como

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o eu mais elevado é a revelação máxima. Um número incontável de pessoas na Ásia é criada na crença de um eu mais elevado — na Índia chama -se Atman — mas não empreende efetivamente essa viagem interior. Tal como no Ocidente, a maior parte das pessoas no Oriente vive como se Deus fosse opcional, um dado adquirido da sua herança cultural que faz pouca ou nenhuma diferença no desenrolar da sua vida prática.

Para ter futuro, Deus tem de cumprir as promessas feitas em seu nome ao longo da História. Em vez de ser uma projeção, Deus 2.0 é o inverso. É a realidade da qual brota a existência. À medida que prosseguimos na nossa viagem interior, a vida do dia a dia vai ficando impregnada com qualidades divinas como o amor, o perdão e a compaixão. Experimentamos essas qualidades em nós mesmos como realidade. Deus 2.0 faz muito mais — é a interface entre cada um de nós e a consciência infinita. Tal como as coisas estão agora, uma experiência de Deus é rara, quase inexistente, porque nos concentramos no mundo exterior e em objetivos materiais. Quando se inicia o processo de encontrar Deus, o mundo interior revela -se. A experiência de Deus começará a tornar -se a norma, não de forma espetacular como um milagre desejado, mas de uma forma muito mais profunda, como transformação.

Deus 2.0

Estabelecer a Ligação

Primeira ligação: a experiência de Deus inicia ‑seTornamo -nos centrados. A mente acalma -se e fica mais auto-

consciente. O desassossego e a insatisfação diminuem. Temos momentos de júbilo sereno e de paz interior, que se vão tornando mais frequentes. Deparamo -nos com menos resistência na nossa

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vida. Sentimos que temos importância no quadro mais alargado da  vida. A vida quotidiana torna -se mais fácil. Sentimos menos stress, menos dificuldades, menos pressões.

Ligação mais profunda: a experiência de Deus transforma ‑nosUma consciência mais elevada torna -se real. Apreciamos o valor

de simplesmente existir. Os nossos desejos concretizam -se com muito menos esforço do que antes. Em acessos de perceção, vemos por que razão existimos e qual é o nosso objetivo. As distrações externas deixam de nos dominar. Sentimo -nos emocionalmente ligados com as pessoas que amamos. A ansiedade e as dificuldades diminuem drasticamente. A nossa vida parece -nos certa.

Ligação total: o nosso verdadeiro eu é DeusFundimo -nos com a nossa origem. Deus é revelado como pura

consciência, a essência de quem somos. A seu tempo, esta essência irradiará por toda a criação. Experimentamos a luz da vida dentro de nós próprios. Tudo é perdoado; tudo é amado. O nosso ego individual expande -se e torna -se um ego cósmico. À medida que o esclarecimento interior se vai aprofundando, experimentamos um segundo nascimento. A partir desse momento, a nossa evolução ocorrerá como uma viagem para o transcendente.

Na realidade, já estamos completamente ligados a Deus, visto que estamos a falar da origem da existência. Mas há diversos estados de consciência e a realidade muda em cada um deles. Se a nossa consciência se virar para fora, concentrada no mundo material com os seus precários altos e baixos, não percecionaremos Deus. O mundo exterior será suficiente por si só. Se em vez disso olharmos para lá das aparências externas, concentrando -nos em valores mais elevados tais como o amor e a compreensão, a nossa fé em Deus oferecerá segurança e reconforto. Mas é só quando transformamos a nossa própria consciência que Deus se torna claro, real e útil. Até

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esse momento, o divino tem uma realidade de sombra e é quase inútil. Os céticos têm razão ao questionarem Deus. O seu erro é que estão cegos a um Deus melhor.

Numa palavra, Deus 2.0 é um processo, um verbo e não um substantivo. Uma vez iniciado o processo, ele consolidar -se -á. Saberemos que estamos no caminho certo, porque cada passo trará perceção, clareza e experiências expandidas — que confirmarão que uma consciência mais elevada é real.

Quando existir consciência suficiente, Deus aparecerá. Sabê -lo--emos com tanta certeza como sabemos que temos pensamentos, sentimentos e sensações. Isto é Deus passar -nos -á pela mente tão facilmente como Isto é uma rosa. A presença de Deus será tão pal-pável como o batimento do coração.

Três estados de consciência

É isso o que nos espera. Temos de dar igual peso aos três estados em que as pessoas se encontram atualmente, visto que tanto a des-crença como a fé e o conhecimento servem um objetivo. São as etapas de «Não Há Deus» para «Talvez Deus» e por fim «Deus em mim».

