o juiz das garantias e a investigaÇÃo riminal...e, na outra, o código de processo penal, com seus...

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ALESSANDRA DIAS GARCIA O JUIZ DAS GARANTIAS E A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DISSERTAÇÃO DE MESTRADO ORIENTADOR PROFESSOR DOUTOR MARCOS ALEXANDRE COELHO ZILLI FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2014

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ALESSANDRA DIAS GARCIA

O JUIZ DAS GARANTIAS E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL

DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

ORIENTADOR PROFESSOR DOUTOR MARCOS ALEXANDRE COELHO ZILLI

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO

SAtildeO PAULO

2014

ALESSANDRA DIAS GARCIA

O JUIZ DAS GARANTIAS E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL

DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

ORIENTADOR PROFESSOR DOUTOR MARCOS ALEXANDRE COELHO ZILLI

TRABALHO APRESENTADO PARA OBTENCcedilAtildeO DO

TIacuteTULO DE MESTRE NO CURSO DE POacuteS-

GRADUACcedilAtildeO STRICTO SENSU DA FACULDADE

DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO

SAtildeO PAULO

2014

RESUMO

A imprescindibilidade da atuaccedilatildeo do magistrado na fase preliminar da persecuccedilatildeo

penal como garantidor dos direitos fundamentais do investigado eacute inegaacutevel A consecuccedilatildeo

desse mister acarreta poreacutem o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz para o

julgamento do meacuterito A atribuiccedilatildeo das funccedilotildees de atuar na fase de investigaccedilatildeo preliminar

e durante o processo a julgadores distintos foi o caminho que muitos ordenamentos

trilharam para lidar com essa problemaacutetica A mesma soluccedilatildeo foi adotada pelo Projeto de

Coacutedigo de Processo Penal brasileiro ndash PLS nordm 1562009 ao prever a figura do juiz das

garantias responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela

salvaguarda dos direitos individuais Essa figura consentacircnea ao principio acusatoacuterio

consagrado pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988 assegura a imparcialidade de forma muito

mais efetiva preservando o distanciamento do julgador dos elementos colhidos durante a

investigaccedilatildeo criminal

ABSTRACT

The indispensability of the judgersquos involvement in the preliminary stage of criminal

prosecution as a guarantor of the inquired person fundamentals rights is undeniable

However this intervention compromises the impartiality of the judge on the judgment of

the merits The allocation of duties to act to different judges in the preliminary

investigation phase and during the case was the way that many law systems have fallowed

to handle this problem The same solution was adopted by the Bill of the Brazilian Code of

Criminal Procedure ndash PLS nordm 1562009 The Bill provides the figure of the guarantee

judge which controls the legality of the criminal investigation and ensures the protection

of individual rights The guarantee judde in accordance to the accusatory principle settleed

in the Federal Constitution assures a more effective impartiality preserving the distance of

the judge from elements collected during criminal investigation

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 1

CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 7

1 Persecuccedilatildeo penal finalidade 7

2 As fases da persecuccedilatildeo 14

21 A fase judicial sentido e alcance 14

22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance 18

3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais 25

31 Sistema acusatoacuterio 25

32 Sistema inquisitoacuterio 29

33 Sistema misto 32

CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO PROCESSO 37

1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo 37

11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica 44

12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro 53

13 Devido Processo Penal 55

2 Direito de defesa 58

21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal 64

3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia 70

31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal 77

4 A imparcialidade do juiz 81

41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar 90

CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL 95

1 Consideraccedilotildees iniciais 95

2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico 96

21 As Ordenaccedilotildees do Reino 96

22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 101

23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842 108

24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871 113

25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 117

3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 123

31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal

123

32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento 127

321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz135

CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no Processo Penal

Brasileiro 139

1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias 139

2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares 147

3 Atribuiccedilotildees 152

4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro 156

41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal 157

42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual

159

CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO 166

1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo

penal166

2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves

decisotildees do juiz das garantias 169

3 A escassez de recursos humanos e materiais 172

4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico 180

5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que

exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias 181

6 Instacircncias recursais 183

CONCLUSAtildeO 188

BIBLIOGRAFIA 192

1

INTRODUCcedilAtildeO

Em vigor desde 1941 o Coacutedigo de Processo Penal brasileiro apesar ter sofrido

reformas pontuais recentes tornou-se pelo decurso do tempo obsoleto natildeo mais

atendendo agraves exigecircncias de um processo penal moderno garantista e democraacutetico em

decorrecircncia das mudanccedilas sociais e poliacuteticas ocorridas no Paiacutes e sobretudo tendo em vista

a nova ordem constitucional vigente

A forma como o direito eacute regulado conforme preceitua Antonio Scarance

Fernandes eacute consequecircncia direta dos valores superiores em determinado momento

histoacuterico dependendo a forma como satildeo regrados os institutos processuais especialmente

da predominacircncia que se decirc ao indiviacuteduo em confronto com o Estado ou ao contraacuterio ao

Estado frente ao indiviacuteduo1

Assim as alteraccedilotildees poliacuteticas e a diversidade de ideologias ao longo do tempo

ocasionaram regramentos distintos aos institutos processuais na evoluccedilatildeo histoacuterica e nos

diversos ordenamentos culminando na impossibilidade de que sejam objeto de uma

disciplina definitiva imutaacutevel e uniforme2

Segundo o autor ldquoa histoacuteria do processo penal eacute marcada por movimentos

pendularesrdquo oscilando entre a predominacircncia de ideais de seguranccedila social e de eficiecircncia

repressiva e a prevalecircncia do objetivo de proteccedilatildeo do acusado isto eacute de afirmaccedilatildeo e

preservaccedilatildeo de suas garantias Para o autor ldquoessa diversidade de encaminhamentos satildeo

manifestaccedilotildees naturais da eterna busca de equiliacutebrio entre o ideal de seguranccedila social e a

imprescindibilidade de se resguardar o indiviacuteduo em seus direitos fundamentaisrdquo3

Essa dicotomia eacute representada de modo geral pelo embate entre eficiecircncia e

garantismo no processo penal Atualmente poreacutem haacute consenso no sentido de que esses

dois aspectos natildeo devem se opor de modo a que a um natildeo possa subsistir em face do outro

1 FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2010 p 21 2 IBID p 21

3 IBID p 19

2

mas devem ser complementares jaacute que natildeo eacute possiacutevel conceber um processo eficiente sem

garantismo4

Para Aury Lopes Jr o processo como instrumento para a implementaccedilatildeo do direito

penal deve realizar sua dupla funccedilatildeo ldquode um lado tornar viaacutevel a aplicaccedilatildeo da pena e de

outro servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais

assegurando os indiviacuteduos contra os atos abusivos do Estadordquo5 Nesse sentido o processo

penal deve servir como instrumento de limitaccedilatildeo da atividade estatal de modo a coibir

eventuais arbiacutetrios praticados estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos

direitos individuais constitucionalmente previstos como a presunccedilatildeo de inocecircncia o

contraditoacuterio a ampla defesa o juiz natural a imparcialidade e a publicidade entre tantos

outros

Disso tudo conclui-se que o processo penal natildeo eacute apenas um instrumento teacutecnico

mas reproduz valores poliacuteticos e ideoloacutegicos de uma naccedilatildeo O processo penal nos dizeres

de Antonio Scarance Fernandes

Espelha em determinado momento histoacuterico as diretrizes baacutesicas do

sistema poliacutetico do paiacutes na eterna busca de equiliacutebrio na concretizaccedilatildeo de dois

interesses fundamentais o de assegurar ao Estado mecanismos para atuar o seu

poder punitivo e o de garantir ao indiviacuteduo instrumentos para defender os seus

direitos e garantais fundamentais e para preservar a sua liberdade6

Desse modo especialmente por atingir um bem fundamental do ser humano que eacute

a liberdade o processo penal reflete a concepccedilatildeo poliacutetica dominante e o seu modo de tratar

os direitos as garantias do suspeito do acusado e os interesses dos oacutergatildeos incumbidos da

persecuccedilatildeo penal7

4 IBID p 19

5 LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris

2001 p 20 6 FERNANDES Antonio Scarance Processo p 22

7 IBID p 21

3

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 nesse sentido ao adotar o sistema acusatoacuterio no

processo penal que consagra diversas garantias como por exemplo a necessidade de

observaccedilatildeo do contraditoacuterio e da ampla defesa a imparcialidade do magistrado a

igualdade das partes a presunccedilatildeo de inocecircncia o sistema de provas do livre

convencimento do magistrado com a fundamentaccedilatildeo de todas as decisotildees judiciais

privilegiando assim a transparecircncia a clareza e a publicidade dos diversos atos

processuais8 exige que tais garantias sejam respeitadas durante toda a persecuccedilatildeo penal e

mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um processo penal constitucional

Eacute possiacutevel afirmar entatildeo que o cenaacuterio brasileiro eacute de marcante contradiccedilatildeo jaacute que

numa extremidade posiciona-se o texto constitucional com os valores acima mencionados

e na outra o Coacutedigo de Processo Penal com seus resquiacutecios inquisitivos que sobreviveu

natildeo obstante sua essecircncia agrave entrada em vigor do atual texto constitucional repleto de

princiacutepios processuais e que adotou entre noacutes o modelo acusatoacuterio9

Dentre os seus mais diversos efeitos importa salientar no acircmbito deste estudo

especialmente que o sistema acusatoacuterio projeta consequecircncias diretas tambeacutem na fase

investigatoacuteria impedindo a adoccedilatildeo de uma estrutura que se assemelhe aos juizados de

instruccedilatildeo onde compete ao julgador tambeacutem a reuniatildeo e coleta das provas10

Entretanto a preparaccedilatildeo da accedilatildeo penal eacute um tema discriminado na histoacuteria do

processo penal brasileiro jaacute que apoacutes mais de setenta anos de vigecircncia do texto

instrumental em vigor poucos e isolados temas dentro da investigaccedilatildeo foram

adequadamente abordados e constantemente as fronteiras entre a atuaccedilatildeo da poliacutecia

judiciaacuteria Ministeacuterio Puacuteblico e Magistratura foi esquecida com sobreposiccedilatildeo de

atuaccedilotildees11

8 GUIMARAtildeES Gisele Souza A invalidade da investigaccedilatildeo criminal realizada diretamente pelo parquet sob

o enfoque do sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23022013 9 CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 123 10

ldquoUma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio pode ser sentida na fase investigativa Esta nova

visatildeo acusatoacuteria destaca as funccedilotildees e a participaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico na fase preparatoacuteria na medida

em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador externo da atividade policial

impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos juizados de instruccedilatildeordquo CHOUKR Fauzi

Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai WOISCHNIK Jan (Coord) Las

Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC 2000 p 146 11

CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 146

4

Ocorre poreacutem que a ideia de garantismo que permeia a atual concepccedilatildeo de

processo penal exige que se esclareccedila qual eacute o papel dado pelo texto magno a cada um dos

atores processuais nesse momento devendo ser delimitada sobretudo a atuaccedilatildeo do

julgador durante a investigaccedilatildeo criminal

A visatildeo garantidora coloca o magistrado na posiccedilatildeo fundamental de garantidor dos

direitos do investigado ainda na fase preparatoacuteria ndash onde justamente as garantias

constitucionais satildeo mais nebulosas ndash dando-se tal proteccedilatildeo sobretudo atraveacutes da

jurisdicionalizaccedilatildeo dos incidentes investigativos que demandem para a apuraccedilatildeo dos fatos

a legiacutetima violaccedilatildeo de direitos constitucionalmente estabelecidos12

A atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual todavia pode trazer o

inconveniente ateacute entatildeo irremediaacutevel no ordenamento juriacutedico brasileiro de estabelecer

ainda que de forma inconsciente no iacutentimo do magistrado uma prevenccedilatildeo ou

prejulgamento inconciliaacuteveis com a imparcialidade que deve orientar a sua atuaccedilatildeo

durante toda a persecuccedilatildeo penal

Eacute nesse contexto que se insere a criaccedilatildeo do juiz das garantias instituto que

pretendemos analisar nesse trabalho surgido em meio agrave elaboraccedilatildeo do projeto de um novo

Coacutedigo de Processo Penal dada a incompatibilidade entre os modelos normativos da atual

legislaccedilatildeo processual oriunda da deacutecada de 1940 e da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

idealizadora de um Estado Democraacutetico de Direito estruturado sobre um extenso rol de

direitos e garantias fundamentais

Seguindo uma tendecircncia relativamente consolidada de separaccedilatildeo entre as funccedilotildees

judiciais concernentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo na experiecircncia internacional como por

exemplo o giudice per le indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o

juez de garantiacutea no Chile13

sistema este profundamente influenciado pelo Coacutedigo de

Processo Penal modelo para a Ameacuterica Latina que tem servido de base para a reforma

operada na uacuteltima deacutecada em diversos paiacuteses latino-americanos a proposta de criaccedilatildeo

dessa nova figura judicial foi trazida ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo PLS

1562009 que propotildee a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal

12

CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 147 13

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo cautelares e o juiz das garantias Revista de Informaccedilatildeo

Legislativa Brasiacutelia v46 n183 jul-set 2009 p 88-89

5

De acordo com a proacutepria exposiccedilatildeo de motivos do Projeto de Lei a instituiccedilatildeo de

um de juiz de garantias no Brasil era uma exigecircncia para a consolidaccedilatildeo de um modelo

orientado pelo princiacutepio acusatoacuterio Ele seraacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da

investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais Trata-se portanto de um

magistrado cujo acircmbito de atuaccedilatildeo eacute assegurar os direitos e as garantias fundamentais do

cidadatildeo na fase de investigaccedilatildeo criminal

O objetivo do presente estudo eacute portanto analisar a conveniecircncia e utilidade da

proposta de inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias no processo penal brasileiro

Tal estudo teraacute como ponto de partida a anaacutelise da investigaccedilatildeo criminal como a

primeira fase da persecuccedilatildeo penal agrave luz do garantismo e da conformaccedilatildeo de um estado

democraacutetico de direito

Ainda no primeiro capiacutetulo destinado agrave investigaccedilatildeo criminal seratildeo analisadas as

caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio

inquisitoacuterio e misto Tal anaacutelise se mostra relevante uma vez que no decorrer da histoacuteria

cada ordenamento juriacutedico adotou o meio de investigaccedilatildeo preliminar que lhe pareceu mais

adequado levando em consideraccedilatildeo principalmente o sistema processual penal adotado

estruturado com base em aspectos eminentemente poliacuteticos

No segundo capiacutetulo pretende-se estabelecer uma correlaccedilatildeo entre o devido

processo e sua projeccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal Para tanto buscaremos

analisar o significado e o conteuacutedo do devido processo legal propriamente bem como das

garantias dele decorrentes que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que elegemos como

imprescindiacuteveis para o desenvolvimento do presente estudo por estarem intimamente

relacionadas com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa

a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador atentando-se para o conceito de

imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia dos tribunais internacionais

sobretudo pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos

O terceiro capiacutetulo seraacute dedicado ao estudo da relaccedilatildeo entre o juiz e a investigaccedilatildeo

preliminar Analisaremos portanto qual o papel desempenhado pelo julgador na

investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo

nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo

6

O quarto capiacutetulo trataraacute especificamente da figura do juiz das garantias em

conformidade com a proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 Apoacutes a

contextualizaccedilatildeo do proacuteprio projeto de lei e da apresentaccedilatildeo do instituto do juiz das

garantias seratildeo analisados o seu acircmbito de atuaccedilatildeo e suas atribuiccedilotildees Compreendidos

estes pontos passaremos agrave anaacutelise dos objetivos a serem alcanccedilados com a adoccedilatildeo desta

figura no ordenamento juriacutedico nacional

Por fim o uacuteltimo capiacutetulo destinar-se-aacute agrave exposiccedilatildeo das criacuteticas jaacute formuladas pela

doutrina nacional a respeito da adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias pelo Projeto de Lei

1562009 bem como ao exame de algumas das propostas jaacute elaboradas para o

aprimoramento dessa nova figura e sua adequaccedilatildeo aos objetivos a serem alcanccedilados com a

sua instituiccedilatildeo

7

CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES

INICIAIS

1 Persecuccedilatildeo penal finalidade

O homem eacute um ser coexistencial que natildeo pode subsistir por longo tempo

independente de qualquer contato ao oposto devido agrave natureza de suas condiccedilotildees

existenciais todas as pessoas dependem do intercacircmbio da colaboraccedilatildeo e confianccedila

reciacuteprocas14

Assim ao natildeo alcanccedilar sua plenitude isoladamente o homem estaacute obrigado a

interagir com outros homens A necessidade de viver em sociedade no entanto impotildee o

estabelecimento de regras em prol do desenvolvimento de todos As regras do direito

dessa forma tecircm como fim o controle dos impulsos e vontades dos indiviacuteduos de forma a

possibilitar o conviacutevio social

O direito penal surge portanto como um importante instrumento de manutenccedilatildeo da

paz social cuja missatildeo eacute a proteccedilatildeo da convivecircncia em comunidade15

A tarefa do direito penal assim consiste em proteger os valores essenciais da vida

comunitaacuteria no acircmbito da ordem social e assegurar a manutenccedilatildeo da paz juriacutedica16

ldquoA

justificaccedilatildeo da existecircncia do direito penal resulta segundo a experiecircncia da histoacuteria da

humanidade jaacute de sua imprescindibilidade para uma proveitosa vida coletivardquo17

A possibilidade de utilizaccedilatildeo da prisatildeo como forma de assegurar o ecircxito de suas

regras eacute uma particularidade do direito penal que aleacutem disso trata dos bens mais

preciosos agrave condiccedilatildeo humana

14

JESCHECK Hans Heinrich Tratado de Derecho Penal Parte General 4ordf ed Trad Joseacute Luis Manzanares

Samaniego Granada Comares 1993 p 2 15

IBID p 2 16

WESSELS Johannes Direito Penal Parte Geral Aspectos Fundamentais Trad Juarez Tavares Porto

Alegre Fabris 1976 p 03 17

IBID p 02

8

Por isso hoje existe consenso em afirmar que o direito penal deve ser marcado por

um caraacuteter fragmentaacuterio subsidiaacuterio e de ultima ratio para o resguardo de bens juriacutedicos18

Ou seja para punir uma conduta socialmente danosa deve-se exigir que natildeo

existam outros meios menos gravosos para fazecirc-lo Isso porque a pena eacute nociva agrave

existecircncia social do condenado excluindo-o da sociedade e com isso produzindo dano

social Por isso devem preferir-se agraves penas medidas que tenham para o afetado

consequecircncias menos gravosas Esta ideia se expressa com a foacutermula de que o direito penal

deve ser a ultima ratio da poliacutetica social subsidiaacuterio devendo a ele recorrer-se tatildeo somente

quando todos os demais instrumentos extrapenais fracassaram19

Todavia a simples previsatildeo de norma incriminadora natildeo tem a capacidade de

impedir a violaccedilatildeo dos dispositivos penais surgindo para o Estado nesse exato momento

de violaccedilatildeo da norma de conduta o direito ndash ou melhor o dever ndash de punir (jus puniendi)

Com a supressatildeo da vinganccedila privada e o estabelecimento dos criteacuterios de justiccedila eacute

que surge a titularidade do direito de punir por parte do Estado Assim como ente juriacutedico

e poliacutetico o Estado avoca para si o direito e o dever de proteger a comunidade e

inclusive o proacuteprio delinquente20

Conforme leciona Aury Lopes Jr o injusto tiacutepico eacute resultante do fracasso do direito

penal em sua funccedilatildeo de prevenccedilatildeo daiacute resultando uma conduta humana voluntaacuteria

finalisticamente dirigida que fere ou expotildee a perigo bens e valores reconhecidos e

protegidos pelo ordenamento o que acarreta um juiacutezo de desvalor do resultado Esse juiacutezo

de desvalor segundo o autor exterioriza-se em uacuteltima anaacutelise mediante a aplicaccedilatildeo de

18

ROXIN Claus ARZT Gunther TIEDEMANN Klaus Introduccioacuten al Derecho Penal y al Derecho Penal

Procesal Trad Luis Arroyo Zapatero e Juan-Luis Goacutemez Colomer Barcelona Editorial Ariel 1989 p 22-

23 19

ldquoCon la limitacioacuten del Derecho Penal a la prohibicioacuten de las conductas socialmente dantildeosas o dicho de

otra manera a la proteccioacuten de bienes juriacutedicos queda explicado tan soacutelo uno de los presupuestos de los

que las actuales concepciones del Derecho Penal hacen depender el ejercicio del poder punitivo del Estado

Para castigar una conducta socialmente dantildeosa se ha de exigir ademaacutes el que no existan otros medios

menos gravosos para hacerla frente La razoacuten por la que se estima que soacutelo se debe recurrir al Derecho

Penal quando frente a la conducta dantildeosa de que se trate ha fracasado el empleo de otros instrumentos

sociopoliacuteticos radica en que el castigo penal pone en peligro la existencia social del afectado se le situacutea al

margen de la sociedad y con ello se produce tambieacuten un dantildeo social Por todo ello deben preferirse a las

penas todas aquellas medidas que puedan evitar una alteracioacuten de la vida en comuacuten y que tengan para el

afectado consecuencias menos negativas Esta idea suele expresarse con la foacutermula de que el Derecho Penal

ha de ser la ultima racio de la poliacutetica social El Derecho Penal es subsidiario respecto de las demaacutes

posibilidades de regulacioacuten de los conflictos es decir soacutelo se debe recurrir a eacutel cuando todos los demaacutes

instrumentos extrapenales fracasanrdquo IBID p 22-23 20

ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5ordf ed Madrid Editorial Rubi

Artes Graacuteficas 1984 p 07

9

uma pena e sintetiza a funccedilatildeo repressiva do direito penal21

Ocorre que o direito penal eacute desprovido de coerccedilatildeo automaacutetica Assim para que

possa ser aplicada uma pena natildeo soacute eacute necessaacuterio que exista um injusto tiacutepico mas tambeacutem

que exista previamente o devido processo penal22

Aleacutem disso o Estado natildeo pode punir de qualquer maneira e o processo penal surge

como o ramo que conteacutem a estrutura a ser observada no exerciacutecio da funccedilatildeo punitiva

justificando-se segundo Luigi Ferrajoli ldquoprecisamente en cuanto teacutecnica de minimizacioacuten

de la reaccioacuten social frente al delito de minimizacioacuten de la violencia pero tambieacuten del

arbiacutetrio que de otro modo se produciriacutea con formas aun maacutes salvajes y desenfrenadasrdquo23

Assim o Estado conhecedor dos riscos gerados pela autodefesa agrave medida que se

fortalece assume o monopoacutelio da justiccedila proibindo expressamente os particulares de

aplicarem a justiccedila por suas proacuteprias matildeos Portanto ldquofrente agrave violaccedilatildeo de um bem

juridicamente protegido natildeo cabe outra atividade que natildeo a invocaccedilatildeo da devida tutela

jurisdicionalrdquo24

Assim como natildeo haveria estabilidade no meio social se fosse permitido agraves proacuteprias

partes litigantes decidirem pelo uso da forccedila seus litiacutegios no campo extrapenal tambeacutem e

principalmente no campo penal isto eacute na esfera repressiva excessos incalculaacuteveis seriam

reproduzidos em virtude dos arbiacutetrios que o titular do direito de punir ldquocego e

desenfreadordquo passaria a cometer25

Diante dessa realidade irrefutaacutevel o Estado entatildeo autolimitou o seu poder

repressivo26

impondo-se portanto a necessaacuteria utilizaccedilatildeo de uma estrutura preestabelecida

ndash o processo judicial ndash em que mediante a atuaccedilatildeo de um terceiro imparcial e alheio ao

conflito cuja designaccedilatildeo natildeo corresponde agrave vontade das partes e resulta da imposiccedilatildeo da

estrutura institucional seraacute resolvido o conflito e devidamente sancionado o autor27

Logo

21

LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris

2001 p 05 22

IBID p 05-06 23

FERRAJOLI Luigi Derecho y razoacuten Teoriacutea del garantismo penal 4ordf ed Trad Perfecto Andreacutes Ibaacutentildeez

Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayoacuten Mohino Juan Terradillos Basoco e Rociacuteo Cantarero Bandreacutes

Madrid Editorial Trotta 2000 p 604 24

LOPES JR Aury Sistemas p 06-07 25

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Manual de Processo Penal 11ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p

06 26

IBID p 06 27

LOPES JR Aury Sistemas p 07

10

ldquoo processo como instituiccedilatildeo estatal eacute a uacutenica estrutura que se reconhece como legiacutetima

para a imposiccedilatildeo da penardquo28

Estabelece-se portanto o caraacuteter instrumental do processo

penal com relaccedilatildeo ao direito penal e agrave pena sendo o processo o meio necessaacuterio para a sua

imposiccedilatildeo

O monopoacutelio da jurisdiccedilatildeo penal por parte do Estado e tambeacutem a instrumentalidade

do processo penal satildeo expressotildees da aplicaccedilatildeo efetiva no campo penal da maacutexima latina

nulla poena et nulla culpa sine iudicio De acordo com Gomez Orbaneja eacute o que se

denomina de principio de la necesidad del proceso penal29

De acordo com Luigi Ferrajoli o modelo garantista de direito e de responsabilidade

penal natildeo admite qualquer imposiccedilatildeo de pena sem que se produzam a comissatildeo de um

delito sua previsatildeo legal como delito a necessidade de sua proibiccedilatildeo e puniccedilatildeo seus

efeitos lesivos para terceiros o caraacuteter externo ou material da accedilatildeo criminosa a

imputabilidade e a culpabilidade do seu autor e aleacutem disso sua prova empiacuterica produzida

por uma acusaccedilatildeo perante um juiz imparcial em um processo puacuteblico e contraditoacuterio em

face da defesa e mediante procedimentos legalmente preestabelecidos30

Assim pelo respeito agrave dignidade humana e agrave liberdade individual eacute que o Estado

assenta a expressatildeo do seu poder repressivo natildeo soacute em pressupostos juriacutedico-penais

materiais (nullum crimen nulla poena sine lege ndash natildeo haacute crime sem preacutevia definiccedilatildeo nem

pena sem anterior cominaccedilatildeo legal) como tambeacutem assegura a aplicaccedilatildeo da lei penal ao

caso concreto de acordo com as formalidades prescritas previamente em lei e sempre por

meio dos oacutergatildeos jurisdicionais (nulla poena sine judice nulla poena sine judicio ndash

nenhuma pena pode ser imposta senatildeo pelo juiz nenhuma pena pode ser aplicada senatildeo

por meio do processo)31

Vincenzo Manzini destaca o caraacuteter acessoacuterio e instrumental do direito processual

penal afirmando natildeo ser possiacutevel conceber-se um direito penal material que se aplique sem

a garantia das formalidades processuais32

O direito processual penal eacute portanto o

28

IBID p 06-07 29

GOMEZ ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Tomo I Barcelona

Bosch 1951 p 27 30

FERRAJOLI Luigi Op cit p 103-104 31

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 06 32

ldquoCiograve posto Il diritto processuale ha necessariamente natura accessoria e strumentale perchegrave pressupone

lrsquoesistenza di norme di diritto materiale da applicarse Mentre non egrave impossible concepire um diritto penale

sostanziale che si applichi senza la garanzia delle formalitagrave processuali egrave assolutamente inconcepibile un

11

conjunto de regras direta ou indiretamente sancionadas em que se funda a instituiccedilatildeo dos

oacutergatildeos jurisdicionais e que regula a atividade de apuraccedilatildeo das condiccedilotildees que tornam

aplicaacutevel em concreto o direito penal substantivo33

Portanto nos Estados subordinados agrave lei e ao Direito a pena soacute pode ser aplicada

por meio do processo isto eacute a atividade punitiva dos oacutergatildeos estatais incumbidos de reparar

a ordem juriacutedica violada pelo crime eacute submetida a um preacutevio controle jurisdicional em que

o Poder Judiciaacuterio aplica a norma penal objetiva mediante a resoluccedilatildeo do embate entre o

direito de punir e o direito de liberdade Surge assim uma das premissas elementares do

direito penal e que consiste em natildeo poder ningueacutem sofrer puniccedilatildeo sem julgamento

conforme as formalidades legais34

Existe portanto um iacutentimo e imprescindiacutevel viacutenculo entre delito pena e processo

que portanto satildeo complementares ldquoNatildeo existe delito sem pena nem pena sem delito e

processo nem processo penal senatildeo para determinar o delito e impor uma penardquo35

Deve-se ressaltar que tal ciecircncia natildeo se presta a impor caprichos ou ordens pelos

detentores de poder pelo contraacuterio deve respeitar e mais assegurar os direitos

fundamentais36

Segundo Antonio Scarance Fernandes satildeo dois os direitos fundamentais do

indiviacuteduo que importam particularmente ao processo criminal o direito agrave liberdade e o

direito agrave seguranccedila ambos previstos no caput do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal Como

corolaacuterio desses direitos fundamentais ldquoos indiviacuteduos tecircm direito a que o Estado atue

positivamente no sentido de estruturar oacutergatildeos e criar procedimentos que ao mesmo

tempo lhes garantam seguranccedila e lhes assegurem liberdaderdquo37

diritto processuale che sia fine a se stesso e che trovi applicazione nellrsquoassenza del diritto sostantivo scritto

o non scritto che siardquo MANZINI Vincenzo Trattato di Procedura Penale Italiana Volume Primo Torino

Unione Tipografico 1967 p 85 33

ldquoIl diritto processuale penale egrave pertanto quel complesso di norme direttamente o indirettamente

sanzionate che si fonda sullrsquoistituzione dellrsquoorgano giurisdizionale e che regola lrsquoattivitagrave diretta

allrsquoaccertamento delle condizioni che rendono applicabile in concreto Il diritto penale sostantivordquo IBID p

84-85 34

MARQUES Joseacute Frederico Elementos de Direito Processual PenalCampinas Millenium 2009 v 1 p

04 35

LOPES JR Aury Sistemas p 06 36

BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Princiacutepios do Processo Penal Entre o garantismo e a

efetividade da sanccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 p 24 37

FERNANDES Antonio Scarance Teoria Geral do Procedimento e O Procedimento no Processo Penal

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2005 p 39

12

Para Luigi Ferrajoli o que faz do processo uma operaccedilatildeo diversa da justiccedila com as

proacuteprias matildeos ou de outros meacutetodos perversos de justiccedila sumaacuteria eacute o fato de que ele

objetiva em consonacircncia com a finalidade preventiva dual do direito penal dois diferentes

objetivos a puniccedilatildeo dos culpados juntamente com a tutela dos inocentes Segundo ele eacute

essa segunda preocupaccedilatildeo que fundamenta todas as garantais processuais que envolvem o

processo e que condicionam de vaacuterios modos as instacircncias repressivas expressas pela

primeira38

A histoacuteria do processo penal portanto pode ser lida como a histoacuteria do conflito

entre essas duas finalidades logicamente complementares mas na praacutetica contrastantes39

Verifica-se entatildeo o impasse existencial do processo penal efetividade da coerccedilatildeo

penal versus direitos fundamentais jaacute que inevitavelmente para se obter uma coerccedilatildeo

mais eficaz eacute necessaacuteria a limitaccedilatildeo dos direitos fundamentais A ampliaccedilatildeo destes ao

contraacuterio dificulta a efetividade da coerccedilatildeo O ideal a ser atingido portanto eacute um ponto de

equiliacutebrio pois como sabemos em um Estado Democraacutetico e de Direito ldquoos fins nunca

justificam os meiosrdquo A efetividade da coerccedilatildeo penal deve ser perseguida com eacutetica e

obediecircncia ao conteuacutedo miacutenimo dos direitos e garantias fundamentais40

Para Antonio Scarance Fernandes o que foi conquistado com a evoluccedilatildeo histoacuterica

do processo penal natildeo foi a descoberta de um procedimento perfeito que garantisse de

forma permanente o equiliacutebrio almejado entre a seguranccedila e a liberdade ateacute porque o

processo penal expressa em cada eacutepoca e em cada local as mudanccedilas dos valores ideais e

concepccedilotildees do sistema poliacutetico e as formas diferenciadas de expressatildeo da sociedade Mas

de maneira geral foram sendo estabelecidas algumas diretrizes que constituem os

fundamentos para a formaccedilatildeo dos procedimentos41

Assim com a organizaccedilatildeo do Estado definiram-se estruturas e oacutergatildeos dirigidos agrave

eficiente operaccedilatildeo do direito punitivo prevendo-se nos procedimentos atos e fases

destinados a assegurar a accedilatildeo de tais oacutergatildeos

38

FERRAJOLI Luigi Opcit p 604 No mesmo sentido MANZINI esclarece ldquone consegue che il

processo penale rimane doppiamente caratterizzato come mezzo di tutela dellrsquointeresse sociale di

repressione della delinquenza e come mezzo di tutela dellrsquointeresse individuale e sociale di libertardquo Op cit

p 224 39

FERRAJOLI Luigi Op cit p 604 40

BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Op cit p 24-25 41

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 41

13

Isso porque o Estado como o titular do direito de punir considerando-se que a pena

somente poderaacute ser aplicada pelo oacutergatildeo jurisdicional por intermeacutedio de regular processo

que se origina com a propositura da accedilatildeo necessita evidentemente de oacutergatildeos para

desenvolver a atividade essencial agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo ao culpado Essa atividade eacute

denominada persecuccedilatildeo penal E o direito agrave persecuccedilatildeo penal que consiste em investigar o

fato violador da norma e solicitar o julgamento da pretensatildeo punitiva eacute uma obrigaccedilatildeo

funcional do Estado para alcanccedilar um dos fins essenciais para os quais ele mesmo foi

constituiacutedo seguranccedila e restauraccedilatildeo da ordem juriacutedica42

O caraacuteter indireto da coaccedilatildeo penal torna portanto imprescindiacutevel o aparecimento

de atividade estatal destinada a obter a aplicaccedilatildeo da pena consolidada na persecutio

criminis43

Segundo Joseacute Frederico Marques o Estado tem a prerrogativa de persecuccedilatildeo penal

por meio da qual busca realizar o jus puniendi resultante do crime para infligir ao

delinquente a devida sanccedilatildeo penal Como no entanto o processo eacute o meio exclusivo para a

concretizaccedilatildeo dos fins repressivos do Estado tem este oacutergatildeos apropriados para preparar o

ingresso nos tribunais e a posterior aplicaccedilatildeo jurisdicional das normas do direito punitivo44

Apesar de natildeo ser uma regra absoluta a persecuccedilatildeo penal se desenvolve

ordinariamente em duas fases investigaccedilatildeo preliminar e processo judicial45

que por sua

vez eacute normalmente composto por trecircs momentos distintos postulatoacuterio instrutoacuterio e

decisoacuterio46

Essa cisatildeo da persecuccedilatildeo penal em duas fases tem lugar toda vez que houver a

necessidade de ser percorrida antes das fases processuais uma fase preacutevia destinada agrave

investigaccedilatildeo que natildeo integra portanto o processo47

No mesmo sentido Joseacute Frederico Marques afirma que a persecutio criminis

apresenta dois momentos distintos o da investigaccedilatildeo e o da accedilatildeo penal Isso porque o

processo penal soacute tem iniacutecio com a propositura da accedilatildeo que compreende o pedido de

42

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 43

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 103 44

IBID p 104 45

ldquoEacute comum a separaccedilatildeo do procedimento apenas em duas fases com base em criteacuterio funcional uma que

prepara o julgamento e outra que corresponde ao julgamentordquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria

p 74 No mesmo sentido BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito Processual Penal Tomo I Rio

de Janeiro Elsevier 2008 p 41 46

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 47

ldquoEacute o que sucede nos processos criminais e nos processos relativos e nos processos relativos agraves accedilotildees civis

puacuteblicas nos quais deve ser instaurado previamente um inqueacuterito O inqueacuterito por isso natildeo faz parte da

unidade procedimentalrdquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35

14

julgamento da pretensatildeo punitiva Esta no entanto eacute normalmente precedida de uma fase

de pesquisas ou informatio delicti em que se reuacutenem os dados necessaacuterios para ser

requerida a imposiccedilatildeo da pena48

2 As fases da persecuccedilatildeo

21 A fase judicial sentido e alcance

Conforme jaacute exposto o Estado somente poderaacute aplicar pena ao transgressor da

norma penal apoacutes demonstraccedilatildeo de sua responsabilidade por meio do processo e mediante

decisatildeo do oacutergatildeo jurisdicional49

Segundo Joatildeo Mendes de Almeida Juacutenior as leis do processo satildeo

imprescindivelmente complementares agraves leis constitucionais e as formalidades exigidas

pelo processo uma vez que ldquoasseguram a liberdade dos indiviacuteduos porque garantem a

defesa datildeo forccedila aos julgamentos e aos juiacutezes porque satildeo o penhor da sua

imparcialidade revestem a Justiccedila de toda majestade porque datildeo testemunho da

prudecircncia de seus agentesrdquo satildeo as atualidades das garantias constitucionais50

Para ele se

o modo e a forma da realizaccedilatildeo dessas garantias fossem deixadas agrave discriccedilatildeo das partes ou

dos juiacutezes ldquoa Justiccedila marchando sem guia mesmo sob o mais prudente dos arbiacutetrios

seria uma ocasiatildeo constante de desconfianccedilas e surpresasrdquo51

De acordo com Antonio Scarance Fernandes normalmente satildeo trecircs as fases do

procedimento previstas nos coacutedigos processuais postulatoacuteria instrutoacuteria e decisoacuteria

Segundo ele a primeira fase nos processos criminais abrange o ato de acusaccedilatildeo

formulado normalmente pelo Ministeacuterio Puacuteblico e eventualmente atos de reaccedilatildeo

48

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 49

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 50

ALMEIDA JUNIOR Joatildeo Mendes de O Processo Criminal Brasileiro Satildeo Paulo Freitas Bastos SA

1959 v1 p 13-14 51

IBID p 13

15

defensiva do acusado52

O processo penal segundo Joseacute Frederico Marques soacute se instaura com a

propositura da accedilatildeo que consiste no pedido de julgamento da pretensatildeo punitiva53

e que daacute

iniacutecio agrave fase judicial da persecuccedilatildeo criminal

No mesmo sentido a liccedilatildeo de Paolo Tonini segundo a qual a expressatildeo ldquoprocesso

penalrdquo indica uma porccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal O momento inicial do processo

corresponde ao exerciacutecio da accedilatildeo penal e o momento final tem lugar quando a sentenccedila

torna-se imutaacutevel A expressatildeo ldquoprocesso penalrdquo refere-se agrave seacuterie cronologicamente

ordenada e necessaacuteria de atos que tecircm como ato inicial a accedilatildeo penal definida como ldquoo

pedido dirigido ao juiz de decidir acerca da imputaccedilatildeordquo54

Assim quando algueacutem comete uma infraccedilatildeo penal o Estado como titular do

direito de punir impossibilitado pelas razotildees jaacute expostas de autoexecutar seu direito vai a

juiacutezo - assim como o particular que teve seu interesse atingido pelo comportamento iliacutecito

de outrem - por meio do oacutergatildeo proacuteprio o Ministeacuterio Puacuteblico e deduz a sua pretensatildeo

esclarecendo o que deseja e o que almeja55

O processo penal eacute instaurado dessa maneira para que se julgue a pretensatildeo

punitiva Posteriormente se considerada procedente essa pretensatildeo a atividade processual

teraacute por fim a aplicaccedilatildeo coativa da sanccedilatildeo penal imposta ao reacuteu56

Isto eacute a fim de que a atividade jurisdicional incida sobre essa pretensatildeo dizendo-a

procedente ou improcedente o Estado - ou o particular em determinadas situaccedilotildees -

propotildee a accedilatildeo penal em que eacute pedida a aplicaccedilatildeo das sanccedilotildees penais adequadas57

O objetivo especiacutefico do processo penal eacute a concretizaccedilatildeo da pretensatildeo punitiva

52

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 53

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 54

ldquoLespressione lsquoprocesso penalersquo indica una porzione del procedimento penale Il momento iniziale del

processo corrisponde allesercizio dellazione penale il momento finale si ha quando la sentenza diventa

irrevocabile e cioegrave in sintesi non piugrave impugnabile percheacute nessuna parte haacute presentato ricorso nei termini o

percheacute tutte le impugnazioni ordinarie sono state esperite La nozione di ldquoazione penalerdquo egrave correlata a

quella di processo penale Como abbiamo visto com lespressione ldquoprocesso penalerdquo si fa riferimento a

quella serie cronologicamente ordinata e necessitata di atti che ha come atto iniziale lazione penale Ciograve

premesso possiamo dare una definizione di azione penale Essa egrave la richiesta diretta al giudice di decidere

sullimputazionerdquo TONINI Paolo Manuale di Procedura Penale 11ordf ed Milano Giuffregrave Editore 2010 p

65 55

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 56

IBID p 104 57

IBID p 104

16

decorrente da praacutetica de um crime atraveacutes da garantia jurisdicional isto eacute de obter do juiz

um pronunciamento sobre o meacuterito da pretensatildeo punitiva O conteuacutedo do processo

criminal portanto eacute a averiguaccedilatildeo judicial das condiccedilotildees que podem determinar ou excluir

a viabilidade da pretensatildeo punitiva do Estado58

Deduz o Estado portanto a sua pretensatildeo punitiva em juiacutezo o que constitui

justamente a acusaccedilatildeo a qual pode ser definida como ldquoa apresentaccedilatildeo perante oacutergatildeo

judiciaacuterio do pedido condenatoacuterio e seus fundamentosrdquo59

De acordo com Antonio Scarance Fernandes ponto importante da evoluccedilatildeo

histoacuterica foi a passagem progressiva da acusaccedilatildeo das matildeos do povo e do particular para o

Estado No sistema inquisitorial inicialmente o proacuteprio juiz investigava e instaurava de

ofiacutecio o processo como forma evitar a impunidade decorrente da ineficaacutecia da atuaccedilatildeo

privada e popular Contudo para evitar que o juiz se comprometesse com a tese acusatoacuteria

prevaleceu a acusaccedilatildeo pelo Ministeacuterio Puacuteblico obviamente nos paiacuteses em que essa

instituiccedilatildeo se desenvolveu e fortaleceu60

Assim aleacutem da garantia de que a acusaccedilatildeo devia estar fundamentada em preacutevia

apuraccedilatildeo do fato outra passou a ser exigida qual seja a de que a acusaccedilatildeo fosse ofertada

por oacutergatildeo diverso daquele que julgava a causa61

Com o tempo firmaram-se regras a respeito da forma como devia ser formulada a

acusaccedilatildeo de modo a proporcionar ao acusado uma reaccedilatildeo mais eficiente agrave imputaccedilatildeo

impondo-se que o fato criminoso fosse narrado com todas as suas circunstacircncias que o

acusado fosse precisamente identificado e que as razotildees para a imputaccedilatildeo fossem

claramente indicadas62

Com a acusaccedilatildeo portanto instaura-se o processo que se desenvolve com a

sucessatildeo de vaacuterios atos relevantes de acordo com as formalidades e regras que devem ser

observadas

58

ldquoScopo speciacutefico del processo penale egrave di conseguire la realizzazione della pretesa punitiva derivante da

reato attraverso lrsquoesplicamento della guarentigia giurisdizionale cioegrave di ottenere lrsquoaccertamento positivo o

negativo mediante lrsquoinvertevento del giudice della fondatezza della pretesa punitiva derivante da un reato

fatto valere per lo Stato dal pubblico ministero Il contenuto del processo penale quindi egrave dato

dallrsquoaccertamento giurisdizionale delle condizioni che determinano escludono o modificano la realizzabilitagrave

della pretesa punitiva dello Stato stessordquo MANZINI Vincenzo Op cit p 220 59

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 105 60

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 105 61

IBID p 105 62

IBID p 105

17

Recebida a acusaccedilatildeo o juiz entatildeo daraacute iniacutecio agrave instruccedilatildeo criminal para a coleta das

provas que lhe forem apresentadas por ambas as partes e ao final procuraraacute ouvir o

pretenso culpado63

Na etapa instrutoacuteria portanto produzem-se as provas requeridas pelas

partes ou determinadas pelo juiz64

Segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente sempre houve a previsatildeo de

atos ou fases destinados agrave produccedilatildeo da prova sendo regulados os diversos meios de prova

as formas de avaliaccedilatildeo da prova e os encargos de produccedilatildeo da prova65

Afirma o autor que a verificaccedilatildeo do fato criminoso e de sua autoria natildeo fica

limitada somente a uma fase determinada pois de modo geral todas as diligecircncias

praticadas desde os primeiros atos investigatoacuterios tendem a evidenciar a ocorrecircncia do

delito e a descobrir quem o praticou Para ele quando se refere a uma fase destinada agrave

instruccedilatildeo da causa eacute para designar uma fase cuja funccedilatildeo primordial eacute produzir prova que

pode ser considerada no julgamento Isso natildeo significa que o material reunido

anteriormente natildeo possa ser levado em conta na decisatildeo final pois determinadas

particularidades como a urgecircncia da prova ou a impossibilidade de sua repeticcedilatildeo tornam

impossiacutevel uma regra riacutegida e imutaacutevel de que soacute pode ser admitida a prova produzida na

fase proacutepria66

Por fim o uacuteltimo grupo de atos que constituem a fase decisoacuteria permite que as

partes manifestem-se sobre o material probatoacuterio e elaborem alegaccedilotildees finais decidindo o

juiz em seguida67

A fase de julgamento comprende pois o ato final de decisatildeo e atos

anteriores de manifestaccedilatildeo das partes sobre a prova produzida com os quais buscam

persuadir o juiz evidenciando-lhe a correccedilatildeo de seus argumentos68

Assim apoacutes o estudo do material de cogniccedilatildeo recolhido o juiz procura ver se

prevaleceu o interesse do Estado em punir o culpado ou se o interesse do reacuteu em natildeo

sofrer restriccedilatildeo no seu jus libertatis69

dizendo qual dos dois tem razatildeo Se o Estado aplica

63

Art 400 Na audiecircncia de instruccedilatildeo e julgamento a ser realizada no prazo maacuteximo de 60 (sessenta) dias

proceder-se-aacute agrave tomada de declaraccedilotildees do ofendido agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas arroladas pela acusaccedilatildeo e

pela defesa nesta ordem ressalvado o disposto no art 222 deste Coacutedigo bem como aos esclarecimentos dos

peritos agraves acareaccedilotildees e ao reconhecimento de pessoas e coisas interrogando-se em seguida o acusado 64

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 65

IBID p 131 66

IBID p 132 67

IBID p 35 68

IBID p 147 69

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07

18

ao culpado a sanccedilatildeo se o reacuteu absolve-o70

Antes das fases processuais poreacutem pode haver necessidade de ser percorrida uma

fase preacutevia destinada agrave investigaccedilatildeo que natildeo faz parte do processo mas eacute a ele

antecedente aparelhando-o71

Isso porque para que o Ministeacuterio Puacuteblico como oacutergatildeo do

Estado possa exercer o direito de accedilatildeo penal levando ao conhecimento do juiz a notiacutecia

sobre um fato aparentemente criminoso indicando-lhe tambeacutem o autor eacute conveniente

deva ele dispor dos dados indispensaacuteveis Tais informaccedilotildees preliminares via de regra satildeo

colhidas no primeiro momento da persecuccedilatildeo penal por oacutergatildeo do Estado incumbido de

investigar o fato tiacutepico e sua respectiva autoria a fim de subsidiar a propositura da accedilatildeo

penal72

O proacuteximo toacutepico seraacute pois destinado ao exame dessa fase de investigaccedilatildeo

preliminar

22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance

Como eacute notoacuterio o processo penal por si soacute traduz-se em sanccedilatildeo negativa

provocando efeitos permanentes agravequeles a ele submetido ainda que a accedilatildeo penal ao fim

termine em sentenccedila penal absolutoacuteria73

Nesse sentido a liccedilatildeo de Seacutergio Marcos de

Moraes Pitombo segundo a qual o imputado sofre o processo suportando para sempre os

efeitos sociais dele decorrentes mesmo que haja sua abolviccedilatildeo ademais tolera o processo

suas formalidades e longo percurso que inclui transporte algemas espera interrogatoacuterio

audiecircncia de instruccedilatildeo e mais instrumentos a disposiccedilatildeo da Justiccedila Penal74

Ainda de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida

70

IBID p 07 71

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 72

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 7-8 73

SAAD Marta O direito de defesa no inqueacuterito policial Satildeo Paulo RT 2004 p 21-22 74

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito policial exerciacutecio do direito de defesa Boletim

IBCCRIM Satildeo Paulo v7 n83 (esp) out 1999

19

O mal causado pela accedilatildeo penal deixada ao arbiacutetrio dos acusadores seria

nos casos de absolviccedilatildeo uma injusticcedila Bens materiais e morais fama honra

dignidade teriam sofrido danos irreparaacuteveis e exclusivamente causados pela

faculdade discricionaacuteria da caluacutenia da mentira da leviandade da extorsatildeo

docilmente servidas pelo trabalho penoso inuacutetil aos proacuteprios fins do poder

puacuteblico75

Por isso a praacutetica juriacutedica revelou ser necessaacuteria anteriormente ao ajuizamento de

accedilatildeo penal condenatoacuteria uma preacutevia apuraccedilatildeo do fato a princiacutepio dotado de ilicitude e

tipicidade bem como de sua autoria coautoria e participaccedilatildeo76

Ou seja a acusaccedilatildeo

prescinde da obtenccedilatildeo de prova por meio de uma apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia agrave accedilatildeo

penal de natureza condenatoacuteria que indique razoavelmente a materialidade do fato

aparentemente iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou participaccedilatildeo

bem como elementos de convicccedilatildeo acerca da provaacutevel culpabilidade do indiciado77

De acordo com Aury Lopes Junior ldquoo processo penal sem a investigaccedilatildeo

preliminar eacute um processo irracional uma figura inconcebiacutevel segundo a razatildeo e os

postulados da instrumentalidade garantistardquo78

Isso porque uma vez que o processo penal

abriga um conjunto de penas processuais que fazem com que o ponto crucial seja saber se

deve ou natildeo acusar em primeiro lugar se deve investigar e reunir elementos que

justifiquem o processo ou o natildeo-processo79

Para Eugenio Florian eacute necessaacuterio que exista no procedimento penal uma fase na

qual se prepare o material para a fase judicial Segundo o autor ldquoseriacutea ocasionado a la

confusioacuten y esteacuteril el proceso en el cual se entrase en los debates sin preparacioacuten Tal fase

estaacute representada por la instuccioacuten tambieacuten llamada instruccioacuten preparatoacuteriardquo80

Eacute essencial portanto a existecircncia de um miacutenimo suporte probatoacuterio antecedente ao

aforamento da accedilatildeo penal de conhecimento de natureza condenatoacuteria Tal atividade no

75

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo

1973 p 18 76

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 77

SAAD Marta O direito p 22 78

LOPES JR Aury Sistemas p1 79

IBID p1 80

FLORIAN Eugenio Elementos de Derecho Procesal Penal Bosch Barcelona 1934 p 227-228

20

mais das vezes consubstancia-se na persecuccedilatildeo ou apuraccedilatildeo preacutevia ou preliminar agrave

instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal judicial variando a forma por meio da qual se efetiva

conforme o tempo e a organizaccedilatildeo judiciaacuteria poliacutetica social e cultural de determinado

Estado81

Essa fase preacutevia nos mais diversos sistemas e regulamentaccedilotildees significou a

expressatildeo concreta de uma relevante garantia a de se evitar que algueacutem seja acusado sem

estar verificada a existecircncia de indiacutecios razoaacuteveis apontando-o como autor de um iliacutecito

penal Em suma a etapa preacutevia de investigaccedilatildeo foi a maneira que o direito processual

penal encontrou para haver uma acusaccedilatildeo justa e para evitar imputaccedilotildees apressadas82

Cada sistema processual penal assim adotou o meio de apuraccedilatildeo preacutevia que lhe

pareceu mais adequado em determinado momento histoacuterico considerando-se aspectos

poliacuteticos e sociais bem como os respectivos destinataacuterios83

Aury Lopes Junior define a investigaccedilatildeo preliminar como o conjunto de atividades

desenvolvidas de modo encadeado por oacutergatildeos do Estado a partir de uma notitia criminis

com caraacuteter preacutevio e de natureza preparatoacuteria em relaccedilatildeo agrave fase judicial cujo objetivo eacute a

apuraccedilatildeo da autoria e das circunstacircncias de um fato supostamente delitivo de modo a

fundamentar o processo ou o natildeo-processo84

Para Joseacute Frederico Marques ldquoa investigaccedilatildeo criminal eacute atividade estatal da

persecutio criminis destinada agrave accedilatildeo penalrdquo85

que tem iniacutecio independentemente de sua

forma com a notiacutecia do crime entendida como ldquoo conhecimento espontacircneo ou provocado

que tem a autoridade puacuteblica da praacutetica de um fato delituosordquo86

Segundo ele a investigaccedilatildeo preliminar tem caraacuteter eminentemente preparatoacuterio e

informativo visto que seu escopo o eacute fornecimento dos elementos necessaacuterios para a

deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva em juiacutezo aos oacutergatildeos da accedilatildeo penal87

e tem como objeto por

sua vez a obtenccedilatildeo de dados informativos para que o oacutergatildeo da acusaccedilatildeo verifique se deve

81

SAAD Marta O direito p 22 82

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 83

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 84

LOPES JR Aury Sistemas p 331-332 85

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 115 86

IBID p 107 87

IBID p 115

21

ou natildeo propor a accedilatildeo penal88

A investigaccedilatildeo diferentemente do que sugere a crenccedila comum natildeo tem como

objetivo a reuniatildeo e a produccedilatildeo de elementos que comprovem a praacutetica de um iliacutecito

Afirmar isso implicaria dizer que toda instruccedilatildeo preliminar teria como meta a

demonstraccedilatildeo de um iliacutecito preterindo qualquer elemento que apontasse para sentido

diverso89

A investigaccedilatildeo preliminar pode assim embasar tanto o Estado quando a oacutergatildeo seu

competir a iniciativa da accedilatildeo penal quanto o particular como ocorre na accedilatildeo penal

privada Por isso a colheita de elementos em etapa anterior ao exerciacutecio do direito de accedilatildeo

objetiva impedir a atuaccedilatildeo temeraacuteria evitando desse modo acusaccedilotildees infundadas e

predestinadas ao insucesso90

De acordo com Marta Saad a investigaccedilatildeo preliminar eacute caracterizada como

procedimento precedente agrave instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em juiacutezo que tem como

finalidade colher suporte probatoacuterio ao ajuizamento da accedilatildeo penal de conhecimento de

natureza condenatoacuteria justificando-se em razatildeo do fardo que representa para o indiviacuteduo

ter contra si um processo penal91

Segundo a autora satildeo duas as funccedilotildees exercidas pela persecuccedilatildeo penal preliminar

preservadora e preparatoacuteria a primeira assegura a minoraccedilatildeo das acusaccedilotildees infundadas

precipitadas ou caluniosas evitando o prejuiacutezo de acusaccedilotildees formais inuacuteteis perante o juiacutezo

criminal a segunda visa acautelar eventuais meios de prova que podem ser perdidos com

o passar do tempo92

A funccedilatildeo preservadora de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida

decorre da necessidade de justificar um juiacutezo de acusaccedilatildeo isto eacute um julgamento preacutevio

dos elementos acusatoacuterios para preservaccedilatildeo da inocecircncia contra a imprudecircncia ou caluacutenia

bem como para garantia do organismo jurisdicional contra os gastos inuacuteteis e injustos de

88

IBID p 115 89

CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo Criminal pelo Ministeacuterio Puacuteblico fundamentos e limites

constitucionais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2007 p 59 90

IBID p 60 91

SAAD Marta O direito p 131 92

IBID p 131-132

22

tempo e de trabalho93

Segundo ele ldquoa funccedilatildeo preservadora da persecuccedilatildeo inicial assim tem como

finalidade preservar a inocecircncia contra acusaccedilotildees infundadas e o organismo judiciaacuterio

contra o custo e a inutilidade em que estas redundariamrdquo94

propiciando elementos e uma

base segura que justifiquem a propositura e exerciacutecio da accedilatildeo penal95

Francesco Carnelutti entende que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo aspira a

comprovaccedilatildeo do delito mas a exclusatildeo de uma acusaccedilatildeo aventurada96

Isto eacute deve-se

reconhecer sobretudo que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo se faz para comprovar o crime

mas apenas para obstar uma acusaccedilatildeo irresponsaacutevel ou arriscada Eacute preciso que fique claro

portanto que a investigaccedilatildeo preliminar deve limitar-se a estabelecer a probabilidade do

delito natildeo visando sua comprovaccedilatildeo97

Para Aury Lopes Junior o principal fundamento da investigaccedilatildeo preliminar eacute a

funccedilatildeo de evitar acusaccedilotildees infundadas A mitigaccedilatildeo de acusaccedilotildees imprudentes e temeraacuterias

se daacute exatamente por meio do esclarecimento do fato atraveacutes de um juiacutezo provisoacuterio e de

probabilidade e com isso tambeacutem eacute assegurada agrave sociedade a inexistecircncia de

arbitrariedades e abusos por parte do poder persecutoacuterio estatal Segundo ele ldquose a

impunidade causa uma grave intranquilidade social natildeo menos grave eacute o mal causado

por processar um inocenterdquo98

Isso porque como sabido o processo penal tem um elevado custo que permite

falar de verdadeiras penas processuais como o sofrimento que causa para o sujeito

passivo que vive um estado de prolongada acircnsia decorrente de sua estigmatizaccedilatildeo social e

juriacutedica Por isso o sistema processual penal deve ser dotado de filtros que evitem

acusaccedilotildees sem o suficiente fumus comissi delicti99

A investigaccedilatildeo preliminar atende assim a um manifesto interesse garantista para

93

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 94

IBID p 17 95

SAAD Marta O direito p 23 96

ldquoLinchiesta preliminare non si fa per laccertamento del reato ma soltanto per escludere una imputazione

avventatardquo CARNELUTTI Francesco Principi del Processo Penale Napoli Morano Editore 1960 p 107 97

ldquoBisogna riconoscere anzi tutto schiettamente che linchiesta preliminare non tende ad accertare il reato

ma soltanto ad evitare una imputazione imprudente o azzardata Si tratta di sgrossare la ratio dubitandi non

di raffinarla con il labor limae Perciograve deve essere ben chiarito que linchiesta preliminare deve limitarsi a

stabilire la probabilitagrave del reato non affatto aspirare a conseguirne la certezardquo IBID p 107 98

LOPES JR Aury Sistemas p 47 99

IBID p 332

23

contenccedilatildeo das acusaccedilotildees e processos imotivados buscando evitar o custo para o sujeito

passivo e para o Estado de um juiacutezo dispensaacutevel100

Como jaacute observado haacute ainda aleacutem da funccedilatildeo preservadora da liberdade contra

acusaccedilotildees infundadas uma segunda funccedilatildeo dita preparatoacuteria da persecuccedilatildeo preliminar ou

preacutevia

Nesse sentido Eugenio Florian assevera que ldquoen particular la instruccioacuten

preparatoria sirve para recoger elementos probatorios que el tiempo puede hacer

desaparecerrdquo101

Isso porque haacute ocasiotildees em que os sinais do delito podem desaparecer

surgindo entatildeo a necessidade de instrumentos que preservem os meios de prova por

vezes urgentes ou intransponiacuteveis levando-os ao conhecimento do juiz e depois para o

acircmbito de eventual accedilatildeo penal onde natildeo fosse a atuaccedilatildeo anterior do oacutergatildeo encarregado da

investigaccedilatildeo preliminar natildeo se poderiam obter certas provas ou realizar determinadas

diligecircncias102

No mesmo sentido Joaquim Canuto Mendes de Almeida ensina que ldquoa funccedilatildeo

preparatoacuteria da instruccedilatildeo preliminar se determina pela necessidade de produccedilatildeo antes e

fora da audiecircncia de provas dificilmente realizaacuteveis no tempo e no local de concentraccedilatildeo

do processordquo103

A investigaccedilatildeo preliminar exerce assim tambeacutem uma funccedilatildeo cautelar que assume

distintos contornos conforme a necessidade da tutela podendo ser adotadas medidas que

tenham natureza pessoal patrimonial ou probatoacuteria104

Conveniente e adequada dessa forma a cisatildeo do procedimento da persecuccedilatildeo penal

em duas fases sendo a primeira delas representada pela instruccedilatildeo preacutevia105

que por sua

vez possui dois propoacutesitos O primeiro deles de caraacuteter preservador reduzindo a

ocorrecircncia de acusaccedilotildees insubsistentes imprudentes ou ateacute mesmo inveriacutedicas e evitando

os danos de acusaccedilotildees inuacuteteis O segundo preparatoacuterio acautelando possiacuteveis meios de

100

IBID p 40-41 101

FLORIAN Eugenio Opcit p 228-229 102

SAAD Marta O direito p 24 103

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 104

LOPES JR Aury Sistemas p 45 105

Ressalve-se a hipoacutetese prevista no artigo 4ordm do CPP de dispensa do inqueacuterito policial quando se dispotildee

de elementos suficientes para o aforamento da accedilatildeo penal condenatoacuteria

24

prova106

Vale ressaltar contudo que conforme liccedilatildeo de Antonio Scarance Fernandes se por

um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo consiste numa garantia contra acusaccedilotildees

precipitadas e despojadas de base satisfatoacuteria por outro a utilizaccedilatildeo dos elementos

colhidos durante esse periacuteodo preacute-processual natildeo pode ir aleacutem de sua finalidade preciacutepua

que eacute possibilitar a acusaccedilatildeo Natildeo devem tais elementos ser utilizados para justificar a

condenaccedilatildeo sob pena de serem anuladas outras garantias essenciais como a da ampla

defesa e a do contraditoacuterio Por isso eacute frequente nas legislaccedilotildees modernas a preocupaccedilatildeo

em se obstar ou reduzir a interferecircncia do material colhido durante a investigaccedilatildeo no

convencimento do julgador107

Outro ponto que merece especial destaque no estudo aqui desenvolvido eacute a

crescente preocupaccedilatildeo jaacute revelada em modelos mais avanccedilados com os limites agrave atuaccedilatildeo

do juiz na fase preliminar de investigaccedilatildeo e com a consequente possibilidade de que o

julgador que atua na investigaccedilatildeo criminal isto eacute aquele que tem contato com os autos do

inqueacuterito policial possa ser indesejavelmente influenciado por tudo aquilo que foi

produzido previamente agrave accedilatildeo penal tendo comprometida sua imparcialidade quando do

julgamento108

A primeira fase da persecuccedilatildeo penal portanto a de preparaccedilatildeo da acusaccedilatildeo eacute em

essecircncia uma fase de investigaccedilatildeo preacutevia que antecede o momento de instauraccedilatildeo do

processo e natildeo faz parte do esquema procedimental Contudo os atos nela realizados

repercutem intensamente no desenvolvimento da relaccedilatildeo juriacutedica processual sendo por

isso ajustada na histoacuteria ao sistema vigorante acusatoacuterio inquisitoacuterio ou misto Isso fez

com que nas diversas eacutepocas e nas diversas regiotildees a fase de investigaccedilatildeo apresentasse

diferentes regulamentaccedilotildees109

com reflexo direto no que concerne ao papel do magistrado

A seguir desenvolveremos uma breve anaacutelise das caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo

criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio inquisitoacuterio e misto Tal estudo

seraacute de grande valia sobretudo quando da anaacutelise do sistema eleito pela Constituiccedilatildeo de

1988 e das implicaccedilotildees dessa escolha no inqueacuterito policial disciplinado pelo Coacutedigo de

106

SAAD Marta O direito p 25 107

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 108

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro

Lumen Juris 2001 p 139-140 109

IBID p 74-75

25

Processo Penal de 1941

3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais

31 Sistema acusatoacuterio

Primeiro sistema processual concebido110

o sistema acusatoacuterio guardadas as

especificidades de cada ordenamento estabeleceu-se sobretudo na Repuacuteblica Romana e

na Idade Meacutedia ateacute o seacuteculo XIII com prevalecircncia para o direito germacircnico111

De acordo com Julio B J Maier ldquoen general puede decirse que esta forma de

llevar a cabo el enjuiciamento penal domina todo el mundo antiguordquo112

Paolo Tonini define o sistema acusatoacuterio como aquele sistema de processo penal

baseado no princiacutepio dialeacutetico segundo o qual a verdade eacute tatildeo melhor apurada quanto

maior o espaccedilo dado para o embate entre as partes animadas por interesses conflitantes113

Aleacutem disso e acima de tudo o processo acusatoacuterio caracteriza-se pela separaccedilatildeo entre as

funccedilotildees de acusaccedilatildeo defesa e julgamento e pelo princiacutepio do contraditoacuterio na formaccedilatildeo da

prova114

110

ldquoEl proceso penal comuacuten fueacute primeramente acusatoacuterio seguacuten el modelo romanordquo FLORIAN Eugenio

Op cit p 65 111

ldquoEl procedimiento acusatorio rigioacute praacutecticamente durante toda la antiguumledad (Grecia Roma) y en la

Edad Media hasta el siglo XIII (Derecho germano) momento en el cual sobre las bases del uacuteltimo Derecho

romano imperial antes de la caiacuteda de Roma es reemplazado por la Inquisioacutenrdquo MAIER Julio B J Derecho

Procesal Penal Argentino Tomo 1 vol B Buenos Aires Editorial Hamurabi S R L 1989 p 209 No

mesmo sentido ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa Instrutoacuteria do Juiz no Processo Penal Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 37 Segundo Eugenio Florian ldquohistoacutericamente la forma acusatoria

florecioacute em Grecia en la eacutepoca de apogeo de Roma y en el derecho germacircnico resurge despueacutes ente

nosotros en la eacutepoca del esplendor de las ciudades italianas que es cuando renace el derecho romano El

proceso penal romano fueacute acusatorio en la eacutepoca aacuteurea de los Comiacutecios (que abatidos de hecho por Sila

desaparecen con Augusto) y en el periacuteodo siguiente de las Questiones perpetuae (una especie de comisioacuten de

jurados)rdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 65 Como observa Fernando da Costa Tourinho Filho

ldquopredominou na Iacutendia entre os atenienses e entre os romanos notadamente durante o periacuteodo republicano

e presentemente com as alteraccedilotildees ditadas pela evoluccedilatildeo vigora em muitas legislaccedilotildeesrdquo TOURINHO

FILHO Fernando da Costa Processo Penal 31ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 92 112

MAIER Julio B J Op cit p 206 113

TONINI Paolo Op cit p 26 114

ldquoIl sistema accusatorio egrave quel modello di procedimento penale che si basa sul principio dialettico in base

26

No mesmo sentido a liccedilatildeo de Luigi Ferrajoli segundo a qual se denomina

acusatoacuterio o sistema que concebe o juiz como um sujeito rigidamente apartado das partes e

o processo como uma disputa entre partes em posiccedilatildeo de igualdade iniciada pela acusaccedilatildeo

sob a qual recai o ocircnus da prova o procedimento desenvolve-se atraveacutes de debate

contraditoacuterio oral e puacuteblico e eacute decidida pelo magistrado segundo sua livre convicccedilatildeo115

Para Paolo Tonini satildeo caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio

ldquoil giudice inizia il processo soltanto su iniziativa di parte le parti e non il

giudice ricercano la prova il proceso egrave orale nel senso che di regola il giudice

decide sulla base di dichiarazioni rese oralmente e nel contradittorio tra le parti

limputato egrave presunto innocente sono previsti limiti alla ammissione delle prove la

carcerazione prima della sentenza egrave uma eccezionerdquo116

Julio J B Maier aponta como notas comuns ao sistema acusatoacuterio as seguintes o

exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo eacute atribuiacutedo a tribunais populares aparecendo o julgador como um

aacuterbitro entre as partes a persecuccedilatildeo penal eacute exercida por uma pessoa fiacutesica e natildeo por um

oacutergatildeo do Estado o acusado eacute um sujeito de direitos ao qual deve ser garantida uma posiccedilatildeo

de igualdade frente ao acusador e cuja situaccedilatildeo de inocente natildeo deve ser alterada ateacute o

tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo sendo a adoccedilatildeo de medidas coercitivas durante o

processo excepcional o procedimento consiste em debate puacuteblico oral contiacutenuo e

contraditoacuterio na valoraccedilatildeo da prova impera o sistema do livre convencimento natildeo

havendo sujeiccedilatildeo dos julgadores a quaisquer regras de valoraccedilatildeo das provas a sentenccedila

resulta de uma votaccedilatildeo cujo resultado pode dar-se por maioria ou pela unanimidade dos

julgadores117

al quale la veritagrave egrave tanto meglio accertata quanto piugrave spazio egrave dato allo scontro tra le parti animate da

interessi contrapposti Il processo accusatorio egrave caratterizzato dal principio di separazione delle funzioni

processuali (accusa difesa e giudizio) e dal principio del contradittorio nella formazione della prova che si

rispecchia principalmente nellistituto dellesame incrociato dei testimonirdquoTONINI Paolo Op cit p 26 115

ldquoPrecisamente se puede llamar acusatorio a todo sistema procesal que concibe al juez como un sujeto

pasivo riacutegidamente separado de las partes y al juicio como una contienda entre iguales iniciada por la

acusacioacuten a la que compete la carga de la prueba enfrentada a la defensa en un juicio contradictorio oral

y puacuteblico y resuelta por el juez seguacuten su libre conviccioacutenrdquo FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 116

TONINI Paolo Op cit p 26-27 117

MAIER Julio B J Op cit p 207-209 Conforme Guilherme de Souza Nucci ldquono sistema acusatoacuterio haacute

27

Como observa Marcos Alexandre Coelho Zilli em que pese a sensiacutevel dificuldade

doutrinaacuteria em identificar as notas essenciais de um sistema processual penal acusatoacuterio haacute

inequiacutevoco consenso no sentido de que constitui seu componente primoridal a separaccedilatildeo

equilibrada de poderes exercidos ao longo da persecuccedilatildeo penal118

Nesse sentido Julio J B Maier assinala que a caracteriacutestica fundamental do

sistema processual acusatoacuterio reside na divisatildeo dos poderes que satildeo exercidos ao longo do

processo Assim de um lado posiciona-se o acusador que identifica e persegue o provaacutevel

autor ou partiacutecipe da infraccedilatildeo penal por meio de exerciacutecio de um poder postulatoacuterio e do

outro o imputado que resiste agrave imputaccedilatildeo exercendo o seu direito de defesa Finalmente

equidistante das partes posiciona-se o juiz que tem em suas matildeos o poder decisoacuterio119

O equiliacutebrio e a divisatildeo de poderes processuais penais tem como consequecircncia

conforme aponta Marcos Alexandre Coelho Zilli a distinccedilatildeo subjetiva entre o oacutergatildeo

acusador e julgador ldquofator essencial para distingui-lo do sistema marcadamente

inquisitoacuteriordquo120

Aleacutem disso vale destacar que a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no

sistema acusatoacuterio que tem como efeito direto a impossibilidade de o juiz exercer a funccedilatildeo

de acusaccedilatildeo supotildee da mesma forma a proibiccedilatildeo de o juiz participar da construccedilatildeo da

proacutepria acusaccedilatildeo121

Afinal segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli a investigaccedilatildeo

implica num trabalho de averiguaccedilatildeo da materialidade do crime e da provaacutevel autoria

sendo orientada pelo propoacutesito de se elaborar uma afirmaccedilatildeo acusatoacuteria ldquoAssim quem

niacutetida separaccedilatildeo entre o oacutergatildeo acusador e o julgador haacute liberdade de acusaccedilatildeo reconhecido o direito ao

ofendido e a qualquer cidadatildeo predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo

vigora a publicidade do procedimento o contraditoacuterio estaacute presente existe a possibilidade de recusa do

julgador haacute livre sistema de produccedilatildeo de provas predomina maior participaccedilatildeo popular na justiccedila penal e

a liberdade do reacuteu eacute a regrardquo NUCCI Guilherme de Souza Manual de Processo Penal e Execuccedilatildeo Penal 4ordf

ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008 p109 118

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 119

ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento acusatorio reside en la divisioacuten de los poderes que se

ejercen en el proceso por un lado el acusador quien persigue penalmente y ejerce el poder requirente por

el otro el imputado quien puede resistir la imputacioacuten ejerciendo el derecho de defenderse y finalmente el

tribunal que tiene en sus manos el poder de decidir Todos estos poderes se vinculan y condicionan unos a

otros su principio fundamental que le da nombre al sistema se afirma en la exigencia de que la actuacioacuten

de un tribunal para decidir el pleito y los liacutemites de su decisioacuten estaacuten condicionados al reclamo (accioacuten) de

un acusador y al contenido de ese reclamo (nemo iudex sino actore y ne procedat iudex ex officio) y por otra

parte a la possibilidad de resistencia del imputado frente a la imputacioacuten que se le atribuyerdquo MAIER Julio

B J Op cit p 207 120

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 121

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Breves notas sobre o Anteprojeto de Lei que objetiva modificar o

Coacutedigo de Processo Penal no atinente agrave investigaccedilatildeo policial Revista Cejap 29-10 Campinas Millenium

set 2000

28

investiga coopera com o desenho da acusaccedilatildeo comprometendo-se subjetivamente com os

seus termosrdquo122

Dessa forma uma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio manifestada na

fase investigativa eacute o destaque das funccedilotildees do Ministeacuterio Puacuteblico e sua participaccedilatildeo na fase

preparatoacuteria na medida em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador

externo da atividade policial impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos

ldquojuizados de instruccedilatildeordquo123

Por isso especificamente em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal eacute

caracteriacutestica essencial do sistema acusatoacuterio a exigecircncia de que a investigaccedilatildeo fique a

cargo de oacutergatildeo distinto do julgador que deve assumir papel passivo na fase investigatoacuteria

de controle da legalidade da investigaccedilatildeo decidindo apenas quando provocado Busca-se

veementemente coibir no sistema acusatoacuterio a atuaccedilatildeo investigativa do juiz

Assim segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente em locais onde

imperou o sistema acusatoacuterio a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda agrave poliacutecia Mais recentemente haacute

propensatildeo em atribuir ao Ministeacuterio Puacuteblico a supervisatildeo da investigaccedilatildeo124

De qualquer forma vale ressaltar que determinadas medidas por estarem inseridas

no acircmbito de atribuiccedilotildees exclusivas das autoridades dotadas de poderes jurisdicionais

como as cautelares pessoais e reais as interceptaccedilotildees telefocircnicas as buscas e apreensotildees

domiciliares soacute podem ser intentadas pela autoridade investigante apoacutes autorizaccedilatildeo do juiz

que nesse mister funcionaraacute como garantidor da legalidade do procedimento

investigatoacuterio podendo o investigado a ele recorrer sempre que for cometido algum abuso

em seu desfavor125

122

ZILLI Marcos Alexandre Coelho Os atores e seus papeacuteis Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ediccedilatildeo especial

CPP ago-2010 123

CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 146 124

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 81 125

IBID p 73

29

32 Sistema inquisitoacuterio

O sistema inquisitoacuterio desenvolveu-se sobretudo na Roma Imperial ndash sua fonte

juriacutedica de inspiraccedilatildeo foi exatamente o Direito romano imperial (cognitio extra ordinem) ndash

e na Europa sobretudo a continental126

durante o seacuteculo XIII ateacute o seacuteculo XVIII127

Historicamente surge quando devido a mudanccedilas poliacuteticas desapareceram as

circunstacircncias que mantinham a forma acusatoacuteria que cai completamente em desuso no

seacuteculo XVI De acordo com Eugenio Florian a nova forma nasce especialmente por obra

da Igreja128

Teve iniacutecio com Inocecircncio III e foi colocada em praacutetica em virtude de vaacuterios

decretos de Bonifaacutecio VIII A famosa Ordenanccedila Criminal de Luis XIV toda dedicada ao

procedimento representa a plena e definitiva codificaccedilatildeo do procedimento inquisitoacuterio129

O processo inquisitivo portanto emergiu em Roma sendo jaacute permitido que o juiz

iniciasse o processo de ofiacutecio e ao atingir a Idade Meacutedia por influecircncia da Igreja passou

a dominar a Europa continental a partir do Conciacutelio de Lateranense de 1215130

Foi

trazido na realidade pelo Direito Canocircnico mas logo foi percebido pelos soberanos como

um mecanismo poderoso espalhando-se entre os Tribunais seculares que o transformaram

em instrumento de dominaccedilatildeo131

A inquisiccedilatildeo eacute o sistema processual que corresponde agrave ideia de poder central

absoluto isto eacute agrave centralizaccedilatildeo do poder de forma a que todos os atributos decorrentes da

soberania se concentram nas matildeos de uma soacute pessoa132

O iacutenfimo valor da pessoa humana

126

ldquoLa fuente juriacutedica de inspiracioacuten fue el Derecho romano imperial de la uacuteltima eacutepoca (cognitio extra

ordinem) con su tenue introduccioacuten de los rasgos principales de la Inquisicioacuten conservado por la Iglesia y

perfeccionado por el Derecho canoacutenico el cual a su vez constituyo la fuente donde abrevoacute la Inquisicioacuten

laica de paso triunfante por toda Europa continental a partir del siglo XIIIrdquo MAIER Julio B J Op cit p

210 127

ldquoEl procedimento inquisitivo se extendioacute por toda Europa continental triunfando sobre el Derecho

germano y la organizacioacuten sentildeorial (feudal) de la administracioacuten de justicia desde el siglo XIII hasta el

siglo XVIIIrdquo IBID p 213 128

FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 Nesse sentido Julio B J Maier ldquoDesde el punto de vista

histoacuterico-poliacutetico la afirmacioacuten de universaliad de la Iglesia Catoacutelica (Derecho canoacutenico) y la formacioacuten de

los Estados nacionales bajo el reacutegimen de la monarquiacutea absoluta y sus luchas de predominio contra los

ldquoinfielesrdquo por una parte y contra el poder feudal por la outra condujeron necessariamente a este tipo de

procedimientordquo MAIER Julio B J Op cit p 213 129

FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 130

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 94 131

IBID p 94 132

Segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquojustamente pela centralizaccedilatildeo de poderes eacute que o sistema

inquisitoacuterio historicamente esteve associado a estruturas poliacuteticas igualmente centralizadas como por

30

frente agrave ordem social traduz-se em um procedimento penal que reduz o imputado a um

mero objeto de investigaccedilatildeo e autoriza a utilizaccedilatildeo de qualquer meio por mais cruel que

seja para alcanccedilar seu objetivo de reprimir aquele que perturba a ordem social Daiacute se

extraem as maacuteximas fundamentais do sistema inquisitivo a persecuccedilatildeo penal puacuteblica dos

delitos e o procedimento dirigido ao objetivo principal de descoberta da verdade histoacuterica

com a utilizaccedilatildeo de todos os meios necessaacuterios para tanto133

De acordo com Luigi Ferrajoli caracteriza-se como inquisitvo todo sistema

processual donde el juez procede de oficio a la buacutesqueda recoleccioacuten y valoracioacuten de las

pruebas llegaacutendose al juicio despueacutes de una instruccioacuten escrita y secreta de la que estaacuten

excluidos o en cualquier caso limitados la contradiccioacuten y los derechos de la defensardquo134

Jaacute Paolo Tonini define o sistema inquisitoacuterio como o modelo de procedimento

penal ldquoche egrave caratterizzato da due princigravepi dal principio di autoritagrave secondo cui la veritagrave

egrave meglio accertata quanti piugrave poteri sono attribuiti al giudice e dal principio del cumulo

delle funzioni processuali di accusa di defesa e di giuridizio in un unico soggetto il

giudicerdquo135

elencando dentre suas caracteriacutesticas principais as seguintes ldquoil giudice inizia

il processo dufficio il processo si svolge in segreto e per scritto nel senso che il giudice

decide sulla base di dichiarazioni verbalizzate non vi egrave alcun limite allammissibilitagrave delle

prove limputato egrave presunto colpevole la regola egrave la carcerazione preventiva136

Especifica-se portanto pela concentraccedilatildeo dos poderes processuais penais nas matildeos

de um uacutenico oacutergatildeo Assim perseguir acusar e decidir satildeo atividades exercidas por uma

uacutenica pessoa que normalmente eacute referida por inquisidor137

Julio J B Maier aponta como principais caracteriacutesticas inerentes a esse modelo (i)

a organizaccedilatildeo hieraacuterquica da jurisdiccedilatildeo penal cujo detentor invariavelmente eacute o monarca

exemplo nos diversos Estados absolutistasrdquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 40 133

MAIER Julio B J Op cit p 209 134

FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 135

O modelo inquisitoacuterio eacute aquele caracterizado por dois princiacutepios o da autoridade segundo o qual a

verdade eacute melhor apurada quanto maiores os poderes atribuiacutedos ao juiz e o da acuacutemulaccedilatildeo das funccedilotildees

processuais de acusaccedilatildeo defesa e julgamento por um uacutenico sujeito o juiz TONINI Paolo Op cit p 26 136

O juiz inicia o processo de ofiacutecio o processo de desenvolve em segredo e por escrito natildeo haacute limites para

a admissibilidade das provas o acusado eacute presumido culpado e a regra eacute a prisatildeo preventive IBID p 26 137

ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento inquisitivo reside en la concentracioacuten del poder

procesal en una uacutenica mano la del inquisidor a semejanza de la reunioacuten de los poderes de la soberaniacutea

(adminstrar legislar e juzgar) en una uacutenica persona seguacuten el reacutegimen poliacutetico del absolutismo Perseguir y

decidir no soacutelo eran labores que se concentraban en el inquisidor sino que representaban una uacutenica y

misma tarea ()rdquo MAIER Julio B J Op cit p 210

31

que a delega a funcionaacuterios subordinados que por sua vez a exercem em seu nome (ii) o

poder de perseguir e acusar se confunde com o de julgar sendo por isso exercidos pelo

mesmo oacutergatildeo o inquisidor (iii) o acusado representa um objeto da persecuccedilatildeo e natildeo um

sujeito de direitos (iv) o procedimento consiste em uma investigaccedilatildeo secreta escrita e

descontiacutenua inexistindo os debates orais (iv) o sistema das provas legais predomina isto

eacute a lei estipula criteacuterios riacutegidos para admitir um fato como elemento haacutebil para a formaccedilatildeo

da convicccedilatildeo sendo a confissatildeo do reacuteu tida como a rainha das provas (v) o sistema de

recursos reflete a forma hierarquizada de organizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo penal138

Podem ser citadas ainda a inexistecircncia de contraditoacuterio e o caraacuteter meramente

decorativo da defesa139

A extrema oposiccedilatildeo com o sistema acusatoacuterio eacute portanto evidente e se traduz em

caracteriacutesticas totalmente diversas no procedimento140

Em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal de acordo com Antonio Scarance

Fernandes nos sistemas inquisitoriais a competecircncia para a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda

historicamente ao juiz de direito o qual agia apoacutes uma investigaccedilatildeo inicial da poliacutecia

Uma vez encerrada a investigaccedilatildeo pelo juiz o processo era iniciado a partir dos dados

levantados com miacutenimo espaccedilo para a defesa O objetivo do processo era constranger o

acusado a confirmar os elementos colhidos durante a fase de apuraccedilatildeo do crime por meio

de sua confissatildeo sendo para tanto autorizada a utilizaccedilatildeo da tortura141

Isso porque no sistema inquisitoacuterio prevalece a busca da verdade material que se

vale para ser alcanccedilada da atividade probatoacuteria do magistrado competente para julgar o

processo

Na verdade de acordo com Jacinto Nelson de Miranda Coutinho a caracteriacutestica

138

MAIER Julio B J Op cit p 210-212 139

NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 109 140

MAIER Julio B J Op cit p 210 Nas palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho portanto ldquoo

processo de tipo inquisitoacuterio eacute a antiacutetese do acusatoacuteriordquo De acordo com o autor ldquoinexistem as regras de

liberdade e igualdade processuais uma vez que natildeo haacute o contraditoacuterio Como consequecircncias de as funccedilotildees

de acusar defender e julgar encontrarem-se enfeixadas numa soacute pessoa o Juiz eacute ele quem inicia de ofiacutecio

o processo quem recolhe as provas e a final profere a decisatildeo podendo no curso do processo submeter o

acusado a torturas a fim de obter a rainha das provas que eacute a confissatildeo O processo eacute secreto e escrito

Nenhuma garantia se confere ao acusado que aparece em uma situaccedilatildeo de tal subordinaccedilatildeo que se

transfigura e se transmuda em objeto do processo e natildeo em sujeito de direitordquo TOURINHO FILHO

Fernando da Costa Op cit p 94 141

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 78

32

essencial do sistema inquisitoacuterio estaacute na gestatildeo da prova atribuiacuteda principalmente ao

magistrado que em geral a reuacutene de modo secreto A vantagem de tal estrutura segundo o

autor consistiria em que o juiz poderia ter conhecimento da verdade dos fatos ndash de todos

os fatos penalmente relevantes inclusive aqueles natildeo contidos na acusaccedilatildeo vale ressaltar ndash

mais faacutecil e amplamente dado o seu controle exclusivo e onipotente do processo em

qualquer de suas fases142

Nessa postura metodoloacutegica o papel do juiz na reuniatildeo do material probatoacuterio

adquire relevo em nome de um tratamento teacutecnico da questatildeo criminal e do interesse

puacuteblico O Estado com a funccedilatildeo preciacutepua de defesa da sociedade contra a crimialidade

passa a natildeo mais admitir o poder dispositivo das partes sobre as provas o que em uacutetlima

instacircncia signifca natildeo soacute a autonomia do julgador na apreciaccedilatildeo das provas mas tambeacutem a

ausecircncia de limites com relaccedilatildeo ao objeto da investigaccedilatildeo e aos meios utilizaacuteveis 143

Compete pois ao juiz tambeacutem investigar podendo vir a ter a iniciativa da

produccedilatildeo de prova em nome do objetivo dominante de alcanccedilar a pretensatildeo punitiva144

Nesse sistema portanto toda a atividade de investigaccedilatildeo preparatoacuteria e de instruccedilatildeo

processual era confiada a um uacutenico sujeito o juiz Na realidade sequer era possiacutevel

distinguir a atividade de investigaccedilatildeo e de instruccedilatildeo definitiva jaacute que todos os elementos

colhidos pelo juiz inquisidor eram considerados provas na medida em que suficientemente

aptas agrave formaccedilatildeo de seu convencimento145

33 Sistema misto

O sistema misto teve origem e sua primeira aplicaccedilatildeo na Franccedila146

O sistema

142

COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal In COUTINHO

Jacinto Nelson de Miranda (Coord) Criacutetica agrave Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro

Renovar 2001 p 24 143

SILVA Danielle Souza de Andrade e A atuaccedilatildeo do juiz no processo penal acusatoacuterio incongruecircncias no

sistema brasileiro em decorrecircncia do modelo constitucional de 1988 Porto Alegre Sergio Antonio Fabris

Editor 2005 p 45 144

REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm

113 145

CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 72 146

FLORIAN Eugenio Opcit p 66

33

inquisitorial foi reformado pela Revoluccedilatildeo Francesa jaacute que o que restava dele era o que

havia de mais odioso dando origem ao sistema misto que foi concretizado no Code

dinstruction criminelle de 1808 e se difundiu rapidamente entre os coacutedigos modernos147

O surgimento de um sistema misto deveu-se sobretudo agrave expansatildeo napoleocircnica e

ao triunfo das ideias que embasaram a Revoluccedilatildeo Francesa mediante a qual se difundiram

por toda a Europa continental os ideais de um processo penal fundado em premissas do

Iluminismo148

Em que pese a intenccedilatildeo originaacuteria dos revolucionaacuterios de regresso ao

sistema acusatoacuterio - criado pelos gregos aperfeiccediloado pela Repuacuteblica Romana e

conservado pela Inglaterra ndash na realidade a soluccedilatildeo que se impocircs foi outra com a sucessatildeo

dos diplomas legais revolucionaacuterios por outros que mantiveram caracteriacutesticas proacuteprias do

sistema inquisitoacuterio adicionadas a outras tiacutepicas do acusatoacuterio149

razatildeo pela qual eacute este

tambeacutem denominado de sistema inquisitoacuterio reformado150

Eugenio Florian justifica o nascimento do sistema misto com base na

impossibilidade salvo raras exceccedilotildees de os princiacutepios absolutos dominarem a realidade151

Nesse sentido Paolo Tonini ressalta que se deve observar que quase todas as formas de

processo penal desenvolvidas ao longo da histoacuteria satildeo de caraacuteter misto isto eacute congregam

elementos do sistema acusatoacuterio e do sistema inquisitoacuterio Todavia de acordo com a maior

parte dos estudiosos denomina-se especificamente ldquosistema mistordquo aquele que inspira o

Coacutedigo Francecircs de 1808 que tende a equilibrar as necessidades que inspiraram os dois

sistemas de um lado a proteccedilatildeo da sociedade contra o crime de outro a defesa do

acusado152

Ainda segundo o autor no sistema misto do Coacutedigo de 1808 a instruccedilatildeo eacute

predominantemente inquisitorial porque eacute secreta e conduzida por um juiz ainda que

147

IBID p 66-67 148

MAIER Julio B J Op cit p 218 149

IBID p 213-214 150

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 37 151

ldquoLos principios absolutos no pueden sino dificilmente dominar la realidad Lo absoluto podraacute gobernar

a lo sumo el mundo del espiacuteritu y esto explica que el desarrollo de estas formas termine com la decadencia

de las mismas y el nacimiento de una tercera no pura la forma mixta resultado de la combinacioacuten de las

otrasrdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 66 152

ldquoOccorre premettere che quasi tutte le forme di processo penale che si sono manifestate nel corso della

storia sono di carattere misto cioegrave accolgono elementi del sistema inquisitorio e di quello accusatorio

Tuttavia da parte di molti studiosi si denomina ldquosistema mistordquo quello che ispira il coacutedice francese del

1808 Esso tende a contemperare le esigenze che ispirano i due sistemi da un lato la tutela della societagrave dal

crimine da un altro lato la difesa dellimputatordquo TONINI Paolo Op cit p 27

34

sejam acolhidas algumas caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio153

In particolare listruzione egrave svolta dal ldquogiudice istruttorerdquo egrave diversa

dallinquisizione in quanto sono presenti i seguenti temperamenti listruzione inizia

dopo che il pubblico ministero ha fatto formale richiesta al giudice istruttore

listruzione termina dopo che il pubblico ministero ha chiesto il proscioglimento o

il rinvio a giudizio egrave garantito allimputato il controllo giurisdizionale sulla

richiesta di rinvio a giudizi154

Jaacute o julgamento eacute predominantemente acusatoacuterio porque baseado no contraditoacuterio

entre as partes mas tambeacutem acolhe alguma caracteriacutestica do sistema inquisitoacuterio155

La fase del dibattimento egrave prevalentemente accusatoria ma egrave temperata dai

seguenti principi le domande ai testimoni sono rivolte dal presidente della corte

gli atti compiuti in segreto prima del dibattimento possono sia pure

eccezionalmente essere letti e su di essi puograve essere fondata la decisione156

Marcos Alexandre Coelho Zilli salienta que o sistema misto inquisitoacuterio reformado

ou napoleocircnico exprime claramente o caraacuteter relativamente hiacutebrido assumido por grande

parte dos ordenamentos processuais penais apoacutes a expansatildeo napoleocircnica Para ele

ldquoo descontentamento com as formas essencialmente inquisitoacuterias expresso

153

IBID p 27 154

A instruccedilatildeo realizada pelo ldquojuiz de instruccedilatildeordquo no sistema misto eacute diferente daquela realizada no sistema

inquisitivo porque haacute os seguintes temperamentos a instruccedilatildeo se inicia somente apoacutes a formalizaccedilatildeo de

pedido pelo Ministeacuterio Puacuteblico termina quando o Ministeacuterio Puacuteblico pede a absolviccedilatildeo ou formula a

denuacutencia ao acusado eacute garantida a revisatildeo judicial da denuacutencia IBID p 27 155

IBID p 27 156

A fase do julgamento eacute predominantemente acusatoacuteria mas eacute temperada pelos seguintes princiacutepios as

perguntas agraves testemunhas satildeo feitas apenas pelo presidente do tribunal atos praticados em segredo antes do

julgamento podem ainda que excepcionalmente ser lidos e podem fundamentar a decisatildeo IBID p 27

35

durante o Iluminismo e posteriormente concretizado na legislaccedilatildeo revolucionaacuteria

francesa traduziu uma mudanccedila radical de rota na tentativa de se buscar no

sistema inglecircs inspiraccedilatildeo para mudanccedilas da legislaccedilatildeo processual penal ateacute entatildeo

predominante na Europa continentalrdquo157

Segundo o autor ldquoo tempo indicou todavia o exagero da intenccedilatildeo original que foi

inviabilizada sobretudo por intransponiacuteveis muros culturaisrdquo158

O procedimento no sistema misto eacute divido em dois periacuteodos principais interligados

por um intermediaacuterio o primeiro consiste numa investigaccedilatildeo nos moldes inquisitivos mas

com certos limites o segundo passo intermediaacuterio objetiva analisar a viabilidade da

acusaccedilatildeo evitando processos inuacuteteis o terceiro formalmente acusatoacuterio consiste

especialmente num debate puacuteblico e oral perante o oacutergatildeo julgador com a presenccedila do

acusador e do acusado que culminaraacute com a absolviccedilatildeo ou condenaccedilatildeo do acusado com

base unicamente nos atos levados a cabo durante esse debate159

Em outros termos podemos dizer o processo no sistema misto agrave semelhanccedila do que

ocorria no sistema inquisitivo desenvolve-se em trecircs etapas a) investigaccedilatildeo preliminar b)

instruccedilatildeo preparatoacuteria e c) fase do julgamento Poreacutem enquanto no inquisitivo essas trecircs

etapas eram secretas natildeo contraditoacuterias escritas e as funccedilotildees de acusar defender e julgar

se concentravam nas matildeos do juiz no processo misto ou acusatoacuterio formal apenas as duas

primeiras fases satildeo secretas e natildeo contraditoacuterias A fase do julgamento se desenvolve de

forma oral puacuteblica e contraditoacuteria e as funccedilotildees de acusar defender e julgar satildeo entregues a

pessoas distintas160

Constituem pois seus traccedilos caracteriacutesticos consideradas as peculiaridades de cada

157

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 42 158

IBID p 42 159

ldquo() consiste en dividir el procedimiento en dos periacuteodos principales enlazados por uno intermeacutedio el

primeiro es una investigacioacuten a la manera inquisitiva aunque con ciertos limites que reconoce la necesidad

del Estado como persecutor penal de informarse previo a acusar penalmente a alguien ante un tribunal

judicial el segundo paso intermedio busca la seriedade y pulcritud del requerimiento penal del Estado

antes de convocar al juicio puacuteblico evitando de esta manera juicios inuacutetiles y controlar las decisiones del

Estado que cierran la persecucioacuten penal antecipadamente sin juicio el tercero imitando formalmente el

juicio acusatoacuterio consiste principalmente en un debate puacuteblico y oral ante el tribunal de justicia con la

presencia ininterrompida del acusador y del acusado que culminaraacute con la absolucioacuten o la condena del

acusado fundadas unicamente en los actos llevados a cabo durante ese debaterdquo MAIER Julio B J Op cit

p 214-215 160

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 95-96

36

ordenamento (i) a jurisdiccedilatildeo penal eacute exercida por tribunais sendo legiacutetima em

determinados casos a participaccedilatildeo popular (ii) a persecuccedilatildeo penal eacute exercida na maioria

dos casos por um oacutergatildeo puacuteblico especiacutefico (iii) o acusado eacute considerado um sujeito de

direitos e sua posiccedilatildeo juriacutedica durante o processo eacute a de um inocente ateacute que venha a ser

considerado culpado razatildeo pela qual eacute o Estado acusador quem tem o ocircnus de provar a

culpabilidade e natildeo o acusado de demonstrar sua inocecircncia (iv) o procedimento traduz os

interesses puacuteblicos de perseguir e de impor a sanccedilatildeo ao agente assegurando-lhe

outrossim o respeito agrave sua liberdade (v) via de regra eacute iniciado por uma investigaccedilatildeo

preliminar a cargo do Ministeacuterio Puacuteblico ou do juiz de instruccedilatildeo e cujo objetivo eacute a coleta

de elementos necessaacuterios para o embasamento de uma acusaccedilatildeo (vi) segue-se a ele um

procedimento intermediaacuterio no qual julga-se a viabilidade da acusaccedilatildeo e finalmente pelo

procedimento principal que eacute ultimado com a prolaccedilatildeo de uma sentenccedila absolutoacuteria ou

condenatoacuteria (vii) o tribunal pode ser composto por juiacutezes leigos e profissionais ou apenas

por juiacutezes profissionais adotando-se o sistema do livre convencimento e (viii) as decisotildees

satildeo recorriacuteveis161

Como jaacute observado portanto no modelo misto a atividade investigatoacuteria eacute

entregue ao Ministeacuterio Puacuteblico ou ao juiz de instruccedilatildeo Para Antonio Scarance Fernandes

havendo ou natildeo previsatildeo para o contraditoacuterio nessa fase eacute certo que por vezes seraacute

necessaacuteria para o iniacutecio da instruccedilatildeo preliminar a obtenccedilatildeo de miacutenimos indiacutecios da praacutetica

de um crime a serem reunidos pela poliacutecia ou por qualquer outro oacutergatildeo ou sujeito162

Essa

investigaccedilatildeo preacutevia antecedente agrave instruccedilatildeo preliminar por ter natureza eventual e

precaacuteria natildeo afeta a essecircncia do sistema que continua a pressupor a figura do juiz (ou

promotor) instrutor sendo os demais atores dessa investigaccedilatildeo meros coadjuvantes seus163

161

MAIER Julio B J Op cit p 215 162

No sistema misto a instruccedilatildeo realizada pelo juiz eacute em regra precedida de atividade da poliacutecia agrave qual

incumbe reunir os primeiros elementos a respeito do fato e da autoria FERNANDES Antonio Scarance

Teoria p 79 163

CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 73-74

37

CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO

PROCESSO

1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo

Analisadas as principais caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo preliminar nos diferentes

sistemas processuais o presente capiacutetulo seraacute dedicado ao exame da investigaccedilatildeo criminal

sob o enfoque do devido processo bem como agrave averiguaccedilatildeo das garantias dele decorrentes

que apesar de inicialmente reservadas para o processo jurisdicional passaram

gradativamente e como consequecircncia da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 da ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos garantidores e do

desenvolvimento do processo penal constitucional a ser reconhecidas jaacute na investigaccedilatildeo

criminal natildeo obstante conforme preceitua parcela consideraacutevel da doutrina tratar-se de

peccedila de caraacuteter informativo e feiccedilatildeo nitidamente administrativa

Antonio Scarance Fernandes afirma que a necessidade de previsatildeo de normas que

garantissem os direitos fundamentais do ser humano contra o forte poder estatal

intervencionista foi uma decorrecircncia loacutegica do desenvolvimento da relaccedilatildeo indiviacuteduo-

Estado164

Para isso as Constituiccedilotildees nacionais passaram a prever regras de vieacutes garantista

impondo o respeito aos direitos individuais natildeo soacute ao Estado mas agrave proacutepria sociedade

Segundo Joseacute Afonso da Silva o Brasil foi o primeiro a introduzir em seu texto

normas desse teor165

Ada Pellegrini Grinover no mesmo sentido afirma que o Brasil

pioneiro na positivaccedilatildeo constitucional dos direitos do homem tem preservado a tradiccedilatildeo de

reconhecer e assegurar as posiccedilotildees processuais das partes de modo a garantir as condiccedilotildees

necessaacuterias para a instauraccedilatildeo e o desenvolvimento de um processo justo166

Sustenta ainda que tanto em mateacuteria penal quanto substancial ou processual as

164

FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2010 p 11 165

SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p

170 166

GRINOVER Ada Pellegrini Novas Tendecircncias do Direito Processual Rio de Janeiro Forense

Universitaacuteria 1990 p13

38

Constituiccedilotildees brasileiras tecircm sido fartas em garantias especiacuteficas tais como a proibiccedilatildeo de

determinadas penas e a proteccedilatildeo da liberdade fiacutesica a ediccedilatildeo de normas disciplinadoras da

prisatildeo ilegal a elevaccedilatildeo da individualizaccedilatildeo e da incomunicabilidade da pena a princiacutepio

constitucional a proteccedilatildeo da integridade fiacutesica e moral do preso e finalmente a garantia

do contraditoacuterio e da ampla defesa167

Assim de acordo com Antonio Scarance Fernandes normas de garantia individual

foram sendo inseridas nas Constituiccedilotildees brasileiras jaacute desde a eacutepoca imperial sendo a

Constituiccedilatildeo atual nesse aspecto generosa jaacute que elenca em seu art 5ordm extenso rol de

regras destinadas a assegurar os direitos individuais e coletivos168

formando-se da uniatildeo

dos preceitos das anteriores Constituiccedilotildees com aqueles acrescentados pela atual um

conjunto de garantias que informam todo o sistema brasileiro

A Carta de 1988 delineda e promulgada no acircmbito dos anseios de liberdade e

redemocratizaccedilatildeo nacionais e em pleno avanccedilo e exaltaccedilatildeo internacional da proteccedilatildeo dos

direitos humanos169

institucionaliza a instauraccedilatildeo de um regime poliacutetico democraacutetico no

Brasil e introduz inegaacutevel progresso na consolidaccedilatildeo legislativa das garantias e direitos

fundamentais A partir dela os direitos humanos ganham especial relevo situando-a como

o documento mais amplo e detalhado sobre os direitos humanos jaacute adotado no Brasil170

Eacute importante ressaltar que nem todas as garantias constitucionais do processo estatildeo

expressas nos incisos do art 5ordm da Constituiccedilatildeo permanecendo sob a eacutegide da foacutermula

geneacuterica do sect 2ordm ldquoOs direitos e garantias expressos nesta Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros

decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos tratados internacionais

em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo171

Portanto aleacutem dos direitos e

garantias expressos na Constituiccedilatildeo muitos outros podem derivar dos princiacutepios que ela

adota

Assim uma mera anaacutelise superficial do atual texto constitucional eacute suficiente para

se verificar a multiplicaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos ldquogarantidoresrdquo relacionados agrave

167

IBID p13-14 168

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 18 169

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo de Inocecircncia no Processo Penal Brasileiro Anaacutelise de sua

estrutura normativa para a elaboraccedilatildeo legislativa e para a decisatildeo judicial Rio de Janeiro Lumen Juris 2010

p 190 170

PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva

2008 p 24 171

GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 106

39

atuaccedilatildeo do aparelho repressivo com o propoacutesito de ajustar o processo penal aos valores

democraacuteticos que prosperaram no trabalho constituinte172

Isso porque o contexto no qual inseridas as atividades parlamentares da eacutepoca de

plena reconstruccedilatildeo do Estado de direito ocasionou inevitavelmente a adoccedilatildeo de uma

ordem instrumental penal totalmente inovadora e radicalmente diversa daquela que

inspirou o Coacutedigo de Processo Penal vigente elaborado sob a eacutegide de um outro momento

soacutecio-poliacutetico e de estrutura fortemente autoritaacuteria A atual Carta Constitucional por sua

vez elegeu um aparelho processual repressivo de matriz acusatoacuteria que prestigia a

separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal atingindo

inclusive a proacutepria estrutura das instituiccedilotildees ligadas agrave poliacutetica de seguranccedila puacuteblica173

Aleacutem disso Antonio Scarance Fernandes ressalta que especialmente apoacutes as

guerras mundiais os paiacuteses firmaram declaraccedilotildees conjuntamente ricas em normas

garantidoras almejando exatamente que seus signataacuterios assumissem o compromisso de

respeitar os direitos fundamentais do indiviacuteduo em seus territoacuterios 174

Afirma ele que no plano processual esse garantismo constitucional eacute consequecircncia

da necessaacuteria relaccedilatildeo que liga processo e Estado Assim ldquodo iacutentimo relacionamento entre

processo e Estado deriva a introduccedilatildeo cada vez maior nos textos constitucionais de

princiacutepios e regras de direito processualrdquo175

o que leva ao desenvolvimento de estudos

especiacuteficos sobre as normas processuais de iacutendole constitucional

Para Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegini Grinover e Cacircndido Rangel

Dinamarco ldquoeacute inegaacutevel o paralelo existente entre a disciplina do processo e o regime

constitucional em que o processo se desenvolverdquo176

De acordo com Ada Pellegrini Grinover ldquoa cada dia que passa acentua-se a

ligaccedilatildeo entre Constituiccedilatildeo e processo pelo estudo dos institutos processuais natildeo mais

colhidos na esfera fechada do direito processual mas no sistema unitaacuterio do ordenamento

172

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro

Lumen Juris 2001 p 08 173

IBID p 08- 09 174

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 11 175

IBID p 15 176

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel

Teoria Geral do Processo 22ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2006 p 84

40

juriacutedicordquo177

transformando o processo em garantia da liberdade

Natildeo eacute possiacutevel desse modo conceber-se o estudo do processo penal brasileiro

apartado de uma visatildeo claramente constitucional devendo ser este inserido no contexto

dos direitos e garantias fundamentais verdadeiros obstaacuteculos aos excessos do Estado

contra o indiviacuteduo parte nitidamente mais fraca nesse embate178

O direito processual constitucional assim eacute definido por Cintra Grinover e

Dinamarco como ldquoa condensaccedilatildeo metodoloacutegica e sistemaacutetica dos princiacutepios

constitucionais do processo179

rdquo consubstanciando-se num enfoque a partir do qual eacute

viabilizado o exame do processo em suas relaccedilotildees com a Constituiccedilatildeo180

A partir do direito processual constitucional firma-se entatildeo o processo penal

constitucional como meacutetodo de anaacutelise do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal181

Assim com a evoluccedilatildeo e o desenvolvimento do direito as normas constitucionais

do processo abandonam o caraacuteter de princiacutepios meramente programaacuteticos e assumem a

natureza de verdadeiras normas juriacutedicas delas decorrendo de acordo com Rogeacuterio Lauria

Tucci a orientaccedilatildeo determinante da ediccedilatildeo das normas que disciplinam o processo

penal182

de forma que o seu descumprimento caracteriza a ocorrecircncia de

inconstitucionalidade material

Entretanto ressalta Grinover

Mas o importante natildeo eacute apenas realccedilar que as garantias do acusado ndash que

satildeo repita-se garantias do processo e da jurisdiccedilatildeo ndash foram alccediladas a niacutevel

constitucional pairando sobre a lei ordinaacuteria agrave qual informam O importante eacute ler

as normas processuais agrave luz dos princiacutepios e das regras constitucionais Eacute verificar

a adequaccedilatildeo das leis agrave letra e ao espiacuterito da Constituiccedilatildeo Eacute vivificar os textos

legais agrave luz da ordem constitucional Eacute como jaacute se escreveu proceder agrave 177

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 15 178

NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 71-72 179

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op

cit p 85 180

IBID p 85 181

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 16 182

TUCCI Rogerio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo

Saraiva 1993 p 48

41

interpretaccedilatildeo da norma em conformidade com a Constituiccedilatildeo E natildeo soacute em

conformidade com sua letra mas tambeacutem com seu espiacuterito Pois a interpretaccedilatildeo

constitucional eacute capaz por si soacute de operar mudanccedilas informais na Constituiccedilatildeo

possibilitando que mantida a letra o espiacuterito da lei fundamental seja colhido e

aplicado de acordo com o momento histoacuterico que se vive183

Logo a relaccedilatildeo entre o processo penal o direito constitucional natildeo pode ser

vislumbrada como se este uacuteltimo fosse uma ciecircncia anaacuteloga ou um corpo de normas de

igual valor A visatildeo constitucional de direito e democracia deve ser o ponto de partida para

alcanccedilar-se a partir disso uma correta e ampla visatildeo do processo penal184

Isso porque a regulamentaccedilatildeo do processo penal pelo Estado eacute feita a partir dos

valores poliacuteticos predominantes O sistema instrumental penal eacute pois notoriamente

dominado pelo conceito de seguranccedila que natildeo eacute imutaacutevel mas deriva de determinado

processo histoacuterico e que apresenta na outra extremidade o confronto com o respeito agraves

liberdades individuais de modo a criar um cenaacuterio de intensa conflituosidade cuja

estabilidade soacute pode ser alcanccedilada pela adesatildeo aos primados garantidores que se

extravasam no modelo acusatoacuterio de processo como reflexo direto de um determinado

modelo teoacuterico de Estado o democraacutetico de direito construiacutedo a partir da Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 Isto eacute a consquista do equiliacutebrio desejaacutevel entre os ideais de seguranccedila e

liberdade individual depende necessariamente da adoccedilatildeo de regras que serviratildeo para

sopesar os interesses das partes em jogo e que penderatildeo de acordo com o momento

histoacuterico para um ou para outro lado185

Portanto a partir da sistematizaccedilatildeo e organizaccedilatildeo do estudo do processo penal

constitucional como visto tornou-se imprescindiacutevel que a anaacutelise do processo penal seja

feita agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal em conformidade com os princiacutepios constitucionais e

sob a perspectiva dos direitos fundamentais

Segundo Fauzi Hassan Choukr a preocupaccedilatildeo com o assunto no cenaacuterio particular

da investigaccedilatildeo criminal foi intesificada porque os limites teoacutericos que lhe eram impostos

183

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 14-15 184

NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 72 185

IBID p 14

42

se mostraram demasiadamente estreitos para a extensatildeo de problemas que surgia186

Assim

apesar de a investigaccedilatildeo criminal ser considerada uma peccedila meramente informativa

passou-se a compreendecirc-la como um verdadeiro atentado ao status dignitatis do

investigado tendo essa posiccedilatildeo sido apoiada por grande parcela da doutrina mais

esclarecida187

O indiviacuteduo submetido a inqueacuterito policial agora deve ser reconhecido como titular

de direitos e sujeito do procedimento natildeo mais somente como sujeito ao procedimento188

De acordo com Marta Saad ao indiviacuteduo deve ser assegurada a posiccedilatildeo de sujeito e titular

de direitos sempre natildeo importando a fase em que o procedimento se encontre ldquoOs direitos

e garantias constitucionais natildeo tecircm limites especiais nem obedecem a procedimentos

simplesmente devem ser obedecidos semprerdquo189

Portanto os princiacutepios constitucionais devem ter sua incidecircncia reconhecida na

persecuccedilatildeo penal como um todo seja na fase inquisitorial seja na fase processual visando

tatildeo somente amoldar nosso sistema aos ideais acusatoacuterios e livraacute-lo de seus resquiacutecios

inquisitoriais para que assim possam ser concretizados os direitos fundamentais e um

processo penal mais justo190

Em face de tal objetivo ainda na fase preliminar da persecuccedilatildeo criminal devem

obrigatoriamente ser respeitados os direitos e garantias fundamentais como expressotildees da

dignidade da pessoa humana na busca de uma instruccedilatildeo processual justa natildeo se perdendo

de vista a exigecircncia do Estado Democraacutetico de Direito de uma interpretaccedilatildeo constitucional

do direito processual penal191

Eacute do texto constitucional pois que deve advir a leitura dos direitos do investigado

assim como dos tratados internacionais no campo dos direitos fundamentais dos quais o

Brasil eacute signataacuterio em especial do Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica cuja inserccedilatildeo em

nosso Direito positivo consoante melhor doutrina se daacute em sede constitucional 192

-193

186

IBID p 07 187

IBID p 07 188

SAAD Marta O direito p 205-206 189

IBID p 206 190

BORGES Fernando Afonso Cardoso O direito ao contraditoacuterio e ampla defesa na fase inquisitoacuteria do

processo penal Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23042013 191

IBID 192

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial novas tendecircncias e praacuteticas Boletim IBCCRIM nordm 83 Esp

Outubro 1999

43

Essa forma de compreender a investigaccedilatildeo criminal revela-se de grande valia na

medida em que esta significa invariavelmente uma maneira de intromissatildeo do Estado na

liberdade individual situaccedilatildeo esta justificada a princiacutepio pela suspeita razoavelmente

fundada de que o agente tenha cometido uma conduta tipica que reclama a apreciaccedilatildeo pelo

sistema repressivo194

Assim o caminho estaacute livre para que passem a ser introduzidas nessa fase as

garantias constitucionais apropriadas ao exerciacutecio da missatildeo do Estado Devem ser

consideradas no exame das garantias incidentes a finalidade e a natureza da peccedila

investigatoacuteria de modo a buscar conciliar sua essecircncia com os limites da invasatildeo pelo

Estado na liberdade individual195

atraveacutes de uma interpretaccedilatildeo constitucional dos

dispositivos processuais penais Afinal a integridade do sistema constitucional depende do

valor que se atribua agrave liberdade individual e ao reconhecimento do status do acusado como

sujeito de direitos e natildeo mero objeto de investigaccedilatildeo ainda que estejamos diante de uma

acusaccedilatildeo informal como ocorre no inqueacuterito policial196

Neste ponto eacute necessaacuterio ressaltar que a investigaccedilatildeo criminal conteacutem em si talvez

o impasse elementar do processo penal que eacute o equacionamento e sopesamento dos

valores seguranccedila e liberdade197

sendo faacutecil a compreensatildeo da quase impossibilidade de

soluccedilatildeo dessa equaccedilatildeo da maneira como ela eacute posta198

Nesses termos a incidecircncia das garantias constitucionais jaacute na investigaccedilatildeo

criminal naquilo que for condizente com a sua natureza e finalidade segundo Fauzi

Hassan Choukr aparece como um ldquopasso adianterdquo na construccedilatildeo de um processo penal

garantidor entendida esta expressatildeo como sendo ldquoo arcabouccedilo instrumental penal uma

forma baacutesica de proteccedilatildeo da liberdade individual contra o arbiacutetrio do Estadordquo199

Apresentado o modelo acusatoacuterio e garantista que deve ser aplicado agrave investigaccedilatildeo

193

Haacute respeitaacutevel corrente doutrinaacuteria no sentido de que por forccedila do disposto no art 5ordm sect 2ordm da

Constituiccedilatildeo os tratados internacionais de direitos humanos tecircm status constitucional Entretanto o Supremo

Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinaacuterio nordm 466343SP decidiu que tratados

internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal STF Pleno

RExt nordm 466343SP rel Min Cezar Peluso j 22112006 194

SAAD Marta O direito p 07 195

IBID p 07-08 196

SAAD Marta Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash

2006 197

SAAD Marta O direito p 12 198

IBID p 12 199

IBID p 15-16

44

criminal passaremos a analisar o devido processo legal seu conteuacutedo e evoluccedilatildeo histoacuterica

de forma a possibilitar a anaacutelise posterior que aqui se pretende de algumas das garantias

incidentes na investigaccedilatildeo criminal e que guardam maior pertinecircncia com o tema do juiz

das garantias objeto do presente estudo

11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica

O ponto de partida para a definiccedilatildeo do direito a um processo equitativo eacute

invariavelmente a experiecircncia constitucional norte americana do due process of law cujas

origens costumam reconduzir-se aos esquemas garantiacutesticos da Magna Carta

particularmente o artigo 39 deste documento200

Joatildeo Sem Terra forccedilado por seus barotildees outorga em 1215 a Magna Charta

Libertatum que segundo Ada Pellegrini Grinover constitui com os demais pactos

medievais um antecedente das modernas Constituiccedilotildees no que diz respeito agrave forma escrita

e agrave proteccedilatildeo de direitos individuais ainda que de caraacuteter imemorial e destinados a

determinados homens201

Pela primeira vez a nobreza opotildee ao monarca o princiacutepio da supremacia de uma lei

que se impotildee ao proacuteprio governante antecipando a ideia fundamental de

constitucionalismo do seacuteculo XVIII202

Entre as principais garantias da Magna Carta senatildeo a mais importante elenca-se a

do artigo 39

ldquoNo freemen shall be taken or imprisoned or disseised or outlawded or

exiled or in any way destroyed nor will we go upon him nor will we send upon

him except by the legal judgment of his peers or by the law of the landrdquo

200

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 4ordf ed Coimbra

Almedina 2000 p 480 201

GRINOVER Ada Pellegrini As Garantias Constitucionais do Direito de Accedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos

Tribunais 1973 p 23 202

IBID p 24-25

45

De acordo com Ada Pellegrini Grinover o artigo 39 da Magna Carta constitui sem

duacutevida o antecedente direto da claacuteusula due process of law da Constituiccedilatildeo norte-

americana203

No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes leciona que a origem da garantia do devido

processo reside na Great Charter de Joatildeo Sem Terra de 15 de junho de 1215 que jurou

respeitar os direitos e as liberdades das pessoas sem cometer arbiacutetrios204

Assim qualquer

restriccedilatildeo aos direitos agrave vida liberdade ou propriedade desde entatildeo soacute poderia ser feita by

the law of the land205

A foacutermula ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo de acordo com Joseacute Joaquim Gomes

Canotilho natildeo era poreacutem suficientemente clara Segundo ele natildeo surpreende pois que

na interpretaccedilatildeo posterior da Carta feita por Eduardo III em 1354 natildeo seja utilizada a

expressatildeo ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo mas uma foacutermula semanticamente mais rica

mas tambeacutem indefinida processo devido em direito (ou devido processo legal)206

Assim a expressatildeo due process of law em substituiccedilatildeo agrave law of the land eacute usada

pela primeira vez no estatuto de 1354 segundo o qual

ldquoNone shall be condemned without trial Also that no Man of what State

or Condition that he be shall be put out of the Land Tenement nor taken or

imprisoned nor disinherited nor put to death without being brought to Answer by

the due process of lawrdquo207

Segundo Luiz Flaacutevio Gomes a garantia do due process era a princiacutepio destinada a

poucos mas a proacutepria evoluccedilatildeo da cultura dos direitos humanos exigiu depois sua

203

IBID p 25 204

GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro

e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema

interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 184 205

IBID p 184 206

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 480 207

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25

46

extensatildeo a todos208

De acordo com ele ainda no seacuteculo XIV eram comuns as duas

expressotildees hoje intensamente difundidas ldquodue process of lawrdquo ou ldquoby the law of the

landrdquo que no seu significado original de maior extensatildeo consistia numa evidente

limitaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo do Poder Puacuteblico frente aos particulares209

Ateacute hoje segundo Ada Pellegrini Grinover ldquolaw of the landrdquo e ldquodue process of

lawrdquo satildeo usados como equivalentes210

Leciona a autora que a supremacia da Magna Carta sobre os poderes do Estado foi

sustentada na tentativa de oposiccedilatildeo aos poderes praticamente irrestritos do soberano que

invocava direitos contra o Parlamento e contra a autoridade judiciaacuteria sugerindo-se a

interpretaccedilatildeo do artigo 39 como garantia de um julgamento previsto pela common law

transformando-se a claacuteusula em garantia de um processo ldquolegalrdquo jaacute no sentido equivalente

agrave ideia moderna211

O conceito de law of the land eacute retomado pelas colocircnias da Ameacuterica do Norte e

posteriormente a expressatildeo due process of law da tradiccedilatildeo do direito inglecircs passaria para

a Constituiccedilatildeo natildeo soacute como garantia de legalidade mas ainda como garantia de justiccedila

vinculante para todos os poderes do Estado212

A claacuteusula natildeo eacute citada expressamente pela Declaraccedilatildeo de Independecircncia dos

Estados Unidos que se restringe ao reconhecimento do princiacutepio de que todos os homens

satildeo iguais por criaccedilatildeo e dotados de direitos inalienaacuteveis como a vida a liberdade e a busca

da felicidade213

A Convenccedilatildeo da Filadeacutelfia que aprova a Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da

Ameacuterica natildeo prevecirc a proteccedilatildeo de direitos individuais Tais garantias foram inscritas como

emendas agrave Constituiccedilatildeo aprovadas em 1791214

e especialmente quanto agrave claacuteusula do due

process of law ingressou no sistema constitucional como V Emenda assim redigida

208

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 184 209

IBID p 184 210

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25 211

IBID p 25 212

IBID p 26 213

IBID p 27 214

IBID p 27

47

ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous

crime unless on a presentment or indictment of a Grand Jury except in cases

arising in the land or naval forces or in the Militia when in actual service in time

of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to be

twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to

be a witness against himself nor be deprived of life liberty or property without

due process of law nor shall private property be taken for public use without just

compensationrdquo

Por exercer o Bill of Rights a proteccedilatildeo agraves liberdades individuais somente contra

abusos dos oacutergatildeos federais com o tempo sentiu-se a necessidade de confiar aos mesmos

oacutergatildeos federais a garantia dos indiviacuteduos contra lesotildees praticadas tambeacutem pelo poder

estadual Nova emenda aprovada pelo Congresso e ratificada pelos Estados sob o nordm XIV

foi incorporada em 1868 agrave Constituiccedilatildeo215

Eacute esta a redaccedilatildeo da XIV Emenda

All persons born or naturalized in the United States and subject to the

jurisdiction thereof are citizens of the United States and of the state wherein they

reside No state shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or

immunities of citizens of the United States nor shall any state deprive any person

of life liberty or property without due process of law nor deny to any person

within its jurisdiction the equal protection of the laws

Assim a emenda teve aplicaccedilatildeo vasta e generalizada mormente no tocante agrave

afirmaccedilatildeo da claacuteusula no sentido de que somente atraveacutes de um processo legal possam ser

tangenciados bens como a vida a liberdade a propriedade representando a XIV Emenda

atualmente um dos elementos fundamentais do sistema constitucional norte-americano216

215

IBID p 28 216

IBID p 29

48

Segundo Joseacute Joaquim Gomes Canotilho a histoacuteria do processo entendido como

um processo poliacutetico cujos valores se voltam agrave defesa de direitos fundamentais tem iniacutecio

exatamente em torno dos Amendments V e XIV da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da

Ameacuterica217

De acordo com o autor a leitura basilar das Emendas relacionadas com o due

process of law pode sintetizar-se da seguinte forma

ldquoProcesso devido em direito significa a obrigatoriedade da observacircncia de

um tipo de processo legalmente previsto antes de algueacutem ser privado da vida da

liberdade e da propriedade Nestes termos o processo devido eacute o processo previsto

na lei para a aplicaccedilatildeo de penas privativas da vida da liberdade e da propriedade

Dito ainda por outras palavras lsquodue processrsquo equivale ao processo justo definido

por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicaccedilatildeo de sanccedilotildees

criminais particularmente gravesrdquo218

A acepccedilatildeo primitiva da claacuteusula do due process of law em resumo tanto no direito

inglecircs quanto no direito norte-americano nada mais evidencia que o princiacutepio do Estado

de Direito na particular perspectiva da atuaccedilatildeo jurisdicional ou seja natildeo pode o Estado

privar a vida ou a liberdade ou os bens de ningueacutem sem lei ou fora da lei219

A accedilatildeo do

Estado deve ser conforme o ordenamento juriacutedico imperante isto eacute per legem terrae

sobretudo no momento de dizer o direito em razatildeo do cometimento de uma infraccedilatildeo

penal220

Esta interpretaccedilatildeo baacutesica no entanto conforme liccedilatildeo de Joseacute Joaquim Gomes

Canotilho abre o caminho para uma outra leitura que consiste em enxergar o processo

devido como processo justo tambeacutem de criaccedilatildeo legal de normas juriacutedicas sobretudo das

normas restritivas das liberdades dos cidadatildeos isto eacute o due process of law pressupotildee que o

processo legalmente previsto para aplicaccedilatildeo de penas seja ele proacuteprio um ldquoprocesso

217

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 218

IBID p 481 219

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 220

IBID p 185

49

devidordquo obedecendo aos tracircmites procedimentais formalmente estabelecidos na

constituiccedilatildeo ou delineados em regras regimentais das assembleacuteias legislativas221

Segundo

o autor ldquoprocedimentos justos e adequados moldam a actividade legiferante Dizer o

direito segundo um processo justo pressupotildee que justo seja o procedimento de criaccedilatildeo

legal dos mesmos processosrdquo222

Esta nova leitura de acordo com Ada Pellegrini Grinover tem origem no fato de

que com o passar do tempo observou-se que a variaccedilatildeo de acordo com a evoluccedilatildeo da

consciecircncia comum eacute inerente ao conceito de due process223

uma vez que justiccedila e due

process of law satildeo conceitos histoacutericos e circunstanciais cujo teor pode modificar-se

conforme a evoluccedilatildeo da consciecircncia juriacutedica e poliacutetica de um paiacutes224

Assim o due process of law natildeo consiste num conceito abstrato e dele natildeo provecircm

conclusotildees absolutas aplicaacuteveis em qualquer circunstacircncia de tempo ou lugar Eacute pois ldquoum

standard que guia o tribunal e o standard haacute de aplicar-se com vistas a circunstacircncias

especiais de tempo de lugar e de opiniatildeo puacuteblicardquo225

Portanto pode-se dizer que a claacuteusula do due process agrave medida que natildeo retrata a

projeccedilatildeo de um processo eterna e permanentemente ideal eacute uma proposiccedilatildeo repleta de

lacunas cujo preenchimento varia conforme as condiccedilotildees histoacuterico-poliacuteticas e econocircmico-

sociais do momento sendo o seu fundamento objetivo somente passiacutevel de individuaccedilatildeo

em uma perspectiva histoacuterica226

A claacuteusula imprecisa em seu sentido literal constitui-se portanto no fundamento

constitucional para possibilitar o controle do exerciacutecio do Poder Legislativo pelo

Judiciaacuterio Natildeo obstante o claro sentido processual devotado agrave clausula em sua tradiccedilatildeo

histoacuterica foi-se impondo um conceito substantivo de due process of law decorrente do

amplo significado por ela subsumido quando foi reconduzida a um criteacuterio de

reasonableness227

Nesse sentido Luiz Flaacutevio Gomes ressalta que a limitaccedilatildeo do Estado somente do

221

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 222

IBID p 481 223

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 32-33 224

IBID p 34 225

IBID p 34 226

IBID p 35 227

IBID p 35

50

ponto de vista procedimental exigindo-lhe obediecircncia ao ldquoprocesso justordquo definido em lei

natildeo eacute suficiente228

Para o autor a imposiccedilatildeo de limites agrave elaboraccedilatildeo juriacutedica das

formalidades legais eacute tatildeo relevante quanto a exigecircncia de observacircncia das formalidades

legais devidas pois de nenhuma valia o estabelecimento de limites formais agrave atuaccedilatildeo

estatal se ela natildeo conta com obstaacuteculos no exato momento da formulaccedilatildeo dessas mesmas

regras juriacutedicas primordialmente as que se destinam a restringir a liberdade das pessoas229

Por fim leciona o autor

Justo ou devido portanto deve ser natildeo soacute o processo senatildeo tambeacutem o

proacuteprio procedimento de elaboraccedilatildeo da lei seja no aspecto formal seja no

substancial (material) porque o legislador natildeo pode transformar em ldquoprocesso

devidordquo o que eacute por natureza arbitraacuterio desproporcional e indevido230

Joseacute Joaquim Gomes Canotilho ensina que a classificaccedilatildeo de um processo como

justo exige fundamentalmente a consideraccedilatildeo de duas concepccedilotildees de ldquoprocesso devidordquo

ndash a concepccedilatildeo processual e a concepccedilatildeo material ou substantiva231

Segundo o autor na teoria processual o foco estaacute na observacircncia ou natildeo do

processo previsto em lei para a aplicaccedilatildeo de medidas privativas da vida liberdade ou

propriedade jaacute que ela restringe-se a dizer que uma pessoa ldquoprivadardquo dos seus direitos

fundamentais da vida liberdade e propriedade tem direito a exigir que essa privaccedilatildeo seja

feita por intermeacutedio de um processo especificado na lei232

Jaacute a teoria substantiva pretende justificar a ideia material de um processo justo pois

uma pessoa tem direito natildeo somente a um processo legal mas a um processo legal justo e

adequado sobretudo quando se trate de legitimar o sacrifiacutecio da vida liberdade e

propriedade dos particulares233

Segundo o autor ldquoo processo devido deve ser

materialmente informado pelos princiacutepios da justiccedila Mais do que isso o lsquoprocesso

228

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 229

IBID p 185 230

IBID p 185 231

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 482 232

IBID p 482 233

IBID p 482

51

devidorsquo comeccedila por ser um processo justo logo no momento da criaccedilatildeo normativo-

legislativardquo234

Desse modo os objetivos da exigecircncia do devido processo dificilmente seriam

alcanccedilados se ao legislador fosse concedida liberdade para converter qualquer processo em

processo equitativo Por isso passaram a ser exigidos criteacuterios materiais informadores do

processo devido expressa ou implicitamente revelados pelas normas da Constituiccedilatildeo e

pelos usos e procedimentos estabelecidos no direito comum ou disposiccedilotildees ldquoestatutaacuteriasrdquo

Passou assim a falar-se de processo devido substantivo235

Isso porque o problema central da exigecircncia de um due process natildeo residiria

exclusivamente no procedimento legal mediante o qual algueacutem eacute declarado culpado e

punido por haver violado a lei mas sim no fato de a lei poder por si mesma conter a

ldquoinjusticcedilardquo privando uma pessoa de direitos fundamentais236

Agraves autoridades legiferantes

deve ser vedado o direito de disporem de modo arbitraacuterio da vida da liberdade e da

propriedade das pessoas237

Assim o sentido claacutessico do due process of law como garantia do reacuteu eacute substituiacutedo

por um de conteuacutedo mais amplo e maior acircmbito de proteccedilatildeo que natildeo distingue entre

substantive e procedure A claacuteusula transforma-se assim numa garantia geral da ordem

juriacutedica238

Duas portanto satildeo as emanaccedilotildees baacutesicas da claacuteusula original e que chegaram ateacute

nossos dias 1ordf) o ldquosubstantive due process of lawrdquo e 2ordf ) o ldquojudicial due process of lawrdquo

(tambeacutem conhecido como ldquofair trialrdquo ou ldquojudicial processrdquo ou ainda ldquodevido processo

procedimentalrdquo)239

Toda pessoa tem direito de exigir natildeo somente que qualquer restriccedilatildeo agrave sua

liberdade ou propriedade ocorra rigidamente conforme os ditames legais (ldquojudicial

processrdquo) senatildeo principalmente que o legislador observe o valor justiccedila tambeacutem no

momento de elaboraccedilatildeo dessas normas de tal modo a impedir-lhe que crie um arbitraacuterio e

234

IBID p 482 235

IBID p 482 236

IBID p 482 237

IBID p 482 238

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 35 239

GOMES Luiz FlaacutevioOp cit p 185

52

injusto conjunto normativo (ldquosubstantive processrdquo)240

Assim due process of law eacute numa concepccedilatildeo ampla a garantia do ldquoprocessordquo

legislativo e tambeacutem a garantia de que a lei eacute adequada razoaacutevel justa e contida nos

limites da Constituiccedilatildeo A claacuteusula natildeo mais se limita agrave determinaccedilatildeo processual de

direitos substanciais mas se estende agrave garantia de que seu gozo natildeo seja restringido de

modo discricionaacuterio ou imprudente241

Hoje podemos afirmar que a claacuteusula eacute interpretada no sentido de eliminar qualquer

obstaacuteculo desarrazoado agrave tutela substancial ou processual dos direitos individuais242

Desse

modo haveraacute violaccedilatildeo da due process clause natildeo somente quando forem descabidas as

formas teacutecnicas de exerciacutecio dos poderes processuais mas tambeacutem quando a proacutepria

configuraccedilatildeo dos substantive rigths possa prejudicar sua tutela condicionando

ldquoirrazoavelmenterdquo o resultado do processo243

Segundo Luiz Flaacutevio Gomes pode-se afirmar que do ponto de vista privado o

princiacutepio do devido processo agora entendido como procedimento dotado de regras

formais elaboradas com razoabilidade representa para toda pessoa um direito (puacuteblico

subjetivo) jaacute do ponto de vista puacuteblico (objetivo) mister salientar que esse mesmo ldquojusto

processordquo (substancial e procedimental) constitui uma garantia244

de relevacircncia crucial

para a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais para a tutela das partes no processo bem como

para a proacutepria legitimaccedilatildeo do exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo no Estado Democraacutetico de Direito245

Ada Pellegrini Grinover salienta que as posiccedilotildees de vantagens das partes no

processo se por um lado podem ser compreendidas como direitos puacuteblicos subjetivos

privilegiando o interesse individual sobre o social por outro lado podem ser percebidas

240

IBID p 185-186 241

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 36 242

IBID p 38 243

IBID p 38 244

Sobre a distinccedilatildeo entre ldquodireitosrdquo e ldquogarantiasrdquo Rui Barbosa afirma que as disposiccedilotildees meramente

declaratoacuterias satildeo as que imprimem existecircncia legal aos direitos reconhecidos e as disposiccedilotildees assecuratoacuterias

satildeo as que em defesa dos direitos limitam o poder ldquoAquelas instituem direitos estas as garantias

ocorrendo natildeo raro juntar-se na mesma disposiccedilatildeo constitucional ou legal a fixaccedilatildeo da garantia com a

declaraccedilatildeo do direitordquo Repuacuteblica Teoria e Praacutetica Textos doutrinaacuterios sobre direitos humanos e poliacuteticos

consagrados na primeira Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica PetroacutepolisBrasiacutelia Vozes 1978 Joseacute Afonso da Silva

seguindo liccedilatildeo de Rui Barbosa salienta que em suma ldquoos direitos satildeo bens e vantagens conferidos pela

norma enquanto as garantias satildeo meios destinados a fazer valer esses direitos satildeo instrumentos pelos quais

se asseguram o exerciacutecio e gozo daqueles bens e vantagensrdquo Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf

ed Satildeo Paulo p 411 245

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 187

53

tambeacutem como garantias vale ressaltar natildeo somente das partes mas tambeacutem do justo

processo dando ecircnfase ao interesse geral na justiccedila da decisatildeo246

Essas garantias portanto relacionam-se ao proacuteprio processo o que constitui

segundo ela o enfoque completo e homogecircneo do conteuacutedo da claacuteusula do devido

processo legal

Garantias natildeo apenas das partes mas sobretudo da jurisdiccedilatildeo porque se

de um lado eacute interesse dos litigantes a efetiva e plena possibilidade de sustentarem

suas razotildees de produzirem suas provas de influiacuterem concretamente sobre a

formaccedilatildeo do convencimento do juiz do outro lado essa efetiva e plena

possibilidade constitui a proacutepria garantia da regularidade do processo da

imparcialidade do juiz da justiccedila das decisotildees247

Portanto as garantias constitucionais do devido processo legal passam a ser

entendidas natildeo mais apenas como garantias exclusivas das partes mas tambeacutem como

garantias indispensaacuteveis ao correto exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo

12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro

A claacuteusula do devido processo legal foi adotada expressamente pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 que em seu artigo 5ordm inciso LIV prevecirc que ldquoningueacutem seraacute privado da

liberdade ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo desmembrando em seguida o

conteuacutedo dessa foacutermula em uma rica sucessatildeo de garantias especiacuteficas necessaacuterias para

assegurar o direito agrave ordem juriacutedica justa

246

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 1 247

IBID p 2 No mesmo sentido CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini

DINAMARCO Cacircndido Rangel Op cit p 88 ldquoGarantias que natildeo servem apenas aos interesses das partes

como direitos puacuteblicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais destas) mas que configuram antes

de mais nada a salvaguarda do proacuteprio processo objetivamente considerado como fator legitimante do

exerciacutecio da jurisdiccedilatildeordquo

54

Segundo Luiz Flaacutevio Gomes como princiacutepio geral de direito que eacute delineado a

partir de um intrincado conjunto de muitos outros princiacutepios e normas cumpre salientar

que o devido processo sob a dimensatildeo interna natildeo conta apenas com regras e normas de

status constitucional (processo de constitucionalizaccedilatildeo) mas tambeacutem internacional

(internacionalizaccedilatildeo) sem esquecer das que estatildeo em niacutevel infraconstitucional

(legalizaccedilatildeo)248

A garantia do devido processo portanto eacute constituiacuteda de uma complexa

conjugaccedilatildeo de normas bem como de princiacutepios regras e proibiccedilotildees249

Assim embora o devido processo no nosso sistema juriacutedico disponha de inuacutemeras

normas constitucionais o certo eacute que a Constituiccedilatildeo por sua proacutepria natureza natildeo exaure

toda a disciplina do assunto250

conservando a foacutermula norte-americana dos direitos

impliacutecitos ao advertir no seu artigo 5ordm sect 2ordm que ldquoos direitos e garantias expressos nesta

Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou de tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo251

Em

seu complemento vecircm as normas internacionais e infraconstitucionais252

No que diz respeito agrave internacionalizaccedilatildeo do devido processo satildeo documentos de

citaccedilatildeo obrigatoacuteria no nosso meio cultural a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem

ndash DUDH (Naccedilotildees Unidas aprovada na Assembleia Geral de 10121948) o Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos ndash PIDCP (ONU 1966) ratificado pelo Brasil

em 24011992 e a Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos ndash CADH (Pacto de Satildeo

Joseacute da Costa Rica) ratificada pelo Brasil em 25091992253

Importante destacar a natureza instrumental dessa garantia do processo devido que

como todas as demais garantias natildeo deve ser apreendida como um fim em si mesma mas

como mecanismo para a tutela de um direito principal Estaacute assim a serviccedilo dos direitos

humanos fundamentais jaacute que serve de instrumento para a obtenccedilatildeo das vantagens e

248

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 249

IBID p 189 250

IBID p 191 251

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op

cit p 91 252

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 191 253

IBID p 189

55

benefiacutecios decorrentes dos direitos que visa assegurar254

13 Devido Processo Penal

O princiacutepio do devido processo legal eacute comumente adjetivado de acordo com a

natureza do conflito de interesses a ser solucionado bem como com a espeacutecie do conjunto

normativo respectivo255

No que diz respeito agraves garantias que disciplinam especificamente

as relaccedilotildees entre o indiviacuteduo e o Estado no estrito acircmbito jurisdicional de aplicaccedilatildeo de uma

pena como resposta a uma infraccedilatildeo penal eacute conveniente que se reconheccedila a existecircncia de

um devido processo criminal256

Segundo Rogeacuterio Lauria Tucci a garantia do devido processo ldquoeacute delineada ateacute

mesmo determinada por preceituaccedilotildees constitucionais direcionadas ao processo penal e

que agrave evidecircncia natildeo podem ser desconhecidas direta ou indiretamente das leis

processuais que o disciplinamrdquo257

Para o autor o devido processo penal entendido como ldquoa designaccedilatildeo apropriada agrave

sua verificaccedilatildeo em particularizado campo processual de atuaccedilatildeo eacute composto pelos

corolaacuterios de um desenvolvimento regular do processo em acircmbito penalrdquo258

tratando-se

por isso de uma especificidade penal da garantia constitucional do devido processo

Para Ada Pellegrini Grinover eacute no acircmbito do processo penal entendido como

instrumento da persecuccedilatildeo que a liberdade do indiviacuteduo avulta e se torna mais evidente a

necessidade de limitaccedilatildeo da atividade jurisdicional259

Segundo a autora ldquoa dicotomia

defesa social ndash direitos de liberdade assume frequentemente conotaccedilotildees dramaacuteticas no

juiacutezo penal e os direitos de personalidade do acusado se transformam na pedra de toque

254

IBID p 187 255

IBID p 187-188 256

IBID p 187-188 257

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 75-76 258

IBID p 69 259

GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades Puacuteblicas e Processo Penal As interceptaccedilotildees telefocircnicas Satildeo

Paulo Saraiva 1976 p 27

56

de um sistema de liberdades puacuteblicasrdquo260

Isso porque ldquovatildes seriam as liberdades do indiviacuteduo se natildeo pudessem ser

reivindicadas e defendidas em juiacutezordquo261

sendo necessaacuterio que o processo proporcione

verdadeiramente agrave parte a defesa de seus direitos a sustentaccedilatildeo de suas razotildees a produccedilatildeo

de suas provas262

Assim a oportunidade de defesa deve ser efetivamente plena e o

processo deve desenvolver-se com aquelas garantias indispensaacuteveis para a caracterizaccedilatildeo

do ldquodevido processo legalrdquo263

Ou seja eacute preciso que o julgamento se desenvolva com as

imprescindiacuteveis garantias processuais entre as quais o contraditoacuterio o uso dos meios de

prova garantidos em geral a presenccedila do juiz natural a publicidade o duplo grau de

jurisdiccedilatildeo264

Nesse sentido a liccedilatildeo de Rogeacuterio Lauria Tucci segundo a qual o inciso LIV do art

5ordm da Constituiccedilatildeo Federal ao prescrever que ldquoningueacutem poderaacute ser privado da liberdade

ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo exige que seja assegurado ao indiviacuteduo

envolvido numa persecutio criminis amplo e irrestrito acesso ao juiz natural sendo-lhe

garantida a participaccedilatildeo durante todo o iter procedimental em condiccedilotildees equacircnimes agraves dos

agentes estatais da persecuccedilatildeo penal e em inexoraacutevel contraditoriedade tudo isso num

prazo razoaacutevel265

As defesas previstas pela Constituiccedilatildeo aos direitos fundamentais e que consistem

no sistema organizado de proteccedilatildeo agrave seguranccedila agrave vida humana e agrave liberdade humanas

assumem importacircncia maior exatamente no processo penal266

Segundo Antonio Scarance Fernandes a garantia do devido processo legal antes

mesmo de ser especificada na Constituiccedilatildeo jaacute tinha vasta incidecircncia no processo penal267

Assim ldquoreservando o Estado para si o direito de punir como limite primeiro agrave accedilatildeo

estatal assegurou-se ao acusado que a sanccedilatildeo penal soacute lhe seria imposta por oacutergatildeo

260

IBID p 27 261

IBID p 25 262

IBID p 25-26 263

IBID p 26 264

IBID p 26 265

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 76 266

GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades p 27 267

FERNANDES Antonio Scarance Princiacutepios e Garantias Processuais Penais em 10 Anos de Constituiccedilatildeo

Federal In FERNANDES Antonio Scarance MORAES Alexandre de GOMES FILHO Antonio

Magalhatildees DALLARI Dalmo de Abreu TOJAL Sebastiatildeo Botto de Barros Os 10 anos da Constituiccedilatildeo

Federal temas diversos Satildeo Paulo Atlas 1999 p 192

57

jurisdicional e atraveacutes do regular processordquo268

isto eacute os textos constitucionais procuraram

assegurar ao indiviacuteduo o direito a um processo justo alcanccedilado por meio da ampla defesa

do contraditoacuterio da isonomia do juiz natural e de outras garantias deles derivadas

Especifica-se o devido processo penal de acordo com Rogeacuterio Lauria Tucci nas

seguintes garantias a) de livre acesso agrave Justiccedila Penal b) da previsatildeo de um juiz natural em

mateacuteria penal c) de tratamento em condiccedilotildees de igualdade das partes do processo penal d)

da plenitude de defesa do indiciado acusado ou condenado com todos os meios e recursos

a ela inerentes e) da publicidade dos atos processuais f) da necessidade de motivaccedilatildeo dos

atos decisoacuterios penais g) da fixaccedilatildeo de prazo razoaacutevel de duraccedilatildeo do processo penal e h)

da legalidade da execuccedilatildeo penal269

Tais garantias tecircm como consequecircncia loacutegica necessaacuteria o fato de que o indiviacuteduo

natildeo pode ser privado de sua liberdade ou de outros bens correlatos sem a observacircncia do

devido processo penal devendo a accedilatildeo judiciaacuteria ser desenvolvida conforme ldquoo vigoroso e

incindiacutevel relacionamento entre as preceituaccedilotildees constitucionais e as normas penais tanto

de natureza substancial quanto de caraacuteter instrumentalrdquo de modo a tornar a atuaccedilatildeo da

justiccedila criminal eficaz natildeo soacute na imposiccedilatildeo e concretizaccedilatildeo da pena ou da medida de

seguranccedila mas sobretudo na afirmaccedilatildeo do ius libertatis270

E tudo isso segundo o autor com o absoluto vigor de trecircs pressupostos

fundamentais quais sejam os relativos agrave inadmissibilidade de sujeiccedilatildeo agrave persecutio

criminis sem que tenha de fato ocorrido a praacutetica de fato tiacutepico antijuriacutedico e culpaacutevel e

haja indiacutecios de autoria correspondentes (nulla informatio delicti sine crimen et culpa) agrave

jurisdicionalizaccedilatildeo da imposiccedilatildeo de pena ou de medida de seguranccedila (nulla poena sine

iudicio) e agrave impossibilidade de realizaccedilatildeo satisfativa do ius puniendi provisoacuteria ou

definitivamente antes de transitada em julgado sentenccedila condenatoacuteria (nulla executio sine

titulo)271

Daiacute o senso comum de que ao indiviacuteduo membro da coletividade deve ser

assegurado antes da imposiccedilatildeo de qualquer sanccedilatildeo penal o direito a um processo preacutevio

no mais das vezez precedido de procedimento investigatoacuterio e no qual garantidos (a) a

268

IBID p 192 269

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo p 70 270

IBID p 71 271

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 62

58

atuaccedilatildeo de oacutergatildeo jurisdicional previamente designado pela lei para o respectivo

julgamento independente e imparcial (b) a previsatildeo em lei vigente regularmente

elaborada e promulgada de um procedimento destinado persecuccedilatildeo penal de fato tido

como penalmente relevante (c) o proferimento de decisatildeo puacuteblica e motivada em prazo

razoaacutevel (d) a correlaccedilatildeo entre a acusaccedilatildeo e a sentenccedila de meacuterito (e) a possibilidade de

reexame dos fatos e de sua qualificaccedilatildeo juriacutedica versado nos atos decisoacuterios desfavoraacuteveis

ao imputado (f) a oportunidade de ampla defesa com todos os meios e recursos a ela

inerentes tanto material quanto tecnicamente e (g) a presunccedilatildeo de inocecircncia isto eacute o natildeo

reconhecimento da culpabilidade do indiciado ou acusado enquanto natildeo transitada em

julgado a sentenccedila condenatoacuteria272

Como observado o princiacutepio do devido processo pode ser percebido como uma

ldquomegagarantia dos direitos fundamentaisrdquo273

Isso indica desde logo que o ldquojustordquo

processo eacute composto de muitas e incontaacuteveis garantias que se consubstanciam em

princiacutepios regras normas direitos ou proibiccedilotildees que como formalidades prescritas em lei

objetivam disciplinar o regular desenvolvimento do processo com vistas agrave soluccedilatildeo de um

conflito de interesses274

No contexto do devido processo criminal igualmente muacuteltiplas

satildeo as garantias que se encontram reunidas de forma harmocircnica sob um denominador

comum275

Neste trabalho natildeo temos a pretensatildeo de examinar cada uma dessas garantias

Buscaremos abordar de forma breve aquelas que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que

entendemos mais relevantes para o desenvolvimento do presente estudo por guardarem

relaccedilatildeo direta com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa

a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador

2 Direito de defesa

O inciso LV do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal considerando e especificando a

272

IBID p 62 273

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 274

IBID p 189 275

IBID p 189

59

garantia do devido processo legal assegura aos litigantes em processo judicial ou

administrativo e aos acusados em geral o contraditoacuterio e a ampla defesa com os meios e

recursos a ela inerentes

A garantia da ampla defesa ldquoconsiderada universalmente como um postulado

eterno eacute tambeacutem uma das exigecircncias em que se consubstancia o due process of lawrdquo 276

Tal previsatildeo do direito agrave ampla defesa constitui inovaccedilatildeo trazida pela atual

Constituiccedilatildeo brasileira uma vez que se trata de claacuteusula presente nas Constituiccedilotildees

anteriores277

Desde o Impeacuterio eacute ela citada 1824 art 179 VIII278

1891 art 72 sect 16279

1934

art 113 n 24280

1937 art 122 n 11 segunda parte281

1946 art 141 sect 25282

1967 art

150 sect 15283

e com a Emenda de 1969 art 153 sect 15 ora relacionando-se agrave nota de culpa

como ocorreu em 1824 1891 1937 e 1946 ora ligando-se agrave instruccedilatildeo criminal como em

1937 e 1946284

Tal vinculaccedilatildeo agrave nota de culpa ou instruccedilatildeo criminal gerava a impressatildeo de

que a garantia soacute se aplicava ao processo penal ideia essa que foi totalmente abandonada

com o novo texto constitucional que a estendeu expressamente a qualquer processo

judicial ou administrativo285

Para Antonio Scarance Fernandes o direito de defesa eacute tambeacutem garantia da proacutepria

justiccedila Segundo o autor eacute puacuteblico o interesse em que todos os reacuteus sejam adequadamente

276

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo

Saraiva 1993 p 203 277

FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2010 p 253 278

Art 179 VIII Ninguem poderaacute ser preso sem culpa formada excepto nos casos declarados na Lei e

nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisatildeo sendo em Cidades Villas ou outras

Povoaccedilotildees proximas aos logares da residencia do Juiz e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel

que a Lei marcaraacute attenta agrave extensatildeo do territorio o Juiz por uma Nota por elle assignada faraacute constar ao

Reacuteo o motivo da prisatildeo os nomes do seu accusador e os das testemunhas havendo-as 279

Art 72 sect 16 Aos acusados se asseguraraacute na lei a mais plena defesa com todos os recursos e meios

essenciais a ela desde a nota de culpa entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente

com os nomes do acusador e das testemunhas 280

Art 113 n 24 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os meios e recursos essenciais a esta 281

Art 122 n11 segunda parte Ningueacutem poderaacute ser conservado em prisatildeo sem culpa formada senatildeo pela

autoridade competente em virtude de lei e na forma por ela regulada a instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria

asseguradas antes e depois da formaccedilatildeo da culpa as necessaacuterias garantias de defesa 282

Art 141 sect 25 Eacute assegurada aos acusados plena defesa com todos os meios e recursos essenciais a ela

desde a nota de culpa que assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das

testemunhas seraacute entregue ao preso dentro em vinte e quatro horas A instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria 283

Art 150 sect 15 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os recursos a ela Inerentes Natildeo haveraacute

foro privilegiado nem Tribunais de exceccedilatildeo 284

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 253 285

IBID p 253

60

defendidos pois soacute assim seraacute garantido efetivo contraditoacuterio imprescindiacutevel para o

alcance de uma soluccedilatildeo justa286

O direito de defesa deve ser vislumbrado dessa forma natildeo soacute a partir do acircmbito de

interesse do acusado mas tambeacutem da esfera de interesse da coletividade jaacute que ldquointeressa

agrave coletividade a dialeticidade do procedimento penal com verificaccedilotildees negativas em caso

de natildeo constituir o delito uma fonte de responsabilidaderdquo287

A ampla defesa consiste pois ldquona oportunidade de o reacuteu contraditar a acusaccedilatildeo

atraveacutes da previsatildeo legal de termos processuais que possibilitem a eficiecircncia da

defesardquo288

traduzindo-se objetivamente em algumas soluccedilotildees teacutecnicas dentro do processo

que proporcionam maior efetividade agrave garantia

Assim reputam-se meios inerentes agrave ampla defesa a) o conhecimento claro da

imputaccedilatildeo b) a apresentaccedilatildeo de alegaccedilotildees contra a acusaccedilatildeo c) o acompanhamento da

produccedilatildeo da prova e a possibilidade de fazer contraprova d) a disponibilizatildeccedilatildeo de defesa

teacutecnica por advogado cuja funccedilatildeo aliaacutes agora eacute essencial agrave Administraccedilatildeo da Justiccedila e e)

a possibilidade de recorrer de decisatildeo desfavoraacutevel289

Rogeacuterio Lauria Tucci por sua vez entende que o conceito moderna da garantia da

ampla defesa exige indiscutivelmente a conjugaccedilatildeo de trecircs realidades procedimentais

distintas para sua efetivaccedilatildeo a saber a) o direito agrave informaccedilatildeo b) a bilateralidade da

audiecircncia (contraditoriedade) c) o direito agrave prova legitimamente obtida ou produzida

(comprovaccedilatildeo da inculpabilidade)290

A garantia da ampla defesa eacute induvidosamente uma das mais complexas jaacute que a

ela satildeo reconduziacuteveis dentre outras as seguintes garantias miacutenimas a) da informaccedilatildeo

pessoal do inteiro teor da acusaccedilatildeo b) da autodefesa c) da defesa teacutecnica d) do prazo

razoaacutevel para a preparaccedilatildeo da defesa com os meios necessaacuterios e adequados e) a proibiccedilatildeo

do cerceamento de defesa e f) da natildeo autoincriminaccedilatildeo291

286

IBID p 260 287

BATALHA Sergio Fedato Principiologia Para um Devido Processo Penal Constitucional A Ampla

defesa e o contraditoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Consulta realizada em 05062013 288

GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 126 289

IBID p 110 290

TUCCI Rogeacuterio Lauria Op cit p 205 291

GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro

e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema

61

Em sede processual penal a ampla defesa natildeo pode ser apartada do binocircmio

autodefesa - defesa teacutecnica292

Por isso a previsatildeo da ampla defesa nas Constituiccedilotildees

pressupotildee necessariamente para a adequada observacircncia desse comando sejam

assegurados o direito agrave defesa teacutecnica durante todo o processo e o direito de autodefesa

colocando-se ambos em relaccedilatildeo de diversidade e complementaridade293

A garantia da defesa pessoal estaacute prevista tanto no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos (artigo 143d294

) como na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

(artigo 82d295

) Como integrantes da autodefesa podem ser citados o direito de audiecircncia

sobretudo no interrogatoacuterio o direito a inteacuterprete ou tradutor o direito de presenccedila nos atos

processuais o direito de participaccedilatildeo dialeacutetica na audiecircncia o direito de comunicaccedilatildeo livre

e reservada com o defensor bem como o direito de postulaccedilatildeo pessoal296

Pode-se dizer ainda que a garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo nada mais eacute que

expressatildeo passiva da autodefesa e consequentemente da ampla defesa jaacute que o acusado

pode exercer a autodefesa de duas formas ativa expondo sua versatildeo sobre os fatos no

intuito de influenciar na decisatildeo final ou passiva natildeo se autoincriminando297

A garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo por sua vez possui duas formas de

manifestaccedilatildeo direito de natildeo declarar contra si mesmo e direito de natildeo confessar298

ambas

interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 210 292

BATALHA Sergio Fedato Op cit 293

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 258 No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes ldquoA ampla

defesa compreende dentre tantas outras garantias e tal como reconhece a communis opinio doctorum a

autodefesa e a defesa teacutecnicardquo GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos

sistemas juriacutedico brasileiro e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN

Flaacutevia (Coord) O sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo

RT 2000 p 210 294

Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as

seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio

de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e

sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo

tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 295

Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias

miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua

escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 296

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 210 297

IBID p 221 298

IBID p 221

62

devidamente consagradas tanto no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos299

como na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos300

Natildeo se pode perder de vista a previsatildeo do artigo 5ordm LXIII da Constituiccedilatildeo Federal

que assegura ao preso301

o direito ao silecircncio com a qual tais dispositivos devem ainda ser

conciliados302

O direito de silecircncio segundo Aury Lopes Jr eacute apenas expressatildeo de uma garantia

muito mais ampla insculpida no princiacutepio nemo tenetur se detegere segundo o qual o

sujeito passivo natildeo pode sofrer nenhum prejuiacutezo juriacutedico por natildeo colaborar com a

atividade probatoacuteria da acusaccedilatildeo ou por exercer o seu direito de silecircncio por ocasiatildeo do

interrogatoacuterio303

Em outros termos o exerciacutecio do direito de silecircncio natildeo pode acarretar

nenhuma presunccedilatildeo de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuiacutezo juriacutedico para o

imputado304

Eacute portanto por meio destas accedilotildees que se daacute a atuaccedilatildeo do sujeito no sentido de

contrapor-se pessoalmente agrave pretensatildeo estatal defendendo a si mesmo como indiviacuteduo

singular fazendo valer seu criteacuterio individual e seu interesse privado305

Jaacute a garantia da defesa teacutecnica vem insculpida em vaacuterios mandamentos legais

internacionais Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (artigos 82d306

e 82e307

)

299

ARTIGO 14 3 Toda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualdade a pelo menos as

seguintes garantias g) de natildeo ser obrigada a depor contra si mesma nem a confessar-se culpada 300

Artigo 8 2 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se

comprove legalmente sua culpa Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves

seguintes garantias miacutenimas g) direito de natildeo ser obrigado a depor contra si mesma nem a declarar-se

culpada () 301

Apesar de a Constituiccedilatildeo referir-se ao ldquopresordquo a doutrina estende esse direito a todos os infratores Natildeo

somente ao preso mas a todos eacute conferido o direito ao silecircncio Nesse sentido ldquoO direito ao silecircncio aleacutem

de estar contido na ampla defesa encontra abrigo no artigo 5ordm LXIII da CF que ao tutelar o estado mais

grave (preso) obviamente abrange e eacute aplicaacutevel ao sujeito passivo em liberdaderdquo LOPES JR Aury

Introduccedilatildeo criacutetica ao processo penal fundamentos da instrumentalidade garantista 3 ed Rio de Janeiro

Lumen Juris 2005 p 238 302

IBID p 238 303

IBID p 242 304

IBID p 242 305

IBID p 237 306

Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias

miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua

escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 307

Artigo 82e direito irrenunciaacutevel de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado

remunerado ou natildeo segundo a legislaccedilatildeo interna se o acusado natildeo se defender ele proacuteprio nem nomear

defensor dentro do prazo estabelecido pela lei

63

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (artigos 143d e 143d in fine308

) e

Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (artigo XI309

)

Quanto ao direito interno a garantia da defesa teacutecnica eacute contemplada tanto

constitucionalmente (CF artigo 5ordm LXIII ldquoo preso seraacute informado de seus direitos ()

sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo CF artigo 5ordm LXXIV ldquoo

Estado prestaraacute assistecircncia juriacutedica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiecircncia

de recursosrdquo) quanto em acircmbito infraconstitucional (CPP artigo 263 ldquoSe o acusado natildeo o

tiver ser-lhe-aacute nomeado defensor pelo juiz ressalvado o seu direito de a todo tempo

nomear outro de sua confianccedila ou a si mesmo defender-se caso tenha habilitaccedilatildeordquo)

Sua justificaccedilatildeo decorre da necessidade de equiliacutebrio funcional entre defesa e

acusaccedilatildeo e tambeacutem da fundada presunccedilatildeo de hipossuficiecircncia do sujeito passivo que via

de regra natildeo tem conhecimentos necessaacuterios e suficientes para resistir agrave pretensatildeo estatal

em condiccedilotildees teacutecnicas paritaacuterias com o acusador310

A defesa teacutecnica ao contraacuterio da autodefesa eacute considerada indisponiacutevel pois aleacutem

de ser uma garantia do sujeito passivo consubstancia interesse coletivo na correta

apuraccedilatildeo do fato311

Nesse sentido Ada Pellegrini Grinover leciona que a defesa teacutecnica eacute claramente

indisponiacutevel ldquona medida em que mais do que garantia do acusado eacute garantia da

paridade de armas indispensaacutevel agrave concreta atuaccedilatildeo do contraditoacuterio e

consequentemente agrave proacutepria imparcialidade do juizrdquo312

Isso porque ldquoquanto mais atuante

e eficiente forem ambas as partes mais alheio ficaraacute o julgadorrdquo313

Assim para o prudente e amplo exerciacutecio da defesa eacute indispensaacutevel a presenccedila da

defesa teacutecnica que deve ser exercida por advogado ldquoAleacutem do que o proacuteprio reacuteu

308

Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as

seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio

de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e

sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo

tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 309

Artigo XI 1 Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente ateacute que a

sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei em julgamento puacuteblico no qual lhe tenham sido

asseguradas todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa 310

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 233 311

IBID p 234 312

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p09 313

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 234

64

pessoalmente possa trazer a seu favor deve ele ainda que natildeo queira ser acompanhado

de advogado o qual deve ser intimado de todos os atos processuaisrdquo314

Por isso prevecirc o Coacutedigo de Processo Penal expressamente no art 261 a

necessidade de defensor ldquoNenhum acusado ainda que ausente ou foragido seraacute

processado ou julgado sem defensorrdquo

Jaacute a autodefesa exercida pelo proacuteprio reacuteu conquanto relevante seu aspecto de

garantia constitucional manifestando-se no processo de diferentes maneiras dentre elas o

direito de audiecircncia o direito de presenccedila e o direito a postular pessoalmente eacute

considerada renunciaacutevel natildeo podendo ser imposta ao reacuteu315

Nesse sentido salienta Antonio Scarance Fernandes que ldquoa autodefesa ainda que

natildeo possa ser dispensada eacute renunciaacutevel natildeo podendo o reacuteu ser obrigado a comparecer

para o interrogatoacuterio ou para a realizaccedilatildeo de atos processuaisrdquo316

Como vimos portanto satildeo decorrecircncias da ampla defesa constitucional aleacutem da

defesa teacutecnica a garantia da autodefesa o direito a natildeo se incriminar e o direito ao

silecircncio Pode se dizer assim na esteira do entendimento de Vicente Greco Filho que a

ampla defesa com os recursos a ela inerentes eacute a garantia mais importante para o

desenvolvimento e a estrutura do processo penal e ao redor da qual ele gravita317

21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica assegurou o exerciacutecio do direito de defesa aos

acusados em geral inclusive nos processos administrativos

A menccedilatildeo pela Constituiccedilatildeo a acusados e natildeo indiciados natildeo pode ser utilizada

como obstaacuteculo agrave sua aplicaccedilatildeo na investigaccedilatildeo preliminar318

Isso porque a expressatildeo

usada natildeo foi meramente ldquoacusadosrdquo mas ldquoacusados em geralrdquo devendo nela ser

314

GRECO FILHO Vicente Op cit p 129 315

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 268 316

IBID p 268 317

GRECO FILHO Vicente Op cit p 126 318

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251

65

compreendida tambeacutem o indiciamento que nada mais que uma imputaccedilatildeo em sentido

amplo319

Para Marta Saad a expressatildeo ldquoacusados em geralrdquo envolve niacuteveis distintos de

incriminaccedilatildeo bastando para que se tenha acusaccedilatildeo e acusado a atribuiccedilatildeo ainda que de

maneira informal a praacutetica de determinado iliacutecito a uma pessoa320

Natildeo devem subsistir duacutevidas pois de que o termo ldquoacusados em geralrdquo utilizado

pelo constituinte originaacuterio engloba o procedimento administrativo apuratoacuterio da infraccedilatildeo

penal321

Ainda deve-se entender a expressatildeo ldquoprocesso administrativordquo como

ldquoprocedimento administrativordquo que abrange o inqueacuterito policial - forma mais utilizada de

persecuccedilatildeo penal preliminar ou preacutevia no direito brasileiro322

- portanto uma vez que se

trata de procedimento administrativo com finalidade judiciaacuteria323

Na verdade a ampla defesa deve ser amoldada tambeacutem pelo novo paradigma

constitucional de valorizaccedilatildeo dos direitos fundamentais e de irradiaccedilatildeo da forccedila normativa

constitucional324

A ordem constitucional iniciada em 1988 impotildee a supremacia da

dignidade da pessoa humana325

Com isso abrem-se as portas para o modelo garantista de

processo penal de modo a conter os abusos e arbitrariedades do antigo modelo inquisitoacuterio

de processo penal326

Nesse sentido de acordo com Aury Lopes Jr a postura do legislador constitucional

no artigo 5ordm LV foi nitidamente garantidora e o equiacutevoco terminoloacutegico (falar em

processo administrativo quando deveria ser procedimento) natildeo pode servir de empecilho

para sua aplicaccedilatildeo no inqueacuterito policial327

319

IBID p 251 320

SAAD Marta O direito p 367 321

BATALHA Sergio Fedato Op cit 322

Na fase preacute-processual desenvolve-se a investigaccedilatildeo preliminar cujo modelo adotado no Brasil eacute o

policial atraveacutes do inqueacuterito policial LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 250 323

SAAD Marta O direito p 367 324

BATALHA Sergio Fedato Op cit 325

IBID 326

IBID 327

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251

66

Ademais buscando a maacutexima eficaacutecia do artigo 5ordm LV da Constituiccedilatildeo Federal

bem como a necessaacuteria conformidade do Coacutedigo de Processo Penal a ela inafastaacutevel a

incidecircncia do direito de defesa no inqueacuterito policial328

Assim o inqueacuterito policial natildeo obstante ser um procedimento administrativo e natildeo

um processo deve tambeacutem respeitar os direitos fundamentais do indiciado329

sobretudo

aqueles decorrentes do direito de defesa330

Como jaacute observado no inqueacuterito policial satildeo abrigados aleacutem de atos de

investigaccedilatildeo tambeacutem atos de instruccedilatildeo criminal de caraacuteter transitoacuterio ou definitivo331

A possiblidade de exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial por meio da

pronta participaccedilatildeo do acusado e de seu defensor nessa fase procedimental deve ser

reconhecida sobretudo tendo em vista os inuacutemeros atos que ocasionam restriccedilatildeo a direitos

constitucionalmente assegurados podendo ser citados a prisatildeo preventiva a prisatildeo

temporaacuteria a proacutepria prisatildeo em flagrante delito a busca pessoal ou domiciliar a

apreensatildeo o arresto e o sequestro de bens a quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e das

comunicaccedilotildees o indiciamento bem como diante da possibilidade de serem praticados de

atos de instruccedilatildeo de caraacuteter definitivo332

Tudo isso vale ressaltar independe do

estabelecimento de contraditoacuterio333

Aleacutem disso ao indiciado ou formalmente acusado deve ser reconhecido o status

de sujeito de direitos durane todo o procedimento natildeo podendo como consequecircncia ser

tratado como objeto alheio ao inqueacuterito334

328

IBID p 250-251 329

MOREIRA Rocircmulo de Andrade O Supremo Tribunal Federal e o sigilo no inqueacuterito policial Disponiacutevel

em wwwibccrimorgbr Acesso em 28 mai 2013 330

ldquoA praacutetica demonstra que algumas manifestaccedilotildees do direito de defesa mdash uso do direito ao silecircncio habeas

corpus e mandado de seguranccedila pedido de relaxamento da prisatildeo e de liberdade provisoacuteria mdash satildeo

reconhecidas e exercidas jaacute nessa fase procedimental muito embora em contrapartida se tenha enraizado a

crenccedila infundada de que o inqueacuterito eacute peccedila inquisitiva e informativa que natildeo admite defesardquo SAAD Marta

Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash 2006 De acordo

com Aury Lopes Jr o exerciacutecio do habeas corpus e mandado de seguranccedila corporificam o exerciacutecio de defesa

fora do inqueacuterito policial consistindo em atuaccedilatildeo exoacutegena da defesa teacutecnica LOPES JR Aury

Introduccedilatildeo p 235 331

ldquoA partir da instauraccedilatildeo do inqueacuterito policial inuacutemeros atos que acarretam restriccedilatildeo a direitos

constitucionalmente assegurados podem ocorrer em desfavor do acusado tais como os decretos de prisatildeo

preventiva e temporaacuteria a decretaccedilatildeo de medidas cautelares a determinaccedilatildeo do indiciamento e por fim a

possiacutevel formalizaccedilatildeo da acusaccedilatildeordquo SAAD Marta O direito p 199 332

IBID p 366 333

SAAD Marta Exerciacutecio 334

ID O direito p 366

67

Nessa perspectiva tendo-se em conta o informalmente acusado como sujeito do

inqueacuterito e natildeo apenas como sujeito ao inqueacuterito tem ele direito de defesa de ser

considerado inocente de natildeo ser forccedilado a produzir prova contra si mesmo de escolher

defensor e ser por ele assistido sendo ldquointoleraacutevel portanto se tratar o interessado o

envolvido o indiciado ou o futuro demandado quais estranhos em procedimento

apuratoacuterio de fatos que podem lhes atingir a esfera de direitosrdquo335

O exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial eacute de suma relevacircncia sendo

imprescindiacutevel a sua garantia jaacute nesse momento336

Para o satisfatoacuterio exerciacutecio da defesa devem ser asseguradas necessariamente a

ciecircncia ao acusado da imputaccedilatildeo e de todo o conteuacutedo dos atos de instruccedilatildeo constantes do

inqueacuterito a assistecircncia de advogado e a possibilidade de exerciacutecio do direito ao silecircncio337

Assim a defesa praticada no inqueacuterito policial deve ser compreendida de forma

ampla como resistecircncia ou oposiccedilatildeo de forccedilas podendo o acusado contestar todas as

acusaccedilotildees exisetentes contra si com o auxiacutelio de advogado a faculdade de manter-se em

silecircncio e a admissibilidade de produccedilatildeo de provas necessaacuterias agrave comprovaccedilatildeo de sua

inocecircncia ou de sua culpabilidade diminuiacuteda338

A autodefesa nessa fase em regra se concretiza no interrogatoacuterio policial do

acusado339

De acordo com Aury Lopes Jr a denominada defesa pessoal ou autodefesa

manifesta-se de vaacuterias formas mas tem no interrogatoacuterio policial um de seus momentos de

maior relevacircncia jaacute que eacute o momento em que ao sujeito passivo eacute dada a oportunidade de

atuar de forma efetiva expressando as causas e explicaccedilotildees fato a ele imputado ou

alegando negativas de autoria e de materialidade340

De par com essa atuaccedilatildeo que supotildee o interrogatoacuterio tambeacutem eacute possiacutevel uma total

omissatildeo um atuar pois negativo atraveacutes do qual o imputado se nega a declarar341

335

TJSP Apelaccedilatildeo com Revisatildeo 9154560-7819998260000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Barreto

Fonseca Rel designado Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo data de julgamento 06112000 Data de

registro 12022001 336

SAAD Marta O direito p 202 337

ID Exerciacutecio 338

ID O direito p 367 339

IBID p 368 340

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 341

IBID p 237

68

podendo manter-se em silecircncio jaacute que natildeo haacute para ele dever de veracidade342

Natildeo apenas

pode o imputado se negar a declarar mas tambeacutem pode se negar a fornecer a mais iacutenfima

contribuiccedilatildeo para a atividade probatoacuteria realizada pelos oacutergatildeos estatais de investigaccedilatildeo343

podendo portanto negar-se a participar de reconhecimento acareaccedilatildeo ou reproduccedilatildeo

simulada dos fatos assim como a fornecer material para periacutecia ou exibir documento344

A autodefesa contudo eacute incapaz de por si soacute garantir a defesa

constitucionalmente assegurada devido ao inevitaacutevel comprometimento emocional do

acusado e de sua falta de conhecimento teacutecnico345

Por isso a autodefesa exercida pelo proacuteprio acusado e a defesa teacutecnica exercida

por profissional habilitado devem tambeacutem no plano investigativo atuar em relaccedilatildeo de

complementaridade

Ainda no inqueacuterito policial portanto jaacute deve se fazer presente a defesa teacutecnica

com a presenccedila de advogado constituiacutedo para acompanhamento das investigaccedilotildees que a

teor do artigo 14 do CPP346

poderaacute sugerir a realizaccedilatildeo de diligecircncias que seratildeo realizadas

ou natildeo a cargo da autoridade policial ldquoO acusado deve poder contar pois com

assistecircncia de advogado legalmente habilitado zeloso e competente na real defesa dos

interesses de sua liberdade juriacutedicardquo347

Durante todo o inqueacuterito policial isto eacute em todos os seus atos pode o defensor

interceder no intuito de zelar pela sua regularidade formal sobretudo atuando ao lado da

poliacutecia na coleta de atos de instruccedilatildeo definitivos e irrepetiacuteveis348

O sigilo do inqueacuterito

policial eventualmente decretado natildeo mais se aplica ao acusado nem ao seu defensor a

quem eacute assegurada a possibilidade de consulta e reproduccedilatildeo dos autos349

Consagrando tal

prerrogativa o Supremo Tribunal Federal editou em 2009 a suacutemula vinculante 14 com o

seguinte enunciado ldquoEacute direito do defensor no interesse do representado ter acesso amplo

aos elementos de prova que jaacute documentados em procedimento investigatoacuterio realizado

342

Tal direito encontra restriccedilatildeo apenas no tocante agrave sua identidade natildeo podendo o acusado mentir sobre ela

ou se recusar a fornecer seus documentos ou impressatildeo digital se preciso for SAAD Marta O direito p

368 343

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 344

SAAD Marta O direito p 368 345

IBID p 202 346

Art 14 O ofendido ou seu representante legal e o indiciado poderatildeo requerer qualquer diligecircncia que

seraacute realizada ou natildeo a juiacutezo da autoridade 347

SAAD Marta O direito p 202 348

IBID p 369 349

IBID p 369

69

por oacutergatildeo com competecircncia de poliacutecia judiciaacuteria digam respeito ao exerciacutecio do direito

de defesardquo350

Pode o defensor ainda livre e reservadamente reunir-se com o acusado antes do

interrogatoacuterio bem como propor a produccedilatildeo de meios de prova e providecircncias cujo

deferimento eacute direito subjetivo do acusado desde que o pedido natildeo seja faticamente

impraticaacutevel ou inuacutetil351

Natildeo se nega assim que as diligecircncias realizadas durante a investigaccedilatildeo criminal

possam ser sigilosas excepcionalmente para que natildeo seja prejudicada a descoberta de

elementos de informaccedilatildeo como a autoria e a materialidade delitiva352

No entanto no

intuito de natildeo se desprezar a garantia constitucional agrave ampla defesa o mesmo rigor natildeo

deve ser imposto ao que se refere aos atos de instruccedilatildeo jaacute documentados353

Exatamente por tratar-se o inqueacuterito uma etapa relevante para a reuniatildeo de meios de

provas inclusive com a praacutetica de atos que natildeo mais seratildeo repetidos ao acusado deve ser

proporcionada a assistecircncia de defensor jaacute nessa fase preliminar formulando apropriada e

tempestivamente sua defesa354

Dessa forma no contexto das garantias constitucionais eacute imperioso que seja

garantido ao acusado esteja ele preso ou em liberdade o direito agrave defesa teacutecnica exercida

por defensor legalmente habilitado na efetiva proteccedilatildeo de seus interesses Aleacutem disso ao

Estado incumbe formecer defesa dativa ao acusado que natildeo dispuser de seu proacuteprio

defensor355

Eacute vaacutelido ressaltar que apesar do direito de defesa ser apreendido como meio de

resguardo da liberdade esta visatildeo natildeo reflete a sua real dimensatildeo Afinal sob o enfoque da

sociedade que tem como fim uacuteltimo a paz social e como tal comprometida apenas com a

condenaccedilatildeo do sujeito comprovadamente culpado deve-se salientar que o direito de defesa

350

O enunciado do STF complementa a Carta Constitucional afirmando que o defensor deve ter acesso aos

autos de inqueacuterito policial pelo fato de tais documentos formarem conjunto probatoacuterio sobre o qual o

defensor em muitos momentos natildeo tinha acesso ou o tinha de forma restrita 351

SAAD Marta O direito p 369 352

FERREIRA Regina Cirino Alves Suacutemula vinculante reconhece acesso do defensor em inqueacuterito policial

Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr 353

IBID 354

SAAD Marta O direito p 200-201 355

IBID p 368-369

70

no inqueacuterito policial tanto em seu aspecto de autodefesa quanto de defesa teacutecnica podem

evitar que sejam aforadas acusaccedilotildees inveriacutedicas imprudentes ou apressadas356

ldquoPodendo opor-se agraves provas coligidas e oferecer sua versatildeo acerca dos

fatos apurados impugnar a classificaccedilatildeo do delito atribuiacuteda pela autoridade

policial fazer-se acompanhar sempre por defensor para solicitar a produccedilatildeo de

diligecircncias em seu favor e principalmente ter ciecircncia de seus direitos

constitucionais e exercecirc-los desde logo o acusado e tambeacutem a justiccedila penal soacute tecircm

a ganhar357

Ele por cuidar de afastar possiacutevel acusaccedilatildeo formal a Justiccedila por se

precaver melhor contra acusaccedilotildees infundadasrdquo358

Desse modo em que pesem alguns posicionamentos ainda no sentido da

desnecessidade do exerciacutecio do direito de defesa em sede de inqueacuterito este deve ser

respeitado durante toda a persecuccedilatildeo penal

3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia

Outro princiacutepio de particular significaccedilatildeo no campo penal359

eacute o da presunccedilatildeo de

inocecircncia inscrito pela primeira vez em nossos textos constitucionais pelo art 5ordm inciso

LVII da Carta de 1988 ldquoningueacutem seraacute considerado culpado ateacute o tracircnsito em julgado de

sentenccedila condenatoacuteriardquo

356

IBID p 204 357

ID Exerciacutecio 358

IBID 359

ldquoMas que se aplica a qualquer processo de caraacuteter punitivo pense-se por exemplo no administrativo ou

trabalhistardquo GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios e garantias constitucionais In LIMA Marcellus

Polastri SANTIAGO Nestor Eduardo Araruna (Coord) A renovaccedilatildeo processual penal apoacutes a Constituiccedilatildeo

de 1988 Estudos em homenagem ao Professor Joseacute Barcelos de Souza Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p

11

71

Historicamente a presunccedilatildeo de inocecircncia ou conforme preferem alguns presunccedilatildeo

de natildeo culpabilidade360

esteve ligada agrave superaccedilatildeo das formas processuais comuns ao

ancien regimen e agrave Inquisiccedilatildeo nas quais o reacuteu era apontado como o objeto do processo

sobre ele incidindo uma presunccedilatildeo de culpabilidade e natildeo de inocecircncia361

As origens desse princiacutepio satildeo portanto antigas sendo afirmado por influecircncia do

Cristianismo jaacute no proacuteprio direito romano Posteriormente foi reconhecido pela tradiccedilatildeo da

common law em virtude das claacuteusulas de proteccedilatildeo dos suacuteditos ingleses afirmadas na

Magna Carta362

Delineado a princiacutepio a partir do ideal iluminista foi consagrado pela Declaraccedilatildeo

dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo de 1789 cujo artigo 9 afirmava ldquoTout homme eacutetant

preacutesumeacute innocent srsquoil est indispensable de lrsquoarreter tout rigueur qui ne serait paacutes

necessaire pour srsquoassurer de sa personne doit ecirctre seacuteveacuterement reprimeacutee par la loirdquo vindo

a ser incorporado posteriormente por vaacuterios ordenamentos juriacutedicos nacionais e no

periacuteodo poacutes-guerra por diversos documentos internacionais363

de proteccedilatildeo dos direitos

humanos364

Hoje sobretudo a partir da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (1948) a

presunccedilatildeo de inocecircncia constitui direito fundamental frequentemente assegurado nos

textos internacionais e nas Constituiccedilotildees modernas365

De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a finalidade da inserccedilatildeo

constitucional da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute poliacutetico-ideoloacutegica366

isto eacute o legislador

constituinte ao consagraacute-la em niacutevel constitucional ldquodemonstrou uma escolha juspoliacutetica

360

ldquoHaacute um consenso em se admitir que no atual sistema juriacutedico brasileiro as expressotildees lsquopresunccedilatildeo de

inocecircnciarsquo e lsquonatildeo consideraccedilatildeo preacutevia de culpabilidadersquo satildeo expressotildees equivalentes Por forccedila

constitucional afastam-se quaisquer inspiraccedilotildees ou limites ideoloacutegicos fascistas dessa segunda expressatildeo

tendo sido ela escolhida pelo constituinte para representar semanticamente aquilo que toda a tradiccedilatildeo

iluminista e mais modernamente a comunidade internacional atribuem agrave claacutessica expressatildeo ldquopresunccedilatildeo de

inocecircnciardquo inspirada pelos ideais de igualdade dignidade da pessoa humana e devido processo legalrdquo

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 221 361

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 145-146 362

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 363

ldquoTodo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente ateacute que sua culpa

fique legalmente comprovada em um julgamento puacuteblico no qual todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa

tenham sido asseguradasrdquo (DUDH art XI) ldquoToda pessoa acusada de uma infraccedilatildeo penal deve ser

considerada inocente ateacute que sua culpa seja judicialmente comprovadardquo (PIDCP art 142) ldquoToda pessoa

acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se comprove legalmente sua

culpardquo (CADH art 82) 364

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 146 365

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 366

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 355

72

clara a persecutio criminis deve ter em todos os seus instantes um cunho garantidor e

igualitaacuterio ao imputado natildeo se admitindo mais um sistema autoritaacuterio e desigual tiacutepico de

regimes despoacuteticosrdquo367

Assim ldquoa funccedilatildeo da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute servir de eixo estrutural de um

processo penal a ser feito conforme ao determinado pela Constituiccedilatildeordquo368

Antonio Magalhatildees Gomes Filho define a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquoprinciacutepio

informador do ordenamentordquo em que o processo penal configura mecanismo de aplicaccedilatildeo

de sanccedilotildees punitivas num sistema juriacutedico no qual sejam assegurados essencialmente os

valores intriacutensecos agrave liberdade e agrave dignidade da pessoa humana369

Trata-se pois de

ldquopreceito geral informado pelos valores de respeito agrave dignidade e liberdade da pessoa

humana que deve ser observado em todas as atividades relacionadas agrave persecuccedilatildeo

criminal no Estado de Direito e do qual podem ser extraiacutedas importantes garantiasrdquo370

Nesse sentido a garantia de que seraacute preservado o estado de inocecircncia ateacute o tracircnsito

em julgado da sentenccedila condenatoacuteria gera consequecircncias no tratamento da parte passiva

no ocircnus da prova e na exigecircncia de que a confirmaccedilatildeo do delito e a aplicaccedilatildeo da pena dar-

se-atildeo somente por intermaacutedio de um processo com todas as garantias e atraveacutes de uma

sentenccedila fundamentada371

Por isso de acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a concepccedilatildeo da presunccedilatildeo de

inocecircncia sob a comcepccedilatildeo constitucional de um acircmbito de proteccedilatildeo vasto compreende

um significado relacionado mais diretamente com a figura do imputado a que ele

denomina ldquonorma de tratamentordquo e outros dois significados mais ligados agrave mateacuteria

probatoacuteria que se subdividem em ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma probatoacuteriardquo372

373

367

IBID p 355 368

IBID p 358 369

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo de Inocecircncia Princiacutepio e Garantias In Escritos em

homenagem a Alberto Silva Franco Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 128 370

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 371

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 188 372

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 424 Para Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra da

presunccedilatildeo de inocecircncia tem dupla aplicaccedilatildeo A primeira relaciona-se ao tratamento processual e social a

ser dispensado ao reacuteu que para todos os efeitos e perante todos deve ser considerado inocente ateacute que a

condiccedilatildeo resolutiva representada pelo tracircnsito em julgado da sentenccedila condenatoacuteria autorize tratamento

diverso A segunda por seu turno estaacute associada ao acircmbito probatoacuterio que para muitos se relaciona com a

fixaccedilatildeo do ocircnus de provar imposto agrave acusaccedilatildeordquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 373

ldquoTal subdivisatildeo se justifica segundo o autor pois as diferenccedilas entre ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma

probatoacuteriardquo exigem estudo mais particularizado de cada uma dessas manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de

73

A garantia de ser tratado como inocente consiste resumidamente no fato de que o

acusado tem o direito de ser tratado como ldquonatildeo participante do fato imputadordquo374

Assegura pois que apenas apoacutes um julgamento ditado por oacutergatildeo judiciaacuterio

regularmente instituiacutedo e realizado com respeito agraves regras do devido processo seraacute

possiacutevel afirmar a culpa de algueacutem pela praacutetica de um crime e infligir-lhe a correspondente

sanccedilatildeo punitiva (nulla poena sine iudicio)375

Nesse sentido pode-se dizer que presunccedilatildeo de inocecircncia e devido processo legal

satildeo conceitos que se complementam exprimindo a concepccedilatildeo fundamental de que o

reconhecimento da culpabilidade requer natildeo apenas a existecircncia de um processo mas

acima de tudo de um processo justo onde o embate entre o poder punitivo estatal e o

direito liberdade do acusado seja feito em termos de equiliacutebrio376

E por forccedila dessas fundamentais restriccedilotildees ao poder punitivo estatal assegura

tambeacutem uma forma adequada de tratamento ao suspeito indiciado ou acusado que antes

do tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo natildeo pode estar sujeito a qualquer medida restritiva

de direitos que tenha como consequecircncia a equiparaccedilatildeo ao culpado377

Nesses termos em decorrecircncia da regra de tratamento todas as medidas coercitivas

antes ou durante o processo soacute se mostram plausiacuteveis quando haacute imperiosa necessidade e

desde que fundadas em fatos concretos378

Por isso no transcurso de toda a persecuccedilatildeo penal ndash desde a investigaccedilatildeo ateacute o

teacutermino do processo ndash natildeo satildeo admissiacuteveis providecircncias discriminatoacuterias que sejam

adotadas como antecipaccedilatildeo da puniccedilatildeo ou que objetivem a estigmatizaccedilatildeo do indiviacuteduo

como por exemplo o uso desnecessaacuterio de algemas a exposiccedilatildeo de imagens agrave miacutedia ou

outras condutas degradantes inconciliaacuteveis com a condiccedilatildeo de quem ainda natildeo foi

definitivamente julgado como autor de um crime379

inocecircncia permitindo identificar suas especificidades de conteuacutedo e efeitosrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide

de Presunccedilatildeo p 462 374

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 224 375

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 376

GOMES FILHO Magalhatildees Significados da Presunccedilatildeo de Inocecircncia In COSTA Joseacute de Faria SILVA

Marco Antonio Marques da (Coord) Direito Penal Especial Processo Penal e Direitos Fundamentais Visatildeo

Luso-Brasileira Satildeo Paulo Quartier Latin 2006 p 323 377

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12 378

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 225 379

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12

74

A prisatildeo processual natildeo obstante ser prevista por todas as legislaccedilotildees inclusive no

Brasil igualmente encontra um limite na presunccedilatildeo de inocecircncia sendo permitida somente

em situaccedilotildees excepcionais e desde que natildeo tenha intuitos sancionatoacuterios380

Nesse sentido de acordo com Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra dirige-se

tambeacutem ao julgador a quem cabe o respeito estrito agrave imparcialidade operativa ficando

pois proibido de realizar qualquer ato indicativo de adesatildeo preacutevia agrave tese acusatoacuteriardquo381

Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes essa eacute a forma mais tradicional de se

compreender a presunccedilatildeo de inocecircncia na cultura da Civil Law ou seja visualizaacute-la como

uma garantia ao cidadatildeo de que ele seraacute tratado durante toda a persecuccedilatildeo penal como

inocente382

assegurando-se que as consequecircncias de uma futura decisatildeo condenatoacuteria

somente sejam aplicadas apoacutes o seu tracircnsito em julgado383

Sua abrangecircncia e acircmbito de

proteccedilatildeo todavia natildeo se esgotam nesse aspecto

Como ldquonorma probatoacuteriardquo a presunccedilatildeo de inocecircncia abrange seara especiacutefica

orientada agrave determinaccedilatildeo de quem deve provar por meio de que tipo de prova e

finalmente o que deve ser provado384

Conforme jaacute observado a presunccedilatildeo de inocecircncia subsiste ateacute o momento da

condenaccedilatildeo definitiva e natildeo pode haver condenaccedilatildeo sem um miacutenimo de atividade

probatoacuteria385

Logo forccedilosa a conclusatildeo de que a uacutenica forma de se desconstruir a

presunccedilatildeo consiste na realizaccedilatildeo de uma atividade probatoacuteria suficiente da qual deve se

encarregar quem fez a acusaccedilatildeo386

Como consequecircncia a presunccedilatildeo de inocecircncia como norma probatoacuteria natildeo admite a

inversatildeo do ocircnus da prova o que significaria inevitavelmente uma violaccedilatildeo de seu

conteuacutedo387

380

IBID p 12 381

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 382

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 427 383

IBID p 427 384

IBID p 462 385

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 226 386

IBID p 226 387

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538

75

Cabe agrave acusaccedilatildeo portanto comprovar a existecircncia de requisitos objetivos e

subjetivos exigidos para o reconhecimento da praacutetica de uma infraccedilatildeo penal e natildeo ao reacuteu

o ocircnus de demonstrar a sua inocecircncia388

Nesse sentido Antonio Magalhatildees Gomes Filho afirma que em um processo penal

informado pela presunccedilatildeo de inocecircncia uma vez que o acusado eacute considerado inocente ateacute

que se comprove legal e definitivamente sua culpabilidade ldquoeacute claro que o encargo de

demonstrar os fatos incumbe integralmente agrave acusaccedilatildeordquo389

A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo ademais exige que o material

probatoacuterio necessaacuterio para afastaacute-la seja obtido pelo oacutergatildeo acusador de forma liacutecito e tenha

conteuacutedo incriminador390

Assim no cumprimento de seu encargo probatoacuterio a acusaccedilatildeo

deveraacute se utilizar apenas de provas liacutecitas e orientadas agrave demonstraccedilatildeo da culpa do

imputado e agrave materialidade da infraccedilatildeo em todos os seus aspectos391

A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma de juiacutezordquo por sua vez volta-se ao exame

do material probatoacuterio jaacute produzido para avaliar sua suficiecircncia para afastar a incidecircncia

da presunccedilatildeo de inocecircncia e portanto condenar o imputado ou para eleger a norma

juriacutedica mais adequada ao caso concreto392

Indica a exigecircncia de que natildeo seraacute proferida nenhuma condenaccedilatildeo ausente prova

suficiente da culpabilidade393

Mais do que isso eacute fundamental a existecircncia de prova

segura e induvidosa da conduta criminosa atribuiacuteda ao acusado Assim devem levar agrave

absolviccedilatildeo tanto a ausecircncia de provas como a duacutevida gerada no espiacuterito do juiz pelas

provas produzidas no processo Sob esse acircngulo o valor do preceito mostra-se no

momento da decisatildeo como expressatildeo da maacutexima do in dubio pro reo394

A presunccedilatildeo de inocecircncia ainda como norma de juiacutezo obriga o julgador a motivar

convincentemente suas escolhas sempre que as decisotildees penais acarretarem restriccedilatildeo a

direitos do imputado395

Examinando os elementos informativos que lhe satildeo apresentados

388

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa 2003 p 148 389

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A presunccedilatildeo da inocecircncia e o ocircnus da prova em processo penal

Boletim IBCCRIM nordm 23 Novembro 1994 390

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538 391

IBID p 538 392

IBID p 462 393

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 394

IBID p 11 395

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 539

76

na fase de investigaccedilatildeo preliminar ou as provas em fase processual deveraacute sempre decidir

orientando suas escolhas pelo ldquofavor reirdquo e equacionando suas duacutevidas faacuteticas com base no

ldquoin dubio pro reordquo396

que devem ser percebidos como aspectos significados projeccedilotildees ou

manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de inocecircncia397

Podemos portanto de acordo com Aury Lopes Jr extrair da presunccedilatildeo de

inocecircncia que ela predetermina a adoccedilatildeo da verdade processual relativa dotada poreacutem de

um razoaacutevel niacutevel de certeza praacutetica jaacute que obtida conforme determinadas condiccedilotildees

como consequecircncia a obtenccedilatildeo de tal verdade determina um tipo de processo informado

pelo sistema acusatoacuterio que impotildee a estrutura dialeacutetica e posiciona o juiz em situaccedilatildeo de

alheamento em verdadeira rejeiccedilatildeo agrave figura do juiz-inquisidor com poderes

investigatoacuterios e instrutoacuterios e consagraccedilatildeo da figura do juiz de garantias ou garantidor no

acircmbito do processo se manifesta em regras para o julgamento orientando a decisatildeo

judicial sobre os fatos traduz-se por fim em regras de tratamento do acusado visto que a

ingerecircncia do processo penal se daacute sobre um inocente398

Dessa forma a presunccedilatildeo de inocecircncia significa em conjunto com todos os seus

aspectos e desdobramentos incluiacutedos o ldquoin dubio pro reordquo e o ldquofavor reirdquo segundo

Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes

ldquo () um direito que veio atender agrave igualdade ao respeito agrave dignidade da

pessoa humana agrave liberdade do cidadatildeo e ao devido processo penal porque torna a

396

IBID p 539 397

ldquoO ponto central para referida distinccedilatildeo resulta da observaccedilatildeo do sentido que as proacuteprias expressotildees

empregam ldquoIn dubio pro reordquo traz em si uma ideia de que haacute duacutevida (ldquoin dubiordquo) e de que ela deve ser

resolvida favoravelmente ao reacuteu (ldquopro reordquo) ldquoFavor reirdquo por sua vez eacute uma escolha valorativa que natildeo

tem como causa a ldquoduacutevidardquo sua base informadora satildeo os ideais de igualdade dignidade da pessoa humana

e proteccedilatildeo da liberdade e do patrimocircnio do cidadatildeo por meio de um devido processo legal O ldquofavor reirdquo

por ser uma forma de realizaccedilatildeo efetiva desses ideais incide tanto no campo legislativo para conformaccedilatildeo

de leis que visem garanti-los quanto no campo judicial na medida em que indica ao julgador qual eacute a opccedilatildeo

axioloacutegica definida constitucionalmente e que ele tambeacutem deveraacute ter ao interpretar o dispositivo legal ao

caso concreto O ldquoin dubio pro reordquo ao contraacuterio natildeo tem incidecircncia no campo legislativo uma vez que a

lei natildeo traz duacutevidas seja em sua formaccedilatildeo seja em sua interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo A lei apresenta apenas

possibilidades interpretativas dentro das quais natildeo haacute espaccedilo para duacutevidas teacutecnicas A ldquoduacutevidardquo inerente

ao ldquoin dubio pro reordquo sempre adveacutem dos fatos os quais podem ou natildeo estar provados nos autos criminais

Daiacute se dizer que o ldquoin dubio pro reordquo estaacute ligado a fatos (natildeo provados ou provados de forma insatisfatoacuteria)

e pode incidir em qualquer momento decisoacuterio judicial natildeo apenas no instante da decisatildeo sobre o meritum

causae Dessa forma o ldquoin dubio pro reordquo limita-se ao acircmbito judiciaacuterio destinado e determinado pelo

caso concreto e natildeo projeta seus efeitos no acircmbito legislativo voltado agrave elaboraccedilatildeo da lei em niacutevel

abstratordquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 365-367 398

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 187

77

relaccedilatildeo juriacutedica entre imputado e oacutergatildeos persecutoacuterios mais equilibrada (garantia

agrave igualdade) impedindo que as manifestaccedilotildees do poder puacuteblico ultrapassem o

necessaacuterio para a apuraccedilatildeo dos fatos impede de ordinaacuterio que ao imputado seja

dado tratamento de condenado antes do reconhecimento definitivo de sua culpa

(garantia agrave dignidade da pessoa) impotildee a necessidade de um processo condizente

com todos os padrotildees constitucionais de justiccedila para que se proceda agrave verificaccedilatildeo

e declaraccedilatildeo de culpa do cidadatildeo (garantia do devido processo legal) impotildee uma

decisatildeo menos prejudicial ao imputado sempre que houver duacutevida faacutetica ou se

possa proceder agrave mais favoraacutevel escolha juriacutedica como asseveraccedilatildeo do prestiacutegio agrave

dignidade da pessoa humana em toda e qualquer decisatildeo judicial penalrdquo399

Traduz-se pois numa maneira de apreender gerir e conceber um sistema

processual penal para o qual o ser humano desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo eacute inocente e

assim deve ser identificado e tratado ateacute que o Judiciaacuterio afirme de modo certo e definitivo

a sua culpabilidade fundada em um conjunto probatoacuterio incriminador miacutenimo e liacutecito400

31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal

Do quanto ateacute aqui exposto jaacute eacute possiacutevel concluir pela incidecircncia integral da

presunccedilatildeo de inocecircncia na fase investigativa posto que sua concretizaccedilatildeo exige a adoccedilatildeo

de um sistema processual penal para o qual o indiviacuteduo durante toda a persecuccedilatildeo criminal

- que no mais das vezes vem representada por alguma forma de investigaccedilatildeo preliminar

via de regra o inqueacuterito policial - eacute considerado inocente ateacute que haja o reconhecimento

indiscutiacutevel de sua culpa

Como observado a redaccedilatildeo do inciso LVII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 eacute ampla e abrange portanto qualquer indiviacuteduo em qualquer situaccedilatildeo obstando

leituras literais que poderiam excluir as atividades de investigaccedilatildeo em que de maior

399

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 347 400

IBID p 358

78

relevacircncia a garantia contra juiacutezos temeraacuterios que podem ocasionar o reconhecimento do

mero suspeito como culpado401

Nesse sentido segundo Fauzi Hassan Choukr a presunccedilatildeo de inocecircncia

consubstancia-se em princiacutepio de fundamental importacircncia tambeacutem incidente na fase

investigativa consubstanciando verdadeiro paradigma para a percepccedilatildeo global do sistema

instrumental penal requerendo indiscutivelmente ldquoum compromisso natildeo apenas teacutecnico

mas tambeacutem eacutetico do modelo utilizaacutevelrdquo402

Isso porque segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes jaacute nessa fase haacute autecircntica

imputaccedilatildeo penal em face do indiviacuteduo que pode sofrer atos de restriccedilatildeo em seus direitos

de liberdade dignidade ou igualdade assim como constriccedilotildees em sua esfera juriacutedica403

Jaacute

nesses primeiros momentos investigativos da imputaccedilatildeo penal portanto deve o cidadatildeo

dispor de toda proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e excessos

estatais404

ldquoNesse contexto maior de proteccedilatildeo constitucional ampla insere-se a presunccedilatildeo

de inocecircncia em todos os seus instantesrdquo405

Uma de suas consequecircncias mais importantes e evidentes eacute a passagem do ser

humano da condiccedilatildeo de objeto do processo nesse caso da investigaccedilatildeo para a condiccedilatildeo de

sujeito com direitos e deveres apropriados a essa atividade406

Nesse sentido o campo de eficaacutecia do princiacutepio eacute entendido como regra de

tratamento do investigado407

aspecto mais significativo nessa fase investigativa408

401

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo p 126 402

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 39 No mesmo sentido Alexandra Vilela leciona que o princiacutepio

da presunccedilatildeo de inocecircncia se manifesta ao longo de todo o processo desde o inqueacuterito VILELA Alexandra

Consideraccedilotildees acerca da presunccedilatildeo de inocecircncia em direito processual penal Coimbra Coimbra Editora

2010 p 79 Para Joseacute Mariacutea Luzoacuten Cuesta ldquola presuncioacuten de inocencia es un derecho subjetivo puacuteblico que

posee su eficacia en un doble plano por una parte opera en las situaciones extraprocesales y constituye el

derecho a recibir la consideracioacuten y el trato de no autor o no partiacutecipe en hechos de caraacutecter delictivo o

anaacutelogos a eacutestos por outro lado el referido derecho opera fundamentalmente en el campo procesal con

influjo decisivo en el reacutegimen juriacutedico de la pruebardquo CUESTA Joseacute Mariacutea Luzoacuten La presuncioacuten de

inocencia ante la casacioacuten Madrid Editorial Colex 1991 p 13 403

Conforme liccedilatildeo de Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquonessa compreensatildeo ampla de imputaccedilatildeo penal ela se

inicia a partir da existecircncia de qualquer ato (investigativo ou judicial) do qual se depreenda um juiacutezo de

atribuiccedilatildeo de um crime a uma pessoa determinada O juiacutezo de atribuiccedilatildeo de uma infraccedilatildeo a algueacutem eacute o

primeiro passo da persecuccedilatildeo penal e de ordinaacuterio vem representado por alguma forma de investigaccedilatildeo

preliminar por exemplo o inqueacuterito policialrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 491 404

IBID p 492 405

IBID p 492-493 406

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 38-39 407

VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 408

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493

79

Como ldquonorma de tratamentordquo pois a presunccedilatildeo de inocecircncia garante ao imputado

que ele natildeo poderaacute ser tratado como culpado durante toda essa fase409

Refere-se desse

modo ao status agrave condiccedilatildeo ou ao estado de inocecircncia da pessoa submetida a inqueacuterito

policial410

e pressupotildee que nas ocasiotildees de contato direto entre ele e a autoridade puacuteblica ndash

o que ocorre exatamente de modo mais intenso no instante do interrogatoacuterio ndash natildeo seja

intimidado ou sofra abusos que o situem como ldquoobjeto de provardquo e natildeo como sujeito de

direito411

Logo significa que durante o desenrolar da investigaccedilatildeo o tratamento

dispensado ao investigado deve ser despojado de situaccedilotildees que constituam antecipaccedilatildeo de

um juiacutezo de culpabilidade412

Para se impedir tais condutas violadoras da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute essencial natildeo

apenas que esses atos ou outros a eles equivalentes contem com a presenccedila de defensor

mas tambeacutem que a prisatildeo provisoacuteria natildeo seja utilizada da como meio de se obrigar o

imputado a depor ou de qualquer modo produzir prova em seu desfavor413

Isto eacute como regra de tratamento a presunccedilatildeo de inocecircncia natildeo permite que as

medidas cautelares sobretudo a prisatildeo provisoacuteria tenham caraacuteter de definitivas natildeo

podendo ser utilizadas como instrumentos de confissatildeo ou como penas antecipadas414

Pelo ateacute aqui exposto eacute possiacutevel constatar-se a total correlaccedilatildeo entre a presunccedilatildeo de

inocecircncia e a ampla defesa nessas hipoacuteteses citadas415

ldquoA defesa teacutecnica garante que o

imputado natildeo seja tratado como culpado ou como objeto em atos de investigaccedilatildeo de

profunda tensatildeo entre ele e a autoridade puacuteblicardquo isto eacute a presunccedilatildeo de inocecircncia

assegura a autodefesa uma vez que impede que se decretem prisotildees provisoacuterias com o

intuito de coagir o investigado a renunciar ao seu direito ao silecircncio ou de natildeo produzir

prova em seu desfavor ambos aspectos da autodefesa416

409

IBID p 493 410

VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 411

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 412

Como exemplo pode-se citar o uso de algemas quando desnecessaacuterio e a utilizaccedilatildeo de palavras e gestos

humilhantes que tornem o investigado diminuiacutedo aleacutem do necessaacuterio imposto por sua condiccedilatildeo VIEIRA

Ana Lucia Menezes Processo p 172 413

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 414

ALBANO Vicenzo Processo penale informazione e controllo di razionalitagrave In BASCIU Maurizio

(Org) Diritto penale controllo di razionalitagrave e garanzie del citadino Padova Cedam 1998 p 298 415

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 416

IBID p 494

80

Natildeo obstante natildeo podermos falar exatamente de ldquoprovardquo nessa fase dado que natildeo

haacute contraditoacuterio e intervenccedilatildeo judicial a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo

tambeacutem tem incidecircncia nessa fase417

Isso porque qualquer requisiccedilatildeo dos oacutergatildeos puacuteblicos persecutoacuterios tais como a

prisatildeo provisoacuteria ou outras medidas coercitivas restritivas de qualquer modo dos direitos

fundamentais do indiviacuteduo como por exemplo a busca e apreensatildeo e a interceptaccedilatildeo

telefocircnica deve estar obrigatoriamente assentada na existecircncia de dados informativos

incriminadores colhidos e produzidos de forma liacutecita418

A presunccedilatildeo de inocecircncia exige

um procedimento legal de afericcedilatildeo da culpa isto eacute somente um procedimento garantidor

dos direitos fundamentais do investigado pode ser capaz de fornecer elementos idocircneos

para a demonstraccedilatildeo da sua culpabilidade419

Em outros termos nenhum elemento

probatoacuterio pode ser utilizado contra o acusado se natildeo for obtido e produzido com os

ditames da lei420

Logo ausentes esses elementos incriminadores preacutevios e liacutecitos

qualquer medida coercitiva decretada pelo juiacutezo bem como o recebimento da acusaccedilatildeo

formal seratildeo atos infringentes desse aspecto da presunccedilatildeo de inocecircncia421

Por fim a presunccedilatildeo de inocecircncia tambeacutem incide na fase investigativa como

ldquonorma de juiacutezordquo422

De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes esse seu aspecto tem

ocorrecircncia pois eacute indispensaacutevel o exame da suficiecircncia daqueles elementos

incriminadores preacutevios e liacutecitos para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz sobre ldquoa

legitimidade em se determinar aquelas medidas coativas restritivas ou ainda para ter a

denuacutencia ou a queixa-crime como imputaccedilotildees legiacutetimas e aptas a iniciar nova fase

persecutoacuteriardquo423

Deve o oacutergatildeo judiciaacuterio competente atentar em todos esses instantes

decisoacuterios que qualquer incerteza faacutetica ou a eleiccedilatildeo normativa mais adequada deveratildeo ser

orientadas respectivamente pelo ldquoin dubio pro reordquo e pelo ldquofavor reirdquo424

Dessa forma jaacute desde os primeiros instantes da fase de investigaccedilatildeo preliminar

havendo um juiacutezo de atribuiccedilatildeo de fato criminoso a algueacutem o imputado seraacute protegido

417

IBID p 494 418

IBID p 494 419

VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo p 172 420

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees O princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia na Constituiccedilatildeo de 1988 e

na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) Revista do Advogado

Satildeo Paulo n 42 p 30-34 abr 1994 421

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 422

IBID p 494 423

IBID p 494 424

IBID p 494

81

pela presunccedilatildeo de inocecircncia com toda a amplitude requerida pela Constituiccedilatildeo exige seja

como ldquonorma de tratamentordquo como ldquonorma probatoacuteriardquo ou como ldquonorma de juiacutezordquo425

4 A imparcialidade do juiz

A imparcialidade eacute decorrecircncia loacutegica do devido processo legal e de um Estado

genuinamente Democraacutetico de Direito426

Constitui indubitavelmente uma das mais

importantes garantias do devido processo criminal427

Em que pese a inexistecircncia de expressa previsatildeo do direito ao julgamento por juiz

imparcial na Constituiccedilatildeo Federal isso natildeo significa absolutamente que ela natildeo o

assegura428

Isso porque ldquonatildeo eacute devido justo ou eacutequo um processo que se desenvolva perante

um julgador parcialrdquo429

Segundo Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaroacute isso seria o

bastante para afirmar que a Constituiccedilatildeo assegura o direito de ser julgado por um juiz

imparcial430

Aliaacutes segundo o autor ldquoa imparcialidade eacute lsquoconditio sine qua nonrsquo de

qualquer juiz Juiz parcial eacute uma contradiccedilatildeo em termosrdquo431

Assim natildeo seria possiacutevel

imaginar-se uma atividade jurisdicional vaacutelida e legiacutetima que natildeo fosse exercida por um

juiz equidistante das partes processuais432

Sob outro enfoque conquanto natildeo tenha se preocupado em positivar o direito a um

juiz imparcial a Constituiccedilatildeo buscou garantir condiccedilotildees de independecircncia obstando

eventuais influecircncias oriundas dos demais poderes e dos demais oacutergatildeos hieraacuterquicos do

proacuteprio Poder Judiciaacuterio e vedando a praacutetica de atividades que colocassem em risco a

425

IBID p 495 426

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 No mesmo sentido Badaroacute leciona que ldquoa

imparcialidade do julgador eacute elemento integrante do devido processo legalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique

Righi Ivahy Direito a um julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz

nos sistemas em que natildeo haacute a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em

httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em 25082013 427

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 198 428

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 429

IBID 430

IBID 431

IBID 432

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140

82

imparcialidade do juiz433

Assim no regramento constitucional da magistratura haacute a

previsatildeo de uma seacuterie de prerrogativas para assegurar a independecircncia dos juiacutezes

pressuposto indispensaacutevel consoante liccedilatildeo de Eugenio Rauacutel Zaffaroni para que se possa

manifestar a imparcialidade434

(CF art 95 caput)435

Nesse sentido Julio J B Maier ressalta que a independecircncia por si soacute natildeo eacute

suficiente para que o julgador reuacutena todas as condiccedilotildees que assegurem sua isenccedilatildeo para

decidir o caso concreto Isso porque a independecircncia eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para

assegurar a equanimidade mas natildeo eacute a uacutenica Segundo o autor outra dessas condiccedilotildees eacute

exatamente a imparcialidade isto eacute a atribuiccedilatildeo da funccedilatildeo de julgar determinado caso a

quem possa garantir a maior objetividade possiacutevel ao enfrentaacute-lo436

Tambeacutem haacute previsatildeo constitucional de vedaccedilotildees aos magistrados com a evidente

intenccedilatildeo de assegurar a imparcialidade do julgador437

(CF art 95 paraacutegrafo uacutenico)438

Sob o aspecto subjetivo eacute ainda preservada a imparcialidade pelas regras de

suspeiccedilatildeo e impedimento contidas no Coacutedigo de Processo Penal439

(arts 252 e

seguintes440

) Consoante leciona Gustavo Badaroacute ldquoa previsatildeo legal de hipoacuteteses de

433

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 434

ZAFFARONI Eugenio Raul Poder Judiciaacuterio Crise Acertos e Desacertos Trad Juarez Tavares Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 1995 p 91 435

Art 95 Os juiacutezes gozam das seguintes garantias I - vitaliciedade que no primeiro grau soacute seraacute adquirida

apoacutes dois anos de exerciacutecio dependendo a perda do cargo nesse periacuteodo de deliberaccedilatildeo do tribunal a que o

juiz estiver vinculado e nos demais casos de sentenccedila judicial transitada em julgado II - inamovibilidade

salvo por motivo de interesse puacuteblico na forma do art 93 VIII III - irredutibilidade de subsiacutedio ressalvado

o disposto nos arts 37 X e XI 39 sect 4ordm 150 II 153 III e 153 sect 2ordm I 436

ldquoNo soacutelo por ser independiente el juez reuacutene todas las condiciones que garantizan su ecuanimidad al

decidir el caso La independencia es una condicioacuten necesaria para garantizar la ecuanimidad pero no es la

uacutenica ni es por ello suficiente436

Otra de esas condiciones necesarias es colocar frente al caso ejerciendo

la funcioacuten de juzgar a una persona que garantice la mayor objetividade posible al enfrentarlo A esa

situacioacuten del juez en relacioacuten al caso que le toca juzgar se llama imparcialidaderdquo MAIER Julio B J Op

cit p 484 437

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 438

Art 95 Paraacutegrafo uacutenico Aos juiacutezes eacute vedado I - exercer ainda que em disponibilidade outro cargo ou

funccedilatildeo salvo uma de magisteacuterio II - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto custas ou participaccedilatildeo em

processo III - dedicar-se agrave atividade poliacutetico-partidaacuteria IV - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto auxiacutelios

ou contribuiccedilotildees de pessoas fiacutesicas entidades puacuteblicas ou privadas ressalvadas as exceccedilotildees previstas em lei

V - exercer a advocacia no juiacutezo ou tribunal do qual se afastou antes de decorridos trecircs anos do afastamento

do cargo por aposentadoria ou exoneraccedilatildeo 439

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 80 440

Art 252 O juiz natildeo poderaacute exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I - tiver funcionado seu cocircnjuge ou

parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive como defensor ou

advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico autoridade policial auxiliar da justiccedila ou perito II - ele proacuteprio

houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III - tiver funcionado como juiz

de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV - ele proacuteprio ou seu cocircnjuge ou

parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive for parte ou

diretamente interessado no feito Art 253 Nos juiacutezos coletivos natildeo poderatildeo servir no mesmo processo os

83

impedimento do juiz ndash e o mesmo vale para as hipoacuteteses de suspeiccedilatildeo ndash se destina a

assegurar a imparcialidade ou melhor o julgamento por um juiz que natildeo seja algueacutem de

cuja parcialidade se possa suspeitarrdquo441

Em resumo natildeo haacute como negar que a imparcialidade do juiz eacute uma garantia

constitucional impliacutecita442

Ademais se a Constituiccedilatildeo de 1988 natildeo previu expressamente

o direito ao juiz imparcial outra foi a orientaccedilatildeo seguida pelos tratados internacionais de

direitos humanos como veremos a seguir

O direito a uma decisatildeo ditada por um oacutergatildeo judicial monocraacutetico ou coletivo

imparciail supera os limites das legislaccedilotildees internas e penetra nos paradigmas

internacionais da prestaccedilatildeo jurisdicional Basta observar a previsatildeo do artigo 10 da

Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 (Artigo X ldquoToda pessoa tem direito

em plena igualdade a uma audiecircncia justa e puacuteblica por parte de um tribunal

independente e imparcial para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de

qualquer acusaccedilatildeo criminal contra elerdquo) do artigo 262 da Declaraccedilatildeo Americana dos

Direitos Humanos (ldquoToda pessoa acusada de um delito tem o direito de ser ouvida numa

forma imparcial e puacuteblica de ser julgada por tribunais jaacute estabelecidos de acordo com leis

preexistentes e de que se lhe natildeo inflijam penas crueacuteis infamantes ou inusitadasrdquo) do artigo

81 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos443

(ldquoToda pessoa tem direito a ser

ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoaacutevel por um juiz ou tribunal

competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de

juiacutezes que forem entre si parentes consanguumliacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau

inclusive Art 254 O juiz dar-se-aacute por suspeito e se natildeo o fizer poderaacute ser recusado por qualquer das

partes I - se for amigo iacutentimo ou inimigo capital de qualquer deles II - se ele seu cocircnjuge ascendente ou

descendente estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia

III - se ele seu cocircnjuge ou parente consanguumliacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda

ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes IV - se tiver aconselhado qualquer

das partes V - se for credor ou devedor tutor ou curador de qualquer das partes Vl - se for soacutecio acionista

ou administrador de sociedade interessada no processo Art 255 O impedimento ou suspeiccedilatildeo decorrente de

parentesco por afinidade cessaraacute pela dissoluccedilatildeo do casamento que Ihe tiver dado causa salvo sobrevindo

descendentes mas ainda que dissolvido o casamento sem descendentes natildeo funcionaraacute como juiz o sogro o

padrasto o cunhado o genro ou enteado de quem for parte no processo Art 256 A suspeiccedilatildeo natildeo poderaacute

ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propoacutesito der motivo para criaacute-la 441

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 442

De acordo com Eros Roberto Grau ldquodefine-se o direito enquanto sistema como uma ordem axioloacutegica

ou teleoloacutegica de princiacutepios gerais Compotildeem essa ordem aleacutem dos princiacutepios expliacutecitos recolhidos no texto

da Constituiccedilatildeo ou da lei os princiacutepios impliacutecitos inferidos como resultado da anaacutelise de um ou mais

preceitos constitucionais ou de uma lei ou conjunto de textos normativos da legislaccedilao infraconstitucionalrdquo

GRAU Eros Roberto Ensaio e discurso sobre a interpretaccedilatildeoaplicaccedilatildeo do direito 4 ed Satildeo Paulo

Malheiros 2006 p 144 443

A Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos integra o ordenamento juriacutedico nacional cuja

promulgaccedilatildeo se deu por meio do Decreto nordm 678 de 6 de novembro de 1992

84

qualquer acusaccedilatildeo penal formulada contra ela ou para que se determinem seus direitos

ou obrigaccedilotildees de natureza civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo) do

artigo 141 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Poliacuteticos de 1966444

(ldquo Toda a

pessoa teraacute direito a ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal

competente segundo a lei independente e imparcial na determinaccedilatildeo dos fundamentos de

qualquer acusaccedilatildeo de caraacutecter penal contra ela formulada ou para a determinaccedilatildeo dos

seus direitos ou obrigaccedilotildees de caraacutecter civilrdquo)

Constitui a imparcialidade portanto um atributo inerente agrave jurisdiccedilatildeo445

identificado como observado juntamente com a independecircncia como um direito humano

tutelado por diversos documentos internacionais446

donde se depreende que ldquotodo acusado

tem o direito de ser julgado por um juiz imparcial e qualquer lei que disponha de forma

diversa admitindo o julgamento por um julgador que natildeo seja imparcial natildeo poderaacute ser

aplicadardquo447

De acordo com liccedilatildeo de Antonio Magalhatildees Gomes Filho a imparcialidade pode

ser definida como um valor que encontra sua maior expressatildeo no acircmbito interno do

processo ldquotraduzindo a exigecircncia de que na direccedilatildeo de toda a atividade processual ndash e

especialmente nos momentos de decisatildeo ndash o juiz se coloque sempre super partes

conduzindo-se como um terceiro desinteressado acima portanto dos interesses em

conflitordquo448

Andreacute Machado Maya por sua vez ressalta que a imparcialidade deve ser

compreendida natildeo como ldquomera caracteriacutestica da atividade jurisdicional uma nota

indispensaacutevel ou mesmo um valorrdquo como se a conduta imparcial pudesse ser definida

como a mais adequada dentre as possiacuteveis de serem adotadas pelo julgador mas

sobretudo ldquocomo um princiacutepio um dever-ser que orienta o padratildeo a ser observado pelo

juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional um mandamento de otimizaccedilatildeo que se

depreende da compreensatildeo do processo como uma estrutura heterocircnoma de repartordquo449

444

Promulgado internamente por meio do Decreto n 592 de 6 de julho de 1992 integrando o ordenamento

juriacutedico nacional 445

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op

citp 51 446

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 447

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 448

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A motivaccedilatildeo das decisotildees penais Satildeo Paulo Revista dos

Tribunais 2001 p 37 449

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade e Processo Penal Da prevenccedilatildeo da competecircncia ao juiz de

85

Segundo o autor ldquoa imparcialidade como princiacutepio se apresenta como condiccedilatildeo de

legitimidade da atividade jurisdicionalrdquo450

Caracteriza-se pois a imparcialidade pelo desinteresse subjetivo do juiz em face

do caso concreto451

ficando este proibido de aderir ou atuar em prol dos interesses

subjetivos de quaisquer das partes processuais452

Impotildee-lhe por conseguinte atuar como

um ldquoobservador desapaixonadordquo453

exercendo o poder jurisdicional de modo neutro e

sensato de forma a evitar que circunstacircncias alheias interfiram no desenvolvimento do iter

processual e influenciem o conteuacutedo de sua decisatildeo454

Nesse sentido o juiz deve exercer atividade isenta e despreendida dos interesses em

conflito equidistante das partes e estritamente subordinada agrave lei Deve pois ser submisso

agrave lei mas tambeacutem independente para que possa ser imparcial bem como deve respeitar

regras preestabelecidas garantidoras da imparcialidade455

Segundo Julio J B Maier a imparcialidade natildeo eacute alcanccedilada como ocorre com a

independecircncia judicial positivamente cercando-se o juiz de garantias de impeccedilam de

modo abstrato interferecircncias dos demais poderes poliacuteticos inclusive do proacuteprio Poder

Judiciaacuterio em sua decisatildeo mas negativamente excluindo do caso o julgador que natildeo

garanta suficientemente a objetividade de sua decisatildeo Trata-se portanto da relaccedilatildeo

especiacutefica do julgador com o caso concreto submetido a seu juiacutezo isto eacute ldquolas reglas sobre

imparcialidade se refieren por ello a la posicioacuten del juez frente al caso concreto que en

princiacutepio debe juzgar e intentan impedir que sobre eacutel pese el temor de parcialidaderdquo456

Ser imparcial pois requer do magistrado na esteira do entendimento de Jacinto

Nelson de Miranda Coutinho uma ldquopostura de equidistacircncia em relaccedilatildeo agraves partes exige

seja por ele assumida uma posiccedilatildeo para aleacutem dos interesses delasrdquo457

permitindo com

garantias Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 235-236 450

IBID p 236 451

AROCA Juan Montero Sobre la imparcialidad del juez y la incompatibilidad de funciones procesales

Valencia Tirant to Blanch 1999 p 186 452

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 453

CALAMANDREI Piero Estudios sobre el processo civil Trad Santiago Sentis Melendo Buenos Aires

Bibliografia Argentina 1945 p 27 454

AROCA Juan Montero Op cit p 187-188 455

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 456

MAIER Julio B J Op cit p 484-485 457

COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal Criacutetica agrave teoria geral

do direito processual penal Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (Coord) Rio de Janeiro Renovar 2001 p

11

86

isso uma atuaccedilatildeo jurisdicional objetiva desprevenida na qual o juiz natildeo favorece sob

qualquer pretexto a nenhuma das partes458

Trata-se de um objetivo a ser alcanccedilado pelo

juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional de uma criaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico que

exige do magistrado um distanciamento estrutural um alheamento (terzietagrave) em relaccedilatildeo agrave

atividade das partes processuais459

Imparcialidade natildeo significa poreacutem neutralidade Eacute impossiacutevel exigir-se que o

juiz enquanto ser humano dispa-se de todas as suas convicccedilotildees pessoais de modo a fazer

com que estas natildeo influenciem no seu convencimento460

Eacute inadmissiacutevel pois pretender

que um juiz natildeo seja cidadatildeo que natildeo participe de certa ordem de ideias que natildeo tenha

uma compreensatildeo do mundo uma visatildeo da realidade461

Consoante leciona Martin Heidegger o homem eacute definido e existe porque inserido

em um contexto universal onde se relaciona consigo mesmo e com outros homens em uma

constante troca de valores e experiecircncias462

Daiacute adveacutem a expressatildeo ldquoser-no-mundordquo

utilizada pelo autor como forma de destacar a inter-relaccedilatildeo existente entre o homem e o

meio em que vive a ensejar uma interaccedilatildeo contiacutenua do homem com a sua existecircncia no

contexto social Tudo isso forma o seu ser do qual natildeo eacute possiacutevel separar-se nem mesmo

quando do exerciacutecio da funccedilatildeo de julgar

A imparcialidade exige pelo contraacuterio a exata compreensatildeo do julgador acerca da

sua formaccedilatildeo subjetiva de seus conceitos de sua funccedilatildeo para com isso adotar uma

postura efetivamente distante e indiferente em relaccedilatildeo aos interesses das partes envolvidas

na controveacutersia judicial463

Exatamente esse o sentido de ldquoterzeitagraverdquo elaborado pela doutrina italiana a qual

apreende a imparcialidade como a indiferenccedila aos interesses conflitantes no processo

penal alcanccedilada e garantida pela postura do juiz como um terceiro alheio agraves pretensotildees das

partes cujo interesse deve restringir-se agrave aplicaccedilatildeo do direito objetivo ao caso concreto agrave

458

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 11 459

IBID p 11 460

OLIVEIRA Daniel Kessler de O real papel do julgador no processo penal contemporacircneo Disponiacutevel

em httpwwwibccrimorgbr 461

ZAFFARONI Eugenio Raul Op cit p 92 462

HEIDEGGER Martin Ser e tempo Trad Maacutercia Saacute Cavalcante Schuback Petroacutepolis Vozes 2006 p

27-41 463

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 113

87

realizaccedilatildeo do justo reparto orientado pelas regras legais e constitucionais bem como pelos

princiacutepios fundantes do ordenamento juriacutedico464

Nesse sentido a liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya segundo a qual o direito de ser

julgado por um juiz imparcial deve ser vislumbrado como direito fundamental de suma

relevacircncia constituindo a imparcialidade um valor estruturante da funccedilatildeo jurisdicional

uma conduta que o Estado buscando assegurar os direitos fundamentais dos cidadatildeos

deve ter como modelo para o comportamento profissional dos magistrados orientando o

exerciacutecio da atividade jurisdicional e concomitantemente restringindo o poder a eles

inerente um mecanismo de garantia do devido processo legal e do justo reparto465

Natildeo obstante ser a imparcialidade do oacutergatildeo jurisdicional um ldquoprinciacutepio supremordquo

do processo e como tal imprescindiacutevel para o seu normal desenvolvimento e para a

obtenccedilatildeo do reparto judicial justo466

o tema da imparcialidade segundo Gustavo Badaroacute

natildeo tem merecido a devida atenccedilatildeo da doutrina nacional467

Assim uma anaacutelise mais

minuciosa sobre a imparcialidade do juiz ou tribunal requer sejam buscados subsiacutedios nas

convenccedilotildees internacionais de direitos humanos e na jurisprudecircncia das cortes

internacionais468

Eacute nesse contexto pois que surge o conceito de imparcialidade objetiva que vem

sendo construiacutedo e particularizado na jurisprudecircncia das cortes internacionais sobretudo

por meio de decisotildees do Tribunal Europeu de Direitos Humanos

Desde o julgamento pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos do caso Piersack

vs Beacutelgica passou a ser difundida entre a doutrina uma diferenciaccedilatildeo entre imparcialidade

objetiva e imparcialidade subjetiva podendo-se distinguir assim entre um aspecto

subjetivo que trata de verificar a convicccedilatildeo de um juiz determinado em um caso concreto

e um aspecto objetivo que se refere a se este oferece garantias suficientes para excluir

qualquer duacutevida razoaacutevel a respeito de sua imparcialidade469

464

IBID p 113-114 465

IBID p 115 466

LOPES JR Aury Juiacutezes inquisidores E paranoacuteicos Uma criacutetica agrave prevenccedilatildeo a partir da jurisprudecircncia do

Tribunal Europeu de Direitos Humanos Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ano 11 n 27 jun 2003 467

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 468

IBID 469

ldquoA distinction can be drawn in this context between a subjective approach that is endeavouring to

ascertain the personal conviction of a given judge in a given case and an objective approach that is

determining whether he offered guarantees sufficient to exclude any legitimate doubt in this respectrdquo TEDH

88

Nesse sentido Kai Ambos afirma que no exame da imparcialidade de um juiz se

pode partir de um enfoque objetivo ou de um enfoque subjetivo A imparcialidade

subjetiva refere-se agrave atitude pessoal do juiz em um caso concreto correndo perigo quando

por exemplo o magistrado eacute parente de uma das partes ou com ela manteacutem relaccedilatildeo de

amizade Jaacute a imparcialidade objetiva que ele denomina tambeacutem de funcional pode

resultar duvidosa quando um mesmo juiz interveacutem no mesmo caso em diferentes etapas do

processo470

Pode-se dizer portanto que a imparcialidade estaria limitada agrave inexistecircncia de

convergecircncia de elementos subjetivos representados pela convicccedilatildeo pessoal do juiz diante

do caso concreto sendo nesse sentido sempre pressuposta a sua equidistacircncia ateacute

demonstraccedilatildeo em sentido contraacuterio bem como agrave verificcedilatildeo de elementos de ordem objetiva

consubstanciados nas garantias oferecidas pelo juiz que eliminassem qualquer possiacutevel

duacutevida que pudesse recair sobre a sua imparcialidade ao longo do processo471

Numa abordagem subjetiva desse modo releva verificar considerada uma

determinada hipoacutetese faacutetica em um dado processo a convicccedilatildeo pessoal do magistrado o

que pensa ele em seu foro iacutentimo acerca de determinada circunstacircncia de forma a

averiguar a ausecircncia de prejuiacutezos de ideias preconcebidas de preconceitos que possam

contaminar o julgamento472

Jaacute sob o ponto de vista objetivo independentemente do aspecto pessoal do juiz em

um determinado processo o que interessa eacute detectar a existecircncia de fatos concretos que

possam suscitar questionamentos acerca da imparcialidade do juiz ou tribunal no caso

posto a julgamento473

Trata-se de analisar se o magistrado oferece em relaccedilatildeo ao processo

que lhe eacute dado julgar garantias suficientes para eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua

Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 Disponiacutevel em httphudocechrcoeint No mesmo

sentido ldquoThe existence of impartiality for the purposes of Article 6 para 1 (art 6-1) must be determined

according to a subjective test that is on the basis of the personal conviction of a particular judge in a given

case and also according to an objective test that is ascertaining whether the judge offered guarantees

sufficient to exclude any legitimate doubt in this respect () Under the objective test it must be determined

whether quite apart from the judgersquos personal conduct there are ascertainable facts which may raise doubts

as to his impartialityrdquo TEDH Case Fey v Austria sentenccedila de 24021993 Disponiacutevel em

httphudocechrcoeint 470

AMBOS Kai CHOUKR Fauzi Hassan A reforma do processo penal no Brasil e na Ameacuterica Latina Satildeo

Paulo Meacutetodo 2001 p 240 471

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 141 472

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 107 473

IBID p 110

89

imparcialidade474

Decorre pois da relaccedilatildeo preacutevia do julgador com o objeto do processo

natildeo da relaccedilatildeo do juiz com as partes475

A imparcialidade denomina-se objetiva portanto porque natildeo proveacutem de ausecircncia

de viacutenculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados juriacutedicos na

causa sejam partes ou natildeo (imparcialidade dita subjetiva) mas porque corresponde agrave

condiccedilatildeo de ineditismo da cogniccedilatildeo que iraacute o juiz desenvolver na causa no sentido de que

natildeo haja ainda de modo consciente ou inconsciente formado nenhuma convicccedilatildeo ou juiacutezo

preacutevio no mesmo ou em outro processo sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte juriacutedica

da lide por decidir476

Nesse ponto especiacutefico relacionado ao aspecto objetivo da imparcialidade assume

especial relevo a ldquoteoria da aparecircncia da justiccedilardquo construiacuteda a partir do posicionamento

firmado pelo Tribunal Europeu de Direito Humanos no sentido de que deve ser

resguardada a confianccedila que os Tribunais devem oferecer aos cidadatildeos numa sociedade

democraacutetica exigindo-se o afastamento de todo juiz impedido de garantir uma asboluta

imparcialidade477

Nesse sentido a imparcialidade tambeacutem deve ser entendida como uma ideia de

ldquoaparecircncia geral de imparcialidaderdquo478

Aleacutem de o magistrado ser subjetivamente

imparcial para que a funccedilatildeo jurisdicional seja legitimamente exercida tambeacutem eacute

necessaacuterio que a sociedade confie que o julgamento foi proferido por um juiz

objetivamente imparcial479

474

LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I 3ordf ed Rio de

Janeiro Lumen Juris 2008 p 126 475

IBID p 126 476

STF HC 94641BA rel orig Min Ellen Gracie rel p o acoacuterdatildeo Min Joaquim Barbosa Min Cezar

Peluso em voto-vista j 11112008 477

Nesse sentido ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality

must withdraw What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic

societyrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 disponiacutevel em

httphudocechrcoeint ldquoIn this regard even appearances may be important (hellip) any judge in respect of

whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw What is at stake is the

confidence which the courts in a democratic society must inspire in the public and above all as far as

criminal proceedings are concerned in the accusedrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de

26101984 disponiacutevel em httphudocechrcoeint Ainda no mesmo sentido TEDH Case Fey v Austria

sentenccedila de 24021993 disponiacutevel em httphudocechrcoeint TEDH Case of Padovani v Italy sentenccedila

de 26021993 disponiacutevel em hudocechrcoeint TEDH Case of Castillo Algar v Spain sentenccedila de

28101998 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 478

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 479

IBID

90

Natildeo eacute suficiente portanto que a Justiccedila seja alcanccedilada pelo Poder Judiciaacuterio Muito

mais do que isso eacute necessaacuterio revelar agrave sociedade que a Justiccedila estaacute de fato sendo feita480

Assim ldquoum julgamento que a sociedade desconfie ter sido realizado por um juiz parcial

natildeo seraacute menos ilegiacutetimo que um julgamento realizado perante um juiz intimamente

comprometido com uma das partesrdquo481

Dessa forma tatildeo necessaacuterio quanto o juiz ser imparcial eacute o juiz demonstrar ser

imparcial Se a sociedade desconfia que a Justiccedila natildeo foi atingida porque natildeo se garantiu

ao acusado um julgamento por juiz ou tribunal imparcial o resultado de tal processo seraacute

ilegiacutetimo e lesivo ao Poder Judiciaacuterio jaacute que a sentenccedila seraacute vista pela sociedade como

injusta ainda que seja ela absolutoacuteria482

De acordo com o ditado inglecircs citado no caso

Caso Delcourt vs Beacutelgica ldquoJustice must not only be done it must also be seen to be

donerdquo483

Assim a imparcialidade do juiz em seu aspecto objetivo resta evidentemente

comprometida quando o magistrado realiza preacute-juiacutezos ou preacute-conceitos sobre o fato objeto

do julgamento Aliaacutes como observado a imparcialidade eacute denominada ldquoobjetivardquo

justamente porque deriva da relaccedilatildeo do juiz com o objeto do processo484

41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar

A anaacutelise do direito a um julgamento por juiz imparcial no contexto das garantias

incidentes na investigaccedilatildeo preliminar e especialmente da figura do juiz das garantias que

se quer introduzir em nosso ordenamento relaciona-se principalmente a esse conceito de

imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia internacional sobretudo pelo

Tribunal Europeu de Direitos Humanos

480

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 110 481

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 482

IBID 483

ldquoThe preceding considerations are of a certain importance which must not be underestimated If one

refers to the dictum justice must not only be done it must also be seen to be done these considerations may

allow doubts to arise about the satisfactory nature of the system in disputerdquoTEDH Case of Delcourt v

Belgium sentenccedila de 17 de janeiro de 1970 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 484

LOPES JR Aury Direito hellip p 126

91

No jaacute citado julgamento do Caso Piersack vs Beacutelgica o Tribunal Europeu de

Direitos Humanos afirmou que ldquotodo juiz em relaccedilatildeo ao qual possa haver razotildees legiacutetimas

para duvidar de sua imparcialidade deve abster-se de julgar o processordquo pois o que estaacute

em jogo eacute a confianccedila que os tribunais devem inspirar nos cidadatildeos em uma sociedade

democraacutetica e concluiu pela possibilidade de se afirmar que o exerciacutecio preacutevio no processo

pelo julgador de determinadas funccedilotildees processuais pode provocar duacutevidas de

parcialidade485

natildeo se podendo qualificaacute-lo pois de equidistante

Em outro julgado igualmente expressivo o Caso De Cubber vs Beacutelgica o Tribunal

Europeu de Direitos Humanos afirmou que ao conduzir praticamente de forma exclusiva

a instruccedilatildeo preparatoacuteria das accedilotildees penais empreendidas contra o requerente o magistrado

havia formulando jaacute nesta fase do processo uma convicccedilatildeo sobre a culpabilidade daquele

Nestas condiccedilotildees era fundando o temor de que quando comeccedilaram os debates o

magistrado natildeo contava com uma integral liberdade de julgamento e natildeo oferecia

consequentemente a garantias de imparcialidade necessaacuterias486

Quando o juiz faz uma valoraccedilatildeo positiva sobre a materialidade e participaccedilatildeo do

investigado nos fatos criminosos estaraacute invarialvelmente produzindo em seu iacutentimo

determinados preconceitos sobre a culpabilidade que lhe obstaratildeo uma decisatildeo posterior

com total isenccedilatildeo e imparcialidade Esta constataccedilatildeo apresenta-se especialmente delicada

no caso em que um mesmo julgador fisicamente considerado atuar na fase de

485

ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw

What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic society (hellip) In

order that the courts may inspire in the public the confidence which is indispensable account must also be

taken of questions of internal organisation If an individual after holding in the public prosecutorrsquos

department an office whose nature is such that he may have to deal with a given matter in the course of his

duties subsequently sits in the same case as a judge the public are entitled to fear that he does not offer

sufficient guarantees of impartialityrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982

disponiacutevel em httphudocechrcoeint 486

ldquoFurthermore through the various means of inquiry which he will have utilised at the investigation stage

the judge in question unlike his colleagues will already have acquired well before the hearing a particularly

detailed knowledge of the - sometimes voluminous - file or files which he has assembled Consequently it is

quite conceivable that he might in the eyes of the accused appear firstly to be in a position enabling him to

play a crucial role in the trial court and secondly even to have a pre-formed opinion which is liable to

weigh heavily in the balance at the moment of the decision () In conclusion the impartiality of the

Oudenaarde court was capable of appearing to the applicant to be open to doubt Although the Court itself

has no reason to doubt the impartiality of the member of the judiciary who had conducted the preliminary

investigation it recognises having regard to the various factors discussed above that his presence on the

bench provided grounds for some legitimate misgivings on the applicantrsquos part Without underestimating the

force of the Governmentrsquos arguments and without adopting a subjective approach the Court recalls that a

restrictive interpretation of Article 6 para 1 (art 6-1) - notably in regard to observance of the fundamental

principle of the impartiality of the courts - would not be consonant with the object and purpose of the

provision bearing in mind the prominent place which the right to a fair trial holds in a democratic society

within the meaning of the Conventionrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de 26101984

disponiacutevel em httphudocechrcoeint

92

investigaccedilatildeo preliminar e depois tambeacutem julgar a causa 487

Isso porque a investigaccedilatildeo

encerra uma seacuterie de medidas cautelares de que satildeo exemplos a decretaccedilatildeo de prisatildeo

temporaacuteria ou preventiva a concessatildeo de liberdade provisoacuteria ou a determinaccedilatildeo de

sequestro de bens bem como de meios de obtenccedilatildeo de provas como as interceptaccedilotildees

telefocircnicas as quebras de sigilos a busca e apreensatildeo que tecircm entre os seus pressupostos

ou requisitos dados que envolvem ainda que em um mero juiacutezo de probabilidade questotildees

referentes agrave existecircncia do crime e agrave autoria delitiva Assim conforme preceitua Gustavo

Henrique Righi Ivahy Badaroacute o juiz que decide positivamente sobre a existecircncia do crime

e a possibilidade de o investigado ser o seu autor quando da anaacutelise da legitimidade dessas

medidas ainda na fase de investigaccedilatildeo ldquoem alguma medida estaacute exercendo um

prejulgamento que poderaacute comprometer sua imparcialidade para o julgamento da

causardquo488

Necessaacuterio ressaltar que eacute possiacutevel identificar dois momentos da jurisprudecircncia do

Tribunal Europeu de Direitos Humanos sobre o direito ao juiz imparcial489

Numa primeira

etapa asseverava o Tribunal que o simples fato objetivamento analisado de o juiz ter

atuado na fase de investigaccedilatildeo despojava-lhe a imparcialidade objetiva porque jaacute tendo

realizado prejulgamentos naquela fase o acusado poderia fundadamente suspeitar da sua

imparcialidade para julgar a causa Numa segunda fase poreacutem a verificaccedilatildeo da perda da

imparcialidade objetiva passou a depender mais da anaacutelise concreta da natureza do ato

praticado e dos juiacutezos realizados pelo magistrado em tal ato490

Poreacutem se por um lado eacute perceptiacutevel a relativizaccedilatildeo da jurisprudecircncia do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos sobre o direito de ser julgado por um juiz imparcial

afirmada por ocasiatildeo do julgamento do caso De Cubber vs Beacutelgica tendo a Corte

Europeia posteriormente adotado o entendimento de que somente diante de cada caso

concreto eacute possiacutevel verificar a possiacutevel perda de imparcialidade por outro lado eacute tambeacutem

inegaacutevel que permanece firme a compreensatildeo do referido Tribunal de que o direito de ser

julgado por um juiz imparcial exige que o magistrado apresente garantias suficientes para

eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua imparcialidade em relaccedilatildeo ao processo que lhe cabe

julgar491

Assim do ponto de vista do Tribunal Europeu de Direitos Humanos sempre que

487

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 488

IBID 489

IBID 490

IBID 491

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 237

93

determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do

julgador permitindo supor ter ele adquirido preacute-conceitos ou preacute-juiacutezos sobre o fato

criminal antes mesmo do seu julgamento impotildee-se o seu afastamento do processo pois

ainda que possa o juiz manter-se imparcial importa preservar a confianccedila da sociedade no

Poder Judiciaacuterio potencialmente abalada diante das referidas situaccedilotildees concretas que

justificam o temor pela perda da imparcialidade492

Acolhida assim essa orientaccedilatildeo jurisprudencial como modelo passou-se a

examinar as hipoacuteteses de eventual contaminaccedilatildeo dos oacutergatildeos jurisdicionais no ordenamento

juriacutedico brasileiro decorrentes da atuaccedilatildeo do mesmo magistrado em uma anterior fase de

um mesmo procedimento em virtude das regras de prevenccedilatildeo em especial na fase da

investigaccedilatildeo preliminar sendo apontados diversos atos jurisdicionais como possivelmente

causadores de perda da imparcialidade dentre eles aqueles que decidem sobre o status

libertatis do investigado sobre os requerimentos de interceptaccedilatildeo telefocircnica e de quebras

de sigilos bancaacuterio e fiscal bem como aqueles que decidem sobre o deferimento ou natildeo de

alguma medida cautelar de natureza real como eacute o caso do sequestro da hipoteca legal do

arresto de bens e tambeacutem da busca e apreensatildeo493

Isso porque como decorrecircncia loacutegica dos direitos e garantias assegurados ao

investigado jaacute nessa fase essa funccedilatildeo atribuiacuteda ao juiz no curso da investigaccedilatildeo preliminar

pressupotildee uma atenta anaacutelise do material indiciaacuterio que serve de embasamento agrave medida

restritiva desses direitos sendo por isso aceitaacutevel suspeitar tenha ele elaborado

antecipadamente um prejulgamento sobre o caso penal sobre a provaacutevel culpabilidade do

suspeito e com isso afetado a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da

atividade jurisdicional494

Para Gustavo Badaroacute natildeo eacute possiacutevel que o direito ao juiz imparcial analisado sob a

forma objetiva continue sendo desprezado Deve essse aspecto ser devidamente

considerado jaacute que a praacutetica de determinados atos pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo pode

acarretar a formaccedilatildeo de uma convicccedilatildeo preacutevia permitindo que o acusado legitimamente

492

IBID p 238 493

IBID p 239 494

IBID p 239-240

94

duvide que lhe seraacute assegurado um julgamento imparcial caso a sentenccedila seja proferia pelo

mesmo juiz495

Essa situaccedilatildeo revela assim o irremediaacutevel comprometimento do julgador que

acaba influenciado quando do julgamento propriamente dito por elementos colhidos

durante a investigaccedilatildeo natildeo sujeitos a contraditoacuterio comprometendo tambeacutem e

consequentemente a presunccedilatildeo de inocecircncia e o direito de defesa

O equacionamento desse problema natildeo eacute simples e o modelo paacutetrio de processo

penal atual natildeo apresenta remeacutedio Eacute preciso pois uma reforma estrutural orientada a

privilegiar a funccedilatildeo garantidora do Poder Judiciaacuterio como um todo e em especial perante

a investigaccedilatildeo preliminar de modo a preservar o distanciamento do juiz do processo

responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e

dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo

Apresentada pois a base garantista sobre a qual deve ser desenvolvida a

investigaccedilatildeo criminal e exposto o problema da perda da imparcialidade do magistrado pela

atuaccedilatildeo na fase de investigaccedilatildeo imprescindiacutevel para uma adequada apreciaccedilatildeo dessa

questatildeo e em momento posterior da soluccedilatildeo aventada pela doutrina incorporada pelo

Projeto de Lei 1562009 uma anaacutelise pormenorizada do papel desempenhado pelo

magistrado na investigaccedilatildeo criminal no ordenamento juriacutedico brasileiro

Eacute o que pretendemos no capiacutetulo a seguir o que seraacute feito partindo-se de uma

abordagem histoacuterica acerca da funccedilatildeo exercida pelo Judiciaacuterio perante a investigaccedilatildeo

criminal no modelo paacutetrio de processo penal ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo

495

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito

95

CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL

1 Consideraccedilotildees iniciais

Como vimos a longa experiecircncia juriacutedica demonstrou a conveniecircncia de alguma

apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia indicativa com alguma probabilidade da existecircncia

material de fato que se mostra iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou

participaccedilatildeo Constatou-se que o acusado padece o processo ainda que ao final dele

termine absolvido Sofre com o menosprezo da sociedade Suporta o peso da vergonha de

ser submetido a processo penal

Daiacute portanto a relevacircncia da investigaccedilatildeo preliminar que exerce dupla funccedilatildeo

Diminuir minimizar sobretudo o risco das acusaccedilotildees inuacuteteis temeraacuterias e ateacute caluniosas

e evitar o ocircnus sem qualquer benefiacutecio que tais acusaccedilotildees infundadas trazem para a

justiccedila penal

Contudo se por um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo constitui uma

garantia contra acusaccedilotildees apressadas e destituiacutedas de suficiente base por outro o intenso

envolvimento do magistrado nos atos investigatoacuterios natildeo raro traz em seu bojo violaccedilotildees

a importantes garantias fundamentais do investigado especialmente o direito a um

julgamento por juiz imparcial

Por isso nas legislaccedilotildees modernas tem sido constante a preocupaccedilatildeo em se

restringir a atuaccedilatildeo do julgador na investigaccedilatildeo

Assim como todo o processo penal deve vir estruturado de forma regular e justa

natural que o papel a cargo do julgador na investigaccedilatildeo criminal tambeacutem seja informado

por regras orientadoras e limitadoras todas tendentes agrave concretizaccedilatildeo do ideal do Estado

Democraacutetico de Direito Deve pois a atuaccedilatildeo do julgador nessa fase da persecuccedilatildeo

criminal obedecer a uma forma apropriada sob pena de aproximaccedilatildeo a modelos

processuais historicamente ultrapassados

Nesse ponto especiacutefico deve-se ter como paradigma que os poderes atribuiacutedos ao

96

julgador nesse momento natildeo podem ultrapassar sua finalidade essencial de zelar pela

legalidade do procedimento sob pena de se anularem exatamente essas garantias

essenciais

Mas sabe-se essa eacute uma preocupaccedilatildeo relativamente recente no ordenamento

juriacutedico brasileiro que comeccedila a se delinear principalmente a partir da necessidade de

compatibilizaccedilatildeo dessa fase da persecuccedilatildeo criminal agraves garantias trazidas pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 e ao sistema acusatoacuterio por ela adotado

Tais reflexotildees vecircm agrave tona em funccedilatildeo de inuacutemeros dispositivos existentes em nossa

legislaccedilatildeo processual penal e que afrontam o sistema acusatoacuterio consagrado em nossa

Carta Poliacutetica496

Por isso passaremos a seguir a analisar o papel desempenhado pelo julgador na

investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo

nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo

2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico

21 As Ordenaccedilotildees do Reino

As Ordenaccedilotildees do Reino tiveram significativo papel no Brasil como decorrecircncia de

seu longo tempo de vigecircncia Durante o periacuteodo colonial eram adotadas aqui as normas de

Portugal e por isso as formas de investigar eram legalmente as do Reino497

Quando do descobrimento do Brasil vigiam em Portugal as Ordenaccedilotildees Afonsinas

sucedidas pelas Ordenaccedilotildees Manuelinas e posteriormente pelas Ordenaccedilotildees Filipinas que

foram por sua vez superadas pelas legislaccedilotildees imperiais (Coacutedigo Criminal e Coacutedigo de

Processo Penal Imperial) e republicanas498

Foi o sistema inquisitorial que prevaleceu nos

496

ABADE Denise Neves Garantias do Processo Penal Acusatoacuterio O novo papel do Ministeacuterio Puacuteblico no

Processo Penal de Partes Rio de Janeiro Renovar 2005 p 142 497

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 91 498

SANTIN Valter Foleto O Ministeacuterio Puacuteblico na Investigaccedilatildeo Criminal Bauru EDIPRO 2001 p 27

97

paiacuteses da Europa continental ateacute o seacuteculo XVIII Assim em Portugal a propensatildeo foi no

sentido de ampliar as inquiriccedilotildees pelo juiz499

Nas Ordenaccedilotildees Afonsinas as atividades de poliacutecia judiciaacuteria eram atribuiacutedas aos

juiacutezes o que perdurou nas Ordenaccedilotildees posteriores500

O processo criminal era compreendido no rol das mateacuterias que envolvem pecado

socorrendo-se frequentemente em falta de texto ao Direito Canocircnico501

Notava-se no

processo penal portanto marcante presenccedila do Direito Canocircnico e de seu procedimento

inquisitorial502

Para a indagaccedilatildeo dos crimes era permitidos natildeo soacute os meios da acusaccedilatildeo do Direito

Romano e as querelas mas tambeacutem as inquiriccedilotildees devassas do Direito Canocircnico Essas

inquiriccedilotildees devassas se realizavam de trecircs modos ldquoa acusaccedilatildeo que se inscrevia pelo auto

de querela a denuacutencia que natildeo se inscrevia pois era o meio de delaccedilatildeo secreta e da

suacuteplica dos fracos e a inquiriccedilatildeo normalmente ex officiordquo503

Havia portanto o inqueacuterito e a devassa ldquoo inqueacuterito era uma inquiriccedilatildeo que exigia

a presenccedila do acusado a devassa era a inquiriccedilatildeo feita ex officio sem o concurso do

acusado e de forma secretardquo504

Foi a inquiriccedilatildeo devassa que prestigiando o desenvolvimento do processo secreto e

o procedimento das justiccedilas prescindindo do concurso das partes transformou-se depois

na ferramente principal de todo o processo criminal ex officio505

A denuacutencia que tambeacutem se foi inserindo jaacute desde a jurisprudecircncia dos forais teve

como consequecircncia cessarem as partes de intervir no processo de instruccedilatildeo que assim

acabou absolutamente concentrado nas matildeos do juiz506

499

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 77 500

IBID p 78 501

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas

Bastos 1959 p 112 502

MARQUES Joseacute Frederico Tratado de Direito Processual Penal Satildeo Paulo Saraiva 1980 p 112 503

PIERANGELLI Joseacute Henrique Processo Penal Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Fontes Legislativas Bauru Jalovi

1983 p 56 No mesmo sentido Antonio Scarance Fernandes ensina que ldquonas Ordenaccedilotildees Afonsinas os

processos podiam resultar de notiacutecias advindas de qualquer pessoa ou do proacuteprio ofendido denominadas de

denuacutencia as quais natildeo eram inscritas estimulando-se assim as delaccedilotildees secretas podiam resultar das

querelas inscritas no auto de querela por fim podiam originar-se das inquiriccedilotildees oficiaisrdquo Teoria p

115 504

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 102 505

IBID p 102

98

A poliacutecia administrativa era atribuiacuteda aos juiacutezes e vereadores assim como aos

almotaceacutes a poliacutecia judiciaacuteria como jaacute observado era outorgada aos juiacutezes que tinham

como auxiliares os meirinhos os homens jurados (homens escolhidos que juravam perante

os conselhos cumprir os deveres da poliacutecia) e os vintaneiros (inspetores policiais dos

bairros)507

Estruturou-se assim com o decurso do tempo um corpo de agentes

especializados que compunham a poliacutecia judiciaacuteria a qual ateacute hoje exerce a funccedilatildeo de

investigaccedilatildeo dos crimes508

Agrave eacutepoca das Ordenaccedilotildees Manuelinas os processos criminais natildeo mais se

principiavam por clamores mas sim por querelas juradas por denuacutencias ou por inquiriccedilotildees

devassas509

Eacute nas Ordenaccedilotildees Manuelinas que o promotor de justiccedila eacute referido pela

primeira vez no direito portuguecircs510

Permitimo-nos guardadas as limitaccedilotildees deste trabalho analisar com maior

profundidade as Ordenaccedilotildees Filipinas pois foram elas que por mais de dois seacuteculos foram

aplicadas no nosso paiacutes ateacute mesmo depois da independecircncia

Em mateacuteria de processo penal as Ordenaccedilotildees Filipinas repisaram em grande parte

o conteuacutedo das anteriores Ordenaccedilotildees A importacircncia que lhe eacute atribuiacuteda entre noacutes decorre

diretamente de sua aplicaccedilatildeo e vigecircncia no nosso paiacutes511

Era no Livro V que vinha regulado o procedimento penal nos seus institutos

baacutesicos Para Joseacute Frederico Marques ldquosob o signo de seu sistema normativo cruel e

despoacutetico ali se acasalavam um Direito Penal retroacutegrado e sanguinaacuterio com regras

processuais inquisitivas consubstanciadas sobretudo nas tristemente famosas inquiriccedilotildees

devassasrdquo512

No sistema de processo criminal ordinaacuterio das Ordenaccedilotildees Filipinas os

procedimentos estavam divididos de acordo com os delitos classificados estes em puacuteblicos

e particulares513

506

IBID p 112 507

IBID p 120 508

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 79 509

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 59 No mesmo sentido SANTIN Valter Foleto Op cit p 27 510

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133 511

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63 512

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 113 513

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63

99

O conhecimento dos crimes era levado a juiacutezo por meio de devassas ou inquiriccedilotildees

de querelas e de denuacutencias514

Foi como jaacute observado com as Ordenaccedilotildees Manuelinas que

se afirmaram essas trecircs formas de iniciar os processos que foram mantidas pelas

Ordenaccedilotildees Filipinas515

A acusaccedilatildeo nos crimes particulares conforme liccedilatildeo de Joatildeo Mendes de Almeida

Juacutenior era antecedida da querela da inquiriccedilatildeo sumaacuteria do corpo de delito e da

pronuacutencia516

Nos crimes puacuteblicos por sua vez dependia da querela ou da denuacutencia da

cauccedilatildeo das custas emenda e satisfaccedilatildeo do corpo de delito e da pronuacutencia e nos casos de

devassa era esta a ferramenta do procedimento oficial do juiz seguindo-se a inquiriccedilatildeo

judicial isto eacute a repergunta e o enfrentamento das testemunhas e posteriormente a

pronuacutencia517

Assim era pois formada a culpa

A pronuacutencia consistia na decisatildeo do juiz que considerava o reacuteu suspeito do delito

tornando-o objeto da devassa ou da querela contra ele dada e inscrevendo-o no nuacutemero dos

culpados cujo fundamento era o corpo de delito e os indiacutecios de autoria A confissatildeo os

instrumentos as testemunhas e os tormentos - perguntas judiciais feitas ao reacuteu de crimes

graves a fim de constrangecirc-lo a dizer a verdade por intermeacutedio de torturas - respaldavam o

julgamento518

Devassas eram as inquiriccedilotildees para o conhecimento dos delitos Estas eram

diferenciadas entre devassas gerais e devassas especiais519

As devassas gerais sobre delitos incertos ocorriam anualmente quando os juiacutezes

comeccedilavam a servir nos seus cargos Tambeacutem eram denomidadas gerais as Janeirinhas

que tinham lugar em relaccedilatildeo a alguns crimes em janeiro de cada ano As devassas

especiais pressupunham a existecircncia do delito sendo desconhecido apenas o autor520

As

devassas gerais deviam ser finalizadas no prazo de trinta dias apoacutes o seu iniacutecio as

especiais no mais das vezes deviam ter iniacuteco ateacute oito dias depois do fato e terminar dentro

de trinta dias De forma geral o nuacutemero de testemunhas inquiridas nas devassas natildeo podia

ultrapassar de trinta A realizaccedilatildeo das devassas gerais era atribuiccedilatildeo dos juiacutezes de fora e

514

IBID p 65 515

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 115 516

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135 517

IBID p 135 No mesmo sentido PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 518

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 519

IBID p 64 520

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133

100

ordinaacuterios e dos corregedores nas suas correiccedilotildees a competecircncia para as devassas

especiais era dos juiacutezes do territoacuterio onde se deu o delito ou dos juiacutezes e outros ministros

comissionados para isso521

As devassas uma vez que realizadas sem citaccedilatildeo da parte natildeo eram consideradas

inquiriccedilotildees judiciais para o efeito do julgamento sem que as testemunhas fossem

reperguntadas assim como as testemunhas dos sumaacuterios das querelas Mas para fins de

prisatildeo preventiva assim como nos casos em que se natildeo procedia ordinariamente natildeo havia

a exigecircncia dessa reiteraccedilatildeo Ademais o reacuteu podia dispensar essa reiteraccedilatildeo se assim

desejasse assinando termo denominado de judiciais para que fossem consideradas as

devassas como inquiriccedilotildees judiciais A lei da Reformaccedilatildeo da Justiccedila de 1613 determinou

que as reperguntas deveriam ser requeridas pelos reacuteus sob pena de as testemunhas serem

consideradas judiciais agrave sua revelia522

A querela era a ldquodelaccedilatildeo que algueacutem fazia em juiacutezo competente de um fato

criminoso ou no interesse puacuteblico ou como ofendido lavrando-se disso o competente

autordquo523

Os casos de querela eram todos casos de devassa Podia a parte assim escolher

entre a querela e o procedimento oficial da justiccedila524

Ao lanccedilamento da querela seguia-se o sumaacuterio de querela com a oitiva de trecircs ou

quatro testemunhas e o juramento de caluacutenia que era formalmente lanccedilado A seguir

procedia-se ao corpo de delito que era o fundamento de todo o procedimento criminal e

que conforme as determinaccedilotildees legais formava-se pela inspeccedilatildeo ocular por conjecturas e

pelos depoimentos das testemunhas Nem mesmo a confissatildeo do reacuteu podia suprir a sua

falta525

A denuacutencia era ldquoa comunicaccedilatildeo feita agrave justiccedila do cometimento de um crime

puacuteblico para que o juiz procedesse de ofiacuteciordquo526

e soacute podia ser utilizada nos casos de

devassa ou naqueles em que a lei expressamente a facultava527

521

IBID p 133 522

IBID p 134 523

IBID p 134 524

IBID p 134 525

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 67 526

IBID p 67 527

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135

101

Nas Ordenaccedilotildees Filipinas o serviccedilo de poliacutecia era exercido gratuitamente por

moradores divididos em quadras ou quarteirotildees e controlados pelos alcaides e depois pelos

juiacutezes da terra528

22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832

O Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia foi promulgado em 29 de

novembro de 1832 Teve como objetivo a conformaccedilatildeo da legislaccedilatildeo processual agraves

garantias da Constituiccedilatildeo de 1824529

A inauguraccedilatildeo do Impeacuterio origina no acircmbito de nosso processo penal um periacuteodo

de reaccedilatildeo e constestaccedilatildeo agraves leis autoritaacuterias crueacuteis e oprimentes da monarquia portuguesa

e ldquodo qual o Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 constitui o diploma legal culminante e

mais expressivo siacutentese que eacute dos anseios humanitaacuterios e liberais que palpitavam no seio

do povo e naccedilatildeordquo530

O paiacutes foi coberto por forte movimento constitucionalista assim que proclamada a

independecircncia do Brasil em 7 de setembro de 1822 A Constituiccedilatildeo outorgada em 25 de

marccedilo de 1824 representou a consagraccedilatildeo dos ideais liberais em nossa legislaccedilatildeo

sobretudo no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria brasileira531

substituindo assim as

perversas praacuteticas do sistema inquisitivo532

Os direitos civis e poliacuteticos dos cidadatildeos

brasileiros foram positivados em seu artigo 179 que estabeleceu preceitos e princiacutepios

garantidores de um processo criminal totalmente diferente daquele formulado sob a eacutegide

do Livro V das Ordenaccedilotildees533

A Carta Constitucional de 1824 tratava do Poder Judicial em seu Tiacutetulo VI

Afirmava que este era independente e composto de juiacutezes e jurados no ciacutevel e no crime534

528

SANTIN Valter Foleto Op cit p 28 529

SAAD Marta O direito p 29 530

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 531

SAAD Marta O direito p 27 532

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 533

IBID p 117 534

Art 151 O Poder Judicial independente e seraacute composto de Juizes e Jurados os quaes teratildeo logar assim

no Civel como no Crime nos casos e pelo modo que os Codigos determinarem Art 152 Os Jurados

pronunciam sobre o facto e os Juizes applicam a Lei Art 153 Os Juizes de Direito seratildeo perpetuos o que

102

e previa que haveria juiacutezes de paz eleitos pelo mesmo tempo e da mesma firna que eram

eleitos os vereadores das Cacircmaras deixando poreacutem agrave lei posterior a determinaccedilatildeo das

atribuiccedilotildees dos juiacutezes de paz e dos respectivos distritos535

Assim em atendimento ao disposto na Constituiccedilatildeo a lei de 13 de outubro de 1827

instituiu os Juizados de Paz em cada uma das freguesias e capelas curadas do Impeacuterio do

Brasil estabelecendo sua competecircncia e conferindo aos respectivos juiacutezes de paz

atribuiccedilotildees policiais preventivas536

e repressivas537

Interessam-nos aqui especialmente suas atribuiccedilotildees repressivas os juiacutezes de paz

eram responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do corpo do delito e uma vez identificado o autor este

era levado agrave sua presenccedila para interrogatoacuterio Comprovada a autoria era decretada a prisatildeo

do indiviacuteduo pelo juiz de paz que em seguida o remetia imediatamente ao juiz

criminal538

Vale salientar que durante o Impeacuterio houve a previsatildeo de uma fase para a

formaccedilatildeo da culpa com natureza investigatoacuteria encerrada com a decisatildeo de pronuacutencia a

qual configurava decisatildeo de remessa da causa a julgamento e funcionava como justificava

para a prisatildeo do acusado539

Antes mesmo da Independecircncia foram significativas as

determinaccedilotildees no sentido de se exigir a formaccedilatildeo da culpa para possibilitar-se a prisatildeo540

A criaccedilatildeo dos juiacutezes de paz pela Lei de 13 de outubro de 1827 centralizou portanto

as funccedilotildees policiais na figura desses magistrados sistema que foi preservado pelo Coacutedigo

de Processo Criminal de 1832541

todavia se natildeo entende que natildeo possam ser mudados de uns para outros Logares pelo tempo e maneira que

a Lei determinar 535

Art 161 Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliaccedilatildeo natildeo se comeccedilaraacute Processo

algum Art 162 Para este fim haveraacute juizes de Paz os quaes seratildeo electivos pelo mesmo tempo e maneira

por que se elegem os Vereadores das Camaras Suas attribuiccedilotildees e Districtos seratildeo regulados por Lei 536

ldquoEntre suas atribuiccedilotildees preventivas competia ao juiz de paz ter uma relaccedilatildeo dos criminosos para prendecirc-

los podendo inclusive adentrar nos distritos vizinhos e tendo notiacutecia de que algum criminoso se achava em

outro distrito disso avisar ao juiz de paz e ao juiz criminal respectivo Ainda cabia ao juiz de paz forccedilar os

vadios mendigos becircbados meretrizes e turbulentos a assinar termo de bem viver e por fim fazer observar

as posturas das Cacircmaras impondo devidas penas aos seus violadoresrdquo SAAD Marta O direito p 28 537

Sobre a variada atividade dos Juiacutezes de Paz ver Joatildeo Camillo de Oliveira Torres A Democracia Coroada

(Teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil) Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 248-9 538

SAAD Marta O direito p 28 539

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 121 540

ldquoPara essa finalidade de formaccedilatildeo da culpa e prisatildeo existia uma fase de inquiriccedilatildeo sumaacuteria durante a

qual eram ouvidas testemunhas elaborado o exame de corpo de delito e realizadas outras diligecircnciasrdquo

IBID p 121 541

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117

103

Assim os juiacutezes depaz - cidadatildeos eleitos pelos habitantes do distrito - detinham

enorme poder Competia-lhes dentre outras funccedilotildees proceder ao auto de corpo de delito e

formar a culpa aos delinquentes nos processos ordinaacuterios542

que despontava como a base

da acusaccedilatildeo543

Os juiacutezes de paz eram eleitos pelo povo em nuacutemero de quatro e exerciam suas

atribuiccedilotildees sucessivamente na ordem de votaccedilatildeo um por ano Concentravam grande poder

como formadores da culpa responsaacuteveis por todas as funccedilotildees policiais na investigaccedilatildeo do

crime e respectiva autoria que consubstanciam o fundamento para a acusaccedilatildeo544

O Coacutedigo Processo Criminal de Primeira Instacircncia era dividido em duas partes a

primeira delas cuidava da organizaccedilatildeo judiciaacuteria545

enquanto a segunda dispunha acerca da

forma do processo ou procedimento

No tocante agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria aleacutem de o Coacutedigo de Processo Criminal de

Primeira Instacircncia ter conservado a previsatildeo dos juiacutezes de paz e suas atribuiccedilotildees como jaacute

observado destacou a poliacutecia como um oacutergatildeo do Judiciaacuterio546

visto que o chefe de poliacutecia

era tambeacutem um juiz de direito547

A segunda parte do Coacutedigo que tratava da forma do processo ocasionou profunda

transformaccedilatildeo nas formas procedimentais preexistentes assim como a primeira O Coacutedigo

de Processo modificou substancialmente as formas do procedimento criminal548

ldquoAs

querelas as denuacutencias e as devassas de origem inquisitorial foram abolidas e ideias

liberais foram incorporadas agrave leirdquo549

As denuacutencias assumem caracteriacutesticas bem

diferentes daquelas estabelecidas ao tempo das Ordenaccedilotildees transfigurando-se no

542

Art 12 ldquoAos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos

delinquentesrdquo 543

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 126 anos de Inqueacuterito Policial - Perspectivas _ para o

futuro In Revista da Associaccedilatildeo dos Delegados de Poliacutecia do Estado de Satildeo Paulo n 25 Satildeo Paulo

ADPESP ano 19 Marccedilo de 1998 544

SAAD Marta O direito p 31 545

Segundo o estabelecido pelo Coacutedigo a organizaccedilatildeo judiciaacuteria se operava da seguinte forma as proviacutencias

dividiam-se em comarcas termos e distritos de paz estes correspondentes a um agrupamento de setenta e

cinco casas habitadas Em cada distrito havia um juiz de paz auxiliado por um escrivatildeo inspetores de

quarteiratildeo e oficiais de justiccedila (art 12) No termo havia um juiz municipal (Art 33) um promotor puacuteblico

(art 36) um conselho de jurados (art 23) e escrivatildees Na comarca havia um juiz de direito nuacutemero este que

poderia ser ateacute triplicado nas cidades mais populosas sendo que um dos juiacutezes de direito seria tambeacutem o

chefe de poliacutecia 546

Art 6ordm Feita a divisatildeo haveraacute em cada Comarca um Juiz de Direito nas Cidades populosas poreacutem poderatildeo

haver ateacute tres Juizes de Direito com jurisdicccedilatildeo cumulativa sendo um delles o Chefe da Policia 547

SAAD Marta O direito p 29 548

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 549

SAAD Marta O direito p31-32

104

instrumento de accedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico ou da accedilatildeo puacuteblica de qualquer do povo550

a

querela foi substituiacuteda pela queixa que consubstanciava a acusaccedilatildeo formulada pelo

ofendido seu pai matildee tutor curador cocircnjuge551

o procedimento ldquoex officiordquo inaugurado

pelo proacuteprio juiz passou a ser admitido em todos os casos em que cabiacutevel a denuacutencia

ainda que denuacutencia natildeo houvesse552

A formaccedilatildeo da culpa que compreende o

procedimento desde o corpo de delito ateacute o interrogatoacuterio foi feita em sumaacuterio somente

sendo permitido proceder-se em segredo quando a ela natildeo assistisse o delinquente e seus

soacutecios553

Necessaacuterio ressalvar que o sentido que a locuccedilatildeo formaccedilatildeo da culpa aqui assume eacute

aquele preciso da formaccedilatildeo da culpa preliminar procedimento preacutevio agrave pronuacutencia mas que

abrange natildeo soacute o sumaacuterio de inquiriccedilatildeo de testemunhas como tambeacutem os atos do corpo do

delito Compreende portanto anteriormente agrave declaraccedilatildeo de procedecircncia ou

improcedecircncia da queixa ou denuacutencia ou procedimento ex officio todos os atos realizados

para estabelecer a existecircncia do crime e indiacutecios contundentes de autoria554

A formaccedilatildeo da culpa aqui compreendida portanto no seu sentido estrito era

subordinada ao princiacutepio inquisitivo sendo conduzida pelo juiz de paz555

ldquoIsto eacute

instruccedilatildeo do juiz natildeo soacute como resultado mas tambeacutem como atividade de se instruir

atribuiacuteda ao proacuteprio juiz sem dependecircncia da atividade das partes nem mesmo do

promotor puacuteblicordquo556

Essa independecircncia do juiz em face do queixoso ou do denunciante podia ser

observada na lei imperial sob quatro diferentes perspectivas ldquoa) no iniciar a formaccedilatildeo do

corpo de delito b) no formar o corpo de delito c) no iniciar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de

testemunhas d) no realizaacute-lardquo557

550

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 551

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 117 552

ldquoInstaurava-se o procedimento penal mediante queixa do ofendido seu pai matildee tutor curador ou

cocircnjuge Ou entatildeo por denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico ou de qualquer do povo e ainda mediante atuaccedilatildeo

ex officio do juizrdquo MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 553

IBID p 176 De acordo com Antonio Scarance Fernandes com o Coacutedigo de Processo de 1832 ldquoa fase de

formaccedilatildeo da culpa denominada de sumaacuterio era de responsabilidade dos juiacutezes de paz e compreendia em

siacutentese os seguintes atos apresentaccedilatildeo de queixa ou denuacutencia ao juiz de paz diligecircncias inquiriccedilotildees

interrogatoacuterio pronuacutenciardquo Teoria p 123 554

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo

1973 p 125 555

SAAD Marta O direito p 32 556

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 557

IBID p 126

105

Esse procedimento da formaccedilatildeo da culpa portanto origem do que depois seria

disciplinado como inqueacuterito policial tratava-se de breve procedimento acautelatoacuterio das

provas principais dos delitos e no qual a urgecircncia representava a principal preocupaccedilatildeo558

Como alicerce exclusivo da acusaccedilatildeo era atribuiacutedo ao juiz de paz a quem competia a

lavratura de auto de corpo do delito e formaccedilatildeo da culpa dos delinquentes o que abrandia a

inquiriccedilatildeo testemunhal e o registro de dois a cinco depoimentos de testemunhas559

De fato dispunha o coacutedigo que na atividade de investigaccedilatildeo o juiz de paz

procedesse a auto de corpo de delito e formasse a culpa dos delinquentes560

e que atuasse

sempre seja devido a requerimento formulado pela parte seja por iniciativa proacutepria561

com exceccedilatildeo dos crimes de accedilatildeo exclusivamente privada562

Ao juiz de paz incumbia

reunir tudo que encontrasse no lugar do delito e arredores e que pudesse servir de prova563

bem como deveria proceder agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas do sumaacuterio ainda que natildeo

houvesse denunciante564

mandando chamaacute-las de ofiacutecio565

para que depusessem sobre a

existecircncia do crime e autoria delitiva566

567

O juiz de paz possuiacutea independecircncia em relaccedilatildeo ao promotor puacuteblico para agir no

cumprimento daquelas obrigaccedilotildees de lei jaacute que sua subordinaccedilatildeo natildeo seria possiacutevel sem

recorrentes prejuiacutezos para a justiccedila penal568

devido agrave inexistecircncia de um representante do

Ministeacuterio Puacuteblico em cada distrito de paz a natildeo ser naquele que fosse sede de termo569

558

IBID p 126 559

SAAD Marta O direito p 32-33 560

Art 12 Aos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos

delinquentes 561

Art 138 O Juiz procederaacute a auto de corpo de delicto a requerimento de parte ou ex-officio nos crimes

em que tem lugar a denuncia 562

Art 139 Os autos de corpo de delicto feitos a requerimento de parte nos crimes em que natildeo tem lugar a

denuncia seratildeo entregues aacute parte se o pedir sem que delles fique traslado 563

Art 136 O Juiz mandaraacute colligir tudo quanto encontrar no lugar do delicto e sua vizinhanccedila que possa

servir de prova 564

Art 141 Nos casos de denuncia ainda que natildeo haja denunciante o Juiz procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de

testemunhas na foacuterma do artigo antecedente fazendo autuar o auto de corpo de delicto se o houver 565

Art 84 As testemunhas seratildeo offerecidas pelas partes ou mandadas chamar pelo Juiz ex-officio 566

Art 140 Apresentada a queixa ou denuncia com o auto do corpo de delicto ou sem elle natildeo sendo

necessario o Juiz a mandaraacute autuar e procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de duas ateacute cinco testemunhas que tiverem

noticia da existencia do delicto e de quem seja o criminoso 567

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 568

IBID p 126 569

Art 4ordm Haveraacute em cada Districto um Juiz de Paz um Escrivatildeo tantos Inspectores quantos forem os

Quarteirotildees e os Officiaes de Justiccedila que parecerem necessarios Art 5ordm Haveraacute em cada Termo ou Julgado

um Conselho de Jurados um Juiz Municipal um Promotor Publico um Escrivatildeo das execuccedilotildees e os

Officiaes de Justiccedila que os Juizes julgarem necessarios

106

O juiz de paz igualmente natildeo dependia do indiciado para formar o corpo do delito

ou para instaurar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de testemunhas570

Antes ou durante a formaccedilatildeo da culpa era possiacutevel a prisatildeo em flagrante571

ou

preventiva572

do reacuteu Nesses casos estando o delinquente preso ou afianccedilado assistia a

inquiriccedilatildeo das testemunhas podendo ser interrogado pelo juiz e contestar as testemunhas573

574 Ainda residindo no distrito de paz de maneira que pudesse ser conduzido agrave presenccedila

do juiz a tempo de assistir agrave deposiccedilatildeo podia igualmente ser interrogado e contestar os

testemunhos

Dessa forma o reacuteu preso afianccedilado ou morador das proximidades do lugar onde

ocorria a formaccedilatildeo da culpa podia ser levado agrave presenccedila do juiz mas natildeo citado

Facultava-se-lhe entatildeo requerer que as testemunhas inquiridas na sua ausecircncia fossem

reperguntadas na sua presenccedila Mas o juiz soacute o deferiria sendo possiacutevel575

sem prejuiacutezo aos

objetivos e do caraacuteter urgente da instruccedilatildeo576

Presente o reacuteu o juiz deveria ordenar a leitura de todas as peccedilas comprobatoacuterias de

seu crime para interrogaacute-lo E finalmente se por meio da inquiriccedilatildeo das testemunhas do

interrogatoacuterio do indiciado delinquente ou de informaccedilotildees a que tivesse procedido o juiz

de paz se convencesse da existecircncia do delito e de quem fosse o seu autor declararia a

procedecircncia da acusaccedilatildeo e obrigaria o delinquente agrave prisatildeo nos casos legais577

Como o Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia natildeo previa meacutetodos

substanciais para a formaccedilatildeo da culpa todos esses atos praticados pelo juiz de paz eram de

570

ldquoNatildeo haacute um soacute artigo que afirme a necessaacuteria citaccedilatildeo do suspeito e a isso acresce a circunstacircncia de

serem possiacuteveis ateacute mesmo pronuacutencias (antes da confirmaccedilatildeo) sem identificaccedilatildeo do culpado o que seria

inexplicaacutevel se devesse prevalecer aquela necessidade (arts 329 e 247)rdquo ALMEIDA Joaquim Canuto

Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo 1973 p 126-127 571

Art 131 Qualquer pessoa do povo poacutede e os Officiaes de Justiccedila satildeo obrigados a prender e levar aacute

presenccedila do Juiz de Paz do Districto a qualquer que focircr encontrado commettendo algum delicto ou

emquanto foge perseguido pelo clamor publico Os que assim forem presos entender-se-hatildeo presos em

flagrante delicto 572

Art 175 Poderatildeo tambem ser presos sem culpa formada os que forem indiciados em crimes em que natildeo

tem lugar a fianccedila poreacutem nestes e em todos os mais casos aacute excepccedilatildeo dos de flagrante delicto a prisatildeo natildeo

pode ser executada senatildeo por ordem escripta da autoridade legitima 573

Art 142 Estando o delinquente preso ou afianccedilado ou residindo no Districto de maneira que possa ser

conduzido aacute presenccedila do Juiz assistiraacute aacute inquiriccedilatildeo das testemunhas em cujo acto poderaacute ser interrogado

pelo Juiz e contestar as testemunhas sem as interromper 574

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 575

Art 97 Toda a vez que o reacuteo levado aacute presenccedila do Juiz requerer que as testemunhas inquiridas em sua

ausencia sejam reperguntadas em sua presenccedila assim lhe seraacute deferido sendo possivel 576

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 577

IBID p 127

107

algum modo discricionaacuterios e este podia assim desatender os pedidos do suspeito levado

agrave sua presenccedila conforme a necessidade e a urgecircncia das provas578

Os atos de denuacutencia e queixa representavam com relaccedilatildeo ao sumaacuterio de culpa

simples incentivo ao funcionamento inquisitoacuterio do juiz quando a espontaneidade natildeo se

tivesse revelado jaacute que ao promotor puacuteblico incumbia a denuacutencia qualquer pessoa do

povo podia igualmente denunciar e o ofendido podia apresentar sua queixa579

Em resumo o Coacutedigo de Processo natildeo instituiu foacutermulas substanciais para a

formaccedilatildeo da culpa mas tatildeo somente foacutermulas substanciais do processo principal Por isso

a formaccedilatildeo da culpa propriamente dita nunca era anulada conquanto se anulassem

decisotildees tanto do juacuteri de acusaccedilatildeo quanto do juacuteri de sentenccedila devido a irregularidades da

formaccedilatildeo da culpa580

Pode-se dizer assim que o Coacutedigo de 1832 empreendeu uma das mais complexas

mudanccedilas institucionais no Brasil Abandonamos o centralismo e a severidade da justiccedila

despoacutetica dos tribunais reacutegios que aplicavam as Ordenaccedilotildees para um sistema em que a

aplicaccedilatildeo da justiccedila era atribuiacuteda agraves cacircmaras municipais e ao povo diretamente Na praacutetica

poreacutem infelizmente essa iniciativa liberal era constantemente deturpada transformando

da justiccedila em arma das facccedilotildees em luta E isto numa eacutepoca de crise do princiacutepio de

autoridade como durante a regecircncia ldquoEm palavras simples a poliacutecia e a justiccedila eletiva

tornaram-se instrumento dos mais poderososrdquo581

As inquitaccedilotildees poliacuteticas e os movimentos revolucionaacuterios que tomaram conta do

paiacutes entre 1830 e 1840 foram responsaacuteveis por demonstrar a vulnerabilidade dos meios

legais estabelecidos para conter os excessos que eram praticados Nesse cenaacuterio e natildeo sem

reaccedilatildeo foi promulgada a Lei nordm 261 de 3 de dezembro de 1841 e logo apoacutes em 31 de

janeiro de 1842 foi expedido o Regulamento nordm 120582

578

SAAD Marta O direito p 35 579

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127-128 580

IBID p 128 581

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 582

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117

108

23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842

A Lei nordm 261 de 03121841 obra de caraacuteter monaacuterquico-conservador com

conteuacutedo altamente centralizador e despoacutetico583

e seu e seu Regulamento nordm 120 de 31 de

janeiro de 1842 provocaram uma profunda reforma no Coacutedigo de Processo Criminal de

Primeira Instacircncia

Frutos da resistecircncia monaacuterquico-conservadora especialmente no acircmbito da

organizaccedilatildeo judiciaacuteria e policial visaram fornecer ao Governo imperial ferramentas e

artifiacutecios para reprimir a desordem e impor sua autoridade em todos os setores da paiacutes

tendo em vista que o sistema adotado pelo Coacutedigo de 1832 se mostrava pouco eficaz para

recuparar de uma vez por todas a ordem e a tranquilidade584

A Lei de 3 de dezembro buscou implementar um aparelhamento policial fortemente

centralizado e dotar o Governo de poderes bastantes para cumprir a tarefa a que se

propunha de tornar efetiva a autoridade legal585

Essas legislaccedilotildees proporcionaram poucas mudanccedilas no regime inquisitoacuterio do

Coacutedigo de Processo Suas novidades relacionaram-se sobretudo agrave forma de organizaccedilatildeo

judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes propensas a assegurar a forccedila do poder nacional contra as

excessivas prerrogativas dos elementos regionais586

Dentre as principais criacuteticas a respeito do Coacutedigo de Processo Criminal de 1832

afirmava-se que as funccedilotildees policiais e judiciaacuterias laacute atribuiacutedas agrave mesma autoridade ndash o juiz

de paz - eram muito diferentes razatildeo pela qual deveriam ser separadas tornando-se a

poliacutecia oacutergatildeo do Executivo587

588

E essa foi exatamente a mais significativa alteraccedilatildeo

produzida pela Lei nordm 2611841 e seu Regulamento nordm 1201842 ou seja a entrega do

poder anteriormente confiado aos juiacutezes de paz para os delegados de poliacutecia nova figura

583

SAAD Marta O direito p 40 584

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 585

IBID p 119 586

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131 587

SAAD Marta O direito p 41 588

Haacute muito jaacute se discutia a necessidade de reforma do Coacutedigo de Processo Criminal apontando-se dentre

outras questotildees a importacircncia da dissociaccedilatildeo das funccedilotildees judiciaacuterias e policiais que estavam entregues aos

juiacutezes municipais e aos juiacutezes de paz PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 135

109

criada pela Lei nordm 2611841 e assim chamados por exercerem delegaccedilatildeo do chefe de

poliacutecia589

As atribuiccedilotildees do juiz de paz restringiram-se ao miacutenimo590

Estabeleceu-se que em

cada proviacutencia haveria um chefe de poliacutecia escolhido entre os desembargadores e juiacutezes

de direito pelo Imperador591

Na corte e em cada termo existiria um delegado proposto

pelo chefe de poliacutecia592

e nomeado na corte pelo Imperador e na proviacutencia pelo seu

presidente593

Ainda haveria os subdelegados um em cada distrito de paz das proviacutencias

propostos pelo chefe de poliacutecia ouvido o delegado594

e nomeados pelo presidente da

proviacutencia respectiva595

596

Com efeito segundo Marta Saad ldquocom a redaccedilatildeo dada ao Coacutedigo pela reforma o

juiz de paz eletivo cedeu suas atribuiccedilotildees policiais e sua jurisdiccedilatildeo criminal a delegados e

subdelegados os quais eram nomeados e demitidos ao arbiacutetrio do governordquo597

589

SAAD Marta O direito p 40 590

ldquoA Lei n 261 de 3121841 em modificaccedilatildeo ao Coacutedigo de Processo Criminal criou aparelhamento

policial centralizado e retirou muitas atribuiccedilotildees do juiz de pazrdquo SANTIN Valter Foleto Op cit p 28-29 591

De acordo com o artigo 2ordm da Lei nordm 26141 ldquoos Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os

Desembargadores e Juizes de Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos

seratildeo todos amoviveis e obrigados a aceitarrdquo O artigo 24 do Regulamento 120 de 1842 dispunha que ldquoos

Chefes de Policia aleacutem do ordenado de Desembargadores (quando o sejatildeo) ou de Juizes do Direito das

Capitaes em que servirem venceraacuteotilde mais uma gratificaccedilatildeo proporcional ao trabalho a qual seraacute marcada

pelo Governo sobre informaccedilotildees dos Presidentes das Provinciasrdquo 592

Art 26 Os Delegados seratildeo propostos dentre os Juizes Municipaes de Paz Bachareis formados ou

outros quaesquer Cidadatildeos (aacute excepccedilatildeo dos Parochos) com tanto que residatildeo nas Cidades ou Villas que

forem cabeccedilas de Termo (ou dos Termos no caso da reuniatildeo de que trata o art 31 da Lei de 3 de Dezembro

de 1841) ou mui proximamente (nunca poreacutem foacutera dos limites do dito Termo ou Termos) e tenhatildeo as

qualidades requeridas para ser Eleitor e que sejatildeo homens de reconhecida probidade e intelligencia 593

Art 1ordm da Lei nordm 26141 Haveraacute no Municipio da Cocircrte e em cada Provincia um Chefe de Policia com os

Delegados e Subdelegados necessarios os quaes sobre proposta seratildeo nomeados pelo Imperador ou pelos

Presidentes Todas as Autoridades Policiaes satildeo subordinadas ao Chefe da Policia Art 25 do Regulamento

12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte e pelos Presidentes das

Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas as necessarias

observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos propostos Estas

propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 594

Art 2ordm da Lei nordm 26141 Os Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os Desembargadores e Juizes de

Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos seratildeo todos amoviveis e

obrigados a acceitar Art 27 do Regulamento 12042 Os Subdelegados seratildeo propostos ouvindo o

Delegado dentre os Juizes de Paz dos respectivos districtos dentre os Bachareis formados e outros

quaesquer Cidadatildeos que nelles residirem e tiverem as qualidades requeridas no artigo antecedente 595

Art 25 do Regulamento 12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte

e pelos Presidentes das Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas

as necessarias observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos

propostos Estas propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 596

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 597

SAAD Marta O direito p 41-42

110

O Regulamento nordm 1201842 consagrou a diferenciaccedilatildeo da poliacutecia em

administrativa e judiciaacuteria com fundamento nas atribuiccedilotildees e na competecircncia Disciplinou-

as em distintas seccedilotildees mas no mesmo capiacutetulo Agrave poliacutecia judiciaacuteria foram outorgadas no

bojo do artigo 3ordm598

as funccedilotildees de proceder ao corpo de delito expedir mandado de busca e

apreensatildeo prender denunciados e julgar crimes no acircmbito de sua competecircncia599

Como anteriormente observado a expressiva alteraccedilatildeo gerada por essa reforma

ocorreu na esfera da organizaccedilatildeo judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes e natildeo exatemente no acircmbito

das reformas procedimentais600

A competecircncia para o procedimento de instruccedilatildeo preliminar ou formaccedilatildeo da culpa

(corpo do delito e sumaacuterio da pronuacutencia) disciplinado no Capitulo VIII do Tiacutetulo I ndash

disposiccedilotildees criminais601

foi transferida para delegados e subdelegados bem como para o

chefe de poliacutecia ndash que vale ressaltar era escolhido sempre dentre desembargadores e

juiacutezes de direito602

- assim tambeacutem a faculdade de pronunciarem603

com recurso ex officio

para o juiz municipal que sustentava ou revogava o despacho604

Esse magistrado tambeacutem

podia formar a culpa e pronunciar originariamente605

606

598

Art 3ordm Satildeo da competencia da Policia Judiciaria 1ordm A attribuiccedilatildeo de proceder a corpo de delicto

comprehendida no sect 4ordm do art 12 do Codigo do Processo Criminal 2ordm A de prender os culpados

comprehendida no sect 5ordm do mesmo artigo do dito Codigo 3ordm A de conceder mandados de busca 4ordm A de julgar

os crimes a que natildeo esteja imposta pena maior que multa ateacute 10$000 prisatildeo degredo ou desterro ateacute seis

mezes com multa correspondente aacute metade desse tempo ou sem ella e tres mezes de Casa de Correcccedilatildeo ou

officinas publicas onde as houver (Cod do Proc Crim art 12 sect 7ordm) 599

SAAD Marta O direito p 43 600

IBID p 43 601

Artigos 47 a 53 da Lei nordm 26141 602

Art 262 Os Chefes de Policia Juizes Municipaes Delegados e Subdelegados procederaacuteotilde aacute formaccedilatildeo da

culpa ou em virtude de queixas ou denuncias dadas nos casos e com as formalidades estabelecidas nos arts

72 73 74 75 76 78 e 79 do Codigo do Processo Criminal ou meramente ex-officio 603

ldquoOs despachos de pronuacutencia ou impronuacutencia proferidos pelos chefes de poliacutecia ou pelos juiacutezes municipais

produziam desde logo seus efeitos independentemente de ratificaccedilatildeo (artigo 287 do Regulamento 120) Tal

natildeo acontecia com os lavrados pelos delegados e subdelegados que ficavam dependentes de sustentaccedilatildeo ou

revogaccedilatildeo dos juiacutezes municipais que assim substituiacuteram nas respectivas funccedilotildees o juacuteri de acusaccedilatildeo Este

foi suprimidordquo ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131-132 604

Art 4ordm da Lei 26141 Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos

respectivos districtos compete sect 1ordm As attribuiccedilotildees conferidas aos Juizes de Paz pelo art 12 sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm

5ordm e 7ordm do Codigo do Processo Criminal ()Art 5ordm Os Subdelegados nos seus districtos teratildeo as mesmas

attribuiccedilotildees marcadas no artigo antecedente para os Chefes de Policia e Delegados exceptuadas as dos sectsect 5ordm

6ordm e 9ordm

Art 17 da Lei 26141 Compete aos Juizes Municipaes () sect 3ordm Sustentar ou revogar ex-officio as

pronuncias feitas pelos Delegados e Subdelegados 605

Conforme artigo 211 do Regulamento 1201842 ldquoAos Juizes Municipaes na parte criminal compete ()

2ordm Proceder a auto de corpo de delicto e formar culpa aos delinquentes e aos Officiaes que perante elles

serviremrdquo 606

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131

111

Ao receberem dos delegados e subdelegados os processos de formaccedilatildeo da culpa os

juiacutezes municipais deveriam examinaacute-los para aferir a o correto cumprimento das

formalidades legais ou de fallhas que pudessem prejudicar a elucidaccedilatildeo do fato e de suas

circunstacircncias Podiam entatildeo para reparaccedilatildeo das deficiecircncias ou deslizes verificados

proceder de ofiacutecio ou a pedido da parte a todas as diligecircncias que julgassem essenciais para

ratificaccedilatildeo do processado para reparar nulidades e para esclarecer a verdade (artigos

290607

291608

e 292609

)610

Assim em toda proviacutencia do Impeacuterio e na Corte a instruccedilatildeo preliminar o auto de

corpo de delito e a formaccedilatildeo da culpa passaram a ser incumbecircncia dos chefes de poliacutecia e a

de seus delegados nos respectivos distritos611

Podiam tambeacutem as aludidas autoridades policiais remeter aos Juiacutezes competentes

quando julgassem adequado todos os dados provas e esclarecimentos que houvessem

obtido sobre um delito com uma exposiccedilatildeo do caso e suas circunstacircncias a fim de

formarem a culpa612

O Regulamento nordm 12042 em seu artigo 61613

esclarecia que tal

607

Art 290 Se quando lhes forem presentes os processos para o fim indicado no artigo antecedente acharem

os Juizes Municipaes que ha nelles pretericcedilatildeo de formalidades legaes que induz nullidade ou faltas que

prejudicatildeo o esclarecimento da verdade do facto e de suas circumstancias procederaacuteotilde ex-officio ou a

requerimento de parte a todas as diligencias que julgarem precisas para a ratificaccedilatildeo das queixas ou

denuncias emenda das faltas que induzirem nullidade e a fim de dar ao facto e suas circumstancias todo o

esclarecimento que focircr necessario havendo-se nisso o mais breve e summariamente que focircr possivel 608

Art 291 Para esse fim mandaraacuteotilde que as queixas e denuncias sejatildeo juradas e assignadas pelos queixosos e

denunciantes que os autos interrogatorios e inquiriccedilotildees sejatildeo assignadas pelos Juizes partes testemunhas e

mais pessoas que tenhatildeo intervindo quando faltarem taes solemnidades ordenaraacuteotilde os interrogatorios dos

reacuteos a repergunta acareaccedilatildeo e confrontaccedilatildeo das testemunhas e outras diligencias quando nos ditos

processos natildeo houver sufficiente esclarecimento sobre o crime e suas circumstancias e sobre os seus autores

ou complices 609

Art 292 Estas diligencias seratildeo feitas perante os mesmos Juizes Municipaes quando os reacuteos presos ou

soltos as testemunhas ou outras quaesquer pessoas que tenhatildeo de intervir nellas estiverem em distancia tal

que lhes permitta vir e voltar no mesmo dia aliaacutes seratildeo feitas pela mesma Autoridade que remetteu o

processo reenviando-lho o Juiz Municipal com as instrucccedilotildees que julgar necessarias as quaes seratildeo por elle

lanccediladas nos autos 610

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 132 611

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 612

Art 4ordm Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos respectivos

districtos compete () sect 9ordm Remetter quando julgarem conveniente todos os dados provas e

esclarecimentos que houverem obtido sobre um delicto com uma exposiccedilatildeo do caso e de suas

circumstancias aos Juizes competentes a fim de formarem a culpa Se mais de uma autoridade competente

comeccedilarem um processo de formaccedilatildeo de culpa proseguiraacute nelle o Chefe de Policia ou Delegado salvo

poreacutem o caso da remessa de que se trata na primeira parte deste paragrapho 613

Art 61 A remessa de que trata o sect 13 do art 58 poderaacute ter lugar nos casos dos sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm 5ordm 6ordm 7ordm e

12 do mesmo artigo todas as vezes que esses casos se natildeo apresentem revestidos de circumstancias

extraordinarias e taes que reclamem a attenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Policia e o emprego

de meios mais amplos que tenha aacute sua disposiccedilatildeo A exposiccedilatildeo de que trata o referido sect 13 deveraacute conter

aquellas instrucccedilotildees que o mesmo Chefe julgar conveniente dar a indicaccedilatildeo das testemunhas que souberem

do facto e de todos os indicios que se houverem descoberto e ser acompanhada dos requerimentos queixas

ou denuncias que houverem

112

remessa somente poderia ocorrer quanto agrave formaccedilatildeo da culpa nos casos que natildeo se

apresentassem ldquorevestidos de circunstacircncias extraordinaacuterias e tais que reclamassem a

atenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Poliacutecia e o emprego de meios mais

amplos que tenha agrave sua disposiccedilatildeordquo614

Assim por meio de tais dispositivos e em especial do artigo 16615

do Regulamento

nordm 12042 pode-se dizer que o legislador paacutetrio comeccedilava entatildeo a determinar o registro

das conclusotildees obtidas a partir das indagaccedilotildees antecedentes como simples forma de

colaboraccedilatildeo com as autoridades sumariantes ofertada naquelas ocasiotildees em que a primeira

autoridade indagadora natildeo fosse concomitantemente a competente para a formaccedilatildeo da

culpa e devesse por isso ldquoinformar-se para informar mediante provas e mais

esclarecimentos que houverem de remeter para a formaccedilatildeo da culpa a juiacutezes

competentesrdquo616

Em resumo com o advento da Lei 261 de 03121841 a formaccedilatildeo da culpa passou

a ser atribuiacuteda aos chefes de poliacutecia seus delegados e subdelegados e ao juiz municipal

que substituiu o juiz de paz concentrando funccedilotildees policiais e criminais617

Aos juiacutezes de

paz no entanto agora com poderes reduzidos em funccedilatildeo do poder concedido agrave poliacutecia era

permitido proceder ao auto de corpo de delito618

e agrave formaccedilatildeo da culpa619

concorrentemente

614

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 615

Art 16 Os Chefes de Policia para a expediccedilatildeo dos negocios que pertencem aacute Policia administrativa

enumerados no art 2ordm do presente Regulamento e bem assim para escrever os interrogatorios provas e mais

esclarecimentos que houverem de remetter par a formaccedilatildeo da culpa aos Juizes competentes na

conformidade do sect 9ordm do art 4ordm da Lei de 9 de Dezembro de 1841 e do art 61 do dito Regulamento servir-

se-hatildeo dos Empregados da sua Secretaria e para a dos negocios que pertencerem aacute Policia Judiciaria

enumerados no art 3ordm do mesmo Regulamento e dos criminaes servir-se-hatildeo de qualquer dos Escrivatildees que

escrevem perante os Juizes Municipaes e Subdelegados que julgarem conveniente chamar Em todos os

casos poreacutem estando foacutera da Capital e seu Termo poder-se-hatildeo servir destes ultimos Art 17 Os Delegados

de Policia quer sejatildeo Juizes Municipaes quer sejatildeo tirados doutra classe do cidadatildeos empregaraacuteotilde no

expediente e escripturaccedilatildeo de todos os negocios a seu cargo os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila que servirem

perante Juizes Municipaes os quaes seratildeo obrigados a obedecer-lhes e a cumprir as suas ordens debaixo das

penas da Lei Nos casos deste artigo e da 2ordf parte do antecedente os Chefes de Policia e Delegados

participaraacuteotilde officialmente aos Juizes Municipaes e Subdelegados quaes os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila

que tiverem empregados Art 18 Cada Subdelegado teraacute um Escrivatildeo (a cujo cargo estaraacute todo o seu

expediente) e o numero de Inspectores de Quarteiratildeo que admittir o districto 616

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 201 617

SAAD Marta O direito p 46 618

Art 65 As attribuiccedilotildees policiaes dos Juizes de Paz consistem () 6ordm Em fazer corpos de delicto 619

SAAD Marta O direito p 43-44

113

Jaacute aos juiacutezes de direito das comarcas quanto ao tema restou formar a culpa dos

empregados puacuteblicos natildeo privilegiados nos crimes de responsabilidade620

Como se pocircde observar confundia a Lei justiccedila e poliacutecia621

conferindo agraves

autoridades policiais funccedilotildees natildeo soacute policiais como judiciaacuterias622

Assim ldquoa reaccedilatildeo contra

o judiciarismo policial dos liberais de 1832 com as funccedilotildees policiais entregues a juiacutezes de

paz eletivos foi certamente excessiva com a inversatildeo operada ndash o policialismo judiciaacuterio ndash

confiadas agraves autoridades policiais funccedilotildees nitidamente judiciaacuteriasrdquo623

Durante cerca de trinta anos o Brasil vivenciou essa situaccedilatildeo natildeo sem protestos e

projetos legislativos de reforma que findaram na Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871

apoacutes intensos debates em ambas as casas do parlamento imperial que suscitaram

sobretudo a questatildeo da diferenccedila das funccedilotildees policiais e judiciaacuterias da separaccedilatildeo da

poliacutecia e da judicatura624

24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871

A Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871 e o Decreto nordm 4824 de 22 de novembro

620

Art 25 Aos Juizes de Direito das Comarcas aleacutem das attribuiccedilotildees que tem pelo Codigo do Processo

Criminal compete 1ordm Formar culpa aos Empregados Publicos natildeo privilegiados nos crimes de

responsabilidade Esta jurisdicccedilatildeo seraacute cumulativamente exercida pelas Autoridades Judiciarias a respeito dos

Officiaes que perante as mesmas servirem 621

O Deputado Moura Magalhatildees assim se manifestava quanto agrave Lei de 1841 ldquoUm coacutedigo firmado nos

princiacutepios da satilde filosofia um coacutedigo esclarecido pelos princiacutepios da razatildeo e da humanidade exige que as

funccedilotildees da poliacutecia estejam separadas das funccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa e estas das funccedilotildees do julgamento

E quais as razotildees disto O funcionaacuterio que efetua a prisatildeo jaacute fica prevenido contra o reacuteu se ele lhe forma a

culpa esta prevenccedilatildeo aumenta de grau e se chega ao ponto de lhe infligir a pena do Coacutedigo pode-se bem

dizer que a imparcialidade inteiramente desaparece Eu quisera ver extremadas estas trecircs classes de

funccedilotildees eu natildeo quisera ver atribuiccedilotildees policiais (a pesquisa e o exame do corpo dos delitos a prisatildeo dos

delinquentes e o colhimento de provas) estivessem acumuladas as atribuiccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa

(produccedilatildeo e reiteraccedilatildeo dos depoimentos apreciaccedilatildeo do corpo de delito e das provas determinaccedilatildeo do

caraacuteter legal do fato incriminado) e muito menos com as atribuiccedilotildees de julgamentordquo ALMEIDA JUacuteNIOR

Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas Bastos 1959 p 181-182 622

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 192 623

SOUSA Octavio Tarquinio de Bernardo Pereira de Vasconcellos e seu tempo Rio de Janeiro Joseacute

Olympio 1937 p 235 624

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 64

114

do mesmo ano reformaram o sistema adotado pela Lei nordm 26141 separando justiccedila e

poliacutecia625

e alterando a natureza do sumaacuterio de culpa626

627

O Decreto nordm 4824 disciplinou em 1871 o inqueacuterito policial que a partir de entatildeo

constitui a ferramente principal da fase de investigaccedilatildeo no direito brasileiro628

Tal

estruturaccedilatildeo adveio de uma preocupaccedilatildeo garantista pois teve como intuito reprimir abusos

na atuaccedilatildeo das autoridades policiais que a partir da Lei de 3 de dezembro de 1841 e do

Regulamento 120 de 31 de janeiro de 1842 foram dotadas de desmedidos poderes no

sistema processual penal brasileiro629

A reforma de 1871 traduziu portanto uma reaccedilatildeo do liberalismo contra as

disposiccedilotildees da lei de 3 de dezembro de 1841 e sua primeira providecircncia foi asseverar que

nas Capitais que fossem sede de Relaccedilatildeo assim como nas comarcas de um soacute termo a elas

ligadas por faacutecil comunicaccedilatildeo de modo que fosse possiacutevel ir e voltar no mesmo dia a

jurisdiccedilatildeo de primeira instacircncia seria exercida unicamente pelos juiacutezes de direito630

Isto eacute

a atividade das autoridades policiais foi transferida para a esfera de atribuiccedilotildees dos juiacutezes

municipais ou dos juiacutezes de direito no caso das capitais que fossem sede da Relaccedilatildeo e nas

comarcas a elas ligadas Assim tambeacutem a incumbecircncia de formaccedilatildeo da culpa631

passou aos

juiacutezes municipais e aos juiacutezes de direito devendo ser exercida na comarca em vez do

distrito de paz ou policial e as autoridades policiais deixaram de pronunciar632

como

faziam anteriormente633

625

Art 1ordm Nas capitaes que forem seacutedes de Relaccedilotildees e nas comarcas de um soacute termo a ellas ligadas por tatildeo

facil communicaccedilatildeo que no mesmo dia se possa ir e voltar a jurisdicccedilatildeo de 1ordf instancia seraacute exclusivamente

exercida pelos Juizes de Direito e a de 2ordf pelas Relaccedilotildees Na Cocircrte e nas capitaes da Bahia Pernambuco e

Maranhatildeo a Provedoria de capellas e residuos seraacute de jurisdicccedilatildeo privativa Na capital do Imperio eacute creado

mais um lugar de Juiz de Orphatildeos () sect 4ordm E incompativel o cargo de Juiz Municipal e substitutos com o de

qualquer autoridade policial 626

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 627

A lei 2033 de 20 de setembro de 1871 regulada pelo Decreto nordm 4824 de 22 de novembro de do mesmo

ano veio reformar a Lei de 3 de dezembro separando a poliacutecia da judicatura estabelecendo regras para a

prisatildeo preventiva fianccedila extensatildeo da defesa no sumaacuterio de culpa inqueacuterito policial etc ALMEIDA

JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 210 A reforma de 1871 aleacutem de pocircr cobro ao policialismo reacionaacuterio

da Lei de 3 de dezembro separando Justiccedila e Poliacutecia ainda trouxe algumas inovaccedilotildees que ateacute hoje perduram

como vg a criaccedilatildeo do ldquoinqueacuterito policialrdquo () MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 121 628

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 92 629

ldquoEm determinados momentos da histoacuteria ampliaram-se os poderes das autoridades policiaism indo aleacutem

dos necessaries aos objetivos das investigaccedilotildees criminais quando tais autoridades exerceram atividades

tipicamente jurisdicionais Assim entre noacutes em alguns periacuteodos do Impeacuterio a poliacutecia podia decidir sobre

pequenas infraccedilotildees e era incumbida da fase do sumaacuterio de culpardquo IBID p 79 e 92 630

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 631

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 632

Art 4ordm Aos Juizes de Direito das comarcas do art 1ordm e bem assim aos Juizes Municipaes de todos os

outros termos fica exclusivamente pertencendo a pronuncia dos culpados nos crimes communs o julgamento

115

Contudo diante da necessidade de serem colhidas e reunidas as provas assim que

fosse noticiado o delito bem como do fato de que as diligecircncias urgentes e proacuteximas ao

cometimento do delito natildeo poderiam esperar que comparecesse o juiz distante634

determinadas atribuiccedilotildees foram reservadas agraves autoridades policiais elencadas no artigo

10635

da Lei nordm 20331871 e particularizadas nos artigos 38 e 42 do Decreto nordm 48241871

ldquoacabando por consagrar o inqueacuterito policialrdquo636

Ampliando-se portanto do distrito policial para o termo a circunscriccedilatildeo judiciaacuteria

da formaccedilatildeo da culpa foi preciso e assim determinado pelo legislador competir agraves

autoridades policiais as funccedilotildees que resultaram no inqueacuterito policial637

conservando os

juiacutezes de paz tambeacutem na competecircncia para o corpo de delito638

O decreto dispunha que os chefes delegados e subdelegados de poliacutecia deveriam

assim que lhes fosse noticiado adotar todas as providecircncias necessaacuterias agrave investigaccedilatildeo do

crime639

por meio do exame de corpo de delito direto exames e buscas para apreensatildeo de

instrumentos e documentos inquiriccedilatildeo de testemunhas perguntas ao reacuteu e ao ofendido e

nos crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal e o da infracccedilatildeo dos termos de

seguranccedila e bem viver podendo ser auxiliados pelos seus substitutos no preparo e organizaccedilatildeo dos

respectivos processos ateacute o julgamento e a pronuncia exclusivamente e com a mesma limitaccedilatildeo pelos

Delegados e Subdelegados de Policia quanto ao processo dos crimes do citado art 12 sect 7ordm do Codigo do

Processo Criminal 633

SAAD Marta O direito p 51 634

A Lei 2033 de 1871 alargou a circunscriccedilatildeo territorial do juiz da formaccedilatildeo da culpa que situou na sede da

comarca ou do termo 635

Art 10 Aos Chefes Delegados e Subdelegados de Policia aleacutem das suas actuaes attribuiccedilotildees tatildeo soacutemente

restringidas pelas disposiccedilotildees do artigo antecedente e sect unico fica pertencendo o preparo do processo dos

crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal ateacute a sentenccedila exclusivamente Por

escripto seratildeo tomadas nos mesmos processos com os depoimentos das testemunhas as exposiccedilotildees da

accusaccedilatildeo e defesa e os competentes julgadores antes de proferirem suas decisotildees deveratildeo rectificar o

processo no que focircr preciso sect 1ordm Para a formaccedilatildeo da culpa nos crimes communs as mesmas autoridades

policiaes deveratildeo em seus districtos proceder aacutes diligencias necessarias para descobrimento dos factos

criminosos e suas circumstancias e transmittiratildeo aos Promotores Publicos com os autos de corpo de delicto

e indicaccedilatildeo das testemunhas mais idoneas todos os esclarecimentos colligidos e desta remessa ao mesmo

tempo daratildeo parte aacute autoridade competente para a formaccedilatildeo da culpa sect 2ordm Pertence-lhes igualmente a

concessatildeo da fianccedila provisoria 636

SAAD Marta O direito p 51 637

A denominaccedilatildeo inqueacuterito policial surge no Decreto Regulamentar no 4824 de 22 de novembro de 1871

Existia poreacutem antes sem qualquer nome como praacutetica comum e informal No conteuacutedo jaacute emergia a ideacuteia

de que tal procedimento tendia agrave verificaccedilatildeo da existecircncia da infraccedilatildeo penal descobrimento de todas as

circunstacircncias e respectiva autoria (art 11 sect 2ordm e 38 in fine e art 42 do Decreto no 482471) PITOMBO

Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 638

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 135 639

Art 38 Os Chefes Delegados e Subdelegados de Policia logo que por qualquer meio lhes chegue a

noticia de se ter praticado algum crime commum procederatildeo em seus districtos aacutes diligencias necessarias

para verificaccedilatildeo da existencia do mesmo crime descobrimento de todas as suas circumstancias e dos

delinquentes

116

tudo quanto pudesse ser uacutetil agrave elucidaccedilatildeo do fato640

Previa ademais que se presente a

autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa e investigaccedilatildeo do fato

criminoso a autoridade policial deveria se restringir a assessoraacute-la seja agindo ex officio

seja atendendo agraves requisiccedilotildees elaboradas pela autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo

promotor puacuteblico641

Se a autoridade judiciaacuteria competente natildeo comparecesse logo ou natildeo

instaurasse imediatamente o processo da formaccedilatildeo da culpa a autoridade policial deveria

proceder ao inqueacuterito policial642

ldquoconsistente em todas as diligecircncias necessaacuterias ao

descobrimento do fato criminoso suas circunstacircncias e seus autores coautores ou

cuacutemplices devendo ser reduzido a escritordquo643

644

640

Art 39 As diligencias a que se refere o artigo antecedente comprehendem 1ordm O corpo de delicto directo

2ordm Exames e buscas para apprehensatildeo de instrumentos e documentos 3ordm Inquiriccedilatildeo de testemunhas que

houverem presenciado o facto criminoso ou tenham razatildeo de sabel-o 4ordm Perguntas ao reacuteo e ao offendido Em

geral tudo o que focircr util para esclarecimento do facto e das suas circumstancias 641

Art 40 No caso de flagrante delicto ou por effeito de queixa ou denuncia se logo comparecer a

autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa a investigar do facto criminoso notoacuterio ou

arguido a autoridade policial se limitaraacute a auxilial-a colligindo ex-oficio as provas e esclarecimentos que

possa obter e procedendo na esphera de suas attribuiccedilotildees aacutes diligencias que lhe forem requisitadas pela

autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo Promotor Puacuteblico ou por quem suas vezes fizer 642

Art 41 Quando poreacutem natildeo compareccedila logo a autoridade judiciaacuteria ou natildeo instaure immediatamente o

processo da formaccedilatildeo da culpa deve a autoridade policial proceder ao inquerito aceroa dos crimes communs

de que tiver conhecimento proprio cabendo a acccedilatildeo puacuteblica ou por denuncia ou a requerimento da parte

interessada ou no caso de prisatildeo em flagrante 643

Art 42 O inquerito policial consiste em todas as diligencias necessarias para o descobrimento dos factos

criminosos de suas circumstancias e dos seus autores e complices e deve ser reduzido a instrumento

escripto observando-se nelle o seguinte Ver toacutepico 1ordm Far-se-ha corpo de delicto uma vez que o crime seja

de natureza dos que deixam vestigios 2ordm Dirigir-se-ha a autoridade policial com toda a promptidatildeo ao lugar

do delicto e ahi aleacutem do exame do facto criminoso e de todas as suas circumstancias e descripccedilatildeo da

localidade em que se deu trataraacute com cuidado de investigar e colligir os indicies existentes e apprehender os

instrumentos do crime e quaesquer objectos encontrados lavrando-se de tudo auto assignado pela autoridade

peritos e duas testemunhas 3ordm Interrogaraacute o delinquente que focircr preso em flagrante e tomaraacute logo as

declaraccedilotildees juradas das pessoas ou escolta que o conduzirem e das que presenciarem o facto ou deite tiverem

conhecimento 4ordm Feito o corpo de delicto ou sem elle quando natildeo possa ter lugar indagaraacute quaes as

testemunhas do crime as faraacute vir aacute sua presenccedila inquirindo-as sob juramento a respeito do facto e suas

circumstancias e de seus autores ou complices Estes depoimentos na mesma occasiatildeo seratildeo escriptos

resumidamente em um soacute termo assignado pela autoridade testemunhas e delinquente quando preso em

flagrante 5ordm Poderaacute dar busca com as formalidades legaes para apprehensatildeo das armas e instrumentos do

crime e de quaesquer objectos aacute elle referentes e desta diligencia se lavraraacute o competente auto 6ordm

Terminadas as diligencias e autuadas todas as peccedilas seratildeo conclusas aacute autoridade que proferiraacute o seu

despacho no qual recapitulando o que focircr averiguado ordenaraacute que o inquerito seja remettido por

intermedio do Juiz Municipal ao Promotor Puacuteblico ou a quem suas vezes fizer e na mesma occasiatildeo indicaraacute

as testemunhas mais idoneas que por ventura ainda natildeo tenham sido inqueridas Desta remessa daraacute

immediatamente parte circumstanciada ao Juiz de Direito da comarca Nas comarcas especiaes a remessa

seraacute por intermedio do Juiz de Direito que tiver a jurisdicccedilatildeo criminal do districto sem participaccedilatildeo a outra

autoridade 7ordm Todas as diligencias relativas ao inquerito seratildeo feitas no prazo improrogavel de cinco dias

com assistecircncia do indiciado delinquente se estiver preso podendo impugnar os depoimentos das

testemunhas Poderaacute tambem impugnal-os nos crimes afianccedilaveis se requerer sua admissatildeo aos termos do

inquerito 8ordm Nos crimes em que natildeo tem lugar a acccedilatildeo puacuteblica o inquerito feito a requerimento da parte

interessada e reduzido a instrumento ser-lhe-ha entregue para o uso que entender 9ordm Para a notificaccedilatildeo e

comparecimento das testemunhas e mais diligencias do inquerito policial se observaratildeo no que focircr

applicavel as disposiccedilotildees que regulam o processo da formaccedilatildeo da culpa 644

SAAD Marta O direito p 53

117

Tais novos dispositivos vieram sobretudo criar estiacutemulos agrave atividade das partes no

sumaacuterio de culpa e regulamentaacute-la Mas ndash eacute necessaacuterio salientar ndash natildeo reduziram a

inquisitoriedade do juiz agrave passividade que muitas vezes a doutrina e os tribunais tecircm

atribuiacutedo aos magistrados penais645

A reforma judiciaacuteria de 1871 atribuiu agraves unidades federativas a competecircncia de

legislarem em mateacuteria de processo civil e penal (art 34 nordm 23 cc art 65 nordm 2) Alguns

Estados membros nunca chegaram a elaborar um Coacutedigo de Processo Penal - como eacute

exemplo o estado de Satildeo Paulo - limitando-se a adotar a legislaccedilatildeo imperial com algumas

modificaccedilotildees Outros criaram diplomas sem rigor teacutecnico introduzindo meras disposiccedilotildees

de organizaccedilatildeo judiciaacuteria em normas processuais Bons estatutos conforme afirma Seacutergio

Marcos de Moraes Pitombo foram raros646

25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941

O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 surge em meio a um cenaacuterio dominado por

uma progressiva centralizaccedilatildeo poliacutetica e pela consagraccedilatildeo dos ideais autoritaacuterios647

Ao

lado da necessidade de coordenaccedilatildeo sistemaacutetica das regras do processo penal num Coacutedigo

uacutenico para todo o Brasil impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiecircncia e

vigor da accedilatildeo repressiva do Estado contra os delinquentes648

Como fruto juriacutedico do Estado Novo anuncia em sua Exposiccedilatildeo de Motivos que

as nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos reacuteus ainda que colhidos em

flagrante ou confundidos pela evidecircncia das provas um tatildeo extenso cataacutelogo de garantias

e favores que a repressatildeo se torna necessariamente defeituosa e retardataacuteria

decorrendo daiacute um indireto estiacutemulo agrave expansatildeo da criminalidaderdquo Daiacute decorreu a

justificaccedilatildeo para que fosse ldquoabolida a injustificaacutevel primazia do interesse do indiviacuteduo

sobre o da tutela socialrdquo Assim o criteacuterio que norteou a elaboraccedilatildeo do atual Coacutedigo de

645

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 136 646

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 647

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 173 648

Exposiccedilatildeo de Motivos do atual Coacutedigo de Processo Penal

118

Processo Penal foi aquele da supremacia do bem comum e do interesse social em face dos

ldquopseudodireitos individuaisrdquo

O atual Coacutedigo de Processo Penal (Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941)

natildeo se afastou de nossas tradiccedilotildees legislativas preservando suas principais caracteriacutesticas

Conservou o inqueacuterito policial configurando-o do mesmo modo como o herdamos do

Impeacuterio atraveacutes da reforma de 1871 isto eacute como instruccedilatildeo provisoacuteria predecente agrave

propositura da accedilatildeo penal em respeitp a um mandamento constitucional previu a instruccedilatildeo

plenamente contraditoacuteria e separou definitivamente as funccedilotildees acusatoacuteria e julgadora

eliminando quase por completo o procedimento ex officio que soacute permaneceu para o

processo de contravenccedilotildees limitou ainda mais a competecircncia do juacuteri e buscou dotar todos

os processos de um caraacuteter nitidamente acusatoacuterio649

Foram abolidos o sumaacuterio de culpa e

a pronuacutencia exceto para os casos a serem julgados pelo juacuteri650

Houve portanto com o Coacutedigo de 1941 mudanccedila sensiacutevel a respeito da fase

destinada agrave acusaccedilatildeo e sua admissibilidade Com a supressatildeo da etapa do sumaacuterio de culpa

e o recebimento da denuacutencia em decisatildeo natildeo motivada logo apoacutes o oferecimento da

denuacutencia ou queixa o acusado ficou privado de um momento para contradizer a acusaccedilatildeo e

evitar o seguimento de processos manifestamente injustos651

Como consequecircncia a fim de atender aos dispositivos constitucionais de 1937652

ganhou o inqueacuterito policial funcionalmente a natureza de instruccedilatildeo criminal preliminar jaacute

que constitui nos casos de competecircncia do juiz singular o fundamento exclusivo da

acusaccedilatildeo653

De acordo com Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo no atual sistema processual

penal brasileiro excetuando-se os procedimentos especiais do juacuteri dos crimes falimentares

e dos crimes contra a propriedade industrial o inqueacuterito policial integra a formaccedilatildeo da

culpa654

ldquoInteira agrave luz do conceito sugerido o processo penal como a parte completa o

649

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 124 650

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 168 651

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 127 652

A Constituiccedilatildeo de 1937 utilizava-se da pronuacutencia e da formaccedilatildeo da culpa como o marco necessaacuterio para

situaccedilotildees para situaccedilotildees como a prisatildeo processual e a fianccedila 653

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 207 654

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de

119

todo Fase pois que eacute da persecuccedilatildeo penal ubicada agrave formaccedilatildeo preacutevia da culpa repita-

serdquo655

Ao disciplinar a forma de apuraccedilatildeo preacutevia portanto o Coacutedigo de Processo Penal de

1941 conservou o inqueacuterito policial na nossa legislaccedilatildeo rejeitando a adoccedilatildeo do juizado de

instruccedilatildeo Na Exposiccedilatildeo de Motivos do Decreto-Lei nordm 3689 de 03 de outubro de 1941 o

Ministro da Justiccedila Francisco Campos justificou essa opccedilatildeo com base nos seguintes

argumentos ldquo(i) o inqueacuterito policial eacute mais adaptaacutevel agrave realidade brasileira visto que a

dimensatildeo territorial do paiacutes impossibilitaria a atuaccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo (ii) o juizado

de instruccedilatildeo somente poderia ser adotado com a quebra do sistema ou seja haveria

juizado de instruccedilatildeo uacutenica e apenas nas sedes da comarca e inqueacuterito policial nos

distritos longiacutenquos (iii) o inqueacuterito ainda se apresenta como melhor opccedilatildeo contra os

apressados juiacutezos dada a possibilidade de reorientar a investigaccedilatildeo livrando-se a Justiccedila

de errocircneos juiacutezos causados pelo clamor do crimerdquo656

O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 conferiu o trabalho de investigaccedilatildeo criminal

agraves autoridades policiais para a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria657

sem

655

IBID 656

ldquoFoi mantido o inqueacuterito policial como processo preliminar ou preparatoacuterio da accedilatildeo penal guardadas as

suas caracteriacutesticas atuais O ponderado exame da realidade brasileira que natildeo eacute apenas a dos centros

urbanos senatildeo tambeacutem a dos remotos distritos das comarcas do interior desaconselha o repuacutedio do sistema

vigente O preconizado juiacutezo de instruccedilatildeo que importaria limitar a funccedilatildeo da autoridade policial a prender

criminosos averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas soacute eacute praticaacutevel sob a condiccedilatildeo de

que as distacircncias dentro do seu territoacuterio de jurisdiccedilatildeo sejam faacutecil e rapidamente superaacuteveis Para atuar

proficuamente em comarcas extensas e posto que deva ser excluiacuteda a hipoacutetese de criaccedilatildeo de juizados de

instruccedilatildeo em cada sede do distrito seria preciso que o juiz instrutor possuiacutesse o dom da ubiquumlidade De

outro modo natildeo se compreende como poderia presidir a todos os processos nos pontos diversos da sua zona

de jurisdiccedilatildeo a grande distacircncia uns dos outros e da sede da comarca demandando muitas vezes com os

morosos meios de conduccedilatildeo ainda praticados na maior parte do nosso hinterland vaacuterios dias de viagem

seria imprescindiacutevel na praacutetica a quebra do sistema nas capitais e nas sedes de comarca em geral a

imediata intervenccedilatildeo do juiz instrutor ou a instruccedilatildeo uacutenica nos distritos longiacutenquos a continuaccedilatildeo do

sistema atual Natildeo cabe aqui discutir as proclamadas vantagens do juiacutezo de instruccedilatildeo Preliminarmente a

sua adoccedilatildeo entre noacutes na atualidade seria incompatiacutevel com o criteacuterio de unidade da lei processual Mesmo

poreacutem abstraiacuteda essa consideraccedilatildeo haacute em favor do inqueacuterito policial como instruccedilatildeo provisoacuteria

antecedendo a propositura da accedilatildeo penal um argumento dificilmente contestaacutevel eacute ele uma garantia contra

apressados e errocircneos juiacutezos formados quando ainda persiste a trepidaccedilatildeo moral causada pelo crime ou

antes que seja possiacutevel uma exata visatildeo de conjunto dos fatos nas suas circunstacircncias objetivas e subjetivas

Por mais perspicaz e circunspeta a autoridade que dirige a investigaccedilatildeo inicial quando ainda perdura o

alarma provocado pelo crime estaacute sujeita a equiacutevocos ou falsos juiacutezos a priori ou a sugestotildees tendenciosas

Natildeo raro eacute preciso voltar atraacutes refazer tudo para que a investigaccedilatildeo se oriente no rumo certo ateacute entatildeo

despercebido Por que entatildeo abolir-se o inqueacuterito preliminar ou instruccedilatildeo provisoacuteria expondo-se a justiccedila

criminal aos azares do detetivismo agraves marchas e contramarchas de uma instruccedilatildeo imediata e uacutenica Pode

ser mais expedito o sistema de unidade de instruccedilatildeo mas o nosso sistema tradicional com o inqueacuterito

preparatoacuterio assegura uma justiccedila menos aleatoacuteria mais prudente e serenardquo Exposiccedilatildeo de Motivos ao

Coacutedigo de Processo Penal de 1941 657

Art 4ordm A poliacutecia judiciaacuteria seraacute exercida pelas autoridades policiais no territoacuterio de suas respectivas

jurisdiccedilotildees e teraacute por fim a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria Paraacutegrafo uacutenico A competecircncia

120

exclusatildeo da funccedilatildeo das autoridades administrativas autorizadas por lei658

isto eacute o inqueacuterito

natildeo eacute necessariamente policial sendo possiacutevel que outras autoridades administrativas

realizem a averiguaccedilatildeo dos fatos659

Natildeo obstante nosso estudo estaacute limitado ao inqueacuterito

policial realizado pela poliacutecia judiciaacuteria e nele nos centraremos

Assim o inqueacuterito policial foi disciplinado pelo Coacutedigo de Processo Penal que em

seu artigo 4ordm repete o conceito que lhe foi dado pelo Regulamento nordm 4824 de 1871660

e

particulariza no artigo 6ordm661

as providecircncias a serem tomadas pela autoridade policial

assim que cientes da praacutetica de um delito662

Trata-se portanto de um modelo de investigaccedilatildeo preliminar policial de modo que

a poliacutecia judiciaacuteria conduz o inqueacuterito policial com autonomia Contudo como veremos

mais adiante depende da intervenccedilatildeo judicial para a adoccedilatildeo de medidas restritivas de

direitos fundamentais663

Pelas regras atuais o inqueacuterito policial pode ser iniciado se for caso de accedilatildeo

puacuteblica incondicionada de ofiacutecio pela autoridade policial ou em decorrecircncia de notitia

criminis levada por qualquer pessoa ou por requisiccedilatildeo do juiz ou do membro do Ministeacuterio

Puacuteblico Ainda eacute possiacutevel ser instaurado por comunicaccedilatildeo espontacircnea do suspeito em

virtude da lavratura do auto de prisatildeo em flagrante ou do auto de resistecircncia ou a

requerimento do ofendido Vecirc-se portanto que natildeo obstante ter o Coacutedigo conferido o

trabalho de investigaccedilatildeo criminal agraves autoridades policiais estaacute o juiz legitimado natildeo soacute a

definida neste artigo natildeo excluiraacute a de autoridades administrativas a quem por lei seja cometida a mesma

funccedilatildeo 658

SANTIN Valter Foleto Op cit p 29 659

Assim tambeacutem um delito praticado por um militar seraacute objeto de um inqueacuterito policial militar Tambeacutem

pode a investigaccedilatildeo ser realizada por membros do Poder Legislativo nas chamadas Comissotildees Parlamentares

de Inqueacuterito 660

O Regulamento nordm 4824 de 1871 destina ao inqueacuterito todo o Capiacutetulo 3ordm da Seccedilatildeo 3ordf 661

Art 6o Logo que tiver conhecimento da praacutetica da infraccedilatildeo penal a autoridade policial deveraacute I ndash se

possivel e conveniente dirigir-se ao local providenciando para que se natildeo alterem o estado e conservaccedilatildeo

das coisas enquanto necessaacuterio II ndash apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relaccedilatildeo com o

fato III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstacircncias IV - ouvir

o ofendido V - ouvir o indiciado com observacircncia no que for aplicaacutevel do disposto no Capiacutetulo III do

Tiacutetulo Vll deste Livro devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham

ouvido a leitura VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareaccedilotildees VII - determinar se for

caso que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras periacutecias VIII - ordenar a identificaccedilatildeo

do indiciado pelo processo datiloscoacutepico se possiacutevel e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes IX -

averiguar a vida pregressa do indiciado sob o ponto de vista individual familiar e social sua condiccedilatildeo

econocircmica sua atitude e estado de acircnimo antes e depois do crime e durante ele e quaisquer outros elementos

que contribuiacuterem para a apreciaccedilatildeo do seu temperamento e caraacuteter 662

SAAD Marta O direito p 76 663

LOPES JR Aury Direito p 252

121

iniciar as investigaccedilotildees acerca de um delito (artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal)664

mas a atuar ainda em diversos momentos da investigaccedilatildeo criminal como veremos a

seguir

De acordo com o artigo 10 caput do Coacutedigo de Processo Penal ldquoo inqueacuterito

deveraacute terminar no prazo de dez (10) dias se o indiciado tiver sido preso em flagrante ou

estiver preso preventivamente contado o prazo nesta hipoacutetese a partir do dia em que se

executar a ordem de prisatildeo ou no prazo de trinta (30) dias quando estiver solto mediante

fianccedila ou sem elardquo

Dispotildee ainda em seu paraacutegrafo 3o que ldquoquando o fato for de difiacutecil elucidaccedilatildeo e

o indiciado estiver solto a autoridade poderaacute requerer ao juiz a devoluccedilatildeo dos autos para

ulteriores diligecircncias que seratildeo realizadas no prazo marcado pelo juizrdquo Isto eacute a

prorrogaccedilatildeo do prazo do inqueacuterito deve ser requerida pela autoridade policial ao juiz

cabendo a ele deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo bem como fixar o prazo para a realizaccedilatildeo daquelas

diligecircncias

Desempenha ainda o magistrado importante papel no que diz respeito agrave valoraccedilatildeo

quanto ao arquivamento do caso podendo discordar do arquivamento promovido pelo

Promotor de Justiccedila

Assim se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa

para a accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao teacutermino da investigaccedilatildeo pode o Ministeacuterio Puacuteblico

promover o arquivamento das peccedilas665

No entanto de acordo com o artigo 28 do CPP ldquoo

juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees invocadas para o arquivamento faraacute

remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao procurador-geral e este poderaacute oferecer

a denuacutencia designar outro oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistir no

pedido de arquivamento ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atenderrdquo

Igualmente a redaccedilatildeo original do artigo 311 do CPP estabelecia que em qualquer

fase da investigaccedilatildeo policial ou do processo penal caberia a prisatildeo preventiva decretada

664

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 45 665

IBID p 112

122

pelo juiz de ofiacutecio ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do querelante ou por

representaccedilatildeo da autoridade policial666

A Lei Processual Penal permite ainda ser efetivadas outras medidas constritivas

pelo magistrado durante a investigaccedilatildeo criminal ausente preacutevia provocaccedilatildeo tais como o

sequestro de bens667

do indiciado e a busca e apreensatildeo668

Vale ressaltar que o legislador de 1941 deu ao julgador enormes poderes

instrutoacuterios No Tiacutetulo ldquoDa provardquo satildeo elencados vaacuterios meios de prova e outros meios de

obtenccedilatildeo de prova para os quais se admite a produccedilatildeo por iniciativa do juiz O juiz

portanto poderaacute instruir o processo o quanto entender conveniente e suficiente para formar

seu convencimento669

Esse quadro de incremento dos poderes instrutoacuterios do juiz foi

sensivelmente prestigiado recentemente com o advento da Lei 116902008 que mudou

todo o capiacutetulo das ldquoDisposiccedilotildees Geraisrdquo (arts 155 a 157) do Tiacutetulo ldquoDa provardquo do

Coacutedigo de Processo Penal Isso porque a redaccedilatildeo do artigo 156 manteve em seu caput que

eacute ldquofacultado ao juiz de ofiacuteciordquo produzir prova seja na fase de investigaccedilatildeo preliminar

seja na fase de instruccedilatildeo processual ateacute antes de proferir sentenccedila670

Isto eacute as alteraccedilotildees introduzidas pela Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 no

Coacutedigo ampliaram a possibilidade de determinaccedilatildeo de ofiacutecio de provas antecipadas pelo

juiz sugerindo a atribuiccedilatildeo de um irrestrito poder de investigaccedilatildeo (artigo 156 I671

)

Considere-se finalmente que o Coacutedigo de Processo Penal acolheu o princiacutepio da

livre convicccedilatildeo isto eacute o juiz formaraacute o seu convencimento pela livre apreciaccedilatildeo das

provas constantes dos autos natildeo havendo predominacircncia de valor legal de umas sobre as

outras ou hierarquia de provas ou provas absolutas672

666

Art 311 Em qualquer fase do inqueacuterito policial ou da instruccedilatildeo criminal caberaacute a prisatildeo preventiva

decretada pelo juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do querelante ou mediante

representaccedilatildeo da autoridade policial quando houver prova da existecircncia do crime e indiacutecios suficientes da

autoria 667

Art 127 O juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do ofendido ou mediante

representaccedilatildeo da autoridade policial poderaacute ordenar o sequumlestro em qualquer fase do processo ou ainda

antes de oferecida a denuacutencia ou queixa 668

Art 242 A busca poderaacute ser determinada de ofiacutecio ou a requerimento de qualquer das partes 669

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 169 670

IBID p 169 671

Art 156 A prova da alegaccedilatildeo incumbiraacute a quem a fizer sendo poreacutem facultado ao juiz de ofiacutecio I ndash

ordenar mesmo antes de iniciada a accedilatildeo penal a produccedilatildeo antecipada de provas consideradas urgentes e

relevantes observando a necessidade adequaccedilatildeo e proporcionalidade da medida () 672

Ateacute o advento da Lei 116902008 a livre apreciaccedilatildeo da prova estava assim prevista no artigo 157 desde

123

Assim mesmo apoacutes o advento da atual Constituiccedilatildeo era praacutetica comum aos juiacutezes

justificarem condenaccedilotildees apenas com base em elementos informativos colhidos em fase

inquisitiva preacute-processual673

Pode-se dizer pois que ateacute a ediccedilatildeo da Lei 116902008674

a rigor o magistrado

criminal natildeo estaria inibido de basear o seu julgamento tendo em apreccedilo unicamente as

provas do inqueacuterito desde que estas demonstrassem e definissem de forma evidente a

responsabilidade do acusado e desde que por fim na instruccedilatildeo judicial nenhum novo

elemento surgisse para invalidaacute-las675

Do quanto exposto pode-se perceber que o Coacutedigo de Processo Penal de 1941

ampara uma intensa imersatildeo do juiz nos autos das investigaccedilotildees penais permitindo-lhe

avaliar a qualidade do material pesquisado indicar diligecircncias quando natildeo satisfeito com

aquelas jaacute realizadas e inclusive ordenar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito em crime de accedilatildeo

puacuteblica incondicionada interferindo sobremaneira na atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico em

busca da formaccedilatildeo da opinio delicti

3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988

31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal

1941 ldquoArt 157 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo pela livre apreciaccedilatildeo da provardquo A partir de meados de 2008

essa mesma determinaccedilatildeo estaacute assim transposta ao artigo 155 atual ldquoArt 155 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo

pela livre apreciaccedilatildeo da prova produzida em contraditoacuterio judicial natildeo podendo fundamentar sua decisatildeo

exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo ressalvadas as provas cautelares natildeo

repetiacuteveis e antecipadasrdquo 673

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 170 674

Para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquoNatildeo obstante se possa reconhecer um avanccedilo da postura anterior

melhor seria que o legislador infraconstitucional de 2008 mantivesse a redaccedilatildeo originaacuteria do projeto de

reforma do tema da prova que deu origem agrave lei 11690 Nele estava fixado que o juiz formaria sua

convicccedilatildeo apenas com as provas produzidas em contraditoacuterio judicial excluindo-se de maneira absoluta

todo o material colhido em fase investigativa ou sem contraditoacuterio Esse talvez fosse o promeiro passo

significativo para romper neste tema com a estrutura e cultura inquisitivas formadoras do Coacutedigo de

Processo Penalrdquo IBID p 172 675

MONDIN Augusto Manual de Inqueacuterito Policial Satildeo Paulo Sugestotildees Literaacuterias SA p 70

124

Como eacute notoacuterio a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 estremeceu todo o

ordenamento juriacutedico brasileiro676

A Carta de 1988 demarca no acircmbito juriacutedico o

processo de democratizaccedilatildeo do Estado brasileiro ao consolidar a ruptura com o regime

autoritaacuterio militar instalado em 1964677

fator que ensejou consideraacutevel impacto

especialmente na esfera dos direitos fundamentais678

Considerada uma das constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo moderno nossa

Carta Magna representou como jaacute observado a passagem do Estado nacional absoluto a

um efetivo Estado Democraacutetico de Direito consagrando para tanto princiacutepios

fundamentais que se materializam como alicerces deste novo Direito679

Assim como marco juriacutedico da transiccedilatildeo ao regime democraacutetico alargou

significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais colocando-se entre as

Constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo no que diz respeito agrave mateacuteria680

O que a Constituiccedilatildeo propotildee em termos de ideias a serem preservados no processo

penal eacute algo consideravelmente diferente daquilo que conhecemos na histoacuteria

constitucional ateacute 1988 Natildeo se trata mais da simples reiteraccedilatildeo mecacircnica e automaacutetica das

garantias individuais presentes em todas as Constituiccedilotildees passadas681

e nesta repetida em

abundacircncia682

Estas matrizes constitucionais representam uma alteraccedilatildeo profunda na

sistematizaccedilatildeo normativa e sobretudo no que se refere agrave hermenecircutica juriacutedica

Especialmente no que diz respeito agraves questotildees processuais penais a importacircncia da relaccedilatildeo

Constituiccedilatildeo - normas infraconstitucionais ganhou enorme prestiacutegio Os valores

constitucionais recrudesceram e ganharam maior amplitude quando analisados e

676

CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da

jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 677

PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva

2008 p 21 678

IBID p 21 679

CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da

jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 680

PIOVESAN Flaacutevia Op cit p 25 681

De acordo com Fauzi Hassan Choukr ldquocom efeito desde a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio de 1824 passando

por todas as republicanas inclusive a mais ditatorial ndash 1937 ndash conhecemos em sede de Carta Magna a

declaraccedilatildeo de direitos ainda que sob o aspecto meramente retoacuterico e sujeito a supressotildees como no exerciacutecio

autoritaacuterio de Vargas (19371945) e no contexto do regime militar (1969)rdquo As reformas pontuais do Coacutedigo

de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo n 58 EEsp set 1997 p 07-09 682

IBID

125

interpretados em acircmbito processual criminal pois eacute neste que se verificam com maior

intensidade pontos de tensatildeo entre o Estado e os indiviacuteduos683

Nesse sentido um mero exame superficial e despretensioso do atual texto

constitucional eacute suficiente para que seja verificada a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos

garantidores na atuaccedilatildeo do aparelho repressivo buscando com isto a conformaccedilatildeo do

processo penal aos valores democraacuteticos consagrados no trabalho constituinte684

Assim a Constituiccedilatildeo em vigor natildeo pode mais ser considerada apenas como uma

carta de direitos miacutenimos Ela realmente impocircs um sistema processual penal de caraacuteter

unicamente acusatoacuterio685

na busca da desejaacutevel separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem

desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal exigindo que as garantias dos quais se

reveste sejam respeitadas e mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um

processo penal constitucional

As bases desse sistema acusatoacuterio ldquoexpressatildeo inseparaacutevel da democracia no

processo penalrdquo686

multiplicam-se por todo texto constitucional natildeo obstante sua base ser

encontrada no artigo 5ordm em diversas passagens

Um dos exemplos de maior importacircncia eacute o monopoacutelio da accedilatildeo penal puacuteblica

assegurado ao Ministeacuterio Puacuteblico pela Carta Magna conforme disposto no art 129 inc I

da CF687

com o que se separam definitivamente as funccedilotildees de promover a accedilatildeo penal e

julgaacute-la uma das bases do sistema acusatoacuterio

Ao consagrar portanto a garantia do processo criminal de tipo acusatoacuterio a Lei

Fundamental pretende assegurar que o oacutergatildeo que julga natildeo tenha funccedilotildees de investigaccedilatildeo e

acusaccedilatildeo esta uacuteltima tarefa haacute de ser levada a efeito por uma outra entidade ndash em regra o

Ministeacuterio Puacuteblico688

683

CRUZ Diogo Tebet da Op cit 684

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 08 685

CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 686

IBID 687

ldquoEssa disposiccedilatildeo eacute decorrente do que se convencionou chamar de sistema acusatoacuterio no qual haacute a

divisatildeo niacutetida dos atores no processo penal distintos oacutergatildeos desempenham as funccedilotildees necessaacuterias para o

desdobramento regular do processo oacutergatildeo de acusaccedilatildeo (Ministeacuterio Puacuteblico) de defesa (advogado ou

Defensoria Puacuteblica) e outro de julgamento (juiz)rdquo CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva

ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo 163 jun-2006 688

ABADE Denise Neves Op cit p 140

126

O sistema processual penal eacute pois o acusatoacuterio com todo o seu arcabouccedilo

democraacutetico E vai de encontro com o Coacutedigo em vigor de natureza fortemente

inquisitiva689

Como vimos o Coacutedigo de Processo Penal de 1941 elaborado sob a ditadura do

Estado Novo manteve inevitavelmente a preponderacircncia do sistema inquisitoacuterio

sobretudo ao atribuir ao juiz a praacutetica de atos caracteriacutesticos da acusaccedilatildeo como a

decretaccedilatildeo de ofiacutecio da prisatildeo preventiva (artigo 311) da busca e apreensatildeo (artigo 242)

do sequestro (artigo 127) aleacutem da participaccedilatildeo ativa na instruccedilatildeo para realizar

praticamente qualquer diligecircncia (artigo 156 I e II)690

Ocorre que apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 o ordenamento juriacutedico

paacutetrio natildeo mais comporta os resquiacutecios do sistema inquisitoacuterio691

De fato um exame

superficial da nossa lei processual baacutesica natildeo exaustivo demonstra que diversos ranccedilos de

inquisitorialismo apesar de decorridos 25 anos da vigecircncia da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 ainda subsistem no processo penal692

As bases do sistema processual delineado pela Carta Magna estatildeo fundadas nos

princiacutepios acusatoacuterio da separaccedilatildeo entre acusador e julgador exerciacutecio exclusivo da accedilatildeo

penal pelo Ministeacuterio Puacuteblico imparcialidade e livre convencimento do juiz motivaccedilatildeo

das decisotildees ampla defesa contraditoacuterio oralidade e publicidade dos atos judiciais entre

outros693

Portanto em razatildeo da nova Constituiccedilatildeo Federal essas normas nitidamente

inquisitoriais e que em especial ofendem a garantia agrave imparcialidade do juiz natildeo mais

podem subsisitr no novo processo penal uma vez que natildeo foram recepcionadas pela Lei

Maior694

Assim logo apoacutes a ediccedilatildeo do novo texto constitucional surgiram as primeiras

preocupaccedilotildees com a reformulaccedilatildeo da atividade investigatoacuteria do magistrado em vista dos

689

CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 690

OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema

acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 691

IBID 692

ABADE Denise Neves Op cit p 143 693

OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema

acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 694

ABADE Denise Neves Op cit p 143

127

valores expressamente consagrados pelo texto poliacutetico ldquoiniciando-se um processo de

questionamento das garantiasrdquo695

O processo penal do tipo acusatoacuterio opccedilatildeo poliacutetica nitidamente eleita na estrutura

constitucional paacutetria exige pois um reexame do papel dos agentes estatais da persecuccedilatildeo

criminal em juiacutezo ou fora dele em especial do julgador696

Portanto eacute com o objetivo de adequar o processo penal ao modelo constitucional

acusatoacuterio que se busca sustentar uma participaccedilatildeo do julgador na fase preliminar da

persecuccedilatildeo penal mais isenta ldquosem a possibilidade presente em diversos dispositivos

inconstitucionais do juiz-ator do julgador que faz preacute-juiacutezos acerca da mateacuteria que o

ordenamento lhe impotildee decidir em equidistacircncia dos sujeitos parciaisrdquo697

A seguir buscaremos delinear o novo perfil da relaccedilatildeo do juiz com a investigaccedilatildeo

preliminar tendo em vista as garantias constitucionais do acusado e a titularidade

exclusiva do oacutergatildeo ministerial nas accedilotildees penais puacuteblicas como expressatildeo do sistema

acusatoacuterio

32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento

Na atualidade o desenvolvimento do processo penal constitucional tornou

inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores

do processo penal se cunfundam698

A anaacutelise da fase atual do pensamento instrumental penal especialmente no tema

ldquoconduccedilatildeo das investigaccedilotildeesrdquo demonstra a niacutetida tendecircncia de adoccedilatildeo do sistema

acusatoacuterio onde o juiz instrutor eacute substituiacutedo pelo juiz garantidor e o Ministeacuterio Puacuteblico

695

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 58 696

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 149 697

IBID p 108 698

SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e

contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 In Revista da ESMP ano 1 vol 2

p 41-46 julhodezembro 2008

128

assume o papel de condutor da accedilatildeo penal podendo contar com a Poliacutecia Judiciaacuteria para a

reuniatildeo das informaccedilotildees necessaacuterias699

Assim as transformaccedilotildees na estrutura da persecuccedilatildeo criminal atingiram altamente a

etapa preacute-processual de elaboraccedilatildeo do caderno informativo700

passando a ser repelida a

valoraccedilatildeo pelo magistrado da atuaccedilatildeo administrativa de investigaccedilatildeo o que representaria

ivariavelmente invasatildeo nas atribuiccedilotildees do titular da accedilatildeo penal e violaccedilatildeo agrave reparticcedilatildeo de

papeacuteis consagrada pelo sistema acusatoacuterio701

Toda essa trama de conferir a cada oacutergatildeo distinto uma funccedilatildeo almeja

essencialmente preservar a imparcialidade do julgador702

A imparcialidade no julgamento como antes observado eacute consequecircncia direta da

separaccedilatildeo dos poderes do Estado jaacute que estaacute relacionada agrave independecircncia do oacutergatildeo do

Judiciaacuterio em relaccedilatildeo aos outros Poderes e ao distanciamento e desvinculaccedilatildeo do juiz de

qualquer interesse que ultrapasse o preciso cumprimento da lei703

Assim quanto maior a intervenccedilatildeo do Judiciaacuterio nas atividades persecutoacuterias e

portanto parciais mais o magistrado assumiraacute a postura de juiz inquisidor figura totamente

estranha e rejeitada pelo nosso Estado Democraacutetico de Direito704

A posiccedilatildeo do juiz no processo penal eacute a de garante da claacuteusula do devido processo

legal assegurando concomitantemente a precisa observacircncia dos preceitos constitucionais

que tutelam a liberdade e o regular exerciacutecio do direito de acusar705

ldquoJuiz criminal natildeo deve se envolver naquilo que se convencionou chamar de

combate ao crime Juiz criminal natildeo eacute investigador Tampouco deve assumir o papel de

acusadorrdquo706

A funccedilatildeo atribuiacuteda ao magistrado na persecuccedilatildeo penal eacute a de garante da

efetiva realizaccedilatildeo das normas constitucionais e legais limitadoras do exerciacutecio da pretensatildeo

punitiva do Estado707

Como consequecircncia dessa anaacutelise verifica-se que a funccedilatildeo de

699

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 81 700

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108 701

IBID p 108 702

CRUZ Diogo Tebet da Op cit 703

ABADE Denise Neves Op cit p 144 704

IBID 705

SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 706

IBID 707

IBID

129

buscar provas eminentemente na persecuccedilatildeo preacute-processual eacute caracteriacutestica da

acusaccedilatildeo708

Um dos maiores desafios do processo penal moderno eacute compatibilizar o essencial

princiacutepio da imparcialidade do juiz com a busca da verdade real ou material na medida em

que a atribuiccedilatildeo de poderes investigatoacuterios e instrutoacuterios pode ao menos psicologicamente

afetar a sua necessaacuteria imparcialidade709

Por este motivo a tendecircncia eacute retirar do Poder

Judiciaacuterio quaisquer funccedilotildees persecutoacuterias devendo o exerciacutecio de atividade probatoacuteria do

juiz limitar-se agrave instruccedilatildeo criminal e ainda assim supletivamente agrave atuaccedilatildeo das partes710

Portanto especialmente no que tange aos atos investigatoacuterios incumbe ao juiz

preservar os direitos e garantias fundamentais do investigado nunca assumir o papel de

investigador711

Nesse contexto no confronto entre a pretensatildeo de se efetivar o direito penal

material e a pretensatildeo de liberdade do acusado o juiz deve manter-se indiferente para

permitir a produccedilatildeo da prova acusatoacuteria sem que se ofendam os direitos fundamentais do

reacuteu e sem que sua atividade comprometa a exigecircncia fundamental de imparcialidade ao

julgar e resolver a lide712

Nesse cenaacuterio que nos dizeres de Fauzi Hassan Choukr ldquoverdadeiramente afronta

estruturas fossilizadas do conhecimento e da praacutetica processuais penais brasileirasrdquo o

papel a ser desempenhado pelo magistrado outro natildeo eacute senatildeo o de preservar as garantias

constitucionais zelando pelo equiliacutebrio entre a persecuccedilatildeo e a liberdade do investigado713

O papel que deve ser desempenhado pelo juiz no processo penal de natureza acusatoacuteria eacute

portanto definitivamente inconciliaacutevel com a sua atuaccedilatildeo como condutor da investigaccedilatildeo

criminal

Com efeito a partir da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio em nosso paiacutes retirou-se o juiz

da apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais criando-se um procedimento o inqueacuterito policial que eacute

presidido por autoridade vinculada ao Poder Executivo ldquoTecircm portanto os juiacutezes

708

ABADE Denise Neves Op cit p 146 709

CRUZ Diogo Tebet da Op cit 710

IBID 711

SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 712

REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm

113 713

CHOUKR Fauzi Hassan As reformas

130

competecircncia para processar e julgar mas natildeo para investigar no acircmbito

extraprocessualrdquo714

Assim a atividade judicial nessa fase investigatoacuteria agora se restringe a tutelar a

legalidade do procedimento qualquer que seja o oacutergatildeo que processe a investigaccedilatildeo

intervindo em incidentes que protestem por jurisdicionalizaccedilatildeo715

Isso porque a

intromissatildeo do julgador em atos de natureza meramente administrativa de desenvolvimento

do inqueacuterito desvirtua a acusatoriedade do sistema por prejudicar a sua imparcialidade e a

igualdade dos sujeitos do processo716

Eacute o que afirma Ada Pellegrini Grinover Para a autora ldquodurante a investigaccedilatildeo o

juiz do processo acusatoacuterio tem apenas a funccedilatildeo de determinar providecircncias

cautelaresrdquo717

Numa anaacutelise sistemaacutetica fica bastante evidente que ao magistrado eacute destinado o

papel de mitigar ndash e de jamais suprimir ndash os direitos constitucionais como liberdade

intimidade privacidade patrimocircnio dentro dos mais limitados padrotildees de legalidade718

Por isso prisotildees cautelares interceptaccedilotildees telefocircnicas quebra de sigilos bancaacuterio ou fiscal

buscas e apreensotildees domiciliares natildeo podem ser concretizadas sem a autorizaccedilatildeo do

magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo confere autorizaccedilatildeo para determinaacute-las719

Neste panorama delineado a partir da implantaccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela

Constituiccedilatildeo de 1988 a participaccedilatildeo do julgador na instauraccedilatildeo e na conduccedilatildeo das

investigaccedilotildees tal como concebida pelo Coacutedigo de Processo Penal deve ser revista

Cumpre atentar-se pois aos principais pontos criacuteticos do processo penal brasileiro

no que tange agrave permanecircncia em vigor de dispositivos que atribuindo ao magistrado

poderes administrativos isto eacute natildeo-jurisdicionais o posicionam em situaccedilatildeo de

parcialidade para julgamento o que eacute incompatiacutevel com os preceitos consagrados na

ordem constitucional720

Satildeo normas que pouco se ajustam agraves garantias individuais e de

certa maneira deturpam as atribuiccedilotildees proacuteprias dos oacutergatildeos encarregados da investigaccedilatildeo

714

GRINOVER Ada Pellegrini Que juiz inquisidor eacute esse In Boletim IBCCRIM nordm 30 jun 1995 715

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108-109 716

IBID p 109 717

GRINOVER Ada Pellegrini A iniciativa instrutoacuteria do juiz no processo penal acusatoacuterio In Revista

Forense v 347 jul-set 1999 p 238 718

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito 719

IBID 720

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 129

131

do delito e da persecuccedilatildeo judicial do crime721

Os resultados da cultura inquisitorialista

herdada dos tempos da colonizaccedilatildeo ainda satildeo percebidos pois vaacuterios pontos do Coacutedigo

vigente ainda natildeo foram objeto de uma necessaacuteria filtragem constitucional722

A ingerecircncia do juiz nas questotildees administrativas da investigaccedilatildeo promovida pelo

Estado eacute uma contradiccedilatildeo sensiacutevel uma vez que inadequada qualquer interferecircncia que natildeo

fosse para assegurar o cumprimento da lei especialmente no que se refere agraves garantias do

investigado723

A seguir destacaremos apenas alguns pontos onde a incongruecircncia entre as praacuteticas

cotidianas da investigaccedilatildeo criminal e os ideais culturais lanccedilados na Constituiccedilatildeo se mostra

mais evidente

Como jaacute exposto embora a accedilatildeo penal soacute possa ser proposta pelo Ministeacuterio

Puacuteblico ou pelo ofendido a norma do artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal atribui aos

juiacutezes o poder de requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito o que constitui verdadeiro paradoxo

frente agrave adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio que exige mais do que afastar o juiz da

possibilidade de iniciar o processo penal vedar-lhe a requisiccedilatildeo de instauraccedilatildeo de

inqueacuterito724

A regra prevista no artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal adequava-se agrave antiga

possibilidade de o juiz ingressar de ofiacutecio com accedilatildeo penal puacuteblica hoje natildeo mais existente

por evidente incompatibilidade com a imparcialidade do juiacutezo e com o sistema

acusatoacuterio725

Com a consagraccedilatildeo da garantia do juiz imparcial e do sistema acusatoacuterio o

oferecimento de accedilatildeo penal pelo oacutergatildeo judiciaacuterio foi completamente revogado o que

tambeacutem deveria ter ocorrido com a possibilidade de requerimento de instauraccedilatildeo de

inqueacuterito policial por parte do magistrado726

Nesse sentido segundo Aury Lopes Jr a Constituiccedilatildeo ao estabelecer a titularidade

exclusiva da accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica esvaziou em parte o conteuacutedo do artigo em

721

IBID p 129-130 722

IBID p 130 723

IBID p 130 724

IBID p 109 725

ABADE Denise Neves Op cit p 175 726

IBID p 175

132

tela Natildeo compete ao juiz iniciar o processo ou mesmo o inqueacuterito ainda que por

intermeacutedio de requisiccedilatildeo natildeo soacute porque a accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica eacute de titularidade

exclusiva do Ministeacuterio Puacuteblico mas tambeacutem porque eacute um ditame do sistema

acusatoacuterio727

Isso porque decidir pela requisiccedilatildeo ou natildeo do inqueacuterito policial em uacuteltima anaacutelise

eacute o mesmo que decidir pela realizaccedilatildeo ou natildeo de colheita de elementos de convicccedilatildeo para a

formaccedilatildeo da opinio delicti ndash funccedilatildeo atribuiacuteda constitucionalmente de forma exclusiva no

caso da accedilatildeo penal puacuteblica ao Parquet728

Em definitivo natildeo cabe ao juiz requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito policial em

nenhum caso729

Ao magistrado cabe dizer o direito no caso concreto atentando para os direitos

fundamentais e sua imprescindiacutevel imparcialidade sendo-lhe absolutamente vedado agir

como parte730

Natildeo pode o Poder Judiciaacuterio conferir a si proacuteprio a funccedilatildeo de deliberaccedilatildeo

sobre a opinio delicti731

Assim a garantia de imparcialidade do juiacutezo natildeo se coaduna com a possibilidade de

iniciativa de provocaccedilatildeo jurisdicional por parte do proacuteprio Poder Judiciaacuterio ndash o que ocorre

na hipoacutetese de requisiccedilatildeo de inqueacuterito policial pelo magistrado732

O sistema acusatoacuterio

atribui ao Ministeacuterio Puacuteblico a decisatildeo sobre a abertura de procedimento para colheita de

elementos de convicccedilatildeo733

Ainda na fase preacute-processual natildeo se pode admitir que o julgador fixe orientaccedilatildeo

sobre as diretrizes a serem seguidas na investigaccedilatildeo ou criacutetica ao material probatoacuterio

colhido Nesse particular interessa relembrar o escopo das diligecircncias investigatoacuterias tal

seja reunir os elementos informativos necessaacuterios e suficientes ao convencimento do

727

LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I Rio de Janeiro

Lumen Juris 2007 p 265 728

ABADE Denise Neves Op cit p 175 729

LOPES JR Aury Direito p 265 730

ABADE Denise Neves Op cit p 175 731

IBID p 175 732

IBID p 175-176 733

IBID p 176

133

Ministeacuterio Puacuteblico sobre a viabilidade da acusaccedilatildeo734

ldquoQuem deve decidir portanto sobre

a necessidade de diligecircncias (e quais) eacute o titular da accedilatildeo penalrdquo735

No ponto especiacutefico da prorrogaccedilatildeo de prazo do inqueacuterito normalmente requerida

pela autoridade policial ao juiz eacute de notar-se que a atividade de deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo

tem caraacuteter meramente administrativo natildeo jurisdicional Encontra-se aqui outra distorccedilatildeo

do papel do julgador na fase da persecuccedilatildeo criminal extrajudicial se o controle externo da

Poliacutecia Judiciaacuteria eacute conferido ao Ministeacuterio Puacuteblico deve este zelar pela correta tramitaccedilatildeo

dos inqueacuteritos pois eacute de seu interesse institucional assegurar a tempestiva e fundamentada

finalizaccedilatildeo das investigaccedilotildees preacutevias736

737

Se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa para a

accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao fim da investigaccedilatildeo eacute do Ministeacuterio Puacuteblico a iniciativa de

promover o arquivamento das peccedilas evitando assim a instauraccedilatildeo de processo que

representa por si soacute um encargo significativo ao acusado738

No entanto o artigo 28 do CPP descreve uma rotina bastante singular e

ultrapassada quanto ao arquivamento assim descrita

Art 28 Se o oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico ao inveacutes de apresentar a

denuacutencia requerer o arquivamento do inqueacuterito policial ou de quaisquer

peccedilas de informaccedilatildeo o juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees

invocadas faraacute remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao

procurador-geral e este ofereceraacute a denuacutencia designaraacute outro oacutergatildeo do

Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistiraacute no pedido de arquivamento

ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atender

734

IBID p 110 735

LOPES JR Aury Direito p 265 736

ABADE Denise Neves Op cit p 110 737

ldquoEacute portanto salutar e constitui exigecircncia do modelo constitucional acusatoacuterio tramite o caderno

informativo diretamente entre a Poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico evitando-se o desserviccedilo prestado pela tardia

conclusatildeo das investigaccedilotildees com repercussotildees que vatildeo ateacute a soltura do investigado preso sendo de

assinalar ainda que a demora em chegarem ao oacutergatildeo ministerial as diligecircncias encetadas de ofiacutecio pela

Poliacutecia (muitas vezes o Ministeacuterio Puacuteblico somente toma conhecimento de um caso quando da vista

determinada judicialmente) colabora para a frustraccedilatildeo do processo investigativordquo IBID p 111 738

IBID p 112

134

A teor do que jaacute exposto acerca do papel constitucional do juiz na investigaccedilatildeo

criminal natildeo cabe ao juiz esse tipo de atividade praticamente recursal739

No acircmbito da

moldura acusatoacuteria delineada pela Constituiccedilatildeo constitui manifesta afronta ao princiacutepio

acusatoacuterio atribuir ao julgador a possibilidade de negar o pedido de arquivamento

formulado pelo Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo que exerce o juiacutezo de viabilidade da accedilatildeo penal

segundo os elementos coletados740

Natildeo eacute permitido ao juiz nesse passo intervir nos autos das investigaccedilotildees para

avaliar a qualidade do material colhido indicar diligecircncias ou imiscuir-se na atuaccedilatildeo do

Ministeacuterio Puacuteblico e na formaccedilatildeo do seu convencimento Ao juiz imparcial impotildee-se o

afastamento das atividades preparatoacuterias a fim de manter-se isento dos preconceitos que a

formulaccedilatildeo antecipada de uma tese produz de sorte a indagar apenas por ocasiatildeo do

exame da acusaccedilatildeo formulada se haacute justa causa para a accedilatildeo ou se se apresenta como

violaccedilatildeo ilegiacutetima da dignidade do acusado741

Nesse sentido parece indiscutiacutevel que o legislador de 2008742

ao conferir iniciativa

probatoacuteria na fase investigativa ao julgador perdeu uma grande oportunidade de reforccedilar a

determinaccedilatildeo constitucional por um sistema processual penal acusatoacuterio jaacute que deveria ter

restringido integralmente os poderes investigatoacuterios ex officio do juiz na fase

extraprocessual

Enfatizados os principais entraves agrave concretizaccedilatildeo do modelo acusatoacuterio brasileiro

resta evidente que o aperfeiccediloamento do sistema depende sobretudo da natildeo intervenccedilatildeo

judicial no controle da realizaccedilatildeo das investigaccedilotildees baacutesicas para o iniacutecio da accedilatildeo penal ou

da suficiecircncia dos elementos necessaacuterios agrave propositura da accedilatildeo penal por contrariar regras

pertinentes agrave distribuiccedilatildeo de funccedilotildees no processo743

bem como da retirada do ordenamento

dos dispositivos que conferem ao julgador ainda na fase de persecuccedilatildeo extrajudicial a

produccedilatildeo ex officio de diligecircncias probatoacuterias ou poderes administrativos outros que

retirem dele a imparcialidade necessaacuteria para o julgamento reservando-lhe o elevado dever

de garantidor de direitos fundamentais de sorte que o Judiciaacuterio somente venha a ser

chamado a intervir no curso das investigaccedilotildees quando em discussatildeo a violaccedilatildeo de direitos agrave

739

LOPES JR Aury Direito p 284 740

ABADE Denise Neves Op cit p 113 741

IBID p 113 742

Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 artigo 156 I 743

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 150

135

intimidade ao sigilo agrave liberdade entre outros a reclamar o exerciacutecio da funccedilatildeo

jurisdicional744

321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz

A atuaccedilatildeo do juiz do juiz na fase preacute-processual como anteriormente exposto deve

ser muito restrita745

limitando-se ao controle de legalidade dos atos restritivos dos direitos

fundamentais do investidado O desempenho de um papel ativo caracteriacutestico daquele que

efetivamente investiga deve pois ser-lhe vedado de modo a preservar sua

imparcialidade746

Com a cisatildeo operada entre oacutergatildeo julgador e o promovente da accedilatildeo penal ao

magistrado eacute destinada nova funccedilatildeo que obviamente natildeo eacute o de interferir na conduccedilatildeo da

investigaccedilatildeo penal ou agir como autecircntica parte no processo atuando em prol de uma cega

e desenfreada busca da verdade real747

O juiz que funciona nesta fase natildeo eacute mais o investigador mas o responsaacutevel pela

observacircncia aos direitos constitucionais e eacute natildeo raras vezes instado a intervir em

incidentes jurisdicionais quando em discussatildeo qualquer tipo de limitaccedilatildeo a esses mesmos

direitos748

A exigecircncia de que a efetivaccedilatildeo de toda e qualquer medida cautelar seja

previamente autorizada por autoridade jurisdicional competente eacute decorrecircncia do princiacutepio

da jurisdicionalidade que por sua vez deriva exatamente da funccedilatildeo de garantidor dos

direitos fundamentais do investigado atribuiacuteda ao magistrado na fase preacutevia ao processo

penal749

Agrave jurisdicionalidade como princiacutepios norteadores das medidas cautelares penais

comumente indicados pela doutrina somam-se a provisionalidade a provisoriedade a

excepcionalidade que exige sejam tais medidas adotadas apenas quando cabalmente 744

IBID p 150 745

LOPES JR Aury Direito p 247 746

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 186 747

CHOUKR Fauzi Hassan As novas tendecircncias para o processo penal IBCCRIM Boletim - 45 - Agosto

Esp 1996 748

IBID 749

LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v II Rio de Janeiro

Lumen Juris 2009 p 54-61

136

demonstrada sua necessidade a revogabilidade a acessoriedade e a proporcionalidade

esta a reclamar do juiz uma ponderaccedilatildeo entre a gravidade da medida cautelar e o fim que

por meio dela se pretende atingir750

Observado esse conjunto de princiacutepios que deve guiar a atuaccedilatildeo jurisdicional na

fase preacute-processual tem-se que a funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos

investigados natildeo eacute satisfatoriamente exercida com a mera intervenccedilatildeo formal do

magistrado autorizando ou natildeo as medidas cautelares requeridas751

O exame dos

pressupostos legais de cada uma das medidas cautelares bem como de sua legitimidade

exigem do magistrado como regra uma ampla e verdadeira avaliaccedilatildeo dos elementos

materiais colhidos na investigaccedilatildeo sobre o qual se alicerccedila o requerimento cautelar752

A garantia da imparcialidade do julgamento por sua vez vem sendo construiacuteda

nas normas internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos num progressivo

detalhamento o qual se faz necessaacuterio para assegurar a efetividade desta norma garantia no

plano interno interpretando-se a legislaccedilatildeo ordinaacuteria de acordo com os ditames dos

tratados internacionais de direitos fundamentais e das normas constitucionais753

A partir do desenvolvimento do conceito de imparcialidade objetiva portanto

passou-se a questionar-se em sede processual penal se a imparcialidade objetiva dos

julgadores natildeo ficaria afetada por ocasiatildeo da decisatildeo de meacuterito justamente devido agrave

intervenccedilatildeo do mesmo magistrado como garantidor na investigaccedilatildeo criminal quando em

discussatildeo a adoccedilatildeo de medidas que possam representar violaccedilatildeo aos direitos fundamentais

do investigado

Isso porque a proteccedilatildeo dos direitos individuais tais como a intimidade a

privacidade e a honra assentada no texto constitucional exige cuidadoso exame acerca da

necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de tais direitos

Eacute o caso por exemplo das medidas cautelares reais reguladas pelo Coacutedigo de

Processo Penal denominadas medidas assecuratoacuterias de natureza eminentemente

750

CALAMANDREI Piero Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari Padova

Cedam 1936 SANCHES Sydney Poder geral de cautela do juiz no processo civil brasileiro Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 1978 p 23-32 THEODORO JUacuteNIOR Humberto Processo Cautelar 19ordf ed Satildeo

Paulo LEUD 2000 p 65-69 751

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 187 752

IBID p 187 753

ABADE Denise Neves Op cit p 141-142

137

patrimonial das medidas cautelares pessoais que exigem com ainda maior rigor que o

magistrado tenha uma atuaccedilatildeo mais proacutexima e cuidadosa em razatildeo de se estar lidando com

a liberdade do imputado e das cautelares probatoacuterias de que satildeo exemplo a quebra de

sigilos telefocircnico bancaacuterio e fiscal e a interceptaccedilatildeo telefocircnica

Essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual exige uma tamanha proximidade

do magistrado com os elementos indiciaacuterios colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem

margens a duacutevidas cria no subjetivo do magistrado impressotildees e preconceitos

incompatiacuteveis com o distanciamento que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a

instruccedilatildeo criminal com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional

penal754

Todas essas hipoacuteteses assemelham-se agraves causas consideradas pelo Tribunal

Europeu de Direitos Humanos como justificadoras do receio acerca da perda da

imparcialidade do julgador seja pela sua efetiva proximidade com o material probatoacuterio

seja pelas decisotildees proferidas todas elas exigindo uma incursatildeo do magistrado em direccedilatildeo

agrave anaacutelise da culpabilidade do suspeito755

A situaccedilatildeo apresentada expotildee uma das grandes falhas do sistema e revela o

inequiacutevoco comprometimento do julgador e sua influecircncia pelos elementos de informaccedilatildeo

que na verdade natildeo lhe dizem respeito nesse momento756

Sua imparcialidade estaacute

comprometida pelos diversos preacute-julgamentos que realiza no curso da investigaccedilatildeo

preliminar757

ldquoSatildeo esses processos psicoloacutegicos interiores que levam a um preacute-juiacutezo sobre

condutas e pessoasrdquo758

O modelo paacutetrio neste momento natildeo apresenta soluccedilatildeo para o problema

Diferentemente do que ocorre em modelos mais avanccedilados o nosso natildeo prevecirc a figura de

um juiz exclusivo para o curso das investigaccedilotildees Pelo contraacuterio A atuaccedilatildeo na fase

preliminar de investigaccedilatildeo torna o juiz prevento para a accedilatildeo759

754

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 755

IBID p 197 756

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 140 757

LOPES JR Aury Juiacutezes 758

IBID 759

Art 83 Verificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes

igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de

algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da

queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2

o e 78 II c)

138

Necessaacuteria portanto uma reforma estrutural para cindir o responsaacutevel pelo

acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute apresentada daquele que

verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal760

de modo a preservar o distanciamento do juiz do

processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo

produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo Exatamente esse o propoacutesito do Projeto de

Lei do Senado nordm 1562009 que busca reformular todo o nosso sistema processual penal e

traz dentre as suas novidades a proposta de inserir a figura do juiz das garantias no

ordenamento juriacutedico brasileiro

O proacuteximo capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise especiacutefica da figura do juiz das

garantias nos moldes da proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009

760

LOPES JR Aury Juiacutezes

139

CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no

Processo Penal Brasileiro

1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias

O processo penal brasileiro no atual momento de nossa histoacuteria natildeo pode mais ser

apreendido em seus alicerces como anteriormente observado senatildeo a partir de uma

profunda percepccedilatildeo do modelo constitucional que o sustenta e que pelos valores que

elegeu tornou imprescindiacutevel uma completa revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal761

O estabelecimento e a consolidaccedilatildeo do modelo de Estado Democraacutetico de Direito

prescreveram novos valores ao processo penal De acordo com liccedilatildeo de Pierpaolo Bottini

ldquoeste mais do que um instrumento de persecuccedilatildeo passou a ser uma garantia do cidadatildeo

contra o arbiacutetrio uma oportunidade para contradizer a acusaccedilatildeo apresentar provas se

fazer ouvir ou quedar-se em silecircncio caso julgue necessaacuteriordquo762

O processo dessa forma

com seu caraacuteter nitidamente acusatoacuterio passou a ser o ambiente de atuaccedilatildeo democraacutetica no

exerciacutecio do direito penal deixando para traacutes sua feiccedilatildeo de mero instrumento do Estado

para a concretizaccedilatildeo do ius puniendi763

Assim a persecuccedilatildeo penal decididamente natildeo pode mais ser compreendida pela

visatildeo ex parte principi - que tem como escopo uacutenico a proteccedilatildeo do Estado - sem a

necessaacuteria correlaccedilatildeo com o princiacutepio da dignidade da pessoa humana764

Eacute preciso efetivamente que o sistema processual penal seja renovado para

conformaacute-lo aos princiacutepios normativos da vigente Constituiccedilatildeo uma vez que conforme

liccedilatildeo de Joseacute Antonio Paganella Boschi

761

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 762

BOTTINI Pierpaolo Medidas cautelares Projeto de Lei 1112008 In MOURA Maria Thereza Rocha de

Assis (Coord) As reformas no processo penal as novas Leis de 2008 e os Projetos de Reforma Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 452 763

IBID p 452 764

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial

140

Natildeo haacute nada que sobreviva ao tempo Os Coacutedigos e as leis tambeacutem ficam

velhos esclerosados perdem sua autoridade e aptidatildeo para assegurarem o alcance

das finalidades a que se destinam pois a realidade social em qualquer lugar do

mundo eacute altamente instaacutevel e exige novas e contiacutenuas regulaccedilotildees765

Desde a sua ediccedilatildeo em 1941 o Coacutedigo de Processo Penal jaacute foi objeto de inuacutemeras

alteraccedilotildees que buscaram adequaacute-lo agraves novas realidades sociais culturais poliacuteticas

econocircmicas e juriacutedicas surgidas ao longo dos anos766

bem como ajustaacute-lo agrave constituiccedilatildeo

cidadatilde promulgada em 1988 Tais alteraccedilotildees no entanto foram introduzidas por leis

dispersas e resultaram em modificaccedilotildees toacutepicas e fragmentadas

Como sabido o Coacutedigo de Processo Penal foi editado em plena eacutepoca de exceccedilatildeo

ao Estado de Direito sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1937 outorgada e de inspiraccedilatildeo

nitidamente autoritaacuteria e policialesca caracteriacutesticas estas que se refletiram sobremaneira

em seu texto Eacute verdade que desde a sua promulgaccedilatildeo outras trecircs Constituiccedilotildees767

tiveram

vigecircncia ateacute se chegar agrave atual Constituiccedilatildeo de 1988 razatildeo pela qual diversos artigos do

Coacutedigo de Processo Penal foram revogados Ademais como salientado inuacutemeras leis o

alteraram neste longo periacuteodo

Poreacutem de acordo com Pierpaolo Bottini o texto do Coacutedigo de Processo Penal

continuava defasado e desarticulado

Defasado porque foi elaborado sob a eacutegide de um conceito de processo

penal distinto que tinha por finalidade reunir esforccedilos estatais para a investigaccedilatildeo

e o conhecimento do delito () Desarticulado porque as reformas legislativas

765

BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Notas Introdutoacuterias ao PLS n 156 ndash Projeto de Coacutedigo de Processo

Penal In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo

de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 75 766

ARRUDA Eloisa de Sousa Comentaacuterios ao Procedimento do Juacuteri com as alteraccedilotildees introduzidas pela

Lei 1168908 in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p

43 767

1946 1967 e 1969

141

pontuais aprovadas com o objetivo de adequar o texto legal ao novo modelo

constitucional desfizeram a coerecircncia de diversos institutos processuais penais768

Nesse contexto como eacute de conhecimento geral em 2008 o Coacutedigo de Processo

Penal foi objeto da mais significativa e profunda reforma769

ocorrida em quase sete

deacutecadas sendo alterado pelas Leis 116892008 que tratou do juacuteri 116902008 referente

agraves provas e 117192008 que dentre outros alterou os procedimentos770

Referindo-se a tal reforma Jacques de Camargo Penteado afirma que ela se iniciou

no momento histoacuterico em que a doutrina e a jurisprudecircncia demonstraram que o sistema e

a maioria das regras do ultrapassado Coacutedigo de Processo Penal promulgado sob regime

ditatorial natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988771

Ainda segundo Andrey Borges de Mendonccedila a finalidade uacuteltima de se reformar o

Coacutedigo de Processo Penal era ldquomodernizaacute-lo agrave luz da atual ciecircncia processual penal dos

princiacutepios assegurados na Constituiccedilatildeo Federal e das disposiccedilotildees previstas em Tratados

Internacionais de Direitos Humanos incorporados pelo Brasilrdquo772

Nesse cenaacuterio o estudo do processo penal constitucional jaacute demonstrava que vaacuterios

dispositivos do Coacutedigo de Processo Penal natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 mas continuaram inseridos em seu texto provocando duacutevidas de

interpretaccedilatildeo e desvios de aplicaccedilatildeo Assim inquestionaacutevel a necessidade de

768

BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452 769

A Comissatildeo de Reforma presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover apresentou em 2000 onze

Anteprojetos que depois de discutidos amplamente pela comunidade juriacutedica foram transformados em oito

projetos de lei O que se seguiu foi a aprovaccedilatildeo aos poucos e com alteraccedilotildees dos projetos de lei

apresentados pela Comissatildeo de Reforma MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees

sobre as principais inovaccedilotildees do Projeto de Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro In MALAN Diogo

MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de

reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 770

A reforma processual penal concretizou-se apenas parcialmente restando sem nova regulamentaccedilatildeo outras

regras processuais previstas nos projetos que se achavam em andamento MOURA Maria Thereza Rocha de

Assis Breves Consideraccedilotildees p 251 771

PENTEADO Jacques de Camargo Reforma Processual Penal e Juacuteri in Revista da ESMP Reforma

Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 89 772

MENDONCcedilA Andrey Borges de Os elementos produzidos durante o inqueacuterito e as provas antecipadas

cautelares e irrepetiacuteveis segundo a reforma do CPP in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo

Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p75

142

compatibilizaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Penal aos direitos e garantias fundamentais

previstos na Constituiccedilatildeo Federal773

Pode-se dizer pois na esteira do entendimento de Pierpaolo Bottini que o objetivo

determinante da reforma processual de 2008 foi exatamente a adequaccedilatildeo legislativa dos

preceitos constitucionais de garantia buscando-se rever e ajustar a interpretaccedilatildeo das

disposiccedilotildees originais do Coacutedigo de Processo Penal sob o espectro da Constituiccedilatildeo Federal

de 1988 numa tentativa de adicionar agrave legislaccedilatildeo processual penal infraconstitucional os

princiacutepios e garantias constitucionais mantendo-se a sistematicidade e a harmonia dos

institutos774

De fato era reconhecida a urgecircncia da revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal Dessa

forma dentre outras foram regradas mateacuterias como a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo as

provas iliacutecitas a prisatildeo processual os procedimentos a celeridade a eficiecircncia a

simplicidade e a seguranccedila tendo como norte o foco nos direitos e garantias individuais e a

conformaccedilatildeo da ordem juriacutedica ao processo penal constitucional775

Antonio Scarance Fernandes sustenta que tais reformas buscaram uma vez que a

Constituiccedilatildeo Federal adotou para o processo penal o sistema acusatoacuterio ldquoconstruir um

processo com predomiacutenio da atuaccedilatildeo das partes na movimentaccedilatildeo do feito e na produccedilatildeo

das provas expurgando-se resquiacutecios de poderes acusatoacuterios do juiz mas mantendo-se o

seu poder instrutoacuterio suplementarrdquo776

Em 2009 com o advento da Lei 11900 o Coacutedigo de Processo Penal foi novamente

alterado A mudanccedila agora ainda mais pontual promoveu a inserccedilatildeo da previsatildeo de

possibilidade de realizaccedilatildeo de interrogatoacuterio e de outros atos processuais por sistema de

videoconferecircncia

773

SOUZA Luiz Roberto Sales CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e

contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 in Revista da ESMP Reforma

Processual Penal Satildeo Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p 42 774

BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452-453 775

ALMEIDA Herivelto de Reflexotildees pontuais sobre o devido processo legal e o julgamento dos crimes de

competecircncia do Tribunal do Juacuteri in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1

julhodezembro 2008 p 111 776

FERNANDES Antonio Scarance O novo procedimento do Juacuteri Revista da ESMP Reforma Processual

Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 17

143

Finalmente a Lei 124032011777

modificou dispositivos relativos agrave prisatildeo

processual fianccedila liberdade provisoacuteria e outras medidas cautelares buscando superar a

oposiccedilatildeo prisatildeoliberdade possibilitando ao juiacutezo criminal a utilizaccedilatildeo de vaacuterias outras

medidas cautelares e relegando a prisatildeo acertadamente para o lugar de ultima ratio do

sistema penal778

Contudo em que pesem as inuacutemeras alteraccedilotildees pontuais o Coacutedigo de Processo

Penal uma vez que elaborado sob forte influecircncia do sistema inquisitivo ainda padece de

graves viacutecios estruturais779

Natildeo haacute duacutevidas de que a intenccedilatildeo destas sucessivas alteraccedilotildees da legislaccedilatildeo

processual foi trazer ao Coacutedigo de Processo Penal os ldquonovos ventosrdquo780

oriundos da nova

Carta Constitucional e de tratados internacionais como o Pacto de San Joseacute da Costa Rica

Natildeo conseguiram elas alcanccedilar todavia o ldquopleno ecircxito de modernizar o ainda

estigmatizante e pouco eficaz modelo de processo criminalrdquo781

De acordo com Andrey Borges de Mendonccedila jaacute em 2008 o ideal teria sido a

aprovaccedilatildeo de um novo Coacutedigo de Processo Penal782

Contudo ldquoem razatildeo de contingecircncias

poliacuteticas preferiu-se a elaboraccedilatildeo de projetos setoriais que atingissem pontos

estrateacutegicosrdquo783

Para Fabiano Augusto Martins Silveira as leis de junho de 2008 a despeito de

todos os seus meacuteritos foram recebidas por uma estrutura predominantemente inquisitorial

777

O PL 42082001 que deu origem agrave Lei 124032011 fazia parte da reforma de 2001 que natildeo se

completou porque os demais projetos tiveram tramitaccedilatildeo mais lenta no Congresso Nacional MOURA Maria

Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees p 251-252 778

VALENTE Rodolfo de Almeida As boas novidades da lei 12403 de 2011 Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo IBCCRIM ano 18 n 225 p 09 ago 2011 779

NUNES Walter Reforma do Coacutedigo de Processo Penal Leis n 11689 n 11690 e n 11719 de 2008 In

Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIII n 44 p 20-24 janmar 2009 780

CAPEZ Fernando Dos princiacutepios fundamentais In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio

Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 101 781

IBID p 101 782

Nesse sentido Maria Thereza Rocha de Assis Moura afirma que ldquona eacutepoca a feitura de um coacutedigo

inteiramente novo contava com apoio do meio juriacutedico tendo em vista o fato de que em geral a aprovaccedilatildeo

de projetos pontuais conduz no mais das vezes a reformas inconsistentes sem harmonia e visatildeo de

conjunto Sem se falar que em razatildeo de alguns projetos serem aprovados mais rapidamente do que outros o

sistema se ressente da devida coerecircnciardquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees

p 250 783

MENDONCcedilA Andrey Borges Op cit p75

144

Por essa precisa razatildeo ldquoo brilho dessas alteraccedilotildees seraacute sempre ofuscado pelo plano de

fundordquo784

No mesmo sentido Fauzi Hassan Choukr ressalta que a opccedilatildeo teacutecnico-poliacutetica pelas

reformas segmentadas feita pelo direito brasileiro ateacute entatildeo fez com que suas supostas

virtudes fossem completamente esvaziadas por suas deficiecircncias estruturais785

Ainda existem portanto diversas falhas e descompassos na sistemaacutetica processual

penal especialmente no tocante ao sistema acusatoacuterio e aos direitos e garantias individuais

Estes defeitos segundo Fauzi Hassan Choukr revelam-se em todos os momentos do

Coacutedigo vigente mas saltam aos olhos na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal que haacute

muito anseia por estruturas que proporcionem tratamento adequado ao investigado como

sujeito e natildeo como mero objeto da atividade estatal De acordo com o autor devem ser

inseridos nesta etapa da persecuccedilatildeo ldquoos meios necessaacuterios para vivificar o grande valor

que norteia as sociedades ditas civilizadas o da dignidade da pessoa humana ponto

central de toda a metodologia constitucional contemporacircneardquo786

De todo o ateacute aqui exposto resulta a incontroversa necessidade de uma reforma

global do nosso Coacutedigo de Processo Penal

Nesse sentido a liccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira segundo o qual ldquose eacute

verdade que a legislaccedilatildeo processual penal ordinaacuteria necessita urgentemente de um banho

de Constituiccedilatildeo uma reforma integral seria a soluccedilatildeo mais indicada pois do contraacuterio

seria como pocircr remendo novo em roupa velhardquo787

Para o autor no momento presente um novo Coacutedigo de Processo Penal parece ser

um instrumento muito mais adequado aos anseios de conformaccedilatildeo ao paradigma

constitucional poacutes-88 ldquoAproximaccedilatildeo de fundo e definitiva Reconciliaccedilatildeo que natildeo pode

ser mais adiada nem deixada a cargo unicamente da jurisprudecircnciardquo788

784

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo as cautelares e o juiz das Garantias Revista de

Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia a 46 n 183 julho-set 2009 p 80 785

CHOUKR Fauzi Hassan Reforma e Continuiacutesmos no Processo Penal -Brasileiro Breve contribuiccedilatildeo agrave

anaacutelise do itineraacuterio reformista In MALAN Diogo MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de

Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 129 786

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 787

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 788

IBID p 80

145

Um novo Coacutedigo ademais segundo ele teria o condatildeo de operar natildeo apenas uma

mudanccedila na interpretaccedilatildeo sistemaacutetica do modelo de deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva estatal

com clara delimitaccedilatildeo dos papeacuteis dos sujeitos do processo mas proporcionaria ainda

progressos significativos em termos de garantias individuais789

Nesse sentido um novo

Coacutedigo livre do passivo ideoloacutegico do Decreto-Lei nordm 3689 de 1941 teria muito mais

facilidade para dar efetividade agraves garantias democraacuteticas da Constituiccedilatildeo de 1988790

Assim decorridos nove meses da entrada em vigor da chamada reforma processual

penal de 2008791

em agosto daquele mesmo ano a Comissatildeo externa criada pelo Senado

Federal em junho de 2008 para apresentar o Anteprojeto de Lei de reforma do Coacutedigo de

Processo Penal e coordenada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiccedila Hamilton

Carvalhido792

apresentou o resultado de seu trabalho que se transformou no Projeto de Lei

do Senado Federal 1562009793

Apresentado ao Senado o texto foi acolhido pela Presidecircncia em meados de

2009794

Desde entatildeo teve iniacutecio sua tramitaccedilatildeo no Congresso Nacional tendo aportado na

Cacircmara dos Deputados para anaacutelise e votaccedilatildeo795

Referido Projeto jaacute em sua Exposiccedilatildeo de Motivos ressalta o consenso acerca da

imprescindibilidade de um novo Coacutedigo

789

IBID p 80 790

IBID p 80 791

Resultado da promulgaccedilatildeo das Leis 116892008 116902008 e 117192008 em junho de 2008 que

entraram em vigor no mecircs de agosto daquele mesmo ano 792

Constituem ainda a Comissatildeo Antonio Correa Antonio Magalhatildees Gomes Filho Eugecircnio Pacelli de

Oliveira Fabiano Augusto Martins Silveira Felix Valois Coelho Juacutenior Jacinto Nelson de Miranda

Coutinho Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral A Comissatildeo foi criada a pedido do senador Renato

Casagrande (PSB-ES) e designada pelo Presidente do Senado senador Garibaldi Alves Filho por meio do

Ato 1108 793

MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia sobre o Projeto de Lei do Senado Federal

1562009 que trata da reforma do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM v

200 jul 2009 794

OLIVEIRA Eugecircnio Pacelli de Reformas legislativas e o CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo

IBCCRIM ed especial CPP ago 2010 795

O PLS 1562009 ao ser distribuiacutedo na Cacircmara dos Deputados recebeu o nuacutemero PL 80452010 e foi

apensado ao Projeto de Lei n 79872010 de autoria do Deputado Federal Miro Teixeira que tem igualmente

por objeto a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal A Mesa Diretora da Cacircmara dos Deputados

determinou fosse dada ciecircncia do Projeto ao Plenaacuterio e constituiacuteda Comissatildeo Especial para emitir parecer

sobre o Projeto e suas emendas tendo sido apresentados requerimentos de criaccedilatildeo de comissatildeo especial para

emissatildeo de parecer sobre o PL 80452010 httpwwwibrasppcombrp=216 acessado em 24102013

146

Se em qualquer ambiente juriacutedico haacute divergecircncias quanto ao sentido ao

alcance e enfim quanto agrave aplicaccedilatildeo de suas normas haacute no processo penal

brasileiro uma convergecircncia quase absoluta a necessidade de elaboraccedilatildeo de um

novo Coacutedigo sobretudo a partir da ordem constitucional da Carta da Repuacuteblica de

1988

De acordo com Fernando Capez o PLS 1562009 tem por finalidade ldquofortalecer os

laccedilos de submissatildeo das regras processuais penais aos princiacutepios garantidores derivados

da devida persecuccedilatildeo penal e em uacuteltima instacircncia do princiacutepio da dignidade humana

corolaacuterio do Estado Democraacutetico de Direitordquo796

A grande novidade eacute pois que se trata de versatildeo de Coacutedigo inteiramente novo

propondo uma modificaccedilatildeo profunda no sistema processual penal brasileiro797

que busca

se livrar de uma vez por todas dos resquiacutecios inquisitoriais do atual Coacutedigo

Dividido em seis Livros798

o Projeto de Coacutedigo abre o texto legislativo com um

Tiacutetulo dedicado aos princiacutepios fundamentais que o orientaratildeo Enumera portanto jaacute em

sua abertura os princiacutepios fundamentais que o regem e impotildee a estrita observacircncia do

devido processo legal constitucional assumindo claro compromisso com as garantias

individuais

Como asseverado na Exposiccedilatildeo de Motivos

ldquo As garantias individuais natildeo satildeo favores do Estado A sua observacircncia

ao contraacuterio eacute exigecircncia indeclinaacutevel para o Estado Nas mais variadas

concepccedilotildees teoacutericas a respeito do Estado Democraacutetico de Direito o

reconhecimento e a afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais aparecem como um

verdadeiro nuacutecleo dogmaacutetico O garantismo quando consequente surge como

pauta miacutenima de tal modelo de Estadordquo

796

CAPEZ Fernando Op cit p 124 797

GOMES Abel Fernandes Juiz das Garantias inconsistecircncia cientiacutefica mera ideologia ndash como se soacute juiz

jaacute natildeo fosse garantia Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 98-105 outdez 2010 798

Assim denominados da persecuccedilatildeo penal do processo e dos procedimentos das medidas cautelares das

accedilotildees de impugnaccedilatildeo das relaccedilotildees jurisdicionais com autoridade estrangeira e disposiccedilotildees finais

147

De acordo com Maria Thereza Rocha de Assis Moura ldquoeste comprometimento eacute

importantiacutessimo para que o respeito aos direitos fundamentais se decirc de forma efetiva e

concretardquo799

Disso decorrem muitas propostas O PLS 1562009 eacute pois repleto de novidades

merecendo especial registro para o acircmbito e as finalidades deste trabalho a clara e

definitiva opccedilatildeo pelo modelo acusatoacuterio de processo a vedaccedilatildeo de forma expliacutecita da

atividade instrutoacuteria do juiz na fase de investigaccedilatildeo800

e sobretudo ldquopara a consolidaccedilatildeo

de um modelo orientado pelo princiacutepio acusatoacuteriordquo801

a criaccedilatildeo do juiz das garantias

instituto que nos propomos analisar a partir de agora

2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares

Dentre as grandes inovaccedilotildees oriundas do projeto estaacute portanto a instituiccedilatildeo do juiz

das garantias no nosso ordenamento juriacutedico

Retomando a anaacutelise realizada nos capiacutetulos precedentes a Constituiccedilatildeo Federal

impocircs um sistema processual penal de caraacuteter acusatoacuterio cujo traccedilo essencial eacute a separaccedilatildeo

dos poderes exercidos no decorrer da persecuccedilatildeo penal

Natildeo haacute duacutevida de que de fato a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica adotou todas as

elementares do princiacutepio acusatoacuterio na medida em que conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a

privatividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal puacuteblica consagrando o devido processo legal e

assegurando o julgamento por um juiz competente e imparcial

Ademais a consolidaccedilatildeo do estudo do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo tornou

inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores

do processo penal se confundam

799

MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia 800

Art 4ordm ldquoO processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a

iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo de acusaccedilatildeordquo 801

Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009

148

Assim a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no sistema acusatoacuterio

pressupotildee tambeacutem que ao juiz seja vedada a interferecircncia na investigaccedilatildeo o que gera o

risco de comprometimento de sua imparcialidade jaacute que invariavelmente esta representa

a construccedilatildeo da proacutepria acusaccedilatildeo

Portanto uma vez separado o oacutergatildeo julgador do titular da accedilatildeo penal fica ao

magistrado reservado novo papel que certamente natildeo eacute o de imiscuir-se na investigaccedilatildeo

penal ou de atuar como verdadeira parte no processo

O juiz passa a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor natildeo podendo ficar

alheio frente agrave ocorrecircncia de violaccedilotildees ou ameaccedilas de lesatildeo aos direitos fundamentais

constitucionalmente consagrados Ao juiz imputa-se uma nova posiccedilatildeo no Estado

Democraacutetico de Direito consubstanciada na funccedilatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

O papel que o juiz deve assumir quando chamado a atuar no inqueacuterito policial natildeo eacute

mais portanto o de investigador mas o de garante dos direitos fundamentais do sujeito

passivo o que se daacute principalmente pela atuaccedilatildeo nos incidentes jurisdicionais que tecircm

lugar quando em jogo estiver a quebra de algum valor constitucionalmente consagrado

Tudo isso em consonacircncia com os princiacutepios que orientam o sistema acusatoacuterio e a proacutepria

estrutura dialeacutetica do processo penal

Para o exerciacutecio da funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos suspeitos

natildeo eacute suficiente poreacutem uma mera accedilatildeo formal do magistrado no sentido de simplesmente

autorizar ou indeferir as medidas cautelares requeridas Cabe ao magistrado no intuito de

maacutexima proteccedilatildeo aos direitos em vias de serem violados a anaacutelise minuciosa e detida do

material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo sobre o qual se fundamenta o requerimento

cautelar visando verificar o atendimento aos requisitos legais de cada uma das medidas

cautelares bem como de sua legitimidade

Ocorre poreacutem que se identificou no nosso sistema processual penal como jaacute

analisado quando da exposiccedilatildeo do conceito de imparcialidade objetiva desenvolvido

sobretudo por meio da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu de Direitos Humanos o

elevado risco de comprometimento da imparcialidade do juiacutez quando do julgamento

exatamente em razatildeo de sua anterior atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo criminal por ocasiatildeo do

exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos direitos

fundamentais do investigado

149

E para esse problema o ordenamento juriacutedico brasileiro natildeo dispunha de uma

soluccedilatildeo satisfatoacuteria agora aventada pelo projeto de lei do Senado 1562009

Trata-se da criaccedilatildeo de um oacutergatildeo jurisdicional com competecircncia exclusiva para

atuaccedilatildeo na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal a quem seraacute dado zelar pela

legalidade da investigaccedilatildeo criminal e tutelar a plena observacircncia dos direitos e garantias

fundamentais do investigado802

cabendo a ele a autorizaccedilatildeo de medidas resguardadas pela

claacuteusula de reserva judicial

Disciplinada no Capiacutetulo II do Tiacutetulo II do Livro I que versa sobre a investigaccedilatildeo

criminal o instituto do juiz das garantias eacute uma das propostas que buscam adequar o

Coacutedigo de Processo Penal agrave ideologia democraacutetica da Constituiccedilatildeo Federal vigente803

Conforme definiccedilatildeo do proacuteprio projeto ldquoo juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo

controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos

individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder

Judiciaacuteriordquo804

Naturalmente a atuaccedilatildeo judicial na fase de investigaccedilatildeo natildeo constitui novidade no

nosso ordenamento juriacutedico A inovaccedilatildeo legislativa aqui diz respeito agrave criaccedilatildeo da figura

de um juiz com competecircncia exclusiva para a atuaccedilatildeo na fase preacute-processual que a teor do

artigo 16805

estaria impedido de funcionar no processo806

Na sistemaacutetica do Coacutedigo que estaacute em vigor como se sabe a regra de competecircncia

vai no sentido oposto O magistrado que tomou conhecimento do feito na fase de

investigaccedilatildeo torna-se prevento nos termos dos arts 75 paraacutegrafo uacutenico807

e 83808

do atual

802

MAYA Andreacute Machado Outra vez sobre o juiz de garantias entre o ideal democraacutetico e os empecilhos

de ordem estrutural Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 215 out 2010 803

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias no projeto de reforma do coacutedigo de processo penal Boletim

IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 204 nov 2009 804

Artigo 14 805

Art 16 ldquoO juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14

ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748rdquo 806

ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal ALVES

Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal

Salvador Juspodivm 2012 p 136 807

Art 75 ldquoA precedecircncia da distribuiccedilatildeo fixaraacute a competecircncia quando na mesma circunscriccedilatildeo judiciaacuteria

houver mais de um juiz igualmente competente Paraacutegrafo uacutenico A distribuiccedilatildeo realizada para o efeito da

concessatildeo de fianccedila ou da decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ou de qualquer diligecircncia anterior agrave denuacutencia ou

queixa preveniraacute a da accedilatildeo penalrdquo 808

Art 83 ldquoVerificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes

igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de

150

Coacutedigo de Processo Penal para conhecer a accedilatildeo penal que posteriormente seraacute ajuizada

isto eacute seraacute o mesmo juiz que proferiraacute a sentenccedila porque foi o primeiro a tomar

conhecimento do fato

O projeto altera substancialmente este panorama Institui a figura do juiz das

garantias para romper com essa loacutegica da prevenccedilatildeo809

Com efeito o juiz chamado a

intervir no inqueacuterito policial ficaraacute impedido de julgar o caso Trata-se portanto ldquode um

giro de 180 grausrdquo810

ldquode uma mudanccedila da aacutegua para o vinhordquo811

A importacircncia do juiz das garantias portanto como proposto no PLS 1562009

reside na separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos

com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente

daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal e a reuniatildeo dos indiacutecios destinados a

fundamentar a denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico812

De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira ldquoa separaccedilatildeo entre as funccedilotildees

judiciais atinentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo eacute uma tendecircncia bem consolidada na

experiecircncia internacionalrdquo813

podendo ser citados como exemplos o giudice per le

indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o juez de garantiacutea no

Chile814

Em todos esses casos procedeu-se guardadas as particularidades de cada

ordenamento juriacutedico agrave individualizaccedilatildeo das funccedilotildees do juiz que interveacutem na investigaccedilatildeo

como forma de diferenciaacute-lo do juiz que atua na fase processual e que julgaraacute o meacuterito815

algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da

queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2

o e 78 II c)rdquo

809 PASSOS Edilenice Coacutedigo de Processo Penal notiacutecia histoacuterica sobre as comissotildees anteriores Senado

Federal ndash Secretaria de Informaccedilatildeo e Documentaccedilatildeo Brasiacutelia 2008 810

IBID 811

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88 812

MAYA Andreacute Machado Outra vez 813

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88-89 814

ldquoNo Coacutedigo de Processo Penal italiano de 1988 tais funccedilotildees satildeo reservadas ao lsquogiudice per le indagini

preliminarirsquo (art 328) Ao mais haacute igualmente a previsatildeo no art 34 comma 2ordm-bis de que o juiz que no

mesmo procedimento exerceu as funccedilotildees dersquo giudice per le indagini preliminarirsquo natildeo pode proferir decreto

de condenaccedilatildeo participar da audiecircncia preliminar nem do processo propriamente dito De forma

semelhante o Coacutedigo de Processo Penal portuguecircs de 1987 atribui as funccedilotildees jurisdicionais relativas ao

inqueacuterito na fase de instruccedilatildeo ndash equivalente agrave nossa fase de investigaccedilatildeo ndash ao lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo (art 17)

que eacute um magistrado distinto daquele que procederaacute ao julgamento Haacute tambeacutem expressa previsatildeo no art

40 de proibiccedilatildeo do lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo intervir em julgamento cujo debate instrutoacuterio tenha presidido Nos

paiacuteses latino-americanos o Coacutedigo de Processo Penal do Chile de 2000 prevecirc a figura do lsquojuez de garantiarsquo

(art 70) de forma distinta do Tribunalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um

julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz nos sistemas em que natildeo haacute

a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em

25082013 815

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89

151

O mesmo ocorreraacute com a introduccedilatildeo da figura do juiz das garantias no ordenamento

juriacutedico brasileiro

Eacute vaacutelido ressaltar que natildeo eacute intenccedilatildeo do Projeto criar no Brasil um juizado de

instruccedilatildeo onde o juiz eacute o responsaacutevel pela investigaccedilatildeo criminal O juiz das garantias natildeo

tem funccedilotildees instrutoacuterias ele natildeo eacute o titular e nem o coordenador da fase preliminar da

persecuccedilatildeo penal816

Sua atuaccedilatildeo eacute eventual limitada agrave funccedilatildeo de controle da legalidade

das investigaccedilotildees e de garantia dos direitos fundamentais sobretudo os de liberdade817

O

fundamento de suas atribuiccedilotildees estaacute portanto no controle jurisdicional da legalidade da

investigaccedilatildeo e na proteccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais818

Por outro lado o projeto do Senado tambeacutem natildeo postula um modelo a impedir toda

e qualquer iniciativa do juiz Ao magistrado eacute reservado um papel complementar no

esclarecimento das provas produzidas e garantida ampla liberdade para adoccedilatildeo de medidas

cautelares na fase processual819

Pode-se dizer de acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira que o processo de

separaccedilatildeo fiacutesica entre juiz da investigaccedilatildeo e juiz da causa tem como antecedente histoacuterico a

distinccedilatildeo entre as funccedilotildees de julgar e acusar820

com a niacutetida separaccedilatildeo entre juiz e

Ministeacuterio Puacuteblico Agora com mira num maior niacutevel de apuraccedilatildeo do processo penal

acusatoacuterio busca-se a diferenciaccedilatildeo interna do oacutergatildeo judicial com a cisatildeo do juiz do

processo do juiz da investigaccedilatildeo821

Para Nereu Joseacute Giacomolli a escolha pela inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias

no projeto de novo coacutedigo natildeo se trata de ldquosimples opccedilatildeo metodoloacutegica e nem de

organizaccedilatildeo judiciaacuteria mas revolve uma opccedilatildeo poliacutetica de processo penalrdquo822

O juiz de

garantais se insere pois no modelo democraacutetico de processo penal vinculado agrave

Constituiccedilatildeo Federal e aos Diplomas Internacionais823

816

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Juiz de Garantias ndash um nascituro estigmatizado In MALAN Diogo

MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de

reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 308 817

IBID p 308 818

IBID p 308 819

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 820

IBID p 89 821

IBID p 89 822

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 305 823

IBID p 305

152

Na observaccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira membro da Comissatildeo

redatora do Anteprojeto de Coacutedigo de Processo Penal

A figura do juiz das garantias estaacute em perfeita uniatildeo ao espiacuterito democraacutetico

que dominou o anteprojeto e que sobreviveu ao texto aprovado pelo Senado Federal

O juiz das garantias estaacute na essecircncia do sistema acusatoacuterio desenhado no PLS 156 de

2009 Um eacute a imagem refletida do outro () A separaccedilatildeo e a especializaccedilatildeo do

agente judicial no tocante agraves fases da investigaccedilatildeo e do processo representam a etapa

de maior refinamento e de afirmaccedilatildeo do sistema acusatoacuteriordquo824

Feitas essas observaccedilotildees preliminares passaremos a examinar qual o acircmbito de

atuaccedilatildeo e quais as funccedilotildees do juiz das garantias

3 Atribuiccedilotildees

A anaacutelise do raio de accedilatildeo do juiz das garantias natildeo pode ser feita senatildeo a partir do

disposto no art 4ordm do PLS no qual se condensou a foacutermula do princiacutepio acusatoacuterio ldquoO

processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a

iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo

de acusaccedilatildeordquo

Desde logo deve ser salientado que o juiz das garantias natildeo eacute um juiz investigador

Ele tambeacutem natildeo impulsiona o inqueacuterito No desenho do projeto de Coacutedigo previu-se

exatamente o oposto Ele deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio ao qual

se quer dar efetividade Por conseguinte o juiz das garantias natildeo seraacute o gerente do

inqueacuterito policial Ele natildeo age de ofiacutecio825

mas apenas mediante provocaccedilatildeo Natildeo lhe

cabe pois requisitar a abertura da investigaccedilatildeo nem tampouco solicitar diligecircncias

824

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O juiz das garantias entre os caminhos da reforma do Coacutedigo de

Processo Penal In BONATO Gilson (Org) Processo Penal Constituiccedilatildeo e criacutetica estudos em homenagem

ao Prof Dr Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 825

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90

153

investigativas Ele eacute antes o responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo

nunca o gerente das tarefas policiais826

Em mateacuteria cautelar vale lembrar que o juiz das

garantias tambeacutem soacute agiria mediante provocaccedilatildeo827

Daiacute que os autos do inqueacuterito natildeo devem chegar a suas matildeos salvo nas hipoacuteteses

em que os direitos fundamentais do investigado devam sofrer restriccedilotildees828

isto eacute a sua

participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da

pessoa investigada829

As competecircncias do juiz das garantias foram detalhadas no art 14 da Redaccedilatildeo Final

ao Projeto de Lei do Senado nordm 1562009

Art 14 O juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da

investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia

tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder Judiciaacuterio competindo-lhe

especialmente

I ndash receber a comunicaccedilatildeo imediata da prisatildeo nos termos do inciso LXII do

art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil

II ndash receber o auto da prisatildeo em flagrante para efeito do disposto no art 555

III ndash zelar pela observacircncia dos direitos do preso podendo determinar que este

seja conduzido a sua presenccedila

IV ndash ser informado sobre a abertura de qualquer investigaccedilatildeo criminal

V ndash decidir sobre o pedido de prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar

826

IBID p 90 827

ldquoTodavia uma vez decretada a prisatildeo ou outra medida cautelar pessoal ele poderaacute independentemente

de pedido dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal ou do investigado substituiacute-la por outra que entenda mais

adequada agraves exigecircncias cautelares do caso concreto Abre-se tal possibilidade natildeo apenas na hipoacutetese de

descumprimento da medida anteriormente imposta mas sempre que tendo em vista novas circunstacircncias e

motivaccedilotildees avalie que a substituiccedilatildeo eacute oportuna (art 513 paraacutegrafo uacutenico)rdquo IBID p 90-91 828

Vale destacar que todavia manteve-se o controle do arquivamento do inqueacuterito policial nas matildeos do

Poder Judiciaacuterio diferentemente da proposta original a qual atribuiacutea tal tarefa ao Ministeacuterio Puacuteblico na

condiccedilatildeo de titular da accedilatildeo penal Nesse ponto conforme liccedilatildeo de Maria Thereza Rocha de Assis Moura

ldquoperdeu-se a oportunidade de adotar regra consentacircnea com o princiacutepio acusatoacuterio e do controle da accedilatildeo

penal puacuteblica por quem eacute o seu titularrdquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees

p 254 829

PASSOS Edilenice Op cit

154

VI ndash prorrogar a prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar bem como

substituiacute-las ou revogaacute-las

VII ndash decidir sobre o pedido de produccedilatildeo antecipada de provas consideradas

urgentes e natildeo repetiacuteveis assegurados o contraditoacuterio e a ampla defesa

VIII ndash prorrogar o prazo de duraccedilatildeo do inqueacuterito estando o investigado preso

em vista das razotildees apresentadas pelo delegado de poliacutecia e observado o disposto no

paraacutegrafo uacutenico deste artigo

IX ndash determinar o trancamento do inqueacuterito policial quando natildeo houver

fundamento razoaacutevel para sua instauraccedilatildeo ou prosseguimento

X ndash requisitar documentos laudos e informaccedilotildees ao delegado de poliacutecia sobre

o andamento da investigaccedilatildeo

XI ndash decidir sbre os pedidos de a) interceptaccedilatildeo telefocircnica do fluxo de

comunicaccedilotildees em sistemas de informaacutetica e telemaacutetica ou de outras formas de

comunicaccedilatildeo b) quebra dos sigilos fiscal bancaacuterio e telefocircnico c) busca e

apreensatildeo domiciliar d) acesso a informaccedilotildees sigilosas e) outros meios de

obtenccedilatildeo da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado

XII ndash julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denuacutencia

XIII ndash determinar a realizaccedilatildeo de exame meacutedico de sanidade mental nos

termos do art 452 sect 1ordm

XIV ndash arquivar o inqueacuterito policial

XV ndash assegurar prontamente quando se fizer necessaacuterio o direito de que

tratam os arts 11 e 37

XVI ndash deferir pedido de admissatildeo de assistente teacutecnico para acompanhar a

produccedilatildeo da periacutecia

XVII ndash outras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigo

155

Como pode ser observado o projeto de Coacutedigo optou por enumerar as

competecircncias legais do juiz das garantias com o cuidado de prever a claacuteusula do inciso

XVII do art 14 (ldquooutras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigordquo)

De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira nem seria necessaacuterio entrar em

tantos detalhes pois do confronto do caput do art 14 segundo o qual ldquoO juiz das

garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela

salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo

preacutevia do Poder Judiciaacuterio ()rdquo com a regra de competecircncia do caput do art 15 que

dispotildee que ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto

as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo seria

plenamente possiacutevel concluir que toda e qualquer mateacuteria que reclame intervenccedilatildeo judicial

na fase de investigaccedilatildeo seria da competecircncia do juiz das garantias830

Todas as infraccedilotildees penais satildeo abrangidas pela competecircncia do juiz das garantias

ressalvadas as de menor potencial ofensivo831

que seguem o rito dos juizados especiais832

Uma vez proposta a accedilatildeo penal cessa sua competecircncia833

isto eacute a distribuiccedilatildeo da accedilatildeo

penal seraacute ldquoo divisor de aacuteguasrdquo834

Proposta a accedilatildeo penal portanto o juiz das garantias sai

de cena passando o bastatildeo para o juiz do processo que entatildeo decidiraacute as questotildees

pendentes835

podendo ainda reexaminar a necessidade das medidas cautelares em

curso836

No que diz respeito aos crimes de competecircncia originaacuteria dos tribunais as funccedilotildees

do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma

regimental que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator837

830

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 831

Tal exceccedilatildeo eacute objeto de criacutetica da doutrina Por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 do Instituto

Brasileiro de Direito Processual busca-se suprimir a ressalva de que a competecircncia do juiz de garantia natildeo

abrangeria as infraccedilotildees de menor potencial ofensivo sob o fundamento de que ldquomesmo nestes casos poderaacute

haver necessidade de decisotildees judiciais sobre medidas cautelares ou outros atos de competecircncia do juiz das

garantiasrdquo 832

PASSOS Edilenice Op cit 833

Art 15 A competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor

potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penal 834

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 835

Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 836

Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o

oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso 837

Art 314 ldquoNas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves

disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash

156

Em siacutentese o juiz das garantias seraacute o destinataacuterio de todos os pedidos de

diligecircncias formulados durante a investigaccedilatildeo criminal que interfiram na esfera de direitos

do investigado aleacutem de decidir sobre as medidas cautelares838

Cabe-lhe tutelar a

regularidade da investigaccedilatildeo sobretudo quando esta puder atingir direitos fundamentais839

Ao juiz das garantias podem recorrer tanto a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico de um lado

como o investigado do outro de maneira que a investigaccedilatildeo natildeo saia da legalidade Trata-

se portanto de um ldquojuiz de salvaguardas Peccedila-chave no modelo acusatoacuterio em

construccedilatildeordquo840

Compreendidos o acircmbito de atuaccedilatildeo e funccedilatildeo do juiz das garantias deve-se

esclarecer a sua finalidade

4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro

Partindo-se da proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009 temos que o

deslocamento de um oacutergatildeo da jurisdiccedilatildeo com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo da tarefa de

examinar cuidadosamente a necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de

direitos individuais como a intimidade a privacidade e a honra atende a duas estrateacutegias

bem definidas a saber a) a otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal inerente agrave

especializaccedilatildeo na mateacuteria e ao gerenciamento do respectivo processo operacional e b)

manter o distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em

relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo

A nova figura atenderia portanto a dois objetivos centrais Examinemos entatildeo

cada um deles

as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental que

ficaraacute impedido de atuar no processo como relator()rdquo 838

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90 839

IBID p 90 840

IBID p 90

157

41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal

A primeira justificativa elencada pelo Projeto para a criaccedilatildeo de um magistrado para

atuar exclusivamente na investigaccedilatildeo preliminar reside pois no aprimoramento da atuaccedilatildeo

jurisdicional criminal na preservaccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais

Segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquodever de cuidado natildeo eacute suficiente na

esfera penal em razatildeo da profundeza das violaccedilotildees fazendo-se necessaacuterio o

estabelecimento de garante exclusivordquo841

A exposiccedilatildeo de motivos do Projeto 1562009 nesse sentido eacute clara ao exigir a

criaccedilatildeo um oacutergatildeo jurisdicional com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo dessa missatildeo um

juizado das garantias natildeo bastando que o juiz do processo seja outro que natildeo o juiz que

atuou na fase preacute- processual842

De acordo do Simone Schreiber natildeo haacute duacutevida de que o novo Coacutedigo de Processo

Penal poderia apenas instituir uma regra de impedimento em que o juiz que houvesse

tomado qualquer decisatildeo na fase investigatoacuteria estaria impedido de atuar na fase

processual843

Contudo o Projeto estaacute um passo agrave frente prevendo um juiz especializado

que teraacute a atribuiccedilatildeo exclusiva de tutelar os direitos das pessoas investigadas e a legalidade

da atuaccedilatildeo dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo844

Nesse contexto tem-se em mente que a previsatildeo de um juiz que atue

exclusivamente na investigaccedilatildeo pode proporcionar as vantagens esperadas de todo e

qualquer processo de especializaccedilatildeo845

A existecircncia de um magistrado cuja atuaccedilatildeo esteja

voltada especificamente para a investigaccedilatildeo significaraacute maior capacitaccedilatildeo e portanto

ganho de celeridade846

ldquoUma rotina especiacutefica de trabalho tende a gerar com o tempo

expertise eficiecircncia e agilidaderdquo847

841

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 842

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 843

SCHREIBER Simone Juiz de garantias no projeto do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo IBCCRIM n 213 ago 2010 844

IBID 845

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 846

PASSOS Edilenice Op cit 847

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89

158

Pode-se dizer sem duacutevidas que esse foi o objetivo almejado com a criaccedilatildeo de varas

de inqueacuteritos policiais em algumas capitais brasileiras como Belo Horizonte Curitiba e

Satildeo Paulo848

onde existe uma equipe capacitada para de forma aacutegil ainda no calor dos

acontecimentos deliberar entre a retirada da sociedade de imediato de algueacutem que oferece

ameaccedila ou a correccedilatildeo da arbitrariedade do Estado numa eventual injusticcedila praticada contra

um cidadatildeo e o Estado Democraacutetico de Direito o que inegavelmente natildeo eacute uma tarefa

nada faacutecil Trata-se pelo contraacuterio de um trabalho meticuloso O juiz das garantias nesse

sentido eacute ldquouma proposta orientada aos resultadosrdquo849

No mesmo sentido Jacinto Nelson de Miranda Coutinho ressalta que a criaccedilatildeo do

juiz das garantias possibilitaraacute que dois faccedilam obviamente no acircmbito das suas

competecircncias o trabalho agora reservado a um soacute devendo aumentar o nuacutemero de juiacutezes

ldquoo que eacute uma necessidade que se natildeo discute maisrdquo850

De acordo com Simone Schreiber ldquoa instituiccedilatildeo de juiacutezes de garantia

evidentemente com estrutura proacutepria sem duacutevida traraacute maior agilidade ao funcionamento

das varas criminaisrdquo851

dado que os juiacutezes dessas varas poderatildeo dedicar-se

exclusivamente agrave conduccedilatildeo cuidadosa e ceacutelere do processo criminal assegurando os

direitos das partes de postulaccedilatildeo e instruccedilatildeo e proferindo a sentenccedila criminal vaacutelida e justa

em prazo razoaacutevel852

Portanto como se conclui da disposiccedilatildeo do juiz das garantias e de sua competecircncia

no Projeto de Coacutedigo de Processo Penal a expectativa de aprimoramento do processo

penal brasileiro apoacutes o seu advento estaacute no fato de que se contaraacute a partir de entatildeo com

um oacutergatildeo judiciaacuterio responsaacutevel exclusivamente pela tutela das inviolabilidades pessoais

848

IBID p 89 ldquoTodavia eacute preciso ter claro que o juiz das garantias difere do juiz das varas de inqueacuterito

policial hoje instituiacutedas em algumas capitais como Satildeo Paulo e Belo Horizonte Eacute que o juiz das garantias

deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio que se quer adotar Por conseguinte o juiz das

garantias natildeo seraacute o gerente do inqueacuterito policial pois natildeo lhe cabe requisitar a abertura da investigaccedilatildeo

tampouco solicitar diligecircncias agrave autoridade policial Ele agiraacute mediante provocaccedilatildeo isto eacute a sua

participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da pessoa

investigada O inqueacuterito tramitaraacute diretamente entre poliacutecia e Ministeacuterio Puacuteblico Quando houver

necessidade referidos oacutergatildeo dirigir-se-atildeo ao juiz das garantias Hoje diferentemente tudo passa pelo juiz

da vara de inqueacuteritos policiaisrdquo PASSOS Edilenice Op cit 849

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 850

COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Legibus Solutio a sensaccedilatildeo dos que satildeo contra a reforma global

do CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 210 mai 2010 851

SCHREIBER Simone Op cit 852

IBID

159

cuja especializaccedilatildeo no exame de questotildees atreladas agrave proteccedilatildeo da intimidade privacidade e

honra do cidadatildeo otimizaraacute a participaccedilatildeo do juiz na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal

Em uacuteltima instacircncia segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquoa otimizaccedilatildeo do

controle com a vedaccedilatildeo dos excessos persecutoacuterios garante a restriccedilatildeo dos direitos

fundamentais no plano da excepcionalidade ou seja a manutenccedilatildeo da unidade e

harmonia da Constituiccedilatildeo Federalrdquo853

Portanto dentre as finalidades primazes do juiz das garantias estatildeo a garantia de

melhor cumprimento de vaacuterios direitos prometidos e assegurados pelo Estado quando da

ediccedilatildeo da Constituiccedilatildeo e o aperfeiccediloamento da investigaccedilatildeo tornando-a mais ceacutelere e

eficiente sem com isso perder a constitucionalidade854

42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual

A especializaccedilatildeo inerente agrave nova figura judicial que se quer implementar poreacutem

tem em mira um segundo objetivo que eacute o que justifica de fato sua adoccedilatildeo e que visa

atender aos anseios de parcela consideraacutevel da doutrina qual seja assegurar a

imparcialidade objetiva do juiz garantindo-se que o juiz do processo tenha plena liberdade

criacutetica em relaccedilatildeo aos trabalhos da fase investigativa855

A preocupaccedilatildeo do projeto estampada na sua exposiccedilatildeo de motivos eacute ldquopreservar ao

maacuteximo o distanciamento do julgador ao menos em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo dos elementos

que venham a configurar a pretensatildeo de qualquer das partesrdquo856

A figura do juiz das garantias e as restriccedilotildees em tema de investigaccedilatildeo foram

pensadas portanto acima de tudo ldquocomo forma de valorizar o que haacute de mais nobre na

853

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 854

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo do ldquojuiz das garantiasrdquo Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo IBCCRIM ed esp CPP ago 2010 855

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 856

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias

160

atividade do julgador e de onde ele retira o tiacutetulo de legitimidade de sua funccedilatildeo isto eacute a

imparcialidaderdquo857

O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 como analisado no Capiacutetulo III deste estudo

prevecirc vaacuterias formas de participaccedilatildeo do juiz na fase investigatoacuteria Contudo apoacutes a

Constituiccedilatildeo de 1988 que consagrou o sistema acusatoacuterio natildeo soacute no art 129 I mas

tambeacutem como corolaacuterio da claacuteusula do due process of law essa atuaccedilatildeo vem sendo

consideravelmente reduzida858

No que se refere agraves medidas de caraacuteter investigatoacuterio ou assecuratoacuterio restritivas de

direitos fundamentais que devam ser tomadas na fase de investigaccedilatildeo poreacutem natildeo se pode

prescindir da participaccedilatildeo do juiz859

que no sistema do atual Coacutedigo de Processo Penal eacute o

mesmo que posteriormente julgaraacute a accedilatildeo penal por conta da regra de fixaccedilatildeo da

competecircncia desse juiz por prevenccedilatildeo

Esse papel que o juiz eacute chamado a exercer demanda redobrado cuidado pois se por

um lado ele natildeo pode substituir os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal na conduccedilatildeo da investigaccedilatildeo

e tambeacutem natildeo deve restringir indevidamente a accedilatildeo desses oacutergatildeos por outro ele natildeo pode

se desvencilhar de sua tarefa de tutelar os direitos das pessoas investigadas impedindo que

sofram restriccedilotildees injustificadas ou desarrazoadas860

E principalmente ele deve procurar

natildeo se contaminar pelas versotildees dos fatos que lhes satildeo trazidas pela autoridade policial e

pelo Ministeacuterio Puacuteblico no curso da investigaccedilatildeo o que natildeo eacute uma tarefa simples861

Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ressalta que ao se impor nessa nossa atual legislaccedilatildeo

que o juiz atue tanto em fase investigativa quanto judicial exige-se dele um

ldquocomportamento inumanordquo fundado na aptidatildeo de desconsiderar suas experiecircncias

anteriores com a causa na fase de investigaccedilatildeo ldquopara avaliar se aquilo que ele ajudou a

produzir eacute idocircneo para acusar e em momento apenas cronologicamente posterior eacute

suficiente para condenarrdquo862

De acordo com Andreacute Machado Maya essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-

processual exige uma tamanha proximidade do magistrado com os elementos indiciaacuterios

857

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 858

SCHREIBER Simone Op cit 859

IBID 860

IBID 861

IBID 862

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo

161

colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem margens a duacutevidas cria no subjetivo do

magistrado impressotildees e preacute-conceitos incompatiacuteveis com alheamento que deve guiar a sua

atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da

atividade jurisdicional penal863

Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ningueacutem eacute capaz de negar que um

magistrado instado a intervir na fase de investigaccedilatildeo jaacute forme sua convicccedilatildeo desde esse

primeiro instante sendo natildeo raras vezes irrelevante e dispensaacutevel a fase judicial864

Isso

porque o juiz que atua no inqueacuterito mantendo o flagrante ou decretando a prisatildeo

preventiva do investigado autorizando a quebra dos dados resguardados por sigilo

constitucional ou permitindo teacutecnicas invasivas como a infiltraccedilatildeo de agentes tende

inevitavelmente a assumir a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo criminal865

Assim o juiz que atua na fase de investigaccedilatildeo embora obviamente com funccedilotildees

distintas muito se aproxima psicologicamente da figura do Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo cuja

funccedilatildeo eacute analisar se haacute fundamento idocircneo e suficiente para acusar por meio do exame do

material investigativo agrave sua disposiccedilatildeo866

No mesmo sentido Simone Schreiber afirma que se na fase investigatoacuteria a

autoridade policial dirige-se ao juiz para requerer a adoccedilatildeo de medidas cautelares que

impliquem em restriccedilatildeo a direitos fundamentais do investigado eacute inevitaacutevel que este juiz

acabe participando da investigaccedilatildeo ainda que em tese na posiccedilatildeo de garante dos direitos

das pessoas atingidas por tais medidas867

Por conseguinte quando a investigaccedilatildeo eacute encerrada o juiz jaacute estaacute absolutamente

familiarizado com os fatos dado que participou intensamente da investigaccedilatildeo policial e jaacute

formou um juiacutezo sobre o que ocorreu e quem satildeo as pessoas envolvidas868

Ao se determinar essa atuaccedilatildeo duacuteplice ao juiz Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes afirma

que estamos conduzindo-o para uma inevitaacutevel presunccedilatildeo de culpa que soacute seraacute revertida se

a defesa provar a inocecircncia do acusado869

Caso contraacuterio seraacute mantida a convicccedilatildeo

863

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 864

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 865

PASSOS Edilenice Op cit 866

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 867

SCHREIBER Simone Op cit 868

IBID 869

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo

162

formada pelo magistrado desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo penal em clara afronta agrave presunccedilatildeo

de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional deveria orientar o juiz no curso de toda

a causa870

Nesse cenaacuterio de acordo com Simone Schreiber ldquoeacute evidente que a defesa entra em

desvantagem e sua fala jaacute natildeo merece a mesma atenccedilatildeo e credibilidade daquele juizrdquo871

dado que se foi ele proacuteprio quem avaliou e atestou a pertinecircncia e a legalidade das medidas

probatoacuterias realizadas na fase preacute-processual ldquoeacute bastante improvaacutevel que ele desqualifique

a prova que foi produzida e mude de ideia quanto ao resultado que foi colhidordquo872

Eacute portanto extremamente difiacutecil senatildeo praticamente impossiacutevel que o juiz se

mantenha alheio agraves versotildees dos fatos que vatildeo sendo expostas ao longo investigaccedilatildeo e que

lhe satildeo relatadas pela autoridade policial a cada nova representaccedilatildeo A participaccedilatildeo no

inqueacuterito desse modo contamina o juiz tornando muito mais aacuterdua a tarefa da defesa de

se fazer ouvir no processo873

A cada vez que o juiz eacute instado a decidir mateacuteria pertinente agrave investigaccedilatildeo eacute

indiscutiacutevel que ele faraacute uma anaacutelise ainda que superficial do objeto desta Estaacute claro

pois que essa atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo obriga o juiz a formular uma opiniatildeo ainda que natildeo

definitiva sobre a linha investigatoacuteria adotada e sobre os fatos e pessoas nela

envolvidas874

o que lhe impediraacute de decidir posteriormente com total isenccedilatildeo e

imparcialidade

A separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos

com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente

daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal tem como fim uacuteltimo entatildeo a preservaccedilatildeo

da imparcialidade do juiz competente para o julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal875

O que se visa portanto com essa nova figura juriacutedica natildeo eacute apenas atender o

cidadatildeo na proteccedilatildeo de seus direitos na investigaccedilatildeo e os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo em ter um

juiz mais familiarizado com a realidade de uma investigaccedilatildeo criminal mas a grande

870

IBID 871

SCHREIBER Simone Op cit 872

IBID 873

IBID 874

IBID 875

MAYA Andreacute Machado Outra vez

163

finalidade da sua inserccedilatildeo estaacute em garantir que o juiz da causa natildeo atue contaminado por

sua atuaccedilatildeo anterior em fase investigativa876

Em outros termos trata-se o juizado das garantias de um instituto processual cuja

principal finalidade eacute a de garantir um maior distanciamento entre o juiz responsaacutevel por

proferir a decisatildeo penal e os elementos indiciaacuterios colhidos durante o inqueacuterito policial no

intuito de minimizar o quanto possiacutevel a contaminaccedilatildeo do magistrado e com isso

privilegiar a garantia da imparcialidade sobretudo no seu aspesto objetivo877

A ideia eacute garantir ao juiz do processo ampla liberdade criacutetica em relaccedilatildeo ao material

colhido na fase de investigaccedilatildeo878

Ora como jaacute exposto a exigecircncia de imparcialidade

objetiva do magistrado com vistas a evitar que a causa seja julgada por juiz de cuja

imparcialidade se possa suspeitar impotildee que se considere impedido de julgar um juiz que

esteja comprometido com um conhecimento preacutevio sobre os fatos da investigaccedilatildeo879

atribuindo-se a julgadores distintos as funccedilotildees de atuar na fase de investigaccedilatildeo preliminar e

durante o processo judicial

Com isso busca-se evitar o inegaacutevel comprometimento do resultado e a inevitaacutevel

vinculaccedilatildeo psicoloacutegica que o magistrado que atuou na investigaccedilatildeo traz consigo para a

accedilatildeo penal880

ldquoRompem-se assim viacutenculos ou laccedilos de qualquer ordem em relaccedilatildeo agrave

etapa precedenterdquo881

O juiz do processo responsaacutevel pela anaacutelise do meacuterito natildeo responderaacute pela

legalidade ou qualidade dos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo882

Ao

contraacuterio Como a sua marca natildeo foi deixada no inqueacuterito eacute razoaacutevel supor que estaraacute em

melhores condiccedilotildees de avaliar criacutetica e imparcialmente o trabalho desenvolvido naquela

fase883

ldquoA vinda do juiz das garantias ao cenaacuterio processual brasileiro joga a favor pois

do princiacutepio de imparcialidaderdquo884

876

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 877

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 878

PASSOS Edilenice Op cit 879

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 880

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 881

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 882

IBID p 89 883

IBID p 89 884

IBID p 89

164

Desse modo para que o processo tenha respeitado o equiliacutebrio de forccedilas e

assegurada a imparcialidade do magistrado seria melhor na oacutetica do PLS nordm 156 de 2009

separar as duas funccedilotildees885

Para Fabiano Augusto Martins Silveira eacute faacutecil acompanhar o raciociacutenio

Natildeo tendo emitido juiacutezo sobre a oportunidade e conveniecircncia de diligecircncias

que invadem direitos fundamentais do investigado tampouco sobre pedidos

cautelares o magistrado entra no processo sem o peso de ter decidido a favor ou

contra uma das partes886

Natildeo leva consigo o passivo da fase preacute-processual Natildeo

tem compromisso pessoal com o que se passou Natildeo colaborou na identificaccedilatildeo das

fontes de prova Natildeo manteve o flagrante nem decretou a prisatildeo preventiva Natildeo

impocircs o sequestro de bens Natildeo autorizou a interceptaccedilatildeo de conversas telefocircnicas

nem a infiltraccedilatildeo de agentes etc etc Quer dizer em nenhum momento

compartilhou a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal887

Com a separaccedilatildeo na atuaccedilatildeo judicial conforme projetado garante-se de forma

muito mais efetiva o devido processo legal o direto de defesa o direito agrave prova e a

presunccedilatildeo de inocecircncia888

bem como se otimiza o contraditoacuterio viabilizando que o

magistrado julgador tome contato com a prova e portanto forme sua convicccedilatildeo apenas

durante a instruccedilatildeo criminal com a paritaacuteria participaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa889

Tudo

porque se criou um novo sistema que assegura uma maior imparcialidade judicial e com

isso uma maior isenccedilatildeo psicoloacutegica do magistrado no momento de julgar a causa890

Por

isso se dizer que o juiz das garantias daacute maior efetivaccedilatildeo ao princiacutepio acusatoacuterio

determinado constitucionalmente891

Assim segundo Simone Schreiber a regra que se pretende introduzir de que o juiz

que participou da investigaccedilatildeo natildeo seja o mesmo que vai julgar o processo sem duacutevida eacute

885

PASSOS Edilenice Coacutedigo 886

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 887

IBID p 89 888

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 889

MAYA Andreacute Machado Outra vez 890

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 891

IBID

165

consentacircnea com o sistema acusatoacuterio eleito pelo constituinte de 1988892

O juiz

competente para processar e julgar a accedilatildeo penal natildeo tendo sido chamado a tomar decisotildees

relativas agrave fase investigatoacuteria estaraacute muito mais apto a realizar um julgamento justo e

imparcial893

Inegaacutevel portanto segundo Gustavo Badaroacute que ldquoa imparcialidade sobretudo em

seu aspecto objetivo restaraacute melhor assegurada se houver uma absoluta separaccedilatildeo entre

as figuras do juiz que iraacute proferir decisotildees na fase de investigaccedilatildeo e o juiz que iraacute julgar a

causardquo894

Nesse sentido inequiacutevoca a conveniecircncia de se adotar a figura de um juiz das

garantias conforme proposto pelo Projeto de Coacutedigo de Processo Penal ndash PLS nordm

1562009 cujo resultado final seraacute indubitavelmente a instituiccedilatildeo de uma Justiccedila criminal

mais justa garantista e eficiente895

Eacute preciso dizer no entanto que o instituto do juiz das garantias e a proposta de sua

inserccedilatildeo no processo penal brasileiro natildeo estatildeo imunes a objeccedilotildees e resistecircncia por parte de

parcela da doutrina Pelo contraacuterio O capiacutetulo seguinte seraacute dedicado entatildeo ao exame das

criacuteticas mais comumente dirigidas agrave figura do juiz das garantias bem como agrave apresentaccedilatildeo

das sugestotildees e propostas de melhorias jaacute formuladas com relaccedilatildeo ao modelo proposto pelo

Projeto de Lei 1562009

892

SCHREIBER Simone Op cit 893

IBID 894

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 895

SCHREIBER Simone Op cit

166

CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO

1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal

O artigo 15 do Projeto de Lei do Senado 1562009 em sua parte final dispotildee que a

competecircncia do juiz das garantias cessa com a propositura da accedilatildeo penal896

Necessaacuterio ressaltar aqui a clara menccedilatildeo agrave propositura e natildeo ao recebimento da

denuacutencia ou queixa Natildeo seraacute pois pela redaccedilatildeo do projeto em comento da competecircncia

do juiz das garantias receber ou rejeitar a inicial acusatoacuteria897

cabendo tal providecircncia

como consequecircncia ao juiz do processo

Importa considerar consoante liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya que o recebimento da

denuacutencia ou queixa embora reconhecido pela jurisprudecircncia como um ato decisoacuterio que

dispensa motivaccedilatildeo898

exige do magistrado um exame dos pressupostos processuais das

condiccedilotildees da accedilatildeo e da justa causa pois conforme dispotildee o artigo 395899

do atual Coacutedigo

de Processo Penal a sua ausecircncia impotildee a rejeiccedilatildeo da inicial acusatoacuteria900

Assim embora diante de uma avaliaccedilatildeo preliminar o juiz ao receber a denuacutencia ou

queixa deve convencer-se da probabilidade do alegado na peccedila acusatoacuteria entendendo

existirem elementos soacutelidos acerca do fumus comissi delicti901

Necessaacuterio pois o exame

pelo magistrado dos elementos colhidos na fase preliminar antes de ser recebida ou

rejeitada a peccedila inicial902

896

Art 15 ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor

potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo 897

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 898

IBID p 228 899

Art 395 A denuacutencia ou queixa seraacute rejeitada quando I - for manifestamente inepta II - faltar

pressuposto processual ou condiccedilatildeo para o exerciacutecio da accedilatildeo penal ou III - faltar justa causa para o exerciacutecio

da accedilatildeo penal 900

Dispotildee o projeto em seu artigo 274 Estando presentes as condiccedilotildees da accedilatildeo e os pressupostos

processuais o juiz receberaacute a acusaccedilatildeo e natildeo sendo o caso de absolviccedilatildeo sumaacuteria ou de extinccedilatildeo da

punibilidade designaraacute dia e hora para a instruccedilatildeo ou seu iniacutecio em audiecircncia a ser realizada no prazo

maacuteximo de 90 (noventa dias) determinando a intimaccedilatildeo do oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico do defensor ou

procurador e das testemunhas que deveratildeo ser ouvidas 901

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 902

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307

167

Ainda conforme salientado por Miguel Reale Junior caberaacute ao juiz do processo

decretar a absolviccedilatildeo sumaacuteria reconhecendo de plano a ausecircncia de justa causa seja pela

presenccedila de uma causa excludente de criminalidade seja diante da atipicidade do fato cujo

exame tambeacutem soacute poderaacute ser feito obviamente com base na prova colhida na fase

inquisitiva903

A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal

assim gera o inevitaacutevel inconveniente de impor a esse magistrado o exame dos elementos

indiciaacuterios colhidos na fase preacute-processual904

para entatildeo avaliar em juiacutezo provisoacuterio a

existecircncia de justa causa para a accedilatildeo penal ldquoo que natildeo deixa de lanccedilar luzes na alta

probabilidade de que o fato delituoso existe eacute tiacutepico e o denunciado eacute o seu autorrdquo905

Tais situaccedilotildees segundo Miguel Reale Junior ldquodenotam uma insuperaacutevel contradiccedilatildeo

do Projetordquo906

Nesse sentido Andreacute Machado Maya aduz que o projeto ldquoparece ter-se

afastado da linha teoacuterica proposta na sua proacutepria exposiccedilatildeo de motivosrdquo907

A anaacutelise necessaacuteria ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia assim como ocorre nas

decisotildees relativas agraves medidas cautelares gera uma aproximaccedilatildeo do magistrado com os

elementos colhidos na investigaccedilatildeo908

sobretudo porque natildeo lhe restaraacute outra opccedilatildeo que

natildeo a de buscar nos autos do inqueacuterito policial ndash que conforme o artigo 15 sect 3ordm do

projeto permaneceratildeo apensados ao processo909

ndash o material de convencimento da

existecircncia do crime e de indiacutecios suficientes de autoria910

903

REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm

113 p 109 904

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 905

GOMES Abel Fernandes Op cit p 102 906

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 109 907

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 908

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 909

Esta eacute aliaacutes outra criacutetica formulada ao projeto Segundo Gabriela Schneider a juntada aos autos do

material colhido na fase de investigaccedilatildeo preliminar sobretudo das questotildees apreciadas pelo juiz das

garantias acarretaraacute a indesejada contaminaccedilatildeo do juiz do processo ainda que inconscientemente Portanto

conclui-se que o disposto no art 15 sect 3deg do Projeto eacute incompatiacutevel com o sistema acusatoacuterio pois fere um

dos principais objetivos que se busca com a introduccedilatildeo do juiz das garantias no processo penal brasileiro

assegurar a imparcialidade do magistrado que atuaraacute na fase processual evitando que ele se contamine com

as provas colhidas na fase investigatoacuteria SCHNEIDER Gabriela O Juiz das Garantias na reforma do CPP

uma anaacutelise frente ao sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em httpwwwibccrimorgbr acessado em

23102013 910

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228

168

O exame dos autos da investigaccedilatildeo preliminar no entanto arruiacutena por completo o

alheamento que a figura do juiz das garantias pretende proporcionar ao magistrado do

processo911

Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya tendo em vista que o juiz das

garantias jaacute estaacute em contato com os elementos indiciaacuterios produzidos na fase preacute

processual que o recebimento ou a rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa fosse ato processual de

sua competecircncia912

passando ao juiz da causa a accedilatildeo penal jaacute instaurada e a relaccedilatildeo

processual jaacute plenamente formada913

No mesmo sentido de acordo com Nereu Joseacute Giacomolli o juiacutezo acerca do

recebimento ou natildeo da denuacutencia deveria ser realizado pelo juiz das garantias e natildeo pelo

juiz do processo diante da contaminaccedilatildeo posterior deste pelo contato com os elementos

colhidos na fase preliminar914

Exatamente nesse sentido a proposta de melhoria do PLS 1562009 formulada pelo

Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e encaminhada ao Congresso Nacional

por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Tal emenda confere nova redaccedilatildeo ao

caput do artigo 15 do Projeto dispondo que a competecircncia do juiz das garantias ldquocessa

com o recebimento da denuacutencia ou queixardquo As justificativas apontadas pela Emenda para

tal alteraccedilatildeo satildeo apresentadas logo a seguir

() para dar mais efetividade agrave separaccedilatildeo das atividades e evitar um preacute-

conceito do julgador que atua na fase da investigaccedilatildeo preliminar em relaccedilatildeo agrave

decisatildeo de meacuterito eacute melhor que o juiz das garantias seja tambeacutem o competente

para o recebimento da denuacutencia ou queixa Ateacute mesmo porque ele jaacute teve contado

com o material produzido Assim sendo o juiz do processo ficaria isento de qualquer

preacute-julgamento antes da sentenccedila Se o recebimento da denuacutencia competir ao juiz do

processo ele teraacute que analisar todos os elementos de informaccedilatildeo do inqueacuterito risco

de comprometer sua imparcialidade objetiva

911

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 912

IBID 913

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 914

ldquoEvidentemente que os dois juiacutezes poderiam restar contaminados pelos elementos da fase preliminar mas

o dano menor desta situa-se quando for o juiz das garantias o recebedor da denuacutenciardquo GIACOMOLLI

Nereu Joseacute Op cit p 307 No mesmo sentido BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85

169

Essa sugestatildeo tem como finalidade portanto evitar que os autos do inqueacuterito

policial sirvam para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz da causa com exceccedilatildeo eacute claro dos

elementos de informaccedilatildeo irrepetiacuteveis ou urgentes915

cuja produccedilatildeo tenha sido realizada

nessa fase preliminar e o material utilizado pelo juiz das garantias para a determinaccedilatildeo de

medidas cautelares916

Natildeo restam duacutevidas desse modo de que a cargo do juiz das garantias deveria estar

a decisatildeo acerca da necessidade ou natildeo do processo917

Com isso se estaraacute afastando

qualquer necessidade de o juiz da instruccedilatildeo processual aproximar-se do material

informativo que compotildee o inqueacuterito policial exceto como jaacute ressalvado quando para

tomar conhecimento das provas ditas irrepetiacuteveis918

De fato se o objetivo eacute afastar o juiz

do contato com a investigaccedilatildeo preliminar entatildeo outro caminho natildeo resta que atribuir a

decisatildeo sobre o iniacutecio do processo penal ao proacuteprio juiz das garantias919

2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves

decisotildees do juiz das garantias

Ainda com relaccedilatildeo ao mesmo artigo 15 do Projeto consta que uma vez proposta a

accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo apreciadas pelo juiz do processo920

-

compreendido como o responsaacutevel pela instruccedilatildeo criminal ndash bem como que as decisotildees

proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o magistrado do processo que poderaacute apoacutes

o oferecimento da denuacutencia reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso921

915

Como exemplos podem ser citadas a juntada de documentos e a realizaccedilatildeo de algumas periacutecias 916

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 917

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 Para o autor ldquoisso poderia ser sistematizado atraveacutes de uma

audiecircncia intermediaacuteria dirigida pelo juiz das garantias momento em que poderia restar delimitada a

acusaccedilatildeordquo 918

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228-229 919

IBID p 229 920

Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 921

Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o

oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso

170

A primeira criacutetica neste ponto eacute dirigida agrave redaccedilatildeo do artigo 15 sect 1ordm segundo a

qual ldquoas questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processordquo922

Aqui no mesmo

sentido da criacutetica formulada em relaccedilatildeo ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia pelo juiz

do processo tem-se claramente uma vez mais a possibilidade de contaminaccedilatildeo do juiz

pelos elementos de convicccedilatildeo produzidos no inqueacuterito policial exatamente em sentido

oposto ao objetivo do instituto do juiz das garantias proposto pelo projeto923

Segundo Abel Fernandes Gomes em decorrecircncia desse dispositivo apoacutes o

oferecimento da denuacutencia e a instauraccedilatildeo da accedilatildeo penal competiraacute ao juiz responsaacutevel pelo

julgamento decidir sobre as mesmas questotildees que o juiz das garantias teraacute sob sua

competecircncia no curso da primeira fase da persecuccedilatildeo penal o que contraria sem margem a

duacutevidas o fundamento apresentado para a criaccedilatildeo do instituto do juiz das garantias924

Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya que todas as postulaccedilotildees da

autoridade policial ou do Ministeacuterio Puacuteblico referentes agrave investigaccedilatildeo criminal fossem

decididas pelo juiz das garantias e soacute depois fosse oferecida a denuacutencia925

Mas a incoerecircncia de acordo com Abel Fernandes Gomes vai mais aleacutem

Conforme disposto no sect 2ordm do mesmo artigo 15 ldquoas decisotildees proferidas pelo juiz das

garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o oferecimento da denuacutencia poderaacute

reexaminar a necessidade das medidas cautelares em cursordquo

A natildeo vinculaccedilatildeo das decisotildees tomadas pelo juiz das garantias em relaccedilatildeo ao juiz

da instruccedilatildeo eacute decorrecircncia loacutegica da independecircncia que rege a funccedilatildeo jurisdicional926

Assim de acordo com Miguel Reale Junior as decisotildees tomadas pelo juiz das

garantias como por exemplo o indeferimento de busca e apreensatildeo e de prisatildeo

preventiva natildeo subordinam o juiz do processo que poderaacute vir a decidir pleito de

realizaccedilatildeo de tais providecircncias solicitadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico assim que oferecida a

denuacutencia para determinar a prisatildeo preventiva por exemplo com base nas provas

923

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 924

GOMES Abel Fernandes Op cit p 101 925

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 926

IBID

171

existentes no inqueacuterito policial927

E depois sem nenhum impedimento iraacute prolatar

sentenccedila final928

Para Andreacute Machado Maya essa independecircncia natildeo eacute poreacutem irrestrita

encontrando limitaccedilatildeo no proacuteprio dispositivo legal quando destaca que poderaacute o

magistrado do processo reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso

sugerindo natildeo ser possiacutevel via de regra o reexame das que restaram indeferidas a natildeo ser

que haja novos elementos de convicccedilatildeo resultantes da prova produzida durante a instruccedilatildeo

criminal929

Nesse caso segundo o autor natildeo haacute como negar ao juiz do processo a

possibilidade de por exemplo determinar a interceptaccedilatildeo das comunicaccedilotildees telefocircnicas a

quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e telefocircnico ou mesmo a prisatildeo cautelar do reacuteu930

Tambeacutem quanto a essa questatildeo relativa agrave possibilidade de o juiz do processo

reexaminar a necessidade das medidas cautelares o Instituto Brasileiro de Direito

Processual (IBDP) formulou criacutetica sugerindo nova redaccedilatildeo ao sect 2ordm do artigo 15 agora

com remissatildeo expressa ao artigo 532 sect 2ordm VIII931

e ao artigo 562932

do Coacutedigo933

com a

finalidade de deixar claro que natildeo se trataraacute de possibilidade de decretaccedilatildeo ex offiacutecio mas

de reexame perioacutedico da medida

De qualquer forma o juiz competente para o processo e julgamento da accedilatildeo penal

poderaacute rever as decisotildees tomadas pelo juiz das garantias para o que inevitavelmente teraacute

que formar convicccedilatildeo preacutevia e decidir sobre pressupostos de algumas medidas que

necessariamente estatildeo ligadas agrave verificaccedilatildeo da existecircncia do crime e de indiacutecios

suficientes da autoria em momento que natildeo corresponde ao da avaliaccedilatildeo do meacuterito934

927

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 104 928

IBID p 109 929

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 930

IBID 931

Art 532 A decisatildeo que decretar prorrogar substituir ou denegar qualquer medida cautelar seraacute sempre

fundamentada () sect 2ordm Sem prejuiacutezo dos requisitos proacuteprios de cada medida cautelar a decisatildeo conteraacute

necessariamente () VIII ndash a data para reexame da medida quando obrigatoacuterio 932

Art 562 Qualquer que seja o seu fundamento legal a prisatildeo preventiva que exceder a 90 (noventa) dias

seraacute obrigatoriamente reexaminada pelo juiz ou tribunal competente para avaliar se persistem ou natildeo os

motivos determinantes da sua aplicaccedilatildeo podendo substituiacute-la se for o caso por outra medida cautelar 933

Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo

vinculam o juiz do processo que apoacutes o recebimento da denuacutencia ou queixa poderaacute reexaminar a

necessidade das medidas cautelares em curso nos termos dos artigos 532 sect 2ordm inc VIII e artigo 562 deste

Coacutedigo 934

GOMES Abel Fernandes Op cit p 101-102

172

Nessa circunstacircncia ldquoaquilo que seria o fundamento de tatildeo estrutural modificaccedilatildeo

no processo penal brasileiro acabaria esvaziado pela proacutepria leirdquo935

Por isso conforme sugestatildeo de Abel Fernandes Gomes mais coerente agraves intenccedilotildees

expostas pelo Projeto seria que o juiz do processo natildeo fosse instado a decidir sobre nada e

que o processo somente chegasse agraves suas matildeos para a realizaccedilatildeo da audiecircncia de instruccedilatildeo

e julgamento ocasiatildeo em que na sua presenccedila somente as provas orais seriam produzidas

sem que a partir daiacute nenhuma outra produccedilatildeo de prova ou diligecircncia viesse a ser

apreciada pelo magistrado encarregado de julgar o meacuterito mesmo que a requerimento das

partes soacute restando a ele proferir sentenccedila936

3 A escassez de recursos humanos e materiais

Outra grande objeccedilatildeo ao instituto do juiz das garantias senatildeo a maior delas natildeo eacute de

ordem conceitual mas de natureza eminentemente praacutetica e remete para o jaacute conhecido

argumento da falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio937

Muitas reaccedilotildees agrave figura do juiz das

garantias datildeo-se entatildeo sob o fundamento de que o Estado natildeo dispotildee de orccedilamento para

suprir as demandas que a criaccedilatildeo dos novos cargos determinaraacute938

Argumenta-se que tanto no acircmbito federal quanto estadual o Poder Judiciaacuterio natildeo

possui condiccedilotildees orccedilamentaacuterias para assegurar ao menos dois juiacutezes em cada seccedilatildeo

judiciaacuteria ou comarca do territoacuterio nacional939

bem como que a proposta passaraacute

inevitavelmente por grandes entraves na sua concretizaccedilatildeo dada a extensatildeo do territoacuterio

nacional e suas realidades regionais diversas940

Como jaacute exposto o exerciacutecio das funccedilotildees de juiz de garantias eacute causa de impedimento

desse magistrado para fins de posterior atuaccedilatildeo nas seguintes fases desse mesmo processo

A questatildeo que se coloca eacute portanto como aplicar a regra de impedimento nas comarcas

935

IBID p 102 936

IBID p 102 937

MAYA Andreacute Machado Outra vez 938

BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 939

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 940

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91

173

que contam com apenas um juiz Para Miguel Reale Juacutenior trata-se de ldquouma realidade

absolutamente incontornaacutevelrdquo941

Natildeo se pode negar que de fato a realidade do Poder Judiciaacuterio no paiacutes eacute complicada

Eacute possiacutevel verificar que no site do Conselho Nacional de Justiccedila na paacutegina referente agrave

Justiccedila em Nuacutemeros942

em 2012 havia na Justiccedila Estadual em todo o paiacutes 11960

magistrados concentrados mais da metade deles nos Estados de Satildeo Paulo943

Paranaacute944

Minas Gerais945

Rio de Janeiro946

e Rio Grande do Sul947

Assim haacute nos 22 Estados

restantes pouco mais de 5000 magistrados Seis Estados tecircm entre 100 e 200 juiacutezes948

em

trecircs Estados menos de 100 juiacutezes949

ldquoComo entatildeo pensar-se em um paiacutes com este quadro de magistrados na exigecircncia de

um juiz das garantias competente para despachar atos do inqueacuterito diferente do juiz do

processordquo950

De acordo com Miguel Reale Juacutenior mais de 50 das comarcas tecircm apenas um juiz

enquanto um nuacutemero grande de comarcas possui dois juiacutezes sendo que a saiacuteda em feacuterias

ou doenccedila de um emperraraacute o processo pois o que autorizou uma busca e apreensatildeo natildeo

poderaacute receber ou rejeitar a denuacutencia951

Para Faacutebio Roque Arauacutejo a criaccedilatildeo efetiva desta nova figura processual

inegavelmente possui consideraacuteveis empecilhos sobretudo no que diz respeito agrave

estruturaccedilatildeo das leis de organizaccedilatildeo judiciaacuteria952

Segundo o autor natildeo eacute possiacutevel ignorar o

fato de que boa parte das Unidades da Federaccedilatildeo sofre com a insuficiecircncia de magistrados

o que dificultaria a implementaccedilatildeo de regras praacuteticas relativas agrave substituiccedilatildeo de julgadores

941

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 942

httpwwwcnjjusbrimagespesquisasjudiciariasPublicacoesrelatorio_jn2013pdf acessado em

15102013 943

2528 magistrados 944

1073 magistrados 945

989 magistrados 946

807 magistrados 947

734 magistrados 948

Alagoas (119) Amazonas (145) Piauiacute (137) Rondocircnia (152) Sergipe (155) e Tocantins (128) 949

Acre (66) Amapaacute (82) Roraima (47) 950

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 951

IBID p 110-111 952

ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal In

ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de

Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 136

174

Neste cenaacuterio o deslocamento de magistrados exclusivamente para atuaccedilatildeo na fase de

investigaccedilatildeo poderia agravar este quadro de escassez953

De acordo com Abel Fernandes Gomes a proposta demanda em nome da sauacutede do

sistema de justiccedila criminal e da organizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio a realizaccedilatildeo de estudos

seacuterios e criteriosos sobre os impactos da instalaccedilatildeo e operaccedilatildeo de um segundo juiz num

mesmo grau de jurisdiccedilatildeo agrave vista do traccedilado histoacuterico de nosso sistema processual penal

da nossa organizaccedilatildeo judiciaacuteria e dos meacutetodos de seleccedilatildeo e ingresso de juiacutezes na carreira

bem como sua mobilizaccedilatildeo funcional954

Segundo o autor natildeo seraacute tarefa faacutecil superar ldquoos

tatildeo incontaacuteveis quanto inexoraacuteveis problemas que jaacute se vislumbra na marcha processual

com o inevitaacutevel aumento do tempo de sua duraccedilatildeo e de incidentes capazes de

favorecerem apenas a ocorrecircncia da prescriccedilatildeordquo955

Enfim natildeo haacute como negar que o problema existe Em alguns Estados ele eacute mais grave

noutros menos956

De acordo com dados apresentados por Fabiano Augusto Martins

Silveira com base em levantamento preliminar natildeo oficial no Amazonas por exemplo 41

das 59 comarcas tecircm apenas um juiz em Minas Gerais haacute 185 comarcas com um uacutenico

juiz no universo de 295 no Cearaacute do total de 134 comarcas 57 contam com apenas um

magistrado957

Vale ressaltar que a proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS n 15609 natildeo fechou os

olhos aos problemas estruturais que a criaccedilatildeo do juiz das garantias possa trazer para a

organizaccedilatildeo judiciaacuteria e sua operacionalizaccedilatildeo valendo destacar as seguintes ponderaccedilotildees

Evidentemente e como ocorre com qualquer alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo

judiciaacuteria os tribunais desempenharatildeo um papel de fundamental importacircncia na

afirmaccedilatildeo do juiz das garantias especialmente no estabelecimento de regras de

substituiccedilatildeo nas pequenas comarcas No entanto os proveitos que certamente seratildeo

alcanccedilados justificaratildeo plenamente os esforccedilos nessa direccedilatildeo

953

IBID p 136 954

GOMES Abel Fernandes Op cit p 104 955

IBID Ainda segundo o autor ldquolotaccedilatildeo inamovibilidade e competecircncia dentre outras questotildees satildeo

apenas uma amostra de alguns graves problemas que se enfrentaraacute com a insistecircncia desprovida de maior

aprofundamento na implantaccedilatildeo do instituto do juiz das garantiasrdquo 956

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 957

IBID p 92

175

Para Fabiano Martins Augusto Silveira sendo previsiacutevel que a escassez de recursos

humanos no Poder Judiciaacuterio opotildee empecilhos agrave execuccedilatildeo da proposta a pergunta eacute se

devemos abdicar ao ldquosalto de qualidaderdquo que representa o juiz das garantias simplesmente

qualificando o projeto de inexequiacutevel e ponto final958

Conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya natildeo se pode ignorar que esse mesmo

argumento que agora serve para justificar a manutenccedilatildeo de caracteriacutesticas inquisitoriais do

processo penal brasileiro eacute ainda hoje utilizado para explicar a ausecircncia de Defensoria

Puacuteblica em vaacuterios Estados da Federaccedilatildeo e para justificar a situaccedilatildeo caoacutetica em que se

encontram os estabelecimentos prisionais brasileiros959

Fabiano Augusto Martins Silveira demonstra preocupaccedilatildeo com o fato de que essa

postura de rejeiccedilatildeo ao novo instituto tende a ser assumida por aqueles que sem declararem

expressamente natildeo estatildeo convencidos da necessidade de mudanccedila ou por quem sabe

outras razotildees natildeo a desejam ldquoDaiacute que o debate pode tomar um caminho sinuoso onde

posiccedilotildees contraacuterias ou ceacuteticas em relaccedilatildeo ao juiz das garantias se escondem no

argumento da inviabilidade material sem aprofundaacute-lordquo960

Imperioso destacar que a essa criacutetica de natureza praacutetica o substitutivo do PLS

1562009 apresentado pelo Senador Renato Casagrande relator do projeto de lei no

Senado jaacute havia dado uma resposta satisfatoacuteria961

prevendo no art 701962

(Livro - Das

Disposiccedilotildees Transitoacuterias e Finais) que a regra que impede o juiz das garantias de atuar

como juiz da causa em cuja investigaccedilatildeo tenha participado (art 16) somente entraria em

vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo do Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se

tratasse de comarca onde houvesse apenas 1 (um) juiz Dessa forma haveria uma vacatio

legis maior e especiacutefica para o juiz das garantias visando agrave adaptaccedilatildeo das estruturas

organizacionais do Poder Judiciaacuterio963

958

IBID p 92 959

MAYA Andreacute Machado Outra vez 960

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 961

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 962

Art 701 Este Coacutedigo entra em vigor no prazo de 6 (seis) meses apoacutes a sua publicaccedilatildeo Paraacutegrafo uacutenico A

regra de impedimento de que trata o art 16 entraraacute em vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo deste

Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se tratar de comarca onde houver apenas 1 (um) juiz 963

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo

176

Essa redaccedilatildeo contudo acabou suprimida na versatildeo final do PLS 1562009 votada pelo

Senado Federal que em razatildeo da regra de impedimento e no intuito de viabilizar a

transiccedilatildeo do sistema processual atualmente vigente ao disposto no projeto de novo Coacutedigo

dispocircs no artigo 748 I964

natildeo se aplicar esse tal impedimento nas comarcas onde houver

apenas um juiz ldquoenquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre a

criaccedilatildeo ou formas de substituiccedilatildeordquo restando sem prazo definido portanto a regra

transitoacuteria do artigo 748965

De toda forma para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes qualquer criacutetica fundada

exclusivamente em insuficiecircncia de recursos como se esse fato eximisse de obrigaccedilatildeo ou

de responsabilidade de assegurar o quanto previsto na Constituiccedilatildeo natildeo eacute suficiente nem

mesmo para oferecer desculpas aos cidadatildeos pela manutenccedilatildeo desse caos no sistema

criminal atual966

Ainda segundo o autor ldquoafirmar que natildeo eacute possiacutevel num prazo a ser

definido se preparar uma nova organizaccedilatildeo para efetiva implementaccedilatildeo de direitos

fundamentais eacute confessar natildeo uma insuficiecircncia de recursos mas uma vontade poliacutetica de

natildeo mudarrdquo967

No mesmo sentido Andreacute Machado Maya afirma que a constataccedilatildeo de que a

significativa maioria das comarcas brasileiras eacute formada por varas judiciais uacutenicas

compostas pois por apenas um magistrado natildeo pode servir de justificativa vaacutelida para a

natildeo adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias968

ldquoDeficiecircncias estruturais natildeo podem

funcionar como justificativa para a prestaccedilatildeo jurisdicional falha ao contraacuterio a sua

constataccedilatildeo deveria ser o primeiro passo de uma caminhada orientada a uma prestaccedilatildeo

jurisdicional efetivardquo969

Para Joseacute Antonio Paganella Boschi as criacuteticas estruturadas na falta de recursos do

Poder Judiciaacuterio satildeo evidentemente equivocadas primeiro por falta de maior meditaccedilatildeo

em torno da novidade depois porque o Projeto condiciona a implantaccedilatildeo do juiz de

964

Art 748 O impedimento previsto no art 16 natildeo se aplicaraacute I ndash agraves comarcas ou seccedilotildees judiciaacuterias onde

houver apenas 1 (um) juiz enquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre criaccedilatildeo de

cargo ou formas de substituiccedilatildeo () 965

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 230 ldquoRazoaacutevel e adequada a previsatildeo transitoacuteria desde

que contudo seja ela efetivamente transitoacuteria para que na praacutetica natildeo acabe tornando sem efeito a

previsatildeo do juiz das garantias no Coacutedigo de Processo Penal pois enquanto natildeo regulado seu funcionamento

pelos Coacutedigos de Organizaccedilatildeo Judiciaacuteria dos Estados seguiraacute o procedimento exatamente como eacute hoje

regulado com investigaccedilatildeo instruccedilatildeo e sentenccedila a cargo de um uacutenico magistradordquo IBID p 230 966

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 967

IBID 968

MAYA Andreacute Machado Outra vez 969

IBID

177

garantias agrave aprovaccedilatildeo em lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria e por fim porque a questatildeo

envolve sobretudo durante o periacuteodo de sua implantaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo menos criaccedilatildeo de

cargos e mais organizaccedilatildeo de formas de substituiccedilatildeo de um juiz por outro de modo que o

magistrado que atuar como juiz de garantias ficaraacute liberado para atuar como juiz da causa

em outro processo e vice-versa970

Daiacute a necessidade de que sejam buscadas alternativas vaacutelidas quer prevendo um juiz

das garantias itinerante ou a regionalizaccedilatildeo do instituto de modo que para cada grupo de

comarcas proacuteximas haja um juiz de garantias competente971

quer atraindo as funccedilotildees de

garantia para o juiz da comarca mais proacutexima quer combinando essas e outras

alternativas972

Outra ideia interessante eacute importada da reforma processual penal do Chile onde as

alteraccedilotildees processuais se concretizaram por etapas do interior para a capital do paiacutes

obedecendo rigidamente a uma progressividade programada para viabilizar na praacutetica a

implementaccedilatildeo das mudanccedilas teoacutericas propostas no novo Coacutedigo de Processo Penal

chileno973

Aqui consideradas as barreiras de ordem estrutural do Poder Judiciaacuterio brasileiro

mais adequado seria o inverso com a instalaccedilatildeo imediata dos juizados de garantias nas

capitais dos Estados postergando para um segundo momento a sua instalaccedilatildeo nas

comarcas de entracircncia secundaacuteria e por fim a sua adoccedilatildeo nas denominadas entracircncias

iniciais em que hoje apenas um magistrado responde por todas as demandas974

Isso considerado fica extremamente difiacutecil aceitar que o contexto das pequenas

comarcas impeccedila que a proposta seja colocada em praacutetica por exemplo na cidade de Satildeo

Paulo dado o contraste de nuacutemeros (de inqueacuteritos processos presos etc) entre as duas

realidades975

Assim segundo Fabiano Augusto Martins Silveira

970

BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 971

MAYA Andreacute Machado Outra vez 972

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 973

MAYA Andreacute Machado Outra vez No Chile onde natildeo havia sequer a carreira do Ministeacuterio Puacuteblico

foi implementado todo um novo Coacutedigo de Processo Penal juntamente com a formaccedilatildeo e instalaccedilatildeo daquele

oacutergatildeo puacuteblico em fases e de modo gradativo das pequenas cidades ateacute os grandes centros urbanos

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 974

MAYA Andreacute Machado Outra vez 975

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92

178

Tatildeo esdruacutexulo quanto ignorar as dificuldades de aplicaccedilatildeo da regra de

impedimento do art 16 nas pequenas comarcas seria fechar os olhos para o outro

lado da moeda isto eacute que a proposta eacute perfeitamente viaacutevel e madura para as

comarcas que respondem pelo grosso da produccedilatildeo judiciaacuteria e litigiosidade do

Paiacutes976

Talvez a saiacuteda portanto seja uma regra de transiccedilatildeo que proporcione maior tempo

para o equacionamento das situaccedilotildees mais complexas e que ao mesmo tempo evite o

engessamento do sistema permitindo-nos vencer a ineacutercia977

Com efeito a entrada em vigor do novo Coacutedigo de Processo Penal gradualmente

possibilitaria o aprimoramento do proacuteprio instituto do juiz de garantias e tambeacutem da

estrutura do Poder Judiciaacuterio garantindo inclusive nas comarcas mais distantes a devida

observacircncia de um modelo democraacutetico de processo penal no qual a imparcialidade do

julgador eacute fortalecida pelo proacuteprio sistema processual exatamente o oposto do que ocorre

atualmente jaacute que o juiz familiariza-se com o caso jaacute no iniacutecio da investigaccedilatildeo

contaminando-se com as suposiccedilotildees acusatoacuterias das autoridades policiais e dos membros

do Ministeacuterio Puacuteblico para soacute depois durante o processo quando normalmente jaacute estaacute

com sua convicccedilatildeo formada acerca da culpabilidade do suspeito ter contato com os

argumentos defensivos978

Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ainda lanccedila luz numa outra questatildeo O autor salienta que

da mesma forma que a implementaccedilatildeo da reforma operada no Chile exigiu a

conscientizaccedilatildeo de todos os Poderes da naccedilatildeo inclusive com liberaccedilatildeo de verba do Poder

Executivo e novo aparato legislativo assim como participaccedilatildeo determinada e efetiva do

Poder Judiciaacuterio isso deve tambeacutem ocorrer aqui sob pena de nunca termos um novo

Coacutedigo apesar de termos mudanccedilas legislativas979

ldquoMudar a mentalidade e disposiccedilatildeo eacute

mais relevante que mudar a leirdquo980

A discussatildeo a elaboraccedilatildeo e a aprovaccedilatildeo de um novo

Coacutedigo de Processo Penal natildeo satildeo determinaccedilotildees ou decisotildees apenas do Poder Judiciaacuterio

976

IBID p 92 977

IBID p 92 978

MAYA Andreacute Machado Outra vez 979

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 980

IBID

179

mas tambeacutem dos outros dois Poderes da Naccedilatildeo981

Assim a disponibilizaccedilatildeo de verba a

apresentaccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas em um periacuteodo de transiccedilatildeo e a criaccedilatildeo de estrutura

condizente para efetivar a Constituiccedilatildeo satildeo obrigaccedilotildees poliacuteticas que devem ser assumidas e

compartilhadas por todos982

Em resumo no acircmbito de um paiacutes democraacutetico eacute inaceitaacutevel a rejeiccedilatildeo de um

instrumento processual arquitetado exatamente para tornar mais democraacutetico o processo

penal com base em argumentos e justificativas de iacutendole meramente praacutetica como eacute a

conhecida falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio983

Nesse sentido a liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli

Pseudo argumentos forjados na superfiacutecie do senso comum envoltos em um

fantasioso reducionismo utilitaacuterio barram o juiz das garantias em esquemas

orccedilamentaacuterios e deacuteficits de magistrados Uma visatildeo asinina e de poucos centiacutemetros

natildeo observa a valorizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo jurisdicional a possibilidade da existecircncia de

mais de um juiz na mesma Comarca (a demanda processual assim reclama) a

integraccedilatildeo de Comarcar vizinhas e a necessidade de um plantatildeo judiciaacuterio Os

detratores do sistema democraacutetico implantam seus olhos na nuca e miram os passos

dados caminhando de costas navegam num tempo morto sem divisar o porvir984

Se dificuldades existem e em momento algum se procura dizer o contraacuterio que sejam

encaradas que sejam ultrapassadas Sucumbir a elas mais que fraqueza ou covardia

parece um artifiacutecio conscientemente elaborado para manter intocada a essecircncia

inquisitorial do atual processo penal brasileiro exatamente como projetada no periacuteodo do

Estado Novo985

Sem o juiz das garantias a especializaccedilatildeo de funccedilotildees e a separaccedilatildeo fiacutesica entre o juiz

da investigaccedilatildeo e o juiz do processo o novo Coacutedigo de acordo com Fabiano Augusto

981

IBID 982

IBID 983

MAYA Andreacute Machado Outra vez 984

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 985

MAYA Andreacute Machado Outra vez

180

Martins Silveira jaacute nasceria ultrapassado e empoeirado ldquocomo que enclausurado no

seacuteculo XXrdquo986

Portanto contestar o progresso do sistema em razatildeo unicamente da falta de recursos

natildeo eacute minimamente aceitaacutevel ldquoeacute esconder por detraacutes dessa atual insuficiecircncia uma

verdadeira intenccedilatildeo de mudar o sistema desde que tudo fique como estaacuterdquo987

4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico

Ainda outra preocupaccedilatildeo eacute externada com relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias qual

seja a aproximaccedilatildeo demasiada entre o juiz das garantias e a poliacutecia ou o Ministeacuterio

Puacuteblico Para Miguel Reale Jr

De outra parte eacute de se temer sim que em comarcas meacutedias e pequenas com

dois ou mais juiacutezes o juiz das garantias venha pelo contato uacutenico e contiacutenuo com a

poliacutecia e com o Ministeacuterio Puacuteblico a criar liames de convivecircncia que o conduzam a

atender mais facilmente os pedidos de prisatildeo temporaacuteria por exemplo E decretada a

medida cautelar o prejuiacutezo ao indiciado jaacute se perfez por sofrer de forma intensa o

peso do aparato estatal988

Sustenta-se portanto que embora a proximidade do juiz criminal com delegados de

poliacutecia ou membros do Ministeacuterio Puacuteblico seja alvo de profundas criacuteticas por grande

parcela da doutrina a instituiccedilatildeo do juiz das garantias justamente exigiraacute perene contato o

que no mais das vezes significaraacute o raro indeferimento dos pedidos formulados por tais

oacutergatildeos em detrimento do indiciado

Nesse sentido talvez seja interessante e adequado que no regramento da designaccedilatildeo

de magistrados para atuarem como ldquojuiz das garantiasrdquo sejam previstas normas que

986

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 987

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 988

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110

181

limitem o tempo de exerciacutecio dessa funccedilatildeo ou que haja mecanismos que facilitem a

substituiccedilatildeo do magistrado que atua como ldquojuiz das garantiasrdquo por outro como ocorre com

o cargos de livre provimento e destituiccedilatildeo

5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que

exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias

Para Mauro Fonseca Andrade uma das maiores demonstraccedilotildees de ausecircncia de

coerecircncia em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias refere-se agraves accedilotildees penais originaacuterias989

Dentre as inovaccedilotildees trazidas pelo projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal para o

tema estaacute a previsatildeo no artigo 314 I990

da designaccedilatildeo de um membro do tribunal que

oficiaraacute na fase de investigaccedilatildeo como juiz das garantias isto eacute que exerceraacute as funccedilotildees do

juiz das garantias tais quais previstas no artigo 14 do mesmo projeto ficando impedido de

atuar no processo como relator991

Segundo o autor por certo que o projeto natildeo poderia excluir a presenccedila do juiz das

garantias em tais accedilotildees Ao contraacuterio ele previu expressamente sua presenccedila mas natildeo o

impediu contudo de atuar na fase processual992

O aspecto a ser aqui sublinhado eacute portanto a vedaccedilatildeo apenas a que o membro do

tribunal que atuou como juiz das garantias funcione tambeacutem como relator do caso apoacutes

oferecida a denuacutencia993

Em outros termos o membro do tribunal que houver atuado como

juiz das garantias estaraacute impedido somente de ser o relator do processo ao inveacutes de nele

atuar tal como ocorre em relaccedilatildeo a todos os demais procedimentos e juiacutezes de primeiro

grau994

989

ANDRADE Mauro Fonseca Juiz das Garantias Curitiba Juruaacute 2011 p 105 990

Art 314 Nas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves

disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash

as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental

que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator () 991

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria e restauraccedilatildeo de autos no novo Coacutedigo de Processo Penal In

ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de

Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 365 992

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 993

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 994

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106

182

Embora natildeo se possa negar que seja saudaacutevel a restriccedilatildeo um verdadeiro avanccedilo

quando comparada com a praxe atual em que o relator permanece responsaacutevel pelo caso

desde o iniacutecio da investigaccedilatildeo ateacute o julgamento definitivo do processo essa vedaccedilatildeo eacute

insuficiente para evitar que a decisatildeo do caso seja tomada por aquele que de alguma forma

participou da investigaccedilatildeo995

Ainda que natildeo seja o relator do caso o (outrora) membro do tribunal que atuou

como juiz das garantias poderaacute eventualmente participar do julgamento e claro votar996

Frente a essa situaccedilatildeo Mauro Fonseca Andrade aponta alguns questionamento que

podem surgir tais como

O juiz de primeiro grau eacute mais propenso a romper o princiacutepio acusatoacuterio e

se tornar parcial se comparado ao seu colega com jurisdiccedilatildeo no tribunal mesmo

que frente a alguma daquelas hipoacuteteses descritivas da exclusatildeo do juiz das

garantias da fase processual a atuaccedilatildeo de ambos seja idecircntica Ou entatildeo haacute

como transigir com o conceito ou significado de imparcialidade judicial que seria

preservada ou violada em razatildeo da instacircncia em que a accedilatildeo penal condenatoacuteria

for ajuizada997

Talvez melhor se harmonizasse como o artigo 16998

do projeto ndash que ao impedir o

juiz das garantias de funcionar no processo almejou prestigiar os princiacutepios acusatoacuterio e da

imparcialidade ndash que aquele que oficiou no tribunal como juiz das garantias fosse tambeacutem

impedido de participar do julgamento999

A dificuldade praacutetica decorrente da reduccedilatildeo do

quoacuterum para a votaccedilatildeo poderaacute ser contornada com a convocaccedilatildeo de um magistrado

provindo de outro oacutergatildeo do judiciaacuterio em substituiccedilatildeo agravequele membro que natildeo participaraacute

do julgamento conforme praxe jaacute sedimentada pelos tribunais1000

995

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 996

IBID p 370 997

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 998

Art 16 O juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14

ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748 999

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 371 1000

IBID p 371

183

6 Instacircncias recursais

Como visto de acordo com o projeto de novo Coacutedigo de Processo Penal o fato de

o juiz atuar na fase de investigaccedilatildeo constitui causa de impedimento que obstaraacute sua atuaccedilatildeo

posterior na fase processual Tal disposiccedilatildeo tem como objetivo sobretudo assegurar a

imparcialidade objetiva do juiz responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito mantendo-o alheio aos

fatos da investigaccedilatildeo preliminar

Todavia os problemas de contaminaccedilatildeo subjetiva decorrentes do contato do juiz

com elementos probatoacuterios e da prolaccedilatildeo de decisotildees que ultrapassam a mera anaacutelise de

aspectos processuais natildeo satildeo exclusividade da fase preacute-processual1001

De acordo com

Andreacute Machado Maya ldquoa atividade jurisdicional desenvolvida pelos tribunais tambeacutem

pode conduzir agrave mesma problemaacutetica da contaminaccedilatildeo subjetivardquo1002

Isso porque a prevenccedilatildeo como regra de fixaccedilatildeo da competecircncia em geral tambeacutem

vige nos tribunais de segunda instacircncia e nas Cortes superiores tanto em relaccedilatildeo ao relator

de determinada medida recursal ou accedilatildeo penal originaacuteria julgada anteriormente quanto do

proacuteprio oacutergatildeo colegiado julgador de modo que os posteriores recursos da sentenccedila penal

condenatoacuteria inclusive aqueles referentes agrave execuccedilatildeo penal seratildeo julgados pelo

magistrado ou pelo oacutergatildeo colegiado que na maioria dos casos conheceu e julgou o

primeiro habeas corpus impetrado jaacute em face de alguma medida adotada no curso da

investigaccedilatildeo preliminar1003

Assim ao conhecer e julgar por exemplo o habeas corpus1004

impetrado em face

de decisatildeo proferida pelo juiz de primeira instacircncia que defere uma medida cautelar ou se

ainda na fase de investigaccedilatildeo acolher recurso do Ministeacuterio Puacuteblico e decretar uma medida

cautelar o oacutergatildeo jurisdicional de segunda instacircncia ou das Cortes superiores seja

colegiado ou individual deve necessariamente reexaminar os pressupostos e requisitos de

1001

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 197 1002

IBID p 197-198 1003

IBID p 231 1004

De acordo com Andreacute Machado Maya tal situaccedilatildeo natildeo se verifica apenas no acircmbito dos habeas corpus

impetrados contra atos do juiz de primeira instacircncia mas tambeacutem diante do julgamento de recurso de

apelaccedilatildeo interposto com base no artigo 593 I do CPP em face de decisatildeo de absolviccedilatildeo sumaacuteria proferida na

forma do artigo 397 I II e III da lei processual A problemaacutetica situaccedilatildeo tambeacutem resulta do julgamento do

recurso em sentido estrito interposto em face de decisatildeo de rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa com base no

artigo 581 I do CPP IBID p 198-199

184

admissibilidade da medida de forma a analisar a procedecircncia ou natildeo da irresignaccedilatildeo do

imputado ou do oacutergatildeo de acusaccedilatildeo1005

Daiacute que eacute absolutamente inconcebiacutevel o exame da

legalidade e da admissibilidade da medida questionada sem que sejam revisados os

fundamentos e motivos apontados quando de sua decretaccedilatildeo ou de seu indeferimento com

o que tambeacutem o oacutergatildeo jurisdicional revisor estaraacute formando uma convicccedilatildeo acerca da

culpabilidade do suspeito (ou reacuteu) seja para reformar a decisatildeo questionada seja para

reafirmaacute-la por seus proacuteprios fundamentos1006

Ocorre no entanto e esta a razatildeo da criacutetica formulada que conforme se observa do

texto do projeto nenhuma duacutevida sobre a imparcialidade do magistrado de segundo grau

ou possiacutevel ferimento do princiacutepio acusatoacuterio eacute suscitada1007

Nesse sentido Mauro

Fonseca Andrade ressalta que o projeto eacute totalmente omisso Natildeo prevecirc nenhum oacutebice de

modo a tornar o magistrado de segundo grau impedido de condenar ou absolver o ndash agora ndash

acusado como decorrecircncia natural do exame dos recursos que por ventura chegarem ao

seu conhecimento1008

Segundo o autor ao assim proceder o projeto discrimina nitidamente o juiz de

primeiro grau quando comparado ao juiz de segundo grau Primeiro como jaacute analisado no

toacutepico anterior por entender que este natildeo sofre qualquer maacutecula em sua imparcialidade a

ponto de ser afastado da condiccedilatildeo de julgador nas accedilotildees penais originaacuterias1009

depois

quando o projeto arrola as causas de impedimento que afetariam todo e qualquer

magistrado (art 53 e ss)1010

Nelas em momento algum se vecirc que o magistrado de segundo

1005

IBID p 198 1006

IBID p 198 1007

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1008

IBID p 107 1009

IBID p 107 1010

Art 52 Ao juiz incumbiraacute zelar pela legalidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos

atos Art 53 O juiz estaraacute impedido de exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I ndash tiver funcionado seu

cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau

inclusive como defensor ou advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico delegado de poliacutecia auxiliar da justiccedila

ou perito II ndash ele proacuteprio houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III ndash

tiver funcionado como juiz de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV ndash

ele proacuteprio ou seu cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o

terceiro grau inclusive for parte ou diretamente interessado no feito Art 54 Nos juiacutezos colegiados estaratildeo

impedidos de atuar no mesmo processo os juiacutezes que forem entre si cocircnjuges companheiros ou parentes

consanguiacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive Art 55 Em caso de

suspeiccedilatildeo o juiz poderaacute ser recusado pelas partes sect 1ordm Reputa-se fundada a suspeiccedilatildeo quando o juiz

manifestar parcialidade na conduccedilatildeo do processo ou no julgamento da causa e ainda nas seguintes

hipoacuteteses I ndash se mantiver relaccedilatildeo de amizade ou de inimizade com qualquer das partes II ndash se ele seu

cocircnjuge companheiro ascendente descendente ou irmatildeo estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo

sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia III ndash se ele seu cocircnjuge companheiro ou parente

consanguiacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda ou responder a processo que tenha de

185

grau mesmo apoacutes haver participado de julgamento de recurso sobre algo ocorrido na fase

de investigaccedilatildeo criminal estaraacute impedido de julgar eventual recurso sobre tema tratado na

fase processual1011

Nesse cenaacuterio portanto identifica-se um alto risco de comprometimento da

imparcialidade objetiva dos julgadores e no caso conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado

Maya com ainda mais intensa gravidade na medida em que como regra as accedilotildees penais

satildeo decididas de modo definitivo justamente pelos tribunais de apelaccedilatildeo1012

Daiacute ser

necessaacuteria e plenamente justificaacutevel tambeacutem em relaccedilatildeo a essa fase do processo penal

uma reflexatildeo acerca de medidas de reduccedilatildeo de danos aptas a assegurar a efetividade do

direito de ser julgado por um tribunal imparcial1013

Com efeito a prevenccedilatildeo em regra torna o oacutergatildeo colegiado ou o magistrado relator

do primeiro recurso accedilatildeo penal ou medida processual referente ao processo competente

para o julgamento de todas as posteriores questotildees processuais que guardem relaccedilatildeo com o

mesmo feito inclusive dos incidentes instaurados em face da execuccedilatildeo penal

estabelecendo com isso iacutentima relaccedilatildeo entre o oacutergatildeo jurisdicional e um determinado

processo penal1014

Pode-se concluir desse modo pela real possibilidade de contaminaccedilatildeo subjetiva do

oacutergatildeo jurisdicional decisor tornando justificada a desconfianccedila de que o futuro julgamento

de meacuterito em grau recursal possa ser influenciado por convicccedilotildees e prejulgamentos

adquiridos na anterior prestaccedilatildeo jurisdicional1015

De acordo com Mauro Fonseca Andrade ldquopara superar essa situaccedilatildeo

constrangedora eacute de rigor que existam desembargadores e ministros das garantiasrdquo1016

Enquanto isso natildeo ocorrer ressalta o autor que ldquoa transigecircncia com a imparcialidade

judicial seraacute patente e o rigor na separaccedilatildeo de funccedilotildees soacute se aplicaraacute ao primeiro grau de

ser julgado por qualquer das partes IV ndash se tiver aconselhado qualquer das partes V ndash se mantiver relaccedilatildeo

juriacutedica de natureza econocircmica ou moral com qualquer das partes da qual se possa inferir risco agrave

imparcialidade VI ndash se tiver interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes sect 2ordm O juiz a

qualquer tempo poderaacute se declarar suspeito inclusive por razotildees de foro iacutentimo Art 56 A suspeiccedilatildeo natildeo

poderaacute ser declarada nem reconhecida quando a parte de propoacutesito der motivo para criaacute-la 1011

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1012

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1013

IBID p 231 1014

IBID p 198 1015

IBID p 202 1016

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107

186

jurisdiccedilatildeo onde tambeacutem ficaria circunscrita a proteccedilatildeo ao festejado princiacutepio

acusatoacuteriordquo1017

Nesse sentido o questionamento de Abel Fernandes Gomes

E mais considerando que uma das coisas que se pretende evitar eacute que um

magistrado que tenha tomado contato com os fatos em grau de juiacutezo de

admissibilidade e legitimidade de meios de coleta de elementos preacutevios de

convicccedilatildeo ou medidas cautelares venha ser o mesmo que vaacute julgar o meacuterito da

accedilatildeo penal em caso de desembargadores e ministros das Cortes Superior e

Suprema que venham a conhecer dos habeas corpus impetrados ainda enquanto o

processo originaacuterio se encontra na fase preacute-processual para discutir a

admissibilidade e legitimidade do deferimento de tais medidas pelo juiz das

garantias tambeacutem se adotaraacute por coerecircncia e simetria a instituiccedilatildeo dos

desembargadores e ministros das garantias que ficaratildeo impedidos ndash em vez de

preventos ndash para o julgamento do meacuterito dos recursos de apelaccedilatildeo especial e

extraordinaacuterio1018

Assim indubitaacutevel que o aprimoramento da garantia da imparcialidade e a

consequente reduccedilatildeo de danos orientada ao devido processo legal exige conforme liccedilatildeo de

Andreacute Machado Maya ldquoum passo adiante em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias uma

dose pouco mais concentrada de ousadiardquo1019

sob pena de a imparcialidade restar

assegurada apenas em primeira instacircncia anulando-se todo o resultado que pode ser

alcanccedilado com o juiz das garantias quando o recurso interposto em face da decisatildeo de

meacuterito for julgado por oacutergatildeo judicial de segunda instacircncia que anteriormente jaacute tenha

analisado medida recursal ou habeas corpus referente ao mesmo feito e por isso

formulado uma convicccedilatildeo preacutevia acerca do caso penal em questatildeo ou mesmo sobre a

culpabilidade do acusado1020

1017

IBID p 107 1018

GOMES Abel Fernandes Op cit p 105 1019

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1020

IBID p 231-232

187

Tendo em vista a problemaacutetica apresentada Andreacute Machado Maya sugere no

acircmbito dos julgamentos colegiados da fase recursal seguindo a mesma linha do juiz das

garantias a criaccedilatildeo de um juizado de garantias isto eacute um oacutergatildeo jurisdicional integrante da

estrutura dos tribunais de segunda instacircncia a quem competiraacute exclusivamente o reexame

de todos e quaisquer atos decisoacuterios proferidos pelo juiz das garantias durante a

investigaccedilatildeo preliminar e tambeacutem dos atos decisoacuterios proferidos pelo juiz singular

durante a instruccedilatildeo criminal1021

Nesse modelo conforme propotildee o autor todas e quaisquer medidas jurisdicionais

adotadas pelo juiz de garantias na investigaccedilatildeo criminal e mais pelo proacuteprio juiz do

processo no curso da instruccedilatildeo processual independentemente da sua natureza seriam

revisaacuteveis seja via habeas corpus seja por recurso em sentido estrito pelo juizado de

garantias oacutergatildeo jurisdicional composto da mesma forma como os demais oacutergatildeos

colegiados que integram as Cortes recursais por trecircs magistrados1022

Com essa medida se estaria decididamente cindindo a fase de investigaccedilatildeo

preliminar da fase processual propriamente dita e consequentemente otimizando-se o

princiacutepio-garantia da imparcialidade jurisdicional1023

1021

IBID p 232 1022

Segundo o autor a medida proposta dispensa qualquer reforma estrutural do Poder Judiciaacuterio nacional

IBID p 232 1023

IBID p 232

188

CONCLUSAtildeO

A Constituiccedilatildeo Federal ao eleger um sistema processual penal de caraacuteter

acusatoacuterio cuja identidade se traduz essencialmente na separaccedilatildeo dos poderes exercidos

durante o desenvolvimento da persecuccedilatildeo penal conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a

exclusividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal consagrando ainda o devido processo legal que

dentre inuacutemeras outras garantias assegura o julgamento por um juiz competente e

imparcial

De par com o fortalecimento do processo penal constitucional como meacutetodo de

interpretaccedilatildeo do processo penal conforme os ditames da Constituiccedilatildeo a conservaccedilatildeo de um

sistema no qual as atividades desempenhadas pelos atores processuais natildeo sejam

precisamente delimitadas e estanques tornou-se despropositada

Portanto como decorrecircncia loacutegica da separaccedilatildeo das funccedilotildees de acusar e julgar e

resultado de um aprimoramento do sistema acusatoacuterio ao juiz fica agora vedada a

interferecircncia ativa na investigaccedilatildeo - como verdadeiro investigador - dado que acarreta

inevitaacutevel comprometimento de sua imparcialidade

A invocaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Estado-Jurisdiccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo

penal poreacutem eacute inevitaacutevel tendo em vista a possibilidade de os atos de investigaccedilatildeo

restringirem significativamente o acircmbito de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

assegurados constitucionalmente tais como a liberdade a dignidade a intimidade a

privacidade e a honra

Jaacute desde os primeiros momentos investigativos da persecuccedilatildeo penal portanto deve

ao cidadatildeo ser concedida toda a proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e

excessos estatais O juiz passa assim a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor

consubstanciada na missatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais constitucionalmente

consagrados

Por isso toda e qualquer medida que de alguma forma restrinja - ainda que de

forma legiacutetima - algum dos direitos fundamentais do indiviacuteduo soacute pode ser concretizada

189

mediante preacutevia e fundamentada autorizaccedilatildeo do magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo

confere tal prerrogativa

Justamente porque considerada uma funccedilatildeo de salvaguarda dos direitos

fundamentais do indiviacuteduo essa atividade desempenhada pelo juiz no curso da

investigaccedilatildeo preliminar requer dele precisatildeo na anaacutelise dos elementos que justificam e

autorizam a adoccedilatildeo de medidas restritivas desses direitos - que de modo geral consistem

na verificaccedilatildeo do fumus comissi delicti que se concretiza no processo penal pela

verificaccedilatildeo da presenccedila de elementos indicadores de existecircncia do crime e autoria bem

como em algumas hipoacuteteses do periculum libertatis O exame do material colhido na

investigaccedilatildeo preliminar natildeo pode portanto limitar-se a uma mera formalidade Cabe ao

magistrado no propoacutesito de maacuteximo resguardo dos direitos suscetiacuteveis a eventual violaccedilatildeo

a anaacutelise substancial e detida do material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo demandando

verdadeira incursatildeo nos seus autos e acarretando indiscutiacutevel envolvimento com os atos ali

documentados

Considerada a imparcialidade do oacutergatildeo julgador no seu aspecto objetivo portanto

verificou-se o elevado risco de seu comprometimento quando do julgamento de meacuterito

exatamente em razatildeo de sua anterior participaccedilatildeo em atos da investigaccedilatildeo criminal por

ocasiatildeo do exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos

direitos fundamentais do investigado Tal atuaccedilatildeo sem margens a duacutevidas cria no

subjetivo do magistrado impressotildees preconcebidas incompatiacuteveis com o distanciamento

que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e a imparcialidade

exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional penal

Aleacutem disso essa atuaccedilatildeo dual do juiz invariavelmente determina verdadeira

presunccedilatildeo de culpa transferindo agrave defesa o ocircnus de provar a inocecircncia do acusado em

clara afronta ao princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional

deveria orientar o juiz no curso de toda a causa A participaccedilatildeo na investigaccedilatildeo desse

modo vicia o juiz tornando muito mais custosa a missatildeo da defesa de ser considerada no

processo

Natildeo se pretende com isso afirmar que o juiz que nessa funccedilatildeo de garantidor dos

direitos fundamentais do investigado emite juiacutezos de valor durante a investigaccedilatildeo

criminal estaria inevitavelmente comprometido a julgar o meacuterito da accedilatildeo segundo essa