Descrença: neste estádio, a pessoa é guiada pela razão e pela dúvida. A posição «Não Há Deus» parece razoável. Chega -se a ela questionando todas as inconsistências de Deus e os mitos em torno da religião. A Ciência desempenha o seu papel, não provando que Deus existe ou que não existe, mas mostrando -nos como formular questões céticas. A descrença não é só negação. Existe também um tipo de ateísmo que é positivo, o tipo que se centra em Deus como uma possibilidade, mas recusa aceitar a tradição, o dogma ou a fé sem provas. Este tipo de descrença conduz à clareza mental. Obriga -nos a crescer e a agir como adultos, espiritualmente falando, desafiando o impulso da inércia que torna muito fácil aceitar o Deus da catequese.

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Imagine que no seu cérebro existem vias neurais dedicadas à descrença. Essas vias processam o mundo tal como ele lhe chega atra-vés dos seus cinco sentidos. Confia em objetos que possa ver e em que possa tocar. Desconfia do que seja místico. As rochas são duras, as facas cortantes, mas Deus é intangível. Uma boa parte de cada um de nós está ligada a esta zona do cérebro, que abrange diversas regiões. Os impulsos primitivos da fome, do medo, da ira, do sexo e da autodefesa projetam -nos para o mundo físico, aqui e agora. A vida consiste em satisfazer os nossos desejos no presente, não em adiar essa satisfação até chegar ao Céu. Ao mesmo tempo, a descrença incorpora a função cerebral mais elevada da razão e do discernimento, assim como todo o projeto (que não tem uma localização definida no cérebro) de construir um ego forte, um «eu» que nunca está satisfeito por muito tempo. Todo este processamento neural milita contra a realidade de Deus. Não vale a pena estar com fingimentos. A vida exige muito de nós e Deus não conseguiu tornar as coisas diferentes.

Fé: embora a vida moderna tenha corroído todas as religiões organizadas, as pessoas ainda se identificam com a fé. Em sondagens efetuadas, 75 por cento dos Americanos identificam -se com uma religião organizada, quaisquer que sejam as dúvidas que possam ter. Para uma pessoa cética, agarrar -se à fé parece uma infantilidade e uma fraqueza. Na pior das hipóteses, é uma defesa primitiva que escuda as pessoas incapazes de lidarem com a realidade. Mas para o processo de instaurar Deus de novo, a fé é crucial. Dá -nos um objetivo e uma visão. Diz -nos para onde nos encaminhamos muito antes de chegarmos. (Gosto de uma metáfora que ouvi uma vez, que a fé é como sentir o cheiro da maresia antes de ver o mar.)

A fé pode ser negativa. Todos nós conhecemos os perigos do fanatismo assente na fé. A distância entre acreditar na promessa de recompensas no Céu e tornar -se um bombista suicida é assustado-ramente pequena. Mesmo fora das fileiras dos fanáticos, a fé exige o seu preço. Os «bons» católicos e os «bons» judeus orgulham -se

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de não pensarem por si mesmos. A fé sustenta um impulso profun-damente conservador, e, se formos sinceros, todos nós desejamos a segurança e a sensação de pertença nas quais a tradição envolve os fiéis.

No cérebro, a fé abrange as suas próprias redes neurais. Uma parte substancial da atividade ocorre no sistema límbico, o centro das emoções. A fé está ligada ao amor pela família e à dedicação aos pais quando éramos pequenos. Essa recordação invoca nostalgia por um tempo e um lugar melhores; a fé diz -nos que chegaremos lá mais uma vez. Mas as funções cerebrais superiores também estão envolvidas. Ao longo de toda a história das religiões, os fiéis têm sofrido perseguições. Dar a outra face em vez de ripostar e vingar -se requer que o cérebro mantenha valores desenvolvidos como os da compaixão, do perdão e do desapego. Todos nós sabemos qual é a sensação dos impulsos do perdão e da retaliação em conflito dentro de nós; é um exemplo clássico de inibição cruzada no cérebro.

Conhecimento: a única maneira de pôr fim ao conflito interior é alcançar um estado de certeza. O trilho conduz de «Acredito que Deus existe» a «Sei que Deus existe». Pode -se instilar o ceticismo nas crianças desde a mais tenra idade (existe de facto um site na Internet dedicado a mostrar às crianças como «escapar» a Deus); podem levar -se crentes a seguir um falso messias. O conhecimento é diferente quando vem de dentro. Sabemos que existimos; sabemos que estamos conscientes. Deus 2.0 não precisa de mais nada para se alicerçar. A expansão da consciência traz o verdadeiro conhecimento espiritual completamente por si só.