190

mesma valoraccedilatildeo Plenamente justificaacutevel e razoaacutevel no entanto a preocupaccedilatildeo com a

possibilidade de que o juiz seja indesejavelmente influenciado por essa atuaccedilatildeo anterior

perdendo a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional

Sob outro aspecto destaca-se uma fundada preocupaccedilatildeo com a aparecircncia de

imparcialidade que o julgador deve transmitir agravequeles submetidos agrave administraccedilatildeo da

justiccedila pois ainda que nenhum prejuiacutezo seja efetivamente verificado eacute improvaacutevel que se

consiga impedir o surgimento de duacutevidas acerca do pleno distanciamento do julgador Isso

abala a confianccedila que a sociedade deposita no Judiciaacuterio Nessa perspectiva sempre que

determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do

julgador impotildee-se o seu afastamento do processo

A situaccedilatildeo ateacute aqui delineada expotildee uma das grandes falhas do atual sistema

brasileiro que opera exatamente no sentido oposto em virtude das regras de prevenccedilatildeo

A forma que muitos ordenamentos tais como o italiano o chileno e o portuguecircs

encontraram para equacionar tal impasse evitando a exigecircncia de exame da natureza do

ato praticado pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo a fim avaliar eventual comprometimento da

sua imparcialidade objetiva no julgamento do meacuterito da causa bem como o casuiacutesmo e a

ausecircncia de seguranccedila juriacutedica decorrentes da necessidade de anaacutelise de cada caso

concreto foi cindir o juiz da investigaccedilatildeo do juiz da causa ao qual incumbe o juiacutezo de

meacuterito e a prolaccedilatildeo da decisatildeo final

Essa a soluccedilatildeo tambeacutem aventada pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 que

institui a figura do juiz das garantias propondo uma reforma estrutural para desligar o

responsaacutevel pelo acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute

apresentada daquele que verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal de modo a preservar o

distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos

elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo

Natildeo haacute duacutevidas assim de que o juiz das garantias se amolda perfeitamente ao

modelo acusatoacuterio de processo e ao Estado Democraacutetico de Direito Muito menos se pode

dizer que natildeo se constitui num instrumento eficaz de tutela da imparcialidade do julgador e

garantia por consequecircncia do devido processo legal reduzindo potenciais danos aos

direitos fundamentais

191

Como analisado natildeo haacute de fato criacuteticas conceituais robustas ao instituto do juiz

das garantias A maioria delas como vimos eacute de ordem praacutetica ou refere-se ao tema da

falta de recursos materiais e humanos do Poder Judiciaacuterio para sua implantaccedilatildeo

O juiz das garantias dessa forma natildeo obstante natildeo se tratar de resposta absoluta e

definitiva para a soluccedilatildeo de todos os problemas relativos agrave imparcialidade representa sem

duacutevidas um passo adiante na consecuccedilatildeo desse ideal

Nesse sentido como mecanismo projetado visando agrave reduccedilatildeo dos danos decorrentes

do arbiacutetrio e da parcialidade do julgador representa inegaacutevel avanccedilo no aperfeiccediloamento

do sistema da prestaccedilatildeo jurisdicional sendo inquestionaacutevel a conveniecircncia de sua

introduccedilatildeo em nosso ordenamento

192

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VALENTE Rodolfo de Almeida As boas novidades da lei 12403 de 2011 Boletim

IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM ano 18 n 225 p 09 ago 2011

VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2003

VILELA Alexandra Consideraccedilotildees acerca da presunccedilatildeo de inocecircncia em direito

processual penal Coimbra Coimbra Editora 2010

WESSELS Johannes Direito Penal Parte Geral Aspectos Fundamentais Trad Juarez

Tavares Porto Alegre Fabris 1976

ZAFFARONI Eugenio Raul Poder Judiciaacuterio Crise Acertos e Desacertos Trad Juarez

Tavares Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1995

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa Instrutoacuteria do Juiz no Processo Penal Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2003

_____ Os atores e seus papeacuteis Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ediccedilatildeo especial CPP ago-

2010

ALESSANDRA DIAS GARCIA

O JUIZ DAS GARANTIAS E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL

DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

ORIENTADOR PROFESSOR DOUTOR MARCOS ALEXANDRE COELHO ZILLI

TRABALHO APRESENTADO PARA OBTENCcedilAtildeO DO

TIacuteTULO DE MESTRE NO CURSO DE POacuteS-

GRADUACcedilAtildeO STRICTO SENSU DA FACULDADE

DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO

SAtildeO PAULO

2014

RESUMO

A imprescindibilidade da atuaccedilatildeo do magistrado na fase preliminar da persecuccedilatildeo

penal como garantidor dos direitos fundamentais do investigado eacute inegaacutevel A consecuccedilatildeo

desse mister acarreta poreacutem o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz para o

julgamento do meacuterito A atribuiccedilatildeo das funccedilotildees de atuar na fase de investigaccedilatildeo preliminar

e durante o processo a julgadores distintos foi o caminho que muitos ordenamentos

trilharam para lidar com essa problemaacutetica A mesma soluccedilatildeo foi adotada pelo Projeto de

Coacutedigo de Processo Penal brasileiro ndash PLS nordm 1562009 ao prever a figura do juiz das

garantias responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela

salvaguarda dos direitos individuais Essa figura consentacircnea ao principio acusatoacuterio

consagrado pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988 assegura a imparcialidade de forma muito

mais efetiva preservando o distanciamento do julgador dos elementos colhidos durante a

investigaccedilatildeo criminal

ABSTRACT

The indispensability of the judgersquos involvement in the preliminary stage of criminal

prosecution as a guarantor of the inquired person fundamentals rights is undeniable

However this intervention compromises the impartiality of the judge on the judgment of

the merits The allocation of duties to act to different judges in the preliminary

investigation phase and during the case was the way that many law systems have fallowed

to handle this problem The same solution was adopted by the Bill of the Brazilian Code of

Criminal Procedure ndash PLS nordm 1562009 The Bill provides the figure of the guarantee

judge which controls the legality of the criminal investigation and ensures the protection

of individual rights The guarantee judde in accordance to the accusatory principle settleed

in the Federal Constitution assures a more effective impartiality preserving the distance of

the judge from elements collected during criminal investigation

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 1

CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 7

1 Persecuccedilatildeo penal finalidade 7

2 As fases da persecuccedilatildeo 14

21 A fase judicial sentido e alcance 14

22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance 18

3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais 25

31 Sistema acusatoacuterio 25

32 Sistema inquisitoacuterio 29

33 Sistema misto 32

CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO PROCESSO 37

1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo 37

11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica 44

12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro 53

13 Devido Processo Penal 55

2 Direito de defesa 58

21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal 64

3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia 70

31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal 77

4 A imparcialidade do juiz 81

41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar 90

CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL 95

1 Consideraccedilotildees iniciais 95

2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico 96

21 As Ordenaccedilotildees do Reino 96

22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 101

23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842 108

24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871 113

25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 117

3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 123

31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal

123

32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento 127

321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz135

CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no Processo Penal

Brasileiro 139

1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias 139

2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares 147

3 Atribuiccedilotildees 152

4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro 156

41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal 157

42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual

159

CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO 166

1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo

penal166

2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves

decisotildees do juiz das garantias 169

3 A escassez de recursos humanos e materiais 172

4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico 180

5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que

exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias 181

6 Instacircncias recursais 183

CONCLUSAtildeO 188

BIBLIOGRAFIA 192

1

INTRODUCcedilAtildeO

Em vigor desde 1941 o Coacutedigo de Processo Penal brasileiro apesar ter sofrido

reformas pontuais recentes tornou-se pelo decurso do tempo obsoleto natildeo mais

atendendo agraves exigecircncias de um processo penal moderno garantista e democraacutetico em

decorrecircncia das mudanccedilas sociais e poliacuteticas ocorridas no Paiacutes e sobretudo tendo em vista

a nova ordem constitucional vigente

A forma como o direito eacute regulado conforme preceitua Antonio Scarance

Fernandes eacute consequecircncia direta dos valores superiores em determinado momento

histoacuterico dependendo a forma como satildeo regrados os institutos processuais especialmente

da predominacircncia que se decirc ao indiviacuteduo em confronto com o Estado ou ao contraacuterio ao

Estado frente ao indiviacuteduo1

Assim as alteraccedilotildees poliacuteticas e a diversidade de ideologias ao longo do tempo

ocasionaram regramentos distintos aos institutos processuais na evoluccedilatildeo histoacuterica e nos

diversos ordenamentos culminando na impossibilidade de que sejam objeto de uma

disciplina definitiva imutaacutevel e uniforme2

Segundo o autor ldquoa histoacuteria do processo penal eacute marcada por movimentos

pendularesrdquo oscilando entre a predominacircncia de ideais de seguranccedila social e de eficiecircncia

repressiva e a prevalecircncia do objetivo de proteccedilatildeo do acusado isto eacute de afirmaccedilatildeo e

preservaccedilatildeo de suas garantias Para o autor ldquoessa diversidade de encaminhamentos satildeo

manifestaccedilotildees naturais da eterna busca de equiliacutebrio entre o ideal de seguranccedila social e a

imprescindibilidade de se resguardar o indiviacuteduo em seus direitos fundamentaisrdquo3

Essa dicotomia eacute representada de modo geral pelo embate entre eficiecircncia e

garantismo no processo penal Atualmente poreacutem haacute consenso no sentido de que esses

dois aspectos natildeo devem se opor de modo a que a um natildeo possa subsistir em face do outro

1 FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2010 p 21 2 IBID p 21

3 IBID p 19

2

mas devem ser complementares jaacute que natildeo eacute possiacutevel conceber um processo eficiente sem

garantismo4

Para Aury Lopes Jr o processo como instrumento para a implementaccedilatildeo do direito

penal deve realizar sua dupla funccedilatildeo ldquode um lado tornar viaacutevel a aplicaccedilatildeo da pena e de

outro servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais

assegurando os indiviacuteduos contra os atos abusivos do Estadordquo5 Nesse sentido o processo

penal deve servir como instrumento de limitaccedilatildeo da atividade estatal de modo a coibir

eventuais arbiacutetrios praticados estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos

direitos individuais constitucionalmente previstos como a presunccedilatildeo de inocecircncia o

contraditoacuterio a ampla defesa o juiz natural a imparcialidade e a publicidade entre tantos

outros

Disso tudo conclui-se que o processo penal natildeo eacute apenas um instrumento teacutecnico

mas reproduz valores poliacuteticos e ideoloacutegicos de uma naccedilatildeo O processo penal nos dizeres

de Antonio Scarance Fernandes

Espelha em determinado momento histoacuterico as diretrizes baacutesicas do

sistema poliacutetico do paiacutes na eterna busca de equiliacutebrio na concretizaccedilatildeo de dois

interesses fundamentais o de assegurar ao Estado mecanismos para atuar o seu

poder punitivo e o de garantir ao indiviacuteduo instrumentos para defender os seus

direitos e garantais fundamentais e para preservar a sua liberdade6

Desse modo especialmente por atingir um bem fundamental do ser humano que eacute

a liberdade o processo penal reflete a concepccedilatildeo poliacutetica dominante e o seu modo de tratar

os direitos as garantias do suspeito do acusado e os interesses dos oacutergatildeos incumbidos da

persecuccedilatildeo penal7

4 IBID p 19

5 LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris

2001 p 20 6 FERNANDES Antonio Scarance Processo p 22

7 IBID p 21

3

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 nesse sentido ao adotar o sistema acusatoacuterio no

processo penal que consagra diversas garantias como por exemplo a necessidade de

observaccedilatildeo do contraditoacuterio e da ampla defesa a imparcialidade do magistrado a

igualdade das partes a presunccedilatildeo de inocecircncia o sistema de provas do livre

convencimento do magistrado com a fundamentaccedilatildeo de todas as decisotildees judiciais

privilegiando assim a transparecircncia a clareza e a publicidade dos diversos atos

processuais8 exige que tais garantias sejam respeitadas durante toda a persecuccedilatildeo penal e

mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um processo penal constitucional

Eacute possiacutevel afirmar entatildeo que o cenaacuterio brasileiro eacute de marcante contradiccedilatildeo jaacute que

numa extremidade posiciona-se o texto constitucional com os valores acima mencionados

e na outra o Coacutedigo de Processo Penal com seus resquiacutecios inquisitivos que sobreviveu

natildeo obstante sua essecircncia agrave entrada em vigor do atual texto constitucional repleto de

princiacutepios processuais e que adotou entre noacutes o modelo acusatoacuterio9

Dentre os seus mais diversos efeitos importa salientar no acircmbito deste estudo

especialmente que o sistema acusatoacuterio projeta consequecircncias diretas tambeacutem na fase

investigatoacuteria impedindo a adoccedilatildeo de uma estrutura que se assemelhe aos juizados de

instruccedilatildeo onde compete ao julgador tambeacutem a reuniatildeo e coleta das provas10

Entretanto a preparaccedilatildeo da accedilatildeo penal eacute um tema discriminado na histoacuteria do

processo penal brasileiro jaacute que apoacutes mais de setenta anos de vigecircncia do texto

instrumental em vigor poucos e isolados temas dentro da investigaccedilatildeo foram

adequadamente abordados e constantemente as fronteiras entre a atuaccedilatildeo da poliacutecia

judiciaacuteria Ministeacuterio Puacuteblico e Magistratura foi esquecida com sobreposiccedilatildeo de

atuaccedilotildees11

8 GUIMARAtildeES Gisele Souza A invalidade da investigaccedilatildeo criminal realizada diretamente pelo parquet sob

o enfoque do sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23022013 9 CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 123 10

ldquoUma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio pode ser sentida na fase investigativa Esta nova

visatildeo acusatoacuteria destaca as funccedilotildees e a participaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico na fase preparatoacuteria na medida

em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador externo da atividade policial

impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos juizados de instruccedilatildeordquo CHOUKR Fauzi

Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai WOISCHNIK Jan (Coord) Las

Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC 2000 p 146 11

CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 146

4

Ocorre poreacutem que a ideia de garantismo que permeia a atual concepccedilatildeo de

processo penal exige que se esclareccedila qual eacute o papel dado pelo texto magno a cada um dos

atores processuais nesse momento devendo ser delimitada sobretudo a atuaccedilatildeo do

julgador durante a investigaccedilatildeo criminal

A visatildeo garantidora coloca o magistrado na posiccedilatildeo fundamental de garantidor dos

direitos do investigado ainda na fase preparatoacuteria ndash onde justamente as garantias

constitucionais satildeo mais nebulosas ndash dando-se tal proteccedilatildeo sobretudo atraveacutes da

jurisdicionalizaccedilatildeo dos incidentes investigativos que demandem para a apuraccedilatildeo dos fatos

a legiacutetima violaccedilatildeo de direitos constitucionalmente estabelecidos12

A atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual todavia pode trazer o

inconveniente ateacute entatildeo irremediaacutevel no ordenamento juriacutedico brasileiro de estabelecer

ainda que de forma inconsciente no iacutentimo do magistrado uma prevenccedilatildeo ou

prejulgamento inconciliaacuteveis com a imparcialidade que deve orientar a sua atuaccedilatildeo

durante toda a persecuccedilatildeo penal

Eacute nesse contexto que se insere a criaccedilatildeo do juiz das garantias instituto que

pretendemos analisar nesse trabalho surgido em meio agrave elaboraccedilatildeo do projeto de um novo

Coacutedigo de Processo Penal dada a incompatibilidade entre os modelos normativos da atual

legislaccedilatildeo processual oriunda da deacutecada de 1940 e da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

idealizadora de um Estado Democraacutetico de Direito estruturado sobre um extenso rol de

direitos e garantias fundamentais

Seguindo uma tendecircncia relativamente consolidada de separaccedilatildeo entre as funccedilotildees

judiciais concernentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo na experiecircncia internacional como por

exemplo o giudice per le indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o

juez de garantiacutea no Chile13

sistema este profundamente influenciado pelo Coacutedigo de

Processo Penal modelo para a Ameacuterica Latina que tem servido de base para a reforma

operada na uacuteltima deacutecada em diversos paiacuteses latino-americanos a proposta de criaccedilatildeo

dessa nova figura judicial foi trazida ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo PLS

1562009 que propotildee a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal

12

CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 147 13

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo cautelares e o juiz das garantias Revista de Informaccedilatildeo

Legislativa Brasiacutelia v46 n183 jul-set 2009 p 88-89

5

De acordo com a proacutepria exposiccedilatildeo de motivos do Projeto de Lei a instituiccedilatildeo de

um de juiz de garantias no Brasil era uma exigecircncia para a consolidaccedilatildeo de um modelo

orientado pelo princiacutepio acusatoacuterio Ele seraacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da

investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais Trata-se portanto de um

magistrado cujo acircmbito de atuaccedilatildeo eacute assegurar os direitos e as garantias fundamentais do

cidadatildeo na fase de investigaccedilatildeo criminal

O objetivo do presente estudo eacute portanto analisar a conveniecircncia e utilidade da

proposta de inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias no processo penal brasileiro

Tal estudo teraacute como ponto de partida a anaacutelise da investigaccedilatildeo criminal como a

primeira fase da persecuccedilatildeo penal agrave luz do garantismo e da conformaccedilatildeo de um estado

democraacutetico de direito

Ainda no primeiro capiacutetulo destinado agrave investigaccedilatildeo criminal seratildeo analisadas as

caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio

inquisitoacuterio e misto Tal anaacutelise se mostra relevante uma vez que no decorrer da histoacuteria

cada ordenamento juriacutedico adotou o meio de investigaccedilatildeo preliminar que lhe pareceu mais

adequado levando em consideraccedilatildeo principalmente o sistema processual penal adotado

estruturado com base em aspectos eminentemente poliacuteticos

No segundo capiacutetulo pretende-se estabelecer uma correlaccedilatildeo entre o devido

processo e sua projeccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal Para tanto buscaremos

analisar o significado e o conteuacutedo do devido processo legal propriamente bem como das

garantias dele decorrentes que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que elegemos como

imprescindiacuteveis para o desenvolvimento do presente estudo por estarem intimamente

relacionadas com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa

a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador atentando-se para o conceito de

imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia dos tribunais internacionais

sobretudo pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos

O terceiro capiacutetulo seraacute dedicado ao estudo da relaccedilatildeo entre o juiz e a investigaccedilatildeo

preliminar Analisaremos portanto qual o papel desempenhado pelo julgador na

investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo

nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo

6

O quarto capiacutetulo trataraacute especificamente da figura do juiz das garantias em

conformidade com a proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 Apoacutes a

contextualizaccedilatildeo do proacuteprio projeto de lei e da apresentaccedilatildeo do instituto do juiz das

garantias seratildeo analisados o seu acircmbito de atuaccedilatildeo e suas atribuiccedilotildees Compreendidos

estes pontos passaremos agrave anaacutelise dos objetivos a serem alcanccedilados com a adoccedilatildeo desta

figura no ordenamento juriacutedico nacional

Por fim o uacuteltimo capiacutetulo destinar-se-aacute agrave exposiccedilatildeo das criacuteticas jaacute formuladas pela

doutrina nacional a respeito da adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias pelo Projeto de Lei

1562009 bem como ao exame de algumas das propostas jaacute elaboradas para o

aprimoramento dessa nova figura e sua adequaccedilatildeo aos objetivos a serem alcanccedilados com a

sua instituiccedilatildeo

7

CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES

INICIAIS

1 Persecuccedilatildeo penal finalidade

O homem eacute um ser coexistencial que natildeo pode subsistir por longo tempo

independente de qualquer contato ao oposto devido agrave natureza de suas condiccedilotildees

existenciais todas as pessoas dependem do intercacircmbio da colaboraccedilatildeo e confianccedila

reciacuteprocas14

Assim ao natildeo alcanccedilar sua plenitude isoladamente o homem estaacute obrigado a

interagir com outros homens A necessidade de viver em sociedade no entanto impotildee o

estabelecimento de regras em prol do desenvolvimento de todos As regras do direito

dessa forma tecircm como fim o controle dos impulsos e vontades dos indiviacuteduos de forma a

possibilitar o conviacutevio social

O direito penal surge portanto como um importante instrumento de manutenccedilatildeo da

paz social cuja missatildeo eacute a proteccedilatildeo da convivecircncia em comunidade15

A tarefa do direito penal assim consiste em proteger os valores essenciais da vida

comunitaacuteria no acircmbito da ordem social e assegurar a manutenccedilatildeo da paz juriacutedica16

ldquoA

justificaccedilatildeo da existecircncia do direito penal resulta segundo a experiecircncia da histoacuteria da

humanidade jaacute de sua imprescindibilidade para uma proveitosa vida coletivardquo17

A possibilidade de utilizaccedilatildeo da prisatildeo como forma de assegurar o ecircxito de suas

regras eacute uma particularidade do direito penal que aleacutem disso trata dos bens mais

preciosos agrave condiccedilatildeo humana

14

JESCHECK Hans Heinrich Tratado de Derecho Penal Parte General 4ordf ed Trad Joseacute Luis Manzanares

Samaniego Granada Comares 1993 p 2 15

IBID p 2 16

WESSELS Johannes Direito Penal Parte Geral Aspectos Fundamentais Trad Juarez Tavares Porto

Alegre Fabris 1976 p 03 17

IBID p 02

8

Por isso hoje existe consenso em afirmar que o direito penal deve ser marcado por

um caraacuteter fragmentaacuterio subsidiaacuterio e de ultima ratio para o resguardo de bens juriacutedicos18

Ou seja para punir uma conduta socialmente danosa deve-se exigir que natildeo

existam outros meios menos gravosos para fazecirc-lo Isso porque a pena eacute nociva agrave

existecircncia social do condenado excluindo-o da sociedade e com isso produzindo dano

social Por isso devem preferir-se agraves penas medidas que tenham para o afetado

consequecircncias menos gravosas Esta ideia se expressa com a foacutermula de que o direito penal

deve ser a ultima ratio da poliacutetica social subsidiaacuterio devendo a ele recorrer-se tatildeo somente

quando todos os demais instrumentos extrapenais fracassaram19

Todavia a simples previsatildeo de norma incriminadora natildeo tem a capacidade de

impedir a violaccedilatildeo dos dispositivos penais surgindo para o Estado nesse exato momento

de violaccedilatildeo da norma de conduta o direito ndash ou melhor o dever ndash de punir (jus puniendi)

Com a supressatildeo da vinganccedila privada e o estabelecimento dos criteacuterios de justiccedila eacute

que surge a titularidade do direito de punir por parte do Estado Assim como ente juriacutedico

e poliacutetico o Estado avoca para si o direito e o dever de proteger a comunidade e

inclusive o proacuteprio delinquente20

Conforme leciona Aury Lopes Jr o injusto tiacutepico eacute resultante do fracasso do direito

penal em sua funccedilatildeo de prevenccedilatildeo daiacute resultando uma conduta humana voluntaacuteria

finalisticamente dirigida que fere ou expotildee a perigo bens e valores reconhecidos e

protegidos pelo ordenamento o que acarreta um juiacutezo de desvalor do resultado Esse juiacutezo

de desvalor segundo o autor exterioriza-se em uacuteltima anaacutelise mediante a aplicaccedilatildeo de

18

ROXIN Claus ARZT Gunther TIEDEMANN Klaus Introduccioacuten al Derecho Penal y al Derecho Penal

Procesal Trad Luis Arroyo Zapatero e Juan-Luis Goacutemez Colomer Barcelona Editorial Ariel 1989 p 22-

23 19

ldquoCon la limitacioacuten del Derecho Penal a la prohibicioacuten de las conductas socialmente dantildeosas o dicho de

otra manera a la proteccioacuten de bienes juriacutedicos queda explicado tan soacutelo uno de los presupuestos de los

que las actuales concepciones del Derecho Penal hacen depender el ejercicio del poder punitivo del Estado

Para castigar una conducta socialmente dantildeosa se ha de exigir ademaacutes el que no existan otros medios

menos gravosos para hacerla frente La razoacuten por la que se estima que soacutelo se debe recurrir al Derecho

Penal quando frente a la conducta dantildeosa de que se trate ha fracasado el empleo de otros instrumentos

sociopoliacuteticos radica en que el castigo penal pone en peligro la existencia social del afectado se le situacutea al

margen de la sociedad y con ello se produce tambieacuten un dantildeo social Por todo ello deben preferirse a las

penas todas aquellas medidas que puedan evitar una alteracioacuten de la vida en comuacuten y que tengan para el

afectado consecuencias menos negativas Esta idea suele expresarse con la foacutermula de que el Derecho Penal

ha de ser la ultima racio de la poliacutetica social El Derecho Penal es subsidiario respecto de las demaacutes

posibilidades de regulacioacuten de los conflictos es decir soacutelo se debe recurrir a eacutel cuando todos los demaacutes

instrumentos extrapenales fracasanrdquo IBID p 22-23 20

ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5ordf ed Madrid Editorial Rubi

Artes Graacuteficas 1984 p 07

9

uma pena e sintetiza a funccedilatildeo repressiva do direito penal21

Ocorre que o direito penal eacute desprovido de coerccedilatildeo automaacutetica Assim para que

possa ser aplicada uma pena natildeo soacute eacute necessaacuterio que exista um injusto tiacutepico mas tambeacutem

que exista previamente o devido processo penal22

Aleacutem disso o Estado natildeo pode punir de qualquer maneira e o processo penal surge

como o ramo que conteacutem a estrutura a ser observada no exerciacutecio da funccedilatildeo punitiva

justificando-se segundo Luigi Ferrajoli ldquoprecisamente en cuanto teacutecnica de minimizacioacuten

de la reaccioacuten social frente al delito de minimizacioacuten de la violencia pero tambieacuten del

arbiacutetrio que de otro modo se produciriacutea con formas aun maacutes salvajes y desenfrenadasrdquo23

Assim o Estado conhecedor dos riscos gerados pela autodefesa agrave medida que se

fortalece assume o monopoacutelio da justiccedila proibindo expressamente os particulares de

aplicarem a justiccedila por suas proacuteprias matildeos Portanto ldquofrente agrave violaccedilatildeo de um bem

juridicamente protegido natildeo cabe outra atividade que natildeo a invocaccedilatildeo da devida tutela

jurisdicionalrdquo24

Assim como natildeo haveria estabilidade no meio social se fosse permitido agraves proacuteprias

partes litigantes decidirem pelo uso da forccedila seus litiacutegios no campo extrapenal tambeacutem e

principalmente no campo penal isto eacute na esfera repressiva excessos incalculaacuteveis seriam

reproduzidos em virtude dos arbiacutetrios que o titular do direito de punir ldquocego e

desenfreadordquo passaria a cometer25

Diante dessa realidade irrefutaacutevel o Estado entatildeo autolimitou o seu poder

repressivo26

impondo-se portanto a necessaacuteria utilizaccedilatildeo de uma estrutura preestabelecida

ndash o processo judicial ndash em que mediante a atuaccedilatildeo de um terceiro imparcial e alheio ao

conflito cuja designaccedilatildeo natildeo corresponde agrave vontade das partes e resulta da imposiccedilatildeo da

estrutura institucional seraacute resolvido o conflito e devidamente sancionado o autor27

Logo

21

LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris

2001 p 05 22

IBID p 05-06 23

FERRAJOLI Luigi Derecho y razoacuten Teoriacutea del garantismo penal 4ordf ed Trad Perfecto Andreacutes Ibaacutentildeez

Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayoacuten Mohino Juan Terradillos Basoco e Rociacuteo Cantarero Bandreacutes

Madrid Editorial Trotta 2000 p 604 24

LOPES JR Aury Sistemas p 06-07 25

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Manual de Processo Penal 11ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p

06 26

IBID p 06 27

LOPES JR Aury Sistemas p 07

10

ldquoo processo como instituiccedilatildeo estatal eacute a uacutenica estrutura que se reconhece como legiacutetima

para a imposiccedilatildeo da penardquo28

Estabelece-se portanto o caraacuteter instrumental do processo

penal com relaccedilatildeo ao direito penal e agrave pena sendo o processo o meio necessaacuterio para a sua

imposiccedilatildeo

O monopoacutelio da jurisdiccedilatildeo penal por parte do Estado e tambeacutem a instrumentalidade

do processo penal satildeo expressotildees da aplicaccedilatildeo efetiva no campo penal da maacutexima latina

nulla poena et nulla culpa sine iudicio De acordo com Gomez Orbaneja eacute o que se

denomina de principio de la necesidad del proceso penal29

De acordo com Luigi Ferrajoli o modelo garantista de direito e de responsabilidade

penal natildeo admite qualquer imposiccedilatildeo de pena sem que se produzam a comissatildeo de um

delito sua previsatildeo legal como delito a necessidade de sua proibiccedilatildeo e puniccedilatildeo seus

efeitos lesivos para terceiros o caraacuteter externo ou material da accedilatildeo criminosa a

imputabilidade e a culpabilidade do seu autor e aleacutem disso sua prova empiacuterica produzida

por uma acusaccedilatildeo perante um juiz imparcial em um processo puacuteblico e contraditoacuterio em

face da defesa e mediante procedimentos legalmente preestabelecidos30

Assim pelo respeito agrave dignidade humana e agrave liberdade individual eacute que o Estado

assenta a expressatildeo do seu poder repressivo natildeo soacute em pressupostos juriacutedico-penais

materiais (nullum crimen nulla poena sine lege ndash natildeo haacute crime sem preacutevia definiccedilatildeo nem

pena sem anterior cominaccedilatildeo legal) como tambeacutem assegura a aplicaccedilatildeo da lei penal ao

caso concreto de acordo com as formalidades prescritas previamente em lei e sempre por

meio dos oacutergatildeos jurisdicionais (nulla poena sine judice nulla poena sine judicio ndash

nenhuma pena pode ser imposta senatildeo pelo juiz nenhuma pena pode ser aplicada senatildeo

por meio do processo)31

Vincenzo Manzini destaca o caraacuteter acessoacuterio e instrumental do direito processual

penal afirmando natildeo ser possiacutevel conceber-se um direito penal material que se aplique sem

a garantia das formalidades processuais32

O direito processual penal eacute portanto o

28

IBID p 06-07 29

GOMEZ ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Tomo I Barcelona

Bosch 1951 p 27 30

FERRAJOLI Luigi Op cit p 103-104 31

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 06 32

ldquoCiograve posto Il diritto processuale ha necessariamente natura accessoria e strumentale perchegrave pressupone

lrsquoesistenza di norme di diritto materiale da applicarse Mentre non egrave impossible concepire um diritto penale

sostanziale che si applichi senza la garanzia delle formalitagrave processuali egrave assolutamente inconcepibile un

11

conjunto de regras direta ou indiretamente sancionadas em que se funda a instituiccedilatildeo dos

oacutergatildeos jurisdicionais e que regula a atividade de apuraccedilatildeo das condiccedilotildees que tornam

aplicaacutevel em concreto o direito penal substantivo33

Portanto nos Estados subordinados agrave lei e ao Direito a pena soacute pode ser aplicada

por meio do processo isto eacute a atividade punitiva dos oacutergatildeos estatais incumbidos de reparar

a ordem juriacutedica violada pelo crime eacute submetida a um preacutevio controle jurisdicional em que

o Poder Judiciaacuterio aplica a norma penal objetiva mediante a resoluccedilatildeo do embate entre o

direito de punir e o direito de liberdade Surge assim uma das premissas elementares do

direito penal e que consiste em natildeo poder ningueacutem sofrer puniccedilatildeo sem julgamento

conforme as formalidades legais34

Existe portanto um iacutentimo e imprescindiacutevel viacutenculo entre delito pena e processo

que portanto satildeo complementares ldquoNatildeo existe delito sem pena nem pena sem delito e

processo nem processo penal senatildeo para determinar o delito e impor uma penardquo35

Deve-se ressaltar que tal ciecircncia natildeo se presta a impor caprichos ou ordens pelos

detentores de poder pelo contraacuterio deve respeitar e mais assegurar os direitos

fundamentais36

Segundo Antonio Scarance Fernandes satildeo dois os direitos fundamentais do

indiviacuteduo que importam particularmente ao processo criminal o direito agrave liberdade e o

direito agrave seguranccedila ambos previstos no caput do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal Como

corolaacuterio desses direitos fundamentais ldquoos indiviacuteduos tecircm direito a que o Estado atue

positivamente no sentido de estruturar oacutergatildeos e criar procedimentos que ao mesmo

tempo lhes garantam seguranccedila e lhes assegurem liberdaderdquo37

diritto processuale che sia fine a se stesso e che trovi applicazione nellrsquoassenza del diritto sostantivo scritto

o non scritto che siardquo MANZINI Vincenzo Trattato di Procedura Penale Italiana Volume Primo Torino

Unione Tipografico 1967 p 85 33

ldquoIl diritto processuale penale egrave pertanto quel complesso di norme direttamente o indirettamente

sanzionate che si fonda sullrsquoistituzione dellrsquoorgano giurisdizionale e che regola lrsquoattivitagrave diretta

allrsquoaccertamento delle condizioni che rendono applicabile in concreto Il diritto penale sostantivordquo IBID p

84-85 34

MARQUES Joseacute Frederico Elementos de Direito Processual PenalCampinas Millenium 2009 v 1 p

04 35

LOPES JR Aury Sistemas p 06 36

BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Princiacutepios do Processo Penal Entre o garantismo e a

efetividade da sanccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 p 24 37

FERNANDES Antonio Scarance Teoria Geral do Procedimento e O Procedimento no Processo Penal

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2005 p 39

12

Para Luigi Ferrajoli o que faz do processo uma operaccedilatildeo diversa da justiccedila com as

proacuteprias matildeos ou de outros meacutetodos perversos de justiccedila sumaacuteria eacute o fato de que ele

objetiva em consonacircncia com a finalidade preventiva dual do direito penal dois diferentes

objetivos a puniccedilatildeo dos culpados juntamente com a tutela dos inocentes Segundo ele eacute

essa segunda preocupaccedilatildeo que fundamenta todas as garantais processuais que envolvem o

processo e que condicionam de vaacuterios modos as instacircncias repressivas expressas pela

primeira38

A histoacuteria do processo penal portanto pode ser lida como a histoacuteria do conflito

entre essas duas finalidades logicamente complementares mas na praacutetica contrastantes39

Verifica-se entatildeo o impasse existencial do processo penal efetividade da coerccedilatildeo

penal versus direitos fundamentais jaacute que inevitavelmente para se obter uma coerccedilatildeo

mais eficaz eacute necessaacuteria a limitaccedilatildeo dos direitos fundamentais A ampliaccedilatildeo destes ao

contraacuterio dificulta a efetividade da coerccedilatildeo O ideal a ser atingido portanto eacute um ponto de

equiliacutebrio pois como sabemos em um Estado Democraacutetico e de Direito ldquoos fins nunca

justificam os meiosrdquo A efetividade da coerccedilatildeo penal deve ser perseguida com eacutetica e

obediecircncia ao conteuacutedo miacutenimo dos direitos e garantias fundamentais40

Para Antonio Scarance Fernandes o que foi conquistado com a evoluccedilatildeo histoacuterica

do processo penal natildeo foi a descoberta de um procedimento perfeito que garantisse de

forma permanente o equiliacutebrio almejado entre a seguranccedila e a liberdade ateacute porque o

processo penal expressa em cada eacutepoca e em cada local as mudanccedilas dos valores ideais e

concepccedilotildees do sistema poliacutetico e as formas diferenciadas de expressatildeo da sociedade Mas

de maneira geral foram sendo estabelecidas algumas diretrizes que constituem os

fundamentos para a formaccedilatildeo dos procedimentos41

Assim com a organizaccedilatildeo do Estado definiram-se estruturas e oacutergatildeos dirigidos agrave

eficiente operaccedilatildeo do direito punitivo prevendo-se nos procedimentos atos e fases

destinados a assegurar a accedilatildeo de tais oacutergatildeos

38

FERRAJOLI Luigi Opcit p 604 No mesmo sentido MANZINI esclarece ldquone consegue che il

processo penale rimane doppiamente caratterizzato come mezzo di tutela dellrsquointeresse sociale di

repressione della delinquenza e come mezzo di tutela dellrsquointeresse individuale e sociale di libertardquo Op cit

p 224 39

FERRAJOLI Luigi Op cit p 604 40

BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Op cit p 24-25 41

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 41

13

Isso porque o Estado como o titular do direito de punir considerando-se que a pena

somente poderaacute ser aplicada pelo oacutergatildeo jurisdicional por intermeacutedio de regular processo

que se origina com a propositura da accedilatildeo necessita evidentemente de oacutergatildeos para

desenvolver a atividade essencial agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo ao culpado Essa atividade eacute

denominada persecuccedilatildeo penal E o direito agrave persecuccedilatildeo penal que consiste em investigar o

fato violador da norma e solicitar o julgamento da pretensatildeo punitiva eacute uma obrigaccedilatildeo

funcional do Estado para alcanccedilar um dos fins essenciais para os quais ele mesmo foi

constituiacutedo seguranccedila e restauraccedilatildeo da ordem juriacutedica42

O caraacuteter indireto da coaccedilatildeo penal torna portanto imprescindiacutevel o aparecimento

de atividade estatal destinada a obter a aplicaccedilatildeo da pena consolidada na persecutio

criminis43

Segundo Joseacute Frederico Marques o Estado tem a prerrogativa de persecuccedilatildeo penal

por meio da qual busca realizar o jus puniendi resultante do crime para infligir ao

delinquente a devida sanccedilatildeo penal Como no entanto o processo eacute o meio exclusivo para a

concretizaccedilatildeo dos fins repressivos do Estado tem este oacutergatildeos apropriados para preparar o

ingresso nos tribunais e a posterior aplicaccedilatildeo jurisdicional das normas do direito punitivo44

Apesar de natildeo ser uma regra absoluta a persecuccedilatildeo penal se desenvolve

ordinariamente em duas fases investigaccedilatildeo preliminar e processo judicial45

que por sua

vez eacute normalmente composto por trecircs momentos distintos postulatoacuterio instrutoacuterio e

decisoacuterio46

Essa cisatildeo da persecuccedilatildeo penal em duas fases tem lugar toda vez que houver a

necessidade de ser percorrida antes das fases processuais uma fase preacutevia destinada agrave

investigaccedilatildeo que natildeo integra portanto o processo47

No mesmo sentido Joseacute Frederico Marques afirma que a persecutio criminis

apresenta dois momentos distintos o da investigaccedilatildeo e o da accedilatildeo penal Isso porque o

processo penal soacute tem iniacutecio com a propositura da accedilatildeo que compreende o pedido de

42

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 43

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 103 44

IBID p 104 45

ldquoEacute comum a separaccedilatildeo do procedimento apenas em duas fases com base em criteacuterio funcional uma que

prepara o julgamento e outra que corresponde ao julgamentordquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria

p 74 No mesmo sentido BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito Processual Penal Tomo I Rio

de Janeiro Elsevier 2008 p 41 46

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 47

ldquoEacute o que sucede nos processos criminais e nos processos relativos e nos processos relativos agraves accedilotildees civis

puacuteblicas nos quais deve ser instaurado previamente um inqueacuterito O inqueacuterito por isso natildeo faz parte da

unidade procedimentalrdquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35

14

julgamento da pretensatildeo punitiva Esta no entanto eacute normalmente precedida de uma fase

de pesquisas ou informatio delicti em que se reuacutenem os dados necessaacuterios para ser

requerida a imposiccedilatildeo da pena48

2 As fases da persecuccedilatildeo

21 A fase judicial sentido e alcance

Conforme jaacute exposto o Estado somente poderaacute aplicar pena ao transgressor da

norma penal apoacutes demonstraccedilatildeo de sua responsabilidade por meio do processo e mediante

decisatildeo do oacutergatildeo jurisdicional49

Segundo Joatildeo Mendes de Almeida Juacutenior as leis do processo satildeo

imprescindivelmente complementares agraves leis constitucionais e as formalidades exigidas

pelo processo uma vez que ldquoasseguram a liberdade dos indiviacuteduos porque garantem a

defesa datildeo forccedila aos julgamentos e aos juiacutezes porque satildeo o penhor da sua

imparcialidade revestem a Justiccedila de toda majestade porque datildeo testemunho da

prudecircncia de seus agentesrdquo satildeo as atualidades das garantias constitucionais50

Para ele se

o modo e a forma da realizaccedilatildeo dessas garantias fossem deixadas agrave discriccedilatildeo das partes ou

dos juiacutezes ldquoa Justiccedila marchando sem guia mesmo sob o mais prudente dos arbiacutetrios

seria uma ocasiatildeo constante de desconfianccedilas e surpresasrdquo51

De acordo com Antonio Scarance Fernandes normalmente satildeo trecircs as fases do

procedimento previstas nos coacutedigos processuais postulatoacuteria instrutoacuteria e decisoacuteria

Segundo ele a primeira fase nos processos criminais abrange o ato de acusaccedilatildeo

formulado normalmente pelo Ministeacuterio Puacuteblico e eventualmente atos de reaccedilatildeo

48

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 49

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 50

ALMEIDA JUNIOR Joatildeo Mendes de O Processo Criminal Brasileiro Satildeo Paulo Freitas Bastos SA

1959 v1 p 13-14 51

IBID p 13

15

defensiva do acusado52

O processo penal segundo Joseacute Frederico Marques soacute se instaura com a

propositura da accedilatildeo que consiste no pedido de julgamento da pretensatildeo punitiva53

e que daacute

iniacutecio agrave fase judicial da persecuccedilatildeo criminal

No mesmo sentido a liccedilatildeo de Paolo Tonini segundo a qual a expressatildeo ldquoprocesso

penalrdquo indica uma porccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal O momento inicial do processo

corresponde ao exerciacutecio da accedilatildeo penal e o momento final tem lugar quando a sentenccedila

torna-se imutaacutevel A expressatildeo ldquoprocesso penalrdquo refere-se agrave seacuterie cronologicamente

ordenada e necessaacuteria de atos que tecircm como ato inicial a accedilatildeo penal definida como ldquoo

pedido dirigido ao juiz de decidir acerca da imputaccedilatildeordquo54

Assim quando algueacutem comete uma infraccedilatildeo penal o Estado como titular do

direito de punir impossibilitado pelas razotildees jaacute expostas de autoexecutar seu direito vai a

juiacutezo - assim como o particular que teve seu interesse atingido pelo comportamento iliacutecito

de outrem - por meio do oacutergatildeo proacuteprio o Ministeacuterio Puacuteblico e deduz a sua pretensatildeo

esclarecendo o que deseja e o que almeja55

O processo penal eacute instaurado dessa maneira para que se julgue a pretensatildeo

punitiva Posteriormente se considerada procedente essa pretensatildeo a atividade processual

teraacute por fim a aplicaccedilatildeo coativa da sanccedilatildeo penal imposta ao reacuteu56

Isto eacute a fim de que a atividade jurisdicional incida sobre essa pretensatildeo dizendo-a

procedente ou improcedente o Estado - ou o particular em determinadas situaccedilotildees -

propotildee a accedilatildeo penal em que eacute pedida a aplicaccedilatildeo das sanccedilotildees penais adequadas57

O objetivo especiacutefico do processo penal eacute a concretizaccedilatildeo da pretensatildeo punitiva

52

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 53

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 54

ldquoLespressione lsquoprocesso penalersquo indica una porzione del procedimento penale Il momento iniziale del

processo corrisponde allesercizio dellazione penale il momento finale si ha quando la sentenza diventa

irrevocabile e cioegrave in sintesi non piugrave impugnabile percheacute nessuna parte haacute presentato ricorso nei termini o

percheacute tutte le impugnazioni ordinarie sono state esperite La nozione di ldquoazione penalerdquo egrave correlata a

quella di processo penale Como abbiamo visto com lespressione ldquoprocesso penalerdquo si fa riferimento a

quella serie cronologicamente ordinata e necessitata di atti che ha come atto iniziale lazione penale Ciograve

premesso possiamo dare una definizione di azione penale Essa egrave la richiesta diretta al giudice di decidere

sullimputazionerdquo TONINI Paolo Manuale di Procedura Penale 11ordf ed Milano Giuffregrave Editore 2010 p

65 55

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 56

IBID p 104 57

IBID p 104

16

decorrente da praacutetica de um crime atraveacutes da garantia jurisdicional isto eacute de obter do juiz

um pronunciamento sobre o meacuterito da pretensatildeo punitiva O conteuacutedo do processo

criminal portanto eacute a averiguaccedilatildeo judicial das condiccedilotildees que podem determinar ou excluir

a viabilidade da pretensatildeo punitiva do Estado58

Deduz o Estado portanto a sua pretensatildeo punitiva em juiacutezo o que constitui

justamente a acusaccedilatildeo a qual pode ser definida como ldquoa apresentaccedilatildeo perante oacutergatildeo

judiciaacuterio do pedido condenatoacuterio e seus fundamentosrdquo59

De acordo com Antonio Scarance Fernandes ponto importante da evoluccedilatildeo

histoacuterica foi a passagem progressiva da acusaccedilatildeo das matildeos do povo e do particular para o

Estado No sistema inquisitorial inicialmente o proacuteprio juiz investigava e instaurava de

ofiacutecio o processo como forma evitar a impunidade decorrente da ineficaacutecia da atuaccedilatildeo

privada e popular Contudo para evitar que o juiz se comprometesse com a tese acusatoacuteria

prevaleceu a acusaccedilatildeo pelo Ministeacuterio Puacuteblico obviamente nos paiacuteses em que essa

instituiccedilatildeo se desenvolveu e fortaleceu60

Assim aleacutem da garantia de que a acusaccedilatildeo devia estar fundamentada em preacutevia

apuraccedilatildeo do fato outra passou a ser exigida qual seja a de que a acusaccedilatildeo fosse ofertada

por oacutergatildeo diverso daquele que julgava a causa61

Com o tempo firmaram-se regras a respeito da forma como devia ser formulada a

acusaccedilatildeo de modo a proporcionar ao acusado uma reaccedilatildeo mais eficiente agrave imputaccedilatildeo

impondo-se que o fato criminoso fosse narrado com todas as suas circunstacircncias que o

acusado fosse precisamente identificado e que as razotildees para a imputaccedilatildeo fossem

claramente indicadas62

Com a acusaccedilatildeo portanto instaura-se o processo que se desenvolve com a

sucessatildeo de vaacuterios atos relevantes de acordo com as formalidades e regras que devem ser

observadas

58

ldquoScopo speciacutefico del processo penale egrave di conseguire la realizzazione della pretesa punitiva derivante da

reato attraverso lrsquoesplicamento della guarentigia giurisdizionale cioegrave di ottenere lrsquoaccertamento positivo o

negativo mediante lrsquoinvertevento del giudice della fondatezza della pretesa punitiva derivante da un reato

fatto valere per lo Stato dal pubblico ministero Il contenuto del processo penale quindi egrave dato

dallrsquoaccertamento giurisdizionale delle condizioni che determinano escludono o modificano la realizzabilitagrave

della pretesa punitiva dello Stato stessordquo MANZINI Vincenzo Op cit p 220 59

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 105 60

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 105 61

IBID p 105 62

IBID p 105

17

Recebida a acusaccedilatildeo o juiz entatildeo daraacute iniacutecio agrave instruccedilatildeo criminal para a coleta das

provas que lhe forem apresentadas por ambas as partes e ao final procuraraacute ouvir o

pretenso culpado63

Na etapa instrutoacuteria portanto produzem-se as provas requeridas pelas

partes ou determinadas pelo juiz64

Segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente sempre houve a previsatildeo de

atos ou fases destinados agrave produccedilatildeo da prova sendo regulados os diversos meios de prova

as formas de avaliaccedilatildeo da prova e os encargos de produccedilatildeo da prova65

Afirma o autor que a verificaccedilatildeo do fato criminoso e de sua autoria natildeo fica

limitada somente a uma fase determinada pois de modo geral todas as diligecircncias

praticadas desde os primeiros atos investigatoacuterios tendem a evidenciar a ocorrecircncia do

delito e a descobrir quem o praticou Para ele quando se refere a uma fase destinada agrave

instruccedilatildeo da causa eacute para designar uma fase cuja funccedilatildeo primordial eacute produzir prova que

pode ser considerada no julgamento Isso natildeo significa que o material reunido

anteriormente natildeo possa ser levado em conta na decisatildeo final pois determinadas

particularidades como a urgecircncia da prova ou a impossibilidade de sua repeticcedilatildeo tornam

impossiacutevel uma regra riacutegida e imutaacutevel de que soacute pode ser admitida a prova produzida na

fase proacutepria66

Por fim o uacuteltimo grupo de atos que constituem a fase decisoacuteria permite que as

partes manifestem-se sobre o material probatoacuterio e elaborem alegaccedilotildees finais decidindo o

juiz em seguida67

A fase de julgamento comprende pois o ato final de decisatildeo e atos

anteriores de manifestaccedilatildeo das partes sobre a prova produzida com os quais buscam

persuadir o juiz evidenciando-lhe a correccedilatildeo de seus argumentos68

Assim apoacutes o estudo do material de cogniccedilatildeo recolhido o juiz procura ver se

prevaleceu o interesse do Estado em punir o culpado ou se o interesse do reacuteu em natildeo

sofrer restriccedilatildeo no seu jus libertatis69

dizendo qual dos dois tem razatildeo Se o Estado aplica

63

Art 400 Na audiecircncia de instruccedilatildeo e julgamento a ser realizada no prazo maacuteximo de 60 (sessenta) dias

proceder-se-aacute agrave tomada de declaraccedilotildees do ofendido agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas arroladas pela acusaccedilatildeo e

pela defesa nesta ordem ressalvado o disposto no art 222 deste Coacutedigo bem como aos esclarecimentos dos

peritos agraves acareaccedilotildees e ao reconhecimento de pessoas e coisas interrogando-se em seguida o acusado 64

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 65

IBID p 131 66

IBID p 132 67

IBID p 35 68

IBID p 147 69

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07

18

ao culpado a sanccedilatildeo se o reacuteu absolve-o70

Antes das fases processuais poreacutem pode haver necessidade de ser percorrida uma

fase preacutevia destinada agrave investigaccedilatildeo que natildeo faz parte do processo mas eacute a ele

antecedente aparelhando-o71

Isso porque para que o Ministeacuterio Puacuteblico como oacutergatildeo do

Estado possa exercer o direito de accedilatildeo penal levando ao conhecimento do juiz a notiacutecia

sobre um fato aparentemente criminoso indicando-lhe tambeacutem o autor eacute conveniente

deva ele dispor dos dados indispensaacuteveis Tais informaccedilotildees preliminares via de regra satildeo

colhidas no primeiro momento da persecuccedilatildeo penal por oacutergatildeo do Estado incumbido de

investigar o fato tiacutepico e sua respectiva autoria a fim de subsidiar a propositura da accedilatildeo

penal72

O proacuteximo toacutepico seraacute pois destinado ao exame dessa fase de investigaccedilatildeo

preliminar

22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance

Como eacute notoacuterio o processo penal por si soacute traduz-se em sanccedilatildeo negativa

provocando efeitos permanentes agravequeles a ele submetido ainda que a accedilatildeo penal ao fim

termine em sentenccedila penal absolutoacuteria73

Nesse sentido a liccedilatildeo de Seacutergio Marcos de

Moraes Pitombo segundo a qual o imputado sofre o processo suportando para sempre os

efeitos sociais dele decorrentes mesmo que haja sua abolviccedilatildeo ademais tolera o processo

suas formalidades e longo percurso que inclui transporte algemas espera interrogatoacuterio

audiecircncia de instruccedilatildeo e mais instrumentos a disposiccedilatildeo da Justiccedila Penal74

Ainda de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida

70

IBID p 07 71

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 72

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 7-8 73

SAAD Marta O direito de defesa no inqueacuterito policial Satildeo Paulo RT 2004 p 21-22 74

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito policial exerciacutecio do direito de defesa Boletim

IBCCRIM Satildeo Paulo v7 n83 (esp) out 1999

19

O mal causado pela accedilatildeo penal deixada ao arbiacutetrio dos acusadores seria

nos casos de absolviccedilatildeo uma injusticcedila Bens materiais e morais fama honra

dignidade teriam sofrido danos irreparaacuteveis e exclusivamente causados pela

faculdade discricionaacuteria da caluacutenia da mentira da leviandade da extorsatildeo

docilmente servidas pelo trabalho penoso inuacutetil aos proacuteprios fins do poder

puacuteblico75

Por isso a praacutetica juriacutedica revelou ser necessaacuteria anteriormente ao ajuizamento de

accedilatildeo penal condenatoacuteria uma preacutevia apuraccedilatildeo do fato a princiacutepio dotado de ilicitude e

tipicidade bem como de sua autoria coautoria e participaccedilatildeo76

Ou seja a acusaccedilatildeo

prescinde da obtenccedilatildeo de prova por meio de uma apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia agrave accedilatildeo

penal de natureza condenatoacuteria que indique razoavelmente a materialidade do fato

aparentemente iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou participaccedilatildeo

bem como elementos de convicccedilatildeo acerca da provaacutevel culpabilidade do indiciado77

De acordo com Aury Lopes Junior ldquoo processo penal sem a investigaccedilatildeo

preliminar eacute um processo irracional uma figura inconcebiacutevel segundo a razatildeo e os

postulados da instrumentalidade garantistardquo78

Isso porque uma vez que o processo penal

abriga um conjunto de penas processuais que fazem com que o ponto crucial seja saber se

deve ou natildeo acusar em primeiro lugar se deve investigar e reunir elementos que

justifiquem o processo ou o natildeo-processo79

Para Eugenio Florian eacute necessaacuterio que exista no procedimento penal uma fase na

qual se prepare o material para a fase judicial Segundo o autor ldquoseriacutea ocasionado a la

confusioacuten y esteacuteril el proceso en el cual se entrase en los debates sin preparacioacuten Tal fase

estaacute representada por la instuccioacuten tambieacuten llamada instruccioacuten preparatoacuteriardquo80

Eacute essencial portanto a existecircncia de um miacutenimo suporte probatoacuterio antecedente ao

aforamento da accedilatildeo penal de conhecimento de natureza condenatoacuteria Tal atividade no

75

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo

1973 p 18 76

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 77

SAAD Marta O direito p 22 78

LOPES JR Aury Sistemas p1 79

IBID p1 80

FLORIAN Eugenio Elementos de Derecho Procesal Penal Bosch Barcelona 1934 p 227-228

20

mais das vezes consubstancia-se na persecuccedilatildeo ou apuraccedilatildeo preacutevia ou preliminar agrave

instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal judicial variando a forma por meio da qual se efetiva

conforme o tempo e a organizaccedilatildeo judiciaacuteria poliacutetica social e cultural de determinado

Estado81

Essa fase preacutevia nos mais diversos sistemas e regulamentaccedilotildees significou a

expressatildeo concreta de uma relevante garantia a de se evitar que algueacutem seja acusado sem

estar verificada a existecircncia de indiacutecios razoaacuteveis apontando-o como autor de um iliacutecito

penal Em suma a etapa preacutevia de investigaccedilatildeo foi a maneira que o direito processual

penal encontrou para haver uma acusaccedilatildeo justa e para evitar imputaccedilotildees apressadas82

Cada sistema processual penal assim adotou o meio de apuraccedilatildeo preacutevia que lhe

pareceu mais adequado em determinado momento histoacuterico considerando-se aspectos

poliacuteticos e sociais bem como os respectivos destinataacuterios83

Aury Lopes Junior define a investigaccedilatildeo preliminar como o conjunto de atividades

desenvolvidas de modo encadeado por oacutergatildeos do Estado a partir de uma notitia criminis

com caraacuteter preacutevio e de natureza preparatoacuteria em relaccedilatildeo agrave fase judicial cujo objetivo eacute a

apuraccedilatildeo da autoria e das circunstacircncias de um fato supostamente delitivo de modo a

fundamentar o processo ou o natildeo-processo84

Para Joseacute Frederico Marques ldquoa investigaccedilatildeo criminal eacute atividade estatal da

persecutio criminis destinada agrave accedilatildeo penalrdquo85

que tem iniacutecio independentemente de sua

forma com a notiacutecia do crime entendida como ldquoo conhecimento espontacircneo ou provocado

que tem a autoridade puacuteblica da praacutetica de um fato delituosordquo86

Segundo ele a investigaccedilatildeo preliminar tem caraacuteter eminentemente preparatoacuterio e

informativo visto que seu escopo o eacute fornecimento dos elementos necessaacuterios para a

deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva em juiacutezo aos oacutergatildeos da accedilatildeo penal87

e tem como objeto por

sua vez a obtenccedilatildeo de dados informativos para que o oacutergatildeo da acusaccedilatildeo verifique se deve

81

SAAD Marta O direito p 22 82

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 83

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 84

LOPES JR Aury Sistemas p 331-332 85

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 115 86

IBID p 107 87

IBID p 115

21

ou natildeo propor a accedilatildeo penal88

A investigaccedilatildeo diferentemente do que sugere a crenccedila comum natildeo tem como

objetivo a reuniatildeo e a produccedilatildeo de elementos que comprovem a praacutetica de um iliacutecito

Afirmar isso implicaria dizer que toda instruccedilatildeo preliminar teria como meta a

demonstraccedilatildeo de um iliacutecito preterindo qualquer elemento que apontasse para sentido

diverso89

A investigaccedilatildeo preliminar pode assim embasar tanto o Estado quando a oacutergatildeo seu

competir a iniciativa da accedilatildeo penal quanto o particular como ocorre na accedilatildeo penal

privada Por isso a colheita de elementos em etapa anterior ao exerciacutecio do direito de accedilatildeo

objetiva impedir a atuaccedilatildeo temeraacuteria evitando desse modo acusaccedilotildees infundadas e

predestinadas ao insucesso90

De acordo com Marta Saad a investigaccedilatildeo preliminar eacute caracterizada como

procedimento precedente agrave instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em juiacutezo que tem como

finalidade colher suporte probatoacuterio ao ajuizamento da accedilatildeo penal de conhecimento de

natureza condenatoacuteria justificando-se em razatildeo do fardo que representa para o indiviacuteduo

ter contra si um processo penal91

Segundo a autora satildeo duas as funccedilotildees exercidas pela persecuccedilatildeo penal preliminar

preservadora e preparatoacuteria a primeira assegura a minoraccedilatildeo das acusaccedilotildees infundadas

precipitadas ou caluniosas evitando o prejuiacutezo de acusaccedilotildees formais inuacuteteis perante o juiacutezo

criminal a segunda visa acautelar eventuais meios de prova que podem ser perdidos com

o passar do tempo92

A funccedilatildeo preservadora de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida

decorre da necessidade de justificar um juiacutezo de acusaccedilatildeo isto eacute um julgamento preacutevio

dos elementos acusatoacuterios para preservaccedilatildeo da inocecircncia contra a imprudecircncia ou caluacutenia

bem como para garantia do organismo jurisdicional contra os gastos inuacuteteis e injustos de

88

IBID p 115 89

CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo Criminal pelo Ministeacuterio Puacuteblico fundamentos e limites

constitucionais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2007 p 59 90

IBID p 60 91

SAAD Marta O direito p 131 92

IBID p 131-132

22

tempo e de trabalho93

Segundo ele ldquoa funccedilatildeo preservadora da persecuccedilatildeo inicial assim tem como

finalidade preservar a inocecircncia contra acusaccedilotildees infundadas e o organismo judiciaacuterio

contra o custo e a inutilidade em que estas redundariamrdquo94

propiciando elementos e uma

base segura que justifiquem a propositura e exerciacutecio da accedilatildeo penal95

Francesco Carnelutti entende que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo aspira a

comprovaccedilatildeo do delito mas a exclusatildeo de uma acusaccedilatildeo aventurada96

Isto eacute deve-se

reconhecer sobretudo que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo se faz para comprovar o crime

mas apenas para obstar uma acusaccedilatildeo irresponsaacutevel ou arriscada Eacute preciso que fique claro

portanto que a investigaccedilatildeo preliminar deve limitar-se a estabelecer a probabilidade do

delito natildeo visando sua comprovaccedilatildeo97

Para Aury Lopes Junior o principal fundamento da investigaccedilatildeo preliminar eacute a

funccedilatildeo de evitar acusaccedilotildees infundadas A mitigaccedilatildeo de acusaccedilotildees imprudentes e temeraacuterias

se daacute exatamente por meio do esclarecimento do fato atraveacutes de um juiacutezo provisoacuterio e de

probabilidade e com isso tambeacutem eacute assegurada agrave sociedade a inexistecircncia de

arbitrariedades e abusos por parte do poder persecutoacuterio estatal Segundo ele ldquose a

impunidade causa uma grave intranquilidade social natildeo menos grave eacute o mal causado

por processar um inocenterdquo98

Isso porque como sabido o processo penal tem um elevado custo que permite

falar de verdadeiras penas processuais como o sofrimento que causa para o sujeito

passivo que vive um estado de prolongada acircnsia decorrente de sua estigmatizaccedilatildeo social e

juriacutedica Por isso o sistema processual penal deve ser dotado de filtros que evitem

acusaccedilotildees sem o suficiente fumus comissi delicti99

A investigaccedilatildeo preliminar atende assim a um manifesto interesse garantista para

93

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 94

IBID p 17 95

SAAD Marta O direito p 23 96

ldquoLinchiesta preliminare non si fa per laccertamento del reato ma soltanto per escludere una imputazione

avventatardquo CARNELUTTI Francesco Principi del Processo Penale Napoli Morano Editore 1960 p 107 97

ldquoBisogna riconoscere anzi tutto schiettamente che linchiesta preliminare non tende ad accertare il reato

ma soltanto ad evitare una imputazione imprudente o azzardata Si tratta di sgrossare la ratio dubitandi non

di raffinarla con il labor limae Perciograve deve essere ben chiarito que linchiesta preliminare deve limitarsi a

stabilire la probabilitagrave del reato non affatto aspirare a conseguirne la certezardquo IBID p 107 98

LOPES JR Aury Sistemas p 47 99

IBID p 332

23

contenccedilatildeo das acusaccedilotildees e processos imotivados buscando evitar o custo para o sujeito

passivo e para o Estado de um juiacutezo dispensaacutevel100

Como jaacute observado haacute ainda aleacutem da funccedilatildeo preservadora da liberdade contra

acusaccedilotildees infundadas uma segunda funccedilatildeo dita preparatoacuteria da persecuccedilatildeo preliminar ou

preacutevia

Nesse sentido Eugenio Florian assevera que ldquoen particular la instruccioacuten

preparatoria sirve para recoger elementos probatorios que el tiempo puede hacer

desaparecerrdquo101

Isso porque haacute ocasiotildees em que os sinais do delito podem desaparecer

surgindo entatildeo a necessidade de instrumentos que preservem os meios de prova por

vezes urgentes ou intransponiacuteveis levando-os ao conhecimento do juiz e depois para o

acircmbito de eventual accedilatildeo penal onde natildeo fosse a atuaccedilatildeo anterior do oacutergatildeo encarregado da

investigaccedilatildeo preliminar natildeo se poderiam obter certas provas ou realizar determinadas

diligecircncias102

No mesmo sentido Joaquim Canuto Mendes de Almeida ensina que ldquoa funccedilatildeo

preparatoacuteria da instruccedilatildeo preliminar se determina pela necessidade de produccedilatildeo antes e

fora da audiecircncia de provas dificilmente realizaacuteveis no tempo e no local de concentraccedilatildeo

do processordquo103

A investigaccedilatildeo preliminar exerce assim tambeacutem uma funccedilatildeo cautelar que assume

distintos contornos conforme a necessidade da tutela podendo ser adotadas medidas que

tenham natureza pessoal patrimonial ou probatoacuteria104

Conveniente e adequada dessa forma a cisatildeo do procedimento da persecuccedilatildeo penal

em duas fases sendo a primeira delas representada pela instruccedilatildeo preacutevia105

que por sua

vez possui dois propoacutesitos O primeiro deles de caraacuteter preservador reduzindo a

ocorrecircncia de acusaccedilotildees insubsistentes imprudentes ou ateacute mesmo inveriacutedicas e evitando

os danos de acusaccedilotildees inuacuteteis O segundo preparatoacuterio acautelando possiacuteveis meios de

100

IBID p 40-41 101

FLORIAN Eugenio Opcit p 228-229 102

SAAD Marta O direito p 24 103

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 104

LOPES JR Aury Sistemas p 45 105

Ressalve-se a hipoacutetese prevista no artigo 4ordm do CPP de dispensa do inqueacuterito policial quando se dispotildee

de elementos suficientes para o aforamento da accedilatildeo penal condenatoacuteria

24

prova106

Vale ressaltar contudo que conforme liccedilatildeo de Antonio Scarance Fernandes se por

um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo consiste numa garantia contra acusaccedilotildees

precipitadas e despojadas de base satisfatoacuteria por outro a utilizaccedilatildeo dos elementos

colhidos durante esse periacuteodo preacute-processual natildeo pode ir aleacutem de sua finalidade preciacutepua

que eacute possibilitar a acusaccedilatildeo Natildeo devem tais elementos ser utilizados para justificar a

condenaccedilatildeo sob pena de serem anuladas outras garantias essenciais como a da ampla

defesa e a do contraditoacuterio Por isso eacute frequente nas legislaccedilotildees modernas a preocupaccedilatildeo

em se obstar ou reduzir a interferecircncia do material colhido durante a investigaccedilatildeo no

convencimento do julgador107

Outro ponto que merece especial destaque no estudo aqui desenvolvido eacute a

crescente preocupaccedilatildeo jaacute revelada em modelos mais avanccedilados com os limites agrave atuaccedilatildeo

do juiz na fase preliminar de investigaccedilatildeo e com a consequente possibilidade de que o

julgador que atua na investigaccedilatildeo criminal isto eacute aquele que tem contato com os autos do

inqueacuterito policial possa ser indesejavelmente influenciado por tudo aquilo que foi

produzido previamente agrave accedilatildeo penal tendo comprometida sua imparcialidade quando do

julgamento108

A primeira fase da persecuccedilatildeo penal portanto a de preparaccedilatildeo da acusaccedilatildeo eacute em

essecircncia uma fase de investigaccedilatildeo preacutevia que antecede o momento de instauraccedilatildeo do

processo e natildeo faz parte do esquema procedimental Contudo os atos nela realizados

repercutem intensamente no desenvolvimento da relaccedilatildeo juriacutedica processual sendo por

isso ajustada na histoacuteria ao sistema vigorante acusatoacuterio inquisitoacuterio ou misto Isso fez

com que nas diversas eacutepocas e nas diversas regiotildees a fase de investigaccedilatildeo apresentasse

diferentes regulamentaccedilotildees109

com reflexo direto no que concerne ao papel do magistrado

A seguir desenvolveremos uma breve anaacutelise das caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo

criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio inquisitoacuterio e misto Tal estudo

seraacute de grande valia sobretudo quando da anaacutelise do sistema eleito pela Constituiccedilatildeo de

1988 e das implicaccedilotildees dessa escolha no inqueacuterito policial disciplinado pelo Coacutedigo de

106

SAAD Marta O direito p 25 107

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 108

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro

Lumen Juris 2001 p 139-140 109

IBID p 74-75

25

Processo Penal de 1941

3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais

31 Sistema acusatoacuterio

Primeiro sistema processual concebido110

o sistema acusatoacuterio guardadas as

especificidades de cada ordenamento estabeleceu-se sobretudo na Repuacuteblica Romana e

na Idade Meacutedia ateacute o seacuteculo XIII com prevalecircncia para o direito germacircnico111

De acordo com Julio B J Maier ldquoen general puede decirse que esta forma de

llevar a cabo el enjuiciamento penal domina todo el mundo antiguordquo112

Paolo Tonini define o sistema acusatoacuterio como aquele sistema de processo penal

baseado no princiacutepio dialeacutetico segundo o qual a verdade eacute tatildeo melhor apurada quanto

maior o espaccedilo dado para o embate entre as partes animadas por interesses conflitantes113

Aleacutem disso e acima de tudo o processo acusatoacuterio caracteriza-se pela separaccedilatildeo entre as

funccedilotildees de acusaccedilatildeo defesa e julgamento e pelo princiacutepio do contraditoacuterio na formaccedilatildeo da

prova114

110

ldquoEl proceso penal comuacuten fueacute primeramente acusatoacuterio seguacuten el modelo romanordquo FLORIAN Eugenio

Op cit p 65 111

ldquoEl procedimiento acusatorio rigioacute praacutecticamente durante toda la antiguumledad (Grecia Roma) y en la

Edad Media hasta el siglo XIII (Derecho germano) momento en el cual sobre las bases del uacuteltimo Derecho

romano imperial antes de la caiacuteda de Roma es reemplazado por la Inquisioacutenrdquo MAIER Julio B J Derecho

Procesal Penal Argentino Tomo 1 vol B Buenos Aires Editorial Hamurabi S R L 1989 p 209 No

mesmo sentido ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa Instrutoacuteria do Juiz no Processo Penal Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 37 Segundo Eugenio Florian ldquohistoacutericamente la forma acusatoria

florecioacute em Grecia en la eacutepoca de apogeo de Roma y en el derecho germacircnico resurge despueacutes ente

nosotros en la eacutepoca del esplendor de las ciudades italianas que es cuando renace el derecho romano El

proceso penal romano fueacute acusatorio en la eacutepoca aacuteurea de los Comiacutecios (que abatidos de hecho por Sila

desaparecen con Augusto) y en el periacuteodo siguiente de las Questiones perpetuae (una especie de comisioacuten de

jurados)rdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 65 Como observa Fernando da Costa Tourinho Filho

ldquopredominou na Iacutendia entre os atenienses e entre os romanos notadamente durante o periacuteodo republicano

e presentemente com as alteraccedilotildees ditadas pela evoluccedilatildeo vigora em muitas legislaccedilotildeesrdquo TOURINHO

FILHO Fernando da Costa Processo Penal 31ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 92 112

MAIER Julio B J Op cit p 206 113

TONINI Paolo Op cit p 26 114

ldquoIl sistema accusatorio egrave quel modello di procedimento penale che si basa sul principio dialettico in base

26

No mesmo sentido a liccedilatildeo de Luigi Ferrajoli segundo a qual se denomina

acusatoacuterio o sistema que concebe o juiz como um sujeito rigidamente apartado das partes e

o processo como uma disputa entre partes em posiccedilatildeo de igualdade iniciada pela acusaccedilatildeo

sob a qual recai o ocircnus da prova o procedimento desenvolve-se atraveacutes de debate

contraditoacuterio oral e puacuteblico e eacute decidida pelo magistrado segundo sua livre convicccedilatildeo115

Para Paolo Tonini satildeo caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio

ldquoil giudice inizia il processo soltanto su iniziativa di parte le parti e non il

giudice ricercano la prova il proceso egrave orale nel senso che di regola il giudice

decide sulla base di dichiarazioni rese oralmente e nel contradittorio tra le parti

limputato egrave presunto innocente sono previsti limiti alla ammissione delle prove la

carcerazione prima della sentenza egrave uma eccezionerdquo116

Julio J B Maier aponta como notas comuns ao sistema acusatoacuterio as seguintes o

exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo eacute atribuiacutedo a tribunais populares aparecendo o julgador como um

aacuterbitro entre as partes a persecuccedilatildeo penal eacute exercida por uma pessoa fiacutesica e natildeo por um

oacutergatildeo do Estado o acusado eacute um sujeito de direitos ao qual deve ser garantida uma posiccedilatildeo

de igualdade frente ao acusador e cuja situaccedilatildeo de inocente natildeo deve ser alterada ateacute o

tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo sendo a adoccedilatildeo de medidas coercitivas durante o

processo excepcional o procedimento consiste em debate puacuteblico oral contiacutenuo e

contraditoacuterio na valoraccedilatildeo da prova impera o sistema do livre convencimento natildeo

havendo sujeiccedilatildeo dos julgadores a quaisquer regras de valoraccedilatildeo das provas a sentenccedila

resulta de uma votaccedilatildeo cujo resultado pode dar-se por maioria ou pela unanimidade dos

julgadores117

al quale la veritagrave egrave tanto meglio accertata quanto piugrave spazio egrave dato allo scontro tra le parti animate da

interessi contrapposti Il processo accusatorio egrave caratterizzato dal principio di separazione delle funzioni

processuali (accusa difesa e giudizio) e dal principio del contradittorio nella formazione della prova che si

rispecchia principalmente nellistituto dellesame incrociato dei testimonirdquoTONINI Paolo Op cit p 26 115

ldquoPrecisamente se puede llamar acusatorio a todo sistema procesal que concibe al juez como un sujeto

pasivo riacutegidamente separado de las partes y al juicio como una contienda entre iguales iniciada por la

acusacioacuten a la que compete la carga de la prueba enfrentada a la defensa en un juicio contradictorio oral

y puacuteblico y resuelta por el juez seguacuten su libre conviccioacutenrdquo FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 116

TONINI Paolo Op cit p 26-27 117

MAIER Julio B J Op cit p 207-209 Conforme Guilherme de Souza Nucci ldquono sistema acusatoacuterio haacute

27

Como observa Marcos Alexandre Coelho Zilli em que pese a sensiacutevel dificuldade

doutrinaacuteria em identificar as notas essenciais de um sistema processual penal acusatoacuterio haacute

inequiacutevoco consenso no sentido de que constitui seu componente primoridal a separaccedilatildeo

equilibrada de poderes exercidos ao longo da persecuccedilatildeo penal118

Nesse sentido Julio J B Maier assinala que a caracteriacutestica fundamental do

sistema processual acusatoacuterio reside na divisatildeo dos poderes que satildeo exercidos ao longo do

processo Assim de um lado posiciona-se o acusador que identifica e persegue o provaacutevel

autor ou partiacutecipe da infraccedilatildeo penal por meio de exerciacutecio de um poder postulatoacuterio e do

outro o imputado que resiste agrave imputaccedilatildeo exercendo o seu direito de defesa Finalmente

equidistante das partes posiciona-se o juiz que tem em suas matildeos o poder decisoacuterio119

O equiliacutebrio e a divisatildeo de poderes processuais penais tem como consequecircncia

conforme aponta Marcos Alexandre Coelho Zilli a distinccedilatildeo subjetiva entre o oacutergatildeo

acusador e julgador ldquofator essencial para distingui-lo do sistema marcadamente

inquisitoacuteriordquo120

Aleacutem disso vale destacar que a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no

sistema acusatoacuterio que tem como efeito direto a impossibilidade de o juiz exercer a funccedilatildeo

de acusaccedilatildeo supotildee da mesma forma a proibiccedilatildeo de o juiz participar da construccedilatildeo da

proacutepria acusaccedilatildeo121

Afinal segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli a investigaccedilatildeo

implica num trabalho de averiguaccedilatildeo da materialidade do crime e da provaacutevel autoria

sendo orientada pelo propoacutesito de se elaborar uma afirmaccedilatildeo acusatoacuteria ldquoAssim quem

niacutetida separaccedilatildeo entre o oacutergatildeo acusador e o julgador haacute liberdade de acusaccedilatildeo reconhecido o direito ao

ofendido e a qualquer cidadatildeo predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo

vigora a publicidade do procedimento o contraditoacuterio estaacute presente existe a possibilidade de recusa do

julgador haacute livre sistema de produccedilatildeo de provas predomina maior participaccedilatildeo popular na justiccedila penal e

a liberdade do reacuteu eacute a regrardquo NUCCI Guilherme de Souza Manual de Processo Penal e Execuccedilatildeo Penal 4ordf

ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008 p109 118

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 119

ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento acusatorio reside en la divisioacuten de los poderes que se

ejercen en el proceso por un lado el acusador quien persigue penalmente y ejerce el poder requirente por

el otro el imputado quien puede resistir la imputacioacuten ejerciendo el derecho de defenderse y finalmente el

tribunal que tiene en sus manos el poder de decidir Todos estos poderes se vinculan y condicionan unos a

otros su principio fundamental que le da nombre al sistema se afirma en la exigencia de que la actuacioacuten

de un tribunal para decidir el pleito y los liacutemites de su decisioacuten estaacuten condicionados al reclamo (accioacuten) de

un acusador y al contenido de ese reclamo (nemo iudex sino actore y ne procedat iudex ex officio) y por otra

parte a la possibilidad de resistencia del imputado frente a la imputacioacuten que se le atribuyerdquo MAIER Julio

B J Op cit p 207 120

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 121

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Breves notas sobre o Anteprojeto de Lei que objetiva modificar o

Coacutedigo de Processo Penal no atinente agrave investigaccedilatildeo policial Revista Cejap 29-10 Campinas Millenium

set 2000

28

investiga coopera com o desenho da acusaccedilatildeo comprometendo-se subjetivamente com os

seus termosrdquo122

Dessa forma uma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio manifestada na

fase investigativa eacute o destaque das funccedilotildees do Ministeacuterio Puacuteblico e sua participaccedilatildeo na fase

preparatoacuteria na medida em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador

externo da atividade policial impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos

ldquojuizados de instruccedilatildeordquo123

Por isso especificamente em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal eacute

caracteriacutestica essencial do sistema acusatoacuterio a exigecircncia de que a investigaccedilatildeo fique a

cargo de oacutergatildeo distinto do julgador que deve assumir papel passivo na fase investigatoacuteria

de controle da legalidade da investigaccedilatildeo decidindo apenas quando provocado Busca-se

veementemente coibir no sistema acusatoacuterio a atuaccedilatildeo investigativa do juiz

Assim segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente em locais onde

imperou o sistema acusatoacuterio a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda agrave poliacutecia Mais recentemente haacute

propensatildeo em atribuir ao Ministeacuterio Puacuteblico a supervisatildeo da investigaccedilatildeo124

De qualquer forma vale ressaltar que determinadas medidas por estarem inseridas

no acircmbito de atribuiccedilotildees exclusivas das autoridades dotadas de poderes jurisdicionais

como as cautelares pessoais e reais as interceptaccedilotildees telefocircnicas as buscas e apreensotildees

domiciliares soacute podem ser intentadas pela autoridade investigante apoacutes autorizaccedilatildeo do juiz

que nesse mister funcionaraacute como garantidor da legalidade do procedimento

investigatoacuterio podendo o investigado a ele recorrer sempre que for cometido algum abuso

em seu desfavor125

122

ZILLI Marcos Alexandre Coelho Os atores e seus papeacuteis Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ediccedilatildeo especial

CPP ago-2010 123

CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 146 124

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 81 125

IBID p 73

29

32 Sistema inquisitoacuterio

O sistema inquisitoacuterio desenvolveu-se sobretudo na Roma Imperial ndash sua fonte

juriacutedica de inspiraccedilatildeo foi exatamente o Direito romano imperial (cognitio extra ordinem) ndash

e na Europa sobretudo a continental126

durante o seacuteculo XIII ateacute o seacuteculo XVIII127

Historicamente surge quando devido a mudanccedilas poliacuteticas desapareceram as

circunstacircncias que mantinham a forma acusatoacuteria que cai completamente em desuso no

seacuteculo XVI De acordo com Eugenio Florian a nova forma nasce especialmente por obra

da Igreja128

Teve iniacutecio com Inocecircncio III e foi colocada em praacutetica em virtude de vaacuterios

decretos de Bonifaacutecio VIII A famosa Ordenanccedila Criminal de Luis XIV toda dedicada ao

procedimento representa a plena e definitiva codificaccedilatildeo do procedimento inquisitoacuterio129

O processo inquisitivo portanto emergiu em Roma sendo jaacute permitido que o juiz

iniciasse o processo de ofiacutecio e ao atingir a Idade Meacutedia por influecircncia da Igreja passou

a dominar a Europa continental a partir do Conciacutelio de Lateranense de 1215130

Foi

trazido na realidade pelo Direito Canocircnico mas logo foi percebido pelos soberanos como

um mecanismo poderoso espalhando-se entre os Tribunais seculares que o transformaram

em instrumento de dominaccedilatildeo131

A inquisiccedilatildeo eacute o sistema processual que corresponde agrave ideia de poder central

absoluto isto eacute agrave centralizaccedilatildeo do poder de forma a que todos os atributos decorrentes da

soberania se concentram nas matildeos de uma soacute pessoa132

O iacutenfimo valor da pessoa humana

126

ldquoLa fuente juriacutedica de inspiracioacuten fue el Derecho romano imperial de la uacuteltima eacutepoca (cognitio extra

ordinem) con su tenue introduccioacuten de los rasgos principales de la Inquisicioacuten conservado por la Iglesia y

perfeccionado por el Derecho canoacutenico el cual a su vez constituyo la fuente donde abrevoacute la Inquisicioacuten

laica de paso triunfante por toda Europa continental a partir del siglo XIIIrdquo MAIER Julio B J Op cit p

210 127

ldquoEl procedimento inquisitivo se extendioacute por toda Europa continental triunfando sobre el Derecho

germano y la organizacioacuten sentildeorial (feudal) de la administracioacuten de justicia desde el siglo XIII hasta el

siglo XVIIIrdquo IBID p 213 128

FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 Nesse sentido Julio B J Maier ldquoDesde el punto de vista

histoacuterico-poliacutetico la afirmacioacuten de universaliad de la Iglesia Catoacutelica (Derecho canoacutenico) y la formacioacuten de

los Estados nacionales bajo el reacutegimen de la monarquiacutea absoluta y sus luchas de predominio contra los

ldquoinfielesrdquo por una parte y contra el poder feudal por la outra condujeron necessariamente a este tipo de

procedimientordquo MAIER Julio B J Op cit p 213 129

FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 130

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 94 131

IBID p 94 132

Segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquojustamente pela centralizaccedilatildeo de poderes eacute que o sistema

inquisitoacuterio historicamente esteve associado a estruturas poliacuteticas igualmente centralizadas como por

30

frente agrave ordem social traduz-se em um procedimento penal que reduz o imputado a um

mero objeto de investigaccedilatildeo e autoriza a utilizaccedilatildeo de qualquer meio por mais cruel que

seja para alcanccedilar seu objetivo de reprimir aquele que perturba a ordem social Daiacute se

extraem as maacuteximas fundamentais do sistema inquisitivo a persecuccedilatildeo penal puacuteblica dos

delitos e o procedimento dirigido ao objetivo principal de descoberta da verdade histoacuterica

com a utilizaccedilatildeo de todos os meios necessaacuterios para tanto133

De acordo com Luigi Ferrajoli caracteriza-se como inquisitvo todo sistema

processual donde el juez procede de oficio a la buacutesqueda recoleccioacuten y valoracioacuten de las

pruebas llegaacutendose al juicio despueacutes de una instruccioacuten escrita y secreta de la que estaacuten

excluidos o en cualquier caso limitados la contradiccioacuten y los derechos de la defensardquo134

Jaacute Paolo Tonini define o sistema inquisitoacuterio como o modelo de procedimento

penal ldquoche egrave caratterizzato da due princigravepi dal principio di autoritagrave secondo cui la veritagrave

egrave meglio accertata quanti piugrave poteri sono attribuiti al giudice e dal principio del cumulo

delle funzioni processuali di accusa di defesa e di giuridizio in un unico soggetto il

giudicerdquo135

elencando dentre suas caracteriacutesticas principais as seguintes ldquoil giudice inizia

il processo dufficio il processo si svolge in segreto e per scritto nel senso che il giudice

decide sulla base di dichiarazioni verbalizzate non vi egrave alcun limite allammissibilitagrave delle

prove limputato egrave presunto colpevole la regola egrave la carcerazione preventiva136

Especifica-se portanto pela concentraccedilatildeo dos poderes processuais penais nas matildeos

de um uacutenico oacutergatildeo Assim perseguir acusar e decidir satildeo atividades exercidas por uma

uacutenica pessoa que normalmente eacute referida por inquisidor137

Julio J B Maier aponta como principais caracteriacutesticas inerentes a esse modelo (i)

a organizaccedilatildeo hieraacuterquica da jurisdiccedilatildeo penal cujo detentor invariavelmente eacute o monarca

exemplo nos diversos Estados absolutistasrdquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 40 133

MAIER Julio B J Op cit p 209 134

FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 135

O modelo inquisitoacuterio eacute aquele caracterizado por dois princiacutepios o da autoridade segundo o qual a

verdade eacute melhor apurada quanto maiores os poderes atribuiacutedos ao juiz e o da acuacutemulaccedilatildeo das funccedilotildees

processuais de acusaccedilatildeo defesa e julgamento por um uacutenico sujeito o juiz TONINI Paolo Op cit p 26 136

O juiz inicia o processo de ofiacutecio o processo de desenvolve em segredo e por escrito natildeo haacute limites para

a admissibilidade das provas o acusado eacute presumido culpado e a regra eacute a prisatildeo preventive IBID p 26 137

ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento inquisitivo reside en la concentracioacuten del poder

procesal en una uacutenica mano la del inquisidor a semejanza de la reunioacuten de los poderes de la soberaniacutea

(adminstrar legislar e juzgar) en una uacutenica persona seguacuten el reacutegimen poliacutetico del absolutismo Perseguir y

decidir no soacutelo eran labores que se concentraban en el inquisidor sino que representaban una uacutenica y

misma tarea ()rdquo MAIER Julio B J Op cit p 210

31

que a delega a funcionaacuterios subordinados que por sua vez a exercem em seu nome (ii) o

poder de perseguir e acusar se confunde com o de julgar sendo por isso exercidos pelo

mesmo oacutergatildeo o inquisidor (iii) o acusado representa um objeto da persecuccedilatildeo e natildeo um

sujeito de direitos (iv) o procedimento consiste em uma investigaccedilatildeo secreta escrita e

descontiacutenua inexistindo os debates orais (iv) o sistema das provas legais predomina isto

eacute a lei estipula criteacuterios riacutegidos para admitir um fato como elemento haacutebil para a formaccedilatildeo

da convicccedilatildeo sendo a confissatildeo do reacuteu tida como a rainha das provas (v) o sistema de

recursos reflete a forma hierarquizada de organizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo penal138

Podem ser citadas ainda a inexistecircncia de contraditoacuterio e o caraacuteter meramente

decorativo da defesa139

A extrema oposiccedilatildeo com o sistema acusatoacuterio eacute portanto evidente e se traduz em

caracteriacutesticas totalmente diversas no procedimento140

Em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal de acordo com Antonio Scarance

Fernandes nos sistemas inquisitoriais a competecircncia para a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda

historicamente ao juiz de direito o qual agia apoacutes uma investigaccedilatildeo inicial da poliacutecia

Uma vez encerrada a investigaccedilatildeo pelo juiz o processo era iniciado a partir dos dados

levantados com miacutenimo espaccedilo para a defesa O objetivo do processo era constranger o

acusado a confirmar os elementos colhidos durante a fase de apuraccedilatildeo do crime por meio

de sua confissatildeo sendo para tanto autorizada a utilizaccedilatildeo da tortura141

Isso porque no sistema inquisitoacuterio prevalece a busca da verdade material que se

vale para ser alcanccedilada da atividade probatoacuteria do magistrado competente para julgar o

processo

Na verdade de acordo com Jacinto Nelson de Miranda Coutinho a caracteriacutestica

138

MAIER Julio B J Op cit p 210-212 139

NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 109 140

MAIER Julio B J Op cit p 210 Nas palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho portanto ldquoo

processo de tipo inquisitoacuterio eacute a antiacutetese do acusatoacuteriordquo De acordo com o autor ldquoinexistem as regras de

liberdade e igualdade processuais uma vez que natildeo haacute o contraditoacuterio Como consequecircncias de as funccedilotildees

de acusar defender e julgar encontrarem-se enfeixadas numa soacute pessoa o Juiz eacute ele quem inicia de ofiacutecio

o processo quem recolhe as provas e a final profere a decisatildeo podendo no curso do processo submeter o

acusado a torturas a fim de obter a rainha das provas que eacute a confissatildeo O processo eacute secreto e escrito

Nenhuma garantia se confere ao acusado que aparece em uma situaccedilatildeo de tal subordinaccedilatildeo que se

transfigura e se transmuda em objeto do processo e natildeo em sujeito de direitordquo TOURINHO FILHO

Fernando da Costa Op cit p 94 141

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 78

32

essencial do sistema inquisitoacuterio estaacute na gestatildeo da prova atribuiacuteda principalmente ao

magistrado que em geral a reuacutene de modo secreto A vantagem de tal estrutura segundo o

autor consistiria em que o juiz poderia ter conhecimento da verdade dos fatos ndash de todos

os fatos penalmente relevantes inclusive aqueles natildeo contidos na acusaccedilatildeo vale ressaltar ndash

mais faacutecil e amplamente dado o seu controle exclusivo e onipotente do processo em

qualquer de suas fases142

Nessa postura metodoloacutegica o papel do juiz na reuniatildeo do material probatoacuterio

adquire relevo em nome de um tratamento teacutecnico da questatildeo criminal e do interesse

puacuteblico O Estado com a funccedilatildeo preciacutepua de defesa da sociedade contra a crimialidade

passa a natildeo mais admitir o poder dispositivo das partes sobre as provas o que em uacutetlima

instacircncia signifca natildeo soacute a autonomia do julgador na apreciaccedilatildeo das provas mas tambeacutem a

ausecircncia de limites com relaccedilatildeo ao objeto da investigaccedilatildeo e aos meios utilizaacuteveis 143

Compete pois ao juiz tambeacutem investigar podendo vir a ter a iniciativa da

produccedilatildeo de prova em nome do objetivo dominante de alcanccedilar a pretensatildeo punitiva144

Nesse sistema portanto toda a atividade de investigaccedilatildeo preparatoacuteria e de instruccedilatildeo

processual era confiada a um uacutenico sujeito o juiz Na realidade sequer era possiacutevel

distinguir a atividade de investigaccedilatildeo e de instruccedilatildeo definitiva jaacute que todos os elementos

colhidos pelo juiz inquisidor eram considerados provas na medida em que suficientemente

aptas agrave formaccedilatildeo de seu convencimento145

33 Sistema misto

O sistema misto teve origem e sua primeira aplicaccedilatildeo na Franccedila146

O sistema

142

COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal In COUTINHO

Jacinto Nelson de Miranda (Coord) Criacutetica agrave Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro

Renovar 2001 p 24 143

SILVA Danielle Souza de Andrade e A atuaccedilatildeo do juiz no processo penal acusatoacuterio incongruecircncias no

sistema brasileiro em decorrecircncia do modelo constitucional de 1988 Porto Alegre Sergio Antonio Fabris

Editor 2005 p 45 144

REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm

113 145

CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 72 146

FLORIAN Eugenio Opcit p 66

33

inquisitorial foi reformado pela Revoluccedilatildeo Francesa jaacute que o que restava dele era o que

havia de mais odioso dando origem ao sistema misto que foi concretizado no Code

dinstruction criminelle de 1808 e se difundiu rapidamente entre os coacutedigos modernos147

O surgimento de um sistema misto deveu-se sobretudo agrave expansatildeo napoleocircnica e

ao triunfo das ideias que embasaram a Revoluccedilatildeo Francesa mediante a qual se difundiram

por toda a Europa continental os ideais de um processo penal fundado em premissas do

Iluminismo148

Em que pese a intenccedilatildeo originaacuteria dos revolucionaacuterios de regresso ao

sistema acusatoacuterio - criado pelos gregos aperfeiccediloado pela Repuacuteblica Romana e

conservado pela Inglaterra ndash na realidade a soluccedilatildeo que se impocircs foi outra com a sucessatildeo

dos diplomas legais revolucionaacuterios por outros que mantiveram caracteriacutesticas proacuteprias do

sistema inquisitoacuterio adicionadas a outras tiacutepicas do acusatoacuterio149

razatildeo pela qual eacute este

tambeacutem denominado de sistema inquisitoacuterio reformado150

Eugenio Florian justifica o nascimento do sistema misto com base na

impossibilidade salvo raras exceccedilotildees de os princiacutepios absolutos dominarem a realidade151

Nesse sentido Paolo Tonini ressalta que se deve observar que quase todas as formas de

processo penal desenvolvidas ao longo da histoacuteria satildeo de caraacuteter misto isto eacute congregam

elementos do sistema acusatoacuterio e do sistema inquisitoacuterio Todavia de acordo com a maior

parte dos estudiosos denomina-se especificamente ldquosistema mistordquo aquele que inspira o

Coacutedigo Francecircs de 1808 que tende a equilibrar as necessidades que inspiraram os dois

sistemas de um lado a proteccedilatildeo da sociedade contra o crime de outro a defesa do

acusado152

Ainda segundo o autor no sistema misto do Coacutedigo de 1808 a instruccedilatildeo eacute

predominantemente inquisitorial porque eacute secreta e conduzida por um juiz ainda que

147

IBID p 66-67 148

MAIER Julio B J Op cit p 218 149

IBID p 213-214 150

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 37 151

ldquoLos principios absolutos no pueden sino dificilmente dominar la realidad Lo absoluto podraacute gobernar

a lo sumo el mundo del espiacuteritu y esto explica que el desarrollo de estas formas termine com la decadencia

de las mismas y el nacimiento de una tercera no pura la forma mixta resultado de la combinacioacuten de las

otrasrdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 66 152

ldquoOccorre premettere che quasi tutte le forme di processo penale che si sono manifestate nel corso della

storia sono di carattere misto cioegrave accolgono elementi del sistema inquisitorio e di quello accusatorio

Tuttavia da parte di molti studiosi si denomina ldquosistema mistordquo quello che ispira il coacutedice francese del

1808 Esso tende a contemperare le esigenze che ispirano i due sistemi da un lato la tutela della societagrave dal

crimine da un altro lato la difesa dellimputatordquo TONINI Paolo Op cit p 27

34

sejam acolhidas algumas caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio153

In particolare listruzione egrave svolta dal ldquogiudice istruttorerdquo egrave diversa

dallinquisizione in quanto sono presenti i seguenti temperamenti listruzione inizia

dopo che il pubblico ministero ha fatto formale richiesta al giudice istruttore

listruzione termina dopo che il pubblico ministero ha chiesto il proscioglimento o

il rinvio a giudizio egrave garantito allimputato il controllo giurisdizionale sulla

richiesta di rinvio a giudizi154

Jaacute o julgamento eacute predominantemente acusatoacuterio porque baseado no contraditoacuterio

entre as partes mas tambeacutem acolhe alguma caracteriacutestica do sistema inquisitoacuterio155

La fase del dibattimento egrave prevalentemente accusatoria ma egrave temperata dai

seguenti principi le domande ai testimoni sono rivolte dal presidente della corte

gli atti compiuti in segreto prima del dibattimento possono sia pure

eccezionalmente essere letti e su di essi puograve essere fondata la decisione156

Marcos Alexandre Coelho Zilli salienta que o sistema misto inquisitoacuterio reformado

ou napoleocircnico exprime claramente o caraacuteter relativamente hiacutebrido assumido por grande

parte dos ordenamentos processuais penais apoacutes a expansatildeo napoleocircnica Para ele

ldquoo descontentamento com as formas essencialmente inquisitoacuterias expresso

153

IBID p 27 154

A instruccedilatildeo realizada pelo ldquojuiz de instruccedilatildeordquo no sistema misto eacute diferente daquela realizada no sistema

inquisitivo porque haacute os seguintes temperamentos a instruccedilatildeo se inicia somente apoacutes a formalizaccedilatildeo de

pedido pelo Ministeacuterio Puacuteblico termina quando o Ministeacuterio Puacuteblico pede a absolviccedilatildeo ou formula a

denuacutencia ao acusado eacute garantida a revisatildeo judicial da denuacutencia IBID p 27 155

IBID p 27 156

A fase do julgamento eacute predominantemente acusatoacuteria mas eacute temperada pelos seguintes princiacutepios as

perguntas agraves testemunhas satildeo feitas apenas pelo presidente do tribunal atos praticados em segredo antes do

julgamento podem ainda que excepcionalmente ser lidos e podem fundamentar a decisatildeo IBID p 27

35

durante o Iluminismo e posteriormente concretizado na legislaccedilatildeo revolucionaacuteria

francesa traduziu uma mudanccedila radical de rota na tentativa de se buscar no

sistema inglecircs inspiraccedilatildeo para mudanccedilas da legislaccedilatildeo processual penal ateacute entatildeo

predominante na Europa continentalrdquo157

Segundo o autor ldquoo tempo indicou todavia o exagero da intenccedilatildeo original que foi

inviabilizada sobretudo por intransponiacuteveis muros culturaisrdquo158

O procedimento no sistema misto eacute divido em dois periacuteodos principais interligados

por um intermediaacuterio o primeiro consiste numa investigaccedilatildeo nos moldes inquisitivos mas

com certos limites o segundo passo intermediaacuterio objetiva analisar a viabilidade da

acusaccedilatildeo evitando processos inuacuteteis o terceiro formalmente acusatoacuterio consiste

especialmente num debate puacuteblico e oral perante o oacutergatildeo julgador com a presenccedila do

acusador e do acusado que culminaraacute com a absolviccedilatildeo ou condenaccedilatildeo do acusado com

base unicamente nos atos levados a cabo durante esse debate159

Em outros termos podemos dizer o processo no sistema misto agrave semelhanccedila do que

ocorria no sistema inquisitivo desenvolve-se em trecircs etapas a) investigaccedilatildeo preliminar b)

instruccedilatildeo preparatoacuteria e c) fase do julgamento Poreacutem enquanto no inquisitivo essas trecircs

etapas eram secretas natildeo contraditoacuterias escritas e as funccedilotildees de acusar defender e julgar

se concentravam nas matildeos do juiz no processo misto ou acusatoacuterio formal apenas as duas

primeiras fases satildeo secretas e natildeo contraditoacuterias A fase do julgamento se desenvolve de

forma oral puacuteblica e contraditoacuteria e as funccedilotildees de acusar defender e julgar satildeo entregues a

pessoas distintas160

Constituem pois seus traccedilos caracteriacutesticos consideradas as peculiaridades de cada

157

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 42 158

IBID p 42 159

ldquo() consiste en dividir el procedimiento en dos periacuteodos principales enlazados por uno intermeacutedio el

primeiro es una investigacioacuten a la manera inquisitiva aunque con ciertos limites que reconoce la necesidad

del Estado como persecutor penal de informarse previo a acusar penalmente a alguien ante un tribunal

judicial el segundo paso intermedio busca la seriedade y pulcritud del requerimiento penal del Estado

antes de convocar al juicio puacuteblico evitando de esta manera juicios inuacutetiles y controlar las decisiones del

Estado que cierran la persecucioacuten penal antecipadamente sin juicio el tercero imitando formalmente el

juicio acusatoacuterio consiste principalmente en un debate puacuteblico y oral ante el tribunal de justicia con la

presencia ininterrompida del acusador y del acusado que culminaraacute con la absolucioacuten o la condena del

acusado fundadas unicamente en los actos llevados a cabo durante ese debaterdquo MAIER Julio B J Op cit

p 214-215 160

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 95-96

36

ordenamento (i) a jurisdiccedilatildeo penal eacute exercida por tribunais sendo legiacutetima em

determinados casos a participaccedilatildeo popular (ii) a persecuccedilatildeo penal eacute exercida na maioria

dos casos por um oacutergatildeo puacuteblico especiacutefico (iii) o acusado eacute considerado um sujeito de

direitos e sua posiccedilatildeo juriacutedica durante o processo eacute a de um inocente ateacute que venha a ser

considerado culpado razatildeo pela qual eacute o Estado acusador quem tem o ocircnus de provar a

culpabilidade e natildeo o acusado de demonstrar sua inocecircncia (iv) o procedimento traduz os

interesses puacuteblicos de perseguir e de impor a sanccedilatildeo ao agente assegurando-lhe

outrossim o respeito agrave sua liberdade (v) via de regra eacute iniciado por uma investigaccedilatildeo

preliminar a cargo do Ministeacuterio Puacuteblico ou do juiz de instruccedilatildeo e cujo objetivo eacute a coleta

de elementos necessaacuterios para o embasamento de uma acusaccedilatildeo (vi) segue-se a ele um

procedimento intermediaacuterio no qual julga-se a viabilidade da acusaccedilatildeo e finalmente pelo

procedimento principal que eacute ultimado com a prolaccedilatildeo de uma sentenccedila absolutoacuteria ou

condenatoacuteria (vii) o tribunal pode ser composto por juiacutezes leigos e profissionais ou apenas

por juiacutezes profissionais adotando-se o sistema do livre convencimento e (viii) as decisotildees

satildeo recorriacuteveis161

Como jaacute observado portanto no modelo misto a atividade investigatoacuteria eacute

entregue ao Ministeacuterio Puacuteblico ou ao juiz de instruccedilatildeo Para Antonio Scarance Fernandes

havendo ou natildeo previsatildeo para o contraditoacuterio nessa fase eacute certo que por vezes seraacute

necessaacuteria para o iniacutecio da instruccedilatildeo preliminar a obtenccedilatildeo de miacutenimos indiacutecios da praacutetica

de um crime a serem reunidos pela poliacutecia ou por qualquer outro oacutergatildeo ou sujeito162

Essa

investigaccedilatildeo preacutevia antecedente agrave instruccedilatildeo preliminar por ter natureza eventual e

precaacuteria natildeo afeta a essecircncia do sistema que continua a pressupor a figura do juiz (ou

promotor) instrutor sendo os demais atores dessa investigaccedilatildeo meros coadjuvantes seus163

161

MAIER Julio B J Op cit p 215 162

No sistema misto a instruccedilatildeo realizada pelo juiz eacute em regra precedida de atividade da poliacutecia agrave qual

incumbe reunir os primeiros elementos a respeito do fato e da autoria FERNANDES Antonio Scarance

Teoria p 79 163

CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 73-74

37

CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO

PROCESSO

1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo

Analisadas as principais caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo preliminar nos diferentes

sistemas processuais o presente capiacutetulo seraacute dedicado ao exame da investigaccedilatildeo criminal

sob o enfoque do devido processo bem como agrave averiguaccedilatildeo das garantias dele decorrentes

que apesar de inicialmente reservadas para o processo jurisdicional passaram

gradativamente e como consequecircncia da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 da ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos garantidores e do

desenvolvimento do processo penal constitucional a ser reconhecidas jaacute na investigaccedilatildeo

criminal natildeo obstante conforme preceitua parcela consideraacutevel da doutrina tratar-se de

peccedila de caraacuteter informativo e feiccedilatildeo nitidamente administrativa

Antonio Scarance Fernandes afirma que a necessidade de previsatildeo de normas que

garantissem os direitos fundamentais do ser humano contra o forte poder estatal

intervencionista foi uma decorrecircncia loacutegica do desenvolvimento da relaccedilatildeo indiviacuteduo-

Estado164

Para isso as Constituiccedilotildees nacionais passaram a prever regras de vieacutes garantista

impondo o respeito aos direitos individuais natildeo soacute ao Estado mas agrave proacutepria sociedade

Segundo Joseacute Afonso da Silva o Brasil foi o primeiro a introduzir em seu texto

normas desse teor165

Ada Pellegrini Grinover no mesmo sentido afirma que o Brasil

pioneiro na positivaccedilatildeo constitucional dos direitos do homem tem preservado a tradiccedilatildeo de

reconhecer e assegurar as posiccedilotildees processuais das partes de modo a garantir as condiccedilotildees

necessaacuterias para a instauraccedilatildeo e o desenvolvimento de um processo justo166

Sustenta ainda que tanto em mateacuteria penal quanto substancial ou processual as

164

FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2010 p 11 165

SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p

170 166

GRINOVER Ada Pellegrini Novas Tendecircncias do Direito Processual Rio de Janeiro Forense

Universitaacuteria 1990 p13

38

Constituiccedilotildees brasileiras tecircm sido fartas em garantias especiacuteficas tais como a proibiccedilatildeo de

determinadas penas e a proteccedilatildeo da liberdade fiacutesica a ediccedilatildeo de normas disciplinadoras da

prisatildeo ilegal a elevaccedilatildeo da individualizaccedilatildeo e da incomunicabilidade da pena a princiacutepio

constitucional a proteccedilatildeo da integridade fiacutesica e moral do preso e finalmente a garantia

do contraditoacuterio e da ampla defesa167

Assim de acordo com Antonio Scarance Fernandes normas de garantia individual

foram sendo inseridas nas Constituiccedilotildees brasileiras jaacute desde a eacutepoca imperial sendo a

Constituiccedilatildeo atual nesse aspecto generosa jaacute que elenca em seu art 5ordm extenso rol de

regras destinadas a assegurar os direitos individuais e coletivos168

formando-se da uniatildeo

dos preceitos das anteriores Constituiccedilotildees com aqueles acrescentados pela atual um

conjunto de garantias que informam todo o sistema brasileiro

A Carta de 1988 delineda e promulgada no acircmbito dos anseios de liberdade e

redemocratizaccedilatildeo nacionais e em pleno avanccedilo e exaltaccedilatildeo internacional da proteccedilatildeo dos

direitos humanos169

institucionaliza a instauraccedilatildeo de um regime poliacutetico democraacutetico no

Brasil e introduz inegaacutevel progresso na consolidaccedilatildeo legislativa das garantias e direitos

fundamentais A partir dela os direitos humanos ganham especial relevo situando-a como

o documento mais amplo e detalhado sobre os direitos humanos jaacute adotado no Brasil170

Eacute importante ressaltar que nem todas as garantias constitucionais do processo estatildeo

expressas nos incisos do art 5ordm da Constituiccedilatildeo permanecendo sob a eacutegide da foacutermula

geneacuterica do sect 2ordm ldquoOs direitos e garantias expressos nesta Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros

decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos tratados internacionais

em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo171

Portanto aleacutem dos direitos e

garantias expressos na Constituiccedilatildeo muitos outros podem derivar dos princiacutepios que ela

adota

Assim uma mera anaacutelise superficial do atual texto constitucional eacute suficiente para

se verificar a multiplicaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos ldquogarantidoresrdquo relacionados agrave

167

IBID p13-14 168

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 18 169

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo de Inocecircncia no Processo Penal Brasileiro Anaacutelise de sua

estrutura normativa para a elaboraccedilatildeo legislativa e para a decisatildeo judicial Rio de Janeiro Lumen Juris 2010

p 190 170

PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva

2008 p 24 171

GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 106

39

atuaccedilatildeo do aparelho repressivo com o propoacutesito de ajustar o processo penal aos valores

democraacuteticos que prosperaram no trabalho constituinte172

Isso porque o contexto no qual inseridas as atividades parlamentares da eacutepoca de

plena reconstruccedilatildeo do Estado de direito ocasionou inevitavelmente a adoccedilatildeo de uma

ordem instrumental penal totalmente inovadora e radicalmente diversa daquela que

inspirou o Coacutedigo de Processo Penal vigente elaborado sob a eacutegide de um outro momento

soacutecio-poliacutetico e de estrutura fortemente autoritaacuteria A atual Carta Constitucional por sua

vez elegeu um aparelho processual repressivo de matriz acusatoacuteria que prestigia a

separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal atingindo

inclusive a proacutepria estrutura das instituiccedilotildees ligadas agrave poliacutetica de seguranccedila puacuteblica173

Aleacutem disso Antonio Scarance Fernandes ressalta que especialmente apoacutes as

guerras mundiais os paiacuteses firmaram declaraccedilotildees conjuntamente ricas em normas

garantidoras almejando exatamente que seus signataacuterios assumissem o compromisso de

respeitar os direitos fundamentais do indiviacuteduo em seus territoacuterios 174

Afirma ele que no plano processual esse garantismo constitucional eacute consequecircncia

da necessaacuteria relaccedilatildeo que liga processo e Estado Assim ldquodo iacutentimo relacionamento entre

processo e Estado deriva a introduccedilatildeo cada vez maior nos textos constitucionais de

princiacutepios e regras de direito processualrdquo175

o que leva ao desenvolvimento de estudos

especiacuteficos sobre as normas processuais de iacutendole constitucional

Para Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegini Grinover e Cacircndido Rangel

Dinamarco ldquoeacute inegaacutevel o paralelo existente entre a disciplina do processo e o regime

constitucional em que o processo se desenvolverdquo176

De acordo com Ada Pellegrini Grinover ldquoa cada dia que passa acentua-se a

ligaccedilatildeo entre Constituiccedilatildeo e processo pelo estudo dos institutos processuais natildeo mais

colhidos na esfera fechada do direito processual mas no sistema unitaacuterio do ordenamento

172

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro

Lumen Juris 2001 p 08 173

IBID p 08- 09 174

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 11 175

IBID p 15 176

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel

Teoria Geral do Processo 22ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2006 p 84

40

juriacutedicordquo177

transformando o processo em garantia da liberdade

Natildeo eacute possiacutevel desse modo conceber-se o estudo do processo penal brasileiro

apartado de uma visatildeo claramente constitucional devendo ser este inserido no contexto

dos direitos e garantias fundamentais verdadeiros obstaacuteculos aos excessos do Estado

contra o indiviacuteduo parte nitidamente mais fraca nesse embate178

O direito processual constitucional assim eacute definido por Cintra Grinover e

Dinamarco como ldquoa condensaccedilatildeo metodoloacutegica e sistemaacutetica dos princiacutepios

constitucionais do processo179

rdquo consubstanciando-se num enfoque a partir do qual eacute

viabilizado o exame do processo em suas relaccedilotildees com a Constituiccedilatildeo180

A partir do direito processual constitucional firma-se entatildeo o processo penal

constitucional como meacutetodo de anaacutelise do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal181

Assim com a evoluccedilatildeo e o desenvolvimento do direito as normas constitucionais

do processo abandonam o caraacuteter de princiacutepios meramente programaacuteticos e assumem a

natureza de verdadeiras normas juriacutedicas delas decorrendo de acordo com Rogeacuterio Lauria

Tucci a orientaccedilatildeo determinante da ediccedilatildeo das normas que disciplinam o processo

penal182

de forma que o seu descumprimento caracteriza a ocorrecircncia de

inconstitucionalidade material

Entretanto ressalta Grinover

Mas o importante natildeo eacute apenas realccedilar que as garantias do acusado ndash que

satildeo repita-se garantias do processo e da jurisdiccedilatildeo ndash foram alccediladas a niacutevel

constitucional pairando sobre a lei ordinaacuteria agrave qual informam O importante eacute ler

as normas processuais agrave luz dos princiacutepios e das regras constitucionais Eacute verificar

a adequaccedilatildeo das leis agrave letra e ao espiacuterito da Constituiccedilatildeo Eacute vivificar os textos

legais agrave luz da ordem constitucional Eacute como jaacute se escreveu proceder agrave 177

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 15 178

NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 71-72 179

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op

cit p 85 180

IBID p 85 181

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 16 182

TUCCI Rogerio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo

Saraiva 1993 p 48

41

interpretaccedilatildeo da norma em conformidade com a Constituiccedilatildeo E natildeo soacute em

conformidade com sua letra mas tambeacutem com seu espiacuterito Pois a interpretaccedilatildeo

constitucional eacute capaz por si soacute de operar mudanccedilas informais na Constituiccedilatildeo

possibilitando que mantida a letra o espiacuterito da lei fundamental seja colhido e

aplicado de acordo com o momento histoacuterico que se vive183

Logo a relaccedilatildeo entre o processo penal o direito constitucional natildeo pode ser

vislumbrada como se este uacuteltimo fosse uma ciecircncia anaacuteloga ou um corpo de normas de

igual valor A visatildeo constitucional de direito e democracia deve ser o ponto de partida para

alcanccedilar-se a partir disso uma correta e ampla visatildeo do processo penal184

Isso porque a regulamentaccedilatildeo do processo penal pelo Estado eacute feita a partir dos

valores poliacuteticos predominantes O sistema instrumental penal eacute pois notoriamente

dominado pelo conceito de seguranccedila que natildeo eacute imutaacutevel mas deriva de determinado

processo histoacuterico e que apresenta na outra extremidade o confronto com o respeito agraves

liberdades individuais de modo a criar um cenaacuterio de intensa conflituosidade cuja

estabilidade soacute pode ser alcanccedilada pela adesatildeo aos primados garantidores que se

extravasam no modelo acusatoacuterio de processo como reflexo direto de um determinado

modelo teoacuterico de Estado o democraacutetico de direito construiacutedo a partir da Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 Isto eacute a consquista do equiliacutebrio desejaacutevel entre os ideais de seguranccedila e

liberdade individual depende necessariamente da adoccedilatildeo de regras que serviratildeo para

sopesar os interesses das partes em jogo e que penderatildeo de acordo com o momento

histoacuterico para um ou para outro lado185

Portanto a partir da sistematizaccedilatildeo e organizaccedilatildeo do estudo do processo penal

constitucional como visto tornou-se imprescindiacutevel que a anaacutelise do processo penal seja

feita agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal em conformidade com os princiacutepios constitucionais e

sob a perspectiva dos direitos fundamentais

Segundo Fauzi Hassan Choukr a preocupaccedilatildeo com o assunto no cenaacuterio particular

da investigaccedilatildeo criminal foi intesificada porque os limites teoacutericos que lhe eram impostos

183

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 14-15 184

NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 72 185

IBID p 14

42

se mostraram demasiadamente estreitos para a extensatildeo de problemas que surgia186

Assim

apesar de a investigaccedilatildeo criminal ser considerada uma peccedila meramente informativa

passou-se a compreendecirc-la como um verdadeiro atentado ao status dignitatis do

investigado tendo essa posiccedilatildeo sido apoiada por grande parcela da doutrina mais

esclarecida187

O indiviacuteduo submetido a inqueacuterito policial agora deve ser reconhecido como titular

de direitos e sujeito do procedimento natildeo mais somente como sujeito ao procedimento188

De acordo com Marta Saad ao indiviacuteduo deve ser assegurada a posiccedilatildeo de sujeito e titular

de direitos sempre natildeo importando a fase em que o procedimento se encontre ldquoOs direitos

e garantias constitucionais natildeo tecircm limites especiais nem obedecem a procedimentos

simplesmente devem ser obedecidos semprerdquo189

Portanto os princiacutepios constitucionais devem ter sua incidecircncia reconhecida na

persecuccedilatildeo penal como um todo seja na fase inquisitorial seja na fase processual visando

tatildeo somente amoldar nosso sistema aos ideais acusatoacuterios e livraacute-lo de seus resquiacutecios

inquisitoriais para que assim possam ser concretizados os direitos fundamentais e um

processo penal mais justo190

Em face de tal objetivo ainda na fase preliminar da persecuccedilatildeo criminal devem

obrigatoriamente ser respeitados os direitos e garantias fundamentais como expressotildees da

dignidade da pessoa humana na busca de uma instruccedilatildeo processual justa natildeo se perdendo

de vista a exigecircncia do Estado Democraacutetico de Direito de uma interpretaccedilatildeo constitucional

do direito processual penal191

Eacute do texto constitucional pois que deve advir a leitura dos direitos do investigado

assim como dos tratados internacionais no campo dos direitos fundamentais dos quais o

Brasil eacute signataacuterio em especial do Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica cuja inserccedilatildeo em

nosso Direito positivo consoante melhor doutrina se daacute em sede constitucional 192

-193

186

IBID p 07 187

IBID p 07 188

SAAD Marta O direito p 205-206 189

IBID p 206 190

BORGES Fernando Afonso Cardoso O direito ao contraditoacuterio e ampla defesa na fase inquisitoacuteria do

processo penal Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23042013 191

IBID 192

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial novas tendecircncias e praacuteticas Boletim IBCCRIM nordm 83 Esp

Outubro 1999

43

Essa forma de compreender a investigaccedilatildeo criminal revela-se de grande valia na

medida em que esta significa invariavelmente uma maneira de intromissatildeo do Estado na

liberdade individual situaccedilatildeo esta justificada a princiacutepio pela suspeita razoavelmente

fundada de que o agente tenha cometido uma conduta tipica que reclama a apreciaccedilatildeo pelo

sistema repressivo194

Assim o caminho estaacute livre para que passem a ser introduzidas nessa fase as

garantias constitucionais apropriadas ao exerciacutecio da missatildeo do Estado Devem ser

consideradas no exame das garantias incidentes a finalidade e a natureza da peccedila

investigatoacuteria de modo a buscar conciliar sua essecircncia com os limites da invasatildeo pelo

Estado na liberdade individual195

atraveacutes de uma interpretaccedilatildeo constitucional dos

dispositivos processuais penais Afinal a integridade do sistema constitucional depende do

valor que se atribua agrave liberdade individual e ao reconhecimento do status do acusado como

sujeito de direitos e natildeo mero objeto de investigaccedilatildeo ainda que estejamos diante de uma

acusaccedilatildeo informal como ocorre no inqueacuterito policial196

Neste ponto eacute necessaacuterio ressaltar que a investigaccedilatildeo criminal conteacutem em si talvez

o impasse elementar do processo penal que eacute o equacionamento e sopesamento dos

valores seguranccedila e liberdade197

sendo faacutecil a compreensatildeo da quase impossibilidade de

soluccedilatildeo dessa equaccedilatildeo da maneira como ela eacute posta198

Nesses termos a incidecircncia das garantias constitucionais jaacute na investigaccedilatildeo

criminal naquilo que for condizente com a sua natureza e finalidade segundo Fauzi

Hassan Choukr aparece como um ldquopasso adianterdquo na construccedilatildeo de um processo penal

garantidor entendida esta expressatildeo como sendo ldquoo arcabouccedilo instrumental penal uma

forma baacutesica de proteccedilatildeo da liberdade individual contra o arbiacutetrio do Estadordquo199

Apresentado o modelo acusatoacuterio e garantista que deve ser aplicado agrave investigaccedilatildeo

193

Haacute respeitaacutevel corrente doutrinaacuteria no sentido de que por forccedila do disposto no art 5ordm sect 2ordm da

Constituiccedilatildeo os tratados internacionais de direitos humanos tecircm status constitucional Entretanto o Supremo

Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinaacuterio nordm 466343SP decidiu que tratados

internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal STF Pleno

RExt nordm 466343SP rel Min Cezar Peluso j 22112006 194

SAAD Marta O direito p 07 195

IBID p 07-08 196

SAAD Marta Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash

2006 197

SAAD Marta O direito p 12 198

IBID p 12 199

IBID p 15-16

44

criminal passaremos a analisar o devido processo legal seu conteuacutedo e evoluccedilatildeo histoacuterica

de forma a possibilitar a anaacutelise posterior que aqui se pretende de algumas das garantias

incidentes na investigaccedilatildeo criminal e que guardam maior pertinecircncia com o tema do juiz

das garantias objeto do presente estudo

11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica

O ponto de partida para a definiccedilatildeo do direito a um processo equitativo eacute

invariavelmente a experiecircncia constitucional norte americana do due process of law cujas

origens costumam reconduzir-se aos esquemas garantiacutesticos da Magna Carta

particularmente o artigo 39 deste documento200

Joatildeo Sem Terra forccedilado por seus barotildees outorga em 1215 a Magna Charta

Libertatum que segundo Ada Pellegrini Grinover constitui com os demais pactos

medievais um antecedente das modernas Constituiccedilotildees no que diz respeito agrave forma escrita

e agrave proteccedilatildeo de direitos individuais ainda que de caraacuteter imemorial e destinados a

determinados homens201

Pela primeira vez a nobreza opotildee ao monarca o princiacutepio da supremacia de uma lei

que se impotildee ao proacuteprio governante antecipando a ideia fundamental de

constitucionalismo do seacuteculo XVIII202

Entre as principais garantias da Magna Carta senatildeo a mais importante elenca-se a

do artigo 39

ldquoNo freemen shall be taken or imprisoned or disseised or outlawded or

exiled or in any way destroyed nor will we go upon him nor will we send upon

him except by the legal judgment of his peers or by the law of the landrdquo

200

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 4ordf ed Coimbra

Almedina 2000 p 480 201

GRINOVER Ada Pellegrini As Garantias Constitucionais do Direito de Accedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos

Tribunais 1973 p 23 202

IBID p 24-25

45

De acordo com Ada Pellegrini Grinover o artigo 39 da Magna Carta constitui sem

duacutevida o antecedente direto da claacuteusula due process of law da Constituiccedilatildeo norte-

americana203

No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes leciona que a origem da garantia do devido

processo reside na Great Charter de Joatildeo Sem Terra de 15 de junho de 1215 que jurou

respeitar os direitos e as liberdades das pessoas sem cometer arbiacutetrios204

Assim qualquer

restriccedilatildeo aos direitos agrave vida liberdade ou propriedade desde entatildeo soacute poderia ser feita by

the law of the land205

A foacutermula ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo de acordo com Joseacute Joaquim Gomes

Canotilho natildeo era poreacutem suficientemente clara Segundo ele natildeo surpreende pois que

na interpretaccedilatildeo posterior da Carta feita por Eduardo III em 1354 natildeo seja utilizada a

expressatildeo ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo mas uma foacutermula semanticamente mais rica

mas tambeacutem indefinida processo devido em direito (ou devido processo legal)206

Assim a expressatildeo due process of law em substituiccedilatildeo agrave law of the land eacute usada

pela primeira vez no estatuto de 1354 segundo o qual

ldquoNone shall be condemned without trial Also that no Man of what State

or Condition that he be shall be put out of the Land Tenement nor taken or

imprisoned nor disinherited nor put to death without being brought to Answer by

the due process of lawrdquo207

Segundo Luiz Flaacutevio Gomes a garantia do due process era a princiacutepio destinada a

poucos mas a proacutepria evoluccedilatildeo da cultura dos direitos humanos exigiu depois sua

203

IBID p 25 204

GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro

e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema

interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 184 205

IBID p 184 206

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 480 207

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25

46

extensatildeo a todos208

De acordo com ele ainda no seacuteculo XIV eram comuns as duas

expressotildees hoje intensamente difundidas ldquodue process of lawrdquo ou ldquoby the law of the

landrdquo que no seu significado original de maior extensatildeo consistia numa evidente

limitaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo do Poder Puacuteblico frente aos particulares209

Ateacute hoje segundo Ada Pellegrini Grinover ldquolaw of the landrdquo e ldquodue process of

lawrdquo satildeo usados como equivalentes210

Leciona a autora que a supremacia da Magna Carta sobre os poderes do Estado foi

sustentada na tentativa de oposiccedilatildeo aos poderes praticamente irrestritos do soberano que

invocava direitos contra o Parlamento e contra a autoridade judiciaacuteria sugerindo-se a

interpretaccedilatildeo do artigo 39 como garantia de um julgamento previsto pela common law

transformando-se a claacuteusula em garantia de um processo ldquolegalrdquo jaacute no sentido equivalente

agrave ideia moderna211

O conceito de law of the land eacute retomado pelas colocircnias da Ameacuterica do Norte e

posteriormente a expressatildeo due process of law da tradiccedilatildeo do direito inglecircs passaria para

a Constituiccedilatildeo natildeo soacute como garantia de legalidade mas ainda como garantia de justiccedila

vinculante para todos os poderes do Estado212

A claacuteusula natildeo eacute citada expressamente pela Declaraccedilatildeo de Independecircncia dos

Estados Unidos que se restringe ao reconhecimento do princiacutepio de que todos os homens

satildeo iguais por criaccedilatildeo e dotados de direitos inalienaacuteveis como a vida a liberdade e a busca

da felicidade213

A Convenccedilatildeo da Filadeacutelfia que aprova a Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da

Ameacuterica natildeo prevecirc a proteccedilatildeo de direitos individuais Tais garantias foram inscritas como

emendas agrave Constituiccedilatildeo aprovadas em 1791214

e especialmente quanto agrave claacuteusula do due

process of law ingressou no sistema constitucional como V Emenda assim redigida

208

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 184 209

IBID p 184 210

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25 211

IBID p 25 212

IBID p 26 213

IBID p 27 214

IBID p 27

47

ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous

crime unless on a presentment or indictment of a Grand Jury except in cases

arising in the land or naval forces or in the Militia when in actual service in time

of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to be

twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to

be a witness against himself nor be deprived of life liberty or property without

due process of law nor shall private property be taken for public use without just

compensationrdquo

Por exercer o Bill of Rights a proteccedilatildeo agraves liberdades individuais somente contra

abusos dos oacutergatildeos federais com o tempo sentiu-se a necessidade de confiar aos mesmos

oacutergatildeos federais a garantia dos indiviacuteduos contra lesotildees praticadas tambeacutem pelo poder

estadual Nova emenda aprovada pelo Congresso e ratificada pelos Estados sob o nordm XIV

foi incorporada em 1868 agrave Constituiccedilatildeo215

Eacute esta a redaccedilatildeo da XIV Emenda

All persons born or naturalized in the United States and subject to the

jurisdiction thereof are citizens of the United States and of the state wherein they

reside No state shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or

immunities of citizens of the United States nor shall any state deprive any person

of life liberty or property without due process of law nor deny to any person

within its jurisdiction the equal protection of the laws

Assim a emenda teve aplicaccedilatildeo vasta e generalizada mormente no tocante agrave

afirmaccedilatildeo da claacuteusula no sentido de que somente atraveacutes de um processo legal possam ser

tangenciados bens como a vida a liberdade a propriedade representando a XIV Emenda

atualmente um dos elementos fundamentais do sistema constitucional norte-americano216

215

IBID p 28 216

IBID p 29

48

Segundo Joseacute Joaquim Gomes Canotilho a histoacuteria do processo entendido como

um processo poliacutetico cujos valores se voltam agrave defesa de direitos fundamentais tem iniacutecio

exatamente em torno dos Amendments V e XIV da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da

Ameacuterica217

De acordo com o autor a leitura basilar das Emendas relacionadas com o due

process of law pode sintetizar-se da seguinte forma

ldquoProcesso devido em direito significa a obrigatoriedade da observacircncia de

um tipo de processo legalmente previsto antes de algueacutem ser privado da vida da

liberdade e da propriedade Nestes termos o processo devido eacute o processo previsto

na lei para a aplicaccedilatildeo de penas privativas da vida da liberdade e da propriedade

Dito ainda por outras palavras lsquodue processrsquo equivale ao processo justo definido

por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicaccedilatildeo de sanccedilotildees

criminais particularmente gravesrdquo218

A acepccedilatildeo primitiva da claacuteusula do due process of law em resumo tanto no direito

inglecircs quanto no direito norte-americano nada mais evidencia que o princiacutepio do Estado

de Direito na particular perspectiva da atuaccedilatildeo jurisdicional ou seja natildeo pode o Estado

privar a vida ou a liberdade ou os bens de ningueacutem sem lei ou fora da lei219

A accedilatildeo do

Estado deve ser conforme o ordenamento juriacutedico imperante isto eacute per legem terrae

sobretudo no momento de dizer o direito em razatildeo do cometimento de uma infraccedilatildeo

penal220

Esta interpretaccedilatildeo baacutesica no entanto conforme liccedilatildeo de Joseacute Joaquim Gomes

Canotilho abre o caminho para uma outra leitura que consiste em enxergar o processo

devido como processo justo tambeacutem de criaccedilatildeo legal de normas juriacutedicas sobretudo das

normas restritivas das liberdades dos cidadatildeos isto eacute o due process of law pressupotildee que o

processo legalmente previsto para aplicaccedilatildeo de penas seja ele proacuteprio um ldquoprocesso

217

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 218

IBID p 481 219

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 220

IBID p 185

49

devidordquo obedecendo aos tracircmites procedimentais formalmente estabelecidos na

constituiccedilatildeo ou delineados em regras regimentais das assembleacuteias legislativas221

Segundo

o autor ldquoprocedimentos justos e adequados moldam a actividade legiferante Dizer o

direito segundo um processo justo pressupotildee que justo seja o procedimento de criaccedilatildeo

legal dos mesmos processosrdquo222

Esta nova leitura de acordo com Ada Pellegrini Grinover tem origem no fato de

que com o passar do tempo observou-se que a variaccedilatildeo de acordo com a evoluccedilatildeo da

consciecircncia comum eacute inerente ao conceito de due process223

uma vez que justiccedila e due

process of law satildeo conceitos histoacutericos e circunstanciais cujo teor pode modificar-se

conforme a evoluccedilatildeo da consciecircncia juriacutedica e poliacutetica de um paiacutes224

Assim o due process of law natildeo consiste num conceito abstrato e dele natildeo provecircm

conclusotildees absolutas aplicaacuteveis em qualquer circunstacircncia de tempo ou lugar Eacute pois ldquoum

standard que guia o tribunal e o standard haacute de aplicar-se com vistas a circunstacircncias

especiais de tempo de lugar e de opiniatildeo puacuteblicardquo225

Portanto pode-se dizer que a claacuteusula do due process agrave medida que natildeo retrata a

projeccedilatildeo de um processo eterna e permanentemente ideal eacute uma proposiccedilatildeo repleta de

lacunas cujo preenchimento varia conforme as condiccedilotildees histoacuterico-poliacuteticas e econocircmico-

sociais do momento sendo o seu fundamento objetivo somente passiacutevel de individuaccedilatildeo

em uma perspectiva histoacuterica226

A claacuteusula imprecisa em seu sentido literal constitui-se portanto no fundamento

constitucional para possibilitar o controle do exerciacutecio do Poder Legislativo pelo

Judiciaacuterio Natildeo obstante o claro sentido processual devotado agrave clausula em sua tradiccedilatildeo

histoacuterica foi-se impondo um conceito substantivo de due process of law decorrente do

amplo significado por ela subsumido quando foi reconduzida a um criteacuterio de

reasonableness227

Nesse sentido Luiz Flaacutevio Gomes ressalta que a limitaccedilatildeo do Estado somente do

221

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 222

IBID p 481 223

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 32-33 224

IBID p 34 225

IBID p 34 226

IBID p 35 227

IBID p 35

50

ponto de vista procedimental exigindo-lhe obediecircncia ao ldquoprocesso justordquo definido em lei

natildeo eacute suficiente228

Para o autor a imposiccedilatildeo de limites agrave elaboraccedilatildeo juriacutedica das

formalidades legais eacute tatildeo relevante quanto a exigecircncia de observacircncia das formalidades

legais devidas pois de nenhuma valia o estabelecimento de limites formais agrave atuaccedilatildeo

estatal se ela natildeo conta com obstaacuteculos no exato momento da formulaccedilatildeo dessas mesmas

regras juriacutedicas primordialmente as que se destinam a restringir a liberdade das pessoas229

Por fim leciona o autor

Justo ou devido portanto deve ser natildeo soacute o processo senatildeo tambeacutem o

proacuteprio procedimento de elaboraccedilatildeo da lei seja no aspecto formal seja no

substancial (material) porque o legislador natildeo pode transformar em ldquoprocesso

devidordquo o que eacute por natureza arbitraacuterio desproporcional e indevido230

Joseacute Joaquim Gomes Canotilho ensina que a classificaccedilatildeo de um processo como

justo exige fundamentalmente a consideraccedilatildeo de duas concepccedilotildees de ldquoprocesso devidordquo

ndash a concepccedilatildeo processual e a concepccedilatildeo material ou substantiva231

Segundo o autor na teoria processual o foco estaacute na observacircncia ou natildeo do

processo previsto em lei para a aplicaccedilatildeo de medidas privativas da vida liberdade ou

propriedade jaacute que ela restringe-se a dizer que uma pessoa ldquoprivadardquo dos seus direitos

fundamentais da vida liberdade e propriedade tem direito a exigir que essa privaccedilatildeo seja

feita por intermeacutedio de um processo especificado na lei232

Jaacute a teoria substantiva pretende justificar a ideia material de um processo justo pois

uma pessoa tem direito natildeo somente a um processo legal mas a um processo legal justo e

adequado sobretudo quando se trate de legitimar o sacrifiacutecio da vida liberdade e

propriedade dos particulares233

Segundo o autor ldquoo processo devido deve ser

materialmente informado pelos princiacutepios da justiccedila Mais do que isso o lsquoprocesso

228

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 229

IBID p 185 230

IBID p 185 231

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 482 232

IBID p 482 233

IBID p 482

51

devidorsquo comeccedila por ser um processo justo logo no momento da criaccedilatildeo normativo-

legislativardquo234

Desse modo os objetivos da exigecircncia do devido processo dificilmente seriam

alcanccedilados se ao legislador fosse concedida liberdade para converter qualquer processo em

processo equitativo Por isso passaram a ser exigidos criteacuterios materiais informadores do

processo devido expressa ou implicitamente revelados pelas normas da Constituiccedilatildeo e

pelos usos e procedimentos estabelecidos no direito comum ou disposiccedilotildees ldquoestatutaacuteriasrdquo

Passou assim a falar-se de processo devido substantivo235

Isso porque o problema central da exigecircncia de um due process natildeo residiria

exclusivamente no procedimento legal mediante o qual algueacutem eacute declarado culpado e

punido por haver violado a lei mas sim no fato de a lei poder por si mesma conter a

ldquoinjusticcedilardquo privando uma pessoa de direitos fundamentais236

Agraves autoridades legiferantes

deve ser vedado o direito de disporem de modo arbitraacuterio da vida da liberdade e da

propriedade das pessoas237

Assim o sentido claacutessico do due process of law como garantia do reacuteu eacute substituiacutedo

por um de conteuacutedo mais amplo e maior acircmbito de proteccedilatildeo que natildeo distingue entre

substantive e procedure A claacuteusula transforma-se assim numa garantia geral da ordem

juriacutedica238

Duas portanto satildeo as emanaccedilotildees baacutesicas da claacuteusula original e que chegaram ateacute

nossos dias 1ordf) o ldquosubstantive due process of lawrdquo e 2ordf ) o ldquojudicial due process of lawrdquo

(tambeacutem conhecido como ldquofair trialrdquo ou ldquojudicial processrdquo ou ainda ldquodevido processo

procedimentalrdquo)239

Toda pessoa tem direito de exigir natildeo somente que qualquer restriccedilatildeo agrave sua

liberdade ou propriedade ocorra rigidamente conforme os ditames legais (ldquojudicial

processrdquo) senatildeo principalmente que o legislador observe o valor justiccedila tambeacutem no

momento de elaboraccedilatildeo dessas normas de tal modo a impedir-lhe que crie um arbitraacuterio e

234

IBID p 482 235

IBID p 482 236

IBID p 482 237

IBID p 482 238

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 35 239

GOMES Luiz FlaacutevioOp cit p 185

52

injusto conjunto normativo (ldquosubstantive processrdquo)240

Assim due process of law eacute numa concepccedilatildeo ampla a garantia do ldquoprocessordquo

legislativo e tambeacutem a garantia de que a lei eacute adequada razoaacutevel justa e contida nos

limites da Constituiccedilatildeo A claacuteusula natildeo mais se limita agrave determinaccedilatildeo processual de

direitos substanciais mas se estende agrave garantia de que seu gozo natildeo seja restringido de

modo discricionaacuterio ou imprudente241

Hoje podemos afirmar que a claacuteusula eacute interpretada no sentido de eliminar qualquer

obstaacuteculo desarrazoado agrave tutela substancial ou processual dos direitos individuais242

Desse

modo haveraacute violaccedilatildeo da due process clause natildeo somente quando forem descabidas as

formas teacutecnicas de exerciacutecio dos poderes processuais mas tambeacutem quando a proacutepria

configuraccedilatildeo dos substantive rigths possa prejudicar sua tutela condicionando

ldquoirrazoavelmenterdquo o resultado do processo243

Segundo Luiz Flaacutevio Gomes pode-se afirmar que do ponto de vista privado o

princiacutepio do devido processo agora entendido como procedimento dotado de regras

formais elaboradas com razoabilidade representa para toda pessoa um direito (puacuteblico

subjetivo) jaacute do ponto de vista puacuteblico (objetivo) mister salientar que esse mesmo ldquojusto

processordquo (substancial e procedimental) constitui uma garantia244

de relevacircncia crucial

para a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais para a tutela das partes no processo bem como

para a proacutepria legitimaccedilatildeo do exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo no Estado Democraacutetico de Direito245

Ada Pellegrini Grinover salienta que as posiccedilotildees de vantagens das partes no

processo se por um lado podem ser compreendidas como direitos puacuteblicos subjetivos

privilegiando o interesse individual sobre o social por outro lado podem ser percebidas

240

IBID p 185-186 241

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 36 242

IBID p 38 243

IBID p 38 244

Sobre a distinccedilatildeo entre ldquodireitosrdquo e ldquogarantiasrdquo Rui Barbosa afirma que as disposiccedilotildees meramente

declaratoacuterias satildeo as que imprimem existecircncia legal aos direitos reconhecidos e as disposiccedilotildees assecuratoacuterias

satildeo as que em defesa dos direitos limitam o poder ldquoAquelas instituem direitos estas as garantias

ocorrendo natildeo raro juntar-se na mesma disposiccedilatildeo constitucional ou legal a fixaccedilatildeo da garantia com a

declaraccedilatildeo do direitordquo Repuacuteblica Teoria e Praacutetica Textos doutrinaacuterios sobre direitos humanos e poliacuteticos

consagrados na primeira Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica PetroacutepolisBrasiacutelia Vozes 1978 Joseacute Afonso da Silva

seguindo liccedilatildeo de Rui Barbosa salienta que em suma ldquoos direitos satildeo bens e vantagens conferidos pela

norma enquanto as garantias satildeo meios destinados a fazer valer esses direitos satildeo instrumentos pelos quais

se asseguram o exerciacutecio e gozo daqueles bens e vantagensrdquo Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf

ed Satildeo Paulo p 411 245

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 187

53

tambeacutem como garantias vale ressaltar natildeo somente das partes mas tambeacutem do justo

processo dando ecircnfase ao interesse geral na justiccedila da decisatildeo246

Essas garantias portanto relacionam-se ao proacuteprio processo o que constitui

segundo ela o enfoque completo e homogecircneo do conteuacutedo da claacuteusula do devido

processo legal

Garantias natildeo apenas das partes mas sobretudo da jurisdiccedilatildeo porque se

de um lado eacute interesse dos litigantes a efetiva e plena possibilidade de sustentarem

suas razotildees de produzirem suas provas de influiacuterem concretamente sobre a

formaccedilatildeo do convencimento do juiz do outro lado essa efetiva e plena

possibilidade constitui a proacutepria garantia da regularidade do processo da

imparcialidade do juiz da justiccedila das decisotildees247

Portanto as garantias constitucionais do devido processo legal passam a ser

entendidas natildeo mais apenas como garantias exclusivas das partes mas tambeacutem como

garantias indispensaacuteveis ao correto exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo

12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro

A claacuteusula do devido processo legal foi adotada expressamente pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 que em seu artigo 5ordm inciso LIV prevecirc que ldquoningueacutem seraacute privado da

liberdade ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo desmembrando em seguida o

conteuacutedo dessa foacutermula em uma rica sucessatildeo de garantias especiacuteficas necessaacuterias para

assegurar o direito agrave ordem juriacutedica justa

246

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 1 247

IBID p 2 No mesmo sentido CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini

DINAMARCO Cacircndido Rangel Op cit p 88 ldquoGarantias que natildeo servem apenas aos interesses das partes

como direitos puacuteblicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais destas) mas que configuram antes

de mais nada a salvaguarda do proacuteprio processo objetivamente considerado como fator legitimante do

exerciacutecio da jurisdiccedilatildeordquo

54

Segundo Luiz Flaacutevio Gomes como princiacutepio geral de direito que eacute delineado a

partir de um intrincado conjunto de muitos outros princiacutepios e normas cumpre salientar

que o devido processo sob a dimensatildeo interna natildeo conta apenas com regras e normas de

status constitucional (processo de constitucionalizaccedilatildeo) mas tambeacutem internacional

(internacionalizaccedilatildeo) sem esquecer das que estatildeo em niacutevel infraconstitucional

(legalizaccedilatildeo)248

A garantia do devido processo portanto eacute constituiacuteda de uma complexa

conjugaccedilatildeo de normas bem como de princiacutepios regras e proibiccedilotildees249

Assim embora o devido processo no nosso sistema juriacutedico disponha de inuacutemeras

normas constitucionais o certo eacute que a Constituiccedilatildeo por sua proacutepria natureza natildeo exaure

toda a disciplina do assunto250

conservando a foacutermula norte-americana dos direitos

impliacutecitos ao advertir no seu artigo 5ordm sect 2ordm que ldquoos direitos e garantias expressos nesta

Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou de tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo251

Em

seu complemento vecircm as normas internacionais e infraconstitucionais252

No que diz respeito agrave internacionalizaccedilatildeo do devido processo satildeo documentos de

citaccedilatildeo obrigatoacuteria no nosso meio cultural a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem

ndash DUDH (Naccedilotildees Unidas aprovada na Assembleia Geral de 10121948) o Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos ndash PIDCP (ONU 1966) ratificado pelo Brasil

em 24011992 e a Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos ndash CADH (Pacto de Satildeo

Joseacute da Costa Rica) ratificada pelo Brasil em 25091992253

Importante destacar a natureza instrumental dessa garantia do processo devido que

como todas as demais garantias natildeo deve ser apreendida como um fim em si mesma mas

como mecanismo para a tutela de um direito principal Estaacute assim a serviccedilo dos direitos

humanos fundamentais jaacute que serve de instrumento para a obtenccedilatildeo das vantagens e

248

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 249

IBID p 189 250

IBID p 191 251

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op

cit p 91 252

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 191 253

IBID p 189

55

benefiacutecios decorrentes dos direitos que visa assegurar254

13 Devido Processo Penal

O princiacutepio do devido processo legal eacute comumente adjetivado de acordo com a

natureza do conflito de interesses a ser solucionado bem como com a espeacutecie do conjunto

normativo respectivo255

No que diz respeito agraves garantias que disciplinam especificamente

as relaccedilotildees entre o indiviacuteduo e o Estado no estrito acircmbito jurisdicional de aplicaccedilatildeo de uma

pena como resposta a uma infraccedilatildeo penal eacute conveniente que se reconheccedila a existecircncia de

um devido processo criminal256

Segundo Rogeacuterio Lauria Tucci a garantia do devido processo ldquoeacute delineada ateacute

mesmo determinada por preceituaccedilotildees constitucionais direcionadas ao processo penal e

que agrave evidecircncia natildeo podem ser desconhecidas direta ou indiretamente das leis

processuais que o disciplinamrdquo257

Para o autor o devido processo penal entendido como ldquoa designaccedilatildeo apropriada agrave

sua verificaccedilatildeo em particularizado campo processual de atuaccedilatildeo eacute composto pelos

corolaacuterios de um desenvolvimento regular do processo em acircmbito penalrdquo258

tratando-se

por isso de uma especificidade penal da garantia constitucional do devido processo

Para Ada Pellegrini Grinover eacute no acircmbito do processo penal entendido como

instrumento da persecuccedilatildeo que a liberdade do indiviacuteduo avulta e se torna mais evidente a

necessidade de limitaccedilatildeo da atividade jurisdicional259

Segundo a autora ldquoa dicotomia

defesa social ndash direitos de liberdade assume frequentemente conotaccedilotildees dramaacuteticas no

juiacutezo penal e os direitos de personalidade do acusado se transformam na pedra de toque

254

IBID p 187 255

IBID p 187-188 256

IBID p 187-188 257

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 75-76 258

IBID p 69 259

GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades Puacuteblicas e Processo Penal As interceptaccedilotildees telefocircnicas Satildeo

Paulo Saraiva 1976 p 27

56

de um sistema de liberdades puacuteblicasrdquo260

Isso porque ldquovatildes seriam as liberdades do indiviacuteduo se natildeo pudessem ser

reivindicadas e defendidas em juiacutezordquo261

sendo necessaacuterio que o processo proporcione

verdadeiramente agrave parte a defesa de seus direitos a sustentaccedilatildeo de suas razotildees a produccedilatildeo

de suas provas262

Assim a oportunidade de defesa deve ser efetivamente plena e o

processo deve desenvolver-se com aquelas garantias indispensaacuteveis para a caracterizaccedilatildeo

do ldquodevido processo legalrdquo263

Ou seja eacute preciso que o julgamento se desenvolva com as

imprescindiacuteveis garantias processuais entre as quais o contraditoacuterio o uso dos meios de

prova garantidos em geral a presenccedila do juiz natural a publicidade o duplo grau de

jurisdiccedilatildeo264

Nesse sentido a liccedilatildeo de Rogeacuterio Lauria Tucci segundo a qual o inciso LIV do art

5ordm da Constituiccedilatildeo Federal ao prescrever que ldquoningueacutem poderaacute ser privado da liberdade

ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo exige que seja assegurado ao indiviacuteduo

envolvido numa persecutio criminis amplo e irrestrito acesso ao juiz natural sendo-lhe

garantida a participaccedilatildeo durante todo o iter procedimental em condiccedilotildees equacircnimes agraves dos

agentes estatais da persecuccedilatildeo penal e em inexoraacutevel contraditoriedade tudo isso num

prazo razoaacutevel265

As defesas previstas pela Constituiccedilatildeo aos direitos fundamentais e que consistem

no sistema organizado de proteccedilatildeo agrave seguranccedila agrave vida humana e agrave liberdade humanas

assumem importacircncia maior exatamente no processo penal266

Segundo Antonio Scarance Fernandes a garantia do devido processo legal antes

mesmo de ser especificada na Constituiccedilatildeo jaacute tinha vasta incidecircncia no processo penal267

Assim ldquoreservando o Estado para si o direito de punir como limite primeiro agrave accedilatildeo

estatal assegurou-se ao acusado que a sanccedilatildeo penal soacute lhe seria imposta por oacutergatildeo

260

IBID p 27 261

IBID p 25 262

IBID p 25-26 263

IBID p 26 264

IBID p 26 265

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 76 266

GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades p 27 267

FERNANDES Antonio Scarance Princiacutepios e Garantias Processuais Penais em 10 Anos de Constituiccedilatildeo

Federal In FERNANDES Antonio Scarance MORAES Alexandre de GOMES FILHO Antonio

Magalhatildees DALLARI Dalmo de Abreu TOJAL Sebastiatildeo Botto de Barros Os 10 anos da Constituiccedilatildeo

Federal temas diversos Satildeo Paulo Atlas 1999 p 192

57

jurisdicional e atraveacutes do regular processordquo268

isto eacute os textos constitucionais procuraram

assegurar ao indiviacuteduo o direito a um processo justo alcanccedilado por meio da ampla defesa

do contraditoacuterio da isonomia do juiz natural e de outras garantias deles derivadas

Especifica-se o devido processo penal de acordo com Rogeacuterio Lauria Tucci nas

seguintes garantias a) de livre acesso agrave Justiccedila Penal b) da previsatildeo de um juiz natural em

mateacuteria penal c) de tratamento em condiccedilotildees de igualdade das partes do processo penal d)

da plenitude de defesa do indiciado acusado ou condenado com todos os meios e recursos

a ela inerentes e) da publicidade dos atos processuais f) da necessidade de motivaccedilatildeo dos

atos decisoacuterios penais g) da fixaccedilatildeo de prazo razoaacutevel de duraccedilatildeo do processo penal e h)

da legalidade da execuccedilatildeo penal269

Tais garantias tecircm como consequecircncia loacutegica necessaacuteria o fato de que o indiviacuteduo

natildeo pode ser privado de sua liberdade ou de outros bens correlatos sem a observacircncia do

devido processo penal devendo a accedilatildeo judiciaacuteria ser desenvolvida conforme ldquoo vigoroso e

incindiacutevel relacionamento entre as preceituaccedilotildees constitucionais e as normas penais tanto

de natureza substancial quanto de caraacuteter instrumentalrdquo de modo a tornar a atuaccedilatildeo da

justiccedila criminal eficaz natildeo soacute na imposiccedilatildeo e concretizaccedilatildeo da pena ou da medida de

seguranccedila mas sobretudo na afirmaccedilatildeo do ius libertatis270

E tudo isso segundo o autor com o absoluto vigor de trecircs pressupostos

fundamentais quais sejam os relativos agrave inadmissibilidade de sujeiccedilatildeo agrave persecutio

criminis sem que tenha de fato ocorrido a praacutetica de fato tiacutepico antijuriacutedico e culpaacutevel e

haja indiacutecios de autoria correspondentes (nulla informatio delicti sine crimen et culpa) agrave

jurisdicionalizaccedilatildeo da imposiccedilatildeo de pena ou de medida de seguranccedila (nulla poena sine

iudicio) e agrave impossibilidade de realizaccedilatildeo satisfativa do ius puniendi provisoacuteria ou

definitivamente antes de transitada em julgado sentenccedila condenatoacuteria (nulla executio sine

titulo)271

Daiacute o senso comum de que ao indiviacuteduo membro da coletividade deve ser

assegurado antes da imposiccedilatildeo de qualquer sanccedilatildeo penal o direito a um processo preacutevio

no mais das vezez precedido de procedimento investigatoacuterio e no qual garantidos (a) a

268

IBID p 192 269

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo p 70 270

IBID p 71 271

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 62

58

atuaccedilatildeo de oacutergatildeo jurisdicional previamente designado pela lei para o respectivo

julgamento independente e imparcial (b) a previsatildeo em lei vigente regularmente

elaborada e promulgada de um procedimento destinado persecuccedilatildeo penal de fato tido

como penalmente relevante (c) o proferimento de decisatildeo puacuteblica e motivada em prazo

razoaacutevel (d) a correlaccedilatildeo entre a acusaccedilatildeo e a sentenccedila de meacuterito (e) a possibilidade de

reexame dos fatos e de sua qualificaccedilatildeo juriacutedica versado nos atos decisoacuterios desfavoraacuteveis

ao imputado (f) a oportunidade de ampla defesa com todos os meios e recursos a ela

inerentes tanto material quanto tecnicamente e (g) a presunccedilatildeo de inocecircncia isto eacute o natildeo

reconhecimento da culpabilidade do indiciado ou acusado enquanto natildeo transitada em

julgado a sentenccedila condenatoacuteria272

Como observado o princiacutepio do devido processo pode ser percebido como uma

ldquomegagarantia dos direitos fundamentaisrdquo273

Isso indica desde logo que o ldquojustordquo

processo eacute composto de muitas e incontaacuteveis garantias que se consubstanciam em

princiacutepios regras normas direitos ou proibiccedilotildees que como formalidades prescritas em lei

objetivam disciplinar o regular desenvolvimento do processo com vistas agrave soluccedilatildeo de um

conflito de interesses274

No contexto do devido processo criminal igualmente muacuteltiplas

satildeo as garantias que se encontram reunidas de forma harmocircnica sob um denominador

comum275

Neste trabalho natildeo temos a pretensatildeo de examinar cada uma dessas garantias

Buscaremos abordar de forma breve aquelas que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que

entendemos mais relevantes para o desenvolvimento do presente estudo por guardarem

relaccedilatildeo direta com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa

a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador

2 Direito de defesa

O inciso LV do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal considerando e especificando a

272

IBID p 62 273

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 274

IBID p 189 275

IBID p 189

59

garantia do devido processo legal assegura aos litigantes em processo judicial ou

administrativo e aos acusados em geral o contraditoacuterio e a ampla defesa com os meios e

recursos a ela inerentes

A garantia da ampla defesa ldquoconsiderada universalmente como um postulado

eterno eacute tambeacutem uma das exigecircncias em que se consubstancia o due process of lawrdquo 276

Tal previsatildeo do direito agrave ampla defesa constitui inovaccedilatildeo trazida pela atual

Constituiccedilatildeo brasileira uma vez que se trata de claacuteusula presente nas Constituiccedilotildees

anteriores277

Desde o Impeacuterio eacute ela citada 1824 art 179 VIII278

1891 art 72 sect 16279

1934

art 113 n 24280

1937 art 122 n 11 segunda parte281

1946 art 141 sect 25282

1967 art

150 sect 15283

e com a Emenda de 1969 art 153 sect 15 ora relacionando-se agrave nota de culpa

como ocorreu em 1824 1891 1937 e 1946 ora ligando-se agrave instruccedilatildeo criminal como em

1937 e 1946284

Tal vinculaccedilatildeo agrave nota de culpa ou instruccedilatildeo criminal gerava a impressatildeo de

que a garantia soacute se aplicava ao processo penal ideia essa que foi totalmente abandonada

com o novo texto constitucional que a estendeu expressamente a qualquer processo

judicial ou administrativo285

Para Antonio Scarance Fernandes o direito de defesa eacute tambeacutem garantia da proacutepria

justiccedila Segundo o autor eacute puacuteblico o interesse em que todos os reacuteus sejam adequadamente

276

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo

Saraiva 1993 p 203 277

FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2010 p 253 278

Art 179 VIII Ninguem poderaacute ser preso sem culpa formada excepto nos casos declarados na Lei e

nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisatildeo sendo em Cidades Villas ou outras

Povoaccedilotildees proximas aos logares da residencia do Juiz e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel

que a Lei marcaraacute attenta agrave extensatildeo do territorio o Juiz por uma Nota por elle assignada faraacute constar ao

Reacuteo o motivo da prisatildeo os nomes do seu accusador e os das testemunhas havendo-as 279

Art 72 sect 16 Aos acusados se asseguraraacute na lei a mais plena defesa com todos os recursos e meios

essenciais a ela desde a nota de culpa entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente

com os nomes do acusador e das testemunhas 280

Art 113 n 24 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os meios e recursos essenciais a esta 281

Art 122 n11 segunda parte Ningueacutem poderaacute ser conservado em prisatildeo sem culpa formada senatildeo pela

autoridade competente em virtude de lei e na forma por ela regulada a instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria

asseguradas antes e depois da formaccedilatildeo da culpa as necessaacuterias garantias de defesa 282

Art 141 sect 25 Eacute assegurada aos acusados plena defesa com todos os meios e recursos essenciais a ela

desde a nota de culpa que assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das

testemunhas seraacute entregue ao preso dentro em vinte e quatro horas A instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria 283

Art 150 sect 15 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os recursos a ela Inerentes Natildeo haveraacute

foro privilegiado nem Tribunais de exceccedilatildeo 284

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 253 285

IBID p 253

60

defendidos pois soacute assim seraacute garantido efetivo contraditoacuterio imprescindiacutevel para o

alcance de uma soluccedilatildeo justa286

O direito de defesa deve ser vislumbrado dessa forma natildeo soacute a partir do acircmbito de

interesse do acusado mas tambeacutem da esfera de interesse da coletividade jaacute que ldquointeressa

agrave coletividade a dialeticidade do procedimento penal com verificaccedilotildees negativas em caso

de natildeo constituir o delito uma fonte de responsabilidaderdquo287

A ampla defesa consiste pois ldquona oportunidade de o reacuteu contraditar a acusaccedilatildeo

atraveacutes da previsatildeo legal de termos processuais que possibilitem a eficiecircncia da

defesardquo288

traduzindo-se objetivamente em algumas soluccedilotildees teacutecnicas dentro do processo

que proporcionam maior efetividade agrave garantia

Assim reputam-se meios inerentes agrave ampla defesa a) o conhecimento claro da

imputaccedilatildeo b) a apresentaccedilatildeo de alegaccedilotildees contra a acusaccedilatildeo c) o acompanhamento da

produccedilatildeo da prova e a possibilidade de fazer contraprova d) a disponibilizatildeccedilatildeo de defesa

teacutecnica por advogado cuja funccedilatildeo aliaacutes agora eacute essencial agrave Administraccedilatildeo da Justiccedila e e)

a possibilidade de recorrer de decisatildeo desfavoraacutevel289

Rogeacuterio Lauria Tucci por sua vez entende que o conceito moderna da garantia da

ampla defesa exige indiscutivelmente a conjugaccedilatildeo de trecircs realidades procedimentais

distintas para sua efetivaccedilatildeo a saber a) o direito agrave informaccedilatildeo b) a bilateralidade da

audiecircncia (contraditoriedade) c) o direito agrave prova legitimamente obtida ou produzida

(comprovaccedilatildeo da inculpabilidade)290

A garantia da ampla defesa eacute induvidosamente uma das mais complexas jaacute que a

ela satildeo reconduziacuteveis dentre outras as seguintes garantias miacutenimas a) da informaccedilatildeo

pessoal do inteiro teor da acusaccedilatildeo b) da autodefesa c) da defesa teacutecnica d) do prazo

razoaacutevel para a preparaccedilatildeo da defesa com os meios necessaacuterios e adequados e) a proibiccedilatildeo

do cerceamento de defesa e f) da natildeo autoincriminaccedilatildeo291

286

IBID p 260 287

BATALHA Sergio Fedato Principiologia Para um Devido Processo Penal Constitucional A Ampla

defesa e o contraditoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Consulta realizada em 05062013 288

GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 126 289

IBID p 110 290

TUCCI Rogeacuterio Lauria Op cit p 205 291

GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro

e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema

61

Em sede processual penal a ampla defesa natildeo pode ser apartada do binocircmio

autodefesa - defesa teacutecnica292

Por isso a previsatildeo da ampla defesa nas Constituiccedilotildees

pressupotildee necessariamente para a adequada observacircncia desse comando sejam

assegurados o direito agrave defesa teacutecnica durante todo o processo e o direito de autodefesa

colocando-se ambos em relaccedilatildeo de diversidade e complementaridade293

A garantia da defesa pessoal estaacute prevista tanto no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos (artigo 143d294

) como na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

(artigo 82d295

) Como integrantes da autodefesa podem ser citados o direito de audiecircncia

sobretudo no interrogatoacuterio o direito a inteacuterprete ou tradutor o direito de presenccedila nos atos

processuais o direito de participaccedilatildeo dialeacutetica na audiecircncia o direito de comunicaccedilatildeo livre

e reservada com o defensor bem como o direito de postulaccedilatildeo pessoal296

Pode-se dizer ainda que a garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo nada mais eacute que

expressatildeo passiva da autodefesa e consequentemente da ampla defesa jaacute que o acusado

pode exercer a autodefesa de duas formas ativa expondo sua versatildeo sobre os fatos no

intuito de influenciar na decisatildeo final ou passiva natildeo se autoincriminando297

A garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo por sua vez possui duas formas de

manifestaccedilatildeo direito de natildeo declarar contra si mesmo e direito de natildeo confessar298

ambas

interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 210 292

BATALHA Sergio Fedato Op cit 293

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 258 No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes ldquoA ampla

defesa compreende dentre tantas outras garantias e tal como reconhece a communis opinio doctorum a

autodefesa e a defesa teacutecnicardquo GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos

sistemas juriacutedico brasileiro e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN

Flaacutevia (Coord) O sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo

RT 2000 p 210 294

Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as

seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio

de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e

sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo

tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 295

Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias

miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua

escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 296

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 210 297

IBID p 221 298

IBID p 221

62

devidamente consagradas tanto no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos299

como na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos300

Natildeo se pode perder de vista a previsatildeo do artigo 5ordm LXIII da Constituiccedilatildeo Federal

que assegura ao preso301

o direito ao silecircncio com a qual tais dispositivos devem ainda ser

conciliados302

O direito de silecircncio segundo Aury Lopes Jr eacute apenas expressatildeo de uma garantia

muito mais ampla insculpida no princiacutepio nemo tenetur se detegere segundo o qual o

sujeito passivo natildeo pode sofrer nenhum prejuiacutezo juriacutedico por natildeo colaborar com a

atividade probatoacuteria da acusaccedilatildeo ou por exercer o seu direito de silecircncio por ocasiatildeo do

interrogatoacuterio303

Em outros termos o exerciacutecio do direito de silecircncio natildeo pode acarretar

nenhuma presunccedilatildeo de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuiacutezo juriacutedico para o

imputado304

Eacute portanto por meio destas accedilotildees que se daacute a atuaccedilatildeo do sujeito no sentido de

contrapor-se pessoalmente agrave pretensatildeo estatal defendendo a si mesmo como indiviacuteduo

singular fazendo valer seu criteacuterio individual e seu interesse privado305

Jaacute a garantia da defesa teacutecnica vem insculpida em vaacuterios mandamentos legais

internacionais Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (artigos 82d306

e 82e307

)

299

ARTIGO 14 3 Toda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualdade a pelo menos as

seguintes garantias g) de natildeo ser obrigada a depor contra si mesma nem a confessar-se culpada 300

Artigo 8 2 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se

comprove legalmente sua culpa Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves

seguintes garantias miacutenimas g) direito de natildeo ser obrigado a depor contra si mesma nem a declarar-se

culpada () 301

Apesar de a Constituiccedilatildeo referir-se ao ldquopresordquo a doutrina estende esse direito a todos os infratores Natildeo

somente ao preso mas a todos eacute conferido o direito ao silecircncio Nesse sentido ldquoO direito ao silecircncio aleacutem

de estar contido na ampla defesa encontra abrigo no artigo 5ordm LXIII da CF que ao tutelar o estado mais

grave (preso) obviamente abrange e eacute aplicaacutevel ao sujeito passivo em liberdaderdquo LOPES JR Aury

Introduccedilatildeo criacutetica ao processo penal fundamentos da instrumentalidade garantista 3 ed Rio de Janeiro

Lumen Juris 2005 p 238 302

IBID p 238 303

IBID p 242 304

IBID p 242 305

IBID p 237 306

Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias

miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua

escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 307

Artigo 82e direito irrenunciaacutevel de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado

remunerado ou natildeo segundo a legislaccedilatildeo interna se o acusado natildeo se defender ele proacuteprio nem nomear

defensor dentro do prazo estabelecido pela lei

63

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (artigos 143d e 143d in fine308

) e

Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (artigo XI309

)

Quanto ao direito interno a garantia da defesa teacutecnica eacute contemplada tanto

constitucionalmente (CF artigo 5ordm LXIII ldquoo preso seraacute informado de seus direitos ()

sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo CF artigo 5ordm LXXIV ldquoo

Estado prestaraacute assistecircncia juriacutedica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiecircncia

de recursosrdquo) quanto em acircmbito infraconstitucional (CPP artigo 263 ldquoSe o acusado natildeo o

tiver ser-lhe-aacute nomeado defensor pelo juiz ressalvado o seu direito de a todo tempo

nomear outro de sua confianccedila ou a si mesmo defender-se caso tenha habilitaccedilatildeordquo)

Sua justificaccedilatildeo decorre da necessidade de equiliacutebrio funcional entre defesa e

acusaccedilatildeo e tambeacutem da fundada presunccedilatildeo de hipossuficiecircncia do sujeito passivo que via

de regra natildeo tem conhecimentos necessaacuterios e suficientes para resistir agrave pretensatildeo estatal

em condiccedilotildees teacutecnicas paritaacuterias com o acusador310

A defesa teacutecnica ao contraacuterio da autodefesa eacute considerada indisponiacutevel pois aleacutem

de ser uma garantia do sujeito passivo consubstancia interesse coletivo na correta

apuraccedilatildeo do fato311

Nesse sentido Ada Pellegrini Grinover leciona que a defesa teacutecnica eacute claramente

indisponiacutevel ldquona medida em que mais do que garantia do acusado eacute garantia da

paridade de armas indispensaacutevel agrave concreta atuaccedilatildeo do contraditoacuterio e

consequentemente agrave proacutepria imparcialidade do juizrdquo312

Isso porque ldquoquanto mais atuante

e eficiente forem ambas as partes mais alheio ficaraacute o julgadorrdquo313

Assim para o prudente e amplo exerciacutecio da defesa eacute indispensaacutevel a presenccedila da

defesa teacutecnica que deve ser exercida por advogado ldquoAleacutem do que o proacuteprio reacuteu

308

Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as

seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio

de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e

sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo

tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 309

Artigo XI 1 Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente ateacute que a

sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei em julgamento puacuteblico no qual lhe tenham sido

asseguradas todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa 310

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 233 311

IBID p 234 312

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p09 313

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 234

64

pessoalmente possa trazer a seu favor deve ele ainda que natildeo queira ser acompanhado

de advogado o qual deve ser intimado de todos os atos processuaisrdquo314

Por isso prevecirc o Coacutedigo de Processo Penal expressamente no art 261 a

necessidade de defensor ldquoNenhum acusado ainda que ausente ou foragido seraacute

processado ou julgado sem defensorrdquo

Jaacute a autodefesa exercida pelo proacuteprio reacuteu conquanto relevante seu aspecto de

garantia constitucional manifestando-se no processo de diferentes maneiras dentre elas o

direito de audiecircncia o direito de presenccedila e o direito a postular pessoalmente eacute

considerada renunciaacutevel natildeo podendo ser imposta ao reacuteu315

Nesse sentido salienta Antonio Scarance Fernandes que ldquoa autodefesa ainda que

natildeo possa ser dispensada eacute renunciaacutevel natildeo podendo o reacuteu ser obrigado a comparecer

para o interrogatoacuterio ou para a realizaccedilatildeo de atos processuaisrdquo316

Como vimos portanto satildeo decorrecircncias da ampla defesa constitucional aleacutem da

defesa teacutecnica a garantia da autodefesa o direito a natildeo se incriminar e o direito ao

silecircncio Pode se dizer assim na esteira do entendimento de Vicente Greco Filho que a

ampla defesa com os recursos a ela inerentes eacute a garantia mais importante para o

desenvolvimento e a estrutura do processo penal e ao redor da qual ele gravita317

21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica assegurou o exerciacutecio do direito de defesa aos

acusados em geral inclusive nos processos administrativos

A menccedilatildeo pela Constituiccedilatildeo a acusados e natildeo indiciados natildeo pode ser utilizada

como obstaacuteculo agrave sua aplicaccedilatildeo na investigaccedilatildeo preliminar318

Isso porque a expressatildeo

usada natildeo foi meramente ldquoacusadosrdquo mas ldquoacusados em geralrdquo devendo nela ser

314

GRECO FILHO Vicente Op cit p 129 315

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 268 316

IBID p 268 317

GRECO FILHO Vicente Op cit p 126 318

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251

65

compreendida tambeacutem o indiciamento que nada mais que uma imputaccedilatildeo em sentido

amplo319

Para Marta Saad a expressatildeo ldquoacusados em geralrdquo envolve niacuteveis distintos de

incriminaccedilatildeo bastando para que se tenha acusaccedilatildeo e acusado a atribuiccedilatildeo ainda que de

maneira informal a praacutetica de determinado iliacutecito a uma pessoa320

Natildeo devem subsistir duacutevidas pois de que o termo ldquoacusados em geralrdquo utilizado

pelo constituinte originaacuterio engloba o procedimento administrativo apuratoacuterio da infraccedilatildeo

penal321

Ainda deve-se entender a expressatildeo ldquoprocesso administrativordquo como

ldquoprocedimento administrativordquo que abrange o inqueacuterito policial - forma mais utilizada de

persecuccedilatildeo penal preliminar ou preacutevia no direito brasileiro322

- portanto uma vez que se

trata de procedimento administrativo com finalidade judiciaacuteria323

Na verdade a ampla defesa deve ser amoldada tambeacutem pelo novo paradigma

constitucional de valorizaccedilatildeo dos direitos fundamentais e de irradiaccedilatildeo da forccedila normativa

constitucional324

A ordem constitucional iniciada em 1988 impotildee a supremacia da

dignidade da pessoa humana325

Com isso abrem-se as portas para o modelo garantista de

processo penal de modo a conter os abusos e arbitrariedades do antigo modelo inquisitoacuterio

de processo penal326

Nesse sentido de acordo com Aury Lopes Jr a postura do legislador constitucional

no artigo 5ordm LV foi nitidamente garantidora e o equiacutevoco terminoloacutegico (falar em

processo administrativo quando deveria ser procedimento) natildeo pode servir de empecilho

para sua aplicaccedilatildeo no inqueacuterito policial327

319

IBID p 251 320

SAAD Marta O direito p 367 321

BATALHA Sergio Fedato Op cit 322

Na fase preacute-processual desenvolve-se a investigaccedilatildeo preliminar cujo modelo adotado no Brasil eacute o

policial atraveacutes do inqueacuterito policial LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 250 323

SAAD Marta O direito p 367 324

BATALHA Sergio Fedato Op cit 325

IBID 326

IBID 327

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251

66

Ademais buscando a maacutexima eficaacutecia do artigo 5ordm LV da Constituiccedilatildeo Federal

bem como a necessaacuteria conformidade do Coacutedigo de Processo Penal a ela inafastaacutevel a

incidecircncia do direito de defesa no inqueacuterito policial328

Assim o inqueacuterito policial natildeo obstante ser um procedimento administrativo e natildeo

um processo deve tambeacutem respeitar os direitos fundamentais do indiciado329

sobretudo

aqueles decorrentes do direito de defesa330

Como jaacute observado no inqueacuterito policial satildeo abrigados aleacutem de atos de

investigaccedilatildeo tambeacutem atos de instruccedilatildeo criminal de caraacuteter transitoacuterio ou definitivo331

A possiblidade de exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial por meio da

pronta participaccedilatildeo do acusado e de seu defensor nessa fase procedimental deve ser

reconhecida sobretudo tendo em vista os inuacutemeros atos que ocasionam restriccedilatildeo a direitos

constitucionalmente assegurados podendo ser citados a prisatildeo preventiva a prisatildeo

temporaacuteria a proacutepria prisatildeo em flagrante delito a busca pessoal ou domiciliar a

apreensatildeo o arresto e o sequestro de bens a quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e das

comunicaccedilotildees o indiciamento bem como diante da possibilidade de serem praticados de

atos de instruccedilatildeo de caraacuteter definitivo332

Tudo isso vale ressaltar independe do

estabelecimento de contraditoacuterio333

Aleacutem disso ao indiciado ou formalmente acusado deve ser reconhecido o status

de sujeito de direitos durane todo o procedimento natildeo podendo como consequecircncia ser

tratado como objeto alheio ao inqueacuterito334

328

IBID p 250-251 329

MOREIRA Rocircmulo de Andrade O Supremo Tribunal Federal e o sigilo no inqueacuterito policial Disponiacutevel

em wwwibccrimorgbr Acesso em 28 mai 2013 330

ldquoA praacutetica demonstra que algumas manifestaccedilotildees do direito de defesa mdash uso do direito ao silecircncio habeas

corpus e mandado de seguranccedila pedido de relaxamento da prisatildeo e de liberdade provisoacuteria mdash satildeo

reconhecidas e exercidas jaacute nessa fase procedimental muito embora em contrapartida se tenha enraizado a

crenccedila infundada de que o inqueacuterito eacute peccedila inquisitiva e informativa que natildeo admite defesardquo SAAD Marta

Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash 2006 De acordo

com Aury Lopes Jr o exerciacutecio do habeas corpus e mandado de seguranccedila corporificam o exerciacutecio de defesa

fora do inqueacuterito policial consistindo em atuaccedilatildeo exoacutegena da defesa teacutecnica LOPES JR Aury

Introduccedilatildeo p 235 331

ldquoA partir da instauraccedilatildeo do inqueacuterito policial inuacutemeros atos que acarretam restriccedilatildeo a direitos

constitucionalmente assegurados podem ocorrer em desfavor do acusado tais como os decretos de prisatildeo

preventiva e temporaacuteria a decretaccedilatildeo de medidas cautelares a determinaccedilatildeo do indiciamento e por fim a

possiacutevel formalizaccedilatildeo da acusaccedilatildeordquo SAAD Marta O direito p 199 332

IBID p 366 333

SAAD Marta Exerciacutecio 334

ID O direito p 366

67

Nessa perspectiva tendo-se em conta o informalmente acusado como sujeito do

inqueacuterito e natildeo apenas como sujeito ao inqueacuterito tem ele direito de defesa de ser

considerado inocente de natildeo ser forccedilado a produzir prova contra si mesmo de escolher

defensor e ser por ele assistido sendo ldquointoleraacutevel portanto se tratar o interessado o

envolvido o indiciado ou o futuro demandado quais estranhos em procedimento

apuratoacuterio de fatos que podem lhes atingir a esfera de direitosrdquo335

O exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial eacute de suma relevacircncia sendo

imprescindiacutevel a sua garantia jaacute nesse momento336

Para o satisfatoacuterio exerciacutecio da defesa devem ser asseguradas necessariamente a

ciecircncia ao acusado da imputaccedilatildeo e de todo o conteuacutedo dos atos de instruccedilatildeo constantes do

inqueacuterito a assistecircncia de advogado e a possibilidade de exerciacutecio do direito ao silecircncio337

Assim a defesa praticada no inqueacuterito policial deve ser compreendida de forma

ampla como resistecircncia ou oposiccedilatildeo de forccedilas podendo o acusado contestar todas as

acusaccedilotildees exisetentes contra si com o auxiacutelio de advogado a faculdade de manter-se em

silecircncio e a admissibilidade de produccedilatildeo de provas necessaacuterias agrave comprovaccedilatildeo de sua

inocecircncia ou de sua culpabilidade diminuiacuteda338

A autodefesa nessa fase em regra se concretiza no interrogatoacuterio policial do

acusado339

De acordo com Aury Lopes Jr a denominada defesa pessoal ou autodefesa

manifesta-se de vaacuterias formas mas tem no interrogatoacuterio policial um de seus momentos de

maior relevacircncia jaacute que eacute o momento em que ao sujeito passivo eacute dada a oportunidade de

atuar de forma efetiva expressando as causas e explicaccedilotildees fato a ele imputado ou

alegando negativas de autoria e de materialidade340

De par com essa atuaccedilatildeo que supotildee o interrogatoacuterio tambeacutem eacute possiacutevel uma total

omissatildeo um atuar pois negativo atraveacutes do qual o imputado se nega a declarar341

335

TJSP Apelaccedilatildeo com Revisatildeo 9154560-7819998260000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Barreto

Fonseca Rel designado Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo data de julgamento 06112000 Data de

registro 12022001 336

SAAD Marta O direito p 202 337

ID Exerciacutecio 338

ID O direito p 367 339

IBID p 368 340

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 341

IBID p 237

68

podendo manter-se em silecircncio jaacute que natildeo haacute para ele dever de veracidade342

Natildeo apenas

pode o imputado se negar a declarar mas tambeacutem pode se negar a fornecer a mais iacutenfima

contribuiccedilatildeo para a atividade probatoacuteria realizada pelos oacutergatildeos estatais de investigaccedilatildeo343

podendo portanto negar-se a participar de reconhecimento acareaccedilatildeo ou reproduccedilatildeo

simulada dos fatos assim como a fornecer material para periacutecia ou exibir documento344

A autodefesa contudo eacute incapaz de por si soacute garantir a defesa

constitucionalmente assegurada devido ao inevitaacutevel comprometimento emocional do

acusado e de sua falta de conhecimento teacutecnico345

Por isso a autodefesa exercida pelo proacuteprio acusado e a defesa teacutecnica exercida

por profissional habilitado devem tambeacutem no plano investigativo atuar em relaccedilatildeo de

complementaridade

Ainda no inqueacuterito policial portanto jaacute deve se fazer presente a defesa teacutecnica

com a presenccedila de advogado constituiacutedo para acompanhamento das investigaccedilotildees que a

teor do artigo 14 do CPP346

poderaacute sugerir a realizaccedilatildeo de diligecircncias que seratildeo realizadas

ou natildeo a cargo da autoridade policial ldquoO acusado deve poder contar pois com

assistecircncia de advogado legalmente habilitado zeloso e competente na real defesa dos

interesses de sua liberdade juriacutedicardquo347

Durante todo o inqueacuterito policial isto eacute em todos os seus atos pode o defensor

interceder no intuito de zelar pela sua regularidade formal sobretudo atuando ao lado da

poliacutecia na coleta de atos de instruccedilatildeo definitivos e irrepetiacuteveis348

O sigilo do inqueacuterito

policial eventualmente decretado natildeo mais se aplica ao acusado nem ao seu defensor a

quem eacute assegurada a possibilidade de consulta e reproduccedilatildeo dos autos349

Consagrando tal

prerrogativa o Supremo Tribunal Federal editou em 2009 a suacutemula vinculante 14 com o

seguinte enunciado ldquoEacute direito do defensor no interesse do representado ter acesso amplo

aos elementos de prova que jaacute documentados em procedimento investigatoacuterio realizado

342

Tal direito encontra restriccedilatildeo apenas no tocante agrave sua identidade natildeo podendo o acusado mentir sobre ela

ou se recusar a fornecer seus documentos ou impressatildeo digital se preciso for SAAD Marta O direito p

368 343

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 344

SAAD Marta O direito p 368 345

IBID p 202 346

Art 14 O ofendido ou seu representante legal e o indiciado poderatildeo requerer qualquer diligecircncia que

seraacute realizada ou natildeo a juiacutezo da autoridade 347

SAAD Marta O direito p 202 348

IBID p 369 349

IBID p 369

69

por oacutergatildeo com competecircncia de poliacutecia judiciaacuteria digam respeito ao exerciacutecio do direito

de defesardquo350

Pode o defensor ainda livre e reservadamente reunir-se com o acusado antes do

interrogatoacuterio bem como propor a produccedilatildeo de meios de prova e providecircncias cujo

deferimento eacute direito subjetivo do acusado desde que o pedido natildeo seja faticamente

impraticaacutevel ou inuacutetil351

Natildeo se nega assim que as diligecircncias realizadas durante a investigaccedilatildeo criminal

possam ser sigilosas excepcionalmente para que natildeo seja prejudicada a descoberta de

elementos de informaccedilatildeo como a autoria e a materialidade delitiva352

No entanto no

intuito de natildeo se desprezar a garantia constitucional agrave ampla defesa o mesmo rigor natildeo

deve ser imposto ao que se refere aos atos de instruccedilatildeo jaacute documentados353

Exatamente por tratar-se o inqueacuterito uma etapa relevante para a reuniatildeo de meios de

provas inclusive com a praacutetica de atos que natildeo mais seratildeo repetidos ao acusado deve ser

proporcionada a assistecircncia de defensor jaacute nessa fase preliminar formulando apropriada e

tempestivamente sua defesa354

Dessa forma no contexto das garantias constitucionais eacute imperioso que seja

garantido ao acusado esteja ele preso ou em liberdade o direito agrave defesa teacutecnica exercida

por defensor legalmente habilitado na efetiva proteccedilatildeo de seus interesses Aleacutem disso ao

Estado incumbe formecer defesa dativa ao acusado que natildeo dispuser de seu proacuteprio

defensor355

Eacute vaacutelido ressaltar que apesar do direito de defesa ser apreendido como meio de

resguardo da liberdade esta visatildeo natildeo reflete a sua real dimensatildeo Afinal sob o enfoque da

sociedade que tem como fim uacuteltimo a paz social e como tal comprometida apenas com a

condenaccedilatildeo do sujeito comprovadamente culpado deve-se salientar que o direito de defesa

350

O enunciado do STF complementa a Carta Constitucional afirmando que o defensor deve ter acesso aos

autos de inqueacuterito policial pelo fato de tais documentos formarem conjunto probatoacuterio sobre o qual o

defensor em muitos momentos natildeo tinha acesso ou o tinha de forma restrita 351

SAAD Marta O direito p 369 352

FERREIRA Regina Cirino Alves Suacutemula vinculante reconhece acesso do defensor em inqueacuterito policial

Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr 353

IBID 354

SAAD Marta O direito p 200-201 355

IBID p 368-369

70

no inqueacuterito policial tanto em seu aspecto de autodefesa quanto de defesa teacutecnica podem

evitar que sejam aforadas acusaccedilotildees inveriacutedicas imprudentes ou apressadas356

ldquoPodendo opor-se agraves provas coligidas e oferecer sua versatildeo acerca dos

fatos apurados impugnar a classificaccedilatildeo do delito atribuiacuteda pela autoridade

policial fazer-se acompanhar sempre por defensor para solicitar a produccedilatildeo de

diligecircncias em seu favor e principalmente ter ciecircncia de seus direitos

constitucionais e exercecirc-los desde logo o acusado e tambeacutem a justiccedila penal soacute tecircm

a ganhar357

Ele por cuidar de afastar possiacutevel acusaccedilatildeo formal a Justiccedila por se

precaver melhor contra acusaccedilotildees infundadasrdquo358

Desse modo em que pesem alguns posicionamentos ainda no sentido da

desnecessidade do exerciacutecio do direito de defesa em sede de inqueacuterito este deve ser

respeitado durante toda a persecuccedilatildeo penal

3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia

Outro princiacutepio de particular significaccedilatildeo no campo penal359

eacute o da presunccedilatildeo de

inocecircncia inscrito pela primeira vez em nossos textos constitucionais pelo art 5ordm inciso

LVII da Carta de 1988 ldquoningueacutem seraacute considerado culpado ateacute o tracircnsito em julgado de

sentenccedila condenatoacuteriardquo

356

IBID p 204 357

ID Exerciacutecio 358

IBID 359

ldquoMas que se aplica a qualquer processo de caraacuteter punitivo pense-se por exemplo no administrativo ou

trabalhistardquo GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios e garantias constitucionais In LIMA Marcellus

Polastri SANTIAGO Nestor Eduardo Araruna (Coord) A renovaccedilatildeo processual penal apoacutes a Constituiccedilatildeo

de 1988 Estudos em homenagem ao Professor Joseacute Barcelos de Souza Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p

11

71

Historicamente a presunccedilatildeo de inocecircncia ou conforme preferem alguns presunccedilatildeo

de natildeo culpabilidade360

esteve ligada agrave superaccedilatildeo das formas processuais comuns ao

ancien regimen e agrave Inquisiccedilatildeo nas quais o reacuteu era apontado como o objeto do processo

sobre ele incidindo uma presunccedilatildeo de culpabilidade e natildeo de inocecircncia361

As origens desse princiacutepio satildeo portanto antigas sendo afirmado por influecircncia do

Cristianismo jaacute no proacuteprio direito romano Posteriormente foi reconhecido pela tradiccedilatildeo da

common law em virtude das claacuteusulas de proteccedilatildeo dos suacuteditos ingleses afirmadas na

Magna Carta362

Delineado a princiacutepio a partir do ideal iluminista foi consagrado pela Declaraccedilatildeo

dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo de 1789 cujo artigo 9 afirmava ldquoTout homme eacutetant

preacutesumeacute innocent srsquoil est indispensable de lrsquoarreter tout rigueur qui ne serait paacutes

necessaire pour srsquoassurer de sa personne doit ecirctre seacuteveacuterement reprimeacutee par la loirdquo vindo

a ser incorporado posteriormente por vaacuterios ordenamentos juriacutedicos nacionais e no

periacuteodo poacutes-guerra por diversos documentos internacionais363

de proteccedilatildeo dos direitos

humanos364

Hoje sobretudo a partir da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (1948) a

presunccedilatildeo de inocecircncia constitui direito fundamental frequentemente assegurado nos

textos internacionais e nas Constituiccedilotildees modernas365

De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a finalidade da inserccedilatildeo

constitucional da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute poliacutetico-ideoloacutegica366

isto eacute o legislador

constituinte ao consagraacute-la em niacutevel constitucional ldquodemonstrou uma escolha juspoliacutetica

360

ldquoHaacute um consenso em se admitir que no atual sistema juriacutedico brasileiro as expressotildees lsquopresunccedilatildeo de

inocecircnciarsquo e lsquonatildeo consideraccedilatildeo preacutevia de culpabilidadersquo satildeo expressotildees equivalentes Por forccedila

constitucional afastam-se quaisquer inspiraccedilotildees ou limites ideoloacutegicos fascistas dessa segunda expressatildeo

tendo sido ela escolhida pelo constituinte para representar semanticamente aquilo que toda a tradiccedilatildeo

iluminista e mais modernamente a comunidade internacional atribuem agrave claacutessica expressatildeo ldquopresunccedilatildeo de

inocecircnciardquo inspirada pelos ideais de igualdade dignidade da pessoa humana e devido processo legalrdquo

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 221 361

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 145-146 362

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 363

ldquoTodo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente ateacute que sua culpa

fique legalmente comprovada em um julgamento puacuteblico no qual todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa

tenham sido asseguradasrdquo (DUDH art XI) ldquoToda pessoa acusada de uma infraccedilatildeo penal deve ser

considerada inocente ateacute que sua culpa seja judicialmente comprovadardquo (PIDCP art 142) ldquoToda pessoa

acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se comprove legalmente sua

culpardquo (CADH art 82) 364

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 146 365

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 366

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 355

72

clara a persecutio criminis deve ter em todos os seus instantes um cunho garantidor e

igualitaacuterio ao imputado natildeo se admitindo mais um sistema autoritaacuterio e desigual tiacutepico de

regimes despoacuteticosrdquo367

Assim ldquoa funccedilatildeo da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute servir de eixo estrutural de um

processo penal a ser feito conforme ao determinado pela Constituiccedilatildeordquo368

Antonio Magalhatildees Gomes Filho define a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquoprinciacutepio

informador do ordenamentordquo em que o processo penal configura mecanismo de aplicaccedilatildeo

de sanccedilotildees punitivas num sistema juriacutedico no qual sejam assegurados essencialmente os

valores intriacutensecos agrave liberdade e agrave dignidade da pessoa humana369

Trata-se pois de

ldquopreceito geral informado pelos valores de respeito agrave dignidade e liberdade da pessoa

humana que deve ser observado em todas as atividades relacionadas agrave persecuccedilatildeo

criminal no Estado de Direito e do qual podem ser extraiacutedas importantes garantiasrdquo370

Nesse sentido a garantia de que seraacute preservado o estado de inocecircncia ateacute o tracircnsito

em julgado da sentenccedila condenatoacuteria gera consequecircncias no tratamento da parte passiva

no ocircnus da prova e na exigecircncia de que a confirmaccedilatildeo do delito e a aplicaccedilatildeo da pena dar-

se-atildeo somente por intermaacutedio de um processo com todas as garantias e atraveacutes de uma

sentenccedila fundamentada371

Por isso de acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a concepccedilatildeo da presunccedilatildeo de

inocecircncia sob a comcepccedilatildeo constitucional de um acircmbito de proteccedilatildeo vasto compreende

um significado relacionado mais diretamente com a figura do imputado a que ele

denomina ldquonorma de tratamentordquo e outros dois significados mais ligados agrave mateacuteria

probatoacuteria que se subdividem em ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma probatoacuteriardquo372

373

367

IBID p 355 368

IBID p 358 369

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo de Inocecircncia Princiacutepio e Garantias In Escritos em

homenagem a Alberto Silva Franco Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 128 370

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 371

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 188 372

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 424 Para Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra da

presunccedilatildeo de inocecircncia tem dupla aplicaccedilatildeo A primeira relaciona-se ao tratamento processual e social a

ser dispensado ao reacuteu que para todos os efeitos e perante todos deve ser considerado inocente ateacute que a

condiccedilatildeo resolutiva representada pelo tracircnsito em julgado da sentenccedila condenatoacuteria autorize tratamento

diverso A segunda por seu turno estaacute associada ao acircmbito probatoacuterio que para muitos se relaciona com a

fixaccedilatildeo do ocircnus de provar imposto agrave acusaccedilatildeordquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 373

ldquoTal subdivisatildeo se justifica segundo o autor pois as diferenccedilas entre ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma

probatoacuteriardquo exigem estudo mais particularizado de cada uma dessas manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de

73

A garantia de ser tratado como inocente consiste resumidamente no fato de que o

acusado tem o direito de ser tratado como ldquonatildeo participante do fato imputadordquo374

Assegura pois que apenas apoacutes um julgamento ditado por oacutergatildeo judiciaacuterio

regularmente instituiacutedo e realizado com respeito agraves regras do devido processo seraacute

possiacutevel afirmar a culpa de algueacutem pela praacutetica de um crime e infligir-lhe a correspondente

sanccedilatildeo punitiva (nulla poena sine iudicio)375

Nesse sentido pode-se dizer que presunccedilatildeo de inocecircncia e devido processo legal

satildeo conceitos que se complementam exprimindo a concepccedilatildeo fundamental de que o

reconhecimento da culpabilidade requer natildeo apenas a existecircncia de um processo mas

acima de tudo de um processo justo onde o embate entre o poder punitivo estatal e o

direito liberdade do acusado seja feito em termos de equiliacutebrio376

E por forccedila dessas fundamentais restriccedilotildees ao poder punitivo estatal assegura

tambeacutem uma forma adequada de tratamento ao suspeito indiciado ou acusado que antes

do tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo natildeo pode estar sujeito a qualquer medida restritiva

de direitos que tenha como consequecircncia a equiparaccedilatildeo ao culpado377

Nesses termos em decorrecircncia da regra de tratamento todas as medidas coercitivas

antes ou durante o processo soacute se mostram plausiacuteveis quando haacute imperiosa necessidade e

desde que fundadas em fatos concretos378

Por isso no transcurso de toda a persecuccedilatildeo penal ndash desde a investigaccedilatildeo ateacute o

teacutermino do processo ndash natildeo satildeo admissiacuteveis providecircncias discriminatoacuterias que sejam

adotadas como antecipaccedilatildeo da puniccedilatildeo ou que objetivem a estigmatizaccedilatildeo do indiviacuteduo

como por exemplo o uso desnecessaacuterio de algemas a exposiccedilatildeo de imagens agrave miacutedia ou

outras condutas degradantes inconciliaacuteveis com a condiccedilatildeo de quem ainda natildeo foi

definitivamente julgado como autor de um crime379

inocecircncia permitindo identificar suas especificidades de conteuacutedo e efeitosrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide

de Presunccedilatildeo p 462 374

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 224 375

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 376

GOMES FILHO Magalhatildees Significados da Presunccedilatildeo de Inocecircncia In COSTA Joseacute de Faria SILVA

Marco Antonio Marques da (Coord) Direito Penal Especial Processo Penal e Direitos Fundamentais Visatildeo

Luso-Brasileira Satildeo Paulo Quartier Latin 2006 p 323 377

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12 378

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 225 379

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12

74

A prisatildeo processual natildeo obstante ser prevista por todas as legislaccedilotildees inclusive no

Brasil igualmente encontra um limite na presunccedilatildeo de inocecircncia sendo permitida somente

em situaccedilotildees excepcionais e desde que natildeo tenha intuitos sancionatoacuterios380

Nesse sentido de acordo com Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra dirige-se

tambeacutem ao julgador a quem cabe o respeito estrito agrave imparcialidade operativa ficando

pois proibido de realizar qualquer ato indicativo de adesatildeo preacutevia agrave tese acusatoacuteriardquo381

Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes essa eacute a forma mais tradicional de se

compreender a presunccedilatildeo de inocecircncia na cultura da Civil Law ou seja visualizaacute-la como

uma garantia ao cidadatildeo de que ele seraacute tratado durante toda a persecuccedilatildeo penal como

inocente382

assegurando-se que as consequecircncias de uma futura decisatildeo condenatoacuteria

somente sejam aplicadas apoacutes o seu tracircnsito em julgado383

Sua abrangecircncia e acircmbito de

proteccedilatildeo todavia natildeo se esgotam nesse aspecto

Como ldquonorma probatoacuteriardquo a presunccedilatildeo de inocecircncia abrange seara especiacutefica

orientada agrave determinaccedilatildeo de quem deve provar por meio de que tipo de prova e

finalmente o que deve ser provado384

Conforme jaacute observado a presunccedilatildeo de inocecircncia subsiste ateacute o momento da

condenaccedilatildeo definitiva e natildeo pode haver condenaccedilatildeo sem um miacutenimo de atividade

probatoacuteria385

Logo forccedilosa a conclusatildeo de que a uacutenica forma de se desconstruir a

presunccedilatildeo consiste na realizaccedilatildeo de uma atividade probatoacuteria suficiente da qual deve se

encarregar quem fez a acusaccedilatildeo386

Como consequecircncia a presunccedilatildeo de inocecircncia como norma probatoacuteria natildeo admite a

inversatildeo do ocircnus da prova o que significaria inevitavelmente uma violaccedilatildeo de seu

conteuacutedo387

380

IBID p 12 381

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 382

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 427 383

IBID p 427 384

IBID p 462 385

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 226 386

IBID p 226 387

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538

75

Cabe agrave acusaccedilatildeo portanto comprovar a existecircncia de requisitos objetivos e

subjetivos exigidos para o reconhecimento da praacutetica de uma infraccedilatildeo penal e natildeo ao reacuteu

o ocircnus de demonstrar a sua inocecircncia388

Nesse sentido Antonio Magalhatildees Gomes Filho afirma que em um processo penal

informado pela presunccedilatildeo de inocecircncia uma vez que o acusado eacute considerado inocente ateacute

que se comprove legal e definitivamente sua culpabilidade ldquoeacute claro que o encargo de

demonstrar os fatos incumbe integralmente agrave acusaccedilatildeordquo389

A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo ademais exige que o material

probatoacuterio necessaacuterio para afastaacute-la seja obtido pelo oacutergatildeo acusador de forma liacutecito e tenha

conteuacutedo incriminador390

Assim no cumprimento de seu encargo probatoacuterio a acusaccedilatildeo

deveraacute se utilizar apenas de provas liacutecitas e orientadas agrave demonstraccedilatildeo da culpa do

imputado e agrave materialidade da infraccedilatildeo em todos os seus aspectos391

A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma de juiacutezordquo por sua vez volta-se ao exame

do material probatoacuterio jaacute produzido para avaliar sua suficiecircncia para afastar a incidecircncia

da presunccedilatildeo de inocecircncia e portanto condenar o imputado ou para eleger a norma

juriacutedica mais adequada ao caso concreto392

Indica a exigecircncia de que natildeo seraacute proferida nenhuma condenaccedilatildeo ausente prova

suficiente da culpabilidade393

Mais do que isso eacute fundamental a existecircncia de prova

segura e induvidosa da conduta criminosa atribuiacuteda ao acusado Assim devem levar agrave

absolviccedilatildeo tanto a ausecircncia de provas como a duacutevida gerada no espiacuterito do juiz pelas

provas produzidas no processo Sob esse acircngulo o valor do preceito mostra-se no

momento da decisatildeo como expressatildeo da maacutexima do in dubio pro reo394

A presunccedilatildeo de inocecircncia ainda como norma de juiacutezo obriga o julgador a motivar

convincentemente suas escolhas sempre que as decisotildees penais acarretarem restriccedilatildeo a

direitos do imputado395

Examinando os elementos informativos que lhe satildeo apresentados

388

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa 2003 p 148 389

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A presunccedilatildeo da inocecircncia e o ocircnus da prova em processo penal

Boletim IBCCRIM nordm 23 Novembro 1994 390

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538 391

IBID p 538 392

IBID p 462 393

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 394

IBID p 11 395

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 539

76

na fase de investigaccedilatildeo preliminar ou as provas em fase processual deveraacute sempre decidir

orientando suas escolhas pelo ldquofavor reirdquo e equacionando suas duacutevidas faacuteticas com base no

ldquoin dubio pro reordquo396

que devem ser percebidos como aspectos significados projeccedilotildees ou

manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de inocecircncia397

Podemos portanto de acordo com Aury Lopes Jr extrair da presunccedilatildeo de

inocecircncia que ela predetermina a adoccedilatildeo da verdade processual relativa dotada poreacutem de

um razoaacutevel niacutevel de certeza praacutetica jaacute que obtida conforme determinadas condiccedilotildees

como consequecircncia a obtenccedilatildeo de tal verdade determina um tipo de processo informado

pelo sistema acusatoacuterio que impotildee a estrutura dialeacutetica e posiciona o juiz em situaccedilatildeo de

alheamento em verdadeira rejeiccedilatildeo agrave figura do juiz-inquisidor com poderes

investigatoacuterios e instrutoacuterios e consagraccedilatildeo da figura do juiz de garantias ou garantidor no

acircmbito do processo se manifesta em regras para o julgamento orientando a decisatildeo

judicial sobre os fatos traduz-se por fim em regras de tratamento do acusado visto que a

ingerecircncia do processo penal se daacute sobre um inocente398

Dessa forma a presunccedilatildeo de inocecircncia significa em conjunto com todos os seus

aspectos e desdobramentos incluiacutedos o ldquoin dubio pro reordquo e o ldquofavor reirdquo segundo

Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes

ldquo () um direito que veio atender agrave igualdade ao respeito agrave dignidade da

pessoa humana agrave liberdade do cidadatildeo e ao devido processo penal porque torna a

396

IBID p 539 397

ldquoO ponto central para referida distinccedilatildeo resulta da observaccedilatildeo do sentido que as proacuteprias expressotildees

empregam ldquoIn dubio pro reordquo traz em si uma ideia de que haacute duacutevida (ldquoin dubiordquo) e de que ela deve ser

resolvida favoravelmente ao reacuteu (ldquopro reordquo) ldquoFavor reirdquo por sua vez eacute uma escolha valorativa que natildeo

tem como causa a ldquoduacutevidardquo sua base informadora satildeo os ideais de igualdade dignidade da pessoa humana

e proteccedilatildeo da liberdade e do patrimocircnio do cidadatildeo por meio de um devido processo legal O ldquofavor reirdquo

por ser uma forma de realizaccedilatildeo efetiva desses ideais incide tanto no campo legislativo para conformaccedilatildeo

de leis que visem garanti-los quanto no campo judicial na medida em que indica ao julgador qual eacute a opccedilatildeo

axioloacutegica definida constitucionalmente e que ele tambeacutem deveraacute ter ao interpretar o dispositivo legal ao

caso concreto O ldquoin dubio pro reordquo ao contraacuterio natildeo tem incidecircncia no campo legislativo uma vez que a

lei natildeo traz duacutevidas seja em sua formaccedilatildeo seja em sua interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo A lei apresenta apenas

possibilidades interpretativas dentro das quais natildeo haacute espaccedilo para duacutevidas teacutecnicas A ldquoduacutevidardquo inerente

ao ldquoin dubio pro reordquo sempre adveacutem dos fatos os quais podem ou natildeo estar provados nos autos criminais

Daiacute se dizer que o ldquoin dubio pro reordquo estaacute ligado a fatos (natildeo provados ou provados de forma insatisfatoacuteria)

e pode incidir em qualquer momento decisoacuterio judicial natildeo apenas no instante da decisatildeo sobre o meritum

causae Dessa forma o ldquoin dubio pro reordquo limita-se ao acircmbito judiciaacuterio destinado e determinado pelo

caso concreto e natildeo projeta seus efeitos no acircmbito legislativo voltado agrave elaboraccedilatildeo da lei em niacutevel

abstratordquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 365-367 398

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 187

77

relaccedilatildeo juriacutedica entre imputado e oacutergatildeos persecutoacuterios mais equilibrada (garantia

agrave igualdade) impedindo que as manifestaccedilotildees do poder puacuteblico ultrapassem o

necessaacuterio para a apuraccedilatildeo dos fatos impede de ordinaacuterio que ao imputado seja

dado tratamento de condenado antes do reconhecimento definitivo de sua culpa

(garantia agrave dignidade da pessoa) impotildee a necessidade de um processo condizente

com todos os padrotildees constitucionais de justiccedila para que se proceda agrave verificaccedilatildeo

e declaraccedilatildeo de culpa do cidadatildeo (garantia do devido processo legal) impotildee uma

decisatildeo menos prejudicial ao imputado sempre que houver duacutevida faacutetica ou se

possa proceder agrave mais favoraacutevel escolha juriacutedica como asseveraccedilatildeo do prestiacutegio agrave

dignidade da pessoa humana em toda e qualquer decisatildeo judicial penalrdquo399

Traduz-se pois numa maneira de apreender gerir e conceber um sistema

processual penal para o qual o ser humano desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo eacute inocente e

assim deve ser identificado e tratado ateacute que o Judiciaacuterio afirme de modo certo e definitivo

a sua culpabilidade fundada em um conjunto probatoacuterio incriminador miacutenimo e liacutecito400

31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal

Do quanto ateacute aqui exposto jaacute eacute possiacutevel concluir pela incidecircncia integral da

presunccedilatildeo de inocecircncia na fase investigativa posto que sua concretizaccedilatildeo exige a adoccedilatildeo

de um sistema processual penal para o qual o indiviacuteduo durante toda a persecuccedilatildeo criminal

- que no mais das vezes vem representada por alguma forma de investigaccedilatildeo preliminar

via de regra o inqueacuterito policial - eacute considerado inocente ateacute que haja o reconhecimento

indiscutiacutevel de sua culpa

Como observado a redaccedilatildeo do inciso LVII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 eacute ampla e abrange portanto qualquer indiviacuteduo em qualquer situaccedilatildeo obstando

leituras literais que poderiam excluir as atividades de investigaccedilatildeo em que de maior

399

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 347 400

IBID p 358

78

relevacircncia a garantia contra juiacutezos temeraacuterios que podem ocasionar o reconhecimento do

mero suspeito como culpado401

Nesse sentido segundo Fauzi Hassan Choukr a presunccedilatildeo de inocecircncia

consubstancia-se em princiacutepio de fundamental importacircncia tambeacutem incidente na fase

investigativa consubstanciando verdadeiro paradigma para a percepccedilatildeo global do sistema

instrumental penal requerendo indiscutivelmente ldquoum compromisso natildeo apenas teacutecnico

mas tambeacutem eacutetico do modelo utilizaacutevelrdquo402

Isso porque segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes jaacute nessa fase haacute autecircntica

imputaccedilatildeo penal em face do indiviacuteduo que pode sofrer atos de restriccedilatildeo em seus direitos

de liberdade dignidade ou igualdade assim como constriccedilotildees em sua esfera juriacutedica403

Jaacute

nesses primeiros momentos investigativos da imputaccedilatildeo penal portanto deve o cidadatildeo

dispor de toda proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e excessos

estatais404

ldquoNesse contexto maior de proteccedilatildeo constitucional ampla insere-se a presunccedilatildeo

de inocecircncia em todos os seus instantesrdquo405

Uma de suas consequecircncias mais importantes e evidentes eacute a passagem do ser

humano da condiccedilatildeo de objeto do processo nesse caso da investigaccedilatildeo para a condiccedilatildeo de

sujeito com direitos e deveres apropriados a essa atividade406

Nesse sentido o campo de eficaacutecia do princiacutepio eacute entendido como regra de

tratamento do investigado407

aspecto mais significativo nessa fase investigativa408

401

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo p 126 402

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 39 No mesmo sentido Alexandra Vilela leciona que o princiacutepio

da presunccedilatildeo de inocecircncia se manifesta ao longo de todo o processo desde o inqueacuterito VILELA Alexandra

Consideraccedilotildees acerca da presunccedilatildeo de inocecircncia em direito processual penal Coimbra Coimbra Editora

2010 p 79 Para Joseacute Mariacutea Luzoacuten Cuesta ldquola presuncioacuten de inocencia es un derecho subjetivo puacuteblico que

posee su eficacia en un doble plano por una parte opera en las situaciones extraprocesales y constituye el

derecho a recibir la consideracioacuten y el trato de no autor o no partiacutecipe en hechos de caraacutecter delictivo o

anaacutelogos a eacutestos por outro lado el referido derecho opera fundamentalmente en el campo procesal con

influjo decisivo en el reacutegimen juriacutedico de la pruebardquo CUESTA Joseacute Mariacutea Luzoacuten La presuncioacuten de

inocencia ante la casacioacuten Madrid Editorial Colex 1991 p 13 403

Conforme liccedilatildeo de Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquonessa compreensatildeo ampla de imputaccedilatildeo penal ela se

inicia a partir da existecircncia de qualquer ato (investigativo ou judicial) do qual se depreenda um juiacutezo de

atribuiccedilatildeo de um crime a uma pessoa determinada O juiacutezo de atribuiccedilatildeo de uma infraccedilatildeo a algueacutem eacute o

primeiro passo da persecuccedilatildeo penal e de ordinaacuterio vem representado por alguma forma de investigaccedilatildeo

preliminar por exemplo o inqueacuterito policialrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 491 404

IBID p 492 405

IBID p 492-493 406

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 38-39 407

VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 408

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493

79

Como ldquonorma de tratamentordquo pois a presunccedilatildeo de inocecircncia garante ao imputado

que ele natildeo poderaacute ser tratado como culpado durante toda essa fase409

Refere-se desse

modo ao status agrave condiccedilatildeo ou ao estado de inocecircncia da pessoa submetida a inqueacuterito

policial410

e pressupotildee que nas ocasiotildees de contato direto entre ele e a autoridade puacuteblica ndash

o que ocorre exatamente de modo mais intenso no instante do interrogatoacuterio ndash natildeo seja

intimidado ou sofra abusos que o situem como ldquoobjeto de provardquo e natildeo como sujeito de

direito411

Logo significa que durante o desenrolar da investigaccedilatildeo o tratamento

dispensado ao investigado deve ser despojado de situaccedilotildees que constituam antecipaccedilatildeo de

um juiacutezo de culpabilidade412

Para se impedir tais condutas violadoras da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute essencial natildeo

apenas que esses atos ou outros a eles equivalentes contem com a presenccedila de defensor

mas tambeacutem que a prisatildeo provisoacuteria natildeo seja utilizada da como meio de se obrigar o

imputado a depor ou de qualquer modo produzir prova em seu desfavor413

Isto eacute como regra de tratamento a presunccedilatildeo de inocecircncia natildeo permite que as

medidas cautelares sobretudo a prisatildeo provisoacuteria tenham caraacuteter de definitivas natildeo

podendo ser utilizadas como instrumentos de confissatildeo ou como penas antecipadas414

Pelo ateacute aqui exposto eacute possiacutevel constatar-se a total correlaccedilatildeo entre a presunccedilatildeo de

inocecircncia e a ampla defesa nessas hipoacuteteses citadas415

ldquoA defesa teacutecnica garante que o

imputado natildeo seja tratado como culpado ou como objeto em atos de investigaccedilatildeo de

profunda tensatildeo entre ele e a autoridade puacuteblicardquo isto eacute a presunccedilatildeo de inocecircncia

assegura a autodefesa uma vez que impede que se decretem prisotildees provisoacuterias com o

intuito de coagir o investigado a renunciar ao seu direito ao silecircncio ou de natildeo produzir

prova em seu desfavor ambos aspectos da autodefesa416

409

IBID p 493 410

VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 411

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 412

Como exemplo pode-se citar o uso de algemas quando desnecessaacuterio e a utilizaccedilatildeo de palavras e gestos

humilhantes que tornem o investigado diminuiacutedo aleacutem do necessaacuterio imposto por sua condiccedilatildeo VIEIRA

Ana Lucia Menezes Processo p 172 413

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 414

ALBANO Vicenzo Processo penale informazione e controllo di razionalitagrave In BASCIU Maurizio

(Org) Diritto penale controllo di razionalitagrave e garanzie del citadino Padova Cedam 1998 p 298 415

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 416

IBID p 494

80

Natildeo obstante natildeo podermos falar exatamente de ldquoprovardquo nessa fase dado que natildeo

haacute contraditoacuterio e intervenccedilatildeo judicial a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo

tambeacutem tem incidecircncia nessa fase417

Isso porque qualquer requisiccedilatildeo dos oacutergatildeos puacuteblicos persecutoacuterios tais como a

prisatildeo provisoacuteria ou outras medidas coercitivas restritivas de qualquer modo dos direitos

fundamentais do indiviacuteduo como por exemplo a busca e apreensatildeo e a interceptaccedilatildeo

telefocircnica deve estar obrigatoriamente assentada na existecircncia de dados informativos

incriminadores colhidos e produzidos de forma liacutecita418

A presunccedilatildeo de inocecircncia exige

um procedimento legal de afericcedilatildeo da culpa isto eacute somente um procedimento garantidor

dos direitos fundamentais do investigado pode ser capaz de fornecer elementos idocircneos

para a demonstraccedilatildeo da sua culpabilidade419

Em outros termos nenhum elemento

probatoacuterio pode ser utilizado contra o acusado se natildeo for obtido e produzido com os

ditames da lei420

Logo ausentes esses elementos incriminadores preacutevios e liacutecitos

qualquer medida coercitiva decretada pelo juiacutezo bem como o recebimento da acusaccedilatildeo

formal seratildeo atos infringentes desse aspecto da presunccedilatildeo de inocecircncia421

Por fim a presunccedilatildeo de inocecircncia tambeacutem incide na fase investigativa como

ldquonorma de juiacutezordquo422

De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes esse seu aspecto tem

ocorrecircncia pois eacute indispensaacutevel o exame da suficiecircncia daqueles elementos

incriminadores preacutevios e liacutecitos para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz sobre ldquoa

legitimidade em se determinar aquelas medidas coativas restritivas ou ainda para ter a

denuacutencia ou a queixa-crime como imputaccedilotildees legiacutetimas e aptas a iniciar nova fase

persecutoacuteriardquo423

Deve o oacutergatildeo judiciaacuterio competente atentar em todos esses instantes

decisoacuterios que qualquer incerteza faacutetica ou a eleiccedilatildeo normativa mais adequada deveratildeo ser

orientadas respectivamente pelo ldquoin dubio pro reordquo e pelo ldquofavor reirdquo424

Dessa forma jaacute desde os primeiros instantes da fase de investigaccedilatildeo preliminar

havendo um juiacutezo de atribuiccedilatildeo de fato criminoso a algueacutem o imputado seraacute protegido

417

IBID p 494 418

IBID p 494 419

VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo p 172 420

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees O princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia na Constituiccedilatildeo de 1988 e

na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) Revista do Advogado

Satildeo Paulo n 42 p 30-34 abr 1994 421

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 422

IBID p 494 423

IBID p 494 424

IBID p 494

81

pela presunccedilatildeo de inocecircncia com toda a amplitude requerida pela Constituiccedilatildeo exige seja

como ldquonorma de tratamentordquo como ldquonorma probatoacuteriardquo ou como ldquonorma de juiacutezordquo425

4 A imparcialidade do juiz

A imparcialidade eacute decorrecircncia loacutegica do devido processo legal e de um Estado

genuinamente Democraacutetico de Direito426

Constitui indubitavelmente uma das mais

importantes garantias do devido processo criminal427

Em que pese a inexistecircncia de expressa previsatildeo do direito ao julgamento por juiz

imparcial na Constituiccedilatildeo Federal isso natildeo significa absolutamente que ela natildeo o

assegura428

Isso porque ldquonatildeo eacute devido justo ou eacutequo um processo que se desenvolva perante

um julgador parcialrdquo429

Segundo Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaroacute isso seria o

bastante para afirmar que a Constituiccedilatildeo assegura o direito de ser julgado por um juiz

imparcial430

Aliaacutes segundo o autor ldquoa imparcialidade eacute lsquoconditio sine qua nonrsquo de

qualquer juiz Juiz parcial eacute uma contradiccedilatildeo em termosrdquo431

Assim natildeo seria possiacutevel

imaginar-se uma atividade jurisdicional vaacutelida e legiacutetima que natildeo fosse exercida por um

juiz equidistante das partes processuais432

Sob outro enfoque conquanto natildeo tenha se preocupado em positivar o direito a um

juiz imparcial a Constituiccedilatildeo buscou garantir condiccedilotildees de independecircncia obstando

eventuais influecircncias oriundas dos demais poderes e dos demais oacutergatildeos hieraacuterquicos do

proacuteprio Poder Judiciaacuterio e vedando a praacutetica de atividades que colocassem em risco a

425

IBID p 495 426

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 No mesmo sentido Badaroacute leciona que ldquoa

imparcialidade do julgador eacute elemento integrante do devido processo legalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique

Righi Ivahy Direito a um julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz

nos sistemas em que natildeo haacute a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em

httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em 25082013 427

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 198 428

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 429

IBID 430

IBID 431

IBID 432

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140

82

imparcialidade do juiz433

Assim no regramento constitucional da magistratura haacute a

previsatildeo de uma seacuterie de prerrogativas para assegurar a independecircncia dos juiacutezes

pressuposto indispensaacutevel consoante liccedilatildeo de Eugenio Rauacutel Zaffaroni para que se possa

manifestar a imparcialidade434

(CF art 95 caput)435

Nesse sentido Julio J B Maier ressalta que a independecircncia por si soacute natildeo eacute

suficiente para que o julgador reuacutena todas as condiccedilotildees que assegurem sua isenccedilatildeo para

decidir o caso concreto Isso porque a independecircncia eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para

assegurar a equanimidade mas natildeo eacute a uacutenica Segundo o autor outra dessas condiccedilotildees eacute

exatamente a imparcialidade isto eacute a atribuiccedilatildeo da funccedilatildeo de julgar determinado caso a

quem possa garantir a maior objetividade possiacutevel ao enfrentaacute-lo436

Tambeacutem haacute previsatildeo constitucional de vedaccedilotildees aos magistrados com a evidente

intenccedilatildeo de assegurar a imparcialidade do julgador437

(CF art 95 paraacutegrafo uacutenico)438

Sob o aspecto subjetivo eacute ainda preservada a imparcialidade pelas regras de

suspeiccedilatildeo e impedimento contidas no Coacutedigo de Processo Penal439

(arts 252 e

seguintes440

) Consoante leciona Gustavo Badaroacute ldquoa previsatildeo legal de hipoacuteteses de

433

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 434

ZAFFARONI Eugenio Raul Poder Judiciaacuterio Crise Acertos e Desacertos Trad Juarez Tavares Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 1995 p 91 435

Art 95 Os juiacutezes gozam das seguintes garantias I - vitaliciedade que no primeiro grau soacute seraacute adquirida

apoacutes dois anos de exerciacutecio dependendo a perda do cargo nesse periacuteodo de deliberaccedilatildeo do tribunal a que o

juiz estiver vinculado e nos demais casos de sentenccedila judicial transitada em julgado II - inamovibilidade

salvo por motivo de interesse puacuteblico na forma do art 93 VIII III - irredutibilidade de subsiacutedio ressalvado

o disposto nos arts 37 X e XI 39 sect 4ordm 150 II 153 III e 153 sect 2ordm I 436

ldquoNo soacutelo por ser independiente el juez reuacutene todas las condiciones que garantizan su ecuanimidad al

decidir el caso La independencia es una condicioacuten necesaria para garantizar la ecuanimidad pero no es la

uacutenica ni es por ello suficiente436

Otra de esas condiciones necesarias es colocar frente al caso ejerciendo

la funcioacuten de juzgar a una persona que garantice la mayor objetividade posible al enfrentarlo A esa

situacioacuten del juez en relacioacuten al caso que le toca juzgar se llama imparcialidaderdquo MAIER Julio B J Op

cit p 484 437

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 438

Art 95 Paraacutegrafo uacutenico Aos juiacutezes eacute vedado I - exercer ainda que em disponibilidade outro cargo ou

funccedilatildeo salvo uma de magisteacuterio II - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto custas ou participaccedilatildeo em

processo III - dedicar-se agrave atividade poliacutetico-partidaacuteria IV - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto auxiacutelios

ou contribuiccedilotildees de pessoas fiacutesicas entidades puacuteblicas ou privadas ressalvadas as exceccedilotildees previstas em lei

V - exercer a advocacia no juiacutezo ou tribunal do qual se afastou antes de decorridos trecircs anos do afastamento

do cargo por aposentadoria ou exoneraccedilatildeo 439

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 80 440

Art 252 O juiz natildeo poderaacute exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I - tiver funcionado seu cocircnjuge ou

parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive como defensor ou

advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico autoridade policial auxiliar da justiccedila ou perito II - ele proacuteprio

houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III - tiver funcionado como juiz

de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV - ele proacuteprio ou seu cocircnjuge ou

parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive for parte ou

diretamente interessado no feito Art 253 Nos juiacutezos coletivos natildeo poderatildeo servir no mesmo processo os

83

impedimento do juiz ndash e o mesmo vale para as hipoacuteteses de suspeiccedilatildeo ndash se destina a

assegurar a imparcialidade ou melhor o julgamento por um juiz que natildeo seja algueacutem de

cuja parcialidade se possa suspeitarrdquo441

Em resumo natildeo haacute como negar que a imparcialidade do juiz eacute uma garantia

constitucional impliacutecita442

Ademais se a Constituiccedilatildeo de 1988 natildeo previu expressamente

o direito ao juiz imparcial outra foi a orientaccedilatildeo seguida pelos tratados internacionais de

direitos humanos como veremos a seguir

O direito a uma decisatildeo ditada por um oacutergatildeo judicial monocraacutetico ou coletivo

imparciail supera os limites das legislaccedilotildees internas e penetra nos paradigmas

internacionais da prestaccedilatildeo jurisdicional Basta observar a previsatildeo do artigo 10 da

Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 (Artigo X ldquoToda pessoa tem direito

em plena igualdade a uma audiecircncia justa e puacuteblica por parte de um tribunal

independente e imparcial para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de

qualquer acusaccedilatildeo criminal contra elerdquo) do artigo 262 da Declaraccedilatildeo Americana dos

Direitos Humanos (ldquoToda pessoa acusada de um delito tem o direito de ser ouvida numa

forma imparcial e puacuteblica de ser julgada por tribunais jaacute estabelecidos de acordo com leis

preexistentes e de que se lhe natildeo inflijam penas crueacuteis infamantes ou inusitadasrdquo) do artigo

81 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos443

(ldquoToda pessoa tem direito a ser

ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoaacutevel por um juiz ou tribunal

competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de

juiacutezes que forem entre si parentes consanguumliacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau

inclusive Art 254 O juiz dar-se-aacute por suspeito e se natildeo o fizer poderaacute ser recusado por qualquer das

partes I - se for amigo iacutentimo ou inimigo capital de qualquer deles II - se ele seu cocircnjuge ascendente ou

descendente estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia

III - se ele seu cocircnjuge ou parente consanguumliacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda

ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes IV - se tiver aconselhado qualquer

das partes V - se for credor ou devedor tutor ou curador de qualquer das partes Vl - se for soacutecio acionista

ou administrador de sociedade interessada no processo Art 255 O impedimento ou suspeiccedilatildeo decorrente de

parentesco por afinidade cessaraacute pela dissoluccedilatildeo do casamento que Ihe tiver dado causa salvo sobrevindo

descendentes mas ainda que dissolvido o casamento sem descendentes natildeo funcionaraacute como juiz o sogro o

padrasto o cunhado o genro ou enteado de quem for parte no processo Art 256 A suspeiccedilatildeo natildeo poderaacute

ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propoacutesito der motivo para criaacute-la 441

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 442

De acordo com Eros Roberto Grau ldquodefine-se o direito enquanto sistema como uma ordem axioloacutegica

ou teleoloacutegica de princiacutepios gerais Compotildeem essa ordem aleacutem dos princiacutepios expliacutecitos recolhidos no texto

da Constituiccedilatildeo ou da lei os princiacutepios impliacutecitos inferidos como resultado da anaacutelise de um ou mais

preceitos constitucionais ou de uma lei ou conjunto de textos normativos da legislaccedilao infraconstitucionalrdquo

GRAU Eros Roberto Ensaio e discurso sobre a interpretaccedilatildeoaplicaccedilatildeo do direito 4 ed Satildeo Paulo

Malheiros 2006 p 144 443

A Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos integra o ordenamento juriacutedico nacional cuja

promulgaccedilatildeo se deu por meio do Decreto nordm 678 de 6 de novembro de 1992

84

qualquer acusaccedilatildeo penal formulada contra ela ou para que se determinem seus direitos

ou obrigaccedilotildees de natureza civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo) do

artigo 141 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Poliacuteticos de 1966444

(ldquo Toda a

pessoa teraacute direito a ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal

competente segundo a lei independente e imparcial na determinaccedilatildeo dos fundamentos de

qualquer acusaccedilatildeo de caraacutecter penal contra ela formulada ou para a determinaccedilatildeo dos

seus direitos ou obrigaccedilotildees de caraacutecter civilrdquo)

Constitui a imparcialidade portanto um atributo inerente agrave jurisdiccedilatildeo445

identificado como observado juntamente com a independecircncia como um direito humano

tutelado por diversos documentos internacionais446

donde se depreende que ldquotodo acusado

tem o direito de ser julgado por um juiz imparcial e qualquer lei que disponha de forma

diversa admitindo o julgamento por um julgador que natildeo seja imparcial natildeo poderaacute ser

aplicadardquo447

De acordo com liccedilatildeo de Antonio Magalhatildees Gomes Filho a imparcialidade pode

ser definida como um valor que encontra sua maior expressatildeo no acircmbito interno do

processo ldquotraduzindo a exigecircncia de que na direccedilatildeo de toda a atividade processual ndash e

especialmente nos momentos de decisatildeo ndash o juiz se coloque sempre super partes

conduzindo-se como um terceiro desinteressado acima portanto dos interesses em

conflitordquo448

Andreacute Machado Maya por sua vez ressalta que a imparcialidade deve ser

compreendida natildeo como ldquomera caracteriacutestica da atividade jurisdicional uma nota

indispensaacutevel ou mesmo um valorrdquo como se a conduta imparcial pudesse ser definida

como a mais adequada dentre as possiacuteveis de serem adotadas pelo julgador mas

sobretudo ldquocomo um princiacutepio um dever-ser que orienta o padratildeo a ser observado pelo

juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional um mandamento de otimizaccedilatildeo que se

depreende da compreensatildeo do processo como uma estrutura heterocircnoma de repartordquo449

444

Promulgado internamente por meio do Decreto n 592 de 6 de julho de 1992 integrando o ordenamento

juriacutedico nacional 445

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op

citp 51 446

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 447

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 448

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A motivaccedilatildeo das decisotildees penais Satildeo Paulo Revista dos

Tribunais 2001 p 37 449

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade e Processo Penal Da prevenccedilatildeo da competecircncia ao juiz de

85

Segundo o autor ldquoa imparcialidade como princiacutepio se apresenta como condiccedilatildeo de

legitimidade da atividade jurisdicionalrdquo450

Caracteriza-se pois a imparcialidade pelo desinteresse subjetivo do juiz em face

do caso concreto451

ficando este proibido de aderir ou atuar em prol dos interesses

subjetivos de quaisquer das partes processuais452

Impotildee-lhe por conseguinte atuar como

um ldquoobservador desapaixonadordquo453

exercendo o poder jurisdicional de modo neutro e

sensato de forma a evitar que circunstacircncias alheias interfiram no desenvolvimento do iter

processual e influenciem o conteuacutedo de sua decisatildeo454

Nesse sentido o juiz deve exercer atividade isenta e despreendida dos interesses em

conflito equidistante das partes e estritamente subordinada agrave lei Deve pois ser submisso

agrave lei mas tambeacutem independente para que possa ser imparcial bem como deve respeitar

regras preestabelecidas garantidoras da imparcialidade455

Segundo Julio J B Maier a imparcialidade natildeo eacute alcanccedilada como ocorre com a

independecircncia judicial positivamente cercando-se o juiz de garantias de impeccedilam de

modo abstrato interferecircncias dos demais poderes poliacuteticos inclusive do proacuteprio Poder

Judiciaacuterio em sua decisatildeo mas negativamente excluindo do caso o julgador que natildeo

garanta suficientemente a objetividade de sua decisatildeo Trata-se portanto da relaccedilatildeo

especiacutefica do julgador com o caso concreto submetido a seu juiacutezo isto eacute ldquolas reglas sobre

imparcialidade se refieren por ello a la posicioacuten del juez frente al caso concreto que en

princiacutepio debe juzgar e intentan impedir que sobre eacutel pese el temor de parcialidaderdquo456

Ser imparcial pois requer do magistrado na esteira do entendimento de Jacinto

Nelson de Miranda Coutinho uma ldquopostura de equidistacircncia em relaccedilatildeo agraves partes exige

seja por ele assumida uma posiccedilatildeo para aleacutem dos interesses delasrdquo457

permitindo com

garantias Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 235-236 450

IBID p 236 451

AROCA Juan Montero Sobre la imparcialidad del juez y la incompatibilidad de funciones procesales

Valencia Tirant to Blanch 1999 p 186 452

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 453

CALAMANDREI Piero Estudios sobre el processo civil Trad Santiago Sentis Melendo Buenos Aires

Bibliografia Argentina 1945 p 27 454

AROCA Juan Montero Op cit p 187-188 455

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 456

MAIER Julio B J Op cit p 484-485 457

COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal Criacutetica agrave teoria geral

do direito processual penal Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (Coord) Rio de Janeiro Renovar 2001 p

11

86

isso uma atuaccedilatildeo jurisdicional objetiva desprevenida na qual o juiz natildeo favorece sob

qualquer pretexto a nenhuma das partes458

Trata-se de um objetivo a ser alcanccedilado pelo

juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional de uma criaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico que

exige do magistrado um distanciamento estrutural um alheamento (terzietagrave) em relaccedilatildeo agrave

atividade das partes processuais459

Imparcialidade natildeo significa poreacutem neutralidade Eacute impossiacutevel exigir-se que o

juiz enquanto ser humano dispa-se de todas as suas convicccedilotildees pessoais de modo a fazer

com que estas natildeo influenciem no seu convencimento460

Eacute inadmissiacutevel pois pretender

que um juiz natildeo seja cidadatildeo que natildeo participe de certa ordem de ideias que natildeo tenha

uma compreensatildeo do mundo uma visatildeo da realidade461

Consoante leciona Martin Heidegger o homem eacute definido e existe porque inserido

em um contexto universal onde se relaciona consigo mesmo e com outros homens em uma

constante troca de valores e experiecircncias462

Daiacute adveacutem a expressatildeo ldquoser-no-mundordquo

utilizada pelo autor como forma de destacar a inter-relaccedilatildeo existente entre o homem e o

meio em que vive a ensejar uma interaccedilatildeo contiacutenua do homem com a sua existecircncia no

contexto social Tudo isso forma o seu ser do qual natildeo eacute possiacutevel separar-se nem mesmo

quando do exerciacutecio da funccedilatildeo de julgar

A imparcialidade exige pelo contraacuterio a exata compreensatildeo do julgador acerca da

sua formaccedilatildeo subjetiva de seus conceitos de sua funccedilatildeo para com isso adotar uma

postura efetivamente distante e indiferente em relaccedilatildeo aos interesses das partes envolvidas

na controveacutersia judicial463

Exatamente esse o sentido de ldquoterzeitagraverdquo elaborado pela doutrina italiana a qual

apreende a imparcialidade como a indiferenccedila aos interesses conflitantes no processo

penal alcanccedilada e garantida pela postura do juiz como um terceiro alheio agraves pretensotildees das

partes cujo interesse deve restringir-se agrave aplicaccedilatildeo do direito objetivo ao caso concreto agrave

458

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 11 459

IBID p 11 460

OLIVEIRA Daniel Kessler de O real papel do julgador no processo penal contemporacircneo Disponiacutevel

em httpwwwibccrimorgbr 461

ZAFFARONI Eugenio Raul Op cit p 92 462

HEIDEGGER Martin Ser e tempo Trad Maacutercia Saacute Cavalcante Schuback Petroacutepolis Vozes 2006 p

27-41 463

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 113

87

realizaccedilatildeo do justo reparto orientado pelas regras legais e constitucionais bem como pelos

princiacutepios fundantes do ordenamento juriacutedico464

Nesse sentido a liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya segundo a qual o direito de ser

julgado por um juiz imparcial deve ser vislumbrado como direito fundamental de suma

relevacircncia constituindo a imparcialidade um valor estruturante da funccedilatildeo jurisdicional

uma conduta que o Estado buscando assegurar os direitos fundamentais dos cidadatildeos

deve ter como modelo para o comportamento profissional dos magistrados orientando o

exerciacutecio da atividade jurisdicional e concomitantemente restringindo o poder a eles

inerente um mecanismo de garantia do devido processo legal e do justo reparto465

Natildeo obstante ser a imparcialidade do oacutergatildeo jurisdicional um ldquoprinciacutepio supremordquo

do processo e como tal imprescindiacutevel para o seu normal desenvolvimento e para a

obtenccedilatildeo do reparto judicial justo466

o tema da imparcialidade segundo Gustavo Badaroacute

natildeo tem merecido a devida atenccedilatildeo da doutrina nacional467

Assim uma anaacutelise mais

minuciosa sobre a imparcialidade do juiz ou tribunal requer sejam buscados subsiacutedios nas

convenccedilotildees internacionais de direitos humanos e na jurisprudecircncia das cortes

internacionais468

Eacute nesse contexto pois que surge o conceito de imparcialidade objetiva que vem

sendo construiacutedo e particularizado na jurisprudecircncia das cortes internacionais sobretudo

por meio de decisotildees do Tribunal Europeu de Direitos Humanos

Desde o julgamento pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos do caso Piersack

vs Beacutelgica passou a ser difundida entre a doutrina uma diferenciaccedilatildeo entre imparcialidade

objetiva e imparcialidade subjetiva podendo-se distinguir assim entre um aspecto

subjetivo que trata de verificar a convicccedilatildeo de um juiz determinado em um caso concreto

e um aspecto objetivo que se refere a se este oferece garantias suficientes para excluir

qualquer duacutevida razoaacutevel a respeito de sua imparcialidade469

464

IBID p 113-114 465

IBID p 115 466

LOPES JR Aury Juiacutezes inquisidores E paranoacuteicos Uma criacutetica agrave prevenccedilatildeo a partir da jurisprudecircncia do

Tribunal Europeu de Direitos Humanos Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ano 11 n 27 jun 2003 467

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 468

IBID 469

ldquoA distinction can be drawn in this context between a subjective approach that is endeavouring to

ascertain the personal conviction of a given judge in a given case and an objective approach that is

determining whether he offered guarantees sufficient to exclude any legitimate doubt in this respectrdquo TEDH

88

Nesse sentido Kai Ambos afirma que no exame da imparcialidade de um juiz se

pode partir de um enfoque objetivo ou de um enfoque subjetivo A imparcialidade

subjetiva refere-se agrave atitude pessoal do juiz em um caso concreto correndo perigo quando

por exemplo o magistrado eacute parente de uma das partes ou com ela manteacutem relaccedilatildeo de

amizade Jaacute a imparcialidade objetiva que ele denomina tambeacutem de funcional pode

resultar duvidosa quando um mesmo juiz interveacutem no mesmo caso em diferentes etapas do

processo470

Pode-se dizer portanto que a imparcialidade estaria limitada agrave inexistecircncia de

convergecircncia de elementos subjetivos representados pela convicccedilatildeo pessoal do juiz diante

do caso concreto sendo nesse sentido sempre pressuposta a sua equidistacircncia ateacute

demonstraccedilatildeo em sentido contraacuterio bem como agrave verificcedilatildeo de elementos de ordem objetiva

consubstanciados nas garantias oferecidas pelo juiz que eliminassem qualquer possiacutevel

duacutevida que pudesse recair sobre a sua imparcialidade ao longo do processo471

Numa abordagem subjetiva desse modo releva verificar considerada uma

determinada hipoacutetese faacutetica em um dado processo a convicccedilatildeo pessoal do magistrado o

que pensa ele em seu foro iacutentimo acerca de determinada circunstacircncia de forma a

averiguar a ausecircncia de prejuiacutezos de ideias preconcebidas de preconceitos que possam

contaminar o julgamento472

Jaacute sob o ponto de vista objetivo independentemente do aspecto pessoal do juiz em

um determinado processo o que interessa eacute detectar a existecircncia de fatos concretos que

possam suscitar questionamentos acerca da imparcialidade do juiz ou tribunal no caso

posto a julgamento473

Trata-se de analisar se o magistrado oferece em relaccedilatildeo ao processo

que lhe eacute dado julgar garantias suficientes para eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua

Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 Disponiacutevel em httphudocechrcoeint No mesmo

sentido ldquoThe existence of impartiality for the purposes of Article 6 para 1 (art 6-1) must be determined

according to a subjective test that is on the basis of the personal conviction of a particular judge in a given

case and also according to an objective test that is ascertaining whether the judge offered guarantees

sufficient to exclude any legitimate doubt in this respect () Under the objective test it must be determined

whether quite apart from the judgersquos personal conduct there are ascertainable facts which may raise doubts

as to his impartialityrdquo TEDH Case Fey v Austria sentenccedila de 24021993 Disponiacutevel em

httphudocechrcoeint 470

AMBOS Kai CHOUKR Fauzi Hassan A reforma do processo penal no Brasil e na Ameacuterica Latina Satildeo

Paulo Meacutetodo 2001 p 240 471

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 141 472

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 107 473

IBID p 110

89

imparcialidade474

Decorre pois da relaccedilatildeo preacutevia do julgador com o objeto do processo

natildeo da relaccedilatildeo do juiz com as partes475

A imparcialidade denomina-se objetiva portanto porque natildeo proveacutem de ausecircncia

de viacutenculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados juriacutedicos na

causa sejam partes ou natildeo (imparcialidade dita subjetiva) mas porque corresponde agrave

condiccedilatildeo de ineditismo da cogniccedilatildeo que iraacute o juiz desenvolver na causa no sentido de que

natildeo haja ainda de modo consciente ou inconsciente formado nenhuma convicccedilatildeo ou juiacutezo

preacutevio no mesmo ou em outro processo sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte juriacutedica

da lide por decidir476

Nesse ponto especiacutefico relacionado ao aspecto objetivo da imparcialidade assume

especial relevo a ldquoteoria da aparecircncia da justiccedilardquo construiacuteda a partir do posicionamento

firmado pelo Tribunal Europeu de Direito Humanos no sentido de que deve ser

resguardada a confianccedila que os Tribunais devem oferecer aos cidadatildeos numa sociedade

democraacutetica exigindo-se o afastamento de todo juiz impedido de garantir uma asboluta

imparcialidade477

Nesse sentido a imparcialidade tambeacutem deve ser entendida como uma ideia de

ldquoaparecircncia geral de imparcialidaderdquo478

Aleacutem de o magistrado ser subjetivamente

imparcial para que a funccedilatildeo jurisdicional seja legitimamente exercida tambeacutem eacute

necessaacuterio que a sociedade confie que o julgamento foi proferido por um juiz

objetivamente imparcial479

474

LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I 3ordf ed Rio de

Janeiro Lumen Juris 2008 p 126 475

IBID p 126 476

STF HC 94641BA rel orig Min Ellen Gracie rel p o acoacuterdatildeo Min Joaquim Barbosa Min Cezar

Peluso em voto-vista j 11112008 477

Nesse sentido ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality

must withdraw What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic

societyrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 disponiacutevel em

httphudocechrcoeint ldquoIn this regard even appearances may be important (hellip) any judge in respect of

whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw What is at stake is the

confidence which the courts in a democratic society must inspire in the public and above all as far as

criminal proceedings are concerned in the accusedrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de

26101984 disponiacutevel em httphudocechrcoeint Ainda no mesmo sentido TEDH Case Fey v Austria

sentenccedila de 24021993 disponiacutevel em httphudocechrcoeint TEDH Case of Padovani v Italy sentenccedila

de 26021993 disponiacutevel em hudocechrcoeint TEDH Case of Castillo Algar v Spain sentenccedila de

28101998 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 478

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 479

IBID

90

Natildeo eacute suficiente portanto que a Justiccedila seja alcanccedilada pelo Poder Judiciaacuterio Muito

mais do que isso eacute necessaacuterio revelar agrave sociedade que a Justiccedila estaacute de fato sendo feita480

Assim ldquoum julgamento que a sociedade desconfie ter sido realizado por um juiz parcial

natildeo seraacute menos ilegiacutetimo que um julgamento realizado perante um juiz intimamente

comprometido com uma das partesrdquo481

Dessa forma tatildeo necessaacuterio quanto o juiz ser imparcial eacute o juiz demonstrar ser

imparcial Se a sociedade desconfia que a Justiccedila natildeo foi atingida porque natildeo se garantiu

ao acusado um julgamento por juiz ou tribunal imparcial o resultado de tal processo seraacute

ilegiacutetimo e lesivo ao Poder Judiciaacuterio jaacute que a sentenccedila seraacute vista pela sociedade como

injusta ainda que seja ela absolutoacuteria482

De acordo com o ditado inglecircs citado no caso

Caso Delcourt vs Beacutelgica ldquoJustice must not only be done it must also be seen to be

donerdquo483

Assim a imparcialidade do juiz em seu aspecto objetivo resta evidentemente

comprometida quando o magistrado realiza preacute-juiacutezos ou preacute-conceitos sobre o fato objeto

do julgamento Aliaacutes como observado a imparcialidade eacute denominada ldquoobjetivardquo

justamente porque deriva da relaccedilatildeo do juiz com o objeto do processo484

41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar

A anaacutelise do direito a um julgamento por juiz imparcial no contexto das garantias

incidentes na investigaccedilatildeo preliminar e especialmente da figura do juiz das garantias que

se quer introduzir em nosso ordenamento relaciona-se principalmente a esse conceito de

imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia internacional sobretudo pelo

Tribunal Europeu de Direitos Humanos

480

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 110 481

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 482

IBID 483

ldquoThe preceding considerations are of a certain importance which must not be underestimated If one

refers to the dictum justice must not only be done it must also be seen to be done these considerations may

allow doubts to arise about the satisfactory nature of the system in disputerdquoTEDH Case of Delcourt v

Belgium sentenccedila de 17 de janeiro de 1970 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 484

LOPES JR Aury Direito hellip p 126

91

No jaacute citado julgamento do Caso Piersack vs Beacutelgica o Tribunal Europeu de

Direitos Humanos afirmou que ldquotodo juiz em relaccedilatildeo ao qual possa haver razotildees legiacutetimas

para duvidar de sua imparcialidade deve abster-se de julgar o processordquo pois o que estaacute

em jogo eacute a confianccedila que os tribunais devem inspirar nos cidadatildeos em uma sociedade

democraacutetica e concluiu pela possibilidade de se afirmar que o exerciacutecio preacutevio no processo

pelo julgador de determinadas funccedilotildees processuais pode provocar duacutevidas de

parcialidade485

natildeo se podendo qualificaacute-lo pois de equidistante

Em outro julgado igualmente expressivo o Caso De Cubber vs Beacutelgica o Tribunal

Europeu de Direitos Humanos afirmou que ao conduzir praticamente de forma exclusiva

a instruccedilatildeo preparatoacuteria das accedilotildees penais empreendidas contra o requerente o magistrado

havia formulando jaacute nesta fase do processo uma convicccedilatildeo sobre a culpabilidade daquele

Nestas condiccedilotildees era fundando o temor de que quando comeccedilaram os debates o

magistrado natildeo contava com uma integral liberdade de julgamento e natildeo oferecia

consequentemente a garantias de imparcialidade necessaacuterias486

Quando o juiz faz uma valoraccedilatildeo positiva sobre a materialidade e participaccedilatildeo do

investigado nos fatos criminosos estaraacute invarialvelmente produzindo em seu iacutentimo

determinados preconceitos sobre a culpabilidade que lhe obstaratildeo uma decisatildeo posterior

com total isenccedilatildeo e imparcialidade Esta constataccedilatildeo apresenta-se especialmente delicada

no caso em que um mesmo julgador fisicamente considerado atuar na fase de

485

ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw

What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic society (hellip) In

order that the courts may inspire in the public the confidence which is indispensable account must also be

taken of questions of internal organisation If an individual after holding in the public prosecutorrsquos

department an office whose nature is such that he may have to deal with a given matter in the course of his

duties subsequently sits in the same case as a judge the public are entitled to fear that he does not offer

sufficient guarantees of impartialityrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982

disponiacutevel em httphudocechrcoeint 486

ldquoFurthermore through the various means of inquiry which he will have utilised at the investigation stage

the judge in question unlike his colleagues will already have acquired well before the hearing a particularly

detailed knowledge of the - sometimes voluminous - file or files which he has assembled Consequently it is

quite conceivable that he might in the eyes of the accused appear firstly to be in a position enabling him to

play a crucial role in the trial court and secondly even to have a pre-formed opinion which is liable to

weigh heavily in the balance at the moment of the decision () In conclusion the impartiality of the

Oudenaarde court was capable of appearing to the applicant to be open to doubt Although the Court itself

has no reason to doubt the impartiality of the member of the judiciary who had conducted the preliminary

investigation it recognises having regard to the various factors discussed above that his presence on the

bench provided grounds for some legitimate misgivings on the applicantrsquos part Without underestimating the

force of the Governmentrsquos arguments and without adopting a subjective approach the Court recalls that a

restrictive interpretation of Article 6 para 1 (art 6-1) - notably in regard to observance of the fundamental

principle of the impartiality of the courts - would not be consonant with the object and purpose of the

provision bearing in mind the prominent place which the right to a fair trial holds in a democratic society

within the meaning of the Conventionrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de 26101984

disponiacutevel em httphudocechrcoeint

92

investigaccedilatildeo preliminar e depois tambeacutem julgar a causa 487

Isso porque a investigaccedilatildeo

encerra uma seacuterie de medidas cautelares de que satildeo exemplos a decretaccedilatildeo de prisatildeo

temporaacuteria ou preventiva a concessatildeo de liberdade provisoacuteria ou a determinaccedilatildeo de

sequestro de bens bem como de meios de obtenccedilatildeo de provas como as interceptaccedilotildees

telefocircnicas as quebras de sigilos a busca e apreensatildeo que tecircm entre os seus pressupostos

ou requisitos dados que envolvem ainda que em um mero juiacutezo de probabilidade questotildees

referentes agrave existecircncia do crime e agrave autoria delitiva Assim conforme preceitua Gustavo

Henrique Righi Ivahy Badaroacute o juiz que decide positivamente sobre a existecircncia do crime

e a possibilidade de o investigado ser o seu autor quando da anaacutelise da legitimidade dessas

medidas ainda na fase de investigaccedilatildeo ldquoem alguma medida estaacute exercendo um

prejulgamento que poderaacute comprometer sua imparcialidade para o julgamento da

causardquo488

Necessaacuterio ressaltar que eacute possiacutevel identificar dois momentos da jurisprudecircncia do

Tribunal Europeu de Direitos Humanos sobre o direito ao juiz imparcial489

Numa primeira

etapa asseverava o Tribunal que o simples fato objetivamento analisado de o juiz ter

atuado na fase de investigaccedilatildeo despojava-lhe a imparcialidade objetiva porque jaacute tendo

realizado prejulgamentos naquela fase o acusado poderia fundadamente suspeitar da sua

imparcialidade para julgar a causa Numa segunda fase poreacutem a verificaccedilatildeo da perda da

imparcialidade objetiva passou a depender mais da anaacutelise concreta da natureza do ato

praticado e dos juiacutezos realizados pelo magistrado em tal ato490

Poreacutem se por um lado eacute perceptiacutevel a relativizaccedilatildeo da jurisprudecircncia do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos sobre o direito de ser julgado por um juiz imparcial

afirmada por ocasiatildeo do julgamento do caso De Cubber vs Beacutelgica tendo a Corte

Europeia posteriormente adotado o entendimento de que somente diante de cada caso

concreto eacute possiacutevel verificar a possiacutevel perda de imparcialidade por outro lado eacute tambeacutem

inegaacutevel que permanece firme a compreensatildeo do referido Tribunal de que o direito de ser

julgado por um juiz imparcial exige que o magistrado apresente garantias suficientes para

eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua imparcialidade em relaccedilatildeo ao processo que lhe cabe

julgar491

Assim do ponto de vista do Tribunal Europeu de Direitos Humanos sempre que

487

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 488

IBID 489

IBID 490

IBID 491

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 237

93

determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do

julgador permitindo supor ter ele adquirido preacute-conceitos ou preacute-juiacutezos sobre o fato

criminal antes mesmo do seu julgamento impotildee-se o seu afastamento do processo pois

ainda que possa o juiz manter-se imparcial importa preservar a confianccedila da sociedade no

Poder Judiciaacuterio potencialmente abalada diante das referidas situaccedilotildees concretas que

justificam o temor pela perda da imparcialidade492

Acolhida assim essa orientaccedilatildeo jurisprudencial como modelo passou-se a

examinar as hipoacuteteses de eventual contaminaccedilatildeo dos oacutergatildeos jurisdicionais no ordenamento

juriacutedico brasileiro decorrentes da atuaccedilatildeo do mesmo magistrado em uma anterior fase de

um mesmo procedimento em virtude das regras de prevenccedilatildeo em especial na fase da

investigaccedilatildeo preliminar sendo apontados diversos atos jurisdicionais como possivelmente

causadores de perda da imparcialidade dentre eles aqueles que decidem sobre o status

libertatis do investigado sobre os requerimentos de interceptaccedilatildeo telefocircnica e de quebras

de sigilos bancaacuterio e fiscal bem como aqueles que decidem sobre o deferimento ou natildeo de

alguma medida cautelar de natureza real como eacute o caso do sequestro da hipoteca legal do

arresto de bens e tambeacutem da busca e apreensatildeo493

Isso porque como decorrecircncia loacutegica dos direitos e garantias assegurados ao

investigado jaacute nessa fase essa funccedilatildeo atribuiacuteda ao juiz no curso da investigaccedilatildeo preliminar

pressupotildee uma atenta anaacutelise do material indiciaacuterio que serve de embasamento agrave medida

restritiva desses direitos sendo por isso aceitaacutevel suspeitar tenha ele elaborado

antecipadamente um prejulgamento sobre o caso penal sobre a provaacutevel culpabilidade do

suspeito e com isso afetado a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da

atividade jurisdicional494

Para Gustavo Badaroacute natildeo eacute possiacutevel que o direito ao juiz imparcial analisado sob a

forma objetiva continue sendo desprezado Deve essse aspecto ser devidamente

considerado jaacute que a praacutetica de determinados atos pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo pode

acarretar a formaccedilatildeo de uma convicccedilatildeo preacutevia permitindo que o acusado legitimamente

492

IBID p 238 493

IBID p 239 494

IBID p 239-240

94

duvide que lhe seraacute assegurado um julgamento imparcial caso a sentenccedila seja proferia pelo

mesmo juiz495

Essa situaccedilatildeo revela assim o irremediaacutevel comprometimento do julgador que

acaba influenciado quando do julgamento propriamente dito por elementos colhidos

durante a investigaccedilatildeo natildeo sujeitos a contraditoacuterio comprometendo tambeacutem e

consequentemente a presunccedilatildeo de inocecircncia e o direito de defesa

O equacionamento desse problema natildeo eacute simples e o modelo paacutetrio de processo

penal atual natildeo apresenta remeacutedio Eacute preciso pois uma reforma estrutural orientada a

privilegiar a funccedilatildeo garantidora do Poder Judiciaacuterio como um todo e em especial perante

a investigaccedilatildeo preliminar de modo a preservar o distanciamento do juiz do processo

responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e

dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo

Apresentada pois a base garantista sobre a qual deve ser desenvolvida a

investigaccedilatildeo criminal e exposto o problema da perda da imparcialidade do magistrado pela

atuaccedilatildeo na fase de investigaccedilatildeo imprescindiacutevel para uma adequada apreciaccedilatildeo dessa

questatildeo e em momento posterior da soluccedilatildeo aventada pela doutrina incorporada pelo

Projeto de Lei 1562009 uma anaacutelise pormenorizada do papel desempenhado pelo

magistrado na investigaccedilatildeo criminal no ordenamento juriacutedico brasileiro

Eacute o que pretendemos no capiacutetulo a seguir o que seraacute feito partindo-se de uma

abordagem histoacuterica acerca da funccedilatildeo exercida pelo Judiciaacuterio perante a investigaccedilatildeo

criminal no modelo paacutetrio de processo penal ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo

495

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito

95

CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL

1 Consideraccedilotildees iniciais

Como vimos a longa experiecircncia juriacutedica demonstrou a conveniecircncia de alguma

apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia indicativa com alguma probabilidade da existecircncia

material de fato que se mostra iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou

participaccedilatildeo Constatou-se que o acusado padece o processo ainda que ao final dele

termine absolvido Sofre com o menosprezo da sociedade Suporta o peso da vergonha de

ser submetido a processo penal

Daiacute portanto a relevacircncia da investigaccedilatildeo preliminar que exerce dupla funccedilatildeo

Diminuir minimizar sobretudo o risco das acusaccedilotildees inuacuteteis temeraacuterias e ateacute caluniosas

e evitar o ocircnus sem qualquer benefiacutecio que tais acusaccedilotildees infundadas trazem para a

justiccedila penal

Contudo se por um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo constitui uma

garantia contra acusaccedilotildees apressadas e destituiacutedas de suficiente base por outro o intenso

envolvimento do magistrado nos atos investigatoacuterios natildeo raro traz em seu bojo violaccedilotildees

a importantes garantias fundamentais do investigado especialmente o direito a um

julgamento por juiz imparcial

Por isso nas legislaccedilotildees modernas tem sido constante a preocupaccedilatildeo em se

restringir a atuaccedilatildeo do julgador na investigaccedilatildeo

Assim como todo o processo penal deve vir estruturado de forma regular e justa

natural que o papel a cargo do julgador na investigaccedilatildeo criminal tambeacutem seja informado

por regras orientadoras e limitadoras todas tendentes agrave concretizaccedilatildeo do ideal do Estado

Democraacutetico de Direito Deve pois a atuaccedilatildeo do julgador nessa fase da persecuccedilatildeo

criminal obedecer a uma forma apropriada sob pena de aproximaccedilatildeo a modelos

processuais historicamente ultrapassados

Nesse ponto especiacutefico deve-se ter como paradigma que os poderes atribuiacutedos ao

96

julgador nesse momento natildeo podem ultrapassar sua finalidade essencial de zelar pela

legalidade do procedimento sob pena de se anularem exatamente essas garantias

essenciais

Mas sabe-se essa eacute uma preocupaccedilatildeo relativamente recente no ordenamento

juriacutedico brasileiro que comeccedila a se delinear principalmente a partir da necessidade de

compatibilizaccedilatildeo dessa fase da persecuccedilatildeo criminal agraves garantias trazidas pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 e ao sistema acusatoacuterio por ela adotado

Tais reflexotildees vecircm agrave tona em funccedilatildeo de inuacutemeros dispositivos existentes em nossa

legislaccedilatildeo processual penal e que afrontam o sistema acusatoacuterio consagrado em nossa

Carta Poliacutetica496

Por isso passaremos a seguir a analisar o papel desempenhado pelo julgador na

investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo

nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo

2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico

21 As Ordenaccedilotildees do Reino

As Ordenaccedilotildees do Reino tiveram significativo papel no Brasil como decorrecircncia de

seu longo tempo de vigecircncia Durante o periacuteodo colonial eram adotadas aqui as normas de

Portugal e por isso as formas de investigar eram legalmente as do Reino497

Quando do descobrimento do Brasil vigiam em Portugal as Ordenaccedilotildees Afonsinas

sucedidas pelas Ordenaccedilotildees Manuelinas e posteriormente pelas Ordenaccedilotildees Filipinas que

foram por sua vez superadas pelas legislaccedilotildees imperiais (Coacutedigo Criminal e Coacutedigo de

Processo Penal Imperial) e republicanas498

Foi o sistema inquisitorial que prevaleceu nos

496

ABADE Denise Neves Garantias do Processo Penal Acusatoacuterio O novo papel do Ministeacuterio Puacuteblico no

Processo Penal de Partes Rio de Janeiro Renovar 2005 p 142 497

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 91 498

SANTIN Valter Foleto O Ministeacuterio Puacuteblico na Investigaccedilatildeo Criminal Bauru EDIPRO 2001 p 27

97

paiacuteses da Europa continental ateacute o seacuteculo XVIII Assim em Portugal a propensatildeo foi no

sentido de ampliar as inquiriccedilotildees pelo juiz499

Nas Ordenaccedilotildees Afonsinas as atividades de poliacutecia judiciaacuteria eram atribuiacutedas aos

juiacutezes o que perdurou nas Ordenaccedilotildees posteriores500

O processo criminal era compreendido no rol das mateacuterias que envolvem pecado

socorrendo-se frequentemente em falta de texto ao Direito Canocircnico501

Notava-se no

processo penal portanto marcante presenccedila do Direito Canocircnico e de seu procedimento

inquisitorial502

Para a indagaccedilatildeo dos crimes era permitidos natildeo soacute os meios da acusaccedilatildeo do Direito

Romano e as querelas mas tambeacutem as inquiriccedilotildees devassas do Direito Canocircnico Essas

inquiriccedilotildees devassas se realizavam de trecircs modos ldquoa acusaccedilatildeo que se inscrevia pelo auto

de querela a denuacutencia que natildeo se inscrevia pois era o meio de delaccedilatildeo secreta e da

suacuteplica dos fracos e a inquiriccedilatildeo normalmente ex officiordquo503

Havia portanto o inqueacuterito e a devassa ldquoo inqueacuterito era uma inquiriccedilatildeo que exigia

a presenccedila do acusado a devassa era a inquiriccedilatildeo feita ex officio sem o concurso do

acusado e de forma secretardquo504

Foi a inquiriccedilatildeo devassa que prestigiando o desenvolvimento do processo secreto e

o procedimento das justiccedilas prescindindo do concurso das partes transformou-se depois

na ferramente principal de todo o processo criminal ex officio505

A denuacutencia que tambeacutem se foi inserindo jaacute desde a jurisprudecircncia dos forais teve

como consequecircncia cessarem as partes de intervir no processo de instruccedilatildeo que assim

acabou absolutamente concentrado nas matildeos do juiz506

499

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 77 500

IBID p 78 501

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas

Bastos 1959 p 112 502

MARQUES Joseacute Frederico Tratado de Direito Processual Penal Satildeo Paulo Saraiva 1980 p 112 503

PIERANGELLI Joseacute Henrique Processo Penal Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Fontes Legislativas Bauru Jalovi

1983 p 56 No mesmo sentido Antonio Scarance Fernandes ensina que ldquonas Ordenaccedilotildees Afonsinas os

processos podiam resultar de notiacutecias advindas de qualquer pessoa ou do proacuteprio ofendido denominadas de

denuacutencia as quais natildeo eram inscritas estimulando-se assim as delaccedilotildees secretas podiam resultar das

querelas inscritas no auto de querela por fim podiam originar-se das inquiriccedilotildees oficiaisrdquo Teoria p

115 504

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 102 505

IBID p 102

98

A poliacutecia administrativa era atribuiacuteda aos juiacutezes e vereadores assim como aos

almotaceacutes a poliacutecia judiciaacuteria como jaacute observado era outorgada aos juiacutezes que tinham

como auxiliares os meirinhos os homens jurados (homens escolhidos que juravam perante

os conselhos cumprir os deveres da poliacutecia) e os vintaneiros (inspetores policiais dos

bairros)507

Estruturou-se assim com o decurso do tempo um corpo de agentes

especializados que compunham a poliacutecia judiciaacuteria a qual ateacute hoje exerce a funccedilatildeo de

investigaccedilatildeo dos crimes508

Agrave eacutepoca das Ordenaccedilotildees Manuelinas os processos criminais natildeo mais se

principiavam por clamores mas sim por querelas juradas por denuacutencias ou por inquiriccedilotildees

devassas509

Eacute nas Ordenaccedilotildees Manuelinas que o promotor de justiccedila eacute referido pela

primeira vez no direito portuguecircs510

Permitimo-nos guardadas as limitaccedilotildees deste trabalho analisar com maior

profundidade as Ordenaccedilotildees Filipinas pois foram elas que por mais de dois seacuteculos foram

aplicadas no nosso paiacutes ateacute mesmo depois da independecircncia

Em mateacuteria de processo penal as Ordenaccedilotildees Filipinas repisaram em grande parte

o conteuacutedo das anteriores Ordenaccedilotildees A importacircncia que lhe eacute atribuiacuteda entre noacutes decorre

diretamente de sua aplicaccedilatildeo e vigecircncia no nosso paiacutes511

Era no Livro V que vinha regulado o procedimento penal nos seus institutos

baacutesicos Para Joseacute Frederico Marques ldquosob o signo de seu sistema normativo cruel e

despoacutetico ali se acasalavam um Direito Penal retroacutegrado e sanguinaacuterio com regras

processuais inquisitivas consubstanciadas sobretudo nas tristemente famosas inquiriccedilotildees

devassasrdquo512

No sistema de processo criminal ordinaacuterio das Ordenaccedilotildees Filipinas os

procedimentos estavam divididos de acordo com os delitos classificados estes em puacuteblicos

e particulares513

506

IBID p 112 507

IBID p 120 508

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 79 509

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 59 No mesmo sentido SANTIN Valter Foleto Op cit p 27 510

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133 511

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63 512

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 113 513

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63

99

O conhecimento dos crimes era levado a juiacutezo por meio de devassas ou inquiriccedilotildees

de querelas e de denuacutencias514

Foi como jaacute observado com as Ordenaccedilotildees Manuelinas que

se afirmaram essas trecircs formas de iniciar os processos que foram mantidas pelas

Ordenaccedilotildees Filipinas515

A acusaccedilatildeo nos crimes particulares conforme liccedilatildeo de Joatildeo Mendes de Almeida

Juacutenior era antecedida da querela da inquiriccedilatildeo sumaacuteria do corpo de delito e da

pronuacutencia516

Nos crimes puacuteblicos por sua vez dependia da querela ou da denuacutencia da

cauccedilatildeo das custas emenda e satisfaccedilatildeo do corpo de delito e da pronuacutencia e nos casos de

devassa era esta a ferramenta do procedimento oficial do juiz seguindo-se a inquiriccedilatildeo

judicial isto eacute a repergunta e o enfrentamento das testemunhas e posteriormente a

pronuacutencia517

Assim era pois formada a culpa

A pronuacutencia consistia na decisatildeo do juiz que considerava o reacuteu suspeito do delito

tornando-o objeto da devassa ou da querela contra ele dada e inscrevendo-o no nuacutemero dos

culpados cujo fundamento era o corpo de delito e os indiacutecios de autoria A confissatildeo os

instrumentos as testemunhas e os tormentos - perguntas judiciais feitas ao reacuteu de crimes

graves a fim de constrangecirc-lo a dizer a verdade por intermeacutedio de torturas - respaldavam o

julgamento518

Devassas eram as inquiriccedilotildees para o conhecimento dos delitos Estas eram

diferenciadas entre devassas gerais e devassas especiais519

As devassas gerais sobre delitos incertos ocorriam anualmente quando os juiacutezes

comeccedilavam a servir nos seus cargos Tambeacutem eram denomidadas gerais as Janeirinhas

que tinham lugar em relaccedilatildeo a alguns crimes em janeiro de cada ano As devassas

especiais pressupunham a existecircncia do delito sendo desconhecido apenas o autor520

As

devassas gerais deviam ser finalizadas no prazo de trinta dias apoacutes o seu iniacutecio as

especiais no mais das vezes deviam ter iniacuteco ateacute oito dias depois do fato e terminar dentro

de trinta dias De forma geral o nuacutemero de testemunhas inquiridas nas devassas natildeo podia

ultrapassar de trinta A realizaccedilatildeo das devassas gerais era atribuiccedilatildeo dos juiacutezes de fora e

514

IBID p 65 515

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 115 516

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135 517

IBID p 135 No mesmo sentido PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 518

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 519

IBID p 64 520

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133

100

ordinaacuterios e dos corregedores nas suas correiccedilotildees a competecircncia para as devassas

especiais era dos juiacutezes do territoacuterio onde se deu o delito ou dos juiacutezes e outros ministros

comissionados para isso521

As devassas uma vez que realizadas sem citaccedilatildeo da parte natildeo eram consideradas

inquiriccedilotildees judiciais para o efeito do julgamento sem que as testemunhas fossem

reperguntadas assim como as testemunhas dos sumaacuterios das querelas Mas para fins de

prisatildeo preventiva assim como nos casos em que se natildeo procedia ordinariamente natildeo havia

a exigecircncia dessa reiteraccedilatildeo Ademais o reacuteu podia dispensar essa reiteraccedilatildeo se assim

desejasse assinando termo denominado de judiciais para que fossem consideradas as

devassas como inquiriccedilotildees judiciais A lei da Reformaccedilatildeo da Justiccedila de 1613 determinou

que as reperguntas deveriam ser requeridas pelos reacuteus sob pena de as testemunhas serem

consideradas judiciais agrave sua revelia522

A querela era a ldquodelaccedilatildeo que algueacutem fazia em juiacutezo competente de um fato

criminoso ou no interesse puacuteblico ou como ofendido lavrando-se disso o competente

autordquo523

Os casos de querela eram todos casos de devassa Podia a parte assim escolher

entre a querela e o procedimento oficial da justiccedila524

Ao lanccedilamento da querela seguia-se o sumaacuterio de querela com a oitiva de trecircs ou

quatro testemunhas e o juramento de caluacutenia que era formalmente lanccedilado A seguir

procedia-se ao corpo de delito que era o fundamento de todo o procedimento criminal e

que conforme as determinaccedilotildees legais formava-se pela inspeccedilatildeo ocular por conjecturas e

pelos depoimentos das testemunhas Nem mesmo a confissatildeo do reacuteu podia suprir a sua

falta525

A denuacutencia era ldquoa comunicaccedilatildeo feita agrave justiccedila do cometimento de um crime

puacuteblico para que o juiz procedesse de ofiacuteciordquo526

e soacute podia ser utilizada nos casos de

devassa ou naqueles em que a lei expressamente a facultava527

521

IBID p 133 522

IBID p 134 523

IBID p 134 524

IBID p 134 525

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 67 526

IBID p 67 527

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135

101

Nas Ordenaccedilotildees Filipinas o serviccedilo de poliacutecia era exercido gratuitamente por

moradores divididos em quadras ou quarteirotildees e controlados pelos alcaides e depois pelos

juiacutezes da terra528

22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832

O Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia foi promulgado em 29 de

novembro de 1832 Teve como objetivo a conformaccedilatildeo da legislaccedilatildeo processual agraves

garantias da Constituiccedilatildeo de 1824529

A inauguraccedilatildeo do Impeacuterio origina no acircmbito de nosso processo penal um periacuteodo

de reaccedilatildeo e constestaccedilatildeo agraves leis autoritaacuterias crueacuteis e oprimentes da monarquia portuguesa

e ldquodo qual o Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 constitui o diploma legal culminante e

mais expressivo siacutentese que eacute dos anseios humanitaacuterios e liberais que palpitavam no seio

do povo e naccedilatildeordquo530

O paiacutes foi coberto por forte movimento constitucionalista assim que proclamada a

independecircncia do Brasil em 7 de setembro de 1822 A Constituiccedilatildeo outorgada em 25 de

marccedilo de 1824 representou a consagraccedilatildeo dos ideais liberais em nossa legislaccedilatildeo

sobretudo no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria brasileira531

substituindo assim as

perversas praacuteticas do sistema inquisitivo532

Os direitos civis e poliacuteticos dos cidadatildeos

brasileiros foram positivados em seu artigo 179 que estabeleceu preceitos e princiacutepios

garantidores de um processo criminal totalmente diferente daquele formulado sob a eacutegide

do Livro V das Ordenaccedilotildees533

A Carta Constitucional de 1824 tratava do Poder Judicial em seu Tiacutetulo VI

Afirmava que este era independente e composto de juiacutezes e jurados no ciacutevel e no crime534

528

SANTIN Valter Foleto Op cit p 28 529

SAAD Marta O direito p 29 530

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 531

SAAD Marta O direito p 27 532

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 533

IBID p 117 534

Art 151 O Poder Judicial independente e seraacute composto de Juizes e Jurados os quaes teratildeo logar assim

no Civel como no Crime nos casos e pelo modo que os Codigos determinarem Art 152 Os Jurados

pronunciam sobre o facto e os Juizes applicam a Lei Art 153 Os Juizes de Direito seratildeo perpetuos o que

102

e previa que haveria juiacutezes de paz eleitos pelo mesmo tempo e da mesma firna que eram

eleitos os vereadores das Cacircmaras deixando poreacutem agrave lei posterior a determinaccedilatildeo das

atribuiccedilotildees dos juiacutezes de paz e dos respectivos distritos535

Assim em atendimento ao disposto na Constituiccedilatildeo a lei de 13 de outubro de 1827

instituiu os Juizados de Paz em cada uma das freguesias e capelas curadas do Impeacuterio do

Brasil estabelecendo sua competecircncia e conferindo aos respectivos juiacutezes de paz

atribuiccedilotildees policiais preventivas536

e repressivas537

Interessam-nos aqui especialmente suas atribuiccedilotildees repressivas os juiacutezes de paz

eram responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do corpo do delito e uma vez identificado o autor este

era levado agrave sua presenccedila para interrogatoacuterio Comprovada a autoria era decretada a prisatildeo

do indiviacuteduo pelo juiz de paz que em seguida o remetia imediatamente ao juiz

criminal538

Vale salientar que durante o Impeacuterio houve a previsatildeo de uma fase para a

formaccedilatildeo da culpa com natureza investigatoacuteria encerrada com a decisatildeo de pronuacutencia a

qual configurava decisatildeo de remessa da causa a julgamento e funcionava como justificava

para a prisatildeo do acusado539

Antes mesmo da Independecircncia foram significativas as

determinaccedilotildees no sentido de se exigir a formaccedilatildeo da culpa para possibilitar-se a prisatildeo540

A criaccedilatildeo dos juiacutezes de paz pela Lei de 13 de outubro de 1827 centralizou portanto

as funccedilotildees policiais na figura desses magistrados sistema que foi preservado pelo Coacutedigo

de Processo Criminal de 1832541

todavia se natildeo entende que natildeo possam ser mudados de uns para outros Logares pelo tempo e maneira que

a Lei determinar 535

Art 161 Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliaccedilatildeo natildeo se comeccedilaraacute Processo

algum Art 162 Para este fim haveraacute juizes de Paz os quaes seratildeo electivos pelo mesmo tempo e maneira

por que se elegem os Vereadores das Camaras Suas attribuiccedilotildees e Districtos seratildeo regulados por Lei 536

ldquoEntre suas atribuiccedilotildees preventivas competia ao juiz de paz ter uma relaccedilatildeo dos criminosos para prendecirc-

los podendo inclusive adentrar nos distritos vizinhos e tendo notiacutecia de que algum criminoso se achava em

outro distrito disso avisar ao juiz de paz e ao juiz criminal respectivo Ainda cabia ao juiz de paz forccedilar os

vadios mendigos becircbados meretrizes e turbulentos a assinar termo de bem viver e por fim fazer observar

as posturas das Cacircmaras impondo devidas penas aos seus violadoresrdquo SAAD Marta O direito p 28 537

Sobre a variada atividade dos Juiacutezes de Paz ver Joatildeo Camillo de Oliveira Torres A Democracia Coroada

(Teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil) Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 248-9 538

SAAD Marta O direito p 28 539

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 121 540

ldquoPara essa finalidade de formaccedilatildeo da culpa e prisatildeo existia uma fase de inquiriccedilatildeo sumaacuteria durante a

qual eram ouvidas testemunhas elaborado o exame de corpo de delito e realizadas outras diligecircnciasrdquo

IBID p 121 541

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117

103

Assim os juiacutezes depaz - cidadatildeos eleitos pelos habitantes do distrito - detinham

enorme poder Competia-lhes dentre outras funccedilotildees proceder ao auto de corpo de delito e

formar a culpa aos delinquentes nos processos ordinaacuterios542

que despontava como a base

da acusaccedilatildeo543

Os juiacutezes de paz eram eleitos pelo povo em nuacutemero de quatro e exerciam suas

atribuiccedilotildees sucessivamente na ordem de votaccedilatildeo um por ano Concentravam grande poder

como formadores da culpa responsaacuteveis por todas as funccedilotildees policiais na investigaccedilatildeo do

crime e respectiva autoria que consubstanciam o fundamento para a acusaccedilatildeo544

O Coacutedigo Processo Criminal de Primeira Instacircncia era dividido em duas partes a

primeira delas cuidava da organizaccedilatildeo judiciaacuteria545

enquanto a segunda dispunha acerca da

forma do processo ou procedimento

No tocante agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria aleacutem de o Coacutedigo de Processo Criminal de

Primeira Instacircncia ter conservado a previsatildeo dos juiacutezes de paz e suas atribuiccedilotildees como jaacute

observado destacou a poliacutecia como um oacutergatildeo do Judiciaacuterio546

visto que o chefe de poliacutecia

era tambeacutem um juiz de direito547

A segunda parte do Coacutedigo que tratava da forma do processo ocasionou profunda

transformaccedilatildeo nas formas procedimentais preexistentes assim como a primeira O Coacutedigo

de Processo modificou substancialmente as formas do procedimento criminal548

ldquoAs

querelas as denuacutencias e as devassas de origem inquisitorial foram abolidas e ideias

liberais foram incorporadas agrave leirdquo549

As denuacutencias assumem caracteriacutesticas bem

diferentes daquelas estabelecidas ao tempo das Ordenaccedilotildees transfigurando-se no

542

Art 12 ldquoAos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos

delinquentesrdquo 543

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 126 anos de Inqueacuterito Policial - Perspectivas _ para o

futuro In Revista da Associaccedilatildeo dos Delegados de Poliacutecia do Estado de Satildeo Paulo n 25 Satildeo Paulo

ADPESP ano 19 Marccedilo de 1998 544

SAAD Marta O direito p 31 545

Segundo o estabelecido pelo Coacutedigo a organizaccedilatildeo judiciaacuteria se operava da seguinte forma as proviacutencias

dividiam-se em comarcas termos e distritos de paz estes correspondentes a um agrupamento de setenta e

cinco casas habitadas Em cada distrito havia um juiz de paz auxiliado por um escrivatildeo inspetores de

quarteiratildeo e oficiais de justiccedila (art 12) No termo havia um juiz municipal (Art 33) um promotor puacuteblico

(art 36) um conselho de jurados (art 23) e escrivatildees Na comarca havia um juiz de direito nuacutemero este que

poderia ser ateacute triplicado nas cidades mais populosas sendo que um dos juiacutezes de direito seria tambeacutem o

chefe de poliacutecia 546

Art 6ordm Feita a divisatildeo haveraacute em cada Comarca um Juiz de Direito nas Cidades populosas poreacutem poderatildeo

haver ateacute tres Juizes de Direito com jurisdicccedilatildeo cumulativa sendo um delles o Chefe da Policia 547

SAAD Marta O direito p 29 548

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 549

SAAD Marta O direito p31-32

104

instrumento de accedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico ou da accedilatildeo puacuteblica de qualquer do povo550

a

querela foi substituiacuteda pela queixa que consubstanciava a acusaccedilatildeo formulada pelo

ofendido seu pai matildee tutor curador cocircnjuge551

o procedimento ldquoex officiordquo inaugurado

pelo proacuteprio juiz passou a ser admitido em todos os casos em que cabiacutevel a denuacutencia

ainda que denuacutencia natildeo houvesse552

A formaccedilatildeo da culpa que compreende o

procedimento desde o corpo de delito ateacute o interrogatoacuterio foi feita em sumaacuterio somente

sendo permitido proceder-se em segredo quando a ela natildeo assistisse o delinquente e seus

soacutecios553

Necessaacuterio ressalvar que o sentido que a locuccedilatildeo formaccedilatildeo da culpa aqui assume eacute

aquele preciso da formaccedilatildeo da culpa preliminar procedimento preacutevio agrave pronuacutencia mas que

abrange natildeo soacute o sumaacuterio de inquiriccedilatildeo de testemunhas como tambeacutem os atos do corpo do

delito Compreende portanto anteriormente agrave declaraccedilatildeo de procedecircncia ou

improcedecircncia da queixa ou denuacutencia ou procedimento ex officio todos os atos realizados

para estabelecer a existecircncia do crime e indiacutecios contundentes de autoria554

A formaccedilatildeo da culpa aqui compreendida portanto no seu sentido estrito era

subordinada ao princiacutepio inquisitivo sendo conduzida pelo juiz de paz555

ldquoIsto eacute

instruccedilatildeo do juiz natildeo soacute como resultado mas tambeacutem como atividade de se instruir

atribuiacuteda ao proacuteprio juiz sem dependecircncia da atividade das partes nem mesmo do

promotor puacuteblicordquo556

Essa independecircncia do juiz em face do queixoso ou do denunciante podia ser

observada na lei imperial sob quatro diferentes perspectivas ldquoa) no iniciar a formaccedilatildeo do

corpo de delito b) no formar o corpo de delito c) no iniciar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de

testemunhas d) no realizaacute-lardquo557

550

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 551

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 117 552

ldquoInstaurava-se o procedimento penal mediante queixa do ofendido seu pai matildee tutor curador ou

cocircnjuge Ou entatildeo por denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico ou de qualquer do povo e ainda mediante atuaccedilatildeo

ex officio do juizrdquo MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 553

IBID p 176 De acordo com Antonio Scarance Fernandes com o Coacutedigo de Processo de 1832 ldquoa fase de

formaccedilatildeo da culpa denominada de sumaacuterio era de responsabilidade dos juiacutezes de paz e compreendia em

siacutentese os seguintes atos apresentaccedilatildeo de queixa ou denuacutencia ao juiz de paz diligecircncias inquiriccedilotildees

interrogatoacuterio pronuacutenciardquo Teoria p 123 554

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo

1973 p 125 555

SAAD Marta O direito p 32 556

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 557

IBID p 126

105

Esse procedimento da formaccedilatildeo da culpa portanto origem do que depois seria

disciplinado como inqueacuterito policial tratava-se de breve procedimento acautelatoacuterio das

provas principais dos delitos e no qual a urgecircncia representava a principal preocupaccedilatildeo558

Como alicerce exclusivo da acusaccedilatildeo era atribuiacutedo ao juiz de paz a quem competia a

lavratura de auto de corpo do delito e formaccedilatildeo da culpa dos delinquentes o que abrandia a

inquiriccedilatildeo testemunhal e o registro de dois a cinco depoimentos de testemunhas559

De fato dispunha o coacutedigo que na atividade de investigaccedilatildeo o juiz de paz

procedesse a auto de corpo de delito e formasse a culpa dos delinquentes560

e que atuasse

sempre seja devido a requerimento formulado pela parte seja por iniciativa proacutepria561

com exceccedilatildeo dos crimes de accedilatildeo exclusivamente privada562

Ao juiz de paz incumbia

reunir tudo que encontrasse no lugar do delito e arredores e que pudesse servir de prova563

bem como deveria proceder agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas do sumaacuterio ainda que natildeo

houvesse denunciante564

mandando chamaacute-las de ofiacutecio565

para que depusessem sobre a

existecircncia do crime e autoria delitiva566

567

O juiz de paz possuiacutea independecircncia em relaccedilatildeo ao promotor puacuteblico para agir no

cumprimento daquelas obrigaccedilotildees de lei jaacute que sua subordinaccedilatildeo natildeo seria possiacutevel sem

recorrentes prejuiacutezos para a justiccedila penal568

devido agrave inexistecircncia de um representante do

Ministeacuterio Puacuteblico em cada distrito de paz a natildeo ser naquele que fosse sede de termo569

558

IBID p 126 559

SAAD Marta O direito p 32-33 560

Art 12 Aos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos

delinquentes 561

Art 138 O Juiz procederaacute a auto de corpo de delicto a requerimento de parte ou ex-officio nos crimes

em que tem lugar a denuncia 562

Art 139 Os autos de corpo de delicto feitos a requerimento de parte nos crimes em que natildeo tem lugar a

denuncia seratildeo entregues aacute parte se o pedir sem que delles fique traslado 563

Art 136 O Juiz mandaraacute colligir tudo quanto encontrar no lugar do delicto e sua vizinhanccedila que possa

servir de prova 564

Art 141 Nos casos de denuncia ainda que natildeo haja denunciante o Juiz procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de

testemunhas na foacuterma do artigo antecedente fazendo autuar o auto de corpo de delicto se o houver 565

Art 84 As testemunhas seratildeo offerecidas pelas partes ou mandadas chamar pelo Juiz ex-officio 566

Art 140 Apresentada a queixa ou denuncia com o auto do corpo de delicto ou sem elle natildeo sendo

necessario o Juiz a mandaraacute autuar e procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de duas ateacute cinco testemunhas que tiverem

noticia da existencia do delicto e de quem seja o criminoso 567

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 568

IBID p 126 569

Art 4ordm Haveraacute em cada Districto um Juiz de Paz um Escrivatildeo tantos Inspectores quantos forem os

Quarteirotildees e os Officiaes de Justiccedila que parecerem necessarios Art 5ordm Haveraacute em cada Termo ou Julgado

um Conselho de Jurados um Juiz Municipal um Promotor Publico um Escrivatildeo das execuccedilotildees e os

Officiaes de Justiccedila que os Juizes julgarem necessarios

106

O juiz de paz igualmente natildeo dependia do indiciado para formar o corpo do delito

ou para instaurar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de testemunhas570

Antes ou durante a formaccedilatildeo da culpa era possiacutevel a prisatildeo em flagrante571

ou

preventiva572

do reacuteu Nesses casos estando o delinquente preso ou afianccedilado assistia a

inquiriccedilatildeo das testemunhas podendo ser interrogado pelo juiz e contestar as testemunhas573

574 Ainda residindo no distrito de paz de maneira que pudesse ser conduzido agrave presenccedila

do juiz a tempo de assistir agrave deposiccedilatildeo podia igualmente ser interrogado e contestar os

testemunhos

Dessa forma o reacuteu preso afianccedilado ou morador das proximidades do lugar onde

ocorria a formaccedilatildeo da culpa podia ser levado agrave presenccedila do juiz mas natildeo citado

Facultava-se-lhe entatildeo requerer que as testemunhas inquiridas na sua ausecircncia fossem

reperguntadas na sua presenccedila Mas o juiz soacute o deferiria sendo possiacutevel575

sem prejuiacutezo aos

objetivos e do caraacuteter urgente da instruccedilatildeo576

Presente o reacuteu o juiz deveria ordenar a leitura de todas as peccedilas comprobatoacuterias de

seu crime para interrogaacute-lo E finalmente se por meio da inquiriccedilatildeo das testemunhas do

interrogatoacuterio do indiciado delinquente ou de informaccedilotildees a que tivesse procedido o juiz

de paz se convencesse da existecircncia do delito e de quem fosse o seu autor declararia a

procedecircncia da acusaccedilatildeo e obrigaria o delinquente agrave prisatildeo nos casos legais577

Como o Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia natildeo previa meacutetodos

substanciais para a formaccedilatildeo da culpa todos esses atos praticados pelo juiz de paz eram de

570

ldquoNatildeo haacute um soacute artigo que afirme a necessaacuteria citaccedilatildeo do suspeito e a isso acresce a circunstacircncia de

serem possiacuteveis ateacute mesmo pronuacutencias (antes da confirmaccedilatildeo) sem identificaccedilatildeo do culpado o que seria

inexplicaacutevel se devesse prevalecer aquela necessidade (arts 329 e 247)rdquo ALMEIDA Joaquim Canuto

Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo 1973 p 126-127 571

Art 131 Qualquer pessoa do povo poacutede e os Officiaes de Justiccedila satildeo obrigados a prender e levar aacute

presenccedila do Juiz de Paz do Districto a qualquer que focircr encontrado commettendo algum delicto ou

emquanto foge perseguido pelo clamor publico Os que assim forem presos entender-se-hatildeo presos em

flagrante delicto 572

Art 175 Poderatildeo tambem ser presos sem culpa formada os que forem indiciados em crimes em que natildeo

tem lugar a fianccedila poreacutem nestes e em todos os mais casos aacute excepccedilatildeo dos de flagrante delicto a prisatildeo natildeo

pode ser executada senatildeo por ordem escripta da autoridade legitima 573

Art 142 Estando o delinquente preso ou afianccedilado ou residindo no Districto de maneira que possa ser

conduzido aacute presenccedila do Juiz assistiraacute aacute inquiriccedilatildeo das testemunhas em cujo acto poderaacute ser interrogado

pelo Juiz e contestar as testemunhas sem as interromper 574

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 575

Art 97 Toda a vez que o reacuteo levado aacute presenccedila do Juiz requerer que as testemunhas inquiridas em sua

ausencia sejam reperguntadas em sua presenccedila assim lhe seraacute deferido sendo possivel 576

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 577

IBID p 127

107

algum modo discricionaacuterios e este podia assim desatender os pedidos do suspeito levado

agrave sua presenccedila conforme a necessidade e a urgecircncia das provas578

Os atos de denuacutencia e queixa representavam com relaccedilatildeo ao sumaacuterio de culpa

simples incentivo ao funcionamento inquisitoacuterio do juiz quando a espontaneidade natildeo se

tivesse revelado jaacute que ao promotor puacuteblico incumbia a denuacutencia qualquer pessoa do

povo podia igualmente denunciar e o ofendido podia apresentar sua queixa579

Em resumo o Coacutedigo de Processo natildeo instituiu foacutermulas substanciais para a

formaccedilatildeo da culpa mas tatildeo somente foacutermulas substanciais do processo principal Por isso

a formaccedilatildeo da culpa propriamente dita nunca era anulada conquanto se anulassem

decisotildees tanto do juacuteri de acusaccedilatildeo quanto do juacuteri de sentenccedila devido a irregularidades da

formaccedilatildeo da culpa580

Pode-se dizer assim que o Coacutedigo de 1832 empreendeu uma das mais complexas

mudanccedilas institucionais no Brasil Abandonamos o centralismo e a severidade da justiccedila

despoacutetica dos tribunais reacutegios que aplicavam as Ordenaccedilotildees para um sistema em que a

aplicaccedilatildeo da justiccedila era atribuiacuteda agraves cacircmaras municipais e ao povo diretamente Na praacutetica

poreacutem infelizmente essa iniciativa liberal era constantemente deturpada transformando

da justiccedila em arma das facccedilotildees em luta E isto numa eacutepoca de crise do princiacutepio de

autoridade como durante a regecircncia ldquoEm palavras simples a poliacutecia e a justiccedila eletiva

tornaram-se instrumento dos mais poderososrdquo581

As inquitaccedilotildees poliacuteticas e os movimentos revolucionaacuterios que tomaram conta do

paiacutes entre 1830 e 1840 foram responsaacuteveis por demonstrar a vulnerabilidade dos meios

legais estabelecidos para conter os excessos que eram praticados Nesse cenaacuterio e natildeo sem

reaccedilatildeo foi promulgada a Lei nordm 261 de 3 de dezembro de 1841 e logo apoacutes em 31 de

janeiro de 1842 foi expedido o Regulamento nordm 120582

578

SAAD Marta O direito p 35 579

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127-128 580

IBID p 128 581

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 582

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117

108

23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842

A Lei nordm 261 de 03121841 obra de caraacuteter monaacuterquico-conservador com

conteuacutedo altamente centralizador e despoacutetico583

e seu e seu Regulamento nordm 120 de 31 de

janeiro de 1842 provocaram uma profunda reforma no Coacutedigo de Processo Criminal de

Primeira Instacircncia

Frutos da resistecircncia monaacuterquico-conservadora especialmente no acircmbito da

organizaccedilatildeo judiciaacuteria e policial visaram fornecer ao Governo imperial ferramentas e

artifiacutecios para reprimir a desordem e impor sua autoridade em todos os setores da paiacutes

tendo em vista que o sistema adotado pelo Coacutedigo de 1832 se mostrava pouco eficaz para

recuparar de uma vez por todas a ordem e a tranquilidade584

A Lei de 3 de dezembro buscou implementar um aparelhamento policial fortemente

centralizado e dotar o Governo de poderes bastantes para cumprir a tarefa a que se

propunha de tornar efetiva a autoridade legal585

Essas legislaccedilotildees proporcionaram poucas mudanccedilas no regime inquisitoacuterio do

Coacutedigo de Processo Suas novidades relacionaram-se sobretudo agrave forma de organizaccedilatildeo

judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes propensas a assegurar a forccedila do poder nacional contra as

excessivas prerrogativas dos elementos regionais586

Dentre as principais criacuteticas a respeito do Coacutedigo de Processo Criminal de 1832

afirmava-se que as funccedilotildees policiais e judiciaacuterias laacute atribuiacutedas agrave mesma autoridade ndash o juiz

de paz - eram muito diferentes razatildeo pela qual deveriam ser separadas tornando-se a

poliacutecia oacutergatildeo do Executivo587

588

E essa foi exatamente a mais significativa alteraccedilatildeo

produzida pela Lei nordm 2611841 e seu Regulamento nordm 1201842 ou seja a entrega do

poder anteriormente confiado aos juiacutezes de paz para os delegados de poliacutecia nova figura

583

SAAD Marta O direito p 40 584

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 585

IBID p 119 586

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131 587

SAAD Marta O direito p 41 588

Haacute muito jaacute se discutia a necessidade de reforma do Coacutedigo de Processo Criminal apontando-se dentre

outras questotildees a importacircncia da dissociaccedilatildeo das funccedilotildees judiciaacuterias e policiais que estavam entregues aos

juiacutezes municipais e aos juiacutezes de paz PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 135

109

criada pela Lei nordm 2611841 e assim chamados por exercerem delegaccedilatildeo do chefe de

poliacutecia589

As atribuiccedilotildees do juiz de paz restringiram-se ao miacutenimo590

Estabeleceu-se que em

cada proviacutencia haveria um chefe de poliacutecia escolhido entre os desembargadores e juiacutezes

de direito pelo Imperador591

Na corte e em cada termo existiria um delegado proposto

pelo chefe de poliacutecia592

e nomeado na corte pelo Imperador e na proviacutencia pelo seu

presidente593

Ainda haveria os subdelegados um em cada distrito de paz das proviacutencias

propostos pelo chefe de poliacutecia ouvido o delegado594

e nomeados pelo presidente da

proviacutencia respectiva595

596

Com efeito segundo Marta Saad ldquocom a redaccedilatildeo dada ao Coacutedigo pela reforma o

juiz de paz eletivo cedeu suas atribuiccedilotildees policiais e sua jurisdiccedilatildeo criminal a delegados e

subdelegados os quais eram nomeados e demitidos ao arbiacutetrio do governordquo597

589

SAAD Marta O direito p 40 590

ldquoA Lei n 261 de 3121841 em modificaccedilatildeo ao Coacutedigo de Processo Criminal criou aparelhamento

policial centralizado e retirou muitas atribuiccedilotildees do juiz de pazrdquo SANTIN Valter Foleto Op cit p 28-29 591

De acordo com o artigo 2ordm da Lei nordm 26141 ldquoos Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os

Desembargadores e Juizes de Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos

seratildeo todos amoviveis e obrigados a aceitarrdquo O artigo 24 do Regulamento 120 de 1842 dispunha que ldquoos

Chefes de Policia aleacutem do ordenado de Desembargadores (quando o sejatildeo) ou de Juizes do Direito das

Capitaes em que servirem venceraacuteotilde mais uma gratificaccedilatildeo proporcional ao trabalho a qual seraacute marcada

pelo Governo sobre informaccedilotildees dos Presidentes das Provinciasrdquo 592

Art 26 Os Delegados seratildeo propostos dentre os Juizes Municipaes de Paz Bachareis formados ou

outros quaesquer Cidadatildeos (aacute excepccedilatildeo dos Parochos) com tanto que residatildeo nas Cidades ou Villas que

forem cabeccedilas de Termo (ou dos Termos no caso da reuniatildeo de que trata o art 31 da Lei de 3 de Dezembro

de 1841) ou mui proximamente (nunca poreacutem foacutera dos limites do dito Termo ou Termos) e tenhatildeo as

qualidades requeridas para ser Eleitor e que sejatildeo homens de reconhecida probidade e intelligencia 593

Art 1ordm da Lei nordm 26141 Haveraacute no Municipio da Cocircrte e em cada Provincia um Chefe de Policia com os

Delegados e Subdelegados necessarios os quaes sobre proposta seratildeo nomeados pelo Imperador ou pelos

Presidentes Todas as Autoridades Policiaes satildeo subordinadas ao Chefe da Policia Art 25 do Regulamento

12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte e pelos Presidentes das

Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas as necessarias

observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos propostos Estas

propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 594

Art 2ordm da Lei nordm 26141 Os Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os Desembargadores e Juizes de

Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos seratildeo todos amoviveis e

obrigados a acceitar Art 27 do Regulamento 12042 Os Subdelegados seratildeo propostos ouvindo o

Delegado dentre os Juizes de Paz dos respectivos districtos dentre os Bachareis formados e outros

quaesquer Cidadatildeos que nelles residirem e tiverem as qualidades requeridas no artigo antecedente 595

Art 25 do Regulamento 12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte

e pelos Presidentes das Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas

as necessarias observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos

propostos Estas propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 596

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 597

SAAD Marta O direito p 41-42

110

O Regulamento nordm 1201842 consagrou a diferenciaccedilatildeo da poliacutecia em

administrativa e judiciaacuteria com fundamento nas atribuiccedilotildees e na competecircncia Disciplinou-

as em distintas seccedilotildees mas no mesmo capiacutetulo Agrave poliacutecia judiciaacuteria foram outorgadas no

bojo do artigo 3ordm598

as funccedilotildees de proceder ao corpo de delito expedir mandado de busca e

apreensatildeo prender denunciados e julgar crimes no acircmbito de sua competecircncia599

Como anteriormente observado a expressiva alteraccedilatildeo gerada por essa reforma

ocorreu na esfera da organizaccedilatildeo judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes e natildeo exatemente no acircmbito

das reformas procedimentais600

A competecircncia para o procedimento de instruccedilatildeo preliminar ou formaccedilatildeo da culpa

(corpo do delito e sumaacuterio da pronuacutencia) disciplinado no Capitulo VIII do Tiacutetulo I ndash

disposiccedilotildees criminais601

foi transferida para delegados e subdelegados bem como para o

chefe de poliacutecia ndash que vale ressaltar era escolhido sempre dentre desembargadores e

juiacutezes de direito602

- assim tambeacutem a faculdade de pronunciarem603

com recurso ex officio

para o juiz municipal que sustentava ou revogava o despacho604

Esse magistrado tambeacutem

podia formar a culpa e pronunciar originariamente605

606

598

Art 3ordm Satildeo da competencia da Policia Judiciaria 1ordm A attribuiccedilatildeo de proceder a corpo de delicto

comprehendida no sect 4ordm do art 12 do Codigo do Processo Criminal 2ordm A de prender os culpados

comprehendida no sect 5ordm do mesmo artigo do dito Codigo 3ordm A de conceder mandados de busca 4ordm A de julgar

os crimes a que natildeo esteja imposta pena maior que multa ateacute 10$000 prisatildeo degredo ou desterro ateacute seis

mezes com multa correspondente aacute metade desse tempo ou sem ella e tres mezes de Casa de Correcccedilatildeo ou

officinas publicas onde as houver (Cod do Proc Crim art 12 sect 7ordm) 599

SAAD Marta O direito p 43 600

IBID p 43 601

Artigos 47 a 53 da Lei nordm 26141 602

Art 262 Os Chefes de Policia Juizes Municipaes Delegados e Subdelegados procederaacuteotilde aacute formaccedilatildeo da

culpa ou em virtude de queixas ou denuncias dadas nos casos e com as formalidades estabelecidas nos arts

72 73 74 75 76 78 e 79 do Codigo do Processo Criminal ou meramente ex-officio 603

ldquoOs despachos de pronuacutencia ou impronuacutencia proferidos pelos chefes de poliacutecia ou pelos juiacutezes municipais

produziam desde logo seus efeitos independentemente de ratificaccedilatildeo (artigo 287 do Regulamento 120) Tal

natildeo acontecia com os lavrados pelos delegados e subdelegados que ficavam dependentes de sustentaccedilatildeo ou

revogaccedilatildeo dos juiacutezes municipais que assim substituiacuteram nas respectivas funccedilotildees o juacuteri de acusaccedilatildeo Este

foi suprimidordquo ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131-132 604

Art 4ordm da Lei 26141 Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos

respectivos districtos compete sect 1ordm As attribuiccedilotildees conferidas aos Juizes de Paz pelo art 12 sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm

5ordm e 7ordm do Codigo do Processo Criminal ()Art 5ordm Os Subdelegados nos seus districtos teratildeo as mesmas

attribuiccedilotildees marcadas no artigo antecedente para os Chefes de Policia e Delegados exceptuadas as dos sectsect 5ordm

6ordm e 9ordm

Art 17 da Lei 26141 Compete aos Juizes Municipaes () sect 3ordm Sustentar ou revogar ex-officio as

pronuncias feitas pelos Delegados e Subdelegados 605

Conforme artigo 211 do Regulamento 1201842 ldquoAos Juizes Municipaes na parte criminal compete ()

2ordm Proceder a auto de corpo de delicto e formar culpa aos delinquentes e aos Officiaes que perante elles

serviremrdquo 606

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131

111

Ao receberem dos delegados e subdelegados os processos de formaccedilatildeo da culpa os

juiacutezes municipais deveriam examinaacute-los para aferir a o correto cumprimento das

formalidades legais ou de fallhas que pudessem prejudicar a elucidaccedilatildeo do fato e de suas

circunstacircncias Podiam entatildeo para reparaccedilatildeo das deficiecircncias ou deslizes verificados

proceder de ofiacutecio ou a pedido da parte a todas as diligecircncias que julgassem essenciais para

ratificaccedilatildeo do processado para reparar nulidades e para esclarecer a verdade (artigos

290607

291608

e 292609

)610

Assim em toda proviacutencia do Impeacuterio e na Corte a instruccedilatildeo preliminar o auto de

corpo de delito e a formaccedilatildeo da culpa passaram a ser incumbecircncia dos chefes de poliacutecia e a

de seus delegados nos respectivos distritos611

Podiam tambeacutem as aludidas autoridades policiais remeter aos Juiacutezes competentes

quando julgassem adequado todos os dados provas e esclarecimentos que houvessem

obtido sobre um delito com uma exposiccedilatildeo do caso e suas circunstacircncias a fim de

formarem a culpa612

O Regulamento nordm 12042 em seu artigo 61613

esclarecia que tal

607

Art 290 Se quando lhes forem presentes os processos para o fim indicado no artigo antecedente acharem

os Juizes Municipaes que ha nelles pretericcedilatildeo de formalidades legaes que induz nullidade ou faltas que

prejudicatildeo o esclarecimento da verdade do facto e de suas circumstancias procederaacuteotilde ex-officio ou a

requerimento de parte a todas as diligencias que julgarem precisas para a ratificaccedilatildeo das queixas ou

denuncias emenda das faltas que induzirem nullidade e a fim de dar ao facto e suas circumstancias todo o

esclarecimento que focircr necessario havendo-se nisso o mais breve e summariamente que focircr possivel 608

Art 291 Para esse fim mandaraacuteotilde que as queixas e denuncias sejatildeo juradas e assignadas pelos queixosos e

denunciantes que os autos interrogatorios e inquiriccedilotildees sejatildeo assignadas pelos Juizes partes testemunhas e

mais pessoas que tenhatildeo intervindo quando faltarem taes solemnidades ordenaraacuteotilde os interrogatorios dos

reacuteos a repergunta acareaccedilatildeo e confrontaccedilatildeo das testemunhas e outras diligencias quando nos ditos

processos natildeo houver sufficiente esclarecimento sobre o crime e suas circumstancias e sobre os seus autores

ou complices 609

Art 292 Estas diligencias seratildeo feitas perante os mesmos Juizes Municipaes quando os reacuteos presos ou

soltos as testemunhas ou outras quaesquer pessoas que tenhatildeo de intervir nellas estiverem em distancia tal

que lhes permitta vir e voltar no mesmo dia aliaacutes seratildeo feitas pela mesma Autoridade que remetteu o

processo reenviando-lho o Juiz Municipal com as instrucccedilotildees que julgar necessarias as quaes seratildeo por elle

lanccediladas nos autos 610

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 132 611

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 612

Art 4ordm Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos respectivos

districtos compete () sect 9ordm Remetter quando julgarem conveniente todos os dados provas e

esclarecimentos que houverem obtido sobre um delicto com uma exposiccedilatildeo do caso e de suas

circumstancias aos Juizes competentes a fim de formarem a culpa Se mais de uma autoridade competente

comeccedilarem um processo de formaccedilatildeo de culpa proseguiraacute nelle o Chefe de Policia ou Delegado salvo

poreacutem o caso da remessa de que se trata na primeira parte deste paragrapho 613

Art 61 A remessa de que trata o sect 13 do art 58 poderaacute ter lugar nos casos dos sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm 5ordm 6ordm 7ordm e

12 do mesmo artigo todas as vezes que esses casos se natildeo apresentem revestidos de circumstancias

extraordinarias e taes que reclamem a attenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Policia e o emprego

de meios mais amplos que tenha aacute sua disposiccedilatildeo A exposiccedilatildeo de que trata o referido sect 13 deveraacute conter

aquellas instrucccedilotildees que o mesmo Chefe julgar conveniente dar a indicaccedilatildeo das testemunhas que souberem

do facto e de todos os indicios que se houverem descoberto e ser acompanhada dos requerimentos queixas

ou denuncias que houverem

112

remessa somente poderia ocorrer quanto agrave formaccedilatildeo da culpa nos casos que natildeo se

apresentassem ldquorevestidos de circunstacircncias extraordinaacuterias e tais que reclamassem a

atenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Poliacutecia e o emprego de meios mais

amplos que tenha agrave sua disposiccedilatildeordquo614

Assim por meio de tais dispositivos e em especial do artigo 16615

do Regulamento

nordm 12042 pode-se dizer que o legislador paacutetrio comeccedilava entatildeo a determinar o registro

das conclusotildees obtidas a partir das indagaccedilotildees antecedentes como simples forma de

colaboraccedilatildeo com as autoridades sumariantes ofertada naquelas ocasiotildees em que a primeira

autoridade indagadora natildeo fosse concomitantemente a competente para a formaccedilatildeo da

culpa e devesse por isso ldquoinformar-se para informar mediante provas e mais

esclarecimentos que houverem de remeter para a formaccedilatildeo da culpa a juiacutezes

competentesrdquo616

Em resumo com o advento da Lei 261 de 03121841 a formaccedilatildeo da culpa passou

a ser atribuiacuteda aos chefes de poliacutecia seus delegados e subdelegados e ao juiz municipal

que substituiu o juiz de paz concentrando funccedilotildees policiais e criminais617

Aos juiacutezes de

paz no entanto agora com poderes reduzidos em funccedilatildeo do poder concedido agrave poliacutecia era

permitido proceder ao auto de corpo de delito618

e agrave formaccedilatildeo da culpa619

concorrentemente

614

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 615

Art 16 Os Chefes de Policia para a expediccedilatildeo dos negocios que pertencem aacute Policia administrativa

enumerados no art 2ordm do presente Regulamento e bem assim para escrever os interrogatorios provas e mais

esclarecimentos que houverem de remetter par a formaccedilatildeo da culpa aos Juizes competentes na

conformidade do sect 9ordm do art 4ordm da Lei de 9 de Dezembro de 1841 e do art 61 do dito Regulamento servir-

se-hatildeo dos Empregados da sua Secretaria e para a dos negocios que pertencerem aacute Policia Judiciaria

enumerados no art 3ordm do mesmo Regulamento e dos criminaes servir-se-hatildeo de qualquer dos Escrivatildees que

escrevem perante os Juizes Municipaes e Subdelegados que julgarem conveniente chamar Em todos os

casos poreacutem estando foacutera da Capital e seu Termo poder-se-hatildeo servir destes ultimos Art 17 Os Delegados

de Policia quer sejatildeo Juizes Municipaes quer sejatildeo tirados doutra classe do cidadatildeos empregaraacuteotilde no

expediente e escripturaccedilatildeo de todos os negocios a seu cargo os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila que servirem

perante Juizes Municipaes os quaes seratildeo obrigados a obedecer-lhes e a cumprir as suas ordens debaixo das

penas da Lei Nos casos deste artigo e da 2ordf parte do antecedente os Chefes de Policia e Delegados

participaraacuteotilde officialmente aos Juizes Municipaes e Subdelegados quaes os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila

que tiverem empregados Art 18 Cada Subdelegado teraacute um Escrivatildeo (a cujo cargo estaraacute todo o seu

expediente) e o numero de Inspectores de Quarteiratildeo que admittir o districto 616

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 201 617

SAAD Marta O direito p 46 618

Art 65 As attribuiccedilotildees policiaes dos Juizes de Paz consistem () 6ordm Em fazer corpos de delicto 619

SAAD Marta O direito p 43-44

113

Jaacute aos juiacutezes de direito das comarcas quanto ao tema restou formar a culpa dos

empregados puacuteblicos natildeo privilegiados nos crimes de responsabilidade620

Como se pocircde observar confundia a Lei justiccedila e poliacutecia621

conferindo agraves

autoridades policiais funccedilotildees natildeo soacute policiais como judiciaacuterias622

Assim ldquoa reaccedilatildeo contra

o judiciarismo policial dos liberais de 1832 com as funccedilotildees policiais entregues a juiacutezes de

paz eletivos foi certamente excessiva com a inversatildeo operada ndash o policialismo judiciaacuterio ndash

confiadas agraves autoridades policiais funccedilotildees nitidamente judiciaacuteriasrdquo623

Durante cerca de trinta anos o Brasil vivenciou essa situaccedilatildeo natildeo sem protestos e

projetos legislativos de reforma que findaram na Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871

apoacutes intensos debates em ambas as casas do parlamento imperial que suscitaram

sobretudo a questatildeo da diferenccedila das funccedilotildees policiais e judiciaacuterias da separaccedilatildeo da

poliacutecia e da judicatura624

24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871

A Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871 e o Decreto nordm 4824 de 22 de novembro

620

Art 25 Aos Juizes de Direito das Comarcas aleacutem das attribuiccedilotildees que tem pelo Codigo do Processo

Criminal compete 1ordm Formar culpa aos Empregados Publicos natildeo privilegiados nos crimes de

responsabilidade Esta jurisdicccedilatildeo seraacute cumulativamente exercida pelas Autoridades Judiciarias a respeito dos

Officiaes que perante as mesmas servirem 621

O Deputado Moura Magalhatildees assim se manifestava quanto agrave Lei de 1841 ldquoUm coacutedigo firmado nos

princiacutepios da satilde filosofia um coacutedigo esclarecido pelos princiacutepios da razatildeo e da humanidade exige que as

funccedilotildees da poliacutecia estejam separadas das funccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa e estas das funccedilotildees do julgamento

E quais as razotildees disto O funcionaacuterio que efetua a prisatildeo jaacute fica prevenido contra o reacuteu se ele lhe forma a

culpa esta prevenccedilatildeo aumenta de grau e se chega ao ponto de lhe infligir a pena do Coacutedigo pode-se bem

dizer que a imparcialidade inteiramente desaparece Eu quisera ver extremadas estas trecircs classes de

funccedilotildees eu natildeo quisera ver atribuiccedilotildees policiais (a pesquisa e o exame do corpo dos delitos a prisatildeo dos

delinquentes e o colhimento de provas) estivessem acumuladas as atribuiccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa

(produccedilatildeo e reiteraccedilatildeo dos depoimentos apreciaccedilatildeo do corpo de delito e das provas determinaccedilatildeo do

caraacuteter legal do fato incriminado) e muito menos com as atribuiccedilotildees de julgamentordquo ALMEIDA JUacuteNIOR

Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas Bastos 1959 p 181-182 622

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 192 623

SOUSA Octavio Tarquinio de Bernardo Pereira de Vasconcellos e seu tempo Rio de Janeiro Joseacute

Olympio 1937 p 235 624

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 64

114

do mesmo ano reformaram o sistema adotado pela Lei nordm 26141 separando justiccedila e

poliacutecia625

e alterando a natureza do sumaacuterio de culpa626

627

O Decreto nordm 4824 disciplinou em 1871 o inqueacuterito policial que a partir de entatildeo

constitui a ferramente principal da fase de investigaccedilatildeo no direito brasileiro628

Tal

estruturaccedilatildeo adveio de uma preocupaccedilatildeo garantista pois teve como intuito reprimir abusos

na atuaccedilatildeo das autoridades policiais que a partir da Lei de 3 de dezembro de 1841 e do

Regulamento 120 de 31 de janeiro de 1842 foram dotadas de desmedidos poderes no

sistema processual penal brasileiro629

A reforma de 1871 traduziu portanto uma reaccedilatildeo do liberalismo contra as

disposiccedilotildees da lei de 3 de dezembro de 1841 e sua primeira providecircncia foi asseverar que

nas Capitais que fossem sede de Relaccedilatildeo assim como nas comarcas de um soacute termo a elas

ligadas por faacutecil comunicaccedilatildeo de modo que fosse possiacutevel ir e voltar no mesmo dia a

jurisdiccedilatildeo de primeira instacircncia seria exercida unicamente pelos juiacutezes de direito630

Isto eacute

a atividade das autoridades policiais foi transferida para a esfera de atribuiccedilotildees dos juiacutezes

municipais ou dos juiacutezes de direito no caso das capitais que fossem sede da Relaccedilatildeo e nas

comarcas a elas ligadas Assim tambeacutem a incumbecircncia de formaccedilatildeo da culpa631

passou aos

juiacutezes municipais e aos juiacutezes de direito devendo ser exercida na comarca em vez do

distrito de paz ou policial e as autoridades policiais deixaram de pronunciar632

como

faziam anteriormente633

625

Art 1ordm Nas capitaes que forem seacutedes de Relaccedilotildees e nas comarcas de um soacute termo a ellas ligadas por tatildeo

facil communicaccedilatildeo que no mesmo dia se possa ir e voltar a jurisdicccedilatildeo de 1ordf instancia seraacute exclusivamente

exercida pelos Juizes de Direito e a de 2ordf pelas Relaccedilotildees Na Cocircrte e nas capitaes da Bahia Pernambuco e

Maranhatildeo a Provedoria de capellas e residuos seraacute de jurisdicccedilatildeo privativa Na capital do Imperio eacute creado

mais um lugar de Juiz de Orphatildeos () sect 4ordm E incompativel o cargo de Juiz Municipal e substitutos com o de

qualquer autoridade policial 626

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 627

A lei 2033 de 20 de setembro de 1871 regulada pelo Decreto nordm 4824 de 22 de novembro de do mesmo

ano veio reformar a Lei de 3 de dezembro separando a poliacutecia da judicatura estabelecendo regras para a

prisatildeo preventiva fianccedila extensatildeo da defesa no sumaacuterio de culpa inqueacuterito policial etc ALMEIDA

JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 210 A reforma de 1871 aleacutem de pocircr cobro ao policialismo reacionaacuterio

da Lei de 3 de dezembro separando Justiccedila e Poliacutecia ainda trouxe algumas inovaccedilotildees que ateacute hoje perduram

como vg a criaccedilatildeo do ldquoinqueacuterito policialrdquo () MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 121 628

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 92 629

ldquoEm determinados momentos da histoacuteria ampliaram-se os poderes das autoridades policiaism indo aleacutem

dos necessaries aos objetivos das investigaccedilotildees criminais quando tais autoridades exerceram atividades

tipicamente jurisdicionais Assim entre noacutes em alguns periacuteodos do Impeacuterio a poliacutecia podia decidir sobre

pequenas infraccedilotildees e era incumbida da fase do sumaacuterio de culpardquo IBID p 79 e 92 630

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 631

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 632

Art 4ordm Aos Juizes de Direito das comarcas do art 1ordm e bem assim aos Juizes Municipaes de todos os

outros termos fica exclusivamente pertencendo a pronuncia dos culpados nos crimes communs o julgamento

115

Contudo diante da necessidade de serem colhidas e reunidas as provas assim que

fosse noticiado o delito bem como do fato de que as diligecircncias urgentes e proacuteximas ao

cometimento do delito natildeo poderiam esperar que comparecesse o juiz distante634

determinadas atribuiccedilotildees foram reservadas agraves autoridades policiais elencadas no artigo

10635

da Lei nordm 20331871 e particularizadas nos artigos 38 e 42 do Decreto nordm 48241871

ldquoacabando por consagrar o inqueacuterito policialrdquo636

Ampliando-se portanto do distrito policial para o termo a circunscriccedilatildeo judiciaacuteria

da formaccedilatildeo da culpa foi preciso e assim determinado pelo legislador competir agraves

autoridades policiais as funccedilotildees que resultaram no inqueacuterito policial637

conservando os

juiacutezes de paz tambeacutem na competecircncia para o corpo de delito638

O decreto dispunha que os chefes delegados e subdelegados de poliacutecia deveriam

assim que lhes fosse noticiado adotar todas as providecircncias necessaacuterias agrave investigaccedilatildeo do

crime639

por meio do exame de corpo de delito direto exames e buscas para apreensatildeo de

instrumentos e documentos inquiriccedilatildeo de testemunhas perguntas ao reacuteu e ao ofendido e

nos crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal e o da infracccedilatildeo dos termos de

seguranccedila e bem viver podendo ser auxiliados pelos seus substitutos no preparo e organizaccedilatildeo dos

respectivos processos ateacute o julgamento e a pronuncia exclusivamente e com a mesma limitaccedilatildeo pelos

Delegados e Subdelegados de Policia quanto ao processo dos crimes do citado art 12 sect 7ordm do Codigo do

Processo Criminal 633

SAAD Marta O direito p 51 634

A Lei 2033 de 1871 alargou a circunscriccedilatildeo territorial do juiz da formaccedilatildeo da culpa que situou na sede da

comarca ou do termo 635

Art 10 Aos Chefes Delegados e Subdelegados de Policia aleacutem das suas actuaes attribuiccedilotildees tatildeo soacutemente

restringidas pelas disposiccedilotildees do artigo antecedente e sect unico fica pertencendo o preparo do processo dos

crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal ateacute a sentenccedila exclusivamente Por

escripto seratildeo tomadas nos mesmos processos com os depoimentos das testemunhas as exposiccedilotildees da

accusaccedilatildeo e defesa e os competentes julgadores antes de proferirem suas decisotildees deveratildeo rectificar o

processo no que focircr preciso sect 1ordm Para a formaccedilatildeo da culpa nos crimes communs as mesmas autoridades

policiaes deveratildeo em seus districtos proceder aacutes diligencias necessarias para descobrimento dos factos

criminosos e suas circumstancias e transmittiratildeo aos Promotores Publicos com os autos de corpo de delicto

e indicaccedilatildeo das testemunhas mais idoneas todos os esclarecimentos colligidos e desta remessa ao mesmo

tempo daratildeo parte aacute autoridade competente para a formaccedilatildeo da culpa sect 2ordm Pertence-lhes igualmente a

concessatildeo da fianccedila provisoria 636

SAAD Marta O direito p 51 637

A denominaccedilatildeo inqueacuterito policial surge no Decreto Regulamentar no 4824 de 22 de novembro de 1871

Existia poreacutem antes sem qualquer nome como praacutetica comum e informal No conteuacutedo jaacute emergia a ideacuteia

de que tal procedimento tendia agrave verificaccedilatildeo da existecircncia da infraccedilatildeo penal descobrimento de todas as

circunstacircncias e respectiva autoria (art 11 sect 2ordm e 38 in fine e art 42 do Decreto no 482471) PITOMBO

Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 638

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 135 639

Art 38 Os Chefes Delegados e Subdelegados de Policia logo que por qualquer meio lhes chegue a

noticia de se ter praticado algum crime commum procederatildeo em seus districtos aacutes diligencias necessarias

para verificaccedilatildeo da existencia do mesmo crime descobrimento de todas as suas circumstancias e dos

delinquentes

116

tudo quanto pudesse ser uacutetil agrave elucidaccedilatildeo do fato640

Previa ademais que se presente a

autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa e investigaccedilatildeo do fato

criminoso a autoridade policial deveria se restringir a assessoraacute-la seja agindo ex officio

seja atendendo agraves requisiccedilotildees elaboradas pela autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo

promotor puacuteblico641

Se a autoridade judiciaacuteria competente natildeo comparecesse logo ou natildeo

instaurasse imediatamente o processo da formaccedilatildeo da culpa a autoridade policial deveria

proceder ao inqueacuterito policial642

ldquoconsistente em todas as diligecircncias necessaacuterias ao

descobrimento do fato criminoso suas circunstacircncias e seus autores coautores ou

cuacutemplices devendo ser reduzido a escritordquo643

644

640

Art 39 As diligencias a que se refere o artigo antecedente comprehendem 1ordm O corpo de delicto directo

2ordm Exames e buscas para apprehensatildeo de instrumentos e documentos 3ordm Inquiriccedilatildeo de testemunhas que

houverem presenciado o facto criminoso ou tenham razatildeo de sabel-o 4ordm Perguntas ao reacuteo e ao offendido Em

geral tudo o que focircr util para esclarecimento do facto e das suas circumstancias 641

Art 40 No caso de flagrante delicto ou por effeito de queixa ou denuncia se logo comparecer a

autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa a investigar do facto criminoso notoacuterio ou

arguido a autoridade policial se limitaraacute a auxilial-a colligindo ex-oficio as provas e esclarecimentos que

possa obter e procedendo na esphera de suas attribuiccedilotildees aacutes diligencias que lhe forem requisitadas pela

autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo Promotor Puacuteblico ou por quem suas vezes fizer 642

Art 41 Quando poreacutem natildeo compareccedila logo a autoridade judiciaacuteria ou natildeo instaure immediatamente o

processo da formaccedilatildeo da culpa deve a autoridade policial proceder ao inquerito aceroa dos crimes communs

de que tiver conhecimento proprio cabendo a acccedilatildeo puacuteblica ou por denuncia ou a requerimento da parte

interessada ou no caso de prisatildeo em flagrante 643

Art 42 O inquerito policial consiste em todas as diligencias necessarias para o descobrimento dos factos

criminosos de suas circumstancias e dos seus autores e complices e deve ser reduzido a instrumento

escripto observando-se nelle o seguinte Ver toacutepico 1ordm Far-se-ha corpo de delicto uma vez que o crime seja

de natureza dos que deixam vestigios 2ordm Dirigir-se-ha a autoridade policial com toda a promptidatildeo ao lugar

do delicto e ahi aleacutem do exame do facto criminoso e de todas as suas circumstancias e descripccedilatildeo da

localidade em que se deu trataraacute com cuidado de investigar e colligir os indicies existentes e apprehender os

instrumentos do crime e quaesquer objectos encontrados lavrando-se de tudo auto assignado pela autoridade

peritos e duas testemunhas 3ordm Interrogaraacute o delinquente que focircr preso em flagrante e tomaraacute logo as

declaraccedilotildees juradas das pessoas ou escolta que o conduzirem e das que presenciarem o facto ou deite tiverem

conhecimento 4ordm Feito o corpo de delicto ou sem elle quando natildeo possa ter lugar indagaraacute quaes as

testemunhas do crime as faraacute vir aacute sua presenccedila inquirindo-as sob juramento a respeito do facto e suas

circumstancias e de seus autores ou complices Estes depoimentos na mesma occasiatildeo seratildeo escriptos

resumidamente em um soacute termo assignado pela autoridade testemunhas e delinquente quando preso em

flagrante 5ordm Poderaacute dar busca com as formalidades legaes para apprehensatildeo das armas e instrumentos do

crime e de quaesquer objectos aacute elle referentes e desta diligencia se lavraraacute o competente auto 6ordm

Terminadas as diligencias e autuadas todas as peccedilas seratildeo conclusas aacute autoridade que proferiraacute o seu

despacho no qual recapitulando o que focircr averiguado ordenaraacute que o inquerito seja remettido por

intermedio do Juiz Municipal ao Promotor Puacuteblico ou a quem suas vezes fizer e na mesma occasiatildeo indicaraacute

as testemunhas mais idoneas que por ventura ainda natildeo tenham sido inqueridas Desta remessa daraacute

immediatamente parte circumstanciada ao Juiz de Direito da comarca Nas comarcas especiaes a remessa

seraacute por intermedio do Juiz de Direito que tiver a jurisdicccedilatildeo criminal do districto sem participaccedilatildeo a outra

autoridade 7ordm Todas as diligencias relativas ao inquerito seratildeo feitas no prazo improrogavel de cinco dias

com assistecircncia do indiciado delinquente se estiver preso podendo impugnar os depoimentos das

testemunhas Poderaacute tambem impugnal-os nos crimes afianccedilaveis se requerer sua admissatildeo aos termos do

inquerito 8ordm Nos crimes em que natildeo tem lugar a acccedilatildeo puacuteblica o inquerito feito a requerimento da parte

interessada e reduzido a instrumento ser-lhe-ha entregue para o uso que entender 9ordm Para a notificaccedilatildeo e

comparecimento das testemunhas e mais diligencias do inquerito policial se observaratildeo no que focircr

applicavel as disposiccedilotildees que regulam o processo da formaccedilatildeo da culpa 644

SAAD Marta O direito p 53

117

Tais novos dispositivos vieram sobretudo criar estiacutemulos agrave atividade das partes no

sumaacuterio de culpa e regulamentaacute-la Mas ndash eacute necessaacuterio salientar ndash natildeo reduziram a

inquisitoriedade do juiz agrave passividade que muitas vezes a doutrina e os tribunais tecircm

atribuiacutedo aos magistrados penais645

A reforma judiciaacuteria de 1871 atribuiu agraves unidades federativas a competecircncia de

legislarem em mateacuteria de processo civil e penal (art 34 nordm 23 cc art 65 nordm 2) Alguns

Estados membros nunca chegaram a elaborar um Coacutedigo de Processo Penal - como eacute

exemplo o estado de Satildeo Paulo - limitando-se a adotar a legislaccedilatildeo imperial com algumas

modificaccedilotildees Outros criaram diplomas sem rigor teacutecnico introduzindo meras disposiccedilotildees

de organizaccedilatildeo judiciaacuteria em normas processuais Bons estatutos conforme afirma Seacutergio

Marcos de Moraes Pitombo foram raros646

25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941

O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 surge em meio a um cenaacuterio dominado por

uma progressiva centralizaccedilatildeo poliacutetica e pela consagraccedilatildeo dos ideais autoritaacuterios647

Ao

lado da necessidade de coordenaccedilatildeo sistemaacutetica das regras do processo penal num Coacutedigo

uacutenico para todo o Brasil impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiecircncia e

vigor da accedilatildeo repressiva do Estado contra os delinquentes648

Como fruto juriacutedico do Estado Novo anuncia em sua Exposiccedilatildeo de Motivos que

as nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos reacuteus ainda que colhidos em

flagrante ou confundidos pela evidecircncia das provas um tatildeo extenso cataacutelogo de garantias

e favores que a repressatildeo se torna necessariamente defeituosa e retardataacuteria

decorrendo daiacute um indireto estiacutemulo agrave expansatildeo da criminalidaderdquo Daiacute decorreu a

justificaccedilatildeo para que fosse ldquoabolida a injustificaacutevel primazia do interesse do indiviacuteduo

sobre o da tutela socialrdquo Assim o criteacuterio que norteou a elaboraccedilatildeo do atual Coacutedigo de

645

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 136 646

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 647

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 173 648

Exposiccedilatildeo de Motivos do atual Coacutedigo de Processo Penal

118

Processo Penal foi aquele da supremacia do bem comum e do interesse social em face dos

ldquopseudodireitos individuaisrdquo

O atual Coacutedigo de Processo Penal (Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941)

natildeo se afastou de nossas tradiccedilotildees legislativas preservando suas principais caracteriacutesticas

Conservou o inqueacuterito policial configurando-o do mesmo modo como o herdamos do

Impeacuterio atraveacutes da reforma de 1871 isto eacute como instruccedilatildeo provisoacuteria predecente agrave

propositura da accedilatildeo penal em respeitp a um mandamento constitucional previu a instruccedilatildeo

plenamente contraditoacuteria e separou definitivamente as funccedilotildees acusatoacuteria e julgadora

eliminando quase por completo o procedimento ex officio que soacute permaneceu para o

processo de contravenccedilotildees limitou ainda mais a competecircncia do juacuteri e buscou dotar todos

os processos de um caraacuteter nitidamente acusatoacuterio649

Foram abolidos o sumaacuterio de culpa e

a pronuacutencia exceto para os casos a serem julgados pelo juacuteri650

Houve portanto com o Coacutedigo de 1941 mudanccedila sensiacutevel a respeito da fase

destinada agrave acusaccedilatildeo e sua admissibilidade Com a supressatildeo da etapa do sumaacuterio de culpa

e o recebimento da denuacutencia em decisatildeo natildeo motivada logo apoacutes o oferecimento da

denuacutencia ou queixa o acusado ficou privado de um momento para contradizer a acusaccedilatildeo e

evitar o seguimento de processos manifestamente injustos651

Como consequecircncia a fim de atender aos dispositivos constitucionais de 1937652

ganhou o inqueacuterito policial funcionalmente a natureza de instruccedilatildeo criminal preliminar jaacute

que constitui nos casos de competecircncia do juiz singular o fundamento exclusivo da

acusaccedilatildeo653

De acordo com Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo no atual sistema processual

penal brasileiro excetuando-se os procedimentos especiais do juacuteri dos crimes falimentares

e dos crimes contra a propriedade industrial o inqueacuterito policial integra a formaccedilatildeo da

culpa654

ldquoInteira agrave luz do conceito sugerido o processo penal como a parte completa o

649

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 124 650

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 168 651

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 127 652

A Constituiccedilatildeo de 1937 utilizava-se da pronuacutencia e da formaccedilatildeo da culpa como o marco necessaacuterio para

situaccedilotildees para situaccedilotildees como a prisatildeo processual e a fianccedila 653

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 207 654

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de

119

todo Fase pois que eacute da persecuccedilatildeo penal ubicada agrave formaccedilatildeo preacutevia da culpa repita-

serdquo655

Ao disciplinar a forma de apuraccedilatildeo preacutevia portanto o Coacutedigo de Processo Penal de

1941 conservou o inqueacuterito policial na nossa legislaccedilatildeo rejeitando a adoccedilatildeo do juizado de

instruccedilatildeo Na Exposiccedilatildeo de Motivos do Decreto-Lei nordm 3689 de 03 de outubro de 1941 o

Ministro da Justiccedila Francisco Campos justificou essa opccedilatildeo com base nos seguintes

argumentos ldquo(i) o inqueacuterito policial eacute mais adaptaacutevel agrave realidade brasileira visto que a

dimensatildeo territorial do paiacutes impossibilitaria a atuaccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo (ii) o juizado

de instruccedilatildeo somente poderia ser adotado com a quebra do sistema ou seja haveria

juizado de instruccedilatildeo uacutenica e apenas nas sedes da comarca e inqueacuterito policial nos

distritos longiacutenquos (iii) o inqueacuterito ainda se apresenta como melhor opccedilatildeo contra os

apressados juiacutezos dada a possibilidade de reorientar a investigaccedilatildeo livrando-se a Justiccedila

de errocircneos juiacutezos causados pelo clamor do crimerdquo656

O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 conferiu o trabalho de investigaccedilatildeo criminal

agraves autoridades policiais para a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria657

sem

655

IBID 656

ldquoFoi mantido o inqueacuterito policial como processo preliminar ou preparatoacuterio da accedilatildeo penal guardadas as

suas caracteriacutesticas atuais O ponderado exame da realidade brasileira que natildeo eacute apenas a dos centros

urbanos senatildeo tambeacutem a dos remotos distritos das comarcas do interior desaconselha o repuacutedio do sistema

vigente O preconizado juiacutezo de instruccedilatildeo que importaria limitar a funccedilatildeo da autoridade policial a prender

criminosos averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas soacute eacute praticaacutevel sob a condiccedilatildeo de

que as distacircncias dentro do seu territoacuterio de jurisdiccedilatildeo sejam faacutecil e rapidamente superaacuteveis Para atuar

proficuamente em comarcas extensas e posto que deva ser excluiacuteda a hipoacutetese de criaccedilatildeo de juizados de

instruccedilatildeo em cada sede do distrito seria preciso que o juiz instrutor possuiacutesse o dom da ubiquumlidade De

outro modo natildeo se compreende como poderia presidir a todos os processos nos pontos diversos da sua zona

de jurisdiccedilatildeo a grande distacircncia uns dos outros e da sede da comarca demandando muitas vezes com os

morosos meios de conduccedilatildeo ainda praticados na maior parte do nosso hinterland vaacuterios dias de viagem

seria imprescindiacutevel na praacutetica a quebra do sistema nas capitais e nas sedes de comarca em geral a

imediata intervenccedilatildeo do juiz instrutor ou a instruccedilatildeo uacutenica nos distritos longiacutenquos a continuaccedilatildeo do

sistema atual Natildeo cabe aqui discutir as proclamadas vantagens do juiacutezo de instruccedilatildeo Preliminarmente a

sua adoccedilatildeo entre noacutes na atualidade seria incompatiacutevel com o criteacuterio de unidade da lei processual Mesmo

poreacutem abstraiacuteda essa consideraccedilatildeo haacute em favor do inqueacuterito policial como instruccedilatildeo provisoacuteria

antecedendo a propositura da accedilatildeo penal um argumento dificilmente contestaacutevel eacute ele uma garantia contra

apressados e errocircneos juiacutezos formados quando ainda persiste a trepidaccedilatildeo moral causada pelo crime ou

antes que seja possiacutevel uma exata visatildeo de conjunto dos fatos nas suas circunstacircncias objetivas e subjetivas

Por mais perspicaz e circunspeta a autoridade que dirige a investigaccedilatildeo inicial quando ainda perdura o

alarma provocado pelo crime estaacute sujeita a equiacutevocos ou falsos juiacutezos a priori ou a sugestotildees tendenciosas

Natildeo raro eacute preciso voltar atraacutes refazer tudo para que a investigaccedilatildeo se oriente no rumo certo ateacute entatildeo

despercebido Por que entatildeo abolir-se o inqueacuterito preliminar ou instruccedilatildeo provisoacuteria expondo-se a justiccedila

criminal aos azares do detetivismo agraves marchas e contramarchas de uma instruccedilatildeo imediata e uacutenica Pode

ser mais expedito o sistema de unidade de instruccedilatildeo mas o nosso sistema tradicional com o inqueacuterito

preparatoacuterio assegura uma justiccedila menos aleatoacuteria mais prudente e serenardquo Exposiccedilatildeo de Motivos ao

Coacutedigo de Processo Penal de 1941 657

Art 4ordm A poliacutecia judiciaacuteria seraacute exercida pelas autoridades policiais no territoacuterio de suas respectivas

jurisdiccedilotildees e teraacute por fim a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria Paraacutegrafo uacutenico A competecircncia

120

exclusatildeo da funccedilatildeo das autoridades administrativas autorizadas por lei658

isto eacute o inqueacuterito

natildeo eacute necessariamente policial sendo possiacutevel que outras autoridades administrativas

realizem a averiguaccedilatildeo dos fatos659

Natildeo obstante nosso estudo estaacute limitado ao inqueacuterito

policial realizado pela poliacutecia judiciaacuteria e nele nos centraremos

Assim o inqueacuterito policial foi disciplinado pelo Coacutedigo de Processo Penal que em

seu artigo 4ordm repete o conceito que lhe foi dado pelo Regulamento nordm 4824 de 1871660

e

particulariza no artigo 6ordm661

as providecircncias a serem tomadas pela autoridade policial

assim que cientes da praacutetica de um delito662

Trata-se portanto de um modelo de investigaccedilatildeo preliminar policial de modo que

a poliacutecia judiciaacuteria conduz o inqueacuterito policial com autonomia Contudo como veremos

mais adiante depende da intervenccedilatildeo judicial para a adoccedilatildeo de medidas restritivas de

direitos fundamentais663

Pelas regras atuais o inqueacuterito policial pode ser iniciado se for caso de accedilatildeo

puacuteblica incondicionada de ofiacutecio pela autoridade policial ou em decorrecircncia de notitia

criminis levada por qualquer pessoa ou por requisiccedilatildeo do juiz ou do membro do Ministeacuterio

Puacuteblico Ainda eacute possiacutevel ser instaurado por comunicaccedilatildeo espontacircnea do suspeito em

virtude da lavratura do auto de prisatildeo em flagrante ou do auto de resistecircncia ou a

requerimento do ofendido Vecirc-se portanto que natildeo obstante ter o Coacutedigo conferido o

trabalho de investigaccedilatildeo criminal agraves autoridades policiais estaacute o juiz legitimado natildeo soacute a

definida neste artigo natildeo excluiraacute a de autoridades administrativas a quem por lei seja cometida a mesma

funccedilatildeo 658

SANTIN Valter Foleto Op cit p 29 659

Assim tambeacutem um delito praticado por um militar seraacute objeto de um inqueacuterito policial militar Tambeacutem

pode a investigaccedilatildeo ser realizada por membros do Poder Legislativo nas chamadas Comissotildees Parlamentares

de Inqueacuterito 660

O Regulamento nordm 4824 de 1871 destina ao inqueacuterito todo o Capiacutetulo 3ordm da Seccedilatildeo 3ordf 661

Art 6o Logo que tiver conhecimento da praacutetica da infraccedilatildeo penal a autoridade policial deveraacute I ndash se

possivel e conveniente dirigir-se ao local providenciando para que se natildeo alterem o estado e conservaccedilatildeo

das coisas enquanto necessaacuterio II ndash apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relaccedilatildeo com o

fato III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstacircncias IV - ouvir

o ofendido V - ouvir o indiciado com observacircncia no que for aplicaacutevel do disposto no Capiacutetulo III do

Tiacutetulo Vll deste Livro devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham

ouvido a leitura VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareaccedilotildees VII - determinar se for

caso que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras periacutecias VIII - ordenar a identificaccedilatildeo

do indiciado pelo processo datiloscoacutepico se possiacutevel e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes IX -

averiguar a vida pregressa do indiciado sob o ponto de vista individual familiar e social sua condiccedilatildeo

econocircmica sua atitude e estado de acircnimo antes e depois do crime e durante ele e quaisquer outros elementos

que contribuiacuterem para a apreciaccedilatildeo do seu temperamento e caraacuteter 662

SAAD Marta O direito p 76 663

LOPES JR Aury Direito p 252

121

iniciar as investigaccedilotildees acerca de um delito (artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal)664

mas a atuar ainda em diversos momentos da investigaccedilatildeo criminal como veremos a

seguir

De acordo com o artigo 10 caput do Coacutedigo de Processo Penal ldquoo inqueacuterito

deveraacute terminar no prazo de dez (10) dias se o indiciado tiver sido preso em flagrante ou

estiver preso preventivamente contado o prazo nesta hipoacutetese a partir do dia em que se

executar a ordem de prisatildeo ou no prazo de trinta (30) dias quando estiver solto mediante

fianccedila ou sem elardquo

Dispotildee ainda em seu paraacutegrafo 3o que ldquoquando o fato for de difiacutecil elucidaccedilatildeo e

o indiciado estiver solto a autoridade poderaacute requerer ao juiz a devoluccedilatildeo dos autos para

ulteriores diligecircncias que seratildeo realizadas no prazo marcado pelo juizrdquo Isto eacute a

prorrogaccedilatildeo do prazo do inqueacuterito deve ser requerida pela autoridade policial ao juiz

cabendo a ele deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo bem como fixar o prazo para a realizaccedilatildeo daquelas

diligecircncias

Desempenha ainda o magistrado importante papel no que diz respeito agrave valoraccedilatildeo

quanto ao arquivamento do caso podendo discordar do arquivamento promovido pelo

Promotor de Justiccedila

Assim se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa

para a accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao teacutermino da investigaccedilatildeo pode o Ministeacuterio Puacuteblico

promover o arquivamento das peccedilas665

No entanto de acordo com o artigo 28 do CPP ldquoo

juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees invocadas para o arquivamento faraacute

remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao procurador-geral e este poderaacute oferecer

a denuacutencia designar outro oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistir no

pedido de arquivamento ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atenderrdquo

Igualmente a redaccedilatildeo original do artigo 311 do CPP estabelecia que em qualquer

fase da investigaccedilatildeo policial ou do processo penal caberia a prisatildeo preventiva decretada

664

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 45 665

IBID p 112

122

pelo juiz de ofiacutecio ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do querelante ou por

representaccedilatildeo da autoridade policial666

A Lei Processual Penal permite ainda ser efetivadas outras medidas constritivas

pelo magistrado durante a investigaccedilatildeo criminal ausente preacutevia provocaccedilatildeo tais como o

sequestro de bens667

do indiciado e a busca e apreensatildeo668

Vale ressaltar que o legislador de 1941 deu ao julgador enormes poderes

instrutoacuterios No Tiacutetulo ldquoDa provardquo satildeo elencados vaacuterios meios de prova e outros meios de

obtenccedilatildeo de prova para os quais se admite a produccedilatildeo por iniciativa do juiz O juiz

portanto poderaacute instruir o processo o quanto entender conveniente e suficiente para formar

seu convencimento669

Esse quadro de incremento dos poderes instrutoacuterios do juiz foi

sensivelmente prestigiado recentemente com o advento da Lei 116902008 que mudou

todo o capiacutetulo das ldquoDisposiccedilotildees Geraisrdquo (arts 155 a 157) do Tiacutetulo ldquoDa provardquo do

Coacutedigo de Processo Penal Isso porque a redaccedilatildeo do artigo 156 manteve em seu caput que

eacute ldquofacultado ao juiz de ofiacuteciordquo produzir prova seja na fase de investigaccedilatildeo preliminar

seja na fase de instruccedilatildeo processual ateacute antes de proferir sentenccedila670

Isto eacute as alteraccedilotildees introduzidas pela Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 no

Coacutedigo ampliaram a possibilidade de determinaccedilatildeo de ofiacutecio de provas antecipadas pelo

juiz sugerindo a atribuiccedilatildeo de um irrestrito poder de investigaccedilatildeo (artigo 156 I671

)

Considere-se finalmente que o Coacutedigo de Processo Penal acolheu o princiacutepio da

livre convicccedilatildeo isto eacute o juiz formaraacute o seu convencimento pela livre apreciaccedilatildeo das

provas constantes dos autos natildeo havendo predominacircncia de valor legal de umas sobre as

outras ou hierarquia de provas ou provas absolutas672

666

Art 311 Em qualquer fase do inqueacuterito policial ou da instruccedilatildeo criminal caberaacute a prisatildeo preventiva

decretada pelo juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do querelante ou mediante

representaccedilatildeo da autoridade policial quando houver prova da existecircncia do crime e indiacutecios suficientes da

autoria 667

Art 127 O juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do ofendido ou mediante

representaccedilatildeo da autoridade policial poderaacute ordenar o sequumlestro em qualquer fase do processo ou ainda

antes de oferecida a denuacutencia ou queixa 668

Art 242 A busca poderaacute ser determinada de ofiacutecio ou a requerimento de qualquer das partes 669

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 169 670

IBID p 169 671

Art 156 A prova da alegaccedilatildeo incumbiraacute a quem a fizer sendo poreacutem facultado ao juiz de ofiacutecio I ndash

ordenar mesmo antes de iniciada a accedilatildeo penal a produccedilatildeo antecipada de provas consideradas urgentes e

relevantes observando a necessidade adequaccedilatildeo e proporcionalidade da medida () 672

Ateacute o advento da Lei 116902008 a livre apreciaccedilatildeo da prova estava assim prevista no artigo 157 desde

123

Assim mesmo apoacutes o advento da atual Constituiccedilatildeo era praacutetica comum aos juiacutezes

justificarem condenaccedilotildees apenas com base em elementos informativos colhidos em fase

inquisitiva preacute-processual673

Pode-se dizer pois que ateacute a ediccedilatildeo da Lei 116902008674

a rigor o magistrado

criminal natildeo estaria inibido de basear o seu julgamento tendo em apreccedilo unicamente as

provas do inqueacuterito desde que estas demonstrassem e definissem de forma evidente a

responsabilidade do acusado e desde que por fim na instruccedilatildeo judicial nenhum novo

elemento surgisse para invalidaacute-las675

Do quanto exposto pode-se perceber que o Coacutedigo de Processo Penal de 1941

ampara uma intensa imersatildeo do juiz nos autos das investigaccedilotildees penais permitindo-lhe

avaliar a qualidade do material pesquisado indicar diligecircncias quando natildeo satisfeito com

aquelas jaacute realizadas e inclusive ordenar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito em crime de accedilatildeo

puacuteblica incondicionada interferindo sobremaneira na atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico em

busca da formaccedilatildeo da opinio delicti

3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988

31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal

1941 ldquoArt 157 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo pela livre apreciaccedilatildeo da provardquo A partir de meados de 2008

essa mesma determinaccedilatildeo estaacute assim transposta ao artigo 155 atual ldquoArt 155 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo

pela livre apreciaccedilatildeo da prova produzida em contraditoacuterio judicial natildeo podendo fundamentar sua decisatildeo

exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo ressalvadas as provas cautelares natildeo

repetiacuteveis e antecipadasrdquo 673

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 170 674

Para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquoNatildeo obstante se possa reconhecer um avanccedilo da postura anterior

melhor seria que o legislador infraconstitucional de 2008 mantivesse a redaccedilatildeo originaacuteria do projeto de

reforma do tema da prova que deu origem agrave lei 11690 Nele estava fixado que o juiz formaria sua

convicccedilatildeo apenas com as provas produzidas em contraditoacuterio judicial excluindo-se de maneira absoluta

todo o material colhido em fase investigativa ou sem contraditoacuterio Esse talvez fosse o promeiro passo

significativo para romper neste tema com a estrutura e cultura inquisitivas formadoras do Coacutedigo de

Processo Penalrdquo IBID p 172 675

MONDIN Augusto Manual de Inqueacuterito Policial Satildeo Paulo Sugestotildees Literaacuterias SA p 70

124

Como eacute notoacuterio a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 estremeceu todo o

ordenamento juriacutedico brasileiro676

A Carta de 1988 demarca no acircmbito juriacutedico o

processo de democratizaccedilatildeo do Estado brasileiro ao consolidar a ruptura com o regime

autoritaacuterio militar instalado em 1964677

fator que ensejou consideraacutevel impacto

especialmente na esfera dos direitos fundamentais678

Considerada uma das constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo moderno nossa

Carta Magna representou como jaacute observado a passagem do Estado nacional absoluto a

um efetivo Estado Democraacutetico de Direito consagrando para tanto princiacutepios

fundamentais que se materializam como alicerces deste novo Direito679

Assim como marco juriacutedico da transiccedilatildeo ao regime democraacutetico alargou

significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais colocando-se entre as

Constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo no que diz respeito agrave mateacuteria680

O que a Constituiccedilatildeo propotildee em termos de ideias a serem preservados no processo

penal eacute algo consideravelmente diferente daquilo que conhecemos na histoacuteria

constitucional ateacute 1988 Natildeo se trata mais da simples reiteraccedilatildeo mecacircnica e automaacutetica das

garantias individuais presentes em todas as Constituiccedilotildees passadas681

e nesta repetida em

abundacircncia682

Estas matrizes constitucionais representam uma alteraccedilatildeo profunda na

sistematizaccedilatildeo normativa e sobretudo no que se refere agrave hermenecircutica juriacutedica

Especialmente no que diz respeito agraves questotildees processuais penais a importacircncia da relaccedilatildeo

Constituiccedilatildeo - normas infraconstitucionais ganhou enorme prestiacutegio Os valores

constitucionais recrudesceram e ganharam maior amplitude quando analisados e

676

CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da

jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 677

PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva

2008 p 21 678

IBID p 21 679

CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da

jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 680

PIOVESAN Flaacutevia Op cit p 25 681

De acordo com Fauzi Hassan Choukr ldquocom efeito desde a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio de 1824 passando

por todas as republicanas inclusive a mais ditatorial ndash 1937 ndash conhecemos em sede de Carta Magna a

declaraccedilatildeo de direitos ainda que sob o aspecto meramente retoacuterico e sujeito a supressotildees como no exerciacutecio

autoritaacuterio de Vargas (19371945) e no contexto do regime militar (1969)rdquo As reformas pontuais do Coacutedigo

de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo n 58 EEsp set 1997 p 07-09 682

IBID

125

interpretados em acircmbito processual criminal pois eacute neste que se verificam com maior

intensidade pontos de tensatildeo entre o Estado e os indiviacuteduos683

Nesse sentido um mero exame superficial e despretensioso do atual texto

constitucional eacute suficiente para que seja verificada a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos

garantidores na atuaccedilatildeo do aparelho repressivo buscando com isto a conformaccedilatildeo do

processo penal aos valores democraacuteticos consagrados no trabalho constituinte684

Assim a Constituiccedilatildeo em vigor natildeo pode mais ser considerada apenas como uma

carta de direitos miacutenimos Ela realmente impocircs um sistema processual penal de caraacuteter

unicamente acusatoacuterio685

na busca da desejaacutevel separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem

desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal exigindo que as garantias dos quais se

reveste sejam respeitadas e mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um

processo penal constitucional

As bases desse sistema acusatoacuterio ldquoexpressatildeo inseparaacutevel da democracia no

processo penalrdquo686

multiplicam-se por todo texto constitucional natildeo obstante sua base ser

encontrada no artigo 5ordm em diversas passagens

Um dos exemplos de maior importacircncia eacute o monopoacutelio da accedilatildeo penal puacuteblica

assegurado ao Ministeacuterio Puacuteblico pela Carta Magna conforme disposto no art 129 inc I

da CF687

com o que se separam definitivamente as funccedilotildees de promover a accedilatildeo penal e

julgaacute-la uma das bases do sistema acusatoacuterio

Ao consagrar portanto a garantia do processo criminal de tipo acusatoacuterio a Lei

Fundamental pretende assegurar que o oacutergatildeo que julga natildeo tenha funccedilotildees de investigaccedilatildeo e

acusaccedilatildeo esta uacuteltima tarefa haacute de ser levada a efeito por uma outra entidade ndash em regra o

Ministeacuterio Puacuteblico688

683

CRUZ Diogo Tebet da Op cit 684

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 08 685

CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 686

IBID 687

ldquoEssa disposiccedilatildeo eacute decorrente do que se convencionou chamar de sistema acusatoacuterio no qual haacute a

divisatildeo niacutetida dos atores no processo penal distintos oacutergatildeos desempenham as funccedilotildees necessaacuterias para o

desdobramento regular do processo oacutergatildeo de acusaccedilatildeo (Ministeacuterio Puacuteblico) de defesa (advogado ou

Defensoria Puacuteblica) e outro de julgamento (juiz)rdquo CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva

ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo 163 jun-2006 688

ABADE Denise Neves Op cit p 140

126

O sistema processual penal eacute pois o acusatoacuterio com todo o seu arcabouccedilo

democraacutetico E vai de encontro com o Coacutedigo em vigor de natureza fortemente

inquisitiva689

Como vimos o Coacutedigo de Processo Penal de 1941 elaborado sob a ditadura do

Estado Novo manteve inevitavelmente a preponderacircncia do sistema inquisitoacuterio

sobretudo ao atribuir ao juiz a praacutetica de atos caracteriacutesticos da acusaccedilatildeo como a

decretaccedilatildeo de ofiacutecio da prisatildeo preventiva (artigo 311) da busca e apreensatildeo (artigo 242)

do sequestro (artigo 127) aleacutem da participaccedilatildeo ativa na instruccedilatildeo para realizar

praticamente qualquer diligecircncia (artigo 156 I e II)690

Ocorre que apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 o ordenamento juriacutedico

paacutetrio natildeo mais comporta os resquiacutecios do sistema inquisitoacuterio691

De fato um exame

superficial da nossa lei processual baacutesica natildeo exaustivo demonstra que diversos ranccedilos de

inquisitorialismo apesar de decorridos 25 anos da vigecircncia da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 ainda subsistem no processo penal692

As bases do sistema processual delineado pela Carta Magna estatildeo fundadas nos

princiacutepios acusatoacuterio da separaccedilatildeo entre acusador e julgador exerciacutecio exclusivo da accedilatildeo

penal pelo Ministeacuterio Puacuteblico imparcialidade e livre convencimento do juiz motivaccedilatildeo

das decisotildees ampla defesa contraditoacuterio oralidade e publicidade dos atos judiciais entre

outros693

Portanto em razatildeo da nova Constituiccedilatildeo Federal essas normas nitidamente

inquisitoriais e que em especial ofendem a garantia agrave imparcialidade do juiz natildeo mais

podem subsisitr no novo processo penal uma vez que natildeo foram recepcionadas pela Lei

Maior694

Assim logo apoacutes a ediccedilatildeo do novo texto constitucional surgiram as primeiras

preocupaccedilotildees com a reformulaccedilatildeo da atividade investigatoacuteria do magistrado em vista dos

689

CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 690

OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema

acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 691

IBID 692

ABADE Denise Neves Op cit p 143 693

OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema

acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 694

ABADE Denise Neves Op cit p 143

127

valores expressamente consagrados pelo texto poliacutetico ldquoiniciando-se um processo de

questionamento das garantiasrdquo695

O processo penal do tipo acusatoacuterio opccedilatildeo poliacutetica nitidamente eleita na estrutura

constitucional paacutetria exige pois um reexame do papel dos agentes estatais da persecuccedilatildeo

criminal em juiacutezo ou fora dele em especial do julgador696

Portanto eacute com o objetivo de adequar o processo penal ao modelo constitucional

acusatoacuterio que se busca sustentar uma participaccedilatildeo do julgador na fase preliminar da

persecuccedilatildeo penal mais isenta ldquosem a possibilidade presente em diversos dispositivos

inconstitucionais do juiz-ator do julgador que faz preacute-juiacutezos acerca da mateacuteria que o

ordenamento lhe impotildee decidir em equidistacircncia dos sujeitos parciaisrdquo697

A seguir buscaremos delinear o novo perfil da relaccedilatildeo do juiz com a investigaccedilatildeo

preliminar tendo em vista as garantias constitucionais do acusado e a titularidade

exclusiva do oacutergatildeo ministerial nas accedilotildees penais puacuteblicas como expressatildeo do sistema

acusatoacuterio

32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento

Na atualidade o desenvolvimento do processo penal constitucional tornou

inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores

do processo penal se cunfundam698

A anaacutelise da fase atual do pensamento instrumental penal especialmente no tema

ldquoconduccedilatildeo das investigaccedilotildeesrdquo demonstra a niacutetida tendecircncia de adoccedilatildeo do sistema

acusatoacuterio onde o juiz instrutor eacute substituiacutedo pelo juiz garantidor e o Ministeacuterio Puacuteblico

695

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 58 696

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 149 697

IBID p 108 698

SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e

contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 In Revista da ESMP ano 1 vol 2

p 41-46 julhodezembro 2008

128

assume o papel de condutor da accedilatildeo penal podendo contar com a Poliacutecia Judiciaacuteria para a

reuniatildeo das informaccedilotildees necessaacuterias699

Assim as transformaccedilotildees na estrutura da persecuccedilatildeo criminal atingiram altamente a

etapa preacute-processual de elaboraccedilatildeo do caderno informativo700

passando a ser repelida a

valoraccedilatildeo pelo magistrado da atuaccedilatildeo administrativa de investigaccedilatildeo o que representaria

ivariavelmente invasatildeo nas atribuiccedilotildees do titular da accedilatildeo penal e violaccedilatildeo agrave reparticcedilatildeo de

papeacuteis consagrada pelo sistema acusatoacuterio701

Toda essa trama de conferir a cada oacutergatildeo distinto uma funccedilatildeo almeja

essencialmente preservar a imparcialidade do julgador702

A imparcialidade no julgamento como antes observado eacute consequecircncia direta da

separaccedilatildeo dos poderes do Estado jaacute que estaacute relacionada agrave independecircncia do oacutergatildeo do

Judiciaacuterio em relaccedilatildeo aos outros Poderes e ao distanciamento e desvinculaccedilatildeo do juiz de

qualquer interesse que ultrapasse o preciso cumprimento da lei703

Assim quanto maior a intervenccedilatildeo do Judiciaacuterio nas atividades persecutoacuterias e

portanto parciais mais o magistrado assumiraacute a postura de juiz inquisidor figura totamente

estranha e rejeitada pelo nosso Estado Democraacutetico de Direito704

A posiccedilatildeo do juiz no processo penal eacute a de garante da claacuteusula do devido processo

legal assegurando concomitantemente a precisa observacircncia dos preceitos constitucionais

que tutelam a liberdade e o regular exerciacutecio do direito de acusar705

ldquoJuiz criminal natildeo deve se envolver naquilo que se convencionou chamar de

combate ao crime Juiz criminal natildeo eacute investigador Tampouco deve assumir o papel de

acusadorrdquo706

A funccedilatildeo atribuiacuteda ao magistrado na persecuccedilatildeo penal eacute a de garante da

efetiva realizaccedilatildeo das normas constitucionais e legais limitadoras do exerciacutecio da pretensatildeo

punitiva do Estado707

Como consequecircncia dessa anaacutelise verifica-se que a funccedilatildeo de

699

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 81 700

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108 701

IBID p 108 702

CRUZ Diogo Tebet da Op cit 703

ABADE Denise Neves Op cit p 144 704

IBID 705

SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 706

IBID 707

IBID

129

buscar provas eminentemente na persecuccedilatildeo preacute-processual eacute caracteriacutestica da

acusaccedilatildeo708

Um dos maiores desafios do processo penal moderno eacute compatibilizar o essencial

princiacutepio da imparcialidade do juiz com a busca da verdade real ou material na medida em

que a atribuiccedilatildeo de poderes investigatoacuterios e instrutoacuterios pode ao menos psicologicamente

afetar a sua necessaacuteria imparcialidade709

Por este motivo a tendecircncia eacute retirar do Poder

Judiciaacuterio quaisquer funccedilotildees persecutoacuterias devendo o exerciacutecio de atividade probatoacuteria do

juiz limitar-se agrave instruccedilatildeo criminal e ainda assim supletivamente agrave atuaccedilatildeo das partes710

Portanto especialmente no que tange aos atos investigatoacuterios incumbe ao juiz

preservar os direitos e garantias fundamentais do investigado nunca assumir o papel de

investigador711

Nesse contexto no confronto entre a pretensatildeo de se efetivar o direito penal

material e a pretensatildeo de liberdade do acusado o juiz deve manter-se indiferente para

permitir a produccedilatildeo da prova acusatoacuteria sem que se ofendam os direitos fundamentais do

reacuteu e sem que sua atividade comprometa a exigecircncia fundamental de imparcialidade ao

julgar e resolver a lide712

Nesse cenaacuterio que nos dizeres de Fauzi Hassan Choukr ldquoverdadeiramente afronta

estruturas fossilizadas do conhecimento e da praacutetica processuais penais brasileirasrdquo o

papel a ser desempenhado pelo magistrado outro natildeo eacute senatildeo o de preservar as garantias

constitucionais zelando pelo equiliacutebrio entre a persecuccedilatildeo e a liberdade do investigado713

O papel que deve ser desempenhado pelo juiz no processo penal de natureza acusatoacuteria eacute

portanto definitivamente inconciliaacutevel com a sua atuaccedilatildeo como condutor da investigaccedilatildeo

criminal

Com efeito a partir da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio em nosso paiacutes retirou-se o juiz

da apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais criando-se um procedimento o inqueacuterito policial que eacute

presidido por autoridade vinculada ao Poder Executivo ldquoTecircm portanto os juiacutezes

708

ABADE Denise Neves Op cit p 146 709

CRUZ Diogo Tebet da Op cit 710

IBID 711

SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 712

REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm

113 713

CHOUKR Fauzi Hassan As reformas

130

competecircncia para processar e julgar mas natildeo para investigar no acircmbito

extraprocessualrdquo714

Assim a atividade judicial nessa fase investigatoacuteria agora se restringe a tutelar a

legalidade do procedimento qualquer que seja o oacutergatildeo que processe a investigaccedilatildeo

intervindo em incidentes que protestem por jurisdicionalizaccedilatildeo715

Isso porque a

intromissatildeo do julgador em atos de natureza meramente administrativa de desenvolvimento

do inqueacuterito desvirtua a acusatoriedade do sistema por prejudicar a sua imparcialidade e a

igualdade dos sujeitos do processo716

Eacute o que afirma Ada Pellegrini Grinover Para a autora ldquodurante a investigaccedilatildeo o

juiz do processo acusatoacuterio tem apenas a funccedilatildeo de determinar providecircncias

cautelaresrdquo717

Numa anaacutelise sistemaacutetica fica bastante evidente que ao magistrado eacute destinado o

papel de mitigar ndash e de jamais suprimir ndash os direitos constitucionais como liberdade

intimidade privacidade patrimocircnio dentro dos mais limitados padrotildees de legalidade718

Por isso prisotildees cautelares interceptaccedilotildees telefocircnicas quebra de sigilos bancaacuterio ou fiscal

buscas e apreensotildees domiciliares natildeo podem ser concretizadas sem a autorizaccedilatildeo do

magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo confere autorizaccedilatildeo para determinaacute-las719

Neste panorama delineado a partir da implantaccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela

Constituiccedilatildeo de 1988 a participaccedilatildeo do julgador na instauraccedilatildeo e na conduccedilatildeo das

investigaccedilotildees tal como concebida pelo Coacutedigo de Processo Penal deve ser revista

Cumpre atentar-se pois aos principais pontos criacuteticos do processo penal brasileiro

no que tange agrave permanecircncia em vigor de dispositivos que atribuindo ao magistrado

poderes administrativos isto eacute natildeo-jurisdicionais o posicionam em situaccedilatildeo de

parcialidade para julgamento o que eacute incompatiacutevel com os preceitos consagrados na

ordem constitucional720

Satildeo normas que pouco se ajustam agraves garantias individuais e de

certa maneira deturpam as atribuiccedilotildees proacuteprias dos oacutergatildeos encarregados da investigaccedilatildeo

714

GRINOVER Ada Pellegrini Que juiz inquisidor eacute esse In Boletim IBCCRIM nordm 30 jun 1995 715

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108-109 716

IBID p 109 717

GRINOVER Ada Pellegrini A iniciativa instrutoacuteria do juiz no processo penal acusatoacuterio In Revista

Forense v 347 jul-set 1999 p 238 718

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito 719

IBID 720

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 129

131

do delito e da persecuccedilatildeo judicial do crime721

Os resultados da cultura inquisitorialista

herdada dos tempos da colonizaccedilatildeo ainda satildeo percebidos pois vaacuterios pontos do Coacutedigo

vigente ainda natildeo foram objeto de uma necessaacuteria filtragem constitucional722

A ingerecircncia do juiz nas questotildees administrativas da investigaccedilatildeo promovida pelo

Estado eacute uma contradiccedilatildeo sensiacutevel uma vez que inadequada qualquer interferecircncia que natildeo

fosse para assegurar o cumprimento da lei especialmente no que se refere agraves garantias do

investigado723

A seguir destacaremos apenas alguns pontos onde a incongruecircncia entre as praacuteticas

cotidianas da investigaccedilatildeo criminal e os ideais culturais lanccedilados na Constituiccedilatildeo se mostra

mais evidente

Como jaacute exposto embora a accedilatildeo penal soacute possa ser proposta pelo Ministeacuterio

Puacuteblico ou pelo ofendido a norma do artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal atribui aos

juiacutezes o poder de requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito o que constitui verdadeiro paradoxo

frente agrave adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio que exige mais do que afastar o juiz da

possibilidade de iniciar o processo penal vedar-lhe a requisiccedilatildeo de instauraccedilatildeo de

inqueacuterito724

A regra prevista no artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal adequava-se agrave antiga

possibilidade de o juiz ingressar de ofiacutecio com accedilatildeo penal puacuteblica hoje natildeo mais existente

por evidente incompatibilidade com a imparcialidade do juiacutezo e com o sistema

acusatoacuterio725

Com a consagraccedilatildeo da garantia do juiz imparcial e do sistema acusatoacuterio o

oferecimento de accedilatildeo penal pelo oacutergatildeo judiciaacuterio foi completamente revogado o que

tambeacutem deveria ter ocorrido com a possibilidade de requerimento de instauraccedilatildeo de

inqueacuterito policial por parte do magistrado726

Nesse sentido segundo Aury Lopes Jr a Constituiccedilatildeo ao estabelecer a titularidade

exclusiva da accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica esvaziou em parte o conteuacutedo do artigo em

721

IBID p 129-130 722

IBID p 130 723

IBID p 130 724

IBID p 109 725

ABADE Denise Neves Op cit p 175 726

IBID p 175

132

tela Natildeo compete ao juiz iniciar o processo ou mesmo o inqueacuterito ainda que por

intermeacutedio de requisiccedilatildeo natildeo soacute porque a accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica eacute de titularidade

exclusiva do Ministeacuterio Puacuteblico mas tambeacutem porque eacute um ditame do sistema

acusatoacuterio727

Isso porque decidir pela requisiccedilatildeo ou natildeo do inqueacuterito policial em uacuteltima anaacutelise

eacute o mesmo que decidir pela realizaccedilatildeo ou natildeo de colheita de elementos de convicccedilatildeo para a

formaccedilatildeo da opinio delicti ndash funccedilatildeo atribuiacuteda constitucionalmente de forma exclusiva no

caso da accedilatildeo penal puacuteblica ao Parquet728

Em definitivo natildeo cabe ao juiz requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito policial em

nenhum caso729

Ao magistrado cabe dizer o direito no caso concreto atentando para os direitos

fundamentais e sua imprescindiacutevel imparcialidade sendo-lhe absolutamente vedado agir

como parte730

Natildeo pode o Poder Judiciaacuterio conferir a si proacuteprio a funccedilatildeo de deliberaccedilatildeo

sobre a opinio delicti731

Assim a garantia de imparcialidade do juiacutezo natildeo se coaduna com a possibilidade de

iniciativa de provocaccedilatildeo jurisdicional por parte do proacuteprio Poder Judiciaacuterio ndash o que ocorre

na hipoacutetese de requisiccedilatildeo de inqueacuterito policial pelo magistrado732

O sistema acusatoacuterio

atribui ao Ministeacuterio Puacuteblico a decisatildeo sobre a abertura de procedimento para colheita de

elementos de convicccedilatildeo733

Ainda na fase preacute-processual natildeo se pode admitir que o julgador fixe orientaccedilatildeo

sobre as diretrizes a serem seguidas na investigaccedilatildeo ou criacutetica ao material probatoacuterio

colhido Nesse particular interessa relembrar o escopo das diligecircncias investigatoacuterias tal

seja reunir os elementos informativos necessaacuterios e suficientes ao convencimento do

727

LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I Rio de Janeiro

Lumen Juris 2007 p 265 728

ABADE Denise Neves Op cit p 175 729

LOPES JR Aury Direito p 265 730

ABADE Denise Neves Op cit p 175 731

IBID p 175 732

IBID p 175-176 733

IBID p 176

133

Ministeacuterio Puacuteblico sobre a viabilidade da acusaccedilatildeo734

ldquoQuem deve decidir portanto sobre

a necessidade de diligecircncias (e quais) eacute o titular da accedilatildeo penalrdquo735

No ponto especiacutefico da prorrogaccedilatildeo de prazo do inqueacuterito normalmente requerida

pela autoridade policial ao juiz eacute de notar-se que a atividade de deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo

tem caraacuteter meramente administrativo natildeo jurisdicional Encontra-se aqui outra distorccedilatildeo

do papel do julgador na fase da persecuccedilatildeo criminal extrajudicial se o controle externo da

Poliacutecia Judiciaacuteria eacute conferido ao Ministeacuterio Puacuteblico deve este zelar pela correta tramitaccedilatildeo

dos inqueacuteritos pois eacute de seu interesse institucional assegurar a tempestiva e fundamentada

finalizaccedilatildeo das investigaccedilotildees preacutevias736

737

Se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa para a

accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao fim da investigaccedilatildeo eacute do Ministeacuterio Puacuteblico a iniciativa de

promover o arquivamento das peccedilas evitando assim a instauraccedilatildeo de processo que

representa por si soacute um encargo significativo ao acusado738

No entanto o artigo 28 do CPP descreve uma rotina bastante singular e

ultrapassada quanto ao arquivamento assim descrita

Art 28 Se o oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico ao inveacutes de apresentar a

denuacutencia requerer o arquivamento do inqueacuterito policial ou de quaisquer

peccedilas de informaccedilatildeo o juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees

invocadas faraacute remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao

procurador-geral e este ofereceraacute a denuacutencia designaraacute outro oacutergatildeo do

Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistiraacute no pedido de arquivamento

ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atender

734

IBID p 110 735

LOPES JR Aury Direito p 265 736

ABADE Denise Neves Op cit p 110 737

ldquoEacute portanto salutar e constitui exigecircncia do modelo constitucional acusatoacuterio tramite o caderno

informativo diretamente entre a Poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico evitando-se o desserviccedilo prestado pela tardia

conclusatildeo das investigaccedilotildees com repercussotildees que vatildeo ateacute a soltura do investigado preso sendo de

assinalar ainda que a demora em chegarem ao oacutergatildeo ministerial as diligecircncias encetadas de ofiacutecio pela

Poliacutecia (muitas vezes o Ministeacuterio Puacuteblico somente toma conhecimento de um caso quando da vista

determinada judicialmente) colabora para a frustraccedilatildeo do processo investigativordquo IBID p 111 738

IBID p 112

134

A teor do que jaacute exposto acerca do papel constitucional do juiz na investigaccedilatildeo

criminal natildeo cabe ao juiz esse tipo de atividade praticamente recursal739

No acircmbito da

moldura acusatoacuteria delineada pela Constituiccedilatildeo constitui manifesta afronta ao princiacutepio

acusatoacuterio atribuir ao julgador a possibilidade de negar o pedido de arquivamento

formulado pelo Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo que exerce o juiacutezo de viabilidade da accedilatildeo penal

segundo os elementos coletados740

Natildeo eacute permitido ao juiz nesse passo intervir nos autos das investigaccedilotildees para

avaliar a qualidade do material colhido indicar diligecircncias ou imiscuir-se na atuaccedilatildeo do

Ministeacuterio Puacuteblico e na formaccedilatildeo do seu convencimento Ao juiz imparcial impotildee-se o

afastamento das atividades preparatoacuterias a fim de manter-se isento dos preconceitos que a

formulaccedilatildeo antecipada de uma tese produz de sorte a indagar apenas por ocasiatildeo do

exame da acusaccedilatildeo formulada se haacute justa causa para a accedilatildeo ou se se apresenta como

violaccedilatildeo ilegiacutetima da dignidade do acusado741

Nesse sentido parece indiscutiacutevel que o legislador de 2008742

ao conferir iniciativa

probatoacuteria na fase investigativa ao julgador perdeu uma grande oportunidade de reforccedilar a

determinaccedilatildeo constitucional por um sistema processual penal acusatoacuterio jaacute que deveria ter

restringido integralmente os poderes investigatoacuterios ex officio do juiz na fase

extraprocessual

Enfatizados os principais entraves agrave concretizaccedilatildeo do modelo acusatoacuterio brasileiro

resta evidente que o aperfeiccediloamento do sistema depende sobretudo da natildeo intervenccedilatildeo

judicial no controle da realizaccedilatildeo das investigaccedilotildees baacutesicas para o iniacutecio da accedilatildeo penal ou

da suficiecircncia dos elementos necessaacuterios agrave propositura da accedilatildeo penal por contrariar regras

pertinentes agrave distribuiccedilatildeo de funccedilotildees no processo743

bem como da retirada do ordenamento

dos dispositivos que conferem ao julgador ainda na fase de persecuccedilatildeo extrajudicial a

produccedilatildeo ex officio de diligecircncias probatoacuterias ou poderes administrativos outros que

retirem dele a imparcialidade necessaacuteria para o julgamento reservando-lhe o elevado dever

de garantidor de direitos fundamentais de sorte que o Judiciaacuterio somente venha a ser

chamado a intervir no curso das investigaccedilotildees quando em discussatildeo a violaccedilatildeo de direitos agrave

739

LOPES JR Aury Direito p 284 740

ABADE Denise Neves Op cit p 113 741

IBID p 113 742

Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 artigo 156 I 743

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 150

135

intimidade ao sigilo agrave liberdade entre outros a reclamar o exerciacutecio da funccedilatildeo

jurisdicional744

321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz

A atuaccedilatildeo do juiz do juiz na fase preacute-processual como anteriormente exposto deve

ser muito restrita745

limitando-se ao controle de legalidade dos atos restritivos dos direitos

fundamentais do investidado O desempenho de um papel ativo caracteriacutestico daquele que

efetivamente investiga deve pois ser-lhe vedado de modo a preservar sua

imparcialidade746

Com a cisatildeo operada entre oacutergatildeo julgador e o promovente da accedilatildeo penal ao

magistrado eacute destinada nova funccedilatildeo que obviamente natildeo eacute o de interferir na conduccedilatildeo da

investigaccedilatildeo penal ou agir como autecircntica parte no processo atuando em prol de uma cega

e desenfreada busca da verdade real747

O juiz que funciona nesta fase natildeo eacute mais o investigador mas o responsaacutevel pela

observacircncia aos direitos constitucionais e eacute natildeo raras vezes instado a intervir em

incidentes jurisdicionais quando em discussatildeo qualquer tipo de limitaccedilatildeo a esses mesmos

direitos748

A exigecircncia de que a efetivaccedilatildeo de toda e qualquer medida cautelar seja

previamente autorizada por autoridade jurisdicional competente eacute decorrecircncia do princiacutepio

da jurisdicionalidade que por sua vez deriva exatamente da funccedilatildeo de garantidor dos

direitos fundamentais do investigado atribuiacuteda ao magistrado na fase preacutevia ao processo

penal749

Agrave jurisdicionalidade como princiacutepios norteadores das medidas cautelares penais

comumente indicados pela doutrina somam-se a provisionalidade a provisoriedade a

excepcionalidade que exige sejam tais medidas adotadas apenas quando cabalmente 744

IBID p 150 745

LOPES JR Aury Direito p 247 746

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 186 747

CHOUKR Fauzi Hassan As novas tendecircncias para o processo penal IBCCRIM Boletim - 45 - Agosto

Esp 1996 748

IBID 749

LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v II Rio de Janeiro

Lumen Juris 2009 p 54-61

136

demonstrada sua necessidade a revogabilidade a acessoriedade e a proporcionalidade

esta a reclamar do juiz uma ponderaccedilatildeo entre a gravidade da medida cautelar e o fim que

por meio dela se pretende atingir750

Observado esse conjunto de princiacutepios que deve guiar a atuaccedilatildeo jurisdicional na

fase preacute-processual tem-se que a funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos

investigados natildeo eacute satisfatoriamente exercida com a mera intervenccedilatildeo formal do

magistrado autorizando ou natildeo as medidas cautelares requeridas751

O exame dos

pressupostos legais de cada uma das medidas cautelares bem como de sua legitimidade

exigem do magistrado como regra uma ampla e verdadeira avaliaccedilatildeo dos elementos

materiais colhidos na investigaccedilatildeo sobre o qual se alicerccedila o requerimento cautelar752

A garantia da imparcialidade do julgamento por sua vez vem sendo construiacuteda

nas normas internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos num progressivo

detalhamento o qual se faz necessaacuterio para assegurar a efetividade desta norma garantia no

plano interno interpretando-se a legislaccedilatildeo ordinaacuteria de acordo com os ditames dos

tratados internacionais de direitos fundamentais e das normas constitucionais753

A partir do desenvolvimento do conceito de imparcialidade objetiva portanto

passou-se a questionar-se em sede processual penal se a imparcialidade objetiva dos

julgadores natildeo ficaria afetada por ocasiatildeo da decisatildeo de meacuterito justamente devido agrave

intervenccedilatildeo do mesmo magistrado como garantidor na investigaccedilatildeo criminal quando em

discussatildeo a adoccedilatildeo de medidas que possam representar violaccedilatildeo aos direitos fundamentais

do investigado

Isso porque a proteccedilatildeo dos direitos individuais tais como a intimidade a

privacidade e a honra assentada no texto constitucional exige cuidadoso exame acerca da

necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de tais direitos

Eacute o caso por exemplo das medidas cautelares reais reguladas pelo Coacutedigo de

Processo Penal denominadas medidas assecuratoacuterias de natureza eminentemente

750

CALAMANDREI Piero Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari Padova

Cedam 1936 SANCHES Sydney Poder geral de cautela do juiz no processo civil brasileiro Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 1978 p 23-32 THEODORO JUacuteNIOR Humberto Processo Cautelar 19ordf ed Satildeo

Paulo LEUD 2000 p 65-69 751

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 187 752

IBID p 187 753

ABADE Denise Neves Op cit p 141-142

137

patrimonial das medidas cautelares pessoais que exigem com ainda maior rigor que o

magistrado tenha uma atuaccedilatildeo mais proacutexima e cuidadosa em razatildeo de se estar lidando com

a liberdade do imputado e das cautelares probatoacuterias de que satildeo exemplo a quebra de

sigilos telefocircnico bancaacuterio e fiscal e a interceptaccedilatildeo telefocircnica

Essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual exige uma tamanha proximidade

do magistrado com os elementos indiciaacuterios colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem

margens a duacutevidas cria no subjetivo do magistrado impressotildees e preconceitos

incompatiacuteveis com o distanciamento que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a

instruccedilatildeo criminal com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional

penal754

Todas essas hipoacuteteses assemelham-se agraves causas consideradas pelo Tribunal

Europeu de Direitos Humanos como justificadoras do receio acerca da perda da

imparcialidade do julgador seja pela sua efetiva proximidade com o material probatoacuterio

seja pelas decisotildees proferidas todas elas exigindo uma incursatildeo do magistrado em direccedilatildeo

agrave anaacutelise da culpabilidade do suspeito755

A situaccedilatildeo apresentada expotildee uma das grandes falhas do sistema e revela o

inequiacutevoco comprometimento do julgador e sua influecircncia pelos elementos de informaccedilatildeo

que na verdade natildeo lhe dizem respeito nesse momento756

Sua imparcialidade estaacute

comprometida pelos diversos preacute-julgamentos que realiza no curso da investigaccedilatildeo

preliminar757

ldquoSatildeo esses processos psicoloacutegicos interiores que levam a um preacute-juiacutezo sobre

condutas e pessoasrdquo758

O modelo paacutetrio neste momento natildeo apresenta soluccedilatildeo para o problema

Diferentemente do que ocorre em modelos mais avanccedilados o nosso natildeo prevecirc a figura de

um juiz exclusivo para o curso das investigaccedilotildees Pelo contraacuterio A atuaccedilatildeo na fase

preliminar de investigaccedilatildeo torna o juiz prevento para a accedilatildeo759

754

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 755

IBID p 197 756

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 140 757

LOPES JR Aury Juiacutezes 758

IBID 759

Art 83 Verificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes

igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de

algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da

queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2

o e 78 II c)

138

Necessaacuteria portanto uma reforma estrutural para cindir o responsaacutevel pelo

acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute apresentada daquele que

verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal760

de modo a preservar o distanciamento do juiz do

processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo

produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo Exatamente esse o propoacutesito do Projeto de

Lei do Senado nordm 1562009 que busca reformular todo o nosso sistema processual penal e

traz dentre as suas novidades a proposta de inserir a figura do juiz das garantias no

ordenamento juriacutedico brasileiro

O proacuteximo capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise especiacutefica da figura do juiz das

garantias nos moldes da proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009

760

LOPES JR Aury Juiacutezes

139

CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no

Processo Penal Brasileiro

1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias

O processo penal brasileiro no atual momento de nossa histoacuteria natildeo pode mais ser

apreendido em seus alicerces como anteriormente observado senatildeo a partir de uma

profunda percepccedilatildeo do modelo constitucional que o sustenta e que pelos valores que

elegeu tornou imprescindiacutevel uma completa revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal761

O estabelecimento e a consolidaccedilatildeo do modelo de Estado Democraacutetico de Direito

prescreveram novos valores ao processo penal De acordo com liccedilatildeo de Pierpaolo Bottini

ldquoeste mais do que um instrumento de persecuccedilatildeo passou a ser uma garantia do cidadatildeo

contra o arbiacutetrio uma oportunidade para contradizer a acusaccedilatildeo apresentar provas se

fazer ouvir ou quedar-se em silecircncio caso julgue necessaacuteriordquo762

O processo dessa forma

com seu caraacuteter nitidamente acusatoacuterio passou a ser o ambiente de atuaccedilatildeo democraacutetica no

exerciacutecio do direito penal deixando para traacutes sua feiccedilatildeo de mero instrumento do Estado

para a concretizaccedilatildeo do ius puniendi763

Assim a persecuccedilatildeo penal decididamente natildeo pode mais ser compreendida pela

visatildeo ex parte principi - que tem como escopo uacutenico a proteccedilatildeo do Estado - sem a

necessaacuteria correlaccedilatildeo com o princiacutepio da dignidade da pessoa humana764

Eacute preciso efetivamente que o sistema processual penal seja renovado para

conformaacute-lo aos princiacutepios normativos da vigente Constituiccedilatildeo uma vez que conforme

liccedilatildeo de Joseacute Antonio Paganella Boschi

761

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 762

BOTTINI Pierpaolo Medidas cautelares Projeto de Lei 1112008 In MOURA Maria Thereza Rocha de

Assis (Coord) As reformas no processo penal as novas Leis de 2008 e os Projetos de Reforma Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 452 763

IBID p 452 764

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial

140

Natildeo haacute nada que sobreviva ao tempo Os Coacutedigos e as leis tambeacutem ficam

velhos esclerosados perdem sua autoridade e aptidatildeo para assegurarem o alcance

das finalidades a que se destinam pois a realidade social em qualquer lugar do

mundo eacute altamente instaacutevel e exige novas e contiacutenuas regulaccedilotildees765

Desde a sua ediccedilatildeo em 1941 o Coacutedigo de Processo Penal jaacute foi objeto de inuacutemeras

alteraccedilotildees que buscaram adequaacute-lo agraves novas realidades sociais culturais poliacuteticas

econocircmicas e juriacutedicas surgidas ao longo dos anos766

bem como ajustaacute-lo agrave constituiccedilatildeo

cidadatilde promulgada em 1988 Tais alteraccedilotildees no entanto foram introduzidas por leis

dispersas e resultaram em modificaccedilotildees toacutepicas e fragmentadas

Como sabido o Coacutedigo de Processo Penal foi editado em plena eacutepoca de exceccedilatildeo

ao Estado de Direito sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1937 outorgada e de inspiraccedilatildeo

nitidamente autoritaacuteria e policialesca caracteriacutesticas estas que se refletiram sobremaneira

em seu texto Eacute verdade que desde a sua promulgaccedilatildeo outras trecircs Constituiccedilotildees767

tiveram

vigecircncia ateacute se chegar agrave atual Constituiccedilatildeo de 1988 razatildeo pela qual diversos artigos do

Coacutedigo de Processo Penal foram revogados Ademais como salientado inuacutemeras leis o

alteraram neste longo periacuteodo

Poreacutem de acordo com Pierpaolo Bottini o texto do Coacutedigo de Processo Penal

continuava defasado e desarticulado

Defasado porque foi elaborado sob a eacutegide de um conceito de processo

penal distinto que tinha por finalidade reunir esforccedilos estatais para a investigaccedilatildeo

e o conhecimento do delito () Desarticulado porque as reformas legislativas

765

BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Notas Introdutoacuterias ao PLS n 156 ndash Projeto de Coacutedigo de Processo

Penal In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo

de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 75 766

ARRUDA Eloisa de Sousa Comentaacuterios ao Procedimento do Juacuteri com as alteraccedilotildees introduzidas pela

Lei 1168908 in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p

43 767

1946 1967 e 1969

141

pontuais aprovadas com o objetivo de adequar o texto legal ao novo modelo

constitucional desfizeram a coerecircncia de diversos institutos processuais penais768

Nesse contexto como eacute de conhecimento geral em 2008 o Coacutedigo de Processo

Penal foi objeto da mais significativa e profunda reforma769

ocorrida em quase sete

deacutecadas sendo alterado pelas Leis 116892008 que tratou do juacuteri 116902008 referente

agraves provas e 117192008 que dentre outros alterou os procedimentos770

Referindo-se a tal reforma Jacques de Camargo Penteado afirma que ela se iniciou

no momento histoacuterico em que a doutrina e a jurisprudecircncia demonstraram que o sistema e

a maioria das regras do ultrapassado Coacutedigo de Processo Penal promulgado sob regime

ditatorial natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988771

Ainda segundo Andrey Borges de Mendonccedila a finalidade uacuteltima de se reformar o

Coacutedigo de Processo Penal era ldquomodernizaacute-lo agrave luz da atual ciecircncia processual penal dos

princiacutepios assegurados na Constituiccedilatildeo Federal e das disposiccedilotildees previstas em Tratados

Internacionais de Direitos Humanos incorporados pelo Brasilrdquo772

Nesse cenaacuterio o estudo do processo penal constitucional jaacute demonstrava que vaacuterios

dispositivos do Coacutedigo de Processo Penal natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 mas continuaram inseridos em seu texto provocando duacutevidas de

interpretaccedilatildeo e desvios de aplicaccedilatildeo Assim inquestionaacutevel a necessidade de

768

BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452 769

A Comissatildeo de Reforma presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover apresentou em 2000 onze

Anteprojetos que depois de discutidos amplamente pela comunidade juriacutedica foram transformados em oito

projetos de lei O que se seguiu foi a aprovaccedilatildeo aos poucos e com alteraccedilotildees dos projetos de lei

apresentados pela Comissatildeo de Reforma MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees

sobre as principais inovaccedilotildees do Projeto de Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro In MALAN Diogo

MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de

reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 770

A reforma processual penal concretizou-se apenas parcialmente restando sem nova regulamentaccedilatildeo outras

regras processuais previstas nos projetos que se achavam em andamento MOURA Maria Thereza Rocha de

Assis Breves Consideraccedilotildees p 251 771

PENTEADO Jacques de Camargo Reforma Processual Penal e Juacuteri in Revista da ESMP Reforma

Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 89 772

MENDONCcedilA Andrey Borges de Os elementos produzidos durante o inqueacuterito e as provas antecipadas

cautelares e irrepetiacuteveis segundo a reforma do CPP in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo

Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p75

142

compatibilizaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Penal aos direitos e garantias fundamentais

previstos na Constituiccedilatildeo Federal773

Pode-se dizer pois na esteira do entendimento de Pierpaolo Bottini que o objetivo

determinante da reforma processual de 2008 foi exatamente a adequaccedilatildeo legislativa dos

preceitos constitucionais de garantia buscando-se rever e ajustar a interpretaccedilatildeo das

disposiccedilotildees originais do Coacutedigo de Processo Penal sob o espectro da Constituiccedilatildeo Federal

de 1988 numa tentativa de adicionar agrave legislaccedilatildeo processual penal infraconstitucional os

princiacutepios e garantias constitucionais mantendo-se a sistematicidade e a harmonia dos

institutos774

De fato era reconhecida a urgecircncia da revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal Dessa

forma dentre outras foram regradas mateacuterias como a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo as

provas iliacutecitas a prisatildeo processual os procedimentos a celeridade a eficiecircncia a

simplicidade e a seguranccedila tendo como norte o foco nos direitos e garantias individuais e a

conformaccedilatildeo da ordem juriacutedica ao processo penal constitucional775

Antonio Scarance Fernandes sustenta que tais reformas buscaram uma vez que a

Constituiccedilatildeo Federal adotou para o processo penal o sistema acusatoacuterio ldquoconstruir um

processo com predomiacutenio da atuaccedilatildeo das partes na movimentaccedilatildeo do feito e na produccedilatildeo

das provas expurgando-se resquiacutecios de poderes acusatoacuterios do juiz mas mantendo-se o

seu poder instrutoacuterio suplementarrdquo776

Em 2009 com o advento da Lei 11900 o Coacutedigo de Processo Penal foi novamente

alterado A mudanccedila agora ainda mais pontual promoveu a inserccedilatildeo da previsatildeo de

possibilidade de realizaccedilatildeo de interrogatoacuterio e de outros atos processuais por sistema de

videoconferecircncia

773

SOUZA Luiz Roberto Sales CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e

contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 in Revista da ESMP Reforma

Processual Penal Satildeo Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p 42 774

BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452-453 775

ALMEIDA Herivelto de Reflexotildees pontuais sobre o devido processo legal e o julgamento dos crimes de

competecircncia do Tribunal do Juacuteri in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1

julhodezembro 2008 p 111 776

FERNANDES Antonio Scarance O novo procedimento do Juacuteri Revista da ESMP Reforma Processual

Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 17

143

Finalmente a Lei 124032011777

modificou dispositivos relativos agrave prisatildeo

processual fianccedila liberdade provisoacuteria e outras medidas cautelares buscando superar a

oposiccedilatildeo prisatildeoliberdade possibilitando ao juiacutezo criminal a utilizaccedilatildeo de vaacuterias outras

medidas cautelares e relegando a prisatildeo acertadamente para o lugar de ultima ratio do

sistema penal778

Contudo em que pesem as inuacutemeras alteraccedilotildees pontuais o Coacutedigo de Processo

Penal uma vez que elaborado sob forte influecircncia do sistema inquisitivo ainda padece de

graves viacutecios estruturais779

Natildeo haacute duacutevidas de que a intenccedilatildeo destas sucessivas alteraccedilotildees da legislaccedilatildeo

processual foi trazer ao Coacutedigo de Processo Penal os ldquonovos ventosrdquo780

oriundos da nova

Carta Constitucional e de tratados internacionais como o Pacto de San Joseacute da Costa Rica

Natildeo conseguiram elas alcanccedilar todavia o ldquopleno ecircxito de modernizar o ainda

estigmatizante e pouco eficaz modelo de processo criminalrdquo781

De acordo com Andrey Borges de Mendonccedila jaacute em 2008 o ideal teria sido a

aprovaccedilatildeo de um novo Coacutedigo de Processo Penal782

Contudo ldquoem razatildeo de contingecircncias

poliacuteticas preferiu-se a elaboraccedilatildeo de projetos setoriais que atingissem pontos

estrateacutegicosrdquo783

Para Fabiano Augusto Martins Silveira as leis de junho de 2008 a despeito de

todos os seus meacuteritos foram recebidas por uma estrutura predominantemente inquisitorial

777

O PL 42082001 que deu origem agrave Lei 124032011 fazia parte da reforma de 2001 que natildeo se

completou porque os demais projetos tiveram tramitaccedilatildeo mais lenta no Congresso Nacional MOURA Maria

Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees p 251-252 778

VALENTE Rodolfo de Almeida As boas novidades da lei 12403 de 2011 Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo IBCCRIM ano 18 n 225 p 09 ago 2011 779

NUNES Walter Reforma do Coacutedigo de Processo Penal Leis n 11689 n 11690 e n 11719 de 2008 In

Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIII n 44 p 20-24 janmar 2009 780

CAPEZ Fernando Dos princiacutepios fundamentais In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio

Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 101 781

IBID p 101 782

Nesse sentido Maria Thereza Rocha de Assis Moura afirma que ldquona eacutepoca a feitura de um coacutedigo

inteiramente novo contava com apoio do meio juriacutedico tendo em vista o fato de que em geral a aprovaccedilatildeo

de projetos pontuais conduz no mais das vezes a reformas inconsistentes sem harmonia e visatildeo de

conjunto Sem se falar que em razatildeo de alguns projetos serem aprovados mais rapidamente do que outros o

sistema se ressente da devida coerecircnciardquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees

p 250 783

MENDONCcedilA Andrey Borges Op cit p75

144

Por essa precisa razatildeo ldquoo brilho dessas alteraccedilotildees seraacute sempre ofuscado pelo plano de

fundordquo784

No mesmo sentido Fauzi Hassan Choukr ressalta que a opccedilatildeo teacutecnico-poliacutetica pelas

reformas segmentadas feita pelo direito brasileiro ateacute entatildeo fez com que suas supostas

virtudes fossem completamente esvaziadas por suas deficiecircncias estruturais785

Ainda existem portanto diversas falhas e descompassos na sistemaacutetica processual

penal especialmente no tocante ao sistema acusatoacuterio e aos direitos e garantias individuais

Estes defeitos segundo Fauzi Hassan Choukr revelam-se em todos os momentos do

Coacutedigo vigente mas saltam aos olhos na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal que haacute

muito anseia por estruturas que proporcionem tratamento adequado ao investigado como

sujeito e natildeo como mero objeto da atividade estatal De acordo com o autor devem ser

inseridos nesta etapa da persecuccedilatildeo ldquoos meios necessaacuterios para vivificar o grande valor

que norteia as sociedades ditas civilizadas o da dignidade da pessoa humana ponto

central de toda a metodologia constitucional contemporacircneardquo786

De todo o ateacute aqui exposto resulta a incontroversa necessidade de uma reforma

global do nosso Coacutedigo de Processo Penal

Nesse sentido a liccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira segundo o qual ldquose eacute

verdade que a legislaccedilatildeo processual penal ordinaacuteria necessita urgentemente de um banho

de Constituiccedilatildeo uma reforma integral seria a soluccedilatildeo mais indicada pois do contraacuterio

seria como pocircr remendo novo em roupa velhardquo787

Para o autor no momento presente um novo Coacutedigo de Processo Penal parece ser

um instrumento muito mais adequado aos anseios de conformaccedilatildeo ao paradigma

constitucional poacutes-88 ldquoAproximaccedilatildeo de fundo e definitiva Reconciliaccedilatildeo que natildeo pode

ser mais adiada nem deixada a cargo unicamente da jurisprudecircnciardquo788

784

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo as cautelares e o juiz das Garantias Revista de

Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia a 46 n 183 julho-set 2009 p 80 785

CHOUKR Fauzi Hassan Reforma e Continuiacutesmos no Processo Penal -Brasileiro Breve contribuiccedilatildeo agrave

anaacutelise do itineraacuterio reformista In MALAN Diogo MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de

Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 129 786

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 787

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 788

IBID p 80

145

Um novo Coacutedigo ademais segundo ele teria o condatildeo de operar natildeo apenas uma

mudanccedila na interpretaccedilatildeo sistemaacutetica do modelo de deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva estatal

com clara delimitaccedilatildeo dos papeacuteis dos sujeitos do processo mas proporcionaria ainda

progressos significativos em termos de garantias individuais789

Nesse sentido um novo

Coacutedigo livre do passivo ideoloacutegico do Decreto-Lei nordm 3689 de 1941 teria muito mais

facilidade para dar efetividade agraves garantias democraacuteticas da Constituiccedilatildeo de 1988790

Assim decorridos nove meses da entrada em vigor da chamada reforma processual

penal de 2008791

em agosto daquele mesmo ano a Comissatildeo externa criada pelo Senado

Federal em junho de 2008 para apresentar o Anteprojeto de Lei de reforma do Coacutedigo de

Processo Penal e coordenada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiccedila Hamilton

Carvalhido792

apresentou o resultado de seu trabalho que se transformou no Projeto de Lei

do Senado Federal 1562009793

Apresentado ao Senado o texto foi acolhido pela Presidecircncia em meados de

2009794

Desde entatildeo teve iniacutecio sua tramitaccedilatildeo no Congresso Nacional tendo aportado na

Cacircmara dos Deputados para anaacutelise e votaccedilatildeo795

Referido Projeto jaacute em sua Exposiccedilatildeo de Motivos ressalta o consenso acerca da

imprescindibilidade de um novo Coacutedigo

789

IBID p 80 790

IBID p 80 791

Resultado da promulgaccedilatildeo das Leis 116892008 116902008 e 117192008 em junho de 2008 que

entraram em vigor no mecircs de agosto daquele mesmo ano 792

Constituem ainda a Comissatildeo Antonio Correa Antonio Magalhatildees Gomes Filho Eugecircnio Pacelli de

Oliveira Fabiano Augusto Martins Silveira Felix Valois Coelho Juacutenior Jacinto Nelson de Miranda

Coutinho Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral A Comissatildeo foi criada a pedido do senador Renato

Casagrande (PSB-ES) e designada pelo Presidente do Senado senador Garibaldi Alves Filho por meio do

Ato 1108 793

MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia sobre o Projeto de Lei do Senado Federal

1562009 que trata da reforma do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM v

200 jul 2009 794

OLIVEIRA Eugecircnio Pacelli de Reformas legislativas e o CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo

IBCCRIM ed especial CPP ago 2010 795

O PLS 1562009 ao ser distribuiacutedo na Cacircmara dos Deputados recebeu o nuacutemero PL 80452010 e foi

apensado ao Projeto de Lei n 79872010 de autoria do Deputado Federal Miro Teixeira que tem igualmente

por objeto a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal A Mesa Diretora da Cacircmara dos Deputados

determinou fosse dada ciecircncia do Projeto ao Plenaacuterio e constituiacuteda Comissatildeo Especial para emitir parecer

sobre o Projeto e suas emendas tendo sido apresentados requerimentos de criaccedilatildeo de comissatildeo especial para

emissatildeo de parecer sobre o PL 80452010 httpwwwibrasppcombrp=216 acessado em 24102013

146

Se em qualquer ambiente juriacutedico haacute divergecircncias quanto ao sentido ao

alcance e enfim quanto agrave aplicaccedilatildeo de suas normas haacute no processo penal

brasileiro uma convergecircncia quase absoluta a necessidade de elaboraccedilatildeo de um

novo Coacutedigo sobretudo a partir da ordem constitucional da Carta da Repuacuteblica de

1988

De acordo com Fernando Capez o PLS 1562009 tem por finalidade ldquofortalecer os

laccedilos de submissatildeo das regras processuais penais aos princiacutepios garantidores derivados

da devida persecuccedilatildeo penal e em uacuteltima instacircncia do princiacutepio da dignidade humana

corolaacuterio do Estado Democraacutetico de Direitordquo796

A grande novidade eacute pois que se trata de versatildeo de Coacutedigo inteiramente novo

propondo uma modificaccedilatildeo profunda no sistema processual penal brasileiro797

que busca

se livrar de uma vez por todas dos resquiacutecios inquisitoriais do atual Coacutedigo

Dividido em seis Livros798

o Projeto de Coacutedigo abre o texto legislativo com um

Tiacutetulo dedicado aos princiacutepios fundamentais que o orientaratildeo Enumera portanto jaacute em

sua abertura os princiacutepios fundamentais que o regem e impotildee a estrita observacircncia do

devido processo legal constitucional assumindo claro compromisso com as garantias

individuais

Como asseverado na Exposiccedilatildeo de Motivos

ldquo As garantias individuais natildeo satildeo favores do Estado A sua observacircncia

ao contraacuterio eacute exigecircncia indeclinaacutevel para o Estado Nas mais variadas

concepccedilotildees teoacutericas a respeito do Estado Democraacutetico de Direito o

reconhecimento e a afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais aparecem como um

verdadeiro nuacutecleo dogmaacutetico O garantismo quando consequente surge como

pauta miacutenima de tal modelo de Estadordquo

796

CAPEZ Fernando Op cit p 124 797

GOMES Abel Fernandes Juiz das Garantias inconsistecircncia cientiacutefica mera ideologia ndash como se soacute juiz

jaacute natildeo fosse garantia Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 98-105 outdez 2010 798

Assim denominados da persecuccedilatildeo penal do processo e dos procedimentos das medidas cautelares das

accedilotildees de impugnaccedilatildeo das relaccedilotildees jurisdicionais com autoridade estrangeira e disposiccedilotildees finais

147

De acordo com Maria Thereza Rocha de Assis Moura ldquoeste comprometimento eacute

importantiacutessimo para que o respeito aos direitos fundamentais se decirc de forma efetiva e

concretardquo799

Disso decorrem muitas propostas O PLS 1562009 eacute pois repleto de novidades

merecendo especial registro para o acircmbito e as finalidades deste trabalho a clara e

definitiva opccedilatildeo pelo modelo acusatoacuterio de processo a vedaccedilatildeo de forma expliacutecita da

atividade instrutoacuteria do juiz na fase de investigaccedilatildeo800

e sobretudo ldquopara a consolidaccedilatildeo

de um modelo orientado pelo princiacutepio acusatoacuteriordquo801

a criaccedilatildeo do juiz das garantias

instituto que nos propomos analisar a partir de agora

2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares

Dentre as grandes inovaccedilotildees oriundas do projeto estaacute portanto a instituiccedilatildeo do juiz

das garantias no nosso ordenamento juriacutedico

Retomando a anaacutelise realizada nos capiacutetulos precedentes a Constituiccedilatildeo Federal

impocircs um sistema processual penal de caraacuteter acusatoacuterio cujo traccedilo essencial eacute a separaccedilatildeo

dos poderes exercidos no decorrer da persecuccedilatildeo penal

Natildeo haacute duacutevida de que de fato a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica adotou todas as

elementares do princiacutepio acusatoacuterio na medida em que conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a

privatividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal puacuteblica consagrando o devido processo legal e

assegurando o julgamento por um juiz competente e imparcial

Ademais a consolidaccedilatildeo do estudo do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo tornou

inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores

do processo penal se confundam

799

MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia 800

Art 4ordm ldquoO processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a

iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo de acusaccedilatildeordquo 801

Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009

148

Assim a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no sistema acusatoacuterio

pressupotildee tambeacutem que ao juiz seja vedada a interferecircncia na investigaccedilatildeo o que gera o

risco de comprometimento de sua imparcialidade jaacute que invariavelmente esta representa

a construccedilatildeo da proacutepria acusaccedilatildeo

Portanto uma vez separado o oacutergatildeo julgador do titular da accedilatildeo penal fica ao

magistrado reservado novo papel que certamente natildeo eacute o de imiscuir-se na investigaccedilatildeo

penal ou de atuar como verdadeira parte no processo

O juiz passa a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor natildeo podendo ficar

alheio frente agrave ocorrecircncia de violaccedilotildees ou ameaccedilas de lesatildeo aos direitos fundamentais

constitucionalmente consagrados Ao juiz imputa-se uma nova posiccedilatildeo no Estado

Democraacutetico de Direito consubstanciada na funccedilatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

O papel que o juiz deve assumir quando chamado a atuar no inqueacuterito policial natildeo eacute

mais portanto o de investigador mas o de garante dos direitos fundamentais do sujeito

passivo o que se daacute principalmente pela atuaccedilatildeo nos incidentes jurisdicionais que tecircm

lugar quando em jogo estiver a quebra de algum valor constitucionalmente consagrado

Tudo isso em consonacircncia com os princiacutepios que orientam o sistema acusatoacuterio e a proacutepria

estrutura dialeacutetica do processo penal

Para o exerciacutecio da funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos suspeitos

natildeo eacute suficiente poreacutem uma mera accedilatildeo formal do magistrado no sentido de simplesmente

autorizar ou indeferir as medidas cautelares requeridas Cabe ao magistrado no intuito de

maacutexima proteccedilatildeo aos direitos em vias de serem violados a anaacutelise minuciosa e detida do

material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo sobre o qual se fundamenta o requerimento

cautelar visando verificar o atendimento aos requisitos legais de cada uma das medidas

cautelares bem como de sua legitimidade

Ocorre poreacutem que se identificou no nosso sistema processual penal como jaacute

analisado quando da exposiccedilatildeo do conceito de imparcialidade objetiva desenvolvido

sobretudo por meio da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu de Direitos Humanos o

elevado risco de comprometimento da imparcialidade do juiacutez quando do julgamento

exatamente em razatildeo de sua anterior atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo criminal por ocasiatildeo do

exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos direitos

fundamentais do investigado

149

E para esse problema o ordenamento juriacutedico brasileiro natildeo dispunha de uma

soluccedilatildeo satisfatoacuteria agora aventada pelo projeto de lei do Senado 1562009

Trata-se da criaccedilatildeo de um oacutergatildeo jurisdicional com competecircncia exclusiva para

atuaccedilatildeo na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal a quem seraacute dado zelar pela

legalidade da investigaccedilatildeo criminal e tutelar a plena observacircncia dos direitos e garantias

fundamentais do investigado802

cabendo a ele a autorizaccedilatildeo de medidas resguardadas pela

claacuteusula de reserva judicial

Disciplinada no Capiacutetulo II do Tiacutetulo II do Livro I que versa sobre a investigaccedilatildeo

criminal o instituto do juiz das garantias eacute uma das propostas que buscam adequar o

Coacutedigo de Processo Penal agrave ideologia democraacutetica da Constituiccedilatildeo Federal vigente803

Conforme definiccedilatildeo do proacuteprio projeto ldquoo juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo

controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos

individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder

Judiciaacuteriordquo804

Naturalmente a atuaccedilatildeo judicial na fase de investigaccedilatildeo natildeo constitui novidade no

nosso ordenamento juriacutedico A inovaccedilatildeo legislativa aqui diz respeito agrave criaccedilatildeo da figura

de um juiz com competecircncia exclusiva para a atuaccedilatildeo na fase preacute-processual que a teor do

artigo 16805

estaria impedido de funcionar no processo806

Na sistemaacutetica do Coacutedigo que estaacute em vigor como se sabe a regra de competecircncia

vai no sentido oposto O magistrado que tomou conhecimento do feito na fase de

investigaccedilatildeo torna-se prevento nos termos dos arts 75 paraacutegrafo uacutenico807

e 83808

do atual

802

MAYA Andreacute Machado Outra vez sobre o juiz de garantias entre o ideal democraacutetico e os empecilhos

de ordem estrutural Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 215 out 2010 803

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias no projeto de reforma do coacutedigo de processo penal Boletim

IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 204 nov 2009 804

Artigo 14 805

Art 16 ldquoO juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14

ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748rdquo 806

ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal ALVES

Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal

Salvador Juspodivm 2012 p 136 807

Art 75 ldquoA precedecircncia da distribuiccedilatildeo fixaraacute a competecircncia quando na mesma circunscriccedilatildeo judiciaacuteria

houver mais de um juiz igualmente competente Paraacutegrafo uacutenico A distribuiccedilatildeo realizada para o efeito da

concessatildeo de fianccedila ou da decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ou de qualquer diligecircncia anterior agrave denuacutencia ou

queixa preveniraacute a da accedilatildeo penalrdquo 808

Art 83 ldquoVerificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes

igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de

150

Coacutedigo de Processo Penal para conhecer a accedilatildeo penal que posteriormente seraacute ajuizada

isto eacute seraacute o mesmo juiz que proferiraacute a sentenccedila porque foi o primeiro a tomar

conhecimento do fato

O projeto altera substancialmente este panorama Institui a figura do juiz das

garantias para romper com essa loacutegica da prevenccedilatildeo809

Com efeito o juiz chamado a

intervir no inqueacuterito policial ficaraacute impedido de julgar o caso Trata-se portanto ldquode um

giro de 180 grausrdquo810

ldquode uma mudanccedila da aacutegua para o vinhordquo811

A importacircncia do juiz das garantias portanto como proposto no PLS 1562009

reside na separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos

com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente

daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal e a reuniatildeo dos indiacutecios destinados a

fundamentar a denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico812

De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira ldquoa separaccedilatildeo entre as funccedilotildees

judiciais atinentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo eacute uma tendecircncia bem consolidada na

experiecircncia internacionalrdquo813

podendo ser citados como exemplos o giudice per le

indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o juez de garantiacutea no

Chile814

Em todos esses casos procedeu-se guardadas as particularidades de cada

ordenamento juriacutedico agrave individualizaccedilatildeo das funccedilotildees do juiz que interveacutem na investigaccedilatildeo

como forma de diferenciaacute-lo do juiz que atua na fase processual e que julgaraacute o meacuterito815

algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da

queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2

o e 78 II c)rdquo

809 PASSOS Edilenice Coacutedigo de Processo Penal notiacutecia histoacuterica sobre as comissotildees anteriores Senado

Federal ndash Secretaria de Informaccedilatildeo e Documentaccedilatildeo Brasiacutelia 2008 810

IBID 811

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88 812

MAYA Andreacute Machado Outra vez 813

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88-89 814

ldquoNo Coacutedigo de Processo Penal italiano de 1988 tais funccedilotildees satildeo reservadas ao lsquogiudice per le indagini

preliminarirsquo (art 328) Ao mais haacute igualmente a previsatildeo no art 34 comma 2ordm-bis de que o juiz que no

mesmo procedimento exerceu as funccedilotildees dersquo giudice per le indagini preliminarirsquo natildeo pode proferir decreto

de condenaccedilatildeo participar da audiecircncia preliminar nem do processo propriamente dito De forma

semelhante o Coacutedigo de Processo Penal portuguecircs de 1987 atribui as funccedilotildees jurisdicionais relativas ao

inqueacuterito na fase de instruccedilatildeo ndash equivalente agrave nossa fase de investigaccedilatildeo ndash ao lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo (art 17)

que eacute um magistrado distinto daquele que procederaacute ao julgamento Haacute tambeacutem expressa previsatildeo no art

40 de proibiccedilatildeo do lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo intervir em julgamento cujo debate instrutoacuterio tenha presidido Nos

paiacuteses latino-americanos o Coacutedigo de Processo Penal do Chile de 2000 prevecirc a figura do lsquojuez de garantiarsquo

(art 70) de forma distinta do Tribunalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um

julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz nos sistemas em que natildeo haacute

a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em

25082013 815

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89

151

O mesmo ocorreraacute com a introduccedilatildeo da figura do juiz das garantias no ordenamento

juriacutedico brasileiro

Eacute vaacutelido ressaltar que natildeo eacute intenccedilatildeo do Projeto criar no Brasil um juizado de

instruccedilatildeo onde o juiz eacute o responsaacutevel pela investigaccedilatildeo criminal O juiz das garantias natildeo

tem funccedilotildees instrutoacuterias ele natildeo eacute o titular e nem o coordenador da fase preliminar da

persecuccedilatildeo penal816

Sua atuaccedilatildeo eacute eventual limitada agrave funccedilatildeo de controle da legalidade

das investigaccedilotildees e de garantia dos direitos fundamentais sobretudo os de liberdade817

O

fundamento de suas atribuiccedilotildees estaacute portanto no controle jurisdicional da legalidade da

investigaccedilatildeo e na proteccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais818

Por outro lado o projeto do Senado tambeacutem natildeo postula um modelo a impedir toda

e qualquer iniciativa do juiz Ao magistrado eacute reservado um papel complementar no

esclarecimento das provas produzidas e garantida ampla liberdade para adoccedilatildeo de medidas

cautelares na fase processual819

Pode-se dizer de acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira que o processo de

separaccedilatildeo fiacutesica entre juiz da investigaccedilatildeo e juiz da causa tem como antecedente histoacuterico a

distinccedilatildeo entre as funccedilotildees de julgar e acusar820

com a niacutetida separaccedilatildeo entre juiz e

Ministeacuterio Puacuteblico Agora com mira num maior niacutevel de apuraccedilatildeo do processo penal

acusatoacuterio busca-se a diferenciaccedilatildeo interna do oacutergatildeo judicial com a cisatildeo do juiz do

processo do juiz da investigaccedilatildeo821

Para Nereu Joseacute Giacomolli a escolha pela inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias

no projeto de novo coacutedigo natildeo se trata de ldquosimples opccedilatildeo metodoloacutegica e nem de

organizaccedilatildeo judiciaacuteria mas revolve uma opccedilatildeo poliacutetica de processo penalrdquo822

O juiz de

garantais se insere pois no modelo democraacutetico de processo penal vinculado agrave

Constituiccedilatildeo Federal e aos Diplomas Internacionais823

816

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Juiz de Garantias ndash um nascituro estigmatizado In MALAN Diogo

MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de

reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 308 817

IBID p 308 818

IBID p 308 819

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 820

IBID p 89 821

IBID p 89 822

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 305 823

IBID p 305

152

Na observaccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira membro da Comissatildeo

redatora do Anteprojeto de Coacutedigo de Processo Penal

A figura do juiz das garantias estaacute em perfeita uniatildeo ao espiacuterito democraacutetico

que dominou o anteprojeto e que sobreviveu ao texto aprovado pelo Senado Federal

O juiz das garantias estaacute na essecircncia do sistema acusatoacuterio desenhado no PLS 156 de

2009 Um eacute a imagem refletida do outro () A separaccedilatildeo e a especializaccedilatildeo do

agente judicial no tocante agraves fases da investigaccedilatildeo e do processo representam a etapa

de maior refinamento e de afirmaccedilatildeo do sistema acusatoacuteriordquo824

Feitas essas observaccedilotildees preliminares passaremos a examinar qual o acircmbito de

atuaccedilatildeo e quais as funccedilotildees do juiz das garantias

3 Atribuiccedilotildees

A anaacutelise do raio de accedilatildeo do juiz das garantias natildeo pode ser feita senatildeo a partir do

disposto no art 4ordm do PLS no qual se condensou a foacutermula do princiacutepio acusatoacuterio ldquoO

processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a

iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo

de acusaccedilatildeordquo

Desde logo deve ser salientado que o juiz das garantias natildeo eacute um juiz investigador

Ele tambeacutem natildeo impulsiona o inqueacuterito No desenho do projeto de Coacutedigo previu-se

exatamente o oposto Ele deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio ao qual

se quer dar efetividade Por conseguinte o juiz das garantias natildeo seraacute o gerente do

inqueacuterito policial Ele natildeo age de ofiacutecio825

mas apenas mediante provocaccedilatildeo Natildeo lhe

cabe pois requisitar a abertura da investigaccedilatildeo nem tampouco solicitar diligecircncias

824

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O juiz das garantias entre os caminhos da reforma do Coacutedigo de

Processo Penal In BONATO Gilson (Org) Processo Penal Constituiccedilatildeo e criacutetica estudos em homenagem

ao Prof Dr Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 825

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90

153

investigativas Ele eacute antes o responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo

nunca o gerente das tarefas policiais826

Em mateacuteria cautelar vale lembrar que o juiz das

garantias tambeacutem soacute agiria mediante provocaccedilatildeo827

Daiacute que os autos do inqueacuterito natildeo devem chegar a suas matildeos salvo nas hipoacuteteses

em que os direitos fundamentais do investigado devam sofrer restriccedilotildees828

isto eacute a sua

participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da

pessoa investigada829

As competecircncias do juiz das garantias foram detalhadas no art 14 da Redaccedilatildeo Final

ao Projeto de Lei do Senado nordm 1562009

Art 14 O juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da

investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia

tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder Judiciaacuterio competindo-lhe

especialmente

I ndash receber a comunicaccedilatildeo imediata da prisatildeo nos termos do inciso LXII do

art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil

II ndash receber o auto da prisatildeo em flagrante para efeito do disposto no art 555

III ndash zelar pela observacircncia dos direitos do preso podendo determinar que este

seja conduzido a sua presenccedila

IV ndash ser informado sobre a abertura de qualquer investigaccedilatildeo criminal

V ndash decidir sobre o pedido de prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar

826

IBID p 90 827

ldquoTodavia uma vez decretada a prisatildeo ou outra medida cautelar pessoal ele poderaacute independentemente

de pedido dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal ou do investigado substituiacute-la por outra que entenda mais

adequada agraves exigecircncias cautelares do caso concreto Abre-se tal possibilidade natildeo apenas na hipoacutetese de

descumprimento da medida anteriormente imposta mas sempre que tendo em vista novas circunstacircncias e

motivaccedilotildees avalie que a substituiccedilatildeo eacute oportuna (art 513 paraacutegrafo uacutenico)rdquo IBID p 90-91 828

Vale destacar que todavia manteve-se o controle do arquivamento do inqueacuterito policial nas matildeos do

Poder Judiciaacuterio diferentemente da proposta original a qual atribuiacutea tal tarefa ao Ministeacuterio Puacuteblico na

condiccedilatildeo de titular da accedilatildeo penal Nesse ponto conforme liccedilatildeo de Maria Thereza Rocha de Assis Moura

ldquoperdeu-se a oportunidade de adotar regra consentacircnea com o princiacutepio acusatoacuterio e do controle da accedilatildeo

penal puacuteblica por quem eacute o seu titularrdquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees

p 254 829

PASSOS Edilenice Op cit

154

VI ndash prorrogar a prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar bem como

substituiacute-las ou revogaacute-las

VII ndash decidir sobre o pedido de produccedilatildeo antecipada de provas consideradas

urgentes e natildeo repetiacuteveis assegurados o contraditoacuterio e a ampla defesa

VIII ndash prorrogar o prazo de duraccedilatildeo do inqueacuterito estando o investigado preso

em vista das razotildees apresentadas pelo delegado de poliacutecia e observado o disposto no

paraacutegrafo uacutenico deste artigo

IX ndash determinar o trancamento do inqueacuterito policial quando natildeo houver

fundamento razoaacutevel para sua instauraccedilatildeo ou prosseguimento

X ndash requisitar documentos laudos e informaccedilotildees ao delegado de poliacutecia sobre

o andamento da investigaccedilatildeo

XI ndash decidir sbre os pedidos de a) interceptaccedilatildeo telefocircnica do fluxo de

comunicaccedilotildees em sistemas de informaacutetica e telemaacutetica ou de outras formas de

comunicaccedilatildeo b) quebra dos sigilos fiscal bancaacuterio e telefocircnico c) busca e

apreensatildeo domiciliar d) acesso a informaccedilotildees sigilosas e) outros meios de

obtenccedilatildeo da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado

XII ndash julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denuacutencia

XIII ndash determinar a realizaccedilatildeo de exame meacutedico de sanidade mental nos

termos do art 452 sect 1ordm

XIV ndash arquivar o inqueacuterito policial

XV ndash assegurar prontamente quando se fizer necessaacuterio o direito de que

tratam os arts 11 e 37

XVI ndash deferir pedido de admissatildeo de assistente teacutecnico para acompanhar a

produccedilatildeo da periacutecia

XVII ndash outras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigo

155

Como pode ser observado o projeto de Coacutedigo optou por enumerar as

competecircncias legais do juiz das garantias com o cuidado de prever a claacuteusula do inciso

XVII do art 14 (ldquooutras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigordquo)

De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira nem seria necessaacuterio entrar em

tantos detalhes pois do confronto do caput do art 14 segundo o qual ldquoO juiz das

garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela

salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo

preacutevia do Poder Judiciaacuterio ()rdquo com a regra de competecircncia do caput do art 15 que

dispotildee que ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto

as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo seria

plenamente possiacutevel concluir que toda e qualquer mateacuteria que reclame intervenccedilatildeo judicial

na fase de investigaccedilatildeo seria da competecircncia do juiz das garantias830

Todas as infraccedilotildees penais satildeo abrangidas pela competecircncia do juiz das garantias

ressalvadas as de menor potencial ofensivo831

que seguem o rito dos juizados especiais832

Uma vez proposta a accedilatildeo penal cessa sua competecircncia833

isto eacute a distribuiccedilatildeo da accedilatildeo

penal seraacute ldquoo divisor de aacuteguasrdquo834

Proposta a accedilatildeo penal portanto o juiz das garantias sai

de cena passando o bastatildeo para o juiz do processo que entatildeo decidiraacute as questotildees

pendentes835

podendo ainda reexaminar a necessidade das medidas cautelares em

curso836

No que diz respeito aos crimes de competecircncia originaacuteria dos tribunais as funccedilotildees

do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma

regimental que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator837

830

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 831

Tal exceccedilatildeo eacute objeto de criacutetica da doutrina Por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 do Instituto

Brasileiro de Direito Processual busca-se suprimir a ressalva de que a competecircncia do juiz de garantia natildeo

abrangeria as infraccedilotildees de menor potencial ofensivo sob o fundamento de que ldquomesmo nestes casos poderaacute

haver necessidade de decisotildees judiciais sobre medidas cautelares ou outros atos de competecircncia do juiz das

garantiasrdquo 832

PASSOS Edilenice Op cit 833

Art 15 A competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor

potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penal 834

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 835

Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 836

Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o

oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso 837

Art 314 ldquoNas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves

disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash

156

Em siacutentese o juiz das garantias seraacute o destinataacuterio de todos os pedidos de

diligecircncias formulados durante a investigaccedilatildeo criminal que interfiram na esfera de direitos

do investigado aleacutem de decidir sobre as medidas cautelares838

Cabe-lhe tutelar a

regularidade da investigaccedilatildeo sobretudo quando esta puder atingir direitos fundamentais839

Ao juiz das garantias podem recorrer tanto a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico de um lado

como o investigado do outro de maneira que a investigaccedilatildeo natildeo saia da legalidade Trata-

se portanto de um ldquojuiz de salvaguardas Peccedila-chave no modelo acusatoacuterio em

construccedilatildeordquo840

Compreendidos o acircmbito de atuaccedilatildeo e funccedilatildeo do juiz das garantias deve-se

esclarecer a sua finalidade

4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro

Partindo-se da proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009 temos que o

deslocamento de um oacutergatildeo da jurisdiccedilatildeo com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo da tarefa de

examinar cuidadosamente a necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de

direitos individuais como a intimidade a privacidade e a honra atende a duas estrateacutegias

bem definidas a saber a) a otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal inerente agrave

especializaccedilatildeo na mateacuteria e ao gerenciamento do respectivo processo operacional e b)

manter o distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em

relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo

A nova figura atenderia portanto a dois objetivos centrais Examinemos entatildeo

cada um deles

as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental que

ficaraacute impedido de atuar no processo como relator()rdquo 838

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90 839

IBID p 90 840

IBID p 90

157

41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal

A primeira justificativa elencada pelo Projeto para a criaccedilatildeo de um magistrado para

atuar exclusivamente na investigaccedilatildeo preliminar reside pois no aprimoramento da atuaccedilatildeo

jurisdicional criminal na preservaccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais

Segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquodever de cuidado natildeo eacute suficiente na

esfera penal em razatildeo da profundeza das violaccedilotildees fazendo-se necessaacuterio o

estabelecimento de garante exclusivordquo841

A exposiccedilatildeo de motivos do Projeto 1562009 nesse sentido eacute clara ao exigir a

criaccedilatildeo um oacutergatildeo jurisdicional com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo dessa missatildeo um

juizado das garantias natildeo bastando que o juiz do processo seja outro que natildeo o juiz que

atuou na fase preacute- processual842

De acordo do Simone Schreiber natildeo haacute duacutevida de que o novo Coacutedigo de Processo

Penal poderia apenas instituir uma regra de impedimento em que o juiz que houvesse

tomado qualquer decisatildeo na fase investigatoacuteria estaria impedido de atuar na fase

processual843

Contudo o Projeto estaacute um passo agrave frente prevendo um juiz especializado

que teraacute a atribuiccedilatildeo exclusiva de tutelar os direitos das pessoas investigadas e a legalidade

da atuaccedilatildeo dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo844

Nesse contexto tem-se em mente que a previsatildeo de um juiz que atue

exclusivamente na investigaccedilatildeo pode proporcionar as vantagens esperadas de todo e

qualquer processo de especializaccedilatildeo845

A existecircncia de um magistrado cuja atuaccedilatildeo esteja

voltada especificamente para a investigaccedilatildeo significaraacute maior capacitaccedilatildeo e portanto

ganho de celeridade846

ldquoUma rotina especiacutefica de trabalho tende a gerar com o tempo

expertise eficiecircncia e agilidaderdquo847

841

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 842

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 843

SCHREIBER Simone Juiz de garantias no projeto do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo IBCCRIM n 213 ago 2010 844

IBID 845

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 846

PASSOS Edilenice Op cit 847

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89

158

Pode-se dizer sem duacutevidas que esse foi o objetivo almejado com a criaccedilatildeo de varas

de inqueacuteritos policiais em algumas capitais brasileiras como Belo Horizonte Curitiba e

Satildeo Paulo848

onde existe uma equipe capacitada para de forma aacutegil ainda no calor dos

acontecimentos deliberar entre a retirada da sociedade de imediato de algueacutem que oferece

ameaccedila ou a correccedilatildeo da arbitrariedade do Estado numa eventual injusticcedila praticada contra

um cidadatildeo e o Estado Democraacutetico de Direito o que inegavelmente natildeo eacute uma tarefa

nada faacutecil Trata-se pelo contraacuterio de um trabalho meticuloso O juiz das garantias nesse

sentido eacute ldquouma proposta orientada aos resultadosrdquo849

No mesmo sentido Jacinto Nelson de Miranda Coutinho ressalta que a criaccedilatildeo do

juiz das garantias possibilitaraacute que dois faccedilam obviamente no acircmbito das suas

competecircncias o trabalho agora reservado a um soacute devendo aumentar o nuacutemero de juiacutezes

ldquoo que eacute uma necessidade que se natildeo discute maisrdquo850

De acordo com Simone Schreiber ldquoa instituiccedilatildeo de juiacutezes de garantia

evidentemente com estrutura proacutepria sem duacutevida traraacute maior agilidade ao funcionamento

das varas criminaisrdquo851

dado que os juiacutezes dessas varas poderatildeo dedicar-se

exclusivamente agrave conduccedilatildeo cuidadosa e ceacutelere do processo criminal assegurando os

direitos das partes de postulaccedilatildeo e instruccedilatildeo e proferindo a sentenccedila criminal vaacutelida e justa

em prazo razoaacutevel852

Portanto como se conclui da disposiccedilatildeo do juiz das garantias e de sua competecircncia

no Projeto de Coacutedigo de Processo Penal a expectativa de aprimoramento do processo

penal brasileiro apoacutes o seu advento estaacute no fato de que se contaraacute a partir de entatildeo com

um oacutergatildeo judiciaacuterio responsaacutevel exclusivamente pela tutela das inviolabilidades pessoais

848

IBID p 89 ldquoTodavia eacute preciso ter claro que o juiz das garantias difere do juiz das varas de inqueacuterito

policial hoje instituiacutedas em algumas capitais como Satildeo Paulo e Belo Horizonte Eacute que o juiz das garantias

deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio que se quer adotar Por conseguinte o juiz das

garantias natildeo seraacute o gerente do inqueacuterito policial pois natildeo lhe cabe requisitar a abertura da investigaccedilatildeo

tampouco solicitar diligecircncias agrave autoridade policial Ele agiraacute mediante provocaccedilatildeo isto eacute a sua

participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da pessoa

investigada O inqueacuterito tramitaraacute diretamente entre poliacutecia e Ministeacuterio Puacuteblico Quando houver

necessidade referidos oacutergatildeo dirigir-se-atildeo ao juiz das garantias Hoje diferentemente tudo passa pelo juiz

da vara de inqueacuteritos policiaisrdquo PASSOS Edilenice Op cit 849

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 850

COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Legibus Solutio a sensaccedilatildeo dos que satildeo contra a reforma global

do CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 210 mai 2010 851

SCHREIBER Simone Op cit 852

IBID

159

cuja especializaccedilatildeo no exame de questotildees atreladas agrave proteccedilatildeo da intimidade privacidade e

honra do cidadatildeo otimizaraacute a participaccedilatildeo do juiz na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal

Em uacuteltima instacircncia segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquoa otimizaccedilatildeo do

controle com a vedaccedilatildeo dos excessos persecutoacuterios garante a restriccedilatildeo dos direitos

fundamentais no plano da excepcionalidade ou seja a manutenccedilatildeo da unidade e

harmonia da Constituiccedilatildeo Federalrdquo853

Portanto dentre as finalidades primazes do juiz das garantias estatildeo a garantia de

melhor cumprimento de vaacuterios direitos prometidos e assegurados pelo Estado quando da

ediccedilatildeo da Constituiccedilatildeo e o aperfeiccediloamento da investigaccedilatildeo tornando-a mais ceacutelere e

eficiente sem com isso perder a constitucionalidade854

42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual

A especializaccedilatildeo inerente agrave nova figura judicial que se quer implementar poreacutem

tem em mira um segundo objetivo que eacute o que justifica de fato sua adoccedilatildeo e que visa

atender aos anseios de parcela consideraacutevel da doutrina qual seja assegurar a

imparcialidade objetiva do juiz garantindo-se que o juiz do processo tenha plena liberdade

criacutetica em relaccedilatildeo aos trabalhos da fase investigativa855

A preocupaccedilatildeo do projeto estampada na sua exposiccedilatildeo de motivos eacute ldquopreservar ao

maacuteximo o distanciamento do julgador ao menos em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo dos elementos

que venham a configurar a pretensatildeo de qualquer das partesrdquo856

A figura do juiz das garantias e as restriccedilotildees em tema de investigaccedilatildeo foram

pensadas portanto acima de tudo ldquocomo forma de valorizar o que haacute de mais nobre na

853

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 854

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo do ldquojuiz das garantiasrdquo Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo IBCCRIM ed esp CPP ago 2010 855

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 856

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias

160

atividade do julgador e de onde ele retira o tiacutetulo de legitimidade de sua funccedilatildeo isto eacute a

imparcialidaderdquo857

O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 como analisado no Capiacutetulo III deste estudo

prevecirc vaacuterias formas de participaccedilatildeo do juiz na fase investigatoacuteria Contudo apoacutes a

Constituiccedilatildeo de 1988 que consagrou o sistema acusatoacuterio natildeo soacute no art 129 I mas

tambeacutem como corolaacuterio da claacuteusula do due process of law essa atuaccedilatildeo vem sendo

consideravelmente reduzida858

No que se refere agraves medidas de caraacuteter investigatoacuterio ou assecuratoacuterio restritivas de

direitos fundamentais que devam ser tomadas na fase de investigaccedilatildeo poreacutem natildeo se pode

prescindir da participaccedilatildeo do juiz859

que no sistema do atual Coacutedigo de Processo Penal eacute o

mesmo que posteriormente julgaraacute a accedilatildeo penal por conta da regra de fixaccedilatildeo da

competecircncia desse juiz por prevenccedilatildeo

Esse papel que o juiz eacute chamado a exercer demanda redobrado cuidado pois se por

um lado ele natildeo pode substituir os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal na conduccedilatildeo da investigaccedilatildeo

e tambeacutem natildeo deve restringir indevidamente a accedilatildeo desses oacutergatildeos por outro ele natildeo pode

se desvencilhar de sua tarefa de tutelar os direitos das pessoas investigadas impedindo que

sofram restriccedilotildees injustificadas ou desarrazoadas860

E principalmente ele deve procurar

natildeo se contaminar pelas versotildees dos fatos que lhes satildeo trazidas pela autoridade policial e

pelo Ministeacuterio Puacuteblico no curso da investigaccedilatildeo o que natildeo eacute uma tarefa simples861

Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ressalta que ao se impor nessa nossa atual legislaccedilatildeo

que o juiz atue tanto em fase investigativa quanto judicial exige-se dele um

ldquocomportamento inumanordquo fundado na aptidatildeo de desconsiderar suas experiecircncias

anteriores com a causa na fase de investigaccedilatildeo ldquopara avaliar se aquilo que ele ajudou a

produzir eacute idocircneo para acusar e em momento apenas cronologicamente posterior eacute

suficiente para condenarrdquo862

De acordo com Andreacute Machado Maya essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-

processual exige uma tamanha proximidade do magistrado com os elementos indiciaacuterios

857

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 858

SCHREIBER Simone Op cit 859

IBID 860

IBID 861

IBID 862

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo

161

colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem margens a duacutevidas cria no subjetivo do

magistrado impressotildees e preacute-conceitos incompatiacuteveis com alheamento que deve guiar a sua

atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da

atividade jurisdicional penal863

Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ningueacutem eacute capaz de negar que um

magistrado instado a intervir na fase de investigaccedilatildeo jaacute forme sua convicccedilatildeo desde esse

primeiro instante sendo natildeo raras vezes irrelevante e dispensaacutevel a fase judicial864

Isso

porque o juiz que atua no inqueacuterito mantendo o flagrante ou decretando a prisatildeo

preventiva do investigado autorizando a quebra dos dados resguardados por sigilo

constitucional ou permitindo teacutecnicas invasivas como a infiltraccedilatildeo de agentes tende

inevitavelmente a assumir a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo criminal865

Assim o juiz que atua na fase de investigaccedilatildeo embora obviamente com funccedilotildees

distintas muito se aproxima psicologicamente da figura do Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo cuja

funccedilatildeo eacute analisar se haacute fundamento idocircneo e suficiente para acusar por meio do exame do

material investigativo agrave sua disposiccedilatildeo866

No mesmo sentido Simone Schreiber afirma que se na fase investigatoacuteria a

autoridade policial dirige-se ao juiz para requerer a adoccedilatildeo de medidas cautelares que

impliquem em restriccedilatildeo a direitos fundamentais do investigado eacute inevitaacutevel que este juiz

acabe participando da investigaccedilatildeo ainda que em tese na posiccedilatildeo de garante dos direitos

das pessoas atingidas por tais medidas867

Por conseguinte quando a investigaccedilatildeo eacute encerrada o juiz jaacute estaacute absolutamente

familiarizado com os fatos dado que participou intensamente da investigaccedilatildeo policial e jaacute

formou um juiacutezo sobre o que ocorreu e quem satildeo as pessoas envolvidas868

Ao se determinar essa atuaccedilatildeo duacuteplice ao juiz Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes afirma

que estamos conduzindo-o para uma inevitaacutevel presunccedilatildeo de culpa que soacute seraacute revertida se

a defesa provar a inocecircncia do acusado869

Caso contraacuterio seraacute mantida a convicccedilatildeo

863

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 864

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 865

PASSOS Edilenice Op cit 866

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 867

SCHREIBER Simone Op cit 868

IBID 869

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo

162

formada pelo magistrado desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo penal em clara afronta agrave presunccedilatildeo

de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional deveria orientar o juiz no curso de toda

a causa870

Nesse cenaacuterio de acordo com Simone Schreiber ldquoeacute evidente que a defesa entra em

desvantagem e sua fala jaacute natildeo merece a mesma atenccedilatildeo e credibilidade daquele juizrdquo871

dado que se foi ele proacuteprio quem avaliou e atestou a pertinecircncia e a legalidade das medidas

probatoacuterias realizadas na fase preacute-processual ldquoeacute bastante improvaacutevel que ele desqualifique

a prova que foi produzida e mude de ideia quanto ao resultado que foi colhidordquo872

Eacute portanto extremamente difiacutecil senatildeo praticamente impossiacutevel que o juiz se

mantenha alheio agraves versotildees dos fatos que vatildeo sendo expostas ao longo investigaccedilatildeo e que

lhe satildeo relatadas pela autoridade policial a cada nova representaccedilatildeo A participaccedilatildeo no

inqueacuterito desse modo contamina o juiz tornando muito mais aacuterdua a tarefa da defesa de

se fazer ouvir no processo873

A cada vez que o juiz eacute instado a decidir mateacuteria pertinente agrave investigaccedilatildeo eacute

indiscutiacutevel que ele faraacute uma anaacutelise ainda que superficial do objeto desta Estaacute claro

pois que essa atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo obriga o juiz a formular uma opiniatildeo ainda que natildeo

definitiva sobre a linha investigatoacuteria adotada e sobre os fatos e pessoas nela

envolvidas874

o que lhe impediraacute de decidir posteriormente com total isenccedilatildeo e

imparcialidade

A separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos

com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente

daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal tem como fim uacuteltimo entatildeo a preservaccedilatildeo

da imparcialidade do juiz competente para o julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal875

O que se visa portanto com essa nova figura juriacutedica natildeo eacute apenas atender o

cidadatildeo na proteccedilatildeo de seus direitos na investigaccedilatildeo e os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo em ter um

juiz mais familiarizado com a realidade de uma investigaccedilatildeo criminal mas a grande

870

IBID 871

SCHREIBER Simone Op cit 872

IBID 873

IBID 874

IBID 875

MAYA Andreacute Machado Outra vez

163

finalidade da sua inserccedilatildeo estaacute em garantir que o juiz da causa natildeo atue contaminado por

sua atuaccedilatildeo anterior em fase investigativa876

Em outros termos trata-se o juizado das garantias de um instituto processual cuja

principal finalidade eacute a de garantir um maior distanciamento entre o juiz responsaacutevel por

proferir a decisatildeo penal e os elementos indiciaacuterios colhidos durante o inqueacuterito policial no

intuito de minimizar o quanto possiacutevel a contaminaccedilatildeo do magistrado e com isso

privilegiar a garantia da imparcialidade sobretudo no seu aspesto objetivo877

A ideia eacute garantir ao juiz do processo ampla liberdade criacutetica em relaccedilatildeo ao material

colhido na fase de investigaccedilatildeo878

Ora como jaacute exposto a exigecircncia de imparcialidade

objetiva do magistrado com vistas a evitar que a causa seja julgada por juiz de cuja

imparcialidade se possa suspeitar impotildee que se considere impedido de julgar um juiz que

esteja comprometido com um conhecimento preacutevio sobre os fatos da investigaccedilatildeo879

atribuindo-se a julgadores distintos as funccedilotildees de atuar na fase de investigaccedilatildeo preliminar e

durante o processo judicial

Com isso busca-se evitar o inegaacutevel comprometimento do resultado e a inevitaacutevel

vinculaccedilatildeo psicoloacutegica que o magistrado que atuou na investigaccedilatildeo traz consigo para a

accedilatildeo penal880

ldquoRompem-se assim viacutenculos ou laccedilos de qualquer ordem em relaccedilatildeo agrave

etapa precedenterdquo881

O juiz do processo responsaacutevel pela anaacutelise do meacuterito natildeo responderaacute pela

legalidade ou qualidade dos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo882

Ao

contraacuterio Como a sua marca natildeo foi deixada no inqueacuterito eacute razoaacutevel supor que estaraacute em

melhores condiccedilotildees de avaliar criacutetica e imparcialmente o trabalho desenvolvido naquela

fase883

ldquoA vinda do juiz das garantias ao cenaacuterio processual brasileiro joga a favor pois

do princiacutepio de imparcialidaderdquo884

876

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 877

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 878

PASSOS Edilenice Op cit 879

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 880

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 881

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 882

IBID p 89 883

IBID p 89 884

IBID p 89

164

Desse modo para que o processo tenha respeitado o equiliacutebrio de forccedilas e

assegurada a imparcialidade do magistrado seria melhor na oacutetica do PLS nordm 156 de 2009

separar as duas funccedilotildees885

Para Fabiano Augusto Martins Silveira eacute faacutecil acompanhar o raciociacutenio

Natildeo tendo emitido juiacutezo sobre a oportunidade e conveniecircncia de diligecircncias

que invadem direitos fundamentais do investigado tampouco sobre pedidos

cautelares o magistrado entra no processo sem o peso de ter decidido a favor ou

contra uma das partes886

Natildeo leva consigo o passivo da fase preacute-processual Natildeo

tem compromisso pessoal com o que se passou Natildeo colaborou na identificaccedilatildeo das

fontes de prova Natildeo manteve o flagrante nem decretou a prisatildeo preventiva Natildeo

impocircs o sequestro de bens Natildeo autorizou a interceptaccedilatildeo de conversas telefocircnicas

nem a infiltraccedilatildeo de agentes etc etc Quer dizer em nenhum momento

compartilhou a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal887

Com a separaccedilatildeo na atuaccedilatildeo judicial conforme projetado garante-se de forma

muito mais efetiva o devido processo legal o direto de defesa o direito agrave prova e a

presunccedilatildeo de inocecircncia888

bem como se otimiza o contraditoacuterio viabilizando que o

magistrado julgador tome contato com a prova e portanto forme sua convicccedilatildeo apenas

durante a instruccedilatildeo criminal com a paritaacuteria participaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa889

Tudo

porque se criou um novo sistema que assegura uma maior imparcialidade judicial e com

isso uma maior isenccedilatildeo psicoloacutegica do magistrado no momento de julgar a causa890

Por

isso se dizer que o juiz das garantias daacute maior efetivaccedilatildeo ao princiacutepio acusatoacuterio

determinado constitucionalmente891

Assim segundo Simone Schreiber a regra que se pretende introduzir de que o juiz

que participou da investigaccedilatildeo natildeo seja o mesmo que vai julgar o processo sem duacutevida eacute

885

PASSOS Edilenice Coacutedigo 886

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 887

IBID p 89 888

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 889

MAYA Andreacute Machado Outra vez 890

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 891

IBID

165

consentacircnea com o sistema acusatoacuterio eleito pelo constituinte de 1988892

O juiz

competente para processar e julgar a accedilatildeo penal natildeo tendo sido chamado a tomar decisotildees

relativas agrave fase investigatoacuteria estaraacute muito mais apto a realizar um julgamento justo e

imparcial893

Inegaacutevel portanto segundo Gustavo Badaroacute que ldquoa imparcialidade sobretudo em

seu aspecto objetivo restaraacute melhor assegurada se houver uma absoluta separaccedilatildeo entre

as figuras do juiz que iraacute proferir decisotildees na fase de investigaccedilatildeo e o juiz que iraacute julgar a

causardquo894

Nesse sentido inequiacutevoca a conveniecircncia de se adotar a figura de um juiz das

garantias conforme proposto pelo Projeto de Coacutedigo de Processo Penal ndash PLS nordm

1562009 cujo resultado final seraacute indubitavelmente a instituiccedilatildeo de uma Justiccedila criminal

mais justa garantista e eficiente895

Eacute preciso dizer no entanto que o instituto do juiz das garantias e a proposta de sua

inserccedilatildeo no processo penal brasileiro natildeo estatildeo imunes a objeccedilotildees e resistecircncia por parte de

parcela da doutrina Pelo contraacuterio O capiacutetulo seguinte seraacute dedicado entatildeo ao exame das

criacuteticas mais comumente dirigidas agrave figura do juiz das garantias bem como agrave apresentaccedilatildeo

das sugestotildees e propostas de melhorias jaacute formuladas com relaccedilatildeo ao modelo proposto pelo

Projeto de Lei 1562009

892

SCHREIBER Simone Op cit 893

IBID 894

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 895

SCHREIBER Simone Op cit

166

CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO

1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal

O artigo 15 do Projeto de Lei do Senado 1562009 em sua parte final dispotildee que a

competecircncia do juiz das garantias cessa com a propositura da accedilatildeo penal896

Necessaacuterio ressaltar aqui a clara menccedilatildeo agrave propositura e natildeo ao recebimento da

denuacutencia ou queixa Natildeo seraacute pois pela redaccedilatildeo do projeto em comento da competecircncia

do juiz das garantias receber ou rejeitar a inicial acusatoacuteria897

cabendo tal providecircncia

como consequecircncia ao juiz do processo

Importa considerar consoante liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya que o recebimento da

denuacutencia ou queixa embora reconhecido pela jurisprudecircncia como um ato decisoacuterio que

dispensa motivaccedilatildeo898

exige do magistrado um exame dos pressupostos processuais das

condiccedilotildees da accedilatildeo e da justa causa pois conforme dispotildee o artigo 395899

do atual Coacutedigo

de Processo Penal a sua ausecircncia impotildee a rejeiccedilatildeo da inicial acusatoacuteria900

Assim embora diante de uma avaliaccedilatildeo preliminar o juiz ao receber a denuacutencia ou

queixa deve convencer-se da probabilidade do alegado na peccedila acusatoacuteria entendendo

existirem elementos soacutelidos acerca do fumus comissi delicti901

Necessaacuterio pois o exame

pelo magistrado dos elementos colhidos na fase preliminar antes de ser recebida ou

rejeitada a peccedila inicial902

896

Art 15 ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor

potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo 897

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 898

IBID p 228 899

Art 395 A denuacutencia ou queixa seraacute rejeitada quando I - for manifestamente inepta II - faltar

pressuposto processual ou condiccedilatildeo para o exerciacutecio da accedilatildeo penal ou III - faltar justa causa para o exerciacutecio

da accedilatildeo penal 900

Dispotildee o projeto em seu artigo 274 Estando presentes as condiccedilotildees da accedilatildeo e os pressupostos

processuais o juiz receberaacute a acusaccedilatildeo e natildeo sendo o caso de absolviccedilatildeo sumaacuteria ou de extinccedilatildeo da

punibilidade designaraacute dia e hora para a instruccedilatildeo ou seu iniacutecio em audiecircncia a ser realizada no prazo

maacuteximo de 90 (noventa dias) determinando a intimaccedilatildeo do oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico do defensor ou

procurador e das testemunhas que deveratildeo ser ouvidas 901

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 902

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307

167

Ainda conforme salientado por Miguel Reale Junior caberaacute ao juiz do processo

decretar a absolviccedilatildeo sumaacuteria reconhecendo de plano a ausecircncia de justa causa seja pela

presenccedila de uma causa excludente de criminalidade seja diante da atipicidade do fato cujo

exame tambeacutem soacute poderaacute ser feito obviamente com base na prova colhida na fase

inquisitiva903

A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal

assim gera o inevitaacutevel inconveniente de impor a esse magistrado o exame dos elementos

indiciaacuterios colhidos na fase preacute-processual904

para entatildeo avaliar em juiacutezo provisoacuterio a

existecircncia de justa causa para a accedilatildeo penal ldquoo que natildeo deixa de lanccedilar luzes na alta

probabilidade de que o fato delituoso existe eacute tiacutepico e o denunciado eacute o seu autorrdquo905

Tais situaccedilotildees segundo Miguel Reale Junior ldquodenotam uma insuperaacutevel contradiccedilatildeo

do Projetordquo906

Nesse sentido Andreacute Machado Maya aduz que o projeto ldquoparece ter-se

afastado da linha teoacuterica proposta na sua proacutepria exposiccedilatildeo de motivosrdquo907

A anaacutelise necessaacuteria ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia assim como ocorre nas

decisotildees relativas agraves medidas cautelares gera uma aproximaccedilatildeo do magistrado com os

elementos colhidos na investigaccedilatildeo908

sobretudo porque natildeo lhe restaraacute outra opccedilatildeo que

natildeo a de buscar nos autos do inqueacuterito policial ndash que conforme o artigo 15 sect 3ordm do

projeto permaneceratildeo apensados ao processo909

ndash o material de convencimento da

existecircncia do crime e de indiacutecios suficientes de autoria910

903

REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm

113 p 109 904

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 905

GOMES Abel Fernandes Op cit p 102 906

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 109 907

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 908

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 909

Esta eacute aliaacutes outra criacutetica formulada ao projeto Segundo Gabriela Schneider a juntada aos autos do

material colhido na fase de investigaccedilatildeo preliminar sobretudo das questotildees apreciadas pelo juiz das

garantias acarretaraacute a indesejada contaminaccedilatildeo do juiz do processo ainda que inconscientemente Portanto

conclui-se que o disposto no art 15 sect 3deg do Projeto eacute incompatiacutevel com o sistema acusatoacuterio pois fere um

dos principais objetivos que se busca com a introduccedilatildeo do juiz das garantias no processo penal brasileiro

assegurar a imparcialidade do magistrado que atuaraacute na fase processual evitando que ele se contamine com

as provas colhidas na fase investigatoacuteria SCHNEIDER Gabriela O Juiz das Garantias na reforma do CPP

uma anaacutelise frente ao sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em httpwwwibccrimorgbr acessado em

23102013 910

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228

168

O exame dos autos da investigaccedilatildeo preliminar no entanto arruiacutena por completo o

alheamento que a figura do juiz das garantias pretende proporcionar ao magistrado do

processo911

Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya tendo em vista que o juiz das

garantias jaacute estaacute em contato com os elementos indiciaacuterios produzidos na fase preacute

processual que o recebimento ou a rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa fosse ato processual de

sua competecircncia912

passando ao juiz da causa a accedilatildeo penal jaacute instaurada e a relaccedilatildeo

processual jaacute plenamente formada913

No mesmo sentido de acordo com Nereu Joseacute Giacomolli o juiacutezo acerca do

recebimento ou natildeo da denuacutencia deveria ser realizado pelo juiz das garantias e natildeo pelo

juiz do processo diante da contaminaccedilatildeo posterior deste pelo contato com os elementos

colhidos na fase preliminar914

Exatamente nesse sentido a proposta de melhoria do PLS 1562009 formulada pelo

Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e encaminhada ao Congresso Nacional

por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Tal emenda confere nova redaccedilatildeo ao

caput do artigo 15 do Projeto dispondo que a competecircncia do juiz das garantias ldquocessa

com o recebimento da denuacutencia ou queixardquo As justificativas apontadas pela Emenda para

tal alteraccedilatildeo satildeo apresentadas logo a seguir

() para dar mais efetividade agrave separaccedilatildeo das atividades e evitar um preacute-

conceito do julgador que atua na fase da investigaccedilatildeo preliminar em relaccedilatildeo agrave

decisatildeo de meacuterito eacute melhor que o juiz das garantias seja tambeacutem o competente

para o recebimento da denuacutencia ou queixa Ateacute mesmo porque ele jaacute teve contado

com o material produzido Assim sendo o juiz do processo ficaria isento de qualquer

preacute-julgamento antes da sentenccedila Se o recebimento da denuacutencia competir ao juiz do

processo ele teraacute que analisar todos os elementos de informaccedilatildeo do inqueacuterito risco

de comprometer sua imparcialidade objetiva

911

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 912

IBID 913

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 914

ldquoEvidentemente que os dois juiacutezes poderiam restar contaminados pelos elementos da fase preliminar mas

o dano menor desta situa-se quando for o juiz das garantias o recebedor da denuacutenciardquo GIACOMOLLI

Nereu Joseacute Op cit p 307 No mesmo sentido BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85

169

Essa sugestatildeo tem como finalidade portanto evitar que os autos do inqueacuterito

policial sirvam para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz da causa com exceccedilatildeo eacute claro dos

elementos de informaccedilatildeo irrepetiacuteveis ou urgentes915

cuja produccedilatildeo tenha sido realizada

nessa fase preliminar e o material utilizado pelo juiz das garantias para a determinaccedilatildeo de

medidas cautelares916

Natildeo restam duacutevidas desse modo de que a cargo do juiz das garantias deveria estar

a decisatildeo acerca da necessidade ou natildeo do processo917

Com isso se estaraacute afastando

qualquer necessidade de o juiz da instruccedilatildeo processual aproximar-se do material

informativo que compotildee o inqueacuterito policial exceto como jaacute ressalvado quando para

tomar conhecimento das provas ditas irrepetiacuteveis918

De fato se o objetivo eacute afastar o juiz

do contato com a investigaccedilatildeo preliminar entatildeo outro caminho natildeo resta que atribuir a

decisatildeo sobre o iniacutecio do processo penal ao proacuteprio juiz das garantias919

2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves

decisotildees do juiz das garantias

Ainda com relaccedilatildeo ao mesmo artigo 15 do Projeto consta que uma vez proposta a

accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo apreciadas pelo juiz do processo920

-

compreendido como o responsaacutevel pela instruccedilatildeo criminal ndash bem como que as decisotildees

proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o magistrado do processo que poderaacute apoacutes

o oferecimento da denuacutencia reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso921

915

Como exemplos podem ser citadas a juntada de documentos e a realizaccedilatildeo de algumas periacutecias 916

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 917

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 Para o autor ldquoisso poderia ser sistematizado atraveacutes de uma

audiecircncia intermediaacuteria dirigida pelo juiz das garantias momento em que poderia restar delimitada a

acusaccedilatildeordquo 918

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228-229 919

IBID p 229 920

Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 921

Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o

oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso

170

A primeira criacutetica neste ponto eacute dirigida agrave redaccedilatildeo do artigo 15 sect 1ordm segundo a

qual ldquoas questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processordquo922

Aqui no mesmo

sentido da criacutetica formulada em relaccedilatildeo ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia pelo juiz

do processo tem-se claramente uma vez mais a possibilidade de contaminaccedilatildeo do juiz

pelos elementos de convicccedilatildeo produzidos no inqueacuterito policial exatamente em sentido

oposto ao objetivo do instituto do juiz das garantias proposto pelo projeto923

Segundo Abel Fernandes Gomes em decorrecircncia desse dispositivo apoacutes o

oferecimento da denuacutencia e a instauraccedilatildeo da accedilatildeo penal competiraacute ao juiz responsaacutevel pelo

julgamento decidir sobre as mesmas questotildees que o juiz das garantias teraacute sob sua

competecircncia no curso da primeira fase da persecuccedilatildeo penal o que contraria sem margem a

duacutevidas o fundamento apresentado para a criaccedilatildeo do instituto do juiz das garantias924

Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya que todas as postulaccedilotildees da

autoridade policial ou do Ministeacuterio Puacuteblico referentes agrave investigaccedilatildeo criminal fossem

decididas pelo juiz das garantias e soacute depois fosse oferecida a denuacutencia925

Mas a incoerecircncia de acordo com Abel Fernandes Gomes vai mais aleacutem

Conforme disposto no sect 2ordm do mesmo artigo 15 ldquoas decisotildees proferidas pelo juiz das

garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o oferecimento da denuacutencia poderaacute

reexaminar a necessidade das medidas cautelares em cursordquo

A natildeo vinculaccedilatildeo das decisotildees tomadas pelo juiz das garantias em relaccedilatildeo ao juiz

da instruccedilatildeo eacute decorrecircncia loacutegica da independecircncia que rege a funccedilatildeo jurisdicional926

Assim de acordo com Miguel Reale Junior as decisotildees tomadas pelo juiz das

garantias como por exemplo o indeferimento de busca e apreensatildeo e de prisatildeo

preventiva natildeo subordinam o juiz do processo que poderaacute vir a decidir pleito de

realizaccedilatildeo de tais providecircncias solicitadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico assim que oferecida a

denuacutencia para determinar a prisatildeo preventiva por exemplo com base nas provas

923

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 924

GOMES Abel Fernandes Op cit p 101 925

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 926

IBID

171

existentes no inqueacuterito policial927

E depois sem nenhum impedimento iraacute prolatar

sentenccedila final928

Para Andreacute Machado Maya essa independecircncia natildeo eacute poreacutem irrestrita

encontrando limitaccedilatildeo no proacuteprio dispositivo legal quando destaca que poderaacute o

magistrado do processo reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso

sugerindo natildeo ser possiacutevel via de regra o reexame das que restaram indeferidas a natildeo ser

que haja novos elementos de convicccedilatildeo resultantes da prova produzida durante a instruccedilatildeo

criminal929

Nesse caso segundo o autor natildeo haacute como negar ao juiz do processo a

possibilidade de por exemplo determinar a interceptaccedilatildeo das comunicaccedilotildees telefocircnicas a

quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e telefocircnico ou mesmo a prisatildeo cautelar do reacuteu930

Tambeacutem quanto a essa questatildeo relativa agrave possibilidade de o juiz do processo

reexaminar a necessidade das medidas cautelares o Instituto Brasileiro de Direito

Processual (IBDP) formulou criacutetica sugerindo nova redaccedilatildeo ao sect 2ordm do artigo 15 agora

com remissatildeo expressa ao artigo 532 sect 2ordm VIII931

e ao artigo 562932

do Coacutedigo933

com a

finalidade de deixar claro que natildeo se trataraacute de possibilidade de decretaccedilatildeo ex offiacutecio mas

de reexame perioacutedico da medida

De qualquer forma o juiz competente para o processo e julgamento da accedilatildeo penal

poderaacute rever as decisotildees tomadas pelo juiz das garantias para o que inevitavelmente teraacute

que formar convicccedilatildeo preacutevia e decidir sobre pressupostos de algumas medidas que

necessariamente estatildeo ligadas agrave verificaccedilatildeo da existecircncia do crime e de indiacutecios

suficientes da autoria em momento que natildeo corresponde ao da avaliaccedilatildeo do meacuterito934

927

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 104 928

IBID p 109 929

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 930

IBID 931

Art 532 A decisatildeo que decretar prorrogar substituir ou denegar qualquer medida cautelar seraacute sempre

fundamentada () sect 2ordm Sem prejuiacutezo dos requisitos proacuteprios de cada medida cautelar a decisatildeo conteraacute

necessariamente () VIII ndash a data para reexame da medida quando obrigatoacuterio 932

Art 562 Qualquer que seja o seu fundamento legal a prisatildeo preventiva que exceder a 90 (noventa) dias

seraacute obrigatoriamente reexaminada pelo juiz ou tribunal competente para avaliar se persistem ou natildeo os

motivos determinantes da sua aplicaccedilatildeo podendo substituiacute-la se for o caso por outra medida cautelar 933

Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo

vinculam o juiz do processo que apoacutes o recebimento da denuacutencia ou queixa poderaacute reexaminar a

necessidade das medidas cautelares em curso nos termos dos artigos 532 sect 2ordm inc VIII e artigo 562 deste

Coacutedigo 934

GOMES Abel Fernandes Op cit p 101-102

172

Nessa circunstacircncia ldquoaquilo que seria o fundamento de tatildeo estrutural modificaccedilatildeo

no processo penal brasileiro acabaria esvaziado pela proacutepria leirdquo935

Por isso conforme sugestatildeo de Abel Fernandes Gomes mais coerente agraves intenccedilotildees

expostas pelo Projeto seria que o juiz do processo natildeo fosse instado a decidir sobre nada e

que o processo somente chegasse agraves suas matildeos para a realizaccedilatildeo da audiecircncia de instruccedilatildeo

e julgamento ocasiatildeo em que na sua presenccedila somente as provas orais seriam produzidas

sem que a partir daiacute nenhuma outra produccedilatildeo de prova ou diligecircncia viesse a ser

apreciada pelo magistrado encarregado de julgar o meacuterito mesmo que a requerimento das

partes soacute restando a ele proferir sentenccedila936

3 A escassez de recursos humanos e materiais

Outra grande objeccedilatildeo ao instituto do juiz das garantias senatildeo a maior delas natildeo eacute de

ordem conceitual mas de natureza eminentemente praacutetica e remete para o jaacute conhecido

argumento da falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio937

Muitas reaccedilotildees agrave figura do juiz das

garantias datildeo-se entatildeo sob o fundamento de que o Estado natildeo dispotildee de orccedilamento para

suprir as demandas que a criaccedilatildeo dos novos cargos determinaraacute938

Argumenta-se que tanto no acircmbito federal quanto estadual o Poder Judiciaacuterio natildeo

possui condiccedilotildees orccedilamentaacuterias para assegurar ao menos dois juiacutezes em cada seccedilatildeo

judiciaacuteria ou comarca do territoacuterio nacional939

bem como que a proposta passaraacute

inevitavelmente por grandes entraves na sua concretizaccedilatildeo dada a extensatildeo do territoacuterio

nacional e suas realidades regionais diversas940

Como jaacute exposto o exerciacutecio das funccedilotildees de juiz de garantias eacute causa de impedimento

desse magistrado para fins de posterior atuaccedilatildeo nas seguintes fases desse mesmo processo

A questatildeo que se coloca eacute portanto como aplicar a regra de impedimento nas comarcas

935

IBID p 102 936

IBID p 102 937

MAYA Andreacute Machado Outra vez 938

BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 939

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 940

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91

173

que contam com apenas um juiz Para Miguel Reale Juacutenior trata-se de ldquouma realidade

absolutamente incontornaacutevelrdquo941

Natildeo se pode negar que de fato a realidade do Poder Judiciaacuterio no paiacutes eacute complicada

Eacute possiacutevel verificar que no site do Conselho Nacional de Justiccedila na paacutegina referente agrave

Justiccedila em Nuacutemeros942

em 2012 havia na Justiccedila Estadual em todo o paiacutes 11960

magistrados concentrados mais da metade deles nos Estados de Satildeo Paulo943

Paranaacute944

Minas Gerais945

Rio de Janeiro946

e Rio Grande do Sul947

Assim haacute nos 22 Estados

restantes pouco mais de 5000 magistrados Seis Estados tecircm entre 100 e 200 juiacutezes948

em

trecircs Estados menos de 100 juiacutezes949

ldquoComo entatildeo pensar-se em um paiacutes com este quadro de magistrados na exigecircncia de

um juiz das garantias competente para despachar atos do inqueacuterito diferente do juiz do

processordquo950

De acordo com Miguel Reale Juacutenior mais de 50 das comarcas tecircm apenas um juiz

enquanto um nuacutemero grande de comarcas possui dois juiacutezes sendo que a saiacuteda em feacuterias

ou doenccedila de um emperraraacute o processo pois o que autorizou uma busca e apreensatildeo natildeo

poderaacute receber ou rejeitar a denuacutencia951

Para Faacutebio Roque Arauacutejo a criaccedilatildeo efetiva desta nova figura processual

inegavelmente possui consideraacuteveis empecilhos sobretudo no que diz respeito agrave

estruturaccedilatildeo das leis de organizaccedilatildeo judiciaacuteria952

Segundo o autor natildeo eacute possiacutevel ignorar o

fato de que boa parte das Unidades da Federaccedilatildeo sofre com a insuficiecircncia de magistrados

o que dificultaria a implementaccedilatildeo de regras praacuteticas relativas agrave substituiccedilatildeo de julgadores

941

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 942

httpwwwcnjjusbrimagespesquisasjudiciariasPublicacoesrelatorio_jn2013pdf acessado em

15102013 943

2528 magistrados 944

1073 magistrados 945

989 magistrados 946

807 magistrados 947

734 magistrados 948

Alagoas (119) Amazonas (145) Piauiacute (137) Rondocircnia (152) Sergipe (155) e Tocantins (128) 949

Acre (66) Amapaacute (82) Roraima (47) 950

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 951

IBID p 110-111 952

ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal In

ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de

Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 136

174

Neste cenaacuterio o deslocamento de magistrados exclusivamente para atuaccedilatildeo na fase de

investigaccedilatildeo poderia agravar este quadro de escassez953

De acordo com Abel Fernandes Gomes a proposta demanda em nome da sauacutede do

sistema de justiccedila criminal e da organizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio a realizaccedilatildeo de estudos

seacuterios e criteriosos sobre os impactos da instalaccedilatildeo e operaccedilatildeo de um segundo juiz num

mesmo grau de jurisdiccedilatildeo agrave vista do traccedilado histoacuterico de nosso sistema processual penal

da nossa organizaccedilatildeo judiciaacuteria e dos meacutetodos de seleccedilatildeo e ingresso de juiacutezes na carreira

bem como sua mobilizaccedilatildeo funcional954

Segundo o autor natildeo seraacute tarefa faacutecil superar ldquoos

tatildeo incontaacuteveis quanto inexoraacuteveis problemas que jaacute se vislumbra na marcha processual

com o inevitaacutevel aumento do tempo de sua duraccedilatildeo e de incidentes capazes de

favorecerem apenas a ocorrecircncia da prescriccedilatildeordquo955

Enfim natildeo haacute como negar que o problema existe Em alguns Estados ele eacute mais grave

noutros menos956

De acordo com dados apresentados por Fabiano Augusto Martins

Silveira com base em levantamento preliminar natildeo oficial no Amazonas por exemplo 41

das 59 comarcas tecircm apenas um juiz em Minas Gerais haacute 185 comarcas com um uacutenico

juiz no universo de 295 no Cearaacute do total de 134 comarcas 57 contam com apenas um

magistrado957

Vale ressaltar que a proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS n 15609 natildeo fechou os

olhos aos problemas estruturais que a criaccedilatildeo do juiz das garantias possa trazer para a

organizaccedilatildeo judiciaacuteria e sua operacionalizaccedilatildeo valendo destacar as seguintes ponderaccedilotildees

Evidentemente e como ocorre com qualquer alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo

judiciaacuteria os tribunais desempenharatildeo um papel de fundamental importacircncia na

afirmaccedilatildeo do juiz das garantias especialmente no estabelecimento de regras de

substituiccedilatildeo nas pequenas comarcas No entanto os proveitos que certamente seratildeo

alcanccedilados justificaratildeo plenamente os esforccedilos nessa direccedilatildeo

953

IBID p 136 954

GOMES Abel Fernandes Op cit p 104 955

IBID Ainda segundo o autor ldquolotaccedilatildeo inamovibilidade e competecircncia dentre outras questotildees satildeo

apenas uma amostra de alguns graves problemas que se enfrentaraacute com a insistecircncia desprovida de maior

aprofundamento na implantaccedilatildeo do instituto do juiz das garantiasrdquo 956

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 957

IBID p 92

175

Para Fabiano Martins Augusto Silveira sendo previsiacutevel que a escassez de recursos

humanos no Poder Judiciaacuterio opotildee empecilhos agrave execuccedilatildeo da proposta a pergunta eacute se

devemos abdicar ao ldquosalto de qualidaderdquo que representa o juiz das garantias simplesmente

qualificando o projeto de inexequiacutevel e ponto final958

Conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya natildeo se pode ignorar que esse mesmo

argumento que agora serve para justificar a manutenccedilatildeo de caracteriacutesticas inquisitoriais do

processo penal brasileiro eacute ainda hoje utilizado para explicar a ausecircncia de Defensoria

Puacuteblica em vaacuterios Estados da Federaccedilatildeo e para justificar a situaccedilatildeo caoacutetica em que se

encontram os estabelecimentos prisionais brasileiros959

Fabiano Augusto Martins Silveira demonstra preocupaccedilatildeo com o fato de que essa

postura de rejeiccedilatildeo ao novo instituto tende a ser assumida por aqueles que sem declararem

expressamente natildeo estatildeo convencidos da necessidade de mudanccedila ou por quem sabe

outras razotildees natildeo a desejam ldquoDaiacute que o debate pode tomar um caminho sinuoso onde

posiccedilotildees contraacuterias ou ceacuteticas em relaccedilatildeo ao juiz das garantias se escondem no

argumento da inviabilidade material sem aprofundaacute-lordquo960

Imperioso destacar que a essa criacutetica de natureza praacutetica o substitutivo do PLS

1562009 apresentado pelo Senador Renato Casagrande relator do projeto de lei no

Senado jaacute havia dado uma resposta satisfatoacuteria961

prevendo no art 701962

(Livro - Das

Disposiccedilotildees Transitoacuterias e Finais) que a regra que impede o juiz das garantias de atuar

como juiz da causa em cuja investigaccedilatildeo tenha participado (art 16) somente entraria em

vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo do Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se

tratasse de comarca onde houvesse apenas 1 (um) juiz Dessa forma haveria uma vacatio

legis maior e especiacutefica para o juiz das garantias visando agrave adaptaccedilatildeo das estruturas

organizacionais do Poder Judiciaacuterio963

958

IBID p 92 959

MAYA Andreacute Machado Outra vez 960

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 961

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 962

Art 701 Este Coacutedigo entra em vigor no prazo de 6 (seis) meses apoacutes a sua publicaccedilatildeo Paraacutegrafo uacutenico A

regra de impedimento de que trata o art 16 entraraacute em vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo deste

Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se tratar de comarca onde houver apenas 1 (um) juiz 963

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo

176

Essa redaccedilatildeo contudo acabou suprimida na versatildeo final do PLS 1562009 votada pelo

Senado Federal que em razatildeo da regra de impedimento e no intuito de viabilizar a

transiccedilatildeo do sistema processual atualmente vigente ao disposto no projeto de novo Coacutedigo

dispocircs no artigo 748 I964

natildeo se aplicar esse tal impedimento nas comarcas onde houver

apenas um juiz ldquoenquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre a

criaccedilatildeo ou formas de substituiccedilatildeordquo restando sem prazo definido portanto a regra

transitoacuteria do artigo 748965

De toda forma para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes qualquer criacutetica fundada

exclusivamente em insuficiecircncia de recursos como se esse fato eximisse de obrigaccedilatildeo ou

de responsabilidade de assegurar o quanto previsto na Constituiccedilatildeo natildeo eacute suficiente nem

mesmo para oferecer desculpas aos cidadatildeos pela manutenccedilatildeo desse caos no sistema

criminal atual966

Ainda segundo o autor ldquoafirmar que natildeo eacute possiacutevel num prazo a ser

definido se preparar uma nova organizaccedilatildeo para efetiva implementaccedilatildeo de direitos

fundamentais eacute confessar natildeo uma insuficiecircncia de recursos mas uma vontade poliacutetica de

natildeo mudarrdquo967

No mesmo sentido Andreacute Machado Maya afirma que a constataccedilatildeo de que a

significativa maioria das comarcas brasileiras eacute formada por varas judiciais uacutenicas

compostas pois por apenas um magistrado natildeo pode servir de justificativa vaacutelida para a

natildeo adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias968

ldquoDeficiecircncias estruturais natildeo podem

funcionar como justificativa para a prestaccedilatildeo jurisdicional falha ao contraacuterio a sua

constataccedilatildeo deveria ser o primeiro passo de uma caminhada orientada a uma prestaccedilatildeo

jurisdicional efetivardquo969

Para Joseacute Antonio Paganella Boschi as criacuteticas estruturadas na falta de recursos do

Poder Judiciaacuterio satildeo evidentemente equivocadas primeiro por falta de maior meditaccedilatildeo

em torno da novidade depois porque o Projeto condiciona a implantaccedilatildeo do juiz de

964

Art 748 O impedimento previsto no art 16 natildeo se aplicaraacute I ndash agraves comarcas ou seccedilotildees judiciaacuterias onde

houver apenas 1 (um) juiz enquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre criaccedilatildeo de

cargo ou formas de substituiccedilatildeo () 965

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 230 ldquoRazoaacutevel e adequada a previsatildeo transitoacuteria desde

que contudo seja ela efetivamente transitoacuteria para que na praacutetica natildeo acabe tornando sem efeito a

previsatildeo do juiz das garantias no Coacutedigo de Processo Penal pois enquanto natildeo regulado seu funcionamento

pelos Coacutedigos de Organizaccedilatildeo Judiciaacuteria dos Estados seguiraacute o procedimento exatamente como eacute hoje

regulado com investigaccedilatildeo instruccedilatildeo e sentenccedila a cargo de um uacutenico magistradordquo IBID p 230 966

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 967

IBID 968

MAYA Andreacute Machado Outra vez 969

IBID

177

garantias agrave aprovaccedilatildeo em lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria e por fim porque a questatildeo

envolve sobretudo durante o periacuteodo de sua implantaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo menos criaccedilatildeo de

cargos e mais organizaccedilatildeo de formas de substituiccedilatildeo de um juiz por outro de modo que o

magistrado que atuar como juiz de garantias ficaraacute liberado para atuar como juiz da causa

em outro processo e vice-versa970

Daiacute a necessidade de que sejam buscadas alternativas vaacutelidas quer prevendo um juiz

das garantias itinerante ou a regionalizaccedilatildeo do instituto de modo que para cada grupo de

comarcas proacuteximas haja um juiz de garantias competente971

quer atraindo as funccedilotildees de

garantia para o juiz da comarca mais proacutexima quer combinando essas e outras

alternativas972

Outra ideia interessante eacute importada da reforma processual penal do Chile onde as

alteraccedilotildees processuais se concretizaram por etapas do interior para a capital do paiacutes

obedecendo rigidamente a uma progressividade programada para viabilizar na praacutetica a

implementaccedilatildeo das mudanccedilas teoacutericas propostas no novo Coacutedigo de Processo Penal

chileno973

Aqui consideradas as barreiras de ordem estrutural do Poder Judiciaacuterio brasileiro

mais adequado seria o inverso com a instalaccedilatildeo imediata dos juizados de garantias nas

capitais dos Estados postergando para um segundo momento a sua instalaccedilatildeo nas

comarcas de entracircncia secundaacuteria e por fim a sua adoccedilatildeo nas denominadas entracircncias

iniciais em que hoje apenas um magistrado responde por todas as demandas974

Isso considerado fica extremamente difiacutecil aceitar que o contexto das pequenas

comarcas impeccedila que a proposta seja colocada em praacutetica por exemplo na cidade de Satildeo

Paulo dado o contraste de nuacutemeros (de inqueacuteritos processos presos etc) entre as duas

realidades975

Assim segundo Fabiano Augusto Martins Silveira

970

BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 971

MAYA Andreacute Machado Outra vez 972

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 973

MAYA Andreacute Machado Outra vez No Chile onde natildeo havia sequer a carreira do Ministeacuterio Puacuteblico

foi implementado todo um novo Coacutedigo de Processo Penal juntamente com a formaccedilatildeo e instalaccedilatildeo daquele

oacutergatildeo puacuteblico em fases e de modo gradativo das pequenas cidades ateacute os grandes centros urbanos

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 974

MAYA Andreacute Machado Outra vez 975

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92

178

Tatildeo esdruacutexulo quanto ignorar as dificuldades de aplicaccedilatildeo da regra de

impedimento do art 16 nas pequenas comarcas seria fechar os olhos para o outro

lado da moeda isto eacute que a proposta eacute perfeitamente viaacutevel e madura para as

comarcas que respondem pelo grosso da produccedilatildeo judiciaacuteria e litigiosidade do

Paiacutes976

Talvez a saiacuteda portanto seja uma regra de transiccedilatildeo que proporcione maior tempo

para o equacionamento das situaccedilotildees mais complexas e que ao mesmo tempo evite o

engessamento do sistema permitindo-nos vencer a ineacutercia977

Com efeito a entrada em vigor do novo Coacutedigo de Processo Penal gradualmente

possibilitaria o aprimoramento do proacuteprio instituto do juiz de garantias e tambeacutem da

estrutura do Poder Judiciaacuterio garantindo inclusive nas comarcas mais distantes a devida

observacircncia de um modelo democraacutetico de processo penal no qual a imparcialidade do

julgador eacute fortalecida pelo proacuteprio sistema processual exatamente o oposto do que ocorre

atualmente jaacute que o juiz familiariza-se com o caso jaacute no iniacutecio da investigaccedilatildeo

contaminando-se com as suposiccedilotildees acusatoacuterias das autoridades policiais e dos membros

do Ministeacuterio Puacuteblico para soacute depois durante o processo quando normalmente jaacute estaacute

com sua convicccedilatildeo formada acerca da culpabilidade do suspeito ter contato com os

argumentos defensivos978

Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ainda lanccedila luz numa outra questatildeo O autor salienta que

da mesma forma que a implementaccedilatildeo da reforma operada no Chile exigiu a

conscientizaccedilatildeo de todos os Poderes da naccedilatildeo inclusive com liberaccedilatildeo de verba do Poder

Executivo e novo aparato legislativo assim como participaccedilatildeo determinada e efetiva do

Poder Judiciaacuterio isso deve tambeacutem ocorrer aqui sob pena de nunca termos um novo

Coacutedigo apesar de termos mudanccedilas legislativas979

ldquoMudar a mentalidade e disposiccedilatildeo eacute

mais relevante que mudar a leirdquo980

A discussatildeo a elaboraccedilatildeo e a aprovaccedilatildeo de um novo

Coacutedigo de Processo Penal natildeo satildeo determinaccedilotildees ou decisotildees apenas do Poder Judiciaacuterio

976

IBID p 92 977

IBID p 92 978

MAYA Andreacute Machado Outra vez 979

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 980

IBID

179

mas tambeacutem dos outros dois Poderes da Naccedilatildeo981

Assim a disponibilizaccedilatildeo de verba a

apresentaccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas em um periacuteodo de transiccedilatildeo e a criaccedilatildeo de estrutura

condizente para efetivar a Constituiccedilatildeo satildeo obrigaccedilotildees poliacuteticas que devem ser assumidas e

compartilhadas por todos982

Em resumo no acircmbito de um paiacutes democraacutetico eacute inaceitaacutevel a rejeiccedilatildeo de um

instrumento processual arquitetado exatamente para tornar mais democraacutetico o processo

penal com base em argumentos e justificativas de iacutendole meramente praacutetica como eacute a

conhecida falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio983

Nesse sentido a liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli

Pseudo argumentos forjados na superfiacutecie do senso comum envoltos em um

fantasioso reducionismo utilitaacuterio barram o juiz das garantias em esquemas

orccedilamentaacuterios e deacuteficits de magistrados Uma visatildeo asinina e de poucos centiacutemetros

natildeo observa a valorizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo jurisdicional a possibilidade da existecircncia de

mais de um juiz na mesma Comarca (a demanda processual assim reclama) a

integraccedilatildeo de Comarcar vizinhas e a necessidade de um plantatildeo judiciaacuterio Os

detratores do sistema democraacutetico implantam seus olhos na nuca e miram os passos

dados caminhando de costas navegam num tempo morto sem divisar o porvir984

Se dificuldades existem e em momento algum se procura dizer o contraacuterio que sejam

encaradas que sejam ultrapassadas Sucumbir a elas mais que fraqueza ou covardia

parece um artifiacutecio conscientemente elaborado para manter intocada a essecircncia

inquisitorial do atual processo penal brasileiro exatamente como projetada no periacuteodo do

Estado Novo985

Sem o juiz das garantias a especializaccedilatildeo de funccedilotildees e a separaccedilatildeo fiacutesica entre o juiz

da investigaccedilatildeo e o juiz do processo o novo Coacutedigo de acordo com Fabiano Augusto

981

IBID 982

IBID 983

MAYA Andreacute Machado Outra vez 984

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 985

MAYA Andreacute Machado Outra vez

180

Martins Silveira jaacute nasceria ultrapassado e empoeirado ldquocomo que enclausurado no

seacuteculo XXrdquo986

Portanto contestar o progresso do sistema em razatildeo unicamente da falta de recursos

natildeo eacute minimamente aceitaacutevel ldquoeacute esconder por detraacutes dessa atual insuficiecircncia uma

verdadeira intenccedilatildeo de mudar o sistema desde que tudo fique como estaacuterdquo987

4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico

Ainda outra preocupaccedilatildeo eacute externada com relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias qual

seja a aproximaccedilatildeo demasiada entre o juiz das garantias e a poliacutecia ou o Ministeacuterio

Puacuteblico Para Miguel Reale Jr

De outra parte eacute de se temer sim que em comarcas meacutedias e pequenas com

dois ou mais juiacutezes o juiz das garantias venha pelo contato uacutenico e contiacutenuo com a

poliacutecia e com o Ministeacuterio Puacuteblico a criar liames de convivecircncia que o conduzam a

atender mais facilmente os pedidos de prisatildeo temporaacuteria por exemplo E decretada a

medida cautelar o prejuiacutezo ao indiciado jaacute se perfez por sofrer de forma intensa o

peso do aparato estatal988

Sustenta-se portanto que embora a proximidade do juiz criminal com delegados de

poliacutecia ou membros do Ministeacuterio Puacuteblico seja alvo de profundas criacuteticas por grande

parcela da doutrina a instituiccedilatildeo do juiz das garantias justamente exigiraacute perene contato o

que no mais das vezes significaraacute o raro indeferimento dos pedidos formulados por tais

oacutergatildeos em detrimento do indiciado

Nesse sentido talvez seja interessante e adequado que no regramento da designaccedilatildeo

de magistrados para atuarem como ldquojuiz das garantiasrdquo sejam previstas normas que

986

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 987

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 988

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110

181

limitem o tempo de exerciacutecio dessa funccedilatildeo ou que haja mecanismos que facilitem a

substituiccedilatildeo do magistrado que atua como ldquojuiz das garantiasrdquo por outro como ocorre com

o cargos de livre provimento e destituiccedilatildeo

5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que

exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias

Para Mauro Fonseca Andrade uma das maiores demonstraccedilotildees de ausecircncia de

coerecircncia em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias refere-se agraves accedilotildees penais originaacuterias989

Dentre as inovaccedilotildees trazidas pelo projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal para o

tema estaacute a previsatildeo no artigo 314 I990

da designaccedilatildeo de um membro do tribunal que

oficiaraacute na fase de investigaccedilatildeo como juiz das garantias isto eacute que exerceraacute as funccedilotildees do

juiz das garantias tais quais previstas no artigo 14 do mesmo projeto ficando impedido de

atuar no processo como relator991

Segundo o autor por certo que o projeto natildeo poderia excluir a presenccedila do juiz das

garantias em tais accedilotildees Ao contraacuterio ele previu expressamente sua presenccedila mas natildeo o

impediu contudo de atuar na fase processual992

O aspecto a ser aqui sublinhado eacute portanto a vedaccedilatildeo apenas a que o membro do

tribunal que atuou como juiz das garantias funcione tambeacutem como relator do caso apoacutes

oferecida a denuacutencia993

Em outros termos o membro do tribunal que houver atuado como

juiz das garantias estaraacute impedido somente de ser o relator do processo ao inveacutes de nele

atuar tal como ocorre em relaccedilatildeo a todos os demais procedimentos e juiacutezes de primeiro

grau994

989

ANDRADE Mauro Fonseca Juiz das Garantias Curitiba Juruaacute 2011 p 105 990

Art 314 Nas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves

disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash

as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental

que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator () 991

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria e restauraccedilatildeo de autos no novo Coacutedigo de Processo Penal In

ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de

Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 365 992

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 993

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 994

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106

182

Embora natildeo se possa negar que seja saudaacutevel a restriccedilatildeo um verdadeiro avanccedilo

quando comparada com a praxe atual em que o relator permanece responsaacutevel pelo caso

desde o iniacutecio da investigaccedilatildeo ateacute o julgamento definitivo do processo essa vedaccedilatildeo eacute

insuficiente para evitar que a decisatildeo do caso seja tomada por aquele que de alguma forma

participou da investigaccedilatildeo995

Ainda que natildeo seja o relator do caso o (outrora) membro do tribunal que atuou

como juiz das garantias poderaacute eventualmente participar do julgamento e claro votar996

Frente a essa situaccedilatildeo Mauro Fonseca Andrade aponta alguns questionamento que

podem surgir tais como

O juiz de primeiro grau eacute mais propenso a romper o princiacutepio acusatoacuterio e

se tornar parcial se comparado ao seu colega com jurisdiccedilatildeo no tribunal mesmo

que frente a alguma daquelas hipoacuteteses descritivas da exclusatildeo do juiz das

garantias da fase processual a atuaccedilatildeo de ambos seja idecircntica Ou entatildeo haacute

como transigir com o conceito ou significado de imparcialidade judicial que seria

preservada ou violada em razatildeo da instacircncia em que a accedilatildeo penal condenatoacuteria

for ajuizada997

Talvez melhor se harmonizasse como o artigo 16998

do projeto ndash que ao impedir o

juiz das garantias de funcionar no processo almejou prestigiar os princiacutepios acusatoacuterio e da

imparcialidade ndash que aquele que oficiou no tribunal como juiz das garantias fosse tambeacutem

impedido de participar do julgamento999

A dificuldade praacutetica decorrente da reduccedilatildeo do

quoacuterum para a votaccedilatildeo poderaacute ser contornada com a convocaccedilatildeo de um magistrado

provindo de outro oacutergatildeo do judiciaacuterio em substituiccedilatildeo agravequele membro que natildeo participaraacute

do julgamento conforme praxe jaacute sedimentada pelos tribunais1000

995

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 996

IBID p 370 997

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 998

Art 16 O juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14

ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748 999

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 371 1000

IBID p 371

183

6 Instacircncias recursais

Como visto de acordo com o projeto de novo Coacutedigo de Processo Penal o fato de

o juiz atuar na fase de investigaccedilatildeo constitui causa de impedimento que obstaraacute sua atuaccedilatildeo

posterior na fase processual Tal disposiccedilatildeo tem como objetivo sobretudo assegurar a

imparcialidade objetiva do juiz responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito mantendo-o alheio aos

fatos da investigaccedilatildeo preliminar

Todavia os problemas de contaminaccedilatildeo subjetiva decorrentes do contato do juiz

com elementos probatoacuterios e da prolaccedilatildeo de decisotildees que ultrapassam a mera anaacutelise de

aspectos processuais natildeo satildeo exclusividade da fase preacute-processual1001

De acordo com

Andreacute Machado Maya ldquoa atividade jurisdicional desenvolvida pelos tribunais tambeacutem

pode conduzir agrave mesma problemaacutetica da contaminaccedilatildeo subjetivardquo1002

Isso porque a prevenccedilatildeo como regra de fixaccedilatildeo da competecircncia em geral tambeacutem

vige nos tribunais de segunda instacircncia e nas Cortes superiores tanto em relaccedilatildeo ao relator

de determinada medida recursal ou accedilatildeo penal originaacuteria julgada anteriormente quanto do

proacuteprio oacutergatildeo colegiado julgador de modo que os posteriores recursos da sentenccedila penal

condenatoacuteria inclusive aqueles referentes agrave execuccedilatildeo penal seratildeo julgados pelo

magistrado ou pelo oacutergatildeo colegiado que na maioria dos casos conheceu e julgou o

primeiro habeas corpus impetrado jaacute em face de alguma medida adotada no curso da

investigaccedilatildeo preliminar1003

Assim ao conhecer e julgar por exemplo o habeas corpus1004

impetrado em face

de decisatildeo proferida pelo juiz de primeira instacircncia que defere uma medida cautelar ou se

ainda na fase de investigaccedilatildeo acolher recurso do Ministeacuterio Puacuteblico e decretar uma medida

cautelar o oacutergatildeo jurisdicional de segunda instacircncia ou das Cortes superiores seja

colegiado ou individual deve necessariamente reexaminar os pressupostos e requisitos de

1001

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 197 1002

IBID p 197-198 1003

IBID p 231 1004

De acordo com Andreacute Machado Maya tal situaccedilatildeo natildeo se verifica apenas no acircmbito dos habeas corpus

impetrados contra atos do juiz de primeira instacircncia mas tambeacutem diante do julgamento de recurso de

apelaccedilatildeo interposto com base no artigo 593 I do CPP em face de decisatildeo de absolviccedilatildeo sumaacuteria proferida na

forma do artigo 397 I II e III da lei processual A problemaacutetica situaccedilatildeo tambeacutem resulta do julgamento do

recurso em sentido estrito interposto em face de decisatildeo de rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa com base no

artigo 581 I do CPP IBID p 198-199

184

admissibilidade da medida de forma a analisar a procedecircncia ou natildeo da irresignaccedilatildeo do

imputado ou do oacutergatildeo de acusaccedilatildeo1005

Daiacute que eacute absolutamente inconcebiacutevel o exame da

legalidade e da admissibilidade da medida questionada sem que sejam revisados os

fundamentos e motivos apontados quando de sua decretaccedilatildeo ou de seu indeferimento com

o que tambeacutem o oacutergatildeo jurisdicional revisor estaraacute formando uma convicccedilatildeo acerca da

culpabilidade do suspeito (ou reacuteu) seja para reformar a decisatildeo questionada seja para

reafirmaacute-la por seus proacuteprios fundamentos1006

Ocorre no entanto e esta a razatildeo da criacutetica formulada que conforme se observa do

texto do projeto nenhuma duacutevida sobre a imparcialidade do magistrado de segundo grau

ou possiacutevel ferimento do princiacutepio acusatoacuterio eacute suscitada1007

Nesse sentido Mauro

Fonseca Andrade ressalta que o projeto eacute totalmente omisso Natildeo prevecirc nenhum oacutebice de

modo a tornar o magistrado de segundo grau impedido de condenar ou absolver o ndash agora ndash

acusado como decorrecircncia natural do exame dos recursos que por ventura chegarem ao

seu conhecimento1008

Segundo o autor ao assim proceder o projeto discrimina nitidamente o juiz de

primeiro grau quando comparado ao juiz de segundo grau Primeiro como jaacute analisado no

toacutepico anterior por entender que este natildeo sofre qualquer maacutecula em sua imparcialidade a

ponto de ser afastado da condiccedilatildeo de julgador nas accedilotildees penais originaacuterias1009

depois

quando o projeto arrola as causas de impedimento que afetariam todo e qualquer

magistrado (art 53 e ss)1010

Nelas em momento algum se vecirc que o magistrado de segundo

1005

IBID p 198 1006

IBID p 198 1007

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1008

IBID p 107 1009

IBID p 107 1010

Art 52 Ao juiz incumbiraacute zelar pela legalidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos

atos Art 53 O juiz estaraacute impedido de exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I ndash tiver funcionado seu

cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau

inclusive como defensor ou advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico delegado de poliacutecia auxiliar da justiccedila

ou perito II ndash ele proacuteprio houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III ndash

tiver funcionado como juiz de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV ndash

ele proacuteprio ou seu cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o

terceiro grau inclusive for parte ou diretamente interessado no feito Art 54 Nos juiacutezos colegiados estaratildeo

impedidos de atuar no mesmo processo os juiacutezes que forem entre si cocircnjuges companheiros ou parentes

consanguiacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive Art 55 Em caso de

suspeiccedilatildeo o juiz poderaacute ser recusado pelas partes sect 1ordm Reputa-se fundada a suspeiccedilatildeo quando o juiz

manifestar parcialidade na conduccedilatildeo do processo ou no julgamento da causa e ainda nas seguintes

hipoacuteteses I ndash se mantiver relaccedilatildeo de amizade ou de inimizade com qualquer das partes II ndash se ele seu

cocircnjuge companheiro ascendente descendente ou irmatildeo estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo

sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia III ndash se ele seu cocircnjuge companheiro ou parente

consanguiacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda ou responder a processo que tenha de

185

grau mesmo apoacutes haver participado de julgamento de recurso sobre algo ocorrido na fase

de investigaccedilatildeo criminal estaraacute impedido de julgar eventual recurso sobre tema tratado na

fase processual1011

Nesse cenaacuterio portanto identifica-se um alto risco de comprometimento da

imparcialidade objetiva dos julgadores e no caso conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado

Maya com ainda mais intensa gravidade na medida em que como regra as accedilotildees penais

satildeo decididas de modo definitivo justamente pelos tribunais de apelaccedilatildeo1012

Daiacute ser

necessaacuteria e plenamente justificaacutevel tambeacutem em relaccedilatildeo a essa fase do processo penal

uma reflexatildeo acerca de medidas de reduccedilatildeo de danos aptas a assegurar a efetividade do

direito de ser julgado por um tribunal imparcial1013

Com efeito a prevenccedilatildeo em regra torna o oacutergatildeo colegiado ou o magistrado relator

do primeiro recurso accedilatildeo penal ou medida processual referente ao processo competente

para o julgamento de todas as posteriores questotildees processuais que guardem relaccedilatildeo com o

mesmo feito inclusive dos incidentes instaurados em face da execuccedilatildeo penal

estabelecendo com isso iacutentima relaccedilatildeo entre o oacutergatildeo jurisdicional e um determinado

processo penal1014

Pode-se concluir desse modo pela real possibilidade de contaminaccedilatildeo subjetiva do

oacutergatildeo jurisdicional decisor tornando justificada a desconfianccedila de que o futuro julgamento

de meacuterito em grau recursal possa ser influenciado por convicccedilotildees e prejulgamentos

adquiridos na anterior prestaccedilatildeo jurisdicional1015

De acordo com Mauro Fonseca Andrade ldquopara superar essa situaccedilatildeo

constrangedora eacute de rigor que existam desembargadores e ministros das garantiasrdquo1016

Enquanto isso natildeo ocorrer ressalta o autor que ldquoa transigecircncia com a imparcialidade

judicial seraacute patente e o rigor na separaccedilatildeo de funccedilotildees soacute se aplicaraacute ao primeiro grau de

ser julgado por qualquer das partes IV ndash se tiver aconselhado qualquer das partes V ndash se mantiver relaccedilatildeo

juriacutedica de natureza econocircmica ou moral com qualquer das partes da qual se possa inferir risco agrave

imparcialidade VI ndash se tiver interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes sect 2ordm O juiz a

qualquer tempo poderaacute se declarar suspeito inclusive por razotildees de foro iacutentimo Art 56 A suspeiccedilatildeo natildeo

poderaacute ser declarada nem reconhecida quando a parte de propoacutesito der motivo para criaacute-la 1011

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1012

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1013

IBID p 231 1014

IBID p 198 1015

IBID p 202 1016

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107

186

jurisdiccedilatildeo onde tambeacutem ficaria circunscrita a proteccedilatildeo ao festejado princiacutepio

acusatoacuteriordquo1017

Nesse sentido o questionamento de Abel Fernandes Gomes

E mais considerando que uma das coisas que se pretende evitar eacute que um

magistrado que tenha tomado contato com os fatos em grau de juiacutezo de

admissibilidade e legitimidade de meios de coleta de elementos preacutevios de

convicccedilatildeo ou medidas cautelares venha ser o mesmo que vaacute julgar o meacuterito da

accedilatildeo penal em caso de desembargadores e ministros das Cortes Superior e

Suprema que venham a conhecer dos habeas corpus impetrados ainda enquanto o

processo originaacuterio se encontra na fase preacute-processual para discutir a

admissibilidade e legitimidade do deferimento de tais medidas pelo juiz das

garantias tambeacutem se adotaraacute por coerecircncia e simetria a instituiccedilatildeo dos

desembargadores e ministros das garantias que ficaratildeo impedidos ndash em vez de

preventos ndash para o julgamento do meacuterito dos recursos de apelaccedilatildeo especial e

extraordinaacuterio1018

Assim indubitaacutevel que o aprimoramento da garantia da imparcialidade e a

consequente reduccedilatildeo de danos orientada ao devido processo legal exige conforme liccedilatildeo de

Andreacute Machado Maya ldquoum passo adiante em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias uma

dose pouco mais concentrada de ousadiardquo1019

sob pena de a imparcialidade restar

assegurada apenas em primeira instacircncia anulando-se todo o resultado que pode ser

alcanccedilado com o juiz das garantias quando o recurso interposto em face da decisatildeo de

meacuterito for julgado por oacutergatildeo judicial de segunda instacircncia que anteriormente jaacute tenha

analisado medida recursal ou habeas corpus referente ao mesmo feito e por isso

formulado uma convicccedilatildeo preacutevia acerca do caso penal em questatildeo ou mesmo sobre a

culpabilidade do acusado1020

1017

IBID p 107 1018

GOMES Abel Fernandes Op cit p 105 1019

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1020

IBID p 231-232

187

Tendo em vista a problemaacutetica apresentada Andreacute Machado Maya sugere no

acircmbito dos julgamentos colegiados da fase recursal seguindo a mesma linha do juiz das

garantias a criaccedilatildeo de um juizado de garantias isto eacute um oacutergatildeo jurisdicional integrante da

estrutura dos tribunais de segunda instacircncia a quem competiraacute exclusivamente o reexame

de todos e quaisquer atos decisoacuterios proferidos pelo juiz das garantias durante a

investigaccedilatildeo preliminar e tambeacutem dos atos decisoacuterios proferidos pelo juiz singular

durante a instruccedilatildeo criminal1021

Nesse modelo conforme propotildee o autor todas e quaisquer medidas jurisdicionais

adotadas pelo juiz de garantias na investigaccedilatildeo criminal e mais pelo proacuteprio juiz do

processo no curso da instruccedilatildeo processual independentemente da sua natureza seriam

revisaacuteveis seja via habeas corpus seja por recurso em sentido estrito pelo juizado de

garantias oacutergatildeo jurisdicional composto da mesma forma como os demais oacutergatildeos

colegiados que integram as Cortes recursais por trecircs magistrados1022

Com essa medida se estaria decididamente cindindo a fase de investigaccedilatildeo

preliminar da fase processual propriamente dita e consequentemente otimizando-se o

princiacutepio-garantia da imparcialidade jurisdicional1023

1021

IBID p 232 1022

Segundo o autor a medida proposta dispensa qualquer reforma estrutural do Poder Judiciaacuterio nacional