Deus não é como o cometa Halley — não se pode esperar que apareça no céu. Também não podemos chegar a Deus através do pensamento. Felizmente, não temos de o fazer. Começamos por procurar e a nossa busca vai crescendo assente em si própria. Deus não é como os dinossauros. Um fóssil de T. rex é suficiente para  deci dir a questão de se os dinossauros andaram em tempos

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pela Terra. Conhecer Deus consiste em muitas experiências adqui-ridas ao longo de uma vida, uma epifania em câmara lenta, por assim dizer. Indubitavelmente atingirá picos temporários, revelações estonteantes e momentos em que a verdade parece espantosamente clara. Um número reduzido de pessoas pode sentir -se cegada pela luz de Deus na estrada para Damasco. Para elas, Deus revela -se num clarão.

Mas o cérebro conta uma história diferente. O funcionamento cerebral saudável depende de vias neurais fiáveis que funcionam sempre da mesma maneira. Se uma pessoa aprendeu a tocar piano ou a atirar uma bola de futebol, essas capacidades foram adqui-ridas porque se criaram vias neurais específicas. Cada experiência aumenta ou diminui as nossas capacidades. Embora não nos aper-cebamos desse facto, o nosso cérebro está sempre a construir novas vias e a desviar ou até mesmo a destruir outras. Ao nível microscó-pico em que um neurónio se encontra com outro, Deus precisa das suas próprias vias.

Numa epifania em câmara lenta, preparamos o cérebro para se adaptar a experiências espirituais. Existe uma crença popular de que qualquer pessoa pode dominar uma atividade se lhe dedicar dez mil horas: tocar violino, fazer truques de magia, desenvolver uma memória extraordinária ou qualquer outro objetivo. Esta teoria tem uma validade básica, porque alterar vias já existentes e construir novas vias requer tempo e repetição. Embora Deus 2.0 seja mais do que um projeto de remodelação do cérebro, a não ser que o nosso cérebro seja remodelado, a experiência de Deus será impossível. Um ditado da tradição védica da Índia diz: «Isto não é conhecimento que aprendamos. É conhecimento em que nos tornamos.» Encarado do ponto de vista da neurociência, é literalmente verdade.

O processo de Deus incorpora a pessoa na sua totalidade. Lanço -lhe o desafio de descrer de tudo o que já ouviu dizer sobre Deus e de manter a fé ao mesmo tempo. Se Deus é Uno, não deveria

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deixar nada de fora, incluindo o ceticismo mais extremo. A realidade não é frágil. Se duvidarmos da existência de uma rosa, ela não mur-cha nem morre. O único pré -requisito é que aceite a possibilidade de Deus 2.0 ser real.

Perguntaram uma vez a um famoso guru: «Como deveria eu ser vosso discípulo? Deveria venerar -vos? Deveria aceitar cada uma das vossas palavras como a verdade?» O guru respondeu: «Nem uma coisa nem a outra. Abre só a tua mente à possibilidade de que o que eu digo possa ser verdadeiro.» Reprimir qualquer potencial interior — incluindo o potencial de encontrar Deus — faz abortar o projeto. A semente morre antes de brotar. Ter a mente aberta é como abrir uma janela com as persianas corridas. A luz entrará por si só.

Parece -me que é evidente que não estamos a falar de um momento de súbita conversão. A autotransformação é mais como o desenvolvimento de uma criança. Quando tinha quatro anos e brincava com bonecos e via a Rua Sésamo, o seu cérebro ainda estava a desenvolver -se; a seu tempo, abandonou os brinquedos e começou a ler livros. Não houve um momento específico em que a estrada se tenha bifurcado, em que tenha tido de optar por ter quatro ou cinco anos, seis ou sete. Era simplesmente quem era, enquanto que, ao mesmo tempo, a um nível invisível, a evolução estava a exercer o seu efeito.

O processo de autotransformação funciona da mesma maneira. Continuamos a ser quem somos enquanto ocorrem mudanças invisíveis no nosso interior mais profundo. Cada pessoa é como um exército desorganizado. Alguns aspetos da sua personalidade vão à frente enquanto os seguidores das tropas se deixam ficar para trás. A via espiritual dá a sensação de que estamos a avançar a toda a velocidade num dia e a arrastar os pés ou até a escorregar para trás no seguinte. A descrença, a fé e o conhecimento têm todos a sua palavra.

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Mas por fim, se nos mantivermos autoconscientes e atentos ao processo, faremos reais progressos. Haverá mais dias em que nos sentiremos seguros e protegidos e menos dias em que nos senti-remos sozinhos e perdidos. Os momentos de júbilo sereno  tor-nar -se -ão mais frequentes. Sentirmo -nos seguros interiormente tornar -se -á uma sensação básica. O eu é como um holograma, onde qualquer pequena peça pode representar o todo. O processo de construção da experiência de Deus baralha o velho holograma, estilhaço a estilhaço. Verá um novo todo quando a tarefa estiver concluída. Esse todo é Deus.

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