IBID p 232 1023

IBID p 232

188

CONCLUSAtildeO

A Constituiccedilatildeo Federal ao eleger um sistema processual penal de caraacuteter

acusatoacuterio cuja identidade se traduz essencialmente na separaccedilatildeo dos poderes exercidos

durante o desenvolvimento da persecuccedilatildeo penal conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a

exclusividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal consagrando ainda o devido processo legal que

dentre inuacutemeras outras garantias assegura o julgamento por um juiz competente e

imparcial

De par com o fortalecimento do processo penal constitucional como meacutetodo de

interpretaccedilatildeo do processo penal conforme os ditames da Constituiccedilatildeo a conservaccedilatildeo de um

sistema no qual as atividades desempenhadas pelos atores processuais natildeo sejam

precisamente delimitadas e estanques tornou-se despropositada

Portanto como decorrecircncia loacutegica da separaccedilatildeo das funccedilotildees de acusar e julgar e

resultado de um aprimoramento do sistema acusatoacuterio ao juiz fica agora vedada a

interferecircncia ativa na investigaccedilatildeo - como verdadeiro investigador - dado que acarreta

inevitaacutevel comprometimento de sua imparcialidade

A invocaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Estado-Jurisdiccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo

penal poreacutem eacute inevitaacutevel tendo em vista a possibilidade de os atos de investigaccedilatildeo

restringirem significativamente o acircmbito de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

assegurados constitucionalmente tais como a liberdade a dignidade a intimidade a

privacidade e a honra

Jaacute desde os primeiros momentos investigativos da persecuccedilatildeo penal portanto deve

ao cidadatildeo ser concedida toda a proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e

excessos estatais O juiz passa assim a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor

consubstanciada na missatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais constitucionalmente

consagrados

Por isso toda e qualquer medida que de alguma forma restrinja - ainda que de

forma legiacutetima - algum dos direitos fundamentais do indiviacuteduo soacute pode ser concretizada

189

mediante preacutevia e fundamentada autorizaccedilatildeo do magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo

confere tal prerrogativa

Justamente porque considerada uma funccedilatildeo de salvaguarda dos direitos

fundamentais do indiviacuteduo essa atividade desempenhada pelo juiz no curso da

investigaccedilatildeo preliminar requer dele precisatildeo na anaacutelise dos elementos que justificam e

autorizam a adoccedilatildeo de medidas restritivas desses direitos - que de modo geral consistem

na verificaccedilatildeo do fumus comissi delicti que se concretiza no processo penal pela

verificaccedilatildeo da presenccedila de elementos indicadores de existecircncia do crime e autoria bem

como em algumas hipoacuteteses do periculum libertatis O exame do material colhido na

investigaccedilatildeo preliminar natildeo pode portanto limitar-se a uma mera formalidade Cabe ao

magistrado no propoacutesito de maacuteximo resguardo dos direitos suscetiacuteveis a eventual violaccedilatildeo

a anaacutelise substancial e detida do material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo demandando

verdadeira incursatildeo nos seus autos e acarretando indiscutiacutevel envolvimento com os atos ali

documentados

Considerada a imparcialidade do oacutergatildeo julgador no seu aspecto objetivo portanto

verificou-se o elevado risco de seu comprometimento quando do julgamento de meacuterito

exatamente em razatildeo de sua anterior participaccedilatildeo em atos da investigaccedilatildeo criminal por

ocasiatildeo do exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos

direitos fundamentais do investigado Tal atuaccedilatildeo sem margens a duacutevidas cria no

subjetivo do magistrado impressotildees preconcebidas incompatiacuteveis com o distanciamento

que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e a imparcialidade

exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional penal

Aleacutem disso essa atuaccedilatildeo dual do juiz invariavelmente determina verdadeira

presunccedilatildeo de culpa transferindo agrave defesa o ocircnus de provar a inocecircncia do acusado em

clara afronta ao princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional

deveria orientar o juiz no curso de toda a causa A participaccedilatildeo na investigaccedilatildeo desse

modo vicia o juiz tornando muito mais custosa a missatildeo da defesa de ser considerada no

processo

Natildeo se pretende com isso afirmar que o juiz que nessa funccedilatildeo de garantidor dos

direitos fundamentais do investigado emite juiacutezos de valor durante a investigaccedilatildeo

criminal estaria inevitavelmente comprometido a julgar o meacuterito da accedilatildeo segundo essa

190

mesma valoraccedilatildeo Plenamente justificaacutevel e razoaacutevel no entanto a preocupaccedilatildeo com a

possibilidade de que o juiz seja indesejavelmente influenciado por essa atuaccedilatildeo anterior

perdendo a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional

Sob outro aspecto destaca-se uma fundada preocupaccedilatildeo com a aparecircncia de

imparcialidade que o julgador deve transmitir agravequeles submetidos agrave administraccedilatildeo da

justiccedila pois ainda que nenhum prejuiacutezo seja efetivamente verificado eacute improvaacutevel que se

consiga impedir o surgimento de duacutevidas acerca do pleno distanciamento do julgador Isso

abala a confianccedila que a sociedade deposita no Judiciaacuterio Nessa perspectiva sempre que

determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do

julgador impotildee-se o seu afastamento do processo

A situaccedilatildeo ateacute aqui delineada expotildee uma das grandes falhas do atual sistema

brasileiro que opera exatamente no sentido oposto em virtude das regras de prevenccedilatildeo

A forma que muitos ordenamentos tais como o italiano o chileno e o portuguecircs

encontraram para equacionar tal impasse evitando a exigecircncia de exame da natureza do

ato praticado pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo a fim avaliar eventual comprometimento da

sua imparcialidade objetiva no julgamento do meacuterito da causa bem como o casuiacutesmo e a

ausecircncia de seguranccedila juriacutedica decorrentes da necessidade de anaacutelise de cada caso

concreto foi cindir o juiz da investigaccedilatildeo do juiz da causa ao qual incumbe o juiacutezo de

meacuterito e a prolaccedilatildeo da decisatildeo final

Essa a soluccedilatildeo tambeacutem aventada pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 que

institui a figura do juiz das garantias propondo uma reforma estrutural para desligar o

responsaacutevel pelo acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute

apresentada daquele que verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal de modo a preservar o

distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos

elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo

Natildeo haacute duacutevidas assim de que o juiz das garantias se amolda perfeitamente ao

modelo acusatoacuterio de processo e ao Estado Democraacutetico de Direito Muito menos se pode

dizer que natildeo se constitui num instrumento eficaz de tutela da imparcialidade do julgador e

garantia por consequecircncia do devido processo legal reduzindo potenciais danos aos

direitos fundamentais

191

Como analisado natildeo haacute de fato criacuteticas conceituais robustas ao instituto do juiz

das garantias A maioria delas como vimos eacute de ordem praacutetica ou refere-se ao tema da

falta de recursos materiais e humanos do Poder Judiciaacuterio para sua implantaccedilatildeo

O juiz das garantias dessa forma natildeo obstante natildeo se tratar de resposta absoluta e

definitiva para a soluccedilatildeo de todos os problemas relativos agrave imparcialidade representa sem

duacutevidas um passo adiante na consecuccedilatildeo desse ideal

Nesse sentido como mecanismo projetado visando agrave reduccedilatildeo dos danos decorrentes

do arbiacutetrio e da parcialidade do julgador representa inegaacutevel avanccedilo no aperfeiccediloamento

do sistema da prestaccedilatildeo jurisdicional sendo inquestionaacutevel a conveniecircncia de sua

introduccedilatildeo em nosso ordenamento

192

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TONINI Paolo Manuale di Procedura Penale 11ordf ed Milano Giuffregrave Editore 2010

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Manual de Processo Penal 11ordf ed Satildeo Paulo

Saraiva 2009

TUCCI Rogerio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo

Paulo Saraiva 1993

VALENTE Rodolfo de Almeida As boas novidades da lei 12403 de 2011 Boletim

IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM ano 18 n 225 p 09 ago 2011

VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2003

VILELA Alexandra Consideraccedilotildees acerca da presunccedilatildeo de inocecircncia em direito

processual penal Coimbra Coimbra Editora 2010

WESSELS Johannes Direito Penal Parte Geral Aspectos Fundamentais Trad Juarez

Tavares Porto Alegre Fabris 1976

ZAFFARONI Eugenio Raul Poder Judiciaacuterio Crise Acertos e Desacertos Trad Juarez

Tavares Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1995

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa Instrutoacuteria do Juiz no Processo Penal Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2003

_____ Os atores e seus papeacuteis Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ediccedilatildeo especial CPP ago-

2010

RESUMO

A imprescindibilidade da atuaccedilatildeo do magistrado na fase preliminar da persecuccedilatildeo

penal como garantidor dos direitos fundamentais do investigado eacute inegaacutevel A consecuccedilatildeo

desse mister acarreta poreacutem o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz para o

julgamento do meacuterito A atribuiccedilatildeo das funccedilotildees de atuar na fase de investigaccedilatildeo preliminar

e durante o processo a julgadores distintos foi o caminho que muitos ordenamentos

trilharam para lidar com essa problemaacutetica A mesma soluccedilatildeo foi adotada pelo Projeto de

Coacutedigo de Processo Penal brasileiro ndash PLS nordm 1562009 ao prever a figura do juiz das

garantias responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela

salvaguarda dos direitos individuais Essa figura consentacircnea ao principio acusatoacuterio

consagrado pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988 assegura a imparcialidade de forma muito

mais efetiva preservando o distanciamento do julgador dos elementos colhidos durante a

investigaccedilatildeo criminal

ABSTRACT

The indispensability of the judgersquos involvement in the preliminary stage of criminal

prosecution as a guarantor of the inquired person fundamentals rights is undeniable

However this intervention compromises the impartiality of the judge on the judgment of

the merits The allocation of duties to act to different judges in the preliminary

investigation phase and during the case was the way that many law systems have fallowed

to handle this problem The same solution was adopted by the Bill of the Brazilian Code of

Criminal Procedure ndash PLS nordm 1562009 The Bill provides the figure of the guarantee

judge which controls the legality of the criminal investigation and ensures the protection

of individual rights The guarantee judde in accordance to the accusatory principle settleed

in the Federal Constitution assures a more effective impartiality preserving the distance of

the judge from elements collected during criminal investigation

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 1

CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 7

1 Persecuccedilatildeo penal finalidade 7

2 As fases da persecuccedilatildeo 14

21 A fase judicial sentido e alcance 14

22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance 18

3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais 25

31 Sistema acusatoacuterio 25

32 Sistema inquisitoacuterio 29

33 Sistema misto 32

CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO PROCESSO 37

1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo 37

11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica 44

12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro 53

13 Devido Processo Penal 55

2 Direito de defesa 58

21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal 64

3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia 70

31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal 77

4 A imparcialidade do juiz 81

41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar 90

CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL 95

1 Consideraccedilotildees iniciais 95

2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico 96

21 As Ordenaccedilotildees do Reino 96

22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 101

23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842 108

24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871 113

25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 117

3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 123

31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal

123

32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento 127

321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz135

CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no Processo Penal

Brasileiro 139

1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias 139

2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares 147

3 Atribuiccedilotildees 152

4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro 156

41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal 157

42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual

159

CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO 166

1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo

penal166

2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves

decisotildees do juiz das garantias 169

3 A escassez de recursos humanos e materiais 172

4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico 180

5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que

exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias 181

6 Instacircncias recursais 183

CONCLUSAtildeO 188

BIBLIOGRAFIA 192

1

INTRODUCcedilAtildeO

Em vigor desde 1941 o Coacutedigo de Processo Penal brasileiro apesar ter sofrido

reformas pontuais recentes tornou-se pelo decurso do tempo obsoleto natildeo mais

atendendo agraves exigecircncias de um processo penal moderno garantista e democraacutetico em

decorrecircncia das mudanccedilas sociais e poliacuteticas ocorridas no Paiacutes e sobretudo tendo em vista

a nova ordem constitucional vigente

A forma como o direito eacute regulado conforme preceitua Antonio Scarance

Fernandes eacute consequecircncia direta dos valores superiores em determinado momento

histoacuterico dependendo a forma como satildeo regrados os institutos processuais especialmente

da predominacircncia que se decirc ao indiviacuteduo em confronto com o Estado ou ao contraacuterio ao

Estado frente ao indiviacuteduo1

Assim as alteraccedilotildees poliacuteticas e a diversidade de ideologias ao longo do tempo

ocasionaram regramentos distintos aos institutos processuais na evoluccedilatildeo histoacuterica e nos

diversos ordenamentos culminando na impossibilidade de que sejam objeto de uma

disciplina definitiva imutaacutevel e uniforme2

Segundo o autor ldquoa histoacuteria do processo penal eacute marcada por movimentos

pendularesrdquo oscilando entre a predominacircncia de ideais de seguranccedila social e de eficiecircncia

repressiva e a prevalecircncia do objetivo de proteccedilatildeo do acusado isto eacute de afirmaccedilatildeo e

preservaccedilatildeo de suas garantias Para o autor ldquoessa diversidade de encaminhamentos satildeo

manifestaccedilotildees naturais da eterna busca de equiliacutebrio entre o ideal de seguranccedila social e a

imprescindibilidade de se resguardar o indiviacuteduo em seus direitos fundamentaisrdquo3

Essa dicotomia eacute representada de modo geral pelo embate entre eficiecircncia e

garantismo no processo penal Atualmente poreacutem haacute consenso no sentido de que esses

dois aspectos natildeo devem se opor de modo a que a um natildeo possa subsistir em face do outro

1 FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2010 p 21 2 IBID p 21

3 IBID p 19

2

mas devem ser complementares jaacute que natildeo eacute possiacutevel conceber um processo eficiente sem

garantismo4

Para Aury Lopes Jr o processo como instrumento para a implementaccedilatildeo do direito

penal deve realizar sua dupla funccedilatildeo ldquode um lado tornar viaacutevel a aplicaccedilatildeo da pena e de

outro servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais

assegurando os indiviacuteduos contra os atos abusivos do Estadordquo5 Nesse sentido o processo

penal deve servir como instrumento de limitaccedilatildeo da atividade estatal de modo a coibir

eventuais arbiacutetrios praticados estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos

direitos individuais constitucionalmente previstos como a presunccedilatildeo de inocecircncia o

contraditoacuterio a ampla defesa o juiz natural a imparcialidade e a publicidade entre tantos

outros

Disso tudo conclui-se que o processo penal natildeo eacute apenas um instrumento teacutecnico

mas reproduz valores poliacuteticos e ideoloacutegicos de uma naccedilatildeo O processo penal nos dizeres

de Antonio Scarance Fernandes

Espelha em determinado momento histoacuterico as diretrizes baacutesicas do

sistema poliacutetico do paiacutes na eterna busca de equiliacutebrio na concretizaccedilatildeo de dois

interesses fundamentais o de assegurar ao Estado mecanismos para atuar o seu

poder punitivo e o de garantir ao indiviacuteduo instrumentos para defender os seus

direitos e garantais fundamentais e para preservar a sua liberdade6

Desse modo especialmente por atingir um bem fundamental do ser humano que eacute

a liberdade o processo penal reflete a concepccedilatildeo poliacutetica dominante e o seu modo de tratar

os direitos as garantias do suspeito do acusado e os interesses dos oacutergatildeos incumbidos da

persecuccedilatildeo penal7

4 IBID p 19

5 LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris

2001 p 20 6 FERNANDES Antonio Scarance Processo p 22

7 IBID p 21

3

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 nesse sentido ao adotar o sistema acusatoacuterio no

processo penal que consagra diversas garantias como por exemplo a necessidade de

observaccedilatildeo do contraditoacuterio e da ampla defesa a imparcialidade do magistrado a

igualdade das partes a presunccedilatildeo de inocecircncia o sistema de provas do livre

convencimento do magistrado com a fundamentaccedilatildeo de todas as decisotildees judiciais

privilegiando assim a transparecircncia a clareza e a publicidade dos diversos atos

processuais8 exige que tais garantias sejam respeitadas durante toda a persecuccedilatildeo penal e

mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um processo penal constitucional

Eacute possiacutevel afirmar entatildeo que o cenaacuterio brasileiro eacute de marcante contradiccedilatildeo jaacute que

numa extremidade posiciona-se o texto constitucional com os valores acima mencionados

e na outra o Coacutedigo de Processo Penal com seus resquiacutecios inquisitivos que sobreviveu

natildeo obstante sua essecircncia agrave entrada em vigor do atual texto constitucional repleto de

princiacutepios processuais e que adotou entre noacutes o modelo acusatoacuterio9

Dentre os seus mais diversos efeitos importa salientar no acircmbito deste estudo

especialmente que o sistema acusatoacuterio projeta consequecircncias diretas tambeacutem na fase

investigatoacuteria impedindo a adoccedilatildeo de uma estrutura que se assemelhe aos juizados de

instruccedilatildeo onde compete ao julgador tambeacutem a reuniatildeo e coleta das provas10

Entretanto a preparaccedilatildeo da accedilatildeo penal eacute um tema discriminado na histoacuteria do

processo penal brasileiro jaacute que apoacutes mais de setenta anos de vigecircncia do texto

instrumental em vigor poucos e isolados temas dentro da investigaccedilatildeo foram

adequadamente abordados e constantemente as fronteiras entre a atuaccedilatildeo da poliacutecia

judiciaacuteria Ministeacuterio Puacuteblico e Magistratura foi esquecida com sobreposiccedilatildeo de

atuaccedilotildees11

8 GUIMARAtildeES Gisele Souza A invalidade da investigaccedilatildeo criminal realizada diretamente pelo parquet sob

o enfoque do sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23022013 9 CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 123 10

ldquoUma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio pode ser sentida na fase investigativa Esta nova

visatildeo acusatoacuteria destaca as funccedilotildees e a participaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico na fase preparatoacuteria na medida

em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador externo da atividade policial

impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos juizados de instruccedilatildeordquo CHOUKR Fauzi

Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai WOISCHNIK Jan (Coord) Las

Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC 2000 p 146 11

CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 146

4

Ocorre poreacutem que a ideia de garantismo que permeia a atual concepccedilatildeo de

processo penal exige que se esclareccedila qual eacute o papel dado pelo texto magno a cada um dos

atores processuais nesse momento devendo ser delimitada sobretudo a atuaccedilatildeo do

julgador durante a investigaccedilatildeo criminal

A visatildeo garantidora coloca o magistrado na posiccedilatildeo fundamental de garantidor dos

direitos do investigado ainda na fase preparatoacuteria ndash onde justamente as garantias

constitucionais satildeo mais nebulosas ndash dando-se tal proteccedilatildeo sobretudo atraveacutes da

jurisdicionalizaccedilatildeo dos incidentes investigativos que demandem para a apuraccedilatildeo dos fatos

a legiacutetima violaccedilatildeo de direitos constitucionalmente estabelecidos12

A atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual todavia pode trazer o

inconveniente ateacute entatildeo irremediaacutevel no ordenamento juriacutedico brasileiro de estabelecer

ainda que de forma inconsciente no iacutentimo do magistrado uma prevenccedilatildeo ou

prejulgamento inconciliaacuteveis com a imparcialidade que deve orientar a sua atuaccedilatildeo

durante toda a persecuccedilatildeo penal

Eacute nesse contexto que se insere a criaccedilatildeo do juiz das garantias instituto que

pretendemos analisar nesse trabalho surgido em meio agrave elaboraccedilatildeo do projeto de um novo

Coacutedigo de Processo Penal dada a incompatibilidade entre os modelos normativos da atual

legislaccedilatildeo processual oriunda da deacutecada de 1940 e da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

idealizadora de um Estado Democraacutetico de Direito estruturado sobre um extenso rol de

direitos e garantias fundamentais

Seguindo uma tendecircncia relativamente consolidada de separaccedilatildeo entre as funccedilotildees

judiciais concernentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo na experiecircncia internacional como por

exemplo o giudice per le indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o

juez de garantiacutea no Chile13

sistema este profundamente influenciado pelo Coacutedigo de

Processo Penal modelo para a Ameacuterica Latina que tem servido de base para a reforma

operada na uacuteltima deacutecada em diversos paiacuteses latino-americanos a proposta de criaccedilatildeo

dessa nova figura judicial foi trazida ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo PLS

1562009 que propotildee a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal

12

CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 147 13

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo cautelares e o juiz das garantias Revista de Informaccedilatildeo

Legislativa Brasiacutelia v46 n183 jul-set 2009 p 88-89

5

De acordo com a proacutepria exposiccedilatildeo de motivos do Projeto de Lei a instituiccedilatildeo de

um de juiz de garantias no Brasil era uma exigecircncia para a consolidaccedilatildeo de um modelo

orientado pelo princiacutepio acusatoacuterio Ele seraacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da

investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais Trata-se portanto de um

magistrado cujo acircmbito de atuaccedilatildeo eacute assegurar os direitos e as garantias fundamentais do

cidadatildeo na fase de investigaccedilatildeo criminal

O objetivo do presente estudo eacute portanto analisar a conveniecircncia e utilidade da

proposta de inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias no processo penal brasileiro

Tal estudo teraacute como ponto de partida a anaacutelise da investigaccedilatildeo criminal como a

primeira fase da persecuccedilatildeo penal agrave luz do garantismo e da conformaccedilatildeo de um estado

democraacutetico de direito

Ainda no primeiro capiacutetulo destinado agrave investigaccedilatildeo criminal seratildeo analisadas as

caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio

inquisitoacuterio e misto Tal anaacutelise se mostra relevante uma vez que no decorrer da histoacuteria

cada ordenamento juriacutedico adotou o meio de investigaccedilatildeo preliminar que lhe pareceu mais

adequado levando em consideraccedilatildeo principalmente o sistema processual penal adotado

estruturado com base em aspectos eminentemente poliacuteticos

No segundo capiacutetulo pretende-se estabelecer uma correlaccedilatildeo entre o devido

processo e sua projeccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal Para tanto buscaremos

analisar o significado e o conteuacutedo do devido processo legal propriamente bem como das

garantias dele decorrentes que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que elegemos como

imprescindiacuteveis para o desenvolvimento do presente estudo por estarem intimamente

relacionadas com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa

a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador atentando-se para o conceito de

imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia dos tribunais internacionais

sobretudo pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos

O terceiro capiacutetulo seraacute dedicado ao estudo da relaccedilatildeo entre o juiz e a investigaccedilatildeo

preliminar Analisaremos portanto qual o papel desempenhado pelo julgador na

investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo

nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo

6

O quarto capiacutetulo trataraacute especificamente da figura do juiz das garantias em

conformidade com a proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 Apoacutes a

contextualizaccedilatildeo do proacuteprio projeto de lei e da apresentaccedilatildeo do instituto do juiz das

garantias seratildeo analisados o seu acircmbito de atuaccedilatildeo e suas atribuiccedilotildees Compreendidos

estes pontos passaremos agrave anaacutelise dos objetivos a serem alcanccedilados com a adoccedilatildeo desta

figura no ordenamento juriacutedico nacional

Por fim o uacuteltimo capiacutetulo destinar-se-aacute agrave exposiccedilatildeo das criacuteticas jaacute formuladas pela

doutrina nacional a respeito da adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias pelo Projeto de Lei

1562009 bem como ao exame de algumas das propostas jaacute elaboradas para o

aprimoramento dessa nova figura e sua adequaccedilatildeo aos objetivos a serem alcanccedilados com a

sua instituiccedilatildeo

7

CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES

INICIAIS

1 Persecuccedilatildeo penal finalidade

O homem eacute um ser coexistencial que natildeo pode subsistir por longo tempo

independente de qualquer contato ao oposto devido agrave natureza de suas condiccedilotildees

existenciais todas as pessoas dependem do intercacircmbio da colaboraccedilatildeo e confianccedila

reciacuteprocas14

Assim ao natildeo alcanccedilar sua plenitude isoladamente o homem estaacute obrigado a

interagir com outros homens A necessidade de viver em sociedade no entanto impotildee o

estabelecimento de regras em prol do desenvolvimento de todos As regras do direito

dessa forma tecircm como fim o controle dos impulsos e vontades dos indiviacuteduos de forma a

possibilitar o conviacutevio social

O direito penal surge portanto como um importante instrumento de manutenccedilatildeo da

paz social cuja missatildeo eacute a proteccedilatildeo da convivecircncia em comunidade15

A tarefa do direito penal assim consiste em proteger os valores essenciais da vida

comunitaacuteria no acircmbito da ordem social e assegurar a manutenccedilatildeo da paz juriacutedica16

ldquoA

justificaccedilatildeo da existecircncia do direito penal resulta segundo a experiecircncia da histoacuteria da

humanidade jaacute de sua imprescindibilidade para uma proveitosa vida coletivardquo17

A possibilidade de utilizaccedilatildeo da prisatildeo como forma de assegurar o ecircxito de suas

regras eacute uma particularidade do direito penal que aleacutem disso trata dos bens mais

preciosos agrave condiccedilatildeo humana

14

JESCHECK Hans Heinrich Tratado de Derecho Penal Parte General 4ordf ed Trad Joseacute Luis Manzanares

Samaniego Granada Comares 1993 p 2 15

IBID p 2 16

WESSELS Johannes Direito Penal Parte Geral Aspectos Fundamentais Trad Juarez Tavares Porto

Alegre Fabris 1976 p 03 17

IBID p 02

8

Por isso hoje existe consenso em afirmar que o direito penal deve ser marcado por

um caraacuteter fragmentaacuterio subsidiaacuterio e de ultima ratio para o resguardo de bens juriacutedicos18

Ou seja para punir uma conduta socialmente danosa deve-se exigir que natildeo

existam outros meios menos gravosos para fazecirc-lo Isso porque a pena eacute nociva agrave

existecircncia social do condenado excluindo-o da sociedade e com isso produzindo dano

social Por isso devem preferir-se agraves penas medidas que tenham para o afetado

consequecircncias menos gravosas Esta ideia se expressa com a foacutermula de que o direito penal

deve ser a ultima ratio da poliacutetica social subsidiaacuterio devendo a ele recorrer-se tatildeo somente

quando todos os demais instrumentos extrapenais fracassaram19

Todavia a simples previsatildeo de norma incriminadora natildeo tem a capacidade de

impedir a violaccedilatildeo dos dispositivos penais surgindo para o Estado nesse exato momento

de violaccedilatildeo da norma de conduta o direito ndash ou melhor o dever ndash de punir (jus puniendi)

Com a supressatildeo da vinganccedila privada e o estabelecimento dos criteacuterios de justiccedila eacute

que surge a titularidade do direito de punir por parte do Estado Assim como ente juriacutedico

e poliacutetico o Estado avoca para si o direito e o dever de proteger a comunidade e

inclusive o proacuteprio delinquente20

Conforme leciona Aury Lopes Jr o injusto tiacutepico eacute resultante do fracasso do direito

penal em sua funccedilatildeo de prevenccedilatildeo daiacute resultando uma conduta humana voluntaacuteria

finalisticamente dirigida que fere ou expotildee a perigo bens e valores reconhecidos e

protegidos pelo ordenamento o que acarreta um juiacutezo de desvalor do resultado Esse juiacutezo

de desvalor segundo o autor exterioriza-se em uacuteltima anaacutelise mediante a aplicaccedilatildeo de

18

ROXIN Claus ARZT Gunther TIEDEMANN Klaus Introduccioacuten al Derecho Penal y al Derecho Penal

Procesal Trad Luis Arroyo Zapatero e Juan-Luis Goacutemez Colomer Barcelona Editorial Ariel 1989 p 22-

23 19

ldquoCon la limitacioacuten del Derecho Penal a la prohibicioacuten de las conductas socialmente dantildeosas o dicho de

otra manera a la proteccioacuten de bienes juriacutedicos queda explicado tan soacutelo uno de los presupuestos de los

que las actuales concepciones del Derecho Penal hacen depender el ejercicio del poder punitivo del Estado

Para castigar una conducta socialmente dantildeosa se ha de exigir ademaacutes el que no existan otros medios

menos gravosos para hacerla frente La razoacuten por la que se estima que soacutelo se debe recurrir al Derecho

Penal quando frente a la conducta dantildeosa de que se trate ha fracasado el empleo de otros instrumentos

sociopoliacuteticos radica en que el castigo penal pone en peligro la existencia social del afectado se le situacutea al

margen de la sociedad y con ello se produce tambieacuten un dantildeo social Por todo ello deben preferirse a las

penas todas aquellas medidas que puedan evitar una alteracioacuten de la vida en comuacuten y que tengan para el

afectado consecuencias menos negativas Esta idea suele expresarse con la foacutermula de que el Derecho Penal

ha de ser la ultima racio de la poliacutetica social El Derecho Penal es subsidiario respecto de las demaacutes

posibilidades de regulacioacuten de los conflictos es decir soacutelo se debe recurrir a eacutel cuando todos los demaacutes

instrumentos extrapenales fracasanrdquo IBID p 22-23 20

ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5ordf ed Madrid Editorial Rubi

Artes Graacuteficas 1984 p 07

9

uma pena e sintetiza a funccedilatildeo repressiva do direito penal21

Ocorre que o direito penal eacute desprovido de coerccedilatildeo automaacutetica Assim para que

possa ser aplicada uma pena natildeo soacute eacute necessaacuterio que exista um injusto tiacutepico mas tambeacutem

que exista previamente o devido processo penal22

Aleacutem disso o Estado natildeo pode punir de qualquer maneira e o processo penal surge

como o ramo que conteacutem a estrutura a ser observada no exerciacutecio da funccedilatildeo punitiva

justificando-se segundo Luigi Ferrajoli ldquoprecisamente en cuanto teacutecnica de minimizacioacuten

de la reaccioacuten social frente al delito de minimizacioacuten de la violencia pero tambieacuten del

arbiacutetrio que de otro modo se produciriacutea con formas aun maacutes salvajes y desenfrenadasrdquo23

Assim o Estado conhecedor dos riscos gerados pela autodefesa agrave medida que se

fortalece assume o monopoacutelio da justiccedila proibindo expressamente os particulares de

aplicarem a justiccedila por suas proacuteprias matildeos Portanto ldquofrente agrave violaccedilatildeo de um bem

juridicamente protegido natildeo cabe outra atividade que natildeo a invocaccedilatildeo da devida tutela

jurisdicionalrdquo24

Assim como natildeo haveria estabilidade no meio social se fosse permitido agraves proacuteprias

partes litigantes decidirem pelo uso da forccedila seus litiacutegios no campo extrapenal tambeacutem e

principalmente no campo penal isto eacute na esfera repressiva excessos incalculaacuteveis seriam

reproduzidos em virtude dos arbiacutetrios que o titular do direito de punir ldquocego e

desenfreadordquo passaria a cometer25

Diante dessa realidade irrefutaacutevel o Estado entatildeo autolimitou o seu poder

repressivo26

impondo-se portanto a necessaacuteria utilizaccedilatildeo de uma estrutura preestabelecida

ndash o processo judicial ndash em que mediante a atuaccedilatildeo de um terceiro imparcial e alheio ao

conflito cuja designaccedilatildeo natildeo corresponde agrave vontade das partes e resulta da imposiccedilatildeo da

estrutura institucional seraacute resolvido o conflito e devidamente sancionado o autor27

Logo

21

LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris

2001 p 05 22

IBID p 05-06 23

FERRAJOLI Luigi Derecho y razoacuten Teoriacutea del garantismo penal 4ordf ed Trad Perfecto Andreacutes Ibaacutentildeez

Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayoacuten Mohino Juan Terradillos Basoco e Rociacuteo Cantarero Bandreacutes

Madrid Editorial Trotta 2000 p 604 24

LOPES JR Aury Sistemas p 06-07 25

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Manual de Processo Penal 11ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p

06 26

IBID p 06 27

LOPES JR Aury Sistemas p 07

10

ldquoo processo como instituiccedilatildeo estatal eacute a uacutenica estrutura que se reconhece como legiacutetima

para a imposiccedilatildeo da penardquo28

Estabelece-se portanto o caraacuteter instrumental do processo

penal com relaccedilatildeo ao direito penal e agrave pena sendo o processo o meio necessaacuterio para a sua

imposiccedilatildeo

O monopoacutelio da jurisdiccedilatildeo penal por parte do Estado e tambeacutem a instrumentalidade

do processo penal satildeo expressotildees da aplicaccedilatildeo efetiva no campo penal da maacutexima latina

nulla poena et nulla culpa sine iudicio De acordo com Gomez Orbaneja eacute o que se

denomina de principio de la necesidad del proceso penal29

De acordo com Luigi Ferrajoli o modelo garantista de direito e de responsabilidade

penal natildeo admite qualquer imposiccedilatildeo de pena sem que se produzam a comissatildeo de um

delito sua previsatildeo legal como delito a necessidade de sua proibiccedilatildeo e puniccedilatildeo seus

efeitos lesivos para terceiros o caraacuteter externo ou material da accedilatildeo criminosa a

imputabilidade e a culpabilidade do seu autor e aleacutem disso sua prova empiacuterica produzida

por uma acusaccedilatildeo perante um juiz imparcial em um processo puacuteblico e contraditoacuterio em

face da defesa e mediante procedimentos legalmente preestabelecidos30

Assim pelo respeito agrave dignidade humana e agrave liberdade individual eacute que o Estado

assenta a expressatildeo do seu poder repressivo natildeo soacute em pressupostos juriacutedico-penais

materiais (nullum crimen nulla poena sine lege ndash natildeo haacute crime sem preacutevia definiccedilatildeo nem

pena sem anterior cominaccedilatildeo legal) como tambeacutem assegura a aplicaccedilatildeo da lei penal ao

caso concreto de acordo com as formalidades prescritas previamente em lei e sempre por

meio dos oacutergatildeos jurisdicionais (nulla poena sine judice nulla poena sine judicio ndash

nenhuma pena pode ser imposta senatildeo pelo juiz nenhuma pena pode ser aplicada senatildeo

por meio do processo)31

Vincenzo Manzini destaca o caraacuteter acessoacuterio e instrumental do direito processual

penal afirmando natildeo ser possiacutevel conceber-se um direito penal material que se aplique sem

a garantia das formalidades processuais32

O direito processual penal eacute portanto o

28

IBID p 06-07 29

GOMEZ ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Tomo I Barcelona

Bosch 1951 p 27 30

FERRAJOLI Luigi Op cit p 103-104 31

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 06 32

ldquoCiograve posto Il diritto processuale ha necessariamente natura accessoria e strumentale perchegrave pressupone

lrsquoesistenza di norme di diritto materiale da applicarse Mentre non egrave impossible concepire um diritto penale

sostanziale che si applichi senza la garanzia delle formalitagrave processuali egrave assolutamente inconcepibile un

11

conjunto de regras direta ou indiretamente sancionadas em que se funda a instituiccedilatildeo dos

oacutergatildeos jurisdicionais e que regula a atividade de apuraccedilatildeo das condiccedilotildees que tornam

aplicaacutevel em concreto o direito penal substantivo33

Portanto nos Estados subordinados agrave lei e ao Direito a pena soacute pode ser aplicada

por meio do processo isto eacute a atividade punitiva dos oacutergatildeos estatais incumbidos de reparar

a ordem juriacutedica violada pelo crime eacute submetida a um preacutevio controle jurisdicional em que

o Poder Judiciaacuterio aplica a norma penal objetiva mediante a resoluccedilatildeo do embate entre o

direito de punir e o direito de liberdade Surge assim uma das premissas elementares do

direito penal e que consiste em natildeo poder ningueacutem sofrer puniccedilatildeo sem julgamento

conforme as formalidades legais34

Existe portanto um iacutentimo e imprescindiacutevel viacutenculo entre delito pena e processo

que portanto satildeo complementares ldquoNatildeo existe delito sem pena nem pena sem delito e

processo nem processo penal senatildeo para determinar o delito e impor uma penardquo35

Deve-se ressaltar que tal ciecircncia natildeo se presta a impor caprichos ou ordens pelos

detentores de poder pelo contraacuterio deve respeitar e mais assegurar os direitos

fundamentais36

Segundo Antonio Scarance Fernandes satildeo dois os direitos fundamentais do

indiviacuteduo que importam particularmente ao processo criminal o direito agrave liberdade e o

direito agrave seguranccedila ambos previstos no caput do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal Como

corolaacuterio desses direitos fundamentais ldquoos indiviacuteduos tecircm direito a que o Estado atue

positivamente no sentido de estruturar oacutergatildeos e criar procedimentos que ao mesmo

tempo lhes garantam seguranccedila e lhes assegurem liberdaderdquo37

diritto processuale che sia fine a se stesso e che trovi applicazione nellrsquoassenza del diritto sostantivo scritto

o non scritto che siardquo MANZINI Vincenzo Trattato di Procedura Penale Italiana Volume Primo Torino

Unione Tipografico 1967 p 85 33

ldquoIl diritto processuale penale egrave pertanto quel complesso di norme direttamente o indirettamente

sanzionate che si fonda sullrsquoistituzione dellrsquoorgano giurisdizionale e che regola lrsquoattivitagrave diretta

allrsquoaccertamento delle condizioni che rendono applicabile in concreto Il diritto penale sostantivordquo IBID p

84-85 34

MARQUES Joseacute Frederico Elementos de Direito Processual PenalCampinas Millenium 2009 v 1 p

04 35

LOPES JR Aury Sistemas p 06 36

BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Princiacutepios do Processo Penal Entre o garantismo e a

efetividade da sanccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 p 24 37

FERNANDES Antonio Scarance Teoria Geral do Procedimento e O Procedimento no Processo Penal

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2005 p 39

12

Para Luigi Ferrajoli o que faz do processo uma operaccedilatildeo diversa da justiccedila com as

proacuteprias matildeos ou de outros meacutetodos perversos de justiccedila sumaacuteria eacute o fato de que ele

objetiva em consonacircncia com a finalidade preventiva dual do direito penal dois diferentes

objetivos a puniccedilatildeo dos culpados juntamente com a tutela dos inocentes Segundo ele eacute

essa segunda preocupaccedilatildeo que fundamenta todas as garantais processuais que envolvem o

processo e que condicionam de vaacuterios modos as instacircncias repressivas expressas pela

primeira38

A histoacuteria do processo penal portanto pode ser lida como a histoacuteria do conflito

entre essas duas finalidades logicamente complementares mas na praacutetica contrastantes39

Verifica-se entatildeo o impasse existencial do processo penal efetividade da coerccedilatildeo

penal versus direitos fundamentais jaacute que inevitavelmente para se obter uma coerccedilatildeo

mais eficaz eacute necessaacuteria a limitaccedilatildeo dos direitos fundamentais A ampliaccedilatildeo destes ao

contraacuterio dificulta a efetividade da coerccedilatildeo O ideal a ser atingido portanto eacute um ponto de

equiliacutebrio pois como sabemos em um Estado Democraacutetico e de Direito ldquoos fins nunca

justificam os meiosrdquo A efetividade da coerccedilatildeo penal deve ser perseguida com eacutetica e

obediecircncia ao conteuacutedo miacutenimo dos direitos e garantias fundamentais40

Para Antonio Scarance Fernandes o que foi conquistado com a evoluccedilatildeo histoacuterica

do processo penal natildeo foi a descoberta de um procedimento perfeito que garantisse de

forma permanente o equiliacutebrio almejado entre a seguranccedila e a liberdade ateacute porque o

processo penal expressa em cada eacutepoca e em cada local as mudanccedilas dos valores ideais e

concepccedilotildees do sistema poliacutetico e as formas diferenciadas de expressatildeo da sociedade Mas

de maneira geral foram sendo estabelecidas algumas diretrizes que constituem os

fundamentos para a formaccedilatildeo dos procedimentos41

Assim com a organizaccedilatildeo do Estado definiram-se estruturas e oacutergatildeos dirigidos agrave

eficiente operaccedilatildeo do direito punitivo prevendo-se nos procedimentos atos e fases

destinados a assegurar a accedilatildeo de tais oacutergatildeos

38

FERRAJOLI Luigi Opcit p 604 No mesmo sentido MANZINI esclarece ldquone consegue che il

processo penale rimane doppiamente caratterizzato come mezzo di tutela dellrsquointeresse sociale di

repressione della delinquenza e come mezzo di tutela dellrsquointeresse individuale e sociale di libertardquo Op cit

p 224 39

FERRAJOLI Luigi Op cit p 604 40

BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Op cit p 24-25 41

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 41

13

Isso porque o Estado como o titular do direito de punir considerando-se que a pena

somente poderaacute ser aplicada pelo oacutergatildeo jurisdicional por intermeacutedio de regular processo

que se origina com a propositura da accedilatildeo necessita evidentemente de oacutergatildeos para

desenvolver a atividade essencial agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo ao culpado Essa atividade eacute

denominada persecuccedilatildeo penal E o direito agrave persecuccedilatildeo penal que consiste em investigar o

fato violador da norma e solicitar o julgamento da pretensatildeo punitiva eacute uma obrigaccedilatildeo

funcional do Estado para alcanccedilar um dos fins essenciais para os quais ele mesmo foi

constituiacutedo seguranccedila e restauraccedilatildeo da ordem juriacutedica42

O caraacuteter indireto da coaccedilatildeo penal torna portanto imprescindiacutevel o aparecimento

de atividade estatal destinada a obter a aplicaccedilatildeo da pena consolidada na persecutio

criminis43

Segundo Joseacute Frederico Marques o Estado tem a prerrogativa de persecuccedilatildeo penal

por meio da qual busca realizar o jus puniendi resultante do crime para infligir ao

delinquente a devida sanccedilatildeo penal Como no entanto o processo eacute o meio exclusivo para a

concretizaccedilatildeo dos fins repressivos do Estado tem este oacutergatildeos apropriados para preparar o

ingresso nos tribunais e a posterior aplicaccedilatildeo jurisdicional das normas do direito punitivo44

Apesar de natildeo ser uma regra absoluta a persecuccedilatildeo penal se desenvolve

ordinariamente em duas fases investigaccedilatildeo preliminar e processo judicial45

que por sua

vez eacute normalmente composto por trecircs momentos distintos postulatoacuterio instrutoacuterio e

decisoacuterio46

Essa cisatildeo da persecuccedilatildeo penal em duas fases tem lugar toda vez que houver a

necessidade de ser percorrida antes das fases processuais uma fase preacutevia destinada agrave

investigaccedilatildeo que natildeo integra portanto o processo47

No mesmo sentido Joseacute Frederico Marques afirma que a persecutio criminis

apresenta dois momentos distintos o da investigaccedilatildeo e o da accedilatildeo penal Isso porque o

processo penal soacute tem iniacutecio com a propositura da accedilatildeo que compreende o pedido de

42

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 43

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 103 44

IBID p 104 45

ldquoEacute comum a separaccedilatildeo do procedimento apenas em duas fases com base em criteacuterio funcional uma que

prepara o julgamento e outra que corresponde ao julgamentordquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria

p 74 No mesmo sentido BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito Processual Penal Tomo I Rio

de Janeiro Elsevier 2008 p 41 46

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 47

ldquoEacute o que sucede nos processos criminais e nos processos relativos e nos processos relativos agraves accedilotildees civis

puacuteblicas nos quais deve ser instaurado previamente um inqueacuterito O inqueacuterito por isso natildeo faz parte da

unidade procedimentalrdquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35

14

julgamento da pretensatildeo punitiva Esta no entanto eacute normalmente precedida de uma fase

de pesquisas ou informatio delicti em que se reuacutenem os dados necessaacuterios para ser

requerida a imposiccedilatildeo da pena48

2 As fases da persecuccedilatildeo

21 A fase judicial sentido e alcance

Conforme jaacute exposto o Estado somente poderaacute aplicar pena ao transgressor da

norma penal apoacutes demonstraccedilatildeo de sua responsabilidade por meio do processo e mediante

decisatildeo do oacutergatildeo jurisdicional49

Segundo Joatildeo Mendes de Almeida Juacutenior as leis do processo satildeo

imprescindivelmente complementares agraves leis constitucionais e as formalidades exigidas

pelo processo uma vez que ldquoasseguram a liberdade dos indiviacuteduos porque garantem a

defesa datildeo forccedila aos julgamentos e aos juiacutezes porque satildeo o penhor da sua

imparcialidade revestem a Justiccedila de toda majestade porque datildeo testemunho da

prudecircncia de seus agentesrdquo satildeo as atualidades das garantias constitucionais50

Para ele se

o modo e a forma da realizaccedilatildeo dessas garantias fossem deixadas agrave discriccedilatildeo das partes ou

dos juiacutezes ldquoa Justiccedila marchando sem guia mesmo sob o mais prudente dos arbiacutetrios

seria uma ocasiatildeo constante de desconfianccedilas e surpresasrdquo51

De acordo com Antonio Scarance Fernandes normalmente satildeo trecircs as fases do

procedimento previstas nos coacutedigos processuais postulatoacuteria instrutoacuteria e decisoacuteria

Segundo ele a primeira fase nos processos criminais abrange o ato de acusaccedilatildeo

formulado normalmente pelo Ministeacuterio Puacuteblico e eventualmente atos de reaccedilatildeo

48

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 49

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 50

ALMEIDA JUNIOR Joatildeo Mendes de O Processo Criminal Brasileiro Satildeo Paulo Freitas Bastos SA

1959 v1 p 13-14 51

IBID p 13

15

defensiva do acusado52

O processo penal segundo Joseacute Frederico Marques soacute se instaura com a

propositura da accedilatildeo que consiste no pedido de julgamento da pretensatildeo punitiva53

e que daacute

iniacutecio agrave fase judicial da persecuccedilatildeo criminal

No mesmo sentido a liccedilatildeo de Paolo Tonini segundo a qual a expressatildeo ldquoprocesso

penalrdquo indica uma porccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal O momento inicial do processo

corresponde ao exerciacutecio da accedilatildeo penal e o momento final tem lugar quando a sentenccedila

torna-se imutaacutevel A expressatildeo ldquoprocesso penalrdquo refere-se agrave seacuterie cronologicamente

ordenada e necessaacuteria de atos que tecircm como ato inicial a accedilatildeo penal definida como ldquoo

pedido dirigido ao juiz de decidir acerca da imputaccedilatildeordquo54

Assim quando algueacutem comete uma infraccedilatildeo penal o Estado como titular do

direito de punir impossibilitado pelas razotildees jaacute expostas de autoexecutar seu direito vai a

juiacutezo - assim como o particular que teve seu interesse atingido pelo comportamento iliacutecito

de outrem - por meio do oacutergatildeo proacuteprio o Ministeacuterio Puacuteblico e deduz a sua pretensatildeo

esclarecendo o que deseja e o que almeja55

O processo penal eacute instaurado dessa maneira para que se julgue a pretensatildeo

punitiva Posteriormente se considerada procedente essa pretensatildeo a atividade processual

teraacute por fim a aplicaccedilatildeo coativa da sanccedilatildeo penal imposta ao reacuteu56

Isto eacute a fim de que a atividade jurisdicional incida sobre essa pretensatildeo dizendo-a

procedente ou improcedente o Estado - ou o particular em determinadas situaccedilotildees -

propotildee a accedilatildeo penal em que eacute pedida a aplicaccedilatildeo das sanccedilotildees penais adequadas57

O objetivo especiacutefico do processo penal eacute a concretizaccedilatildeo da pretensatildeo punitiva

52

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 53

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 54

ldquoLespressione lsquoprocesso penalersquo indica una porzione del procedimento penale Il momento iniziale del

processo corrisponde allesercizio dellazione penale il momento finale si ha quando la sentenza diventa

irrevocabile e cioegrave in sintesi non piugrave impugnabile percheacute nessuna parte haacute presentato ricorso nei termini o

percheacute tutte le impugnazioni ordinarie sono state esperite La nozione di ldquoazione penalerdquo egrave correlata a

quella di processo penale Como abbiamo visto com lespressione ldquoprocesso penalerdquo si fa riferimento a

quella serie cronologicamente ordinata e necessitata di atti che ha come atto iniziale lazione penale Ciograve

premesso possiamo dare una definizione di azione penale Essa egrave la richiesta diretta al giudice di decidere

sullimputazionerdquo TONINI Paolo Manuale di Procedura Penale 11ordf ed Milano Giuffregrave Editore 2010 p

65 55

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 56

IBID p 104 57

IBID p 104

16

decorrente da praacutetica de um crime atraveacutes da garantia jurisdicional isto eacute de obter do juiz

um pronunciamento sobre o meacuterito da pretensatildeo punitiva O conteuacutedo do processo

criminal portanto eacute a averiguaccedilatildeo judicial das condiccedilotildees que podem determinar ou excluir

a viabilidade da pretensatildeo punitiva do Estado58

Deduz o Estado portanto a sua pretensatildeo punitiva em juiacutezo o que constitui

justamente a acusaccedilatildeo a qual pode ser definida como ldquoa apresentaccedilatildeo perante oacutergatildeo

judiciaacuterio do pedido condenatoacuterio e seus fundamentosrdquo59

De acordo com Antonio Scarance Fernandes ponto importante da evoluccedilatildeo

histoacuterica foi a passagem progressiva da acusaccedilatildeo das matildeos do povo e do particular para o

Estado No sistema inquisitorial inicialmente o proacuteprio juiz investigava e instaurava de

ofiacutecio o processo como forma evitar a impunidade decorrente da ineficaacutecia da atuaccedilatildeo

privada e popular Contudo para evitar que o juiz se comprometesse com a tese acusatoacuteria

prevaleceu a acusaccedilatildeo pelo Ministeacuterio Puacuteblico obviamente nos paiacuteses em que essa

instituiccedilatildeo se desenvolveu e fortaleceu60

Assim aleacutem da garantia de que a acusaccedilatildeo devia estar fundamentada em preacutevia

apuraccedilatildeo do fato outra passou a ser exigida qual seja a de que a acusaccedilatildeo fosse ofertada

por oacutergatildeo diverso daquele que julgava a causa61

Com o tempo firmaram-se regras a respeito da forma como devia ser formulada a

acusaccedilatildeo de modo a proporcionar ao acusado uma reaccedilatildeo mais eficiente agrave imputaccedilatildeo

impondo-se que o fato criminoso fosse narrado com todas as suas circunstacircncias que o

acusado fosse precisamente identificado e que as razotildees para a imputaccedilatildeo fossem

claramente indicadas62

Com a acusaccedilatildeo portanto instaura-se o processo que se desenvolve com a

sucessatildeo de vaacuterios atos relevantes de acordo com as formalidades e regras que devem ser

observadas

58

ldquoScopo speciacutefico del processo penale egrave di conseguire la realizzazione della pretesa punitiva derivante da

reato attraverso lrsquoesplicamento della guarentigia giurisdizionale cioegrave di ottenere lrsquoaccertamento positivo o

negativo mediante lrsquoinvertevento del giudice della fondatezza della pretesa punitiva derivante da un reato

fatto valere per lo Stato dal pubblico ministero Il contenuto del processo penale quindi egrave dato

dallrsquoaccertamento giurisdizionale delle condizioni che determinano escludono o modificano la realizzabilitagrave

della pretesa punitiva dello Stato stessordquo MANZINI Vincenzo Op cit p 220 59

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 105 60

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 105 61

IBID p 105 62

IBID p 105

17

Recebida a acusaccedilatildeo o juiz entatildeo daraacute iniacutecio agrave instruccedilatildeo criminal para a coleta das

provas que lhe forem apresentadas por ambas as partes e ao final procuraraacute ouvir o

pretenso culpado63

Na etapa instrutoacuteria portanto produzem-se as provas requeridas pelas

partes ou determinadas pelo juiz64

Segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente sempre houve a previsatildeo de

atos ou fases destinados agrave produccedilatildeo da prova sendo regulados os diversos meios de prova

as formas de avaliaccedilatildeo da prova e os encargos de produccedilatildeo da prova65

Afirma o autor que a verificaccedilatildeo do fato criminoso e de sua autoria natildeo fica

limitada somente a uma fase determinada pois de modo geral todas as diligecircncias

praticadas desde os primeiros atos investigatoacuterios tendem a evidenciar a ocorrecircncia do

delito e a descobrir quem o praticou Para ele quando se refere a uma fase destinada agrave

instruccedilatildeo da causa eacute para designar uma fase cuja funccedilatildeo primordial eacute produzir prova que

pode ser considerada no julgamento Isso natildeo significa que o material reunido

anteriormente natildeo possa ser levado em conta na decisatildeo final pois determinadas

particularidades como a urgecircncia da prova ou a impossibilidade de sua repeticcedilatildeo tornam

impossiacutevel uma regra riacutegida e imutaacutevel de que soacute pode ser admitida a prova produzida na

fase proacutepria66

Por fim o uacuteltimo grupo de atos que constituem a fase decisoacuteria permite que as

partes manifestem-se sobre o material probatoacuterio e elaborem alegaccedilotildees finais decidindo o

juiz em seguida67

A fase de julgamento comprende pois o ato final de decisatildeo e atos

anteriores de manifestaccedilatildeo das partes sobre a prova produzida com os quais buscam

persuadir o juiz evidenciando-lhe a correccedilatildeo de seus argumentos68

Assim apoacutes o estudo do material de cogniccedilatildeo recolhido o juiz procura ver se

prevaleceu o interesse do Estado em punir o culpado ou se o interesse do reacuteu em natildeo

sofrer restriccedilatildeo no seu jus libertatis69

dizendo qual dos dois tem razatildeo Se o Estado aplica

63

Art 400 Na audiecircncia de instruccedilatildeo e julgamento a ser realizada no prazo maacuteximo de 60 (sessenta) dias

proceder-se-aacute agrave tomada de declaraccedilotildees do ofendido agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas arroladas pela acusaccedilatildeo e

pela defesa nesta ordem ressalvado o disposto no art 222 deste Coacutedigo bem como aos esclarecimentos dos

peritos agraves acareaccedilotildees e ao reconhecimento de pessoas e coisas interrogando-se em seguida o acusado 64

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 65

IBID p 131 66

IBID p 132 67

IBID p 35 68

IBID p 147 69

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07

18

ao culpado a sanccedilatildeo se o reacuteu absolve-o70

Antes das fases processuais poreacutem pode haver necessidade de ser percorrida uma

fase preacutevia destinada agrave investigaccedilatildeo que natildeo faz parte do processo mas eacute a ele

antecedente aparelhando-o71

Isso porque para que o Ministeacuterio Puacuteblico como oacutergatildeo do

Estado possa exercer o direito de accedilatildeo penal levando ao conhecimento do juiz a notiacutecia

sobre um fato aparentemente criminoso indicando-lhe tambeacutem o autor eacute conveniente

deva ele dispor dos dados indispensaacuteveis Tais informaccedilotildees preliminares via de regra satildeo

colhidas no primeiro momento da persecuccedilatildeo penal por oacutergatildeo do Estado incumbido de

investigar o fato tiacutepico e sua respectiva autoria a fim de subsidiar a propositura da accedilatildeo

penal72

O proacuteximo toacutepico seraacute pois destinado ao exame dessa fase de investigaccedilatildeo

preliminar

22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance

Como eacute notoacuterio o processo penal por si soacute traduz-se em sanccedilatildeo negativa

provocando efeitos permanentes agravequeles a ele submetido ainda que a accedilatildeo penal ao fim

termine em sentenccedila penal absolutoacuteria73

Nesse sentido a liccedilatildeo de Seacutergio Marcos de

Moraes Pitombo segundo a qual o imputado sofre o processo suportando para sempre os

efeitos sociais dele decorrentes mesmo que haja sua abolviccedilatildeo ademais tolera o processo

suas formalidades e longo percurso que inclui transporte algemas espera interrogatoacuterio

audiecircncia de instruccedilatildeo e mais instrumentos a disposiccedilatildeo da Justiccedila Penal74

Ainda de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida

70

IBID p 07 71

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 72

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 7-8 73

SAAD Marta O direito de defesa no inqueacuterito policial Satildeo Paulo RT 2004 p 21-22 74

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito policial exerciacutecio do direito de defesa Boletim

IBCCRIM Satildeo Paulo v7 n83 (esp) out 1999

19

O mal causado pela accedilatildeo penal deixada ao arbiacutetrio dos acusadores seria

nos casos de absolviccedilatildeo uma injusticcedila Bens materiais e morais fama honra

dignidade teriam sofrido danos irreparaacuteveis e exclusivamente causados pela

faculdade discricionaacuteria da caluacutenia da mentira da leviandade da extorsatildeo

docilmente servidas pelo trabalho penoso inuacutetil aos proacuteprios fins do poder

puacuteblico75

Por isso a praacutetica juriacutedica revelou ser necessaacuteria anteriormente ao ajuizamento de

accedilatildeo penal condenatoacuteria uma preacutevia apuraccedilatildeo do fato a princiacutepio dotado de ilicitude e

tipicidade bem como de sua autoria coautoria e participaccedilatildeo76

Ou seja a acusaccedilatildeo

prescinde da obtenccedilatildeo de prova por meio de uma apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia agrave accedilatildeo

penal de natureza condenatoacuteria que indique razoavelmente a materialidade do fato

aparentemente iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou participaccedilatildeo

bem como elementos de convicccedilatildeo acerca da provaacutevel culpabilidade do indiciado77

De acordo com Aury Lopes Junior ldquoo processo penal sem a investigaccedilatildeo

preliminar eacute um processo irracional uma figura inconcebiacutevel segundo a razatildeo e os

postulados da instrumentalidade garantistardquo78

Isso porque uma vez que o processo penal

abriga um conjunto de penas processuais que fazem com que o ponto crucial seja saber se

deve ou natildeo acusar em primeiro lugar se deve investigar e reunir elementos que

justifiquem o processo ou o natildeo-processo79

Para Eugenio Florian eacute necessaacuterio que exista no procedimento penal uma fase na

qual se prepare o material para a fase judicial Segundo o autor ldquoseriacutea ocasionado a la

confusioacuten y esteacuteril el proceso en el cual se entrase en los debates sin preparacioacuten Tal fase

estaacute representada por la instuccioacuten tambieacuten llamada instruccioacuten preparatoacuteriardquo80

Eacute essencial portanto a existecircncia de um miacutenimo suporte probatoacuterio antecedente ao

aforamento da accedilatildeo penal de conhecimento de natureza condenatoacuteria Tal atividade no

75

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo

1973 p 18 76

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 77

SAAD Marta O direito p 22 78

LOPES JR Aury Sistemas p1 79

IBID p1 80

FLORIAN Eugenio Elementos de Derecho Procesal Penal Bosch Barcelona 1934 p 227-228

20

mais das vezes consubstancia-se na persecuccedilatildeo ou apuraccedilatildeo preacutevia ou preliminar agrave

instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal judicial variando a forma por meio da qual se efetiva

conforme o tempo e a organizaccedilatildeo judiciaacuteria poliacutetica social e cultural de determinado

Estado81

Essa fase preacutevia nos mais diversos sistemas e regulamentaccedilotildees significou a

expressatildeo concreta de uma relevante garantia a de se evitar que algueacutem seja acusado sem

estar verificada a existecircncia de indiacutecios razoaacuteveis apontando-o como autor de um iliacutecito

penal Em suma a etapa preacutevia de investigaccedilatildeo foi a maneira que o direito processual

penal encontrou para haver uma acusaccedilatildeo justa e para evitar imputaccedilotildees apressadas82

Cada sistema processual penal assim adotou o meio de apuraccedilatildeo preacutevia que lhe

pareceu mais adequado em determinado momento histoacuterico considerando-se aspectos

poliacuteticos e sociais bem como os respectivos destinataacuterios83

Aury Lopes Junior define a investigaccedilatildeo preliminar como o conjunto de atividades

desenvolvidas de modo encadeado por oacutergatildeos do Estado a partir de uma notitia criminis

com caraacuteter preacutevio e de natureza preparatoacuteria em relaccedilatildeo agrave fase judicial cujo objetivo eacute a

apuraccedilatildeo da autoria e das circunstacircncias de um fato supostamente delitivo de modo a

fundamentar o processo ou o natildeo-processo84

Para Joseacute Frederico Marques ldquoa investigaccedilatildeo criminal eacute atividade estatal da

persecutio criminis destinada agrave accedilatildeo penalrdquo85

que tem iniacutecio independentemente de sua

forma com a notiacutecia do crime entendida como ldquoo conhecimento espontacircneo ou provocado

que tem a autoridade puacuteblica da praacutetica de um fato delituosordquo86

Segundo ele a investigaccedilatildeo preliminar tem caraacuteter eminentemente preparatoacuterio e

informativo visto que seu escopo o eacute fornecimento dos elementos necessaacuterios para a

deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva em juiacutezo aos oacutergatildeos da accedilatildeo penal87

e tem como objeto por

sua vez a obtenccedilatildeo de dados informativos para que o oacutergatildeo da acusaccedilatildeo verifique se deve

81

SAAD Marta O direito p 22 82

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 83

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 84

LOPES JR Aury Sistemas p 331-332 85

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 115 86

IBID p 107 87

IBID p 115

21

ou natildeo propor a accedilatildeo penal88

A investigaccedilatildeo diferentemente do que sugere a crenccedila comum natildeo tem como

objetivo a reuniatildeo e a produccedilatildeo de elementos que comprovem a praacutetica de um iliacutecito

Afirmar isso implicaria dizer que toda instruccedilatildeo preliminar teria como meta a

demonstraccedilatildeo de um iliacutecito preterindo qualquer elemento que apontasse para sentido

diverso89

A investigaccedilatildeo preliminar pode assim embasar tanto o Estado quando a oacutergatildeo seu

competir a iniciativa da accedilatildeo penal quanto o particular como ocorre na accedilatildeo penal

privada Por isso a colheita de elementos em etapa anterior ao exerciacutecio do direito de accedilatildeo

objetiva impedir a atuaccedilatildeo temeraacuteria evitando desse modo acusaccedilotildees infundadas e

predestinadas ao insucesso90

De acordo com Marta Saad a investigaccedilatildeo preliminar eacute caracterizada como

procedimento precedente agrave instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em juiacutezo que tem como

finalidade colher suporte probatoacuterio ao ajuizamento da accedilatildeo penal de conhecimento de

natureza condenatoacuteria justificando-se em razatildeo do fardo que representa para o indiviacuteduo

ter contra si um processo penal91

Segundo a autora satildeo duas as funccedilotildees exercidas pela persecuccedilatildeo penal preliminar

preservadora e preparatoacuteria a primeira assegura a minoraccedilatildeo das acusaccedilotildees infundadas

precipitadas ou caluniosas evitando o prejuiacutezo de acusaccedilotildees formais inuacuteteis perante o juiacutezo

criminal a segunda visa acautelar eventuais meios de prova que podem ser perdidos com

o passar do tempo92

A funccedilatildeo preservadora de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida

decorre da necessidade de justificar um juiacutezo de acusaccedilatildeo isto eacute um julgamento preacutevio

dos elementos acusatoacuterios para preservaccedilatildeo da inocecircncia contra a imprudecircncia ou caluacutenia

bem como para garantia do organismo jurisdicional contra os gastos inuacuteteis e injustos de

88

IBID p 115 89

CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo Criminal pelo Ministeacuterio Puacuteblico fundamentos e limites

constitucionais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2007 p 59 90

IBID p 60 91

SAAD Marta O direito p 131 92

IBID p 131-132

22

tempo e de trabalho93

Segundo ele ldquoa funccedilatildeo preservadora da persecuccedilatildeo inicial assim tem como

finalidade preservar a inocecircncia contra acusaccedilotildees infundadas e o organismo judiciaacuterio

contra o custo e a inutilidade em que estas redundariamrdquo94

propiciando elementos e uma

base segura que justifiquem a propositura e exerciacutecio da accedilatildeo penal95

Francesco Carnelutti entende que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo aspira a

comprovaccedilatildeo do delito mas a exclusatildeo de uma acusaccedilatildeo aventurada96

Isto eacute deve-se

reconhecer sobretudo que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo se faz para comprovar o crime

mas apenas para obstar uma acusaccedilatildeo irresponsaacutevel ou arriscada Eacute preciso que fique claro

portanto que a investigaccedilatildeo preliminar deve limitar-se a estabelecer a probabilidade do

delito natildeo visando sua comprovaccedilatildeo97

Para Aury Lopes Junior o principal fundamento da investigaccedilatildeo preliminar eacute a

funccedilatildeo de evitar acusaccedilotildees infundadas A mitigaccedilatildeo de acusaccedilotildees imprudentes e temeraacuterias

se daacute exatamente por meio do esclarecimento do fato atraveacutes de um juiacutezo provisoacuterio e de

probabilidade e com isso tambeacutem eacute assegurada agrave sociedade a inexistecircncia de

arbitrariedades e abusos por parte do poder persecutoacuterio estatal Segundo ele ldquose a

impunidade causa uma grave intranquilidade social natildeo menos grave eacute o mal causado

por processar um inocenterdquo98

Isso porque como sabido o processo penal tem um elevado custo que permite

falar de verdadeiras penas processuais como o sofrimento que causa para o sujeito

passivo que vive um estado de prolongada acircnsia decorrente de sua estigmatizaccedilatildeo social e

juriacutedica Por isso o sistema processual penal deve ser dotado de filtros que evitem

acusaccedilotildees sem o suficiente fumus comissi delicti99

A investigaccedilatildeo preliminar atende assim a um manifesto interesse garantista para

93

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 94

IBID p 17 95

SAAD Marta O direito p 23 96

ldquoLinchiesta preliminare non si fa per laccertamento del reato ma soltanto per escludere una imputazione

avventatardquo CARNELUTTI Francesco Principi del Processo Penale Napoli Morano Editore 1960 p 107 97

ldquoBisogna riconoscere anzi tutto schiettamente che linchiesta preliminare non tende ad accertare il reato

ma soltanto ad evitare una imputazione imprudente o azzardata Si tratta di sgrossare la ratio dubitandi non

di raffinarla con il labor limae Perciograve deve essere ben chiarito que linchiesta preliminare deve limitarsi a

stabilire la probabilitagrave del reato non affatto aspirare a conseguirne la certezardquo IBID p 107 98

LOPES JR Aury Sistemas p 47 99

IBID p 332

23

contenccedilatildeo das acusaccedilotildees e processos imotivados buscando evitar o custo para o sujeito

passivo e para o Estado de um juiacutezo dispensaacutevel100

Como jaacute observado haacute ainda aleacutem da funccedilatildeo preservadora da liberdade contra

acusaccedilotildees infundadas uma segunda funccedilatildeo dita preparatoacuteria da persecuccedilatildeo preliminar ou

preacutevia

Nesse sentido Eugenio Florian assevera que ldquoen particular la instruccioacuten

preparatoria sirve para recoger elementos probatorios que el tiempo puede hacer

desaparecerrdquo101

Isso porque haacute ocasiotildees em que os sinais do delito podem desaparecer

surgindo entatildeo a necessidade de instrumentos que preservem os meios de prova por

vezes urgentes ou intransponiacuteveis levando-os ao conhecimento do juiz e depois para o

acircmbito de eventual accedilatildeo penal onde natildeo fosse a atuaccedilatildeo anterior do oacutergatildeo encarregado da

investigaccedilatildeo preliminar natildeo se poderiam obter certas provas ou realizar determinadas

diligecircncias102

No mesmo sentido Joaquim Canuto Mendes de Almeida ensina que ldquoa funccedilatildeo

preparatoacuteria da instruccedilatildeo preliminar se determina pela necessidade de produccedilatildeo antes e

fora da audiecircncia de provas dificilmente realizaacuteveis no tempo e no local de concentraccedilatildeo

do processordquo103

A investigaccedilatildeo preliminar exerce assim tambeacutem uma funccedilatildeo cautelar que assume

distintos contornos conforme a necessidade da tutela podendo ser adotadas medidas que

tenham natureza pessoal patrimonial ou probatoacuteria104

Conveniente e adequada dessa forma a cisatildeo do procedimento da persecuccedilatildeo penal

em duas fases sendo a primeira delas representada pela instruccedilatildeo preacutevia105

que por sua

vez possui dois propoacutesitos O primeiro deles de caraacuteter preservador reduzindo a

ocorrecircncia de acusaccedilotildees insubsistentes imprudentes ou ateacute mesmo inveriacutedicas e evitando

os danos de acusaccedilotildees inuacuteteis O segundo preparatoacuterio acautelando possiacuteveis meios de

100

IBID p 40-41 101

FLORIAN Eugenio Opcit p 228-229 102

SAAD Marta O direito p 24 103

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 104

LOPES JR Aury Sistemas p 45 105

Ressalve-se a hipoacutetese prevista no artigo 4ordm do CPP de dispensa do inqueacuterito policial quando se dispotildee

de elementos suficientes para o aforamento da accedilatildeo penal condenatoacuteria

24

prova106

Vale ressaltar contudo que conforme liccedilatildeo de Antonio Scarance Fernandes se por

um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo consiste numa garantia contra acusaccedilotildees

precipitadas e despojadas de base satisfatoacuteria por outro a utilizaccedilatildeo dos elementos

colhidos durante esse periacuteodo preacute-processual natildeo pode ir aleacutem de sua finalidade preciacutepua

que eacute possibilitar a acusaccedilatildeo Natildeo devem tais elementos ser utilizados para justificar a

condenaccedilatildeo sob pena de serem anuladas outras garantias essenciais como a da ampla

defesa e a do contraditoacuterio Por isso eacute frequente nas legislaccedilotildees modernas a preocupaccedilatildeo

em se obstar ou reduzir a interferecircncia do material colhido durante a investigaccedilatildeo no

convencimento do julgador107

Outro ponto que merece especial destaque no estudo aqui desenvolvido eacute a

crescente preocupaccedilatildeo jaacute revelada em modelos mais avanccedilados com os limites agrave atuaccedilatildeo

do juiz na fase preliminar de investigaccedilatildeo e com a consequente possibilidade de que o

julgador que atua na investigaccedilatildeo criminal isto eacute aquele que tem contato com os autos do

inqueacuterito policial possa ser indesejavelmente influenciado por tudo aquilo que foi

produzido previamente agrave accedilatildeo penal tendo comprometida sua imparcialidade quando do

julgamento108

A primeira fase da persecuccedilatildeo penal portanto a de preparaccedilatildeo da acusaccedilatildeo eacute em

essecircncia uma fase de investigaccedilatildeo preacutevia que antecede o momento de instauraccedilatildeo do

processo e natildeo faz parte do esquema procedimental Contudo os atos nela realizados

repercutem intensamente no desenvolvimento da relaccedilatildeo juriacutedica processual sendo por

isso ajustada na histoacuteria ao sistema vigorante acusatoacuterio inquisitoacuterio ou misto Isso fez

com que nas diversas eacutepocas e nas diversas regiotildees a fase de investigaccedilatildeo apresentasse

diferentes regulamentaccedilotildees109

com reflexo direto no que concerne ao papel do magistrado

A seguir desenvolveremos uma breve anaacutelise das caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo

criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio inquisitoacuterio e misto Tal estudo

seraacute de grande valia sobretudo quando da anaacutelise do sistema eleito pela Constituiccedilatildeo de

1988 e das implicaccedilotildees dessa escolha no inqueacuterito policial disciplinado pelo Coacutedigo de

106

SAAD Marta O direito p 25 107

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 108

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro

Lumen Juris 2001 p 139-140 109

IBID p 74-75

25

Processo Penal de 1941

3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais

31 Sistema acusatoacuterio

Primeiro sistema processual concebido110

o sistema acusatoacuterio guardadas as

especificidades de cada ordenamento estabeleceu-se sobretudo na Repuacuteblica Romana e

na Idade Meacutedia ateacute o seacuteculo XIII com prevalecircncia para o direito germacircnico111

De acordo com Julio B J Maier ldquoen general puede decirse que esta forma de

llevar a cabo el enjuiciamento penal domina todo el mundo antiguordquo112

Paolo Tonini define o sistema acusatoacuterio como aquele sistema de processo penal

baseado no princiacutepio dialeacutetico segundo o qual a verdade eacute tatildeo melhor apurada quanto

maior o espaccedilo dado para o embate entre as partes animadas por interesses conflitantes113

Aleacutem disso e acima de tudo o processo acusatoacuterio caracteriza-se pela separaccedilatildeo entre as

funccedilotildees de acusaccedilatildeo defesa e julgamento e pelo princiacutepio do contraditoacuterio na formaccedilatildeo da

prova114

110

ldquoEl proceso penal comuacuten fueacute primeramente acusatoacuterio seguacuten el modelo romanordquo FLORIAN Eugenio

Op cit p 65 111

ldquoEl procedimiento acusatorio rigioacute praacutecticamente durante toda la antiguumledad (Grecia Roma) y en la

Edad Media hasta el siglo XIII (Derecho germano) momento en el cual sobre las bases del uacuteltimo Derecho

romano imperial antes de la caiacuteda de Roma es reemplazado por la Inquisioacutenrdquo MAIER Julio B J Derecho

Procesal Penal Argentino Tomo 1 vol B Buenos Aires Editorial Hamurabi S R L 1989 p 209 No

mesmo sentido ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa Instrutoacuteria do Juiz no Processo Penal Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 37 Segundo Eugenio Florian ldquohistoacutericamente la forma acusatoria

florecioacute em Grecia en la eacutepoca de apogeo de Roma y en el derecho germacircnico resurge despueacutes ente

nosotros en la eacutepoca del esplendor de las ciudades italianas que es cuando renace el derecho romano El

proceso penal romano fueacute acusatorio en la eacutepoca aacuteurea de los Comiacutecios (que abatidos de hecho por Sila

desaparecen con Augusto) y en el periacuteodo siguiente de las Questiones perpetuae (una especie de comisioacuten de

jurados)rdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 65 Como observa Fernando da Costa Tourinho Filho

ldquopredominou na Iacutendia entre os atenienses e entre os romanos notadamente durante o periacuteodo republicano

e presentemente com as alteraccedilotildees ditadas pela evoluccedilatildeo vigora em muitas legislaccedilotildeesrdquo TOURINHO

FILHO Fernando da Costa Processo Penal 31ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 92 112

MAIER Julio B J Op cit p 206 113

TONINI Paolo Op cit p 26 114

ldquoIl sistema accusatorio egrave quel modello di procedimento penale che si basa sul principio dialettico in base

26

No mesmo sentido a liccedilatildeo de Luigi Ferrajoli segundo a qual se denomina

acusatoacuterio o sistema que concebe o juiz como um sujeito rigidamente apartado das partes e

o processo como uma disputa entre partes em posiccedilatildeo de igualdade iniciada pela acusaccedilatildeo

sob a qual recai o ocircnus da prova o procedimento desenvolve-se atraveacutes de debate

contraditoacuterio oral e puacuteblico e eacute decidida pelo magistrado segundo sua livre convicccedilatildeo115

Para Paolo Tonini satildeo caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio

ldquoil giudice inizia il processo soltanto su iniziativa di parte le parti e non il

giudice ricercano la prova il proceso egrave orale nel senso che di regola il giudice

decide sulla base di dichiarazioni rese oralmente e nel contradittorio tra le parti

limputato egrave presunto innocente sono previsti limiti alla ammissione delle prove la

carcerazione prima della sentenza egrave uma eccezionerdquo116

Julio J B Maier aponta como notas comuns ao sistema acusatoacuterio as seguintes o

exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo eacute atribuiacutedo a tribunais populares aparecendo o julgador como um

aacuterbitro entre as partes a persecuccedilatildeo penal eacute exercida por uma pessoa fiacutesica e natildeo por um

oacutergatildeo do Estado o acusado eacute um sujeito de direitos ao qual deve ser garantida uma posiccedilatildeo

de igualdade frente ao acusador e cuja situaccedilatildeo de inocente natildeo deve ser alterada ateacute o

tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo sendo a adoccedilatildeo de medidas coercitivas durante o

processo excepcional o procedimento consiste em debate puacuteblico oral contiacutenuo e

contraditoacuterio na valoraccedilatildeo da prova impera o sistema do livre convencimento natildeo

havendo sujeiccedilatildeo dos julgadores a quaisquer regras de valoraccedilatildeo das provas a sentenccedila

resulta de uma votaccedilatildeo cujo resultado pode dar-se por maioria ou pela unanimidade dos

julgadores117

al quale la veritagrave egrave tanto meglio accertata quanto piugrave spazio egrave dato allo scontro tra le parti animate da

interessi contrapposti Il processo accusatorio egrave caratterizzato dal principio di separazione delle funzioni

processuali (accusa difesa e giudizio) e dal principio del contradittorio nella formazione della prova che si

rispecchia principalmente nellistituto dellesame incrociato dei testimonirdquoTONINI Paolo Op cit p 26 115

ldquoPrecisamente se puede llamar acusatorio a todo sistema procesal que concibe al juez como un sujeto

pasivo riacutegidamente separado de las partes y al juicio como una contienda entre iguales iniciada por la

acusacioacuten a la que compete la carga de la prueba enfrentada a la defensa en un juicio contradictorio oral

y puacuteblico y resuelta por el juez seguacuten su libre conviccioacutenrdquo FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 116

TONINI Paolo Op cit p 26-27 117

MAIER Julio B J Op cit p 207-209 Conforme Guilherme de Souza Nucci ldquono sistema acusatoacuterio haacute

27

Como observa Marcos Alexandre Coelho Zilli em que pese a sensiacutevel dificuldade

doutrinaacuteria em identificar as notas essenciais de um sistema processual penal acusatoacuterio haacute

inequiacutevoco consenso no sentido de que constitui seu componente primoridal a separaccedilatildeo

equilibrada de poderes exercidos ao longo da persecuccedilatildeo penal118

Nesse sentido Julio J B Maier assinala que a caracteriacutestica fundamental do

sistema processual acusatoacuterio reside na divisatildeo dos poderes que satildeo exercidos ao longo do

processo Assim de um lado posiciona-se o acusador que identifica e persegue o provaacutevel

autor ou partiacutecipe da infraccedilatildeo penal por meio de exerciacutecio de um poder postulatoacuterio e do

outro o imputado que resiste agrave imputaccedilatildeo exercendo o seu direito de defesa Finalmente

equidistante das partes posiciona-se o juiz que tem em suas matildeos o poder decisoacuterio119

O equiliacutebrio e a divisatildeo de poderes processuais penais tem como consequecircncia

conforme aponta Marcos Alexandre Coelho Zilli a distinccedilatildeo subjetiva entre o oacutergatildeo

acusador e julgador ldquofator essencial para distingui-lo do sistema marcadamente

inquisitoacuteriordquo120

Aleacutem disso vale destacar que a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no

sistema acusatoacuterio que tem como efeito direto a impossibilidade de o juiz exercer a funccedilatildeo

de acusaccedilatildeo supotildee da mesma forma a proibiccedilatildeo de o juiz participar da construccedilatildeo da

proacutepria acusaccedilatildeo121

Afinal segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli a investigaccedilatildeo

implica num trabalho de averiguaccedilatildeo da materialidade do crime e da provaacutevel autoria

sendo orientada pelo propoacutesito de se elaborar uma afirmaccedilatildeo acusatoacuteria ldquoAssim quem

niacutetida separaccedilatildeo entre o oacutergatildeo acusador e o julgador haacute liberdade de acusaccedilatildeo reconhecido o direito ao

ofendido e a qualquer cidadatildeo predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo

vigora a publicidade do procedimento o contraditoacuterio estaacute presente existe a possibilidade de recusa do

julgador haacute livre sistema de produccedilatildeo de provas predomina maior participaccedilatildeo popular na justiccedila penal e

a liberdade do reacuteu eacute a regrardquo NUCCI Guilherme de Souza Manual de Processo Penal e Execuccedilatildeo Penal 4ordf

ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008 p109 118

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 119

ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento acusatorio reside en la divisioacuten de los poderes que se

ejercen en el proceso por un lado el acusador quien persigue penalmente y ejerce el poder requirente por

el otro el imputado quien puede resistir la imputacioacuten ejerciendo el derecho de defenderse y finalmente el

tribunal que tiene en sus manos el poder de decidir Todos estos poderes se vinculan y condicionan unos a

otros su principio fundamental que le da nombre al sistema se afirma en la exigencia de que la actuacioacuten

de un tribunal para decidir el pleito y los liacutemites de su decisioacuten estaacuten condicionados al reclamo (accioacuten) de

un acusador y al contenido de ese reclamo (nemo iudex sino actore y ne procedat iudex ex officio) y por otra

parte a la possibilidad de resistencia del imputado frente a la imputacioacuten que se le atribuyerdquo MAIER Julio

B J Op cit p 207 120

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 121

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Breves notas sobre o Anteprojeto de Lei que objetiva modificar o

Coacutedigo de Processo Penal no atinente agrave investigaccedilatildeo policial Revista Cejap 29-10 Campinas Millenium

set 2000

28

investiga coopera com o desenho da acusaccedilatildeo comprometendo-se subjetivamente com os

seus termosrdquo122

Dessa forma uma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio manifestada na

fase investigativa eacute o destaque das funccedilotildees do Ministeacuterio Puacuteblico e sua participaccedilatildeo na fase

preparatoacuteria na medida em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador

externo da atividade policial impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos

ldquojuizados de instruccedilatildeordquo123

Por isso especificamente em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal eacute

caracteriacutestica essencial do sistema acusatoacuterio a exigecircncia de que a investigaccedilatildeo fique a

cargo de oacutergatildeo distinto do julgador que deve assumir papel passivo na fase investigatoacuteria

de controle da legalidade da investigaccedilatildeo decidindo apenas quando provocado Busca-se

veementemente coibir no sistema acusatoacuterio a atuaccedilatildeo investigativa do juiz

Assim segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente em locais onde

imperou o sistema acusatoacuterio a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda agrave poliacutecia Mais recentemente haacute

propensatildeo em atribuir ao Ministeacuterio Puacuteblico a supervisatildeo da investigaccedilatildeo124

De qualquer forma vale ressaltar que determinadas medidas por estarem inseridas

no acircmbito de atribuiccedilotildees exclusivas das autoridades dotadas de poderes jurisdicionais

como as cautelares pessoais e reais as interceptaccedilotildees telefocircnicas as buscas e apreensotildees

domiciliares soacute podem ser intentadas pela autoridade investigante apoacutes autorizaccedilatildeo do juiz

que nesse mister funcionaraacute como garantidor da legalidade do procedimento

investigatoacuterio podendo o investigado a ele recorrer sempre que for cometido algum abuso

em seu desfavor125

122

ZILLI Marcos Alexandre Coelho Os atores e seus papeacuteis Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ediccedilatildeo especial

CPP ago-2010 123

CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 146 124

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 81 125

IBID p 73

29

32 Sistema inquisitoacuterio

O sistema inquisitoacuterio desenvolveu-se sobretudo na Roma Imperial ndash sua fonte

juriacutedica de inspiraccedilatildeo foi exatamente o Direito romano imperial (cognitio extra ordinem) ndash

e na Europa sobretudo a continental126

durante o seacuteculo XIII ateacute o seacuteculo XVIII127

Historicamente surge quando devido a mudanccedilas poliacuteticas desapareceram as

circunstacircncias que mantinham a forma acusatoacuteria que cai completamente em desuso no

seacuteculo XVI De acordo com Eugenio Florian a nova forma nasce especialmente por obra

da Igreja128

Teve iniacutecio com Inocecircncio III e foi colocada em praacutetica em virtude de vaacuterios

decretos de Bonifaacutecio VIII A famosa Ordenanccedila Criminal de Luis XIV toda dedicada ao

procedimento representa a plena e definitiva codificaccedilatildeo do procedimento inquisitoacuterio129

O processo inquisitivo portanto emergiu em Roma sendo jaacute permitido que o juiz

iniciasse o processo de ofiacutecio e ao atingir a Idade Meacutedia por influecircncia da Igreja passou

a dominar a Europa continental a partir do Conciacutelio de Lateranense de 1215130

Foi

trazido na realidade pelo Direito Canocircnico mas logo foi percebido pelos soberanos como

um mecanismo poderoso espalhando-se entre os Tribunais seculares que o transformaram

em instrumento de dominaccedilatildeo131

A inquisiccedilatildeo eacute o sistema processual que corresponde agrave ideia de poder central

absoluto isto eacute agrave centralizaccedilatildeo do poder de forma a que todos os atributos decorrentes da

soberania se concentram nas matildeos de uma soacute pessoa132

O iacutenfimo valor da pessoa humana

126

ldquoLa fuente juriacutedica de inspiracioacuten fue el Derecho romano imperial de la uacuteltima eacutepoca (cognitio extra

ordinem) con su tenue introduccioacuten de los rasgos principales de la Inquisicioacuten conservado por la Iglesia y

perfeccionado por el Derecho canoacutenico el cual a su vez constituyo la fuente donde abrevoacute la Inquisicioacuten

laica de paso triunfante por toda Europa continental a partir del siglo XIIIrdquo MAIER Julio B J Op cit p

210 127

ldquoEl procedimento inquisitivo se extendioacute por toda Europa continental triunfando sobre el Derecho

germano y la organizacioacuten sentildeorial (feudal) de la administracioacuten de justicia desde el siglo XIII hasta el

siglo XVIIIrdquo IBID p 213 128

FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 Nesse sentido Julio B J Maier ldquoDesde el punto de vista

histoacuterico-poliacutetico la afirmacioacuten de universaliad de la Iglesia Catoacutelica (Derecho canoacutenico) y la formacioacuten de

los Estados nacionales bajo el reacutegimen de la monarquiacutea absoluta y sus luchas de predominio contra los

ldquoinfielesrdquo por una parte y contra el poder feudal por la outra condujeron necessariamente a este tipo de

procedimientordquo MAIER Julio B J Op cit p 213 129

FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 130

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 94 131

IBID p 94 132

Segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquojustamente pela centralizaccedilatildeo de poderes eacute que o sistema

inquisitoacuterio historicamente esteve associado a estruturas poliacuteticas igualmente centralizadas como por

30

frente agrave ordem social traduz-se em um procedimento penal que reduz o imputado a um

mero objeto de investigaccedilatildeo e autoriza a utilizaccedilatildeo de qualquer meio por mais cruel que

seja para alcanccedilar seu objetivo de reprimir aquele que perturba a ordem social Daiacute se

extraem as maacuteximas fundamentais do sistema inquisitivo a persecuccedilatildeo penal puacuteblica dos

delitos e o procedimento dirigido ao objetivo principal de descoberta da verdade histoacuterica

com a utilizaccedilatildeo de todos os meios necessaacuterios para tanto133

De acordo com Luigi Ferrajoli caracteriza-se como inquisitvo todo sistema

processual donde el juez procede de oficio a la buacutesqueda recoleccioacuten y valoracioacuten de las

pruebas llegaacutendose al juicio despueacutes de una instruccioacuten escrita y secreta de la que estaacuten

excluidos o en cualquier caso limitados la contradiccioacuten y los derechos de la defensardquo134

Jaacute Paolo Tonini define o sistema inquisitoacuterio como o modelo de procedimento

penal ldquoche egrave caratterizzato da due princigravepi dal principio di autoritagrave secondo cui la veritagrave

egrave meglio accertata quanti piugrave poteri sono attribuiti al giudice e dal principio del cumulo

delle funzioni processuali di accusa di defesa e di giuridizio in un unico soggetto il

giudicerdquo135

elencando dentre suas caracteriacutesticas principais as seguintes ldquoil giudice inizia

il processo dufficio il processo si svolge in segreto e per scritto nel senso che il giudice

decide sulla base di dichiarazioni verbalizzate non vi egrave alcun limite allammissibilitagrave delle

prove limputato egrave presunto colpevole la regola egrave la carcerazione preventiva136

Especifica-se portanto pela concentraccedilatildeo dos poderes processuais penais nas matildeos

de um uacutenico oacutergatildeo Assim perseguir acusar e decidir satildeo atividades exercidas por uma

uacutenica pessoa que normalmente eacute referida por inquisidor137

Julio J B Maier aponta como principais caracteriacutesticas inerentes a esse modelo (i)

a organizaccedilatildeo hieraacuterquica da jurisdiccedilatildeo penal cujo detentor invariavelmente eacute o monarca

exemplo nos diversos Estados absolutistasrdquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 40 133

MAIER Julio B J Op cit p 209 134

FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 135

O modelo inquisitoacuterio eacute aquele caracterizado por dois princiacutepios o da autoridade segundo o qual a

verdade eacute melhor apurada quanto maiores os poderes atribuiacutedos ao juiz e o da acuacutemulaccedilatildeo das funccedilotildees

processuais de acusaccedilatildeo defesa e julgamento por um uacutenico sujeito o juiz TONINI Paolo Op cit p 26 136

O juiz inicia o processo de ofiacutecio o processo de desenvolve em segredo e por escrito natildeo haacute limites para

a admissibilidade das provas o acusado eacute presumido culpado e a regra eacute a prisatildeo preventive IBID p 26 137

ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento inquisitivo reside en la concentracioacuten del poder

procesal en una uacutenica mano la del inquisidor a semejanza de la reunioacuten de los poderes de la soberaniacutea

(adminstrar legislar e juzgar) en una uacutenica persona seguacuten el reacutegimen poliacutetico del absolutismo Perseguir y

decidir no soacutelo eran labores que se concentraban en el inquisidor sino que representaban una uacutenica y

misma tarea ()rdquo MAIER Julio B J Op cit p 210

31

que a delega a funcionaacuterios subordinados que por sua vez a exercem em seu nome (ii) o

poder de perseguir e acusar se confunde com o de julgar sendo por isso exercidos pelo

mesmo oacutergatildeo o inquisidor (iii) o acusado representa um objeto da persecuccedilatildeo e natildeo um

sujeito de direitos (iv) o procedimento consiste em uma investigaccedilatildeo secreta escrita e

descontiacutenua inexistindo os debates orais (iv) o sistema das provas legais predomina isto

eacute a lei estipula criteacuterios riacutegidos para admitir um fato como elemento haacutebil para a formaccedilatildeo

da convicccedilatildeo sendo a confissatildeo do reacuteu tida como a rainha das provas (v) o sistema de

recursos reflete a forma hierarquizada de organizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo penal138

Podem ser citadas ainda a inexistecircncia de contraditoacuterio e o caraacuteter meramente

decorativo da defesa139

A extrema oposiccedilatildeo com o sistema acusatoacuterio eacute portanto evidente e se traduz em

caracteriacutesticas totalmente diversas no procedimento140

Em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal de acordo com Antonio Scarance

Fernandes nos sistemas inquisitoriais a competecircncia para a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda

historicamente ao juiz de direito o qual agia apoacutes uma investigaccedilatildeo inicial da poliacutecia

Uma vez encerrada a investigaccedilatildeo pelo juiz o processo era iniciado a partir dos dados

levantados com miacutenimo espaccedilo para a defesa O objetivo do processo era constranger o

acusado a confirmar os elementos colhidos durante a fase de apuraccedilatildeo do crime por meio

de sua confissatildeo sendo para tanto autorizada a utilizaccedilatildeo da tortura141

Isso porque no sistema inquisitoacuterio prevalece a busca da verdade material que se

vale para ser alcanccedilada da atividade probatoacuteria do magistrado competente para julgar o

processo

Na verdade de acordo com Jacinto Nelson de Miranda Coutinho a caracteriacutestica

138

MAIER Julio B J Op cit p 210-212 139

NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 109 140

MAIER Julio B J Op cit p 210 Nas palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho portanto ldquoo

processo de tipo inquisitoacuterio eacute a antiacutetese do acusatoacuteriordquo De acordo com o autor ldquoinexistem as regras de

liberdade e igualdade processuais uma vez que natildeo haacute o contraditoacuterio Como consequecircncias de as funccedilotildees

de acusar defender e julgar encontrarem-se enfeixadas numa soacute pessoa o Juiz eacute ele quem inicia de ofiacutecio

o processo quem recolhe as provas e a final profere a decisatildeo podendo no curso do processo submeter o

acusado a torturas a fim de obter a rainha das provas que eacute a confissatildeo O processo eacute secreto e escrito

Nenhuma garantia se confere ao acusado que aparece em uma situaccedilatildeo de tal subordinaccedilatildeo que se

transfigura e se transmuda em objeto do processo e natildeo em sujeito de direitordquo TOURINHO FILHO

Fernando da Costa Op cit p 94 141

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 78

32

essencial do sistema inquisitoacuterio estaacute na gestatildeo da prova atribuiacuteda principalmente ao

magistrado que em geral a reuacutene de modo secreto A vantagem de tal estrutura segundo o

autor consistiria em que o juiz poderia ter conhecimento da verdade dos fatos ndash de todos

os fatos penalmente relevantes inclusive aqueles natildeo contidos na acusaccedilatildeo vale ressaltar ndash

mais faacutecil e amplamente dado o seu controle exclusivo e onipotente do processo em

qualquer de suas fases142

Nessa postura metodoloacutegica o papel do juiz na reuniatildeo do material probatoacuterio

adquire relevo em nome de um tratamento teacutecnico da questatildeo criminal e do interesse

puacuteblico O Estado com a funccedilatildeo preciacutepua de defesa da sociedade contra a crimialidade

passa a natildeo mais admitir o poder dispositivo das partes sobre as provas o que em uacutetlima

instacircncia signifca natildeo soacute a autonomia do julgador na apreciaccedilatildeo das provas mas tambeacutem a

ausecircncia de limites com relaccedilatildeo ao objeto da investigaccedilatildeo e aos meios utilizaacuteveis 143

Compete pois ao juiz tambeacutem investigar podendo vir a ter a iniciativa da

produccedilatildeo de prova em nome do objetivo dominante de alcanccedilar a pretensatildeo punitiva144

Nesse sistema portanto toda a atividade de investigaccedilatildeo preparatoacuteria e de instruccedilatildeo

processual era confiada a um uacutenico sujeito o juiz Na realidade sequer era possiacutevel

distinguir a atividade de investigaccedilatildeo e de instruccedilatildeo definitiva jaacute que todos os elementos

colhidos pelo juiz inquisidor eram considerados provas na medida em que suficientemente

aptas agrave formaccedilatildeo de seu convencimento145

33 Sistema misto

O sistema misto teve origem e sua primeira aplicaccedilatildeo na Franccedila146

O sistema

142

COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal In COUTINHO

Jacinto Nelson de Miranda (Coord) Criacutetica agrave Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro

Renovar 2001 p 24 143

SILVA Danielle Souza de Andrade e A atuaccedilatildeo do juiz no processo penal acusatoacuterio incongruecircncias no

sistema brasileiro em decorrecircncia do modelo constitucional de 1988 Porto Alegre Sergio Antonio Fabris

Editor 2005 p 45 144

REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm

113 145

CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 72 146

FLORIAN Eugenio Opcit p 66

33

inquisitorial foi reformado pela Revoluccedilatildeo Francesa jaacute que o que restava dele era o que

havia de mais odioso dando origem ao sistema misto que foi concretizado no Code

dinstruction criminelle de 1808 e se difundiu rapidamente entre os coacutedigos modernos147

O surgimento de um sistema misto deveu-se sobretudo agrave expansatildeo napoleocircnica e

ao triunfo das ideias que embasaram a Revoluccedilatildeo Francesa mediante a qual se difundiram

por toda a Europa continental os ideais de um processo penal fundado em premissas do

Iluminismo148

Em que pese a intenccedilatildeo originaacuteria dos revolucionaacuterios de regresso ao

sistema acusatoacuterio - criado pelos gregos aperfeiccediloado pela Repuacuteblica Romana e

conservado pela Inglaterra ndash na realidade a soluccedilatildeo que se impocircs foi outra com a sucessatildeo

dos diplomas legais revolucionaacuterios por outros que mantiveram caracteriacutesticas proacuteprias do

sistema inquisitoacuterio adicionadas a outras tiacutepicas do acusatoacuterio149

razatildeo pela qual eacute este

tambeacutem denominado de sistema inquisitoacuterio reformado150

Eugenio Florian justifica o nascimento do sistema misto com base na

impossibilidade salvo raras exceccedilotildees de os princiacutepios absolutos dominarem a realidade151

Nesse sentido Paolo Tonini ressalta que se deve observar que quase todas as formas de

processo penal desenvolvidas ao longo da histoacuteria satildeo de caraacuteter misto isto eacute congregam

elementos do sistema acusatoacuterio e do sistema inquisitoacuterio Todavia de acordo com a maior

parte dos estudiosos denomina-se especificamente ldquosistema mistordquo aquele que inspira o

Coacutedigo Francecircs de 1808 que tende a equilibrar as necessidades que inspiraram os dois

sistemas de um lado a proteccedilatildeo da sociedade contra o crime de outro a defesa do

acusado152

Ainda segundo o autor no sistema misto do Coacutedigo de 1808 a instruccedilatildeo eacute

predominantemente inquisitorial porque eacute secreta e conduzida por um juiz ainda que

147

IBID p 66-67 148

MAIER Julio B J Op cit p 218 149

IBID p 213-214 150

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 37 151

ldquoLos principios absolutos no pueden sino dificilmente dominar la realidad Lo absoluto podraacute gobernar

a lo sumo el mundo del espiacuteritu y esto explica que el desarrollo de estas formas termine com la decadencia

de las mismas y el nacimiento de una tercera no pura la forma mixta resultado de la combinacioacuten de las

otrasrdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 66 152

ldquoOccorre premettere che quasi tutte le forme di processo penale che si sono manifestate nel corso della

storia sono di carattere misto cioegrave accolgono elementi del sistema inquisitorio e di quello accusatorio

Tuttavia da parte di molti studiosi si denomina ldquosistema mistordquo quello che ispira il coacutedice francese del

1808 Esso tende a contemperare le esigenze che ispirano i due sistemi da un lato la tutela della societagrave dal

crimine da un altro lato la difesa dellimputatordquo TONINI Paolo Op cit p 27

34

sejam acolhidas algumas caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio153

In particolare listruzione egrave svolta dal ldquogiudice istruttorerdquo egrave diversa

dallinquisizione in quanto sono presenti i seguenti temperamenti listruzione inizia

dopo che il pubblico ministero ha fatto formale richiesta al giudice istruttore

listruzione termina dopo che il pubblico ministero ha chiesto il proscioglimento o

il rinvio a giudizio egrave garantito allimputato il controllo giurisdizionale sulla

richiesta di rinvio a giudizi154

Jaacute o julgamento eacute predominantemente acusatoacuterio porque baseado no contraditoacuterio

entre as partes mas tambeacutem acolhe alguma caracteriacutestica do sistema inquisitoacuterio155

La fase del dibattimento egrave prevalentemente accusatoria ma egrave temperata dai

seguenti principi le domande ai testimoni sono rivolte dal presidente della corte

gli atti compiuti in segreto prima del dibattimento possono sia pure

eccezionalmente essere letti e su di essi puograve essere fondata la decisione156

Marcos Alexandre Coelho Zilli salienta que o sistema misto inquisitoacuterio reformado

ou napoleocircnico exprime claramente o caraacuteter relativamente hiacutebrido assumido por grande

parte dos ordenamentos processuais penais apoacutes a expansatildeo napoleocircnica Para ele

ldquoo descontentamento com as formas essencialmente inquisitoacuterias expresso

153

IBID p 27 154

A instruccedilatildeo realizada pelo ldquojuiz de instruccedilatildeordquo no sistema misto eacute diferente daquela realizada no sistema

inquisitivo porque haacute os seguintes temperamentos a instruccedilatildeo se inicia somente apoacutes a formalizaccedilatildeo de

pedido pelo Ministeacuterio Puacuteblico termina quando o Ministeacuterio Puacuteblico pede a absolviccedilatildeo ou formula a

denuacutencia ao acusado eacute garantida a revisatildeo judicial da denuacutencia IBID p 27 155

IBID p 27 156

A fase do julgamento eacute predominantemente acusatoacuteria mas eacute temperada pelos seguintes princiacutepios as

perguntas agraves testemunhas satildeo feitas apenas pelo presidente do tribunal atos praticados em segredo antes do

julgamento podem ainda que excepcionalmente ser lidos e podem fundamentar a decisatildeo IBID p 27

35

durante o Iluminismo e posteriormente concretizado na legislaccedilatildeo revolucionaacuteria

francesa traduziu uma mudanccedila radical de rota na tentativa de se buscar no

sistema inglecircs inspiraccedilatildeo para mudanccedilas da legislaccedilatildeo processual penal ateacute entatildeo

predominante na Europa continentalrdquo157

Segundo o autor ldquoo tempo indicou todavia o exagero da intenccedilatildeo original que foi

inviabilizada sobretudo por intransponiacuteveis muros culturaisrdquo158

O procedimento no sistema misto eacute divido em dois periacuteodos principais interligados

por um intermediaacuterio o primeiro consiste numa investigaccedilatildeo nos moldes inquisitivos mas

com certos limites o segundo passo intermediaacuterio objetiva analisar a viabilidade da

acusaccedilatildeo evitando processos inuacuteteis o terceiro formalmente acusatoacuterio consiste

especialmente num debate puacuteblico e oral perante o oacutergatildeo julgador com a presenccedila do

acusador e do acusado que culminaraacute com a absolviccedilatildeo ou condenaccedilatildeo do acusado com

base unicamente nos atos levados a cabo durante esse debate159

Em outros termos podemos dizer o processo no sistema misto agrave semelhanccedila do que

ocorria no sistema inquisitivo desenvolve-se em trecircs etapas a) investigaccedilatildeo preliminar b)

instruccedilatildeo preparatoacuteria e c) fase do julgamento Poreacutem enquanto no inquisitivo essas trecircs

etapas eram secretas natildeo contraditoacuterias escritas e as funccedilotildees de acusar defender e julgar

se concentravam nas matildeos do juiz no processo misto ou acusatoacuterio formal apenas as duas

primeiras fases satildeo secretas e natildeo contraditoacuterias A fase do julgamento se desenvolve de

forma oral puacuteblica e contraditoacuteria e as funccedilotildees de acusar defender e julgar satildeo entregues a

pessoas distintas160

Constituem pois seus traccedilos caracteriacutesticos consideradas as peculiaridades de cada

157

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 42 158

IBID p 42 159

ldquo() consiste en dividir el procedimiento en dos periacuteodos principales enlazados por uno intermeacutedio el

primeiro es una investigacioacuten a la manera inquisitiva aunque con ciertos limites que reconoce la necesidad

del Estado como persecutor penal de informarse previo a acusar penalmente a alguien ante un tribunal

judicial el segundo paso intermedio busca la seriedade y pulcritud del requerimiento penal del Estado

antes de convocar al juicio puacuteblico evitando de esta manera juicios inuacutetiles y controlar las decisiones del

Estado que cierran la persecucioacuten penal antecipadamente sin juicio el tercero imitando formalmente el

juicio acusatoacuterio consiste principalmente en un debate puacuteblico y oral ante el tribunal de justicia con la

presencia ininterrompida del acusador y del acusado que culminaraacute con la absolucioacuten o la condena del

acusado fundadas unicamente en los actos llevados a cabo durante ese debaterdquo MAIER Julio B J Op cit

p 214-215 160

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 95-96

36

ordenamento (i) a jurisdiccedilatildeo penal eacute exercida por tribunais sendo legiacutetima em

determinados casos a participaccedilatildeo popular (ii) a persecuccedilatildeo penal eacute exercida na maioria

dos casos por um oacutergatildeo puacuteblico especiacutefico (iii) o acusado eacute considerado um sujeito de

direitos e sua posiccedilatildeo juriacutedica durante o processo eacute a de um inocente ateacute que venha a ser

considerado culpado razatildeo pela qual eacute o Estado acusador quem tem o ocircnus de provar a

culpabilidade e natildeo o acusado de demonstrar sua inocecircncia (iv) o procedimento traduz os

interesses puacuteblicos de perseguir e de impor a sanccedilatildeo ao agente assegurando-lhe

outrossim o respeito agrave sua liberdade (v) via de regra eacute iniciado por uma investigaccedilatildeo

preliminar a cargo do Ministeacuterio Puacuteblico ou do juiz de instruccedilatildeo e cujo objetivo eacute a coleta

de elementos necessaacuterios para o embasamento de uma acusaccedilatildeo (vi) segue-se a ele um

procedimento intermediaacuterio no qual julga-se a viabilidade da acusaccedilatildeo e finalmente pelo

procedimento principal que eacute ultimado com a prolaccedilatildeo de uma sentenccedila absolutoacuteria ou

condenatoacuteria (vii) o tribunal pode ser composto por juiacutezes leigos e profissionais ou apenas

por juiacutezes profissionais adotando-se o sistema do livre convencimento e (viii) as decisotildees

satildeo recorriacuteveis161

Como jaacute observado portanto no modelo misto a atividade investigatoacuteria eacute

entregue ao Ministeacuterio Puacuteblico ou ao juiz de instruccedilatildeo Para Antonio Scarance Fernandes

havendo ou natildeo previsatildeo para o contraditoacuterio nessa fase eacute certo que por vezes seraacute

necessaacuteria para o iniacutecio da instruccedilatildeo preliminar a obtenccedilatildeo de miacutenimos indiacutecios da praacutetica

de um crime a serem reunidos pela poliacutecia ou por qualquer outro oacutergatildeo ou sujeito162

Essa

investigaccedilatildeo preacutevia antecedente agrave instruccedilatildeo preliminar por ter natureza eventual e

precaacuteria natildeo afeta a essecircncia do sistema que continua a pressupor a figura do juiz (ou

promotor) instrutor sendo os demais atores dessa investigaccedilatildeo meros coadjuvantes seus163

161

MAIER Julio B J Op cit p 215 162

No sistema misto a instruccedilatildeo realizada pelo juiz eacute em regra precedida de atividade da poliacutecia agrave qual

incumbe reunir os primeiros elementos a respeito do fato e da autoria FERNANDES Antonio Scarance

Teoria p 79 163

CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 73-74

37

CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO

PROCESSO

1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo

Analisadas as principais caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo preliminar nos diferentes

sistemas processuais o presente capiacutetulo seraacute dedicado ao exame da investigaccedilatildeo criminal

sob o enfoque do devido processo bem como agrave averiguaccedilatildeo das garantias dele decorrentes

que apesar de inicialmente reservadas para o processo jurisdicional passaram

gradativamente e como consequecircncia da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 da ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos garantidores e do

desenvolvimento do processo penal constitucional a ser reconhecidas jaacute na investigaccedilatildeo

criminal natildeo obstante conforme preceitua parcela consideraacutevel da doutrina tratar-se de

peccedila de caraacuteter informativo e feiccedilatildeo nitidamente administrativa

Antonio Scarance Fernandes afirma que a necessidade de previsatildeo de normas que

garantissem os direitos fundamentais do ser humano contra o forte poder estatal

intervencionista foi uma decorrecircncia loacutegica do desenvolvimento da relaccedilatildeo indiviacuteduo-

Estado164

Para isso as Constituiccedilotildees nacionais passaram a prever regras de vieacutes garantista

impondo o respeito aos direitos individuais natildeo soacute ao Estado mas agrave proacutepria sociedade

Segundo Joseacute Afonso da Silva o Brasil foi o primeiro a introduzir em seu texto

normas desse teor165

Ada Pellegrini Grinover no mesmo sentido afirma que o Brasil

pioneiro na positivaccedilatildeo constitucional dos direitos do homem tem preservado a tradiccedilatildeo de

reconhecer e assegurar as posiccedilotildees processuais das partes de modo a garantir as condiccedilotildees

necessaacuterias para a instauraccedilatildeo e o desenvolvimento de um processo justo166

Sustenta ainda que tanto em mateacuteria penal quanto substancial ou processual as

164

FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2010 p 11 165

SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p

170 166

GRINOVER Ada Pellegrini Novas Tendecircncias do Direito Processual Rio de Janeiro Forense

Universitaacuteria 1990 p13

38

Constituiccedilotildees brasileiras tecircm sido fartas em garantias especiacuteficas tais como a proibiccedilatildeo de

determinadas penas e a proteccedilatildeo da liberdade fiacutesica a ediccedilatildeo de normas disciplinadoras da

prisatildeo ilegal a elevaccedilatildeo da individualizaccedilatildeo e da incomunicabilidade da pena a princiacutepio

constitucional a proteccedilatildeo da integridade fiacutesica e moral do preso e finalmente a garantia

do contraditoacuterio e da ampla defesa167

Assim de acordo com Antonio Scarance Fernandes normas de garantia individual

foram sendo inseridas nas Constituiccedilotildees brasileiras jaacute desde a eacutepoca imperial sendo a

Constituiccedilatildeo atual nesse aspecto generosa jaacute que elenca em seu art 5ordm extenso rol de

regras destinadas a assegurar os direitos individuais e coletivos168

formando-se da uniatildeo

dos preceitos das anteriores Constituiccedilotildees com aqueles acrescentados pela atual um

conjunto de garantias que informam todo o sistema brasileiro

A Carta de 1988 delineda e promulgada no acircmbito dos anseios de liberdade e

redemocratizaccedilatildeo nacionais e em pleno avanccedilo e exaltaccedilatildeo internacional da proteccedilatildeo dos

direitos humanos169

institucionaliza a instauraccedilatildeo de um regime poliacutetico democraacutetico no

Brasil e introduz inegaacutevel progresso na consolidaccedilatildeo legislativa das garantias e direitos

fundamentais A partir dela os direitos humanos ganham especial relevo situando-a como

o documento mais amplo e detalhado sobre os direitos humanos jaacute adotado no Brasil170

Eacute importante ressaltar que nem todas as garantias constitucionais do processo estatildeo

expressas nos incisos do art 5ordm da Constituiccedilatildeo permanecendo sob a eacutegide da foacutermula

geneacuterica do sect 2ordm ldquoOs direitos e garantias expressos nesta Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros

decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos tratados internacionais

em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo171

Portanto aleacutem dos direitos e

garantias expressos na Constituiccedilatildeo muitos outros podem derivar dos princiacutepios que ela

adota

Assim uma mera anaacutelise superficial do atual texto constitucional eacute suficiente para

se verificar a multiplicaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos ldquogarantidoresrdquo relacionados agrave

167

IBID p13-14 168

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 18 169

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo de Inocecircncia no Processo Penal Brasileiro Anaacutelise de sua

estrutura normativa para a elaboraccedilatildeo legislativa e para a decisatildeo judicial Rio de Janeiro Lumen Juris 2010

p 190 170

PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva

2008 p 24 171

GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 106

39

atuaccedilatildeo do aparelho repressivo com o propoacutesito de ajustar o processo penal aos valores

democraacuteticos que prosperaram no trabalho constituinte172

Isso porque o contexto no qual inseridas as atividades parlamentares da eacutepoca de

plena reconstruccedilatildeo do Estado de direito ocasionou inevitavelmente a adoccedilatildeo de uma

ordem instrumental penal totalmente inovadora e radicalmente diversa daquela que

inspirou o Coacutedigo de Processo Penal vigente elaborado sob a eacutegide de um outro momento

soacutecio-poliacutetico e de estrutura fortemente autoritaacuteria A atual Carta Constitucional por sua

vez elegeu um aparelho processual repressivo de matriz acusatoacuteria que prestigia a

separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal atingindo

inclusive a proacutepria estrutura das instituiccedilotildees ligadas agrave poliacutetica de seguranccedila puacuteblica173

Aleacutem disso Antonio Scarance Fernandes ressalta que especialmente apoacutes as

guerras mundiais os paiacuteses firmaram declaraccedilotildees conjuntamente ricas em normas

garantidoras almejando exatamente que seus signataacuterios assumissem o compromisso de

respeitar os direitos fundamentais do indiviacuteduo em seus territoacuterios 174

Afirma ele que no plano processual esse garantismo constitucional eacute consequecircncia

da necessaacuteria relaccedilatildeo que liga processo e Estado Assim ldquodo iacutentimo relacionamento entre

processo e Estado deriva a introduccedilatildeo cada vez maior nos textos constitucionais de

princiacutepios e regras de direito processualrdquo175

o que leva ao desenvolvimento de estudos

especiacuteficos sobre as normas processuais de iacutendole constitucional

Para Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegini Grinover e Cacircndido Rangel

Dinamarco ldquoeacute inegaacutevel o paralelo existente entre a disciplina do processo e o regime

constitucional em que o processo se desenvolverdquo176

De acordo com Ada Pellegrini Grinover ldquoa cada dia que passa acentua-se a

ligaccedilatildeo entre Constituiccedilatildeo e processo pelo estudo dos institutos processuais natildeo mais

colhidos na esfera fechada do direito processual mas no sistema unitaacuterio do ordenamento

172

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro

Lumen Juris 2001 p 08 173

IBID p 08- 09 174

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 11 175

IBID p 15 176

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel

Teoria Geral do Processo 22ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2006 p 84

40

juriacutedicordquo177

transformando o processo em garantia da liberdade

Natildeo eacute possiacutevel desse modo conceber-se o estudo do processo penal brasileiro

apartado de uma visatildeo claramente constitucional devendo ser este inserido no contexto

dos direitos e garantias fundamentais verdadeiros obstaacuteculos aos excessos do Estado

contra o indiviacuteduo parte nitidamente mais fraca nesse embate178

O direito processual constitucional assim eacute definido por Cintra Grinover e

Dinamarco como ldquoa condensaccedilatildeo metodoloacutegica e sistemaacutetica dos princiacutepios

constitucionais do processo179

rdquo consubstanciando-se num enfoque a partir do qual eacute

viabilizado o exame do processo em suas relaccedilotildees com a Constituiccedilatildeo180

A partir do direito processual constitucional firma-se entatildeo o processo penal

constitucional como meacutetodo de anaacutelise do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal181

Assim com a evoluccedilatildeo e o desenvolvimento do direito as normas constitucionais

do processo abandonam o caraacuteter de princiacutepios meramente programaacuteticos e assumem a

natureza de verdadeiras normas juriacutedicas delas decorrendo de acordo com Rogeacuterio Lauria

Tucci a orientaccedilatildeo determinante da ediccedilatildeo das normas que disciplinam o processo

penal182

de forma que o seu descumprimento caracteriza a ocorrecircncia de

inconstitucionalidade material

Entretanto ressalta Grinover

Mas o importante natildeo eacute apenas realccedilar que as garantias do acusado ndash que

satildeo repita-se garantias do processo e da jurisdiccedilatildeo ndash foram alccediladas a niacutevel

constitucional pairando sobre a lei ordinaacuteria agrave qual informam O importante eacute ler

as normas processuais agrave luz dos princiacutepios e das regras constitucionais Eacute verificar

a adequaccedilatildeo das leis agrave letra e ao espiacuterito da Constituiccedilatildeo Eacute vivificar os textos

legais agrave luz da ordem constitucional Eacute como jaacute se escreveu proceder agrave 177

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 15 178

NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 71-72 179

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op

cit p 85 180

IBID p 85 181

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 16 182

TUCCI Rogerio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo

Saraiva 1993 p 48

41

interpretaccedilatildeo da norma em conformidade com a Constituiccedilatildeo E natildeo soacute em

conformidade com sua letra mas tambeacutem com seu espiacuterito Pois a interpretaccedilatildeo

constitucional eacute capaz por si soacute de operar mudanccedilas informais na Constituiccedilatildeo

possibilitando que mantida a letra o espiacuterito da lei fundamental seja colhido e

aplicado de acordo com o momento histoacuterico que se vive183

Logo a relaccedilatildeo entre o processo penal o direito constitucional natildeo pode ser

vislumbrada como se este uacuteltimo fosse uma ciecircncia anaacuteloga ou um corpo de normas de

igual valor A visatildeo constitucional de direito e democracia deve ser o ponto de partida para

alcanccedilar-se a partir disso uma correta e ampla visatildeo do processo penal184

Isso porque a regulamentaccedilatildeo do processo penal pelo Estado eacute feita a partir dos

valores poliacuteticos predominantes O sistema instrumental penal eacute pois notoriamente

dominado pelo conceito de seguranccedila que natildeo eacute imutaacutevel mas deriva de determinado

processo histoacuterico e que apresenta na outra extremidade o confronto com o respeito agraves

liberdades individuais de modo a criar um cenaacuterio de intensa conflituosidade cuja

estabilidade soacute pode ser alcanccedilada pela adesatildeo aos primados garantidores que se

extravasam no modelo acusatoacuterio de processo como reflexo direto de um determinado

modelo teoacuterico de Estado o democraacutetico de direito construiacutedo a partir da Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 Isto eacute a consquista do equiliacutebrio desejaacutevel entre os ideais de seguranccedila e

liberdade individual depende necessariamente da adoccedilatildeo de regras que serviratildeo para

sopesar os interesses das partes em jogo e que penderatildeo de acordo com o momento

histoacuterico para um ou para outro lado185

Portanto a partir da sistematizaccedilatildeo e organizaccedilatildeo do estudo do processo penal

constitucional como visto tornou-se imprescindiacutevel que a anaacutelise do processo penal seja

feita agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal em conformidade com os princiacutepios constitucionais e

sob a perspectiva dos direitos fundamentais

Segundo Fauzi Hassan Choukr a preocupaccedilatildeo com o assunto no cenaacuterio particular

da investigaccedilatildeo criminal foi intesificada porque os limites teoacutericos que lhe eram impostos

183

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 14-15 184

NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 72 185

IBID p 14

42

se mostraram demasiadamente estreitos para a extensatildeo de problemas que surgia186

Assim

apesar de a investigaccedilatildeo criminal ser considerada uma peccedila meramente informativa

passou-se a compreendecirc-la como um verdadeiro atentado ao status dignitatis do

investigado tendo essa posiccedilatildeo sido apoiada por grande parcela da doutrina mais

esclarecida187

O indiviacuteduo submetido a inqueacuterito policial agora deve ser reconhecido como titular

de direitos e sujeito do procedimento natildeo mais somente como sujeito ao procedimento188

De acordo com Marta Saad ao indiviacuteduo deve ser assegurada a posiccedilatildeo de sujeito e titular

de direitos sempre natildeo importando a fase em que o procedimento se encontre ldquoOs direitos

e garantias constitucionais natildeo tecircm limites especiais nem obedecem a procedimentos

simplesmente devem ser obedecidos semprerdquo189

Portanto os princiacutepios constitucionais devem ter sua incidecircncia reconhecida na

persecuccedilatildeo penal como um todo seja na fase inquisitorial seja na fase processual visando

tatildeo somente amoldar nosso sistema aos ideais acusatoacuterios e livraacute-lo de seus resquiacutecios

inquisitoriais para que assim possam ser concretizados os direitos fundamentais e um

processo penal mais justo190

Em face de tal objetivo ainda na fase preliminar da persecuccedilatildeo criminal devem

obrigatoriamente ser respeitados os direitos e garantias fundamentais como expressotildees da

dignidade da pessoa humana na busca de uma instruccedilatildeo processual justa natildeo se perdendo

de vista a exigecircncia do Estado Democraacutetico de Direito de uma interpretaccedilatildeo constitucional

do direito processual penal191

Eacute do texto constitucional pois que deve advir a leitura dos direitos do investigado

assim como dos tratados internacionais no campo dos direitos fundamentais dos quais o

Brasil eacute signataacuterio em especial do Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica cuja inserccedilatildeo em

nosso Direito positivo consoante melhor doutrina se daacute em sede constitucional 192

-193

186

IBID p 07 187

IBID p 07 188

SAAD Marta O direito p 205-206 189

IBID p 206 190

BORGES Fernando Afonso Cardoso O direito ao contraditoacuterio e ampla defesa na fase inquisitoacuteria do

processo penal Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23042013 191

IBID 192

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial novas tendecircncias e praacuteticas Boletim IBCCRIM nordm 83 Esp

Outubro 1999

43

Essa forma de compreender a investigaccedilatildeo criminal revela-se de grande valia na

medida em que esta significa invariavelmente uma maneira de intromissatildeo do Estado na

liberdade individual situaccedilatildeo esta justificada a princiacutepio pela suspeita razoavelmente

fundada de que o agente tenha cometido uma conduta tipica que reclama a apreciaccedilatildeo pelo

sistema repressivo194

Assim o caminho estaacute livre para que passem a ser introduzidas nessa fase as

garantias constitucionais apropriadas ao exerciacutecio da missatildeo do Estado Devem ser

consideradas no exame das garantias incidentes a finalidade e a natureza da peccedila

investigatoacuteria de modo a buscar conciliar sua essecircncia com os limites da invasatildeo pelo

Estado na liberdade individual195

atraveacutes de uma interpretaccedilatildeo constitucional dos

dispositivos processuais penais Afinal a integridade do sistema constitucional depende do

valor que se atribua agrave liberdade individual e ao reconhecimento do status do acusado como

sujeito de direitos e natildeo mero objeto de investigaccedilatildeo ainda que estejamos diante de uma

acusaccedilatildeo informal como ocorre no inqueacuterito policial196

Neste ponto eacute necessaacuterio ressaltar que a investigaccedilatildeo criminal conteacutem em si talvez

o impasse elementar do processo penal que eacute o equacionamento e sopesamento dos

valores seguranccedila e liberdade197

sendo faacutecil a compreensatildeo da quase impossibilidade de

soluccedilatildeo dessa equaccedilatildeo da maneira como ela eacute posta198

Nesses termos a incidecircncia das garantias constitucionais jaacute na investigaccedilatildeo

criminal naquilo que for condizente com a sua natureza e finalidade segundo Fauzi

Hassan Choukr aparece como um ldquopasso adianterdquo na construccedilatildeo de um processo penal

garantidor entendida esta expressatildeo como sendo ldquoo arcabouccedilo instrumental penal uma

forma baacutesica de proteccedilatildeo da liberdade individual contra o arbiacutetrio do Estadordquo199

Apresentado o modelo acusatoacuterio e garantista que deve ser aplicado agrave investigaccedilatildeo

193

Haacute respeitaacutevel corrente doutrinaacuteria no sentido de que por forccedila do disposto no art 5ordm sect 2ordm da

Constituiccedilatildeo os tratados internacionais de direitos humanos tecircm status constitucional Entretanto o Supremo

Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinaacuterio nordm 466343SP decidiu que tratados

internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal STF Pleno

RExt nordm 466343SP rel Min Cezar Peluso j 22112006 194

SAAD Marta O direito p 07 195

IBID p 07-08 196

SAAD Marta Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash

2006 197

SAAD Marta O direito p 12 198

IBID p 12 199

IBID p 15-16

44

criminal passaremos a analisar o devido processo legal seu conteuacutedo e evoluccedilatildeo histoacuterica

de forma a possibilitar a anaacutelise posterior que aqui se pretende de algumas das garantias

incidentes na investigaccedilatildeo criminal e que guardam maior pertinecircncia com o tema do juiz

das garantias objeto do presente estudo

11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica

O ponto de partida para a definiccedilatildeo do direito a um processo equitativo eacute

invariavelmente a experiecircncia constitucional norte americana do due process of law cujas

origens costumam reconduzir-se aos esquemas garantiacutesticos da Magna Carta

particularmente o artigo 39 deste documento200

Joatildeo Sem Terra forccedilado por seus barotildees outorga em 1215 a Magna Charta

Libertatum que segundo Ada Pellegrini Grinover constitui com os demais pactos

medievais um antecedente das modernas Constituiccedilotildees no que diz respeito agrave forma escrita

e agrave proteccedilatildeo de direitos individuais ainda que de caraacuteter imemorial e destinados a

determinados homens201

Pela primeira vez a nobreza opotildee ao monarca o princiacutepio da supremacia de uma lei

que se impotildee ao proacuteprio governante antecipando a ideia fundamental de

constitucionalismo do seacuteculo XVIII202

Entre as principais garantias da Magna Carta senatildeo a mais importante elenca-se a

do artigo 39

ldquoNo freemen shall be taken or imprisoned or disseised or outlawded or

exiled or in any way destroyed nor will we go upon him nor will we send upon

him except by the legal judgment of his peers or by the law of the landrdquo

200

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 4ordf ed Coimbra

Almedina 2000 p 480 201

GRINOVER Ada Pellegrini As Garantias Constitucionais do Direito de Accedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos

Tribunais 1973 p 23 202

IBID p 24-25

45

De acordo com Ada Pellegrini Grinover o artigo 39 da Magna Carta constitui sem

duacutevida o antecedente direto da claacuteusula due process of law da Constituiccedilatildeo norte-

americana203

No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes leciona que a origem da garantia do devido

processo reside na Great Charter de Joatildeo Sem Terra de 15 de junho de 1215 que jurou

respeitar os direitos e as liberdades das pessoas sem cometer arbiacutetrios204

Assim qualquer

restriccedilatildeo aos direitos agrave vida liberdade ou propriedade desde entatildeo soacute poderia ser feita by

the law of the land205

A foacutermula ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo de acordo com Joseacute Joaquim Gomes

Canotilho natildeo era poreacutem suficientemente clara Segundo ele natildeo surpreende pois que

na interpretaccedilatildeo posterior da Carta feita por Eduardo III em 1354 natildeo seja utilizada a

expressatildeo ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo mas uma foacutermula semanticamente mais rica

mas tambeacutem indefinida processo devido em direito (ou devido processo legal)206

Assim a expressatildeo due process of law em substituiccedilatildeo agrave law of the land eacute usada

pela primeira vez no estatuto de 1354 segundo o qual

ldquoNone shall be condemned without trial Also that no Man of what State

or Condition that he be shall be put out of the Land Tenement nor taken or

imprisoned nor disinherited nor put to death without being brought to Answer by

the due process of lawrdquo207

Segundo Luiz Flaacutevio Gomes a garantia do due process era a princiacutepio destinada a

poucos mas a proacutepria evoluccedilatildeo da cultura dos direitos humanos exigiu depois sua

203

IBID p 25 204

GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro

e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema

interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 184 205

IBID p 184 206

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 480 207

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25

46

extensatildeo a todos208

De acordo com ele ainda no seacuteculo XIV eram comuns as duas

expressotildees hoje intensamente difundidas ldquodue process of lawrdquo ou ldquoby the law of the

landrdquo que no seu significado original de maior extensatildeo consistia numa evidente

limitaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo do Poder Puacuteblico frente aos particulares209

Ateacute hoje segundo Ada Pellegrini Grinover ldquolaw of the landrdquo e ldquodue process of

lawrdquo satildeo usados como equivalentes210

Leciona a autora que a supremacia da Magna Carta sobre os poderes do Estado foi

sustentada na tentativa de oposiccedilatildeo aos poderes praticamente irrestritos do soberano que

invocava direitos contra o Parlamento e contra a autoridade judiciaacuteria sugerindo-se a

interpretaccedilatildeo do artigo 39 como garantia de um julgamento previsto pela common law

transformando-se a claacuteusula em garantia de um processo ldquolegalrdquo jaacute no sentido equivalente

agrave ideia moderna211

O conceito de law of the land eacute retomado pelas colocircnias da Ameacuterica do Norte e

posteriormente a expressatildeo due process of law da tradiccedilatildeo do direito inglecircs passaria para

a Constituiccedilatildeo natildeo soacute como garantia de legalidade mas ainda como garantia de justiccedila

vinculante para todos os poderes do Estado212

A claacuteusula natildeo eacute citada expressamente pela Declaraccedilatildeo de Independecircncia dos

Estados Unidos que se restringe ao reconhecimento do princiacutepio de que todos os homens

satildeo iguais por criaccedilatildeo e dotados de direitos inalienaacuteveis como a vida a liberdade e a busca

da felicidade213

A Convenccedilatildeo da Filadeacutelfia que aprova a Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da

Ameacuterica natildeo prevecirc a proteccedilatildeo de direitos individuais Tais garantias foram inscritas como

emendas agrave Constituiccedilatildeo aprovadas em 1791214

e especialmente quanto agrave claacuteusula do due

process of law ingressou no sistema constitucional como V Emenda assim redigida

208

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 184 209

IBID p 184 210

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25 211

IBID p 25 212

IBID p 26 213

IBID p 27 214

IBID p 27

47

ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous

crime unless on a presentment or indictment of a Grand Jury except in cases

arising in the land or naval forces or in the Militia when in actual service in time

of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to be

twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to

be a witness against himself nor be deprived of life liberty or property without

due process of law nor shall private property be taken for public use without just

compensationrdquo

Por exercer o Bill of Rights a proteccedilatildeo agraves liberdades individuais somente contra

abusos dos oacutergatildeos federais com o tempo sentiu-se a necessidade de confiar aos mesmos

oacutergatildeos federais a garantia dos indiviacuteduos contra lesotildees praticadas tambeacutem pelo poder

estadual Nova emenda aprovada pelo Congresso e ratificada pelos Estados sob o nordm XIV

foi incorporada em 1868 agrave Constituiccedilatildeo215

Eacute esta a redaccedilatildeo da XIV Emenda

All persons born or naturalized in the United States and subject to the

jurisdiction thereof are citizens of the United States and of the state wherein they

reside No state shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or

immunities of citizens of the United States nor shall any state deprive any person

of life liberty or property without due process of law nor deny to any person

within its jurisdiction the equal protection of the laws

Assim a emenda teve aplicaccedilatildeo vasta e generalizada mormente no tocante agrave

afirmaccedilatildeo da claacuteusula no sentido de que somente atraveacutes de um processo legal possam ser

tangenciados bens como a vida a liberdade a propriedade representando a XIV Emenda

atualmente um dos elementos fundamentais do sistema constitucional norte-americano216

215

IBID p 28 216

IBID p 29

48

Segundo Joseacute Joaquim Gomes Canotilho a histoacuteria do processo entendido como

um processo poliacutetico cujos valores se voltam agrave defesa de direitos fundamentais tem iniacutecio

exatamente em torno dos Amendments V e XIV da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da

Ameacuterica217

De acordo com o autor a leitura basilar das Emendas relacionadas com o due

process of law pode sintetizar-se da seguinte forma

ldquoProcesso devido em direito significa a obrigatoriedade da observacircncia de

um tipo de processo legalmente previsto antes de algueacutem ser privado da vida da

liberdade e da propriedade Nestes termos o processo devido eacute o processo previsto

na lei para a aplicaccedilatildeo de penas privativas da vida da liberdade e da propriedade

Dito ainda por outras palavras lsquodue processrsquo equivale ao processo justo definido

por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicaccedilatildeo de sanccedilotildees

criminais particularmente gravesrdquo218

A acepccedilatildeo primitiva da claacuteusula do due process of law em resumo tanto no direito

inglecircs quanto no direito norte-americano nada mais evidencia que o princiacutepio do Estado

de Direito na particular perspectiva da atuaccedilatildeo jurisdicional ou seja natildeo pode o Estado

privar a vida ou a liberdade ou os bens de ningueacutem sem lei ou fora da lei219

A accedilatildeo do

Estado deve ser conforme o ordenamento juriacutedico imperante isto eacute per legem terrae

sobretudo no momento de dizer o direito em razatildeo do cometimento de uma infraccedilatildeo

penal220

Esta interpretaccedilatildeo baacutesica no entanto conforme liccedilatildeo de Joseacute Joaquim Gomes

Canotilho abre o caminho para uma outra leitura que consiste em enxergar o processo

devido como processo justo tambeacutem de criaccedilatildeo legal de normas juriacutedicas sobretudo das

normas restritivas das liberdades dos cidadatildeos isto eacute o due process of law pressupotildee que o

processo legalmente previsto para aplicaccedilatildeo de penas seja ele proacuteprio um ldquoprocesso

217

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 218

IBID p 481 219

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 220

IBID p 185

49

devidordquo obedecendo aos tracircmites procedimentais formalmente estabelecidos na

constituiccedilatildeo ou delineados em regras regimentais das assembleacuteias legislativas221

Segundo

o autor ldquoprocedimentos justos e adequados moldam a actividade legiferante Dizer o

direito segundo um processo justo pressupotildee que justo seja o procedimento de criaccedilatildeo

legal dos mesmos processosrdquo222

Esta nova leitura de acordo com Ada Pellegrini Grinover tem origem no fato de

que com o passar do tempo observou-se que a variaccedilatildeo de acordo com a evoluccedilatildeo da

consciecircncia comum eacute inerente ao conceito de due process223

uma vez que justiccedila e due

process of law satildeo conceitos histoacutericos e circunstanciais cujo teor pode modificar-se

conforme a evoluccedilatildeo da consciecircncia juriacutedica e poliacutetica de um paiacutes224

Assim o due process of law natildeo consiste num conceito abstrato e dele natildeo provecircm

conclusotildees absolutas aplicaacuteveis em qualquer circunstacircncia de tempo ou lugar Eacute pois ldquoum

standard que guia o tribunal e o standard haacute de aplicar-se com vistas a circunstacircncias

especiais de tempo de lugar e de opiniatildeo puacuteblicardquo225

Portanto pode-se dizer que a claacuteusula do due process agrave medida que natildeo retrata a

projeccedilatildeo de um processo eterna e permanentemente ideal eacute uma proposiccedilatildeo repleta de

lacunas cujo preenchimento varia conforme as condiccedilotildees histoacuterico-poliacuteticas e econocircmico-

sociais do momento sendo o seu fundamento objetivo somente passiacutevel de individuaccedilatildeo

em uma perspectiva histoacuterica226

A claacuteusula imprecisa em seu sentido literal constitui-se portanto no fundamento

constitucional para possibilitar o controle do exerciacutecio do Poder Legislativo pelo

Judiciaacuterio Natildeo obstante o claro sentido processual devotado agrave clausula em sua tradiccedilatildeo

histoacuterica foi-se impondo um conceito substantivo de due process of law decorrente do

amplo significado por ela subsumido quando foi reconduzida a um criteacuterio de

reasonableness227

Nesse sentido Luiz Flaacutevio Gomes ressalta que a limitaccedilatildeo do Estado somente do

221

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 222

IBID p 481 223

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 32-33 224

IBID p 34 225

IBID p 34 226

IBID p 35 227

IBID p 35

50

ponto de vista procedimental exigindo-lhe obediecircncia ao ldquoprocesso justordquo definido em lei

natildeo eacute suficiente228

Para o autor a imposiccedilatildeo de limites agrave elaboraccedilatildeo juriacutedica das

formalidades legais eacute tatildeo relevante quanto a exigecircncia de observacircncia das formalidades

legais devidas pois de nenhuma valia o estabelecimento de limites formais agrave atuaccedilatildeo

estatal se ela natildeo conta com obstaacuteculos no exato momento da formulaccedilatildeo dessas mesmas

regras juriacutedicas primordialmente as que se destinam a restringir a liberdade das pessoas229

Por fim leciona o autor

Justo ou devido portanto deve ser natildeo soacute o processo senatildeo tambeacutem o

proacuteprio procedimento de elaboraccedilatildeo da lei seja no aspecto formal seja no

substancial (material) porque o legislador natildeo pode transformar em ldquoprocesso

devidordquo o que eacute por natureza arbitraacuterio desproporcional e indevido230

Joseacute Joaquim Gomes Canotilho ensina que a classificaccedilatildeo de um processo como

justo exige fundamentalmente a consideraccedilatildeo de duas concepccedilotildees de ldquoprocesso devidordquo

ndash a concepccedilatildeo processual e a concepccedilatildeo material ou substantiva231

Segundo o autor na teoria processual o foco estaacute na observacircncia ou natildeo do

processo previsto em lei para a aplicaccedilatildeo de medidas privativas da vida liberdade ou

propriedade jaacute que ela restringe-se a dizer que uma pessoa ldquoprivadardquo dos seus direitos

fundamentais da vida liberdade e propriedade tem direito a exigir que essa privaccedilatildeo seja

feita por intermeacutedio de um processo especificado na lei232

Jaacute a teoria substantiva pretende justificar a ideia material de um processo justo pois

uma pessoa tem direito natildeo somente a um processo legal mas a um processo legal justo e

adequado sobretudo quando se trate de legitimar o sacrifiacutecio da vida liberdade e

propriedade dos particulares233

Segundo o autor ldquoo processo devido deve ser

materialmente informado pelos princiacutepios da justiccedila Mais do que isso o lsquoprocesso

228

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 229

IBID p 185 230

IBID p 185 231

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 482 232

IBID p 482 233

IBID p 482

51

devidorsquo comeccedila por ser um processo justo logo no momento da criaccedilatildeo normativo-

legislativardquo234

Desse modo os objetivos da exigecircncia do devido processo dificilmente seriam

alcanccedilados se ao legislador fosse concedida liberdade para converter qualquer processo em

processo equitativo Por isso passaram a ser exigidos criteacuterios materiais informadores do

processo devido expressa ou implicitamente revelados pelas normas da Constituiccedilatildeo e

pelos usos e procedimentos estabelecidos no direito comum ou disposiccedilotildees ldquoestatutaacuteriasrdquo

Passou assim a falar-se de processo devido substantivo235

Isso porque o problema central da exigecircncia de um due process natildeo residiria

exclusivamente no procedimento legal mediante o qual algueacutem eacute declarado culpado e

punido por haver violado a lei mas sim no fato de a lei poder por si mesma conter a

ldquoinjusticcedilardquo privando uma pessoa de direitos fundamentais236

Agraves autoridades legiferantes

deve ser vedado o direito de disporem de modo arbitraacuterio da vida da liberdade e da

propriedade das pessoas237

Assim o sentido claacutessico do due process of law como garantia do reacuteu eacute substituiacutedo

por um de conteuacutedo mais amplo e maior acircmbito de proteccedilatildeo que natildeo distingue entre

substantive e procedure A claacuteusula transforma-se assim numa garantia geral da ordem

juriacutedica238

Duas portanto satildeo as emanaccedilotildees baacutesicas da claacuteusula original e que chegaram ateacute

nossos dias 1ordf) o ldquosubstantive due process of lawrdquo e 2ordf ) o ldquojudicial due process of lawrdquo

(tambeacutem conhecido como ldquofair trialrdquo ou ldquojudicial processrdquo ou ainda ldquodevido processo

procedimentalrdquo)239

Toda pessoa tem direito de exigir natildeo somente que qualquer restriccedilatildeo agrave sua

liberdade ou propriedade ocorra rigidamente conforme os ditames legais (ldquojudicial

processrdquo) senatildeo principalmente que o legislador observe o valor justiccedila tambeacutem no

momento de elaboraccedilatildeo dessas normas de tal modo a impedir-lhe que crie um arbitraacuterio e

234

IBID p 482 235

IBID p 482 236

IBID p 482 237

IBID p 482 238

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 35 239

GOMES Luiz FlaacutevioOp cit p 185

52

injusto conjunto normativo (ldquosubstantive processrdquo)240

Assim due process of law eacute numa concepccedilatildeo ampla a garantia do ldquoprocessordquo

legislativo e tambeacutem a garantia de que a lei eacute adequada razoaacutevel justa e contida nos

limites da Constituiccedilatildeo A claacuteusula natildeo mais se limita agrave determinaccedilatildeo processual de

direitos substanciais mas se estende agrave garantia de que seu gozo natildeo seja restringido de

modo discricionaacuterio ou imprudente241

Hoje podemos afirmar que a claacuteusula eacute interpretada no sentido de eliminar qualquer

obstaacuteculo desarrazoado agrave tutela substancial ou processual dos direitos individuais242

Desse

modo haveraacute violaccedilatildeo da due process clause natildeo somente quando forem descabidas as

formas teacutecnicas de exerciacutecio dos poderes processuais mas tambeacutem quando a proacutepria

configuraccedilatildeo dos substantive rigths possa prejudicar sua tutela condicionando

ldquoirrazoavelmenterdquo o resultado do processo243

Segundo Luiz Flaacutevio Gomes pode-se afirmar que do ponto de vista privado o

princiacutepio do devido processo agora entendido como procedimento dotado de regras

formais elaboradas com razoabilidade representa para toda pessoa um direito (puacuteblico

subjetivo) jaacute do ponto de vista puacuteblico (objetivo) mister salientar que esse mesmo ldquojusto

processordquo (substancial e procedimental) constitui uma garantia244

de relevacircncia crucial

para a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais para a tutela das partes no processo bem como

para a proacutepria legitimaccedilatildeo do exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo no Estado Democraacutetico de Direito245

Ada Pellegrini Grinover salienta que as posiccedilotildees de vantagens das partes no

processo se por um lado podem ser compreendidas como direitos puacuteblicos subjetivos

privilegiando o interesse individual sobre o social por outro lado podem ser percebidas

240

IBID p 185-186 241

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 36 242

IBID p 38 243

IBID p 38 244

Sobre a distinccedilatildeo entre ldquodireitosrdquo e ldquogarantiasrdquo Rui Barbosa afirma que as disposiccedilotildees meramente

declaratoacuterias satildeo as que imprimem existecircncia legal aos direitos reconhecidos e as disposiccedilotildees assecuratoacuterias

satildeo as que em defesa dos direitos limitam o poder ldquoAquelas instituem direitos estas as garantias

ocorrendo natildeo raro juntar-se na mesma disposiccedilatildeo constitucional ou legal a fixaccedilatildeo da garantia com a

declaraccedilatildeo do direitordquo Repuacuteblica Teoria e Praacutetica Textos doutrinaacuterios sobre direitos humanos e poliacuteticos

consagrados na primeira Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica PetroacutepolisBrasiacutelia Vozes 1978 Joseacute Afonso da Silva

seguindo liccedilatildeo de Rui Barbosa salienta que em suma ldquoos direitos satildeo bens e vantagens conferidos pela

norma enquanto as garantias satildeo meios destinados a fazer valer esses direitos satildeo instrumentos pelos quais

se asseguram o exerciacutecio e gozo daqueles bens e vantagensrdquo Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf

ed Satildeo Paulo p 411 245

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 187

53

tambeacutem como garantias vale ressaltar natildeo somente das partes mas tambeacutem do justo

processo dando ecircnfase ao interesse geral na justiccedila da decisatildeo246

Essas garantias portanto relacionam-se ao proacuteprio processo o que constitui

segundo ela o enfoque completo e homogecircneo do conteuacutedo da claacuteusula do devido

processo legal

Garantias natildeo apenas das partes mas sobretudo da jurisdiccedilatildeo porque se

de um lado eacute interesse dos litigantes a efetiva e plena possibilidade de sustentarem

suas razotildees de produzirem suas provas de influiacuterem concretamente sobre a

formaccedilatildeo do convencimento do juiz do outro lado essa efetiva e plena

possibilidade constitui a proacutepria garantia da regularidade do processo da

imparcialidade do juiz da justiccedila das decisotildees247

Portanto as garantias constitucionais do devido processo legal passam a ser

entendidas natildeo mais apenas como garantias exclusivas das partes mas tambeacutem como

garantias indispensaacuteveis ao correto exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo

12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro

A claacuteusula do devido processo legal foi adotada expressamente pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 que em seu artigo 5ordm inciso LIV prevecirc que ldquoningueacutem seraacute privado da

liberdade ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo desmembrando em seguida o

conteuacutedo dessa foacutermula em uma rica sucessatildeo de garantias especiacuteficas necessaacuterias para

assegurar o direito agrave ordem juriacutedica justa

246

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 1 247

IBID p 2 No mesmo sentido CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini

DINAMARCO Cacircndido Rangel Op cit p 88 ldquoGarantias que natildeo servem apenas aos interesses das partes

como direitos puacuteblicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais destas) mas que configuram antes

de mais nada a salvaguarda do proacuteprio processo objetivamente considerado como fator legitimante do

exerciacutecio da jurisdiccedilatildeordquo

54

Segundo Luiz Flaacutevio Gomes como princiacutepio geral de direito que eacute delineado a

partir de um intrincado conjunto de muitos outros princiacutepios e normas cumpre salientar

que o devido processo sob a dimensatildeo interna natildeo conta apenas com regras e normas de

status constitucional (processo de constitucionalizaccedilatildeo) mas tambeacutem internacional

(internacionalizaccedilatildeo) sem esquecer das que estatildeo em niacutevel infraconstitucional

(legalizaccedilatildeo)248

A garantia do devido processo portanto eacute constituiacuteda de uma complexa

conjugaccedilatildeo de normas bem como de princiacutepios regras e proibiccedilotildees249

Assim embora o devido processo no nosso sistema juriacutedico disponha de inuacutemeras

normas constitucionais o certo eacute que a Constituiccedilatildeo por sua proacutepria natureza natildeo exaure

toda a disciplina do assunto250

conservando a foacutermula norte-americana dos direitos

impliacutecitos ao advertir no seu artigo 5ordm sect 2ordm que ldquoos direitos e garantias expressos nesta

Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou de tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo251

Em

seu complemento vecircm as normas internacionais e infraconstitucionais252

No que diz respeito agrave internacionalizaccedilatildeo do devido processo satildeo documentos de

citaccedilatildeo obrigatoacuteria no nosso meio cultural a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem

ndash DUDH (Naccedilotildees Unidas aprovada na Assembleia Geral de 10121948) o Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos ndash PIDCP (ONU 1966) ratificado pelo Brasil

em 24011992 e a Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos ndash CADH (Pacto de Satildeo

Joseacute da Costa Rica) ratificada pelo Brasil em 25091992253

Importante destacar a natureza instrumental dessa garantia do processo devido que

como todas as demais garantias natildeo deve ser apreendida como um fim em si mesma mas

como mecanismo para a tutela de um direito principal Estaacute assim a serviccedilo dos direitos

humanos fundamentais jaacute que serve de instrumento para a obtenccedilatildeo das vantagens e

248

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 249

IBID p 189 250

IBID p 191 251

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op

cit p 91 252

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 191 253

IBID p 189

55

benefiacutecios decorrentes dos direitos que visa assegurar254

13 Devido Processo Penal

O princiacutepio do devido processo legal eacute comumente adjetivado de acordo com a

natureza do conflito de interesses a ser solucionado bem como com a espeacutecie do conjunto

normativo respectivo255

No que diz respeito agraves garantias que disciplinam especificamente

as relaccedilotildees entre o indiviacuteduo e o Estado no estrito acircmbito jurisdicional de aplicaccedilatildeo de uma

pena como resposta a uma infraccedilatildeo penal eacute conveniente que se reconheccedila a existecircncia de

um devido processo criminal256

Segundo Rogeacuterio Lauria Tucci a garantia do devido processo ldquoeacute delineada ateacute

mesmo determinada por preceituaccedilotildees constitucionais direcionadas ao processo penal e

que agrave evidecircncia natildeo podem ser desconhecidas direta ou indiretamente das leis

processuais que o disciplinamrdquo257

Para o autor o devido processo penal entendido como ldquoa designaccedilatildeo apropriada agrave

sua verificaccedilatildeo em particularizado campo processual de atuaccedilatildeo eacute composto pelos

corolaacuterios de um desenvolvimento regular do processo em acircmbito penalrdquo258

tratando-se

por isso de uma especificidade penal da garantia constitucional do devido processo

Para Ada Pellegrini Grinover eacute no acircmbito do processo penal entendido como

instrumento da persecuccedilatildeo que a liberdade do indiviacuteduo avulta e se torna mais evidente a

necessidade de limitaccedilatildeo da atividade jurisdicional259

Segundo a autora ldquoa dicotomia

defesa social ndash direitos de liberdade assume frequentemente conotaccedilotildees dramaacuteticas no

juiacutezo penal e os direitos de personalidade do acusado se transformam na pedra de toque

254

IBID p 187 255

IBID p 187-188 256

IBID p 187-188 257

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 75-76 258

IBID p 69 259

GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades Puacuteblicas e Processo Penal As interceptaccedilotildees telefocircnicas Satildeo

Paulo Saraiva 1976 p 27

56

de um sistema de liberdades puacuteblicasrdquo260

Isso porque ldquovatildes seriam as liberdades do indiviacuteduo se natildeo pudessem ser

reivindicadas e defendidas em juiacutezordquo261

sendo necessaacuterio que o processo proporcione

verdadeiramente agrave parte a defesa de seus direitos a sustentaccedilatildeo de suas razotildees a produccedilatildeo

de suas provas262

Assim a oportunidade de defesa deve ser efetivamente plena e o

processo deve desenvolver-se com aquelas garantias indispensaacuteveis para a caracterizaccedilatildeo

do ldquodevido processo legalrdquo263

Ou seja eacute preciso que o julgamento se desenvolva com as

imprescindiacuteveis garantias processuais entre as quais o contraditoacuterio o uso dos meios de

prova garantidos em geral a presenccedila do juiz natural a publicidade o duplo grau de

jurisdiccedilatildeo264

Nesse sentido a liccedilatildeo de Rogeacuterio Lauria Tucci segundo a qual o inciso LIV do art

5ordm da Constituiccedilatildeo Federal ao prescrever que ldquoningueacutem poderaacute ser privado da liberdade

ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo exige que seja assegurado ao indiviacuteduo

envolvido numa persecutio criminis amplo e irrestrito acesso ao juiz natural sendo-lhe

garantida a participaccedilatildeo durante todo o iter procedimental em condiccedilotildees equacircnimes agraves dos

agentes estatais da persecuccedilatildeo penal e em inexoraacutevel contraditoriedade tudo isso num

prazo razoaacutevel265

As defesas previstas pela Constituiccedilatildeo aos direitos fundamentais e que consistem

no sistema organizado de proteccedilatildeo agrave seguranccedila agrave vida humana e agrave liberdade humanas

assumem importacircncia maior exatamente no processo penal266

Segundo Antonio Scarance Fernandes a garantia do devido processo legal antes

mesmo de ser especificada na Constituiccedilatildeo jaacute tinha vasta incidecircncia no processo penal267

Assim ldquoreservando o Estado para si o direito de punir como limite primeiro agrave accedilatildeo

estatal assegurou-se ao acusado que a sanccedilatildeo penal soacute lhe seria imposta por oacutergatildeo

260

IBID p 27 261

IBID p 25 262

IBID p 25-26 263

IBID p 26 264

IBID p 26 265

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 76 266

GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades p 27 267

FERNANDES Antonio Scarance Princiacutepios e Garantias Processuais Penais em 10 Anos de Constituiccedilatildeo

Federal In FERNANDES Antonio Scarance MORAES Alexandre de GOMES FILHO Antonio

Magalhatildees DALLARI Dalmo de Abreu TOJAL Sebastiatildeo Botto de Barros Os 10 anos da Constituiccedilatildeo

Federal temas diversos Satildeo Paulo Atlas 1999 p 192

57

jurisdicional e atraveacutes do regular processordquo268

isto eacute os textos constitucionais procuraram

assegurar ao indiviacuteduo o direito a um processo justo alcanccedilado por meio da ampla defesa

do contraditoacuterio da isonomia do juiz natural e de outras garantias deles derivadas

Especifica-se o devido processo penal de acordo com Rogeacuterio Lauria Tucci nas

seguintes garantias a) de livre acesso agrave Justiccedila Penal b) da previsatildeo de um juiz natural em

mateacuteria penal c) de tratamento em condiccedilotildees de igualdade das partes do processo penal d)

da plenitude de defesa do indiciado acusado ou condenado com todos os meios e recursos

a ela inerentes e) da publicidade dos atos processuais f) da necessidade de motivaccedilatildeo dos

atos decisoacuterios penais g) da fixaccedilatildeo de prazo razoaacutevel de duraccedilatildeo do processo penal e h)

da legalidade da execuccedilatildeo penal269

Tais garantias tecircm como consequecircncia loacutegica necessaacuteria o fato de que o indiviacuteduo

natildeo pode ser privado de sua liberdade ou de outros bens correlatos sem a observacircncia do

devido processo penal devendo a accedilatildeo judiciaacuteria ser desenvolvida conforme ldquoo vigoroso e

incindiacutevel relacionamento entre as preceituaccedilotildees constitucionais e as normas penais tanto

de natureza substancial quanto de caraacuteter instrumentalrdquo de modo a tornar a atuaccedilatildeo da

justiccedila criminal eficaz natildeo soacute na imposiccedilatildeo e concretizaccedilatildeo da pena ou da medida de

seguranccedila mas sobretudo na afirmaccedilatildeo do ius libertatis270

E tudo isso segundo o autor com o absoluto vigor de trecircs pressupostos

fundamentais quais sejam os relativos agrave inadmissibilidade de sujeiccedilatildeo agrave persecutio

criminis sem que tenha de fato ocorrido a praacutetica de fato tiacutepico antijuriacutedico e culpaacutevel e

haja indiacutecios de autoria correspondentes (nulla informatio delicti sine crimen et culpa) agrave

jurisdicionalizaccedilatildeo da imposiccedilatildeo de pena ou de medida de seguranccedila (nulla poena sine

iudicio) e agrave impossibilidade de realizaccedilatildeo satisfativa do ius puniendi provisoacuteria ou

definitivamente antes de transitada em julgado sentenccedila condenatoacuteria (nulla executio sine

titulo)271

Daiacute o senso comum de que ao indiviacuteduo membro da coletividade deve ser

assegurado antes da imposiccedilatildeo de qualquer sanccedilatildeo penal o direito a um processo preacutevio

no mais das vezez precedido de procedimento investigatoacuterio e no qual garantidos (a) a

268

IBID p 192 269

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo p 70 270

IBID p 71 271

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 62

58

atuaccedilatildeo de oacutergatildeo jurisdicional previamente designado pela lei para o respectivo

julgamento independente e imparcial (b) a previsatildeo em lei vigente regularmente

elaborada e promulgada de um procedimento destinado persecuccedilatildeo penal de fato tido

como penalmente relevante (c) o proferimento de decisatildeo puacuteblica e motivada em prazo

razoaacutevel (d) a correlaccedilatildeo entre a acusaccedilatildeo e a sentenccedila de meacuterito (e) a possibilidade de

reexame dos fatos e de sua qualificaccedilatildeo juriacutedica versado nos atos decisoacuterios desfavoraacuteveis

ao imputado (f) a oportunidade de ampla defesa com todos os meios e recursos a ela

inerentes tanto material quanto tecnicamente e (g) a presunccedilatildeo de inocecircncia isto eacute o natildeo

reconhecimento da culpabilidade do indiciado ou acusado enquanto natildeo transitada em

julgado a sentenccedila condenatoacuteria272

Como observado o princiacutepio do devido processo pode ser percebido como uma

ldquomegagarantia dos direitos fundamentaisrdquo273

Isso indica desde logo que o ldquojustordquo

processo eacute composto de muitas e incontaacuteveis garantias que se consubstanciam em

princiacutepios regras normas direitos ou proibiccedilotildees que como formalidades prescritas em lei

objetivam disciplinar o regular desenvolvimento do processo com vistas agrave soluccedilatildeo de um

conflito de interesses274

No contexto do devido processo criminal igualmente muacuteltiplas

satildeo as garantias que se encontram reunidas de forma harmocircnica sob um denominador

comum275

Neste trabalho natildeo temos a pretensatildeo de examinar cada uma dessas garantias

Buscaremos abordar de forma breve aquelas que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que

entendemos mais relevantes para o desenvolvimento do presente estudo por guardarem

relaccedilatildeo direta com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa

a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador

2 Direito de defesa

O inciso LV do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal considerando e especificando a

272

IBID p 62 273

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 274

IBID p 189 275

IBID p 189

59

garantia do devido processo legal assegura aos litigantes em processo judicial ou

administrativo e aos acusados em geral o contraditoacuterio e a ampla defesa com os meios e

recursos a ela inerentes

A garantia da ampla defesa ldquoconsiderada universalmente como um postulado

eterno eacute tambeacutem uma das exigecircncias em que se consubstancia o due process of lawrdquo 276

Tal previsatildeo do direito agrave ampla defesa constitui inovaccedilatildeo trazida pela atual

Constituiccedilatildeo brasileira uma vez que se trata de claacuteusula presente nas Constituiccedilotildees

anteriores277

Desde o Impeacuterio eacute ela citada 1824 art 179 VIII278

1891 art 72 sect 16279

1934

art 113 n 24280

1937 art 122 n 11 segunda parte281

1946 art 141 sect 25282

1967 art

150 sect 15283

e com a Emenda de 1969 art 153 sect 15 ora relacionando-se agrave nota de culpa

como ocorreu em 1824 1891 1937 e 1946 ora ligando-se agrave instruccedilatildeo criminal como em

1937 e 1946284

Tal vinculaccedilatildeo agrave nota de culpa ou instruccedilatildeo criminal gerava a impressatildeo de

que a garantia soacute se aplicava ao processo penal ideia essa que foi totalmente abandonada

com o novo texto constitucional que a estendeu expressamente a qualquer processo

judicial ou administrativo285

Para Antonio Scarance Fernandes o direito de defesa eacute tambeacutem garantia da proacutepria

justiccedila Segundo o autor eacute puacuteblico o interesse em que todos os reacuteus sejam adequadamente

276

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo

Saraiva 1993 p 203 277

FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2010 p 253 278

Art 179 VIII Ninguem poderaacute ser preso sem culpa formada excepto nos casos declarados na Lei e

nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisatildeo sendo em Cidades Villas ou outras

Povoaccedilotildees proximas aos logares da residencia do Juiz e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel

que a Lei marcaraacute attenta agrave extensatildeo do territorio o Juiz por uma Nota por elle assignada faraacute constar ao

Reacuteo o motivo da prisatildeo os nomes do seu accusador e os das testemunhas havendo-as 279

Art 72 sect 16 Aos acusados se asseguraraacute na lei a mais plena defesa com todos os recursos e meios

essenciais a ela desde a nota de culpa entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente

com os nomes do acusador e das testemunhas 280

Art 113 n 24 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os meios e recursos essenciais a esta 281

Art 122 n11 segunda parte Ningueacutem poderaacute ser conservado em prisatildeo sem culpa formada senatildeo pela

autoridade competente em virtude de lei e na forma por ela regulada a instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria

asseguradas antes e depois da formaccedilatildeo da culpa as necessaacuterias garantias de defesa 282

Art 141 sect 25 Eacute assegurada aos acusados plena defesa com todos os meios e recursos essenciais a ela

desde a nota de culpa que assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das

testemunhas seraacute entregue ao preso dentro em vinte e quatro horas A instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria 283

Art 150 sect 15 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os recursos a ela Inerentes Natildeo haveraacute

foro privilegiado nem Tribunais de exceccedilatildeo 284

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 253 285

IBID p 253

60

defendidos pois soacute assim seraacute garantido efetivo contraditoacuterio imprescindiacutevel para o

alcance de uma soluccedilatildeo justa286

O direito de defesa deve ser vislumbrado dessa forma natildeo soacute a partir do acircmbito de

interesse do acusado mas tambeacutem da esfera de interesse da coletividade jaacute que ldquointeressa

agrave coletividade a dialeticidade do procedimento penal com verificaccedilotildees negativas em caso

de natildeo constituir o delito uma fonte de responsabilidaderdquo287

A ampla defesa consiste pois ldquona oportunidade de o reacuteu contraditar a acusaccedilatildeo

atraveacutes da previsatildeo legal de termos processuais que possibilitem a eficiecircncia da

defesardquo288

traduzindo-se objetivamente em algumas soluccedilotildees teacutecnicas dentro do processo

que proporcionam maior efetividade agrave garantia

Assim reputam-se meios inerentes agrave ampla defesa a) o conhecimento claro da

imputaccedilatildeo b) a apresentaccedilatildeo de alegaccedilotildees contra a acusaccedilatildeo c) o acompanhamento da

produccedilatildeo da prova e a possibilidade de fazer contraprova d) a disponibilizatildeccedilatildeo de defesa

teacutecnica por advogado cuja funccedilatildeo aliaacutes agora eacute essencial agrave Administraccedilatildeo da Justiccedila e e)

a possibilidade de recorrer de decisatildeo desfavoraacutevel289

Rogeacuterio Lauria Tucci por sua vez entende que o conceito moderna da garantia da

ampla defesa exige indiscutivelmente a conjugaccedilatildeo de trecircs realidades procedimentais

distintas para sua efetivaccedilatildeo a saber a) o direito agrave informaccedilatildeo b) a bilateralidade da

audiecircncia (contraditoriedade) c) o direito agrave prova legitimamente obtida ou produzida

(comprovaccedilatildeo da inculpabilidade)290

A garantia da ampla defesa eacute induvidosamente uma das mais complexas jaacute que a

ela satildeo reconduziacuteveis dentre outras as seguintes garantias miacutenimas a) da informaccedilatildeo

pessoal do inteiro teor da acusaccedilatildeo b) da autodefesa c) da defesa teacutecnica d) do prazo

razoaacutevel para a preparaccedilatildeo da defesa com os meios necessaacuterios e adequados e) a proibiccedilatildeo

do cerceamento de defesa e f) da natildeo autoincriminaccedilatildeo291

286

IBID p 260 287

BATALHA Sergio Fedato Principiologia Para um Devido Processo Penal Constitucional A Ampla

defesa e o contraditoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Consulta realizada em 05062013 288

GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 126 289

IBID p 110 290

TUCCI Rogeacuterio Lauria Op cit p 205 291

GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro

e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema

61

Em sede processual penal a ampla defesa natildeo pode ser apartada do binocircmio

autodefesa - defesa teacutecnica292

Por isso a previsatildeo da ampla defesa nas Constituiccedilotildees

pressupotildee necessariamente para a adequada observacircncia desse comando sejam

assegurados o direito agrave defesa teacutecnica durante todo o processo e o direito de autodefesa

colocando-se ambos em relaccedilatildeo de diversidade e complementaridade293

A garantia da defesa pessoal estaacute prevista tanto no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos (artigo 143d294

) como na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

(artigo 82d295

) Como integrantes da autodefesa podem ser citados o direito de audiecircncia

sobretudo no interrogatoacuterio o direito a inteacuterprete ou tradutor o direito de presenccedila nos atos

processuais o direito de participaccedilatildeo dialeacutetica na audiecircncia o direito de comunicaccedilatildeo livre

e reservada com o defensor bem como o direito de postulaccedilatildeo pessoal296

Pode-se dizer ainda que a garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo nada mais eacute que

expressatildeo passiva da autodefesa e consequentemente da ampla defesa jaacute que o acusado

pode exercer a autodefesa de duas formas ativa expondo sua versatildeo sobre os fatos no

intuito de influenciar na decisatildeo final ou passiva natildeo se autoincriminando297

A garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo por sua vez possui duas formas de

manifestaccedilatildeo direito de natildeo declarar contra si mesmo e direito de natildeo confessar298

ambas

interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 210 292

BATALHA Sergio Fedato Op cit 293

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 258 No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes ldquoA ampla

defesa compreende dentre tantas outras garantias e tal como reconhece a communis opinio doctorum a

autodefesa e a defesa teacutecnicardquo GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos

sistemas juriacutedico brasileiro e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN

Flaacutevia (Coord) O sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo

RT 2000 p 210 294

Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as

seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio

de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e

sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo

tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 295

Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias

miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua

escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 296

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 210 297

IBID p 221 298

IBID p 221

62

devidamente consagradas tanto no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos299

como na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos300

Natildeo se pode perder de vista a previsatildeo do artigo 5ordm LXIII da Constituiccedilatildeo Federal

que assegura ao preso301

o direito ao silecircncio com a qual tais dispositivos devem ainda ser

conciliados302

O direito de silecircncio segundo Aury Lopes Jr eacute apenas expressatildeo de uma garantia

muito mais ampla insculpida no princiacutepio nemo tenetur se detegere segundo o qual o

sujeito passivo natildeo pode sofrer nenhum prejuiacutezo juriacutedico por natildeo colaborar com a

atividade probatoacuteria da acusaccedilatildeo ou por exercer o seu direito de silecircncio por ocasiatildeo do

interrogatoacuterio303

Em outros termos o exerciacutecio do direito de silecircncio natildeo pode acarretar

nenhuma presunccedilatildeo de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuiacutezo juriacutedico para o

imputado304

Eacute portanto por meio destas accedilotildees que se daacute a atuaccedilatildeo do sujeito no sentido de

contrapor-se pessoalmente agrave pretensatildeo estatal defendendo a si mesmo como indiviacuteduo

singular fazendo valer seu criteacuterio individual e seu interesse privado305

Jaacute a garantia da defesa teacutecnica vem insculpida em vaacuterios mandamentos legais

internacionais Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (artigos 82d306

e 82e307

)

299

ARTIGO 14 3 Toda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualdade a pelo menos as

seguintes garantias g) de natildeo ser obrigada a depor contra si mesma nem a confessar-se culpada 300

Artigo 8 2 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se

comprove legalmente sua culpa Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves

seguintes garantias miacutenimas g) direito de natildeo ser obrigado a depor contra si mesma nem a declarar-se

culpada () 301

Apesar de a Constituiccedilatildeo referir-se ao ldquopresordquo a doutrina estende esse direito a todos os infratores Natildeo

somente ao preso mas a todos eacute conferido o direito ao silecircncio Nesse sentido ldquoO direito ao silecircncio aleacutem

de estar contido na ampla defesa encontra abrigo no artigo 5ordm LXIII da CF que ao tutelar o estado mais

grave (preso) obviamente abrange e eacute aplicaacutevel ao sujeito passivo em liberdaderdquo LOPES JR Aury

Introduccedilatildeo criacutetica ao processo penal fundamentos da instrumentalidade garantista 3 ed Rio de Janeiro

Lumen Juris 2005 p 238 302

IBID p 238 303

IBID p 242 304

IBID p 242 305

IBID p 237 306

Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias

miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua

escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 307

Artigo 82e direito irrenunciaacutevel de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado

remunerado ou natildeo segundo a legislaccedilatildeo interna se o acusado natildeo se defender ele proacuteprio nem nomear

defensor dentro do prazo estabelecido pela lei

63

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (artigos 143d e 143d in fine308

) e

Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (artigo XI309

)

Quanto ao direito interno a garantia da defesa teacutecnica eacute contemplada tanto

constitucionalmente (CF artigo 5ordm LXIII ldquoo preso seraacute informado de seus direitos ()

sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo CF artigo 5ordm LXXIV ldquoo

Estado prestaraacute assistecircncia juriacutedica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiecircncia

de recursosrdquo) quanto em acircmbito infraconstitucional (CPP artigo 263 ldquoSe o acusado natildeo o

tiver ser-lhe-aacute nomeado defensor pelo juiz ressalvado o seu direito de a todo tempo

nomear outro de sua confianccedila ou a si mesmo defender-se caso tenha habilitaccedilatildeordquo)

Sua justificaccedilatildeo decorre da necessidade de equiliacutebrio funcional entre defesa e

acusaccedilatildeo e tambeacutem da fundada presunccedilatildeo de hipossuficiecircncia do sujeito passivo que via

de regra natildeo tem conhecimentos necessaacuterios e suficientes para resistir agrave pretensatildeo estatal

em condiccedilotildees teacutecnicas paritaacuterias com o acusador310

A defesa teacutecnica ao contraacuterio da autodefesa eacute considerada indisponiacutevel pois aleacutem

de ser uma garantia do sujeito passivo consubstancia interesse coletivo na correta

apuraccedilatildeo do fato311

Nesse sentido Ada Pellegrini Grinover leciona que a defesa teacutecnica eacute claramente

indisponiacutevel ldquona medida em que mais do que garantia do acusado eacute garantia da

paridade de armas indispensaacutevel agrave concreta atuaccedilatildeo do contraditoacuterio e

consequentemente agrave proacutepria imparcialidade do juizrdquo312

Isso porque ldquoquanto mais atuante

e eficiente forem ambas as partes mais alheio ficaraacute o julgadorrdquo313

Assim para o prudente e amplo exerciacutecio da defesa eacute indispensaacutevel a presenccedila da

defesa teacutecnica que deve ser exercida por advogado ldquoAleacutem do que o proacuteprio reacuteu

308

Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as

seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio

de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e

sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo

tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 309

Artigo XI 1 Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente ateacute que a

sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei em julgamento puacuteblico no qual lhe tenham sido

asseguradas todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa 310

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 233 311

IBID p 234 312

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p09 313

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 234

64

pessoalmente possa trazer a seu favor deve ele ainda que natildeo queira ser acompanhado

de advogado o qual deve ser intimado de todos os atos processuaisrdquo314

Por isso prevecirc o Coacutedigo de Processo Penal expressamente no art 261 a

necessidade de defensor ldquoNenhum acusado ainda que ausente ou foragido seraacute

processado ou julgado sem defensorrdquo

Jaacute a autodefesa exercida pelo proacuteprio reacuteu conquanto relevante seu aspecto de

garantia constitucional manifestando-se no processo de diferentes maneiras dentre elas o

direito de audiecircncia o direito de presenccedila e o direito a postular pessoalmente eacute

considerada renunciaacutevel natildeo podendo ser imposta ao reacuteu315

Nesse sentido salienta Antonio Scarance Fernandes que ldquoa autodefesa ainda que

natildeo possa ser dispensada eacute renunciaacutevel natildeo podendo o reacuteu ser obrigado a comparecer

para o interrogatoacuterio ou para a realizaccedilatildeo de atos processuaisrdquo316

Como vimos portanto satildeo decorrecircncias da ampla defesa constitucional aleacutem da

defesa teacutecnica a garantia da autodefesa o direito a natildeo se incriminar e o direito ao

silecircncio Pode se dizer assim na esteira do entendimento de Vicente Greco Filho que a

ampla defesa com os recursos a ela inerentes eacute a garantia mais importante para o

desenvolvimento e a estrutura do processo penal e ao redor da qual ele gravita317

21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica assegurou o exerciacutecio do direito de defesa aos

acusados em geral inclusive nos processos administrativos

A menccedilatildeo pela Constituiccedilatildeo a acusados e natildeo indiciados natildeo pode ser utilizada

como obstaacuteculo agrave sua aplicaccedilatildeo na investigaccedilatildeo preliminar318

Isso porque a expressatildeo

usada natildeo foi meramente ldquoacusadosrdquo mas ldquoacusados em geralrdquo devendo nela ser

314

GRECO FILHO Vicente Op cit p 129 315

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 268 316

IBID p 268 317

GRECO FILHO Vicente Op cit p 126 318

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251

65

compreendida tambeacutem o indiciamento que nada mais que uma imputaccedilatildeo em sentido

amplo319

Para Marta Saad a expressatildeo ldquoacusados em geralrdquo envolve niacuteveis distintos de

incriminaccedilatildeo bastando para que se tenha acusaccedilatildeo e acusado a atribuiccedilatildeo ainda que de

maneira informal a praacutetica de determinado iliacutecito a uma pessoa320

Natildeo devem subsistir duacutevidas pois de que o termo ldquoacusados em geralrdquo utilizado

pelo constituinte originaacuterio engloba o procedimento administrativo apuratoacuterio da infraccedilatildeo

penal321

Ainda deve-se entender a expressatildeo ldquoprocesso administrativordquo como

ldquoprocedimento administrativordquo que abrange o inqueacuterito policial - forma mais utilizada de

persecuccedilatildeo penal preliminar ou preacutevia no direito brasileiro322

- portanto uma vez que se

trata de procedimento administrativo com finalidade judiciaacuteria323

Na verdade a ampla defesa deve ser amoldada tambeacutem pelo novo paradigma

constitucional de valorizaccedilatildeo dos direitos fundamentais e de irradiaccedilatildeo da forccedila normativa

constitucional324

A ordem constitucional iniciada em 1988 impotildee a supremacia da

dignidade da pessoa humana325

Com isso abrem-se as portas para o modelo garantista de

processo penal de modo a conter os abusos e arbitrariedades do antigo modelo inquisitoacuterio

de processo penal326

Nesse sentido de acordo com Aury Lopes Jr a postura do legislador constitucional

no artigo 5ordm LV foi nitidamente garantidora e o equiacutevoco terminoloacutegico (falar em

processo administrativo quando deveria ser procedimento) natildeo pode servir de empecilho

para sua aplicaccedilatildeo no inqueacuterito policial327

319

IBID p 251 320

SAAD Marta O direito p 367 321

BATALHA Sergio Fedato Op cit 322

Na fase preacute-processual desenvolve-se a investigaccedilatildeo preliminar cujo modelo adotado no Brasil eacute o

policial atraveacutes do inqueacuterito policial LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 250 323

SAAD Marta O direito p 367 324

BATALHA Sergio Fedato Op cit 325

IBID 326

IBID 327

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251

66

Ademais buscando a maacutexima eficaacutecia do artigo 5ordm LV da Constituiccedilatildeo Federal

bem como a necessaacuteria conformidade do Coacutedigo de Processo Penal a ela inafastaacutevel a

incidecircncia do direito de defesa no inqueacuterito policial328

Assim o inqueacuterito policial natildeo obstante ser um procedimento administrativo e natildeo

um processo deve tambeacutem respeitar os direitos fundamentais do indiciado329

sobretudo

aqueles decorrentes do direito de defesa330

Como jaacute observado no inqueacuterito policial satildeo abrigados aleacutem de atos de

investigaccedilatildeo tambeacutem atos de instruccedilatildeo criminal de caraacuteter transitoacuterio ou definitivo331

A possiblidade de exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial por meio da

pronta participaccedilatildeo do acusado e de seu defensor nessa fase procedimental deve ser

reconhecida sobretudo tendo em vista os inuacutemeros atos que ocasionam restriccedilatildeo a direitos

constitucionalmente assegurados podendo ser citados a prisatildeo preventiva a prisatildeo

temporaacuteria a proacutepria prisatildeo em flagrante delito a busca pessoal ou domiciliar a

apreensatildeo o arresto e o sequestro de bens a quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e das

comunicaccedilotildees o indiciamento bem como diante da possibilidade de serem praticados de

atos de instruccedilatildeo de caraacuteter definitivo332

Tudo isso vale ressaltar independe do

estabelecimento de contraditoacuterio333

Aleacutem disso ao indiciado ou formalmente acusado deve ser reconhecido o status

de sujeito de direitos durane todo o procedimento natildeo podendo como consequecircncia ser

tratado como objeto alheio ao inqueacuterito334

328

IBID p 250-251 329

MOREIRA Rocircmulo de Andrade O Supremo Tribunal Federal e o sigilo no inqueacuterito policial Disponiacutevel

em wwwibccrimorgbr Acesso em 28 mai 2013 330

ldquoA praacutetica demonstra que algumas manifestaccedilotildees do direito de defesa mdash uso do direito ao silecircncio habeas

corpus e mandado de seguranccedila pedido de relaxamento da prisatildeo e de liberdade provisoacuteria mdash satildeo

reconhecidas e exercidas jaacute nessa fase procedimental muito embora em contrapartida se tenha enraizado a

crenccedila infundada de que o inqueacuterito eacute peccedila inquisitiva e informativa que natildeo admite defesardquo SAAD Marta

Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash 2006 De acordo

com Aury Lopes Jr o exerciacutecio do habeas corpus e mandado de seguranccedila corporificam o exerciacutecio de defesa

fora do inqueacuterito policial consistindo em atuaccedilatildeo exoacutegena da defesa teacutecnica LOPES JR Aury

Introduccedilatildeo p 235 331

ldquoA partir da instauraccedilatildeo do inqueacuterito policial inuacutemeros atos que acarretam restriccedilatildeo a direitos

constitucionalmente assegurados podem ocorrer em desfavor do acusado tais como os decretos de prisatildeo

preventiva e temporaacuteria a decretaccedilatildeo de medidas cautelares a determinaccedilatildeo do indiciamento e por fim a

possiacutevel formalizaccedilatildeo da acusaccedilatildeordquo SAAD Marta O direito p 199 332

IBID p 366 333

SAAD Marta Exerciacutecio 334

ID O direito p 366

67

Nessa perspectiva tendo-se em conta o informalmente acusado como sujeito do

inqueacuterito e natildeo apenas como sujeito ao inqueacuterito tem ele direito de defesa de ser

considerado inocente de natildeo ser forccedilado a produzir prova contra si mesmo de escolher

defensor e ser por ele assistido sendo ldquointoleraacutevel portanto se tratar o interessado o

envolvido o indiciado ou o futuro demandado quais estranhos em procedimento

apuratoacuterio de fatos que podem lhes atingir a esfera de direitosrdquo335

O exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial eacute de suma relevacircncia sendo

imprescindiacutevel a sua garantia jaacute nesse momento336

Para o satisfatoacuterio exerciacutecio da defesa devem ser asseguradas necessariamente a

ciecircncia ao acusado da imputaccedilatildeo e de todo o conteuacutedo dos atos de instruccedilatildeo constantes do

inqueacuterito a assistecircncia de advogado e a possibilidade de exerciacutecio do direito ao silecircncio337

Assim a defesa praticada no inqueacuterito policial deve ser compreendida de forma

ampla como resistecircncia ou oposiccedilatildeo de forccedilas podendo o acusado contestar todas as

acusaccedilotildees exisetentes contra si com o auxiacutelio de advogado a faculdade de manter-se em

silecircncio e a admissibilidade de produccedilatildeo de provas necessaacuterias agrave comprovaccedilatildeo de sua

inocecircncia ou de sua culpabilidade diminuiacuteda338

A autodefesa nessa fase em regra se concretiza no interrogatoacuterio policial do

acusado339

De acordo com Aury Lopes Jr a denominada defesa pessoal ou autodefesa

manifesta-se de vaacuterias formas mas tem no interrogatoacuterio policial um de seus momentos de

maior relevacircncia jaacute que eacute o momento em que ao sujeito passivo eacute dada a oportunidade de

atuar de forma efetiva expressando as causas e explicaccedilotildees fato a ele imputado ou

alegando negativas de autoria e de materialidade340

De par com essa atuaccedilatildeo que supotildee o interrogatoacuterio tambeacutem eacute possiacutevel uma total

omissatildeo um atuar pois negativo atraveacutes do qual o imputado se nega a declarar341

335

TJSP Apelaccedilatildeo com Revisatildeo 9154560-7819998260000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Barreto

Fonseca Rel designado Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo data de julgamento 06112000 Data de

registro 12022001 336

SAAD Marta O direito p 202 337

ID Exerciacutecio 338

ID O direito p 367 339

IBID p 368 340

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 341

IBID p 237

68

podendo manter-se em silecircncio jaacute que natildeo haacute para ele dever de veracidade342

Natildeo apenas

pode o imputado se negar a declarar mas tambeacutem pode se negar a fornecer a mais iacutenfima

contribuiccedilatildeo para a atividade probatoacuteria realizada pelos oacutergatildeos estatais de investigaccedilatildeo343

podendo portanto negar-se a participar de reconhecimento acareaccedilatildeo ou reproduccedilatildeo

simulada dos fatos assim como a fornecer material para periacutecia ou exibir documento344

A autodefesa contudo eacute incapaz de por si soacute garantir a defesa

constitucionalmente assegurada devido ao inevitaacutevel comprometimento emocional do

acusado e de sua falta de conhecimento teacutecnico345

Por isso a autodefesa exercida pelo proacuteprio acusado e a defesa teacutecnica exercida

por profissional habilitado devem tambeacutem no plano investigativo atuar em relaccedilatildeo de

complementaridade

Ainda no inqueacuterito policial portanto jaacute deve se fazer presente a defesa teacutecnica

com a presenccedila de advogado constituiacutedo para acompanhamento das investigaccedilotildees que a

teor do artigo 14 do CPP346

poderaacute sugerir a realizaccedilatildeo de diligecircncias que seratildeo realizadas

ou natildeo a cargo da autoridade policial ldquoO acusado deve poder contar pois com

assistecircncia de advogado legalmente habilitado zeloso e competente na real defesa dos

interesses de sua liberdade juriacutedicardquo347

Durante todo o inqueacuterito policial isto eacute em todos os seus atos pode o defensor

interceder no intuito de zelar pela sua regularidade formal sobretudo atuando ao lado da

poliacutecia na coleta de atos de instruccedilatildeo definitivos e irrepetiacuteveis348

O sigilo do inqueacuterito

policial eventualmente decretado natildeo mais se aplica ao acusado nem ao seu defensor a

quem eacute assegurada a possibilidade de consulta e reproduccedilatildeo dos autos349

Consagrando tal

prerrogativa o Supremo Tribunal Federal editou em 2009 a suacutemula vinculante 14 com o

seguinte enunciado ldquoEacute direito do defensor no interesse do representado ter acesso amplo

aos elementos de prova que jaacute documentados em procedimento investigatoacuterio realizado

342

Tal direito encontra restriccedilatildeo apenas no tocante agrave sua identidade natildeo podendo o acusado mentir sobre ela

ou se recusar a fornecer seus documentos ou impressatildeo digital se preciso for SAAD Marta O direito p

368 343

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 344

SAAD Marta O direito p 368 345

IBID p 202 346

Art 14 O ofendido ou seu representante legal e o indiciado poderatildeo requerer qualquer diligecircncia que

seraacute realizada ou natildeo a juiacutezo da autoridade 347

SAAD Marta O direito p 202 348

IBID p 369 349

IBID p 369

69

por oacutergatildeo com competecircncia de poliacutecia judiciaacuteria digam respeito ao exerciacutecio do direito

de defesardquo350

Pode o defensor ainda livre e reservadamente reunir-se com o acusado antes do

interrogatoacuterio bem como propor a produccedilatildeo de meios de prova e providecircncias cujo

deferimento eacute direito subjetivo do acusado desde que o pedido natildeo seja faticamente

impraticaacutevel ou inuacutetil351

Natildeo se nega assim que as diligecircncias realizadas durante a investigaccedilatildeo criminal

possam ser sigilosas excepcionalmente para que natildeo seja prejudicada a descoberta de

elementos de informaccedilatildeo como a autoria e a materialidade delitiva352

No entanto no

intuito de natildeo se desprezar a garantia constitucional agrave ampla defesa o mesmo rigor natildeo

deve ser imposto ao que se refere aos atos de instruccedilatildeo jaacute documentados353

Exatamente por tratar-se o inqueacuterito uma etapa relevante para a reuniatildeo de meios de

provas inclusive com a praacutetica de atos que natildeo mais seratildeo repetidos ao acusado deve ser

proporcionada a assistecircncia de defensor jaacute nessa fase preliminar formulando apropriada e

tempestivamente sua defesa354

Dessa forma no contexto das garantias constitucionais eacute imperioso que seja

garantido ao acusado esteja ele preso ou em liberdade o direito agrave defesa teacutecnica exercida

por defensor legalmente habilitado na efetiva proteccedilatildeo de seus interesses Aleacutem disso ao

Estado incumbe formecer defesa dativa ao acusado que natildeo dispuser de seu proacuteprio

defensor355

Eacute vaacutelido ressaltar que apesar do direito de defesa ser apreendido como meio de

resguardo da liberdade esta visatildeo natildeo reflete a sua real dimensatildeo Afinal sob o enfoque da

sociedade que tem como fim uacuteltimo a paz social e como tal comprometida apenas com a

condenaccedilatildeo do sujeito comprovadamente culpado deve-se salientar que o direito de defesa

350

O enunciado do STF complementa a Carta Constitucional afirmando que o defensor deve ter acesso aos

autos de inqueacuterito policial pelo fato de tais documentos formarem conjunto probatoacuterio sobre o qual o

defensor em muitos momentos natildeo tinha acesso ou o tinha de forma restrita 351

SAAD Marta O direito p 369 352

FERREIRA Regina Cirino Alves Suacutemula vinculante reconhece acesso do defensor em inqueacuterito policial

Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr 353

IBID 354

SAAD Marta O direito p 200-201 355

IBID p 368-369

70

no inqueacuterito policial tanto em seu aspecto de autodefesa quanto de defesa teacutecnica podem

evitar que sejam aforadas acusaccedilotildees inveriacutedicas imprudentes ou apressadas356

ldquoPodendo opor-se agraves provas coligidas e oferecer sua versatildeo acerca dos

fatos apurados impugnar a classificaccedilatildeo do delito atribuiacuteda pela autoridade

policial fazer-se acompanhar sempre por defensor para solicitar a produccedilatildeo de

diligecircncias em seu favor e principalmente ter ciecircncia de seus direitos

constitucionais e exercecirc-los desde logo o acusado e tambeacutem a justiccedila penal soacute tecircm

a ganhar357

Ele por cuidar de afastar possiacutevel acusaccedilatildeo formal a Justiccedila por se

precaver melhor contra acusaccedilotildees infundadasrdquo358

Desse modo em que pesem alguns posicionamentos ainda no sentido da

desnecessidade do exerciacutecio do direito de defesa em sede de inqueacuterito este deve ser

respeitado durante toda a persecuccedilatildeo penal

3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia

Outro princiacutepio de particular significaccedilatildeo no campo penal359

eacute o da presunccedilatildeo de

inocecircncia inscrito pela primeira vez em nossos textos constitucionais pelo art 5ordm inciso

LVII da Carta de 1988 ldquoningueacutem seraacute considerado culpado ateacute o tracircnsito em julgado de

sentenccedila condenatoacuteriardquo

356

IBID p 204 357

ID Exerciacutecio 358

IBID 359

ldquoMas que se aplica a qualquer processo de caraacuteter punitivo pense-se por exemplo no administrativo ou

trabalhistardquo GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios e garantias constitucionais In LIMA Marcellus

Polastri SANTIAGO Nestor Eduardo Araruna (Coord) A renovaccedilatildeo processual penal apoacutes a Constituiccedilatildeo

de 1988 Estudos em homenagem ao Professor Joseacute Barcelos de Souza Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p

11

71

Historicamente a presunccedilatildeo de inocecircncia ou conforme preferem alguns presunccedilatildeo

de natildeo culpabilidade360

esteve ligada agrave superaccedilatildeo das formas processuais comuns ao

ancien regimen e agrave Inquisiccedilatildeo nas quais o reacuteu era apontado como o objeto do processo

sobre ele incidindo uma presunccedilatildeo de culpabilidade e natildeo de inocecircncia361

As origens desse princiacutepio satildeo portanto antigas sendo afirmado por influecircncia do

Cristianismo jaacute no proacuteprio direito romano Posteriormente foi reconhecido pela tradiccedilatildeo da

common law em virtude das claacuteusulas de proteccedilatildeo dos suacuteditos ingleses afirmadas na

Magna Carta362

Delineado a princiacutepio a partir do ideal iluminista foi consagrado pela Declaraccedilatildeo

dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo de 1789 cujo artigo 9 afirmava ldquoTout homme eacutetant

preacutesumeacute innocent srsquoil est indispensable de lrsquoarreter tout rigueur qui ne serait paacutes

necessaire pour srsquoassurer de sa personne doit ecirctre seacuteveacuterement reprimeacutee par la loirdquo vindo

a ser incorporado posteriormente por vaacuterios ordenamentos juriacutedicos nacionais e no

periacuteodo poacutes-guerra por diversos documentos internacionais363

de proteccedilatildeo dos direitos

humanos364

Hoje sobretudo a partir da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (1948) a

presunccedilatildeo de inocecircncia constitui direito fundamental frequentemente assegurado nos

textos internacionais e nas Constituiccedilotildees modernas365

De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a finalidade da inserccedilatildeo

constitucional da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute poliacutetico-ideoloacutegica366

isto eacute o legislador

constituinte ao consagraacute-la em niacutevel constitucional ldquodemonstrou uma escolha juspoliacutetica

360

ldquoHaacute um consenso em se admitir que no atual sistema juriacutedico brasileiro as expressotildees lsquopresunccedilatildeo de

inocecircnciarsquo e lsquonatildeo consideraccedilatildeo preacutevia de culpabilidadersquo satildeo expressotildees equivalentes Por forccedila

constitucional afastam-se quaisquer inspiraccedilotildees ou limites ideoloacutegicos fascistas dessa segunda expressatildeo

tendo sido ela escolhida pelo constituinte para representar semanticamente aquilo que toda a tradiccedilatildeo

iluminista e mais modernamente a comunidade internacional atribuem agrave claacutessica expressatildeo ldquopresunccedilatildeo de

inocecircnciardquo inspirada pelos ideais de igualdade dignidade da pessoa humana e devido processo legalrdquo

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 221 361

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 145-146 362

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 363

ldquoTodo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente ateacute que sua culpa

fique legalmente comprovada em um julgamento puacuteblico no qual todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa

tenham sido asseguradasrdquo (DUDH art XI) ldquoToda pessoa acusada de uma infraccedilatildeo penal deve ser

considerada inocente ateacute que sua culpa seja judicialmente comprovadardquo (PIDCP art 142) ldquoToda pessoa

acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se comprove legalmente sua

culpardquo (CADH art 82) 364

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 146 365

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 366

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 355

72

clara a persecutio criminis deve ter em todos os seus instantes um cunho garantidor e

igualitaacuterio ao imputado natildeo se admitindo mais um sistema autoritaacuterio e desigual tiacutepico de

regimes despoacuteticosrdquo367

Assim ldquoa funccedilatildeo da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute servir de eixo estrutural de um

processo penal a ser feito conforme ao determinado pela Constituiccedilatildeordquo368

Antonio Magalhatildees Gomes Filho define a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquoprinciacutepio

informador do ordenamentordquo em que o processo penal configura mecanismo de aplicaccedilatildeo

de sanccedilotildees punitivas num sistema juriacutedico no qual sejam assegurados essencialmente os

valores intriacutensecos agrave liberdade e agrave dignidade da pessoa humana369

Trata-se pois de

ldquopreceito geral informado pelos valores de respeito agrave dignidade e liberdade da pessoa

humana que deve ser observado em todas as atividades relacionadas agrave persecuccedilatildeo

criminal no Estado de Direito e do qual podem ser extraiacutedas importantes garantiasrdquo370

Nesse sentido a garantia de que seraacute preservado o estado de inocecircncia ateacute o tracircnsito

em julgado da sentenccedila condenatoacuteria gera consequecircncias no tratamento da parte passiva

no ocircnus da prova e na exigecircncia de que a confirmaccedilatildeo do delito e a aplicaccedilatildeo da pena dar-

se-atildeo somente por intermaacutedio de um processo com todas as garantias e atraveacutes de uma

sentenccedila fundamentada371

Por isso de acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a concepccedilatildeo da presunccedilatildeo de

inocecircncia sob a comcepccedilatildeo constitucional de um acircmbito de proteccedilatildeo vasto compreende

um significado relacionado mais diretamente com a figura do imputado a que ele

denomina ldquonorma de tratamentordquo e outros dois significados mais ligados agrave mateacuteria

probatoacuteria que se subdividem em ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma probatoacuteriardquo372

373

367

IBID p 355 368

IBID p 358 369

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo de Inocecircncia Princiacutepio e Garantias In Escritos em

homenagem a Alberto Silva Franco Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 128 370

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 371

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 188 372

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 424 Para Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra da

presunccedilatildeo de inocecircncia tem dupla aplicaccedilatildeo A primeira relaciona-se ao tratamento processual e social a

ser dispensado ao reacuteu que para todos os efeitos e perante todos deve ser considerado inocente ateacute que a

condiccedilatildeo resolutiva representada pelo tracircnsito em julgado da sentenccedila condenatoacuteria autorize tratamento

diverso A segunda por seu turno estaacute associada ao acircmbito probatoacuterio que para muitos se relaciona com a

fixaccedilatildeo do ocircnus de provar imposto agrave acusaccedilatildeordquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 373

ldquoTal subdivisatildeo se justifica segundo o autor pois as diferenccedilas entre ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma

probatoacuteriardquo exigem estudo mais particularizado de cada uma dessas manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de

73

A garantia de ser tratado como inocente consiste resumidamente no fato de que o

acusado tem o direito de ser tratado como ldquonatildeo participante do fato imputadordquo374

Assegura pois que apenas apoacutes um julgamento ditado por oacutergatildeo judiciaacuterio

regularmente instituiacutedo e realizado com respeito agraves regras do devido processo seraacute

possiacutevel afirmar a culpa de algueacutem pela praacutetica de um crime e infligir-lhe a correspondente

sanccedilatildeo punitiva (nulla poena sine iudicio)375

Nesse sentido pode-se dizer que presunccedilatildeo de inocecircncia e devido processo legal

satildeo conceitos que se complementam exprimindo a concepccedilatildeo fundamental de que o

reconhecimento da culpabilidade requer natildeo apenas a existecircncia de um processo mas

acima de tudo de um processo justo onde o embate entre o poder punitivo estatal e o

direito liberdade do acusado seja feito em termos de equiliacutebrio376

E por forccedila dessas fundamentais restriccedilotildees ao poder punitivo estatal assegura

tambeacutem uma forma adequada de tratamento ao suspeito indiciado ou acusado que antes

do tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo natildeo pode estar sujeito a qualquer medida restritiva

de direitos que tenha como consequecircncia a equiparaccedilatildeo ao culpado377

Nesses termos em decorrecircncia da regra de tratamento todas as medidas coercitivas

antes ou durante o processo soacute se mostram plausiacuteveis quando haacute imperiosa necessidade e

desde que fundadas em fatos concretos378

Por isso no transcurso de toda a persecuccedilatildeo penal ndash desde a investigaccedilatildeo ateacute o

teacutermino do processo ndash natildeo satildeo admissiacuteveis providecircncias discriminatoacuterias que sejam

adotadas como antecipaccedilatildeo da puniccedilatildeo ou que objetivem a estigmatizaccedilatildeo do indiviacuteduo

como por exemplo o uso desnecessaacuterio de algemas a exposiccedilatildeo de imagens agrave miacutedia ou

outras condutas degradantes inconciliaacuteveis com a condiccedilatildeo de quem ainda natildeo foi

definitivamente julgado como autor de um crime379

inocecircncia permitindo identificar suas especificidades de conteuacutedo e efeitosrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide

de Presunccedilatildeo p 462 374

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 224 375

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 376

GOMES FILHO Magalhatildees Significados da Presunccedilatildeo de Inocecircncia In COSTA Joseacute de Faria SILVA

Marco Antonio Marques da (Coord) Direito Penal Especial Processo Penal e Direitos Fundamentais Visatildeo

Luso-Brasileira Satildeo Paulo Quartier Latin 2006 p 323 377

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12 378

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 225 379

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12

74

A prisatildeo processual natildeo obstante ser prevista por todas as legislaccedilotildees inclusive no

Brasil igualmente encontra um limite na presunccedilatildeo de inocecircncia sendo permitida somente

em situaccedilotildees excepcionais e desde que natildeo tenha intuitos sancionatoacuterios380

Nesse sentido de acordo com Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra dirige-se

tambeacutem ao julgador a quem cabe o respeito estrito agrave imparcialidade operativa ficando

pois proibido de realizar qualquer ato indicativo de adesatildeo preacutevia agrave tese acusatoacuteriardquo381

Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes essa eacute a forma mais tradicional de se

compreender a presunccedilatildeo de inocecircncia na cultura da Civil Law ou seja visualizaacute-la como

uma garantia ao cidadatildeo de que ele seraacute tratado durante toda a persecuccedilatildeo penal como

inocente382

assegurando-se que as consequecircncias de uma futura decisatildeo condenatoacuteria

somente sejam aplicadas apoacutes o seu tracircnsito em julgado383

Sua abrangecircncia e acircmbito de

proteccedilatildeo todavia natildeo se esgotam nesse aspecto

Como ldquonorma probatoacuteriardquo a presunccedilatildeo de inocecircncia abrange seara especiacutefica

orientada agrave determinaccedilatildeo de quem deve provar por meio de que tipo de prova e

finalmente o que deve ser provado384

Conforme jaacute observado a presunccedilatildeo de inocecircncia subsiste ateacute o momento da

condenaccedilatildeo definitiva e natildeo pode haver condenaccedilatildeo sem um miacutenimo de atividade

probatoacuteria385

Logo forccedilosa a conclusatildeo de que a uacutenica forma de se desconstruir a

presunccedilatildeo consiste na realizaccedilatildeo de uma atividade probatoacuteria suficiente da qual deve se

encarregar quem fez a acusaccedilatildeo386

Como consequecircncia a presunccedilatildeo de inocecircncia como norma probatoacuteria natildeo admite a

inversatildeo do ocircnus da prova o que significaria inevitavelmente uma violaccedilatildeo de seu

conteuacutedo387

380

IBID p 12 381

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 382

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 427 383

IBID p 427 384

IBID p 462 385

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 226 386

IBID p 226 387

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538

75

Cabe agrave acusaccedilatildeo portanto comprovar a existecircncia de requisitos objetivos e

subjetivos exigidos para o reconhecimento da praacutetica de uma infraccedilatildeo penal e natildeo ao reacuteu

o ocircnus de demonstrar a sua inocecircncia388

Nesse sentido Antonio Magalhatildees Gomes Filho afirma que em um processo penal

informado pela presunccedilatildeo de inocecircncia uma vez que o acusado eacute considerado inocente ateacute

que se comprove legal e definitivamente sua culpabilidade ldquoeacute claro que o encargo de

demonstrar os fatos incumbe integralmente agrave acusaccedilatildeordquo389

A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo ademais exige que o material

probatoacuterio necessaacuterio para afastaacute-la seja obtido pelo oacutergatildeo acusador de forma liacutecito e tenha

conteuacutedo incriminador390

Assim no cumprimento de seu encargo probatoacuterio a acusaccedilatildeo

deveraacute se utilizar apenas de provas liacutecitas e orientadas agrave demonstraccedilatildeo da culpa do

imputado e agrave materialidade da infraccedilatildeo em todos os seus aspectos391

A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma de juiacutezordquo por sua vez volta-se ao exame

do material probatoacuterio jaacute produzido para avaliar sua suficiecircncia para afastar a incidecircncia

da presunccedilatildeo de inocecircncia e portanto condenar o imputado ou para eleger a norma

juriacutedica mais adequada ao caso concreto392

Indica a exigecircncia de que natildeo seraacute proferida nenhuma condenaccedilatildeo ausente prova

suficiente da culpabilidade393

Mais do que isso eacute fundamental a existecircncia de prova

segura e induvidosa da conduta criminosa atribuiacuteda ao acusado Assim devem levar agrave

absolviccedilatildeo tanto a ausecircncia de provas como a duacutevida gerada no espiacuterito do juiz pelas

provas produzidas no processo Sob esse acircngulo o valor do preceito mostra-se no

momento da decisatildeo como expressatildeo da maacutexima do in dubio pro reo394

A presunccedilatildeo de inocecircncia ainda como norma de juiacutezo obriga o julgador a motivar

convincentemente suas escolhas sempre que as decisotildees penais acarretarem restriccedilatildeo a

direitos do imputado395

Examinando os elementos informativos que lhe satildeo apresentados

388

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa 2003 p 148 389

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A presunccedilatildeo da inocecircncia e o ocircnus da prova em processo penal

Boletim IBCCRIM nordm 23 Novembro 1994 390

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538 391

IBID p 538 392

IBID p 462 393

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 394

IBID p 11 395

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 539

76

na fase de investigaccedilatildeo preliminar ou as provas em fase processual deveraacute sempre decidir

orientando suas escolhas pelo ldquofavor reirdquo e equacionando suas duacutevidas faacuteticas com base no

ldquoin dubio pro reordquo396

que devem ser percebidos como aspectos significados projeccedilotildees ou

manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de inocecircncia397

Podemos portanto de acordo com Aury Lopes Jr extrair da presunccedilatildeo de

inocecircncia que ela predetermina a adoccedilatildeo da verdade processual relativa dotada poreacutem de

um razoaacutevel niacutevel de certeza praacutetica jaacute que obtida conforme determinadas condiccedilotildees

como consequecircncia a obtenccedilatildeo de tal verdade determina um tipo de processo informado

pelo sistema acusatoacuterio que impotildee a estrutura dialeacutetica e posiciona o juiz em situaccedilatildeo de

alheamento em verdadeira rejeiccedilatildeo agrave figura do juiz-inquisidor com poderes

investigatoacuterios e instrutoacuterios e consagraccedilatildeo da figura do juiz de garantias ou garantidor no

acircmbito do processo se manifesta em regras para o julgamento orientando a decisatildeo

judicial sobre os fatos traduz-se por fim em regras de tratamento do acusado visto que a

ingerecircncia do processo penal se daacute sobre um inocente398

Dessa forma a presunccedilatildeo de inocecircncia significa em conjunto com todos os seus

aspectos e desdobramentos incluiacutedos o ldquoin dubio pro reordquo e o ldquofavor reirdquo segundo

Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes

ldquo () um direito que veio atender agrave igualdade ao respeito agrave dignidade da

pessoa humana agrave liberdade do cidadatildeo e ao devido processo penal porque torna a

396

IBID p 539 397

ldquoO ponto central para referida distinccedilatildeo resulta da observaccedilatildeo do sentido que as proacuteprias expressotildees

empregam ldquoIn dubio pro reordquo traz em si uma ideia de que haacute duacutevida (ldquoin dubiordquo) e de que ela deve ser

resolvida favoravelmente ao reacuteu (ldquopro reordquo) ldquoFavor reirdquo por sua vez eacute uma escolha valorativa que natildeo

tem como causa a ldquoduacutevidardquo sua base informadora satildeo os ideais de igualdade dignidade da pessoa humana

e proteccedilatildeo da liberdade e do patrimocircnio do cidadatildeo por meio de um devido processo legal O ldquofavor reirdquo

por ser uma forma de realizaccedilatildeo efetiva desses ideais incide tanto no campo legislativo para conformaccedilatildeo

de leis que visem garanti-los quanto no campo judicial na medida em que indica ao julgador qual eacute a opccedilatildeo

axioloacutegica definida constitucionalmente e que ele tambeacutem deveraacute ter ao interpretar o dispositivo legal ao

caso concreto O ldquoin dubio pro reordquo ao contraacuterio natildeo tem incidecircncia no campo legislativo uma vez que a

lei natildeo traz duacutevidas seja em sua formaccedilatildeo seja em sua interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo A lei apresenta apenas

possibilidades interpretativas dentro das quais natildeo haacute espaccedilo para duacutevidas teacutecnicas A ldquoduacutevidardquo inerente

ao ldquoin dubio pro reordquo sempre adveacutem dos fatos os quais podem ou natildeo estar provados nos autos criminais

Daiacute se dizer que o ldquoin dubio pro reordquo estaacute ligado a fatos (natildeo provados ou provados de forma insatisfatoacuteria)

e pode incidir em qualquer momento decisoacuterio judicial natildeo apenas no instante da decisatildeo sobre o meritum

causae Dessa forma o ldquoin dubio pro reordquo limita-se ao acircmbito judiciaacuterio destinado e determinado pelo

caso concreto e natildeo projeta seus efeitos no acircmbito legislativo voltado agrave elaboraccedilatildeo da lei em niacutevel

abstratordquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 365-367 398

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 187

77

relaccedilatildeo juriacutedica entre imputado e oacutergatildeos persecutoacuterios mais equilibrada (garantia

agrave igualdade) impedindo que as manifestaccedilotildees do poder puacuteblico ultrapassem o

necessaacuterio para a apuraccedilatildeo dos fatos impede de ordinaacuterio que ao imputado seja

dado tratamento de condenado antes do reconhecimento definitivo de sua culpa

(garantia agrave dignidade da pessoa) impotildee a necessidade de um processo condizente

com todos os padrotildees constitucionais de justiccedila para que se proceda agrave verificaccedilatildeo

e declaraccedilatildeo de culpa do cidadatildeo (garantia do devido processo legal) impotildee uma

decisatildeo menos prejudicial ao imputado sempre que houver duacutevida faacutetica ou se

possa proceder agrave mais favoraacutevel escolha juriacutedica como asseveraccedilatildeo do prestiacutegio agrave

dignidade da pessoa humana em toda e qualquer decisatildeo judicial penalrdquo399

Traduz-se pois numa maneira de apreender gerir e conceber um sistema

processual penal para o qual o ser humano desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo eacute inocente e

assim deve ser identificado e tratado ateacute que o Judiciaacuterio afirme de modo certo e definitivo

a sua culpabilidade fundada em um conjunto probatoacuterio incriminador miacutenimo e liacutecito400

31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal

Do quanto ateacute aqui exposto jaacute eacute possiacutevel concluir pela incidecircncia integral da

presunccedilatildeo de inocecircncia na fase investigativa posto que sua concretizaccedilatildeo exige a adoccedilatildeo

de um sistema processual penal para o qual o indiviacuteduo durante toda a persecuccedilatildeo criminal

- que no mais das vezes vem representada por alguma forma de investigaccedilatildeo preliminar

via de regra o inqueacuterito policial - eacute considerado inocente ateacute que haja o reconhecimento

indiscutiacutevel de sua culpa

Como observado a redaccedilatildeo do inciso LVII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 eacute ampla e abrange portanto qualquer indiviacuteduo em qualquer situaccedilatildeo obstando

leituras literais que poderiam excluir as atividades de investigaccedilatildeo em que de maior

399

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 347 400

IBID p 358

78

relevacircncia a garantia contra juiacutezos temeraacuterios que podem ocasionar o reconhecimento do

mero suspeito como culpado401

Nesse sentido segundo Fauzi Hassan Choukr a presunccedilatildeo de inocecircncia

consubstancia-se em princiacutepio de fundamental importacircncia tambeacutem incidente na fase

investigativa consubstanciando verdadeiro paradigma para a percepccedilatildeo global do sistema

instrumental penal requerendo indiscutivelmente ldquoum compromisso natildeo apenas teacutecnico

mas tambeacutem eacutetico do modelo utilizaacutevelrdquo402

Isso porque segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes jaacute nessa fase haacute autecircntica

imputaccedilatildeo penal em face do indiviacuteduo que pode sofrer atos de restriccedilatildeo em seus direitos

de liberdade dignidade ou igualdade assim como constriccedilotildees em sua esfera juriacutedica403

Jaacute

nesses primeiros momentos investigativos da imputaccedilatildeo penal portanto deve o cidadatildeo

dispor de toda proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e excessos

estatais404

ldquoNesse contexto maior de proteccedilatildeo constitucional ampla insere-se a presunccedilatildeo

de inocecircncia em todos os seus instantesrdquo405

Uma de suas consequecircncias mais importantes e evidentes eacute a passagem do ser

humano da condiccedilatildeo de objeto do processo nesse caso da investigaccedilatildeo para a condiccedilatildeo de

sujeito com direitos e deveres apropriados a essa atividade406

Nesse sentido o campo de eficaacutecia do princiacutepio eacute entendido como regra de

tratamento do investigado407

aspecto mais significativo nessa fase investigativa408

401

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo p 126 402

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 39 No mesmo sentido Alexandra Vilela leciona que o princiacutepio

da presunccedilatildeo de inocecircncia se manifesta ao longo de todo o processo desde o inqueacuterito VILELA Alexandra

Consideraccedilotildees acerca da presunccedilatildeo de inocecircncia em direito processual penal Coimbra Coimbra Editora

2010 p 79 Para Joseacute Mariacutea Luzoacuten Cuesta ldquola presuncioacuten de inocencia es un derecho subjetivo puacuteblico que

posee su eficacia en un doble plano por una parte opera en las situaciones extraprocesales y constituye el

derecho a recibir la consideracioacuten y el trato de no autor o no partiacutecipe en hechos de caraacutecter delictivo o

anaacutelogos a eacutestos por outro lado el referido derecho opera fundamentalmente en el campo procesal con

influjo decisivo en el reacutegimen juriacutedico de la pruebardquo CUESTA Joseacute Mariacutea Luzoacuten La presuncioacuten de

inocencia ante la casacioacuten Madrid Editorial Colex 1991 p 13 403

Conforme liccedilatildeo de Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquonessa compreensatildeo ampla de imputaccedilatildeo penal ela se

inicia a partir da existecircncia de qualquer ato (investigativo ou judicial) do qual se depreenda um juiacutezo de

atribuiccedilatildeo de um crime a uma pessoa determinada O juiacutezo de atribuiccedilatildeo de uma infraccedilatildeo a algueacutem eacute o

primeiro passo da persecuccedilatildeo penal e de ordinaacuterio vem representado por alguma forma de investigaccedilatildeo

preliminar por exemplo o inqueacuterito policialrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 491 404

IBID p 492 405

IBID p 492-493 406

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 38-39 407

VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 408

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493

79

Como ldquonorma de tratamentordquo pois a presunccedilatildeo de inocecircncia garante ao imputado

que ele natildeo poderaacute ser tratado como culpado durante toda essa fase409

Refere-se desse

modo ao status agrave condiccedilatildeo ou ao estado de inocecircncia da pessoa submetida a inqueacuterito

policial410

e pressupotildee que nas ocasiotildees de contato direto entre ele e a autoridade puacuteblica ndash

o que ocorre exatamente de modo mais intenso no instante do interrogatoacuterio ndash natildeo seja

intimidado ou sofra abusos que o situem como ldquoobjeto de provardquo e natildeo como sujeito de

direito411

Logo significa que durante o desenrolar da investigaccedilatildeo o tratamento

dispensado ao investigado deve ser despojado de situaccedilotildees que constituam antecipaccedilatildeo de

um juiacutezo de culpabilidade412

Para se impedir tais condutas violadoras da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute essencial natildeo

apenas que esses atos ou outros a eles equivalentes contem com a presenccedila de defensor

mas tambeacutem que a prisatildeo provisoacuteria natildeo seja utilizada da como meio de se obrigar o

imputado a depor ou de qualquer modo produzir prova em seu desfavor413

Isto eacute como regra de tratamento a presunccedilatildeo de inocecircncia natildeo permite que as

medidas cautelares sobretudo a prisatildeo provisoacuteria tenham caraacuteter de definitivas natildeo

podendo ser utilizadas como instrumentos de confissatildeo ou como penas antecipadas414

Pelo ateacute aqui exposto eacute possiacutevel constatar-se a total correlaccedilatildeo entre a presunccedilatildeo de

inocecircncia e a ampla defesa nessas hipoacuteteses citadas415

ldquoA defesa teacutecnica garante que o

imputado natildeo seja tratado como culpado ou como objeto em atos de investigaccedilatildeo de

profunda tensatildeo entre ele e a autoridade puacuteblicardquo isto eacute a presunccedilatildeo de inocecircncia

assegura a autodefesa uma vez que impede que se decretem prisotildees provisoacuterias com o

intuito de coagir o investigado a renunciar ao seu direito ao silecircncio ou de natildeo produzir

prova em seu desfavor ambos aspectos da autodefesa416

409

IBID p 493 410

VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 411

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 412

Como exemplo pode-se citar o uso de algemas quando desnecessaacuterio e a utilizaccedilatildeo de palavras e gestos

humilhantes que tornem o investigado diminuiacutedo aleacutem do necessaacuterio imposto por sua condiccedilatildeo VIEIRA

Ana Lucia Menezes Processo p 172 413

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 414

ALBANO Vicenzo Processo penale informazione e controllo di razionalitagrave In BASCIU Maurizio

(Org) Diritto penale controllo di razionalitagrave e garanzie del citadino Padova Cedam 1998 p 298 415

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 416

IBID p 494

80

Natildeo obstante natildeo podermos falar exatamente de ldquoprovardquo nessa fase dado que natildeo

haacute contraditoacuterio e intervenccedilatildeo judicial a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo

tambeacutem tem incidecircncia nessa fase417

Isso porque qualquer requisiccedilatildeo dos oacutergatildeos puacuteblicos persecutoacuterios tais como a

prisatildeo provisoacuteria ou outras medidas coercitivas restritivas de qualquer modo dos direitos

fundamentais do indiviacuteduo como por exemplo a busca e apreensatildeo e a interceptaccedilatildeo

telefocircnica deve estar obrigatoriamente assentada na existecircncia de dados informativos

incriminadores colhidos e produzidos de forma liacutecita418

A presunccedilatildeo de inocecircncia exige

um procedimento legal de afericcedilatildeo da culpa isto eacute somente um procedimento garantidor

dos direitos fundamentais do investigado pode ser capaz de fornecer elementos idocircneos

para a demonstraccedilatildeo da sua culpabilidade419

Em outros termos nenhum elemento

probatoacuterio pode ser utilizado contra o acusado se natildeo for obtido e produzido com os

ditames da lei420

Logo ausentes esses elementos incriminadores preacutevios e liacutecitos

qualquer medida coercitiva decretada pelo juiacutezo bem como o recebimento da acusaccedilatildeo

formal seratildeo atos infringentes desse aspecto da presunccedilatildeo de inocecircncia421

Por fim a presunccedilatildeo de inocecircncia tambeacutem incide na fase investigativa como

ldquonorma de juiacutezordquo422

De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes esse seu aspecto tem

ocorrecircncia pois eacute indispensaacutevel o exame da suficiecircncia daqueles elementos

incriminadores preacutevios e liacutecitos para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz sobre ldquoa

legitimidade em se determinar aquelas medidas coativas restritivas ou ainda para ter a

denuacutencia ou a queixa-crime como imputaccedilotildees legiacutetimas e aptas a iniciar nova fase

persecutoacuteriardquo423

Deve o oacutergatildeo judiciaacuterio competente atentar em todos esses instantes

decisoacuterios que qualquer incerteza faacutetica ou a eleiccedilatildeo normativa mais adequada deveratildeo ser

orientadas respectivamente pelo ldquoin dubio pro reordquo e pelo ldquofavor reirdquo424

Dessa forma jaacute desde os primeiros instantes da fase de investigaccedilatildeo preliminar

havendo um juiacutezo de atribuiccedilatildeo de fato criminoso a algueacutem o imputado seraacute protegido

417

IBID p 494 418

IBID p 494 419

VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo p 172 420

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees O princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia na Constituiccedilatildeo de 1988 e

na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) Revista do Advogado

Satildeo Paulo n 42 p 30-34 abr 1994 421

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 422

IBID p 494 423

IBID p 494 424

IBID p 494

81

pela presunccedilatildeo de inocecircncia com toda a amplitude requerida pela Constituiccedilatildeo exige seja

como ldquonorma de tratamentordquo como ldquonorma probatoacuteriardquo ou como ldquonorma de juiacutezordquo425

4 A imparcialidade do juiz

A imparcialidade eacute decorrecircncia loacutegica do devido processo legal e de um Estado

genuinamente Democraacutetico de Direito426

Constitui indubitavelmente uma das mais

importantes garantias do devido processo criminal427

Em que pese a inexistecircncia de expressa previsatildeo do direito ao julgamento por juiz

imparcial na Constituiccedilatildeo Federal isso natildeo significa absolutamente que ela natildeo o

assegura428

Isso porque ldquonatildeo eacute devido justo ou eacutequo um processo que se desenvolva perante

um julgador parcialrdquo429

Segundo Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaroacute isso seria o

bastante para afirmar que a Constituiccedilatildeo assegura o direito de ser julgado por um juiz

imparcial430

Aliaacutes segundo o autor ldquoa imparcialidade eacute lsquoconditio sine qua nonrsquo de

qualquer juiz Juiz parcial eacute uma contradiccedilatildeo em termosrdquo431

Assim natildeo seria possiacutevel

imaginar-se uma atividade jurisdicional vaacutelida e legiacutetima que natildeo fosse exercida por um

juiz equidistante das partes processuais432

Sob outro enfoque conquanto natildeo tenha se preocupado em positivar o direito a um

juiz imparcial a Constituiccedilatildeo buscou garantir condiccedilotildees de independecircncia obstando

eventuais influecircncias oriundas dos demais poderes e dos demais oacutergatildeos hieraacuterquicos do

proacuteprio Poder Judiciaacuterio e vedando a praacutetica de atividades que colocassem em risco a

425

IBID p 495 426

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 No mesmo sentido Badaroacute leciona que ldquoa

imparcialidade do julgador eacute elemento integrante do devido processo legalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique

Righi Ivahy Direito a um julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz

nos sistemas em que natildeo haacute a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em

httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em 25082013 427

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 198 428

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 429

IBID 430

IBID 431

IBID 432

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140

82

imparcialidade do juiz433

Assim no regramento constitucional da magistratura haacute a

previsatildeo de uma seacuterie de prerrogativas para assegurar a independecircncia dos juiacutezes

pressuposto indispensaacutevel consoante liccedilatildeo de Eugenio Rauacutel Zaffaroni para que se possa

manifestar a imparcialidade434

(CF art 95 caput)435

Nesse sentido Julio J B Maier ressalta que a independecircncia por si soacute natildeo eacute

suficiente para que o julgador reuacutena todas as condiccedilotildees que assegurem sua isenccedilatildeo para

decidir o caso concreto Isso porque a independecircncia eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para

assegurar a equanimidade mas natildeo eacute a uacutenica Segundo o autor outra dessas condiccedilotildees eacute

exatamente a imparcialidade isto eacute a atribuiccedilatildeo da funccedilatildeo de julgar determinado caso a

quem possa garantir a maior objetividade possiacutevel ao enfrentaacute-lo436

Tambeacutem haacute previsatildeo constitucional de vedaccedilotildees aos magistrados com a evidente

intenccedilatildeo de assegurar a imparcialidade do julgador437

(CF art 95 paraacutegrafo uacutenico)438

Sob o aspecto subjetivo eacute ainda preservada a imparcialidade pelas regras de

suspeiccedilatildeo e impedimento contidas no Coacutedigo de Processo Penal439

(arts 252 e

seguintes440

) Consoante leciona Gustavo Badaroacute ldquoa previsatildeo legal de hipoacuteteses de

433

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 434

ZAFFARONI Eugenio Raul Poder Judiciaacuterio Crise Acertos e Desacertos Trad Juarez Tavares Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 1995 p 91 435

Art 95 Os juiacutezes gozam das seguintes garantias I - vitaliciedade que no primeiro grau soacute seraacute adquirida

apoacutes dois anos de exerciacutecio dependendo a perda do cargo nesse periacuteodo de deliberaccedilatildeo do tribunal a que o

juiz estiver vinculado e nos demais casos de sentenccedila judicial transitada em julgado II - inamovibilidade

salvo por motivo de interesse puacuteblico na forma do art 93 VIII III - irredutibilidade de subsiacutedio ressalvado

o disposto nos arts 37 X e XI 39 sect 4ordm 150 II 153 III e 153 sect 2ordm I 436

ldquoNo soacutelo por ser independiente el juez reuacutene todas las condiciones que garantizan su ecuanimidad al

decidir el caso La independencia es una condicioacuten necesaria para garantizar la ecuanimidad pero no es la

uacutenica ni es por ello suficiente436

Otra de esas condiciones necesarias es colocar frente al caso ejerciendo

la funcioacuten de juzgar a una persona que garantice la mayor objetividade posible al enfrentarlo A esa

situacioacuten del juez en relacioacuten al caso que le toca juzgar se llama imparcialidaderdquo MAIER Julio B J Op

cit p 484 437

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 438

Art 95 Paraacutegrafo uacutenico Aos juiacutezes eacute vedado I - exercer ainda que em disponibilidade outro cargo ou

funccedilatildeo salvo uma de magisteacuterio II - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto custas ou participaccedilatildeo em

processo III - dedicar-se agrave atividade poliacutetico-partidaacuteria IV - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto auxiacutelios

ou contribuiccedilotildees de pessoas fiacutesicas entidades puacuteblicas ou privadas ressalvadas as exceccedilotildees previstas em lei

V - exercer a advocacia no juiacutezo ou tribunal do qual se afastou antes de decorridos trecircs anos do afastamento

do cargo por aposentadoria ou exoneraccedilatildeo 439

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 80 440

Art 252 O juiz natildeo poderaacute exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I - tiver funcionado seu cocircnjuge ou

parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive como defensor ou

advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico autoridade policial auxiliar da justiccedila ou perito II - ele proacuteprio

houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III - tiver funcionado como juiz

de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV - ele proacuteprio ou seu cocircnjuge ou

parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive for parte ou

diretamente interessado no feito Art 253 Nos juiacutezos coletivos natildeo poderatildeo servir no mesmo processo os

83

impedimento do juiz ndash e o mesmo vale para as hipoacuteteses de suspeiccedilatildeo ndash se destina a

assegurar a imparcialidade ou melhor o julgamento por um juiz que natildeo seja algueacutem de

cuja parcialidade se possa suspeitarrdquo441

Em resumo natildeo haacute como negar que a imparcialidade do juiz eacute uma garantia

constitucional impliacutecita442

Ademais se a Constituiccedilatildeo de 1988 natildeo previu expressamente

o direito ao juiz imparcial outra foi a orientaccedilatildeo seguida pelos tratados internacionais de

direitos humanos como veremos a seguir

O direito a uma decisatildeo ditada por um oacutergatildeo judicial monocraacutetico ou coletivo

imparciail supera os limites das legislaccedilotildees internas e penetra nos paradigmas

internacionais da prestaccedilatildeo jurisdicional Basta observar a previsatildeo do artigo 10 da

Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 (Artigo X ldquoToda pessoa tem direito

em plena igualdade a uma audiecircncia justa e puacuteblica por parte de um tribunal

independente e imparcial para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de

qualquer acusaccedilatildeo criminal contra elerdquo) do artigo 262 da Declaraccedilatildeo Americana dos

Direitos Humanos (ldquoToda pessoa acusada de um delito tem o direito de ser ouvida numa

forma imparcial e puacuteblica de ser julgada por tribunais jaacute estabelecidos de acordo com leis

preexistentes e de que se lhe natildeo inflijam penas crueacuteis infamantes ou inusitadasrdquo) do artigo

81 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos443

(ldquoToda pessoa tem direito a ser

ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoaacutevel por um juiz ou tribunal

competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de

juiacutezes que forem entre si parentes consanguumliacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau

inclusive Art 254 O juiz dar-se-aacute por suspeito e se natildeo o fizer poderaacute ser recusado por qualquer das

partes I - se for amigo iacutentimo ou inimigo capital de qualquer deles II - se ele seu cocircnjuge ascendente ou

descendente estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia

III - se ele seu cocircnjuge ou parente consanguumliacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda

ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes IV - se tiver aconselhado qualquer

das partes V - se for credor ou devedor tutor ou curador de qualquer das partes Vl - se for soacutecio acionista

ou administrador de sociedade interessada no processo Art 255 O impedimento ou suspeiccedilatildeo decorrente de

parentesco por afinidade cessaraacute pela dissoluccedilatildeo do casamento que Ihe tiver dado causa salvo sobrevindo

descendentes mas ainda que dissolvido o casamento sem descendentes natildeo funcionaraacute como juiz o sogro o

padrasto o cunhado o genro ou enteado de quem for parte no processo Art 256 A suspeiccedilatildeo natildeo poderaacute

ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propoacutesito der motivo para criaacute-la 441

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 442

De acordo com Eros Roberto Grau ldquodefine-se o direito enquanto sistema como uma ordem axioloacutegica

ou teleoloacutegica de princiacutepios gerais Compotildeem essa ordem aleacutem dos princiacutepios expliacutecitos recolhidos no texto

da Constituiccedilatildeo ou da lei os princiacutepios impliacutecitos inferidos como resultado da anaacutelise de um ou mais

preceitos constitucionais ou de uma lei ou conjunto de textos normativos da legislaccedilao infraconstitucionalrdquo

GRAU Eros Roberto Ensaio e discurso sobre a interpretaccedilatildeoaplicaccedilatildeo do direito 4 ed Satildeo Paulo

Malheiros 2006 p 144 443

A Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos integra o ordenamento juriacutedico nacional cuja

promulgaccedilatildeo se deu por meio do Decreto nordm 678 de 6 de novembro de 1992

84

qualquer acusaccedilatildeo penal formulada contra ela ou para que se determinem seus direitos

ou obrigaccedilotildees de natureza civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo) do

artigo 141 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Poliacuteticos de 1966444

(ldquo Toda a

pessoa teraacute direito a ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal

competente segundo a lei independente e imparcial na determinaccedilatildeo dos fundamentos de

qualquer acusaccedilatildeo de caraacutecter penal contra ela formulada ou para a determinaccedilatildeo dos

seus direitos ou obrigaccedilotildees de caraacutecter civilrdquo)

Constitui a imparcialidade portanto um atributo inerente agrave jurisdiccedilatildeo445

identificado como observado juntamente com a independecircncia como um direito humano

tutelado por diversos documentos internacionais446

donde se depreende que ldquotodo acusado

tem o direito de ser julgado por um juiz imparcial e qualquer lei que disponha de forma

diversa admitindo o julgamento por um julgador que natildeo seja imparcial natildeo poderaacute ser

aplicadardquo447

De acordo com liccedilatildeo de Antonio Magalhatildees Gomes Filho a imparcialidade pode

ser definida como um valor que encontra sua maior expressatildeo no acircmbito interno do

processo ldquotraduzindo a exigecircncia de que na direccedilatildeo de toda a atividade processual ndash e

especialmente nos momentos de decisatildeo ndash o juiz se coloque sempre super partes

conduzindo-se como um terceiro desinteressado acima portanto dos interesses em

conflitordquo448

Andreacute Machado Maya por sua vez ressalta que a imparcialidade deve ser

compreendida natildeo como ldquomera caracteriacutestica da atividade jurisdicional uma nota

indispensaacutevel ou mesmo um valorrdquo como se a conduta imparcial pudesse ser definida

como a mais adequada dentre as possiacuteveis de serem adotadas pelo julgador mas

sobretudo ldquocomo um princiacutepio um dever-ser que orienta o padratildeo a ser observado pelo

juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional um mandamento de otimizaccedilatildeo que se

depreende da compreensatildeo do processo como uma estrutura heterocircnoma de repartordquo449

444

Promulgado internamente por meio do Decreto n 592 de 6 de julho de 1992 integrando o ordenamento

juriacutedico nacional 445

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op

citp 51 446

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 447

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 448

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A motivaccedilatildeo das decisotildees penais Satildeo Paulo Revista dos

Tribunais 2001 p 37 449

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade e Processo Penal Da prevenccedilatildeo da competecircncia ao juiz de

85

Segundo o autor ldquoa imparcialidade como princiacutepio se apresenta como condiccedilatildeo de

legitimidade da atividade jurisdicionalrdquo450

Caracteriza-se pois a imparcialidade pelo desinteresse subjetivo do juiz em face

do caso concreto451

ficando este proibido de aderir ou atuar em prol dos interesses

subjetivos de quaisquer das partes processuais452

Impotildee-lhe por conseguinte atuar como

um ldquoobservador desapaixonadordquo453

exercendo o poder jurisdicional de modo neutro e

sensato de forma a evitar que circunstacircncias alheias interfiram no desenvolvimento do iter

processual e influenciem o conteuacutedo de sua decisatildeo454

Nesse sentido o juiz deve exercer atividade isenta e despreendida dos interesses em

conflito equidistante das partes e estritamente subordinada agrave lei Deve pois ser submisso

agrave lei mas tambeacutem independente para que possa ser imparcial bem como deve respeitar

regras preestabelecidas garantidoras da imparcialidade455

Segundo Julio J B Maier a imparcialidade natildeo eacute alcanccedilada como ocorre com a

independecircncia judicial positivamente cercando-se o juiz de garantias de impeccedilam de

modo abstrato interferecircncias dos demais poderes poliacuteticos inclusive do proacuteprio Poder

Judiciaacuterio em sua decisatildeo mas negativamente excluindo do caso o julgador que natildeo

garanta suficientemente a objetividade de sua decisatildeo Trata-se portanto da relaccedilatildeo

especiacutefica do julgador com o caso concreto submetido a seu juiacutezo isto eacute ldquolas reglas sobre

imparcialidade se refieren por ello a la posicioacuten del juez frente al caso concreto que en

princiacutepio debe juzgar e intentan impedir que sobre eacutel pese el temor de parcialidaderdquo456

Ser imparcial pois requer do magistrado na esteira do entendimento de Jacinto

Nelson de Miranda Coutinho uma ldquopostura de equidistacircncia em relaccedilatildeo agraves partes exige

seja por ele assumida uma posiccedilatildeo para aleacutem dos interesses delasrdquo457

permitindo com

garantias Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 235-236 450

IBID p 236 451

AROCA Juan Montero Sobre la imparcialidad del juez y la incompatibilidad de funciones procesales

Valencia Tirant to Blanch 1999 p 186 452

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 453

CALAMANDREI Piero Estudios sobre el processo civil Trad Santiago Sentis Melendo Buenos Aires

Bibliografia Argentina 1945 p 27 454

AROCA Juan Montero Op cit p 187-188 455

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 456

MAIER Julio B J Op cit p 484-485 457

COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal Criacutetica agrave teoria geral

do direito processual penal Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (Coord) Rio de Janeiro Renovar 2001 p

11

86

isso uma atuaccedilatildeo jurisdicional objetiva desprevenida na qual o juiz natildeo favorece sob

qualquer pretexto a nenhuma das partes458

Trata-se de um objetivo a ser alcanccedilado pelo

juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional de uma criaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico que

exige do magistrado um distanciamento estrutural um alheamento (terzietagrave) em relaccedilatildeo agrave

atividade das partes processuais459

Imparcialidade natildeo significa poreacutem neutralidade Eacute impossiacutevel exigir-se que o

juiz enquanto ser humano dispa-se de todas as suas convicccedilotildees pessoais de modo a fazer

com que estas natildeo influenciem no seu convencimento460

Eacute inadmissiacutevel pois pretender

que um juiz natildeo seja cidadatildeo que natildeo participe de certa ordem de ideias que natildeo tenha

uma compreensatildeo do mundo uma visatildeo da realidade461

Consoante leciona Martin Heidegger o homem eacute definido e existe porque inserido

em um contexto universal onde se relaciona consigo mesmo e com outros homens em uma

constante troca de valores e experiecircncias462

Daiacute adveacutem a expressatildeo ldquoser-no-mundordquo

utilizada pelo autor como forma de destacar a inter-relaccedilatildeo existente entre o homem e o

meio em que vive a ensejar uma interaccedilatildeo contiacutenua do homem com a sua existecircncia no

contexto social Tudo isso forma o seu ser do qual natildeo eacute possiacutevel separar-se nem mesmo

quando do exerciacutecio da funccedilatildeo de julgar

A imparcialidade exige pelo contraacuterio a exata compreensatildeo do julgador acerca da

sua formaccedilatildeo subjetiva de seus conceitos de sua funccedilatildeo para com isso adotar uma

postura efetivamente distante e indiferente em relaccedilatildeo aos interesses das partes envolvidas

na controveacutersia judicial463

Exatamente esse o sentido de ldquoterzeitagraverdquo elaborado pela doutrina italiana a qual

apreende a imparcialidade como a indiferenccedila aos interesses conflitantes no processo

penal alcanccedilada e garantida pela postura do juiz como um terceiro alheio agraves pretensotildees das

partes cujo interesse deve restringir-se agrave aplicaccedilatildeo do direito objetivo ao caso concreto agrave

458

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 11 459

IBID p 11 460

OLIVEIRA Daniel Kessler de O real papel do julgador no processo penal contemporacircneo Disponiacutevel

em httpwwwibccrimorgbr 461

ZAFFARONI Eugenio Raul Op cit p 92 462

HEIDEGGER Martin Ser e tempo Trad Maacutercia Saacute Cavalcante Schuback Petroacutepolis Vozes 2006 p

27-41 463

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 113

87

realizaccedilatildeo do justo reparto orientado pelas regras legais e constitucionais bem como pelos

princiacutepios fundantes do ordenamento juriacutedico464

Nesse sentido a liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya segundo a qual o direito de ser

julgado por um juiz imparcial deve ser vislumbrado como direito fundamental de suma

relevacircncia constituindo a imparcialidade um valor estruturante da funccedilatildeo jurisdicional

uma conduta que o Estado buscando assegurar os direitos fundamentais dos cidadatildeos

deve ter como modelo para o comportamento profissional dos magistrados orientando o

exerciacutecio da atividade jurisdicional e concomitantemente restringindo o poder a eles

inerente um mecanismo de garantia do devido processo legal e do justo reparto465

Natildeo obstante ser a imparcialidade do oacutergatildeo jurisdicional um ldquoprinciacutepio supremordquo

do processo e como tal imprescindiacutevel para o seu normal desenvolvimento e para a

obtenccedilatildeo do reparto judicial justo466

o tema da imparcialidade segundo Gustavo Badaroacute

natildeo tem merecido a devida atenccedilatildeo da doutrina nacional467

Assim uma anaacutelise mais

minuciosa sobre a imparcialidade do juiz ou tribunal requer sejam buscados subsiacutedios nas

convenccedilotildees internacionais de direitos humanos e na jurisprudecircncia das cortes

internacionais468

Eacute nesse contexto pois que surge o conceito de imparcialidade objetiva que vem

sendo construiacutedo e particularizado na jurisprudecircncia das cortes internacionais sobretudo

por meio de decisotildees do Tribunal Europeu de Direitos Humanos

Desde o julgamento pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos do caso Piersack

vs Beacutelgica passou a ser difundida entre a doutrina uma diferenciaccedilatildeo entre imparcialidade

objetiva e imparcialidade subjetiva podendo-se distinguir assim entre um aspecto

subjetivo que trata de verificar a convicccedilatildeo de um juiz determinado em um caso concreto

e um aspecto objetivo que se refere a se este oferece garantias suficientes para excluir

qualquer duacutevida razoaacutevel a respeito de sua imparcialidade469

464

IBID p 113-114 465

IBID p 115 466

LOPES JR Aury Juiacutezes inquisidores E paranoacuteicos Uma criacutetica agrave prevenccedilatildeo a partir da jurisprudecircncia do

Tribunal Europeu de Direitos Humanos Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ano 11 n 27 jun 2003 467

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 468

IBID 469

ldquoA distinction can be drawn in this context between a subjective approach that is endeavouring to

ascertain the personal conviction of a given judge in a given case and an objective approach that is

determining whether he offered guarantees sufficient to exclude any legitimate doubt in this respectrdquo TEDH

88

Nesse sentido Kai Ambos afirma que no exame da imparcialidade de um juiz se

pode partir de um enfoque objetivo ou de um enfoque subjetivo A imparcialidade

subjetiva refere-se agrave atitude pessoal do juiz em um caso concreto correndo perigo quando

por exemplo o magistrado eacute parente de uma das partes ou com ela manteacutem relaccedilatildeo de

amizade Jaacute a imparcialidade objetiva que ele denomina tambeacutem de funcional pode

resultar duvidosa quando um mesmo juiz interveacutem no mesmo caso em diferentes etapas do

processo470

Pode-se dizer portanto que a imparcialidade estaria limitada agrave inexistecircncia de

convergecircncia de elementos subjetivos representados pela convicccedilatildeo pessoal do juiz diante

do caso concreto sendo nesse sentido sempre pressuposta a sua equidistacircncia ateacute

demonstraccedilatildeo em sentido contraacuterio bem como agrave verificcedilatildeo de elementos de ordem objetiva

consubstanciados nas garantias oferecidas pelo juiz que eliminassem qualquer possiacutevel

duacutevida que pudesse recair sobre a sua imparcialidade ao longo do processo471

Numa abordagem subjetiva desse modo releva verificar considerada uma

determinada hipoacutetese faacutetica em um dado processo a convicccedilatildeo pessoal do magistrado o

que pensa ele em seu foro iacutentimo acerca de determinada circunstacircncia de forma a

averiguar a ausecircncia de prejuiacutezos de ideias preconcebidas de preconceitos que possam

contaminar o julgamento472

Jaacute sob o ponto de vista objetivo independentemente do aspecto pessoal do juiz em

um determinado processo o que interessa eacute detectar a existecircncia de fatos concretos que

possam suscitar questionamentos acerca da imparcialidade do juiz ou tribunal no caso

posto a julgamento473

Trata-se de analisar se o magistrado oferece em relaccedilatildeo ao processo

que lhe eacute dado julgar garantias suficientes para eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua

Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 Disponiacutevel em httphudocechrcoeint No mesmo

sentido ldquoThe existence of impartiality for the purposes of Article 6 para 1 (art 6-1) must be determined

according to a subjective test that is on the basis of the personal conviction of a particular judge in a given

case and also according to an objective test that is ascertaining whether the judge offered guarantees

sufficient to exclude any legitimate doubt in this respect () Under the objective test it must be determined

whether quite apart from the judgersquos personal conduct there are ascertainable facts which may raise doubts

as to his impartialityrdquo TEDH Case Fey v Austria sentenccedila de 24021993 Disponiacutevel em

httphudocechrcoeint 470

AMBOS Kai CHOUKR Fauzi Hassan A reforma do processo penal no Brasil e na Ameacuterica Latina Satildeo

Paulo Meacutetodo 2001 p 240 471

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 141 472

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 107 473

IBID p 110

89

imparcialidade474

Decorre pois da relaccedilatildeo preacutevia do julgador com o objeto do processo

natildeo da relaccedilatildeo do juiz com as partes475

A imparcialidade denomina-se objetiva portanto porque natildeo proveacutem de ausecircncia

de viacutenculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados juriacutedicos na

causa sejam partes ou natildeo (imparcialidade dita subjetiva) mas porque corresponde agrave

condiccedilatildeo de ineditismo da cogniccedilatildeo que iraacute o juiz desenvolver na causa no sentido de que

natildeo haja ainda de modo consciente ou inconsciente formado nenhuma convicccedilatildeo ou juiacutezo

preacutevio no mesmo ou em outro processo sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte juriacutedica

da lide por decidir476

Nesse ponto especiacutefico relacionado ao aspecto objetivo da imparcialidade assume

especial relevo a ldquoteoria da aparecircncia da justiccedilardquo construiacuteda a partir do posicionamento

firmado pelo Tribunal Europeu de Direito Humanos no sentido de que deve ser

resguardada a confianccedila que os Tribunais devem oferecer aos cidadatildeos numa sociedade

democraacutetica exigindo-se o afastamento de todo juiz impedido de garantir uma asboluta

imparcialidade477

Nesse sentido a imparcialidade tambeacutem deve ser entendida como uma ideia de

ldquoaparecircncia geral de imparcialidaderdquo478

Aleacutem de o magistrado ser subjetivamente

imparcial para que a funccedilatildeo jurisdicional seja legitimamente exercida tambeacutem eacute

necessaacuterio que a sociedade confie que o julgamento foi proferido por um juiz

objetivamente imparcial479

474

LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I 3ordf ed Rio de

Janeiro Lumen Juris 2008 p 126 475

IBID p 126 476

STF HC 94641BA rel orig Min Ellen Gracie rel p o acoacuterdatildeo Min Joaquim Barbosa Min Cezar

Peluso em voto-vista j 11112008 477

Nesse sentido ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality

must withdraw What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic

societyrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 disponiacutevel em

httphudocechrcoeint ldquoIn this regard even appearances may be important (hellip) any judge in respect of

whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw What is at stake is the

confidence which the courts in a democratic society must inspire in the public and above all as far as

criminal proceedings are concerned in the accusedrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de

26101984 disponiacutevel em httphudocechrcoeint Ainda no mesmo sentido TEDH Case Fey v Austria

sentenccedila de 24021993 disponiacutevel em httphudocechrcoeint TEDH Case of Padovani v Italy sentenccedila

de 26021993 disponiacutevel em hudocechrcoeint TEDH Case of Castillo Algar v Spain sentenccedila de

28101998 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 478

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 479

IBID

90

Natildeo eacute suficiente portanto que a Justiccedila seja alcanccedilada pelo Poder Judiciaacuterio Muito

mais do que isso eacute necessaacuterio revelar agrave sociedade que a Justiccedila estaacute de fato sendo feita480

Assim ldquoum julgamento que a sociedade desconfie ter sido realizado por um juiz parcial

natildeo seraacute menos ilegiacutetimo que um julgamento realizado perante um juiz intimamente

comprometido com uma das partesrdquo481

Dessa forma tatildeo necessaacuterio quanto o juiz ser imparcial eacute o juiz demonstrar ser

imparcial Se a sociedade desconfia que a Justiccedila natildeo foi atingida porque natildeo se garantiu

ao acusado um julgamento por juiz ou tribunal imparcial o resultado de tal processo seraacute

ilegiacutetimo e lesivo ao Poder Judiciaacuterio jaacute que a sentenccedila seraacute vista pela sociedade como

injusta ainda que seja ela absolutoacuteria482

De acordo com o ditado inglecircs citado no caso

Caso Delcourt vs Beacutelgica ldquoJustice must not only be done it must also be seen to be

donerdquo483

Assim a imparcialidade do juiz em seu aspecto objetivo resta evidentemente

comprometida quando o magistrado realiza preacute-juiacutezos ou preacute-conceitos sobre o fato objeto

do julgamento Aliaacutes como observado a imparcialidade eacute denominada ldquoobjetivardquo

justamente porque deriva da relaccedilatildeo do juiz com o objeto do processo484

41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar

A anaacutelise do direito a um julgamento por juiz imparcial no contexto das garantias

incidentes na investigaccedilatildeo preliminar e especialmente da figura do juiz das garantias que

se quer introduzir em nosso ordenamento relaciona-se principalmente a esse conceito de

imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia internacional sobretudo pelo

Tribunal Europeu de Direitos Humanos

480

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 110 481

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 482

IBID 483

ldquoThe preceding considerations are of a certain importance which must not be underestimated If one

refers to the dictum justice must not only be done it must also be seen to be done these considerations may

allow doubts to arise about the satisfactory nature of the system in disputerdquoTEDH Case of Delcourt v

Belgium sentenccedila de 17 de janeiro de 1970 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 484

LOPES JR Aury Direito hellip p 126

91

No jaacute citado julgamento do Caso Piersack vs Beacutelgica o Tribunal Europeu de

Direitos Humanos afirmou que ldquotodo juiz em relaccedilatildeo ao qual possa haver razotildees legiacutetimas

para duvidar de sua imparcialidade deve abster-se de julgar o processordquo pois o que estaacute

em jogo eacute a confianccedila que os tribunais devem inspirar nos cidadatildeos em uma sociedade

democraacutetica e concluiu pela possibilidade de se afirmar que o exerciacutecio preacutevio no processo

pelo julgador de determinadas funccedilotildees processuais pode provocar duacutevidas de

parcialidade485

natildeo se podendo qualificaacute-lo pois de equidistante

Em outro julgado igualmente expressivo o Caso De Cubber vs Beacutelgica o Tribunal

Europeu de Direitos Humanos afirmou que ao conduzir praticamente de forma exclusiva

a instruccedilatildeo preparatoacuteria das accedilotildees penais empreendidas contra o requerente o magistrado

havia formulando jaacute nesta fase do processo uma convicccedilatildeo sobre a culpabilidade daquele

Nestas condiccedilotildees era fundando o temor de que quando comeccedilaram os debates o

magistrado natildeo contava com uma integral liberdade de julgamento e natildeo oferecia

consequentemente a garantias de imparcialidade necessaacuterias486

Quando o juiz faz uma valoraccedilatildeo positiva sobre a materialidade e participaccedilatildeo do

investigado nos fatos criminosos estaraacute invarialvelmente produzindo em seu iacutentimo

determinados preconceitos sobre a culpabilidade que lhe obstaratildeo uma decisatildeo posterior

com total isenccedilatildeo e imparcialidade Esta constataccedilatildeo apresenta-se especialmente delicada

no caso em que um mesmo julgador fisicamente considerado atuar na fase de

485

ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw

What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic society (hellip) In

order that the courts may inspire in the public the confidence which is indispensable account must also be

taken of questions of internal organisation If an individual after holding in the public prosecutorrsquos

department an office whose nature is such that he may have to deal with a given matter in the course of his

duties subsequently sits in the same case as a judge the public are entitled to fear that he does not offer

sufficient guarantees of impartialityrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982

disponiacutevel em httphudocechrcoeint 486

ldquoFurthermore through the various means of inquiry which he will have utilised at the investigation stage

the judge in question unlike his colleagues will already have acquired well before the hearing a particularly

detailed knowledge of the - sometimes voluminous - file or files which he has assembled Consequently it is

quite conceivable that he might in the eyes of the accused appear firstly to be in a position enabling him to

play a crucial role in the trial court and secondly even to have a pre-formed opinion which is liable to

weigh heavily in the balance at the moment of the decision () In conclusion the impartiality of the

Oudenaarde court was capable of appearing to the applicant to be open to doubt Although the Court itself

has no reason to doubt the impartiality of the member of the judiciary who had conducted the preliminary

investigation it recognises having regard to the various factors discussed above that his presence on the

bench provided grounds for some legitimate misgivings on the applicantrsquos part Without underestimating the

force of the Governmentrsquos arguments and without adopting a subjective approach the Court recalls that a

restrictive interpretation of Article 6 para 1 (art 6-1) - notably in regard to observance of the fundamental

principle of the impartiality of the courts - would not be consonant with the object and purpose of the

provision bearing in mind the prominent place which the right to a fair trial holds in a democratic society

within the meaning of the Conventionrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de 26101984

disponiacutevel em httphudocechrcoeint

92

investigaccedilatildeo preliminar e depois tambeacutem julgar a causa 487

Isso porque a investigaccedilatildeo

encerra uma seacuterie de medidas cautelares de que satildeo exemplos a decretaccedilatildeo de prisatildeo

temporaacuteria ou preventiva a concessatildeo de liberdade provisoacuteria ou a determinaccedilatildeo de

sequestro de bens bem como de meios de obtenccedilatildeo de provas como as interceptaccedilotildees

telefocircnicas as quebras de sigilos a busca e apreensatildeo que tecircm entre os seus pressupostos

ou requisitos dados que envolvem ainda que em um mero juiacutezo de probabilidade questotildees

referentes agrave existecircncia do crime e agrave autoria delitiva Assim conforme preceitua Gustavo

Henrique Righi Ivahy Badaroacute o juiz que decide positivamente sobre a existecircncia do crime

e a possibilidade de o investigado ser o seu autor quando da anaacutelise da legitimidade dessas

medidas ainda na fase de investigaccedilatildeo ldquoem alguma medida estaacute exercendo um

prejulgamento que poderaacute comprometer sua imparcialidade para o julgamento da

causardquo488

Necessaacuterio ressaltar que eacute possiacutevel identificar dois momentos da jurisprudecircncia do

Tribunal Europeu de Direitos Humanos sobre o direito ao juiz imparcial489

Numa primeira

etapa asseverava o Tribunal que o simples fato objetivamento analisado de o juiz ter

atuado na fase de investigaccedilatildeo despojava-lhe a imparcialidade objetiva porque jaacute tendo

realizado prejulgamentos naquela fase o acusado poderia fundadamente suspeitar da sua

imparcialidade para julgar a causa Numa segunda fase poreacutem a verificaccedilatildeo da perda da

imparcialidade objetiva passou a depender mais da anaacutelise concreta da natureza do ato

praticado e dos juiacutezos realizados pelo magistrado em tal ato490

Poreacutem se por um lado eacute perceptiacutevel a relativizaccedilatildeo da jurisprudecircncia do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos sobre o direito de ser julgado por um juiz imparcial

afirmada por ocasiatildeo do julgamento do caso De Cubber vs Beacutelgica tendo a Corte

Europeia posteriormente adotado o entendimento de que somente diante de cada caso

concreto eacute possiacutevel verificar a possiacutevel perda de imparcialidade por outro lado eacute tambeacutem

inegaacutevel que permanece firme a compreensatildeo do referido Tribunal de que o direito de ser

julgado por um juiz imparcial exige que o magistrado apresente garantias suficientes para

eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua imparcialidade em relaccedilatildeo ao processo que lhe cabe

julgar491

Assim do ponto de vista do Tribunal Europeu de Direitos Humanos sempre que

487

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 488

IBID 489

IBID 490

IBID 491

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 237

93

determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do

julgador permitindo supor ter ele adquirido preacute-conceitos ou preacute-juiacutezos sobre o fato

criminal antes mesmo do seu julgamento impotildee-se o seu afastamento do processo pois

ainda que possa o juiz manter-se imparcial importa preservar a confianccedila da sociedade no

Poder Judiciaacuterio potencialmente abalada diante das referidas situaccedilotildees concretas que

justificam o temor pela perda da imparcialidade492

Acolhida assim essa orientaccedilatildeo jurisprudencial como modelo passou-se a

examinar as hipoacuteteses de eventual contaminaccedilatildeo dos oacutergatildeos jurisdicionais no ordenamento

juriacutedico brasileiro decorrentes da atuaccedilatildeo do mesmo magistrado em uma anterior fase de

um mesmo procedimento em virtude das regras de prevenccedilatildeo em especial na fase da

investigaccedilatildeo preliminar sendo apontados diversos atos jurisdicionais como possivelmente

causadores de perda da imparcialidade dentre eles aqueles que decidem sobre o status

libertatis do investigado sobre os requerimentos de interceptaccedilatildeo telefocircnica e de quebras

de sigilos bancaacuterio e fiscal bem como aqueles que decidem sobre o deferimento ou natildeo de

alguma medida cautelar de natureza real como eacute o caso do sequestro da hipoteca legal do

arresto de bens e tambeacutem da busca e apreensatildeo493

Isso porque como decorrecircncia loacutegica dos direitos e garantias assegurados ao

investigado jaacute nessa fase essa funccedilatildeo atribuiacuteda ao juiz no curso da investigaccedilatildeo preliminar

pressupotildee uma atenta anaacutelise do material indiciaacuterio que serve de embasamento agrave medida

restritiva desses direitos sendo por isso aceitaacutevel suspeitar tenha ele elaborado

antecipadamente um prejulgamento sobre o caso penal sobre a provaacutevel culpabilidade do

suspeito e com isso afetado a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da

atividade jurisdicional494

Para Gustavo Badaroacute natildeo eacute possiacutevel que o direito ao juiz imparcial analisado sob a

forma objetiva continue sendo desprezado Deve essse aspecto ser devidamente

considerado jaacute que a praacutetica de determinados atos pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo pode

acarretar a formaccedilatildeo de uma convicccedilatildeo preacutevia permitindo que o acusado legitimamente

492

IBID p 238 493

IBID p 239 494

IBID p 239-240

94

duvide que lhe seraacute assegurado um julgamento imparcial caso a sentenccedila seja proferia pelo

mesmo juiz495

Essa situaccedilatildeo revela assim o irremediaacutevel comprometimento do julgador que

acaba influenciado quando do julgamento propriamente dito por elementos colhidos

durante a investigaccedilatildeo natildeo sujeitos a contraditoacuterio comprometendo tambeacutem e

consequentemente a presunccedilatildeo de inocecircncia e o direito de defesa

O equacionamento desse problema natildeo eacute simples e o modelo paacutetrio de processo

penal atual natildeo apresenta remeacutedio Eacute preciso pois uma reforma estrutural orientada a

privilegiar a funccedilatildeo garantidora do Poder Judiciaacuterio como um todo e em especial perante

a investigaccedilatildeo preliminar de modo a preservar o distanciamento do juiz do processo

responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e

dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo

Apresentada pois a base garantista sobre a qual deve ser desenvolvida a

investigaccedilatildeo criminal e exposto o problema da perda da imparcialidade do magistrado pela

atuaccedilatildeo na fase de investigaccedilatildeo imprescindiacutevel para uma adequada apreciaccedilatildeo dessa

questatildeo e em momento posterior da soluccedilatildeo aventada pela doutrina incorporada pelo

Projeto de Lei 1562009 uma anaacutelise pormenorizada do papel desempenhado pelo

magistrado na investigaccedilatildeo criminal no ordenamento juriacutedico brasileiro

Eacute o que pretendemos no capiacutetulo a seguir o que seraacute feito partindo-se de uma

abordagem histoacuterica acerca da funccedilatildeo exercida pelo Judiciaacuterio perante a investigaccedilatildeo

criminal no modelo paacutetrio de processo penal ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo

495

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito

95

CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL

1 Consideraccedilotildees iniciais

Como vimos a longa experiecircncia juriacutedica demonstrou a conveniecircncia de alguma

apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia indicativa com alguma probabilidade da existecircncia

material de fato que se mostra iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou

participaccedilatildeo Constatou-se que o acusado padece o processo ainda que ao final dele

termine absolvido Sofre com o menosprezo da sociedade Suporta o peso da vergonha de

ser submetido a processo penal

Daiacute portanto a relevacircncia da investigaccedilatildeo preliminar que exerce dupla funccedilatildeo

Diminuir minimizar sobretudo o risco das acusaccedilotildees inuacuteteis temeraacuterias e ateacute caluniosas

e evitar o ocircnus sem qualquer benefiacutecio que tais acusaccedilotildees infundadas trazem para a

justiccedila penal

Contudo se por um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo constitui uma

garantia contra acusaccedilotildees apressadas e destituiacutedas de suficiente base por outro o intenso

envolvimento do magistrado nos atos investigatoacuterios natildeo raro traz em seu bojo violaccedilotildees

a importantes garantias fundamentais do investigado especialmente o direito a um

julgamento por juiz imparcial

Por isso nas legislaccedilotildees modernas tem sido constante a preocupaccedilatildeo em se

restringir a atuaccedilatildeo do julgador na investigaccedilatildeo

Assim como todo o processo penal deve vir estruturado de forma regular e justa

natural que o papel a cargo do julgador na investigaccedilatildeo criminal tambeacutem seja informado

por regras orientadoras e limitadoras todas tendentes agrave concretizaccedilatildeo do ideal do Estado

Democraacutetico de Direito Deve pois a atuaccedilatildeo do julgador nessa fase da persecuccedilatildeo

criminal obedecer a uma forma apropriada sob pena de aproximaccedilatildeo a modelos

processuais historicamente ultrapassados

Nesse ponto especiacutefico deve-se ter como paradigma que os poderes atribuiacutedos ao

96

julgador nesse momento natildeo podem ultrapassar sua finalidade essencial de zelar pela

legalidade do procedimento sob pena de se anularem exatamente essas garantias

essenciais

Mas sabe-se essa eacute uma preocupaccedilatildeo relativamente recente no ordenamento

juriacutedico brasileiro que comeccedila a se delinear principalmente a partir da necessidade de

compatibilizaccedilatildeo dessa fase da persecuccedilatildeo criminal agraves garantias trazidas pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 e ao sistema acusatoacuterio por ela adotado

Tais reflexotildees vecircm agrave tona em funccedilatildeo de inuacutemeros dispositivos existentes em nossa

legislaccedilatildeo processual penal e que afrontam o sistema acusatoacuterio consagrado em nossa

Carta Poliacutetica496

Por isso passaremos a seguir a analisar o papel desempenhado pelo julgador na

investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo

nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo

2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico

21 As Ordenaccedilotildees do Reino

As Ordenaccedilotildees do Reino tiveram significativo papel no Brasil como decorrecircncia de

seu longo tempo de vigecircncia Durante o periacuteodo colonial eram adotadas aqui as normas de

Portugal e por isso as formas de investigar eram legalmente as do Reino497

Quando do descobrimento do Brasil vigiam em Portugal as Ordenaccedilotildees Afonsinas

sucedidas pelas Ordenaccedilotildees Manuelinas e posteriormente pelas Ordenaccedilotildees Filipinas que

foram por sua vez superadas pelas legislaccedilotildees imperiais (Coacutedigo Criminal e Coacutedigo de

Processo Penal Imperial) e republicanas498

Foi o sistema inquisitorial que prevaleceu nos

496

ABADE Denise Neves Garantias do Processo Penal Acusatoacuterio O novo papel do Ministeacuterio Puacuteblico no

Processo Penal de Partes Rio de Janeiro Renovar 2005 p 142 497

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 91 498

SANTIN Valter Foleto O Ministeacuterio Puacuteblico na Investigaccedilatildeo Criminal Bauru EDIPRO 2001 p 27

97

paiacuteses da Europa continental ateacute o seacuteculo XVIII Assim em Portugal a propensatildeo foi no

sentido de ampliar as inquiriccedilotildees pelo juiz499

Nas Ordenaccedilotildees Afonsinas as atividades de poliacutecia judiciaacuteria eram atribuiacutedas aos

juiacutezes o que perdurou nas Ordenaccedilotildees posteriores500

O processo criminal era compreendido no rol das mateacuterias que envolvem pecado

socorrendo-se frequentemente em falta de texto ao Direito Canocircnico501

Notava-se no

processo penal portanto marcante presenccedila do Direito Canocircnico e de seu procedimento

inquisitorial502

Para a indagaccedilatildeo dos crimes era permitidos natildeo soacute os meios da acusaccedilatildeo do Direito

Romano e as querelas mas tambeacutem as inquiriccedilotildees devassas do Direito Canocircnico Essas

inquiriccedilotildees devassas se realizavam de trecircs modos ldquoa acusaccedilatildeo que se inscrevia pelo auto

de querela a denuacutencia que natildeo se inscrevia pois era o meio de delaccedilatildeo secreta e da

suacuteplica dos fracos e a inquiriccedilatildeo normalmente ex officiordquo503

Havia portanto o inqueacuterito e a devassa ldquoo inqueacuterito era uma inquiriccedilatildeo que exigia

a presenccedila do acusado a devassa era a inquiriccedilatildeo feita ex officio sem o concurso do

acusado e de forma secretardquo504

Foi a inquiriccedilatildeo devassa que prestigiando o desenvolvimento do processo secreto e

o procedimento das justiccedilas prescindindo do concurso das partes transformou-se depois

na ferramente principal de todo o processo criminal ex officio505

A denuacutencia que tambeacutem se foi inserindo jaacute desde a jurisprudecircncia dos forais teve

como consequecircncia cessarem as partes de intervir no processo de instruccedilatildeo que assim

acabou absolutamente concentrado nas matildeos do juiz506

499

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 77 500

IBID p 78 501

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas

Bastos 1959 p 112 502

MARQUES Joseacute Frederico Tratado de Direito Processual Penal Satildeo Paulo Saraiva 1980 p 112 503

PIERANGELLI Joseacute Henrique Processo Penal Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Fontes Legislativas Bauru Jalovi

1983 p 56 No mesmo sentido Antonio Scarance Fernandes ensina que ldquonas Ordenaccedilotildees Afonsinas os

processos podiam resultar de notiacutecias advindas de qualquer pessoa ou do proacuteprio ofendido denominadas de

denuacutencia as quais natildeo eram inscritas estimulando-se assim as delaccedilotildees secretas podiam resultar das

querelas inscritas no auto de querela por fim podiam originar-se das inquiriccedilotildees oficiaisrdquo Teoria p

115 504

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 102 505

IBID p 102

98

A poliacutecia administrativa era atribuiacuteda aos juiacutezes e vereadores assim como aos

almotaceacutes a poliacutecia judiciaacuteria como jaacute observado era outorgada aos juiacutezes que tinham

como auxiliares os meirinhos os homens jurados (homens escolhidos que juravam perante

os conselhos cumprir os deveres da poliacutecia) e os vintaneiros (inspetores policiais dos

bairros)507

Estruturou-se assim com o decurso do tempo um corpo de agentes

especializados que compunham a poliacutecia judiciaacuteria a qual ateacute hoje exerce a funccedilatildeo de

investigaccedilatildeo dos crimes508

Agrave eacutepoca das Ordenaccedilotildees Manuelinas os processos criminais natildeo mais se

principiavam por clamores mas sim por querelas juradas por denuacutencias ou por inquiriccedilotildees

devassas509

Eacute nas Ordenaccedilotildees Manuelinas que o promotor de justiccedila eacute referido pela

primeira vez no direito portuguecircs510

Permitimo-nos guardadas as limitaccedilotildees deste trabalho analisar com maior

profundidade as Ordenaccedilotildees Filipinas pois foram elas que por mais de dois seacuteculos foram

aplicadas no nosso paiacutes ateacute mesmo depois da independecircncia

Em mateacuteria de processo penal as Ordenaccedilotildees Filipinas repisaram em grande parte

o conteuacutedo das anteriores Ordenaccedilotildees A importacircncia que lhe eacute atribuiacuteda entre noacutes decorre

diretamente de sua aplicaccedilatildeo e vigecircncia no nosso paiacutes511

Era no Livro V que vinha regulado o procedimento penal nos seus institutos

baacutesicos Para Joseacute Frederico Marques ldquosob o signo de seu sistema normativo cruel e

despoacutetico ali se acasalavam um Direito Penal retroacutegrado e sanguinaacuterio com regras

processuais inquisitivas consubstanciadas sobretudo nas tristemente famosas inquiriccedilotildees

devassasrdquo512

No sistema de processo criminal ordinaacuterio das Ordenaccedilotildees Filipinas os

procedimentos estavam divididos de acordo com os delitos classificados estes em puacuteblicos

e particulares513

506

IBID p 112 507

IBID p 120 508

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 79 509

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 59 No mesmo sentido SANTIN Valter Foleto Op cit p 27 510

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133 511

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63 512

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 113 513

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63

99

O conhecimento dos crimes era levado a juiacutezo por meio de devassas ou inquiriccedilotildees

de querelas e de denuacutencias514

Foi como jaacute observado com as Ordenaccedilotildees Manuelinas que

se afirmaram essas trecircs formas de iniciar os processos que foram mantidas pelas

Ordenaccedilotildees Filipinas515

A acusaccedilatildeo nos crimes particulares conforme liccedilatildeo de Joatildeo Mendes de Almeida

Juacutenior era antecedida da querela da inquiriccedilatildeo sumaacuteria do corpo de delito e da

pronuacutencia516

Nos crimes puacuteblicos por sua vez dependia da querela ou da denuacutencia da

cauccedilatildeo das custas emenda e satisfaccedilatildeo do corpo de delito e da pronuacutencia e nos casos de

devassa era esta a ferramenta do procedimento oficial do juiz seguindo-se a inquiriccedilatildeo

judicial isto eacute a repergunta e o enfrentamento das testemunhas e posteriormente a

pronuacutencia517

Assim era pois formada a culpa

A pronuacutencia consistia na decisatildeo do juiz que considerava o reacuteu suspeito do delito

tornando-o objeto da devassa ou da querela contra ele dada e inscrevendo-o no nuacutemero dos

culpados cujo fundamento era o corpo de delito e os indiacutecios de autoria A confissatildeo os

instrumentos as testemunhas e os tormentos - perguntas judiciais feitas ao reacuteu de crimes

graves a fim de constrangecirc-lo a dizer a verdade por intermeacutedio de torturas - respaldavam o

julgamento518

Devassas eram as inquiriccedilotildees para o conhecimento dos delitos Estas eram

diferenciadas entre devassas gerais e devassas especiais519

As devassas gerais sobre delitos incertos ocorriam anualmente quando os juiacutezes

comeccedilavam a servir nos seus cargos Tambeacutem eram denomidadas gerais as Janeirinhas

que tinham lugar em relaccedilatildeo a alguns crimes em janeiro de cada ano As devassas

especiais pressupunham a existecircncia do delito sendo desconhecido apenas o autor520

As

devassas gerais deviam ser finalizadas no prazo de trinta dias apoacutes o seu iniacutecio as

especiais no mais das vezes deviam ter iniacuteco ateacute oito dias depois do fato e terminar dentro

de trinta dias De forma geral o nuacutemero de testemunhas inquiridas nas devassas natildeo podia

ultrapassar de trinta A realizaccedilatildeo das devassas gerais era atribuiccedilatildeo dos juiacutezes de fora e

514

IBID p 65 515

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 115 516

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135 517

IBID p 135 No mesmo sentido PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 518

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 519

IBID p 64 520

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133

100

ordinaacuterios e dos corregedores nas suas correiccedilotildees a competecircncia para as devassas

especiais era dos juiacutezes do territoacuterio onde se deu o delito ou dos juiacutezes e outros ministros

comissionados para isso521

As devassas uma vez que realizadas sem citaccedilatildeo da parte natildeo eram consideradas

inquiriccedilotildees judiciais para o efeito do julgamento sem que as testemunhas fossem

reperguntadas assim como as testemunhas dos sumaacuterios das querelas Mas para fins de

prisatildeo preventiva assim como nos casos em que se natildeo procedia ordinariamente natildeo havia

a exigecircncia dessa reiteraccedilatildeo Ademais o reacuteu podia dispensar essa reiteraccedilatildeo se assim

desejasse assinando termo denominado de judiciais para que fossem consideradas as

devassas como inquiriccedilotildees judiciais A lei da Reformaccedilatildeo da Justiccedila de 1613 determinou

que as reperguntas deveriam ser requeridas pelos reacuteus sob pena de as testemunhas serem

consideradas judiciais agrave sua revelia522

A querela era a ldquodelaccedilatildeo que algueacutem fazia em juiacutezo competente de um fato

criminoso ou no interesse puacuteblico ou como ofendido lavrando-se disso o competente

autordquo523

Os casos de querela eram todos casos de devassa Podia a parte assim escolher

entre a querela e o procedimento oficial da justiccedila524

Ao lanccedilamento da querela seguia-se o sumaacuterio de querela com a oitiva de trecircs ou

quatro testemunhas e o juramento de caluacutenia que era formalmente lanccedilado A seguir

procedia-se ao corpo de delito que era o fundamento de todo o procedimento criminal e

que conforme as determinaccedilotildees legais formava-se pela inspeccedilatildeo ocular por conjecturas e

pelos depoimentos das testemunhas Nem mesmo a confissatildeo do reacuteu podia suprir a sua

falta525

A denuacutencia era ldquoa comunicaccedilatildeo feita agrave justiccedila do cometimento de um crime

puacuteblico para que o juiz procedesse de ofiacuteciordquo526

e soacute podia ser utilizada nos casos de

devassa ou naqueles em que a lei expressamente a facultava527

521

IBID p 133 522

IBID p 134 523

IBID p 134 524

IBID p 134 525

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 67 526

IBID p 67 527

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135

101

Nas Ordenaccedilotildees Filipinas o serviccedilo de poliacutecia era exercido gratuitamente por

moradores divididos em quadras ou quarteirotildees e controlados pelos alcaides e depois pelos

juiacutezes da terra528

22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832

O Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia foi promulgado em 29 de

novembro de 1832 Teve como objetivo a conformaccedilatildeo da legislaccedilatildeo processual agraves

garantias da Constituiccedilatildeo de 1824529

A inauguraccedilatildeo do Impeacuterio origina no acircmbito de nosso processo penal um periacuteodo

de reaccedilatildeo e constestaccedilatildeo agraves leis autoritaacuterias crueacuteis e oprimentes da monarquia portuguesa

e ldquodo qual o Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 constitui o diploma legal culminante e

mais expressivo siacutentese que eacute dos anseios humanitaacuterios e liberais que palpitavam no seio

do povo e naccedilatildeordquo530

O paiacutes foi coberto por forte movimento constitucionalista assim que proclamada a

independecircncia do Brasil em 7 de setembro de 1822 A Constituiccedilatildeo outorgada em 25 de

marccedilo de 1824 representou a consagraccedilatildeo dos ideais liberais em nossa legislaccedilatildeo

sobretudo no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria brasileira531

substituindo assim as

perversas praacuteticas do sistema inquisitivo532

Os direitos civis e poliacuteticos dos cidadatildeos

brasileiros foram positivados em seu artigo 179 que estabeleceu preceitos e princiacutepios

garantidores de um processo criminal totalmente diferente daquele formulado sob a eacutegide

do Livro V das Ordenaccedilotildees533

A Carta Constitucional de 1824 tratava do Poder Judicial em seu Tiacutetulo VI

Afirmava que este era independente e composto de juiacutezes e jurados no ciacutevel e no crime534

528

SANTIN Valter Foleto Op cit p 28 529

SAAD Marta O direito p 29 530

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 531

SAAD Marta O direito p 27 532

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 533

IBID p 117 534

Art 151 O Poder Judicial independente e seraacute composto de Juizes e Jurados os quaes teratildeo logar assim

no Civel como no Crime nos casos e pelo modo que os Codigos determinarem Art 152 Os Jurados

pronunciam sobre o facto e os Juizes applicam a Lei Art 153 Os Juizes de Direito seratildeo perpetuos o que

102

e previa que haveria juiacutezes de paz eleitos pelo mesmo tempo e da mesma firna que eram

eleitos os vereadores das Cacircmaras deixando poreacutem agrave lei posterior a determinaccedilatildeo das

atribuiccedilotildees dos juiacutezes de paz e dos respectivos distritos535

Assim em atendimento ao disposto na Constituiccedilatildeo a lei de 13 de outubro de 1827

instituiu os Juizados de Paz em cada uma das freguesias e capelas curadas do Impeacuterio do

Brasil estabelecendo sua competecircncia e conferindo aos respectivos juiacutezes de paz

atribuiccedilotildees policiais preventivas536

e repressivas537

Interessam-nos aqui especialmente suas atribuiccedilotildees repressivas os juiacutezes de paz

eram responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do corpo do delito e uma vez identificado o autor este

era levado agrave sua presenccedila para interrogatoacuterio Comprovada a autoria era decretada a prisatildeo

do indiviacuteduo pelo juiz de paz que em seguida o remetia imediatamente ao juiz

criminal538

Vale salientar que durante o Impeacuterio houve a previsatildeo de uma fase para a

formaccedilatildeo da culpa com natureza investigatoacuteria encerrada com a decisatildeo de pronuacutencia a

qual configurava decisatildeo de remessa da causa a julgamento e funcionava como justificava

para a prisatildeo do acusado539

Antes mesmo da Independecircncia foram significativas as

determinaccedilotildees no sentido de se exigir a formaccedilatildeo da culpa para possibilitar-se a prisatildeo540

A criaccedilatildeo dos juiacutezes de paz pela Lei de 13 de outubro de 1827 centralizou portanto

as funccedilotildees policiais na figura desses magistrados sistema que foi preservado pelo Coacutedigo

de Processo Criminal de 1832541

todavia se natildeo entende que natildeo possam ser mudados de uns para outros Logares pelo tempo e maneira que

a Lei determinar 535

Art 161 Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliaccedilatildeo natildeo se comeccedilaraacute Processo

algum Art 162 Para este fim haveraacute juizes de Paz os quaes seratildeo electivos pelo mesmo tempo e maneira

por que se elegem os Vereadores das Camaras Suas attribuiccedilotildees e Districtos seratildeo regulados por Lei 536

ldquoEntre suas atribuiccedilotildees preventivas competia ao juiz de paz ter uma relaccedilatildeo dos criminosos para prendecirc-

los podendo inclusive adentrar nos distritos vizinhos e tendo notiacutecia de que algum criminoso se achava em

outro distrito disso avisar ao juiz de paz e ao juiz criminal respectivo Ainda cabia ao juiz de paz forccedilar os

vadios mendigos becircbados meretrizes e turbulentos a assinar termo de bem viver e por fim fazer observar

as posturas das Cacircmaras impondo devidas penas aos seus violadoresrdquo SAAD Marta O direito p 28 537

Sobre a variada atividade dos Juiacutezes de Paz ver Joatildeo Camillo de Oliveira Torres A Democracia Coroada

(Teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil) Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 248-9 538

SAAD Marta O direito p 28 539

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 121 540

ldquoPara essa finalidade de formaccedilatildeo da culpa e prisatildeo existia uma fase de inquiriccedilatildeo sumaacuteria durante a

qual eram ouvidas testemunhas elaborado o exame de corpo de delito e realizadas outras diligecircnciasrdquo

IBID p 121 541

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117

103

Assim os juiacutezes depaz - cidadatildeos eleitos pelos habitantes do distrito - detinham

enorme poder Competia-lhes dentre outras funccedilotildees proceder ao auto de corpo de delito e

formar a culpa aos delinquentes nos processos ordinaacuterios542

que despontava como a base

da acusaccedilatildeo543

Os juiacutezes de paz eram eleitos pelo povo em nuacutemero de quatro e exerciam suas

atribuiccedilotildees sucessivamente na ordem de votaccedilatildeo um por ano Concentravam grande poder

como formadores da culpa responsaacuteveis por todas as funccedilotildees policiais na investigaccedilatildeo do

crime e respectiva autoria que consubstanciam o fundamento para a acusaccedilatildeo544

O Coacutedigo Processo Criminal de Primeira Instacircncia era dividido em duas partes a

primeira delas cuidava da organizaccedilatildeo judiciaacuteria545

enquanto a segunda dispunha acerca da

forma do processo ou procedimento

No tocante agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria aleacutem de o Coacutedigo de Processo Criminal de

Primeira Instacircncia ter conservado a previsatildeo dos juiacutezes de paz e suas atribuiccedilotildees como jaacute

observado destacou a poliacutecia como um oacutergatildeo do Judiciaacuterio546

visto que o chefe de poliacutecia

era tambeacutem um juiz de direito547

A segunda parte do Coacutedigo que tratava da forma do processo ocasionou profunda

transformaccedilatildeo nas formas procedimentais preexistentes assim como a primeira O Coacutedigo

de Processo modificou substancialmente as formas do procedimento criminal548

ldquoAs

querelas as denuacutencias e as devassas de origem inquisitorial foram abolidas e ideias

liberais foram incorporadas agrave leirdquo549

As denuacutencias assumem caracteriacutesticas bem

diferentes daquelas estabelecidas ao tempo das Ordenaccedilotildees transfigurando-se no

542

Art 12 ldquoAos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos

delinquentesrdquo 543

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 126 anos de Inqueacuterito Policial - Perspectivas _ para o

futuro In Revista da Associaccedilatildeo dos Delegados de Poliacutecia do Estado de Satildeo Paulo n 25 Satildeo Paulo

ADPESP ano 19 Marccedilo de 1998 544

SAAD Marta O direito p 31 545

Segundo o estabelecido pelo Coacutedigo a organizaccedilatildeo judiciaacuteria se operava da seguinte forma as proviacutencias

dividiam-se em comarcas termos e distritos de paz estes correspondentes a um agrupamento de setenta e

cinco casas habitadas Em cada distrito havia um juiz de paz auxiliado por um escrivatildeo inspetores de

quarteiratildeo e oficiais de justiccedila (art 12) No termo havia um juiz municipal (Art 33) um promotor puacuteblico

(art 36) um conselho de jurados (art 23) e escrivatildees Na comarca havia um juiz de direito nuacutemero este que

poderia ser ateacute triplicado nas cidades mais populosas sendo que um dos juiacutezes de direito seria tambeacutem o

chefe de poliacutecia 546

Art 6ordm Feita a divisatildeo haveraacute em cada Comarca um Juiz de Direito nas Cidades populosas poreacutem poderatildeo

haver ateacute tres Juizes de Direito com jurisdicccedilatildeo cumulativa sendo um delles o Chefe da Policia 547

SAAD Marta O direito p 29 548

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 549

SAAD Marta O direito p31-32

104

instrumento de accedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico ou da accedilatildeo puacuteblica de qualquer do povo550

a

querela foi substituiacuteda pela queixa que consubstanciava a acusaccedilatildeo formulada pelo

ofendido seu pai matildee tutor curador cocircnjuge551

o procedimento ldquoex officiordquo inaugurado

pelo proacuteprio juiz passou a ser admitido em todos os casos em que cabiacutevel a denuacutencia

ainda que denuacutencia natildeo houvesse552

A formaccedilatildeo da culpa que compreende o

procedimento desde o corpo de delito ateacute o interrogatoacuterio foi feita em sumaacuterio somente

sendo permitido proceder-se em segredo quando a ela natildeo assistisse o delinquente e seus

soacutecios553

Necessaacuterio ressalvar que o sentido que a locuccedilatildeo formaccedilatildeo da culpa aqui assume eacute

aquele preciso da formaccedilatildeo da culpa preliminar procedimento preacutevio agrave pronuacutencia mas que

abrange natildeo soacute o sumaacuterio de inquiriccedilatildeo de testemunhas como tambeacutem os atos do corpo do

delito Compreende portanto anteriormente agrave declaraccedilatildeo de procedecircncia ou

improcedecircncia da queixa ou denuacutencia ou procedimento ex officio todos os atos realizados

para estabelecer a existecircncia do crime e indiacutecios contundentes de autoria554

A formaccedilatildeo da culpa aqui compreendida portanto no seu sentido estrito era

subordinada ao princiacutepio inquisitivo sendo conduzida pelo juiz de paz555

ldquoIsto eacute

instruccedilatildeo do juiz natildeo soacute como resultado mas tambeacutem como atividade de se instruir

atribuiacuteda ao proacuteprio juiz sem dependecircncia da atividade das partes nem mesmo do

promotor puacuteblicordquo556

Essa independecircncia do juiz em face do queixoso ou do denunciante podia ser

observada na lei imperial sob quatro diferentes perspectivas ldquoa) no iniciar a formaccedilatildeo do

corpo de delito b) no formar o corpo de delito c) no iniciar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de

testemunhas d) no realizaacute-lardquo557

550

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 551

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 117 552

ldquoInstaurava-se o procedimento penal mediante queixa do ofendido seu pai matildee tutor curador ou

cocircnjuge Ou entatildeo por denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico ou de qualquer do povo e ainda mediante atuaccedilatildeo

ex officio do juizrdquo MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 553

IBID p 176 De acordo com Antonio Scarance Fernandes com o Coacutedigo de Processo de 1832 ldquoa fase de

formaccedilatildeo da culpa denominada de sumaacuterio era de responsabilidade dos juiacutezes de paz e compreendia em

siacutentese os seguintes atos apresentaccedilatildeo de queixa ou denuacutencia ao juiz de paz diligecircncias inquiriccedilotildees

interrogatoacuterio pronuacutenciardquo Teoria p 123 554

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo

1973 p 125 555

SAAD Marta O direito p 32 556

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 557

IBID p 126

105

Esse procedimento da formaccedilatildeo da culpa portanto origem do que depois seria

disciplinado como inqueacuterito policial tratava-se de breve procedimento acautelatoacuterio das

provas principais dos delitos e no qual a urgecircncia representava a principal preocupaccedilatildeo558

Como alicerce exclusivo da acusaccedilatildeo era atribuiacutedo ao juiz de paz a quem competia a

lavratura de auto de corpo do delito e formaccedilatildeo da culpa dos delinquentes o que abrandia a

inquiriccedilatildeo testemunhal e o registro de dois a cinco depoimentos de testemunhas559

De fato dispunha o coacutedigo que na atividade de investigaccedilatildeo o juiz de paz

procedesse a auto de corpo de delito e formasse a culpa dos delinquentes560

e que atuasse

sempre seja devido a requerimento formulado pela parte seja por iniciativa proacutepria561

com exceccedilatildeo dos crimes de accedilatildeo exclusivamente privada562

Ao juiz de paz incumbia

reunir tudo que encontrasse no lugar do delito e arredores e que pudesse servir de prova563

bem como deveria proceder agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas do sumaacuterio ainda que natildeo

houvesse denunciante564

mandando chamaacute-las de ofiacutecio565

para que depusessem sobre a

existecircncia do crime e autoria delitiva566

567

O juiz de paz possuiacutea independecircncia em relaccedilatildeo ao promotor puacuteblico para agir no

cumprimento daquelas obrigaccedilotildees de lei jaacute que sua subordinaccedilatildeo natildeo seria possiacutevel sem

recorrentes prejuiacutezos para a justiccedila penal568

devido agrave inexistecircncia de um representante do

Ministeacuterio Puacuteblico em cada distrito de paz a natildeo ser naquele que fosse sede de termo569

558

IBID p 126 559

SAAD Marta O direito p 32-33 560

Art 12 Aos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos

delinquentes 561

Art 138 O Juiz procederaacute a auto de corpo de delicto a requerimento de parte ou ex-officio nos crimes

em que tem lugar a denuncia 562

Art 139 Os autos de corpo de delicto feitos a requerimento de parte nos crimes em que natildeo tem lugar a

denuncia seratildeo entregues aacute parte se o pedir sem que delles fique traslado 563

Art 136 O Juiz mandaraacute colligir tudo quanto encontrar no lugar do delicto e sua vizinhanccedila que possa

servir de prova 564

Art 141 Nos casos de denuncia ainda que natildeo haja denunciante o Juiz procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de

testemunhas na foacuterma do artigo antecedente fazendo autuar o auto de corpo de delicto se o houver 565

Art 84 As testemunhas seratildeo offerecidas pelas partes ou mandadas chamar pelo Juiz ex-officio 566

Art 140 Apresentada a queixa ou denuncia com o auto do corpo de delicto ou sem elle natildeo sendo

necessario o Juiz a mandaraacute autuar e procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de duas ateacute cinco testemunhas que tiverem

noticia da existencia do delicto e de quem seja o criminoso 567

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 568

IBID p 126 569

Art 4ordm Haveraacute em cada Districto um Juiz de Paz um Escrivatildeo tantos Inspectores quantos forem os

Quarteirotildees e os Officiaes de Justiccedila que parecerem necessarios Art 5ordm Haveraacute em cada Termo ou Julgado

um Conselho de Jurados um Juiz Municipal um Promotor Publico um Escrivatildeo das execuccedilotildees e os

Officiaes de Justiccedila que os Juizes julgarem necessarios

106

O juiz de paz igualmente natildeo dependia do indiciado para formar o corpo do delito

ou para instaurar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de testemunhas570

Antes ou durante a formaccedilatildeo da culpa era possiacutevel a prisatildeo em flagrante571

ou

preventiva572

do reacuteu Nesses casos estando o delinquente preso ou afianccedilado assistia a

inquiriccedilatildeo das testemunhas podendo ser interrogado pelo juiz e contestar as testemunhas573

574 Ainda residindo no distrito de paz de maneira que pudesse ser conduzido agrave presenccedila

do juiz a tempo de assistir agrave deposiccedilatildeo podia igualmente ser interrogado e contestar os

testemunhos

Dessa forma o reacuteu preso afianccedilado ou morador das proximidades do lugar onde

ocorria a formaccedilatildeo da culpa podia ser levado agrave presenccedila do juiz mas natildeo citado

Facultava-se-lhe entatildeo requerer que as testemunhas inquiridas na sua ausecircncia fossem

reperguntadas na sua presenccedila Mas o juiz soacute o deferiria sendo possiacutevel575

sem prejuiacutezo aos

objetivos e do caraacuteter urgente da instruccedilatildeo576

Presente o reacuteu o juiz deveria ordenar a leitura de todas as peccedilas comprobatoacuterias de

seu crime para interrogaacute-lo E finalmente se por meio da inquiriccedilatildeo das testemunhas do

interrogatoacuterio do indiciado delinquente ou de informaccedilotildees a que tivesse procedido o juiz

de paz se convencesse da existecircncia do delito e de quem fosse o seu autor declararia a

procedecircncia da acusaccedilatildeo e obrigaria o delinquente agrave prisatildeo nos casos legais577

Como o Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia natildeo previa meacutetodos

substanciais para a formaccedilatildeo da culpa todos esses atos praticados pelo juiz de paz eram de

570

ldquoNatildeo haacute um soacute artigo que afirme a necessaacuteria citaccedilatildeo do suspeito e a isso acresce a circunstacircncia de

serem possiacuteveis ateacute mesmo pronuacutencias (antes da confirmaccedilatildeo) sem identificaccedilatildeo do culpado o que seria

inexplicaacutevel se devesse prevalecer aquela necessidade (arts 329 e 247)rdquo ALMEIDA Joaquim Canuto

Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo 1973 p 126-127 571

Art 131 Qualquer pessoa do povo poacutede e os Officiaes de Justiccedila satildeo obrigados a prender e levar aacute

presenccedila do Juiz de Paz do Districto a qualquer que focircr encontrado commettendo algum delicto ou

emquanto foge perseguido pelo clamor publico Os que assim forem presos entender-se-hatildeo presos em

flagrante delicto 572

Art 175 Poderatildeo tambem ser presos sem culpa formada os que forem indiciados em crimes em que natildeo

tem lugar a fianccedila poreacutem nestes e em todos os mais casos aacute excepccedilatildeo dos de flagrante delicto a prisatildeo natildeo

pode ser executada senatildeo por ordem escripta da autoridade legitima 573

Art 142 Estando o delinquente preso ou afianccedilado ou residindo no Districto de maneira que possa ser

conduzido aacute presenccedila do Juiz assistiraacute aacute inquiriccedilatildeo das testemunhas em cujo acto poderaacute ser interrogado

pelo Juiz e contestar as testemunhas sem as interromper 574

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 575

Art 97 Toda a vez que o reacuteo levado aacute presenccedila do Juiz requerer que as testemunhas inquiridas em sua

ausencia sejam reperguntadas em sua presenccedila assim lhe seraacute deferido sendo possivel 576

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 577

IBID p 127

107

algum modo discricionaacuterios e este podia assim desatender os pedidos do suspeito levado

agrave sua presenccedila conforme a necessidade e a urgecircncia das provas578

Os atos de denuacutencia e queixa representavam com relaccedilatildeo ao sumaacuterio de culpa

simples incentivo ao funcionamento inquisitoacuterio do juiz quando a espontaneidade natildeo se

tivesse revelado jaacute que ao promotor puacuteblico incumbia a denuacutencia qualquer pessoa do

povo podia igualmente denunciar e o ofendido podia apresentar sua queixa579

Em resumo o Coacutedigo de Processo natildeo instituiu foacutermulas substanciais para a

formaccedilatildeo da culpa mas tatildeo somente foacutermulas substanciais do processo principal Por isso

a formaccedilatildeo da culpa propriamente dita nunca era anulada conquanto se anulassem

decisotildees tanto do juacuteri de acusaccedilatildeo quanto do juacuteri de sentenccedila devido a irregularidades da

formaccedilatildeo da culpa580

Pode-se dizer assim que o Coacutedigo de 1832 empreendeu uma das mais complexas

mudanccedilas institucionais no Brasil Abandonamos o centralismo e a severidade da justiccedila

despoacutetica dos tribunais reacutegios que aplicavam as Ordenaccedilotildees para um sistema em que a

aplicaccedilatildeo da justiccedila era atribuiacuteda agraves cacircmaras municipais e ao povo diretamente Na praacutetica

poreacutem infelizmente essa iniciativa liberal era constantemente deturpada transformando

da justiccedila em arma das facccedilotildees em luta E isto numa eacutepoca de crise do princiacutepio de

autoridade como durante a regecircncia ldquoEm palavras simples a poliacutecia e a justiccedila eletiva

tornaram-se instrumento dos mais poderososrdquo581

As inquitaccedilotildees poliacuteticas e os movimentos revolucionaacuterios que tomaram conta do

paiacutes entre 1830 e 1840 foram responsaacuteveis por demonstrar a vulnerabilidade dos meios

legais estabelecidos para conter os excessos que eram praticados Nesse cenaacuterio e natildeo sem

reaccedilatildeo foi promulgada a Lei nordm 261 de 3 de dezembro de 1841 e logo apoacutes em 31 de

janeiro de 1842 foi expedido o Regulamento nordm 120582

578

SAAD Marta O direito p 35 579

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127-128 580

IBID p 128 581

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 582

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117

108

23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842

A Lei nordm 261 de 03121841 obra de caraacuteter monaacuterquico-conservador com

conteuacutedo altamente centralizador e despoacutetico583

e seu e seu Regulamento nordm 120 de 31 de

janeiro de 1842 provocaram uma profunda reforma no Coacutedigo de Processo Criminal de

Primeira Instacircncia

Frutos da resistecircncia monaacuterquico-conservadora especialmente no acircmbito da

organizaccedilatildeo judiciaacuteria e policial visaram fornecer ao Governo imperial ferramentas e

artifiacutecios para reprimir a desordem e impor sua autoridade em todos os setores da paiacutes

tendo em vista que o sistema adotado pelo Coacutedigo de 1832 se mostrava pouco eficaz para

recuparar de uma vez por todas a ordem e a tranquilidade584

A Lei de 3 de dezembro buscou implementar um aparelhamento policial fortemente

centralizado e dotar o Governo de poderes bastantes para cumprir a tarefa a que se

propunha de tornar efetiva a autoridade legal585

Essas legislaccedilotildees proporcionaram poucas mudanccedilas no regime inquisitoacuterio do

Coacutedigo de Processo Suas novidades relacionaram-se sobretudo agrave forma de organizaccedilatildeo

judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes propensas a assegurar a forccedila do poder nacional contra as

excessivas prerrogativas dos elementos regionais586

Dentre as principais criacuteticas a respeito do Coacutedigo de Processo Criminal de 1832

afirmava-se que as funccedilotildees policiais e judiciaacuterias laacute atribuiacutedas agrave mesma autoridade ndash o juiz

de paz - eram muito diferentes razatildeo pela qual deveriam ser separadas tornando-se a

poliacutecia oacutergatildeo do Executivo587

588

E essa foi exatamente a mais significativa alteraccedilatildeo

produzida pela Lei nordm 2611841 e seu Regulamento nordm 1201842 ou seja a entrega do

poder anteriormente confiado aos juiacutezes de paz para os delegados de poliacutecia nova figura

583

SAAD Marta O direito p 40 584

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 585

IBID p 119 586

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131 587

SAAD Marta O direito p 41 588

Haacute muito jaacute se discutia a necessidade de reforma do Coacutedigo de Processo Criminal apontando-se dentre

outras questotildees a importacircncia da dissociaccedilatildeo das funccedilotildees judiciaacuterias e policiais que estavam entregues aos

juiacutezes municipais e aos juiacutezes de paz PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 135

109

criada pela Lei nordm 2611841 e assim chamados por exercerem delegaccedilatildeo do chefe de

poliacutecia589

As atribuiccedilotildees do juiz de paz restringiram-se ao miacutenimo590

Estabeleceu-se que em

cada proviacutencia haveria um chefe de poliacutecia escolhido entre os desembargadores e juiacutezes

de direito pelo Imperador591

Na corte e em cada termo existiria um delegado proposto

pelo chefe de poliacutecia592

e nomeado na corte pelo Imperador e na proviacutencia pelo seu

presidente593

Ainda haveria os subdelegados um em cada distrito de paz das proviacutencias

propostos pelo chefe de poliacutecia ouvido o delegado594

e nomeados pelo presidente da

proviacutencia respectiva595

596

Com efeito segundo Marta Saad ldquocom a redaccedilatildeo dada ao Coacutedigo pela reforma o

juiz de paz eletivo cedeu suas atribuiccedilotildees policiais e sua jurisdiccedilatildeo criminal a delegados e

subdelegados os quais eram nomeados e demitidos ao arbiacutetrio do governordquo597

589

SAAD Marta O direito p 40 590

ldquoA Lei n 261 de 3121841 em modificaccedilatildeo ao Coacutedigo de Processo Criminal criou aparelhamento

policial centralizado e retirou muitas atribuiccedilotildees do juiz de pazrdquo SANTIN Valter Foleto Op cit p 28-29 591

De acordo com o artigo 2ordm da Lei nordm 26141 ldquoos Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os

Desembargadores e Juizes de Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos

seratildeo todos amoviveis e obrigados a aceitarrdquo O artigo 24 do Regulamento 120 de 1842 dispunha que ldquoos

Chefes de Policia aleacutem do ordenado de Desembargadores (quando o sejatildeo) ou de Juizes do Direito das

Capitaes em que servirem venceraacuteotilde mais uma gratificaccedilatildeo proporcional ao trabalho a qual seraacute marcada

pelo Governo sobre informaccedilotildees dos Presidentes das Provinciasrdquo 592

Art 26 Os Delegados seratildeo propostos dentre os Juizes Municipaes de Paz Bachareis formados ou

outros quaesquer Cidadatildeos (aacute excepccedilatildeo dos Parochos) com tanto que residatildeo nas Cidades ou Villas que

forem cabeccedilas de Termo (ou dos Termos no caso da reuniatildeo de que trata o art 31 da Lei de 3 de Dezembro

de 1841) ou mui proximamente (nunca poreacutem foacutera dos limites do dito Termo ou Termos) e tenhatildeo as

qualidades requeridas para ser Eleitor e que sejatildeo homens de reconhecida probidade e intelligencia 593

Art 1ordm da Lei nordm 26141 Haveraacute no Municipio da Cocircrte e em cada Provincia um Chefe de Policia com os

Delegados e Subdelegados necessarios os quaes sobre proposta seratildeo nomeados pelo Imperador ou pelos

Presidentes Todas as Autoridades Policiaes satildeo subordinadas ao Chefe da Policia Art 25 do Regulamento

12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte e pelos Presidentes das

Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas as necessarias

observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos propostos Estas

propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 594

Art 2ordm da Lei nordm 26141 Os Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os Desembargadores e Juizes de

Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos seratildeo todos amoviveis e

obrigados a acceitar Art 27 do Regulamento 12042 Os Subdelegados seratildeo propostos ouvindo o

Delegado dentre os Juizes de Paz dos respectivos districtos dentre os Bachareis formados e outros

quaesquer Cidadatildeos que nelles residirem e tiverem as qualidades requeridas no artigo antecedente 595

Art 25 do Regulamento 12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte

e pelos Presidentes das Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas

as necessarias observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos

propostos Estas propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 596

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 597

SAAD Marta O direito p 41-42

110

O Regulamento nordm 1201842 consagrou a diferenciaccedilatildeo da poliacutecia em

administrativa e judiciaacuteria com fundamento nas atribuiccedilotildees e na competecircncia Disciplinou-

as em distintas seccedilotildees mas no mesmo capiacutetulo Agrave poliacutecia judiciaacuteria foram outorgadas no

bojo do artigo 3ordm598

as funccedilotildees de proceder ao corpo de delito expedir mandado de busca e

apreensatildeo prender denunciados e julgar crimes no acircmbito de sua competecircncia599

Como anteriormente observado a expressiva alteraccedilatildeo gerada por essa reforma

ocorreu na esfera da organizaccedilatildeo judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes e natildeo exatemente no acircmbito

das reformas procedimentais600

A competecircncia para o procedimento de instruccedilatildeo preliminar ou formaccedilatildeo da culpa

(corpo do delito e sumaacuterio da pronuacutencia) disciplinado no Capitulo VIII do Tiacutetulo I ndash

disposiccedilotildees criminais601

foi transferida para delegados e subdelegados bem como para o

chefe de poliacutecia ndash que vale ressaltar era escolhido sempre dentre desembargadores e

juiacutezes de direito602

- assim tambeacutem a faculdade de pronunciarem603

com recurso ex officio

para o juiz municipal que sustentava ou revogava o despacho604

Esse magistrado tambeacutem

podia formar a culpa e pronunciar originariamente605

606

598

Art 3ordm Satildeo da competencia da Policia Judiciaria 1ordm A attribuiccedilatildeo de proceder a corpo de delicto

comprehendida no sect 4ordm do art 12 do Codigo do Processo Criminal 2ordm A de prender os culpados

comprehendida no sect 5ordm do mesmo artigo do dito Codigo 3ordm A de conceder mandados de busca 4ordm A de julgar

os crimes a que natildeo esteja imposta pena maior que multa ateacute 10$000 prisatildeo degredo ou desterro ateacute seis

mezes com multa correspondente aacute metade desse tempo ou sem ella e tres mezes de Casa de Correcccedilatildeo ou

officinas publicas onde as houver (Cod do Proc Crim art 12 sect 7ordm) 599

SAAD Marta O direito p 43 600

IBID p 43 601

Artigos 47 a 53 da Lei nordm 26141 602

Art 262 Os Chefes de Policia Juizes Municipaes Delegados e Subdelegados procederaacuteotilde aacute formaccedilatildeo da

culpa ou em virtude de queixas ou denuncias dadas nos casos e com as formalidades estabelecidas nos arts

72 73 74 75 76 78 e 79 do Codigo do Processo Criminal ou meramente ex-officio 603

ldquoOs despachos de pronuacutencia ou impronuacutencia proferidos pelos chefes de poliacutecia ou pelos juiacutezes municipais

produziam desde logo seus efeitos independentemente de ratificaccedilatildeo (artigo 287 do Regulamento 120) Tal

natildeo acontecia com os lavrados pelos delegados e subdelegados que ficavam dependentes de sustentaccedilatildeo ou

revogaccedilatildeo dos juiacutezes municipais que assim substituiacuteram nas respectivas funccedilotildees o juacuteri de acusaccedilatildeo Este

foi suprimidordquo ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131-132 604

Art 4ordm da Lei 26141 Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos

respectivos districtos compete sect 1ordm As attribuiccedilotildees conferidas aos Juizes de Paz pelo art 12 sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm

5ordm e 7ordm do Codigo do Processo Criminal ()Art 5ordm Os Subdelegados nos seus districtos teratildeo as mesmas

attribuiccedilotildees marcadas no artigo antecedente para os Chefes de Policia e Delegados exceptuadas as dos sectsect 5ordm

6ordm e 9ordm

Art 17 da Lei 26141 Compete aos Juizes Municipaes () sect 3ordm Sustentar ou revogar ex-officio as

pronuncias feitas pelos Delegados e Subdelegados 605

Conforme artigo 211 do Regulamento 1201842 ldquoAos Juizes Municipaes na parte criminal compete ()

2ordm Proceder a auto de corpo de delicto e formar culpa aos delinquentes e aos Officiaes que perante elles

serviremrdquo 606

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131

111

Ao receberem dos delegados e subdelegados os processos de formaccedilatildeo da culpa os

juiacutezes municipais deveriam examinaacute-los para aferir a o correto cumprimento das

formalidades legais ou de fallhas que pudessem prejudicar a elucidaccedilatildeo do fato e de suas

circunstacircncias Podiam entatildeo para reparaccedilatildeo das deficiecircncias ou deslizes verificados

proceder de ofiacutecio ou a pedido da parte a todas as diligecircncias que julgassem essenciais para

ratificaccedilatildeo do processado para reparar nulidades e para esclarecer a verdade (artigos

290607

291608

e 292609

)610

Assim em toda proviacutencia do Impeacuterio e na Corte a instruccedilatildeo preliminar o auto de

corpo de delito e a formaccedilatildeo da culpa passaram a ser incumbecircncia dos chefes de poliacutecia e a

de seus delegados nos respectivos distritos611

Podiam tambeacutem as aludidas autoridades policiais remeter aos Juiacutezes competentes

quando julgassem adequado todos os dados provas e esclarecimentos que houvessem

obtido sobre um delito com uma exposiccedilatildeo do caso e suas circunstacircncias a fim de

formarem a culpa612

O Regulamento nordm 12042 em seu artigo 61613

esclarecia que tal

607

Art 290 Se quando lhes forem presentes os processos para o fim indicado no artigo antecedente acharem

os Juizes Municipaes que ha nelles pretericcedilatildeo de formalidades legaes que induz nullidade ou faltas que

prejudicatildeo o esclarecimento da verdade do facto e de suas circumstancias procederaacuteotilde ex-officio ou a

requerimento de parte a todas as diligencias que julgarem precisas para a ratificaccedilatildeo das queixas ou

denuncias emenda das faltas que induzirem nullidade e a fim de dar ao facto e suas circumstancias todo o

esclarecimento que focircr necessario havendo-se nisso o mais breve e summariamente que focircr possivel 608

Art 291 Para esse fim mandaraacuteotilde que as queixas e denuncias sejatildeo juradas e assignadas pelos queixosos e

denunciantes que os autos interrogatorios e inquiriccedilotildees sejatildeo assignadas pelos Juizes partes testemunhas e

mais pessoas que tenhatildeo intervindo quando faltarem taes solemnidades ordenaraacuteotilde os interrogatorios dos

reacuteos a repergunta acareaccedilatildeo e confrontaccedilatildeo das testemunhas e outras diligencias quando nos ditos

processos natildeo houver sufficiente esclarecimento sobre o crime e suas circumstancias e sobre os seus autores

ou complices 609

Art 292 Estas diligencias seratildeo feitas perante os mesmos Juizes Municipaes quando os reacuteos presos ou

soltos as testemunhas ou outras quaesquer pessoas que tenhatildeo de intervir nellas estiverem em distancia tal

que lhes permitta vir e voltar no mesmo dia aliaacutes seratildeo feitas pela mesma Autoridade que remetteu o

processo reenviando-lho o Juiz Municipal com as instrucccedilotildees que julgar necessarias as quaes seratildeo por elle

lanccediladas nos autos 610

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 132 611

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 612

Art 4ordm Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos respectivos

districtos compete () sect 9ordm Remetter quando julgarem conveniente todos os dados provas e

esclarecimentos que houverem obtido sobre um delicto com uma exposiccedilatildeo do caso e de suas

circumstancias aos Juizes competentes a fim de formarem a culpa Se mais de uma autoridade competente

comeccedilarem um processo de formaccedilatildeo de culpa proseguiraacute nelle o Chefe de Policia ou Delegado salvo

poreacutem o caso da remessa de que se trata na primeira parte deste paragrapho 613

Art 61 A remessa de que trata o sect 13 do art 58 poderaacute ter lugar nos casos dos sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm 5ordm 6ordm 7ordm e

12 do mesmo artigo todas as vezes que esses casos se natildeo apresentem revestidos de circumstancias

extraordinarias e taes que reclamem a attenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Policia e o emprego

de meios mais amplos que tenha aacute sua disposiccedilatildeo A exposiccedilatildeo de que trata o referido sect 13 deveraacute conter

aquellas instrucccedilotildees que o mesmo Chefe julgar conveniente dar a indicaccedilatildeo das testemunhas que souberem

do facto e de todos os indicios que se houverem descoberto e ser acompanhada dos requerimentos queixas

ou denuncias que houverem

112

remessa somente poderia ocorrer quanto agrave formaccedilatildeo da culpa nos casos que natildeo se

apresentassem ldquorevestidos de circunstacircncias extraordinaacuterias e tais que reclamassem a

atenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Poliacutecia e o emprego de meios mais

amplos que tenha agrave sua disposiccedilatildeordquo614

Assim por meio de tais dispositivos e em especial do artigo 16615

do Regulamento

nordm 12042 pode-se dizer que o legislador paacutetrio comeccedilava entatildeo a determinar o registro

das conclusotildees obtidas a partir das indagaccedilotildees antecedentes como simples forma de

colaboraccedilatildeo com as autoridades sumariantes ofertada naquelas ocasiotildees em que a primeira

autoridade indagadora natildeo fosse concomitantemente a competente para a formaccedilatildeo da

culpa e devesse por isso ldquoinformar-se para informar mediante provas e mais

esclarecimentos que houverem de remeter para a formaccedilatildeo da culpa a juiacutezes

competentesrdquo616

Em resumo com o advento da Lei 261 de 03121841 a formaccedilatildeo da culpa passou

a ser atribuiacuteda aos chefes de poliacutecia seus delegados e subdelegados e ao juiz municipal

que substituiu o juiz de paz concentrando funccedilotildees policiais e criminais617

Aos juiacutezes de

paz no entanto agora com poderes reduzidos em funccedilatildeo do poder concedido agrave poliacutecia era

permitido proceder ao auto de corpo de delito618

e agrave formaccedilatildeo da culpa619

concorrentemente

614

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 615

Art 16 Os Chefes de Policia para a expediccedilatildeo dos negocios que pertencem aacute Policia administrativa

enumerados no art 2ordm do presente Regulamento e bem assim para escrever os interrogatorios provas e mais

esclarecimentos que houverem de remetter par a formaccedilatildeo da culpa aos Juizes competentes na

conformidade do sect 9ordm do art 4ordm da Lei de 9 de Dezembro de 1841 e do art 61 do dito Regulamento servir-

se-hatildeo dos Empregados da sua Secretaria e para a dos negocios que pertencerem aacute Policia Judiciaria

enumerados no art 3ordm do mesmo Regulamento e dos criminaes servir-se-hatildeo de qualquer dos Escrivatildees que

escrevem perante os Juizes Municipaes e Subdelegados que julgarem conveniente chamar Em todos os

casos poreacutem estando foacutera da Capital e seu Termo poder-se-hatildeo servir destes ultimos Art 17 Os Delegados

de Policia quer sejatildeo Juizes Municipaes quer sejatildeo tirados doutra classe do cidadatildeos empregaraacuteotilde no

expediente e escripturaccedilatildeo de todos os negocios a seu cargo os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila que servirem

perante Juizes Municipaes os quaes seratildeo obrigados a obedecer-lhes e a cumprir as suas ordens debaixo das

penas da Lei Nos casos deste artigo e da 2ordf parte do antecedente os Chefes de Policia e Delegados

participaraacuteotilde officialmente aos Juizes Municipaes e Subdelegados quaes os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila

que tiverem empregados Art 18 Cada Subdelegado teraacute um Escrivatildeo (a cujo cargo estaraacute todo o seu

expediente) e o numero de Inspectores de Quarteiratildeo que admittir o districto 616

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 201 617

SAAD Marta O direito p 46 618

Art 65 As attribuiccedilotildees policiaes dos Juizes de Paz consistem () 6ordm Em fazer corpos de delicto 619

SAAD Marta O direito p 43-44

113

Jaacute aos juiacutezes de direito das comarcas quanto ao tema restou formar a culpa dos

empregados puacuteblicos natildeo privilegiados nos crimes de responsabilidade620

Como se pocircde observar confundia a Lei justiccedila e poliacutecia621

conferindo agraves

autoridades policiais funccedilotildees natildeo soacute policiais como judiciaacuterias622

Assim ldquoa reaccedilatildeo contra

o judiciarismo policial dos liberais de 1832 com as funccedilotildees policiais entregues a juiacutezes de

paz eletivos foi certamente excessiva com a inversatildeo operada ndash o policialismo judiciaacuterio ndash

confiadas agraves autoridades policiais funccedilotildees nitidamente judiciaacuteriasrdquo623

Durante cerca de trinta anos o Brasil vivenciou essa situaccedilatildeo natildeo sem protestos e

projetos legislativos de reforma que findaram na Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871

apoacutes intensos debates em ambas as casas do parlamento imperial que suscitaram

sobretudo a questatildeo da diferenccedila das funccedilotildees policiais e judiciaacuterias da separaccedilatildeo da

poliacutecia e da judicatura624

24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871

A Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871 e o Decreto nordm 4824 de 22 de novembro

620

Art 25 Aos Juizes de Direito das Comarcas aleacutem das attribuiccedilotildees que tem pelo Codigo do Processo

Criminal compete 1ordm Formar culpa aos Empregados Publicos natildeo privilegiados nos crimes de

responsabilidade Esta jurisdicccedilatildeo seraacute cumulativamente exercida pelas Autoridades Judiciarias a respeito dos

Officiaes que perante as mesmas servirem 621

O Deputado Moura Magalhatildees assim se manifestava quanto agrave Lei de 1841 ldquoUm coacutedigo firmado nos

princiacutepios da satilde filosofia um coacutedigo esclarecido pelos princiacutepios da razatildeo e da humanidade exige que as

funccedilotildees da poliacutecia estejam separadas das funccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa e estas das funccedilotildees do julgamento

E quais as razotildees disto O funcionaacuterio que efetua a prisatildeo jaacute fica prevenido contra o reacuteu se ele lhe forma a

culpa esta prevenccedilatildeo aumenta de grau e se chega ao ponto de lhe infligir a pena do Coacutedigo pode-se bem

dizer que a imparcialidade inteiramente desaparece Eu quisera ver extremadas estas trecircs classes de

funccedilotildees eu natildeo quisera ver atribuiccedilotildees policiais (a pesquisa e o exame do corpo dos delitos a prisatildeo dos

delinquentes e o colhimento de provas) estivessem acumuladas as atribuiccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa

(produccedilatildeo e reiteraccedilatildeo dos depoimentos apreciaccedilatildeo do corpo de delito e das provas determinaccedilatildeo do

caraacuteter legal do fato incriminado) e muito menos com as atribuiccedilotildees de julgamentordquo ALMEIDA JUacuteNIOR

Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas Bastos 1959 p 181-182 622

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 192 623

SOUSA Octavio Tarquinio de Bernardo Pereira de Vasconcellos e seu tempo Rio de Janeiro Joseacute

Olympio 1937 p 235 624

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 64

114

do mesmo ano reformaram o sistema adotado pela Lei nordm 26141 separando justiccedila e

poliacutecia625

e alterando a natureza do sumaacuterio de culpa626

627

O Decreto nordm 4824 disciplinou em 1871 o inqueacuterito policial que a partir de entatildeo

constitui a ferramente principal da fase de investigaccedilatildeo no direito brasileiro628

Tal

estruturaccedilatildeo adveio de uma preocupaccedilatildeo garantista pois teve como intuito reprimir abusos

na atuaccedilatildeo das autoridades policiais que a partir da Lei de 3 de dezembro de 1841 e do

Regulamento 120 de 31 de janeiro de 1842 foram dotadas de desmedidos poderes no

sistema processual penal brasileiro629

A reforma de 1871 traduziu portanto uma reaccedilatildeo do liberalismo contra as

disposiccedilotildees da lei de 3 de dezembro de 1841 e sua primeira providecircncia foi asseverar que

nas Capitais que fossem sede de Relaccedilatildeo assim como nas comarcas de um soacute termo a elas

ligadas por faacutecil comunicaccedilatildeo de modo que fosse possiacutevel ir e voltar no mesmo dia a

jurisdiccedilatildeo de primeira instacircncia seria exercida unicamente pelos juiacutezes de direito630

Isto eacute

a atividade das autoridades policiais foi transferida para a esfera de atribuiccedilotildees dos juiacutezes

municipais ou dos juiacutezes de direito no caso das capitais que fossem sede da Relaccedilatildeo e nas

comarcas a elas ligadas Assim tambeacutem a incumbecircncia de formaccedilatildeo da culpa631

passou aos

juiacutezes municipais e aos juiacutezes de direito devendo ser exercida na comarca em vez do

distrito de paz ou policial e as autoridades policiais deixaram de pronunciar632

como

faziam anteriormente633

625

Art 1ordm Nas capitaes que forem seacutedes de Relaccedilotildees e nas comarcas de um soacute termo a ellas ligadas por tatildeo

facil communicaccedilatildeo que no mesmo dia se possa ir e voltar a jurisdicccedilatildeo de 1ordf instancia seraacute exclusivamente

exercida pelos Juizes de Direito e a de 2ordf pelas Relaccedilotildees Na Cocircrte e nas capitaes da Bahia Pernambuco e

Maranhatildeo a Provedoria de capellas e residuos seraacute de jurisdicccedilatildeo privativa Na capital do Imperio eacute creado

mais um lugar de Juiz de Orphatildeos () sect 4ordm E incompativel o cargo de Juiz Municipal e substitutos com o de

qualquer autoridade policial 626

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 627

A lei 2033 de 20 de setembro de 1871 regulada pelo Decreto nordm 4824 de 22 de novembro de do mesmo

ano veio reformar a Lei de 3 de dezembro separando a poliacutecia da judicatura estabelecendo regras para a

prisatildeo preventiva fianccedila extensatildeo da defesa no sumaacuterio de culpa inqueacuterito policial etc ALMEIDA

JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 210 A reforma de 1871 aleacutem de pocircr cobro ao policialismo reacionaacuterio

da Lei de 3 de dezembro separando Justiccedila e Poliacutecia ainda trouxe algumas inovaccedilotildees que ateacute hoje perduram

como vg a criaccedilatildeo do ldquoinqueacuterito policialrdquo () MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 121 628

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 92 629

ldquoEm determinados momentos da histoacuteria ampliaram-se os poderes das autoridades policiaism indo aleacutem

dos necessaries aos objetivos das investigaccedilotildees criminais quando tais autoridades exerceram atividades

tipicamente jurisdicionais Assim entre noacutes em alguns periacuteodos do Impeacuterio a poliacutecia podia decidir sobre

pequenas infraccedilotildees e era incumbida da fase do sumaacuterio de culpardquo IBID p 79 e 92 630

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 631

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 632

Art 4ordm Aos Juizes de Direito das comarcas do art 1ordm e bem assim aos Juizes Municipaes de todos os

outros termos fica exclusivamente pertencendo a pronuncia dos culpados nos crimes communs o julgamento

115

Contudo diante da necessidade de serem colhidas e reunidas as provas assim que

fosse noticiado o delito bem como do fato de que as diligecircncias urgentes e proacuteximas ao

cometimento do delito natildeo poderiam esperar que comparecesse o juiz distante634

determinadas atribuiccedilotildees foram reservadas agraves autoridades policiais elencadas no artigo

10635

da Lei nordm 20331871 e particularizadas nos artigos 38 e 42 do Decreto nordm 48241871

ldquoacabando por consagrar o inqueacuterito policialrdquo636

Ampliando-se portanto do distrito policial para o termo a circunscriccedilatildeo judiciaacuteria

da formaccedilatildeo da culpa foi preciso e assim determinado pelo legislador competir agraves

autoridades policiais as funccedilotildees que resultaram no inqueacuterito policial637

conservando os

juiacutezes de paz tambeacutem na competecircncia para o corpo de delito638

O decreto dispunha que os chefes delegados e subdelegados de poliacutecia deveriam

assim que lhes fosse noticiado adotar todas as providecircncias necessaacuterias agrave investigaccedilatildeo do

crime639

por meio do exame de corpo de delito direto exames e buscas para apreensatildeo de

instrumentos e documentos inquiriccedilatildeo de testemunhas perguntas ao reacuteu e ao ofendido e

nos crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal e o da infracccedilatildeo dos termos de

seguranccedila e bem viver podendo ser auxiliados pelos seus substitutos no preparo e organizaccedilatildeo dos

respectivos processos ateacute o julgamento e a pronuncia exclusivamente e com a mesma limitaccedilatildeo pelos

Delegados e Subdelegados de Policia quanto ao processo dos crimes do citado art 12 sect 7ordm do Codigo do

Processo Criminal 633

SAAD Marta O direito p 51 634

A Lei 2033 de 1871 alargou a circunscriccedilatildeo territorial do juiz da formaccedilatildeo da culpa que situou na sede da

comarca ou do termo 635

Art 10 Aos Chefes Delegados e Subdelegados de Policia aleacutem das suas actuaes attribuiccedilotildees tatildeo soacutemente

restringidas pelas disposiccedilotildees do artigo antecedente e sect unico fica pertencendo o preparo do processo dos

crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal ateacute a sentenccedila exclusivamente Por

escripto seratildeo tomadas nos mesmos processos com os depoimentos das testemunhas as exposiccedilotildees da

accusaccedilatildeo e defesa e os competentes julgadores antes de proferirem suas decisotildees deveratildeo rectificar o

processo no que focircr preciso sect 1ordm Para a formaccedilatildeo da culpa nos crimes communs as mesmas autoridades

policiaes deveratildeo em seus districtos proceder aacutes diligencias necessarias para descobrimento dos factos

criminosos e suas circumstancias e transmittiratildeo aos Promotores Publicos com os autos de corpo de delicto

e indicaccedilatildeo das testemunhas mais idoneas todos os esclarecimentos colligidos e desta remessa ao mesmo

tempo daratildeo parte aacute autoridade competente para a formaccedilatildeo da culpa sect 2ordm Pertence-lhes igualmente a

concessatildeo da fianccedila provisoria 636

SAAD Marta O direito p 51 637

A denominaccedilatildeo inqueacuterito policial surge no Decreto Regulamentar no 4824 de 22 de novembro de 1871

Existia poreacutem antes sem qualquer nome como praacutetica comum e informal No conteuacutedo jaacute emergia a ideacuteia

de que tal procedimento tendia agrave verificaccedilatildeo da existecircncia da infraccedilatildeo penal descobrimento de todas as

circunstacircncias e respectiva autoria (art 11 sect 2ordm e 38 in fine e art 42 do Decreto no 482471) PITOMBO

Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 638

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 135 639

Art 38 Os Chefes Delegados e Subdelegados de Policia logo que por qualquer meio lhes chegue a

noticia de se ter praticado algum crime commum procederatildeo em seus districtos aacutes diligencias necessarias

para verificaccedilatildeo da existencia do mesmo crime descobrimento de todas as suas circumstancias e dos

delinquentes

116

tudo quanto pudesse ser uacutetil agrave elucidaccedilatildeo do fato640

Previa ademais que se presente a

autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa e investigaccedilatildeo do fato

criminoso a autoridade policial deveria se restringir a assessoraacute-la seja agindo ex officio

seja atendendo agraves requisiccedilotildees elaboradas pela autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo

promotor puacuteblico641

Se a autoridade judiciaacuteria competente natildeo comparecesse logo ou natildeo

instaurasse imediatamente o processo da formaccedilatildeo da culpa a autoridade policial deveria

proceder ao inqueacuterito policial642

ldquoconsistente em todas as diligecircncias necessaacuterias ao

descobrimento do fato criminoso suas circunstacircncias e seus autores coautores ou

cuacutemplices devendo ser reduzido a escritordquo643

644

640

Art 39 As diligencias a que se refere o artigo antecedente comprehendem 1ordm O corpo de delicto directo

2ordm Exames e buscas para apprehensatildeo de instrumentos e documentos 3ordm Inquiriccedilatildeo de testemunhas que

houverem presenciado o facto criminoso ou tenham razatildeo de sabel-o 4ordm Perguntas ao reacuteo e ao offendido Em

geral tudo o que focircr util para esclarecimento do facto e das suas circumstancias 641

Art 40 No caso de flagrante delicto ou por effeito de queixa ou denuncia se logo comparecer a

autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa a investigar do facto criminoso notoacuterio ou

arguido a autoridade policial se limitaraacute a auxilial-a colligindo ex-oficio as provas e esclarecimentos que

possa obter e procedendo na esphera de suas attribuiccedilotildees aacutes diligencias que lhe forem requisitadas pela

autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo Promotor Puacuteblico ou por quem suas vezes fizer 642

Art 41 Quando poreacutem natildeo compareccedila logo a autoridade judiciaacuteria ou natildeo instaure immediatamente o

processo da formaccedilatildeo da culpa deve a autoridade policial proceder ao inquerito aceroa dos crimes communs

de que tiver conhecimento proprio cabendo a acccedilatildeo puacuteblica ou por denuncia ou a requerimento da parte

interessada ou no caso de prisatildeo em flagrante 643

Art 42 O inquerito policial consiste em todas as diligencias necessarias para o descobrimento dos factos

criminosos de suas circumstancias e dos seus autores e complices e deve ser reduzido a instrumento

escripto observando-se nelle o seguinte Ver toacutepico 1ordm Far-se-ha corpo de delicto uma vez que o crime seja

de natureza dos que deixam vestigios 2ordm Dirigir-se-ha a autoridade policial com toda a promptidatildeo ao lugar

do delicto e ahi aleacutem do exame do facto criminoso e de todas as suas circumstancias e descripccedilatildeo da

localidade em que se deu trataraacute com cuidado de investigar e colligir os indicies existentes e apprehender os

instrumentos do crime e quaesquer objectos encontrados lavrando-se de tudo auto assignado pela autoridade

peritos e duas testemunhas 3ordm Interrogaraacute o delinquente que focircr preso em flagrante e tomaraacute logo as

declaraccedilotildees juradas das pessoas ou escolta que o conduzirem e das que presenciarem o facto ou deite tiverem

conhecimento 4ordm Feito o corpo de delicto ou sem elle quando natildeo possa ter lugar indagaraacute quaes as

testemunhas do crime as faraacute vir aacute sua presenccedila inquirindo-as sob juramento a respeito do facto e suas

circumstancias e de seus autores ou complices Estes depoimentos na mesma occasiatildeo seratildeo escriptos

resumidamente em um soacute termo assignado pela autoridade testemunhas e delinquente quando preso em

flagrante 5ordm Poderaacute dar busca com as formalidades legaes para apprehensatildeo das armas e instrumentos do

crime e de quaesquer objectos aacute elle referentes e desta diligencia se lavraraacute o competente auto 6ordm

Terminadas as diligencias e autuadas todas as peccedilas seratildeo conclusas aacute autoridade que proferiraacute o seu

despacho no qual recapitulando o que focircr averiguado ordenaraacute que o inquerito seja remettido por

intermedio do Juiz Municipal ao Promotor Puacuteblico ou a quem suas vezes fizer e na mesma occasiatildeo indicaraacute

as testemunhas mais idoneas que por ventura ainda natildeo tenham sido inqueridas Desta remessa daraacute

immediatamente parte circumstanciada ao Juiz de Direito da comarca Nas comarcas especiaes a remessa

seraacute por intermedio do Juiz de Direito que tiver a jurisdicccedilatildeo criminal do districto sem participaccedilatildeo a outra

autoridade 7ordm Todas as diligencias relativas ao inquerito seratildeo feitas no prazo improrogavel de cinco dias

com assistecircncia do indiciado delinquente se estiver preso podendo impugnar os depoimentos das

testemunhas Poderaacute tambem impugnal-os nos crimes afianccedilaveis se requerer sua admissatildeo aos termos do

inquerito 8ordm Nos crimes em que natildeo tem lugar a acccedilatildeo puacuteblica o inquerito feito a requerimento da parte

interessada e reduzido a instrumento ser-lhe-ha entregue para o uso que entender 9ordm Para a notificaccedilatildeo e

comparecimento das testemunhas e mais diligencias do inquerito policial se observaratildeo no que focircr

applicavel as disposiccedilotildees que regulam o processo da formaccedilatildeo da culpa 644

SAAD Marta O direito p 53

117

Tais novos dispositivos vieram sobretudo criar estiacutemulos agrave atividade das partes no

sumaacuterio de culpa e regulamentaacute-la Mas ndash eacute necessaacuterio salientar ndash natildeo reduziram a

inquisitoriedade do juiz agrave passividade que muitas vezes a doutrina e os tribunais tecircm

atribuiacutedo aos magistrados penais645

A reforma judiciaacuteria de 1871 atribuiu agraves unidades federativas a competecircncia de

legislarem em mateacuteria de processo civil e penal (art 34 nordm 23 cc art 65 nordm 2) Alguns

Estados membros nunca chegaram a elaborar um Coacutedigo de Processo Penal - como eacute

exemplo o estado de Satildeo Paulo - limitando-se a adotar a legislaccedilatildeo imperial com algumas

modificaccedilotildees Outros criaram diplomas sem rigor teacutecnico introduzindo meras disposiccedilotildees

de organizaccedilatildeo judiciaacuteria em normas processuais Bons estatutos conforme afirma Seacutergio

Marcos de Moraes Pitombo foram raros646

25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941

O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 surge em meio a um cenaacuterio dominado por

uma progressiva centralizaccedilatildeo poliacutetica e pela consagraccedilatildeo dos ideais autoritaacuterios647

Ao

lado da necessidade de coordenaccedilatildeo sistemaacutetica das regras do processo penal num Coacutedigo

uacutenico para todo o Brasil impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiecircncia e

vigor da accedilatildeo repressiva do Estado contra os delinquentes648

Como fruto juriacutedico do Estado Novo anuncia em sua Exposiccedilatildeo de Motivos que

as nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos reacuteus ainda que colhidos em

flagrante ou confundidos pela evidecircncia das provas um tatildeo extenso cataacutelogo de garantias

e favores que a repressatildeo se torna necessariamente defeituosa e retardataacuteria

decorrendo daiacute um indireto estiacutemulo agrave expansatildeo da criminalidaderdquo Daiacute decorreu a

justificaccedilatildeo para que fosse ldquoabolida a injustificaacutevel primazia do interesse do indiviacuteduo

sobre o da tutela socialrdquo Assim o criteacuterio que norteou a elaboraccedilatildeo do atual Coacutedigo de

645

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 136 646

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 647

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 173 648

Exposiccedilatildeo de Motivos do atual Coacutedigo de Processo Penal

118

Processo Penal foi aquele da supremacia do bem comum e do interesse social em face dos

ldquopseudodireitos individuaisrdquo

O atual Coacutedigo de Processo Penal (Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941)

natildeo se afastou de nossas tradiccedilotildees legislativas preservando suas principais caracteriacutesticas

Conservou o inqueacuterito policial configurando-o do mesmo modo como o herdamos do

Impeacuterio atraveacutes da reforma de 1871 isto eacute como instruccedilatildeo provisoacuteria predecente agrave

propositura da accedilatildeo penal em respeitp a um mandamento constitucional previu a instruccedilatildeo

plenamente contraditoacuteria e separou definitivamente as funccedilotildees acusatoacuteria e julgadora

eliminando quase por completo o procedimento ex officio que soacute permaneceu para o

processo de contravenccedilotildees limitou ainda mais a competecircncia do juacuteri e buscou dotar todos

os processos de um caraacuteter nitidamente acusatoacuterio649

Foram abolidos o sumaacuterio de culpa e

a pronuacutencia exceto para os casos a serem julgados pelo juacuteri650

Houve portanto com o Coacutedigo de 1941 mudanccedila sensiacutevel a respeito da fase

destinada agrave acusaccedilatildeo e sua admissibilidade Com a supressatildeo da etapa do sumaacuterio de culpa

e o recebimento da denuacutencia em decisatildeo natildeo motivada logo apoacutes o oferecimento da

denuacutencia ou queixa o acusado ficou privado de um momento para contradizer a acusaccedilatildeo e

evitar o seguimento de processos manifestamente injustos651

Como consequecircncia a fim de atender aos dispositivos constitucionais de 1937652

ganhou o inqueacuterito policial funcionalmente a natureza de instruccedilatildeo criminal preliminar jaacute

que constitui nos casos de competecircncia do juiz singular o fundamento exclusivo da

acusaccedilatildeo653

De acordo com Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo no atual sistema processual

penal brasileiro excetuando-se os procedimentos especiais do juacuteri dos crimes falimentares

e dos crimes contra a propriedade industrial o inqueacuterito policial integra a formaccedilatildeo da

culpa654

ldquoInteira agrave luz do conceito sugerido o processo penal como a parte completa o

649

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 124 650

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 168 651

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 127 652

A Constituiccedilatildeo de 1937 utilizava-se da pronuacutencia e da formaccedilatildeo da culpa como o marco necessaacuterio para

situaccedilotildees para situaccedilotildees como a prisatildeo processual e a fianccedila 653

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 207 654

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de

119

todo Fase pois que eacute da persecuccedilatildeo penal ubicada agrave formaccedilatildeo preacutevia da culpa repita-

serdquo655

Ao disciplinar a forma de apuraccedilatildeo preacutevia portanto o Coacutedigo de Processo Penal de

1941 conservou o inqueacuterito policial na nossa legislaccedilatildeo rejeitando a adoccedilatildeo do juizado de

instruccedilatildeo Na Exposiccedilatildeo de Motivos do Decreto-Lei nordm 3689 de 03 de outubro de 1941 o

Ministro da Justiccedila Francisco Campos justificou essa opccedilatildeo com base nos seguintes

argumentos ldquo(i) o inqueacuterito policial eacute mais adaptaacutevel agrave realidade brasileira visto que a

dimensatildeo territorial do paiacutes impossibilitaria a atuaccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo (ii) o juizado

de instruccedilatildeo somente poderia ser adotado com a quebra do sistema ou seja haveria

juizado de instruccedilatildeo uacutenica e apenas nas sedes da comarca e inqueacuterito policial nos

distritos longiacutenquos (iii) o inqueacuterito ainda se apresenta como melhor opccedilatildeo contra os

apressados juiacutezos dada a possibilidade de reorientar a investigaccedilatildeo livrando-se a Justiccedila

de errocircneos juiacutezos causados pelo clamor do crimerdquo656

O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 conferiu o trabalho de investigaccedilatildeo criminal

agraves autoridades policiais para a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria657

sem

655

IBID 656

ldquoFoi mantido o inqueacuterito policial como processo preliminar ou preparatoacuterio da accedilatildeo penal guardadas as

suas caracteriacutesticas atuais O ponderado exame da realidade brasileira que natildeo eacute apenas a dos centros

urbanos senatildeo tambeacutem a dos remotos distritos das comarcas do interior desaconselha o repuacutedio do sistema

vigente O preconizado juiacutezo de instruccedilatildeo que importaria limitar a funccedilatildeo da autoridade policial a prender

criminosos averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas soacute eacute praticaacutevel sob a condiccedilatildeo de

que as distacircncias dentro do seu territoacuterio de jurisdiccedilatildeo sejam faacutecil e rapidamente superaacuteveis Para atuar

proficuamente em comarcas extensas e posto que deva ser excluiacuteda a hipoacutetese de criaccedilatildeo de juizados de

instruccedilatildeo em cada sede do distrito seria preciso que o juiz instrutor possuiacutesse o dom da ubiquumlidade De

outro modo natildeo se compreende como poderia presidir a todos os processos nos pontos diversos da sua zona

de jurisdiccedilatildeo a grande distacircncia uns dos outros e da sede da comarca demandando muitas vezes com os

morosos meios de conduccedilatildeo ainda praticados na maior parte do nosso hinterland vaacuterios dias de viagem

seria imprescindiacutevel na praacutetica a quebra do sistema nas capitais e nas sedes de comarca em geral a

imediata intervenccedilatildeo do juiz instrutor ou a instruccedilatildeo uacutenica nos distritos longiacutenquos a continuaccedilatildeo do

sistema atual Natildeo cabe aqui discutir as proclamadas vantagens do juiacutezo de instruccedilatildeo Preliminarmente a

sua adoccedilatildeo entre noacutes na atualidade seria incompatiacutevel com o criteacuterio de unidade da lei processual Mesmo

poreacutem abstraiacuteda essa consideraccedilatildeo haacute em favor do inqueacuterito policial como instruccedilatildeo provisoacuteria

antecedendo a propositura da accedilatildeo penal um argumento dificilmente contestaacutevel eacute ele uma garantia contra

apressados e errocircneos juiacutezos formados quando ainda persiste a trepidaccedilatildeo moral causada pelo crime ou

antes que seja possiacutevel uma exata visatildeo de conjunto dos fatos nas suas circunstacircncias objetivas e subjetivas

Por mais perspicaz e circunspeta a autoridade que dirige a investigaccedilatildeo inicial quando ainda perdura o

alarma provocado pelo crime estaacute sujeita a equiacutevocos ou falsos juiacutezos a priori ou a sugestotildees tendenciosas

Natildeo raro eacute preciso voltar atraacutes refazer tudo para que a investigaccedilatildeo se oriente no rumo certo ateacute entatildeo

despercebido Por que entatildeo abolir-se o inqueacuterito preliminar ou instruccedilatildeo provisoacuteria expondo-se a justiccedila

criminal aos azares do detetivismo agraves marchas e contramarchas de uma instruccedilatildeo imediata e uacutenica Pode

ser mais expedito o sistema de unidade de instruccedilatildeo mas o nosso sistema tradicional com o inqueacuterito

preparatoacuterio assegura uma justiccedila menos aleatoacuteria mais prudente e serenardquo Exposiccedilatildeo de Motivos ao

Coacutedigo de Processo Penal de 1941 657

Art 4ordm A poliacutecia judiciaacuteria seraacute exercida pelas autoridades policiais no territoacuterio de suas respectivas

jurisdiccedilotildees e teraacute por fim a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria Paraacutegrafo uacutenico A competecircncia

120

exclusatildeo da funccedilatildeo das autoridades administrativas autorizadas por lei658

isto eacute o inqueacuterito

natildeo eacute necessariamente policial sendo possiacutevel que outras autoridades administrativas

realizem a averiguaccedilatildeo dos fatos659

Natildeo obstante nosso estudo estaacute limitado ao inqueacuterito

policial realizado pela poliacutecia judiciaacuteria e nele nos centraremos

Assim o inqueacuterito policial foi disciplinado pelo Coacutedigo de Processo Penal que em

seu artigo 4ordm repete o conceito que lhe foi dado pelo Regulamento nordm 4824 de 1871660

e

particulariza no artigo 6ordm661

as providecircncias a serem tomadas pela autoridade policial

assim que cientes da praacutetica de um delito662

Trata-se portanto de um modelo de investigaccedilatildeo preliminar policial de modo que

a poliacutecia judiciaacuteria conduz o inqueacuterito policial com autonomia Contudo como veremos

mais adiante depende da intervenccedilatildeo judicial para a adoccedilatildeo de medidas restritivas de

direitos fundamentais663

Pelas regras atuais o inqueacuterito policial pode ser iniciado se for caso de accedilatildeo

puacuteblica incondicionada de ofiacutecio pela autoridade policial ou em decorrecircncia de notitia

criminis levada por qualquer pessoa ou por requisiccedilatildeo do juiz ou do membro do Ministeacuterio

Puacuteblico Ainda eacute possiacutevel ser instaurado por comunicaccedilatildeo espontacircnea do suspeito em

virtude da lavratura do auto de prisatildeo em flagrante ou do auto de resistecircncia ou a

requerimento do ofendido Vecirc-se portanto que natildeo obstante ter o Coacutedigo conferido o

trabalho de investigaccedilatildeo criminal agraves autoridades policiais estaacute o juiz legitimado natildeo soacute a

definida neste artigo natildeo excluiraacute a de autoridades administrativas a quem por lei seja cometida a mesma

funccedilatildeo 658

SANTIN Valter Foleto Op cit p 29 659

Assim tambeacutem um delito praticado por um militar seraacute objeto de um inqueacuterito policial militar Tambeacutem

pode a investigaccedilatildeo ser realizada por membros do Poder Legislativo nas chamadas Comissotildees Parlamentares

de Inqueacuterito 660

O Regulamento nordm 4824 de 1871 destina ao inqueacuterito todo o Capiacutetulo 3ordm da Seccedilatildeo 3ordf 661

Art 6o Logo que tiver conhecimento da praacutetica da infraccedilatildeo penal a autoridade policial deveraacute I ndash se

possivel e conveniente dirigir-se ao local providenciando para que se natildeo alterem o estado e conservaccedilatildeo

das coisas enquanto necessaacuterio II ndash apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relaccedilatildeo com o

fato III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstacircncias IV - ouvir

o ofendido V - ouvir o indiciado com observacircncia no que for aplicaacutevel do disposto no Capiacutetulo III do

Tiacutetulo Vll deste Livro devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham

ouvido a leitura VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareaccedilotildees VII - determinar se for

caso que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras periacutecias VIII - ordenar a identificaccedilatildeo

do indiciado pelo processo datiloscoacutepico se possiacutevel e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes IX -

averiguar a vida pregressa do indiciado sob o ponto de vista individual familiar e social sua condiccedilatildeo

econocircmica sua atitude e estado de acircnimo antes e depois do crime e durante ele e quaisquer outros elementos

que contribuiacuterem para a apreciaccedilatildeo do seu temperamento e caraacuteter 662

SAAD Marta O direito p 76 663

LOPES JR Aury Direito p 252

121

iniciar as investigaccedilotildees acerca de um delito (artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal)664

mas a atuar ainda em diversos momentos da investigaccedilatildeo criminal como veremos a

seguir

De acordo com o artigo 10 caput do Coacutedigo de Processo Penal ldquoo inqueacuterito

deveraacute terminar no prazo de dez (10) dias se o indiciado tiver sido preso em flagrante ou

estiver preso preventivamente contado o prazo nesta hipoacutetese a partir do dia em que se

executar a ordem de prisatildeo ou no prazo de trinta (30) dias quando estiver solto mediante

fianccedila ou sem elardquo

Dispotildee ainda em seu paraacutegrafo 3o que ldquoquando o fato for de difiacutecil elucidaccedilatildeo e

o indiciado estiver solto a autoridade poderaacute requerer ao juiz a devoluccedilatildeo dos autos para

ulteriores diligecircncias que seratildeo realizadas no prazo marcado pelo juizrdquo Isto eacute a

prorrogaccedilatildeo do prazo do inqueacuterito deve ser requerida pela autoridade policial ao juiz

cabendo a ele deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo bem como fixar o prazo para a realizaccedilatildeo daquelas

diligecircncias

Desempenha ainda o magistrado importante papel no que diz respeito agrave valoraccedilatildeo

quanto ao arquivamento do caso podendo discordar do arquivamento promovido pelo

Promotor de Justiccedila

Assim se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa

para a accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao teacutermino da investigaccedilatildeo pode o Ministeacuterio Puacuteblico

promover o arquivamento das peccedilas665

No entanto de acordo com o artigo 28 do CPP ldquoo

juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees invocadas para o arquivamento faraacute

remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao procurador-geral e este poderaacute oferecer

a denuacutencia designar outro oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistir no

pedido de arquivamento ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atenderrdquo

Igualmente a redaccedilatildeo original do artigo 311 do CPP estabelecia que em qualquer

fase da investigaccedilatildeo policial ou do processo penal caberia a prisatildeo preventiva decretada

664

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 45 665

IBID p 112

122

pelo juiz de ofiacutecio ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do querelante ou por

representaccedilatildeo da autoridade policial666

A Lei Processual Penal permite ainda ser efetivadas outras medidas constritivas

pelo magistrado durante a investigaccedilatildeo criminal ausente preacutevia provocaccedilatildeo tais como o

sequestro de bens667

do indiciado e a busca e apreensatildeo668

Vale ressaltar que o legislador de 1941 deu ao julgador enormes poderes

instrutoacuterios No Tiacutetulo ldquoDa provardquo satildeo elencados vaacuterios meios de prova e outros meios de

obtenccedilatildeo de prova para os quais se admite a produccedilatildeo por iniciativa do juiz O juiz

portanto poderaacute instruir o processo o quanto entender conveniente e suficiente para formar

seu convencimento669

Esse quadro de incremento dos poderes instrutoacuterios do juiz foi

sensivelmente prestigiado recentemente com o advento da Lei 116902008 que mudou

todo o capiacutetulo das ldquoDisposiccedilotildees Geraisrdquo (arts 155 a 157) do Tiacutetulo ldquoDa provardquo do

Coacutedigo de Processo Penal Isso porque a redaccedilatildeo do artigo 156 manteve em seu caput que

eacute ldquofacultado ao juiz de ofiacuteciordquo produzir prova seja na fase de investigaccedilatildeo preliminar

seja na fase de instruccedilatildeo processual ateacute antes de proferir sentenccedila670

Isto eacute as alteraccedilotildees introduzidas pela Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 no

Coacutedigo ampliaram a possibilidade de determinaccedilatildeo de ofiacutecio de provas antecipadas pelo

juiz sugerindo a atribuiccedilatildeo de um irrestrito poder de investigaccedilatildeo (artigo 156 I671

)

Considere-se finalmente que o Coacutedigo de Processo Penal acolheu o princiacutepio da

livre convicccedilatildeo isto eacute o juiz formaraacute o seu convencimento pela livre apreciaccedilatildeo das

provas constantes dos autos natildeo havendo predominacircncia de valor legal de umas sobre as

outras ou hierarquia de provas ou provas absolutas672

666

Art 311 Em qualquer fase do inqueacuterito policial ou da instruccedilatildeo criminal caberaacute a prisatildeo preventiva

decretada pelo juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do querelante ou mediante

representaccedilatildeo da autoridade policial quando houver prova da existecircncia do crime e indiacutecios suficientes da

autoria 667

Art 127 O juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do ofendido ou mediante

representaccedilatildeo da autoridade policial poderaacute ordenar o sequumlestro em qualquer fase do processo ou ainda

antes de oferecida a denuacutencia ou queixa 668

Art 242 A busca poderaacute ser determinada de ofiacutecio ou a requerimento de qualquer das partes 669

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 169 670

IBID p 169 671

Art 156 A prova da alegaccedilatildeo incumbiraacute a quem a fizer sendo poreacutem facultado ao juiz de ofiacutecio I ndash

ordenar mesmo antes de iniciada a accedilatildeo penal a produccedilatildeo antecipada de provas consideradas urgentes e

relevantes observando a necessidade adequaccedilatildeo e proporcionalidade da medida () 672

Ateacute o advento da Lei 116902008 a livre apreciaccedilatildeo da prova estava assim prevista no artigo 157 desde

123

Assim mesmo apoacutes o advento da atual Constituiccedilatildeo era praacutetica comum aos juiacutezes

justificarem condenaccedilotildees apenas com base em elementos informativos colhidos em fase

inquisitiva preacute-processual673

Pode-se dizer pois que ateacute a ediccedilatildeo da Lei 116902008674

a rigor o magistrado

criminal natildeo estaria inibido de basear o seu julgamento tendo em apreccedilo unicamente as

provas do inqueacuterito desde que estas demonstrassem e definissem de forma evidente a

responsabilidade do acusado e desde que por fim na instruccedilatildeo judicial nenhum novo

elemento surgisse para invalidaacute-las675

Do quanto exposto pode-se perceber que o Coacutedigo de Processo Penal de 1941

ampara uma intensa imersatildeo do juiz nos autos das investigaccedilotildees penais permitindo-lhe

avaliar a qualidade do material pesquisado indicar diligecircncias quando natildeo satisfeito com

aquelas jaacute realizadas e inclusive ordenar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito em crime de accedilatildeo

puacuteblica incondicionada interferindo sobremaneira na atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico em

busca da formaccedilatildeo da opinio delicti

3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988

31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal

1941 ldquoArt 157 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo pela livre apreciaccedilatildeo da provardquo A partir de meados de 2008

essa mesma determinaccedilatildeo estaacute assim transposta ao artigo 155 atual ldquoArt 155 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo

pela livre apreciaccedilatildeo da prova produzida em contraditoacuterio judicial natildeo podendo fundamentar sua decisatildeo

exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo ressalvadas as provas cautelares natildeo

repetiacuteveis e antecipadasrdquo 673

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 170 674

Para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquoNatildeo obstante se possa reconhecer um avanccedilo da postura anterior

melhor seria que o legislador infraconstitucional de 2008 mantivesse a redaccedilatildeo originaacuteria do projeto de

reforma do tema da prova que deu origem agrave lei 11690 Nele estava fixado que o juiz formaria sua

convicccedilatildeo apenas com as provas produzidas em contraditoacuterio judicial excluindo-se de maneira absoluta

todo o material colhido em fase investigativa ou sem contraditoacuterio Esse talvez fosse o promeiro passo

significativo para romper neste tema com a estrutura e cultura inquisitivas formadoras do Coacutedigo de

Processo Penalrdquo IBID p 172 675

MONDIN Augusto Manual de Inqueacuterito Policial Satildeo Paulo Sugestotildees Literaacuterias SA p 70

124

Como eacute notoacuterio a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 estremeceu todo o

ordenamento juriacutedico brasileiro676

A Carta de 1988 demarca no acircmbito juriacutedico o

processo de democratizaccedilatildeo do Estado brasileiro ao consolidar a ruptura com o regime

autoritaacuterio militar instalado em 1964677

fator que ensejou consideraacutevel impacto

especialmente na esfera dos direitos fundamentais678

Considerada uma das constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo moderno nossa

Carta Magna representou como jaacute observado a passagem do Estado nacional absoluto a

um efetivo Estado Democraacutetico de Direito consagrando para tanto princiacutepios

fundamentais que se materializam como alicerces deste novo Direito679

Assim como marco juriacutedico da transiccedilatildeo ao regime democraacutetico alargou

significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais colocando-se entre as

Constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo no que diz respeito agrave mateacuteria680

O que a Constituiccedilatildeo propotildee em termos de ideias a serem preservados no processo

penal eacute algo consideravelmente diferente daquilo que conhecemos na histoacuteria

constitucional ateacute 1988 Natildeo se trata mais da simples reiteraccedilatildeo mecacircnica e automaacutetica das

garantias individuais presentes em todas as Constituiccedilotildees passadas681

e nesta repetida em

abundacircncia682

Estas matrizes constitucionais representam uma alteraccedilatildeo profunda na

sistematizaccedilatildeo normativa e sobretudo no que se refere agrave hermenecircutica juriacutedica

Especialmente no que diz respeito agraves questotildees processuais penais a importacircncia da relaccedilatildeo

Constituiccedilatildeo - normas infraconstitucionais ganhou enorme prestiacutegio Os valores

constitucionais recrudesceram e ganharam maior amplitude quando analisados e

676

CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da

jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 677

PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva

2008 p 21 678

IBID p 21 679

CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da

jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 680

PIOVESAN Flaacutevia Op cit p 25 681

De acordo com Fauzi Hassan Choukr ldquocom efeito desde a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio de 1824 passando

por todas as republicanas inclusive a mais ditatorial ndash 1937 ndash conhecemos em sede de Carta Magna a

declaraccedilatildeo de direitos ainda que sob o aspecto meramente retoacuterico e sujeito a supressotildees como no exerciacutecio

autoritaacuterio de Vargas (19371945) e no contexto do regime militar (1969)rdquo As reformas pontuais do Coacutedigo

de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo n 58 EEsp set 1997 p 07-09 682

IBID

125

interpretados em acircmbito processual criminal pois eacute neste que se verificam com maior

intensidade pontos de tensatildeo entre o Estado e os indiviacuteduos683

Nesse sentido um mero exame superficial e despretensioso do atual texto

constitucional eacute suficiente para que seja verificada a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos

garantidores na atuaccedilatildeo do aparelho repressivo buscando com isto a conformaccedilatildeo do

processo penal aos valores democraacuteticos consagrados no trabalho constituinte684

Assim a Constituiccedilatildeo em vigor natildeo pode mais ser considerada apenas como uma

carta de direitos miacutenimos Ela realmente impocircs um sistema processual penal de caraacuteter

unicamente acusatoacuterio685

na busca da desejaacutevel separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem

desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal exigindo que as garantias dos quais se

reveste sejam respeitadas e mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um

processo penal constitucional

As bases desse sistema acusatoacuterio ldquoexpressatildeo inseparaacutevel da democracia no

processo penalrdquo686

multiplicam-se por todo texto constitucional natildeo obstante sua base ser

encontrada no artigo 5ordm em diversas passagens

Um dos exemplos de maior importacircncia eacute o monopoacutelio da accedilatildeo penal puacuteblica

assegurado ao Ministeacuterio Puacuteblico pela Carta Magna conforme disposto no art 129 inc I

da CF687

com o que se separam definitivamente as funccedilotildees de promover a accedilatildeo penal e

julgaacute-la uma das bases do sistema acusatoacuterio

Ao consagrar portanto a garantia do processo criminal de tipo acusatoacuterio a Lei

Fundamental pretende assegurar que o oacutergatildeo que julga natildeo tenha funccedilotildees de investigaccedilatildeo e

acusaccedilatildeo esta uacuteltima tarefa haacute de ser levada a efeito por uma outra entidade ndash em regra o

Ministeacuterio Puacuteblico688

683

CRUZ Diogo Tebet da Op cit 684

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 08 685

CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 686

IBID 687

ldquoEssa disposiccedilatildeo eacute decorrente do que se convencionou chamar de sistema acusatoacuterio no qual haacute a

divisatildeo niacutetida dos atores no processo penal distintos oacutergatildeos desempenham as funccedilotildees necessaacuterias para o

desdobramento regular do processo oacutergatildeo de acusaccedilatildeo (Ministeacuterio Puacuteblico) de defesa (advogado ou

Defensoria Puacuteblica) e outro de julgamento (juiz)rdquo CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva

ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo 163 jun-2006 688

ABADE Denise Neves Op cit p 140

126

O sistema processual penal eacute pois o acusatoacuterio com todo o seu arcabouccedilo

democraacutetico E vai de encontro com o Coacutedigo em vigor de natureza fortemente

inquisitiva689

Como vimos o Coacutedigo de Processo Penal de 1941 elaborado sob a ditadura do

Estado Novo manteve inevitavelmente a preponderacircncia do sistema inquisitoacuterio

sobretudo ao atribuir ao juiz a praacutetica de atos caracteriacutesticos da acusaccedilatildeo como a

decretaccedilatildeo de ofiacutecio da prisatildeo preventiva (artigo 311) da busca e apreensatildeo (artigo 242)

do sequestro (artigo 127) aleacutem da participaccedilatildeo ativa na instruccedilatildeo para realizar

praticamente qualquer diligecircncia (artigo 156 I e II)690

Ocorre que apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 o ordenamento juriacutedico

paacutetrio natildeo mais comporta os resquiacutecios do sistema inquisitoacuterio691

De fato um exame

superficial da nossa lei processual baacutesica natildeo exaustivo demonstra que diversos ranccedilos de

inquisitorialismo apesar de decorridos 25 anos da vigecircncia da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 ainda subsistem no processo penal692

As bases do sistema processual delineado pela Carta Magna estatildeo fundadas nos

princiacutepios acusatoacuterio da separaccedilatildeo entre acusador e julgador exerciacutecio exclusivo da accedilatildeo

penal pelo Ministeacuterio Puacuteblico imparcialidade e livre convencimento do juiz motivaccedilatildeo

das decisotildees ampla defesa contraditoacuterio oralidade e publicidade dos atos judiciais entre

outros693

Portanto em razatildeo da nova Constituiccedilatildeo Federal essas normas nitidamente

inquisitoriais e que em especial ofendem a garantia agrave imparcialidade do juiz natildeo mais

podem subsisitr no novo processo penal uma vez que natildeo foram recepcionadas pela Lei

Maior694

Assim logo apoacutes a ediccedilatildeo do novo texto constitucional surgiram as primeiras

preocupaccedilotildees com a reformulaccedilatildeo da atividade investigatoacuteria do magistrado em vista dos

689

CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 690

OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema

acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 691

IBID 692

ABADE Denise Neves Op cit p 143 693

OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema

acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 694

ABADE Denise Neves Op cit p 143

127

valores expressamente consagrados pelo texto poliacutetico ldquoiniciando-se um processo de

questionamento das garantiasrdquo695

O processo penal do tipo acusatoacuterio opccedilatildeo poliacutetica nitidamente eleita na estrutura

constitucional paacutetria exige pois um reexame do papel dos agentes estatais da persecuccedilatildeo

criminal em juiacutezo ou fora dele em especial do julgador696

Portanto eacute com o objetivo de adequar o processo penal ao modelo constitucional

acusatoacuterio que se busca sustentar uma participaccedilatildeo do julgador na fase preliminar da

persecuccedilatildeo penal mais isenta ldquosem a possibilidade presente em diversos dispositivos

inconstitucionais do juiz-ator do julgador que faz preacute-juiacutezos acerca da mateacuteria que o

ordenamento lhe impotildee decidir em equidistacircncia dos sujeitos parciaisrdquo697

A seguir buscaremos delinear o novo perfil da relaccedilatildeo do juiz com a investigaccedilatildeo

preliminar tendo em vista as garantias constitucionais do acusado e a titularidade

exclusiva do oacutergatildeo ministerial nas accedilotildees penais puacuteblicas como expressatildeo do sistema

acusatoacuterio

32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento

Na atualidade o desenvolvimento do processo penal constitucional tornou

inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores

do processo penal se cunfundam698

A anaacutelise da fase atual do pensamento instrumental penal especialmente no tema

ldquoconduccedilatildeo das investigaccedilotildeesrdquo demonstra a niacutetida tendecircncia de adoccedilatildeo do sistema

acusatoacuterio onde o juiz instrutor eacute substituiacutedo pelo juiz garantidor e o Ministeacuterio Puacuteblico

695

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 58 696

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 149 697

IBID p 108 698

SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e

contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 In Revista da ESMP ano 1 vol 2

p 41-46 julhodezembro 2008

128

assume o papel de condutor da accedilatildeo penal podendo contar com a Poliacutecia Judiciaacuteria para a

reuniatildeo das informaccedilotildees necessaacuterias699

Assim as transformaccedilotildees na estrutura da persecuccedilatildeo criminal atingiram altamente a

etapa preacute-processual de elaboraccedilatildeo do caderno informativo700

passando a ser repelida a

valoraccedilatildeo pelo magistrado da atuaccedilatildeo administrativa de investigaccedilatildeo o que representaria

ivariavelmente invasatildeo nas atribuiccedilotildees do titular da accedilatildeo penal e violaccedilatildeo agrave reparticcedilatildeo de

papeacuteis consagrada pelo sistema acusatoacuterio701

Toda essa trama de conferir a cada oacutergatildeo distinto uma funccedilatildeo almeja

essencialmente preservar a imparcialidade do julgador702

A imparcialidade no julgamento como antes observado eacute consequecircncia direta da

separaccedilatildeo dos poderes do Estado jaacute que estaacute relacionada agrave independecircncia do oacutergatildeo do

Judiciaacuterio em relaccedilatildeo aos outros Poderes e ao distanciamento e desvinculaccedilatildeo do juiz de

qualquer interesse que ultrapasse o preciso cumprimento da lei703

Assim quanto maior a intervenccedilatildeo do Judiciaacuterio nas atividades persecutoacuterias e

portanto parciais mais o magistrado assumiraacute a postura de juiz inquisidor figura totamente

estranha e rejeitada pelo nosso Estado Democraacutetico de Direito704

A posiccedilatildeo do juiz no processo penal eacute a de garante da claacuteusula do devido processo

legal assegurando concomitantemente a precisa observacircncia dos preceitos constitucionais

que tutelam a liberdade e o regular exerciacutecio do direito de acusar705

ldquoJuiz criminal natildeo deve se envolver naquilo que se convencionou chamar de

combate ao crime Juiz criminal natildeo eacute investigador Tampouco deve assumir o papel de

acusadorrdquo706

A funccedilatildeo atribuiacuteda ao magistrado na persecuccedilatildeo penal eacute a de garante da

efetiva realizaccedilatildeo das normas constitucionais e legais limitadoras do exerciacutecio da pretensatildeo

punitiva do Estado707

Como consequecircncia dessa anaacutelise verifica-se que a funccedilatildeo de

699

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 81 700

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108 701

IBID p 108 702

CRUZ Diogo Tebet da Op cit 703

ABADE Denise Neves Op cit p 144 704

IBID 705

SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 706

IBID 707

IBID

129

buscar provas eminentemente na persecuccedilatildeo preacute-processual eacute caracteriacutestica da

acusaccedilatildeo708

Um dos maiores desafios do processo penal moderno eacute compatibilizar o essencial

princiacutepio da imparcialidade do juiz com a busca da verdade real ou material na medida em

que a atribuiccedilatildeo de poderes investigatoacuterios e instrutoacuterios pode ao menos psicologicamente

afetar a sua necessaacuteria imparcialidade709

Por este motivo a tendecircncia eacute retirar do Poder

Judiciaacuterio quaisquer funccedilotildees persecutoacuterias devendo o exerciacutecio de atividade probatoacuteria do

juiz limitar-se agrave instruccedilatildeo criminal e ainda assim supletivamente agrave atuaccedilatildeo das partes710

Portanto especialmente no que tange aos atos investigatoacuterios incumbe ao juiz

preservar os direitos e garantias fundamentais do investigado nunca assumir o papel de

investigador711

Nesse contexto no confronto entre a pretensatildeo de se efetivar o direito penal

material e a pretensatildeo de liberdade do acusado o juiz deve manter-se indiferente para

permitir a produccedilatildeo da prova acusatoacuteria sem que se ofendam os direitos fundamentais do

reacuteu e sem que sua atividade comprometa a exigecircncia fundamental de imparcialidade ao

julgar e resolver a lide712

Nesse cenaacuterio que nos dizeres de Fauzi Hassan Choukr ldquoverdadeiramente afronta

estruturas fossilizadas do conhecimento e da praacutetica processuais penais brasileirasrdquo o

papel a ser desempenhado pelo magistrado outro natildeo eacute senatildeo o de preservar as garantias

constitucionais zelando pelo equiliacutebrio entre a persecuccedilatildeo e a liberdade do investigado713

O papel que deve ser desempenhado pelo juiz no processo penal de natureza acusatoacuteria eacute

portanto definitivamente inconciliaacutevel com a sua atuaccedilatildeo como condutor da investigaccedilatildeo

criminal

Com efeito a partir da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio em nosso paiacutes retirou-se o juiz

da apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais criando-se um procedimento o inqueacuterito policial que eacute

presidido por autoridade vinculada ao Poder Executivo ldquoTecircm portanto os juiacutezes

708

ABADE Denise Neves Op cit p 146 709

CRUZ Diogo Tebet da Op cit 710

IBID 711

SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 712

REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm

113 713

CHOUKR Fauzi Hassan As reformas

130

competecircncia para processar e julgar mas natildeo para investigar no acircmbito

extraprocessualrdquo714

Assim a atividade judicial nessa fase investigatoacuteria agora se restringe a tutelar a

legalidade do procedimento qualquer que seja o oacutergatildeo que processe a investigaccedilatildeo

intervindo em incidentes que protestem por jurisdicionalizaccedilatildeo715

Isso porque a

intromissatildeo do julgador em atos de natureza meramente administrativa de desenvolvimento

do inqueacuterito desvirtua a acusatoriedade do sistema por prejudicar a sua imparcialidade e a

igualdade dos sujeitos do processo716

Eacute o que afirma Ada Pellegrini Grinover Para a autora ldquodurante a investigaccedilatildeo o

juiz do processo acusatoacuterio tem apenas a funccedilatildeo de determinar providecircncias

cautelaresrdquo717

Numa anaacutelise sistemaacutetica fica bastante evidente que ao magistrado eacute destinado o

papel de mitigar ndash e de jamais suprimir ndash os direitos constitucionais como liberdade

intimidade privacidade patrimocircnio dentro dos mais limitados padrotildees de legalidade718

Por isso prisotildees cautelares interceptaccedilotildees telefocircnicas quebra de sigilos bancaacuterio ou fiscal

buscas e apreensotildees domiciliares natildeo podem ser concretizadas sem a autorizaccedilatildeo do

magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo confere autorizaccedilatildeo para determinaacute-las719

Neste panorama delineado a partir da implantaccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela

Constituiccedilatildeo de 1988 a participaccedilatildeo do julgador na instauraccedilatildeo e na conduccedilatildeo das

investigaccedilotildees tal como concebida pelo Coacutedigo de Processo Penal deve ser revista

Cumpre atentar-se pois aos principais pontos criacuteticos do processo penal brasileiro

no que tange agrave permanecircncia em vigor de dispositivos que atribuindo ao magistrado

poderes administrativos isto eacute natildeo-jurisdicionais o posicionam em situaccedilatildeo de

parcialidade para julgamento o que eacute incompatiacutevel com os preceitos consagrados na

ordem constitucional720

Satildeo normas que pouco se ajustam agraves garantias individuais e de

certa maneira deturpam as atribuiccedilotildees proacuteprias dos oacutergatildeos encarregados da investigaccedilatildeo

714

GRINOVER Ada Pellegrini Que juiz inquisidor eacute esse In Boletim IBCCRIM nordm 30 jun 1995 715

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108-109 716

IBID p 109 717

GRINOVER Ada Pellegrini A iniciativa instrutoacuteria do juiz no processo penal acusatoacuterio In Revista

Forense v 347 jul-set 1999 p 238 718

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito 719

IBID 720

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 129

131

do delito e da persecuccedilatildeo judicial do crime721

Os resultados da cultura inquisitorialista

herdada dos tempos da colonizaccedilatildeo ainda satildeo percebidos pois vaacuterios pontos do Coacutedigo

vigente ainda natildeo foram objeto de uma necessaacuteria filtragem constitucional722

A ingerecircncia do juiz nas questotildees administrativas da investigaccedilatildeo promovida pelo

Estado eacute uma contradiccedilatildeo sensiacutevel uma vez que inadequada qualquer interferecircncia que natildeo

fosse para assegurar o cumprimento da lei especialmente no que se refere agraves garantias do

investigado723

A seguir destacaremos apenas alguns pontos onde a incongruecircncia entre as praacuteticas

cotidianas da investigaccedilatildeo criminal e os ideais culturais lanccedilados na Constituiccedilatildeo se mostra

mais evidente

Como jaacute exposto embora a accedilatildeo penal soacute possa ser proposta pelo Ministeacuterio

Puacuteblico ou pelo ofendido a norma do artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal atribui aos

juiacutezes o poder de requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito o que constitui verdadeiro paradoxo

frente agrave adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio que exige mais do que afastar o juiz da

possibilidade de iniciar o processo penal vedar-lhe a requisiccedilatildeo de instauraccedilatildeo de

inqueacuterito724

A regra prevista no artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal adequava-se agrave antiga

possibilidade de o juiz ingressar de ofiacutecio com accedilatildeo penal puacuteblica hoje natildeo mais existente

por evidente incompatibilidade com a imparcialidade do juiacutezo e com o sistema

acusatoacuterio725

Com a consagraccedilatildeo da garantia do juiz imparcial e do sistema acusatoacuterio o

oferecimento de accedilatildeo penal pelo oacutergatildeo judiciaacuterio foi completamente revogado o que

tambeacutem deveria ter ocorrido com a possibilidade de requerimento de instauraccedilatildeo de

inqueacuterito policial por parte do magistrado726

Nesse sentido segundo Aury Lopes Jr a Constituiccedilatildeo ao estabelecer a titularidade

exclusiva da accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica esvaziou em parte o conteuacutedo do artigo em

721

IBID p 129-130 722

IBID p 130 723

IBID p 130 724

IBID p 109 725

ABADE Denise Neves Op cit p 175 726

IBID p 175

132

tela Natildeo compete ao juiz iniciar o processo ou mesmo o inqueacuterito ainda que por

intermeacutedio de requisiccedilatildeo natildeo soacute porque a accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica eacute de titularidade

exclusiva do Ministeacuterio Puacuteblico mas tambeacutem porque eacute um ditame do sistema

acusatoacuterio727

Isso porque decidir pela requisiccedilatildeo ou natildeo do inqueacuterito policial em uacuteltima anaacutelise

eacute o mesmo que decidir pela realizaccedilatildeo ou natildeo de colheita de elementos de convicccedilatildeo para a

formaccedilatildeo da opinio delicti ndash funccedilatildeo atribuiacuteda constitucionalmente de forma exclusiva no

caso da accedilatildeo penal puacuteblica ao Parquet728

Em definitivo natildeo cabe ao juiz requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito policial em

nenhum caso729

Ao magistrado cabe dizer o direito no caso concreto atentando para os direitos

fundamentais e sua imprescindiacutevel imparcialidade sendo-lhe absolutamente vedado agir

como parte730

Natildeo pode o Poder Judiciaacuterio conferir a si proacuteprio a funccedilatildeo de deliberaccedilatildeo

sobre a opinio delicti731

Assim a garantia de imparcialidade do juiacutezo natildeo se coaduna com a possibilidade de

iniciativa de provocaccedilatildeo jurisdicional por parte do proacuteprio Poder Judiciaacuterio ndash o que ocorre

na hipoacutetese de requisiccedilatildeo de inqueacuterito policial pelo magistrado732

O sistema acusatoacuterio

atribui ao Ministeacuterio Puacuteblico a decisatildeo sobre a abertura de procedimento para colheita de

elementos de convicccedilatildeo733

Ainda na fase preacute-processual natildeo se pode admitir que o julgador fixe orientaccedilatildeo

sobre as diretrizes a serem seguidas na investigaccedilatildeo ou criacutetica ao material probatoacuterio

colhido Nesse particular interessa relembrar o escopo das diligecircncias investigatoacuterias tal

seja reunir os elementos informativos necessaacuterios e suficientes ao convencimento do

727

LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I Rio de Janeiro

Lumen Juris 2007 p 265 728

ABADE Denise Neves Op cit p 175 729

LOPES JR Aury Direito p 265 730

ABADE Denise Neves Op cit p 175 731

IBID p 175 732

IBID p 175-176 733

IBID p 176

133

Ministeacuterio Puacuteblico sobre a viabilidade da acusaccedilatildeo734

ldquoQuem deve decidir portanto sobre

a necessidade de diligecircncias (e quais) eacute o titular da accedilatildeo penalrdquo735

No ponto especiacutefico da prorrogaccedilatildeo de prazo do inqueacuterito normalmente requerida

pela autoridade policial ao juiz eacute de notar-se que a atividade de deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo

tem caraacuteter meramente administrativo natildeo jurisdicional Encontra-se aqui outra distorccedilatildeo

do papel do julgador na fase da persecuccedilatildeo criminal extrajudicial se o controle externo da

Poliacutecia Judiciaacuteria eacute conferido ao Ministeacuterio Puacuteblico deve este zelar pela correta tramitaccedilatildeo

dos inqueacuteritos pois eacute de seu interesse institucional assegurar a tempestiva e fundamentada

finalizaccedilatildeo das investigaccedilotildees preacutevias736

737

Se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa para a

accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao fim da investigaccedilatildeo eacute do Ministeacuterio Puacuteblico a iniciativa de

promover o arquivamento das peccedilas evitando assim a instauraccedilatildeo de processo que

representa por si soacute um encargo significativo ao acusado738

No entanto o artigo 28 do CPP descreve uma rotina bastante singular e

ultrapassada quanto ao arquivamento assim descrita

Art 28 Se o oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico ao inveacutes de apresentar a

denuacutencia requerer o arquivamento do inqueacuterito policial ou de quaisquer

peccedilas de informaccedilatildeo o juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees

invocadas faraacute remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao

procurador-geral e este ofereceraacute a denuacutencia designaraacute outro oacutergatildeo do

Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistiraacute no pedido de arquivamento

ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atender

734

IBID p 110 735

LOPES JR Aury Direito p 265 736

ABADE Denise Neves Op cit p 110 737

ldquoEacute portanto salutar e constitui exigecircncia do modelo constitucional acusatoacuterio tramite o caderno

informativo diretamente entre a Poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico evitando-se o desserviccedilo prestado pela tardia

conclusatildeo das investigaccedilotildees com repercussotildees que vatildeo ateacute a soltura do investigado preso sendo de

assinalar ainda que a demora em chegarem ao oacutergatildeo ministerial as diligecircncias encetadas de ofiacutecio pela

Poliacutecia (muitas vezes o Ministeacuterio Puacuteblico somente toma conhecimento de um caso quando da vista

determinada judicialmente) colabora para a frustraccedilatildeo do processo investigativordquo IBID p 111 738

IBID p 112

134

A teor do que jaacute exposto acerca do papel constitucional do juiz na investigaccedilatildeo

criminal natildeo cabe ao juiz esse tipo de atividade praticamente recursal739

No acircmbito da

moldura acusatoacuteria delineada pela Constituiccedilatildeo constitui manifesta afronta ao princiacutepio

acusatoacuterio atribuir ao julgador a possibilidade de negar o pedido de arquivamento

formulado pelo Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo que exerce o juiacutezo de viabilidade da accedilatildeo penal

segundo os elementos coletados740

Natildeo eacute permitido ao juiz nesse passo intervir nos autos das investigaccedilotildees para

avaliar a qualidade do material colhido indicar diligecircncias ou imiscuir-se na atuaccedilatildeo do

Ministeacuterio Puacuteblico e na formaccedilatildeo do seu convencimento Ao juiz imparcial impotildee-se o

afastamento das atividades preparatoacuterias a fim de manter-se isento dos preconceitos que a

formulaccedilatildeo antecipada de uma tese produz de sorte a indagar apenas por ocasiatildeo do

exame da acusaccedilatildeo formulada se haacute justa causa para a accedilatildeo ou se se apresenta como

violaccedilatildeo ilegiacutetima da dignidade do acusado741

Nesse sentido parece indiscutiacutevel que o legislador de 2008742

ao conferir iniciativa

probatoacuteria na fase investigativa ao julgador perdeu uma grande oportunidade de reforccedilar a

determinaccedilatildeo constitucional por um sistema processual penal acusatoacuterio jaacute que deveria ter

restringido integralmente os poderes investigatoacuterios ex officio do juiz na fase

extraprocessual

Enfatizados os principais entraves agrave concretizaccedilatildeo do modelo acusatoacuterio brasileiro

resta evidente que o aperfeiccediloamento do sistema depende sobretudo da natildeo intervenccedilatildeo

judicial no controle da realizaccedilatildeo das investigaccedilotildees baacutesicas para o iniacutecio da accedilatildeo penal ou

da suficiecircncia dos elementos necessaacuterios agrave propositura da accedilatildeo penal por contrariar regras

pertinentes agrave distribuiccedilatildeo de funccedilotildees no processo743

bem como da retirada do ordenamento

dos dispositivos que conferem ao julgador ainda na fase de persecuccedilatildeo extrajudicial a

produccedilatildeo ex officio de diligecircncias probatoacuterias ou poderes administrativos outros que

retirem dele a imparcialidade necessaacuteria para o julgamento reservando-lhe o elevado dever

de garantidor de direitos fundamentais de sorte que o Judiciaacuterio somente venha a ser

chamado a intervir no curso das investigaccedilotildees quando em discussatildeo a violaccedilatildeo de direitos agrave

739

LOPES JR Aury Direito p 284 740

ABADE Denise Neves Op cit p 113 741

IBID p 113 742

Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 artigo 156 I 743

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 150

135

intimidade ao sigilo agrave liberdade entre outros a reclamar o exerciacutecio da funccedilatildeo

jurisdicional744

321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz

A atuaccedilatildeo do juiz do juiz na fase preacute-processual como anteriormente exposto deve

ser muito restrita745

limitando-se ao controle de legalidade dos atos restritivos dos direitos

fundamentais do investidado O desempenho de um papel ativo caracteriacutestico daquele que

efetivamente investiga deve pois ser-lhe vedado de modo a preservar sua

imparcialidade746

Com a cisatildeo operada entre oacutergatildeo julgador e o promovente da accedilatildeo penal ao

magistrado eacute destinada nova funccedilatildeo que obviamente natildeo eacute o de interferir na conduccedilatildeo da

investigaccedilatildeo penal ou agir como autecircntica parte no processo atuando em prol de uma cega

e desenfreada busca da verdade real747

O juiz que funciona nesta fase natildeo eacute mais o investigador mas o responsaacutevel pela

observacircncia aos direitos constitucionais e eacute natildeo raras vezes instado a intervir em

incidentes jurisdicionais quando em discussatildeo qualquer tipo de limitaccedilatildeo a esses mesmos

direitos748

A exigecircncia de que a efetivaccedilatildeo de toda e qualquer medida cautelar seja

previamente autorizada por autoridade jurisdicional competente eacute decorrecircncia do princiacutepio

da jurisdicionalidade que por sua vez deriva exatamente da funccedilatildeo de garantidor dos

direitos fundamentais do investigado atribuiacuteda ao magistrado na fase preacutevia ao processo

penal749

Agrave jurisdicionalidade como princiacutepios norteadores das medidas cautelares penais

comumente indicados pela doutrina somam-se a provisionalidade a provisoriedade a

excepcionalidade que exige sejam tais medidas adotadas apenas quando cabalmente 744

IBID p 150 745

LOPES JR Aury Direito p 247 746

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 186 747

CHOUKR Fauzi Hassan As novas tendecircncias para o processo penal IBCCRIM Boletim - 45 - Agosto

Esp 1996 748

IBID 749

LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v II Rio de Janeiro

Lumen Juris 2009 p 54-61

136

demonstrada sua necessidade a revogabilidade a acessoriedade e a proporcionalidade

esta a reclamar do juiz uma ponderaccedilatildeo entre a gravidade da medida cautelar e o fim que

por meio dela se pretende atingir750

Observado esse conjunto de princiacutepios que deve guiar a atuaccedilatildeo jurisdicional na

fase preacute-processual tem-se que a funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos

investigados natildeo eacute satisfatoriamente exercida com a mera intervenccedilatildeo formal do

magistrado autorizando ou natildeo as medidas cautelares requeridas751

O exame dos

pressupostos legais de cada uma das medidas cautelares bem como de sua legitimidade

exigem do magistrado como regra uma ampla e verdadeira avaliaccedilatildeo dos elementos

materiais colhidos na investigaccedilatildeo sobre o qual se alicerccedila o requerimento cautelar752

A garantia da imparcialidade do julgamento por sua vez vem sendo construiacuteda

nas normas internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos num progressivo

detalhamento o qual se faz necessaacuterio para assegurar a efetividade desta norma garantia no

plano interno interpretando-se a legislaccedilatildeo ordinaacuteria de acordo com os ditames dos

tratados internacionais de direitos fundamentais e das normas constitucionais753

A partir do desenvolvimento do conceito de imparcialidade objetiva portanto

passou-se a questionar-se em sede processual penal se a imparcialidade objetiva dos

julgadores natildeo ficaria afetada por ocasiatildeo da decisatildeo de meacuterito justamente devido agrave

intervenccedilatildeo do mesmo magistrado como garantidor na investigaccedilatildeo criminal quando em

discussatildeo a adoccedilatildeo de medidas que possam representar violaccedilatildeo aos direitos fundamentais

do investigado

Isso porque a proteccedilatildeo dos direitos individuais tais como a intimidade a

privacidade e a honra assentada no texto constitucional exige cuidadoso exame acerca da

necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de tais direitos

Eacute o caso por exemplo das medidas cautelares reais reguladas pelo Coacutedigo de

Processo Penal denominadas medidas assecuratoacuterias de natureza eminentemente

750

CALAMANDREI Piero Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari Padova

Cedam 1936 SANCHES Sydney Poder geral de cautela do juiz no processo civil brasileiro Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 1978 p 23-32 THEODORO JUacuteNIOR Humberto Processo Cautelar 19ordf ed Satildeo

Paulo LEUD 2000 p 65-69 751

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 187 752

IBID p 187 753

ABADE Denise Neves Op cit p 141-142

137

patrimonial das medidas cautelares pessoais que exigem com ainda maior rigor que o

magistrado tenha uma atuaccedilatildeo mais proacutexima e cuidadosa em razatildeo de se estar lidando com

a liberdade do imputado e das cautelares probatoacuterias de que satildeo exemplo a quebra de

sigilos telefocircnico bancaacuterio e fiscal e a interceptaccedilatildeo telefocircnica

Essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual exige uma tamanha proximidade

do magistrado com os elementos indiciaacuterios colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem

margens a duacutevidas cria no subjetivo do magistrado impressotildees e preconceitos

incompatiacuteveis com o distanciamento que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a

instruccedilatildeo criminal com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional

penal754

Todas essas hipoacuteteses assemelham-se agraves causas consideradas pelo Tribunal

Europeu de Direitos Humanos como justificadoras do receio acerca da perda da

imparcialidade do julgador seja pela sua efetiva proximidade com o material probatoacuterio

seja pelas decisotildees proferidas todas elas exigindo uma incursatildeo do magistrado em direccedilatildeo

agrave anaacutelise da culpabilidade do suspeito755

A situaccedilatildeo apresentada expotildee uma das grandes falhas do sistema e revela o

inequiacutevoco comprometimento do julgador e sua influecircncia pelos elementos de informaccedilatildeo

que na verdade natildeo lhe dizem respeito nesse momento756

Sua imparcialidade estaacute

comprometida pelos diversos preacute-julgamentos que realiza no curso da investigaccedilatildeo

preliminar757

ldquoSatildeo esses processos psicoloacutegicos interiores que levam a um preacute-juiacutezo sobre

condutas e pessoasrdquo758

O modelo paacutetrio neste momento natildeo apresenta soluccedilatildeo para o problema

Diferentemente do que ocorre em modelos mais avanccedilados o nosso natildeo prevecirc a figura de

um juiz exclusivo para o curso das investigaccedilotildees Pelo contraacuterio A atuaccedilatildeo na fase

preliminar de investigaccedilatildeo torna o juiz prevento para a accedilatildeo759

754

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 755

IBID p 197 756

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 140 757

LOPES JR Aury Juiacutezes 758

IBID 759

Art 83 Verificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes

igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de

algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da

queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2

o e 78 II c)

138

Necessaacuteria portanto uma reforma estrutural para cindir o responsaacutevel pelo

acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute apresentada daquele que

verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal760

de modo a preservar o distanciamento do juiz do

processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo

produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo Exatamente esse o propoacutesito do Projeto de

Lei do Senado nordm 1562009 que busca reformular todo o nosso sistema processual penal e

traz dentre as suas novidades a proposta de inserir a figura do juiz das garantias no

ordenamento juriacutedico brasileiro

O proacuteximo capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise especiacutefica da figura do juiz das

garantias nos moldes da proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009

760

LOPES JR Aury Juiacutezes

139

CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no

Processo Penal Brasileiro

1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias

O processo penal brasileiro no atual momento de nossa histoacuteria natildeo pode mais ser

apreendido em seus alicerces como anteriormente observado senatildeo a partir de uma

profunda percepccedilatildeo do modelo constitucional que o sustenta e que pelos valores que

elegeu tornou imprescindiacutevel uma completa revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal761

O estabelecimento e a consolidaccedilatildeo do modelo de Estado Democraacutetico de Direito

prescreveram novos valores ao processo penal De acordo com liccedilatildeo de Pierpaolo Bottini

ldquoeste mais do que um instrumento de persecuccedilatildeo passou a ser uma garantia do cidadatildeo

contra o arbiacutetrio uma oportunidade para contradizer a acusaccedilatildeo apresentar provas se

fazer ouvir ou quedar-se em silecircncio caso julgue necessaacuteriordquo762

O processo dessa forma

com seu caraacuteter nitidamente acusatoacuterio passou a ser o ambiente de atuaccedilatildeo democraacutetica no

exerciacutecio do direito penal deixando para traacutes sua feiccedilatildeo de mero instrumento do Estado

para a concretizaccedilatildeo do ius puniendi763

Assim a persecuccedilatildeo penal decididamente natildeo pode mais ser compreendida pela

visatildeo ex parte principi - que tem como escopo uacutenico a proteccedilatildeo do Estado - sem a

necessaacuteria correlaccedilatildeo com o princiacutepio da dignidade da pessoa humana764

Eacute preciso efetivamente que o sistema processual penal seja renovado para

conformaacute-lo aos princiacutepios normativos da vigente Constituiccedilatildeo uma vez que conforme

liccedilatildeo de Joseacute Antonio Paganella Boschi

761

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 762

BOTTINI Pierpaolo Medidas cautelares Projeto de Lei 1112008 In MOURA Maria Thereza Rocha de

Assis (Coord) As reformas no processo penal as novas Leis de 2008 e os Projetos de Reforma Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 452 763

IBID p 452 764

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial

140

Natildeo haacute nada que sobreviva ao tempo Os Coacutedigos e as leis tambeacutem ficam

velhos esclerosados perdem sua autoridade e aptidatildeo para assegurarem o alcance

das finalidades a que se destinam pois a realidade social em qualquer lugar do

mundo eacute altamente instaacutevel e exige novas e contiacutenuas regulaccedilotildees765

Desde a sua ediccedilatildeo em 1941 o Coacutedigo de Processo Penal jaacute foi objeto de inuacutemeras

alteraccedilotildees que buscaram adequaacute-lo agraves novas realidades sociais culturais poliacuteticas

econocircmicas e juriacutedicas surgidas ao longo dos anos766

bem como ajustaacute-lo agrave constituiccedilatildeo

cidadatilde promulgada em 1988 Tais alteraccedilotildees no entanto foram introduzidas por leis

dispersas e resultaram em modificaccedilotildees toacutepicas e fragmentadas

Como sabido o Coacutedigo de Processo Penal foi editado em plena eacutepoca de exceccedilatildeo

ao Estado de Direito sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1937 outorgada e de inspiraccedilatildeo

nitidamente autoritaacuteria e policialesca caracteriacutesticas estas que se refletiram sobremaneira

em seu texto Eacute verdade que desde a sua promulgaccedilatildeo outras trecircs Constituiccedilotildees767

tiveram

vigecircncia ateacute se chegar agrave atual Constituiccedilatildeo de 1988 razatildeo pela qual diversos artigos do

Coacutedigo de Processo Penal foram revogados Ademais como salientado inuacutemeras leis o

alteraram neste longo periacuteodo

Poreacutem de acordo com Pierpaolo Bottini o texto do Coacutedigo de Processo Penal

continuava defasado e desarticulado

Defasado porque foi elaborado sob a eacutegide de um conceito de processo

penal distinto que tinha por finalidade reunir esforccedilos estatais para a investigaccedilatildeo

e o conhecimento do delito () Desarticulado porque as reformas legislativas

765

BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Notas Introdutoacuterias ao PLS n 156 ndash Projeto de Coacutedigo de Processo

Penal In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo

de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 75 766

ARRUDA Eloisa de Sousa Comentaacuterios ao Procedimento do Juacuteri com as alteraccedilotildees introduzidas pela

Lei 1168908 in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p

43 767

1946 1967 e 1969

141

pontuais aprovadas com o objetivo de adequar o texto legal ao novo modelo

constitucional desfizeram a coerecircncia de diversos institutos processuais penais768

Nesse contexto como eacute de conhecimento geral em 2008 o Coacutedigo de Processo

Penal foi objeto da mais significativa e profunda reforma769

ocorrida em quase sete

deacutecadas sendo alterado pelas Leis 116892008 que tratou do juacuteri 116902008 referente

agraves provas e 117192008 que dentre outros alterou os procedimentos770

Referindo-se a tal reforma Jacques de Camargo Penteado afirma que ela se iniciou

no momento histoacuterico em que a doutrina e a jurisprudecircncia demonstraram que o sistema e

a maioria das regras do ultrapassado Coacutedigo de Processo Penal promulgado sob regime

ditatorial natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988771

Ainda segundo Andrey Borges de Mendonccedila a finalidade uacuteltima de se reformar o

Coacutedigo de Processo Penal era ldquomodernizaacute-lo agrave luz da atual ciecircncia processual penal dos

princiacutepios assegurados na Constituiccedilatildeo Federal e das disposiccedilotildees previstas em Tratados

Internacionais de Direitos Humanos incorporados pelo Brasilrdquo772

Nesse cenaacuterio o estudo do processo penal constitucional jaacute demonstrava que vaacuterios

dispositivos do Coacutedigo de Processo Penal natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 mas continuaram inseridos em seu texto provocando duacutevidas de

interpretaccedilatildeo e desvios de aplicaccedilatildeo Assim inquestionaacutevel a necessidade de

768

BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452 769

A Comissatildeo de Reforma presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover apresentou em 2000 onze

Anteprojetos que depois de discutidos amplamente pela comunidade juriacutedica foram transformados em oito

projetos de lei O que se seguiu foi a aprovaccedilatildeo aos poucos e com alteraccedilotildees dos projetos de lei

apresentados pela Comissatildeo de Reforma MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees

sobre as principais inovaccedilotildees do Projeto de Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro In MALAN Diogo

MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de

reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 770

A reforma processual penal concretizou-se apenas parcialmente restando sem nova regulamentaccedilatildeo outras

regras processuais previstas nos projetos que se achavam em andamento MOURA Maria Thereza Rocha de

Assis Breves Consideraccedilotildees p 251 771

PENTEADO Jacques de Camargo Reforma Processual Penal e Juacuteri in Revista da ESMP Reforma

Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 89 772

MENDONCcedilA Andrey Borges de Os elementos produzidos durante o inqueacuterito e as provas antecipadas

cautelares e irrepetiacuteveis segundo a reforma do CPP in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo

Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p75

142

compatibilizaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Penal aos direitos e garantias fundamentais

previstos na Constituiccedilatildeo Federal773

Pode-se dizer pois na esteira do entendimento de Pierpaolo Bottini que o objetivo

determinante da reforma processual de 2008 foi exatamente a adequaccedilatildeo legislativa dos

preceitos constitucionais de garantia buscando-se rever e ajustar a interpretaccedilatildeo das

disposiccedilotildees originais do Coacutedigo de Processo Penal sob o espectro da Constituiccedilatildeo Federal

de 1988 numa tentativa de adicionar agrave legislaccedilatildeo processual penal infraconstitucional os

princiacutepios e garantias constitucionais mantendo-se a sistematicidade e a harmonia dos

institutos774

De fato era reconhecida a urgecircncia da revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal Dessa

forma dentre outras foram regradas mateacuterias como a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo as

provas iliacutecitas a prisatildeo processual os procedimentos a celeridade a eficiecircncia a

simplicidade e a seguranccedila tendo como norte o foco nos direitos e garantias individuais e a

conformaccedilatildeo da ordem juriacutedica ao processo penal constitucional775

Antonio Scarance Fernandes sustenta que tais reformas buscaram uma vez que a

Constituiccedilatildeo Federal adotou para o processo penal o sistema acusatoacuterio ldquoconstruir um

processo com predomiacutenio da atuaccedilatildeo das partes na movimentaccedilatildeo do feito e na produccedilatildeo

das provas expurgando-se resquiacutecios de poderes acusatoacuterios do juiz mas mantendo-se o

seu poder instrutoacuterio suplementarrdquo776

Em 2009 com o advento da Lei 11900 o Coacutedigo de Processo Penal foi novamente

alterado A mudanccedila agora ainda mais pontual promoveu a inserccedilatildeo da previsatildeo de

possibilidade de realizaccedilatildeo de interrogatoacuterio e de outros atos processuais por sistema de

videoconferecircncia

773

SOUZA Luiz Roberto Sales CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e

contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 in Revista da ESMP Reforma

Processual Penal Satildeo Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p 42 774

BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452-453 775

ALMEIDA Herivelto de Reflexotildees pontuais sobre o devido processo legal e o julgamento dos crimes de

competecircncia do Tribunal do Juacuteri in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1

julhodezembro 2008 p 111 776

FERNANDES Antonio Scarance O novo procedimento do Juacuteri Revista da ESMP Reforma Processual

Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 17

143

Finalmente a Lei 124032011777

modificou dispositivos relativos agrave prisatildeo

processual fianccedila liberdade provisoacuteria e outras medidas cautelares buscando superar a

oposiccedilatildeo prisatildeoliberdade possibilitando ao juiacutezo criminal a utilizaccedilatildeo de vaacuterias outras

medidas cautelares e relegando a prisatildeo acertadamente para o lugar de ultima ratio do

sistema penal778

Contudo em que pesem as inuacutemeras alteraccedilotildees pontuais o Coacutedigo de Processo

Penal uma vez que elaborado sob forte influecircncia do sistema inquisitivo ainda padece de

graves viacutecios estruturais779

Natildeo haacute duacutevidas de que a intenccedilatildeo destas sucessivas alteraccedilotildees da legislaccedilatildeo

processual foi trazer ao Coacutedigo de Processo Penal os ldquonovos ventosrdquo780

oriundos da nova

Carta Constitucional e de tratados internacionais como o Pacto de San Joseacute da Costa Rica

Natildeo conseguiram elas alcanccedilar todavia o ldquopleno ecircxito de modernizar o ainda

estigmatizante e pouco eficaz modelo de processo criminalrdquo781

De acordo com Andrey Borges de Mendonccedila jaacute em 2008 o ideal teria sido a

aprovaccedilatildeo de um novo Coacutedigo de Processo Penal782

Contudo ldquoem razatildeo de contingecircncias

poliacuteticas preferiu-se a elaboraccedilatildeo de projetos setoriais que atingissem pontos

estrateacutegicosrdquo783

Para Fabiano Augusto Martins Silveira as leis de junho de 2008 a despeito de

todos os seus meacuteritos foram recebidas por uma estrutura predominantemente inquisitorial

777

O PL 42082001 que deu origem agrave Lei 124032011 fazia parte da reforma de 2001 que natildeo se

completou porque os demais projetos tiveram tramitaccedilatildeo mais lenta no Congresso Nacional MOURA Maria

Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees p 251-252 778

VALENTE Rodolfo de Almeida As boas novidades da lei 12403 de 2011 Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo IBCCRIM ano 18 n 225 p 09 ago 2011 779

NUNES Walter Reforma do Coacutedigo de Processo Penal Leis n 11689 n 11690 e n 11719 de 2008 In

Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIII n 44 p 20-24 janmar 2009 780

CAPEZ Fernando Dos princiacutepios fundamentais In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio

Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 101 781

IBID p 101 782

Nesse sentido Maria Thereza Rocha de Assis Moura afirma que ldquona eacutepoca a feitura de um coacutedigo

inteiramente novo contava com apoio do meio juriacutedico tendo em vista o fato de que em geral a aprovaccedilatildeo

de projetos pontuais conduz no mais das vezes a reformas inconsistentes sem harmonia e visatildeo de

conjunto Sem se falar que em razatildeo de alguns projetos serem aprovados mais rapidamente do que outros o

sistema se ressente da devida coerecircnciardquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees

p 250 783

MENDONCcedilA Andrey Borges Op cit p75

144

Por essa precisa razatildeo ldquoo brilho dessas alteraccedilotildees seraacute sempre ofuscado pelo plano de

fundordquo784

No mesmo sentido Fauzi Hassan Choukr ressalta que a opccedilatildeo teacutecnico-poliacutetica pelas

reformas segmentadas feita pelo direito brasileiro ateacute entatildeo fez com que suas supostas

virtudes fossem completamente esvaziadas por suas deficiecircncias estruturais785

Ainda existem portanto diversas falhas e descompassos na sistemaacutetica processual

penal especialmente no tocante ao sistema acusatoacuterio e aos direitos e garantias individuais

Estes defeitos segundo Fauzi Hassan Choukr revelam-se em todos os momentos do

Coacutedigo vigente mas saltam aos olhos na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal que haacute

muito anseia por estruturas que proporcionem tratamento adequado ao investigado como

sujeito e natildeo como mero objeto da atividade estatal De acordo com o autor devem ser

inseridos nesta etapa da persecuccedilatildeo ldquoos meios necessaacuterios para vivificar o grande valor

que norteia as sociedades ditas civilizadas o da dignidade da pessoa humana ponto

central de toda a metodologia constitucional contemporacircneardquo786

De todo o ateacute aqui exposto resulta a incontroversa necessidade de uma reforma

global do nosso Coacutedigo de Processo Penal

Nesse sentido a liccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira segundo o qual ldquose eacute

verdade que a legislaccedilatildeo processual penal ordinaacuteria necessita urgentemente de um banho

de Constituiccedilatildeo uma reforma integral seria a soluccedilatildeo mais indicada pois do contraacuterio

seria como pocircr remendo novo em roupa velhardquo787

Para o autor no momento presente um novo Coacutedigo de Processo Penal parece ser

um instrumento muito mais adequado aos anseios de conformaccedilatildeo ao paradigma

constitucional poacutes-88 ldquoAproximaccedilatildeo de fundo e definitiva Reconciliaccedilatildeo que natildeo pode

ser mais adiada nem deixada a cargo unicamente da jurisprudecircnciardquo788

784

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo as cautelares e o juiz das Garantias Revista de

Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia a 46 n 183 julho-set 2009 p 80 785

CHOUKR Fauzi Hassan Reforma e Continuiacutesmos no Processo Penal -Brasileiro Breve contribuiccedilatildeo agrave

anaacutelise do itineraacuterio reformista In MALAN Diogo MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de

Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 129 786

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 787

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 788

IBID p 80

145

Um novo Coacutedigo ademais segundo ele teria o condatildeo de operar natildeo apenas uma

mudanccedila na interpretaccedilatildeo sistemaacutetica do modelo de deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva estatal

com clara delimitaccedilatildeo dos papeacuteis dos sujeitos do processo mas proporcionaria ainda

progressos significativos em termos de garantias individuais789

Nesse sentido um novo

Coacutedigo livre do passivo ideoloacutegico do Decreto-Lei nordm 3689 de 1941 teria muito mais

facilidade para dar efetividade agraves garantias democraacuteticas da Constituiccedilatildeo de 1988790

Assim decorridos nove meses da entrada em vigor da chamada reforma processual

penal de 2008791

em agosto daquele mesmo ano a Comissatildeo externa criada pelo Senado

Federal em junho de 2008 para apresentar o Anteprojeto de Lei de reforma do Coacutedigo de

Processo Penal e coordenada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiccedila Hamilton

Carvalhido792

apresentou o resultado de seu trabalho que se transformou no Projeto de Lei

do Senado Federal 1562009793

Apresentado ao Senado o texto foi acolhido pela Presidecircncia em meados de

2009794

Desde entatildeo teve iniacutecio sua tramitaccedilatildeo no Congresso Nacional tendo aportado na

Cacircmara dos Deputados para anaacutelise e votaccedilatildeo795

Referido Projeto jaacute em sua Exposiccedilatildeo de Motivos ressalta o consenso acerca da

imprescindibilidade de um novo Coacutedigo

789

IBID p 80 790

IBID p 80 791

Resultado da promulgaccedilatildeo das Leis 116892008 116902008 e 117192008 em junho de 2008 que

entraram em vigor no mecircs de agosto daquele mesmo ano 792

Constituem ainda a Comissatildeo Antonio Correa Antonio Magalhatildees Gomes Filho Eugecircnio Pacelli de

Oliveira Fabiano Augusto Martins Silveira Felix Valois Coelho Juacutenior Jacinto Nelson de Miranda

Coutinho Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral A Comissatildeo foi criada a pedido do senador Renato

Casagrande (PSB-ES) e designada pelo Presidente do Senado senador Garibaldi Alves Filho por meio do

Ato 1108 793

MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia sobre o Projeto de Lei do Senado Federal

1562009 que trata da reforma do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM v

200 jul 2009 794

OLIVEIRA Eugecircnio Pacelli de Reformas legislativas e o CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo

IBCCRIM ed especial CPP ago 2010 795

O PLS 1562009 ao ser distribuiacutedo na Cacircmara dos Deputados recebeu o nuacutemero PL 80452010 e foi

apensado ao Projeto de Lei n 79872010 de autoria do Deputado Federal Miro Teixeira que tem igualmente

por objeto a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal A Mesa Diretora da Cacircmara dos Deputados

determinou fosse dada ciecircncia do Projeto ao Plenaacuterio e constituiacuteda Comissatildeo Especial para emitir parecer

sobre o Projeto e suas emendas tendo sido apresentados requerimentos de criaccedilatildeo de comissatildeo especial para

emissatildeo de parecer sobre o PL 80452010 httpwwwibrasppcombrp=216 acessado em 24102013

146

Se em qualquer ambiente juriacutedico haacute divergecircncias quanto ao sentido ao

alcance e enfim quanto agrave aplicaccedilatildeo de suas normas haacute no processo penal

brasileiro uma convergecircncia quase absoluta a necessidade de elaboraccedilatildeo de um

novo Coacutedigo sobretudo a partir da ordem constitucional da Carta da Repuacuteblica de

1988

De acordo com Fernando Capez o PLS 1562009 tem por finalidade ldquofortalecer os

laccedilos de submissatildeo das regras processuais penais aos princiacutepios garantidores derivados

da devida persecuccedilatildeo penal e em uacuteltima instacircncia do princiacutepio da dignidade humana

corolaacuterio do Estado Democraacutetico de Direitordquo796

A grande novidade eacute pois que se trata de versatildeo de Coacutedigo inteiramente novo

propondo uma modificaccedilatildeo profunda no sistema processual penal brasileiro797

que busca

se livrar de uma vez por todas dos resquiacutecios inquisitoriais do atual Coacutedigo

Dividido em seis Livros798

o Projeto de Coacutedigo abre o texto legislativo com um

Tiacutetulo dedicado aos princiacutepios fundamentais que o orientaratildeo Enumera portanto jaacute em

sua abertura os princiacutepios fundamentais que o regem e impotildee a estrita observacircncia do

devido processo legal constitucional assumindo claro compromisso com as garantias

individuais

Como asseverado na Exposiccedilatildeo de Motivos

ldquo As garantias individuais natildeo satildeo favores do Estado A sua observacircncia

ao contraacuterio eacute exigecircncia indeclinaacutevel para o Estado Nas mais variadas

concepccedilotildees teoacutericas a respeito do Estado Democraacutetico de Direito o

reconhecimento e a afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais aparecem como um

verdadeiro nuacutecleo dogmaacutetico O garantismo quando consequente surge como

pauta miacutenima de tal modelo de Estadordquo

796

CAPEZ Fernando Op cit p 124 797

GOMES Abel Fernandes Juiz das Garantias inconsistecircncia cientiacutefica mera ideologia ndash como se soacute juiz

jaacute natildeo fosse garantia Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 98-105 outdez 2010 798

Assim denominados da persecuccedilatildeo penal do processo e dos procedimentos das medidas cautelares das

accedilotildees de impugnaccedilatildeo das relaccedilotildees jurisdicionais com autoridade estrangeira e disposiccedilotildees finais

147

De acordo com Maria Thereza Rocha de Assis Moura ldquoeste comprometimento eacute

importantiacutessimo para que o respeito aos direitos fundamentais se decirc de forma efetiva e

concretardquo799

Disso decorrem muitas propostas O PLS 1562009 eacute pois repleto de novidades

merecendo especial registro para o acircmbito e as finalidades deste trabalho a clara e

definitiva opccedilatildeo pelo modelo acusatoacuterio de processo a vedaccedilatildeo de forma expliacutecita da

atividade instrutoacuteria do juiz na fase de investigaccedilatildeo800

e sobretudo ldquopara a consolidaccedilatildeo

de um modelo orientado pelo princiacutepio acusatoacuteriordquo801

a criaccedilatildeo do juiz das garantias

instituto que nos propomos analisar a partir de agora

2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares

Dentre as grandes inovaccedilotildees oriundas do projeto estaacute portanto a instituiccedilatildeo do juiz

das garantias no nosso ordenamento juriacutedico

Retomando a anaacutelise realizada nos capiacutetulos precedentes a Constituiccedilatildeo Federal

impocircs um sistema processual penal de caraacuteter acusatoacuterio cujo traccedilo essencial eacute a separaccedilatildeo

dos poderes exercidos no decorrer da persecuccedilatildeo penal

Natildeo haacute duacutevida de que de fato a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica adotou todas as

elementares do princiacutepio acusatoacuterio na medida em que conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a

privatividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal puacuteblica consagrando o devido processo legal e

assegurando o julgamento por um juiz competente e imparcial

Ademais a consolidaccedilatildeo do estudo do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo tornou

inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores

do processo penal se confundam

799

MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia 800

Art 4ordm ldquoO processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a

iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo de acusaccedilatildeordquo 801

Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009

148

Assim a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no sistema acusatoacuterio

pressupotildee tambeacutem que ao juiz seja vedada a interferecircncia na investigaccedilatildeo o que gera o

risco de comprometimento de sua imparcialidade jaacute que invariavelmente esta representa

a construccedilatildeo da proacutepria acusaccedilatildeo

Portanto uma vez separado o oacutergatildeo julgador do titular da accedilatildeo penal fica ao

magistrado reservado novo papel que certamente natildeo eacute o de imiscuir-se na investigaccedilatildeo

penal ou de atuar como verdadeira parte no processo

O juiz passa a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor natildeo podendo ficar

alheio frente agrave ocorrecircncia de violaccedilotildees ou ameaccedilas de lesatildeo aos direitos fundamentais

constitucionalmente consagrados Ao juiz imputa-se uma nova posiccedilatildeo no Estado

Democraacutetico de Direito consubstanciada na funccedilatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

O papel que o juiz deve assumir quando chamado a atuar no inqueacuterito policial natildeo eacute

mais portanto o de investigador mas o de garante dos direitos fundamentais do sujeito

passivo o que se daacute principalmente pela atuaccedilatildeo nos incidentes jurisdicionais que tecircm

lugar quando em jogo estiver a quebra de algum valor constitucionalmente consagrado

Tudo isso em consonacircncia com os princiacutepios que orientam o sistema acusatoacuterio e a proacutepria

estrutura dialeacutetica do processo penal

Para o exerciacutecio da funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos suspeitos

natildeo eacute suficiente poreacutem uma mera accedilatildeo formal do magistrado no sentido de simplesmente

autorizar ou indeferir as medidas cautelares requeridas Cabe ao magistrado no intuito de

maacutexima proteccedilatildeo aos direitos em vias de serem violados a anaacutelise minuciosa e detida do

material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo sobre o qual se fundamenta o requerimento

cautelar visando verificar o atendimento aos requisitos legais de cada uma das medidas

cautelares bem como de sua legitimidade

Ocorre poreacutem que se identificou no nosso sistema processual penal como jaacute

analisado quando da exposiccedilatildeo do conceito de imparcialidade objetiva desenvolvido

sobretudo por meio da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu de Direitos Humanos o

elevado risco de comprometimento da imparcialidade do juiacutez quando do julgamento

exatamente em razatildeo de sua anterior atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo criminal por ocasiatildeo do

exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos direitos

fundamentais do investigado

149

E para esse problema o ordenamento juriacutedico brasileiro natildeo dispunha de uma

soluccedilatildeo satisfatoacuteria agora aventada pelo projeto de lei do Senado 1562009

Trata-se da criaccedilatildeo de um oacutergatildeo jurisdicional com competecircncia exclusiva para

atuaccedilatildeo na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal a quem seraacute dado zelar pela

legalidade da investigaccedilatildeo criminal e tutelar a plena observacircncia dos direitos e garantias

fundamentais do investigado802

cabendo a ele a autorizaccedilatildeo de medidas resguardadas pela

claacuteusula de reserva judicial

Disciplinada no Capiacutetulo II do Tiacutetulo II do Livro I que versa sobre a investigaccedilatildeo

criminal o instituto do juiz das garantias eacute uma das propostas que buscam adequar o

Coacutedigo de Processo Penal agrave ideologia democraacutetica da Constituiccedilatildeo Federal vigente803

Conforme definiccedilatildeo do proacuteprio projeto ldquoo juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo

controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos

individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder

Judiciaacuteriordquo804

Naturalmente a atuaccedilatildeo judicial na fase de investigaccedilatildeo natildeo constitui novidade no

nosso ordenamento juriacutedico A inovaccedilatildeo legislativa aqui diz respeito agrave criaccedilatildeo da figura

de um juiz com competecircncia exclusiva para a atuaccedilatildeo na fase preacute-processual que a teor do

artigo 16805

estaria impedido de funcionar no processo806

Na sistemaacutetica do Coacutedigo que estaacute em vigor como se sabe a regra de competecircncia

vai no sentido oposto O magistrado que tomou conhecimento do feito na fase de

investigaccedilatildeo torna-se prevento nos termos dos arts 75 paraacutegrafo uacutenico807

e 83808

do atual

802

MAYA Andreacute Machado Outra vez sobre o juiz de garantias entre o ideal democraacutetico e os empecilhos

de ordem estrutural Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 215 out 2010 803

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias no projeto de reforma do coacutedigo de processo penal Boletim

IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 204 nov 2009 804

Artigo 14 805

Art 16 ldquoO juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14

ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748rdquo 806

ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal ALVES

Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal

Salvador Juspodivm 2012 p 136 807

Art 75 ldquoA precedecircncia da distribuiccedilatildeo fixaraacute a competecircncia quando na mesma circunscriccedilatildeo judiciaacuteria

houver mais de um juiz igualmente competente Paraacutegrafo uacutenico A distribuiccedilatildeo realizada para o efeito da

concessatildeo de fianccedila ou da decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ou de qualquer diligecircncia anterior agrave denuacutencia ou

queixa preveniraacute a da accedilatildeo penalrdquo 808

Art 83 ldquoVerificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes

igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de

150

Coacutedigo de Processo Penal para conhecer a accedilatildeo penal que posteriormente seraacute ajuizada

isto eacute seraacute o mesmo juiz que proferiraacute a sentenccedila porque foi o primeiro a tomar

conhecimento do fato

O projeto altera substancialmente este panorama Institui a figura do juiz das

garantias para romper com essa loacutegica da prevenccedilatildeo809

Com efeito o juiz chamado a

intervir no inqueacuterito policial ficaraacute impedido de julgar o caso Trata-se portanto ldquode um

giro de 180 grausrdquo810

ldquode uma mudanccedila da aacutegua para o vinhordquo811

A importacircncia do juiz das garantias portanto como proposto no PLS 1562009

reside na separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos

com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente

daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal e a reuniatildeo dos indiacutecios destinados a

fundamentar a denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico812

De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira ldquoa separaccedilatildeo entre as funccedilotildees

judiciais atinentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo eacute uma tendecircncia bem consolidada na

experiecircncia internacionalrdquo813

podendo ser citados como exemplos o giudice per le

indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o juez de garantiacutea no

Chile814

Em todos esses casos procedeu-se guardadas as particularidades de cada

ordenamento juriacutedico agrave individualizaccedilatildeo das funccedilotildees do juiz que interveacutem na investigaccedilatildeo

como forma de diferenciaacute-lo do juiz que atua na fase processual e que julgaraacute o meacuterito815

algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da

queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2

o e 78 II c)rdquo

809 PASSOS Edilenice Coacutedigo de Processo Penal notiacutecia histoacuterica sobre as comissotildees anteriores Senado

Federal ndash Secretaria de Informaccedilatildeo e Documentaccedilatildeo Brasiacutelia 2008 810

IBID 811

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88 812

MAYA Andreacute Machado Outra vez 813

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88-89 814

ldquoNo Coacutedigo de Processo Penal italiano de 1988 tais funccedilotildees satildeo reservadas ao lsquogiudice per le indagini

preliminarirsquo (art 328) Ao mais haacute igualmente a previsatildeo no art 34 comma 2ordm-bis de que o juiz que no

mesmo procedimento exerceu as funccedilotildees dersquo giudice per le indagini preliminarirsquo natildeo pode proferir decreto

de condenaccedilatildeo participar da audiecircncia preliminar nem do processo propriamente dito De forma

semelhante o Coacutedigo de Processo Penal portuguecircs de 1987 atribui as funccedilotildees jurisdicionais relativas ao

inqueacuterito na fase de instruccedilatildeo ndash equivalente agrave nossa fase de investigaccedilatildeo ndash ao lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo (art 17)

que eacute um magistrado distinto daquele que procederaacute ao julgamento Haacute tambeacutem expressa previsatildeo no art

40 de proibiccedilatildeo do lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo intervir em julgamento cujo debate instrutoacuterio tenha presidido Nos

paiacuteses latino-americanos o Coacutedigo de Processo Penal do Chile de 2000 prevecirc a figura do lsquojuez de garantiarsquo

(art 70) de forma distinta do Tribunalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um

julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz nos sistemas em que natildeo haacute

a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em

25082013 815

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89

151

O mesmo ocorreraacute com a introduccedilatildeo da figura do juiz das garantias no ordenamento

juriacutedico brasileiro

Eacute vaacutelido ressaltar que natildeo eacute intenccedilatildeo do Projeto criar no Brasil um juizado de

instruccedilatildeo onde o juiz eacute o responsaacutevel pela investigaccedilatildeo criminal O juiz das garantias natildeo

tem funccedilotildees instrutoacuterias ele natildeo eacute o titular e nem o coordenador da fase preliminar da

persecuccedilatildeo penal816

Sua atuaccedilatildeo eacute eventual limitada agrave funccedilatildeo de controle da legalidade

das investigaccedilotildees e de garantia dos direitos fundamentais sobretudo os de liberdade817

O

fundamento de suas atribuiccedilotildees estaacute portanto no controle jurisdicional da legalidade da

investigaccedilatildeo e na proteccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais818

Por outro lado o projeto do Senado tambeacutem natildeo postula um modelo a impedir toda

e qualquer iniciativa do juiz Ao magistrado eacute reservado um papel complementar no

esclarecimento das provas produzidas e garantida ampla liberdade para adoccedilatildeo de medidas

cautelares na fase processual819

Pode-se dizer de acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira que o processo de

separaccedilatildeo fiacutesica entre juiz da investigaccedilatildeo e juiz da causa tem como antecedente histoacuterico a

distinccedilatildeo entre as funccedilotildees de julgar e acusar820

com a niacutetida separaccedilatildeo entre juiz e

Ministeacuterio Puacuteblico Agora com mira num maior niacutevel de apuraccedilatildeo do processo penal

acusatoacuterio busca-se a diferenciaccedilatildeo interna do oacutergatildeo judicial com a cisatildeo do juiz do

processo do juiz da investigaccedilatildeo821

Para Nereu Joseacute Giacomolli a escolha pela inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias

no projeto de novo coacutedigo natildeo se trata de ldquosimples opccedilatildeo metodoloacutegica e nem de

organizaccedilatildeo judiciaacuteria mas revolve uma opccedilatildeo poliacutetica de processo penalrdquo822

O juiz de

garantais se insere pois no modelo democraacutetico de processo penal vinculado agrave

Constituiccedilatildeo Federal e aos Diplomas Internacionais823

816

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Juiz de Garantias ndash um nascituro estigmatizado In MALAN Diogo

MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de

reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 308 817

IBID p 308 818

IBID p 308 819

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 820

IBID p 89 821

IBID p 89 822

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 305 823

IBID p 305

152

Na observaccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira membro da Comissatildeo

redatora do Anteprojeto de Coacutedigo de Processo Penal

A figura do juiz das garantias estaacute em perfeita uniatildeo ao espiacuterito democraacutetico

que dominou o anteprojeto e que sobreviveu ao texto aprovado pelo Senado Federal

O juiz das garantias estaacute na essecircncia do sistema acusatoacuterio desenhado no PLS 156 de

2009 Um eacute a imagem refletida do outro () A separaccedilatildeo e a especializaccedilatildeo do

agente judicial no tocante agraves fases da investigaccedilatildeo e do processo representam a etapa

de maior refinamento e de afirmaccedilatildeo do sistema acusatoacuteriordquo824

Feitas essas observaccedilotildees preliminares passaremos a examinar qual o acircmbito de

atuaccedilatildeo e quais as funccedilotildees do juiz das garantias

3 Atribuiccedilotildees

A anaacutelise do raio de accedilatildeo do juiz das garantias natildeo pode ser feita senatildeo a partir do

disposto no art 4ordm do PLS no qual se condensou a foacutermula do princiacutepio acusatoacuterio ldquoO

processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a

iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo

de acusaccedilatildeordquo

Desde logo deve ser salientado que o juiz das garantias natildeo eacute um juiz investigador

Ele tambeacutem natildeo impulsiona o inqueacuterito No desenho do projeto de Coacutedigo previu-se

exatamente o oposto Ele deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio ao qual

se quer dar efetividade Por conseguinte o juiz das garantias natildeo seraacute o gerente do

inqueacuterito policial Ele natildeo age de ofiacutecio825

mas apenas mediante provocaccedilatildeo Natildeo lhe

cabe pois requisitar a abertura da investigaccedilatildeo nem tampouco solicitar diligecircncias

824

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O juiz das garantias entre os caminhos da reforma do Coacutedigo de

Processo Penal In BONATO Gilson (Org) Processo Penal Constituiccedilatildeo e criacutetica estudos em homenagem

ao Prof Dr Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 825

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90

153

investigativas Ele eacute antes o responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo

nunca o gerente das tarefas policiais826

Em mateacuteria cautelar vale lembrar que o juiz das

garantias tambeacutem soacute agiria mediante provocaccedilatildeo827

Daiacute que os autos do inqueacuterito natildeo devem chegar a suas matildeos salvo nas hipoacuteteses

em que os direitos fundamentais do investigado devam sofrer restriccedilotildees828

isto eacute a sua

participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da

pessoa investigada829

As competecircncias do juiz das garantias foram detalhadas no art 14 da Redaccedilatildeo Final

ao Projeto de Lei do Senado nordm 1562009

Art 14 O juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da

investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia

tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder Judiciaacuterio competindo-lhe

especialmente

I ndash receber a comunicaccedilatildeo imediata da prisatildeo nos termos do inciso LXII do

art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil

II ndash receber o auto da prisatildeo em flagrante para efeito do disposto no art 555

III ndash zelar pela observacircncia dos direitos do preso podendo determinar que este

seja conduzido a sua presenccedila

IV ndash ser informado sobre a abertura de qualquer investigaccedilatildeo criminal

V ndash decidir sobre o pedido de prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar

826

IBID p 90 827

ldquoTodavia uma vez decretada a prisatildeo ou outra medida cautelar pessoal ele poderaacute independentemente

de pedido dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal ou do investigado substituiacute-la por outra que entenda mais

adequada agraves exigecircncias cautelares do caso concreto Abre-se tal possibilidade natildeo apenas na hipoacutetese de

descumprimento da medida anteriormente imposta mas sempre que tendo em vista novas circunstacircncias e

motivaccedilotildees avalie que a substituiccedilatildeo eacute oportuna (art 513 paraacutegrafo uacutenico)rdquo IBID p 90-91 828

Vale destacar que todavia manteve-se o controle do arquivamento do inqueacuterito policial nas matildeos do

Poder Judiciaacuterio diferentemente da proposta original a qual atribuiacutea tal tarefa ao Ministeacuterio Puacuteblico na

condiccedilatildeo de titular da accedilatildeo penal Nesse ponto conforme liccedilatildeo de Maria Thereza Rocha de Assis Moura

ldquoperdeu-se a oportunidade de adotar regra consentacircnea com o princiacutepio acusatoacuterio e do controle da accedilatildeo

penal puacuteblica por quem eacute o seu titularrdquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees

p 254 829

PASSOS Edilenice Op cit

154

VI ndash prorrogar a prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar bem como

substituiacute-las ou revogaacute-las

VII ndash decidir sobre o pedido de produccedilatildeo antecipada de provas consideradas

urgentes e natildeo repetiacuteveis assegurados o contraditoacuterio e a ampla defesa

VIII ndash prorrogar o prazo de duraccedilatildeo do inqueacuterito estando o investigado preso

em vista das razotildees apresentadas pelo delegado de poliacutecia e observado o disposto no

paraacutegrafo uacutenico deste artigo

IX ndash determinar o trancamento do inqueacuterito policial quando natildeo houver

fundamento razoaacutevel para sua instauraccedilatildeo ou prosseguimento

X ndash requisitar documentos laudos e informaccedilotildees ao delegado de poliacutecia sobre

o andamento da investigaccedilatildeo

XI ndash decidir sbre os pedidos de a) interceptaccedilatildeo telefocircnica do fluxo de

comunicaccedilotildees em sistemas de informaacutetica e telemaacutetica ou de outras formas de

comunicaccedilatildeo b) quebra dos sigilos fiscal bancaacuterio e telefocircnico c) busca e

apreensatildeo domiciliar d) acesso a informaccedilotildees sigilosas e) outros meios de

obtenccedilatildeo da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado

XII ndash julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denuacutencia

XIII ndash determinar a realizaccedilatildeo de exame meacutedico de sanidade mental nos

termos do art 452 sect 1ordm

XIV ndash arquivar o inqueacuterito policial

XV ndash assegurar prontamente quando se fizer necessaacuterio o direito de que

tratam os arts 11 e 37

XVI ndash deferir pedido de admissatildeo de assistente teacutecnico para acompanhar a

produccedilatildeo da periacutecia

XVII ndash outras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigo

155

Como pode ser observado o projeto de Coacutedigo optou por enumerar as

competecircncias legais do juiz das garantias com o cuidado de prever a claacuteusula do inciso

XVII do art 14 (ldquooutras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigordquo)

De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira nem seria necessaacuterio entrar em

tantos detalhes pois do confronto do caput do art 14 segundo o qual ldquoO juiz das

garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela

salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo

preacutevia do Poder Judiciaacuterio ()rdquo com a regra de competecircncia do caput do art 15 que

dispotildee que ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto

as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo seria

plenamente possiacutevel concluir que toda e qualquer mateacuteria que reclame intervenccedilatildeo judicial

na fase de investigaccedilatildeo seria da competecircncia do juiz das garantias830

Todas as infraccedilotildees penais satildeo abrangidas pela competecircncia do juiz das garantias

ressalvadas as de menor potencial ofensivo831

que seguem o rito dos juizados especiais832

Uma vez proposta a accedilatildeo penal cessa sua competecircncia833

isto eacute a distribuiccedilatildeo da accedilatildeo

penal seraacute ldquoo divisor de aacuteguasrdquo834

Proposta a accedilatildeo penal portanto o juiz das garantias sai

de cena passando o bastatildeo para o juiz do processo que entatildeo decidiraacute as questotildees

pendentes835

podendo ainda reexaminar a necessidade das medidas cautelares em

curso836

No que diz respeito aos crimes de competecircncia originaacuteria dos tribunais as funccedilotildees

do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma

regimental que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator837

830

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 831

Tal exceccedilatildeo eacute objeto de criacutetica da doutrina Por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 do Instituto

Brasileiro de Direito Processual busca-se suprimir a ressalva de que a competecircncia do juiz de garantia natildeo

abrangeria as infraccedilotildees de menor potencial ofensivo sob o fundamento de que ldquomesmo nestes casos poderaacute

haver necessidade de decisotildees judiciais sobre medidas cautelares ou outros atos de competecircncia do juiz das

garantiasrdquo 832

PASSOS Edilenice Op cit 833

Art 15 A competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor

potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penal 834

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 835

Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 836

Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o

oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso 837

Art 314 ldquoNas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves

disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash

156

Em siacutentese o juiz das garantias seraacute o destinataacuterio de todos os pedidos de

diligecircncias formulados durante a investigaccedilatildeo criminal que interfiram na esfera de direitos

do investigado aleacutem de decidir sobre as medidas cautelares838

Cabe-lhe tutelar a

regularidade da investigaccedilatildeo sobretudo quando esta puder atingir direitos fundamentais839

Ao juiz das garantias podem recorrer tanto a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico de um lado

como o investigado do outro de maneira que a investigaccedilatildeo natildeo saia da legalidade Trata-

se portanto de um ldquojuiz de salvaguardas Peccedila-chave no modelo acusatoacuterio em

construccedilatildeordquo840

Compreendidos o acircmbito de atuaccedilatildeo e funccedilatildeo do juiz das garantias deve-se

esclarecer a sua finalidade

4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro

Partindo-se da proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009 temos que o

deslocamento de um oacutergatildeo da jurisdiccedilatildeo com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo da tarefa de

examinar cuidadosamente a necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de

direitos individuais como a intimidade a privacidade e a honra atende a duas estrateacutegias

bem definidas a saber a) a otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal inerente agrave

especializaccedilatildeo na mateacuteria e ao gerenciamento do respectivo processo operacional e b)

manter o distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em

relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo

A nova figura atenderia portanto a dois objetivos centrais Examinemos entatildeo

cada um deles

as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental que

ficaraacute impedido de atuar no processo como relator()rdquo 838

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90 839

IBID p 90 840

IBID p 90

157

41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal

A primeira justificativa elencada pelo Projeto para a criaccedilatildeo de um magistrado para

atuar exclusivamente na investigaccedilatildeo preliminar reside pois no aprimoramento da atuaccedilatildeo

jurisdicional criminal na preservaccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais

Segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquodever de cuidado natildeo eacute suficiente na

esfera penal em razatildeo da profundeza das violaccedilotildees fazendo-se necessaacuterio o

estabelecimento de garante exclusivordquo841

A exposiccedilatildeo de motivos do Projeto 1562009 nesse sentido eacute clara ao exigir a

criaccedilatildeo um oacutergatildeo jurisdicional com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo dessa missatildeo um

juizado das garantias natildeo bastando que o juiz do processo seja outro que natildeo o juiz que

atuou na fase preacute- processual842

De acordo do Simone Schreiber natildeo haacute duacutevida de que o novo Coacutedigo de Processo

Penal poderia apenas instituir uma regra de impedimento em que o juiz que houvesse

tomado qualquer decisatildeo na fase investigatoacuteria estaria impedido de atuar na fase

processual843

Contudo o Projeto estaacute um passo agrave frente prevendo um juiz especializado

que teraacute a atribuiccedilatildeo exclusiva de tutelar os direitos das pessoas investigadas e a legalidade

da atuaccedilatildeo dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo844

Nesse contexto tem-se em mente que a previsatildeo de um juiz que atue

exclusivamente na investigaccedilatildeo pode proporcionar as vantagens esperadas de todo e

qualquer processo de especializaccedilatildeo845

A existecircncia de um magistrado cuja atuaccedilatildeo esteja

voltada especificamente para a investigaccedilatildeo significaraacute maior capacitaccedilatildeo e portanto

ganho de celeridade846

ldquoUma rotina especiacutefica de trabalho tende a gerar com o tempo

expertise eficiecircncia e agilidaderdquo847

841

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 842

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 843

SCHREIBER Simone Juiz de garantias no projeto do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo IBCCRIM n 213 ago 2010 844

IBID 845

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 846

PASSOS Edilenice Op cit 847

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89

158

Pode-se dizer sem duacutevidas que esse foi o objetivo almejado com a criaccedilatildeo de varas

de inqueacuteritos policiais em algumas capitais brasileiras como Belo Horizonte Curitiba e

Satildeo Paulo848

onde existe uma equipe capacitada para de forma aacutegil ainda no calor dos

acontecimentos deliberar entre a retirada da sociedade de imediato de algueacutem que oferece

ameaccedila ou a correccedilatildeo da arbitrariedade do Estado numa eventual injusticcedila praticada contra

um cidadatildeo e o Estado Democraacutetico de Direito o que inegavelmente natildeo eacute uma tarefa

nada faacutecil Trata-se pelo contraacuterio de um trabalho meticuloso O juiz das garantias nesse

sentido eacute ldquouma proposta orientada aos resultadosrdquo849

No mesmo sentido Jacinto Nelson de Miranda Coutinho ressalta que a criaccedilatildeo do

juiz das garantias possibilitaraacute que dois faccedilam obviamente no acircmbito das suas

competecircncias o trabalho agora reservado a um soacute devendo aumentar o nuacutemero de juiacutezes

ldquoo que eacute uma necessidade que se natildeo discute maisrdquo850

De acordo com Simone Schreiber ldquoa instituiccedilatildeo de juiacutezes de garantia

evidentemente com estrutura proacutepria sem duacutevida traraacute maior agilidade ao funcionamento

das varas criminaisrdquo851

dado que os juiacutezes dessas varas poderatildeo dedicar-se

exclusivamente agrave conduccedilatildeo cuidadosa e ceacutelere do processo criminal assegurando os

direitos das partes de postulaccedilatildeo e instruccedilatildeo e proferindo a sentenccedila criminal vaacutelida e justa

em prazo razoaacutevel852

Portanto como se conclui da disposiccedilatildeo do juiz das garantias e de sua competecircncia

no Projeto de Coacutedigo de Processo Penal a expectativa de aprimoramento do processo

penal brasileiro apoacutes o seu advento estaacute no fato de que se contaraacute a partir de entatildeo com

um oacutergatildeo judiciaacuterio responsaacutevel exclusivamente pela tutela das inviolabilidades pessoais

848

IBID p 89 ldquoTodavia eacute preciso ter claro que o juiz das garantias difere do juiz das varas de inqueacuterito

policial hoje instituiacutedas em algumas capitais como Satildeo Paulo e Belo Horizonte Eacute que o juiz das garantias

deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio que se quer adotar Por conseguinte o juiz das

garantias natildeo seraacute o gerente do inqueacuterito policial pois natildeo lhe cabe requisitar a abertura da investigaccedilatildeo

tampouco solicitar diligecircncias agrave autoridade policial Ele agiraacute mediante provocaccedilatildeo isto eacute a sua

participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da pessoa

investigada O inqueacuterito tramitaraacute diretamente entre poliacutecia e Ministeacuterio Puacuteblico Quando houver

necessidade referidos oacutergatildeo dirigir-se-atildeo ao juiz das garantias Hoje diferentemente tudo passa pelo juiz

da vara de inqueacuteritos policiaisrdquo PASSOS Edilenice Op cit 849

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 850

COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Legibus Solutio a sensaccedilatildeo dos que satildeo contra a reforma global

do CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 210 mai 2010 851

SCHREIBER Simone Op cit 852

IBID

159

cuja especializaccedilatildeo no exame de questotildees atreladas agrave proteccedilatildeo da intimidade privacidade e

honra do cidadatildeo otimizaraacute a participaccedilatildeo do juiz na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal

Em uacuteltima instacircncia segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquoa otimizaccedilatildeo do

controle com a vedaccedilatildeo dos excessos persecutoacuterios garante a restriccedilatildeo dos direitos

fundamentais no plano da excepcionalidade ou seja a manutenccedilatildeo da unidade e

harmonia da Constituiccedilatildeo Federalrdquo853

Portanto dentre as finalidades primazes do juiz das garantias estatildeo a garantia de

melhor cumprimento de vaacuterios direitos prometidos e assegurados pelo Estado quando da

ediccedilatildeo da Constituiccedilatildeo e o aperfeiccediloamento da investigaccedilatildeo tornando-a mais ceacutelere e

eficiente sem com isso perder a constitucionalidade854

42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual

A especializaccedilatildeo inerente agrave nova figura judicial que se quer implementar poreacutem

tem em mira um segundo objetivo que eacute o que justifica de fato sua adoccedilatildeo e que visa

atender aos anseios de parcela consideraacutevel da doutrina qual seja assegurar a

imparcialidade objetiva do juiz garantindo-se que o juiz do processo tenha plena liberdade

criacutetica em relaccedilatildeo aos trabalhos da fase investigativa855

A preocupaccedilatildeo do projeto estampada na sua exposiccedilatildeo de motivos eacute ldquopreservar ao

maacuteximo o distanciamento do julgador ao menos em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo dos elementos

que venham a configurar a pretensatildeo de qualquer das partesrdquo856

A figura do juiz das garantias e as restriccedilotildees em tema de investigaccedilatildeo foram

pensadas portanto acima de tudo ldquocomo forma de valorizar o que haacute de mais nobre na

853

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 854

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo do ldquojuiz das garantiasrdquo Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo IBCCRIM ed esp CPP ago 2010 855

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 856

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias

160

atividade do julgador e de onde ele retira o tiacutetulo de legitimidade de sua funccedilatildeo isto eacute a

imparcialidaderdquo857

O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 como analisado no Capiacutetulo III deste estudo

prevecirc vaacuterias formas de participaccedilatildeo do juiz na fase investigatoacuteria Contudo apoacutes a

Constituiccedilatildeo de 1988 que consagrou o sistema acusatoacuterio natildeo soacute no art 129 I mas

tambeacutem como corolaacuterio da claacuteusula do due process of law essa atuaccedilatildeo vem sendo

consideravelmente reduzida858

No que se refere agraves medidas de caraacuteter investigatoacuterio ou assecuratoacuterio restritivas de

direitos fundamentais que devam ser tomadas na fase de investigaccedilatildeo poreacutem natildeo se pode

prescindir da participaccedilatildeo do juiz859

que no sistema do atual Coacutedigo de Processo Penal eacute o

mesmo que posteriormente julgaraacute a accedilatildeo penal por conta da regra de fixaccedilatildeo da

competecircncia desse juiz por prevenccedilatildeo

Esse papel que o juiz eacute chamado a exercer demanda redobrado cuidado pois se por

um lado ele natildeo pode substituir os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal na conduccedilatildeo da investigaccedilatildeo

e tambeacutem natildeo deve restringir indevidamente a accedilatildeo desses oacutergatildeos por outro ele natildeo pode

se desvencilhar de sua tarefa de tutelar os direitos das pessoas investigadas impedindo que

sofram restriccedilotildees injustificadas ou desarrazoadas860

E principalmente ele deve procurar

natildeo se contaminar pelas versotildees dos fatos que lhes satildeo trazidas pela autoridade policial e

pelo Ministeacuterio Puacuteblico no curso da investigaccedilatildeo o que natildeo eacute uma tarefa simples861

Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ressalta que ao se impor nessa nossa atual legislaccedilatildeo

que o juiz atue tanto em fase investigativa quanto judicial exige-se dele um

ldquocomportamento inumanordquo fundado na aptidatildeo de desconsiderar suas experiecircncias

anteriores com a causa na fase de investigaccedilatildeo ldquopara avaliar se aquilo que ele ajudou a

produzir eacute idocircneo para acusar e em momento apenas cronologicamente posterior eacute

suficiente para condenarrdquo862

De acordo com Andreacute Machado Maya essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-

processual exige uma tamanha proximidade do magistrado com os elementos indiciaacuterios

857

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 858

SCHREIBER Simone Op cit 859

IBID 860

IBID 861

IBID 862

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo

161

colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem margens a duacutevidas cria no subjetivo do

magistrado impressotildees e preacute-conceitos incompatiacuteveis com alheamento que deve guiar a sua

atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da

atividade jurisdicional penal863

Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ningueacutem eacute capaz de negar que um

magistrado instado a intervir na fase de investigaccedilatildeo jaacute forme sua convicccedilatildeo desde esse

primeiro instante sendo natildeo raras vezes irrelevante e dispensaacutevel a fase judicial864

Isso

porque o juiz que atua no inqueacuterito mantendo o flagrante ou decretando a prisatildeo

preventiva do investigado autorizando a quebra dos dados resguardados por sigilo

constitucional ou permitindo teacutecnicas invasivas como a infiltraccedilatildeo de agentes tende

inevitavelmente a assumir a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo criminal865

Assim o juiz que atua na fase de investigaccedilatildeo embora obviamente com funccedilotildees

distintas muito se aproxima psicologicamente da figura do Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo cuja

funccedilatildeo eacute analisar se haacute fundamento idocircneo e suficiente para acusar por meio do exame do

material investigativo agrave sua disposiccedilatildeo866

No mesmo sentido Simone Schreiber afirma que se na fase investigatoacuteria a

autoridade policial dirige-se ao juiz para requerer a adoccedilatildeo de medidas cautelares que

impliquem em restriccedilatildeo a direitos fundamentais do investigado eacute inevitaacutevel que este juiz

acabe participando da investigaccedilatildeo ainda que em tese na posiccedilatildeo de garante dos direitos

das pessoas atingidas por tais medidas867

Por conseguinte quando a investigaccedilatildeo eacute encerrada o juiz jaacute estaacute absolutamente

familiarizado com os fatos dado que participou intensamente da investigaccedilatildeo policial e jaacute

formou um juiacutezo sobre o que ocorreu e quem satildeo as pessoas envolvidas868

Ao se determinar essa atuaccedilatildeo duacuteplice ao juiz Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes afirma

que estamos conduzindo-o para uma inevitaacutevel presunccedilatildeo de culpa que soacute seraacute revertida se

a defesa provar a inocecircncia do acusado869

Caso contraacuterio seraacute mantida a convicccedilatildeo

863

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 864

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 865

PASSOS Edilenice Op cit 866

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 867

SCHREIBER Simone Op cit 868

IBID 869

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo

162

formada pelo magistrado desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo penal em clara afronta agrave presunccedilatildeo

de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional deveria orientar o juiz no curso de toda

a causa870

Nesse cenaacuterio de acordo com Simone Schreiber ldquoeacute evidente que a defesa entra em

desvantagem e sua fala jaacute natildeo merece a mesma atenccedilatildeo e credibilidade daquele juizrdquo871

dado que se foi ele proacuteprio quem avaliou e atestou a pertinecircncia e a legalidade das medidas

probatoacuterias realizadas na fase preacute-processual ldquoeacute bastante improvaacutevel que ele desqualifique

a prova que foi produzida e mude de ideia quanto ao resultado que foi colhidordquo872

Eacute portanto extremamente difiacutecil senatildeo praticamente impossiacutevel que o juiz se

mantenha alheio agraves versotildees dos fatos que vatildeo sendo expostas ao longo investigaccedilatildeo e que

lhe satildeo relatadas pela autoridade policial a cada nova representaccedilatildeo A participaccedilatildeo no

inqueacuterito desse modo contamina o juiz tornando muito mais aacuterdua a tarefa da defesa de

se fazer ouvir no processo873

A cada vez que o juiz eacute instado a decidir mateacuteria pertinente agrave investigaccedilatildeo eacute

indiscutiacutevel que ele faraacute uma anaacutelise ainda que superficial do objeto desta Estaacute claro

pois que essa atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo obriga o juiz a formular uma opiniatildeo ainda que natildeo

definitiva sobre a linha investigatoacuteria adotada e sobre os fatos e pessoas nela

envolvidas874

o que lhe impediraacute de decidir posteriormente com total isenccedilatildeo e

imparcialidade

A separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos

com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente

daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal tem como fim uacuteltimo entatildeo a preservaccedilatildeo

da imparcialidade do juiz competente para o julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal875

O que se visa portanto com essa nova figura juriacutedica natildeo eacute apenas atender o

cidadatildeo na proteccedilatildeo de seus direitos na investigaccedilatildeo e os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo em ter um

juiz mais familiarizado com a realidade de uma investigaccedilatildeo criminal mas a grande

870

IBID 871

SCHREIBER Simone Op cit 872

IBID 873

IBID 874

IBID 875

MAYA Andreacute Machado Outra vez

163

finalidade da sua inserccedilatildeo estaacute em garantir que o juiz da causa natildeo atue contaminado por

sua atuaccedilatildeo anterior em fase investigativa876

Em outros termos trata-se o juizado das garantias de um instituto processual cuja

principal finalidade eacute a de garantir um maior distanciamento entre o juiz responsaacutevel por

proferir a decisatildeo penal e os elementos indiciaacuterios colhidos durante o inqueacuterito policial no

intuito de minimizar o quanto possiacutevel a contaminaccedilatildeo do magistrado e com isso

privilegiar a garantia da imparcialidade sobretudo no seu aspesto objetivo877

A ideia eacute garantir ao juiz do processo ampla liberdade criacutetica em relaccedilatildeo ao material

colhido na fase de investigaccedilatildeo878

Ora como jaacute exposto a exigecircncia de imparcialidade

objetiva do magistrado com vistas a evitar que a causa seja julgada por juiz de cuja

imparcialidade se possa suspeitar impotildee que se considere impedido de julgar um juiz que

esteja comprometido com um conhecimento preacutevio sobre os fatos da investigaccedilatildeo879

atribuindo-se a julgadores distintos as funccedilotildees de atuar na fase de investigaccedilatildeo preliminar e

durante o processo judicial

Com isso busca-se evitar o inegaacutevel comprometimento do resultado e a inevitaacutevel

vinculaccedilatildeo psicoloacutegica que o magistrado que atuou na investigaccedilatildeo traz consigo para a

accedilatildeo penal880

ldquoRompem-se assim viacutenculos ou laccedilos de qualquer ordem em relaccedilatildeo agrave

etapa precedenterdquo881

O juiz do processo responsaacutevel pela anaacutelise do meacuterito natildeo responderaacute pela

legalidade ou qualidade dos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo882

Ao

contraacuterio Como a sua marca natildeo foi deixada no inqueacuterito eacute razoaacutevel supor que estaraacute em

melhores condiccedilotildees de avaliar criacutetica e imparcialmente o trabalho desenvolvido naquela

fase883

ldquoA vinda do juiz das garantias ao cenaacuterio processual brasileiro joga a favor pois

do princiacutepio de imparcialidaderdquo884

876

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 877

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 878

PASSOS Edilenice Op cit 879

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 880

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 881

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 882

IBID p 89 883

IBID p 89 884

IBID p 89

164

Desse modo para que o processo tenha respeitado o equiliacutebrio de forccedilas e

assegurada a imparcialidade do magistrado seria melhor na oacutetica do PLS nordm 156 de 2009

separar as duas funccedilotildees885

Para Fabiano Augusto Martins Silveira eacute faacutecil acompanhar o raciociacutenio

Natildeo tendo emitido juiacutezo sobre a oportunidade e conveniecircncia de diligecircncias

que invadem direitos fundamentais do investigado tampouco sobre pedidos

cautelares o magistrado entra no processo sem o peso de ter decidido a favor ou

contra uma das partes886

Natildeo leva consigo o passivo da fase preacute-processual Natildeo

tem compromisso pessoal com o que se passou Natildeo colaborou na identificaccedilatildeo das

fontes de prova Natildeo manteve o flagrante nem decretou a prisatildeo preventiva Natildeo

impocircs o sequestro de bens Natildeo autorizou a interceptaccedilatildeo de conversas telefocircnicas

nem a infiltraccedilatildeo de agentes etc etc Quer dizer em nenhum momento

compartilhou a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal887

Com a separaccedilatildeo na atuaccedilatildeo judicial conforme projetado garante-se de forma

muito mais efetiva o devido processo legal o direto de defesa o direito agrave prova e a

presunccedilatildeo de inocecircncia888

bem como se otimiza o contraditoacuterio viabilizando que o

magistrado julgador tome contato com a prova e portanto forme sua convicccedilatildeo apenas

durante a instruccedilatildeo criminal com a paritaacuteria participaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa889

Tudo

porque se criou um novo sistema que assegura uma maior imparcialidade judicial e com

isso uma maior isenccedilatildeo psicoloacutegica do magistrado no momento de julgar a causa890

Por

isso se dizer que o juiz das garantias daacute maior efetivaccedilatildeo ao princiacutepio acusatoacuterio

determinado constitucionalmente891

Assim segundo Simone Schreiber a regra que se pretende introduzir de que o juiz

que participou da investigaccedilatildeo natildeo seja o mesmo que vai julgar o processo sem duacutevida eacute

885

PASSOS Edilenice Coacutedigo 886

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 887

IBID p 89 888

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 889

MAYA Andreacute Machado Outra vez 890

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 891

IBID

165

consentacircnea com o sistema acusatoacuterio eleito pelo constituinte de 1988892

O juiz

competente para processar e julgar a accedilatildeo penal natildeo tendo sido chamado a tomar decisotildees

relativas agrave fase investigatoacuteria estaraacute muito mais apto a realizar um julgamento justo e

imparcial893

Inegaacutevel portanto segundo Gustavo Badaroacute que ldquoa imparcialidade sobretudo em

seu aspecto objetivo restaraacute melhor assegurada se houver uma absoluta separaccedilatildeo entre

as figuras do juiz que iraacute proferir decisotildees na fase de investigaccedilatildeo e o juiz que iraacute julgar a

causardquo894

Nesse sentido inequiacutevoca a conveniecircncia de se adotar a figura de um juiz das

garantias conforme proposto pelo Projeto de Coacutedigo de Processo Penal ndash PLS nordm

1562009 cujo resultado final seraacute indubitavelmente a instituiccedilatildeo de uma Justiccedila criminal

mais justa garantista e eficiente895

Eacute preciso dizer no entanto que o instituto do juiz das garantias e a proposta de sua

inserccedilatildeo no processo penal brasileiro natildeo estatildeo imunes a objeccedilotildees e resistecircncia por parte de

parcela da doutrina Pelo contraacuterio O capiacutetulo seguinte seraacute dedicado entatildeo ao exame das

criacuteticas mais comumente dirigidas agrave figura do juiz das garantias bem como agrave apresentaccedilatildeo

das sugestotildees e propostas de melhorias jaacute formuladas com relaccedilatildeo ao modelo proposto pelo

Projeto de Lei 1562009

892

SCHREIBER Simone Op cit 893

IBID 894

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 895

SCHREIBER Simone Op cit

166

CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO

1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal

O artigo 15 do Projeto de Lei do Senado 1562009 em sua parte final dispotildee que a

competecircncia do juiz das garantias cessa com a propositura da accedilatildeo penal896

Necessaacuterio ressaltar aqui a clara menccedilatildeo agrave propositura e natildeo ao recebimento da

denuacutencia ou queixa Natildeo seraacute pois pela redaccedilatildeo do projeto em comento da competecircncia

do juiz das garantias receber ou rejeitar a inicial acusatoacuteria897

cabendo tal providecircncia

como consequecircncia ao juiz do processo

Importa considerar consoante liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya que o recebimento da

denuacutencia ou queixa embora reconhecido pela jurisprudecircncia como um ato decisoacuterio que

dispensa motivaccedilatildeo898

exige do magistrado um exame dos pressupostos processuais das

condiccedilotildees da accedilatildeo e da justa causa pois conforme dispotildee o artigo 395899

do atual Coacutedigo

de Processo Penal a sua ausecircncia impotildee a rejeiccedilatildeo da inicial acusatoacuteria900

Assim embora diante de uma avaliaccedilatildeo preliminar o juiz ao receber a denuacutencia ou

queixa deve convencer-se da probabilidade do alegado na peccedila acusatoacuteria entendendo

existirem elementos soacutelidos acerca do fumus comissi delicti901

Necessaacuterio pois o exame

pelo magistrado dos elementos colhidos na fase preliminar antes de ser recebida ou

rejeitada a peccedila inicial902

896

Art 15 ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor

potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo 897

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 898

IBID p 228 899

Art 395 A denuacutencia ou queixa seraacute rejeitada quando I - for manifestamente inepta II - faltar

pressuposto processual ou condiccedilatildeo para o exerciacutecio da accedilatildeo penal ou III - faltar justa causa para o exerciacutecio

da accedilatildeo penal 900

Dispotildee o projeto em seu artigo 274 Estando presentes as condiccedilotildees da accedilatildeo e os pressupostos

processuais o juiz receberaacute a acusaccedilatildeo e natildeo sendo o caso de absolviccedilatildeo sumaacuteria ou de extinccedilatildeo da

punibilidade designaraacute dia e hora para a instruccedilatildeo ou seu iniacutecio em audiecircncia a ser realizada no prazo

maacuteximo de 90 (noventa dias) determinando a intimaccedilatildeo do oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico do defensor ou

procurador e das testemunhas que deveratildeo ser ouvidas 901

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 902

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307

167

Ainda conforme salientado por Miguel Reale Junior caberaacute ao juiz do processo

decretar a absolviccedilatildeo sumaacuteria reconhecendo de plano a ausecircncia de justa causa seja pela

presenccedila de uma causa excludente de criminalidade seja diante da atipicidade do fato cujo

exame tambeacutem soacute poderaacute ser feito obviamente com base na prova colhida na fase

inquisitiva903

A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal

assim gera o inevitaacutevel inconveniente de impor a esse magistrado o exame dos elementos

indiciaacuterios colhidos na fase preacute-processual904

para entatildeo avaliar em juiacutezo provisoacuterio a

existecircncia de justa causa para a accedilatildeo penal ldquoo que natildeo deixa de lanccedilar luzes na alta

probabilidade de que o fato delituoso existe eacute tiacutepico e o denunciado eacute o seu autorrdquo905

Tais situaccedilotildees segundo Miguel Reale Junior ldquodenotam uma insuperaacutevel contradiccedilatildeo

do Projetordquo906

Nesse sentido Andreacute Machado Maya aduz que o projeto ldquoparece ter-se

afastado da linha teoacuterica proposta na sua proacutepria exposiccedilatildeo de motivosrdquo907

A anaacutelise necessaacuteria ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia assim como ocorre nas

decisotildees relativas agraves medidas cautelares gera uma aproximaccedilatildeo do magistrado com os

elementos colhidos na investigaccedilatildeo908

sobretudo porque natildeo lhe restaraacute outra opccedilatildeo que

natildeo a de buscar nos autos do inqueacuterito policial ndash que conforme o artigo 15 sect 3ordm do

projeto permaneceratildeo apensados ao processo909

ndash o material de convencimento da

existecircncia do crime e de indiacutecios suficientes de autoria910

903

REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm

113 p 109 904

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 905

GOMES Abel Fernandes Op cit p 102 906

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 109 907

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 908

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 909

Esta eacute aliaacutes outra criacutetica formulada ao projeto Segundo Gabriela Schneider a juntada aos autos do

material colhido na fase de investigaccedilatildeo preliminar sobretudo das questotildees apreciadas pelo juiz das

garantias acarretaraacute a indesejada contaminaccedilatildeo do juiz do processo ainda que inconscientemente Portanto

conclui-se que o disposto no art 15 sect 3deg do Projeto eacute incompatiacutevel com o sistema acusatoacuterio pois fere um

dos principais objetivos que se busca com a introduccedilatildeo do juiz das garantias no processo penal brasileiro

assegurar a imparcialidade do magistrado que atuaraacute na fase processual evitando que ele se contamine com

as provas colhidas na fase investigatoacuteria SCHNEIDER Gabriela O Juiz das Garantias na reforma do CPP

uma anaacutelise frente ao sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em httpwwwibccrimorgbr acessado em

23102013 910

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228

168

O exame dos autos da investigaccedilatildeo preliminar no entanto arruiacutena por completo o

alheamento que a figura do juiz das garantias pretende proporcionar ao magistrado do

processo911

Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya tendo em vista que o juiz das

garantias jaacute estaacute em contato com os elementos indiciaacuterios produzidos na fase preacute

processual que o recebimento ou a rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa fosse ato processual de

sua competecircncia912

passando ao juiz da causa a accedilatildeo penal jaacute instaurada e a relaccedilatildeo

processual jaacute plenamente formada913

No mesmo sentido de acordo com Nereu Joseacute Giacomolli o juiacutezo acerca do

recebimento ou natildeo da denuacutencia deveria ser realizado pelo juiz das garantias e natildeo pelo

juiz do processo diante da contaminaccedilatildeo posterior deste pelo contato com os elementos

colhidos na fase preliminar914

Exatamente nesse sentido a proposta de melhoria do PLS 1562009 formulada pelo

Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e encaminhada ao Congresso Nacional

por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Tal emenda confere nova redaccedilatildeo ao

caput do artigo 15 do Projeto dispondo que a competecircncia do juiz das garantias ldquocessa

com o recebimento da denuacutencia ou queixardquo As justificativas apontadas pela Emenda para

tal alteraccedilatildeo satildeo apresentadas logo a seguir

() para dar mais efetividade agrave separaccedilatildeo das atividades e evitar um preacute-

conceito do julgador que atua na fase da investigaccedilatildeo preliminar em relaccedilatildeo agrave

decisatildeo de meacuterito eacute melhor que o juiz das garantias seja tambeacutem o competente

para o recebimento da denuacutencia ou queixa Ateacute mesmo porque ele jaacute teve contado

com o material produzido Assim sendo o juiz do processo ficaria isento de qualquer

preacute-julgamento antes da sentenccedila Se o recebimento da denuacutencia competir ao juiz do

processo ele teraacute que analisar todos os elementos de informaccedilatildeo do inqueacuterito risco

de comprometer sua imparcialidade objetiva

911

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 912

IBID 913

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 914

ldquoEvidentemente que os dois juiacutezes poderiam restar contaminados pelos elementos da fase preliminar mas

o dano menor desta situa-se quando for o juiz das garantias o recebedor da denuacutenciardquo GIACOMOLLI

Nereu Joseacute Op cit p 307 No mesmo sentido BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85

169

Essa sugestatildeo tem como finalidade portanto evitar que os autos do inqueacuterito

policial sirvam para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz da causa com exceccedilatildeo eacute claro dos

elementos de informaccedilatildeo irrepetiacuteveis ou urgentes915

cuja produccedilatildeo tenha sido realizada

nessa fase preliminar e o material utilizado pelo juiz das garantias para a determinaccedilatildeo de

medidas cautelares916

Natildeo restam duacutevidas desse modo de que a cargo do juiz das garantias deveria estar

a decisatildeo acerca da necessidade ou natildeo do processo917

Com isso se estaraacute afastando

qualquer necessidade de o juiz da instruccedilatildeo processual aproximar-se do material

informativo que compotildee o inqueacuterito policial exceto como jaacute ressalvado quando para

tomar conhecimento das provas ditas irrepetiacuteveis918

De fato se o objetivo eacute afastar o juiz

do contato com a investigaccedilatildeo preliminar entatildeo outro caminho natildeo resta que atribuir a

decisatildeo sobre o iniacutecio do processo penal ao proacuteprio juiz das garantias919

2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves

decisotildees do juiz das garantias

Ainda com relaccedilatildeo ao mesmo artigo 15 do Projeto consta que uma vez proposta a

accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo apreciadas pelo juiz do processo920

-

compreendido como o responsaacutevel pela instruccedilatildeo criminal ndash bem como que as decisotildees

proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o magistrado do processo que poderaacute apoacutes

o oferecimento da denuacutencia reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso921

915

Como exemplos podem ser citadas a juntada de documentos e a realizaccedilatildeo de algumas periacutecias 916

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 917

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 Para o autor ldquoisso poderia ser sistematizado atraveacutes de uma

audiecircncia intermediaacuteria dirigida pelo juiz das garantias momento em que poderia restar delimitada a

acusaccedilatildeordquo 918

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228-229 919

IBID p 229 920

Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 921

Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o

oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso

170

A primeira criacutetica neste ponto eacute dirigida agrave redaccedilatildeo do artigo 15 sect 1ordm segundo a

qual ldquoas questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processordquo922

Aqui no mesmo

sentido da criacutetica formulada em relaccedilatildeo ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia pelo juiz

do processo tem-se claramente uma vez mais a possibilidade de contaminaccedilatildeo do juiz

pelos elementos de convicccedilatildeo produzidos no inqueacuterito policial exatamente em sentido

oposto ao objetivo do instituto do juiz das garantias proposto pelo projeto923

Segundo Abel Fernandes Gomes em decorrecircncia desse dispositivo apoacutes o

oferecimento da denuacutencia e a instauraccedilatildeo da accedilatildeo penal competiraacute ao juiz responsaacutevel pelo

julgamento decidir sobre as mesmas questotildees que o juiz das garantias teraacute sob sua

competecircncia no curso da primeira fase da persecuccedilatildeo penal o que contraria sem margem a

duacutevidas o fundamento apresentado para a criaccedilatildeo do instituto do juiz das garantias924

Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya que todas as postulaccedilotildees da

autoridade policial ou do Ministeacuterio Puacuteblico referentes agrave investigaccedilatildeo criminal fossem

decididas pelo juiz das garantias e soacute depois fosse oferecida a denuacutencia925

Mas a incoerecircncia de acordo com Abel Fernandes Gomes vai mais aleacutem

Conforme disposto no sect 2ordm do mesmo artigo 15 ldquoas decisotildees proferidas pelo juiz das

garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o oferecimento da denuacutencia poderaacute

reexaminar a necessidade das medidas cautelares em cursordquo

A natildeo vinculaccedilatildeo das decisotildees tomadas pelo juiz das garantias em relaccedilatildeo ao juiz

da instruccedilatildeo eacute decorrecircncia loacutegica da independecircncia que rege a funccedilatildeo jurisdicional926

Assim de acordo com Miguel Reale Junior as decisotildees tomadas pelo juiz das

garantias como por exemplo o indeferimento de busca e apreensatildeo e de prisatildeo

preventiva natildeo subordinam o juiz do processo que poderaacute vir a decidir pleito de

realizaccedilatildeo de tais providecircncias solicitadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico assim que oferecida a

denuacutencia para determinar a prisatildeo preventiva por exemplo com base nas provas

923

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 924

GOMES Abel Fernandes Op cit p 101 925

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 926

IBID

171

existentes no inqueacuterito policial927

E depois sem nenhum impedimento iraacute prolatar

sentenccedila final928

Para Andreacute Machado Maya essa independecircncia natildeo eacute poreacutem irrestrita

encontrando limitaccedilatildeo no proacuteprio dispositivo legal quando destaca que poderaacute o

magistrado do processo reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso

sugerindo natildeo ser possiacutevel via de regra o reexame das que restaram indeferidas a natildeo ser

que haja novos elementos de convicccedilatildeo resultantes da prova produzida durante a instruccedilatildeo

criminal929

Nesse caso segundo o autor natildeo haacute como negar ao juiz do processo a

possibilidade de por exemplo determinar a interceptaccedilatildeo das comunicaccedilotildees telefocircnicas a

quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e telefocircnico ou mesmo a prisatildeo cautelar do reacuteu930

Tambeacutem quanto a essa questatildeo relativa agrave possibilidade de o juiz do processo

reexaminar a necessidade das medidas cautelares o Instituto Brasileiro de Direito

Processual (IBDP) formulou criacutetica sugerindo nova redaccedilatildeo ao sect 2ordm do artigo 15 agora

com remissatildeo expressa ao artigo 532 sect 2ordm VIII931

e ao artigo 562932

do Coacutedigo933

com a

finalidade de deixar claro que natildeo se trataraacute de possibilidade de decretaccedilatildeo ex offiacutecio mas

de reexame perioacutedico da medida

De qualquer forma o juiz competente para o processo e julgamento da accedilatildeo penal

poderaacute rever as decisotildees tomadas pelo juiz das garantias para o que inevitavelmente teraacute

que formar convicccedilatildeo preacutevia e decidir sobre pressupostos de algumas medidas que

necessariamente estatildeo ligadas agrave verificaccedilatildeo da existecircncia do crime e de indiacutecios

suficientes da autoria em momento que natildeo corresponde ao da avaliaccedilatildeo do meacuterito934

927

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 104 928

IBID p 109 929

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 930

IBID 931

Art 532 A decisatildeo que decretar prorrogar substituir ou denegar qualquer medida cautelar seraacute sempre

fundamentada () sect 2ordm Sem prejuiacutezo dos requisitos proacuteprios de cada medida cautelar a decisatildeo conteraacute

necessariamente () VIII ndash a data para reexame da medida quando obrigatoacuterio 932

Art 562 Qualquer que seja o seu fundamento legal a prisatildeo preventiva que exceder a 90 (noventa) dias

seraacute obrigatoriamente reexaminada pelo juiz ou tribunal competente para avaliar se persistem ou natildeo os

motivos determinantes da sua aplicaccedilatildeo podendo substituiacute-la se for o caso por outra medida cautelar 933

Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo

vinculam o juiz do processo que apoacutes o recebimento da denuacutencia ou queixa poderaacute reexaminar a

necessidade das medidas cautelares em curso nos termos dos artigos 532 sect 2ordm inc VIII e artigo 562 deste

Coacutedigo 934

GOMES Abel Fernandes Op cit p 101-102

172

Nessa circunstacircncia ldquoaquilo que seria o fundamento de tatildeo estrutural modificaccedilatildeo

no processo penal brasileiro acabaria esvaziado pela proacutepria leirdquo935

Por isso conforme sugestatildeo de Abel Fernandes Gomes mais coerente agraves intenccedilotildees

expostas pelo Projeto seria que o juiz do processo natildeo fosse instado a decidir sobre nada e

que o processo somente chegasse agraves suas matildeos para a realizaccedilatildeo da audiecircncia de instruccedilatildeo

e julgamento ocasiatildeo em que na sua presenccedila somente as provas orais seriam produzidas

sem que a partir daiacute nenhuma outra produccedilatildeo de prova ou diligecircncia viesse a ser

apreciada pelo magistrado encarregado de julgar o meacuterito mesmo que a requerimento das

partes soacute restando a ele proferir sentenccedila936

3 A escassez de recursos humanos e materiais

Outra grande objeccedilatildeo ao instituto do juiz das garantias senatildeo a maior delas natildeo eacute de

ordem conceitual mas de natureza eminentemente praacutetica e remete para o jaacute conhecido

argumento da falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio937

Muitas reaccedilotildees agrave figura do juiz das

garantias datildeo-se entatildeo sob o fundamento de que o Estado natildeo dispotildee de orccedilamento para

suprir as demandas que a criaccedilatildeo dos novos cargos determinaraacute938

Argumenta-se que tanto no acircmbito federal quanto estadual o Poder Judiciaacuterio natildeo

possui condiccedilotildees orccedilamentaacuterias para assegurar ao menos dois juiacutezes em cada seccedilatildeo

judiciaacuteria ou comarca do territoacuterio nacional939

bem como que a proposta passaraacute

inevitavelmente por grandes entraves na sua concretizaccedilatildeo dada a extensatildeo do territoacuterio

nacional e suas realidades regionais diversas940

Como jaacute exposto o exerciacutecio das funccedilotildees de juiz de garantias eacute causa de impedimento

desse magistrado para fins de posterior atuaccedilatildeo nas seguintes fases desse mesmo processo

A questatildeo que se coloca eacute portanto como aplicar a regra de impedimento nas comarcas

935

IBID p 102 936

IBID p 102 937

MAYA Andreacute Machado Outra vez 938

BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 939

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 940

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91

173

que contam com apenas um juiz Para Miguel Reale Juacutenior trata-se de ldquouma realidade

absolutamente incontornaacutevelrdquo941

Natildeo se pode negar que de fato a realidade do Poder Judiciaacuterio no paiacutes eacute complicada

Eacute possiacutevel verificar que no site do Conselho Nacional de Justiccedila na paacutegina referente agrave

Justiccedila em Nuacutemeros942

em 2012 havia na Justiccedila Estadual em todo o paiacutes 11960

magistrados concentrados mais da metade deles nos Estados de Satildeo Paulo943

Paranaacute944

Minas Gerais945

Rio de Janeiro946

e Rio Grande do Sul947

Assim haacute nos 22 Estados

restantes pouco mais de 5000 magistrados Seis Estados tecircm entre 100 e 200 juiacutezes948

em

trecircs Estados menos de 100 juiacutezes949

ldquoComo entatildeo pensar-se em um paiacutes com este quadro de magistrados na exigecircncia de

um juiz das garantias competente para despachar atos do inqueacuterito diferente do juiz do

processordquo950

De acordo com Miguel Reale Juacutenior mais de 50 das comarcas tecircm apenas um juiz

enquanto um nuacutemero grande de comarcas possui dois juiacutezes sendo que a saiacuteda em feacuterias

ou doenccedila de um emperraraacute o processo pois o que autorizou uma busca e apreensatildeo natildeo

poderaacute receber ou rejeitar a denuacutencia951

Para Faacutebio Roque Arauacutejo a criaccedilatildeo efetiva desta nova figura processual

inegavelmente possui consideraacuteveis empecilhos sobretudo no que diz respeito agrave

estruturaccedilatildeo das leis de organizaccedilatildeo judiciaacuteria952

Segundo o autor natildeo eacute possiacutevel ignorar o

fato de que boa parte das Unidades da Federaccedilatildeo sofre com a insuficiecircncia de magistrados

o que dificultaria a implementaccedilatildeo de regras praacuteticas relativas agrave substituiccedilatildeo de julgadores

941

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 942

httpwwwcnjjusbrimagespesquisasjudiciariasPublicacoesrelatorio_jn2013pdf acessado em

15102013 943

2528 magistrados 944

1073 magistrados 945

989 magistrados 946

807 magistrados 947

734 magistrados 948

Alagoas (119) Amazonas (145) Piauiacute (137) Rondocircnia (152) Sergipe (155) e Tocantins (128) 949

Acre (66) Amapaacute (82) Roraima (47) 950

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 951

IBID p 110-111 952

ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal In

ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de

Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 136

174

Neste cenaacuterio o deslocamento de magistrados exclusivamente para atuaccedilatildeo na fase de

investigaccedilatildeo poderia agravar este quadro de escassez953

De acordo com Abel Fernandes Gomes a proposta demanda em nome da sauacutede do

sistema de justiccedila criminal e da organizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio a realizaccedilatildeo de estudos

seacuterios e criteriosos sobre os impactos da instalaccedilatildeo e operaccedilatildeo de um segundo juiz num

mesmo grau de jurisdiccedilatildeo agrave vista do traccedilado histoacuterico de nosso sistema processual penal

da nossa organizaccedilatildeo judiciaacuteria e dos meacutetodos de seleccedilatildeo e ingresso de juiacutezes na carreira

bem como sua mobilizaccedilatildeo funcional954

Segundo o autor natildeo seraacute tarefa faacutecil superar ldquoos

tatildeo incontaacuteveis quanto inexoraacuteveis problemas que jaacute se vislumbra na marcha processual

com o inevitaacutevel aumento do tempo de sua duraccedilatildeo e de incidentes capazes de

favorecerem apenas a ocorrecircncia da prescriccedilatildeordquo955

Enfim natildeo haacute como negar que o problema existe Em alguns Estados ele eacute mais grave

noutros menos956

De acordo com dados apresentados por Fabiano Augusto Martins

Silveira com base em levantamento preliminar natildeo oficial no Amazonas por exemplo 41

das 59 comarcas tecircm apenas um juiz em Minas Gerais haacute 185 comarcas com um uacutenico

juiz no universo de 295 no Cearaacute do total de 134 comarcas 57 contam com apenas um

magistrado957

Vale ressaltar que a proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS n 15609 natildeo fechou os

olhos aos problemas estruturais que a criaccedilatildeo do juiz das garantias possa trazer para a

organizaccedilatildeo judiciaacuteria e sua operacionalizaccedilatildeo valendo destacar as seguintes ponderaccedilotildees

Evidentemente e como ocorre com qualquer alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo

judiciaacuteria os tribunais desempenharatildeo um papel de fundamental importacircncia na

afirmaccedilatildeo do juiz das garantias especialmente no estabelecimento de regras de

substituiccedilatildeo nas pequenas comarcas No entanto os proveitos que certamente seratildeo

alcanccedilados justificaratildeo plenamente os esforccedilos nessa direccedilatildeo

953

IBID p 136 954

GOMES Abel Fernandes Op cit p 104 955

IBID Ainda segundo o autor ldquolotaccedilatildeo inamovibilidade e competecircncia dentre outras questotildees satildeo

apenas uma amostra de alguns graves problemas que se enfrentaraacute com a insistecircncia desprovida de maior

aprofundamento na implantaccedilatildeo do instituto do juiz das garantiasrdquo 956

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 957

IBID p 92

175

Para Fabiano Martins Augusto Silveira sendo previsiacutevel que a escassez de recursos

humanos no Poder Judiciaacuterio opotildee empecilhos agrave execuccedilatildeo da proposta a pergunta eacute se

devemos abdicar ao ldquosalto de qualidaderdquo que representa o juiz das garantias simplesmente

qualificando o projeto de inexequiacutevel e ponto final958

Conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya natildeo se pode ignorar que esse mesmo

argumento que agora serve para justificar a manutenccedilatildeo de caracteriacutesticas inquisitoriais do

processo penal brasileiro eacute ainda hoje utilizado para explicar a ausecircncia de Defensoria

Puacuteblica em vaacuterios Estados da Federaccedilatildeo e para justificar a situaccedilatildeo caoacutetica em que se

encontram os estabelecimentos prisionais brasileiros959

Fabiano Augusto Martins Silveira demonstra preocupaccedilatildeo com o fato de que essa

postura de rejeiccedilatildeo ao novo instituto tende a ser assumida por aqueles que sem declararem

expressamente natildeo estatildeo convencidos da necessidade de mudanccedila ou por quem sabe

outras razotildees natildeo a desejam ldquoDaiacute que o debate pode tomar um caminho sinuoso onde

posiccedilotildees contraacuterias ou ceacuteticas em relaccedilatildeo ao juiz das garantias se escondem no

argumento da inviabilidade material sem aprofundaacute-lordquo960

Imperioso destacar que a essa criacutetica de natureza praacutetica o substitutivo do PLS

1562009 apresentado pelo Senador Renato Casagrande relator do projeto de lei no

Senado jaacute havia dado uma resposta satisfatoacuteria961

prevendo no art 701962

(Livro - Das

Disposiccedilotildees Transitoacuterias e Finais) que a regra que impede o juiz das garantias de atuar

como juiz da causa em cuja investigaccedilatildeo tenha participado (art 16) somente entraria em

vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo do Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se

tratasse de comarca onde houvesse apenas 1 (um) juiz Dessa forma haveria uma vacatio

legis maior e especiacutefica para o juiz das garantias visando agrave adaptaccedilatildeo das estruturas

organizacionais do Poder Judiciaacuterio963

958

IBID p 92 959

MAYA Andreacute Machado Outra vez 960

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 961

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 962

Art 701 Este Coacutedigo entra em vigor no prazo de 6 (seis) meses apoacutes a sua publicaccedilatildeo Paraacutegrafo uacutenico A

regra de impedimento de que trata o art 16 entraraacute em vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo deste

Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se tratar de comarca onde houver apenas 1 (um) juiz 963

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo

176

Essa redaccedilatildeo contudo acabou suprimida na versatildeo final do PLS 1562009 votada pelo

Senado Federal que em razatildeo da regra de impedimento e no intuito de viabilizar a

transiccedilatildeo do sistema processual atualmente vigente ao disposto no projeto de novo Coacutedigo

dispocircs no artigo 748 I964

natildeo se aplicar esse tal impedimento nas comarcas onde houver

apenas um juiz ldquoenquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre a

criaccedilatildeo ou formas de substituiccedilatildeordquo restando sem prazo definido portanto a regra

transitoacuteria do artigo 748965

De toda forma para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes qualquer criacutetica fundada

exclusivamente em insuficiecircncia de recursos como se esse fato eximisse de obrigaccedilatildeo ou

de responsabilidade de assegurar o quanto previsto na Constituiccedilatildeo natildeo eacute suficiente nem

mesmo para oferecer desculpas aos cidadatildeos pela manutenccedilatildeo desse caos no sistema

criminal atual966

Ainda segundo o autor ldquoafirmar que natildeo eacute possiacutevel num prazo a ser

definido se preparar uma nova organizaccedilatildeo para efetiva implementaccedilatildeo de direitos

fundamentais eacute confessar natildeo uma insuficiecircncia de recursos mas uma vontade poliacutetica de

natildeo mudarrdquo967

No mesmo sentido Andreacute Machado Maya afirma que a constataccedilatildeo de que a

significativa maioria das comarcas brasileiras eacute formada por varas judiciais uacutenicas

compostas pois por apenas um magistrado natildeo pode servir de justificativa vaacutelida para a

natildeo adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias968

ldquoDeficiecircncias estruturais natildeo podem

funcionar como justificativa para a prestaccedilatildeo jurisdicional falha ao contraacuterio a sua

constataccedilatildeo deveria ser o primeiro passo de uma caminhada orientada a uma prestaccedilatildeo

jurisdicional efetivardquo969

Para Joseacute Antonio Paganella Boschi as criacuteticas estruturadas na falta de recursos do

Poder Judiciaacuterio satildeo evidentemente equivocadas primeiro por falta de maior meditaccedilatildeo

em torno da novidade depois porque o Projeto condiciona a implantaccedilatildeo do juiz de

964

Art 748 O impedimento previsto no art 16 natildeo se aplicaraacute I ndash agraves comarcas ou seccedilotildees judiciaacuterias onde

houver apenas 1 (um) juiz enquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre criaccedilatildeo de

cargo ou formas de substituiccedilatildeo () 965

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 230 ldquoRazoaacutevel e adequada a previsatildeo transitoacuteria desde

que contudo seja ela efetivamente transitoacuteria para que na praacutetica natildeo acabe tornando sem efeito a

previsatildeo do juiz das garantias no Coacutedigo de Processo Penal pois enquanto natildeo regulado seu funcionamento

pelos Coacutedigos de Organizaccedilatildeo Judiciaacuteria dos Estados seguiraacute o procedimento exatamente como eacute hoje

regulado com investigaccedilatildeo instruccedilatildeo e sentenccedila a cargo de um uacutenico magistradordquo IBID p 230 966

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 967

IBID 968

MAYA Andreacute Machado Outra vez 969

IBID

177

garantias agrave aprovaccedilatildeo em lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria e por fim porque a questatildeo

envolve sobretudo durante o periacuteodo de sua implantaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo menos criaccedilatildeo de

cargos e mais organizaccedilatildeo de formas de substituiccedilatildeo de um juiz por outro de modo que o

magistrado que atuar como juiz de garantias ficaraacute liberado para atuar como juiz da causa

em outro processo e vice-versa970

Daiacute a necessidade de que sejam buscadas alternativas vaacutelidas quer prevendo um juiz

das garantias itinerante ou a regionalizaccedilatildeo do instituto de modo que para cada grupo de

comarcas proacuteximas haja um juiz de garantias competente971

quer atraindo as funccedilotildees de

garantia para o juiz da comarca mais proacutexima quer combinando essas e outras

alternativas972

Outra ideia interessante eacute importada da reforma processual penal do Chile onde as

alteraccedilotildees processuais se concretizaram por etapas do interior para a capital do paiacutes

obedecendo rigidamente a uma progressividade programada para viabilizar na praacutetica a

implementaccedilatildeo das mudanccedilas teoacutericas propostas no novo Coacutedigo de Processo Penal

chileno973

Aqui consideradas as barreiras de ordem estrutural do Poder Judiciaacuterio brasileiro

mais adequado seria o inverso com a instalaccedilatildeo imediata dos juizados de garantias nas

capitais dos Estados postergando para um segundo momento a sua instalaccedilatildeo nas

comarcas de entracircncia secundaacuteria e por fim a sua adoccedilatildeo nas denominadas entracircncias

iniciais em que hoje apenas um magistrado responde por todas as demandas974

Isso considerado fica extremamente difiacutecil aceitar que o contexto das pequenas

comarcas impeccedila que a proposta seja colocada em praacutetica por exemplo na cidade de Satildeo

Paulo dado o contraste de nuacutemeros (de inqueacuteritos processos presos etc) entre as duas

realidades975

Assim segundo Fabiano Augusto Martins Silveira

970

BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 971

MAYA Andreacute Machado Outra vez 972

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 973

MAYA Andreacute Machado Outra vez No Chile onde natildeo havia sequer a carreira do Ministeacuterio Puacuteblico

foi implementado todo um novo Coacutedigo de Processo Penal juntamente com a formaccedilatildeo e instalaccedilatildeo daquele

oacutergatildeo puacuteblico em fases e de modo gradativo das pequenas cidades ateacute os grandes centros urbanos

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 974

MAYA Andreacute Machado Outra vez 975

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92

178

Tatildeo esdruacutexulo quanto ignorar as dificuldades de aplicaccedilatildeo da regra de

impedimento do art 16 nas pequenas comarcas seria fechar os olhos para o outro

lado da moeda isto eacute que a proposta eacute perfeitamente viaacutevel e madura para as

comarcas que respondem pelo grosso da produccedilatildeo judiciaacuteria e litigiosidade do

Paiacutes976

Talvez a saiacuteda portanto seja uma regra de transiccedilatildeo que proporcione maior tempo

para o equacionamento das situaccedilotildees mais complexas e que ao mesmo tempo evite o

engessamento do sistema permitindo-nos vencer a ineacutercia977

Com efeito a entrada em vigor do novo Coacutedigo de Processo Penal gradualmente

possibilitaria o aprimoramento do proacuteprio instituto do juiz de garantias e tambeacutem da

estrutura do Poder Judiciaacuterio garantindo inclusive nas comarcas mais distantes a devida

observacircncia de um modelo democraacutetico de processo penal no qual a imparcialidade do

julgador eacute fortalecida pelo proacuteprio sistema processual exatamente o oposto do que ocorre

atualmente jaacute que o juiz familiariza-se com o caso jaacute no iniacutecio da investigaccedilatildeo

contaminando-se com as suposiccedilotildees acusatoacuterias das autoridades policiais e dos membros

do Ministeacuterio Puacuteblico para soacute depois durante o processo quando normalmente jaacute estaacute

com sua convicccedilatildeo formada acerca da culpabilidade do suspeito ter contato com os

argumentos defensivos978

Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ainda lanccedila luz numa outra questatildeo O autor salienta que

da mesma forma que a implementaccedilatildeo da reforma operada no Chile exigiu a

conscientizaccedilatildeo de todos os Poderes da naccedilatildeo inclusive com liberaccedilatildeo de verba do Poder

Executivo e novo aparato legislativo assim como participaccedilatildeo determinada e efetiva do

Poder Judiciaacuterio isso deve tambeacutem ocorrer aqui sob pena de nunca termos um novo

Coacutedigo apesar de termos mudanccedilas legislativas979

ldquoMudar a mentalidade e disposiccedilatildeo eacute

mais relevante que mudar a leirdquo980

A discussatildeo a elaboraccedilatildeo e a aprovaccedilatildeo de um novo

Coacutedigo de Processo Penal natildeo satildeo determinaccedilotildees ou decisotildees apenas do Poder Judiciaacuterio

976

IBID p 92 977

IBID p 92 978

MAYA Andreacute Machado Outra vez 979

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 980

IBID

179

mas tambeacutem dos outros dois Poderes da Naccedilatildeo981

Assim a disponibilizaccedilatildeo de verba a

apresentaccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas em um periacuteodo de transiccedilatildeo e a criaccedilatildeo de estrutura

condizente para efetivar a Constituiccedilatildeo satildeo obrigaccedilotildees poliacuteticas que devem ser assumidas e

compartilhadas por todos982

Em resumo no acircmbito de um paiacutes democraacutetico eacute inaceitaacutevel a rejeiccedilatildeo de um

instrumento processual arquitetado exatamente para tornar mais democraacutetico o processo

penal com base em argumentos e justificativas de iacutendole meramente praacutetica como eacute a

conhecida falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio983

Nesse sentido a liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli

Pseudo argumentos forjados na superfiacutecie do senso comum envoltos em um

fantasioso reducionismo utilitaacuterio barram o juiz das garantias em esquemas

orccedilamentaacuterios e deacuteficits de magistrados Uma visatildeo asinina e de poucos centiacutemetros

natildeo observa a valorizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo jurisdicional a possibilidade da existecircncia de

mais de um juiz na mesma Comarca (a demanda processual assim reclama) a

integraccedilatildeo de Comarcar vizinhas e a necessidade de um plantatildeo judiciaacuterio Os

detratores do sistema democraacutetico implantam seus olhos na nuca e miram os passos

dados caminhando de costas navegam num tempo morto sem divisar o porvir984

Se dificuldades existem e em momento algum se procura dizer o contraacuterio que sejam

encaradas que sejam ultrapassadas Sucumbir a elas mais que fraqueza ou covardia

parece um artifiacutecio conscientemente elaborado para manter intocada a essecircncia

inquisitorial do atual processo penal brasileiro exatamente como projetada no periacuteodo do

Estado Novo985

Sem o juiz das garantias a especializaccedilatildeo de funccedilotildees e a separaccedilatildeo fiacutesica entre o juiz

da investigaccedilatildeo e o juiz do processo o novo Coacutedigo de acordo com Fabiano Augusto

981

IBID 982

IBID 983

MAYA Andreacute Machado Outra vez 984

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 985

MAYA Andreacute Machado Outra vez

180

Martins Silveira jaacute nasceria ultrapassado e empoeirado ldquocomo que enclausurado no

seacuteculo XXrdquo986

Portanto contestar o progresso do sistema em razatildeo unicamente da falta de recursos

natildeo eacute minimamente aceitaacutevel ldquoeacute esconder por detraacutes dessa atual insuficiecircncia uma

verdadeira intenccedilatildeo de mudar o sistema desde que tudo fique como estaacuterdquo987

4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico

Ainda outra preocupaccedilatildeo eacute externada com relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias qual

seja a aproximaccedilatildeo demasiada entre o juiz das garantias e a poliacutecia ou o Ministeacuterio

Puacuteblico Para Miguel Reale Jr

De outra parte eacute de se temer sim que em comarcas meacutedias e pequenas com

dois ou mais juiacutezes o juiz das garantias venha pelo contato uacutenico e contiacutenuo com a

poliacutecia e com o Ministeacuterio Puacuteblico a criar liames de convivecircncia que o conduzam a

atender mais facilmente os pedidos de prisatildeo temporaacuteria por exemplo E decretada a

medida cautelar o prejuiacutezo ao indiciado jaacute se perfez por sofrer de forma intensa o

peso do aparato estatal988

Sustenta-se portanto que embora a proximidade do juiz criminal com delegados de

poliacutecia ou membros do Ministeacuterio Puacuteblico seja alvo de profundas criacuteticas por grande

parcela da doutrina a instituiccedilatildeo do juiz das garantias justamente exigiraacute perene contato o

que no mais das vezes significaraacute o raro indeferimento dos pedidos formulados por tais

oacutergatildeos em detrimento do indiciado

Nesse sentido talvez seja interessante e adequado que no regramento da designaccedilatildeo

de magistrados para atuarem como ldquojuiz das garantiasrdquo sejam previstas normas que

986

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 987

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 988

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110

181

limitem o tempo de exerciacutecio dessa funccedilatildeo ou que haja mecanismos que facilitem a

substituiccedilatildeo do magistrado que atua como ldquojuiz das garantiasrdquo por outro como ocorre com

o cargos de livre provimento e destituiccedilatildeo

5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que

exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias

Para Mauro Fonseca Andrade uma das maiores demonstraccedilotildees de ausecircncia de

coerecircncia em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias refere-se agraves accedilotildees penais originaacuterias989

Dentre as inovaccedilotildees trazidas pelo projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal para o

tema estaacute a previsatildeo no artigo 314 I990

da designaccedilatildeo de um membro do tribunal que

oficiaraacute na fase de investigaccedilatildeo como juiz das garantias isto eacute que exerceraacute as funccedilotildees do

juiz das garantias tais quais previstas no artigo 14 do mesmo projeto ficando impedido de

atuar no processo como relator991

Segundo o autor por certo que o projeto natildeo poderia excluir a presenccedila do juiz das

garantias em tais accedilotildees Ao contraacuterio ele previu expressamente sua presenccedila mas natildeo o

impediu contudo de atuar na fase processual992

O aspecto a ser aqui sublinhado eacute portanto a vedaccedilatildeo apenas a que o membro do

tribunal que atuou como juiz das garantias funcione tambeacutem como relator do caso apoacutes

oferecida a denuacutencia993

Em outros termos o membro do tribunal que houver atuado como

juiz das garantias estaraacute impedido somente de ser o relator do processo ao inveacutes de nele

atuar tal como ocorre em relaccedilatildeo a todos os demais procedimentos e juiacutezes de primeiro

grau994

989

ANDRADE Mauro Fonseca Juiz das Garantias Curitiba Juruaacute 2011 p 105 990

Art 314 Nas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves

disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash

as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental

que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator () 991

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria e restauraccedilatildeo de autos no novo Coacutedigo de Processo Penal In

ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de

Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 365 992

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 993

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 994

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106

182

Embora natildeo se possa negar que seja saudaacutevel a restriccedilatildeo um verdadeiro avanccedilo

quando comparada com a praxe atual em que o relator permanece responsaacutevel pelo caso

desde o iniacutecio da investigaccedilatildeo ateacute o julgamento definitivo do processo essa vedaccedilatildeo eacute

insuficiente para evitar que a decisatildeo do caso seja tomada por aquele que de alguma forma

participou da investigaccedilatildeo995

Ainda que natildeo seja o relator do caso o (outrora) membro do tribunal que atuou

como juiz das garantias poderaacute eventualmente participar do julgamento e claro votar996

Frente a essa situaccedilatildeo Mauro Fonseca Andrade aponta alguns questionamento que

podem surgir tais como

O juiz de primeiro grau eacute mais propenso a romper o princiacutepio acusatoacuterio e

se tornar parcial se comparado ao seu colega com jurisdiccedilatildeo no tribunal mesmo

que frente a alguma daquelas hipoacuteteses descritivas da exclusatildeo do juiz das

garantias da fase processual a atuaccedilatildeo de ambos seja idecircntica Ou entatildeo haacute

como transigir com o conceito ou significado de imparcialidade judicial que seria

preservada ou violada em razatildeo da instacircncia em que a accedilatildeo penal condenatoacuteria

for ajuizada997

Talvez melhor se harmonizasse como o artigo 16998

do projeto ndash que ao impedir o

juiz das garantias de funcionar no processo almejou prestigiar os princiacutepios acusatoacuterio e da

imparcialidade ndash que aquele que oficiou no tribunal como juiz das garantias fosse tambeacutem

impedido de participar do julgamento999

A dificuldade praacutetica decorrente da reduccedilatildeo do

quoacuterum para a votaccedilatildeo poderaacute ser contornada com a convocaccedilatildeo de um magistrado

provindo de outro oacutergatildeo do judiciaacuterio em substituiccedilatildeo agravequele membro que natildeo participaraacute

do julgamento conforme praxe jaacute sedimentada pelos tribunais1000

995

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 996

IBID p 370 997

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 998

Art 16 O juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14

ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748 999

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 371 1000

IBID p 371

183

6 Instacircncias recursais

Como visto de acordo com o projeto de novo Coacutedigo de Processo Penal o fato de

o juiz atuar na fase de investigaccedilatildeo constitui causa de impedimento que obstaraacute sua atuaccedilatildeo

posterior na fase processual Tal disposiccedilatildeo tem como objetivo sobretudo assegurar a

imparcialidade objetiva do juiz responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito mantendo-o alheio aos

fatos da investigaccedilatildeo preliminar

Todavia os problemas de contaminaccedilatildeo subjetiva decorrentes do contato do juiz

com elementos probatoacuterios e da prolaccedilatildeo de decisotildees que ultrapassam a mera anaacutelise de

aspectos processuais natildeo satildeo exclusividade da fase preacute-processual1001

De acordo com

Andreacute Machado Maya ldquoa atividade jurisdicional desenvolvida pelos tribunais tambeacutem

pode conduzir agrave mesma problemaacutetica da contaminaccedilatildeo subjetivardquo1002

Isso porque a prevenccedilatildeo como regra de fixaccedilatildeo da competecircncia em geral tambeacutem

vige nos tribunais de segunda instacircncia e nas Cortes superiores tanto em relaccedilatildeo ao relator

de determinada medida recursal ou accedilatildeo penal originaacuteria julgada anteriormente quanto do

proacuteprio oacutergatildeo colegiado julgador de modo que os posteriores recursos da sentenccedila penal

condenatoacuteria inclusive aqueles referentes agrave execuccedilatildeo penal seratildeo julgados pelo

magistrado ou pelo oacutergatildeo colegiado que na maioria dos casos conheceu e julgou o

primeiro habeas corpus impetrado jaacute em face de alguma medida adotada no curso da

investigaccedilatildeo preliminar1003

Assim ao conhecer e julgar por exemplo o habeas corpus1004

impetrado em face

de decisatildeo proferida pelo juiz de primeira instacircncia que defere uma medida cautelar ou se

ainda na fase de investigaccedilatildeo acolher recurso do Ministeacuterio Puacuteblico e decretar uma medida

cautelar o oacutergatildeo jurisdicional de segunda instacircncia ou das Cortes superiores seja

colegiado ou individual deve necessariamente reexaminar os pressupostos e requisitos de

1001

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 197 1002

IBID p 197-198 1003

IBID p 231 1004

De acordo com Andreacute Machado Maya tal situaccedilatildeo natildeo se verifica apenas no acircmbito dos habeas corpus

impetrados contra atos do juiz de primeira instacircncia mas tambeacutem diante do julgamento de recurso de

apelaccedilatildeo interposto com base no artigo 593 I do CPP em face de decisatildeo de absolviccedilatildeo sumaacuteria proferida na

forma do artigo 397 I II e III da lei processual A problemaacutetica situaccedilatildeo tambeacutem resulta do julgamento do

recurso em sentido estrito interposto em face de decisatildeo de rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa com base no

artigo 581 I do CPP IBID p 198-199

184

admissibilidade da medida de forma a analisar a procedecircncia ou natildeo da irresignaccedilatildeo do

imputado ou do oacutergatildeo de acusaccedilatildeo1005

Daiacute que eacute absolutamente inconcebiacutevel o exame da

legalidade e da admissibilidade da medida questionada sem que sejam revisados os

fundamentos e motivos apontados quando de sua decretaccedilatildeo ou de seu indeferimento com

o que tambeacutem o oacutergatildeo jurisdicional revisor estaraacute formando uma convicccedilatildeo acerca da

culpabilidade do suspeito (ou reacuteu) seja para reformar a decisatildeo questionada seja para

reafirmaacute-la por seus proacuteprios fundamentos1006

Ocorre no entanto e esta a razatildeo da criacutetica formulada que conforme se observa do

texto do projeto nenhuma duacutevida sobre a imparcialidade do magistrado de segundo grau

ou possiacutevel ferimento do princiacutepio acusatoacuterio eacute suscitada1007

Nesse sentido Mauro

Fonseca Andrade ressalta que o projeto eacute totalmente omisso Natildeo prevecirc nenhum oacutebice de

modo a tornar o magistrado de segundo grau impedido de condenar ou absolver o ndash agora ndash

acusado como decorrecircncia natural do exame dos recursos que por ventura chegarem ao

seu conhecimento1008

Segundo o autor ao assim proceder o projeto discrimina nitidamente o juiz de

primeiro grau quando comparado ao juiz de segundo grau Primeiro como jaacute analisado no

toacutepico anterior por entender que este natildeo sofre qualquer maacutecula em sua imparcialidade a

ponto de ser afastado da condiccedilatildeo de julgador nas accedilotildees penais originaacuterias1009

depois

quando o projeto arrola as causas de impedimento que afetariam todo e qualquer

magistrado (art 53 e ss)1010

Nelas em momento algum se vecirc que o magistrado de segundo

1005

IBID p 198 1006

IBID p 198 1007

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1008

IBID p 107 1009

IBID p 107 1010

Art 52 Ao juiz incumbiraacute zelar pela legalidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos

atos Art 53 O juiz estaraacute impedido de exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I ndash tiver funcionado seu

cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau

inclusive como defensor ou advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico delegado de poliacutecia auxiliar da justiccedila

ou perito II ndash ele proacuteprio houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III ndash

tiver funcionado como juiz de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV ndash

ele proacuteprio ou seu cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o

terceiro grau inclusive for parte ou diretamente interessado no feito Art 54 Nos juiacutezos colegiados estaratildeo

impedidos de atuar no mesmo processo os juiacutezes que forem entre si cocircnjuges companheiros ou parentes

consanguiacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive Art 55 Em caso de

suspeiccedilatildeo o juiz poderaacute ser recusado pelas partes sect 1ordm Reputa-se fundada a suspeiccedilatildeo quando o juiz

manifestar parcialidade na conduccedilatildeo do processo ou no julgamento da causa e ainda nas seguintes

hipoacuteteses I ndash se mantiver relaccedilatildeo de amizade ou de inimizade com qualquer das partes II ndash se ele seu

cocircnjuge companheiro ascendente descendente ou irmatildeo estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo

sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia III ndash se ele seu cocircnjuge companheiro ou parente

consanguiacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda ou responder a processo que tenha de

185

grau mesmo apoacutes haver participado de julgamento de recurso sobre algo ocorrido na fase

de investigaccedilatildeo criminal estaraacute impedido de julgar eventual recurso sobre tema tratado na

fase processual1011

Nesse cenaacuterio portanto identifica-se um alto risco de comprometimento da

imparcialidade objetiva dos julgadores e no caso conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado

Maya com ainda mais intensa gravidade na medida em que como regra as accedilotildees penais

satildeo decididas de modo definitivo justamente pelos tribunais de apelaccedilatildeo1012

Daiacute ser

necessaacuteria e plenamente justificaacutevel tambeacutem em relaccedilatildeo a essa fase do processo penal

uma reflexatildeo acerca de medidas de reduccedilatildeo de danos aptas a assegurar a efetividade do

direito de ser julgado por um tribunal imparcial1013

Com efeito a prevenccedilatildeo em regra torna o oacutergatildeo colegiado ou o magistrado relator

do primeiro recurso accedilatildeo penal ou medida processual referente ao processo competente

para o julgamento de todas as posteriores questotildees processuais que guardem relaccedilatildeo com o

mesmo feito inclusive dos incidentes instaurados em face da execuccedilatildeo penal

estabelecendo com isso iacutentima relaccedilatildeo entre o oacutergatildeo jurisdicional e um determinado

processo penal1014

Pode-se concluir desse modo pela real possibilidade de contaminaccedilatildeo subjetiva do

oacutergatildeo jurisdicional decisor tornando justificada a desconfianccedila de que o futuro julgamento

de meacuterito em grau recursal possa ser influenciado por convicccedilotildees e prejulgamentos

adquiridos na anterior prestaccedilatildeo jurisdicional1015

De acordo com Mauro Fonseca Andrade ldquopara superar essa situaccedilatildeo

constrangedora eacute de rigor que existam desembargadores e ministros das garantiasrdquo1016

Enquanto isso natildeo ocorrer ressalta o autor que ldquoa transigecircncia com a imparcialidade

judicial seraacute patente e o rigor na separaccedilatildeo de funccedilotildees soacute se aplicaraacute ao primeiro grau de

ser julgado por qualquer das partes IV ndash se tiver aconselhado qualquer das partes V ndash se mantiver relaccedilatildeo

juriacutedica de natureza econocircmica ou moral com qualquer das partes da qual se possa inferir risco agrave

imparcialidade VI ndash se tiver interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes sect 2ordm O juiz a

qualquer tempo poderaacute se declarar suspeito inclusive por razotildees de foro iacutentimo Art 56 A suspeiccedilatildeo natildeo

poderaacute ser declarada nem reconhecida quando a parte de propoacutesito der motivo para criaacute-la 1011

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1012

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1013

IBID p 231 1014

IBID p 198 1015

IBID p 202 1016

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107

186

jurisdiccedilatildeo onde tambeacutem ficaria circunscrita a proteccedilatildeo ao festejado princiacutepio

acusatoacuteriordquo1017

Nesse sentido o questionamento de Abel Fernandes Gomes

E mais considerando que uma das coisas que se pretende evitar eacute que um

magistrado que tenha tomado contato com os fatos em grau de juiacutezo de

admissibilidade e legitimidade de meios de coleta de elementos preacutevios de

convicccedilatildeo ou medidas cautelares venha ser o mesmo que vaacute julgar o meacuterito da

accedilatildeo penal em caso de desembargadores e ministros das Cortes Superior e

Suprema que venham a conhecer dos habeas corpus impetrados ainda enquanto o

processo originaacuterio se encontra na fase preacute-processual para discutir a

admissibilidade e legitimidade do deferimento de tais medidas pelo juiz das

garantias tambeacutem se adotaraacute por coerecircncia e simetria a instituiccedilatildeo dos

desembargadores e ministros das garantias que ficaratildeo impedidos ndash em vez de

preventos ndash para o julgamento do meacuterito dos recursos de apelaccedilatildeo especial e

extraordinaacuterio1018

Assim indubitaacutevel que o aprimoramento da garantia da imparcialidade e a

consequente reduccedilatildeo de danos orientada ao devido processo legal exige conforme liccedilatildeo de

Andreacute Machado Maya ldquoum passo adiante em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias uma

dose pouco mais concentrada de ousadiardquo1019

sob pena de a imparcialidade restar

assegurada apenas em primeira instacircncia anulando-se todo o resultado que pode ser

alcanccedilado com o juiz das garantias quando o recurso interposto em face da decisatildeo de

meacuterito for julgado por oacutergatildeo judicial de segunda instacircncia que anteriormente jaacute tenha

analisado medida recursal ou habeas corpus referente ao mesmo feito e por isso

formulado uma convicccedilatildeo preacutevia acerca do caso penal em questatildeo ou mesmo sobre a

culpabilidade do acusado1020

1017

IBID p 107 1018

GOMES Abel Fernandes Op cit p 105 1019

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1020

IBID p 231-232

187

Tendo em vista a problemaacutetica apresentada Andreacute Machado Maya sugere no

acircmbito dos julgamentos colegiados da fase recursal seguindo a mesma linha do juiz das

garantias a criaccedilatildeo de um juizado de garantias isto eacute um oacutergatildeo jurisdicional integrante da

estrutura dos tribunais de segunda instacircncia a quem competiraacute exclusivamente o reexame

de todos e quaisquer atos decisoacuterios proferidos pelo juiz das garantias durante a

investigaccedilatildeo preliminar e tambeacutem dos atos decisoacuterios proferidos pelo juiz singular

durante a instruccedilatildeo criminal1021

Nesse modelo conforme propotildee o autor todas e quaisquer medidas jurisdicionais

adotadas pelo juiz de garantias na investigaccedilatildeo criminal e mais pelo proacuteprio juiz do

processo no curso da instruccedilatildeo processual independentemente da sua natureza seriam

revisaacuteveis seja via habeas corpus seja por recurso em sentido estrito pelo juizado de

garantias oacutergatildeo jurisdicional composto da mesma forma como os demais oacutergatildeos

colegiados que integram as Cortes recursais por trecircs magistrados1022

Com essa medida se estaria decididamente cindindo a fase de investigaccedilatildeo

preliminar da fase processual propriamente dita e consequentemente otimizando-se o

princiacutepio-garantia da imparcialidade jurisdicional1023

1021

IBID p 232 1022

Segundo o autor a medida proposta dispensa qualquer reforma estrutural do Poder Judiciaacuterio nacional

IBID p 232 1023

IBID p 232

188

CONCLUSAtildeO

A Constituiccedilatildeo Federal ao eleger um sistema processual penal de caraacuteter

acusatoacuterio cuja identidade se traduz essencialmente na separaccedilatildeo dos poderes exercidos

durante o desenvolvimento da persecuccedilatildeo penal conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a

exclusividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal consagrando ainda o devido processo legal que

dentre inuacutemeras outras garantias assegura o julgamento por um juiz competente e

imparcial

De par com o fortalecimento do processo penal constitucional como meacutetodo de

interpretaccedilatildeo do processo penal conforme os ditames da Constituiccedilatildeo a conservaccedilatildeo de um

sistema no qual as atividades desempenhadas pelos atores processuais natildeo sejam

precisamente delimitadas e estanques tornou-se despropositada

Portanto como decorrecircncia loacutegica da separaccedilatildeo das funccedilotildees de acusar e julgar e

resultado de um aprimoramento do sistema acusatoacuterio ao juiz fica agora vedada a

interferecircncia ativa na investigaccedilatildeo - como verdadeiro investigador - dado que acarreta

inevitaacutevel comprometimento de sua imparcialidade

A invocaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Estado-Jurisdiccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo

penal poreacutem eacute inevitaacutevel tendo em vista a possibilidade de os atos de investigaccedilatildeo

restringirem significativamente o acircmbito de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

assegurados constitucionalmente tais como a liberdade a dignidade a intimidade a

privacidade e a honra

Jaacute desde os primeiros momentos investigativos da persecuccedilatildeo penal portanto deve

ao cidadatildeo ser concedida toda a proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e

excessos estatais O juiz passa assim a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor

consubstanciada na missatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais constitucionalmente

consagrados

Por isso toda e qualquer medida que de alguma forma restrinja - ainda que de

forma legiacutetima - algum dos direitos fundamentais do indiviacuteduo soacute pode ser concretizada

189

mediante preacutevia e fundamentada autorizaccedilatildeo do magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo

confere tal prerrogativa

Justamente porque considerada uma funccedilatildeo de salvaguarda dos direitos

fundamentais do indiviacuteduo essa atividade desempenhada pelo juiz no curso da

investigaccedilatildeo preliminar requer dele precisatildeo na anaacutelise dos elementos que justificam e

autorizam a adoccedilatildeo de medidas restritivas desses direitos - que de modo geral consistem

na verificaccedilatildeo do fumus comissi delicti que se concretiza no processo penal pela

verificaccedilatildeo da presenccedila de elementos indicadores de existecircncia do crime e autoria bem

como em algumas hipoacuteteses do periculum libertatis O exame do material colhido na

investigaccedilatildeo preliminar natildeo pode portanto limitar-se a uma mera formalidade Cabe ao

magistrado no propoacutesito de maacuteximo resguardo dos direitos suscetiacuteveis a eventual violaccedilatildeo

a anaacutelise substancial e detida do material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo demandando

verdadeira incursatildeo nos seus autos e acarretando indiscutiacutevel envolvimento com os atos ali

documentados

Considerada a imparcialidade do oacutergatildeo julgador no seu aspecto objetivo portanto

verificou-se o elevado risco de seu comprometimento quando do julgamento de meacuterito

exatamente em razatildeo de sua anterior participaccedilatildeo em atos da investigaccedilatildeo criminal por

ocasiatildeo do exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos

direitos fundamentais do investigado Tal atuaccedilatildeo sem margens a duacutevidas cria no

subjetivo do magistrado impressotildees preconcebidas incompatiacuteveis com o distanciamento

que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e a imparcialidade

exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional penal

Aleacutem disso essa atuaccedilatildeo dual do juiz invariavelmente determina verdadeira

presunccedilatildeo de culpa transferindo agrave defesa o ocircnus de provar a inocecircncia do acusado em

clara afronta ao princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional

deveria orientar o juiz no curso de toda a causa A participaccedilatildeo na investigaccedilatildeo desse

modo vicia o juiz tornando muito mais custosa a missatildeo da defesa de ser considerada no

processo

Natildeo se pretende com isso afirmar que o juiz que nessa funccedilatildeo de garantidor dos

direitos fundamentais do investigado emite juiacutezos de valor durante a investigaccedilatildeo

criminal estaria inevitavelmente comprometido a julgar o meacuterito da accedilatildeo segundo essa

190

mesma valoraccedilatildeo Plenamente justificaacutevel e razoaacutevel no entanto a preocupaccedilatildeo com a

possibilidade de que o juiz seja indesejavelmente influenciado por essa atuaccedilatildeo anterior

perdendo a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional

Sob outro aspecto destaca-se uma fundada preocupaccedilatildeo com a aparecircncia de

imparcialidade que o julgador deve transmitir agravequeles submetidos agrave administraccedilatildeo da

justiccedila pois ainda que nenhum prejuiacutezo seja efetivamente verificado eacute improvaacutevel que se

consiga impedir o surgimento de duacutevidas acerca do pleno distanciamento do julgador Isso

abala a confianccedila que a sociedade deposita no Judiciaacuterio Nessa perspectiva sempre que

determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do

julgador impotildee-se o seu afastamento do processo

A situaccedilatildeo ateacute aqui delineada expotildee uma das grandes falhas do atual sistema

brasileiro que opera exatamente no sentido oposto em virtude das regras de prevenccedilatildeo

A forma que muitos ordenamentos tais como o italiano o chileno e o portuguecircs

encontraram para equacionar tal impasse evitando a exigecircncia de exame da natureza do

ato praticado pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo a fim avaliar eventual comprometimento da

sua imparcialidade objetiva no julgamento do meacuterito da causa bem como o casuiacutesmo e a

ausecircncia de seguranccedila juriacutedica decorrentes da necessidade de anaacutelise de cada caso

concreto foi cindir o juiz da investigaccedilatildeo do juiz da causa ao qual incumbe o juiacutezo de

meacuterito e a prolaccedilatildeo da decisatildeo final

Essa a soluccedilatildeo tambeacutem aventada pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 que

institui a figura do juiz das garantias propondo uma reforma estrutural para desligar o

responsaacutevel pelo acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute

apresentada daquele que verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal de modo a preservar o

distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos

elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo

Natildeo haacute duacutevidas assim de que o juiz das garantias se amolda perfeitamente ao

modelo acusatoacuterio de processo e ao Estado Democraacutetico de Direito Muito menos se pode

dizer que natildeo se constitui num instrumento eficaz de tutela da imparcialidade do julgador e

garantia por consequecircncia do devido processo legal reduzindo potenciais danos aos

direitos fundamentais

191

Como analisado natildeo haacute de fato criacuteticas conceituais robustas ao instituto do juiz

das garantias A maioria delas como vimos eacute de ordem praacutetica ou refere-se ao tema da

falta de recursos materiais e humanos do Poder Judiciaacuterio para sua implantaccedilatildeo

O juiz das garantias dessa forma natildeo obstante natildeo se tratar de resposta absoluta e

definitiva para a soluccedilatildeo de todos os problemas relativos agrave imparcialidade representa sem

duacutevidas um passo adiante na consecuccedilatildeo desse ideal

Nesse sentido como mecanismo projetado visando agrave reduccedilatildeo dos danos decorrentes

do arbiacutetrio e da parcialidade do julgador representa inegaacutevel avanccedilo no aperfeiccediloamento

do sistema da prestaccedilatildeo jurisdicional sendo inquestionaacutevel a conveniecircncia de sua

introduccedilatildeo em nosso ordenamento

192

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TONINI Paolo Manuale di Procedura Penale 11ordf ed Milano Giuffregrave Editore 2010

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Manual de Processo Penal 11ordf ed Satildeo Paulo

Saraiva 2009

TUCCI Rogerio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo

Paulo Saraiva 1993

VALENTE Rodolfo de Almeida As boas novidades da lei 12403 de 2011 Boletim

IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM ano 18 n 225 p 09 ago 2011

VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2003

VILELA Alexandra Consideraccedilotildees acerca da presunccedilatildeo de inocecircncia em direito

processual penal Coimbra Coimbra Editora 2010

WESSELS Johannes Direito Penal Parte Geral Aspectos Fundamentais Trad Juarez

Tavares Porto Alegre Fabris 1976

ZAFFARONI Eugenio Raul Poder Judiciaacuterio Crise Acertos e Desacertos Trad Juarez

Tavares Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1995

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa Instrutoacuteria do Juiz no Processo Penal Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2003

_____ Os atores e seus papeacuteis Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ediccedilatildeo especial CPP ago-

2010

ABSTRACT

The indispensability of the judgersquos involvement in the preliminary stage of criminal

prosecution as a guarantor of the inquired person fundamentals rights is undeniable

However this intervention compromises the impartiality of the judge on the judgment of

the merits The allocation of duties to act to different judges in the preliminary

investigation phase and during the case was the way that many law systems have fallowed

to handle this problem The same solution was adopted by the Bill of the Brazilian Code of

Criminal Procedure ndash PLS nordm 1562009 The Bill provides the figure of the guarantee

judge which controls the legality of the criminal investigation and ensures the protection

of individual rights The guarantee judde in accordance to the accusatory principle settleed

in the Federal Constitution assures a more effective impartiality preserving the distance of

the judge from elements collected during criminal investigation

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 1

CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 7

1 Persecuccedilatildeo penal finalidade 7

2 As fases da persecuccedilatildeo 14

21 A fase judicial sentido e alcance 14

22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance 18

3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais 25

31 Sistema acusatoacuterio 25

32 Sistema inquisitoacuterio 29

33 Sistema misto 32

CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO PROCESSO 37

1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo 37

11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica 44

12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro 53

13 Devido Processo Penal 55

2 Direito de defesa 58

21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal 64

3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia 70

31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal 77

4 A imparcialidade do juiz 81

41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar 90

CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL 95

1 Consideraccedilotildees iniciais 95

2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico 96

21 As Ordenaccedilotildees do Reino 96

22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 101

23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842 108

24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871 113

25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 117

3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 123

31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal

123

32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento 127

321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz135

CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no Processo Penal

Brasileiro 139

1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias 139

2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares 147

3 Atribuiccedilotildees 152

4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro 156

41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal 157

42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual

159

CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO 166

1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo

penal166

2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves

decisotildees do juiz das garantias 169

3 A escassez de recursos humanos e materiais 172

4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico 180

5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que

exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias 181

6 Instacircncias recursais 183

CONCLUSAtildeO 188

BIBLIOGRAFIA 192

1

INTRODUCcedilAtildeO

Em vigor desde 1941 o Coacutedigo de Processo Penal brasileiro apesar ter sofrido

reformas pontuais recentes tornou-se pelo decurso do tempo obsoleto natildeo mais

atendendo agraves exigecircncias de um processo penal moderno garantista e democraacutetico em

decorrecircncia das mudanccedilas sociais e poliacuteticas ocorridas no Paiacutes e sobretudo tendo em vista

a nova ordem constitucional vigente

A forma como o direito eacute regulado conforme preceitua Antonio Scarance

Fernandes eacute consequecircncia direta dos valores superiores em determinado momento

histoacuterico dependendo a forma como satildeo regrados os institutos processuais especialmente

da predominacircncia que se decirc ao indiviacuteduo em confronto com o Estado ou ao contraacuterio ao

Estado frente ao indiviacuteduo1

Assim as alteraccedilotildees poliacuteticas e a diversidade de ideologias ao longo do tempo

ocasionaram regramentos distintos aos institutos processuais na evoluccedilatildeo histoacuterica e nos

diversos ordenamentos culminando na impossibilidade de que sejam objeto de uma

disciplina definitiva imutaacutevel e uniforme2

Segundo o autor ldquoa histoacuteria do processo penal eacute marcada por movimentos

pendularesrdquo oscilando entre a predominacircncia de ideais de seguranccedila social e de eficiecircncia

repressiva e a prevalecircncia do objetivo de proteccedilatildeo do acusado isto eacute de afirmaccedilatildeo e

preservaccedilatildeo de suas garantias Para o autor ldquoessa diversidade de encaminhamentos satildeo

manifestaccedilotildees naturais da eterna busca de equiliacutebrio entre o ideal de seguranccedila social e a

imprescindibilidade de se resguardar o indiviacuteduo em seus direitos fundamentaisrdquo3

Essa dicotomia eacute representada de modo geral pelo embate entre eficiecircncia e

garantismo no processo penal Atualmente poreacutem haacute consenso no sentido de que esses

dois aspectos natildeo devem se opor de modo a que a um natildeo possa subsistir em face do outro

1 FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2010 p 21 2 IBID p 21

3 IBID p 19

2

mas devem ser complementares jaacute que natildeo eacute possiacutevel conceber um processo eficiente sem

garantismo4

Para Aury Lopes Jr o processo como instrumento para a implementaccedilatildeo do direito

penal deve realizar sua dupla funccedilatildeo ldquode um lado tornar viaacutevel a aplicaccedilatildeo da pena e de

outro servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais

assegurando os indiviacuteduos contra os atos abusivos do Estadordquo5 Nesse sentido o processo

penal deve servir como instrumento de limitaccedilatildeo da atividade estatal de modo a coibir

eventuais arbiacutetrios praticados estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos

direitos individuais constitucionalmente previstos como a presunccedilatildeo de inocecircncia o

contraditoacuterio a ampla defesa o juiz natural a imparcialidade e a publicidade entre tantos

outros

Disso tudo conclui-se que o processo penal natildeo eacute apenas um instrumento teacutecnico

mas reproduz valores poliacuteticos e ideoloacutegicos de uma naccedilatildeo O processo penal nos dizeres

de Antonio Scarance Fernandes

Espelha em determinado momento histoacuterico as diretrizes baacutesicas do

sistema poliacutetico do paiacutes na eterna busca de equiliacutebrio na concretizaccedilatildeo de dois

interesses fundamentais o de assegurar ao Estado mecanismos para atuar o seu

poder punitivo e o de garantir ao indiviacuteduo instrumentos para defender os seus

direitos e garantais fundamentais e para preservar a sua liberdade6

Desse modo especialmente por atingir um bem fundamental do ser humano que eacute

a liberdade o processo penal reflete a concepccedilatildeo poliacutetica dominante e o seu modo de tratar

os direitos as garantias do suspeito do acusado e os interesses dos oacutergatildeos incumbidos da

persecuccedilatildeo penal7

4 IBID p 19

5 LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris

2001 p 20 6 FERNANDES Antonio Scarance Processo p 22

7 IBID p 21

3

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 nesse sentido ao adotar o sistema acusatoacuterio no

processo penal que consagra diversas garantias como por exemplo a necessidade de

observaccedilatildeo do contraditoacuterio e da ampla defesa a imparcialidade do magistrado a

igualdade das partes a presunccedilatildeo de inocecircncia o sistema de provas do livre

convencimento do magistrado com a fundamentaccedilatildeo de todas as decisotildees judiciais

privilegiando assim a transparecircncia a clareza e a publicidade dos diversos atos

processuais8 exige que tais garantias sejam respeitadas durante toda a persecuccedilatildeo penal e

mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um processo penal constitucional

Eacute possiacutevel afirmar entatildeo que o cenaacuterio brasileiro eacute de marcante contradiccedilatildeo jaacute que

numa extremidade posiciona-se o texto constitucional com os valores acima mencionados

e na outra o Coacutedigo de Processo Penal com seus resquiacutecios inquisitivos que sobreviveu

natildeo obstante sua essecircncia agrave entrada em vigor do atual texto constitucional repleto de

princiacutepios processuais e que adotou entre noacutes o modelo acusatoacuterio9

Dentre os seus mais diversos efeitos importa salientar no acircmbito deste estudo

especialmente que o sistema acusatoacuterio projeta consequecircncias diretas tambeacutem na fase

investigatoacuteria impedindo a adoccedilatildeo de uma estrutura que se assemelhe aos juizados de

instruccedilatildeo onde compete ao julgador tambeacutem a reuniatildeo e coleta das provas10

Entretanto a preparaccedilatildeo da accedilatildeo penal eacute um tema discriminado na histoacuteria do

processo penal brasileiro jaacute que apoacutes mais de setenta anos de vigecircncia do texto

instrumental em vigor poucos e isolados temas dentro da investigaccedilatildeo foram

adequadamente abordados e constantemente as fronteiras entre a atuaccedilatildeo da poliacutecia

judiciaacuteria Ministeacuterio Puacuteblico e Magistratura foi esquecida com sobreposiccedilatildeo de

atuaccedilotildees11

8 GUIMARAtildeES Gisele Souza A invalidade da investigaccedilatildeo criminal realizada diretamente pelo parquet sob

o enfoque do sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23022013 9 CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 123 10

ldquoUma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio pode ser sentida na fase investigativa Esta nova

visatildeo acusatoacuteria destaca as funccedilotildees e a participaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico na fase preparatoacuteria na medida

em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador externo da atividade policial

impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos juizados de instruccedilatildeordquo CHOUKR Fauzi

Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai WOISCHNIK Jan (Coord) Las

Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC 2000 p 146 11

CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 146

4

Ocorre poreacutem que a ideia de garantismo que permeia a atual concepccedilatildeo de

processo penal exige que se esclareccedila qual eacute o papel dado pelo texto magno a cada um dos

atores processuais nesse momento devendo ser delimitada sobretudo a atuaccedilatildeo do

julgador durante a investigaccedilatildeo criminal

A visatildeo garantidora coloca o magistrado na posiccedilatildeo fundamental de garantidor dos

direitos do investigado ainda na fase preparatoacuteria ndash onde justamente as garantias

constitucionais satildeo mais nebulosas ndash dando-se tal proteccedilatildeo sobretudo atraveacutes da

jurisdicionalizaccedilatildeo dos incidentes investigativos que demandem para a apuraccedilatildeo dos fatos

a legiacutetima violaccedilatildeo de direitos constitucionalmente estabelecidos12

A atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual todavia pode trazer o

inconveniente ateacute entatildeo irremediaacutevel no ordenamento juriacutedico brasileiro de estabelecer

ainda que de forma inconsciente no iacutentimo do magistrado uma prevenccedilatildeo ou

prejulgamento inconciliaacuteveis com a imparcialidade que deve orientar a sua atuaccedilatildeo

durante toda a persecuccedilatildeo penal

Eacute nesse contexto que se insere a criaccedilatildeo do juiz das garantias instituto que

pretendemos analisar nesse trabalho surgido em meio agrave elaboraccedilatildeo do projeto de um novo

Coacutedigo de Processo Penal dada a incompatibilidade entre os modelos normativos da atual

legislaccedilatildeo processual oriunda da deacutecada de 1940 e da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

idealizadora de um Estado Democraacutetico de Direito estruturado sobre um extenso rol de

direitos e garantias fundamentais

Seguindo uma tendecircncia relativamente consolidada de separaccedilatildeo entre as funccedilotildees

judiciais concernentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo na experiecircncia internacional como por

exemplo o giudice per le indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o

juez de garantiacutea no Chile13

sistema este profundamente influenciado pelo Coacutedigo de

Processo Penal modelo para a Ameacuterica Latina que tem servido de base para a reforma

operada na uacuteltima deacutecada em diversos paiacuteses latino-americanos a proposta de criaccedilatildeo

dessa nova figura judicial foi trazida ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo PLS

1562009 que propotildee a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal

12

CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 147 13

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo cautelares e o juiz das garantias Revista de Informaccedilatildeo

Legislativa Brasiacutelia v46 n183 jul-set 2009 p 88-89

5

De acordo com a proacutepria exposiccedilatildeo de motivos do Projeto de Lei a instituiccedilatildeo de

um de juiz de garantias no Brasil era uma exigecircncia para a consolidaccedilatildeo de um modelo

orientado pelo princiacutepio acusatoacuterio Ele seraacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da

investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais Trata-se portanto de um

magistrado cujo acircmbito de atuaccedilatildeo eacute assegurar os direitos e as garantias fundamentais do

cidadatildeo na fase de investigaccedilatildeo criminal

O objetivo do presente estudo eacute portanto analisar a conveniecircncia e utilidade da

proposta de inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias no processo penal brasileiro

Tal estudo teraacute como ponto de partida a anaacutelise da investigaccedilatildeo criminal como a

primeira fase da persecuccedilatildeo penal agrave luz do garantismo e da conformaccedilatildeo de um estado

democraacutetico de direito

Ainda no primeiro capiacutetulo destinado agrave investigaccedilatildeo criminal seratildeo analisadas as

caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio

inquisitoacuterio e misto Tal anaacutelise se mostra relevante uma vez que no decorrer da histoacuteria

cada ordenamento juriacutedico adotou o meio de investigaccedilatildeo preliminar que lhe pareceu mais

adequado levando em consideraccedilatildeo principalmente o sistema processual penal adotado

estruturado com base em aspectos eminentemente poliacuteticos

No segundo capiacutetulo pretende-se estabelecer uma correlaccedilatildeo entre o devido

processo e sua projeccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal Para tanto buscaremos

analisar o significado e o conteuacutedo do devido processo legal propriamente bem como das

garantias dele decorrentes que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que elegemos como

imprescindiacuteveis para o desenvolvimento do presente estudo por estarem intimamente

relacionadas com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa

a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador atentando-se para o conceito de

imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia dos tribunais internacionais

sobretudo pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos

O terceiro capiacutetulo seraacute dedicado ao estudo da relaccedilatildeo entre o juiz e a investigaccedilatildeo

preliminar Analisaremos portanto qual o papel desempenhado pelo julgador na

investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo

nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo

6

O quarto capiacutetulo trataraacute especificamente da figura do juiz das garantias em

conformidade com a proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 Apoacutes a

contextualizaccedilatildeo do proacuteprio projeto de lei e da apresentaccedilatildeo do instituto do juiz das

garantias seratildeo analisados o seu acircmbito de atuaccedilatildeo e suas atribuiccedilotildees Compreendidos

estes pontos passaremos agrave anaacutelise dos objetivos a serem alcanccedilados com a adoccedilatildeo desta

figura no ordenamento juriacutedico nacional

Por fim o uacuteltimo capiacutetulo destinar-se-aacute agrave exposiccedilatildeo das criacuteticas jaacute formuladas pela

doutrina nacional a respeito da adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias pelo Projeto de Lei

1562009 bem como ao exame de algumas das propostas jaacute elaboradas para o

aprimoramento dessa nova figura e sua adequaccedilatildeo aos objetivos a serem alcanccedilados com a

sua instituiccedilatildeo

7

CAPIacuteTULO I INVESTIGACcedilAtildeO PRELIMINAR CONSIDERACcedilOtildeES

INICIAIS

1 Persecuccedilatildeo penal finalidade

O homem eacute um ser coexistencial que natildeo pode subsistir por longo tempo

independente de qualquer contato ao oposto devido agrave natureza de suas condiccedilotildees

existenciais todas as pessoas dependem do intercacircmbio da colaboraccedilatildeo e confianccedila

reciacuteprocas14

Assim ao natildeo alcanccedilar sua plenitude isoladamente o homem estaacute obrigado a

interagir com outros homens A necessidade de viver em sociedade no entanto impotildee o

estabelecimento de regras em prol do desenvolvimento de todos As regras do direito

dessa forma tecircm como fim o controle dos impulsos e vontades dos indiviacuteduos de forma a

possibilitar o conviacutevio social

O direito penal surge portanto como um importante instrumento de manutenccedilatildeo da

paz social cuja missatildeo eacute a proteccedilatildeo da convivecircncia em comunidade15

A tarefa do direito penal assim consiste em proteger os valores essenciais da vida

comunitaacuteria no acircmbito da ordem social e assegurar a manutenccedilatildeo da paz juriacutedica16

ldquoA

justificaccedilatildeo da existecircncia do direito penal resulta segundo a experiecircncia da histoacuteria da

humanidade jaacute de sua imprescindibilidade para uma proveitosa vida coletivardquo17

A possibilidade de utilizaccedilatildeo da prisatildeo como forma de assegurar o ecircxito de suas

regras eacute uma particularidade do direito penal que aleacutem disso trata dos bens mais

preciosos agrave condiccedilatildeo humana

14

JESCHECK Hans Heinrich Tratado de Derecho Penal Parte General 4ordf ed Trad Joseacute Luis Manzanares

Samaniego Granada Comares 1993 p 2 15

IBID p 2 16

WESSELS Johannes Direito Penal Parte Geral Aspectos Fundamentais Trad Juarez Tavares Porto

Alegre Fabris 1976 p 03 17

IBID p 02

8

Por isso hoje existe consenso em afirmar que o direito penal deve ser marcado por

um caraacuteter fragmentaacuterio subsidiaacuterio e de ultima ratio para o resguardo de bens juriacutedicos18

Ou seja para punir uma conduta socialmente danosa deve-se exigir que natildeo

existam outros meios menos gravosos para fazecirc-lo Isso porque a pena eacute nociva agrave

existecircncia social do condenado excluindo-o da sociedade e com isso produzindo dano

social Por isso devem preferir-se agraves penas medidas que tenham para o afetado

consequecircncias menos gravosas Esta ideia se expressa com a foacutermula de que o direito penal

deve ser a ultima ratio da poliacutetica social subsidiaacuterio devendo a ele recorrer-se tatildeo somente

quando todos os demais instrumentos extrapenais fracassaram19

Todavia a simples previsatildeo de norma incriminadora natildeo tem a capacidade de

impedir a violaccedilatildeo dos dispositivos penais surgindo para o Estado nesse exato momento

de violaccedilatildeo da norma de conduta o direito ndash ou melhor o dever ndash de punir (jus puniendi)

Com a supressatildeo da vinganccedila privada e o estabelecimento dos criteacuterios de justiccedila eacute

que surge a titularidade do direito de punir por parte do Estado Assim como ente juriacutedico

e poliacutetico o Estado avoca para si o direito e o dever de proteger a comunidade e

inclusive o proacuteprio delinquente20

Conforme leciona Aury Lopes Jr o injusto tiacutepico eacute resultante do fracasso do direito

penal em sua funccedilatildeo de prevenccedilatildeo daiacute resultando uma conduta humana voluntaacuteria

finalisticamente dirigida que fere ou expotildee a perigo bens e valores reconhecidos e

protegidos pelo ordenamento o que acarreta um juiacutezo de desvalor do resultado Esse juiacutezo

de desvalor segundo o autor exterioriza-se em uacuteltima anaacutelise mediante a aplicaccedilatildeo de

18

ROXIN Claus ARZT Gunther TIEDEMANN Klaus Introduccioacuten al Derecho Penal y al Derecho Penal

Procesal Trad Luis Arroyo Zapatero e Juan-Luis Goacutemez Colomer Barcelona Editorial Ariel 1989 p 22-

23 19

ldquoCon la limitacioacuten del Derecho Penal a la prohibicioacuten de las conductas socialmente dantildeosas o dicho de

otra manera a la proteccioacuten de bienes juriacutedicos queda explicado tan soacutelo uno de los presupuestos de los

que las actuales concepciones del Derecho Penal hacen depender el ejercicio del poder punitivo del Estado

Para castigar una conducta socialmente dantildeosa se ha de exigir ademaacutes el que no existan otros medios

menos gravosos para hacerla frente La razoacuten por la que se estima que soacutelo se debe recurrir al Derecho

Penal quando frente a la conducta dantildeosa de que se trate ha fracasado el empleo de otros instrumentos

sociopoliacuteticos radica en que el castigo penal pone en peligro la existencia social del afectado se le situacutea al

margen de la sociedad y con ello se produce tambieacuten un dantildeo social Por todo ello deben preferirse a las

penas todas aquellas medidas que puedan evitar una alteracioacuten de la vida en comuacuten y que tengan para el

afectado consecuencias menos negativas Esta idea suele expresarse con la foacutermula de que el Derecho Penal

ha de ser la ultima racio de la poliacutetica social El Derecho Penal es subsidiario respecto de las demaacutes

posibilidades de regulacioacuten de los conflictos es decir soacutelo se debe recurrir a eacutel cuando todos los demaacutes

instrumentos extrapenales fracasanrdquo IBID p 22-23 20

ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5ordf ed Madrid Editorial Rubi

Artes Graacuteficas 1984 p 07

9

uma pena e sintetiza a funccedilatildeo repressiva do direito penal21

Ocorre que o direito penal eacute desprovido de coerccedilatildeo automaacutetica Assim para que

possa ser aplicada uma pena natildeo soacute eacute necessaacuterio que exista um injusto tiacutepico mas tambeacutem

que exista previamente o devido processo penal22

Aleacutem disso o Estado natildeo pode punir de qualquer maneira e o processo penal surge

como o ramo que conteacutem a estrutura a ser observada no exerciacutecio da funccedilatildeo punitiva

justificando-se segundo Luigi Ferrajoli ldquoprecisamente en cuanto teacutecnica de minimizacioacuten

de la reaccioacuten social frente al delito de minimizacioacuten de la violencia pero tambieacuten del

arbiacutetrio que de otro modo se produciriacutea con formas aun maacutes salvajes y desenfrenadasrdquo23

Assim o Estado conhecedor dos riscos gerados pela autodefesa agrave medida que se

fortalece assume o monopoacutelio da justiccedila proibindo expressamente os particulares de

aplicarem a justiccedila por suas proacuteprias matildeos Portanto ldquofrente agrave violaccedilatildeo de um bem

juridicamente protegido natildeo cabe outra atividade que natildeo a invocaccedilatildeo da devida tutela

jurisdicionalrdquo24

Assim como natildeo haveria estabilidade no meio social se fosse permitido agraves proacuteprias

partes litigantes decidirem pelo uso da forccedila seus litiacutegios no campo extrapenal tambeacutem e

principalmente no campo penal isto eacute na esfera repressiva excessos incalculaacuteveis seriam

reproduzidos em virtude dos arbiacutetrios que o titular do direito de punir ldquocego e

desenfreadordquo passaria a cometer25

Diante dessa realidade irrefutaacutevel o Estado entatildeo autolimitou o seu poder

repressivo26

impondo-se portanto a necessaacuteria utilizaccedilatildeo de uma estrutura preestabelecida

ndash o processo judicial ndash em que mediante a atuaccedilatildeo de um terceiro imparcial e alheio ao

conflito cuja designaccedilatildeo natildeo corresponde agrave vontade das partes e resulta da imposiccedilatildeo da

estrutura institucional seraacute resolvido o conflito e devidamente sancionado o autor27

Logo

21

LOPES JR Aury Sistemas de Investigaccedilatildeo Preliminar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris

2001 p 05 22

IBID p 05-06 23

FERRAJOLI Luigi Derecho y razoacuten Teoriacutea del garantismo penal 4ordf ed Trad Perfecto Andreacutes Ibaacutentildeez

Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayoacuten Mohino Juan Terradillos Basoco e Rociacuteo Cantarero Bandreacutes

Madrid Editorial Trotta 2000 p 604 24

LOPES JR Aury Sistemas p 06-07 25

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Manual de Processo Penal 11ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p

06 26

IBID p 06 27

LOPES JR Aury Sistemas p 07

10

ldquoo processo como instituiccedilatildeo estatal eacute a uacutenica estrutura que se reconhece como legiacutetima

para a imposiccedilatildeo da penardquo28

Estabelece-se portanto o caraacuteter instrumental do processo

penal com relaccedilatildeo ao direito penal e agrave pena sendo o processo o meio necessaacuterio para a sua

imposiccedilatildeo

O monopoacutelio da jurisdiccedilatildeo penal por parte do Estado e tambeacutem a instrumentalidade

do processo penal satildeo expressotildees da aplicaccedilatildeo efetiva no campo penal da maacutexima latina

nulla poena et nulla culpa sine iudicio De acordo com Gomez Orbaneja eacute o que se

denomina de principio de la necesidad del proceso penal29

De acordo com Luigi Ferrajoli o modelo garantista de direito e de responsabilidade

penal natildeo admite qualquer imposiccedilatildeo de pena sem que se produzam a comissatildeo de um

delito sua previsatildeo legal como delito a necessidade de sua proibiccedilatildeo e puniccedilatildeo seus

efeitos lesivos para terceiros o caraacuteter externo ou material da accedilatildeo criminosa a

imputabilidade e a culpabilidade do seu autor e aleacutem disso sua prova empiacuterica produzida

por uma acusaccedilatildeo perante um juiz imparcial em um processo puacuteblico e contraditoacuterio em

face da defesa e mediante procedimentos legalmente preestabelecidos30

Assim pelo respeito agrave dignidade humana e agrave liberdade individual eacute que o Estado

assenta a expressatildeo do seu poder repressivo natildeo soacute em pressupostos juriacutedico-penais

materiais (nullum crimen nulla poena sine lege ndash natildeo haacute crime sem preacutevia definiccedilatildeo nem

pena sem anterior cominaccedilatildeo legal) como tambeacutem assegura a aplicaccedilatildeo da lei penal ao

caso concreto de acordo com as formalidades prescritas previamente em lei e sempre por

meio dos oacutergatildeos jurisdicionais (nulla poena sine judice nulla poena sine judicio ndash

nenhuma pena pode ser imposta senatildeo pelo juiz nenhuma pena pode ser aplicada senatildeo

por meio do processo)31

Vincenzo Manzini destaca o caraacuteter acessoacuterio e instrumental do direito processual

penal afirmando natildeo ser possiacutevel conceber-se um direito penal material que se aplique sem

a garantia das formalidades processuais32

O direito processual penal eacute portanto o

28

IBID p 06-07 29

GOMEZ ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Tomo I Barcelona

Bosch 1951 p 27 30

FERRAJOLI Luigi Op cit p 103-104 31

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 06 32

ldquoCiograve posto Il diritto processuale ha necessariamente natura accessoria e strumentale perchegrave pressupone

lrsquoesistenza di norme di diritto materiale da applicarse Mentre non egrave impossible concepire um diritto penale

sostanziale che si applichi senza la garanzia delle formalitagrave processuali egrave assolutamente inconcepibile un

11

conjunto de regras direta ou indiretamente sancionadas em que se funda a instituiccedilatildeo dos

oacutergatildeos jurisdicionais e que regula a atividade de apuraccedilatildeo das condiccedilotildees que tornam

aplicaacutevel em concreto o direito penal substantivo33

Portanto nos Estados subordinados agrave lei e ao Direito a pena soacute pode ser aplicada

por meio do processo isto eacute a atividade punitiva dos oacutergatildeos estatais incumbidos de reparar

a ordem juriacutedica violada pelo crime eacute submetida a um preacutevio controle jurisdicional em que

o Poder Judiciaacuterio aplica a norma penal objetiva mediante a resoluccedilatildeo do embate entre o

direito de punir e o direito de liberdade Surge assim uma das premissas elementares do

direito penal e que consiste em natildeo poder ningueacutem sofrer puniccedilatildeo sem julgamento

conforme as formalidades legais34

Existe portanto um iacutentimo e imprescindiacutevel viacutenculo entre delito pena e processo

que portanto satildeo complementares ldquoNatildeo existe delito sem pena nem pena sem delito e

processo nem processo penal senatildeo para determinar o delito e impor uma penardquo35

Deve-se ressaltar que tal ciecircncia natildeo se presta a impor caprichos ou ordens pelos

detentores de poder pelo contraacuterio deve respeitar e mais assegurar os direitos

fundamentais36

Segundo Antonio Scarance Fernandes satildeo dois os direitos fundamentais do

indiviacuteduo que importam particularmente ao processo criminal o direito agrave liberdade e o

direito agrave seguranccedila ambos previstos no caput do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal Como

corolaacuterio desses direitos fundamentais ldquoos indiviacuteduos tecircm direito a que o Estado atue

positivamente no sentido de estruturar oacutergatildeos e criar procedimentos que ao mesmo

tempo lhes garantam seguranccedila e lhes assegurem liberdaderdquo37

diritto processuale che sia fine a se stesso e che trovi applicazione nellrsquoassenza del diritto sostantivo scritto

o non scritto che siardquo MANZINI Vincenzo Trattato di Procedura Penale Italiana Volume Primo Torino

Unione Tipografico 1967 p 85 33

ldquoIl diritto processuale penale egrave pertanto quel complesso di norme direttamente o indirettamente

sanzionate che si fonda sullrsquoistituzione dellrsquoorgano giurisdizionale e che regola lrsquoattivitagrave diretta

allrsquoaccertamento delle condizioni che rendono applicabile in concreto Il diritto penale sostantivordquo IBID p

84-85 34

MARQUES Joseacute Frederico Elementos de Direito Processual PenalCampinas Millenium 2009 v 1 p

04 35

LOPES JR Aury Sistemas p 06 36

BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Princiacutepios do Processo Penal Entre o garantismo e a

efetividade da sanccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 p 24 37

FERNANDES Antonio Scarance Teoria Geral do Procedimento e O Procedimento no Processo Penal

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2005 p 39

12

Para Luigi Ferrajoli o que faz do processo uma operaccedilatildeo diversa da justiccedila com as

proacuteprias matildeos ou de outros meacutetodos perversos de justiccedila sumaacuteria eacute o fato de que ele

objetiva em consonacircncia com a finalidade preventiva dual do direito penal dois diferentes

objetivos a puniccedilatildeo dos culpados juntamente com a tutela dos inocentes Segundo ele eacute

essa segunda preocupaccedilatildeo que fundamenta todas as garantais processuais que envolvem o

processo e que condicionam de vaacuterios modos as instacircncias repressivas expressas pela

primeira38

A histoacuteria do processo penal portanto pode ser lida como a histoacuteria do conflito

entre essas duas finalidades logicamente complementares mas na praacutetica contrastantes39

Verifica-se entatildeo o impasse existencial do processo penal efetividade da coerccedilatildeo

penal versus direitos fundamentais jaacute que inevitavelmente para se obter uma coerccedilatildeo

mais eficaz eacute necessaacuteria a limitaccedilatildeo dos direitos fundamentais A ampliaccedilatildeo destes ao

contraacuterio dificulta a efetividade da coerccedilatildeo O ideal a ser atingido portanto eacute um ponto de

equiliacutebrio pois como sabemos em um Estado Democraacutetico e de Direito ldquoos fins nunca

justificam os meiosrdquo A efetividade da coerccedilatildeo penal deve ser perseguida com eacutetica e

obediecircncia ao conteuacutedo miacutenimo dos direitos e garantias fundamentais40

Para Antonio Scarance Fernandes o que foi conquistado com a evoluccedilatildeo histoacuterica

do processo penal natildeo foi a descoberta de um procedimento perfeito que garantisse de

forma permanente o equiliacutebrio almejado entre a seguranccedila e a liberdade ateacute porque o

processo penal expressa em cada eacutepoca e em cada local as mudanccedilas dos valores ideais e

concepccedilotildees do sistema poliacutetico e as formas diferenciadas de expressatildeo da sociedade Mas

de maneira geral foram sendo estabelecidas algumas diretrizes que constituem os

fundamentos para a formaccedilatildeo dos procedimentos41

Assim com a organizaccedilatildeo do Estado definiram-se estruturas e oacutergatildeos dirigidos agrave

eficiente operaccedilatildeo do direito punitivo prevendo-se nos procedimentos atos e fases

destinados a assegurar a accedilatildeo de tais oacutergatildeos

38

FERRAJOLI Luigi Opcit p 604 No mesmo sentido MANZINI esclarece ldquone consegue che il

processo penale rimane doppiamente caratterizzato come mezzo di tutela dellrsquointeresse sociale di

repressione della delinquenza e come mezzo di tutela dellrsquointeresse individuale e sociale di libertardquo Op cit

p 224 39

FERRAJOLI Luigi Op cit p 604 40

BEDEcirc JUNIOR Americo SENNA Gustavo Op cit p 24-25 41

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 41

13

Isso porque o Estado como o titular do direito de punir considerando-se que a pena

somente poderaacute ser aplicada pelo oacutergatildeo jurisdicional por intermeacutedio de regular processo

que se origina com a propositura da accedilatildeo necessita evidentemente de oacutergatildeos para

desenvolver a atividade essencial agrave aplicaccedilatildeo da sanccedilatildeo ao culpado Essa atividade eacute

denominada persecuccedilatildeo penal E o direito agrave persecuccedilatildeo penal que consiste em investigar o

fato violador da norma e solicitar o julgamento da pretensatildeo punitiva eacute uma obrigaccedilatildeo

funcional do Estado para alcanccedilar um dos fins essenciais para os quais ele mesmo foi

constituiacutedo seguranccedila e restauraccedilatildeo da ordem juriacutedica42

O caraacuteter indireto da coaccedilatildeo penal torna portanto imprescindiacutevel o aparecimento

de atividade estatal destinada a obter a aplicaccedilatildeo da pena consolidada na persecutio

criminis43

Segundo Joseacute Frederico Marques o Estado tem a prerrogativa de persecuccedilatildeo penal

por meio da qual busca realizar o jus puniendi resultante do crime para infligir ao

delinquente a devida sanccedilatildeo penal Como no entanto o processo eacute o meio exclusivo para a

concretizaccedilatildeo dos fins repressivos do Estado tem este oacutergatildeos apropriados para preparar o

ingresso nos tribunais e a posterior aplicaccedilatildeo jurisdicional das normas do direito punitivo44

Apesar de natildeo ser uma regra absoluta a persecuccedilatildeo penal se desenvolve

ordinariamente em duas fases investigaccedilatildeo preliminar e processo judicial45

que por sua

vez eacute normalmente composto por trecircs momentos distintos postulatoacuterio instrutoacuterio e

decisoacuterio46

Essa cisatildeo da persecuccedilatildeo penal em duas fases tem lugar toda vez que houver a

necessidade de ser percorrida antes das fases processuais uma fase preacutevia destinada agrave

investigaccedilatildeo que natildeo integra portanto o processo47

No mesmo sentido Joseacute Frederico Marques afirma que a persecutio criminis

apresenta dois momentos distintos o da investigaccedilatildeo e o da accedilatildeo penal Isso porque o

processo penal soacute tem iniacutecio com a propositura da accedilatildeo que compreende o pedido de

42

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 43

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 103 44

IBID p 104 45

ldquoEacute comum a separaccedilatildeo do procedimento apenas em duas fases com base em criteacuterio funcional uma que

prepara o julgamento e outra que corresponde ao julgamentordquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria

p 74 No mesmo sentido BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito Processual Penal Tomo I Rio

de Janeiro Elsevier 2008 p 41 46

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 47

ldquoEacute o que sucede nos processos criminais e nos processos relativos e nos processos relativos agraves accedilotildees civis

puacuteblicas nos quais deve ser instaurado previamente um inqueacuterito O inqueacuterito por isso natildeo faz parte da

unidade procedimentalrdquo FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35

14

julgamento da pretensatildeo punitiva Esta no entanto eacute normalmente precedida de uma fase

de pesquisas ou informatio delicti em que se reuacutenem os dados necessaacuterios para ser

requerida a imposiccedilatildeo da pena48

2 As fases da persecuccedilatildeo

21 A fase judicial sentido e alcance

Conforme jaacute exposto o Estado somente poderaacute aplicar pena ao transgressor da

norma penal apoacutes demonstraccedilatildeo de sua responsabilidade por meio do processo e mediante

decisatildeo do oacutergatildeo jurisdicional49

Segundo Joatildeo Mendes de Almeida Juacutenior as leis do processo satildeo

imprescindivelmente complementares agraves leis constitucionais e as formalidades exigidas

pelo processo uma vez que ldquoasseguram a liberdade dos indiviacuteduos porque garantem a

defesa datildeo forccedila aos julgamentos e aos juiacutezes porque satildeo o penhor da sua

imparcialidade revestem a Justiccedila de toda majestade porque datildeo testemunho da

prudecircncia de seus agentesrdquo satildeo as atualidades das garantias constitucionais50

Para ele se

o modo e a forma da realizaccedilatildeo dessas garantias fossem deixadas agrave discriccedilatildeo das partes ou

dos juiacutezes ldquoa Justiccedila marchando sem guia mesmo sob o mais prudente dos arbiacutetrios

seria uma ocasiatildeo constante de desconfianccedilas e surpresasrdquo51

De acordo com Antonio Scarance Fernandes normalmente satildeo trecircs as fases do

procedimento previstas nos coacutedigos processuais postulatoacuteria instrutoacuteria e decisoacuteria

Segundo ele a primeira fase nos processos criminais abrange o ato de acusaccedilatildeo

formulado normalmente pelo Ministeacuterio Puacuteblico e eventualmente atos de reaccedilatildeo

48

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 49

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 50

ALMEIDA JUNIOR Joatildeo Mendes de O Processo Criminal Brasileiro Satildeo Paulo Freitas Bastos SA

1959 v1 p 13-14 51

IBID p 13

15

defensiva do acusado52

O processo penal segundo Joseacute Frederico Marques soacute se instaura com a

propositura da accedilatildeo que consiste no pedido de julgamento da pretensatildeo punitiva53

e que daacute

iniacutecio agrave fase judicial da persecuccedilatildeo criminal

No mesmo sentido a liccedilatildeo de Paolo Tonini segundo a qual a expressatildeo ldquoprocesso

penalrdquo indica uma porccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal O momento inicial do processo

corresponde ao exerciacutecio da accedilatildeo penal e o momento final tem lugar quando a sentenccedila

torna-se imutaacutevel A expressatildeo ldquoprocesso penalrdquo refere-se agrave seacuterie cronologicamente

ordenada e necessaacuteria de atos que tecircm como ato inicial a accedilatildeo penal definida como ldquoo

pedido dirigido ao juiz de decidir acerca da imputaccedilatildeordquo54

Assim quando algueacutem comete uma infraccedilatildeo penal o Estado como titular do

direito de punir impossibilitado pelas razotildees jaacute expostas de autoexecutar seu direito vai a

juiacutezo - assim como o particular que teve seu interesse atingido pelo comportamento iliacutecito

de outrem - por meio do oacutergatildeo proacuteprio o Ministeacuterio Puacuteblico e deduz a sua pretensatildeo

esclarecendo o que deseja e o que almeja55

O processo penal eacute instaurado dessa maneira para que se julgue a pretensatildeo

punitiva Posteriormente se considerada procedente essa pretensatildeo a atividade processual

teraacute por fim a aplicaccedilatildeo coativa da sanccedilatildeo penal imposta ao reacuteu56

Isto eacute a fim de que a atividade jurisdicional incida sobre essa pretensatildeo dizendo-a

procedente ou improcedente o Estado - ou o particular em determinadas situaccedilotildees -

propotildee a accedilatildeo penal em que eacute pedida a aplicaccedilatildeo das sanccedilotildees penais adequadas57

O objetivo especiacutefico do processo penal eacute a concretizaccedilatildeo da pretensatildeo punitiva

52

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 53

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 104 54

ldquoLespressione lsquoprocesso penalersquo indica una porzione del procedimento penale Il momento iniziale del

processo corrisponde allesercizio dellazione penale il momento finale si ha quando la sentenza diventa

irrevocabile e cioegrave in sintesi non piugrave impugnabile percheacute nessuna parte haacute presentato ricorso nei termini o

percheacute tutte le impugnazioni ordinarie sono state esperite La nozione di ldquoazione penalerdquo egrave correlata a

quella di processo penale Como abbiamo visto com lespressione ldquoprocesso penalerdquo si fa riferimento a

quella serie cronologicamente ordinata e necessitata di atti che ha come atto iniziale lazione penale Ciograve

premesso possiamo dare una definizione di azione penale Essa egrave la richiesta diretta al giudice di decidere

sullimputazionerdquo TONINI Paolo Manuale di Procedura Penale 11ordf ed Milano Giuffregrave Editore 2010 p

65 55

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07 56

IBID p 104 57

IBID p 104

16

decorrente da praacutetica de um crime atraveacutes da garantia jurisdicional isto eacute de obter do juiz

um pronunciamento sobre o meacuterito da pretensatildeo punitiva O conteuacutedo do processo

criminal portanto eacute a averiguaccedilatildeo judicial das condiccedilotildees que podem determinar ou excluir

a viabilidade da pretensatildeo punitiva do Estado58

Deduz o Estado portanto a sua pretensatildeo punitiva em juiacutezo o que constitui

justamente a acusaccedilatildeo a qual pode ser definida como ldquoa apresentaccedilatildeo perante oacutergatildeo

judiciaacuterio do pedido condenatoacuterio e seus fundamentosrdquo59

De acordo com Antonio Scarance Fernandes ponto importante da evoluccedilatildeo

histoacuterica foi a passagem progressiva da acusaccedilatildeo das matildeos do povo e do particular para o

Estado No sistema inquisitorial inicialmente o proacuteprio juiz investigava e instaurava de

ofiacutecio o processo como forma evitar a impunidade decorrente da ineficaacutecia da atuaccedilatildeo

privada e popular Contudo para evitar que o juiz se comprometesse com a tese acusatoacuteria

prevaleceu a acusaccedilatildeo pelo Ministeacuterio Puacuteblico obviamente nos paiacuteses em que essa

instituiccedilatildeo se desenvolveu e fortaleceu60

Assim aleacutem da garantia de que a acusaccedilatildeo devia estar fundamentada em preacutevia

apuraccedilatildeo do fato outra passou a ser exigida qual seja a de que a acusaccedilatildeo fosse ofertada

por oacutergatildeo diverso daquele que julgava a causa61

Com o tempo firmaram-se regras a respeito da forma como devia ser formulada a

acusaccedilatildeo de modo a proporcionar ao acusado uma reaccedilatildeo mais eficiente agrave imputaccedilatildeo

impondo-se que o fato criminoso fosse narrado com todas as suas circunstacircncias que o

acusado fosse precisamente identificado e que as razotildees para a imputaccedilatildeo fossem

claramente indicadas62

Com a acusaccedilatildeo portanto instaura-se o processo que se desenvolve com a

sucessatildeo de vaacuterios atos relevantes de acordo com as formalidades e regras que devem ser

observadas

58

ldquoScopo speciacutefico del processo penale egrave di conseguire la realizzazione della pretesa punitiva derivante da

reato attraverso lrsquoesplicamento della guarentigia giurisdizionale cioegrave di ottenere lrsquoaccertamento positivo o

negativo mediante lrsquoinvertevento del giudice della fondatezza della pretesa punitiva derivante da un reato

fatto valere per lo Stato dal pubblico ministero Il contenuto del processo penale quindi egrave dato

dallrsquoaccertamento giurisdizionale delle condizioni che determinano escludono o modificano la realizzabilitagrave

della pretesa punitiva dello Stato stessordquo MANZINI Vincenzo Op cit p 220 59

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 105 60

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 105 61

IBID p 105 62

IBID p 105

17

Recebida a acusaccedilatildeo o juiz entatildeo daraacute iniacutecio agrave instruccedilatildeo criminal para a coleta das

provas que lhe forem apresentadas por ambas as partes e ao final procuraraacute ouvir o

pretenso culpado63

Na etapa instrutoacuteria portanto produzem-se as provas requeridas pelas

partes ou determinadas pelo juiz64

Segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente sempre houve a previsatildeo de

atos ou fases destinados agrave produccedilatildeo da prova sendo regulados os diversos meios de prova

as formas de avaliaccedilatildeo da prova e os encargos de produccedilatildeo da prova65

Afirma o autor que a verificaccedilatildeo do fato criminoso e de sua autoria natildeo fica

limitada somente a uma fase determinada pois de modo geral todas as diligecircncias

praticadas desde os primeiros atos investigatoacuterios tendem a evidenciar a ocorrecircncia do

delito e a descobrir quem o praticou Para ele quando se refere a uma fase destinada agrave

instruccedilatildeo da causa eacute para designar uma fase cuja funccedilatildeo primordial eacute produzir prova que

pode ser considerada no julgamento Isso natildeo significa que o material reunido

anteriormente natildeo possa ser levado em conta na decisatildeo final pois determinadas

particularidades como a urgecircncia da prova ou a impossibilidade de sua repeticcedilatildeo tornam

impossiacutevel uma regra riacutegida e imutaacutevel de que soacute pode ser admitida a prova produzida na

fase proacutepria66

Por fim o uacuteltimo grupo de atos que constituem a fase decisoacuteria permite que as

partes manifestem-se sobre o material probatoacuterio e elaborem alegaccedilotildees finais decidindo o

juiz em seguida67

A fase de julgamento comprende pois o ato final de decisatildeo e atos

anteriores de manifestaccedilatildeo das partes sobre a prova produzida com os quais buscam

persuadir o juiz evidenciando-lhe a correccedilatildeo de seus argumentos68

Assim apoacutes o estudo do material de cogniccedilatildeo recolhido o juiz procura ver se

prevaleceu o interesse do Estado em punir o culpado ou se o interesse do reacuteu em natildeo

sofrer restriccedilatildeo no seu jus libertatis69

dizendo qual dos dois tem razatildeo Se o Estado aplica

63

Art 400 Na audiecircncia de instruccedilatildeo e julgamento a ser realizada no prazo maacuteximo de 60 (sessenta) dias

proceder-se-aacute agrave tomada de declaraccedilotildees do ofendido agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas arroladas pela acusaccedilatildeo e

pela defesa nesta ordem ressalvado o disposto no art 222 deste Coacutedigo bem como aos esclarecimentos dos

peritos agraves acareaccedilotildees e ao reconhecimento de pessoas e coisas interrogando-se em seguida o acusado 64

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 65

IBID p 131 66

IBID p 132 67

IBID p 35 68

IBID p 147 69

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 07

18

ao culpado a sanccedilatildeo se o reacuteu absolve-o70

Antes das fases processuais poreacutem pode haver necessidade de ser percorrida uma

fase preacutevia destinada agrave investigaccedilatildeo que natildeo faz parte do processo mas eacute a ele

antecedente aparelhando-o71

Isso porque para que o Ministeacuterio Puacuteblico como oacutergatildeo do

Estado possa exercer o direito de accedilatildeo penal levando ao conhecimento do juiz a notiacutecia

sobre um fato aparentemente criminoso indicando-lhe tambeacutem o autor eacute conveniente

deva ele dispor dos dados indispensaacuteveis Tais informaccedilotildees preliminares via de regra satildeo

colhidas no primeiro momento da persecuccedilatildeo penal por oacutergatildeo do Estado incumbido de

investigar o fato tiacutepico e sua respectiva autoria a fim de subsidiar a propositura da accedilatildeo

penal72

O proacuteximo toacutepico seraacute pois destinado ao exame dessa fase de investigaccedilatildeo

preliminar

22 A fase preliminar de investigaccedilatildeo sentido e alcance

Como eacute notoacuterio o processo penal por si soacute traduz-se em sanccedilatildeo negativa

provocando efeitos permanentes agravequeles a ele submetido ainda que a accedilatildeo penal ao fim

termine em sentenccedila penal absolutoacuteria73

Nesse sentido a liccedilatildeo de Seacutergio Marcos de

Moraes Pitombo segundo a qual o imputado sofre o processo suportando para sempre os

efeitos sociais dele decorrentes mesmo que haja sua abolviccedilatildeo ademais tolera o processo

suas formalidades e longo percurso que inclui transporte algemas espera interrogatoacuterio

audiecircncia de instruccedilatildeo e mais instrumentos a disposiccedilatildeo da Justiccedila Penal74

Ainda de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida

70

IBID p 07 71

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 35 72

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 7-8 73

SAAD Marta O direito de defesa no inqueacuterito policial Satildeo Paulo RT 2004 p 21-22 74

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito policial exerciacutecio do direito de defesa Boletim

IBCCRIM Satildeo Paulo v7 n83 (esp) out 1999

19

O mal causado pela accedilatildeo penal deixada ao arbiacutetrio dos acusadores seria

nos casos de absolviccedilatildeo uma injusticcedila Bens materiais e morais fama honra

dignidade teriam sofrido danos irreparaacuteveis e exclusivamente causados pela

faculdade discricionaacuteria da caluacutenia da mentira da leviandade da extorsatildeo

docilmente servidas pelo trabalho penoso inuacutetil aos proacuteprios fins do poder

puacuteblico75

Por isso a praacutetica juriacutedica revelou ser necessaacuteria anteriormente ao ajuizamento de

accedilatildeo penal condenatoacuteria uma preacutevia apuraccedilatildeo do fato a princiacutepio dotado de ilicitude e

tipicidade bem como de sua autoria coautoria e participaccedilatildeo76

Ou seja a acusaccedilatildeo

prescinde da obtenccedilatildeo de prova por meio de uma apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia agrave accedilatildeo

penal de natureza condenatoacuteria que indique razoavelmente a materialidade do fato

aparentemente iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou participaccedilatildeo

bem como elementos de convicccedilatildeo acerca da provaacutevel culpabilidade do indiciado77

De acordo com Aury Lopes Junior ldquoo processo penal sem a investigaccedilatildeo

preliminar eacute um processo irracional uma figura inconcebiacutevel segundo a razatildeo e os

postulados da instrumentalidade garantistardquo78

Isso porque uma vez que o processo penal

abriga um conjunto de penas processuais que fazem com que o ponto crucial seja saber se

deve ou natildeo acusar em primeiro lugar se deve investigar e reunir elementos que

justifiquem o processo ou o natildeo-processo79

Para Eugenio Florian eacute necessaacuterio que exista no procedimento penal uma fase na

qual se prepare o material para a fase judicial Segundo o autor ldquoseriacutea ocasionado a la

confusioacuten y esteacuteril el proceso en el cual se entrase en los debates sin preparacioacuten Tal fase

estaacute representada por la instuccioacuten tambieacuten llamada instruccioacuten preparatoacuteriardquo80

Eacute essencial portanto a existecircncia de um miacutenimo suporte probatoacuterio antecedente ao

aforamento da accedilatildeo penal de conhecimento de natureza condenatoacuteria Tal atividade no

75

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo

1973 p 18 76

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 77

SAAD Marta O direito p 22 78

LOPES JR Aury Sistemas p1 79

IBID p1 80

FLORIAN Eugenio Elementos de Derecho Procesal Penal Bosch Barcelona 1934 p 227-228

20

mais das vezes consubstancia-se na persecuccedilatildeo ou apuraccedilatildeo preacutevia ou preliminar agrave

instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal judicial variando a forma por meio da qual se efetiva

conforme o tempo e a organizaccedilatildeo judiciaacuteria poliacutetica social e cultural de determinado

Estado81

Essa fase preacutevia nos mais diversos sistemas e regulamentaccedilotildees significou a

expressatildeo concreta de uma relevante garantia a de se evitar que algueacutem seja acusado sem

estar verificada a existecircncia de indiacutecios razoaacuteveis apontando-o como autor de um iliacutecito

penal Em suma a etapa preacutevia de investigaccedilatildeo foi a maneira que o direito processual

penal encontrou para haver uma acusaccedilatildeo justa e para evitar imputaccedilotildees apressadas82

Cada sistema processual penal assim adotou o meio de apuraccedilatildeo preacutevia que lhe

pareceu mais adequado em determinado momento histoacuterico considerando-se aspectos

poliacuteticos e sociais bem como os respectivos destinataacuterios83

Aury Lopes Junior define a investigaccedilatildeo preliminar como o conjunto de atividades

desenvolvidas de modo encadeado por oacutergatildeos do Estado a partir de uma notitia criminis

com caraacuteter preacutevio e de natureza preparatoacuteria em relaccedilatildeo agrave fase judicial cujo objetivo eacute a

apuraccedilatildeo da autoria e das circunstacircncias de um fato supostamente delitivo de modo a

fundamentar o processo ou o natildeo-processo84

Para Joseacute Frederico Marques ldquoa investigaccedilatildeo criminal eacute atividade estatal da

persecutio criminis destinada agrave accedilatildeo penalrdquo85

que tem iniacutecio independentemente de sua

forma com a notiacutecia do crime entendida como ldquoo conhecimento espontacircneo ou provocado

que tem a autoridade puacuteblica da praacutetica de um fato delituosordquo86

Segundo ele a investigaccedilatildeo preliminar tem caraacuteter eminentemente preparatoacuterio e

informativo visto que seu escopo o eacute fornecimento dos elementos necessaacuterios para a

deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva em juiacutezo aos oacutergatildeos da accedilatildeo penal87

e tem como objeto por

sua vez a obtenccedilatildeo de dados informativos para que o oacutergatildeo da acusaccedilatildeo verifique se deve

81

SAAD Marta O direito p 22 82

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 83

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Inqueacuterito 84

LOPES JR Aury Sistemas p 331-332 85

MARQUES Joseacute Frederico Elementos p 115 86

IBID p 107 87

IBID p 115

21

ou natildeo propor a accedilatildeo penal88

A investigaccedilatildeo diferentemente do que sugere a crenccedila comum natildeo tem como

objetivo a reuniatildeo e a produccedilatildeo de elementos que comprovem a praacutetica de um iliacutecito

Afirmar isso implicaria dizer que toda instruccedilatildeo preliminar teria como meta a

demonstraccedilatildeo de um iliacutecito preterindo qualquer elemento que apontasse para sentido

diverso89

A investigaccedilatildeo preliminar pode assim embasar tanto o Estado quando a oacutergatildeo seu

competir a iniciativa da accedilatildeo penal quanto o particular como ocorre na accedilatildeo penal

privada Por isso a colheita de elementos em etapa anterior ao exerciacutecio do direito de accedilatildeo

objetiva impedir a atuaccedilatildeo temeraacuteria evitando desse modo acusaccedilotildees infundadas e

predestinadas ao insucesso90

De acordo com Marta Saad a investigaccedilatildeo preliminar eacute caracterizada como

procedimento precedente agrave instauraccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em juiacutezo que tem como

finalidade colher suporte probatoacuterio ao ajuizamento da accedilatildeo penal de conhecimento de

natureza condenatoacuteria justificando-se em razatildeo do fardo que representa para o indiviacuteduo

ter contra si um processo penal91

Segundo a autora satildeo duas as funccedilotildees exercidas pela persecuccedilatildeo penal preliminar

preservadora e preparatoacuteria a primeira assegura a minoraccedilatildeo das acusaccedilotildees infundadas

precipitadas ou caluniosas evitando o prejuiacutezo de acusaccedilotildees formais inuacuteteis perante o juiacutezo

criminal a segunda visa acautelar eventuais meios de prova que podem ser perdidos com

o passar do tempo92

A funccedilatildeo preservadora de acordo com Joaquim Canuto Mendes de Almeida

decorre da necessidade de justificar um juiacutezo de acusaccedilatildeo isto eacute um julgamento preacutevio

dos elementos acusatoacuterios para preservaccedilatildeo da inocecircncia contra a imprudecircncia ou caluacutenia

bem como para garantia do organismo jurisdicional contra os gastos inuacuteteis e injustos de

88

IBID p 115 89

CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo Criminal pelo Ministeacuterio Puacuteblico fundamentos e limites

constitucionais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2007 p 59 90

IBID p 60 91

SAAD Marta O direito p 131 92

IBID p 131-132

22

tempo e de trabalho93

Segundo ele ldquoa funccedilatildeo preservadora da persecuccedilatildeo inicial assim tem como

finalidade preservar a inocecircncia contra acusaccedilotildees infundadas e o organismo judiciaacuterio

contra o custo e a inutilidade em que estas redundariamrdquo94

propiciando elementos e uma

base segura que justifiquem a propositura e exerciacutecio da accedilatildeo penal95

Francesco Carnelutti entende que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo aspira a

comprovaccedilatildeo do delito mas a exclusatildeo de uma acusaccedilatildeo aventurada96

Isto eacute deve-se

reconhecer sobretudo que a investigaccedilatildeo preliminar natildeo se faz para comprovar o crime

mas apenas para obstar uma acusaccedilatildeo irresponsaacutevel ou arriscada Eacute preciso que fique claro

portanto que a investigaccedilatildeo preliminar deve limitar-se a estabelecer a probabilidade do

delito natildeo visando sua comprovaccedilatildeo97

Para Aury Lopes Junior o principal fundamento da investigaccedilatildeo preliminar eacute a

funccedilatildeo de evitar acusaccedilotildees infundadas A mitigaccedilatildeo de acusaccedilotildees imprudentes e temeraacuterias

se daacute exatamente por meio do esclarecimento do fato atraveacutes de um juiacutezo provisoacuterio e de

probabilidade e com isso tambeacutem eacute assegurada agrave sociedade a inexistecircncia de

arbitrariedades e abusos por parte do poder persecutoacuterio estatal Segundo ele ldquose a

impunidade causa uma grave intranquilidade social natildeo menos grave eacute o mal causado

por processar um inocenterdquo98

Isso porque como sabido o processo penal tem um elevado custo que permite

falar de verdadeiras penas processuais como o sofrimento que causa para o sujeito

passivo que vive um estado de prolongada acircnsia decorrente de sua estigmatizaccedilatildeo social e

juriacutedica Por isso o sistema processual penal deve ser dotado de filtros que evitem

acusaccedilotildees sem o suficiente fumus comissi delicti99

A investigaccedilatildeo preliminar atende assim a um manifesto interesse garantista para

93

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 94

IBID p 17 95

SAAD Marta O direito p 23 96

ldquoLinchiesta preliminare non si fa per laccertamento del reato ma soltanto per escludere una imputazione

avventatardquo CARNELUTTI Francesco Principi del Processo Penale Napoli Morano Editore 1960 p 107 97

ldquoBisogna riconoscere anzi tutto schiettamente che linchiesta preliminare non tende ad accertare il reato

ma soltanto ad evitare una imputazione imprudente o azzardata Si tratta di sgrossare la ratio dubitandi non

di raffinarla con il labor limae Perciograve deve essere ben chiarito que linchiesta preliminare deve limitarsi a

stabilire la probabilitagrave del reato non affatto aspirare a conseguirne la certezardquo IBID p 107 98

LOPES JR Aury Sistemas p 47 99

IBID p 332

23

contenccedilatildeo das acusaccedilotildees e processos imotivados buscando evitar o custo para o sujeito

passivo e para o Estado de um juiacutezo dispensaacutevel100

Como jaacute observado haacute ainda aleacutem da funccedilatildeo preservadora da liberdade contra

acusaccedilotildees infundadas uma segunda funccedilatildeo dita preparatoacuteria da persecuccedilatildeo preliminar ou

preacutevia

Nesse sentido Eugenio Florian assevera que ldquoen particular la instruccioacuten

preparatoria sirve para recoger elementos probatorios que el tiempo puede hacer

desaparecerrdquo101

Isso porque haacute ocasiotildees em que os sinais do delito podem desaparecer

surgindo entatildeo a necessidade de instrumentos que preservem os meios de prova por

vezes urgentes ou intransponiacuteveis levando-os ao conhecimento do juiz e depois para o

acircmbito de eventual accedilatildeo penal onde natildeo fosse a atuaccedilatildeo anterior do oacutergatildeo encarregado da

investigaccedilatildeo preliminar natildeo se poderiam obter certas provas ou realizar determinadas

diligecircncias102

No mesmo sentido Joaquim Canuto Mendes de Almeida ensina que ldquoa funccedilatildeo

preparatoacuteria da instruccedilatildeo preliminar se determina pela necessidade de produccedilatildeo antes e

fora da audiecircncia de provas dificilmente realizaacuteveis no tempo e no local de concentraccedilatildeo

do processordquo103

A investigaccedilatildeo preliminar exerce assim tambeacutem uma funccedilatildeo cautelar que assume

distintos contornos conforme a necessidade da tutela podendo ser adotadas medidas que

tenham natureza pessoal patrimonial ou probatoacuteria104

Conveniente e adequada dessa forma a cisatildeo do procedimento da persecuccedilatildeo penal

em duas fases sendo a primeira delas representada pela instruccedilatildeo preacutevia105

que por sua

vez possui dois propoacutesitos O primeiro deles de caraacuteter preservador reduzindo a

ocorrecircncia de acusaccedilotildees insubsistentes imprudentes ou ateacute mesmo inveriacutedicas e evitando

os danos de acusaccedilotildees inuacuteteis O segundo preparatoacuterio acautelando possiacuteveis meios de

100

IBID p 40-41 101

FLORIAN Eugenio Opcit p 228-229 102

SAAD Marta O direito p 24 103

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Opcit p 30 104

LOPES JR Aury Sistemas p 45 105

Ressalve-se a hipoacutetese prevista no artigo 4ordm do CPP de dispensa do inqueacuterito policial quando se dispotildee

de elementos suficientes para o aforamento da accedilatildeo penal condenatoacuteria

24

prova106

Vale ressaltar contudo que conforme liccedilatildeo de Antonio Scarance Fernandes se por

um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo consiste numa garantia contra acusaccedilotildees

precipitadas e despojadas de base satisfatoacuteria por outro a utilizaccedilatildeo dos elementos

colhidos durante esse periacuteodo preacute-processual natildeo pode ir aleacutem de sua finalidade preciacutepua

que eacute possibilitar a acusaccedilatildeo Natildeo devem tais elementos ser utilizados para justificar a

condenaccedilatildeo sob pena de serem anuladas outras garantias essenciais como a da ampla

defesa e a do contraditoacuterio Por isso eacute frequente nas legislaccedilotildees modernas a preocupaccedilatildeo

em se obstar ou reduzir a interferecircncia do material colhido durante a investigaccedilatildeo no

convencimento do julgador107

Outro ponto que merece especial destaque no estudo aqui desenvolvido eacute a

crescente preocupaccedilatildeo jaacute revelada em modelos mais avanccedilados com os limites agrave atuaccedilatildeo

do juiz na fase preliminar de investigaccedilatildeo e com a consequente possibilidade de que o

julgador que atua na investigaccedilatildeo criminal isto eacute aquele que tem contato com os autos do

inqueacuterito policial possa ser indesejavelmente influenciado por tudo aquilo que foi

produzido previamente agrave accedilatildeo penal tendo comprometida sua imparcialidade quando do

julgamento108

A primeira fase da persecuccedilatildeo penal portanto a de preparaccedilatildeo da acusaccedilatildeo eacute em

essecircncia uma fase de investigaccedilatildeo preacutevia que antecede o momento de instauraccedilatildeo do

processo e natildeo faz parte do esquema procedimental Contudo os atos nela realizados

repercutem intensamente no desenvolvimento da relaccedilatildeo juriacutedica processual sendo por

isso ajustada na histoacuteria ao sistema vigorante acusatoacuterio inquisitoacuterio ou misto Isso fez

com que nas diversas eacutepocas e nas diversas regiotildees a fase de investigaccedilatildeo apresentasse

diferentes regulamentaccedilotildees109

com reflexo direto no que concerne ao papel do magistrado

A seguir desenvolveremos uma breve anaacutelise das caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo

criminal nos diferentes sistemas processuais acusatoacuterio inquisitoacuterio e misto Tal estudo

seraacute de grande valia sobretudo quando da anaacutelise do sistema eleito pela Constituiccedilatildeo de

1988 e das implicaccedilotildees dessa escolha no inqueacuterito policial disciplinado pelo Coacutedigo de

106

SAAD Marta O direito p 25 107

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 75 108

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro

Lumen Juris 2001 p 139-140 109

IBID p 74-75

25

Processo Penal de 1941

3 A investigaccedilatildeo criminal e os sistemas processuais

31 Sistema acusatoacuterio

Primeiro sistema processual concebido110

o sistema acusatoacuterio guardadas as

especificidades de cada ordenamento estabeleceu-se sobretudo na Repuacuteblica Romana e

na Idade Meacutedia ateacute o seacuteculo XIII com prevalecircncia para o direito germacircnico111

De acordo com Julio B J Maier ldquoen general puede decirse que esta forma de

llevar a cabo el enjuiciamento penal domina todo el mundo antiguordquo112

Paolo Tonini define o sistema acusatoacuterio como aquele sistema de processo penal

baseado no princiacutepio dialeacutetico segundo o qual a verdade eacute tatildeo melhor apurada quanto

maior o espaccedilo dado para o embate entre as partes animadas por interesses conflitantes113

Aleacutem disso e acima de tudo o processo acusatoacuterio caracteriza-se pela separaccedilatildeo entre as

funccedilotildees de acusaccedilatildeo defesa e julgamento e pelo princiacutepio do contraditoacuterio na formaccedilatildeo da

prova114

110

ldquoEl proceso penal comuacuten fueacute primeramente acusatoacuterio seguacuten el modelo romanordquo FLORIAN Eugenio

Op cit p 65 111

ldquoEl procedimiento acusatorio rigioacute praacutecticamente durante toda la antiguumledad (Grecia Roma) y en la

Edad Media hasta el siglo XIII (Derecho germano) momento en el cual sobre las bases del uacuteltimo Derecho

romano imperial antes de la caiacuteda de Roma es reemplazado por la Inquisioacutenrdquo MAIER Julio B J Derecho

Procesal Penal Argentino Tomo 1 vol B Buenos Aires Editorial Hamurabi S R L 1989 p 209 No

mesmo sentido ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa Instrutoacuteria do Juiz no Processo Penal Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 37 Segundo Eugenio Florian ldquohistoacutericamente la forma acusatoria

florecioacute em Grecia en la eacutepoca de apogeo de Roma y en el derecho germacircnico resurge despueacutes ente

nosotros en la eacutepoca del esplendor de las ciudades italianas que es cuando renace el derecho romano El

proceso penal romano fueacute acusatorio en la eacutepoca aacuteurea de los Comiacutecios (que abatidos de hecho por Sila

desaparecen con Augusto) y en el periacuteodo siguiente de las Questiones perpetuae (una especie de comisioacuten de

jurados)rdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 65 Como observa Fernando da Costa Tourinho Filho

ldquopredominou na Iacutendia entre os atenienses e entre os romanos notadamente durante o periacuteodo republicano

e presentemente com as alteraccedilotildees ditadas pela evoluccedilatildeo vigora em muitas legislaccedilotildeesrdquo TOURINHO

FILHO Fernando da Costa Processo Penal 31ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 92 112

MAIER Julio B J Op cit p 206 113

TONINI Paolo Op cit p 26 114

ldquoIl sistema accusatorio egrave quel modello di procedimento penale che si basa sul principio dialettico in base

26

No mesmo sentido a liccedilatildeo de Luigi Ferrajoli segundo a qual se denomina

acusatoacuterio o sistema que concebe o juiz como um sujeito rigidamente apartado das partes e

o processo como uma disputa entre partes em posiccedilatildeo de igualdade iniciada pela acusaccedilatildeo

sob a qual recai o ocircnus da prova o procedimento desenvolve-se atraveacutes de debate

contraditoacuterio oral e puacuteblico e eacute decidida pelo magistrado segundo sua livre convicccedilatildeo115

Para Paolo Tonini satildeo caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio

ldquoil giudice inizia il processo soltanto su iniziativa di parte le parti e non il

giudice ricercano la prova il proceso egrave orale nel senso che di regola il giudice

decide sulla base di dichiarazioni rese oralmente e nel contradittorio tra le parti

limputato egrave presunto innocente sono previsti limiti alla ammissione delle prove la

carcerazione prima della sentenza egrave uma eccezionerdquo116

Julio J B Maier aponta como notas comuns ao sistema acusatoacuterio as seguintes o

exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo eacute atribuiacutedo a tribunais populares aparecendo o julgador como um

aacuterbitro entre as partes a persecuccedilatildeo penal eacute exercida por uma pessoa fiacutesica e natildeo por um

oacutergatildeo do Estado o acusado eacute um sujeito de direitos ao qual deve ser garantida uma posiccedilatildeo

de igualdade frente ao acusador e cuja situaccedilatildeo de inocente natildeo deve ser alterada ateacute o

tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo sendo a adoccedilatildeo de medidas coercitivas durante o

processo excepcional o procedimento consiste em debate puacuteblico oral contiacutenuo e

contraditoacuterio na valoraccedilatildeo da prova impera o sistema do livre convencimento natildeo

havendo sujeiccedilatildeo dos julgadores a quaisquer regras de valoraccedilatildeo das provas a sentenccedila

resulta de uma votaccedilatildeo cujo resultado pode dar-se por maioria ou pela unanimidade dos

julgadores117

al quale la veritagrave egrave tanto meglio accertata quanto piugrave spazio egrave dato allo scontro tra le parti animate da

interessi contrapposti Il processo accusatorio egrave caratterizzato dal principio di separazione delle funzioni

processuali (accusa difesa e giudizio) e dal principio del contradittorio nella formazione della prova che si

rispecchia principalmente nellistituto dellesame incrociato dei testimonirdquoTONINI Paolo Op cit p 26 115

ldquoPrecisamente se puede llamar acusatorio a todo sistema procesal que concibe al juez como un sujeto

pasivo riacutegidamente separado de las partes y al juicio como una contienda entre iguales iniciada por la

acusacioacuten a la que compete la carga de la prueba enfrentada a la defensa en un juicio contradictorio oral

y puacuteblico y resuelta por el juez seguacuten su libre conviccioacutenrdquo FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 116

TONINI Paolo Op cit p 26-27 117

MAIER Julio B J Op cit p 207-209 Conforme Guilherme de Souza Nucci ldquono sistema acusatoacuterio haacute

27

Como observa Marcos Alexandre Coelho Zilli em que pese a sensiacutevel dificuldade

doutrinaacuteria em identificar as notas essenciais de um sistema processual penal acusatoacuterio haacute

inequiacutevoco consenso no sentido de que constitui seu componente primoridal a separaccedilatildeo

equilibrada de poderes exercidos ao longo da persecuccedilatildeo penal118

Nesse sentido Julio J B Maier assinala que a caracteriacutestica fundamental do

sistema processual acusatoacuterio reside na divisatildeo dos poderes que satildeo exercidos ao longo do

processo Assim de um lado posiciona-se o acusador que identifica e persegue o provaacutevel

autor ou partiacutecipe da infraccedilatildeo penal por meio de exerciacutecio de um poder postulatoacuterio e do

outro o imputado que resiste agrave imputaccedilatildeo exercendo o seu direito de defesa Finalmente

equidistante das partes posiciona-se o juiz que tem em suas matildeos o poder decisoacuterio119

O equiliacutebrio e a divisatildeo de poderes processuais penais tem como consequecircncia

conforme aponta Marcos Alexandre Coelho Zilli a distinccedilatildeo subjetiva entre o oacutergatildeo

acusador e julgador ldquofator essencial para distingui-lo do sistema marcadamente

inquisitoacuteriordquo120

Aleacutem disso vale destacar que a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no

sistema acusatoacuterio que tem como efeito direto a impossibilidade de o juiz exercer a funccedilatildeo

de acusaccedilatildeo supotildee da mesma forma a proibiccedilatildeo de o juiz participar da construccedilatildeo da

proacutepria acusaccedilatildeo121

Afinal segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli a investigaccedilatildeo

implica num trabalho de averiguaccedilatildeo da materialidade do crime e da provaacutevel autoria

sendo orientada pelo propoacutesito de se elaborar uma afirmaccedilatildeo acusatoacuteria ldquoAssim quem

niacutetida separaccedilatildeo entre o oacutergatildeo acusador e o julgador haacute liberdade de acusaccedilatildeo reconhecido o direito ao

ofendido e a qualquer cidadatildeo predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo

vigora a publicidade do procedimento o contraditoacuterio estaacute presente existe a possibilidade de recusa do

julgador haacute livre sistema de produccedilatildeo de provas predomina maior participaccedilatildeo popular na justiccedila penal e

a liberdade do reacuteu eacute a regrardquo NUCCI Guilherme de Souza Manual de Processo Penal e Execuccedilatildeo Penal 4ordf

ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008 p109 118

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 119

ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento acusatorio reside en la divisioacuten de los poderes que se

ejercen en el proceso por un lado el acusador quien persigue penalmente y ejerce el poder requirente por

el otro el imputado quien puede resistir la imputacioacuten ejerciendo el derecho de defenderse y finalmente el

tribunal que tiene en sus manos el poder de decidir Todos estos poderes se vinculan y condicionan unos a

otros su principio fundamental que le da nombre al sistema se afirma en la exigencia de que la actuacioacuten

de un tribunal para decidir el pleito y los liacutemites de su decisioacuten estaacuten condicionados al reclamo (accioacuten) de

un acusador y al contenido de ese reclamo (nemo iudex sino actore y ne procedat iudex ex officio) y por otra

parte a la possibilidad de resistencia del imputado frente a la imputacioacuten que se le atribuyerdquo MAIER Julio

B J Op cit p 207 120

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 38 121

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Breves notas sobre o Anteprojeto de Lei que objetiva modificar o

Coacutedigo de Processo Penal no atinente agrave investigaccedilatildeo policial Revista Cejap 29-10 Campinas Millenium

set 2000

28

investiga coopera com o desenho da acusaccedilatildeo comprometendo-se subjetivamente com os

seus termosrdquo122

Dessa forma uma das consequecircncias diretas do modelo acusatoacuterio manifestada na

fase investigativa eacute o destaque das funccedilotildees do Ministeacuterio Puacuteblico e sua participaccedilatildeo na fase

preparatoacuteria na medida em que o coloca como destinataacuterio das investigaccedilotildees e controlador

externo da atividade policial impossibilitando a construccedilatildeo de uma estrutura proacutexima aos

ldquojuizados de instruccedilatildeordquo123

Por isso especificamente em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal eacute

caracteriacutestica essencial do sistema acusatoacuterio a exigecircncia de que a investigaccedilatildeo fique a

cargo de oacutergatildeo distinto do julgador que deve assumir papel passivo na fase investigatoacuteria

de controle da legalidade da investigaccedilatildeo decidindo apenas quando provocado Busca-se

veementemente coibir no sistema acusatoacuterio a atuaccedilatildeo investigativa do juiz

Assim segundo Antonio Scarance Fernandes historicamente em locais onde

imperou o sistema acusatoacuterio a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda agrave poliacutecia Mais recentemente haacute

propensatildeo em atribuir ao Ministeacuterio Puacuteblico a supervisatildeo da investigaccedilatildeo124

De qualquer forma vale ressaltar que determinadas medidas por estarem inseridas

no acircmbito de atribuiccedilotildees exclusivas das autoridades dotadas de poderes jurisdicionais

como as cautelares pessoais e reais as interceptaccedilotildees telefocircnicas as buscas e apreensotildees

domiciliares soacute podem ser intentadas pela autoridade investigante apoacutes autorizaccedilatildeo do juiz

que nesse mister funcionaraacute como garantidor da legalidade do procedimento

investigatoacuterio podendo o investigado a ele recorrer sempre que for cometido algum abuso

em seu desfavor125

122

ZILLI Marcos Alexandre Coelho Os atores e seus papeacuteis Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ediccedilatildeo especial

CPP ago-2010 123

CHOUKR Fauzi Hassan Informes Nacionales Brasil In MAIER Julio B J AMBOS Kai

WOISCHNIK Jan (Coord) Las Reformas Procesales Penales en America Latina Buenos Aires AD HOC

2000 p 146 124

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 81 125

IBID p 73

29

32 Sistema inquisitoacuterio

O sistema inquisitoacuterio desenvolveu-se sobretudo na Roma Imperial ndash sua fonte

juriacutedica de inspiraccedilatildeo foi exatamente o Direito romano imperial (cognitio extra ordinem) ndash

e na Europa sobretudo a continental126

durante o seacuteculo XIII ateacute o seacuteculo XVIII127

Historicamente surge quando devido a mudanccedilas poliacuteticas desapareceram as

circunstacircncias que mantinham a forma acusatoacuteria que cai completamente em desuso no

seacuteculo XVI De acordo com Eugenio Florian a nova forma nasce especialmente por obra

da Igreja128

Teve iniacutecio com Inocecircncio III e foi colocada em praacutetica em virtude de vaacuterios

decretos de Bonifaacutecio VIII A famosa Ordenanccedila Criminal de Luis XIV toda dedicada ao

procedimento representa a plena e definitiva codificaccedilatildeo do procedimento inquisitoacuterio129

O processo inquisitivo portanto emergiu em Roma sendo jaacute permitido que o juiz

iniciasse o processo de ofiacutecio e ao atingir a Idade Meacutedia por influecircncia da Igreja passou

a dominar a Europa continental a partir do Conciacutelio de Lateranense de 1215130

Foi

trazido na realidade pelo Direito Canocircnico mas logo foi percebido pelos soberanos como

um mecanismo poderoso espalhando-se entre os Tribunais seculares que o transformaram

em instrumento de dominaccedilatildeo131

A inquisiccedilatildeo eacute o sistema processual que corresponde agrave ideia de poder central

absoluto isto eacute agrave centralizaccedilatildeo do poder de forma a que todos os atributos decorrentes da

soberania se concentram nas matildeos de uma soacute pessoa132

O iacutenfimo valor da pessoa humana

126

ldquoLa fuente juriacutedica de inspiracioacuten fue el Derecho romano imperial de la uacuteltima eacutepoca (cognitio extra

ordinem) con su tenue introduccioacuten de los rasgos principales de la Inquisicioacuten conservado por la Iglesia y

perfeccionado por el Derecho canoacutenico el cual a su vez constituyo la fuente donde abrevoacute la Inquisicioacuten

laica de paso triunfante por toda Europa continental a partir del siglo XIIIrdquo MAIER Julio B J Op cit p

210 127

ldquoEl procedimento inquisitivo se extendioacute por toda Europa continental triunfando sobre el Derecho

germano y la organizacioacuten sentildeorial (feudal) de la administracioacuten de justicia desde el siglo XIII hasta el

siglo XVIIIrdquo IBID p 213 128

FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 Nesse sentido Julio B J Maier ldquoDesde el punto de vista

histoacuterico-poliacutetico la afirmacioacuten de universaliad de la Iglesia Catoacutelica (Derecho canoacutenico) y la formacioacuten de

los Estados nacionales bajo el reacutegimen de la monarquiacutea absoluta y sus luchas de predominio contra los

ldquoinfielesrdquo por una parte y contra el poder feudal por la outra condujeron necessariamente a este tipo de

procedimientordquo MAIER Julio B J Op cit p 213 129

FLORIAN Eugenio Opcit p 65-66 130

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 94 131

IBID p 94 132

Segundo Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquojustamente pela centralizaccedilatildeo de poderes eacute que o sistema

inquisitoacuterio historicamente esteve associado a estruturas poliacuteticas igualmente centralizadas como por

30

frente agrave ordem social traduz-se em um procedimento penal que reduz o imputado a um

mero objeto de investigaccedilatildeo e autoriza a utilizaccedilatildeo de qualquer meio por mais cruel que

seja para alcanccedilar seu objetivo de reprimir aquele que perturba a ordem social Daiacute se

extraem as maacuteximas fundamentais do sistema inquisitivo a persecuccedilatildeo penal puacuteblica dos

delitos e o procedimento dirigido ao objetivo principal de descoberta da verdade histoacuterica

com a utilizaccedilatildeo de todos os meios necessaacuterios para tanto133

De acordo com Luigi Ferrajoli caracteriza-se como inquisitvo todo sistema

processual donde el juez procede de oficio a la buacutesqueda recoleccioacuten y valoracioacuten de las

pruebas llegaacutendose al juicio despueacutes de una instruccioacuten escrita y secreta de la que estaacuten

excluidos o en cualquier caso limitados la contradiccioacuten y los derechos de la defensardquo134

Jaacute Paolo Tonini define o sistema inquisitoacuterio como o modelo de procedimento

penal ldquoche egrave caratterizzato da due princigravepi dal principio di autoritagrave secondo cui la veritagrave

egrave meglio accertata quanti piugrave poteri sono attribuiti al giudice e dal principio del cumulo

delle funzioni processuali di accusa di defesa e di giuridizio in un unico soggetto il

giudicerdquo135

elencando dentre suas caracteriacutesticas principais as seguintes ldquoil giudice inizia

il processo dufficio il processo si svolge in segreto e per scritto nel senso che il giudice

decide sulla base di dichiarazioni verbalizzate non vi egrave alcun limite allammissibilitagrave delle

prove limputato egrave presunto colpevole la regola egrave la carcerazione preventiva136

Especifica-se portanto pela concentraccedilatildeo dos poderes processuais penais nas matildeos

de um uacutenico oacutergatildeo Assim perseguir acusar e decidir satildeo atividades exercidas por uma

uacutenica pessoa que normalmente eacute referida por inquisidor137

Julio J B Maier aponta como principais caracteriacutesticas inerentes a esse modelo (i)

a organizaccedilatildeo hieraacuterquica da jurisdiccedilatildeo penal cujo detentor invariavelmente eacute o monarca

exemplo nos diversos Estados absolutistasrdquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 40 133

MAIER Julio B J Op cit p 209 134

FERRAJOLI Luigi Op cit p 564 135

O modelo inquisitoacuterio eacute aquele caracterizado por dois princiacutepios o da autoridade segundo o qual a

verdade eacute melhor apurada quanto maiores os poderes atribuiacutedos ao juiz e o da acuacutemulaccedilatildeo das funccedilotildees

processuais de acusaccedilatildeo defesa e julgamento por um uacutenico sujeito o juiz TONINI Paolo Op cit p 26 136

O juiz inicia o processo de ofiacutecio o processo de desenvolve em segredo e por escrito natildeo haacute limites para

a admissibilidade das provas o acusado eacute presumido culpado e a regra eacute a prisatildeo preventive IBID p 26 137

ldquoLa caracteriacutestica fundamental del enjuiciamiento inquisitivo reside en la concentracioacuten del poder

procesal en una uacutenica mano la del inquisidor a semejanza de la reunioacuten de los poderes de la soberaniacutea

(adminstrar legislar e juzgar) en una uacutenica persona seguacuten el reacutegimen poliacutetico del absolutismo Perseguir y

decidir no soacutelo eran labores que se concentraban en el inquisidor sino que representaban una uacutenica y

misma tarea ()rdquo MAIER Julio B J Op cit p 210

31

que a delega a funcionaacuterios subordinados que por sua vez a exercem em seu nome (ii) o

poder de perseguir e acusar se confunde com o de julgar sendo por isso exercidos pelo

mesmo oacutergatildeo o inquisidor (iii) o acusado representa um objeto da persecuccedilatildeo e natildeo um

sujeito de direitos (iv) o procedimento consiste em uma investigaccedilatildeo secreta escrita e

descontiacutenua inexistindo os debates orais (iv) o sistema das provas legais predomina isto

eacute a lei estipula criteacuterios riacutegidos para admitir um fato como elemento haacutebil para a formaccedilatildeo

da convicccedilatildeo sendo a confissatildeo do reacuteu tida como a rainha das provas (v) o sistema de

recursos reflete a forma hierarquizada de organizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo penal138

Podem ser citadas ainda a inexistecircncia de contraditoacuterio e o caraacuteter meramente

decorativo da defesa139

A extrema oposiccedilatildeo com o sistema acusatoacuterio eacute portanto evidente e se traduz em

caracteriacutesticas totalmente diversas no procedimento140

Em relaccedilatildeo agrave fase preliminar da persecuccedilatildeo penal de acordo com Antonio Scarance

Fernandes nos sistemas inquisitoriais a competecircncia para a investigaccedilatildeo foi atribuiacuteda

historicamente ao juiz de direito o qual agia apoacutes uma investigaccedilatildeo inicial da poliacutecia

Uma vez encerrada a investigaccedilatildeo pelo juiz o processo era iniciado a partir dos dados

levantados com miacutenimo espaccedilo para a defesa O objetivo do processo era constranger o

acusado a confirmar os elementos colhidos durante a fase de apuraccedilatildeo do crime por meio

de sua confissatildeo sendo para tanto autorizada a utilizaccedilatildeo da tortura141

Isso porque no sistema inquisitoacuterio prevalece a busca da verdade material que se

vale para ser alcanccedilada da atividade probatoacuteria do magistrado competente para julgar o

processo

Na verdade de acordo com Jacinto Nelson de Miranda Coutinho a caracteriacutestica

138

MAIER Julio B J Op cit p 210-212 139

NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 109 140

MAIER Julio B J Op cit p 210 Nas palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho portanto ldquoo

processo de tipo inquisitoacuterio eacute a antiacutetese do acusatoacuteriordquo De acordo com o autor ldquoinexistem as regras de

liberdade e igualdade processuais uma vez que natildeo haacute o contraditoacuterio Como consequecircncias de as funccedilotildees

de acusar defender e julgar encontrarem-se enfeixadas numa soacute pessoa o Juiz eacute ele quem inicia de ofiacutecio

o processo quem recolhe as provas e a final profere a decisatildeo podendo no curso do processo submeter o

acusado a torturas a fim de obter a rainha das provas que eacute a confissatildeo O processo eacute secreto e escrito

Nenhuma garantia se confere ao acusado que aparece em uma situaccedilatildeo de tal subordinaccedilatildeo que se

transfigura e se transmuda em objeto do processo e natildeo em sujeito de direitordquo TOURINHO FILHO

Fernando da Costa Op cit p 94 141

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 78

32

essencial do sistema inquisitoacuterio estaacute na gestatildeo da prova atribuiacuteda principalmente ao

magistrado que em geral a reuacutene de modo secreto A vantagem de tal estrutura segundo o

autor consistiria em que o juiz poderia ter conhecimento da verdade dos fatos ndash de todos

os fatos penalmente relevantes inclusive aqueles natildeo contidos na acusaccedilatildeo vale ressaltar ndash

mais faacutecil e amplamente dado o seu controle exclusivo e onipotente do processo em

qualquer de suas fases142

Nessa postura metodoloacutegica o papel do juiz na reuniatildeo do material probatoacuterio

adquire relevo em nome de um tratamento teacutecnico da questatildeo criminal e do interesse

puacuteblico O Estado com a funccedilatildeo preciacutepua de defesa da sociedade contra a crimialidade

passa a natildeo mais admitir o poder dispositivo das partes sobre as provas o que em uacutetlima

instacircncia signifca natildeo soacute a autonomia do julgador na apreciaccedilatildeo das provas mas tambeacutem a

ausecircncia de limites com relaccedilatildeo ao objeto da investigaccedilatildeo e aos meios utilizaacuteveis 143

Compete pois ao juiz tambeacutem investigar podendo vir a ter a iniciativa da

produccedilatildeo de prova em nome do objetivo dominante de alcanccedilar a pretensatildeo punitiva144

Nesse sistema portanto toda a atividade de investigaccedilatildeo preparatoacuteria e de instruccedilatildeo

processual era confiada a um uacutenico sujeito o juiz Na realidade sequer era possiacutevel

distinguir a atividade de investigaccedilatildeo e de instruccedilatildeo definitiva jaacute que todos os elementos

colhidos pelo juiz inquisidor eram considerados provas na medida em que suficientemente

aptas agrave formaccedilatildeo de seu convencimento145

33 Sistema misto

O sistema misto teve origem e sua primeira aplicaccedilatildeo na Franccedila146

O sistema

142

COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal In COUTINHO

Jacinto Nelson de Miranda (Coord) Criacutetica agrave Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro

Renovar 2001 p 24 143

SILVA Danielle Souza de Andrade e A atuaccedilatildeo do juiz no processo penal acusatoacuterio incongruecircncias no

sistema brasileiro em decorrecircncia do modelo constitucional de 1988 Porto Alegre Sergio Antonio Fabris

Editor 2005 p 45 144

REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm

113 145

CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 72 146

FLORIAN Eugenio Opcit p 66

33

inquisitorial foi reformado pela Revoluccedilatildeo Francesa jaacute que o que restava dele era o que

havia de mais odioso dando origem ao sistema misto que foi concretizado no Code

dinstruction criminelle de 1808 e se difundiu rapidamente entre os coacutedigos modernos147

O surgimento de um sistema misto deveu-se sobretudo agrave expansatildeo napoleocircnica e

ao triunfo das ideias que embasaram a Revoluccedilatildeo Francesa mediante a qual se difundiram

por toda a Europa continental os ideais de um processo penal fundado em premissas do

Iluminismo148

Em que pese a intenccedilatildeo originaacuteria dos revolucionaacuterios de regresso ao

sistema acusatoacuterio - criado pelos gregos aperfeiccediloado pela Repuacuteblica Romana e

conservado pela Inglaterra ndash na realidade a soluccedilatildeo que se impocircs foi outra com a sucessatildeo

dos diplomas legais revolucionaacuterios por outros que mantiveram caracteriacutesticas proacuteprias do

sistema inquisitoacuterio adicionadas a outras tiacutepicas do acusatoacuterio149

razatildeo pela qual eacute este

tambeacutem denominado de sistema inquisitoacuterio reformado150

Eugenio Florian justifica o nascimento do sistema misto com base na

impossibilidade salvo raras exceccedilotildees de os princiacutepios absolutos dominarem a realidade151

Nesse sentido Paolo Tonini ressalta que se deve observar que quase todas as formas de

processo penal desenvolvidas ao longo da histoacuteria satildeo de caraacuteter misto isto eacute congregam

elementos do sistema acusatoacuterio e do sistema inquisitoacuterio Todavia de acordo com a maior

parte dos estudiosos denomina-se especificamente ldquosistema mistordquo aquele que inspira o

Coacutedigo Francecircs de 1808 que tende a equilibrar as necessidades que inspiraram os dois

sistemas de um lado a proteccedilatildeo da sociedade contra o crime de outro a defesa do

acusado152

Ainda segundo o autor no sistema misto do Coacutedigo de 1808 a instruccedilatildeo eacute

predominantemente inquisitorial porque eacute secreta e conduzida por um juiz ainda que

147

IBID p 66-67 148

MAIER Julio B J Op cit p 218 149

IBID p 213-214 150

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 37 151

ldquoLos principios absolutos no pueden sino dificilmente dominar la realidad Lo absoluto podraacute gobernar

a lo sumo el mundo del espiacuteritu y esto explica que el desarrollo de estas formas termine com la decadencia

de las mismas y el nacimiento de una tercera no pura la forma mixta resultado de la combinacioacuten de las

otrasrdquo FLORIAN Eugenio Opcit p 66 152

ldquoOccorre premettere che quasi tutte le forme di processo penale che si sono manifestate nel corso della

storia sono di carattere misto cioegrave accolgono elementi del sistema inquisitorio e di quello accusatorio

Tuttavia da parte di molti studiosi si denomina ldquosistema mistordquo quello che ispira il coacutedice francese del

1808 Esso tende a contemperare le esigenze che ispirano i due sistemi da un lato la tutela della societagrave dal

crimine da un altro lato la difesa dellimputatordquo TONINI Paolo Op cit p 27

34

sejam acolhidas algumas caracteriacutesticas do sistema acusatoacuterio153

In particolare listruzione egrave svolta dal ldquogiudice istruttorerdquo egrave diversa

dallinquisizione in quanto sono presenti i seguenti temperamenti listruzione inizia

dopo che il pubblico ministero ha fatto formale richiesta al giudice istruttore

listruzione termina dopo che il pubblico ministero ha chiesto il proscioglimento o

il rinvio a giudizio egrave garantito allimputato il controllo giurisdizionale sulla

richiesta di rinvio a giudizi154

Jaacute o julgamento eacute predominantemente acusatoacuterio porque baseado no contraditoacuterio

entre as partes mas tambeacutem acolhe alguma caracteriacutestica do sistema inquisitoacuterio155

La fase del dibattimento egrave prevalentemente accusatoria ma egrave temperata dai

seguenti principi le domande ai testimoni sono rivolte dal presidente della corte

gli atti compiuti in segreto prima del dibattimento possono sia pure

eccezionalmente essere letti e su di essi puograve essere fondata la decisione156

Marcos Alexandre Coelho Zilli salienta que o sistema misto inquisitoacuterio reformado

ou napoleocircnico exprime claramente o caraacuteter relativamente hiacutebrido assumido por grande

parte dos ordenamentos processuais penais apoacutes a expansatildeo napoleocircnica Para ele

ldquoo descontentamento com as formas essencialmente inquisitoacuterias expresso

153

IBID p 27 154

A instruccedilatildeo realizada pelo ldquojuiz de instruccedilatildeordquo no sistema misto eacute diferente daquela realizada no sistema

inquisitivo porque haacute os seguintes temperamentos a instruccedilatildeo se inicia somente apoacutes a formalizaccedilatildeo de

pedido pelo Ministeacuterio Puacuteblico termina quando o Ministeacuterio Puacuteblico pede a absolviccedilatildeo ou formula a

denuacutencia ao acusado eacute garantida a revisatildeo judicial da denuacutencia IBID p 27 155

IBID p 27 156

A fase do julgamento eacute predominantemente acusatoacuteria mas eacute temperada pelos seguintes princiacutepios as

perguntas agraves testemunhas satildeo feitas apenas pelo presidente do tribunal atos praticados em segredo antes do

julgamento podem ainda que excepcionalmente ser lidos e podem fundamentar a decisatildeo IBID p 27

35

durante o Iluminismo e posteriormente concretizado na legislaccedilatildeo revolucionaacuteria

francesa traduziu uma mudanccedila radical de rota na tentativa de se buscar no

sistema inglecircs inspiraccedilatildeo para mudanccedilas da legislaccedilatildeo processual penal ateacute entatildeo

predominante na Europa continentalrdquo157

Segundo o autor ldquoo tempo indicou todavia o exagero da intenccedilatildeo original que foi

inviabilizada sobretudo por intransponiacuteveis muros culturaisrdquo158

O procedimento no sistema misto eacute divido em dois periacuteodos principais interligados

por um intermediaacuterio o primeiro consiste numa investigaccedilatildeo nos moldes inquisitivos mas

com certos limites o segundo passo intermediaacuterio objetiva analisar a viabilidade da

acusaccedilatildeo evitando processos inuacuteteis o terceiro formalmente acusatoacuterio consiste

especialmente num debate puacuteblico e oral perante o oacutergatildeo julgador com a presenccedila do

acusador e do acusado que culminaraacute com a absolviccedilatildeo ou condenaccedilatildeo do acusado com

base unicamente nos atos levados a cabo durante esse debate159

Em outros termos podemos dizer o processo no sistema misto agrave semelhanccedila do que

ocorria no sistema inquisitivo desenvolve-se em trecircs etapas a) investigaccedilatildeo preliminar b)

instruccedilatildeo preparatoacuteria e c) fase do julgamento Poreacutem enquanto no inquisitivo essas trecircs

etapas eram secretas natildeo contraditoacuterias escritas e as funccedilotildees de acusar defender e julgar

se concentravam nas matildeos do juiz no processo misto ou acusatoacuterio formal apenas as duas

primeiras fases satildeo secretas e natildeo contraditoacuterias A fase do julgamento se desenvolve de

forma oral puacuteblica e contraditoacuteria e as funccedilotildees de acusar defender e julgar satildeo entregues a

pessoas distintas160

Constituem pois seus traccedilos caracteriacutesticos consideradas as peculiaridades de cada

157

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A iniciativa p 42 158

IBID p 42 159

ldquo() consiste en dividir el procedimiento en dos periacuteodos principales enlazados por uno intermeacutedio el

primeiro es una investigacioacuten a la manera inquisitiva aunque con ciertos limites que reconoce la necesidad

del Estado como persecutor penal de informarse previo a acusar penalmente a alguien ante un tribunal

judicial el segundo paso intermedio busca la seriedade y pulcritud del requerimiento penal del Estado

antes de convocar al juicio puacuteblico evitando de esta manera juicios inuacutetiles y controlar las decisiones del

Estado que cierran la persecucioacuten penal antecipadamente sin juicio el tercero imitando formalmente el

juicio acusatoacuterio consiste principalmente en un debate puacuteblico y oral ante el tribunal de justicia con la

presencia ininterrompida del acusador y del acusado que culminaraacute con la absolucioacuten o la condena del

acusado fundadas unicamente en los actos llevados a cabo durante ese debaterdquo MAIER Julio B J Op cit

p 214-215 160

TOURINHO FILHO Fernando da Costa Op cit p 95-96

36

ordenamento (i) a jurisdiccedilatildeo penal eacute exercida por tribunais sendo legiacutetima em

determinados casos a participaccedilatildeo popular (ii) a persecuccedilatildeo penal eacute exercida na maioria

dos casos por um oacutergatildeo puacuteblico especiacutefico (iii) o acusado eacute considerado um sujeito de

direitos e sua posiccedilatildeo juriacutedica durante o processo eacute a de um inocente ateacute que venha a ser

considerado culpado razatildeo pela qual eacute o Estado acusador quem tem o ocircnus de provar a

culpabilidade e natildeo o acusado de demonstrar sua inocecircncia (iv) o procedimento traduz os

interesses puacuteblicos de perseguir e de impor a sanccedilatildeo ao agente assegurando-lhe

outrossim o respeito agrave sua liberdade (v) via de regra eacute iniciado por uma investigaccedilatildeo

preliminar a cargo do Ministeacuterio Puacuteblico ou do juiz de instruccedilatildeo e cujo objetivo eacute a coleta

de elementos necessaacuterios para o embasamento de uma acusaccedilatildeo (vi) segue-se a ele um

procedimento intermediaacuterio no qual julga-se a viabilidade da acusaccedilatildeo e finalmente pelo

procedimento principal que eacute ultimado com a prolaccedilatildeo de uma sentenccedila absolutoacuteria ou

condenatoacuteria (vii) o tribunal pode ser composto por juiacutezes leigos e profissionais ou apenas

por juiacutezes profissionais adotando-se o sistema do livre convencimento e (viii) as decisotildees

satildeo recorriacuteveis161

Como jaacute observado portanto no modelo misto a atividade investigatoacuteria eacute

entregue ao Ministeacuterio Puacuteblico ou ao juiz de instruccedilatildeo Para Antonio Scarance Fernandes

havendo ou natildeo previsatildeo para o contraditoacuterio nessa fase eacute certo que por vezes seraacute

necessaacuteria para o iniacutecio da instruccedilatildeo preliminar a obtenccedilatildeo de miacutenimos indiacutecios da praacutetica

de um crime a serem reunidos pela poliacutecia ou por qualquer outro oacutergatildeo ou sujeito162

Essa

investigaccedilatildeo preacutevia antecedente agrave instruccedilatildeo preliminar por ter natureza eventual e

precaacuteria natildeo afeta a essecircncia do sistema que continua a pressupor a figura do juiz (ou

promotor) instrutor sendo os demais atores dessa investigaccedilatildeo meros coadjuvantes seus163

161

MAIER Julio B J Op cit p 215 162

No sistema misto a instruccedilatildeo realizada pelo juiz eacute em regra precedida de atividade da poliacutecia agrave qual

incumbe reunir os primeiros elementos a respeito do fato e da autoria FERNANDES Antonio Scarance

Teoria p 79 163

CALABRICH Bruno Investigaccedilatildeo p 73-74

37

CAPIacuteTULO II A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL Agrave LUZ DO DEVIDO

PROCESSO

1 Investigaccedilatildeo criminal e o devido processo

Analisadas as principais caracteriacutesticas da investigaccedilatildeo preliminar nos diferentes

sistemas processuais o presente capiacutetulo seraacute dedicado ao exame da investigaccedilatildeo criminal

sob o enfoque do devido processo bem como agrave averiguaccedilatildeo das garantias dele decorrentes

que apesar de inicialmente reservadas para o processo jurisdicional passaram

gradativamente e como consequecircncia da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 da ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos garantidores e do

desenvolvimento do processo penal constitucional a ser reconhecidas jaacute na investigaccedilatildeo

criminal natildeo obstante conforme preceitua parcela consideraacutevel da doutrina tratar-se de

peccedila de caraacuteter informativo e feiccedilatildeo nitidamente administrativa

Antonio Scarance Fernandes afirma que a necessidade de previsatildeo de normas que

garantissem os direitos fundamentais do ser humano contra o forte poder estatal

intervencionista foi uma decorrecircncia loacutegica do desenvolvimento da relaccedilatildeo indiviacuteduo-

Estado164

Para isso as Constituiccedilotildees nacionais passaram a prever regras de vieacutes garantista

impondo o respeito aos direitos individuais natildeo soacute ao Estado mas agrave proacutepria sociedade

Segundo Joseacute Afonso da Silva o Brasil foi o primeiro a introduzir em seu texto

normas desse teor165

Ada Pellegrini Grinover no mesmo sentido afirma que o Brasil

pioneiro na positivaccedilatildeo constitucional dos direitos do homem tem preservado a tradiccedilatildeo de

reconhecer e assegurar as posiccedilotildees processuais das partes de modo a garantir as condiccedilotildees

necessaacuterias para a instauraccedilatildeo e o desenvolvimento de um processo justo166

Sustenta ainda que tanto em mateacuteria penal quanto substancial ou processual as

164

FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2010 p 11 165

SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p

170 166

GRINOVER Ada Pellegrini Novas Tendecircncias do Direito Processual Rio de Janeiro Forense

Universitaacuteria 1990 p13

38

Constituiccedilotildees brasileiras tecircm sido fartas em garantias especiacuteficas tais como a proibiccedilatildeo de

determinadas penas e a proteccedilatildeo da liberdade fiacutesica a ediccedilatildeo de normas disciplinadoras da

prisatildeo ilegal a elevaccedilatildeo da individualizaccedilatildeo e da incomunicabilidade da pena a princiacutepio

constitucional a proteccedilatildeo da integridade fiacutesica e moral do preso e finalmente a garantia

do contraditoacuterio e da ampla defesa167

Assim de acordo com Antonio Scarance Fernandes normas de garantia individual

foram sendo inseridas nas Constituiccedilotildees brasileiras jaacute desde a eacutepoca imperial sendo a

Constituiccedilatildeo atual nesse aspecto generosa jaacute que elenca em seu art 5ordm extenso rol de

regras destinadas a assegurar os direitos individuais e coletivos168

formando-se da uniatildeo

dos preceitos das anteriores Constituiccedilotildees com aqueles acrescentados pela atual um

conjunto de garantias que informam todo o sistema brasileiro

A Carta de 1988 delineda e promulgada no acircmbito dos anseios de liberdade e

redemocratizaccedilatildeo nacionais e em pleno avanccedilo e exaltaccedilatildeo internacional da proteccedilatildeo dos

direitos humanos169

institucionaliza a instauraccedilatildeo de um regime poliacutetico democraacutetico no

Brasil e introduz inegaacutevel progresso na consolidaccedilatildeo legislativa das garantias e direitos

fundamentais A partir dela os direitos humanos ganham especial relevo situando-a como

o documento mais amplo e detalhado sobre os direitos humanos jaacute adotado no Brasil170

Eacute importante ressaltar que nem todas as garantias constitucionais do processo estatildeo

expressas nos incisos do art 5ordm da Constituiccedilatildeo permanecendo sob a eacutegide da foacutermula

geneacuterica do sect 2ordm ldquoOs direitos e garantias expressos nesta Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros

decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos tratados internacionais

em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo171

Portanto aleacutem dos direitos e

garantias expressos na Constituiccedilatildeo muitos outros podem derivar dos princiacutepios que ela

adota

Assim uma mera anaacutelise superficial do atual texto constitucional eacute suficiente para

se verificar a multiplicaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos ldquogarantidoresrdquo relacionados agrave

167

IBID p13-14 168

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 18 169

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo de Inocecircncia no Processo Penal Brasileiro Anaacutelise de sua

estrutura normativa para a elaboraccedilatildeo legislativa e para a decisatildeo judicial Rio de Janeiro Lumen Juris 2010

p 190 170

PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva

2008 p 24 171

GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 106

39

atuaccedilatildeo do aparelho repressivo com o propoacutesito de ajustar o processo penal aos valores

democraacuteticos que prosperaram no trabalho constituinte172

Isso porque o contexto no qual inseridas as atividades parlamentares da eacutepoca de

plena reconstruccedilatildeo do Estado de direito ocasionou inevitavelmente a adoccedilatildeo de uma

ordem instrumental penal totalmente inovadora e radicalmente diversa daquela que

inspirou o Coacutedigo de Processo Penal vigente elaborado sob a eacutegide de um outro momento

soacutecio-poliacutetico e de estrutura fortemente autoritaacuteria A atual Carta Constitucional por sua

vez elegeu um aparelho processual repressivo de matriz acusatoacuteria que prestigia a

separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal atingindo

inclusive a proacutepria estrutura das instituiccedilotildees ligadas agrave poliacutetica de seguranccedila puacuteblica173

Aleacutem disso Antonio Scarance Fernandes ressalta que especialmente apoacutes as

guerras mundiais os paiacuteses firmaram declaraccedilotildees conjuntamente ricas em normas

garantidoras almejando exatamente que seus signataacuterios assumissem o compromisso de

respeitar os direitos fundamentais do indiviacuteduo em seus territoacuterios 174

Afirma ele que no plano processual esse garantismo constitucional eacute consequecircncia

da necessaacuteria relaccedilatildeo que liga processo e Estado Assim ldquodo iacutentimo relacionamento entre

processo e Estado deriva a introduccedilatildeo cada vez maior nos textos constitucionais de

princiacutepios e regras de direito processualrdquo175

o que leva ao desenvolvimento de estudos

especiacuteficos sobre as normas processuais de iacutendole constitucional

Para Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegini Grinover e Cacircndido Rangel

Dinamarco ldquoeacute inegaacutevel o paralelo existente entre a disciplina do processo e o regime

constitucional em que o processo se desenvolverdquo176

De acordo com Ada Pellegrini Grinover ldquoa cada dia que passa acentua-se a

ligaccedilatildeo entre Constituiccedilatildeo e processo pelo estudo dos institutos processuais natildeo mais

colhidos na esfera fechada do direito processual mas no sistema unitaacuterio do ordenamento

172

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias Constitucionais na Investigaccedilatildeo Criminal 2ordf ed Rio de Janeiro

Lumen Juris 2001 p 08 173

IBID p 08- 09 174

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 11 175

IBID p 15 176

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel

Teoria Geral do Processo 22ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2006 p 84

40

juriacutedicordquo177

transformando o processo em garantia da liberdade

Natildeo eacute possiacutevel desse modo conceber-se o estudo do processo penal brasileiro

apartado de uma visatildeo claramente constitucional devendo ser este inserido no contexto

dos direitos e garantias fundamentais verdadeiros obstaacuteculos aos excessos do Estado

contra o indiviacuteduo parte nitidamente mais fraca nesse embate178

O direito processual constitucional assim eacute definido por Cintra Grinover e

Dinamarco como ldquoa condensaccedilatildeo metodoloacutegica e sistemaacutetica dos princiacutepios

constitucionais do processo179

rdquo consubstanciando-se num enfoque a partir do qual eacute

viabilizado o exame do processo em suas relaccedilotildees com a Constituiccedilatildeo180

A partir do direito processual constitucional firma-se entatildeo o processo penal

constitucional como meacutetodo de anaacutelise do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal181

Assim com a evoluccedilatildeo e o desenvolvimento do direito as normas constitucionais

do processo abandonam o caraacuteter de princiacutepios meramente programaacuteticos e assumem a

natureza de verdadeiras normas juriacutedicas delas decorrendo de acordo com Rogeacuterio Lauria

Tucci a orientaccedilatildeo determinante da ediccedilatildeo das normas que disciplinam o processo

penal182

de forma que o seu descumprimento caracteriza a ocorrecircncia de

inconstitucionalidade material

Entretanto ressalta Grinover

Mas o importante natildeo eacute apenas realccedilar que as garantias do acusado ndash que

satildeo repita-se garantias do processo e da jurisdiccedilatildeo ndash foram alccediladas a niacutevel

constitucional pairando sobre a lei ordinaacuteria agrave qual informam O importante eacute ler

as normas processuais agrave luz dos princiacutepios e das regras constitucionais Eacute verificar

a adequaccedilatildeo das leis agrave letra e ao espiacuterito da Constituiccedilatildeo Eacute vivificar os textos

legais agrave luz da ordem constitucional Eacute como jaacute se escreveu proceder agrave 177

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 15 178

NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 71-72 179

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op

cit p 85 180

IBID p 85 181

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 16 182

TUCCI Rogerio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo

Saraiva 1993 p 48

41

interpretaccedilatildeo da norma em conformidade com a Constituiccedilatildeo E natildeo soacute em

conformidade com sua letra mas tambeacutem com seu espiacuterito Pois a interpretaccedilatildeo

constitucional eacute capaz por si soacute de operar mudanccedilas informais na Constituiccedilatildeo

possibilitando que mantida a letra o espiacuterito da lei fundamental seja colhido e

aplicado de acordo com o momento histoacuterico que se vive183

Logo a relaccedilatildeo entre o processo penal o direito constitucional natildeo pode ser

vislumbrada como se este uacuteltimo fosse uma ciecircncia anaacuteloga ou um corpo de normas de

igual valor A visatildeo constitucional de direito e democracia deve ser o ponto de partida para

alcanccedilar-se a partir disso uma correta e ampla visatildeo do processo penal184

Isso porque a regulamentaccedilatildeo do processo penal pelo Estado eacute feita a partir dos

valores poliacuteticos predominantes O sistema instrumental penal eacute pois notoriamente

dominado pelo conceito de seguranccedila que natildeo eacute imutaacutevel mas deriva de determinado

processo histoacuterico e que apresenta na outra extremidade o confronto com o respeito agraves

liberdades individuais de modo a criar um cenaacuterio de intensa conflituosidade cuja

estabilidade soacute pode ser alcanccedilada pela adesatildeo aos primados garantidores que se

extravasam no modelo acusatoacuterio de processo como reflexo direto de um determinado

modelo teoacuterico de Estado o democraacutetico de direito construiacutedo a partir da Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 Isto eacute a consquista do equiliacutebrio desejaacutevel entre os ideais de seguranccedila e

liberdade individual depende necessariamente da adoccedilatildeo de regras que serviratildeo para

sopesar os interesses das partes em jogo e que penderatildeo de acordo com o momento

histoacuterico para um ou para outro lado185

Portanto a partir da sistematizaccedilatildeo e organizaccedilatildeo do estudo do processo penal

constitucional como visto tornou-se imprescindiacutevel que a anaacutelise do processo penal seja

feita agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal em conformidade com os princiacutepios constitucionais e

sob a perspectiva dos direitos fundamentais

Segundo Fauzi Hassan Choukr a preocupaccedilatildeo com o assunto no cenaacuterio particular

da investigaccedilatildeo criminal foi intesificada porque os limites teoacutericos que lhe eram impostos

183

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 14-15 184

NUCCI Guilherme de Souza Op cit p 72 185

IBID p 14

42

se mostraram demasiadamente estreitos para a extensatildeo de problemas que surgia186

Assim

apesar de a investigaccedilatildeo criminal ser considerada uma peccedila meramente informativa

passou-se a compreendecirc-la como um verdadeiro atentado ao status dignitatis do

investigado tendo essa posiccedilatildeo sido apoiada por grande parcela da doutrina mais

esclarecida187

O indiviacuteduo submetido a inqueacuterito policial agora deve ser reconhecido como titular

de direitos e sujeito do procedimento natildeo mais somente como sujeito ao procedimento188

De acordo com Marta Saad ao indiviacuteduo deve ser assegurada a posiccedilatildeo de sujeito e titular

de direitos sempre natildeo importando a fase em que o procedimento se encontre ldquoOs direitos

e garantias constitucionais natildeo tecircm limites especiais nem obedecem a procedimentos

simplesmente devem ser obedecidos semprerdquo189

Portanto os princiacutepios constitucionais devem ter sua incidecircncia reconhecida na

persecuccedilatildeo penal como um todo seja na fase inquisitorial seja na fase processual visando

tatildeo somente amoldar nosso sistema aos ideais acusatoacuterios e livraacute-lo de seus resquiacutecios

inquisitoriais para que assim possam ser concretizados os direitos fundamentais e um

processo penal mais justo190

Em face de tal objetivo ainda na fase preliminar da persecuccedilatildeo criminal devem

obrigatoriamente ser respeitados os direitos e garantias fundamentais como expressotildees da

dignidade da pessoa humana na busca de uma instruccedilatildeo processual justa natildeo se perdendo

de vista a exigecircncia do Estado Democraacutetico de Direito de uma interpretaccedilatildeo constitucional

do direito processual penal191

Eacute do texto constitucional pois que deve advir a leitura dos direitos do investigado

assim como dos tratados internacionais no campo dos direitos fundamentais dos quais o

Brasil eacute signataacuterio em especial do Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica cuja inserccedilatildeo em

nosso Direito positivo consoante melhor doutrina se daacute em sede constitucional 192

-193

186

IBID p 07 187

IBID p 07 188

SAAD Marta O direito p 205-206 189

IBID p 206 190

BORGES Fernando Afonso Cardoso O direito ao contraditoacuterio e ampla defesa na fase inquisitoacuteria do

processo penal Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Acesso em 23042013 191

IBID 192

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial novas tendecircncias e praacuteticas Boletim IBCCRIM nordm 83 Esp

Outubro 1999

43

Essa forma de compreender a investigaccedilatildeo criminal revela-se de grande valia na

medida em que esta significa invariavelmente uma maneira de intromissatildeo do Estado na

liberdade individual situaccedilatildeo esta justificada a princiacutepio pela suspeita razoavelmente

fundada de que o agente tenha cometido uma conduta tipica que reclama a apreciaccedilatildeo pelo

sistema repressivo194

Assim o caminho estaacute livre para que passem a ser introduzidas nessa fase as

garantias constitucionais apropriadas ao exerciacutecio da missatildeo do Estado Devem ser

consideradas no exame das garantias incidentes a finalidade e a natureza da peccedila

investigatoacuteria de modo a buscar conciliar sua essecircncia com os limites da invasatildeo pelo

Estado na liberdade individual195

atraveacutes de uma interpretaccedilatildeo constitucional dos

dispositivos processuais penais Afinal a integridade do sistema constitucional depende do

valor que se atribua agrave liberdade individual e ao reconhecimento do status do acusado como

sujeito de direitos e natildeo mero objeto de investigaccedilatildeo ainda que estejamos diante de uma

acusaccedilatildeo informal como ocorre no inqueacuterito policial196

Neste ponto eacute necessaacuterio ressaltar que a investigaccedilatildeo criminal conteacutem em si talvez

o impasse elementar do processo penal que eacute o equacionamento e sopesamento dos

valores seguranccedila e liberdade197

sendo faacutecil a compreensatildeo da quase impossibilidade de

soluccedilatildeo dessa equaccedilatildeo da maneira como ela eacute posta198

Nesses termos a incidecircncia das garantias constitucionais jaacute na investigaccedilatildeo

criminal naquilo que for condizente com a sua natureza e finalidade segundo Fauzi

Hassan Choukr aparece como um ldquopasso adianterdquo na construccedilatildeo de um processo penal

garantidor entendida esta expressatildeo como sendo ldquoo arcabouccedilo instrumental penal uma

forma baacutesica de proteccedilatildeo da liberdade individual contra o arbiacutetrio do Estadordquo199

Apresentado o modelo acusatoacuterio e garantista que deve ser aplicado agrave investigaccedilatildeo

193

Haacute respeitaacutevel corrente doutrinaacuteria no sentido de que por forccedila do disposto no art 5ordm sect 2ordm da

Constituiccedilatildeo os tratados internacionais de direitos humanos tecircm status constitucional Entretanto o Supremo

Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinaacuterio nordm 466343SP decidiu que tratados

internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal STF Pleno

RExt nordm 466343SP rel Min Cezar Peluso j 22112006 194

SAAD Marta O direito p 07 195

IBID p 07-08 196

SAAD Marta Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash

2006 197

SAAD Marta O direito p 12 198

IBID p 12 199

IBID p 15-16

44

criminal passaremos a analisar o devido processo legal seu conteuacutedo e evoluccedilatildeo histoacuterica

de forma a possibilitar a anaacutelise posterior que aqui se pretende de algumas das garantias

incidentes na investigaccedilatildeo criminal e que guardam maior pertinecircncia com o tema do juiz

das garantias objeto do presente estudo

11 Devido Processo origem e evoluccedilatildeo histoacuterica

O ponto de partida para a definiccedilatildeo do direito a um processo equitativo eacute

invariavelmente a experiecircncia constitucional norte americana do due process of law cujas

origens costumam reconduzir-se aos esquemas garantiacutesticos da Magna Carta

particularmente o artigo 39 deste documento200

Joatildeo Sem Terra forccedilado por seus barotildees outorga em 1215 a Magna Charta

Libertatum que segundo Ada Pellegrini Grinover constitui com os demais pactos

medievais um antecedente das modernas Constituiccedilotildees no que diz respeito agrave forma escrita

e agrave proteccedilatildeo de direitos individuais ainda que de caraacuteter imemorial e destinados a

determinados homens201

Pela primeira vez a nobreza opotildee ao monarca o princiacutepio da supremacia de uma lei

que se impotildee ao proacuteprio governante antecipando a ideia fundamental de

constitucionalismo do seacuteculo XVIII202

Entre as principais garantias da Magna Carta senatildeo a mais importante elenca-se a

do artigo 39

ldquoNo freemen shall be taken or imprisoned or disseised or outlawded or

exiled or in any way destroyed nor will we go upon him nor will we send upon

him except by the legal judgment of his peers or by the law of the landrdquo

200

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 4ordf ed Coimbra

Almedina 2000 p 480 201

GRINOVER Ada Pellegrini As Garantias Constitucionais do Direito de Accedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos

Tribunais 1973 p 23 202

IBID p 24-25

45

De acordo com Ada Pellegrini Grinover o artigo 39 da Magna Carta constitui sem

duacutevida o antecedente direto da claacuteusula due process of law da Constituiccedilatildeo norte-

americana203

No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes leciona que a origem da garantia do devido

processo reside na Great Charter de Joatildeo Sem Terra de 15 de junho de 1215 que jurou

respeitar os direitos e as liberdades das pessoas sem cometer arbiacutetrios204

Assim qualquer

restriccedilatildeo aos direitos agrave vida liberdade ou propriedade desde entatildeo soacute poderia ser feita by

the law of the land205

A foacutermula ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo de acordo com Joseacute Joaquim Gomes

Canotilho natildeo era poreacutem suficientemente clara Segundo ele natildeo surpreende pois que

na interpretaccedilatildeo posterior da Carta feita por Eduardo III em 1354 natildeo seja utilizada a

expressatildeo ldquode harmonia com a lei do paiacutesrdquo mas uma foacutermula semanticamente mais rica

mas tambeacutem indefinida processo devido em direito (ou devido processo legal)206

Assim a expressatildeo due process of law em substituiccedilatildeo agrave law of the land eacute usada

pela primeira vez no estatuto de 1354 segundo o qual

ldquoNone shall be condemned without trial Also that no Man of what State

or Condition that he be shall be put out of the Land Tenement nor taken or

imprisoned nor disinherited nor put to death without being brought to Answer by

the due process of lawrdquo207

Segundo Luiz Flaacutevio Gomes a garantia do due process era a princiacutepio destinada a

poucos mas a proacutepria evoluccedilatildeo da cultura dos direitos humanos exigiu depois sua

203

IBID p 25 204

GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro

e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema

interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 184 205

IBID p 184 206

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 480 207

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25

46

extensatildeo a todos208

De acordo com ele ainda no seacuteculo XIV eram comuns as duas

expressotildees hoje intensamente difundidas ldquodue process of lawrdquo ou ldquoby the law of the

landrdquo que no seu significado original de maior extensatildeo consistia numa evidente

limitaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo do Poder Puacuteblico frente aos particulares209

Ateacute hoje segundo Ada Pellegrini Grinover ldquolaw of the landrdquo e ldquodue process of

lawrdquo satildeo usados como equivalentes210

Leciona a autora que a supremacia da Magna Carta sobre os poderes do Estado foi

sustentada na tentativa de oposiccedilatildeo aos poderes praticamente irrestritos do soberano que

invocava direitos contra o Parlamento e contra a autoridade judiciaacuteria sugerindo-se a

interpretaccedilatildeo do artigo 39 como garantia de um julgamento previsto pela common law

transformando-se a claacuteusula em garantia de um processo ldquolegalrdquo jaacute no sentido equivalente

agrave ideia moderna211

O conceito de law of the land eacute retomado pelas colocircnias da Ameacuterica do Norte e

posteriormente a expressatildeo due process of law da tradiccedilatildeo do direito inglecircs passaria para

a Constituiccedilatildeo natildeo soacute como garantia de legalidade mas ainda como garantia de justiccedila

vinculante para todos os poderes do Estado212

A claacuteusula natildeo eacute citada expressamente pela Declaraccedilatildeo de Independecircncia dos

Estados Unidos que se restringe ao reconhecimento do princiacutepio de que todos os homens

satildeo iguais por criaccedilatildeo e dotados de direitos inalienaacuteveis como a vida a liberdade e a busca

da felicidade213

A Convenccedilatildeo da Filadeacutelfia que aprova a Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da

Ameacuterica natildeo prevecirc a proteccedilatildeo de direitos individuais Tais garantias foram inscritas como

emendas agrave Constituiccedilatildeo aprovadas em 1791214

e especialmente quanto agrave claacuteusula do due

process of law ingressou no sistema constitucional como V Emenda assim redigida

208

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 184 209

IBID p 184 210

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 25 211

IBID p 25 212

IBID p 26 213

IBID p 27 214

IBID p 27

47

ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous

crime unless on a presentment or indictment of a Grand Jury except in cases

arising in the land or naval forces or in the Militia when in actual service in time

of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to be

twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to

be a witness against himself nor be deprived of life liberty or property without

due process of law nor shall private property be taken for public use without just

compensationrdquo

Por exercer o Bill of Rights a proteccedilatildeo agraves liberdades individuais somente contra

abusos dos oacutergatildeos federais com o tempo sentiu-se a necessidade de confiar aos mesmos

oacutergatildeos federais a garantia dos indiviacuteduos contra lesotildees praticadas tambeacutem pelo poder

estadual Nova emenda aprovada pelo Congresso e ratificada pelos Estados sob o nordm XIV

foi incorporada em 1868 agrave Constituiccedilatildeo215

Eacute esta a redaccedilatildeo da XIV Emenda

All persons born or naturalized in the United States and subject to the

jurisdiction thereof are citizens of the United States and of the state wherein they

reside No state shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or

immunities of citizens of the United States nor shall any state deprive any person

of life liberty or property without due process of law nor deny to any person

within its jurisdiction the equal protection of the laws

Assim a emenda teve aplicaccedilatildeo vasta e generalizada mormente no tocante agrave

afirmaccedilatildeo da claacuteusula no sentido de que somente atraveacutes de um processo legal possam ser

tangenciados bens como a vida a liberdade a propriedade representando a XIV Emenda

atualmente um dos elementos fundamentais do sistema constitucional norte-americano216

215

IBID p 28 216

IBID p 29

48

Segundo Joseacute Joaquim Gomes Canotilho a histoacuteria do processo entendido como

um processo poliacutetico cujos valores se voltam agrave defesa de direitos fundamentais tem iniacutecio

exatamente em torno dos Amendments V e XIV da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da

Ameacuterica217

De acordo com o autor a leitura basilar das Emendas relacionadas com o due

process of law pode sintetizar-se da seguinte forma

ldquoProcesso devido em direito significa a obrigatoriedade da observacircncia de

um tipo de processo legalmente previsto antes de algueacutem ser privado da vida da

liberdade e da propriedade Nestes termos o processo devido eacute o processo previsto

na lei para a aplicaccedilatildeo de penas privativas da vida da liberdade e da propriedade

Dito ainda por outras palavras lsquodue processrsquo equivale ao processo justo definido

por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicaccedilatildeo de sanccedilotildees

criminais particularmente gravesrdquo218

A acepccedilatildeo primitiva da claacuteusula do due process of law em resumo tanto no direito

inglecircs quanto no direito norte-americano nada mais evidencia que o princiacutepio do Estado

de Direito na particular perspectiva da atuaccedilatildeo jurisdicional ou seja natildeo pode o Estado

privar a vida ou a liberdade ou os bens de ningueacutem sem lei ou fora da lei219

A accedilatildeo do

Estado deve ser conforme o ordenamento juriacutedico imperante isto eacute per legem terrae

sobretudo no momento de dizer o direito em razatildeo do cometimento de uma infraccedilatildeo

penal220

Esta interpretaccedilatildeo baacutesica no entanto conforme liccedilatildeo de Joseacute Joaquim Gomes

Canotilho abre o caminho para uma outra leitura que consiste em enxergar o processo

devido como processo justo tambeacutem de criaccedilatildeo legal de normas juriacutedicas sobretudo das

normas restritivas das liberdades dos cidadatildeos isto eacute o due process of law pressupotildee que o

processo legalmente previsto para aplicaccedilatildeo de penas seja ele proacuteprio um ldquoprocesso

217

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 218

IBID p 481 219

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 220

IBID p 185

49

devidordquo obedecendo aos tracircmites procedimentais formalmente estabelecidos na

constituiccedilatildeo ou delineados em regras regimentais das assembleacuteias legislativas221

Segundo

o autor ldquoprocedimentos justos e adequados moldam a actividade legiferante Dizer o

direito segundo um processo justo pressupotildee que justo seja o procedimento de criaccedilatildeo

legal dos mesmos processosrdquo222

Esta nova leitura de acordo com Ada Pellegrini Grinover tem origem no fato de

que com o passar do tempo observou-se que a variaccedilatildeo de acordo com a evoluccedilatildeo da

consciecircncia comum eacute inerente ao conceito de due process223

uma vez que justiccedila e due

process of law satildeo conceitos histoacutericos e circunstanciais cujo teor pode modificar-se

conforme a evoluccedilatildeo da consciecircncia juriacutedica e poliacutetica de um paiacutes224

Assim o due process of law natildeo consiste num conceito abstrato e dele natildeo provecircm

conclusotildees absolutas aplicaacuteveis em qualquer circunstacircncia de tempo ou lugar Eacute pois ldquoum

standard que guia o tribunal e o standard haacute de aplicar-se com vistas a circunstacircncias

especiais de tempo de lugar e de opiniatildeo puacuteblicardquo225

Portanto pode-se dizer que a claacuteusula do due process agrave medida que natildeo retrata a

projeccedilatildeo de um processo eterna e permanentemente ideal eacute uma proposiccedilatildeo repleta de

lacunas cujo preenchimento varia conforme as condiccedilotildees histoacuterico-poliacuteticas e econocircmico-

sociais do momento sendo o seu fundamento objetivo somente passiacutevel de individuaccedilatildeo

em uma perspectiva histoacuterica226

A claacuteusula imprecisa em seu sentido literal constitui-se portanto no fundamento

constitucional para possibilitar o controle do exerciacutecio do Poder Legislativo pelo

Judiciaacuterio Natildeo obstante o claro sentido processual devotado agrave clausula em sua tradiccedilatildeo

histoacuterica foi-se impondo um conceito substantivo de due process of law decorrente do

amplo significado por ela subsumido quando foi reconduzida a um criteacuterio de

reasonableness227

Nesse sentido Luiz Flaacutevio Gomes ressalta que a limitaccedilatildeo do Estado somente do

221

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 481 222

IBID p 481 223

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 32-33 224

IBID p 34 225

IBID p 34 226

IBID p 35 227

IBID p 35

50

ponto de vista procedimental exigindo-lhe obediecircncia ao ldquoprocesso justordquo definido em lei

natildeo eacute suficiente228

Para o autor a imposiccedilatildeo de limites agrave elaboraccedilatildeo juriacutedica das

formalidades legais eacute tatildeo relevante quanto a exigecircncia de observacircncia das formalidades

legais devidas pois de nenhuma valia o estabelecimento de limites formais agrave atuaccedilatildeo

estatal se ela natildeo conta com obstaacuteculos no exato momento da formulaccedilatildeo dessas mesmas

regras juriacutedicas primordialmente as que se destinam a restringir a liberdade das pessoas229

Por fim leciona o autor

Justo ou devido portanto deve ser natildeo soacute o processo senatildeo tambeacutem o

proacuteprio procedimento de elaboraccedilatildeo da lei seja no aspecto formal seja no

substancial (material) porque o legislador natildeo pode transformar em ldquoprocesso

devidordquo o que eacute por natureza arbitraacuterio desproporcional e indevido230

Joseacute Joaquim Gomes Canotilho ensina que a classificaccedilatildeo de um processo como

justo exige fundamentalmente a consideraccedilatildeo de duas concepccedilotildees de ldquoprocesso devidordquo

ndash a concepccedilatildeo processual e a concepccedilatildeo material ou substantiva231

Segundo o autor na teoria processual o foco estaacute na observacircncia ou natildeo do

processo previsto em lei para a aplicaccedilatildeo de medidas privativas da vida liberdade ou

propriedade jaacute que ela restringe-se a dizer que uma pessoa ldquoprivadardquo dos seus direitos

fundamentais da vida liberdade e propriedade tem direito a exigir que essa privaccedilatildeo seja

feita por intermeacutedio de um processo especificado na lei232

Jaacute a teoria substantiva pretende justificar a ideia material de um processo justo pois

uma pessoa tem direito natildeo somente a um processo legal mas a um processo legal justo e

adequado sobretudo quando se trate de legitimar o sacrifiacutecio da vida liberdade e

propriedade dos particulares233

Segundo o autor ldquoo processo devido deve ser

materialmente informado pelos princiacutepios da justiccedila Mais do que isso o lsquoprocesso

228

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 185 229

IBID p 185 230

IBID p 185 231

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Op cit p 482 232

IBID p 482 233

IBID p 482

51

devidorsquo comeccedila por ser um processo justo logo no momento da criaccedilatildeo normativo-

legislativardquo234

Desse modo os objetivos da exigecircncia do devido processo dificilmente seriam

alcanccedilados se ao legislador fosse concedida liberdade para converter qualquer processo em

processo equitativo Por isso passaram a ser exigidos criteacuterios materiais informadores do

processo devido expressa ou implicitamente revelados pelas normas da Constituiccedilatildeo e

pelos usos e procedimentos estabelecidos no direito comum ou disposiccedilotildees ldquoestatutaacuteriasrdquo

Passou assim a falar-se de processo devido substantivo235

Isso porque o problema central da exigecircncia de um due process natildeo residiria

exclusivamente no procedimento legal mediante o qual algueacutem eacute declarado culpado e

punido por haver violado a lei mas sim no fato de a lei poder por si mesma conter a

ldquoinjusticcedilardquo privando uma pessoa de direitos fundamentais236

Agraves autoridades legiferantes

deve ser vedado o direito de disporem de modo arbitraacuterio da vida da liberdade e da

propriedade das pessoas237

Assim o sentido claacutessico do due process of law como garantia do reacuteu eacute substituiacutedo

por um de conteuacutedo mais amplo e maior acircmbito de proteccedilatildeo que natildeo distingue entre

substantive e procedure A claacuteusula transforma-se assim numa garantia geral da ordem

juriacutedica238

Duas portanto satildeo as emanaccedilotildees baacutesicas da claacuteusula original e que chegaram ateacute

nossos dias 1ordf) o ldquosubstantive due process of lawrdquo e 2ordf ) o ldquojudicial due process of lawrdquo

(tambeacutem conhecido como ldquofair trialrdquo ou ldquojudicial processrdquo ou ainda ldquodevido processo

procedimentalrdquo)239

Toda pessoa tem direito de exigir natildeo somente que qualquer restriccedilatildeo agrave sua

liberdade ou propriedade ocorra rigidamente conforme os ditames legais (ldquojudicial

processrdquo) senatildeo principalmente que o legislador observe o valor justiccedila tambeacutem no

momento de elaboraccedilatildeo dessas normas de tal modo a impedir-lhe que crie um arbitraacuterio e

234

IBID p 482 235

IBID p 482 236

IBID p 482 237

IBID p 482 238

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 35 239

GOMES Luiz FlaacutevioOp cit p 185

52

injusto conjunto normativo (ldquosubstantive processrdquo)240

Assim due process of law eacute numa concepccedilatildeo ampla a garantia do ldquoprocessordquo

legislativo e tambeacutem a garantia de que a lei eacute adequada razoaacutevel justa e contida nos

limites da Constituiccedilatildeo A claacuteusula natildeo mais se limita agrave determinaccedilatildeo processual de

direitos substanciais mas se estende agrave garantia de que seu gozo natildeo seja restringido de

modo discricionaacuterio ou imprudente241

Hoje podemos afirmar que a claacuteusula eacute interpretada no sentido de eliminar qualquer

obstaacuteculo desarrazoado agrave tutela substancial ou processual dos direitos individuais242

Desse

modo haveraacute violaccedilatildeo da due process clause natildeo somente quando forem descabidas as

formas teacutecnicas de exerciacutecio dos poderes processuais mas tambeacutem quando a proacutepria

configuraccedilatildeo dos substantive rigths possa prejudicar sua tutela condicionando

ldquoirrazoavelmenterdquo o resultado do processo243

Segundo Luiz Flaacutevio Gomes pode-se afirmar que do ponto de vista privado o

princiacutepio do devido processo agora entendido como procedimento dotado de regras

formais elaboradas com razoabilidade representa para toda pessoa um direito (puacuteblico

subjetivo) jaacute do ponto de vista puacuteblico (objetivo) mister salientar que esse mesmo ldquojusto

processordquo (substancial e procedimental) constitui uma garantia244

de relevacircncia crucial

para a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais para a tutela das partes no processo bem como

para a proacutepria legitimaccedilatildeo do exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo no Estado Democraacutetico de Direito245

Ada Pellegrini Grinover salienta que as posiccedilotildees de vantagens das partes no

processo se por um lado podem ser compreendidas como direitos puacuteblicos subjetivos

privilegiando o interesse individual sobre o social por outro lado podem ser percebidas

240

IBID p 185-186 241

GRINOVER Ada Pellegrini As garantias p 36 242

IBID p 38 243

IBID p 38 244

Sobre a distinccedilatildeo entre ldquodireitosrdquo e ldquogarantiasrdquo Rui Barbosa afirma que as disposiccedilotildees meramente

declaratoacuterias satildeo as que imprimem existecircncia legal aos direitos reconhecidos e as disposiccedilotildees assecuratoacuterias

satildeo as que em defesa dos direitos limitam o poder ldquoAquelas instituem direitos estas as garantias

ocorrendo natildeo raro juntar-se na mesma disposiccedilatildeo constitucional ou legal a fixaccedilatildeo da garantia com a

declaraccedilatildeo do direitordquo Repuacuteblica Teoria e Praacutetica Textos doutrinaacuterios sobre direitos humanos e poliacuteticos

consagrados na primeira Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica PetroacutepolisBrasiacutelia Vozes 1978 Joseacute Afonso da Silva

seguindo liccedilatildeo de Rui Barbosa salienta que em suma ldquoos direitos satildeo bens e vantagens conferidos pela

norma enquanto as garantias satildeo meios destinados a fazer valer esses direitos satildeo instrumentos pelos quais

se asseguram o exerciacutecio e gozo daqueles bens e vantagensrdquo Curso de Direito Constitucional Positivo 23ordf

ed Satildeo Paulo p 411 245

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 187

53

tambeacutem como garantias vale ressaltar natildeo somente das partes mas tambeacutem do justo

processo dando ecircnfase ao interesse geral na justiccedila da decisatildeo246

Essas garantias portanto relacionam-se ao proacuteprio processo o que constitui

segundo ela o enfoque completo e homogecircneo do conteuacutedo da claacuteusula do devido

processo legal

Garantias natildeo apenas das partes mas sobretudo da jurisdiccedilatildeo porque se

de um lado eacute interesse dos litigantes a efetiva e plena possibilidade de sustentarem

suas razotildees de produzirem suas provas de influiacuterem concretamente sobre a

formaccedilatildeo do convencimento do juiz do outro lado essa efetiva e plena

possibilidade constitui a proacutepria garantia da regularidade do processo da

imparcialidade do juiz da justiccedila das decisotildees247

Portanto as garantias constitucionais do devido processo legal passam a ser

entendidas natildeo mais apenas como garantias exclusivas das partes mas tambeacutem como

garantias indispensaacuteveis ao correto exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo

12 O devido processo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro

A claacuteusula do devido processo legal foi adotada expressamente pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 que em seu artigo 5ordm inciso LIV prevecirc que ldquoningueacutem seraacute privado da

liberdade ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo desmembrando em seguida o

conteuacutedo dessa foacutermula em uma rica sucessatildeo de garantias especiacuteficas necessaacuterias para

assegurar o direito agrave ordem juriacutedica justa

246

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p 1 247

IBID p 2 No mesmo sentido CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini

DINAMARCO Cacircndido Rangel Op cit p 88 ldquoGarantias que natildeo servem apenas aos interesses das partes

como direitos puacuteblicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais destas) mas que configuram antes

de mais nada a salvaguarda do proacuteprio processo objetivamente considerado como fator legitimante do

exerciacutecio da jurisdiccedilatildeordquo

54

Segundo Luiz Flaacutevio Gomes como princiacutepio geral de direito que eacute delineado a

partir de um intrincado conjunto de muitos outros princiacutepios e normas cumpre salientar

que o devido processo sob a dimensatildeo interna natildeo conta apenas com regras e normas de

status constitucional (processo de constitucionalizaccedilatildeo) mas tambeacutem internacional

(internacionalizaccedilatildeo) sem esquecer das que estatildeo em niacutevel infraconstitucional

(legalizaccedilatildeo)248

A garantia do devido processo portanto eacute constituiacuteda de uma complexa

conjugaccedilatildeo de normas bem como de princiacutepios regras e proibiccedilotildees249

Assim embora o devido processo no nosso sistema juriacutedico disponha de inuacutemeras

normas constitucionais o certo eacute que a Constituiccedilatildeo por sua proacutepria natureza natildeo exaure

toda a disciplina do assunto250

conservando a foacutermula norte-americana dos direitos

impliacutecitos ao advertir no seu artigo 5ordm sect 2ordm que ldquoos direitos e garantias expressos nesta

Constituiccedilatildeo natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou de tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo251

Em

seu complemento vecircm as normas internacionais e infraconstitucionais252

No que diz respeito agrave internacionalizaccedilatildeo do devido processo satildeo documentos de

citaccedilatildeo obrigatoacuteria no nosso meio cultural a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem

ndash DUDH (Naccedilotildees Unidas aprovada na Assembleia Geral de 10121948) o Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos ndash PIDCP (ONU 1966) ratificado pelo Brasil

em 24011992 e a Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos ndash CADH (Pacto de Satildeo

Joseacute da Costa Rica) ratificada pelo Brasil em 25091992253

Importante destacar a natureza instrumental dessa garantia do processo devido que

como todas as demais garantias natildeo deve ser apreendida como um fim em si mesma mas

como mecanismo para a tutela de um direito principal Estaacute assim a serviccedilo dos direitos

humanos fundamentais jaacute que serve de instrumento para a obtenccedilatildeo das vantagens e

248

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 249

IBID p 189 250

IBID p 191 251

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op

cit p 91 252

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 191 253

IBID p 189

55

benefiacutecios decorrentes dos direitos que visa assegurar254

13 Devido Processo Penal

O princiacutepio do devido processo legal eacute comumente adjetivado de acordo com a

natureza do conflito de interesses a ser solucionado bem como com a espeacutecie do conjunto

normativo respectivo255

No que diz respeito agraves garantias que disciplinam especificamente

as relaccedilotildees entre o indiviacuteduo e o Estado no estrito acircmbito jurisdicional de aplicaccedilatildeo de uma

pena como resposta a uma infraccedilatildeo penal eacute conveniente que se reconheccedila a existecircncia de

um devido processo criminal256

Segundo Rogeacuterio Lauria Tucci a garantia do devido processo ldquoeacute delineada ateacute

mesmo determinada por preceituaccedilotildees constitucionais direcionadas ao processo penal e

que agrave evidecircncia natildeo podem ser desconhecidas direta ou indiretamente das leis

processuais que o disciplinamrdquo257

Para o autor o devido processo penal entendido como ldquoa designaccedilatildeo apropriada agrave

sua verificaccedilatildeo em particularizado campo processual de atuaccedilatildeo eacute composto pelos

corolaacuterios de um desenvolvimento regular do processo em acircmbito penalrdquo258

tratando-se

por isso de uma especificidade penal da garantia constitucional do devido processo

Para Ada Pellegrini Grinover eacute no acircmbito do processo penal entendido como

instrumento da persecuccedilatildeo que a liberdade do indiviacuteduo avulta e se torna mais evidente a

necessidade de limitaccedilatildeo da atividade jurisdicional259

Segundo a autora ldquoa dicotomia

defesa social ndash direitos de liberdade assume frequentemente conotaccedilotildees dramaacuteticas no

juiacutezo penal e os direitos de personalidade do acusado se transformam na pedra de toque

254

IBID p 187 255

IBID p 187-188 256

IBID p 187-188 257

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 75-76 258

IBID p 69 259

GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades Puacuteblicas e Processo Penal As interceptaccedilotildees telefocircnicas Satildeo

Paulo Saraiva 1976 p 27

56

de um sistema de liberdades puacuteblicasrdquo260

Isso porque ldquovatildes seriam as liberdades do indiviacuteduo se natildeo pudessem ser

reivindicadas e defendidas em juiacutezordquo261

sendo necessaacuterio que o processo proporcione

verdadeiramente agrave parte a defesa de seus direitos a sustentaccedilatildeo de suas razotildees a produccedilatildeo

de suas provas262

Assim a oportunidade de defesa deve ser efetivamente plena e o

processo deve desenvolver-se com aquelas garantias indispensaacuteveis para a caracterizaccedilatildeo

do ldquodevido processo legalrdquo263

Ou seja eacute preciso que o julgamento se desenvolva com as

imprescindiacuteveis garantias processuais entre as quais o contraditoacuterio o uso dos meios de

prova garantidos em geral a presenccedila do juiz natural a publicidade o duplo grau de

jurisdiccedilatildeo264

Nesse sentido a liccedilatildeo de Rogeacuterio Lauria Tucci segundo a qual o inciso LIV do art

5ordm da Constituiccedilatildeo Federal ao prescrever que ldquoningueacutem poderaacute ser privado da liberdade

ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo exige que seja assegurado ao indiviacuteduo

envolvido numa persecutio criminis amplo e irrestrito acesso ao juiz natural sendo-lhe

garantida a participaccedilatildeo durante todo o iter procedimental em condiccedilotildees equacircnimes agraves dos

agentes estatais da persecuccedilatildeo penal e em inexoraacutevel contraditoriedade tudo isso num

prazo razoaacutevel265

As defesas previstas pela Constituiccedilatildeo aos direitos fundamentais e que consistem

no sistema organizado de proteccedilatildeo agrave seguranccedila agrave vida humana e agrave liberdade humanas

assumem importacircncia maior exatamente no processo penal266

Segundo Antonio Scarance Fernandes a garantia do devido processo legal antes

mesmo de ser especificada na Constituiccedilatildeo jaacute tinha vasta incidecircncia no processo penal267

Assim ldquoreservando o Estado para si o direito de punir como limite primeiro agrave accedilatildeo

estatal assegurou-se ao acusado que a sanccedilatildeo penal soacute lhe seria imposta por oacutergatildeo

260

IBID p 27 261

IBID p 25 262

IBID p 25-26 263

IBID p 26 264

IBID p 26 265

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 76 266

GRINOVER Ada Pellegrini Liberdades p 27 267

FERNANDES Antonio Scarance Princiacutepios e Garantias Processuais Penais em 10 Anos de Constituiccedilatildeo

Federal In FERNANDES Antonio Scarance MORAES Alexandre de GOMES FILHO Antonio

Magalhatildees DALLARI Dalmo de Abreu TOJAL Sebastiatildeo Botto de Barros Os 10 anos da Constituiccedilatildeo

Federal temas diversos Satildeo Paulo Atlas 1999 p 192

57

jurisdicional e atraveacutes do regular processordquo268

isto eacute os textos constitucionais procuraram

assegurar ao indiviacuteduo o direito a um processo justo alcanccedilado por meio da ampla defesa

do contraditoacuterio da isonomia do juiz natural e de outras garantias deles derivadas

Especifica-se o devido processo penal de acordo com Rogeacuterio Lauria Tucci nas

seguintes garantias a) de livre acesso agrave Justiccedila Penal b) da previsatildeo de um juiz natural em

mateacuteria penal c) de tratamento em condiccedilotildees de igualdade das partes do processo penal d)

da plenitude de defesa do indiciado acusado ou condenado com todos os meios e recursos

a ela inerentes e) da publicidade dos atos processuais f) da necessidade de motivaccedilatildeo dos

atos decisoacuterios penais g) da fixaccedilatildeo de prazo razoaacutevel de duraccedilatildeo do processo penal e h)

da legalidade da execuccedilatildeo penal269

Tais garantias tecircm como consequecircncia loacutegica necessaacuteria o fato de que o indiviacuteduo

natildeo pode ser privado de sua liberdade ou de outros bens correlatos sem a observacircncia do

devido processo penal devendo a accedilatildeo judiciaacuteria ser desenvolvida conforme ldquoo vigoroso e

incindiacutevel relacionamento entre as preceituaccedilotildees constitucionais e as normas penais tanto

de natureza substancial quanto de caraacuteter instrumentalrdquo de modo a tornar a atuaccedilatildeo da

justiccedila criminal eficaz natildeo soacute na imposiccedilatildeo e concretizaccedilatildeo da pena ou da medida de

seguranccedila mas sobretudo na afirmaccedilatildeo do ius libertatis270

E tudo isso segundo o autor com o absoluto vigor de trecircs pressupostos

fundamentais quais sejam os relativos agrave inadmissibilidade de sujeiccedilatildeo agrave persecutio

criminis sem que tenha de fato ocorrido a praacutetica de fato tiacutepico antijuriacutedico e culpaacutevel e

haja indiacutecios de autoria correspondentes (nulla informatio delicti sine crimen et culpa) agrave

jurisdicionalizaccedilatildeo da imposiccedilatildeo de pena ou de medida de seguranccedila (nulla poena sine

iudicio) e agrave impossibilidade de realizaccedilatildeo satisfativa do ius puniendi provisoacuteria ou

definitivamente antes de transitada em julgado sentenccedila condenatoacuteria (nulla executio sine

titulo)271

Daiacute o senso comum de que ao indiviacuteduo membro da coletividade deve ser

assegurado antes da imposiccedilatildeo de qualquer sanccedilatildeo penal o direito a um processo preacutevio

no mais das vezez precedido de procedimento investigatoacuterio e no qual garantidos (a) a

268

IBID p 192 269

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo p 70 270

IBID p 71 271

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro 3ordfed Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 62

58

atuaccedilatildeo de oacutergatildeo jurisdicional previamente designado pela lei para o respectivo

julgamento independente e imparcial (b) a previsatildeo em lei vigente regularmente

elaborada e promulgada de um procedimento destinado persecuccedilatildeo penal de fato tido

como penalmente relevante (c) o proferimento de decisatildeo puacuteblica e motivada em prazo

razoaacutevel (d) a correlaccedilatildeo entre a acusaccedilatildeo e a sentenccedila de meacuterito (e) a possibilidade de

reexame dos fatos e de sua qualificaccedilatildeo juriacutedica versado nos atos decisoacuterios desfavoraacuteveis

ao imputado (f) a oportunidade de ampla defesa com todos os meios e recursos a ela

inerentes tanto material quanto tecnicamente e (g) a presunccedilatildeo de inocecircncia isto eacute o natildeo

reconhecimento da culpabilidade do indiciado ou acusado enquanto natildeo transitada em

julgado a sentenccedila condenatoacuteria272

Como observado o princiacutepio do devido processo pode ser percebido como uma

ldquomegagarantia dos direitos fundamentaisrdquo273

Isso indica desde logo que o ldquojustordquo

processo eacute composto de muitas e incontaacuteveis garantias que se consubstanciam em

princiacutepios regras normas direitos ou proibiccedilotildees que como formalidades prescritas em lei

objetivam disciplinar o regular desenvolvimento do processo com vistas agrave soluccedilatildeo de um

conflito de interesses274

No contexto do devido processo criminal igualmente muacuteltiplas

satildeo as garantias que se encontram reunidas de forma harmocircnica sob um denominador

comum275

Neste trabalho natildeo temos a pretensatildeo de examinar cada uma dessas garantias

Buscaremos abordar de forma breve aquelas que incidem na investigaccedilatildeo criminal e que

entendemos mais relevantes para o desenvolvimento do presente estudo por guardarem

relaccedilatildeo direta com a elaboraccedilatildeo da figura do juiz das garantias Satildeo elas o direito de defesa

a presunccedilatildeo de inocecircncia e a imparcialidade do julgador

2 Direito de defesa

O inciso LV do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal considerando e especificando a

272

IBID p 62 273

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 189 274

IBID p 189 275

IBID p 189

59

garantia do devido processo legal assegura aos litigantes em processo judicial ou

administrativo e aos acusados em geral o contraditoacuterio e a ampla defesa com os meios e

recursos a ela inerentes

A garantia da ampla defesa ldquoconsiderada universalmente como um postulado

eterno eacute tambeacutem uma das exigecircncias em que se consubstancia o due process of lawrdquo 276

Tal previsatildeo do direito agrave ampla defesa constitui inovaccedilatildeo trazida pela atual

Constituiccedilatildeo brasileira uma vez que se trata de claacuteusula presente nas Constituiccedilotildees

anteriores277

Desde o Impeacuterio eacute ela citada 1824 art 179 VIII278

1891 art 72 sect 16279

1934

art 113 n 24280

1937 art 122 n 11 segunda parte281

1946 art 141 sect 25282

1967 art

150 sect 15283

e com a Emenda de 1969 art 153 sect 15 ora relacionando-se agrave nota de culpa

como ocorreu em 1824 1891 1937 e 1946 ora ligando-se agrave instruccedilatildeo criminal como em

1937 e 1946284

Tal vinculaccedilatildeo agrave nota de culpa ou instruccedilatildeo criminal gerava a impressatildeo de

que a garantia soacute se aplicava ao processo penal ideia essa que foi totalmente abandonada

com o novo texto constitucional que a estendeu expressamente a qualquer processo

judicial ou administrativo285

Para Antonio Scarance Fernandes o direito de defesa eacute tambeacutem garantia da proacutepria

justiccedila Segundo o autor eacute puacuteblico o interesse em que todos os reacuteus sejam adequadamente

276

TUCCI Rogeacuterio Lauria Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro Satildeo Paulo

Saraiva 1993 p 203 277

FERNANDES Antonio Scarance Processo Penal Constitucional 6ordf ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2010 p 253 278

Art 179 VIII Ninguem poderaacute ser preso sem culpa formada excepto nos casos declarados na Lei e

nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisatildeo sendo em Cidades Villas ou outras

Povoaccedilotildees proximas aos logares da residencia do Juiz e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel

que a Lei marcaraacute attenta agrave extensatildeo do territorio o Juiz por uma Nota por elle assignada faraacute constar ao

Reacuteo o motivo da prisatildeo os nomes do seu accusador e os das testemunhas havendo-as 279

Art 72 sect 16 Aos acusados se asseguraraacute na lei a mais plena defesa com todos os recursos e meios

essenciais a ela desde a nota de culpa entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente

com os nomes do acusador e das testemunhas 280

Art 113 n 24 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os meios e recursos essenciais a esta 281

Art 122 n11 segunda parte Ningueacutem poderaacute ser conservado em prisatildeo sem culpa formada senatildeo pela

autoridade competente em virtude de lei e na forma por ela regulada a instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria

asseguradas antes e depois da formaccedilatildeo da culpa as necessaacuterias garantias de defesa 282

Art 141 sect 25 Eacute assegurada aos acusados plena defesa com todos os meios e recursos essenciais a ela

desde a nota de culpa que assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das

testemunhas seraacute entregue ao preso dentro em vinte e quatro horas A instruccedilatildeo criminal seraacute contraditoacuteria 283

Art 150 sect 15 A lei asseguraraacute aos acusados ampla defesa com os recursos a ela Inerentes Natildeo haveraacute

foro privilegiado nem Tribunais de exceccedilatildeo 284

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 253 285

IBID p 253

60

defendidos pois soacute assim seraacute garantido efetivo contraditoacuterio imprescindiacutevel para o

alcance de uma soluccedilatildeo justa286

O direito de defesa deve ser vislumbrado dessa forma natildeo soacute a partir do acircmbito de

interesse do acusado mas tambeacutem da esfera de interesse da coletividade jaacute que ldquointeressa

agrave coletividade a dialeticidade do procedimento penal com verificaccedilotildees negativas em caso

de natildeo constituir o delito uma fonte de responsabilidaderdquo287

A ampla defesa consiste pois ldquona oportunidade de o reacuteu contraditar a acusaccedilatildeo

atraveacutes da previsatildeo legal de termos processuais que possibilitem a eficiecircncia da

defesardquo288

traduzindo-se objetivamente em algumas soluccedilotildees teacutecnicas dentro do processo

que proporcionam maior efetividade agrave garantia

Assim reputam-se meios inerentes agrave ampla defesa a) o conhecimento claro da

imputaccedilatildeo b) a apresentaccedilatildeo de alegaccedilotildees contra a acusaccedilatildeo c) o acompanhamento da

produccedilatildeo da prova e a possibilidade de fazer contraprova d) a disponibilizatildeccedilatildeo de defesa

teacutecnica por advogado cuja funccedilatildeo aliaacutes agora eacute essencial agrave Administraccedilatildeo da Justiccedila e e)

a possibilidade de recorrer de decisatildeo desfavoraacutevel289

Rogeacuterio Lauria Tucci por sua vez entende que o conceito moderna da garantia da

ampla defesa exige indiscutivelmente a conjugaccedilatildeo de trecircs realidades procedimentais

distintas para sua efetivaccedilatildeo a saber a) o direito agrave informaccedilatildeo b) a bilateralidade da

audiecircncia (contraditoriedade) c) o direito agrave prova legitimamente obtida ou produzida

(comprovaccedilatildeo da inculpabilidade)290

A garantia da ampla defesa eacute induvidosamente uma das mais complexas jaacute que a

ela satildeo reconduziacuteveis dentre outras as seguintes garantias miacutenimas a) da informaccedilatildeo

pessoal do inteiro teor da acusaccedilatildeo b) da autodefesa c) da defesa teacutecnica d) do prazo

razoaacutevel para a preparaccedilatildeo da defesa com os meios necessaacuterios e adequados e) a proibiccedilatildeo

do cerceamento de defesa e f) da natildeo autoincriminaccedilatildeo291

286

IBID p 260 287

BATALHA Sergio Fedato Principiologia Para um Devido Processo Penal Constitucional A Ampla

defesa e o contraditoacuterio Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr Consulta realizada em 05062013 288

GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades Satildeo Paulo Saraiva 1989 p 126 289

IBID p 110 290

TUCCI Rogeacuterio Lauria Op cit p 205 291

GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos sistemas juriacutedico brasileiro

e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN Flaacutevia (Coord) O sistema

61

Em sede processual penal a ampla defesa natildeo pode ser apartada do binocircmio

autodefesa - defesa teacutecnica292

Por isso a previsatildeo da ampla defesa nas Constituiccedilotildees

pressupotildee necessariamente para a adequada observacircncia desse comando sejam

assegurados o direito agrave defesa teacutecnica durante todo o processo e o direito de autodefesa

colocando-se ambos em relaccedilatildeo de diversidade e complementaridade293

A garantia da defesa pessoal estaacute prevista tanto no Pacto Internacional de Direitos

Civis e Poliacuteticos (artigo 143d294

) como na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos

(artigo 82d295

) Como integrantes da autodefesa podem ser citados o direito de audiecircncia

sobretudo no interrogatoacuterio o direito a inteacuterprete ou tradutor o direito de presenccedila nos atos

processuais o direito de participaccedilatildeo dialeacutetica na audiecircncia o direito de comunicaccedilatildeo livre

e reservada com o defensor bem como o direito de postulaccedilatildeo pessoal296

Pode-se dizer ainda que a garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo nada mais eacute que

expressatildeo passiva da autodefesa e consequentemente da ampla defesa jaacute que o acusado

pode exercer a autodefesa de duas formas ativa expondo sua versatildeo sobre os fatos no

intuito de influenciar na decisatildeo final ou passiva natildeo se autoincriminando297

A garantia da natildeo autoincriminaccedilatildeo por sua vez possui duas formas de

manifestaccedilatildeo direito de natildeo declarar contra si mesmo e direito de natildeo confessar298

ambas

interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo RT 2000 p 210 292

BATALHA Sergio Fedato Op cit 293

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 258 No mesmo sentido Luiz Flaacutevio Gomes ldquoA ampla

defesa compreende dentre tantas outras garantias e tal como reconhece a communis opinio doctorum a

autodefesa e a defesa teacutecnicardquo GOMES Luiz Flaacutevio As garantias miacutenimas do devido processo criminal nos

sistemas juriacutedico brasileiro e interamericano estudo introdutoacuterio In GOMES Luiz Flaacutevio PIOVESAN

Flaacutevia (Coord) O sistema interamericano de proteccedilatildeo dos direitos humanos e o direito brasileiro Satildeo Paulo

RT 2000 p 210 294

Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as

seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio

de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e

sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo

tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 295

Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias

miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua

escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 296

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 210 297

IBID p 221 298

IBID p 221

62

devidamente consagradas tanto no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos299

como na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos300

Natildeo se pode perder de vista a previsatildeo do artigo 5ordm LXIII da Constituiccedilatildeo Federal

que assegura ao preso301

o direito ao silecircncio com a qual tais dispositivos devem ainda ser

conciliados302

O direito de silecircncio segundo Aury Lopes Jr eacute apenas expressatildeo de uma garantia

muito mais ampla insculpida no princiacutepio nemo tenetur se detegere segundo o qual o

sujeito passivo natildeo pode sofrer nenhum prejuiacutezo juriacutedico por natildeo colaborar com a

atividade probatoacuteria da acusaccedilatildeo ou por exercer o seu direito de silecircncio por ocasiatildeo do

interrogatoacuterio303

Em outros termos o exerciacutecio do direito de silecircncio natildeo pode acarretar

nenhuma presunccedilatildeo de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuiacutezo juriacutedico para o

imputado304

Eacute portanto por meio destas accedilotildees que se daacute a atuaccedilatildeo do sujeito no sentido de

contrapor-se pessoalmente agrave pretensatildeo estatal defendendo a si mesmo como indiviacuteduo

singular fazendo valer seu criteacuterio individual e seu interesse privado305

Jaacute a garantia da defesa teacutecnica vem insculpida em vaacuterios mandamentos legais

internacionais Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (artigos 82d306

e 82e307

)

299

ARTIGO 14 3 Toda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualdade a pelo menos as

seguintes garantias g) de natildeo ser obrigada a depor contra si mesma nem a confessar-se culpada 300

Artigo 8 2 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se

comprove legalmente sua culpa Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves

seguintes garantias miacutenimas g) direito de natildeo ser obrigado a depor contra si mesma nem a declarar-se

culpada () 301

Apesar de a Constituiccedilatildeo referir-se ao ldquopresordquo a doutrina estende esse direito a todos os infratores Natildeo

somente ao preso mas a todos eacute conferido o direito ao silecircncio Nesse sentido ldquoO direito ao silecircncio aleacutem

de estar contido na ampla defesa encontra abrigo no artigo 5ordm LXIII da CF que ao tutelar o estado mais

grave (preso) obviamente abrange e eacute aplicaacutevel ao sujeito passivo em liberdaderdquo LOPES JR Aury

Introduccedilatildeo criacutetica ao processo penal fundamentos da instrumentalidade garantista 3 ed Rio de Janeiro

Lumen Juris 2005 p 238 302

IBID p 238 303

IBID p 242 304

IBID p 242 305

IBID p 237 306

Artigo 82d ldquo() Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade agraves seguintes garantias

miacutenimas d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua

escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor ()rdquo 307

Artigo 82e direito irrenunciaacutevel de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado

remunerado ou natildeo segundo a legislaccedilatildeo interna se o acusado natildeo se defender ele proacuteprio nem nomear

defensor dentro do prazo estabelecido pela lei

63

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (artigos 143d e 143d in fine308

) e

Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (artigo XI309

)

Quanto ao direito interno a garantia da defesa teacutecnica eacute contemplada tanto

constitucionalmente (CF artigo 5ordm LXIII ldquoo preso seraacute informado de seus direitos ()

sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo CF artigo 5ordm LXXIV ldquoo

Estado prestaraacute assistecircncia juriacutedica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiecircncia

de recursosrdquo) quanto em acircmbito infraconstitucional (CPP artigo 263 ldquoSe o acusado natildeo o

tiver ser-lhe-aacute nomeado defensor pelo juiz ressalvado o seu direito de a todo tempo

nomear outro de sua confianccedila ou a si mesmo defender-se caso tenha habilitaccedilatildeordquo)

Sua justificaccedilatildeo decorre da necessidade de equiliacutebrio funcional entre defesa e

acusaccedilatildeo e tambeacutem da fundada presunccedilatildeo de hipossuficiecircncia do sujeito passivo que via

de regra natildeo tem conhecimentos necessaacuterios e suficientes para resistir agrave pretensatildeo estatal

em condiccedilotildees teacutecnicas paritaacuterias com o acusador310

A defesa teacutecnica ao contraacuterio da autodefesa eacute considerada indisponiacutevel pois aleacutem

de ser uma garantia do sujeito passivo consubstancia interesse coletivo na correta

apuraccedilatildeo do fato311

Nesse sentido Ada Pellegrini Grinover leciona que a defesa teacutecnica eacute claramente

indisponiacutevel ldquona medida em que mais do que garantia do acusado eacute garantia da

paridade de armas indispensaacutevel agrave concreta atuaccedilatildeo do contraditoacuterio e

consequentemente agrave proacutepria imparcialidade do juizrdquo312

Isso porque ldquoquanto mais atuante

e eficiente forem ambas as partes mais alheio ficaraacute o julgadorrdquo313

Assim para o prudente e amplo exerciacutecio da defesa eacute indispensaacutevel a presenccedila da

defesa teacutecnica que deve ser exercida por advogado ldquoAleacutem do que o proacuteprio reacuteu

308

Artigo 143 ldquoToda pessoa acusada de um delito teraacute direito em plena igualmente a pelo menos as

seguintes garantias () d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermeacutedio

de defensor de sua escolha de ser informado caso natildeo tenha defensor do direito que lhe assiste de tecirc-lo e

sempre que o interesse da justiccedila assim exija de ter um defensor designado ex-offiacutecio gratuitamente se natildeo

tiver meios para remuneraacute-lo ()rdquo 309

Artigo XI 1 Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente ateacute que a

sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei em julgamento puacuteblico no qual lhe tenham sido

asseguradas todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa 310

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 233 311

IBID p 234 312

GRINOVER Ada Pellegrini Novas p09 313

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 234

64

pessoalmente possa trazer a seu favor deve ele ainda que natildeo queira ser acompanhado

de advogado o qual deve ser intimado de todos os atos processuaisrdquo314

Por isso prevecirc o Coacutedigo de Processo Penal expressamente no art 261 a

necessidade de defensor ldquoNenhum acusado ainda que ausente ou foragido seraacute

processado ou julgado sem defensorrdquo

Jaacute a autodefesa exercida pelo proacuteprio reacuteu conquanto relevante seu aspecto de

garantia constitucional manifestando-se no processo de diferentes maneiras dentre elas o

direito de audiecircncia o direito de presenccedila e o direito a postular pessoalmente eacute

considerada renunciaacutevel natildeo podendo ser imposta ao reacuteu315

Nesse sentido salienta Antonio Scarance Fernandes que ldquoa autodefesa ainda que

natildeo possa ser dispensada eacute renunciaacutevel natildeo podendo o reacuteu ser obrigado a comparecer

para o interrogatoacuterio ou para a realizaccedilatildeo de atos processuaisrdquo316

Como vimos portanto satildeo decorrecircncias da ampla defesa constitucional aleacutem da

defesa teacutecnica a garantia da autodefesa o direito a natildeo se incriminar e o direito ao

silecircncio Pode se dizer assim na esteira do entendimento de Vicente Greco Filho que a

ampla defesa com os recursos a ela inerentes eacute a garantia mais importante para o

desenvolvimento e a estrutura do processo penal e ao redor da qual ele gravita317

21 O direito de defesa na investigaccedilatildeo criminal

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica assegurou o exerciacutecio do direito de defesa aos

acusados em geral inclusive nos processos administrativos

A menccedilatildeo pela Constituiccedilatildeo a acusados e natildeo indiciados natildeo pode ser utilizada

como obstaacuteculo agrave sua aplicaccedilatildeo na investigaccedilatildeo preliminar318

Isso porque a expressatildeo

usada natildeo foi meramente ldquoacusadosrdquo mas ldquoacusados em geralrdquo devendo nela ser

314

GRECO FILHO Vicente Op cit p 129 315

FERNANDES Antonio Scarance Processo p 268 316

IBID p 268 317

GRECO FILHO Vicente Op cit p 126 318

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251

65

compreendida tambeacutem o indiciamento que nada mais que uma imputaccedilatildeo em sentido

amplo319

Para Marta Saad a expressatildeo ldquoacusados em geralrdquo envolve niacuteveis distintos de

incriminaccedilatildeo bastando para que se tenha acusaccedilatildeo e acusado a atribuiccedilatildeo ainda que de

maneira informal a praacutetica de determinado iliacutecito a uma pessoa320

Natildeo devem subsistir duacutevidas pois de que o termo ldquoacusados em geralrdquo utilizado

pelo constituinte originaacuterio engloba o procedimento administrativo apuratoacuterio da infraccedilatildeo

penal321

Ainda deve-se entender a expressatildeo ldquoprocesso administrativordquo como

ldquoprocedimento administrativordquo que abrange o inqueacuterito policial - forma mais utilizada de

persecuccedilatildeo penal preliminar ou preacutevia no direito brasileiro322

- portanto uma vez que se

trata de procedimento administrativo com finalidade judiciaacuteria323

Na verdade a ampla defesa deve ser amoldada tambeacutem pelo novo paradigma

constitucional de valorizaccedilatildeo dos direitos fundamentais e de irradiaccedilatildeo da forccedila normativa

constitucional324

A ordem constitucional iniciada em 1988 impotildee a supremacia da

dignidade da pessoa humana325

Com isso abrem-se as portas para o modelo garantista de

processo penal de modo a conter os abusos e arbitrariedades do antigo modelo inquisitoacuterio

de processo penal326

Nesse sentido de acordo com Aury Lopes Jr a postura do legislador constitucional

no artigo 5ordm LV foi nitidamente garantidora e o equiacutevoco terminoloacutegico (falar em

processo administrativo quando deveria ser procedimento) natildeo pode servir de empecilho

para sua aplicaccedilatildeo no inqueacuterito policial327

319

IBID p 251 320

SAAD Marta O direito p 367 321

BATALHA Sergio Fedato Op cit 322

Na fase preacute-processual desenvolve-se a investigaccedilatildeo preliminar cujo modelo adotado no Brasil eacute o

policial atraveacutes do inqueacuterito policial LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 250 323

SAAD Marta O direito p 367 324

BATALHA Sergio Fedato Op cit 325

IBID 326

IBID 327

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 251

66

Ademais buscando a maacutexima eficaacutecia do artigo 5ordm LV da Constituiccedilatildeo Federal

bem como a necessaacuteria conformidade do Coacutedigo de Processo Penal a ela inafastaacutevel a

incidecircncia do direito de defesa no inqueacuterito policial328

Assim o inqueacuterito policial natildeo obstante ser um procedimento administrativo e natildeo

um processo deve tambeacutem respeitar os direitos fundamentais do indiciado329

sobretudo

aqueles decorrentes do direito de defesa330

Como jaacute observado no inqueacuterito policial satildeo abrigados aleacutem de atos de

investigaccedilatildeo tambeacutem atos de instruccedilatildeo criminal de caraacuteter transitoacuterio ou definitivo331

A possiblidade de exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial por meio da

pronta participaccedilatildeo do acusado e de seu defensor nessa fase procedimental deve ser

reconhecida sobretudo tendo em vista os inuacutemeros atos que ocasionam restriccedilatildeo a direitos

constitucionalmente assegurados podendo ser citados a prisatildeo preventiva a prisatildeo

temporaacuteria a proacutepria prisatildeo em flagrante delito a busca pessoal ou domiciliar a

apreensatildeo o arresto e o sequestro de bens a quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e das

comunicaccedilotildees o indiciamento bem como diante da possibilidade de serem praticados de

atos de instruccedilatildeo de caraacuteter definitivo332

Tudo isso vale ressaltar independe do

estabelecimento de contraditoacuterio333

Aleacutem disso ao indiciado ou formalmente acusado deve ser reconhecido o status

de sujeito de direitos durane todo o procedimento natildeo podendo como consequecircncia ser

tratado como objeto alheio ao inqueacuterito334

328

IBID p 250-251 329

MOREIRA Rocircmulo de Andrade O Supremo Tribunal Federal e o sigilo no inqueacuterito policial Disponiacutevel

em wwwibccrimorgbr Acesso em 28 mai 2013 330

ldquoA praacutetica demonstra que algumas manifestaccedilotildees do direito de defesa mdash uso do direito ao silecircncio habeas

corpus e mandado de seguranccedila pedido de relaxamento da prisatildeo e de liberdade provisoacuteria mdash satildeo

reconhecidas e exercidas jaacute nessa fase procedimental muito embora em contrapartida se tenha enraizado a

crenccedila infundada de que o inqueacuterito eacute peccedila inquisitiva e informativa que natildeo admite defesardquo SAAD Marta

Exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial Boletim IBCCRIM nordm 166 Setembro ndash 2006 De acordo

com Aury Lopes Jr o exerciacutecio do habeas corpus e mandado de seguranccedila corporificam o exerciacutecio de defesa

fora do inqueacuterito policial consistindo em atuaccedilatildeo exoacutegena da defesa teacutecnica LOPES JR Aury

Introduccedilatildeo p 235 331

ldquoA partir da instauraccedilatildeo do inqueacuterito policial inuacutemeros atos que acarretam restriccedilatildeo a direitos

constitucionalmente assegurados podem ocorrer em desfavor do acusado tais como os decretos de prisatildeo

preventiva e temporaacuteria a decretaccedilatildeo de medidas cautelares a determinaccedilatildeo do indiciamento e por fim a

possiacutevel formalizaccedilatildeo da acusaccedilatildeordquo SAAD Marta O direito p 199 332

IBID p 366 333

SAAD Marta Exerciacutecio 334

ID O direito p 366

67

Nessa perspectiva tendo-se em conta o informalmente acusado como sujeito do

inqueacuterito e natildeo apenas como sujeito ao inqueacuterito tem ele direito de defesa de ser

considerado inocente de natildeo ser forccedilado a produzir prova contra si mesmo de escolher

defensor e ser por ele assistido sendo ldquointoleraacutevel portanto se tratar o interessado o

envolvido o indiciado ou o futuro demandado quais estranhos em procedimento

apuratoacuterio de fatos que podem lhes atingir a esfera de direitosrdquo335

O exerciacutecio do direito de defesa no inqueacuterito policial eacute de suma relevacircncia sendo

imprescindiacutevel a sua garantia jaacute nesse momento336

Para o satisfatoacuterio exerciacutecio da defesa devem ser asseguradas necessariamente a

ciecircncia ao acusado da imputaccedilatildeo e de todo o conteuacutedo dos atos de instruccedilatildeo constantes do

inqueacuterito a assistecircncia de advogado e a possibilidade de exerciacutecio do direito ao silecircncio337

Assim a defesa praticada no inqueacuterito policial deve ser compreendida de forma

ampla como resistecircncia ou oposiccedilatildeo de forccedilas podendo o acusado contestar todas as

acusaccedilotildees exisetentes contra si com o auxiacutelio de advogado a faculdade de manter-se em

silecircncio e a admissibilidade de produccedilatildeo de provas necessaacuterias agrave comprovaccedilatildeo de sua

inocecircncia ou de sua culpabilidade diminuiacuteda338

A autodefesa nessa fase em regra se concretiza no interrogatoacuterio policial do

acusado339

De acordo com Aury Lopes Jr a denominada defesa pessoal ou autodefesa

manifesta-se de vaacuterias formas mas tem no interrogatoacuterio policial um de seus momentos de

maior relevacircncia jaacute que eacute o momento em que ao sujeito passivo eacute dada a oportunidade de

atuar de forma efetiva expressando as causas e explicaccedilotildees fato a ele imputado ou

alegando negativas de autoria e de materialidade340

De par com essa atuaccedilatildeo que supotildee o interrogatoacuterio tambeacutem eacute possiacutevel uma total

omissatildeo um atuar pois negativo atraveacutes do qual o imputado se nega a declarar341

335

TJSP Apelaccedilatildeo com Revisatildeo 9154560-7819998260000 7ordf Cacircmara de Direito Puacuteblico Rel Barreto

Fonseca Rel designado Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo data de julgamento 06112000 Data de

registro 12022001 336

SAAD Marta O direito p 202 337

ID Exerciacutecio 338

ID O direito p 367 339

IBID p 368 340

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 341

IBID p 237

68

podendo manter-se em silecircncio jaacute que natildeo haacute para ele dever de veracidade342

Natildeo apenas

pode o imputado se negar a declarar mas tambeacutem pode se negar a fornecer a mais iacutenfima

contribuiccedilatildeo para a atividade probatoacuteria realizada pelos oacutergatildeos estatais de investigaccedilatildeo343

podendo portanto negar-se a participar de reconhecimento acareaccedilatildeo ou reproduccedilatildeo

simulada dos fatos assim como a fornecer material para periacutecia ou exibir documento344

A autodefesa contudo eacute incapaz de por si soacute garantir a defesa

constitucionalmente assegurada devido ao inevitaacutevel comprometimento emocional do

acusado e de sua falta de conhecimento teacutecnico345

Por isso a autodefesa exercida pelo proacuteprio acusado e a defesa teacutecnica exercida

por profissional habilitado devem tambeacutem no plano investigativo atuar em relaccedilatildeo de

complementaridade

Ainda no inqueacuterito policial portanto jaacute deve se fazer presente a defesa teacutecnica

com a presenccedila de advogado constituiacutedo para acompanhamento das investigaccedilotildees que a

teor do artigo 14 do CPP346

poderaacute sugerir a realizaccedilatildeo de diligecircncias que seratildeo realizadas

ou natildeo a cargo da autoridade policial ldquoO acusado deve poder contar pois com

assistecircncia de advogado legalmente habilitado zeloso e competente na real defesa dos

interesses de sua liberdade juriacutedicardquo347

Durante todo o inqueacuterito policial isto eacute em todos os seus atos pode o defensor

interceder no intuito de zelar pela sua regularidade formal sobretudo atuando ao lado da

poliacutecia na coleta de atos de instruccedilatildeo definitivos e irrepetiacuteveis348

O sigilo do inqueacuterito

policial eventualmente decretado natildeo mais se aplica ao acusado nem ao seu defensor a

quem eacute assegurada a possibilidade de consulta e reproduccedilatildeo dos autos349

Consagrando tal

prerrogativa o Supremo Tribunal Federal editou em 2009 a suacutemula vinculante 14 com o

seguinte enunciado ldquoEacute direito do defensor no interesse do representado ter acesso amplo

aos elementos de prova que jaacute documentados em procedimento investigatoacuterio realizado

342

Tal direito encontra restriccedilatildeo apenas no tocante agrave sua identidade natildeo podendo o acusado mentir sobre ela

ou se recusar a fornecer seus documentos ou impressatildeo digital se preciso for SAAD Marta O direito p

368 343

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 237 344

SAAD Marta O direito p 368 345

IBID p 202 346

Art 14 O ofendido ou seu representante legal e o indiciado poderatildeo requerer qualquer diligecircncia que

seraacute realizada ou natildeo a juiacutezo da autoridade 347

SAAD Marta O direito p 202 348

IBID p 369 349

IBID p 369

69

por oacutergatildeo com competecircncia de poliacutecia judiciaacuteria digam respeito ao exerciacutecio do direito

de defesardquo350

Pode o defensor ainda livre e reservadamente reunir-se com o acusado antes do

interrogatoacuterio bem como propor a produccedilatildeo de meios de prova e providecircncias cujo

deferimento eacute direito subjetivo do acusado desde que o pedido natildeo seja faticamente

impraticaacutevel ou inuacutetil351

Natildeo se nega assim que as diligecircncias realizadas durante a investigaccedilatildeo criminal

possam ser sigilosas excepcionalmente para que natildeo seja prejudicada a descoberta de

elementos de informaccedilatildeo como a autoria e a materialidade delitiva352

No entanto no

intuito de natildeo se desprezar a garantia constitucional agrave ampla defesa o mesmo rigor natildeo

deve ser imposto ao que se refere aos atos de instruccedilatildeo jaacute documentados353

Exatamente por tratar-se o inqueacuterito uma etapa relevante para a reuniatildeo de meios de

provas inclusive com a praacutetica de atos que natildeo mais seratildeo repetidos ao acusado deve ser

proporcionada a assistecircncia de defensor jaacute nessa fase preliminar formulando apropriada e

tempestivamente sua defesa354

Dessa forma no contexto das garantias constitucionais eacute imperioso que seja

garantido ao acusado esteja ele preso ou em liberdade o direito agrave defesa teacutecnica exercida

por defensor legalmente habilitado na efetiva proteccedilatildeo de seus interesses Aleacutem disso ao

Estado incumbe formecer defesa dativa ao acusado que natildeo dispuser de seu proacuteprio

defensor355

Eacute vaacutelido ressaltar que apesar do direito de defesa ser apreendido como meio de

resguardo da liberdade esta visatildeo natildeo reflete a sua real dimensatildeo Afinal sob o enfoque da

sociedade que tem como fim uacuteltimo a paz social e como tal comprometida apenas com a

condenaccedilatildeo do sujeito comprovadamente culpado deve-se salientar que o direito de defesa

350

O enunciado do STF complementa a Carta Constitucional afirmando que o defensor deve ter acesso aos

autos de inqueacuterito policial pelo fato de tais documentos formarem conjunto probatoacuterio sobre o qual o

defensor em muitos momentos natildeo tinha acesso ou o tinha de forma restrita 351

SAAD Marta O direito p 369 352

FERREIRA Regina Cirino Alves Suacutemula vinculante reconhece acesso do defensor em inqueacuterito policial

Disponiacutevel em wwwibccrimorgbr 353

IBID 354

SAAD Marta O direito p 200-201 355

IBID p 368-369

70

no inqueacuterito policial tanto em seu aspecto de autodefesa quanto de defesa teacutecnica podem

evitar que sejam aforadas acusaccedilotildees inveriacutedicas imprudentes ou apressadas356

ldquoPodendo opor-se agraves provas coligidas e oferecer sua versatildeo acerca dos

fatos apurados impugnar a classificaccedilatildeo do delito atribuiacuteda pela autoridade

policial fazer-se acompanhar sempre por defensor para solicitar a produccedilatildeo de

diligecircncias em seu favor e principalmente ter ciecircncia de seus direitos

constitucionais e exercecirc-los desde logo o acusado e tambeacutem a justiccedila penal soacute tecircm

a ganhar357

Ele por cuidar de afastar possiacutevel acusaccedilatildeo formal a Justiccedila por se

precaver melhor contra acusaccedilotildees infundadasrdquo358

Desse modo em que pesem alguns posicionamentos ainda no sentido da

desnecessidade do exerciacutecio do direito de defesa em sede de inqueacuterito este deve ser

respeitado durante toda a persecuccedilatildeo penal

3 Presunccedilatildeo de Inocecircncia

Outro princiacutepio de particular significaccedilatildeo no campo penal359

eacute o da presunccedilatildeo de

inocecircncia inscrito pela primeira vez em nossos textos constitucionais pelo art 5ordm inciso

LVII da Carta de 1988 ldquoningueacutem seraacute considerado culpado ateacute o tracircnsito em julgado de

sentenccedila condenatoacuteriardquo

356

IBID p 204 357

ID Exerciacutecio 358

IBID 359

ldquoMas que se aplica a qualquer processo de caraacuteter punitivo pense-se por exemplo no administrativo ou

trabalhistardquo GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios e garantias constitucionais In LIMA Marcellus

Polastri SANTIAGO Nestor Eduardo Araruna (Coord) A renovaccedilatildeo processual penal apoacutes a Constituiccedilatildeo

de 1988 Estudos em homenagem ao Professor Joseacute Barcelos de Souza Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p

11

71

Historicamente a presunccedilatildeo de inocecircncia ou conforme preferem alguns presunccedilatildeo

de natildeo culpabilidade360

esteve ligada agrave superaccedilatildeo das formas processuais comuns ao

ancien regimen e agrave Inquisiccedilatildeo nas quais o reacuteu era apontado como o objeto do processo

sobre ele incidindo uma presunccedilatildeo de culpabilidade e natildeo de inocecircncia361

As origens desse princiacutepio satildeo portanto antigas sendo afirmado por influecircncia do

Cristianismo jaacute no proacuteprio direito romano Posteriormente foi reconhecido pela tradiccedilatildeo da

common law em virtude das claacuteusulas de proteccedilatildeo dos suacuteditos ingleses afirmadas na

Magna Carta362

Delineado a princiacutepio a partir do ideal iluminista foi consagrado pela Declaraccedilatildeo

dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo de 1789 cujo artigo 9 afirmava ldquoTout homme eacutetant

preacutesumeacute innocent srsquoil est indispensable de lrsquoarreter tout rigueur qui ne serait paacutes

necessaire pour srsquoassurer de sa personne doit ecirctre seacuteveacuterement reprimeacutee par la loirdquo vindo

a ser incorporado posteriormente por vaacuterios ordenamentos juriacutedicos nacionais e no

periacuteodo poacutes-guerra por diversos documentos internacionais363

de proteccedilatildeo dos direitos

humanos364

Hoje sobretudo a partir da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (1948) a

presunccedilatildeo de inocecircncia constitui direito fundamental frequentemente assegurado nos

textos internacionais e nas Constituiccedilotildees modernas365

De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a finalidade da inserccedilatildeo

constitucional da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute poliacutetico-ideoloacutegica366

isto eacute o legislador

constituinte ao consagraacute-la em niacutevel constitucional ldquodemonstrou uma escolha juspoliacutetica

360

ldquoHaacute um consenso em se admitir que no atual sistema juriacutedico brasileiro as expressotildees lsquopresunccedilatildeo de

inocecircnciarsquo e lsquonatildeo consideraccedilatildeo preacutevia de culpabilidadersquo satildeo expressotildees equivalentes Por forccedila

constitucional afastam-se quaisquer inspiraccedilotildees ou limites ideoloacutegicos fascistas dessa segunda expressatildeo

tendo sido ela escolhida pelo constituinte para representar semanticamente aquilo que toda a tradiccedilatildeo

iluminista e mais modernamente a comunidade internacional atribuem agrave claacutessica expressatildeo ldquopresunccedilatildeo de

inocecircnciardquo inspirada pelos ideais de igualdade dignidade da pessoa humana e devido processo legalrdquo

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 221 361

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 145-146 362

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 363

ldquoTodo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente ateacute que sua culpa

fique legalmente comprovada em um julgamento puacuteblico no qual todas as garantias necessaacuterias agrave sua defesa

tenham sido asseguradasrdquo (DUDH art XI) ldquoToda pessoa acusada de uma infraccedilatildeo penal deve ser

considerada inocente ateacute que sua culpa seja judicialmente comprovadardquo (PIDCP art 142) ldquoToda pessoa

acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocecircncia enquanto natildeo se comprove legalmente sua

culpardquo (CADH art 82) 364

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 146 365

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 366

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 355

72

clara a persecutio criminis deve ter em todos os seus instantes um cunho garantidor e

igualitaacuterio ao imputado natildeo se admitindo mais um sistema autoritaacuterio e desigual tiacutepico de

regimes despoacuteticosrdquo367

Assim ldquoa funccedilatildeo da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute servir de eixo estrutural de um

processo penal a ser feito conforme ao determinado pela Constituiccedilatildeordquo368

Antonio Magalhatildees Gomes Filho define a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquoprinciacutepio

informador do ordenamentordquo em que o processo penal configura mecanismo de aplicaccedilatildeo

de sanccedilotildees punitivas num sistema juriacutedico no qual sejam assegurados essencialmente os

valores intriacutensecos agrave liberdade e agrave dignidade da pessoa humana369

Trata-se pois de

ldquopreceito geral informado pelos valores de respeito agrave dignidade e liberdade da pessoa

humana que deve ser observado em todas as atividades relacionadas agrave persecuccedilatildeo

criminal no Estado de Direito e do qual podem ser extraiacutedas importantes garantiasrdquo370

Nesse sentido a garantia de que seraacute preservado o estado de inocecircncia ateacute o tracircnsito

em julgado da sentenccedila condenatoacuteria gera consequecircncias no tratamento da parte passiva

no ocircnus da prova e na exigecircncia de que a confirmaccedilatildeo do delito e a aplicaccedilatildeo da pena dar-

se-atildeo somente por intermaacutedio de um processo com todas as garantias e atraveacutes de uma

sentenccedila fundamentada371

Por isso de acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes a concepccedilatildeo da presunccedilatildeo de

inocecircncia sob a comcepccedilatildeo constitucional de um acircmbito de proteccedilatildeo vasto compreende

um significado relacionado mais diretamente com a figura do imputado a que ele

denomina ldquonorma de tratamentordquo e outros dois significados mais ligados agrave mateacuteria

probatoacuteria que se subdividem em ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma probatoacuteriardquo372

373

367

IBID p 355 368

IBID p 358 369

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo de Inocecircncia Princiacutepio e Garantias In Escritos em

homenagem a Alberto Silva Franco Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 128 370

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 371

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 188 372

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 424 Para Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra da

presunccedilatildeo de inocecircncia tem dupla aplicaccedilatildeo A primeira relaciona-se ao tratamento processual e social a

ser dispensado ao reacuteu que para todos os efeitos e perante todos deve ser considerado inocente ateacute que a

condiccedilatildeo resolutiva representada pelo tracircnsito em julgado da sentenccedila condenatoacuteria autorize tratamento

diverso A segunda por seu turno estaacute associada ao acircmbito probatoacuterio que para muitos se relaciona com a

fixaccedilatildeo do ocircnus de provar imposto agrave acusaccedilatildeordquo ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 373

ldquoTal subdivisatildeo se justifica segundo o autor pois as diferenccedilas entre ldquonorma de juiacutezordquo e ldquonorma

probatoacuteriardquo exigem estudo mais particularizado de cada uma dessas manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de

73

A garantia de ser tratado como inocente consiste resumidamente no fato de que o

acusado tem o direito de ser tratado como ldquonatildeo participante do fato imputadordquo374

Assegura pois que apenas apoacutes um julgamento ditado por oacutergatildeo judiciaacuterio

regularmente instituiacutedo e realizado com respeito agraves regras do devido processo seraacute

possiacutevel afirmar a culpa de algueacutem pela praacutetica de um crime e infligir-lhe a correspondente

sanccedilatildeo punitiva (nulla poena sine iudicio)375

Nesse sentido pode-se dizer que presunccedilatildeo de inocecircncia e devido processo legal

satildeo conceitos que se complementam exprimindo a concepccedilatildeo fundamental de que o

reconhecimento da culpabilidade requer natildeo apenas a existecircncia de um processo mas

acima de tudo de um processo justo onde o embate entre o poder punitivo estatal e o

direito liberdade do acusado seja feito em termos de equiliacutebrio376

E por forccedila dessas fundamentais restriccedilotildees ao poder punitivo estatal assegura

tambeacutem uma forma adequada de tratamento ao suspeito indiciado ou acusado que antes

do tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo natildeo pode estar sujeito a qualquer medida restritiva

de direitos que tenha como consequecircncia a equiparaccedilatildeo ao culpado377

Nesses termos em decorrecircncia da regra de tratamento todas as medidas coercitivas

antes ou durante o processo soacute se mostram plausiacuteveis quando haacute imperiosa necessidade e

desde que fundadas em fatos concretos378

Por isso no transcurso de toda a persecuccedilatildeo penal ndash desde a investigaccedilatildeo ateacute o

teacutermino do processo ndash natildeo satildeo admissiacuteveis providecircncias discriminatoacuterias que sejam

adotadas como antecipaccedilatildeo da puniccedilatildeo ou que objetivem a estigmatizaccedilatildeo do indiviacuteduo

como por exemplo o uso desnecessaacuterio de algemas a exposiccedilatildeo de imagens agrave miacutedia ou

outras condutas degradantes inconciliaacuteveis com a condiccedilatildeo de quem ainda natildeo foi

definitivamente julgado como autor de um crime379

inocecircncia permitindo identificar suas especificidades de conteuacutedo e efeitosrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide

de Presunccedilatildeo p 462 374

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 224 375

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 376

GOMES FILHO Magalhatildees Significados da Presunccedilatildeo de Inocecircncia In COSTA Joseacute de Faria SILVA

Marco Antonio Marques da (Coord) Direito Penal Especial Processo Penal e Direitos Fundamentais Visatildeo

Luso-Brasileira Satildeo Paulo Quartier Latin 2006 p 323 377

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12 378

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 225 379

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 12

74

A prisatildeo processual natildeo obstante ser prevista por todas as legislaccedilotildees inclusive no

Brasil igualmente encontra um limite na presunccedilatildeo de inocecircncia sendo permitida somente

em situaccedilotildees excepcionais e desde que natildeo tenha intuitos sancionatoacuterios380

Nesse sentido de acordo com Marcos Alexandre Coelho Zilli ldquoa regra dirige-se

tambeacutem ao julgador a quem cabe o respeito estrito agrave imparcialidade operativa ficando

pois proibido de realizar qualquer ato indicativo de adesatildeo preacutevia agrave tese acusatoacuteriardquo381

Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes essa eacute a forma mais tradicional de se

compreender a presunccedilatildeo de inocecircncia na cultura da Civil Law ou seja visualizaacute-la como

uma garantia ao cidadatildeo de que ele seraacute tratado durante toda a persecuccedilatildeo penal como

inocente382

assegurando-se que as consequecircncias de uma futura decisatildeo condenatoacuteria

somente sejam aplicadas apoacutes o seu tracircnsito em julgado383

Sua abrangecircncia e acircmbito de

proteccedilatildeo todavia natildeo se esgotam nesse aspecto

Como ldquonorma probatoacuteriardquo a presunccedilatildeo de inocecircncia abrange seara especiacutefica

orientada agrave determinaccedilatildeo de quem deve provar por meio de que tipo de prova e

finalmente o que deve ser provado384

Conforme jaacute observado a presunccedilatildeo de inocecircncia subsiste ateacute o momento da

condenaccedilatildeo definitiva e natildeo pode haver condenaccedilatildeo sem um miacutenimo de atividade

probatoacuteria385

Logo forccedilosa a conclusatildeo de que a uacutenica forma de se desconstruir a

presunccedilatildeo consiste na realizaccedilatildeo de uma atividade probatoacuteria suficiente da qual deve se

encarregar quem fez a acusaccedilatildeo386

Como consequecircncia a presunccedilatildeo de inocecircncia como norma probatoacuteria natildeo admite a

inversatildeo do ocircnus da prova o que significaria inevitavelmente uma violaccedilatildeo de seu

conteuacutedo387

380

IBID p 12 381

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 147 382

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 427 383

IBID p 427 384

IBID p 462 385

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 226 386

IBID p 226 387

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538

75

Cabe agrave acusaccedilatildeo portanto comprovar a existecircncia de requisitos objetivos e

subjetivos exigidos para o reconhecimento da praacutetica de uma infraccedilatildeo penal e natildeo ao reacuteu

o ocircnus de demonstrar a sua inocecircncia388

Nesse sentido Antonio Magalhatildees Gomes Filho afirma que em um processo penal

informado pela presunccedilatildeo de inocecircncia uma vez que o acusado eacute considerado inocente ateacute

que se comprove legal e definitivamente sua culpabilidade ldquoeacute claro que o encargo de

demonstrar os fatos incumbe integralmente agrave acusaccedilatildeordquo389

A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo ademais exige que o material

probatoacuterio necessaacuterio para afastaacute-la seja obtido pelo oacutergatildeo acusador de forma liacutecito e tenha

conteuacutedo incriminador390

Assim no cumprimento de seu encargo probatoacuterio a acusaccedilatildeo

deveraacute se utilizar apenas de provas liacutecitas e orientadas agrave demonstraccedilatildeo da culpa do

imputado e agrave materialidade da infraccedilatildeo em todos os seus aspectos391

A presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma de juiacutezordquo por sua vez volta-se ao exame

do material probatoacuterio jaacute produzido para avaliar sua suficiecircncia para afastar a incidecircncia

da presunccedilatildeo de inocecircncia e portanto condenar o imputado ou para eleger a norma

juriacutedica mais adequada ao caso concreto392

Indica a exigecircncia de que natildeo seraacute proferida nenhuma condenaccedilatildeo ausente prova

suficiente da culpabilidade393

Mais do que isso eacute fundamental a existecircncia de prova

segura e induvidosa da conduta criminosa atribuiacuteda ao acusado Assim devem levar agrave

absolviccedilatildeo tanto a ausecircncia de provas como a duacutevida gerada no espiacuterito do juiz pelas

provas produzidas no processo Sob esse acircngulo o valor do preceito mostra-se no

momento da decisatildeo como expressatildeo da maacutexima do in dubio pro reo394

A presunccedilatildeo de inocecircncia ainda como norma de juiacutezo obriga o julgador a motivar

convincentemente suas escolhas sempre que as decisotildees penais acarretarem restriccedilatildeo a

direitos do imputado395

Examinando os elementos informativos que lhe satildeo apresentados

388

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa 2003 p 148 389

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A presunccedilatildeo da inocecircncia e o ocircnus da prova em processo penal

Boletim IBCCRIM nordm 23 Novembro 1994 390

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 538 391

IBID p 538 392

IBID p 462 393

GRINOVER Ada Pellegrini Princiacutepios p 11 394

IBID p 11 395

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 539

76

na fase de investigaccedilatildeo preliminar ou as provas em fase processual deveraacute sempre decidir

orientando suas escolhas pelo ldquofavor reirdquo e equacionando suas duacutevidas faacuteticas com base no

ldquoin dubio pro reordquo396

que devem ser percebidos como aspectos significados projeccedilotildees ou

manifestaccedilotildees da presunccedilatildeo de inocecircncia397

Podemos portanto de acordo com Aury Lopes Jr extrair da presunccedilatildeo de

inocecircncia que ela predetermina a adoccedilatildeo da verdade processual relativa dotada poreacutem de

um razoaacutevel niacutevel de certeza praacutetica jaacute que obtida conforme determinadas condiccedilotildees

como consequecircncia a obtenccedilatildeo de tal verdade determina um tipo de processo informado

pelo sistema acusatoacuterio que impotildee a estrutura dialeacutetica e posiciona o juiz em situaccedilatildeo de

alheamento em verdadeira rejeiccedilatildeo agrave figura do juiz-inquisidor com poderes

investigatoacuterios e instrutoacuterios e consagraccedilatildeo da figura do juiz de garantias ou garantidor no

acircmbito do processo se manifesta em regras para o julgamento orientando a decisatildeo

judicial sobre os fatos traduz-se por fim em regras de tratamento do acusado visto que a

ingerecircncia do processo penal se daacute sobre um inocente398

Dessa forma a presunccedilatildeo de inocecircncia significa em conjunto com todos os seus

aspectos e desdobramentos incluiacutedos o ldquoin dubio pro reordquo e o ldquofavor reirdquo segundo

Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes

ldquo () um direito que veio atender agrave igualdade ao respeito agrave dignidade da

pessoa humana agrave liberdade do cidadatildeo e ao devido processo penal porque torna a

396

IBID p 539 397

ldquoO ponto central para referida distinccedilatildeo resulta da observaccedilatildeo do sentido que as proacuteprias expressotildees

empregam ldquoIn dubio pro reordquo traz em si uma ideia de que haacute duacutevida (ldquoin dubiordquo) e de que ela deve ser

resolvida favoravelmente ao reacuteu (ldquopro reordquo) ldquoFavor reirdquo por sua vez eacute uma escolha valorativa que natildeo

tem como causa a ldquoduacutevidardquo sua base informadora satildeo os ideais de igualdade dignidade da pessoa humana

e proteccedilatildeo da liberdade e do patrimocircnio do cidadatildeo por meio de um devido processo legal O ldquofavor reirdquo

por ser uma forma de realizaccedilatildeo efetiva desses ideais incide tanto no campo legislativo para conformaccedilatildeo

de leis que visem garanti-los quanto no campo judicial na medida em que indica ao julgador qual eacute a opccedilatildeo

axioloacutegica definida constitucionalmente e que ele tambeacutem deveraacute ter ao interpretar o dispositivo legal ao

caso concreto O ldquoin dubio pro reordquo ao contraacuterio natildeo tem incidecircncia no campo legislativo uma vez que a

lei natildeo traz duacutevidas seja em sua formaccedilatildeo seja em sua interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo A lei apresenta apenas

possibilidades interpretativas dentro das quais natildeo haacute espaccedilo para duacutevidas teacutecnicas A ldquoduacutevidardquo inerente

ao ldquoin dubio pro reordquo sempre adveacutem dos fatos os quais podem ou natildeo estar provados nos autos criminais

Daiacute se dizer que o ldquoin dubio pro reordquo estaacute ligado a fatos (natildeo provados ou provados de forma insatisfatoacuteria)

e pode incidir em qualquer momento decisoacuterio judicial natildeo apenas no instante da decisatildeo sobre o meritum

causae Dessa forma o ldquoin dubio pro reordquo limita-se ao acircmbito judiciaacuterio destinado e determinado pelo

caso concreto e natildeo projeta seus efeitos no acircmbito legislativo voltado agrave elaboraccedilatildeo da lei em niacutevel

abstratordquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 365-367 398

LOPES JR Aury Introduccedilatildeo p 187

77

relaccedilatildeo juriacutedica entre imputado e oacutergatildeos persecutoacuterios mais equilibrada (garantia

agrave igualdade) impedindo que as manifestaccedilotildees do poder puacuteblico ultrapassem o

necessaacuterio para a apuraccedilatildeo dos fatos impede de ordinaacuterio que ao imputado seja

dado tratamento de condenado antes do reconhecimento definitivo de sua culpa

(garantia agrave dignidade da pessoa) impotildee a necessidade de um processo condizente

com todos os padrotildees constitucionais de justiccedila para que se proceda agrave verificaccedilatildeo

e declaraccedilatildeo de culpa do cidadatildeo (garantia do devido processo legal) impotildee uma

decisatildeo menos prejudicial ao imputado sempre que houver duacutevida faacutetica ou se

possa proceder agrave mais favoraacutevel escolha juriacutedica como asseveraccedilatildeo do prestiacutegio agrave

dignidade da pessoa humana em toda e qualquer decisatildeo judicial penalrdquo399

Traduz-se pois numa maneira de apreender gerir e conceber um sistema

processual penal para o qual o ser humano desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo eacute inocente e

assim deve ser identificado e tratado ateacute que o Judiciaacuterio afirme de modo certo e definitivo

a sua culpabilidade fundada em um conjunto probatoacuterio incriminador miacutenimo e liacutecito400

31 A presunccedilatildeo de inocecircncia na investigaccedilatildeo criminal

Do quanto ateacute aqui exposto jaacute eacute possiacutevel concluir pela incidecircncia integral da

presunccedilatildeo de inocecircncia na fase investigativa posto que sua concretizaccedilatildeo exige a adoccedilatildeo

de um sistema processual penal para o qual o indiviacuteduo durante toda a persecuccedilatildeo criminal

- que no mais das vezes vem representada por alguma forma de investigaccedilatildeo preliminar

via de regra o inqueacuterito policial - eacute considerado inocente ateacute que haja o reconhecimento

indiscutiacutevel de sua culpa

Como observado a redaccedilatildeo do inciso LVII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 eacute ampla e abrange portanto qualquer indiviacuteduo em qualquer situaccedilatildeo obstando

leituras literais que poderiam excluir as atividades de investigaccedilatildeo em que de maior

399

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 347 400

IBID p 358

78

relevacircncia a garantia contra juiacutezos temeraacuterios que podem ocasionar o reconhecimento do

mero suspeito como culpado401

Nesse sentido segundo Fauzi Hassan Choukr a presunccedilatildeo de inocecircncia

consubstancia-se em princiacutepio de fundamental importacircncia tambeacutem incidente na fase

investigativa consubstanciando verdadeiro paradigma para a percepccedilatildeo global do sistema

instrumental penal requerendo indiscutivelmente ldquoum compromisso natildeo apenas teacutecnico

mas tambeacutem eacutetico do modelo utilizaacutevelrdquo402

Isso porque segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes jaacute nessa fase haacute autecircntica

imputaccedilatildeo penal em face do indiviacuteduo que pode sofrer atos de restriccedilatildeo em seus direitos

de liberdade dignidade ou igualdade assim como constriccedilotildees em sua esfera juriacutedica403

Jaacute

nesses primeiros momentos investigativos da imputaccedilatildeo penal portanto deve o cidadatildeo

dispor de toda proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e excessos

estatais404

ldquoNesse contexto maior de proteccedilatildeo constitucional ampla insere-se a presunccedilatildeo

de inocecircncia em todos os seus instantesrdquo405

Uma de suas consequecircncias mais importantes e evidentes eacute a passagem do ser

humano da condiccedilatildeo de objeto do processo nesse caso da investigaccedilatildeo para a condiccedilatildeo de

sujeito com direitos e deveres apropriados a essa atividade406

Nesse sentido o campo de eficaacutecia do princiacutepio eacute entendido como regra de

tratamento do investigado407

aspecto mais significativo nessa fase investigativa408

401

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees Presunccedilatildeo p 126 402

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 39 No mesmo sentido Alexandra Vilela leciona que o princiacutepio

da presunccedilatildeo de inocecircncia se manifesta ao longo de todo o processo desde o inqueacuterito VILELA Alexandra

Consideraccedilotildees acerca da presunccedilatildeo de inocecircncia em direito processual penal Coimbra Coimbra Editora

2010 p 79 Para Joseacute Mariacutea Luzoacuten Cuesta ldquola presuncioacuten de inocencia es un derecho subjetivo puacuteblico que

posee su eficacia en un doble plano por una parte opera en las situaciones extraprocesales y constituye el

derecho a recibir la consideracioacuten y el trato de no autor o no partiacutecipe en hechos de caraacutecter delictivo o

anaacutelogos a eacutestos por outro lado el referido derecho opera fundamentalmente en el campo procesal con

influjo decisivo en el reacutegimen juriacutedico de la pruebardquo CUESTA Joseacute Mariacutea Luzoacuten La presuncioacuten de

inocencia ante la casacioacuten Madrid Editorial Colex 1991 p 13 403

Conforme liccedilatildeo de Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquonessa compreensatildeo ampla de imputaccedilatildeo penal ela se

inicia a partir da existecircncia de qualquer ato (investigativo ou judicial) do qual se depreenda um juiacutezo de

atribuiccedilatildeo de um crime a uma pessoa determinada O juiacutezo de atribuiccedilatildeo de uma infraccedilatildeo a algueacutem eacute o

primeiro passo da persecuccedilatildeo penal e de ordinaacuterio vem representado por alguma forma de investigaccedilatildeo

preliminar por exemplo o inqueacuterito policialrdquo MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 491 404

IBID p 492 405

IBID p 492-493 406

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 38-39 407

VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 408

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493

79

Como ldquonorma de tratamentordquo pois a presunccedilatildeo de inocecircncia garante ao imputado

que ele natildeo poderaacute ser tratado como culpado durante toda essa fase409

Refere-se desse

modo ao status agrave condiccedilatildeo ou ao estado de inocecircncia da pessoa submetida a inqueacuterito

policial410

e pressupotildee que nas ocasiotildees de contato direto entre ele e a autoridade puacuteblica ndash

o que ocorre exatamente de modo mais intenso no instante do interrogatoacuterio ndash natildeo seja

intimidado ou sofra abusos que o situem como ldquoobjeto de provardquo e natildeo como sujeito de

direito411

Logo significa que durante o desenrolar da investigaccedilatildeo o tratamento

dispensado ao investigado deve ser despojado de situaccedilotildees que constituam antecipaccedilatildeo de

um juiacutezo de culpabilidade412

Para se impedir tais condutas violadoras da presunccedilatildeo de inocecircncia eacute essencial natildeo

apenas que esses atos ou outros a eles equivalentes contem com a presenccedila de defensor

mas tambeacutem que a prisatildeo provisoacuteria natildeo seja utilizada da como meio de se obrigar o

imputado a depor ou de qualquer modo produzir prova em seu desfavor413

Isto eacute como regra de tratamento a presunccedilatildeo de inocecircncia natildeo permite que as

medidas cautelares sobretudo a prisatildeo provisoacuteria tenham caraacuteter de definitivas natildeo

podendo ser utilizadas como instrumentos de confissatildeo ou como penas antecipadas414

Pelo ateacute aqui exposto eacute possiacutevel constatar-se a total correlaccedilatildeo entre a presunccedilatildeo de

inocecircncia e a ampla defesa nessas hipoacuteteses citadas415

ldquoA defesa teacutecnica garante que o

imputado natildeo seja tratado como culpado ou como objeto em atos de investigaccedilatildeo de

profunda tensatildeo entre ele e a autoridade puacuteblicardquo isto eacute a presunccedilatildeo de inocecircncia

assegura a autodefesa uma vez que impede que se decretem prisotildees provisoacuterias com o

intuito de coagir o investigado a renunciar ao seu direito ao silecircncio ou de natildeo produzir

prova em seu desfavor ambos aspectos da autodefesa416

409

IBID p 493 410

VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo Penal e Miacutedia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 172 411

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 412

Como exemplo pode-se citar o uso de algemas quando desnecessaacuterio e a utilizaccedilatildeo de palavras e gestos

humilhantes que tornem o investigado diminuiacutedo aleacutem do necessaacuterio imposto por sua condiccedilatildeo VIEIRA

Ana Lucia Menezes Processo p 172 413

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 493 414

ALBANO Vicenzo Processo penale informazione e controllo di razionalitagrave In BASCIU Maurizio

(Org) Diritto penale controllo di razionalitagrave e garanzie del citadino Padova Cedam 1998 p 298 415

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 416

IBID p 494

80

Natildeo obstante natildeo podermos falar exatamente de ldquoprovardquo nessa fase dado que natildeo

haacute contraditoacuterio e intervenccedilatildeo judicial a presunccedilatildeo de inocecircncia como ldquonorma probatoacuteriardquo

tambeacutem tem incidecircncia nessa fase417

Isso porque qualquer requisiccedilatildeo dos oacutergatildeos puacuteblicos persecutoacuterios tais como a

prisatildeo provisoacuteria ou outras medidas coercitivas restritivas de qualquer modo dos direitos

fundamentais do indiviacuteduo como por exemplo a busca e apreensatildeo e a interceptaccedilatildeo

telefocircnica deve estar obrigatoriamente assentada na existecircncia de dados informativos

incriminadores colhidos e produzidos de forma liacutecita418

A presunccedilatildeo de inocecircncia exige

um procedimento legal de afericcedilatildeo da culpa isto eacute somente um procedimento garantidor

dos direitos fundamentais do investigado pode ser capaz de fornecer elementos idocircneos

para a demonstraccedilatildeo da sua culpabilidade419

Em outros termos nenhum elemento

probatoacuterio pode ser utilizado contra o acusado se natildeo for obtido e produzido com os

ditames da lei420

Logo ausentes esses elementos incriminadores preacutevios e liacutecitos

qualquer medida coercitiva decretada pelo juiacutezo bem como o recebimento da acusaccedilatildeo

formal seratildeo atos infringentes desse aspecto da presunccedilatildeo de inocecircncia421

Por fim a presunccedilatildeo de inocecircncia tambeacutem incide na fase investigativa como

ldquonorma de juiacutezordquo422

De acordo com Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes esse seu aspecto tem

ocorrecircncia pois eacute indispensaacutevel o exame da suficiecircncia daqueles elementos

incriminadores preacutevios e liacutecitos para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz sobre ldquoa

legitimidade em se determinar aquelas medidas coativas restritivas ou ainda para ter a

denuacutencia ou a queixa-crime como imputaccedilotildees legiacutetimas e aptas a iniciar nova fase

persecutoacuteriardquo423

Deve o oacutergatildeo judiciaacuterio competente atentar em todos esses instantes

decisoacuterios que qualquer incerteza faacutetica ou a eleiccedilatildeo normativa mais adequada deveratildeo ser

orientadas respectivamente pelo ldquoin dubio pro reordquo e pelo ldquofavor reirdquo424

Dessa forma jaacute desde os primeiros instantes da fase de investigaccedilatildeo preliminar

havendo um juiacutezo de atribuiccedilatildeo de fato criminoso a algueacutem o imputado seraacute protegido

417

IBID p 494 418

IBID p 494 419

VIEIRA Ana Lucia Menezes Processo p 172 420

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees O princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia na Constituiccedilatildeo de 1988 e

na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) Revista do Advogado

Satildeo Paulo n 42 p 30-34 abr 1994 421

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 494 422

IBID p 494 423

IBID p 494 424

IBID p 494

81

pela presunccedilatildeo de inocecircncia com toda a amplitude requerida pela Constituiccedilatildeo exige seja

como ldquonorma de tratamentordquo como ldquonorma probatoacuteriardquo ou como ldquonorma de juiacutezordquo425

4 A imparcialidade do juiz

A imparcialidade eacute decorrecircncia loacutegica do devido processo legal e de um Estado

genuinamente Democraacutetico de Direito426

Constitui indubitavelmente uma das mais

importantes garantias do devido processo criminal427

Em que pese a inexistecircncia de expressa previsatildeo do direito ao julgamento por juiz

imparcial na Constituiccedilatildeo Federal isso natildeo significa absolutamente que ela natildeo o

assegura428

Isso porque ldquonatildeo eacute devido justo ou eacutequo um processo que se desenvolva perante

um julgador parcialrdquo429

Segundo Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaroacute isso seria o

bastante para afirmar que a Constituiccedilatildeo assegura o direito de ser julgado por um juiz

imparcial430

Aliaacutes segundo o autor ldquoa imparcialidade eacute lsquoconditio sine qua nonrsquo de

qualquer juiz Juiz parcial eacute uma contradiccedilatildeo em termosrdquo431

Assim natildeo seria possiacutevel

imaginar-se uma atividade jurisdicional vaacutelida e legiacutetima que natildeo fosse exercida por um

juiz equidistante das partes processuais432

Sob outro enfoque conquanto natildeo tenha se preocupado em positivar o direito a um

juiz imparcial a Constituiccedilatildeo buscou garantir condiccedilotildees de independecircncia obstando

eventuais influecircncias oriundas dos demais poderes e dos demais oacutergatildeos hieraacuterquicos do

proacuteprio Poder Judiciaacuterio e vedando a praacutetica de atividades que colocassem em risco a

425

IBID p 495 426

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 No mesmo sentido Badaroacute leciona que ldquoa

imparcialidade do julgador eacute elemento integrante do devido processo legalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique

Righi Ivahy Direito a um julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz

nos sistemas em que natildeo haacute a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em

httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em 25082013 427

GOMES Luiz Flaacutevio Op cit p 198 428

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 429

IBID 430

IBID 431

IBID 432

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140

82

imparcialidade do juiz433

Assim no regramento constitucional da magistratura haacute a

previsatildeo de uma seacuterie de prerrogativas para assegurar a independecircncia dos juiacutezes

pressuposto indispensaacutevel consoante liccedilatildeo de Eugenio Rauacutel Zaffaroni para que se possa

manifestar a imparcialidade434

(CF art 95 caput)435

Nesse sentido Julio J B Maier ressalta que a independecircncia por si soacute natildeo eacute

suficiente para que o julgador reuacutena todas as condiccedilotildees que assegurem sua isenccedilatildeo para

decidir o caso concreto Isso porque a independecircncia eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para

assegurar a equanimidade mas natildeo eacute a uacutenica Segundo o autor outra dessas condiccedilotildees eacute

exatamente a imparcialidade isto eacute a atribuiccedilatildeo da funccedilatildeo de julgar determinado caso a

quem possa garantir a maior objetividade possiacutevel ao enfrentaacute-lo436

Tambeacutem haacute previsatildeo constitucional de vedaccedilotildees aos magistrados com a evidente

intenccedilatildeo de assegurar a imparcialidade do julgador437

(CF art 95 paraacutegrafo uacutenico)438

Sob o aspecto subjetivo eacute ainda preservada a imparcialidade pelas regras de

suspeiccedilatildeo e impedimento contidas no Coacutedigo de Processo Penal439

(arts 252 e

seguintes440

) Consoante leciona Gustavo Badaroacute ldquoa previsatildeo legal de hipoacuteteses de

433

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 434

ZAFFARONI Eugenio Raul Poder Judiciaacuterio Crise Acertos e Desacertos Trad Juarez Tavares Satildeo

Paulo Revista dos Tribunais 1995 p 91 435

Art 95 Os juiacutezes gozam das seguintes garantias I - vitaliciedade que no primeiro grau soacute seraacute adquirida

apoacutes dois anos de exerciacutecio dependendo a perda do cargo nesse periacuteodo de deliberaccedilatildeo do tribunal a que o

juiz estiver vinculado e nos demais casos de sentenccedila judicial transitada em julgado II - inamovibilidade

salvo por motivo de interesse puacuteblico na forma do art 93 VIII III - irredutibilidade de subsiacutedio ressalvado

o disposto nos arts 37 X e XI 39 sect 4ordm 150 II 153 III e 153 sect 2ordm I 436

ldquoNo soacutelo por ser independiente el juez reuacutene todas las condiciones que garantizan su ecuanimidad al

decidir el caso La independencia es una condicioacuten necesaria para garantizar la ecuanimidad pero no es la

uacutenica ni es por ello suficiente436

Otra de esas condiciones necesarias es colocar frente al caso ejerciendo

la funcioacuten de juzgar a una persona que garantice la mayor objetividade posible al enfrentarlo A esa

situacioacuten del juez en relacioacuten al caso que le toca juzgar se llama imparcialidaderdquo MAIER Julio B J Op

cit p 484 437

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 438

Art 95 Paraacutegrafo uacutenico Aos juiacutezes eacute vedado I - exercer ainda que em disponibilidade outro cargo ou

funccedilatildeo salvo uma de magisteacuterio II - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto custas ou participaccedilatildeo em

processo III - dedicar-se agrave atividade poliacutetico-partidaacuteria IV - receber a qualquer tiacutetulo ou pretexto auxiacutelios

ou contribuiccedilotildees de pessoas fiacutesicas entidades puacuteblicas ou privadas ressalvadas as exceccedilotildees previstas em lei

V - exercer a advocacia no juiacutezo ou tribunal do qual se afastou antes de decorridos trecircs anos do afastamento

do cargo por aposentadoria ou exoneraccedilatildeo 439

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 80 440

Art 252 O juiz natildeo poderaacute exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I - tiver funcionado seu cocircnjuge ou

parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive como defensor ou

advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico autoridade policial auxiliar da justiccedila ou perito II - ele proacuteprio

houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III - tiver funcionado como juiz

de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV - ele proacuteprio ou seu cocircnjuge ou

parente consanguumliacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive for parte ou

diretamente interessado no feito Art 253 Nos juiacutezos coletivos natildeo poderatildeo servir no mesmo processo os

83

impedimento do juiz ndash e o mesmo vale para as hipoacuteteses de suspeiccedilatildeo ndash se destina a

assegurar a imparcialidade ou melhor o julgamento por um juiz que natildeo seja algueacutem de

cuja parcialidade se possa suspeitarrdquo441

Em resumo natildeo haacute como negar que a imparcialidade do juiz eacute uma garantia

constitucional impliacutecita442

Ademais se a Constituiccedilatildeo de 1988 natildeo previu expressamente

o direito ao juiz imparcial outra foi a orientaccedilatildeo seguida pelos tratados internacionais de

direitos humanos como veremos a seguir

O direito a uma decisatildeo ditada por um oacutergatildeo judicial monocraacutetico ou coletivo

imparciail supera os limites das legislaccedilotildees internas e penetra nos paradigmas

internacionais da prestaccedilatildeo jurisdicional Basta observar a previsatildeo do artigo 10 da

Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos de 1948 (Artigo X ldquoToda pessoa tem direito

em plena igualdade a uma audiecircncia justa e puacuteblica por parte de um tribunal

independente e imparcial para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de

qualquer acusaccedilatildeo criminal contra elerdquo) do artigo 262 da Declaraccedilatildeo Americana dos

Direitos Humanos (ldquoToda pessoa acusada de um delito tem o direito de ser ouvida numa

forma imparcial e puacuteblica de ser julgada por tribunais jaacute estabelecidos de acordo com leis

preexistentes e de que se lhe natildeo inflijam penas crueacuteis infamantes ou inusitadasrdquo) do artigo

81 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos443

(ldquoToda pessoa tem direito a ser

ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoaacutevel por um juiz ou tribunal

competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de

juiacutezes que forem entre si parentes consanguumliacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau

inclusive Art 254 O juiz dar-se-aacute por suspeito e se natildeo o fizer poderaacute ser recusado por qualquer das

partes I - se for amigo iacutentimo ou inimigo capital de qualquer deles II - se ele seu cocircnjuge ascendente ou

descendente estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia

III - se ele seu cocircnjuge ou parente consanguumliacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda

ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes IV - se tiver aconselhado qualquer

das partes V - se for credor ou devedor tutor ou curador de qualquer das partes Vl - se for soacutecio acionista

ou administrador de sociedade interessada no processo Art 255 O impedimento ou suspeiccedilatildeo decorrente de

parentesco por afinidade cessaraacute pela dissoluccedilatildeo do casamento que Ihe tiver dado causa salvo sobrevindo

descendentes mas ainda que dissolvido o casamento sem descendentes natildeo funcionaraacute como juiz o sogro o

padrasto o cunhado o genro ou enteado de quem for parte no processo Art 256 A suspeiccedilatildeo natildeo poderaacute

ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propoacutesito der motivo para criaacute-la 441

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 442

De acordo com Eros Roberto Grau ldquodefine-se o direito enquanto sistema como uma ordem axioloacutegica

ou teleoloacutegica de princiacutepios gerais Compotildeem essa ordem aleacutem dos princiacutepios expliacutecitos recolhidos no texto

da Constituiccedilatildeo ou da lei os princiacutepios impliacutecitos inferidos como resultado da anaacutelise de um ou mais

preceitos constitucionais ou de uma lei ou conjunto de textos normativos da legislaccedilao infraconstitucionalrdquo

GRAU Eros Roberto Ensaio e discurso sobre a interpretaccedilatildeoaplicaccedilatildeo do direito 4 ed Satildeo Paulo

Malheiros 2006 p 144 443

A Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos integra o ordenamento juriacutedico nacional cuja

promulgaccedilatildeo se deu por meio do Decreto nordm 678 de 6 de novembro de 1992

84

qualquer acusaccedilatildeo penal formulada contra ela ou para que se determinem seus direitos

ou obrigaccedilotildees de natureza civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo) do

artigo 141 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Poliacuteticos de 1966444

(ldquo Toda a

pessoa teraacute direito a ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal

competente segundo a lei independente e imparcial na determinaccedilatildeo dos fundamentos de

qualquer acusaccedilatildeo de caraacutecter penal contra ela formulada ou para a determinaccedilatildeo dos

seus direitos ou obrigaccedilotildees de caraacutecter civilrdquo)

Constitui a imparcialidade portanto um atributo inerente agrave jurisdiccedilatildeo445

identificado como observado juntamente com a independecircncia como um direito humano

tutelado por diversos documentos internacionais446

donde se depreende que ldquotodo acusado

tem o direito de ser julgado por um juiz imparcial e qualquer lei que disponha de forma

diversa admitindo o julgamento por um julgador que natildeo seja imparcial natildeo poderaacute ser

aplicadardquo447

De acordo com liccedilatildeo de Antonio Magalhatildees Gomes Filho a imparcialidade pode

ser definida como um valor que encontra sua maior expressatildeo no acircmbito interno do

processo ldquotraduzindo a exigecircncia de que na direccedilatildeo de toda a atividade processual ndash e

especialmente nos momentos de decisatildeo ndash o juiz se coloque sempre super partes

conduzindo-se como um terceiro desinteressado acima portanto dos interesses em

conflitordquo448

Andreacute Machado Maya por sua vez ressalta que a imparcialidade deve ser

compreendida natildeo como ldquomera caracteriacutestica da atividade jurisdicional uma nota

indispensaacutevel ou mesmo um valorrdquo como se a conduta imparcial pudesse ser definida

como a mais adequada dentre as possiacuteveis de serem adotadas pelo julgador mas

sobretudo ldquocomo um princiacutepio um dever-ser que orienta o padratildeo a ser observado pelo

juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional um mandamento de otimizaccedilatildeo que se

depreende da compreensatildeo do processo como uma estrutura heterocircnoma de repartordquo449

444

Promulgado internamente por meio do Decreto n 592 de 6 de julho de 1992 integrando o ordenamento

juriacutedico nacional 445

CINTRA Antonio Carlos de Arauacutejo GRINOVER Ada Pellegrini DINAMARCO Cacircndido Rangel Op

citp 51 446

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 447

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 448

GOMES FILHO Antonio Magalhatildees A motivaccedilatildeo das decisotildees penais Satildeo Paulo Revista dos

Tribunais 2001 p 37 449

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade e Processo Penal Da prevenccedilatildeo da competecircncia ao juiz de

85

Segundo o autor ldquoa imparcialidade como princiacutepio se apresenta como condiccedilatildeo de

legitimidade da atividade jurisdicionalrdquo450

Caracteriza-se pois a imparcialidade pelo desinteresse subjetivo do juiz em face

do caso concreto451

ficando este proibido de aderir ou atuar em prol dos interesses

subjetivos de quaisquer das partes processuais452

Impotildee-lhe por conseguinte atuar como

um ldquoobservador desapaixonadordquo453

exercendo o poder jurisdicional de modo neutro e

sensato de forma a evitar que circunstacircncias alheias interfiram no desenvolvimento do iter

processual e influenciem o conteuacutedo de sua decisatildeo454

Nesse sentido o juiz deve exercer atividade isenta e despreendida dos interesses em

conflito equidistante das partes e estritamente subordinada agrave lei Deve pois ser submisso

agrave lei mas tambeacutem independente para que possa ser imparcial bem como deve respeitar

regras preestabelecidas garantidoras da imparcialidade455

Segundo Julio J B Maier a imparcialidade natildeo eacute alcanccedilada como ocorre com a

independecircncia judicial positivamente cercando-se o juiz de garantias de impeccedilam de

modo abstrato interferecircncias dos demais poderes poliacuteticos inclusive do proacuteprio Poder

Judiciaacuterio em sua decisatildeo mas negativamente excluindo do caso o julgador que natildeo

garanta suficientemente a objetividade de sua decisatildeo Trata-se portanto da relaccedilatildeo

especiacutefica do julgador com o caso concreto submetido a seu juiacutezo isto eacute ldquolas reglas sobre

imparcialidade se refieren por ello a la posicioacuten del juez frente al caso concreto que en

princiacutepio debe juzgar e intentan impedir que sobre eacutel pese el temor de parcialidaderdquo456

Ser imparcial pois requer do magistrado na esteira do entendimento de Jacinto

Nelson de Miranda Coutinho uma ldquopostura de equidistacircncia em relaccedilatildeo agraves partes exige

seja por ele assumida uma posiccedilatildeo para aleacutem dos interesses delasrdquo457

permitindo com

garantias Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 235-236 450

IBID p 236 451

AROCA Juan Montero Sobre la imparcialidad del juez y la incompatibilidad de funciones procesales

Valencia Tirant to Blanch 1999 p 186 452

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 453

CALAMANDREI Piero Estudios sobre el processo civil Trad Santiago Sentis Melendo Buenos Aires

Bibliografia Argentina 1945 p 27 454

AROCA Juan Montero Op cit p 187-188 455

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 140 456

MAIER Julio B J Op cit p 484-485 457

COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal Criacutetica agrave teoria geral

do direito processual penal Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (Coord) Rio de Janeiro Renovar 2001 p

11

86

isso uma atuaccedilatildeo jurisdicional objetiva desprevenida na qual o juiz natildeo favorece sob

qualquer pretexto a nenhuma das partes458

Trata-se de um objetivo a ser alcanccedilado pelo

juiz no exerciacutecio da atividade jurisdicional de uma criaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico que

exige do magistrado um distanciamento estrutural um alheamento (terzietagrave) em relaccedilatildeo agrave

atividade das partes processuais459

Imparcialidade natildeo significa poreacutem neutralidade Eacute impossiacutevel exigir-se que o

juiz enquanto ser humano dispa-se de todas as suas convicccedilotildees pessoais de modo a fazer

com que estas natildeo influenciem no seu convencimento460

Eacute inadmissiacutevel pois pretender

que um juiz natildeo seja cidadatildeo que natildeo participe de certa ordem de ideias que natildeo tenha

uma compreensatildeo do mundo uma visatildeo da realidade461

Consoante leciona Martin Heidegger o homem eacute definido e existe porque inserido

em um contexto universal onde se relaciona consigo mesmo e com outros homens em uma

constante troca de valores e experiecircncias462

Daiacute adveacutem a expressatildeo ldquoser-no-mundordquo

utilizada pelo autor como forma de destacar a inter-relaccedilatildeo existente entre o homem e o

meio em que vive a ensejar uma interaccedilatildeo contiacutenua do homem com a sua existecircncia no

contexto social Tudo isso forma o seu ser do qual natildeo eacute possiacutevel separar-se nem mesmo

quando do exerciacutecio da funccedilatildeo de julgar

A imparcialidade exige pelo contraacuterio a exata compreensatildeo do julgador acerca da

sua formaccedilatildeo subjetiva de seus conceitos de sua funccedilatildeo para com isso adotar uma

postura efetivamente distante e indiferente em relaccedilatildeo aos interesses das partes envolvidas

na controveacutersia judicial463

Exatamente esse o sentido de ldquoterzeitagraverdquo elaborado pela doutrina italiana a qual

apreende a imparcialidade como a indiferenccedila aos interesses conflitantes no processo

penal alcanccedilada e garantida pela postura do juiz como um terceiro alheio agraves pretensotildees das

partes cujo interesse deve restringir-se agrave aplicaccedilatildeo do direito objetivo ao caso concreto agrave

458

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 11 459

IBID p 11 460

OLIVEIRA Daniel Kessler de O real papel do julgador no processo penal contemporacircneo Disponiacutevel

em httpwwwibccrimorgbr 461

ZAFFARONI Eugenio Raul Op cit p 92 462

HEIDEGGER Martin Ser e tempo Trad Maacutercia Saacute Cavalcante Schuback Petroacutepolis Vozes 2006 p

27-41 463

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 113

87

realizaccedilatildeo do justo reparto orientado pelas regras legais e constitucionais bem como pelos

princiacutepios fundantes do ordenamento juriacutedico464

Nesse sentido a liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya segundo a qual o direito de ser

julgado por um juiz imparcial deve ser vislumbrado como direito fundamental de suma

relevacircncia constituindo a imparcialidade um valor estruturante da funccedilatildeo jurisdicional

uma conduta que o Estado buscando assegurar os direitos fundamentais dos cidadatildeos

deve ter como modelo para o comportamento profissional dos magistrados orientando o

exerciacutecio da atividade jurisdicional e concomitantemente restringindo o poder a eles

inerente um mecanismo de garantia do devido processo legal e do justo reparto465

Natildeo obstante ser a imparcialidade do oacutergatildeo jurisdicional um ldquoprinciacutepio supremordquo

do processo e como tal imprescindiacutevel para o seu normal desenvolvimento e para a

obtenccedilatildeo do reparto judicial justo466

o tema da imparcialidade segundo Gustavo Badaroacute

natildeo tem merecido a devida atenccedilatildeo da doutrina nacional467

Assim uma anaacutelise mais

minuciosa sobre a imparcialidade do juiz ou tribunal requer sejam buscados subsiacutedios nas

convenccedilotildees internacionais de direitos humanos e na jurisprudecircncia das cortes

internacionais468

Eacute nesse contexto pois que surge o conceito de imparcialidade objetiva que vem

sendo construiacutedo e particularizado na jurisprudecircncia das cortes internacionais sobretudo

por meio de decisotildees do Tribunal Europeu de Direitos Humanos

Desde o julgamento pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos do caso Piersack

vs Beacutelgica passou a ser difundida entre a doutrina uma diferenciaccedilatildeo entre imparcialidade

objetiva e imparcialidade subjetiva podendo-se distinguir assim entre um aspecto

subjetivo que trata de verificar a convicccedilatildeo de um juiz determinado em um caso concreto

e um aspecto objetivo que se refere a se este oferece garantias suficientes para excluir

qualquer duacutevida razoaacutevel a respeito de sua imparcialidade469

464

IBID p 113-114 465

IBID p 115 466

LOPES JR Aury Juiacutezes inquisidores E paranoacuteicos Uma criacutetica agrave prevenccedilatildeo a partir da jurisprudecircncia do

Tribunal Europeu de Direitos Humanos Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ano 11 n 27 jun 2003 467

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 468

IBID 469

ldquoA distinction can be drawn in this context between a subjective approach that is endeavouring to

ascertain the personal conviction of a given judge in a given case and an objective approach that is

determining whether he offered guarantees sufficient to exclude any legitimate doubt in this respectrdquo TEDH

88

Nesse sentido Kai Ambos afirma que no exame da imparcialidade de um juiz se

pode partir de um enfoque objetivo ou de um enfoque subjetivo A imparcialidade

subjetiva refere-se agrave atitude pessoal do juiz em um caso concreto correndo perigo quando

por exemplo o magistrado eacute parente de uma das partes ou com ela manteacutem relaccedilatildeo de

amizade Jaacute a imparcialidade objetiva que ele denomina tambeacutem de funcional pode

resultar duvidosa quando um mesmo juiz interveacutem no mesmo caso em diferentes etapas do

processo470

Pode-se dizer portanto que a imparcialidade estaria limitada agrave inexistecircncia de

convergecircncia de elementos subjetivos representados pela convicccedilatildeo pessoal do juiz diante

do caso concreto sendo nesse sentido sempre pressuposta a sua equidistacircncia ateacute

demonstraccedilatildeo em sentido contraacuterio bem como agrave verificcedilatildeo de elementos de ordem objetiva

consubstanciados nas garantias oferecidas pelo juiz que eliminassem qualquer possiacutevel

duacutevida que pudesse recair sobre a sua imparcialidade ao longo do processo471

Numa abordagem subjetiva desse modo releva verificar considerada uma

determinada hipoacutetese faacutetica em um dado processo a convicccedilatildeo pessoal do magistrado o

que pensa ele em seu foro iacutentimo acerca de determinada circunstacircncia de forma a

averiguar a ausecircncia de prejuiacutezos de ideias preconcebidas de preconceitos que possam

contaminar o julgamento472

Jaacute sob o ponto de vista objetivo independentemente do aspecto pessoal do juiz em

um determinado processo o que interessa eacute detectar a existecircncia de fatos concretos que

possam suscitar questionamentos acerca da imparcialidade do juiz ou tribunal no caso

posto a julgamento473

Trata-se de analisar se o magistrado oferece em relaccedilatildeo ao processo

que lhe eacute dado julgar garantias suficientes para eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua

Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 Disponiacutevel em httphudocechrcoeint No mesmo

sentido ldquoThe existence of impartiality for the purposes of Article 6 para 1 (art 6-1) must be determined

according to a subjective test that is on the basis of the personal conviction of a particular judge in a given

case and also according to an objective test that is ascertaining whether the judge offered guarantees

sufficient to exclude any legitimate doubt in this respect () Under the objective test it must be determined

whether quite apart from the judgersquos personal conduct there are ascertainable facts which may raise doubts

as to his impartialityrdquo TEDH Case Fey v Austria sentenccedila de 24021993 Disponiacutevel em

httphudocechrcoeint 470

AMBOS Kai CHOUKR Fauzi Hassan A reforma do processo penal no Brasil e na Ameacuterica Latina Satildeo

Paulo Meacutetodo 2001 p 240 471

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 141 472

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 107 473

IBID p 110

89

imparcialidade474

Decorre pois da relaccedilatildeo preacutevia do julgador com o objeto do processo

natildeo da relaccedilatildeo do juiz com as partes475

A imparcialidade denomina-se objetiva portanto porque natildeo proveacutem de ausecircncia

de viacutenculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados juriacutedicos na

causa sejam partes ou natildeo (imparcialidade dita subjetiva) mas porque corresponde agrave

condiccedilatildeo de ineditismo da cogniccedilatildeo que iraacute o juiz desenvolver na causa no sentido de que

natildeo haja ainda de modo consciente ou inconsciente formado nenhuma convicccedilatildeo ou juiacutezo

preacutevio no mesmo ou em outro processo sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte juriacutedica

da lide por decidir476

Nesse ponto especiacutefico relacionado ao aspecto objetivo da imparcialidade assume

especial relevo a ldquoteoria da aparecircncia da justiccedilardquo construiacuteda a partir do posicionamento

firmado pelo Tribunal Europeu de Direito Humanos no sentido de que deve ser

resguardada a confianccedila que os Tribunais devem oferecer aos cidadatildeos numa sociedade

democraacutetica exigindo-se o afastamento de todo juiz impedido de garantir uma asboluta

imparcialidade477

Nesse sentido a imparcialidade tambeacutem deve ser entendida como uma ideia de

ldquoaparecircncia geral de imparcialidaderdquo478

Aleacutem de o magistrado ser subjetivamente

imparcial para que a funccedilatildeo jurisdicional seja legitimamente exercida tambeacutem eacute

necessaacuterio que a sociedade confie que o julgamento foi proferido por um juiz

objetivamente imparcial479

474

LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I 3ordf ed Rio de

Janeiro Lumen Juris 2008 p 126 475

IBID p 126 476

STF HC 94641BA rel orig Min Ellen Gracie rel p o acoacuterdatildeo Min Joaquim Barbosa Min Cezar

Peluso em voto-vista j 11112008 477

Nesse sentido ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality

must withdraw What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic

societyrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982 disponiacutevel em

httphudocechrcoeint ldquoIn this regard even appearances may be important (hellip) any judge in respect of

whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw What is at stake is the

confidence which the courts in a democratic society must inspire in the public and above all as far as

criminal proceedings are concerned in the accusedrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de

26101984 disponiacutevel em httphudocechrcoeint Ainda no mesmo sentido TEDH Case Fey v Austria

sentenccedila de 24021993 disponiacutevel em httphudocechrcoeint TEDH Case of Padovani v Italy sentenccedila

de 26021993 disponiacutevel em hudocechrcoeint TEDH Case of Castillo Algar v Spain sentenccedila de

28101998 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 478

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 479

IBID

90

Natildeo eacute suficiente portanto que a Justiccedila seja alcanccedilada pelo Poder Judiciaacuterio Muito

mais do que isso eacute necessaacuterio revelar agrave sociedade que a Justiccedila estaacute de fato sendo feita480

Assim ldquoum julgamento que a sociedade desconfie ter sido realizado por um juiz parcial

natildeo seraacute menos ilegiacutetimo que um julgamento realizado perante um juiz intimamente

comprometido com uma das partesrdquo481

Dessa forma tatildeo necessaacuterio quanto o juiz ser imparcial eacute o juiz demonstrar ser

imparcial Se a sociedade desconfia que a Justiccedila natildeo foi atingida porque natildeo se garantiu

ao acusado um julgamento por juiz ou tribunal imparcial o resultado de tal processo seraacute

ilegiacutetimo e lesivo ao Poder Judiciaacuterio jaacute que a sentenccedila seraacute vista pela sociedade como

injusta ainda que seja ela absolutoacuteria482

De acordo com o ditado inglecircs citado no caso

Caso Delcourt vs Beacutelgica ldquoJustice must not only be done it must also be seen to be

donerdquo483

Assim a imparcialidade do juiz em seu aspecto objetivo resta evidentemente

comprometida quando o magistrado realiza preacute-juiacutezos ou preacute-conceitos sobre o fato objeto

do julgamento Aliaacutes como observado a imparcialidade eacute denominada ldquoobjetivardquo

justamente porque deriva da relaccedilatildeo do juiz com o objeto do processo484

41 A imparcialidade e a investigaccedilatildeo preliminar

A anaacutelise do direito a um julgamento por juiz imparcial no contexto das garantias

incidentes na investigaccedilatildeo preliminar e especialmente da figura do juiz das garantias que

se quer introduzir em nosso ordenamento relaciona-se principalmente a esse conceito de

imparcialidade objetiva desenvolvido pela jurisprudecircncia internacional sobretudo pelo

Tribunal Europeu de Direitos Humanos

480

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 110 481

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 482

IBID 483

ldquoThe preceding considerations are of a certain importance which must not be underestimated If one

refers to the dictum justice must not only be done it must also be seen to be done these considerations may

allow doubts to arise about the satisfactory nature of the system in disputerdquoTEDH Case of Delcourt v

Belgium sentenccedila de 17 de janeiro de 1970 disponiacutevel em httphudocechrcoeint 484

LOPES JR Aury Direito hellip p 126

91

No jaacute citado julgamento do Caso Piersack vs Beacutelgica o Tribunal Europeu de

Direitos Humanos afirmou que ldquotodo juiz em relaccedilatildeo ao qual possa haver razotildees legiacutetimas

para duvidar de sua imparcialidade deve abster-se de julgar o processordquo pois o que estaacute

em jogo eacute a confianccedila que os tribunais devem inspirar nos cidadatildeos em uma sociedade

democraacutetica e concluiu pela possibilidade de se afirmar que o exerciacutecio preacutevio no processo

pelo julgador de determinadas funccedilotildees processuais pode provocar duacutevidas de

parcialidade485

natildeo se podendo qualificaacute-lo pois de equidistante

Em outro julgado igualmente expressivo o Caso De Cubber vs Beacutelgica o Tribunal

Europeu de Direitos Humanos afirmou que ao conduzir praticamente de forma exclusiva

a instruccedilatildeo preparatoacuteria das accedilotildees penais empreendidas contra o requerente o magistrado

havia formulando jaacute nesta fase do processo uma convicccedilatildeo sobre a culpabilidade daquele

Nestas condiccedilotildees era fundando o temor de que quando comeccedilaram os debates o

magistrado natildeo contava com uma integral liberdade de julgamento e natildeo oferecia

consequentemente a garantias de imparcialidade necessaacuterias486

Quando o juiz faz uma valoraccedilatildeo positiva sobre a materialidade e participaccedilatildeo do

investigado nos fatos criminosos estaraacute invarialvelmente produzindo em seu iacutentimo

determinados preconceitos sobre a culpabilidade que lhe obstaratildeo uma decisatildeo posterior

com total isenccedilatildeo e imparcialidade Esta constataccedilatildeo apresenta-se especialmente delicada

no caso em que um mesmo julgador fisicamente considerado atuar na fase de

485

ldquoAny judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw

What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic society (hellip) In

order that the courts may inspire in the public the confidence which is indispensable account must also be

taken of questions of internal organisation If an individual after holding in the public prosecutorrsquos

department an office whose nature is such that he may have to deal with a given matter in the course of his

duties subsequently sits in the same case as a judge the public are entitled to fear that he does not offer

sufficient guarantees of impartialityrdquo TEDH Case of Piersack v Belgium sentenccedila de 01101982

disponiacutevel em httphudocechrcoeint 486

ldquoFurthermore through the various means of inquiry which he will have utilised at the investigation stage

the judge in question unlike his colleagues will already have acquired well before the hearing a particularly

detailed knowledge of the - sometimes voluminous - file or files which he has assembled Consequently it is

quite conceivable that he might in the eyes of the accused appear firstly to be in a position enabling him to

play a crucial role in the trial court and secondly even to have a pre-formed opinion which is liable to

weigh heavily in the balance at the moment of the decision () In conclusion the impartiality of the

Oudenaarde court was capable of appearing to the applicant to be open to doubt Although the Court itself

has no reason to doubt the impartiality of the member of the judiciary who had conducted the preliminary

investigation it recognises having regard to the various factors discussed above that his presence on the

bench provided grounds for some legitimate misgivings on the applicantrsquos part Without underestimating the

force of the Governmentrsquos arguments and without adopting a subjective approach the Court recalls that a

restrictive interpretation of Article 6 para 1 (art 6-1) - notably in regard to observance of the fundamental

principle of the impartiality of the courts - would not be consonant with the object and purpose of the

provision bearing in mind the prominent place which the right to a fair trial holds in a democratic society

within the meaning of the Conventionrdquo TEDH Case of De Cubber v Belgium sentenccedila de 26101984

disponiacutevel em httphudocechrcoeint

92

investigaccedilatildeo preliminar e depois tambeacutem julgar a causa 487

Isso porque a investigaccedilatildeo

encerra uma seacuterie de medidas cautelares de que satildeo exemplos a decretaccedilatildeo de prisatildeo

temporaacuteria ou preventiva a concessatildeo de liberdade provisoacuteria ou a determinaccedilatildeo de

sequestro de bens bem como de meios de obtenccedilatildeo de provas como as interceptaccedilotildees

telefocircnicas as quebras de sigilos a busca e apreensatildeo que tecircm entre os seus pressupostos

ou requisitos dados que envolvem ainda que em um mero juiacutezo de probabilidade questotildees

referentes agrave existecircncia do crime e agrave autoria delitiva Assim conforme preceitua Gustavo

Henrique Righi Ivahy Badaroacute o juiz que decide positivamente sobre a existecircncia do crime

e a possibilidade de o investigado ser o seu autor quando da anaacutelise da legitimidade dessas

medidas ainda na fase de investigaccedilatildeo ldquoem alguma medida estaacute exercendo um

prejulgamento que poderaacute comprometer sua imparcialidade para o julgamento da

causardquo488

Necessaacuterio ressaltar que eacute possiacutevel identificar dois momentos da jurisprudecircncia do

Tribunal Europeu de Direitos Humanos sobre o direito ao juiz imparcial489

Numa primeira

etapa asseverava o Tribunal que o simples fato objetivamento analisado de o juiz ter

atuado na fase de investigaccedilatildeo despojava-lhe a imparcialidade objetiva porque jaacute tendo

realizado prejulgamentos naquela fase o acusado poderia fundadamente suspeitar da sua

imparcialidade para julgar a causa Numa segunda fase poreacutem a verificaccedilatildeo da perda da

imparcialidade objetiva passou a depender mais da anaacutelise concreta da natureza do ato

praticado e dos juiacutezos realizados pelo magistrado em tal ato490

Poreacutem se por um lado eacute perceptiacutevel a relativizaccedilatildeo da jurisprudecircncia do Tribunal

Europeu de Direitos Humanos sobre o direito de ser julgado por um juiz imparcial

afirmada por ocasiatildeo do julgamento do caso De Cubber vs Beacutelgica tendo a Corte

Europeia posteriormente adotado o entendimento de que somente diante de cada caso

concreto eacute possiacutevel verificar a possiacutevel perda de imparcialidade por outro lado eacute tambeacutem

inegaacutevel que permanece firme a compreensatildeo do referido Tribunal de que o direito de ser

julgado por um juiz imparcial exige que o magistrado apresente garantias suficientes para

eliminar quaisquer duacutevidas sobre sua imparcialidade em relaccedilatildeo ao processo que lhe cabe

julgar491

Assim do ponto de vista do Tribunal Europeu de Direitos Humanos sempre que

487

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito 488

IBID 489

IBID 490

IBID 491

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 237

93

determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do

julgador permitindo supor ter ele adquirido preacute-conceitos ou preacute-juiacutezos sobre o fato

criminal antes mesmo do seu julgamento impotildee-se o seu afastamento do processo pois

ainda que possa o juiz manter-se imparcial importa preservar a confianccedila da sociedade no

Poder Judiciaacuterio potencialmente abalada diante das referidas situaccedilotildees concretas que

justificam o temor pela perda da imparcialidade492

Acolhida assim essa orientaccedilatildeo jurisprudencial como modelo passou-se a

examinar as hipoacuteteses de eventual contaminaccedilatildeo dos oacutergatildeos jurisdicionais no ordenamento

juriacutedico brasileiro decorrentes da atuaccedilatildeo do mesmo magistrado em uma anterior fase de

um mesmo procedimento em virtude das regras de prevenccedilatildeo em especial na fase da

investigaccedilatildeo preliminar sendo apontados diversos atos jurisdicionais como possivelmente

causadores de perda da imparcialidade dentre eles aqueles que decidem sobre o status

libertatis do investigado sobre os requerimentos de interceptaccedilatildeo telefocircnica e de quebras

de sigilos bancaacuterio e fiscal bem como aqueles que decidem sobre o deferimento ou natildeo de

alguma medida cautelar de natureza real como eacute o caso do sequestro da hipoteca legal do

arresto de bens e tambeacutem da busca e apreensatildeo493

Isso porque como decorrecircncia loacutegica dos direitos e garantias assegurados ao

investigado jaacute nessa fase essa funccedilatildeo atribuiacuteda ao juiz no curso da investigaccedilatildeo preliminar

pressupotildee uma atenta anaacutelise do material indiciaacuterio que serve de embasamento agrave medida

restritiva desses direitos sendo por isso aceitaacutevel suspeitar tenha ele elaborado

antecipadamente um prejulgamento sobre o caso penal sobre a provaacutevel culpabilidade do

suspeito e com isso afetado a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da

atividade jurisdicional494

Para Gustavo Badaroacute natildeo eacute possiacutevel que o direito ao juiz imparcial analisado sob a

forma objetiva continue sendo desprezado Deve essse aspecto ser devidamente

considerado jaacute que a praacutetica de determinados atos pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo pode

acarretar a formaccedilatildeo de uma convicccedilatildeo preacutevia permitindo que o acusado legitimamente

492

IBID p 238 493

IBID p 239 494

IBID p 239-240

94

duvide que lhe seraacute assegurado um julgamento imparcial caso a sentenccedila seja proferia pelo

mesmo juiz495

Essa situaccedilatildeo revela assim o irremediaacutevel comprometimento do julgador que

acaba influenciado quando do julgamento propriamente dito por elementos colhidos

durante a investigaccedilatildeo natildeo sujeitos a contraditoacuterio comprometendo tambeacutem e

consequentemente a presunccedilatildeo de inocecircncia e o direito de defesa

O equacionamento desse problema natildeo eacute simples e o modelo paacutetrio de processo

penal atual natildeo apresenta remeacutedio Eacute preciso pois uma reforma estrutural orientada a

privilegiar a funccedilatildeo garantidora do Poder Judiciaacuterio como um todo e em especial perante

a investigaccedilatildeo preliminar de modo a preservar o distanciamento do juiz do processo

responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e

dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo

Apresentada pois a base garantista sobre a qual deve ser desenvolvida a

investigaccedilatildeo criminal e exposto o problema da perda da imparcialidade do magistrado pela

atuaccedilatildeo na fase de investigaccedilatildeo imprescindiacutevel para uma adequada apreciaccedilatildeo dessa

questatildeo e em momento posterior da soluccedilatildeo aventada pela doutrina incorporada pelo

Projeto de Lei 1562009 uma anaacutelise pormenorizada do papel desempenhado pelo

magistrado na investigaccedilatildeo criminal no ordenamento juriacutedico brasileiro

Eacute o que pretendemos no capiacutetulo a seguir o que seraacute feito partindo-se de uma

abordagem histoacuterica acerca da funccedilatildeo exercida pelo Judiciaacuterio perante a investigaccedilatildeo

criminal no modelo paacutetrio de processo penal ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo

495

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito

95

CAPIacuteTULO III O JUIZ E A INVESTIGACcedilAtildeO CRIMINAL

1 Consideraccedilotildees iniciais

Como vimos a longa experiecircncia juriacutedica demonstrou a conveniecircncia de alguma

apuraccedilatildeo preparatoacuteria ou preacutevia indicativa com alguma probabilidade da existecircncia

material de fato que se mostra iliacutecito e tiacutepico e ao menos indiacutecios de autoria coautoria ou

participaccedilatildeo Constatou-se que o acusado padece o processo ainda que ao final dele

termine absolvido Sofre com o menosprezo da sociedade Suporta o peso da vergonha de

ser submetido a processo penal

Daiacute portanto a relevacircncia da investigaccedilatildeo preliminar que exerce dupla funccedilatildeo

Diminuir minimizar sobretudo o risco das acusaccedilotildees inuacuteteis temeraacuterias e ateacute caluniosas

e evitar o ocircnus sem qualquer benefiacutecio que tais acusaccedilotildees infundadas trazem para a

justiccedila penal

Contudo se por um lado a existecircncia da fase de investigaccedilatildeo constitui uma

garantia contra acusaccedilotildees apressadas e destituiacutedas de suficiente base por outro o intenso

envolvimento do magistrado nos atos investigatoacuterios natildeo raro traz em seu bojo violaccedilotildees

a importantes garantias fundamentais do investigado especialmente o direito a um

julgamento por juiz imparcial

Por isso nas legislaccedilotildees modernas tem sido constante a preocupaccedilatildeo em se

restringir a atuaccedilatildeo do julgador na investigaccedilatildeo

Assim como todo o processo penal deve vir estruturado de forma regular e justa

natural que o papel a cargo do julgador na investigaccedilatildeo criminal tambeacutem seja informado

por regras orientadoras e limitadoras todas tendentes agrave concretizaccedilatildeo do ideal do Estado

Democraacutetico de Direito Deve pois a atuaccedilatildeo do julgador nessa fase da persecuccedilatildeo

criminal obedecer a uma forma apropriada sob pena de aproximaccedilatildeo a modelos

processuais historicamente ultrapassados

Nesse ponto especiacutefico deve-se ter como paradigma que os poderes atribuiacutedos ao

96

julgador nesse momento natildeo podem ultrapassar sua finalidade essencial de zelar pela

legalidade do procedimento sob pena de se anularem exatamente essas garantias

essenciais

Mas sabe-se essa eacute uma preocupaccedilatildeo relativamente recente no ordenamento

juriacutedico brasileiro que comeccedila a se delinear principalmente a partir da necessidade de

compatibilizaccedilatildeo dessa fase da persecuccedilatildeo criminal agraves garantias trazidas pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 e ao sistema acusatoacuterio por ela adotado

Tais reflexotildees vecircm agrave tona em funccedilatildeo de inuacutemeros dispositivos existentes em nossa

legislaccedilatildeo processual penal e que afrontam o sistema acusatoacuterio consagrado em nossa

Carta Poliacutetica496

Por isso passaremos a seguir a analisar o papel desempenhado pelo julgador na

investigaccedilatildeo criminal brasileira buscando demonstrar a evoluccedilatildeo da nossa legislaccedilatildeo

nesse ponto ateacute a ediccedilatildeo de nossa vigente Constituiccedilatildeo

2 A atuaccedilatildeo do juiz na investigaccedilatildeo criminal percurso histoacuterico

21 As Ordenaccedilotildees do Reino

As Ordenaccedilotildees do Reino tiveram significativo papel no Brasil como decorrecircncia de

seu longo tempo de vigecircncia Durante o periacuteodo colonial eram adotadas aqui as normas de

Portugal e por isso as formas de investigar eram legalmente as do Reino497

Quando do descobrimento do Brasil vigiam em Portugal as Ordenaccedilotildees Afonsinas

sucedidas pelas Ordenaccedilotildees Manuelinas e posteriormente pelas Ordenaccedilotildees Filipinas que

foram por sua vez superadas pelas legislaccedilotildees imperiais (Coacutedigo Criminal e Coacutedigo de

Processo Penal Imperial) e republicanas498

Foi o sistema inquisitorial que prevaleceu nos

496

ABADE Denise Neves Garantias do Processo Penal Acusatoacuterio O novo papel do Ministeacuterio Puacuteblico no

Processo Penal de Partes Rio de Janeiro Renovar 2005 p 142 497

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 91 498

SANTIN Valter Foleto O Ministeacuterio Puacuteblico na Investigaccedilatildeo Criminal Bauru EDIPRO 2001 p 27

97

paiacuteses da Europa continental ateacute o seacuteculo XVIII Assim em Portugal a propensatildeo foi no

sentido de ampliar as inquiriccedilotildees pelo juiz499

Nas Ordenaccedilotildees Afonsinas as atividades de poliacutecia judiciaacuteria eram atribuiacutedas aos

juiacutezes o que perdurou nas Ordenaccedilotildees posteriores500

O processo criminal era compreendido no rol das mateacuterias que envolvem pecado

socorrendo-se frequentemente em falta de texto ao Direito Canocircnico501

Notava-se no

processo penal portanto marcante presenccedila do Direito Canocircnico e de seu procedimento

inquisitorial502

Para a indagaccedilatildeo dos crimes era permitidos natildeo soacute os meios da acusaccedilatildeo do Direito

Romano e as querelas mas tambeacutem as inquiriccedilotildees devassas do Direito Canocircnico Essas

inquiriccedilotildees devassas se realizavam de trecircs modos ldquoa acusaccedilatildeo que se inscrevia pelo auto

de querela a denuacutencia que natildeo se inscrevia pois era o meio de delaccedilatildeo secreta e da

suacuteplica dos fracos e a inquiriccedilatildeo normalmente ex officiordquo503

Havia portanto o inqueacuterito e a devassa ldquoo inqueacuterito era uma inquiriccedilatildeo que exigia

a presenccedila do acusado a devassa era a inquiriccedilatildeo feita ex officio sem o concurso do

acusado e de forma secretardquo504

Foi a inquiriccedilatildeo devassa que prestigiando o desenvolvimento do processo secreto e

o procedimento das justiccedilas prescindindo do concurso das partes transformou-se depois

na ferramente principal de todo o processo criminal ex officio505

A denuacutencia que tambeacutem se foi inserindo jaacute desde a jurisprudecircncia dos forais teve

como consequecircncia cessarem as partes de intervir no processo de instruccedilatildeo que assim

acabou absolutamente concentrado nas matildeos do juiz506

499

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 77 500

IBID p 78 501

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas

Bastos 1959 p 112 502

MARQUES Joseacute Frederico Tratado de Direito Processual Penal Satildeo Paulo Saraiva 1980 p 112 503

PIERANGELLI Joseacute Henrique Processo Penal Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Fontes Legislativas Bauru Jalovi

1983 p 56 No mesmo sentido Antonio Scarance Fernandes ensina que ldquonas Ordenaccedilotildees Afonsinas os

processos podiam resultar de notiacutecias advindas de qualquer pessoa ou do proacuteprio ofendido denominadas de

denuacutencia as quais natildeo eram inscritas estimulando-se assim as delaccedilotildees secretas podiam resultar das

querelas inscritas no auto de querela por fim podiam originar-se das inquiriccedilotildees oficiaisrdquo Teoria p

115 504

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 102 505

IBID p 102

98

A poliacutecia administrativa era atribuiacuteda aos juiacutezes e vereadores assim como aos

almotaceacutes a poliacutecia judiciaacuteria como jaacute observado era outorgada aos juiacutezes que tinham

como auxiliares os meirinhos os homens jurados (homens escolhidos que juravam perante

os conselhos cumprir os deveres da poliacutecia) e os vintaneiros (inspetores policiais dos

bairros)507

Estruturou-se assim com o decurso do tempo um corpo de agentes

especializados que compunham a poliacutecia judiciaacuteria a qual ateacute hoje exerce a funccedilatildeo de

investigaccedilatildeo dos crimes508

Agrave eacutepoca das Ordenaccedilotildees Manuelinas os processos criminais natildeo mais se

principiavam por clamores mas sim por querelas juradas por denuacutencias ou por inquiriccedilotildees

devassas509

Eacute nas Ordenaccedilotildees Manuelinas que o promotor de justiccedila eacute referido pela

primeira vez no direito portuguecircs510

Permitimo-nos guardadas as limitaccedilotildees deste trabalho analisar com maior

profundidade as Ordenaccedilotildees Filipinas pois foram elas que por mais de dois seacuteculos foram

aplicadas no nosso paiacutes ateacute mesmo depois da independecircncia

Em mateacuteria de processo penal as Ordenaccedilotildees Filipinas repisaram em grande parte

o conteuacutedo das anteriores Ordenaccedilotildees A importacircncia que lhe eacute atribuiacuteda entre noacutes decorre

diretamente de sua aplicaccedilatildeo e vigecircncia no nosso paiacutes511

Era no Livro V que vinha regulado o procedimento penal nos seus institutos

baacutesicos Para Joseacute Frederico Marques ldquosob o signo de seu sistema normativo cruel e

despoacutetico ali se acasalavam um Direito Penal retroacutegrado e sanguinaacuterio com regras

processuais inquisitivas consubstanciadas sobretudo nas tristemente famosas inquiriccedilotildees

devassasrdquo512

No sistema de processo criminal ordinaacuterio das Ordenaccedilotildees Filipinas os

procedimentos estavam divididos de acordo com os delitos classificados estes em puacuteblicos

e particulares513

506

IBID p 112 507

IBID p 120 508

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 79 509

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 59 No mesmo sentido SANTIN Valter Foleto Op cit p 27 510

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133 511

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63 512

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 113 513

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 63

99

O conhecimento dos crimes era levado a juiacutezo por meio de devassas ou inquiriccedilotildees

de querelas e de denuacutencias514

Foi como jaacute observado com as Ordenaccedilotildees Manuelinas que

se afirmaram essas trecircs formas de iniciar os processos que foram mantidas pelas

Ordenaccedilotildees Filipinas515

A acusaccedilatildeo nos crimes particulares conforme liccedilatildeo de Joatildeo Mendes de Almeida

Juacutenior era antecedida da querela da inquiriccedilatildeo sumaacuteria do corpo de delito e da

pronuacutencia516

Nos crimes puacuteblicos por sua vez dependia da querela ou da denuacutencia da

cauccedilatildeo das custas emenda e satisfaccedilatildeo do corpo de delito e da pronuacutencia e nos casos de

devassa era esta a ferramenta do procedimento oficial do juiz seguindo-se a inquiriccedilatildeo

judicial isto eacute a repergunta e o enfrentamento das testemunhas e posteriormente a

pronuacutencia517

Assim era pois formada a culpa

A pronuacutencia consistia na decisatildeo do juiz que considerava o reacuteu suspeito do delito

tornando-o objeto da devassa ou da querela contra ele dada e inscrevendo-o no nuacutemero dos

culpados cujo fundamento era o corpo de delito e os indiacutecios de autoria A confissatildeo os

instrumentos as testemunhas e os tormentos - perguntas judiciais feitas ao reacuteu de crimes

graves a fim de constrangecirc-lo a dizer a verdade por intermeacutedio de torturas - respaldavam o

julgamento518

Devassas eram as inquiriccedilotildees para o conhecimento dos delitos Estas eram

diferenciadas entre devassas gerais e devassas especiais519

As devassas gerais sobre delitos incertos ocorriam anualmente quando os juiacutezes

comeccedilavam a servir nos seus cargos Tambeacutem eram denomidadas gerais as Janeirinhas

que tinham lugar em relaccedilatildeo a alguns crimes em janeiro de cada ano As devassas

especiais pressupunham a existecircncia do delito sendo desconhecido apenas o autor520

As

devassas gerais deviam ser finalizadas no prazo de trinta dias apoacutes o seu iniacutecio as

especiais no mais das vezes deviam ter iniacuteco ateacute oito dias depois do fato e terminar dentro

de trinta dias De forma geral o nuacutemero de testemunhas inquiridas nas devassas natildeo podia

ultrapassar de trinta A realizaccedilatildeo das devassas gerais era atribuiccedilatildeo dos juiacutezes de fora e

514

IBID p 65 515

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 115 516

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135 517

IBID p 135 No mesmo sentido PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 518

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 64 519

IBID p 64 520

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 132-133

100

ordinaacuterios e dos corregedores nas suas correiccedilotildees a competecircncia para as devassas

especiais era dos juiacutezes do territoacuterio onde se deu o delito ou dos juiacutezes e outros ministros

comissionados para isso521

As devassas uma vez que realizadas sem citaccedilatildeo da parte natildeo eram consideradas

inquiriccedilotildees judiciais para o efeito do julgamento sem que as testemunhas fossem

reperguntadas assim como as testemunhas dos sumaacuterios das querelas Mas para fins de

prisatildeo preventiva assim como nos casos em que se natildeo procedia ordinariamente natildeo havia

a exigecircncia dessa reiteraccedilatildeo Ademais o reacuteu podia dispensar essa reiteraccedilatildeo se assim

desejasse assinando termo denominado de judiciais para que fossem consideradas as

devassas como inquiriccedilotildees judiciais A lei da Reformaccedilatildeo da Justiccedila de 1613 determinou

que as reperguntas deveriam ser requeridas pelos reacuteus sob pena de as testemunhas serem

consideradas judiciais agrave sua revelia522

A querela era a ldquodelaccedilatildeo que algueacutem fazia em juiacutezo competente de um fato

criminoso ou no interesse puacuteblico ou como ofendido lavrando-se disso o competente

autordquo523

Os casos de querela eram todos casos de devassa Podia a parte assim escolher

entre a querela e o procedimento oficial da justiccedila524

Ao lanccedilamento da querela seguia-se o sumaacuterio de querela com a oitiva de trecircs ou

quatro testemunhas e o juramento de caluacutenia que era formalmente lanccedilado A seguir

procedia-se ao corpo de delito que era o fundamento de todo o procedimento criminal e

que conforme as determinaccedilotildees legais formava-se pela inspeccedilatildeo ocular por conjecturas e

pelos depoimentos das testemunhas Nem mesmo a confissatildeo do reacuteu podia suprir a sua

falta525

A denuacutencia era ldquoa comunicaccedilatildeo feita agrave justiccedila do cometimento de um crime

puacuteblico para que o juiz procedesse de ofiacuteciordquo526

e soacute podia ser utilizada nos casos de

devassa ou naqueles em que a lei expressamente a facultava527

521

IBID p 133 522

IBID p 134 523

IBID p 134 524

IBID p 134 525

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 67 526

IBID p 67 527

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 135

101

Nas Ordenaccedilotildees Filipinas o serviccedilo de poliacutecia era exercido gratuitamente por

moradores divididos em quadras ou quarteirotildees e controlados pelos alcaides e depois pelos

juiacutezes da terra528

22 O Coacutedigo de Processo Criminal de 1832

O Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia foi promulgado em 29 de

novembro de 1832 Teve como objetivo a conformaccedilatildeo da legislaccedilatildeo processual agraves

garantias da Constituiccedilatildeo de 1824529

A inauguraccedilatildeo do Impeacuterio origina no acircmbito de nosso processo penal um periacuteodo

de reaccedilatildeo e constestaccedilatildeo agraves leis autoritaacuterias crueacuteis e oprimentes da monarquia portuguesa

e ldquodo qual o Coacutedigo de Processo Criminal de 1832 constitui o diploma legal culminante e

mais expressivo siacutentese que eacute dos anseios humanitaacuterios e liberais que palpitavam no seio

do povo e naccedilatildeordquo530

O paiacutes foi coberto por forte movimento constitucionalista assim que proclamada a

independecircncia do Brasil em 7 de setembro de 1822 A Constituiccedilatildeo outorgada em 25 de

marccedilo de 1824 representou a consagraccedilatildeo dos ideais liberais em nossa legislaccedilatildeo

sobretudo no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria brasileira531

substituindo assim as

perversas praacuteticas do sistema inquisitivo532

Os direitos civis e poliacuteticos dos cidadatildeos

brasileiros foram positivados em seu artigo 179 que estabeleceu preceitos e princiacutepios

garantidores de um processo criminal totalmente diferente daquele formulado sob a eacutegide

do Livro V das Ordenaccedilotildees533

A Carta Constitucional de 1824 tratava do Poder Judicial em seu Tiacutetulo VI

Afirmava que este era independente e composto de juiacutezes e jurados no ciacutevel e no crime534

528

SANTIN Valter Foleto Op cit p 28 529

SAAD Marta O direito p 29 530

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 531

SAAD Marta O direito p 27 532

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 117 533

IBID p 117 534

Art 151 O Poder Judicial independente e seraacute composto de Juizes e Jurados os quaes teratildeo logar assim

no Civel como no Crime nos casos e pelo modo que os Codigos determinarem Art 152 Os Jurados

pronunciam sobre o facto e os Juizes applicam a Lei Art 153 Os Juizes de Direito seratildeo perpetuos o que

102

e previa que haveria juiacutezes de paz eleitos pelo mesmo tempo e da mesma firna que eram

eleitos os vereadores das Cacircmaras deixando poreacutem agrave lei posterior a determinaccedilatildeo das

atribuiccedilotildees dos juiacutezes de paz e dos respectivos distritos535

Assim em atendimento ao disposto na Constituiccedilatildeo a lei de 13 de outubro de 1827

instituiu os Juizados de Paz em cada uma das freguesias e capelas curadas do Impeacuterio do

Brasil estabelecendo sua competecircncia e conferindo aos respectivos juiacutezes de paz

atribuiccedilotildees policiais preventivas536

e repressivas537

Interessam-nos aqui especialmente suas atribuiccedilotildees repressivas os juiacutezes de paz

eram responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do corpo do delito e uma vez identificado o autor este

era levado agrave sua presenccedila para interrogatoacuterio Comprovada a autoria era decretada a prisatildeo

do indiviacuteduo pelo juiz de paz que em seguida o remetia imediatamente ao juiz

criminal538

Vale salientar que durante o Impeacuterio houve a previsatildeo de uma fase para a

formaccedilatildeo da culpa com natureza investigatoacuteria encerrada com a decisatildeo de pronuacutencia a

qual configurava decisatildeo de remessa da causa a julgamento e funcionava como justificava

para a prisatildeo do acusado539

Antes mesmo da Independecircncia foram significativas as

determinaccedilotildees no sentido de se exigir a formaccedilatildeo da culpa para possibilitar-se a prisatildeo540

A criaccedilatildeo dos juiacutezes de paz pela Lei de 13 de outubro de 1827 centralizou portanto

as funccedilotildees policiais na figura desses magistrados sistema que foi preservado pelo Coacutedigo

de Processo Criminal de 1832541

todavia se natildeo entende que natildeo possam ser mudados de uns para outros Logares pelo tempo e maneira que

a Lei determinar 535

Art 161 Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliaccedilatildeo natildeo se comeccedilaraacute Processo

algum Art 162 Para este fim haveraacute juizes de Paz os quaes seratildeo electivos pelo mesmo tempo e maneira

por que se elegem os Vereadores das Camaras Suas attribuiccedilotildees e Districtos seratildeo regulados por Lei 536

ldquoEntre suas atribuiccedilotildees preventivas competia ao juiz de paz ter uma relaccedilatildeo dos criminosos para prendecirc-

los podendo inclusive adentrar nos distritos vizinhos e tendo notiacutecia de que algum criminoso se achava em

outro distrito disso avisar ao juiz de paz e ao juiz criminal respectivo Ainda cabia ao juiz de paz forccedilar os

vadios mendigos becircbados meretrizes e turbulentos a assinar termo de bem viver e por fim fazer observar

as posturas das Cacircmaras impondo devidas penas aos seus violadoresrdquo SAAD Marta O direito p 28 537

Sobre a variada atividade dos Juiacutezes de Paz ver Joatildeo Camillo de Oliveira Torres A Democracia Coroada

(Teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil) Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 248-9 538

SAAD Marta O direito p 28 539

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 121 540

ldquoPara essa finalidade de formaccedilatildeo da culpa e prisatildeo existia uma fase de inquiriccedilatildeo sumaacuteria durante a

qual eram ouvidas testemunhas elaborado o exame de corpo de delito e realizadas outras diligecircnciasrdquo

IBID p 121 541

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117

103

Assim os juiacutezes depaz - cidadatildeos eleitos pelos habitantes do distrito - detinham

enorme poder Competia-lhes dentre outras funccedilotildees proceder ao auto de corpo de delito e

formar a culpa aos delinquentes nos processos ordinaacuterios542

que despontava como a base

da acusaccedilatildeo543

Os juiacutezes de paz eram eleitos pelo povo em nuacutemero de quatro e exerciam suas

atribuiccedilotildees sucessivamente na ordem de votaccedilatildeo um por ano Concentravam grande poder

como formadores da culpa responsaacuteveis por todas as funccedilotildees policiais na investigaccedilatildeo do

crime e respectiva autoria que consubstanciam o fundamento para a acusaccedilatildeo544

O Coacutedigo Processo Criminal de Primeira Instacircncia era dividido em duas partes a

primeira delas cuidava da organizaccedilatildeo judiciaacuteria545

enquanto a segunda dispunha acerca da

forma do processo ou procedimento

No tocante agrave organizaccedilatildeo judiciaacuteria aleacutem de o Coacutedigo de Processo Criminal de

Primeira Instacircncia ter conservado a previsatildeo dos juiacutezes de paz e suas atribuiccedilotildees como jaacute

observado destacou a poliacutecia como um oacutergatildeo do Judiciaacuterio546

visto que o chefe de poliacutecia

era tambeacutem um juiz de direito547

A segunda parte do Coacutedigo que tratava da forma do processo ocasionou profunda

transformaccedilatildeo nas formas procedimentais preexistentes assim como a primeira O Coacutedigo

de Processo modificou substancialmente as formas do procedimento criminal548

ldquoAs

querelas as denuacutencias e as devassas de origem inquisitorial foram abolidas e ideias

liberais foram incorporadas agrave leirdquo549

As denuacutencias assumem caracteriacutesticas bem

diferentes daquelas estabelecidas ao tempo das Ordenaccedilotildees transfigurando-se no

542

Art 12 ldquoAos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos

delinquentesrdquo 543

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 126 anos de Inqueacuterito Policial - Perspectivas _ para o

futuro In Revista da Associaccedilatildeo dos Delegados de Poliacutecia do Estado de Satildeo Paulo n 25 Satildeo Paulo

ADPESP ano 19 Marccedilo de 1998 544

SAAD Marta O direito p 31 545

Segundo o estabelecido pelo Coacutedigo a organizaccedilatildeo judiciaacuteria se operava da seguinte forma as proviacutencias

dividiam-se em comarcas termos e distritos de paz estes correspondentes a um agrupamento de setenta e

cinco casas habitadas Em cada distrito havia um juiz de paz auxiliado por um escrivatildeo inspetores de

quarteiratildeo e oficiais de justiccedila (art 12) No termo havia um juiz municipal (Art 33) um promotor puacuteblico

(art 36) um conselho de jurados (art 23) e escrivatildees Na comarca havia um juiz de direito nuacutemero este que

poderia ser ateacute triplicado nas cidades mais populosas sendo que um dos juiacutezes de direito seria tambeacutem o

chefe de poliacutecia 546

Art 6ordm Feita a divisatildeo haveraacute em cada Comarca um Juiz de Direito nas Cidades populosas poreacutem poderatildeo

haver ateacute tres Juizes de Direito com jurisdicccedilatildeo cumulativa sendo um delles o Chefe da Policia 547

SAAD Marta O direito p 29 548

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 549

SAAD Marta O direito p31-32

104

instrumento de accedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico ou da accedilatildeo puacuteblica de qualquer do povo550

a

querela foi substituiacuteda pela queixa que consubstanciava a acusaccedilatildeo formulada pelo

ofendido seu pai matildee tutor curador cocircnjuge551

o procedimento ldquoex officiordquo inaugurado

pelo proacuteprio juiz passou a ser admitido em todos os casos em que cabiacutevel a denuacutencia

ainda que denuacutencia natildeo houvesse552

A formaccedilatildeo da culpa que compreende o

procedimento desde o corpo de delito ateacute o interrogatoacuterio foi feita em sumaacuterio somente

sendo permitido proceder-se em segredo quando a ela natildeo assistisse o delinquente e seus

soacutecios553

Necessaacuterio ressalvar que o sentido que a locuccedilatildeo formaccedilatildeo da culpa aqui assume eacute

aquele preciso da formaccedilatildeo da culpa preliminar procedimento preacutevio agrave pronuacutencia mas que

abrange natildeo soacute o sumaacuterio de inquiriccedilatildeo de testemunhas como tambeacutem os atos do corpo do

delito Compreende portanto anteriormente agrave declaraccedilatildeo de procedecircncia ou

improcedecircncia da queixa ou denuacutencia ou procedimento ex officio todos os atos realizados

para estabelecer a existecircncia do crime e indiacutecios contundentes de autoria554

A formaccedilatildeo da culpa aqui compreendida portanto no seu sentido estrito era

subordinada ao princiacutepio inquisitivo sendo conduzida pelo juiz de paz555

ldquoIsto eacute

instruccedilatildeo do juiz natildeo soacute como resultado mas tambeacutem como atividade de se instruir

atribuiacuteda ao proacuteprio juiz sem dependecircncia da atividade das partes nem mesmo do

promotor puacuteblicordquo556

Essa independecircncia do juiz em face do queixoso ou do denunciante podia ser

observada na lei imperial sob quatro diferentes perspectivas ldquoa) no iniciar a formaccedilatildeo do

corpo de delito b) no formar o corpo de delito c) no iniciar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de

testemunhas d) no realizaacute-lardquo557

550

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 175 551

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 117 552

ldquoInstaurava-se o procedimento penal mediante queixa do ofendido seu pai matildee tutor curador ou

cocircnjuge Ou entatildeo por denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico ou de qualquer do povo e ainda mediante atuaccedilatildeo

ex officio do juizrdquo MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 553

IBID p 176 De acordo com Antonio Scarance Fernandes com o Coacutedigo de Processo de 1832 ldquoa fase de

formaccedilatildeo da culpa denominada de sumaacuterio era de responsabilidade dos juiacutezes de paz e compreendia em

siacutentese os seguintes atos apresentaccedilatildeo de queixa ou denuacutencia ao juiz de paz diligecircncias inquiriccedilotildees

interrogatoacuterio pronuacutenciardquo Teoria p 123 554

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo

1973 p 125 555

SAAD Marta O direito p 32 556

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 557

IBID p 126

105

Esse procedimento da formaccedilatildeo da culpa portanto origem do que depois seria

disciplinado como inqueacuterito policial tratava-se de breve procedimento acautelatoacuterio das

provas principais dos delitos e no qual a urgecircncia representava a principal preocupaccedilatildeo558

Como alicerce exclusivo da acusaccedilatildeo era atribuiacutedo ao juiz de paz a quem competia a

lavratura de auto de corpo do delito e formaccedilatildeo da culpa dos delinquentes o que abrandia a

inquiriccedilatildeo testemunhal e o registro de dois a cinco depoimentos de testemunhas559

De fato dispunha o coacutedigo que na atividade de investigaccedilatildeo o juiz de paz

procedesse a auto de corpo de delito e formasse a culpa dos delinquentes560

e que atuasse

sempre seja devido a requerimento formulado pela parte seja por iniciativa proacutepria561

com exceccedilatildeo dos crimes de accedilatildeo exclusivamente privada562

Ao juiz de paz incumbia

reunir tudo que encontrasse no lugar do delito e arredores e que pudesse servir de prova563

bem como deveria proceder agrave inquiriccedilatildeo das testemunhas do sumaacuterio ainda que natildeo

houvesse denunciante564

mandando chamaacute-las de ofiacutecio565

para que depusessem sobre a

existecircncia do crime e autoria delitiva566

567

O juiz de paz possuiacutea independecircncia em relaccedilatildeo ao promotor puacuteblico para agir no

cumprimento daquelas obrigaccedilotildees de lei jaacute que sua subordinaccedilatildeo natildeo seria possiacutevel sem

recorrentes prejuiacutezos para a justiccedila penal568

devido agrave inexistecircncia de um representante do

Ministeacuterio Puacuteblico em cada distrito de paz a natildeo ser naquele que fosse sede de termo569

558

IBID p 126 559

SAAD Marta O direito p 32-33 560

Art 12 Aos Juizes de Paz compete () sect 4ordm Proceder a Auto de Corpo de delicto e formar a culpa aos

delinquentes 561

Art 138 O Juiz procederaacute a auto de corpo de delicto a requerimento de parte ou ex-officio nos crimes

em que tem lugar a denuncia 562

Art 139 Os autos de corpo de delicto feitos a requerimento de parte nos crimes em que natildeo tem lugar a

denuncia seratildeo entregues aacute parte se o pedir sem que delles fique traslado 563

Art 136 O Juiz mandaraacute colligir tudo quanto encontrar no lugar do delicto e sua vizinhanccedila que possa

servir de prova 564

Art 141 Nos casos de denuncia ainda que natildeo haja denunciante o Juiz procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de

testemunhas na foacuterma do artigo antecedente fazendo autuar o auto de corpo de delicto se o houver 565

Art 84 As testemunhas seratildeo offerecidas pelas partes ou mandadas chamar pelo Juiz ex-officio 566

Art 140 Apresentada a queixa ou denuncia com o auto do corpo de delicto ou sem elle natildeo sendo

necessario o Juiz a mandaraacute autuar e procederaacute aacute inquiriccedilatildeo de duas ateacute cinco testemunhas que tiverem

noticia da existencia do delicto e de quem seja o criminoso 567

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 126 568

IBID p 126 569

Art 4ordm Haveraacute em cada Districto um Juiz de Paz um Escrivatildeo tantos Inspectores quantos forem os

Quarteirotildees e os Officiaes de Justiccedila que parecerem necessarios Art 5ordm Haveraacute em cada Termo ou Julgado

um Conselho de Jurados um Juiz Municipal um Promotor Publico um Escrivatildeo das execuccedilotildees e os

Officiaes de Justiccedila que os Juizes julgarem necessarios

106

O juiz de paz igualmente natildeo dependia do indiciado para formar o corpo do delito

ou para instaurar a sumaacuteria inquiriccedilatildeo de testemunhas570

Antes ou durante a formaccedilatildeo da culpa era possiacutevel a prisatildeo em flagrante571

ou

preventiva572

do reacuteu Nesses casos estando o delinquente preso ou afianccedilado assistia a

inquiriccedilatildeo das testemunhas podendo ser interrogado pelo juiz e contestar as testemunhas573

574 Ainda residindo no distrito de paz de maneira que pudesse ser conduzido agrave presenccedila

do juiz a tempo de assistir agrave deposiccedilatildeo podia igualmente ser interrogado e contestar os

testemunhos

Dessa forma o reacuteu preso afianccedilado ou morador das proximidades do lugar onde

ocorria a formaccedilatildeo da culpa podia ser levado agrave presenccedila do juiz mas natildeo citado

Facultava-se-lhe entatildeo requerer que as testemunhas inquiridas na sua ausecircncia fossem

reperguntadas na sua presenccedila Mas o juiz soacute o deferiria sendo possiacutevel575

sem prejuiacutezo aos

objetivos e do caraacuteter urgente da instruccedilatildeo576

Presente o reacuteu o juiz deveria ordenar a leitura de todas as peccedilas comprobatoacuterias de

seu crime para interrogaacute-lo E finalmente se por meio da inquiriccedilatildeo das testemunhas do

interrogatoacuterio do indiciado delinquente ou de informaccedilotildees a que tivesse procedido o juiz

de paz se convencesse da existecircncia do delito e de quem fosse o seu autor declararia a

procedecircncia da acusaccedilatildeo e obrigaria o delinquente agrave prisatildeo nos casos legais577

Como o Coacutedigo de Processo Criminal de Primeira Instacircncia natildeo previa meacutetodos

substanciais para a formaccedilatildeo da culpa todos esses atos praticados pelo juiz de paz eram de

570

ldquoNatildeo haacute um soacute artigo que afirme a necessaacuteria citaccedilatildeo do suspeito e a isso acresce a circunstacircncia de

serem possiacuteveis ateacute mesmo pronuacutencias (antes da confirmaccedilatildeo) sem identificaccedilatildeo do culpado o que seria

inexplicaacutevel se devesse prevalecer aquela necessidade (arts 329 e 247)rdquo ALMEIDA Joaquim Canuto

Mendes de Princiacutepios fundamentais do Processo Penal RT Satildeo Paulo 1973 p 126-127 571

Art 131 Qualquer pessoa do povo poacutede e os Officiaes de Justiccedila satildeo obrigados a prender e levar aacute

presenccedila do Juiz de Paz do Districto a qualquer que focircr encontrado commettendo algum delicto ou

emquanto foge perseguido pelo clamor publico Os que assim forem presos entender-se-hatildeo presos em

flagrante delicto 572

Art 175 Poderatildeo tambem ser presos sem culpa formada os que forem indiciados em crimes em que natildeo

tem lugar a fianccedila poreacutem nestes e em todos os mais casos aacute excepccedilatildeo dos de flagrante delicto a prisatildeo natildeo

pode ser executada senatildeo por ordem escripta da autoridade legitima 573

Art 142 Estando o delinquente preso ou afianccedilado ou residindo no Districto de maneira que possa ser

conduzido aacute presenccedila do Juiz assistiraacute aacute inquiriccedilatildeo das testemunhas em cujo acto poderaacute ser interrogado

pelo Juiz e contestar as testemunhas sem as interromper 574

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 575

Art 97 Toda a vez que o reacuteo levado aacute presenccedila do Juiz requerer que as testemunhas inquiridas em sua

ausencia sejam reperguntadas em sua presenccedila assim lhe seraacute deferido sendo possivel 576

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127 577

IBID p 127

107

algum modo discricionaacuterios e este podia assim desatender os pedidos do suspeito levado

agrave sua presenccedila conforme a necessidade e a urgecircncia das provas578

Os atos de denuacutencia e queixa representavam com relaccedilatildeo ao sumaacuterio de culpa

simples incentivo ao funcionamento inquisitoacuterio do juiz quando a espontaneidade natildeo se

tivesse revelado jaacute que ao promotor puacuteblico incumbia a denuacutencia qualquer pessoa do

povo podia igualmente denunciar e o ofendido podia apresentar sua queixa579

Em resumo o Coacutedigo de Processo natildeo instituiu foacutermulas substanciais para a

formaccedilatildeo da culpa mas tatildeo somente foacutermulas substanciais do processo principal Por isso

a formaccedilatildeo da culpa propriamente dita nunca era anulada conquanto se anulassem

decisotildees tanto do juacuteri de acusaccedilatildeo quanto do juacuteri de sentenccedila devido a irregularidades da

formaccedilatildeo da culpa580

Pode-se dizer assim que o Coacutedigo de 1832 empreendeu uma das mais complexas

mudanccedilas institucionais no Brasil Abandonamos o centralismo e a severidade da justiccedila

despoacutetica dos tribunais reacutegios que aplicavam as Ordenaccedilotildees para um sistema em que a

aplicaccedilatildeo da justiccedila era atribuiacuteda agraves cacircmaras municipais e ao povo diretamente Na praacutetica

poreacutem infelizmente essa iniciativa liberal era constantemente deturpada transformando

da justiccedila em arma das facccedilotildees em luta E isto numa eacutepoca de crise do princiacutepio de

autoridade como durante a regecircncia ldquoEm palavras simples a poliacutecia e a justiccedila eletiva

tornaram-se instrumento dos mais poderososrdquo581

As inquitaccedilotildees poliacuteticas e os movimentos revolucionaacuterios que tomaram conta do

paiacutes entre 1830 e 1840 foram responsaacuteveis por demonstrar a vulnerabilidade dos meios

legais estabelecidos para conter os excessos que eram praticados Nesse cenaacuterio e natildeo sem

reaccedilatildeo foi promulgada a Lei nordm 261 de 3 de dezembro de 1841 e logo apoacutes em 31 de

janeiro de 1842 foi expedido o Regulamento nordm 120582

578

SAAD Marta O direito p 35 579

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 127-128 580

IBID p 128 581

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 582

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 117

108

23 A Lei nordm 261 de 03121841 e o Regulamento nordm 120 de 31011842

A Lei nordm 261 de 03121841 obra de caraacuteter monaacuterquico-conservador com

conteuacutedo altamente centralizador e despoacutetico583

e seu e seu Regulamento nordm 120 de 31 de

janeiro de 1842 provocaram uma profunda reforma no Coacutedigo de Processo Criminal de

Primeira Instacircncia

Frutos da resistecircncia monaacuterquico-conservadora especialmente no acircmbito da

organizaccedilatildeo judiciaacuteria e policial visaram fornecer ao Governo imperial ferramentas e

artifiacutecios para reprimir a desordem e impor sua autoridade em todos os setores da paiacutes

tendo em vista que o sistema adotado pelo Coacutedigo de 1832 se mostrava pouco eficaz para

recuparar de uma vez por todas a ordem e a tranquilidade584

A Lei de 3 de dezembro buscou implementar um aparelhamento policial fortemente

centralizado e dotar o Governo de poderes bastantes para cumprir a tarefa a que se

propunha de tornar efetiva a autoridade legal585

Essas legislaccedilotildees proporcionaram poucas mudanccedilas no regime inquisitoacuterio do

Coacutedigo de Processo Suas novidades relacionaram-se sobretudo agrave forma de organizaccedilatildeo

judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes propensas a assegurar a forccedila do poder nacional contra as

excessivas prerrogativas dos elementos regionais586

Dentre as principais criacuteticas a respeito do Coacutedigo de Processo Criminal de 1832

afirmava-se que as funccedilotildees policiais e judiciaacuterias laacute atribuiacutedas agrave mesma autoridade ndash o juiz

de paz - eram muito diferentes razatildeo pela qual deveriam ser separadas tornando-se a

poliacutecia oacutergatildeo do Executivo587

588

E essa foi exatamente a mais significativa alteraccedilatildeo

produzida pela Lei nordm 2611841 e seu Regulamento nordm 1201842 ou seja a entrega do

poder anteriormente confiado aos juiacutezes de paz para os delegados de poliacutecia nova figura

583

SAAD Marta O direito p 40 584

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 118 585

IBID p 119 586

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131 587

SAAD Marta O direito p 41 588

Haacute muito jaacute se discutia a necessidade de reforma do Coacutedigo de Processo Criminal apontando-se dentre

outras questotildees a importacircncia da dissociaccedilatildeo das funccedilotildees judiciaacuterias e policiais que estavam entregues aos

juiacutezes municipais e aos juiacutezes de paz PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 135

109

criada pela Lei nordm 2611841 e assim chamados por exercerem delegaccedilatildeo do chefe de

poliacutecia589

As atribuiccedilotildees do juiz de paz restringiram-se ao miacutenimo590

Estabeleceu-se que em

cada proviacutencia haveria um chefe de poliacutecia escolhido entre os desembargadores e juiacutezes

de direito pelo Imperador591

Na corte e em cada termo existiria um delegado proposto

pelo chefe de poliacutecia592

e nomeado na corte pelo Imperador e na proviacutencia pelo seu

presidente593

Ainda haveria os subdelegados um em cada distrito de paz das proviacutencias

propostos pelo chefe de poliacutecia ouvido o delegado594

e nomeados pelo presidente da

proviacutencia respectiva595

596

Com efeito segundo Marta Saad ldquocom a redaccedilatildeo dada ao Coacutedigo pela reforma o

juiz de paz eletivo cedeu suas atribuiccedilotildees policiais e sua jurisdiccedilatildeo criminal a delegados e

subdelegados os quais eram nomeados e demitidos ao arbiacutetrio do governordquo597

589

SAAD Marta O direito p 40 590

ldquoA Lei n 261 de 3121841 em modificaccedilatildeo ao Coacutedigo de Processo Criminal criou aparelhamento

policial centralizado e retirou muitas atribuiccedilotildees do juiz de pazrdquo SANTIN Valter Foleto Op cit p 28-29 591

De acordo com o artigo 2ordm da Lei nordm 26141 ldquoos Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os

Desembargadores e Juizes de Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos

seratildeo todos amoviveis e obrigados a aceitarrdquo O artigo 24 do Regulamento 120 de 1842 dispunha que ldquoos

Chefes de Policia aleacutem do ordenado de Desembargadores (quando o sejatildeo) ou de Juizes do Direito das

Capitaes em que servirem venceraacuteotilde mais uma gratificaccedilatildeo proporcional ao trabalho a qual seraacute marcada

pelo Governo sobre informaccedilotildees dos Presidentes das Provinciasrdquo 592

Art 26 Os Delegados seratildeo propostos dentre os Juizes Municipaes de Paz Bachareis formados ou

outros quaesquer Cidadatildeos (aacute excepccedilatildeo dos Parochos) com tanto que residatildeo nas Cidades ou Villas que

forem cabeccedilas de Termo (ou dos Termos no caso da reuniatildeo de que trata o art 31 da Lei de 3 de Dezembro

de 1841) ou mui proximamente (nunca poreacutem foacutera dos limites do dito Termo ou Termos) e tenhatildeo as

qualidades requeridas para ser Eleitor e que sejatildeo homens de reconhecida probidade e intelligencia 593

Art 1ordm da Lei nordm 26141 Haveraacute no Municipio da Cocircrte e em cada Provincia um Chefe de Policia com os

Delegados e Subdelegados necessarios os quaes sobre proposta seratildeo nomeados pelo Imperador ou pelos

Presidentes Todas as Autoridades Policiaes satildeo subordinadas ao Chefe da Policia Art 25 do Regulamento

12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte e pelos Presidentes das

Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas as necessarias

observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos propostos Estas

propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 594

Art 2ordm da Lei nordm 26141 Os Chefes de Policia seratildeo escolhidos dentre os Desembargadores e Juizes de

Direito os Delegados e Subdelegados dentre quaesquer Juizes e Cidadatildeos seratildeo todos amoviveis e

obrigados a acceitar Art 27 do Regulamento 12042 Os Subdelegados seratildeo propostos ouvindo o

Delegado dentre os Juizes de Paz dos respectivos districtos dentre os Bachareis formados e outros

quaesquer Cidadatildeos que nelles residirem e tiverem as qualidades requeridas no artigo antecedente 595

Art 25 do Regulamento 12042 Os Delegados e Subdelegados seratildeo nomeado pelo Imperador na Cocircrte

e pelos Presidentes das Provincias sobre proposta dos Chefes de Policia a qual seraacute acompanhada de todas

as necessarias observaccedilotildees informaccedilotildees documentos e esclarecimentos que justifiquem a idoneidade dos

propostos Estas propostas comprehenderaacuteotilde tres nomes e quando forem rejeitadas for-se-hatildeo outras 596

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 597

SAAD Marta O direito p 41-42

110

O Regulamento nordm 1201842 consagrou a diferenciaccedilatildeo da poliacutecia em

administrativa e judiciaacuteria com fundamento nas atribuiccedilotildees e na competecircncia Disciplinou-

as em distintas seccedilotildees mas no mesmo capiacutetulo Agrave poliacutecia judiciaacuteria foram outorgadas no

bojo do artigo 3ordm598

as funccedilotildees de proceder ao corpo de delito expedir mandado de busca e

apreensatildeo prender denunciados e julgar crimes no acircmbito de sua competecircncia599

Como anteriormente observado a expressiva alteraccedilatildeo gerada por essa reforma

ocorreu na esfera da organizaccedilatildeo judiciaacuteria e poliacutetica do paiacutes e natildeo exatemente no acircmbito

das reformas procedimentais600

A competecircncia para o procedimento de instruccedilatildeo preliminar ou formaccedilatildeo da culpa

(corpo do delito e sumaacuterio da pronuacutencia) disciplinado no Capitulo VIII do Tiacutetulo I ndash

disposiccedilotildees criminais601

foi transferida para delegados e subdelegados bem como para o

chefe de poliacutecia ndash que vale ressaltar era escolhido sempre dentre desembargadores e

juiacutezes de direito602

- assim tambeacutem a faculdade de pronunciarem603

com recurso ex officio

para o juiz municipal que sustentava ou revogava o despacho604

Esse magistrado tambeacutem

podia formar a culpa e pronunciar originariamente605

606

598

Art 3ordm Satildeo da competencia da Policia Judiciaria 1ordm A attribuiccedilatildeo de proceder a corpo de delicto

comprehendida no sect 4ordm do art 12 do Codigo do Processo Criminal 2ordm A de prender os culpados

comprehendida no sect 5ordm do mesmo artigo do dito Codigo 3ordm A de conceder mandados de busca 4ordm A de julgar

os crimes a que natildeo esteja imposta pena maior que multa ateacute 10$000 prisatildeo degredo ou desterro ateacute seis

mezes com multa correspondente aacute metade desse tempo ou sem ella e tres mezes de Casa de Correcccedilatildeo ou

officinas publicas onde as houver (Cod do Proc Crim art 12 sect 7ordm) 599

SAAD Marta O direito p 43 600

IBID p 43 601

Artigos 47 a 53 da Lei nordm 26141 602

Art 262 Os Chefes de Policia Juizes Municipaes Delegados e Subdelegados procederaacuteotilde aacute formaccedilatildeo da

culpa ou em virtude de queixas ou denuncias dadas nos casos e com as formalidades estabelecidas nos arts

72 73 74 75 76 78 e 79 do Codigo do Processo Criminal ou meramente ex-officio 603

ldquoOs despachos de pronuacutencia ou impronuacutencia proferidos pelos chefes de poliacutecia ou pelos juiacutezes municipais

produziam desde logo seus efeitos independentemente de ratificaccedilatildeo (artigo 287 do Regulamento 120) Tal

natildeo acontecia com os lavrados pelos delegados e subdelegados que ficavam dependentes de sustentaccedilatildeo ou

revogaccedilatildeo dos juiacutezes municipais que assim substituiacuteram nas respectivas funccedilotildees o juacuteri de acusaccedilatildeo Este

foi suprimidordquo ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131-132 604

Art 4ordm da Lei 26141 Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos

respectivos districtos compete sect 1ordm As attribuiccedilotildees conferidas aos Juizes de Paz pelo art 12 sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm

5ordm e 7ordm do Codigo do Processo Criminal ()Art 5ordm Os Subdelegados nos seus districtos teratildeo as mesmas

attribuiccedilotildees marcadas no artigo antecedente para os Chefes de Policia e Delegados exceptuadas as dos sectsect 5ordm

6ordm e 9ordm

Art 17 da Lei 26141 Compete aos Juizes Municipaes () sect 3ordm Sustentar ou revogar ex-officio as

pronuncias feitas pelos Delegados e Subdelegados 605

Conforme artigo 211 do Regulamento 1201842 ldquoAos Juizes Municipaes na parte criminal compete ()

2ordm Proceder a auto de corpo de delicto e formar culpa aos delinquentes e aos Officiaes que perante elles

serviremrdquo 606

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 131

111

Ao receberem dos delegados e subdelegados os processos de formaccedilatildeo da culpa os

juiacutezes municipais deveriam examinaacute-los para aferir a o correto cumprimento das

formalidades legais ou de fallhas que pudessem prejudicar a elucidaccedilatildeo do fato e de suas

circunstacircncias Podiam entatildeo para reparaccedilatildeo das deficiecircncias ou deslizes verificados

proceder de ofiacutecio ou a pedido da parte a todas as diligecircncias que julgassem essenciais para

ratificaccedilatildeo do processado para reparar nulidades e para esclarecer a verdade (artigos

290607

291608

e 292609

)610

Assim em toda proviacutencia do Impeacuterio e na Corte a instruccedilatildeo preliminar o auto de

corpo de delito e a formaccedilatildeo da culpa passaram a ser incumbecircncia dos chefes de poliacutecia e a

de seus delegados nos respectivos distritos611

Podiam tambeacutem as aludidas autoridades policiais remeter aos Juiacutezes competentes

quando julgassem adequado todos os dados provas e esclarecimentos que houvessem

obtido sobre um delito com uma exposiccedilatildeo do caso e suas circunstacircncias a fim de

formarem a culpa612

O Regulamento nordm 12042 em seu artigo 61613

esclarecia que tal

607

Art 290 Se quando lhes forem presentes os processos para o fim indicado no artigo antecedente acharem

os Juizes Municipaes que ha nelles pretericcedilatildeo de formalidades legaes que induz nullidade ou faltas que

prejudicatildeo o esclarecimento da verdade do facto e de suas circumstancias procederaacuteotilde ex-officio ou a

requerimento de parte a todas as diligencias que julgarem precisas para a ratificaccedilatildeo das queixas ou

denuncias emenda das faltas que induzirem nullidade e a fim de dar ao facto e suas circumstancias todo o

esclarecimento que focircr necessario havendo-se nisso o mais breve e summariamente que focircr possivel 608

Art 291 Para esse fim mandaraacuteotilde que as queixas e denuncias sejatildeo juradas e assignadas pelos queixosos e

denunciantes que os autos interrogatorios e inquiriccedilotildees sejatildeo assignadas pelos Juizes partes testemunhas e

mais pessoas que tenhatildeo intervindo quando faltarem taes solemnidades ordenaraacuteotilde os interrogatorios dos

reacuteos a repergunta acareaccedilatildeo e confrontaccedilatildeo das testemunhas e outras diligencias quando nos ditos

processos natildeo houver sufficiente esclarecimento sobre o crime e suas circumstancias e sobre os seus autores

ou complices 609

Art 292 Estas diligencias seratildeo feitas perante os mesmos Juizes Municipaes quando os reacuteos presos ou

soltos as testemunhas ou outras quaesquer pessoas que tenhatildeo de intervir nellas estiverem em distancia tal

que lhes permitta vir e voltar no mesmo dia aliaacutes seratildeo feitas pela mesma Autoridade que remetteu o

processo reenviando-lho o Juiz Municipal com as instrucccedilotildees que julgar necessarias as quaes seratildeo por elle

lanccediladas nos autos 610

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 132 611

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 612

Art 4ordm Aos Chefes de Policia em toda a Provincia e na Cocircrte e aos seus Delegados nos respectivos

districtos compete () sect 9ordm Remetter quando julgarem conveniente todos os dados provas e

esclarecimentos que houverem obtido sobre um delicto com uma exposiccedilatildeo do caso e de suas

circumstancias aos Juizes competentes a fim de formarem a culpa Se mais de uma autoridade competente

comeccedilarem um processo de formaccedilatildeo de culpa proseguiraacute nelle o Chefe de Policia ou Delegado salvo

poreacutem o caso da remessa de que se trata na primeira parte deste paragrapho 613

Art 61 A remessa de que trata o sect 13 do art 58 poderaacute ter lugar nos casos dos sectsect 1ordm 2ordm 3ordm 4ordm 5ordm 6ordm 7ordm e

12 do mesmo artigo todas as vezes que esses casos se natildeo apresentem revestidos de circumstancias

extraordinarias e taes que reclamem a attenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Policia e o emprego

de meios mais amplos que tenha aacute sua disposiccedilatildeo A exposiccedilatildeo de que trata o referido sect 13 deveraacute conter

aquellas instrucccedilotildees que o mesmo Chefe julgar conveniente dar a indicaccedilatildeo das testemunhas que souberem

do facto e de todos os indicios que se houverem descoberto e ser acompanhada dos requerimentos queixas

ou denuncias que houverem

112

remessa somente poderia ocorrer quanto agrave formaccedilatildeo da culpa nos casos que natildeo se

apresentassem ldquorevestidos de circunstacircncias extraordinaacuterias e tais que reclamassem a

atenccedilatildeo particular e o conhecimento do Chefe de Poliacutecia e o emprego de meios mais

amplos que tenha agrave sua disposiccedilatildeordquo614

Assim por meio de tais dispositivos e em especial do artigo 16615

do Regulamento

nordm 12042 pode-se dizer que o legislador paacutetrio comeccedilava entatildeo a determinar o registro

das conclusotildees obtidas a partir das indagaccedilotildees antecedentes como simples forma de

colaboraccedilatildeo com as autoridades sumariantes ofertada naquelas ocasiotildees em que a primeira

autoridade indagadora natildeo fosse concomitantemente a competente para a formaccedilatildeo da

culpa e devesse por isso ldquoinformar-se para informar mediante provas e mais

esclarecimentos que houverem de remeter para a formaccedilatildeo da culpa a juiacutezes

competentesrdquo616

Em resumo com o advento da Lei 261 de 03121841 a formaccedilatildeo da culpa passou

a ser atribuiacuteda aos chefes de poliacutecia seus delegados e subdelegados e ao juiz municipal

que substituiu o juiz de paz concentrando funccedilotildees policiais e criminais617

Aos juiacutezes de

paz no entanto agora com poderes reduzidos em funccedilatildeo do poder concedido agrave poliacutecia era

permitido proceder ao auto de corpo de delito618

e agrave formaccedilatildeo da culpa619

concorrentemente

614

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 615

Art 16 Os Chefes de Policia para a expediccedilatildeo dos negocios que pertencem aacute Policia administrativa

enumerados no art 2ordm do presente Regulamento e bem assim para escrever os interrogatorios provas e mais

esclarecimentos que houverem de remetter par a formaccedilatildeo da culpa aos Juizes competentes na

conformidade do sect 9ordm do art 4ordm da Lei de 9 de Dezembro de 1841 e do art 61 do dito Regulamento servir-

se-hatildeo dos Empregados da sua Secretaria e para a dos negocios que pertencerem aacute Policia Judiciaria

enumerados no art 3ordm do mesmo Regulamento e dos criminaes servir-se-hatildeo de qualquer dos Escrivatildees que

escrevem perante os Juizes Municipaes e Subdelegados que julgarem conveniente chamar Em todos os

casos poreacutem estando foacutera da Capital e seu Termo poder-se-hatildeo servir destes ultimos Art 17 Os Delegados

de Policia quer sejatildeo Juizes Municipaes quer sejatildeo tirados doutra classe do cidadatildeos empregaraacuteotilde no

expediente e escripturaccedilatildeo de todos os negocios a seu cargo os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila que servirem

perante Juizes Municipaes os quaes seratildeo obrigados a obedecer-lhes e a cumprir as suas ordens debaixo das

penas da Lei Nos casos deste artigo e da 2ordf parte do antecedente os Chefes de Policia e Delegados

participaraacuteotilde officialmente aos Juizes Municipaes e Subdelegados quaes os Escrivatildees e Officiaes de Justiccedila

que tiverem empregados Art 18 Cada Subdelegado teraacute um Escrivatildeo (a cujo cargo estaraacute todo o seu

expediente) e o numero de Inspectores de Quarteiratildeo que admittir o districto 616

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 201 617

SAAD Marta O direito p 46 618

Art 65 As attribuiccedilotildees policiaes dos Juizes de Paz consistem () 6ordm Em fazer corpos de delicto 619

SAAD Marta O direito p 43-44

113

Jaacute aos juiacutezes de direito das comarcas quanto ao tema restou formar a culpa dos

empregados puacuteblicos natildeo privilegiados nos crimes de responsabilidade620

Como se pocircde observar confundia a Lei justiccedila e poliacutecia621

conferindo agraves

autoridades policiais funccedilotildees natildeo soacute policiais como judiciaacuterias622

Assim ldquoa reaccedilatildeo contra

o judiciarismo policial dos liberais de 1832 com as funccedilotildees policiais entregues a juiacutezes de

paz eletivos foi certamente excessiva com a inversatildeo operada ndash o policialismo judiciaacuterio ndash

confiadas agraves autoridades policiais funccedilotildees nitidamente judiciaacuteriasrdquo623

Durante cerca de trinta anos o Brasil vivenciou essa situaccedilatildeo natildeo sem protestos e

projetos legislativos de reforma que findaram na Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871

apoacutes intensos debates em ambas as casas do parlamento imperial que suscitaram

sobretudo a questatildeo da diferenccedila das funccedilotildees policiais e judiciaacuterias da separaccedilatildeo da

poliacutecia e da judicatura624

24 A lei nordm 2033 de 20091871 e o Decreto nordm 4824 de 22111871

A Lei nordm 2033 de 20 de setembro de 1871 e o Decreto nordm 4824 de 22 de novembro

620

Art 25 Aos Juizes de Direito das Comarcas aleacutem das attribuiccedilotildees que tem pelo Codigo do Processo

Criminal compete 1ordm Formar culpa aos Empregados Publicos natildeo privilegiados nos crimes de

responsabilidade Esta jurisdicccedilatildeo seraacute cumulativamente exercida pelas Autoridades Judiciarias a respeito dos

Officiaes que perante as mesmas servirem 621

O Deputado Moura Magalhatildees assim se manifestava quanto agrave Lei de 1841 ldquoUm coacutedigo firmado nos

princiacutepios da satilde filosofia um coacutedigo esclarecido pelos princiacutepios da razatildeo e da humanidade exige que as

funccedilotildees da poliacutecia estejam separadas das funccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa e estas das funccedilotildees do julgamento

E quais as razotildees disto O funcionaacuterio que efetua a prisatildeo jaacute fica prevenido contra o reacuteu se ele lhe forma a

culpa esta prevenccedilatildeo aumenta de grau e se chega ao ponto de lhe infligir a pena do Coacutedigo pode-se bem

dizer que a imparcialidade inteiramente desaparece Eu quisera ver extremadas estas trecircs classes de

funccedilotildees eu natildeo quisera ver atribuiccedilotildees policiais (a pesquisa e o exame do corpo dos delitos a prisatildeo dos

delinquentes e o colhimento de provas) estivessem acumuladas as atribuiccedilotildees de formaccedilatildeo da culpa

(produccedilatildeo e reiteraccedilatildeo dos depoimentos apreciaccedilatildeo do corpo de delito e das provas determinaccedilatildeo do

caraacuteter legal do fato incriminado) e muito menos com as atribuiccedilotildees de julgamentordquo ALMEIDA JUacuteNIOR

Joatildeo Mendes de O processo criminal brasileiro 4ordf ed V1 Satildeo Paulo Freitas Bastos 1959 p 181-182 622

ALMEIDA JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 192 623

SOUSA Octavio Tarquinio de Bernardo Pereira de Vasconcellos e seu tempo Rio de Janeiro Joseacute

Olympio 1937 p 235 624

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 64

114

do mesmo ano reformaram o sistema adotado pela Lei nordm 26141 separando justiccedila e

poliacutecia625

e alterando a natureza do sumaacuterio de culpa626

627

O Decreto nordm 4824 disciplinou em 1871 o inqueacuterito policial que a partir de entatildeo

constitui a ferramente principal da fase de investigaccedilatildeo no direito brasileiro628

Tal

estruturaccedilatildeo adveio de uma preocupaccedilatildeo garantista pois teve como intuito reprimir abusos

na atuaccedilatildeo das autoridades policiais que a partir da Lei de 3 de dezembro de 1841 e do

Regulamento 120 de 31 de janeiro de 1842 foram dotadas de desmedidos poderes no

sistema processual penal brasileiro629

A reforma de 1871 traduziu portanto uma reaccedilatildeo do liberalismo contra as

disposiccedilotildees da lei de 3 de dezembro de 1841 e sua primeira providecircncia foi asseverar que

nas Capitais que fossem sede de Relaccedilatildeo assim como nas comarcas de um soacute termo a elas

ligadas por faacutecil comunicaccedilatildeo de modo que fosse possiacutevel ir e voltar no mesmo dia a

jurisdiccedilatildeo de primeira instacircncia seria exercida unicamente pelos juiacutezes de direito630

Isto eacute

a atividade das autoridades policiais foi transferida para a esfera de atribuiccedilotildees dos juiacutezes

municipais ou dos juiacutezes de direito no caso das capitais que fossem sede da Relaccedilatildeo e nas

comarcas a elas ligadas Assim tambeacutem a incumbecircncia de formaccedilatildeo da culpa631

passou aos

juiacutezes municipais e aos juiacutezes de direito devendo ser exercida na comarca em vez do

distrito de paz ou policial e as autoridades policiais deixaram de pronunciar632

como

faziam anteriormente633

625

Art 1ordm Nas capitaes que forem seacutedes de Relaccedilotildees e nas comarcas de um soacute termo a ellas ligadas por tatildeo

facil communicaccedilatildeo que no mesmo dia se possa ir e voltar a jurisdicccedilatildeo de 1ordf instancia seraacute exclusivamente

exercida pelos Juizes de Direito e a de 2ordf pelas Relaccedilotildees Na Cocircrte e nas capitaes da Bahia Pernambuco e

Maranhatildeo a Provedoria de capellas e residuos seraacute de jurisdicccedilatildeo privativa Na capital do Imperio eacute creado

mais um lugar de Juiz de Orphatildeos () sect 4ordm E incompativel o cargo de Juiz Municipal e substitutos com o de

qualquer autoridade policial 626

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 627

A lei 2033 de 20 de setembro de 1871 regulada pelo Decreto nordm 4824 de 22 de novembro de do mesmo

ano veio reformar a Lei de 3 de dezembro separando a poliacutecia da judicatura estabelecendo regras para a

prisatildeo preventiva fianccedila extensatildeo da defesa no sumaacuterio de culpa inqueacuterito policial etc ALMEIDA

JUacuteNIOR Joatildeo Mendes de Op cit p 210 A reforma de 1871 aleacutem de pocircr cobro ao policialismo reacionaacuterio

da Lei de 3 de dezembro separando Justiccedila e Poliacutecia ainda trouxe algumas inovaccedilotildees que ateacute hoje perduram

como vg a criaccedilatildeo do ldquoinqueacuterito policialrdquo () MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 121 628

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 92 629

ldquoEm determinados momentos da histoacuteria ampliaram-se os poderes das autoridades policiaism indo aleacutem

dos necessaries aos objetivos das investigaccedilotildees criminais quando tais autoridades exerceram atividades

tipicamente jurisdicionais Assim entre noacutes em alguns periacuteodos do Impeacuterio a poliacutecia podia decidir sobre

pequenas infraccedilotildees e era incumbida da fase do sumaacuterio de culpardquo IBID p 79 e 92 630

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 134 631

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 632

Art 4ordm Aos Juizes de Direito das comarcas do art 1ordm e bem assim aos Juizes Municipaes de todos os

outros termos fica exclusivamente pertencendo a pronuncia dos culpados nos crimes communs o julgamento

115

Contudo diante da necessidade de serem colhidas e reunidas as provas assim que

fosse noticiado o delito bem como do fato de que as diligecircncias urgentes e proacuteximas ao

cometimento do delito natildeo poderiam esperar que comparecesse o juiz distante634

determinadas atribuiccedilotildees foram reservadas agraves autoridades policiais elencadas no artigo

10635

da Lei nordm 20331871 e particularizadas nos artigos 38 e 42 do Decreto nordm 48241871

ldquoacabando por consagrar o inqueacuterito policialrdquo636

Ampliando-se portanto do distrito policial para o termo a circunscriccedilatildeo judiciaacuteria

da formaccedilatildeo da culpa foi preciso e assim determinado pelo legislador competir agraves

autoridades policiais as funccedilotildees que resultaram no inqueacuterito policial637

conservando os

juiacutezes de paz tambeacutem na competecircncia para o corpo de delito638

O decreto dispunha que os chefes delegados e subdelegados de poliacutecia deveriam

assim que lhes fosse noticiado adotar todas as providecircncias necessaacuterias agrave investigaccedilatildeo do

crime639

por meio do exame de corpo de delito direto exames e buscas para apreensatildeo de

instrumentos e documentos inquiriccedilatildeo de testemunhas perguntas ao reacuteu e ao ofendido e

nos crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal e o da infracccedilatildeo dos termos de

seguranccedila e bem viver podendo ser auxiliados pelos seus substitutos no preparo e organizaccedilatildeo dos

respectivos processos ateacute o julgamento e a pronuncia exclusivamente e com a mesma limitaccedilatildeo pelos

Delegados e Subdelegados de Policia quanto ao processo dos crimes do citado art 12 sect 7ordm do Codigo do

Processo Criminal 633

SAAD Marta O direito p 51 634

A Lei 2033 de 1871 alargou a circunscriccedilatildeo territorial do juiz da formaccedilatildeo da culpa que situou na sede da

comarca ou do termo 635

Art 10 Aos Chefes Delegados e Subdelegados de Policia aleacutem das suas actuaes attribuiccedilotildees tatildeo soacutemente

restringidas pelas disposiccedilotildees do artigo antecedente e sect unico fica pertencendo o preparo do processo dos

crimes de que trata o art 12 sect 7ordm do Codigo do Processo Criminal ateacute a sentenccedila exclusivamente Por

escripto seratildeo tomadas nos mesmos processos com os depoimentos das testemunhas as exposiccedilotildees da

accusaccedilatildeo e defesa e os competentes julgadores antes de proferirem suas decisotildees deveratildeo rectificar o

processo no que focircr preciso sect 1ordm Para a formaccedilatildeo da culpa nos crimes communs as mesmas autoridades

policiaes deveratildeo em seus districtos proceder aacutes diligencias necessarias para descobrimento dos factos

criminosos e suas circumstancias e transmittiratildeo aos Promotores Publicos com os autos de corpo de delicto

e indicaccedilatildeo das testemunhas mais idoneas todos os esclarecimentos colligidos e desta remessa ao mesmo

tempo daratildeo parte aacute autoridade competente para a formaccedilatildeo da culpa sect 2ordm Pertence-lhes igualmente a

concessatildeo da fianccedila provisoria 636

SAAD Marta O direito p 51 637

A denominaccedilatildeo inqueacuterito policial surge no Decreto Regulamentar no 4824 de 22 de novembro de 1871

Existia poreacutem antes sem qualquer nome como praacutetica comum e informal No conteuacutedo jaacute emergia a ideacuteia

de que tal procedimento tendia agrave verificaccedilatildeo da existecircncia da infraccedilatildeo penal descobrimento de todas as

circunstacircncias e respectiva autoria (art 11 sect 2ordm e 38 in fine e art 42 do Decreto no 482471) PITOMBO

Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 638

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 135 639

Art 38 Os Chefes Delegados e Subdelegados de Policia logo que por qualquer meio lhes chegue a

noticia de se ter praticado algum crime commum procederatildeo em seus districtos aacutes diligencias necessarias

para verificaccedilatildeo da existencia do mesmo crime descobrimento de todas as suas circumstancias e dos

delinquentes

116

tudo quanto pudesse ser uacutetil agrave elucidaccedilatildeo do fato640

Previa ademais que se presente a

autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa e investigaccedilatildeo do fato

criminoso a autoridade policial deveria se restringir a assessoraacute-la seja agindo ex officio

seja atendendo agraves requisiccedilotildees elaboradas pela autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo

promotor puacuteblico641

Se a autoridade judiciaacuteria competente natildeo comparecesse logo ou natildeo

instaurasse imediatamente o processo da formaccedilatildeo da culpa a autoridade policial deveria

proceder ao inqueacuterito policial642

ldquoconsistente em todas as diligecircncias necessaacuterias ao

descobrimento do fato criminoso suas circunstacircncias e seus autores coautores ou

cuacutemplices devendo ser reduzido a escritordquo643

644

640

Art 39 As diligencias a que se refere o artigo antecedente comprehendem 1ordm O corpo de delicto directo

2ordm Exames e buscas para apprehensatildeo de instrumentos e documentos 3ordm Inquiriccedilatildeo de testemunhas que

houverem presenciado o facto criminoso ou tenham razatildeo de sabel-o 4ordm Perguntas ao reacuteo e ao offendido Em

geral tudo o que focircr util para esclarecimento do facto e das suas circumstancias 641

Art 40 No caso de flagrante delicto ou por effeito de queixa ou denuncia se logo comparecer a

autoridade judiciaacuteria competente para a formaccedilatildeo da culpa a investigar do facto criminoso notoacuterio ou

arguido a autoridade policial se limitaraacute a auxilial-a colligindo ex-oficio as provas e esclarecimentos que

possa obter e procedendo na esphera de suas attribuiccedilotildees aacutes diligencias que lhe forem requisitadas pela

autoridade judiciaacuteria ou requeridas pelo Promotor Puacuteblico ou por quem suas vezes fizer 642

Art 41 Quando poreacutem natildeo compareccedila logo a autoridade judiciaacuteria ou natildeo instaure immediatamente o

processo da formaccedilatildeo da culpa deve a autoridade policial proceder ao inquerito aceroa dos crimes communs

de que tiver conhecimento proprio cabendo a acccedilatildeo puacuteblica ou por denuncia ou a requerimento da parte

interessada ou no caso de prisatildeo em flagrante 643

Art 42 O inquerito policial consiste em todas as diligencias necessarias para o descobrimento dos factos

criminosos de suas circumstancias e dos seus autores e complices e deve ser reduzido a instrumento

escripto observando-se nelle o seguinte Ver toacutepico 1ordm Far-se-ha corpo de delicto uma vez que o crime seja

de natureza dos que deixam vestigios 2ordm Dirigir-se-ha a autoridade policial com toda a promptidatildeo ao lugar

do delicto e ahi aleacutem do exame do facto criminoso e de todas as suas circumstancias e descripccedilatildeo da

localidade em que se deu trataraacute com cuidado de investigar e colligir os indicies existentes e apprehender os

instrumentos do crime e quaesquer objectos encontrados lavrando-se de tudo auto assignado pela autoridade

peritos e duas testemunhas 3ordm Interrogaraacute o delinquente que focircr preso em flagrante e tomaraacute logo as

declaraccedilotildees juradas das pessoas ou escolta que o conduzirem e das que presenciarem o facto ou deite tiverem

conhecimento 4ordm Feito o corpo de delicto ou sem elle quando natildeo possa ter lugar indagaraacute quaes as

testemunhas do crime as faraacute vir aacute sua presenccedila inquirindo-as sob juramento a respeito do facto e suas

circumstancias e de seus autores ou complices Estes depoimentos na mesma occasiatildeo seratildeo escriptos

resumidamente em um soacute termo assignado pela autoridade testemunhas e delinquente quando preso em

flagrante 5ordm Poderaacute dar busca com as formalidades legaes para apprehensatildeo das armas e instrumentos do

crime e de quaesquer objectos aacute elle referentes e desta diligencia se lavraraacute o competente auto 6ordm

Terminadas as diligencias e autuadas todas as peccedilas seratildeo conclusas aacute autoridade que proferiraacute o seu

despacho no qual recapitulando o que focircr averiguado ordenaraacute que o inquerito seja remettido por

intermedio do Juiz Municipal ao Promotor Puacuteblico ou a quem suas vezes fizer e na mesma occasiatildeo indicaraacute

as testemunhas mais idoneas que por ventura ainda natildeo tenham sido inqueridas Desta remessa daraacute

immediatamente parte circumstanciada ao Juiz de Direito da comarca Nas comarcas especiaes a remessa

seraacute por intermedio do Juiz de Direito que tiver a jurisdicccedilatildeo criminal do districto sem participaccedilatildeo a outra

autoridade 7ordm Todas as diligencias relativas ao inquerito seratildeo feitas no prazo improrogavel de cinco dias

com assistecircncia do indiciado delinquente se estiver preso podendo impugnar os depoimentos das

testemunhas Poderaacute tambem impugnal-os nos crimes afianccedilaveis se requerer sua admissatildeo aos termos do

inquerito 8ordm Nos crimes em que natildeo tem lugar a acccedilatildeo puacuteblica o inquerito feito a requerimento da parte

interessada e reduzido a instrumento ser-lhe-ha entregue para o uso que entender 9ordm Para a notificaccedilatildeo e

comparecimento das testemunhas e mais diligencias do inquerito policial se observaratildeo no que focircr

applicavel as disposiccedilotildees que regulam o processo da formaccedilatildeo da culpa 644

SAAD Marta O direito p 53

117

Tais novos dispositivos vieram sobretudo criar estiacutemulos agrave atividade das partes no

sumaacuterio de culpa e regulamentaacute-la Mas ndash eacute necessaacuterio salientar ndash natildeo reduziram a

inquisitoriedade do juiz agrave passividade que muitas vezes a doutrina e os tribunais tecircm

atribuiacutedo aos magistrados penais645

A reforma judiciaacuteria de 1871 atribuiu agraves unidades federativas a competecircncia de

legislarem em mateacuteria de processo civil e penal (art 34 nordm 23 cc art 65 nordm 2) Alguns

Estados membros nunca chegaram a elaborar um Coacutedigo de Processo Penal - como eacute

exemplo o estado de Satildeo Paulo - limitando-se a adotar a legislaccedilatildeo imperial com algumas

modificaccedilotildees Outros criaram diplomas sem rigor teacutecnico introduzindo meras disposiccedilotildees

de organizaccedilatildeo judiciaacuteria em normas processuais Bons estatutos conforme afirma Seacutergio

Marcos de Moraes Pitombo foram raros646

25 O Coacutedigo de Processo Penal de 1941

O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 surge em meio a um cenaacuterio dominado por

uma progressiva centralizaccedilatildeo poliacutetica e pela consagraccedilatildeo dos ideais autoritaacuterios647

Ao

lado da necessidade de coordenaccedilatildeo sistemaacutetica das regras do processo penal num Coacutedigo

uacutenico para todo o Brasil impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiecircncia e

vigor da accedilatildeo repressiva do Estado contra os delinquentes648

Como fruto juriacutedico do Estado Novo anuncia em sua Exposiccedilatildeo de Motivos que

as nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos reacuteus ainda que colhidos em

flagrante ou confundidos pela evidecircncia das provas um tatildeo extenso cataacutelogo de garantias

e favores que a repressatildeo se torna necessariamente defeituosa e retardataacuteria

decorrendo daiacute um indireto estiacutemulo agrave expansatildeo da criminalidaderdquo Daiacute decorreu a

justificaccedilatildeo para que fosse ldquoabolida a injustificaacutevel primazia do interesse do indiviacuteduo

sobre o da tutela socialrdquo Assim o criteacuterio que norteou a elaboraccedilatildeo do atual Coacutedigo de

645

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 136 646

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de 647

ZILLI Marcos Alexandre Coelho A Iniciativa p 173 648

Exposiccedilatildeo de Motivos do atual Coacutedigo de Processo Penal

118

Processo Penal foi aquele da supremacia do bem comum e do interesse social em face dos

ldquopseudodireitos individuaisrdquo

O atual Coacutedigo de Processo Penal (Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941)

natildeo se afastou de nossas tradiccedilotildees legislativas preservando suas principais caracteriacutesticas

Conservou o inqueacuterito policial configurando-o do mesmo modo como o herdamos do

Impeacuterio atraveacutes da reforma de 1871 isto eacute como instruccedilatildeo provisoacuteria predecente agrave

propositura da accedilatildeo penal em respeitp a um mandamento constitucional previu a instruccedilatildeo

plenamente contraditoacuteria e separou definitivamente as funccedilotildees acusatoacuteria e julgadora

eliminando quase por completo o procedimento ex officio que soacute permaneceu para o

processo de contravenccedilotildees limitou ainda mais a competecircncia do juacuteri e buscou dotar todos

os processos de um caraacuteter nitidamente acusatoacuterio649

Foram abolidos o sumaacuterio de culpa e

a pronuacutencia exceto para os casos a serem julgados pelo juacuteri650

Houve portanto com o Coacutedigo de 1941 mudanccedila sensiacutevel a respeito da fase

destinada agrave acusaccedilatildeo e sua admissibilidade Com a supressatildeo da etapa do sumaacuterio de culpa

e o recebimento da denuacutencia em decisatildeo natildeo motivada logo apoacutes o oferecimento da

denuacutencia ou queixa o acusado ficou privado de um momento para contradizer a acusaccedilatildeo e

evitar o seguimento de processos manifestamente injustos651

Como consequecircncia a fim de atender aos dispositivos constitucionais de 1937652

ganhou o inqueacuterito policial funcionalmente a natureza de instruccedilatildeo criminal preliminar jaacute

que constitui nos casos de competecircncia do juiz singular o fundamento exclusivo da

acusaccedilatildeo653

De acordo com Seacutergio Marcos de Moraes Pitombo no atual sistema processual

penal brasileiro excetuando-se os procedimentos especiais do juacuteri dos crimes falimentares

e dos crimes contra a propriedade industrial o inqueacuterito policial integra a formaccedilatildeo da

culpa654

ldquoInteira agrave luz do conceito sugerido o processo penal como a parte completa o

649

MARQUES Joseacute Frederico Tratado p 124 650

PIERANGELLI Joseacute Henrique Op cit p 168 651

FERNANDES Antonio Scarance Teoria p 127 652

A Constituiccedilatildeo de 1937 utilizava-se da pronuacutencia e da formaccedilatildeo da culpa como o marco necessaacuterio para

situaccedilotildees para situaccedilotildees como a prisatildeo processual e a fianccedila 653

ALMEIDA Joaquim Canuto Mendes de Op cit p 207 654

PITOMBO Seacutergio Marcos de Moraes Mais de

119

todo Fase pois que eacute da persecuccedilatildeo penal ubicada agrave formaccedilatildeo preacutevia da culpa repita-

serdquo655

Ao disciplinar a forma de apuraccedilatildeo preacutevia portanto o Coacutedigo de Processo Penal de

1941 conservou o inqueacuterito policial na nossa legislaccedilatildeo rejeitando a adoccedilatildeo do juizado de

instruccedilatildeo Na Exposiccedilatildeo de Motivos do Decreto-Lei nordm 3689 de 03 de outubro de 1941 o

Ministro da Justiccedila Francisco Campos justificou essa opccedilatildeo com base nos seguintes

argumentos ldquo(i) o inqueacuterito policial eacute mais adaptaacutevel agrave realidade brasileira visto que a

dimensatildeo territorial do paiacutes impossibilitaria a atuaccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo (ii) o juizado

de instruccedilatildeo somente poderia ser adotado com a quebra do sistema ou seja haveria

juizado de instruccedilatildeo uacutenica e apenas nas sedes da comarca e inqueacuterito policial nos

distritos longiacutenquos (iii) o inqueacuterito ainda se apresenta como melhor opccedilatildeo contra os

apressados juiacutezos dada a possibilidade de reorientar a investigaccedilatildeo livrando-se a Justiccedila

de errocircneos juiacutezos causados pelo clamor do crimerdquo656

O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 conferiu o trabalho de investigaccedilatildeo criminal

agraves autoridades policiais para a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria657

sem

655

IBID 656

ldquoFoi mantido o inqueacuterito policial como processo preliminar ou preparatoacuterio da accedilatildeo penal guardadas as

suas caracteriacutesticas atuais O ponderado exame da realidade brasileira que natildeo eacute apenas a dos centros

urbanos senatildeo tambeacutem a dos remotos distritos das comarcas do interior desaconselha o repuacutedio do sistema

vigente O preconizado juiacutezo de instruccedilatildeo que importaria limitar a funccedilatildeo da autoridade policial a prender

criminosos averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas soacute eacute praticaacutevel sob a condiccedilatildeo de

que as distacircncias dentro do seu territoacuterio de jurisdiccedilatildeo sejam faacutecil e rapidamente superaacuteveis Para atuar

proficuamente em comarcas extensas e posto que deva ser excluiacuteda a hipoacutetese de criaccedilatildeo de juizados de

instruccedilatildeo em cada sede do distrito seria preciso que o juiz instrutor possuiacutesse o dom da ubiquumlidade De

outro modo natildeo se compreende como poderia presidir a todos os processos nos pontos diversos da sua zona

de jurisdiccedilatildeo a grande distacircncia uns dos outros e da sede da comarca demandando muitas vezes com os

morosos meios de conduccedilatildeo ainda praticados na maior parte do nosso hinterland vaacuterios dias de viagem

seria imprescindiacutevel na praacutetica a quebra do sistema nas capitais e nas sedes de comarca em geral a

imediata intervenccedilatildeo do juiz instrutor ou a instruccedilatildeo uacutenica nos distritos longiacutenquos a continuaccedilatildeo do

sistema atual Natildeo cabe aqui discutir as proclamadas vantagens do juiacutezo de instruccedilatildeo Preliminarmente a

sua adoccedilatildeo entre noacutes na atualidade seria incompatiacutevel com o criteacuterio de unidade da lei processual Mesmo

poreacutem abstraiacuteda essa consideraccedilatildeo haacute em favor do inqueacuterito policial como instruccedilatildeo provisoacuteria

antecedendo a propositura da accedilatildeo penal um argumento dificilmente contestaacutevel eacute ele uma garantia contra

apressados e errocircneos juiacutezos formados quando ainda persiste a trepidaccedilatildeo moral causada pelo crime ou

antes que seja possiacutevel uma exata visatildeo de conjunto dos fatos nas suas circunstacircncias objetivas e subjetivas

Por mais perspicaz e circunspeta a autoridade que dirige a investigaccedilatildeo inicial quando ainda perdura o

alarma provocado pelo crime estaacute sujeita a equiacutevocos ou falsos juiacutezos a priori ou a sugestotildees tendenciosas

Natildeo raro eacute preciso voltar atraacutes refazer tudo para que a investigaccedilatildeo se oriente no rumo certo ateacute entatildeo

despercebido Por que entatildeo abolir-se o inqueacuterito preliminar ou instruccedilatildeo provisoacuteria expondo-se a justiccedila

criminal aos azares do detetivismo agraves marchas e contramarchas de uma instruccedilatildeo imediata e uacutenica Pode

ser mais expedito o sistema de unidade de instruccedilatildeo mas o nosso sistema tradicional com o inqueacuterito

preparatoacuterio assegura uma justiccedila menos aleatoacuteria mais prudente e serenardquo Exposiccedilatildeo de Motivos ao

Coacutedigo de Processo Penal de 1941 657

Art 4ordm A poliacutecia judiciaacuteria seraacute exercida pelas autoridades policiais no territoacuterio de suas respectivas

jurisdiccedilotildees e teraacute por fim a apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais e da sua autoria Paraacutegrafo uacutenico A competecircncia

120

exclusatildeo da funccedilatildeo das autoridades administrativas autorizadas por lei658

isto eacute o inqueacuterito

natildeo eacute necessariamente policial sendo possiacutevel que outras autoridades administrativas

realizem a averiguaccedilatildeo dos fatos659

Natildeo obstante nosso estudo estaacute limitado ao inqueacuterito

policial realizado pela poliacutecia judiciaacuteria e nele nos centraremos

Assim o inqueacuterito policial foi disciplinado pelo Coacutedigo de Processo Penal que em

seu artigo 4ordm repete o conceito que lhe foi dado pelo Regulamento nordm 4824 de 1871660

e

particulariza no artigo 6ordm661

as providecircncias a serem tomadas pela autoridade policial

assim que cientes da praacutetica de um delito662

Trata-se portanto de um modelo de investigaccedilatildeo preliminar policial de modo que

a poliacutecia judiciaacuteria conduz o inqueacuterito policial com autonomia Contudo como veremos

mais adiante depende da intervenccedilatildeo judicial para a adoccedilatildeo de medidas restritivas de

direitos fundamentais663

Pelas regras atuais o inqueacuterito policial pode ser iniciado se for caso de accedilatildeo

puacuteblica incondicionada de ofiacutecio pela autoridade policial ou em decorrecircncia de notitia

criminis levada por qualquer pessoa ou por requisiccedilatildeo do juiz ou do membro do Ministeacuterio

Puacuteblico Ainda eacute possiacutevel ser instaurado por comunicaccedilatildeo espontacircnea do suspeito em

virtude da lavratura do auto de prisatildeo em flagrante ou do auto de resistecircncia ou a

requerimento do ofendido Vecirc-se portanto que natildeo obstante ter o Coacutedigo conferido o

trabalho de investigaccedilatildeo criminal agraves autoridades policiais estaacute o juiz legitimado natildeo soacute a

definida neste artigo natildeo excluiraacute a de autoridades administrativas a quem por lei seja cometida a mesma

funccedilatildeo 658

SANTIN Valter Foleto Op cit p 29 659

Assim tambeacutem um delito praticado por um militar seraacute objeto de um inqueacuterito policial militar Tambeacutem

pode a investigaccedilatildeo ser realizada por membros do Poder Legislativo nas chamadas Comissotildees Parlamentares

de Inqueacuterito 660

O Regulamento nordm 4824 de 1871 destina ao inqueacuterito todo o Capiacutetulo 3ordm da Seccedilatildeo 3ordf 661

Art 6o Logo que tiver conhecimento da praacutetica da infraccedilatildeo penal a autoridade policial deveraacute I ndash se

possivel e conveniente dirigir-se ao local providenciando para que se natildeo alterem o estado e conservaccedilatildeo

das coisas enquanto necessaacuterio II ndash apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relaccedilatildeo com o

fato III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstacircncias IV - ouvir

o ofendido V - ouvir o indiciado com observacircncia no que for aplicaacutevel do disposto no Capiacutetulo III do

Tiacutetulo Vll deste Livro devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham

ouvido a leitura VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareaccedilotildees VII - determinar se for

caso que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras periacutecias VIII - ordenar a identificaccedilatildeo

do indiciado pelo processo datiloscoacutepico se possiacutevel e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes IX -

averiguar a vida pregressa do indiciado sob o ponto de vista individual familiar e social sua condiccedilatildeo

econocircmica sua atitude e estado de acircnimo antes e depois do crime e durante ele e quaisquer outros elementos

que contribuiacuterem para a apreciaccedilatildeo do seu temperamento e caraacuteter 662

SAAD Marta O direito p 76 663

LOPES JR Aury Direito p 252

121

iniciar as investigaccedilotildees acerca de um delito (artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal)664

mas a atuar ainda em diversos momentos da investigaccedilatildeo criminal como veremos a

seguir

De acordo com o artigo 10 caput do Coacutedigo de Processo Penal ldquoo inqueacuterito

deveraacute terminar no prazo de dez (10) dias se o indiciado tiver sido preso em flagrante ou

estiver preso preventivamente contado o prazo nesta hipoacutetese a partir do dia em que se

executar a ordem de prisatildeo ou no prazo de trinta (30) dias quando estiver solto mediante

fianccedila ou sem elardquo

Dispotildee ainda em seu paraacutegrafo 3o que ldquoquando o fato for de difiacutecil elucidaccedilatildeo e

o indiciado estiver solto a autoridade poderaacute requerer ao juiz a devoluccedilatildeo dos autos para

ulteriores diligecircncias que seratildeo realizadas no prazo marcado pelo juizrdquo Isto eacute a

prorrogaccedilatildeo do prazo do inqueacuterito deve ser requerida pela autoridade policial ao juiz

cabendo a ele deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo bem como fixar o prazo para a realizaccedilatildeo daquelas

diligecircncias

Desempenha ainda o magistrado importante papel no que diz respeito agrave valoraccedilatildeo

quanto ao arquivamento do caso podendo discordar do arquivamento promovido pelo

Promotor de Justiccedila

Assim se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa

para a accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao teacutermino da investigaccedilatildeo pode o Ministeacuterio Puacuteblico

promover o arquivamento das peccedilas665

No entanto de acordo com o artigo 28 do CPP ldquoo

juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees invocadas para o arquivamento faraacute

remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao procurador-geral e este poderaacute oferecer

a denuacutencia designar outro oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistir no

pedido de arquivamento ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atenderrdquo

Igualmente a redaccedilatildeo original do artigo 311 do CPP estabelecia que em qualquer

fase da investigaccedilatildeo policial ou do processo penal caberia a prisatildeo preventiva decretada

664

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 45 665

IBID p 112

122

pelo juiz de ofiacutecio ou a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico do querelante ou por

representaccedilatildeo da autoridade policial666

A Lei Processual Penal permite ainda ser efetivadas outras medidas constritivas

pelo magistrado durante a investigaccedilatildeo criminal ausente preacutevia provocaccedilatildeo tais como o

sequestro de bens667

do indiciado e a busca e apreensatildeo668

Vale ressaltar que o legislador de 1941 deu ao julgador enormes poderes

instrutoacuterios No Tiacutetulo ldquoDa provardquo satildeo elencados vaacuterios meios de prova e outros meios de

obtenccedilatildeo de prova para os quais se admite a produccedilatildeo por iniciativa do juiz O juiz

portanto poderaacute instruir o processo o quanto entender conveniente e suficiente para formar

seu convencimento669

Esse quadro de incremento dos poderes instrutoacuterios do juiz foi

sensivelmente prestigiado recentemente com o advento da Lei 116902008 que mudou

todo o capiacutetulo das ldquoDisposiccedilotildees Geraisrdquo (arts 155 a 157) do Tiacutetulo ldquoDa provardquo do

Coacutedigo de Processo Penal Isso porque a redaccedilatildeo do artigo 156 manteve em seu caput que

eacute ldquofacultado ao juiz de ofiacuteciordquo produzir prova seja na fase de investigaccedilatildeo preliminar

seja na fase de instruccedilatildeo processual ateacute antes de proferir sentenccedila670

Isto eacute as alteraccedilotildees introduzidas pela Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 no

Coacutedigo ampliaram a possibilidade de determinaccedilatildeo de ofiacutecio de provas antecipadas pelo

juiz sugerindo a atribuiccedilatildeo de um irrestrito poder de investigaccedilatildeo (artigo 156 I671

)

Considere-se finalmente que o Coacutedigo de Processo Penal acolheu o princiacutepio da

livre convicccedilatildeo isto eacute o juiz formaraacute o seu convencimento pela livre apreciaccedilatildeo das

provas constantes dos autos natildeo havendo predominacircncia de valor legal de umas sobre as

outras ou hierarquia de provas ou provas absolutas672

666

Art 311 Em qualquer fase do inqueacuterito policial ou da instruccedilatildeo criminal caberaacute a prisatildeo preventiva

decretada pelo juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do querelante ou mediante

representaccedilatildeo da autoridade policial quando houver prova da existecircncia do crime e indiacutecios suficientes da

autoria 667

Art 127 O juiz de ofiacutecio a requerimento do Ministeacuterio Puacuteblico ou do ofendido ou mediante

representaccedilatildeo da autoridade policial poderaacute ordenar o sequumlestro em qualquer fase do processo ou ainda

antes de oferecida a denuacutencia ou queixa 668

Art 242 A busca poderaacute ser determinada de ofiacutecio ou a requerimento de qualquer das partes 669

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 169 670

IBID p 169 671

Art 156 A prova da alegaccedilatildeo incumbiraacute a quem a fizer sendo poreacutem facultado ao juiz de ofiacutecio I ndash

ordenar mesmo antes de iniciada a accedilatildeo penal a produccedilatildeo antecipada de provas consideradas urgentes e

relevantes observando a necessidade adequaccedilatildeo e proporcionalidade da medida () 672

Ateacute o advento da Lei 116902008 a livre apreciaccedilatildeo da prova estava assim prevista no artigo 157 desde

123

Assim mesmo apoacutes o advento da atual Constituiccedilatildeo era praacutetica comum aos juiacutezes

justificarem condenaccedilotildees apenas com base em elementos informativos colhidos em fase

inquisitiva preacute-processual673

Pode-se dizer pois que ateacute a ediccedilatildeo da Lei 116902008674

a rigor o magistrado

criminal natildeo estaria inibido de basear o seu julgamento tendo em apreccedilo unicamente as

provas do inqueacuterito desde que estas demonstrassem e definissem de forma evidente a

responsabilidade do acusado e desde que por fim na instruccedilatildeo judicial nenhum novo

elemento surgisse para invalidaacute-las675

Do quanto exposto pode-se perceber que o Coacutedigo de Processo Penal de 1941

ampara uma intensa imersatildeo do juiz nos autos das investigaccedilotildees penais permitindo-lhe

avaliar a qualidade do material pesquisado indicar diligecircncias quando natildeo satisfeito com

aquelas jaacute realizadas e inclusive ordenar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito em crime de accedilatildeo

puacuteblica incondicionada interferindo sobremaneira na atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico em

busca da formaccedilatildeo da opinio delicti

3 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988

31 A adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio e suas consequecircncias na investigaccedilatildeo criminal

1941 ldquoArt 157 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo pela livre apreciaccedilatildeo da provardquo A partir de meados de 2008

essa mesma determinaccedilatildeo estaacute assim transposta ao artigo 155 atual ldquoArt 155 O juiz formaraacute sua convicccedilatildeo

pela livre apreciaccedilatildeo da prova produzida em contraditoacuterio judicial natildeo podendo fundamentar sua decisatildeo

exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo ressalvadas as provas cautelares natildeo

repetiacuteveis e antecipadasrdquo 673

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Presunccedilatildeo p 170 674

Para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ldquoNatildeo obstante se possa reconhecer um avanccedilo da postura anterior

melhor seria que o legislador infraconstitucional de 2008 mantivesse a redaccedilatildeo originaacuteria do projeto de

reforma do tema da prova que deu origem agrave lei 11690 Nele estava fixado que o juiz formaria sua

convicccedilatildeo apenas com as provas produzidas em contraditoacuterio judicial excluindo-se de maneira absoluta

todo o material colhido em fase investigativa ou sem contraditoacuterio Esse talvez fosse o promeiro passo

significativo para romper neste tema com a estrutura e cultura inquisitivas formadoras do Coacutedigo de

Processo Penalrdquo IBID p 172 675

MONDIN Augusto Manual de Inqueacuterito Policial Satildeo Paulo Sugestotildees Literaacuterias SA p 70

124

Como eacute notoacuterio a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 estremeceu todo o

ordenamento juriacutedico brasileiro676

A Carta de 1988 demarca no acircmbito juriacutedico o

processo de democratizaccedilatildeo do Estado brasileiro ao consolidar a ruptura com o regime

autoritaacuterio militar instalado em 1964677

fator que ensejou consideraacutevel impacto

especialmente na esfera dos direitos fundamentais678

Considerada uma das constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo moderno nossa

Carta Magna representou como jaacute observado a passagem do Estado nacional absoluto a

um efetivo Estado Democraacutetico de Direito consagrando para tanto princiacutepios

fundamentais que se materializam como alicerces deste novo Direito679

Assim como marco juriacutedico da transiccedilatildeo ao regime democraacutetico alargou

significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais colocando-se entre as

Constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo no que diz respeito agrave mateacuteria680

O que a Constituiccedilatildeo propotildee em termos de ideias a serem preservados no processo

penal eacute algo consideravelmente diferente daquilo que conhecemos na histoacuteria

constitucional ateacute 1988 Natildeo se trata mais da simples reiteraccedilatildeo mecacircnica e automaacutetica das

garantias individuais presentes em todas as Constituiccedilotildees passadas681

e nesta repetida em

abundacircncia682

Estas matrizes constitucionais representam uma alteraccedilatildeo profunda na

sistematizaccedilatildeo normativa e sobretudo no que se refere agrave hermenecircutica juriacutedica

Especialmente no que diz respeito agraves questotildees processuais penais a importacircncia da relaccedilatildeo

Constituiccedilatildeo - normas infraconstitucionais ganhou enorme prestiacutegio Os valores

constitucionais recrudesceram e ganharam maior amplitude quando analisados e

676

CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da

jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 677

PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 9ordf ed Satildeo Paulo Saraiva

2008 p 21 678

IBID p 21 679

CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da

jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo 163 jun-2006 680

PIOVESAN Flaacutevia Op cit p 25 681

De acordo com Fauzi Hassan Choukr ldquocom efeito desde a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio de 1824 passando

por todas as republicanas inclusive a mais ditatorial ndash 1937 ndash conhecemos em sede de Carta Magna a

declaraccedilatildeo de direitos ainda que sob o aspecto meramente retoacuterico e sujeito a supressotildees como no exerciacutecio

autoritaacuterio de Vargas (19371945) e no contexto do regime militar (1969)rdquo As reformas pontuais do Coacutedigo

de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo n 58 EEsp set 1997 p 07-09 682

IBID

125

interpretados em acircmbito processual criminal pois eacute neste que se verificam com maior

intensidade pontos de tensatildeo entre o Estado e os indiviacuteduos683

Nesse sentido um mero exame superficial e despretensioso do atual texto

constitucional eacute suficiente para que seja verificada a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de dispositivos

garantidores na atuaccedilatildeo do aparelho repressivo buscando com isto a conformaccedilatildeo do

processo penal aos valores democraacuteticos consagrados no trabalho constituinte684

Assim a Constituiccedilatildeo em vigor natildeo pode mais ser considerada apenas como uma

carta de direitos miacutenimos Ela realmente impocircs um sistema processual penal de caraacuteter

unicamente acusatoacuterio685

na busca da desejaacutevel separaccedilatildeo dos papeacuteis a serem

desempenhados na construccedilatildeo da justiccedila criminal exigindo que as garantias dos quais se

reveste sejam respeitadas e mais do que isso efetivadas em consonacircncia com um

processo penal constitucional

As bases desse sistema acusatoacuterio ldquoexpressatildeo inseparaacutevel da democracia no

processo penalrdquo686

multiplicam-se por todo texto constitucional natildeo obstante sua base ser

encontrada no artigo 5ordm em diversas passagens

Um dos exemplos de maior importacircncia eacute o monopoacutelio da accedilatildeo penal puacuteblica

assegurado ao Ministeacuterio Puacuteblico pela Carta Magna conforme disposto no art 129 inc I

da CF687

com o que se separam definitivamente as funccedilotildees de promover a accedilatildeo penal e

julgaacute-la uma das bases do sistema acusatoacuterio

Ao consagrar portanto a garantia do processo criminal de tipo acusatoacuterio a Lei

Fundamental pretende assegurar que o oacutergatildeo que julga natildeo tenha funccedilotildees de investigaccedilatildeo e

acusaccedilatildeo esta uacuteltima tarefa haacute de ser levada a efeito por uma outra entidade ndash em regra o

Ministeacuterio Puacuteblico688

683

CRUZ Diogo Tebet da Op cit 684

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 08 685

CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 686

IBID 687

ldquoEssa disposiccedilatildeo eacute decorrente do que se convencionou chamar de sistema acusatoacuterio no qual haacute a

divisatildeo niacutetida dos atores no processo penal distintos oacutergatildeos desempenham as funccedilotildees necessaacuterias para o

desdobramento regular do processo oacutergatildeo de acusaccedilatildeo (Ministeacuterio Puacuteblico) de defesa (advogado ou

Defensoria Puacuteblica) e outro de julgamento (juiz)rdquo CRUZ Diogo Tebet da Decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva

ex officio Violaccedilatildeo ao princiacutepio da ineacutercia da jurisdiccedilatildeo e ao princiacutepio acusatoacuterio Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo 163 jun-2006 688

ABADE Denise Neves Op cit p 140

126

O sistema processual penal eacute pois o acusatoacuterio com todo o seu arcabouccedilo

democraacutetico E vai de encontro com o Coacutedigo em vigor de natureza fortemente

inquisitiva689

Como vimos o Coacutedigo de Processo Penal de 1941 elaborado sob a ditadura do

Estado Novo manteve inevitavelmente a preponderacircncia do sistema inquisitoacuterio

sobretudo ao atribuir ao juiz a praacutetica de atos caracteriacutesticos da acusaccedilatildeo como a

decretaccedilatildeo de ofiacutecio da prisatildeo preventiva (artigo 311) da busca e apreensatildeo (artigo 242)

do sequestro (artigo 127) aleacutem da participaccedilatildeo ativa na instruccedilatildeo para realizar

praticamente qualquer diligecircncia (artigo 156 I e II)690

Ocorre que apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 o ordenamento juriacutedico

paacutetrio natildeo mais comporta os resquiacutecios do sistema inquisitoacuterio691

De fato um exame

superficial da nossa lei processual baacutesica natildeo exaustivo demonstra que diversos ranccedilos de

inquisitorialismo apesar de decorridos 25 anos da vigecircncia da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 ainda subsistem no processo penal692

As bases do sistema processual delineado pela Carta Magna estatildeo fundadas nos

princiacutepios acusatoacuterio da separaccedilatildeo entre acusador e julgador exerciacutecio exclusivo da accedilatildeo

penal pelo Ministeacuterio Puacuteblico imparcialidade e livre convencimento do juiz motivaccedilatildeo

das decisotildees ampla defesa contraditoacuterio oralidade e publicidade dos atos judiciais entre

outros693

Portanto em razatildeo da nova Constituiccedilatildeo Federal essas normas nitidamente

inquisitoriais e que em especial ofendem a garantia agrave imparcialidade do juiz natildeo mais

podem subsisitr no novo processo penal uma vez que natildeo foram recepcionadas pela Lei

Maior694

Assim logo apoacutes a ediccedilatildeo do novo texto constitucional surgiram as primeiras

preocupaccedilotildees com a reformulaccedilatildeo da atividade investigatoacuteria do magistrado em vista dos

689

CHOUKR Fauzi Hassan As reformas 690

OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema

acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 691

IBID 692

ABADE Denise Neves Op cit p 143 693

OLIVEIRA Rafael Serra A evoluccedilatildeo histoacuterica dos sistemas processuais e a regecircncia do sistema

acusatoacuterio no projeto 1562009-PLS Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo nordm 216 nov-2010 694

ABADE Denise Neves Op cit p 143

127

valores expressamente consagrados pelo texto poliacutetico ldquoiniciando-se um processo de

questionamento das garantiasrdquo695

O processo penal do tipo acusatoacuterio opccedilatildeo poliacutetica nitidamente eleita na estrutura

constitucional paacutetria exige pois um reexame do papel dos agentes estatais da persecuccedilatildeo

criminal em juiacutezo ou fora dele em especial do julgador696

Portanto eacute com o objetivo de adequar o processo penal ao modelo constitucional

acusatoacuterio que se busca sustentar uma participaccedilatildeo do julgador na fase preliminar da

persecuccedilatildeo penal mais isenta ldquosem a possibilidade presente em diversos dispositivos

inconstitucionais do juiz-ator do julgador que faz preacute-juiacutezos acerca da mateacuteria que o

ordenamento lhe impotildee decidir em equidistacircncia dos sujeitos parciaisrdquo697

A seguir buscaremos delinear o novo perfil da relaccedilatildeo do juiz com a investigaccedilatildeo

preliminar tendo em vista as garantias constitucionais do acusado e a titularidade

exclusiva do oacutergatildeo ministerial nas accedilotildees penais puacuteblicas como expressatildeo do sistema

acusatoacuterio

32 O juiz como garantidor da legalidade do procedimento

Na atualidade o desenvolvimento do processo penal constitucional tornou

inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores

do processo penal se cunfundam698

A anaacutelise da fase atual do pensamento instrumental penal especialmente no tema

ldquoconduccedilatildeo das investigaccedilotildeesrdquo demonstra a niacutetida tendecircncia de adoccedilatildeo do sistema

acusatoacuterio onde o juiz instrutor eacute substituiacutedo pelo juiz garantidor e o Ministeacuterio Puacuteblico

695

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 58 696

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 149 697

IBID p 108 698

SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e

contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 In Revista da ESMP ano 1 vol 2

p 41-46 julhodezembro 2008

128

assume o papel de condutor da accedilatildeo penal podendo contar com a Poliacutecia Judiciaacuteria para a

reuniatildeo das informaccedilotildees necessaacuterias699

Assim as transformaccedilotildees na estrutura da persecuccedilatildeo criminal atingiram altamente a

etapa preacute-processual de elaboraccedilatildeo do caderno informativo700

passando a ser repelida a

valoraccedilatildeo pelo magistrado da atuaccedilatildeo administrativa de investigaccedilatildeo o que representaria

ivariavelmente invasatildeo nas atribuiccedilotildees do titular da accedilatildeo penal e violaccedilatildeo agrave reparticcedilatildeo de

papeacuteis consagrada pelo sistema acusatoacuterio701

Toda essa trama de conferir a cada oacutergatildeo distinto uma funccedilatildeo almeja

essencialmente preservar a imparcialidade do julgador702

A imparcialidade no julgamento como antes observado eacute consequecircncia direta da

separaccedilatildeo dos poderes do Estado jaacute que estaacute relacionada agrave independecircncia do oacutergatildeo do

Judiciaacuterio em relaccedilatildeo aos outros Poderes e ao distanciamento e desvinculaccedilatildeo do juiz de

qualquer interesse que ultrapasse o preciso cumprimento da lei703

Assim quanto maior a intervenccedilatildeo do Judiciaacuterio nas atividades persecutoacuterias e

portanto parciais mais o magistrado assumiraacute a postura de juiz inquisidor figura totamente

estranha e rejeitada pelo nosso Estado Democraacutetico de Direito704

A posiccedilatildeo do juiz no processo penal eacute a de garante da claacuteusula do devido processo

legal assegurando concomitantemente a precisa observacircncia dos preceitos constitucionais

que tutelam a liberdade e o regular exerciacutecio do direito de acusar705

ldquoJuiz criminal natildeo deve se envolver naquilo que se convencionou chamar de

combate ao crime Juiz criminal natildeo eacute investigador Tampouco deve assumir o papel de

acusadorrdquo706

A funccedilatildeo atribuiacuteda ao magistrado na persecuccedilatildeo penal eacute a de garante da

efetiva realizaccedilatildeo das normas constitucionais e legais limitadoras do exerciacutecio da pretensatildeo

punitiva do Estado707

Como consequecircncia dessa anaacutelise verifica-se que a funccedilatildeo de

699

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 81 700

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108 701

IBID p 108 702

CRUZ Diogo Tebet da Op cit 703

ABADE Denise Neves Op cit p 144 704

IBID 705

SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 706

IBID 707

IBID

129

buscar provas eminentemente na persecuccedilatildeo preacute-processual eacute caracteriacutestica da

acusaccedilatildeo708

Um dos maiores desafios do processo penal moderno eacute compatibilizar o essencial

princiacutepio da imparcialidade do juiz com a busca da verdade real ou material na medida em

que a atribuiccedilatildeo de poderes investigatoacuterios e instrutoacuterios pode ao menos psicologicamente

afetar a sua necessaacuteria imparcialidade709

Por este motivo a tendecircncia eacute retirar do Poder

Judiciaacuterio quaisquer funccedilotildees persecutoacuterias devendo o exerciacutecio de atividade probatoacuteria do

juiz limitar-se agrave instruccedilatildeo criminal e ainda assim supletivamente agrave atuaccedilatildeo das partes710

Portanto especialmente no que tange aos atos investigatoacuterios incumbe ao juiz

preservar os direitos e garantias fundamentais do investigado nunca assumir o papel de

investigador711

Nesse contexto no confronto entre a pretensatildeo de se efetivar o direito penal

material e a pretensatildeo de liberdade do acusado o juiz deve manter-se indiferente para

permitir a produccedilatildeo da prova acusatoacuteria sem que se ofendam os direitos fundamentais do

reacuteu e sem que sua atividade comprometa a exigecircncia fundamental de imparcialidade ao

julgar e resolver a lide712

Nesse cenaacuterio que nos dizeres de Fauzi Hassan Choukr ldquoverdadeiramente afronta

estruturas fossilizadas do conhecimento e da praacutetica processuais penais brasileirasrdquo o

papel a ser desempenhado pelo magistrado outro natildeo eacute senatildeo o de preservar as garantias

constitucionais zelando pelo equiliacutebrio entre a persecuccedilatildeo e a liberdade do investigado713

O papel que deve ser desempenhado pelo juiz no processo penal de natureza acusatoacuteria eacute

portanto definitivamente inconciliaacutevel com a sua atuaccedilatildeo como condutor da investigaccedilatildeo

criminal

Com efeito a partir da adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio em nosso paiacutes retirou-se o juiz

da apuraccedilatildeo das infraccedilotildees penais criando-se um procedimento o inqueacuterito policial que eacute

presidido por autoridade vinculada ao Poder Executivo ldquoTecircm portanto os juiacutezes

708

ABADE Denise Neves Op cit p 146 709

CRUZ Diogo Tebet da Op cit 710

IBID 711

SOUZA Luiz Roberto Salles CARBONI Christian Marcos Op cit 712

REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm

113 713

CHOUKR Fauzi Hassan As reformas

130

competecircncia para processar e julgar mas natildeo para investigar no acircmbito

extraprocessualrdquo714

Assim a atividade judicial nessa fase investigatoacuteria agora se restringe a tutelar a

legalidade do procedimento qualquer que seja o oacutergatildeo que processe a investigaccedilatildeo

intervindo em incidentes que protestem por jurisdicionalizaccedilatildeo715

Isso porque a

intromissatildeo do julgador em atos de natureza meramente administrativa de desenvolvimento

do inqueacuterito desvirtua a acusatoriedade do sistema por prejudicar a sua imparcialidade e a

igualdade dos sujeitos do processo716

Eacute o que afirma Ada Pellegrini Grinover Para a autora ldquodurante a investigaccedilatildeo o

juiz do processo acusatoacuterio tem apenas a funccedilatildeo de determinar providecircncias

cautelaresrdquo717

Numa anaacutelise sistemaacutetica fica bastante evidente que ao magistrado eacute destinado o

papel de mitigar ndash e de jamais suprimir ndash os direitos constitucionais como liberdade

intimidade privacidade patrimocircnio dentro dos mais limitados padrotildees de legalidade718

Por isso prisotildees cautelares interceptaccedilotildees telefocircnicas quebra de sigilos bancaacuterio ou fiscal

buscas e apreensotildees domiciliares natildeo podem ser concretizadas sem a autorizaccedilatildeo do

magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo confere autorizaccedilatildeo para determinaacute-las719

Neste panorama delineado a partir da implantaccedilatildeo do sistema acusatoacuterio pela

Constituiccedilatildeo de 1988 a participaccedilatildeo do julgador na instauraccedilatildeo e na conduccedilatildeo das

investigaccedilotildees tal como concebida pelo Coacutedigo de Processo Penal deve ser revista

Cumpre atentar-se pois aos principais pontos criacuteticos do processo penal brasileiro

no que tange agrave permanecircncia em vigor de dispositivos que atribuindo ao magistrado

poderes administrativos isto eacute natildeo-jurisdicionais o posicionam em situaccedilatildeo de

parcialidade para julgamento o que eacute incompatiacutevel com os preceitos consagrados na

ordem constitucional720

Satildeo normas que pouco se ajustam agraves garantias individuais e de

certa maneira deturpam as atribuiccedilotildees proacuteprias dos oacutergatildeos encarregados da investigaccedilatildeo

714

GRINOVER Ada Pellegrini Que juiz inquisidor eacute esse In Boletim IBCCRIM nordm 30 jun 1995 715

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 108-109 716

IBID p 109 717

GRINOVER Ada Pellegrini A iniciativa instrutoacuteria do juiz no processo penal acusatoacuterio In Revista

Forense v 347 jul-set 1999 p 238 718

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito 719

IBID 720

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 129

131

do delito e da persecuccedilatildeo judicial do crime721

Os resultados da cultura inquisitorialista

herdada dos tempos da colonizaccedilatildeo ainda satildeo percebidos pois vaacuterios pontos do Coacutedigo

vigente ainda natildeo foram objeto de uma necessaacuteria filtragem constitucional722

A ingerecircncia do juiz nas questotildees administrativas da investigaccedilatildeo promovida pelo

Estado eacute uma contradiccedilatildeo sensiacutevel uma vez que inadequada qualquer interferecircncia que natildeo

fosse para assegurar o cumprimento da lei especialmente no que se refere agraves garantias do

investigado723

A seguir destacaremos apenas alguns pontos onde a incongruecircncia entre as praacuteticas

cotidianas da investigaccedilatildeo criminal e os ideais culturais lanccedilados na Constituiccedilatildeo se mostra

mais evidente

Como jaacute exposto embora a accedilatildeo penal soacute possa ser proposta pelo Ministeacuterio

Puacuteblico ou pelo ofendido a norma do artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal atribui aos

juiacutezes o poder de requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito o que constitui verdadeiro paradoxo

frente agrave adoccedilatildeo do sistema acusatoacuterio que exige mais do que afastar o juiz da

possibilidade de iniciar o processo penal vedar-lhe a requisiccedilatildeo de instauraccedilatildeo de

inqueacuterito724

A regra prevista no artigo 5ordm II do Coacutedigo de Processo Penal adequava-se agrave antiga

possibilidade de o juiz ingressar de ofiacutecio com accedilatildeo penal puacuteblica hoje natildeo mais existente

por evidente incompatibilidade com a imparcialidade do juiacutezo e com o sistema

acusatoacuterio725

Com a consagraccedilatildeo da garantia do juiz imparcial e do sistema acusatoacuterio o

oferecimento de accedilatildeo penal pelo oacutergatildeo judiciaacuterio foi completamente revogado o que

tambeacutem deveria ter ocorrido com a possibilidade de requerimento de instauraccedilatildeo de

inqueacuterito policial por parte do magistrado726

Nesse sentido segundo Aury Lopes Jr a Constituiccedilatildeo ao estabelecer a titularidade

exclusiva da accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica esvaziou em parte o conteuacutedo do artigo em

721

IBID p 129-130 722

IBID p 130 723

IBID p 130 724

IBID p 109 725

ABADE Denise Neves Op cit p 175 726

IBID p 175

132

tela Natildeo compete ao juiz iniciar o processo ou mesmo o inqueacuterito ainda que por

intermeacutedio de requisiccedilatildeo natildeo soacute porque a accedilatildeo penal de iniciativa puacuteblica eacute de titularidade

exclusiva do Ministeacuterio Puacuteblico mas tambeacutem porque eacute um ditame do sistema

acusatoacuterio727

Isso porque decidir pela requisiccedilatildeo ou natildeo do inqueacuterito policial em uacuteltima anaacutelise

eacute o mesmo que decidir pela realizaccedilatildeo ou natildeo de colheita de elementos de convicccedilatildeo para a

formaccedilatildeo da opinio delicti ndash funccedilatildeo atribuiacuteda constitucionalmente de forma exclusiva no

caso da accedilatildeo penal puacuteblica ao Parquet728

Em definitivo natildeo cabe ao juiz requisitar a instauraccedilatildeo de inqueacuterito policial em

nenhum caso729

Ao magistrado cabe dizer o direito no caso concreto atentando para os direitos

fundamentais e sua imprescindiacutevel imparcialidade sendo-lhe absolutamente vedado agir

como parte730

Natildeo pode o Poder Judiciaacuterio conferir a si proacuteprio a funccedilatildeo de deliberaccedilatildeo

sobre a opinio delicti731

Assim a garantia de imparcialidade do juiacutezo natildeo se coaduna com a possibilidade de

iniciativa de provocaccedilatildeo jurisdicional por parte do proacuteprio Poder Judiciaacuterio ndash o que ocorre

na hipoacutetese de requisiccedilatildeo de inqueacuterito policial pelo magistrado732

O sistema acusatoacuterio

atribui ao Ministeacuterio Puacuteblico a decisatildeo sobre a abertura de procedimento para colheita de

elementos de convicccedilatildeo733

Ainda na fase preacute-processual natildeo se pode admitir que o julgador fixe orientaccedilatildeo

sobre as diretrizes a serem seguidas na investigaccedilatildeo ou criacutetica ao material probatoacuterio

colhido Nesse particular interessa relembrar o escopo das diligecircncias investigatoacuterias tal

seja reunir os elementos informativos necessaacuterios e suficientes ao convencimento do

727

LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v I Rio de Janeiro

Lumen Juris 2007 p 265 728

ABADE Denise Neves Op cit p 175 729

LOPES JR Aury Direito p 265 730

ABADE Denise Neves Op cit p 175 731

IBID p 175 732

IBID p 175-176 733

IBID p 176

133

Ministeacuterio Puacuteblico sobre a viabilidade da acusaccedilatildeo734

ldquoQuem deve decidir portanto sobre

a necessidade de diligecircncias (e quais) eacute o titular da accedilatildeo penalrdquo735

No ponto especiacutefico da prorrogaccedilatildeo de prazo do inqueacuterito normalmente requerida

pela autoridade policial ao juiz eacute de notar-se que a atividade de deferir ou natildeo a dilaccedilatildeo

tem caraacuteter meramente administrativo natildeo jurisdicional Encontra-se aqui outra distorccedilatildeo

do papel do julgador na fase da persecuccedilatildeo criminal extrajudicial se o controle externo da

Poliacutecia Judiciaacuteria eacute conferido ao Ministeacuterio Puacuteblico deve este zelar pela correta tramitaccedilatildeo

dos inqueacuteritos pois eacute de seu interesse institucional assegurar a tempestiva e fundamentada

finalizaccedilatildeo das investigaccedilotildees preacutevias736

737

Se o suporte probatoacuterio miacutenimo necessaacuterio agrave configuraccedilatildeo da justa causa para a

accedilatildeo penal natildeo eacute atingido ao fim da investigaccedilatildeo eacute do Ministeacuterio Puacuteblico a iniciativa de

promover o arquivamento das peccedilas evitando assim a instauraccedilatildeo de processo que

representa por si soacute um encargo significativo ao acusado738

No entanto o artigo 28 do CPP descreve uma rotina bastante singular e

ultrapassada quanto ao arquivamento assim descrita

Art 28 Se o oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico ao inveacutes de apresentar a

denuacutencia requerer o arquivamento do inqueacuterito policial ou de quaisquer

peccedilas de informaccedilatildeo o juiz no caso de considerar improcedentes as razotildees

invocadas faraacute remessa do inqueacuterito ou peccedilas de informaccedilatildeo ao

procurador-geral e este ofereceraacute a denuacutencia designaraacute outro oacutergatildeo do

Ministeacuterio Puacuteblico para oferececirc-la ou insistiraacute no pedido de arquivamento

ao qual soacute entatildeo estaraacute o juiz obrigado a atender

734

IBID p 110 735

LOPES JR Aury Direito p 265 736

ABADE Denise Neves Op cit p 110 737

ldquoEacute portanto salutar e constitui exigecircncia do modelo constitucional acusatoacuterio tramite o caderno

informativo diretamente entre a Poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico evitando-se o desserviccedilo prestado pela tardia

conclusatildeo das investigaccedilotildees com repercussotildees que vatildeo ateacute a soltura do investigado preso sendo de

assinalar ainda que a demora em chegarem ao oacutergatildeo ministerial as diligecircncias encetadas de ofiacutecio pela

Poliacutecia (muitas vezes o Ministeacuterio Puacuteblico somente toma conhecimento de um caso quando da vista

determinada judicialmente) colabora para a frustraccedilatildeo do processo investigativordquo IBID p 111 738

IBID p 112

134

A teor do que jaacute exposto acerca do papel constitucional do juiz na investigaccedilatildeo

criminal natildeo cabe ao juiz esse tipo de atividade praticamente recursal739

No acircmbito da

moldura acusatoacuteria delineada pela Constituiccedilatildeo constitui manifesta afronta ao princiacutepio

acusatoacuterio atribuir ao julgador a possibilidade de negar o pedido de arquivamento

formulado pelo Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo que exerce o juiacutezo de viabilidade da accedilatildeo penal

segundo os elementos coletados740

Natildeo eacute permitido ao juiz nesse passo intervir nos autos das investigaccedilotildees para

avaliar a qualidade do material colhido indicar diligecircncias ou imiscuir-se na atuaccedilatildeo do

Ministeacuterio Puacuteblico e na formaccedilatildeo do seu convencimento Ao juiz imparcial impotildee-se o

afastamento das atividades preparatoacuterias a fim de manter-se isento dos preconceitos que a

formulaccedilatildeo antecipada de uma tese produz de sorte a indagar apenas por ocasiatildeo do

exame da acusaccedilatildeo formulada se haacute justa causa para a accedilatildeo ou se se apresenta como

violaccedilatildeo ilegiacutetima da dignidade do acusado741

Nesse sentido parece indiscutiacutevel que o legislador de 2008742

ao conferir iniciativa

probatoacuteria na fase investigativa ao julgador perdeu uma grande oportunidade de reforccedilar a

determinaccedilatildeo constitucional por um sistema processual penal acusatoacuterio jaacute que deveria ter

restringido integralmente os poderes investigatoacuterios ex officio do juiz na fase

extraprocessual

Enfatizados os principais entraves agrave concretizaccedilatildeo do modelo acusatoacuterio brasileiro

resta evidente que o aperfeiccediloamento do sistema depende sobretudo da natildeo intervenccedilatildeo

judicial no controle da realizaccedilatildeo das investigaccedilotildees baacutesicas para o iniacutecio da accedilatildeo penal ou

da suficiecircncia dos elementos necessaacuterios agrave propositura da accedilatildeo penal por contrariar regras

pertinentes agrave distribuiccedilatildeo de funccedilotildees no processo743

bem como da retirada do ordenamento

dos dispositivos que conferem ao julgador ainda na fase de persecuccedilatildeo extrajudicial a

produccedilatildeo ex officio de diligecircncias probatoacuterias ou poderes administrativos outros que

retirem dele a imparcialidade necessaacuteria para o julgamento reservando-lhe o elevado dever

de garantidor de direitos fundamentais de sorte que o Judiciaacuterio somente venha a ser

chamado a intervir no curso das investigaccedilotildees quando em discussatildeo a violaccedilatildeo de direitos agrave

739

LOPES JR Aury Direito p 284 740

ABADE Denise Neves Op cit p 113 741

IBID p 113 742

Lei nordm 11690 de 09 de junho de 2008 artigo 156 I 743

SILVA Danielle Souza de Andrade e Op cit p 150

135

intimidade ao sigilo agrave liberdade entre outros a reclamar o exerciacutecio da funccedilatildeo

jurisdicional744

321 Ponto criacutetico o comprometimento da imparcialidade objetiva do juiz

A atuaccedilatildeo do juiz do juiz na fase preacute-processual como anteriormente exposto deve

ser muito restrita745

limitando-se ao controle de legalidade dos atos restritivos dos direitos

fundamentais do investidado O desempenho de um papel ativo caracteriacutestico daquele que

efetivamente investiga deve pois ser-lhe vedado de modo a preservar sua

imparcialidade746

Com a cisatildeo operada entre oacutergatildeo julgador e o promovente da accedilatildeo penal ao

magistrado eacute destinada nova funccedilatildeo que obviamente natildeo eacute o de interferir na conduccedilatildeo da

investigaccedilatildeo penal ou agir como autecircntica parte no processo atuando em prol de uma cega

e desenfreada busca da verdade real747

O juiz que funciona nesta fase natildeo eacute mais o investigador mas o responsaacutevel pela

observacircncia aos direitos constitucionais e eacute natildeo raras vezes instado a intervir em

incidentes jurisdicionais quando em discussatildeo qualquer tipo de limitaccedilatildeo a esses mesmos

direitos748

A exigecircncia de que a efetivaccedilatildeo de toda e qualquer medida cautelar seja

previamente autorizada por autoridade jurisdicional competente eacute decorrecircncia do princiacutepio

da jurisdicionalidade que por sua vez deriva exatamente da funccedilatildeo de garantidor dos

direitos fundamentais do investigado atribuiacuteda ao magistrado na fase preacutevia ao processo

penal749

Agrave jurisdicionalidade como princiacutepios norteadores das medidas cautelares penais

comumente indicados pela doutrina somam-se a provisionalidade a provisoriedade a

excepcionalidade que exige sejam tais medidas adotadas apenas quando cabalmente 744

IBID p 150 745

LOPES JR Aury Direito p 247 746

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 186 747

CHOUKR Fauzi Hassan As novas tendecircncias para o processo penal IBCCRIM Boletim - 45 - Agosto

Esp 1996 748

IBID 749

LOPES JR Aury Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional v II Rio de Janeiro

Lumen Juris 2009 p 54-61

136

demonstrada sua necessidade a revogabilidade a acessoriedade e a proporcionalidade

esta a reclamar do juiz uma ponderaccedilatildeo entre a gravidade da medida cautelar e o fim que

por meio dela se pretende atingir750

Observado esse conjunto de princiacutepios que deve guiar a atuaccedilatildeo jurisdicional na

fase preacute-processual tem-se que a funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos

investigados natildeo eacute satisfatoriamente exercida com a mera intervenccedilatildeo formal do

magistrado autorizando ou natildeo as medidas cautelares requeridas751

O exame dos

pressupostos legais de cada uma das medidas cautelares bem como de sua legitimidade

exigem do magistrado como regra uma ampla e verdadeira avaliaccedilatildeo dos elementos

materiais colhidos na investigaccedilatildeo sobre o qual se alicerccedila o requerimento cautelar752

A garantia da imparcialidade do julgamento por sua vez vem sendo construiacuteda

nas normas internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos num progressivo

detalhamento o qual se faz necessaacuterio para assegurar a efetividade desta norma garantia no

plano interno interpretando-se a legislaccedilatildeo ordinaacuteria de acordo com os ditames dos

tratados internacionais de direitos fundamentais e das normas constitucionais753

A partir do desenvolvimento do conceito de imparcialidade objetiva portanto

passou-se a questionar-se em sede processual penal se a imparcialidade objetiva dos

julgadores natildeo ficaria afetada por ocasiatildeo da decisatildeo de meacuterito justamente devido agrave

intervenccedilatildeo do mesmo magistrado como garantidor na investigaccedilatildeo criminal quando em

discussatildeo a adoccedilatildeo de medidas que possam representar violaccedilatildeo aos direitos fundamentais

do investigado

Isso porque a proteccedilatildeo dos direitos individuais tais como a intimidade a

privacidade e a honra assentada no texto constitucional exige cuidadoso exame acerca da

necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de tais direitos

Eacute o caso por exemplo das medidas cautelares reais reguladas pelo Coacutedigo de

Processo Penal denominadas medidas assecuratoacuterias de natureza eminentemente

750

CALAMANDREI Piero Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari Padova

Cedam 1936 SANCHES Sydney Poder geral de cautela do juiz no processo civil brasileiro Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 1978 p 23-32 THEODORO JUacuteNIOR Humberto Processo Cautelar 19ordf ed Satildeo

Paulo LEUD 2000 p 65-69 751

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 187 752

IBID p 187 753

ABADE Denise Neves Op cit p 141-142

137

patrimonial das medidas cautelares pessoais que exigem com ainda maior rigor que o

magistrado tenha uma atuaccedilatildeo mais proacutexima e cuidadosa em razatildeo de se estar lidando com

a liberdade do imputado e das cautelares probatoacuterias de que satildeo exemplo a quebra de

sigilos telefocircnico bancaacuterio e fiscal e a interceptaccedilatildeo telefocircnica

Essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-processual exige uma tamanha proximidade

do magistrado com os elementos indiciaacuterios colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem

margens a duacutevidas cria no subjetivo do magistrado impressotildees e preconceitos

incompatiacuteveis com o distanciamento que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a

instruccedilatildeo criminal com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional

penal754

Todas essas hipoacuteteses assemelham-se agraves causas consideradas pelo Tribunal

Europeu de Direitos Humanos como justificadoras do receio acerca da perda da

imparcialidade do julgador seja pela sua efetiva proximidade com o material probatoacuterio

seja pelas decisotildees proferidas todas elas exigindo uma incursatildeo do magistrado em direccedilatildeo

agrave anaacutelise da culpabilidade do suspeito755

A situaccedilatildeo apresentada expotildee uma das grandes falhas do sistema e revela o

inequiacutevoco comprometimento do julgador e sua influecircncia pelos elementos de informaccedilatildeo

que na verdade natildeo lhe dizem respeito nesse momento756

Sua imparcialidade estaacute

comprometida pelos diversos preacute-julgamentos que realiza no curso da investigaccedilatildeo

preliminar757

ldquoSatildeo esses processos psicoloacutegicos interiores que levam a um preacute-juiacutezo sobre

condutas e pessoasrdquo758

O modelo paacutetrio neste momento natildeo apresenta soluccedilatildeo para o problema

Diferentemente do que ocorre em modelos mais avanccedilados o nosso natildeo prevecirc a figura de

um juiz exclusivo para o curso das investigaccedilotildees Pelo contraacuterio A atuaccedilatildeo na fase

preliminar de investigaccedilatildeo torna o juiz prevento para a accedilatildeo759

754

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 755

IBID p 197 756

CHOUKR Fauzi Hassan Garantias p 140 757

LOPES JR Aury Juiacutezes 758

IBID 759

Art 83 Verificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes

igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de

algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da

queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2

o e 78 II c)

138

Necessaacuteria portanto uma reforma estrutural para cindir o responsaacutevel pelo

acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute apresentada daquele que

verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal760

de modo a preservar o distanciamento do juiz do

processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo

produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo Exatamente esse o propoacutesito do Projeto de

Lei do Senado nordm 1562009 que busca reformular todo o nosso sistema processual penal e

traz dentre as suas novidades a proposta de inserir a figura do juiz das garantias no

ordenamento juriacutedico brasileiro

O proacuteximo capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise especiacutefica da figura do juiz das

garantias nos moldes da proposta trazida pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009

760

LOPES JR Aury Juiacutezes

139

CAPIacuteTULO IV A proposta de introduccedilatildeo do juiz das garantias no

Processo Penal Brasileiro

1 O Projeto de Lei do Senado nordm 156 de 2009 notas introdutoacuterias

O processo penal brasileiro no atual momento de nossa histoacuteria natildeo pode mais ser

apreendido em seus alicerces como anteriormente observado senatildeo a partir de uma

profunda percepccedilatildeo do modelo constitucional que o sustenta e que pelos valores que

elegeu tornou imprescindiacutevel uma completa revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal761

O estabelecimento e a consolidaccedilatildeo do modelo de Estado Democraacutetico de Direito

prescreveram novos valores ao processo penal De acordo com liccedilatildeo de Pierpaolo Bottini

ldquoeste mais do que um instrumento de persecuccedilatildeo passou a ser uma garantia do cidadatildeo

contra o arbiacutetrio uma oportunidade para contradizer a acusaccedilatildeo apresentar provas se

fazer ouvir ou quedar-se em silecircncio caso julgue necessaacuteriordquo762

O processo dessa forma

com seu caraacuteter nitidamente acusatoacuterio passou a ser o ambiente de atuaccedilatildeo democraacutetica no

exerciacutecio do direito penal deixando para traacutes sua feiccedilatildeo de mero instrumento do Estado

para a concretizaccedilatildeo do ius puniendi763

Assim a persecuccedilatildeo penal decididamente natildeo pode mais ser compreendida pela

visatildeo ex parte principi - que tem como escopo uacutenico a proteccedilatildeo do Estado - sem a

necessaacuteria correlaccedilatildeo com o princiacutepio da dignidade da pessoa humana764

Eacute preciso efetivamente que o sistema processual penal seja renovado para

conformaacute-lo aos princiacutepios normativos da vigente Constituiccedilatildeo uma vez que conforme

liccedilatildeo de Joseacute Antonio Paganella Boschi

761

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 762

BOTTINI Pierpaolo Medidas cautelares Projeto de Lei 1112008 In MOURA Maria Thereza Rocha de

Assis (Coord) As reformas no processo penal as novas Leis de 2008 e os Projetos de Reforma Satildeo Paulo

Revista dos Tribunais 2009 p 452 763

IBID p 452 764

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial

140

Natildeo haacute nada que sobreviva ao tempo Os Coacutedigos e as leis tambeacutem ficam

velhos esclerosados perdem sua autoridade e aptidatildeo para assegurarem o alcance

das finalidades a que se destinam pois a realidade social em qualquer lugar do

mundo eacute altamente instaacutevel e exige novas e contiacutenuas regulaccedilotildees765

Desde a sua ediccedilatildeo em 1941 o Coacutedigo de Processo Penal jaacute foi objeto de inuacutemeras

alteraccedilotildees que buscaram adequaacute-lo agraves novas realidades sociais culturais poliacuteticas

econocircmicas e juriacutedicas surgidas ao longo dos anos766

bem como ajustaacute-lo agrave constituiccedilatildeo

cidadatilde promulgada em 1988 Tais alteraccedilotildees no entanto foram introduzidas por leis

dispersas e resultaram em modificaccedilotildees toacutepicas e fragmentadas

Como sabido o Coacutedigo de Processo Penal foi editado em plena eacutepoca de exceccedilatildeo

ao Estado de Direito sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1937 outorgada e de inspiraccedilatildeo

nitidamente autoritaacuteria e policialesca caracteriacutesticas estas que se refletiram sobremaneira

em seu texto Eacute verdade que desde a sua promulgaccedilatildeo outras trecircs Constituiccedilotildees767

tiveram

vigecircncia ateacute se chegar agrave atual Constituiccedilatildeo de 1988 razatildeo pela qual diversos artigos do

Coacutedigo de Processo Penal foram revogados Ademais como salientado inuacutemeras leis o

alteraram neste longo periacuteodo

Poreacutem de acordo com Pierpaolo Bottini o texto do Coacutedigo de Processo Penal

continuava defasado e desarticulado

Defasado porque foi elaborado sob a eacutegide de um conceito de processo

penal distinto que tinha por finalidade reunir esforccedilos estatais para a investigaccedilatildeo

e o conhecimento do delito () Desarticulado porque as reformas legislativas

765

BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Notas Introdutoacuterias ao PLS n 156 ndash Projeto de Coacutedigo de Processo

Penal In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo

de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 75 766

ARRUDA Eloisa de Sousa Comentaacuterios ao Procedimento do Juacuteri com as alteraccedilotildees introduzidas pela

Lei 1168908 in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p

43 767

1946 1967 e 1969

141

pontuais aprovadas com o objetivo de adequar o texto legal ao novo modelo

constitucional desfizeram a coerecircncia de diversos institutos processuais penais768

Nesse contexto como eacute de conhecimento geral em 2008 o Coacutedigo de Processo

Penal foi objeto da mais significativa e profunda reforma769

ocorrida em quase sete

deacutecadas sendo alterado pelas Leis 116892008 que tratou do juacuteri 116902008 referente

agraves provas e 117192008 que dentre outros alterou os procedimentos770

Referindo-se a tal reforma Jacques de Camargo Penteado afirma que ela se iniciou

no momento histoacuterico em que a doutrina e a jurisprudecircncia demonstraram que o sistema e

a maioria das regras do ultrapassado Coacutedigo de Processo Penal promulgado sob regime

ditatorial natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988771

Ainda segundo Andrey Borges de Mendonccedila a finalidade uacuteltima de se reformar o

Coacutedigo de Processo Penal era ldquomodernizaacute-lo agrave luz da atual ciecircncia processual penal dos

princiacutepios assegurados na Constituiccedilatildeo Federal e das disposiccedilotildees previstas em Tratados

Internacionais de Direitos Humanos incorporados pelo Brasilrdquo772

Nesse cenaacuterio o estudo do processo penal constitucional jaacute demonstrava que vaacuterios

dispositivos do Coacutedigo de Processo Penal natildeo foram recepcionados pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 mas continuaram inseridos em seu texto provocando duacutevidas de

interpretaccedilatildeo e desvios de aplicaccedilatildeo Assim inquestionaacutevel a necessidade de

768

BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452 769

A Comissatildeo de Reforma presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover apresentou em 2000 onze

Anteprojetos que depois de discutidos amplamente pela comunidade juriacutedica foram transformados em oito

projetos de lei O que se seguiu foi a aprovaccedilatildeo aos poucos e com alteraccedilotildees dos projetos de lei

apresentados pela Comissatildeo de Reforma MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees

sobre as principais inovaccedilotildees do Projeto de Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro In MALAN Diogo

MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de

reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 770

A reforma processual penal concretizou-se apenas parcialmente restando sem nova regulamentaccedilatildeo outras

regras processuais previstas nos projetos que se achavam em andamento MOURA Maria Thereza Rocha de

Assis Breves Consideraccedilotildees p 251 771

PENTEADO Jacques de Camargo Reforma Processual Penal e Juacuteri in Revista da ESMP Reforma

Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 89 772

MENDONCcedilA Andrey Borges de Os elementos produzidos durante o inqueacuterito e as provas antecipadas

cautelares e irrepetiacuteveis segundo a reforma do CPP in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo

Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p75

142

compatibilizaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Penal aos direitos e garantias fundamentais

previstos na Constituiccedilatildeo Federal773

Pode-se dizer pois na esteira do entendimento de Pierpaolo Bottini que o objetivo

determinante da reforma processual de 2008 foi exatamente a adequaccedilatildeo legislativa dos

preceitos constitucionais de garantia buscando-se rever e ajustar a interpretaccedilatildeo das

disposiccedilotildees originais do Coacutedigo de Processo Penal sob o espectro da Constituiccedilatildeo Federal

de 1988 numa tentativa de adicionar agrave legislaccedilatildeo processual penal infraconstitucional os

princiacutepios e garantias constitucionais mantendo-se a sistematicidade e a harmonia dos

institutos774

De fato era reconhecida a urgecircncia da revisatildeo do Coacutedigo de Processo Penal Dessa

forma dentre outras foram regradas mateacuterias como a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo as

provas iliacutecitas a prisatildeo processual os procedimentos a celeridade a eficiecircncia a

simplicidade e a seguranccedila tendo como norte o foco nos direitos e garantias individuais e a

conformaccedilatildeo da ordem juriacutedica ao processo penal constitucional775

Antonio Scarance Fernandes sustenta que tais reformas buscaram uma vez que a

Constituiccedilatildeo Federal adotou para o processo penal o sistema acusatoacuterio ldquoconstruir um

processo com predomiacutenio da atuaccedilatildeo das partes na movimentaccedilatildeo do feito e na produccedilatildeo

das provas expurgando-se resquiacutecios de poderes acusatoacuterios do juiz mas mantendo-se o

seu poder instrutoacuterio suplementarrdquo776

Em 2009 com o advento da Lei 11900 o Coacutedigo de Processo Penal foi novamente

alterado A mudanccedila agora ainda mais pontual promoveu a inserccedilatildeo da previsatildeo de

possibilidade de realizaccedilatildeo de interrogatoacuterio e de outros atos processuais por sistema de

videoconferecircncia

773

SOUZA Luiz Roberto Sales CARBONI Christian Marcos A reafirmaccedilatildeo do processo acusatoacuterio e

contraditoacuterio no processo penal brasileiro as reformas de junho de 2008 in Revista da ESMP Reforma

Processual Penal Satildeo Paulo v2 nordm 1 julhodezembro 2008 p 42 774

BOTTINI Pierpaolo Op cit p 452-453 775

ALMEIDA Herivelto de Reflexotildees pontuais sobre o devido processo legal e o julgamento dos crimes de

competecircncia do Tribunal do Juacuteri in Revista da ESMP Reforma Processual Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1

julhodezembro 2008 p 111 776

FERNANDES Antonio Scarance O novo procedimento do Juacuteri Revista da ESMP Reforma Processual

Penal Satildeo Paulo v1 nordm 1 julhodezembro 2008 p 17

143

Finalmente a Lei 124032011777

modificou dispositivos relativos agrave prisatildeo

processual fianccedila liberdade provisoacuteria e outras medidas cautelares buscando superar a

oposiccedilatildeo prisatildeoliberdade possibilitando ao juiacutezo criminal a utilizaccedilatildeo de vaacuterias outras

medidas cautelares e relegando a prisatildeo acertadamente para o lugar de ultima ratio do

sistema penal778

Contudo em que pesem as inuacutemeras alteraccedilotildees pontuais o Coacutedigo de Processo

Penal uma vez que elaborado sob forte influecircncia do sistema inquisitivo ainda padece de

graves viacutecios estruturais779

Natildeo haacute duacutevidas de que a intenccedilatildeo destas sucessivas alteraccedilotildees da legislaccedilatildeo

processual foi trazer ao Coacutedigo de Processo Penal os ldquonovos ventosrdquo780

oriundos da nova

Carta Constitucional e de tratados internacionais como o Pacto de San Joseacute da Costa Rica

Natildeo conseguiram elas alcanccedilar todavia o ldquopleno ecircxito de modernizar o ainda

estigmatizante e pouco eficaz modelo de processo criminalrdquo781

De acordo com Andrey Borges de Mendonccedila jaacute em 2008 o ideal teria sido a

aprovaccedilatildeo de um novo Coacutedigo de Processo Penal782

Contudo ldquoem razatildeo de contingecircncias

poliacuteticas preferiu-se a elaboraccedilatildeo de projetos setoriais que atingissem pontos

estrateacutegicosrdquo783

Para Fabiano Augusto Martins Silveira as leis de junho de 2008 a despeito de

todos os seus meacuteritos foram recebidas por uma estrutura predominantemente inquisitorial

777

O PL 42082001 que deu origem agrave Lei 124032011 fazia parte da reforma de 2001 que natildeo se

completou porque os demais projetos tiveram tramitaccedilatildeo mais lenta no Congresso Nacional MOURA Maria

Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees p 251-252 778

VALENTE Rodolfo de Almeida As boas novidades da lei 12403 de 2011 Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo IBCCRIM ano 18 n 225 p 09 ago 2011 779

NUNES Walter Reforma do Coacutedigo de Processo Penal Leis n 11689 n 11690 e n 11719 de 2008 In

Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIII n 44 p 20-24 janmar 2009 780

CAPEZ Fernando Dos princiacutepios fundamentais In ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio

Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 101 781

IBID p 101 782

Nesse sentido Maria Thereza Rocha de Assis Moura afirma que ldquona eacutepoca a feitura de um coacutedigo

inteiramente novo contava com apoio do meio juriacutedico tendo em vista o fato de que em geral a aprovaccedilatildeo

de projetos pontuais conduz no mais das vezes a reformas inconsistentes sem harmonia e visatildeo de

conjunto Sem se falar que em razatildeo de alguns projetos serem aprovados mais rapidamente do que outros o

sistema se ressente da devida coerecircnciardquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees

p 250 783

MENDONCcedilA Andrey Borges Op cit p75

144

Por essa precisa razatildeo ldquoo brilho dessas alteraccedilotildees seraacute sempre ofuscado pelo plano de

fundordquo784

No mesmo sentido Fauzi Hassan Choukr ressalta que a opccedilatildeo teacutecnico-poliacutetica pelas

reformas segmentadas feita pelo direito brasileiro ateacute entatildeo fez com que suas supostas

virtudes fossem completamente esvaziadas por suas deficiecircncias estruturais785

Ainda existem portanto diversas falhas e descompassos na sistemaacutetica processual

penal especialmente no tocante ao sistema acusatoacuterio e aos direitos e garantias individuais

Estes defeitos segundo Fauzi Hassan Choukr revelam-se em todos os momentos do

Coacutedigo vigente mas saltam aos olhos na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal que haacute

muito anseia por estruturas que proporcionem tratamento adequado ao investigado como

sujeito e natildeo como mero objeto da atividade estatal De acordo com o autor devem ser

inseridos nesta etapa da persecuccedilatildeo ldquoos meios necessaacuterios para vivificar o grande valor

que norteia as sociedades ditas civilizadas o da dignidade da pessoa humana ponto

central de toda a metodologia constitucional contemporacircneardquo786

De todo o ateacute aqui exposto resulta a incontroversa necessidade de uma reforma

global do nosso Coacutedigo de Processo Penal

Nesse sentido a liccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira segundo o qual ldquose eacute

verdade que a legislaccedilatildeo processual penal ordinaacuteria necessita urgentemente de um banho

de Constituiccedilatildeo uma reforma integral seria a soluccedilatildeo mais indicada pois do contraacuterio

seria como pocircr remendo novo em roupa velhardquo787

Para o autor no momento presente um novo Coacutedigo de Processo Penal parece ser

um instrumento muito mais adequado aos anseios de conformaccedilatildeo ao paradigma

constitucional poacutes-88 ldquoAproximaccedilatildeo de fundo e definitiva Reconciliaccedilatildeo que natildeo pode

ser mais adiada nem deixada a cargo unicamente da jurisprudecircnciardquo788

784

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo as cautelares e o juiz das Garantias Revista de

Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia a 46 n 183 julho-set 2009 p 80 785

CHOUKR Fauzi Hassan Reforma e Continuiacutesmos no Processo Penal -Brasileiro Breve contribuiccedilatildeo agrave

anaacutelise do itineraacuterio reformista In MALAN Diogo MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de

Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 129 786

CHOUKR Fauzi Hassan Inqueacuterito policial 787

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 788

IBID p 80

145

Um novo Coacutedigo ademais segundo ele teria o condatildeo de operar natildeo apenas uma

mudanccedila na interpretaccedilatildeo sistemaacutetica do modelo de deduccedilatildeo da pretensatildeo punitiva estatal

com clara delimitaccedilatildeo dos papeacuteis dos sujeitos do processo mas proporcionaria ainda

progressos significativos em termos de garantias individuais789

Nesse sentido um novo

Coacutedigo livre do passivo ideoloacutegico do Decreto-Lei nordm 3689 de 1941 teria muito mais

facilidade para dar efetividade agraves garantias democraacuteticas da Constituiccedilatildeo de 1988790

Assim decorridos nove meses da entrada em vigor da chamada reforma processual

penal de 2008791

em agosto daquele mesmo ano a Comissatildeo externa criada pelo Senado

Federal em junho de 2008 para apresentar o Anteprojeto de Lei de reforma do Coacutedigo de

Processo Penal e coordenada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiccedila Hamilton

Carvalhido792

apresentou o resultado de seu trabalho que se transformou no Projeto de Lei

do Senado Federal 1562009793

Apresentado ao Senado o texto foi acolhido pela Presidecircncia em meados de

2009794

Desde entatildeo teve iniacutecio sua tramitaccedilatildeo no Congresso Nacional tendo aportado na

Cacircmara dos Deputados para anaacutelise e votaccedilatildeo795

Referido Projeto jaacute em sua Exposiccedilatildeo de Motivos ressalta o consenso acerca da

imprescindibilidade de um novo Coacutedigo

789

IBID p 80 790

IBID p 80 791

Resultado da promulgaccedilatildeo das Leis 116892008 116902008 e 117192008 em junho de 2008 que

entraram em vigor no mecircs de agosto daquele mesmo ano 792

Constituem ainda a Comissatildeo Antonio Correa Antonio Magalhatildees Gomes Filho Eugecircnio Pacelli de

Oliveira Fabiano Augusto Martins Silveira Felix Valois Coelho Juacutenior Jacinto Nelson de Miranda

Coutinho Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral A Comissatildeo foi criada a pedido do senador Renato

Casagrande (PSB-ES) e designada pelo Presidente do Senado senador Garibaldi Alves Filho por meio do

Ato 1108 793

MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia sobre o Projeto de Lei do Senado Federal

1562009 que trata da reforma do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM v

200 jul 2009 794

OLIVEIRA Eugecircnio Pacelli de Reformas legislativas e o CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo

IBCCRIM ed especial CPP ago 2010 795

O PLS 1562009 ao ser distribuiacutedo na Cacircmara dos Deputados recebeu o nuacutemero PL 80452010 e foi

apensado ao Projeto de Lei n 79872010 de autoria do Deputado Federal Miro Teixeira que tem igualmente

por objeto a reforma global do Coacutedigo de Processo Penal A Mesa Diretora da Cacircmara dos Deputados

determinou fosse dada ciecircncia do Projeto ao Plenaacuterio e constituiacuteda Comissatildeo Especial para emitir parecer

sobre o Projeto e suas emendas tendo sido apresentados requerimentos de criaccedilatildeo de comissatildeo especial para

emissatildeo de parecer sobre o PL 80452010 httpwwwibrasppcombrp=216 acessado em 24102013

146

Se em qualquer ambiente juriacutedico haacute divergecircncias quanto ao sentido ao

alcance e enfim quanto agrave aplicaccedilatildeo de suas normas haacute no processo penal

brasileiro uma convergecircncia quase absoluta a necessidade de elaboraccedilatildeo de um

novo Coacutedigo sobretudo a partir da ordem constitucional da Carta da Repuacuteblica de

1988

De acordo com Fernando Capez o PLS 1562009 tem por finalidade ldquofortalecer os

laccedilos de submissatildeo das regras processuais penais aos princiacutepios garantidores derivados

da devida persecuccedilatildeo penal e em uacuteltima instacircncia do princiacutepio da dignidade humana

corolaacuterio do Estado Democraacutetico de Direitordquo796

A grande novidade eacute pois que se trata de versatildeo de Coacutedigo inteiramente novo

propondo uma modificaccedilatildeo profunda no sistema processual penal brasileiro797

que busca

se livrar de uma vez por todas dos resquiacutecios inquisitoriais do atual Coacutedigo

Dividido em seis Livros798

o Projeto de Coacutedigo abre o texto legislativo com um

Tiacutetulo dedicado aos princiacutepios fundamentais que o orientaratildeo Enumera portanto jaacute em

sua abertura os princiacutepios fundamentais que o regem e impotildee a estrita observacircncia do

devido processo legal constitucional assumindo claro compromisso com as garantias

individuais

Como asseverado na Exposiccedilatildeo de Motivos

ldquo As garantias individuais natildeo satildeo favores do Estado A sua observacircncia

ao contraacuterio eacute exigecircncia indeclinaacutevel para o Estado Nas mais variadas

concepccedilotildees teoacutericas a respeito do Estado Democraacutetico de Direito o

reconhecimento e a afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais aparecem como um

verdadeiro nuacutecleo dogmaacutetico O garantismo quando consequente surge como

pauta miacutenima de tal modelo de Estadordquo

796

CAPEZ Fernando Op cit p 124 797

GOMES Abel Fernandes Juiz das Garantias inconsistecircncia cientiacutefica mera ideologia ndash como se soacute juiz

jaacute natildeo fosse garantia Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 98-105 outdez 2010 798

Assim denominados da persecuccedilatildeo penal do processo e dos procedimentos das medidas cautelares das

accedilotildees de impugnaccedilatildeo das relaccedilotildees jurisdicionais com autoridade estrangeira e disposiccedilotildees finais

147

De acordo com Maria Thereza Rocha de Assis Moura ldquoeste comprometimento eacute

importantiacutessimo para que o respeito aos direitos fundamentais se decirc de forma efetiva e

concretardquo799

Disso decorrem muitas propostas O PLS 1562009 eacute pois repleto de novidades

merecendo especial registro para o acircmbito e as finalidades deste trabalho a clara e

definitiva opccedilatildeo pelo modelo acusatoacuterio de processo a vedaccedilatildeo de forma expliacutecita da

atividade instrutoacuteria do juiz na fase de investigaccedilatildeo800

e sobretudo ldquopara a consolidaccedilatildeo

de um modelo orientado pelo princiacutepio acusatoacuteriordquo801

a criaccedilatildeo do juiz das garantias

instituto que nos propomos analisar a partir de agora

2 Juiz das garantias noccedilotildees preliminares

Dentre as grandes inovaccedilotildees oriundas do projeto estaacute portanto a instituiccedilatildeo do juiz

das garantias no nosso ordenamento juriacutedico

Retomando a anaacutelise realizada nos capiacutetulos precedentes a Constituiccedilatildeo Federal

impocircs um sistema processual penal de caraacuteter acusatoacuterio cujo traccedilo essencial eacute a separaccedilatildeo

dos poderes exercidos no decorrer da persecuccedilatildeo penal

Natildeo haacute duacutevida de que de fato a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica adotou todas as

elementares do princiacutepio acusatoacuterio na medida em que conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a

privatividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal puacuteblica consagrando o devido processo legal e

assegurando o julgamento por um juiz competente e imparcial

Ademais a consolidaccedilatildeo do estudo do processo penal agrave luz da Constituiccedilatildeo tornou

inconcebiacutevel a existecircncia de um sistema em que os papeacuteis desenvolvidos pelos operadores

do processo penal se confundam

799

MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breve notiacutecia 800

Art 4ordm ldquoO processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a

iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo de acusaccedilatildeordquo 801

Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009

148

Assim a separaccedilatildeo entre as funccedilotildees de acusar e julgar no sistema acusatoacuterio

pressupotildee tambeacutem que ao juiz seja vedada a interferecircncia na investigaccedilatildeo o que gera o

risco de comprometimento de sua imparcialidade jaacute que invariavelmente esta representa

a construccedilatildeo da proacutepria acusaccedilatildeo

Portanto uma vez separado o oacutergatildeo julgador do titular da accedilatildeo penal fica ao

magistrado reservado novo papel que certamente natildeo eacute o de imiscuir-se na investigaccedilatildeo

penal ou de atuar como verdadeira parte no processo

O juiz passa a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor natildeo podendo ficar

alheio frente agrave ocorrecircncia de violaccedilotildees ou ameaccedilas de lesatildeo aos direitos fundamentais

constitucionalmente consagrados Ao juiz imputa-se uma nova posiccedilatildeo no Estado

Democraacutetico de Direito consubstanciada na funccedilatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

O papel que o juiz deve assumir quando chamado a atuar no inqueacuterito policial natildeo eacute

mais portanto o de investigador mas o de garante dos direitos fundamentais do sujeito

passivo o que se daacute principalmente pela atuaccedilatildeo nos incidentes jurisdicionais que tecircm

lugar quando em jogo estiver a quebra de algum valor constitucionalmente consagrado

Tudo isso em consonacircncia com os princiacutepios que orientam o sistema acusatoacuterio e a proacutepria

estrutura dialeacutetica do processo penal

Para o exerciacutecio da funccedilatildeo de garantidor dos direitos fundamentais dos suspeitos

natildeo eacute suficiente poreacutem uma mera accedilatildeo formal do magistrado no sentido de simplesmente

autorizar ou indeferir as medidas cautelares requeridas Cabe ao magistrado no intuito de

maacutexima proteccedilatildeo aos direitos em vias de serem violados a anaacutelise minuciosa e detida do

material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo sobre o qual se fundamenta o requerimento

cautelar visando verificar o atendimento aos requisitos legais de cada uma das medidas

cautelares bem como de sua legitimidade

Ocorre poreacutem que se identificou no nosso sistema processual penal como jaacute

analisado quando da exposiccedilatildeo do conceito de imparcialidade objetiva desenvolvido

sobretudo por meio da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu de Direitos Humanos o

elevado risco de comprometimento da imparcialidade do juiacutez quando do julgamento

exatamente em razatildeo de sua anterior atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo criminal por ocasiatildeo do

exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos direitos

fundamentais do investigado

149

E para esse problema o ordenamento juriacutedico brasileiro natildeo dispunha de uma

soluccedilatildeo satisfatoacuteria agora aventada pelo projeto de lei do Senado 1562009

Trata-se da criaccedilatildeo de um oacutergatildeo jurisdicional com competecircncia exclusiva para

atuaccedilatildeo na fase preacutevia ao ajuizamento da accedilatildeo penal a quem seraacute dado zelar pela

legalidade da investigaccedilatildeo criminal e tutelar a plena observacircncia dos direitos e garantias

fundamentais do investigado802

cabendo a ele a autorizaccedilatildeo de medidas resguardadas pela

claacuteusula de reserva judicial

Disciplinada no Capiacutetulo II do Tiacutetulo II do Livro I que versa sobre a investigaccedilatildeo

criminal o instituto do juiz das garantias eacute uma das propostas que buscam adequar o

Coacutedigo de Processo Penal agrave ideologia democraacutetica da Constituiccedilatildeo Federal vigente803

Conforme definiccedilatildeo do proacuteprio projeto ldquoo juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo

controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos

individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder

Judiciaacuteriordquo804

Naturalmente a atuaccedilatildeo judicial na fase de investigaccedilatildeo natildeo constitui novidade no

nosso ordenamento juriacutedico A inovaccedilatildeo legislativa aqui diz respeito agrave criaccedilatildeo da figura

de um juiz com competecircncia exclusiva para a atuaccedilatildeo na fase preacute-processual que a teor do

artigo 16805

estaria impedido de funcionar no processo806

Na sistemaacutetica do Coacutedigo que estaacute em vigor como se sabe a regra de competecircncia

vai no sentido oposto O magistrado que tomou conhecimento do feito na fase de

investigaccedilatildeo torna-se prevento nos termos dos arts 75 paraacutegrafo uacutenico807

e 83808

do atual

802

MAYA Andreacute Machado Outra vez sobre o juiz de garantias entre o ideal democraacutetico e os empecilhos

de ordem estrutural Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 215 out 2010 803

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias no projeto de reforma do coacutedigo de processo penal Boletim

IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 204 nov 2009 804

Artigo 14 805

Art 16 ldquoO juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14

ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748rdquo 806

ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal ALVES

Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de Processo Penal

Salvador Juspodivm 2012 p 136 807

Art 75 ldquoA precedecircncia da distribuiccedilatildeo fixaraacute a competecircncia quando na mesma circunscriccedilatildeo judiciaacuteria

houver mais de um juiz igualmente competente Paraacutegrafo uacutenico A distribuiccedilatildeo realizada para o efeito da

concessatildeo de fianccedila ou da decretaccedilatildeo de prisatildeo preventiva ou de qualquer diligecircncia anterior agrave denuacutencia ou

queixa preveniraacute a da accedilatildeo penalrdquo 808

Art 83 ldquoVerificar-se-aacute a competecircncia por prevenccedilatildeo toda vez que concorrendo dois ou mais juiacutezes

igualmente competentes ou com jurisdiccedilatildeo cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na praacutetica de

150

Coacutedigo de Processo Penal para conhecer a accedilatildeo penal que posteriormente seraacute ajuizada

isto eacute seraacute o mesmo juiz que proferiraacute a sentenccedila porque foi o primeiro a tomar

conhecimento do fato

O projeto altera substancialmente este panorama Institui a figura do juiz das

garantias para romper com essa loacutegica da prevenccedilatildeo809

Com efeito o juiz chamado a

intervir no inqueacuterito policial ficaraacute impedido de julgar o caso Trata-se portanto ldquode um

giro de 180 grausrdquo810

ldquode uma mudanccedila da aacutegua para o vinhordquo811

A importacircncia do juiz das garantias portanto como proposto no PLS 1562009

reside na separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos

com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente

daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal e a reuniatildeo dos indiacutecios destinados a

fundamentar a denuacutencia do Ministeacuterio Puacuteblico812

De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira ldquoa separaccedilatildeo entre as funccedilotildees

judiciais atinentes agrave investigaccedilatildeo e ao processo eacute uma tendecircncia bem consolidada na

experiecircncia internacionalrdquo813

podendo ser citados como exemplos o giudice per le

indagini preliminari na Itaacutelia o juiz da instruccedilatildeo em Portugal e o juez de garantiacutea no

Chile814

Em todos esses casos procedeu-se guardadas as particularidades de cada

ordenamento juriacutedico agrave individualizaccedilatildeo das funccedilotildees do juiz que interveacutem na investigaccedilatildeo

como forma de diferenciaacute-lo do juiz que atua na fase processual e que julgaraacute o meacuterito815

algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denuacutencia ou da

queixa (arts 70 sect 3o 71 72 sect 2

o e 78 II c)rdquo

809 PASSOS Edilenice Coacutedigo de Processo Penal notiacutecia histoacuterica sobre as comissotildees anteriores Senado

Federal ndash Secretaria de Informaccedilatildeo e Documentaccedilatildeo Brasiacutelia 2008 810

IBID 811

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88 812

MAYA Andreacute Machado Outra vez 813

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 88-89 814

ldquoNo Coacutedigo de Processo Penal italiano de 1988 tais funccedilotildees satildeo reservadas ao lsquogiudice per le indagini

preliminarirsquo (art 328) Ao mais haacute igualmente a previsatildeo no art 34 comma 2ordm-bis de que o juiz que no

mesmo procedimento exerceu as funccedilotildees dersquo giudice per le indagini preliminarirsquo natildeo pode proferir decreto

de condenaccedilatildeo participar da audiecircncia preliminar nem do processo propriamente dito De forma

semelhante o Coacutedigo de Processo Penal portuguecircs de 1987 atribui as funccedilotildees jurisdicionais relativas ao

inqueacuterito na fase de instruccedilatildeo ndash equivalente agrave nossa fase de investigaccedilatildeo ndash ao lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo (art 17)

que eacute um magistrado distinto daquele que procederaacute ao julgamento Haacute tambeacutem expressa previsatildeo no art

40 de proibiccedilatildeo do lsquojuiz de instruccedilatildeorsquo intervir em julgamento cujo debate instrutoacuterio tenha presidido Nos

paiacuteses latino-americanos o Coacutedigo de Processo Penal do Chile de 2000 prevecirc a figura do lsquojuez de garantiarsquo

(art 70) de forma distinta do Tribunalrdquo BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um

julgamento por juiz imparcial como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz nos sistemas em que natildeo haacute

a funccedilatildeo do juiz de garantias Disponiacutevel em httpwwwbadaroadvogadoscombrp=331 acesso em

25082013 815

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89

151

O mesmo ocorreraacute com a introduccedilatildeo da figura do juiz das garantias no ordenamento

juriacutedico brasileiro

Eacute vaacutelido ressaltar que natildeo eacute intenccedilatildeo do Projeto criar no Brasil um juizado de

instruccedilatildeo onde o juiz eacute o responsaacutevel pela investigaccedilatildeo criminal O juiz das garantias natildeo

tem funccedilotildees instrutoacuterias ele natildeo eacute o titular e nem o coordenador da fase preliminar da

persecuccedilatildeo penal816

Sua atuaccedilatildeo eacute eventual limitada agrave funccedilatildeo de controle da legalidade

das investigaccedilotildees e de garantia dos direitos fundamentais sobretudo os de liberdade817

O

fundamento de suas atribuiccedilotildees estaacute portanto no controle jurisdicional da legalidade da

investigaccedilatildeo e na proteccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais818

Por outro lado o projeto do Senado tambeacutem natildeo postula um modelo a impedir toda

e qualquer iniciativa do juiz Ao magistrado eacute reservado um papel complementar no

esclarecimento das provas produzidas e garantida ampla liberdade para adoccedilatildeo de medidas

cautelares na fase processual819

Pode-se dizer de acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira que o processo de

separaccedilatildeo fiacutesica entre juiz da investigaccedilatildeo e juiz da causa tem como antecedente histoacuterico a

distinccedilatildeo entre as funccedilotildees de julgar e acusar820

com a niacutetida separaccedilatildeo entre juiz e

Ministeacuterio Puacuteblico Agora com mira num maior niacutevel de apuraccedilatildeo do processo penal

acusatoacuterio busca-se a diferenciaccedilatildeo interna do oacutergatildeo judicial com a cisatildeo do juiz do

processo do juiz da investigaccedilatildeo821

Para Nereu Joseacute Giacomolli a escolha pela inserccedilatildeo da figura do juiz das garantias

no projeto de novo coacutedigo natildeo se trata de ldquosimples opccedilatildeo metodoloacutegica e nem de

organizaccedilatildeo judiciaacuteria mas revolve uma opccedilatildeo poliacutetica de processo penalrdquo822

O juiz de

garantais se insere pois no modelo democraacutetico de processo penal vinculado agrave

Constituiccedilatildeo Federal e aos Diplomas Internacionais823

816

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Juiz de Garantias ndash um nascituro estigmatizado In MALAN Diogo

MIRZA Flaacutevio (Coord) 70 anos do Coacutedigo de Processo Penal Brasileiro balanccedilo e perspectivas de

reforma Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 308 817

IBID p 308 818

IBID p 308 819

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 820

IBID p 89 821

IBID p 89 822

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 305 823

IBID p 305

152

Na observaccedilatildeo de Fabiano Augusto Martins Silveira membro da Comissatildeo

redatora do Anteprojeto de Coacutedigo de Processo Penal

A figura do juiz das garantias estaacute em perfeita uniatildeo ao espiacuterito democraacutetico

que dominou o anteprojeto e que sobreviveu ao texto aprovado pelo Senado Federal

O juiz das garantias estaacute na essecircncia do sistema acusatoacuterio desenhado no PLS 156 de

2009 Um eacute a imagem refletida do outro () A separaccedilatildeo e a especializaccedilatildeo do

agente judicial no tocante agraves fases da investigaccedilatildeo e do processo representam a etapa

de maior refinamento e de afirmaccedilatildeo do sistema acusatoacuteriordquo824

Feitas essas observaccedilotildees preliminares passaremos a examinar qual o acircmbito de

atuaccedilatildeo e quais as funccedilotildees do juiz das garantias

3 Atribuiccedilotildees

A anaacutelise do raio de accedilatildeo do juiz das garantias natildeo pode ser feita senatildeo a partir do

disposto no art 4ordm do PLS no qual se condensou a foacutermula do princiacutepio acusatoacuterio ldquoO

processo penal teraacute estrutura acusatoacuteria nos limites definidos neste Coacutedigo vedada a

iniciativa do juiz na fase de investigaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da atuaccedilatildeo probatoacuteria do oacutergatildeo

de acusaccedilatildeordquo

Desde logo deve ser salientado que o juiz das garantias natildeo eacute um juiz investigador

Ele tambeacutem natildeo impulsiona o inqueacuterito No desenho do projeto de Coacutedigo previu-se

exatamente o oposto Ele deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio ao qual

se quer dar efetividade Por conseguinte o juiz das garantias natildeo seraacute o gerente do

inqueacuterito policial Ele natildeo age de ofiacutecio825

mas apenas mediante provocaccedilatildeo Natildeo lhe

cabe pois requisitar a abertura da investigaccedilatildeo nem tampouco solicitar diligecircncias

824

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O juiz das garantias entre os caminhos da reforma do Coacutedigo de

Processo Penal In BONATO Gilson (Org) Processo Penal Constituiccedilatildeo e criacutetica estudos em homenagem

ao Prof Dr Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 250 825

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90

153

investigativas Ele eacute antes o responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo

nunca o gerente das tarefas policiais826

Em mateacuteria cautelar vale lembrar que o juiz das

garantias tambeacutem soacute agiria mediante provocaccedilatildeo827

Daiacute que os autos do inqueacuterito natildeo devem chegar a suas matildeos salvo nas hipoacuteteses

em que os direitos fundamentais do investigado devam sofrer restriccedilotildees828

isto eacute a sua

participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da

pessoa investigada829

As competecircncias do juiz das garantias foram detalhadas no art 14 da Redaccedilatildeo Final

ao Projeto de Lei do Senado nordm 1562009

Art 14 O juiz das garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da

investigaccedilatildeo criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia

tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo preacutevia do Poder Judiciaacuterio competindo-lhe

especialmente

I ndash receber a comunicaccedilatildeo imediata da prisatildeo nos termos do inciso LXII do

art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil

II ndash receber o auto da prisatildeo em flagrante para efeito do disposto no art 555

III ndash zelar pela observacircncia dos direitos do preso podendo determinar que este

seja conduzido a sua presenccedila

IV ndash ser informado sobre a abertura de qualquer investigaccedilatildeo criminal

V ndash decidir sobre o pedido de prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar

826

IBID p 90 827

ldquoTodavia uma vez decretada a prisatildeo ou outra medida cautelar pessoal ele poderaacute independentemente

de pedido dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal ou do investigado substituiacute-la por outra que entenda mais

adequada agraves exigecircncias cautelares do caso concreto Abre-se tal possibilidade natildeo apenas na hipoacutetese de

descumprimento da medida anteriormente imposta mas sempre que tendo em vista novas circunstacircncias e

motivaccedilotildees avalie que a substituiccedilatildeo eacute oportuna (art 513 paraacutegrafo uacutenico)rdquo IBID p 90-91 828

Vale destacar que todavia manteve-se o controle do arquivamento do inqueacuterito policial nas matildeos do

Poder Judiciaacuterio diferentemente da proposta original a qual atribuiacutea tal tarefa ao Ministeacuterio Puacuteblico na

condiccedilatildeo de titular da accedilatildeo penal Nesse ponto conforme liccedilatildeo de Maria Thereza Rocha de Assis Moura

ldquoperdeu-se a oportunidade de adotar regra consentacircnea com o princiacutepio acusatoacuterio e do controle da accedilatildeo

penal puacuteblica por quem eacute o seu titularrdquo MOURA Maria Thereza Rocha de Assis Breves Consideraccedilotildees

p 254 829

PASSOS Edilenice Op cit

154

VI ndash prorrogar a prisatildeo provisoacuteria ou outra medida cautelar bem como

substituiacute-las ou revogaacute-las

VII ndash decidir sobre o pedido de produccedilatildeo antecipada de provas consideradas

urgentes e natildeo repetiacuteveis assegurados o contraditoacuterio e a ampla defesa

VIII ndash prorrogar o prazo de duraccedilatildeo do inqueacuterito estando o investigado preso

em vista das razotildees apresentadas pelo delegado de poliacutecia e observado o disposto no

paraacutegrafo uacutenico deste artigo

IX ndash determinar o trancamento do inqueacuterito policial quando natildeo houver

fundamento razoaacutevel para sua instauraccedilatildeo ou prosseguimento

X ndash requisitar documentos laudos e informaccedilotildees ao delegado de poliacutecia sobre

o andamento da investigaccedilatildeo

XI ndash decidir sbre os pedidos de a) interceptaccedilatildeo telefocircnica do fluxo de

comunicaccedilotildees em sistemas de informaacutetica e telemaacutetica ou de outras formas de

comunicaccedilatildeo b) quebra dos sigilos fiscal bancaacuterio e telefocircnico c) busca e

apreensatildeo domiciliar d) acesso a informaccedilotildees sigilosas e) outros meios de

obtenccedilatildeo da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado

XII ndash julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denuacutencia

XIII ndash determinar a realizaccedilatildeo de exame meacutedico de sanidade mental nos

termos do art 452 sect 1ordm

XIV ndash arquivar o inqueacuterito policial

XV ndash assegurar prontamente quando se fizer necessaacuterio o direito de que

tratam os arts 11 e 37

XVI ndash deferir pedido de admissatildeo de assistente teacutecnico para acompanhar a

produccedilatildeo da periacutecia

XVII ndash outras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigo

155

Como pode ser observado o projeto de Coacutedigo optou por enumerar as

competecircncias legais do juiz das garantias com o cuidado de prever a claacuteusula do inciso

XVII do art 14 (ldquooutras mateacuterias inerentes agraves atribuiccedilotildees definidas no caput deste artigordquo)

De acordo com Fabiano Augusto Martins Silveira nem seria necessaacuterio entrar em

tantos detalhes pois do confronto do caput do art 14 segundo o qual ldquoO juiz das

garantias eacute responsaacutevel pelo controle da legalidade da investigaccedilatildeo criminal e pela

salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada agrave autorizaccedilatildeo

preacutevia do Poder Judiciaacuterio ()rdquo com a regra de competecircncia do caput do art 15 que

dispotildee que ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto

as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo seria

plenamente possiacutevel concluir que toda e qualquer mateacuteria que reclame intervenccedilatildeo judicial

na fase de investigaccedilatildeo seria da competecircncia do juiz das garantias830

Todas as infraccedilotildees penais satildeo abrangidas pela competecircncia do juiz das garantias

ressalvadas as de menor potencial ofensivo831

que seguem o rito dos juizados especiais832

Uma vez proposta a accedilatildeo penal cessa sua competecircncia833

isto eacute a distribuiccedilatildeo da accedilatildeo

penal seraacute ldquoo divisor de aacuteguasrdquo834

Proposta a accedilatildeo penal portanto o juiz das garantias sai

de cena passando o bastatildeo para o juiz do processo que entatildeo decidiraacute as questotildees

pendentes835

podendo ainda reexaminar a necessidade das medidas cautelares em

curso836

No que diz respeito aos crimes de competecircncia originaacuteria dos tribunais as funccedilotildees

do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma

regimental que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator837

830

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 831

Tal exceccedilatildeo eacute objeto de criacutetica da doutrina Por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 do Instituto

Brasileiro de Direito Processual busca-se suprimir a ressalva de que a competecircncia do juiz de garantia natildeo

abrangeria as infraccedilotildees de menor potencial ofensivo sob o fundamento de que ldquomesmo nestes casos poderaacute

haver necessidade de decisotildees judiciais sobre medidas cautelares ou outros atos de competecircncia do juiz das

garantiasrdquo 832

PASSOS Edilenice Op cit 833

Art 15 A competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor

potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penal 834

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 835

Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 836

Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o

oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso 837

Art 314 ldquoNas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves

disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash

156

Em siacutentese o juiz das garantias seraacute o destinataacuterio de todos os pedidos de

diligecircncias formulados durante a investigaccedilatildeo criminal que interfiram na esfera de direitos

do investigado aleacutem de decidir sobre as medidas cautelares838

Cabe-lhe tutelar a

regularidade da investigaccedilatildeo sobretudo quando esta puder atingir direitos fundamentais839

Ao juiz das garantias podem recorrer tanto a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico de um lado

como o investigado do outro de maneira que a investigaccedilatildeo natildeo saia da legalidade Trata-

se portanto de um ldquojuiz de salvaguardas Peccedila-chave no modelo acusatoacuterio em

construccedilatildeordquo840

Compreendidos o acircmbito de atuaccedilatildeo e funccedilatildeo do juiz das garantias deve-se

esclarecer a sua finalidade

4 Objetivos da adoccedilatildeo do juiz das garantias no ordenamento juriacutedico brasileiro

Partindo-se da proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS 1562009 temos que o

deslocamento de um oacutergatildeo da jurisdiccedilatildeo com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo da tarefa de

examinar cuidadosamente a necessidade de medida cautelar autorizativa da mitigaccedilatildeo de

direitos individuais como a intimidade a privacidade e a honra atende a duas estrateacutegias

bem definidas a saber a) a otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal inerente agrave

especializaccedilatildeo na mateacuteria e ao gerenciamento do respectivo processo operacional e b)

manter o distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em

relaccedilatildeo aos elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo

A nova figura atenderia portanto a dois objetivos centrais Examinemos entatildeo

cada um deles

as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental que

ficaraacute impedido de atuar no processo como relator()rdquo 838

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 90 839

IBID p 90 840

IBID p 90

157

41 A otimizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional criminal

A primeira justificativa elencada pelo Projeto para a criaccedilatildeo de um magistrado para

atuar exclusivamente na investigaccedilatildeo preliminar reside pois no aprimoramento da atuaccedilatildeo

jurisdicional criminal na preservaccedilatildeo dos direitos e das liberdades fundamentais

Segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquodever de cuidado natildeo eacute suficiente na

esfera penal em razatildeo da profundeza das violaccedilotildees fazendo-se necessaacuterio o

estabelecimento de garante exclusivordquo841

A exposiccedilatildeo de motivos do Projeto 1562009 nesse sentido eacute clara ao exigir a

criaccedilatildeo um oacutergatildeo jurisdicional com funccedilatildeo exclusiva de execuccedilatildeo dessa missatildeo um

juizado das garantias natildeo bastando que o juiz do processo seja outro que natildeo o juiz que

atuou na fase preacute- processual842

De acordo do Simone Schreiber natildeo haacute duacutevida de que o novo Coacutedigo de Processo

Penal poderia apenas instituir uma regra de impedimento em que o juiz que houvesse

tomado qualquer decisatildeo na fase investigatoacuteria estaria impedido de atuar na fase

processual843

Contudo o Projeto estaacute um passo agrave frente prevendo um juiz especializado

que teraacute a atribuiccedilatildeo exclusiva de tutelar os direitos das pessoas investigadas e a legalidade

da atuaccedilatildeo dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo844

Nesse contexto tem-se em mente que a previsatildeo de um juiz que atue

exclusivamente na investigaccedilatildeo pode proporcionar as vantagens esperadas de todo e

qualquer processo de especializaccedilatildeo845

A existecircncia de um magistrado cuja atuaccedilatildeo esteja

voltada especificamente para a investigaccedilatildeo significaraacute maior capacitaccedilatildeo e portanto

ganho de celeridade846

ldquoUma rotina especiacutefica de trabalho tende a gerar com o tempo

expertise eficiecircncia e agilidaderdquo847

841

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 842

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 843

SCHREIBER Simone Juiz de garantias no projeto do Coacutedigo de Processo Penal Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo IBCCRIM n 213 ago 2010 844

IBID 845

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 846

PASSOS Edilenice Op cit 847

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89

158

Pode-se dizer sem duacutevidas que esse foi o objetivo almejado com a criaccedilatildeo de varas

de inqueacuteritos policiais em algumas capitais brasileiras como Belo Horizonte Curitiba e

Satildeo Paulo848

onde existe uma equipe capacitada para de forma aacutegil ainda no calor dos

acontecimentos deliberar entre a retirada da sociedade de imediato de algueacutem que oferece

ameaccedila ou a correccedilatildeo da arbitrariedade do Estado numa eventual injusticcedila praticada contra

um cidadatildeo e o Estado Democraacutetico de Direito o que inegavelmente natildeo eacute uma tarefa

nada faacutecil Trata-se pelo contraacuterio de um trabalho meticuloso O juiz das garantias nesse

sentido eacute ldquouma proposta orientada aos resultadosrdquo849

No mesmo sentido Jacinto Nelson de Miranda Coutinho ressalta que a criaccedilatildeo do

juiz das garantias possibilitaraacute que dois faccedilam obviamente no acircmbito das suas

competecircncias o trabalho agora reservado a um soacute devendo aumentar o nuacutemero de juiacutezes

ldquoo que eacute uma necessidade que se natildeo discute maisrdquo850

De acordo com Simone Schreiber ldquoa instituiccedilatildeo de juiacutezes de garantia

evidentemente com estrutura proacutepria sem duacutevida traraacute maior agilidade ao funcionamento

das varas criminaisrdquo851

dado que os juiacutezes dessas varas poderatildeo dedicar-se

exclusivamente agrave conduccedilatildeo cuidadosa e ceacutelere do processo criminal assegurando os

direitos das partes de postulaccedilatildeo e instruccedilatildeo e proferindo a sentenccedila criminal vaacutelida e justa

em prazo razoaacutevel852

Portanto como se conclui da disposiccedilatildeo do juiz das garantias e de sua competecircncia

no Projeto de Coacutedigo de Processo Penal a expectativa de aprimoramento do processo

penal brasileiro apoacutes o seu advento estaacute no fato de que se contaraacute a partir de entatildeo com

um oacutergatildeo judiciaacuterio responsaacutevel exclusivamente pela tutela das inviolabilidades pessoais

848

IBID p 89 ldquoTodavia eacute preciso ter claro que o juiz das garantias difere do juiz das varas de inqueacuterito

policial hoje instituiacutedas em algumas capitais como Satildeo Paulo e Belo Horizonte Eacute que o juiz das garantias

deve ser compreendido na estrutura do modelo acusatoacuterio que se quer adotar Por conseguinte o juiz das

garantias natildeo seraacute o gerente do inqueacuterito policial pois natildeo lhe cabe requisitar a abertura da investigaccedilatildeo

tampouco solicitar diligecircncias agrave autoridade policial Ele agiraacute mediante provocaccedilatildeo isto eacute a sua

participaccedilatildeo ficaraacute limitada aos casos em que a investigaccedilatildeo atinja direitos fundamentais da pessoa

investigada O inqueacuterito tramitaraacute diretamente entre poliacutecia e Ministeacuterio Puacuteblico Quando houver

necessidade referidos oacutergatildeo dirigir-se-atildeo ao juiz das garantias Hoje diferentemente tudo passa pelo juiz

da vara de inqueacuteritos policiaisrdquo PASSOS Edilenice Op cit 849

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 850

COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Legibus Solutio a sensaccedilatildeo dos que satildeo contra a reforma global

do CPP Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo IBCCRIM n 210 mai 2010 851

SCHREIBER Simone Op cit 852

IBID

159

cuja especializaccedilatildeo no exame de questotildees atreladas agrave proteccedilatildeo da intimidade privacidade e

honra do cidadatildeo otimizaraacute a participaccedilatildeo do juiz na fase preliminar da persecuccedilatildeo penal

Em uacuteltima instacircncia segundo liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli ldquoa otimizaccedilatildeo do

controle com a vedaccedilatildeo dos excessos persecutoacuterios garante a restriccedilatildeo dos direitos

fundamentais no plano da excepcionalidade ou seja a manutenccedilatildeo da unidade e

harmonia da Constituiccedilatildeo Federalrdquo853

Portanto dentre as finalidades primazes do juiz das garantias estatildeo a garantia de

melhor cumprimento de vaacuterios direitos prometidos e assegurados pelo Estado quando da

ediccedilatildeo da Constituiccedilatildeo e o aperfeiccediloamento da investigaccedilatildeo tornando-a mais ceacutelere e

eficiente sem com isso perder a constitucionalidade854

42 A plenitude da liberdade criacutetica do magistrado em relaccedilatildeo agrave fase preacute-processual

A especializaccedilatildeo inerente agrave nova figura judicial que se quer implementar poreacutem

tem em mira um segundo objetivo que eacute o que justifica de fato sua adoccedilatildeo e que visa

atender aos anseios de parcela consideraacutevel da doutrina qual seja assegurar a

imparcialidade objetiva do juiz garantindo-se que o juiz do processo tenha plena liberdade

criacutetica em relaccedilatildeo aos trabalhos da fase investigativa855

A preocupaccedilatildeo do projeto estampada na sua exposiccedilatildeo de motivos eacute ldquopreservar ao

maacuteximo o distanciamento do julgador ao menos em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo dos elementos

que venham a configurar a pretensatildeo de qualquer das partesrdquo856

A figura do juiz das garantias e as restriccedilotildees em tema de investigaccedilatildeo foram

pensadas portanto acima de tudo ldquocomo forma de valorizar o que haacute de mais nobre na

853

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 306 854

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo do ldquojuiz das garantiasrdquo Boletim IBCCRIM Satildeo

Paulo IBCCRIM ed esp CPP ago 2010 855

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 856

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias

160

atividade do julgador e de onde ele retira o tiacutetulo de legitimidade de sua funccedilatildeo isto eacute a

imparcialidaderdquo857

O Coacutedigo de Processo Penal de 1941 como analisado no Capiacutetulo III deste estudo

prevecirc vaacuterias formas de participaccedilatildeo do juiz na fase investigatoacuteria Contudo apoacutes a

Constituiccedilatildeo de 1988 que consagrou o sistema acusatoacuterio natildeo soacute no art 129 I mas

tambeacutem como corolaacuterio da claacuteusula do due process of law essa atuaccedilatildeo vem sendo

consideravelmente reduzida858

No que se refere agraves medidas de caraacuteter investigatoacuterio ou assecuratoacuterio restritivas de

direitos fundamentais que devam ser tomadas na fase de investigaccedilatildeo poreacutem natildeo se pode

prescindir da participaccedilatildeo do juiz859

que no sistema do atual Coacutedigo de Processo Penal eacute o

mesmo que posteriormente julgaraacute a accedilatildeo penal por conta da regra de fixaccedilatildeo da

competecircncia desse juiz por prevenccedilatildeo

Esse papel que o juiz eacute chamado a exercer demanda redobrado cuidado pois se por

um lado ele natildeo pode substituir os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal na conduccedilatildeo da investigaccedilatildeo

e tambeacutem natildeo deve restringir indevidamente a accedilatildeo desses oacutergatildeos por outro ele natildeo pode

se desvencilhar de sua tarefa de tutelar os direitos das pessoas investigadas impedindo que

sofram restriccedilotildees injustificadas ou desarrazoadas860

E principalmente ele deve procurar

natildeo se contaminar pelas versotildees dos fatos que lhes satildeo trazidas pela autoridade policial e

pelo Ministeacuterio Puacuteblico no curso da investigaccedilatildeo o que natildeo eacute uma tarefa simples861

Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ressalta que ao se impor nessa nossa atual legislaccedilatildeo

que o juiz atue tanto em fase investigativa quanto judicial exige-se dele um

ldquocomportamento inumanordquo fundado na aptidatildeo de desconsiderar suas experiecircncias

anteriores com a causa na fase de investigaccedilatildeo ldquopara avaliar se aquilo que ele ajudou a

produzir eacute idocircneo para acusar e em momento apenas cronologicamente posterior eacute

suficiente para condenarrdquo862

De acordo com Andreacute Machado Maya essa atuaccedilatildeo jurisdicional na fase preacute-

processual exige uma tamanha proximidade do magistrado com os elementos indiciaacuterios

857

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 80 858

SCHREIBER Simone Op cit 859

IBID 860

IBID 861

IBID 862

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo

161

colhidos na investigaccedilatildeo preliminar que sem margens a duacutevidas cria no subjetivo do

magistrado impressotildees e preacute-conceitos incompatiacuteveis com alheamento que deve guiar a sua

atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e com a imparcialidade exigida na prestaccedilatildeo da

atividade jurisdicional penal863

Segundo Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ningueacutem eacute capaz de negar que um

magistrado instado a intervir na fase de investigaccedilatildeo jaacute forme sua convicccedilatildeo desde esse

primeiro instante sendo natildeo raras vezes irrelevante e dispensaacutevel a fase judicial864

Isso

porque o juiz que atua no inqueacuterito mantendo o flagrante ou decretando a prisatildeo

preventiva do investigado autorizando a quebra dos dados resguardados por sigilo

constitucional ou permitindo teacutecnicas invasivas como a infiltraccedilatildeo de agentes tende

inevitavelmente a assumir a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo criminal865

Assim o juiz que atua na fase de investigaccedilatildeo embora obviamente com funccedilotildees

distintas muito se aproxima psicologicamente da figura do Ministeacuterio Puacuteblico oacutergatildeo cuja

funccedilatildeo eacute analisar se haacute fundamento idocircneo e suficiente para acusar por meio do exame do

material investigativo agrave sua disposiccedilatildeo866

No mesmo sentido Simone Schreiber afirma que se na fase investigatoacuteria a

autoridade policial dirige-se ao juiz para requerer a adoccedilatildeo de medidas cautelares que

impliquem em restriccedilatildeo a direitos fundamentais do investigado eacute inevitaacutevel que este juiz

acabe participando da investigaccedilatildeo ainda que em tese na posiccedilatildeo de garante dos direitos

das pessoas atingidas por tais medidas867

Por conseguinte quando a investigaccedilatildeo eacute encerrada o juiz jaacute estaacute absolutamente

familiarizado com os fatos dado que participou intensamente da investigaccedilatildeo policial e jaacute

formou um juiacutezo sobre o que ocorreu e quem satildeo as pessoas envolvidas868

Ao se determinar essa atuaccedilatildeo duacuteplice ao juiz Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes afirma

que estamos conduzindo-o para uma inevitaacutevel presunccedilatildeo de culpa que soacute seraacute revertida se

a defesa provar a inocecircncia do acusado869

Caso contraacuterio seraacute mantida a convicccedilatildeo

863

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 196 864

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 865

PASSOS Edilenice Op cit 866

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 867

SCHREIBER Simone Op cit 868

IBID 869

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo

162

formada pelo magistrado desde o iniacutecio da persecuccedilatildeo penal em clara afronta agrave presunccedilatildeo

de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional deveria orientar o juiz no curso de toda

a causa870

Nesse cenaacuterio de acordo com Simone Schreiber ldquoeacute evidente que a defesa entra em

desvantagem e sua fala jaacute natildeo merece a mesma atenccedilatildeo e credibilidade daquele juizrdquo871

dado que se foi ele proacuteprio quem avaliou e atestou a pertinecircncia e a legalidade das medidas

probatoacuterias realizadas na fase preacute-processual ldquoeacute bastante improvaacutevel que ele desqualifique

a prova que foi produzida e mude de ideia quanto ao resultado que foi colhidordquo872

Eacute portanto extremamente difiacutecil senatildeo praticamente impossiacutevel que o juiz se

mantenha alheio agraves versotildees dos fatos que vatildeo sendo expostas ao longo investigaccedilatildeo e que

lhe satildeo relatadas pela autoridade policial a cada nova representaccedilatildeo A participaccedilatildeo no

inqueacuterito desse modo contamina o juiz tornando muito mais aacuterdua a tarefa da defesa de

se fazer ouvir no processo873

A cada vez que o juiz eacute instado a decidir mateacuteria pertinente agrave investigaccedilatildeo eacute

indiscutiacutevel que ele faraacute uma anaacutelise ainda que superficial do objeto desta Estaacute claro

pois que essa atuaccedilatildeo na investigaccedilatildeo obriga o juiz a formular uma opiniatildeo ainda que natildeo

definitiva sobre a linha investigatoacuteria adotada e sobre os fatos e pessoas nela

envolvidas874

o que lhe impediraacute de decidir posteriormente com total isenccedilatildeo e

imparcialidade

A separaccedilatildeo da persecuccedilatildeo penal em dois distintos e inconfundiacuteveis momentos

com a atribuiccedilatildeo da atividade de instruir e julgar o processo a um magistrado diferente

daquele que acompanhou a investigaccedilatildeo penal tem como fim uacuteltimo entatildeo a preservaccedilatildeo

da imparcialidade do juiz competente para o julgamento do meacuterito da accedilatildeo penal875

O que se visa portanto com essa nova figura juriacutedica natildeo eacute apenas atender o

cidadatildeo na proteccedilatildeo de seus direitos na investigaccedilatildeo e os oacutergatildeos de persecuccedilatildeo em ter um

juiz mais familiarizado com a realidade de uma investigaccedilatildeo criminal mas a grande

870

IBID 871

SCHREIBER Simone Op cit 872

IBID 873

IBID 874

IBID 875

MAYA Andreacute Machado Outra vez

163

finalidade da sua inserccedilatildeo estaacute em garantir que o juiz da causa natildeo atue contaminado por

sua atuaccedilatildeo anterior em fase investigativa876

Em outros termos trata-se o juizado das garantias de um instituto processual cuja

principal finalidade eacute a de garantir um maior distanciamento entre o juiz responsaacutevel por

proferir a decisatildeo penal e os elementos indiciaacuterios colhidos durante o inqueacuterito policial no

intuito de minimizar o quanto possiacutevel a contaminaccedilatildeo do magistrado e com isso

privilegiar a garantia da imparcialidade sobretudo no seu aspesto objetivo877

A ideia eacute garantir ao juiz do processo ampla liberdade criacutetica em relaccedilatildeo ao material

colhido na fase de investigaccedilatildeo878

Ora como jaacute exposto a exigecircncia de imparcialidade

objetiva do magistrado com vistas a evitar que a causa seja julgada por juiz de cuja

imparcialidade se possa suspeitar impotildee que se considere impedido de julgar um juiz que

esteja comprometido com um conhecimento preacutevio sobre os fatos da investigaccedilatildeo879

atribuindo-se a julgadores distintos as funccedilotildees de atuar na fase de investigaccedilatildeo preliminar e

durante o processo judicial

Com isso busca-se evitar o inegaacutevel comprometimento do resultado e a inevitaacutevel

vinculaccedilatildeo psicoloacutegica que o magistrado que atuou na investigaccedilatildeo traz consigo para a

accedilatildeo penal880

ldquoRompem-se assim viacutenculos ou laccedilos de qualquer ordem em relaccedilatildeo agrave

etapa precedenterdquo881

O juiz do processo responsaacutevel pela anaacutelise do meacuterito natildeo responderaacute pela

legalidade ou qualidade dos elementos informativos colhidos na investigaccedilatildeo882

Ao

contraacuterio Como a sua marca natildeo foi deixada no inqueacuterito eacute razoaacutevel supor que estaraacute em

melhores condiccedilotildees de avaliar criacutetica e imparcialmente o trabalho desenvolvido naquela

fase883

ldquoA vinda do juiz das garantias ao cenaacuterio processual brasileiro joga a favor pois

do princiacutepio de imparcialidaderdquo884

876

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 877

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 878

PASSOS Edilenice Op cit 879

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 880

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 881

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 882

IBID p 89 883

IBID p 89 884

IBID p 89

164

Desse modo para que o processo tenha respeitado o equiliacutebrio de forccedilas e

assegurada a imparcialidade do magistrado seria melhor na oacutetica do PLS nordm 156 de 2009

separar as duas funccedilotildees885

Para Fabiano Augusto Martins Silveira eacute faacutecil acompanhar o raciociacutenio

Natildeo tendo emitido juiacutezo sobre a oportunidade e conveniecircncia de diligecircncias

que invadem direitos fundamentais do investigado tampouco sobre pedidos

cautelares o magistrado entra no processo sem o peso de ter decidido a favor ou

contra uma das partes886

Natildeo leva consigo o passivo da fase preacute-processual Natildeo

tem compromisso pessoal com o que se passou Natildeo colaborou na identificaccedilatildeo das

fontes de prova Natildeo manteve o flagrante nem decretou a prisatildeo preventiva Natildeo

impocircs o sequestro de bens Natildeo autorizou a interceptaccedilatildeo de conversas telefocircnicas

nem a infiltraccedilatildeo de agentes etc etc Quer dizer em nenhum momento

compartilhou a perspectiva dos oacutergatildeos de persecuccedilatildeo penal887

Com a separaccedilatildeo na atuaccedilatildeo judicial conforme projetado garante-se de forma

muito mais efetiva o devido processo legal o direto de defesa o direito agrave prova e a

presunccedilatildeo de inocecircncia888

bem como se otimiza o contraditoacuterio viabilizando que o

magistrado julgador tome contato com a prova e portanto forme sua convicccedilatildeo apenas

durante a instruccedilatildeo criminal com a paritaacuteria participaccedilatildeo da acusaccedilatildeo e da defesa889

Tudo

porque se criou um novo sistema que assegura uma maior imparcialidade judicial e com

isso uma maior isenccedilatildeo psicoloacutegica do magistrado no momento de julgar a causa890

Por

isso se dizer que o juiz das garantias daacute maior efetivaccedilatildeo ao princiacutepio acusatoacuterio

determinado constitucionalmente891

Assim segundo Simone Schreiber a regra que se pretende introduzir de que o juiz

que participou da investigaccedilatildeo natildeo seja o mesmo que vai julgar o processo sem duacutevida eacute

885

PASSOS Edilenice Coacutedigo 886

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 89 887

IBID p 89 888

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 889

MAYA Andreacute Machado Outra vez 890

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 891

IBID

165

consentacircnea com o sistema acusatoacuterio eleito pelo constituinte de 1988892

O juiz

competente para processar e julgar a accedilatildeo penal natildeo tendo sido chamado a tomar decisotildees

relativas agrave fase investigatoacuteria estaraacute muito mais apto a realizar um julgamento justo e

imparcial893

Inegaacutevel portanto segundo Gustavo Badaroacute que ldquoa imparcialidade sobretudo em

seu aspecto objetivo restaraacute melhor assegurada se houver uma absoluta separaccedilatildeo entre

as figuras do juiz que iraacute proferir decisotildees na fase de investigaccedilatildeo e o juiz que iraacute julgar a

causardquo894

Nesse sentido inequiacutevoca a conveniecircncia de se adotar a figura de um juiz das

garantias conforme proposto pelo Projeto de Coacutedigo de Processo Penal ndash PLS nordm

1562009 cujo resultado final seraacute indubitavelmente a instituiccedilatildeo de uma Justiccedila criminal

mais justa garantista e eficiente895

Eacute preciso dizer no entanto que o instituto do juiz das garantias e a proposta de sua

inserccedilatildeo no processo penal brasileiro natildeo estatildeo imunes a objeccedilotildees e resistecircncia por parte de

parcela da doutrina Pelo contraacuterio O capiacutetulo seguinte seraacute dedicado entatildeo ao exame das

criacuteticas mais comumente dirigidas agrave figura do juiz das garantias bem como agrave apresentaccedilatildeo

das sugestotildees e propostas de melhorias jaacute formuladas com relaccedilatildeo ao modelo proposto pelo

Projeto de Lei 1562009

892

SCHREIBER Simone Op cit 893

IBID 894

BADAROacute Gustavo Henrique Righi Ivahy Direito a um julgamento 895

SCHREIBER Simone Op cit

166

CAPIacuteTULO V CRIacuteTICAS AO MODELO PROPOSTO

1 A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal

O artigo 15 do Projeto de Lei do Senado 1562009 em sua parte final dispotildee que a

competecircncia do juiz das garantias cessa com a propositura da accedilatildeo penal896

Necessaacuterio ressaltar aqui a clara menccedilatildeo agrave propositura e natildeo ao recebimento da

denuacutencia ou queixa Natildeo seraacute pois pela redaccedilatildeo do projeto em comento da competecircncia

do juiz das garantias receber ou rejeitar a inicial acusatoacuteria897

cabendo tal providecircncia

como consequecircncia ao juiz do processo

Importa considerar consoante liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya que o recebimento da

denuacutencia ou queixa embora reconhecido pela jurisprudecircncia como um ato decisoacuterio que

dispensa motivaccedilatildeo898

exige do magistrado um exame dos pressupostos processuais das

condiccedilotildees da accedilatildeo e da justa causa pois conforme dispotildee o artigo 395899

do atual Coacutedigo

de Processo Penal a sua ausecircncia impotildee a rejeiccedilatildeo da inicial acusatoacuteria900

Assim embora diante de uma avaliaccedilatildeo preliminar o juiz ao receber a denuacutencia ou

queixa deve convencer-se da probabilidade do alegado na peccedila acusatoacuteria entendendo

existirem elementos soacutelidos acerca do fumus comissi delicti901

Necessaacuterio pois o exame

pelo magistrado dos elementos colhidos na fase preliminar antes de ser recebida ou

rejeitada a peccedila inicial902

896

Art 15 ldquoA competecircncia do juiz das garantias abrange todas as infraccedilotildees penais exceto as de menor

potencial ofensivo e cessa com a propositura da accedilatildeo penalrdquo 897

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 898

IBID p 228 899

Art 395 A denuacutencia ou queixa seraacute rejeitada quando I - for manifestamente inepta II - faltar

pressuposto processual ou condiccedilatildeo para o exerciacutecio da accedilatildeo penal ou III - faltar justa causa para o exerciacutecio

da accedilatildeo penal 900

Dispotildee o projeto em seu artigo 274 Estando presentes as condiccedilotildees da accedilatildeo e os pressupostos

processuais o juiz receberaacute a acusaccedilatildeo e natildeo sendo o caso de absolviccedilatildeo sumaacuteria ou de extinccedilatildeo da

punibilidade designaraacute dia e hora para a instruccedilatildeo ou seu iniacutecio em audiecircncia a ser realizada no prazo

maacuteximo de 90 (noventa dias) determinando a intimaccedilatildeo do oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico do defensor ou

procurador e das testemunhas que deveratildeo ser ouvidas 901

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 902

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307

167

Ainda conforme salientado por Miguel Reale Junior caberaacute ao juiz do processo

decretar a absolviccedilatildeo sumaacuteria reconhecendo de plano a ausecircncia de justa causa seja pela

presenccedila de uma causa excludente de criminalidade seja diante da atipicidade do fato cujo

exame tambeacutem soacute poderaacute ser feito obviamente com base na prova colhida na fase

inquisitiva903

A cessaccedilatildeo da competecircncia do juiz das garantias com a propositura da accedilatildeo penal

assim gera o inevitaacutevel inconveniente de impor a esse magistrado o exame dos elementos

indiciaacuterios colhidos na fase preacute-processual904

para entatildeo avaliar em juiacutezo provisoacuterio a

existecircncia de justa causa para a accedilatildeo penal ldquoo que natildeo deixa de lanccedilar luzes na alta

probabilidade de que o fato delituoso existe eacute tiacutepico e o denunciado eacute o seu autorrdquo905

Tais situaccedilotildees segundo Miguel Reale Junior ldquodenotam uma insuperaacutevel contradiccedilatildeo

do Projetordquo906

Nesse sentido Andreacute Machado Maya aduz que o projeto ldquoparece ter-se

afastado da linha teoacuterica proposta na sua proacutepria exposiccedilatildeo de motivosrdquo907

A anaacutelise necessaacuteria ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia assim como ocorre nas

decisotildees relativas agraves medidas cautelares gera uma aproximaccedilatildeo do magistrado com os

elementos colhidos na investigaccedilatildeo908

sobretudo porque natildeo lhe restaraacute outra opccedilatildeo que

natildeo a de buscar nos autos do inqueacuterito policial ndash que conforme o artigo 15 sect 3ordm do

projeto permaneceratildeo apensados ao processo909

ndash o material de convencimento da

existecircncia do crime e de indiacutecios suficientes de autoria910

903

REALE JUacuteNIOR Miguel O Juiz das Garantias Revista do Advogado Ano XXXI setembro de 2011 nordm

113 p 109 904

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 905

GOMES Abel Fernandes Op cit p 102 906

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 109 907

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228 908

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 909

Esta eacute aliaacutes outra criacutetica formulada ao projeto Segundo Gabriela Schneider a juntada aos autos do

material colhido na fase de investigaccedilatildeo preliminar sobretudo das questotildees apreciadas pelo juiz das

garantias acarretaraacute a indesejada contaminaccedilatildeo do juiz do processo ainda que inconscientemente Portanto

conclui-se que o disposto no art 15 sect 3deg do Projeto eacute incompatiacutevel com o sistema acusatoacuterio pois fere um

dos principais objetivos que se busca com a introduccedilatildeo do juiz das garantias no processo penal brasileiro

assegurar a imparcialidade do magistrado que atuaraacute na fase processual evitando que ele se contamine com

as provas colhidas na fase investigatoacuteria SCHNEIDER Gabriela O Juiz das Garantias na reforma do CPP

uma anaacutelise frente ao sistema acusatoacuterio Disponiacutevel em httpwwwibccrimorgbr acessado em

23102013 910

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228

168

O exame dos autos da investigaccedilatildeo preliminar no entanto arruiacutena por completo o

alheamento que a figura do juiz das garantias pretende proporcionar ao magistrado do

processo911

Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya tendo em vista que o juiz das

garantias jaacute estaacute em contato com os elementos indiciaacuterios produzidos na fase preacute

processual que o recebimento ou a rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa fosse ato processual de

sua competecircncia912

passando ao juiz da causa a accedilatildeo penal jaacute instaurada e a relaccedilatildeo

processual jaacute plenamente formada913

No mesmo sentido de acordo com Nereu Joseacute Giacomolli o juiacutezo acerca do

recebimento ou natildeo da denuacutencia deveria ser realizado pelo juiz das garantias e natildeo pelo

juiz do processo diante da contaminaccedilatildeo posterior deste pelo contato com os elementos

colhidos na fase preliminar914

Exatamente nesse sentido a proposta de melhoria do PLS 1562009 formulada pelo

Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e encaminhada ao Congresso Nacional

por meio da Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Tal emenda confere nova redaccedilatildeo ao

caput do artigo 15 do Projeto dispondo que a competecircncia do juiz das garantias ldquocessa

com o recebimento da denuacutencia ou queixardquo As justificativas apontadas pela Emenda para

tal alteraccedilatildeo satildeo apresentadas logo a seguir

() para dar mais efetividade agrave separaccedilatildeo das atividades e evitar um preacute-

conceito do julgador que atua na fase da investigaccedilatildeo preliminar em relaccedilatildeo agrave

decisatildeo de meacuterito eacute melhor que o juiz das garantias seja tambeacutem o competente

para o recebimento da denuacutencia ou queixa Ateacute mesmo porque ele jaacute teve contado

com o material produzido Assim sendo o juiz do processo ficaria isento de qualquer

preacute-julgamento antes da sentenccedila Se o recebimento da denuacutencia competir ao juiz do

processo ele teraacute que analisar todos os elementos de informaccedilatildeo do inqueacuterito risco

de comprometer sua imparcialidade objetiva

911

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 912

IBID 913

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 914

ldquoEvidentemente que os dois juiacutezes poderiam restar contaminados pelos elementos da fase preliminar mas

o dano menor desta situa-se quando for o juiz das garantias o recebedor da denuacutenciardquo GIACOMOLLI

Nereu Joseacute Op cit p 307 No mesmo sentido BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85

169

Essa sugestatildeo tem como finalidade portanto evitar que os autos do inqueacuterito

policial sirvam para a formaccedilatildeo da convicccedilatildeo do juiz da causa com exceccedilatildeo eacute claro dos

elementos de informaccedilatildeo irrepetiacuteveis ou urgentes915

cuja produccedilatildeo tenha sido realizada

nessa fase preliminar e o material utilizado pelo juiz das garantias para a determinaccedilatildeo de

medidas cautelares916

Natildeo restam duacutevidas desse modo de que a cargo do juiz das garantias deveria estar

a decisatildeo acerca da necessidade ou natildeo do processo917

Com isso se estaraacute afastando

qualquer necessidade de o juiz da instruccedilatildeo processual aproximar-se do material

informativo que compotildee o inqueacuterito policial exceto como jaacute ressalvado quando para

tomar conhecimento das provas ditas irrepetiacuteveis918

De fato se o objetivo eacute afastar o juiz

do contato com a investigaccedilatildeo preliminar entatildeo outro caminho natildeo resta que atribuir a

decisatildeo sobre o iniacutecio do processo penal ao proacuteprio juiz das garantias919

2 Decisatildeo das questotildees pendentes pelo juiz do processo e sua natildeo vinculaccedilatildeo agraves

decisotildees do juiz das garantias

Ainda com relaccedilatildeo ao mesmo artigo 15 do Projeto consta que uma vez proposta a

accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo apreciadas pelo juiz do processo920

-

compreendido como o responsaacutevel pela instruccedilatildeo criminal ndash bem como que as decisotildees

proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o magistrado do processo que poderaacute apoacutes

o oferecimento da denuacutencia reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso921

915

Como exemplos podem ser citadas a juntada de documentos e a realizaccedilatildeo de algumas periacutecias 916

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 917

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 Para o autor ldquoisso poderia ser sistematizado atraveacutes de uma

audiecircncia intermediaacuteria dirigida pelo juiz das garantias momento em que poderia restar delimitada a

acusaccedilatildeordquo 918

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 228-229 919

IBID p 229 920

Art 15 sect 1ordm Proposta a accedilatildeo penal as questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processo 921

Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o

oferecimento da denuacutencia poderaacute reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso

170

A primeira criacutetica neste ponto eacute dirigida agrave redaccedilatildeo do artigo 15 sect 1ordm segundo a

qual ldquoas questotildees pendentes seratildeo decididas pelo juiz do processordquo922

Aqui no mesmo

sentido da criacutetica formulada em relaccedilatildeo ao recebimento ou rejeiccedilatildeo da denuacutencia pelo juiz

do processo tem-se claramente uma vez mais a possibilidade de contaminaccedilatildeo do juiz

pelos elementos de convicccedilatildeo produzidos no inqueacuterito policial exatamente em sentido

oposto ao objetivo do instituto do juiz das garantias proposto pelo projeto923

Segundo Abel Fernandes Gomes em decorrecircncia desse dispositivo apoacutes o

oferecimento da denuacutencia e a instauraccedilatildeo da accedilatildeo penal competiraacute ao juiz responsaacutevel pelo

julgamento decidir sobre as mesmas questotildees que o juiz das garantias teraacute sob sua

competecircncia no curso da primeira fase da persecuccedilatildeo penal o que contraria sem margem a

duacutevidas o fundamento apresentado para a criaccedilatildeo do instituto do juiz das garantias924

Melhor seria segundo Andreacute Machado Maya que todas as postulaccedilotildees da

autoridade policial ou do Ministeacuterio Puacuteblico referentes agrave investigaccedilatildeo criminal fossem

decididas pelo juiz das garantias e soacute depois fosse oferecida a denuacutencia925

Mas a incoerecircncia de acordo com Abel Fernandes Gomes vai mais aleacutem

Conforme disposto no sect 2ordm do mesmo artigo 15 ldquoas decisotildees proferidas pelo juiz das

garantias natildeo vinculam o juiz do processo que apoacutes o oferecimento da denuacutencia poderaacute

reexaminar a necessidade das medidas cautelares em cursordquo

A natildeo vinculaccedilatildeo das decisotildees tomadas pelo juiz das garantias em relaccedilatildeo ao juiz

da instruccedilatildeo eacute decorrecircncia loacutegica da independecircncia que rege a funccedilatildeo jurisdicional926

Assim de acordo com Miguel Reale Junior as decisotildees tomadas pelo juiz das

garantias como por exemplo o indeferimento de busca e apreensatildeo e de prisatildeo

preventiva natildeo subordinam o juiz do processo que poderaacute vir a decidir pleito de

realizaccedilatildeo de tais providecircncias solicitadas pelo Ministeacuterio Puacuteblico assim que oferecida a

denuacutencia para determinar a prisatildeo preventiva por exemplo com base nas provas

923

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 924

GOMES Abel Fernandes Op cit p 101 925

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 926

IBID

171

existentes no inqueacuterito policial927

E depois sem nenhum impedimento iraacute prolatar

sentenccedila final928

Para Andreacute Machado Maya essa independecircncia natildeo eacute poreacutem irrestrita

encontrando limitaccedilatildeo no proacuteprio dispositivo legal quando destaca que poderaacute o

magistrado do processo reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso

sugerindo natildeo ser possiacutevel via de regra o reexame das que restaram indeferidas a natildeo ser

que haja novos elementos de convicccedilatildeo resultantes da prova produzida durante a instruccedilatildeo

criminal929

Nesse caso segundo o autor natildeo haacute como negar ao juiz do processo a

possibilidade de por exemplo determinar a interceptaccedilatildeo das comunicaccedilotildees telefocircnicas a

quebra do sigilo fiscal bancaacuterio e telefocircnico ou mesmo a prisatildeo cautelar do reacuteu930

Tambeacutem quanto a essa questatildeo relativa agrave possibilidade de o juiz do processo

reexaminar a necessidade das medidas cautelares o Instituto Brasileiro de Direito

Processual (IBDP) formulou criacutetica sugerindo nova redaccedilatildeo ao sect 2ordm do artigo 15 agora

com remissatildeo expressa ao artigo 532 sect 2ordm VIII931

e ao artigo 562932

do Coacutedigo933

com a

finalidade de deixar claro que natildeo se trataraacute de possibilidade de decretaccedilatildeo ex offiacutecio mas

de reexame perioacutedico da medida

De qualquer forma o juiz competente para o processo e julgamento da accedilatildeo penal

poderaacute rever as decisotildees tomadas pelo juiz das garantias para o que inevitavelmente teraacute

que formar convicccedilatildeo preacutevia e decidir sobre pressupostos de algumas medidas que

necessariamente estatildeo ligadas agrave verificaccedilatildeo da existecircncia do crime e de indiacutecios

suficientes da autoria em momento que natildeo corresponde ao da avaliaccedilatildeo do meacuterito934

927

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 104 928

IBID p 109 929

MAYA Andreacute Machado O juiz das garantias 930

IBID 931

Art 532 A decisatildeo que decretar prorrogar substituir ou denegar qualquer medida cautelar seraacute sempre

fundamentada () sect 2ordm Sem prejuiacutezo dos requisitos proacuteprios de cada medida cautelar a decisatildeo conteraacute

necessariamente () VIII ndash a data para reexame da medida quando obrigatoacuterio 932

Art 562 Qualquer que seja o seu fundamento legal a prisatildeo preventiva que exceder a 90 (noventa) dias

seraacute obrigatoriamente reexaminada pelo juiz ou tribunal competente para avaliar se persistem ou natildeo os

motivos determinantes da sua aplicaccedilatildeo podendo substituiacute-la se for o caso por outra medida cautelar 933

Emenda Modificativa e aditiva nordm 6 Art 15 sect 2ordm As decisotildees proferidas pelo juiz das garantias natildeo

vinculam o juiz do processo que apoacutes o recebimento da denuacutencia ou queixa poderaacute reexaminar a

necessidade das medidas cautelares em curso nos termos dos artigos 532 sect 2ordm inc VIII e artigo 562 deste

Coacutedigo 934

GOMES Abel Fernandes Op cit p 101-102

172

Nessa circunstacircncia ldquoaquilo que seria o fundamento de tatildeo estrutural modificaccedilatildeo

no processo penal brasileiro acabaria esvaziado pela proacutepria leirdquo935

Por isso conforme sugestatildeo de Abel Fernandes Gomes mais coerente agraves intenccedilotildees

expostas pelo Projeto seria que o juiz do processo natildeo fosse instado a decidir sobre nada e

que o processo somente chegasse agraves suas matildeos para a realizaccedilatildeo da audiecircncia de instruccedilatildeo

e julgamento ocasiatildeo em que na sua presenccedila somente as provas orais seriam produzidas

sem que a partir daiacute nenhuma outra produccedilatildeo de prova ou diligecircncia viesse a ser

apreciada pelo magistrado encarregado de julgar o meacuterito mesmo que a requerimento das

partes soacute restando a ele proferir sentenccedila936

3 A escassez de recursos humanos e materiais

Outra grande objeccedilatildeo ao instituto do juiz das garantias senatildeo a maior delas natildeo eacute de

ordem conceitual mas de natureza eminentemente praacutetica e remete para o jaacute conhecido

argumento da falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio937

Muitas reaccedilotildees agrave figura do juiz das

garantias datildeo-se entatildeo sob o fundamento de que o Estado natildeo dispotildee de orccedilamento para

suprir as demandas que a criaccedilatildeo dos novos cargos determinaraacute938

Argumenta-se que tanto no acircmbito federal quanto estadual o Poder Judiciaacuterio natildeo

possui condiccedilotildees orccedilamentaacuterias para assegurar ao menos dois juiacutezes em cada seccedilatildeo

judiciaacuteria ou comarca do territoacuterio nacional939

bem como que a proposta passaraacute

inevitavelmente por grandes entraves na sua concretizaccedilatildeo dada a extensatildeo do territoacuterio

nacional e suas realidades regionais diversas940

Como jaacute exposto o exerciacutecio das funccedilotildees de juiz de garantias eacute causa de impedimento

desse magistrado para fins de posterior atuaccedilatildeo nas seguintes fases desse mesmo processo

A questatildeo que se coloca eacute portanto como aplicar a regra de impedimento nas comarcas

935

IBID p 102 936

IBID p 102 937

MAYA Andreacute Machado Outra vez 938

BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 939

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 940

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91

173

que contam com apenas um juiz Para Miguel Reale Juacutenior trata-se de ldquouma realidade

absolutamente incontornaacutevelrdquo941

Natildeo se pode negar que de fato a realidade do Poder Judiciaacuterio no paiacutes eacute complicada

Eacute possiacutevel verificar que no site do Conselho Nacional de Justiccedila na paacutegina referente agrave

Justiccedila em Nuacutemeros942

em 2012 havia na Justiccedila Estadual em todo o paiacutes 11960

magistrados concentrados mais da metade deles nos Estados de Satildeo Paulo943

Paranaacute944

Minas Gerais945

Rio de Janeiro946

e Rio Grande do Sul947

Assim haacute nos 22 Estados

restantes pouco mais de 5000 magistrados Seis Estados tecircm entre 100 e 200 juiacutezes948

em

trecircs Estados menos de 100 juiacutezes949

ldquoComo entatildeo pensar-se em um paiacutes com este quadro de magistrados na exigecircncia de

um juiz das garantias competente para despachar atos do inqueacuterito diferente do juiz do

processordquo950

De acordo com Miguel Reale Juacutenior mais de 50 das comarcas tecircm apenas um juiz

enquanto um nuacutemero grande de comarcas possui dois juiacutezes sendo que a saiacuteda em feacuterias

ou doenccedila de um emperraraacute o processo pois o que autorizou uma busca e apreensatildeo natildeo

poderaacute receber ou rejeitar a denuacutencia951

Para Faacutebio Roque Arauacutejo a criaccedilatildeo efetiva desta nova figura processual

inegavelmente possui consideraacuteveis empecilhos sobretudo no que diz respeito agrave

estruturaccedilatildeo das leis de organizaccedilatildeo judiciaacuteria952

Segundo o autor natildeo eacute possiacutevel ignorar o

fato de que boa parte das Unidades da Federaccedilatildeo sofre com a insuficiecircncia de magistrados

o que dificultaria a implementaccedilatildeo de regras praacuteticas relativas agrave substituiccedilatildeo de julgadores

941

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 942

httpwwwcnjjusbrimagespesquisasjudiciariasPublicacoesrelatorio_jn2013pdf acessado em

15102013 943

2528 magistrados 944

1073 magistrados 945

989 magistrados 946

807 magistrados 947

734 magistrados 948

Alagoas (119) Amazonas (145) Piauiacute (137) Rondocircnia (152) Sergipe (155) e Tocantins (128) 949

Acre (66) Amapaacute (82) Roraima (47) 950

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110 951

IBID p 110-111 952

ARAUacuteJO Faacutebio Roque A investigaccedilatildeo criminal no Projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal In

ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de

Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 136

174

Neste cenaacuterio o deslocamento de magistrados exclusivamente para atuaccedilatildeo na fase de

investigaccedilatildeo poderia agravar este quadro de escassez953

De acordo com Abel Fernandes Gomes a proposta demanda em nome da sauacutede do

sistema de justiccedila criminal e da organizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio a realizaccedilatildeo de estudos

seacuterios e criteriosos sobre os impactos da instalaccedilatildeo e operaccedilatildeo de um segundo juiz num

mesmo grau de jurisdiccedilatildeo agrave vista do traccedilado histoacuterico de nosso sistema processual penal

da nossa organizaccedilatildeo judiciaacuteria e dos meacutetodos de seleccedilatildeo e ingresso de juiacutezes na carreira

bem como sua mobilizaccedilatildeo funcional954

Segundo o autor natildeo seraacute tarefa faacutecil superar ldquoos

tatildeo incontaacuteveis quanto inexoraacuteveis problemas que jaacute se vislumbra na marcha processual

com o inevitaacutevel aumento do tempo de sua duraccedilatildeo e de incidentes capazes de

favorecerem apenas a ocorrecircncia da prescriccedilatildeordquo955

Enfim natildeo haacute como negar que o problema existe Em alguns Estados ele eacute mais grave

noutros menos956

De acordo com dados apresentados por Fabiano Augusto Martins

Silveira com base em levantamento preliminar natildeo oficial no Amazonas por exemplo 41

das 59 comarcas tecircm apenas um juiz em Minas Gerais haacute 185 comarcas com um uacutenico

juiz no universo de 295 no Cearaacute do total de 134 comarcas 57 contam com apenas um

magistrado957

Vale ressaltar que a proacutepria Exposiccedilatildeo de Motivos do PLS n 15609 natildeo fechou os

olhos aos problemas estruturais que a criaccedilatildeo do juiz das garantias possa trazer para a

organizaccedilatildeo judiciaacuteria e sua operacionalizaccedilatildeo valendo destacar as seguintes ponderaccedilotildees

Evidentemente e como ocorre com qualquer alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo

judiciaacuteria os tribunais desempenharatildeo um papel de fundamental importacircncia na

afirmaccedilatildeo do juiz das garantias especialmente no estabelecimento de regras de

substituiccedilatildeo nas pequenas comarcas No entanto os proveitos que certamente seratildeo

alcanccedilados justificaratildeo plenamente os esforccedilos nessa direccedilatildeo

953

IBID p 136 954

GOMES Abel Fernandes Op cit p 104 955

IBID Ainda segundo o autor ldquolotaccedilatildeo inamovibilidade e competecircncia dentre outras questotildees satildeo

apenas uma amostra de alguns graves problemas que se enfrentaraacute com a insistecircncia desprovida de maior

aprofundamento na implantaccedilatildeo do instituto do juiz das garantiasrdquo 956

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 957

IBID p 92

175

Para Fabiano Martins Augusto Silveira sendo previsiacutevel que a escassez de recursos

humanos no Poder Judiciaacuterio opotildee empecilhos agrave execuccedilatildeo da proposta a pergunta eacute se

devemos abdicar ao ldquosalto de qualidaderdquo que representa o juiz das garantias simplesmente

qualificando o projeto de inexequiacutevel e ponto final958

Conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado Maya natildeo se pode ignorar que esse mesmo

argumento que agora serve para justificar a manutenccedilatildeo de caracteriacutesticas inquisitoriais do

processo penal brasileiro eacute ainda hoje utilizado para explicar a ausecircncia de Defensoria

Puacuteblica em vaacuterios Estados da Federaccedilatildeo e para justificar a situaccedilatildeo caoacutetica em que se

encontram os estabelecimentos prisionais brasileiros959

Fabiano Augusto Martins Silveira demonstra preocupaccedilatildeo com o fato de que essa

postura de rejeiccedilatildeo ao novo instituto tende a ser assumida por aqueles que sem declararem

expressamente natildeo estatildeo convencidos da necessidade de mudanccedila ou por quem sabe

outras razotildees natildeo a desejam ldquoDaiacute que o debate pode tomar um caminho sinuoso onde

posiccedilotildees contraacuterias ou ceacuteticas em relaccedilatildeo ao juiz das garantias se escondem no

argumento da inviabilidade material sem aprofundaacute-lordquo960

Imperioso destacar que a essa criacutetica de natureza praacutetica o substitutivo do PLS

1562009 apresentado pelo Senador Renato Casagrande relator do projeto de lei no

Senado jaacute havia dado uma resposta satisfatoacuteria961

prevendo no art 701962

(Livro - Das

Disposiccedilotildees Transitoacuterias e Finais) que a regra que impede o juiz das garantias de atuar

como juiz da causa em cuja investigaccedilatildeo tenha participado (art 16) somente entraria em

vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo do Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se

tratasse de comarca onde houvesse apenas 1 (um) juiz Dessa forma haveria uma vacatio

legis maior e especiacutefica para o juiz das garantias visando agrave adaptaccedilatildeo das estruturas

organizacionais do Poder Judiciaacuterio963

958

IBID p 92 959

MAYA Andreacute Machado Outra vez 960

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 961

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 962

Art 701 Este Coacutedigo entra em vigor no prazo de 6 (seis) meses apoacutes a sua publicaccedilatildeo Paraacutegrafo uacutenico A

regra de impedimento de que trata o art 16 entraraacute em vigor no prazo de 3 (trecircs) anos apoacutes a publicaccedilatildeo deste

Coacutedigo e em 6 (seis) anos se se tratar de comarca onde houver apenas 1 (um) juiz 963

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo

176

Essa redaccedilatildeo contudo acabou suprimida na versatildeo final do PLS 1562009 votada pelo

Senado Federal que em razatildeo da regra de impedimento e no intuito de viabilizar a

transiccedilatildeo do sistema processual atualmente vigente ao disposto no projeto de novo Coacutedigo

dispocircs no artigo 748 I964

natildeo se aplicar esse tal impedimento nas comarcas onde houver

apenas um juiz ldquoenquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre a

criaccedilatildeo ou formas de substituiccedilatildeordquo restando sem prazo definido portanto a regra

transitoacuteria do artigo 748965

De toda forma para Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes qualquer criacutetica fundada

exclusivamente em insuficiecircncia de recursos como se esse fato eximisse de obrigaccedilatildeo ou

de responsabilidade de assegurar o quanto previsto na Constituiccedilatildeo natildeo eacute suficiente nem

mesmo para oferecer desculpas aos cidadatildeos pela manutenccedilatildeo desse caos no sistema

criminal atual966

Ainda segundo o autor ldquoafirmar que natildeo eacute possiacutevel num prazo a ser

definido se preparar uma nova organizaccedilatildeo para efetiva implementaccedilatildeo de direitos

fundamentais eacute confessar natildeo uma insuficiecircncia de recursos mas uma vontade poliacutetica de

natildeo mudarrdquo967

No mesmo sentido Andreacute Machado Maya afirma que a constataccedilatildeo de que a

significativa maioria das comarcas brasileiras eacute formada por varas judiciais uacutenicas

compostas pois por apenas um magistrado natildeo pode servir de justificativa vaacutelida para a

natildeo adoccedilatildeo do instituto do juiz das garantias968

ldquoDeficiecircncias estruturais natildeo podem

funcionar como justificativa para a prestaccedilatildeo jurisdicional falha ao contraacuterio a sua

constataccedilatildeo deveria ser o primeiro passo de uma caminhada orientada a uma prestaccedilatildeo

jurisdicional efetivardquo969

Para Joseacute Antonio Paganella Boschi as criacuteticas estruturadas na falta de recursos do

Poder Judiciaacuterio satildeo evidentemente equivocadas primeiro por falta de maior meditaccedilatildeo

em torno da novidade depois porque o Projeto condiciona a implantaccedilatildeo do juiz de

964

Art 748 O impedimento previsto no art 16 natildeo se aplicaraacute I ndash agraves comarcas ou seccedilotildees judiciaacuterias onde

houver apenas 1 (um) juiz enquanto a respectiva lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria natildeo dispuser sobre criaccedilatildeo de

cargo ou formas de substituiccedilatildeo () 965

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 230 ldquoRazoaacutevel e adequada a previsatildeo transitoacuteria desde

que contudo seja ela efetivamente transitoacuteria para que na praacutetica natildeo acabe tornando sem efeito a

previsatildeo do juiz das garantias no Coacutedigo de Processo Penal pois enquanto natildeo regulado seu funcionamento

pelos Coacutedigos de Organizaccedilatildeo Judiciaacuteria dos Estados seguiraacute o procedimento exatamente como eacute hoje

regulado com investigaccedilatildeo instruccedilatildeo e sentenccedila a cargo de um uacutenico magistradordquo IBID p 230 966

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 967

IBID 968

MAYA Andreacute Machado Outra vez 969

IBID

177

garantias agrave aprovaccedilatildeo em lei de organizaccedilatildeo judiciaacuteria e por fim porque a questatildeo

envolve sobretudo durante o periacuteodo de sua implantaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo menos criaccedilatildeo de

cargos e mais organizaccedilatildeo de formas de substituiccedilatildeo de um juiz por outro de modo que o

magistrado que atuar como juiz de garantias ficaraacute liberado para atuar como juiz da causa

em outro processo e vice-versa970

Daiacute a necessidade de que sejam buscadas alternativas vaacutelidas quer prevendo um juiz

das garantias itinerante ou a regionalizaccedilatildeo do instituto de modo que para cada grupo de

comarcas proacuteximas haja um juiz de garantias competente971

quer atraindo as funccedilotildees de

garantia para o juiz da comarca mais proacutexima quer combinando essas e outras

alternativas972

Outra ideia interessante eacute importada da reforma processual penal do Chile onde as

alteraccedilotildees processuais se concretizaram por etapas do interior para a capital do paiacutes

obedecendo rigidamente a uma progressividade programada para viabilizar na praacutetica a

implementaccedilatildeo das mudanccedilas teoacutericas propostas no novo Coacutedigo de Processo Penal

chileno973

Aqui consideradas as barreiras de ordem estrutural do Poder Judiciaacuterio brasileiro

mais adequado seria o inverso com a instalaccedilatildeo imediata dos juizados de garantias nas

capitais dos Estados postergando para um segundo momento a sua instalaccedilatildeo nas

comarcas de entracircncia secundaacuteria e por fim a sua adoccedilatildeo nas denominadas entracircncias

iniciais em que hoje apenas um magistrado responde por todas as demandas974

Isso considerado fica extremamente difiacutecil aceitar que o contexto das pequenas

comarcas impeccedila que a proposta seja colocada em praacutetica por exemplo na cidade de Satildeo

Paulo dado o contraste de nuacutemeros (de inqueacuteritos processos presos etc) entre as duas

realidades975

Assim segundo Fabiano Augusto Martins Silveira

970

BOSCHI Joseacute Antonio Paganella Op cit p 85 971

MAYA Andreacute Machado Outra vez 972

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 91 973

MAYA Andreacute Machado Outra vez No Chile onde natildeo havia sequer a carreira do Ministeacuterio Puacuteblico

foi implementado todo um novo Coacutedigo de Processo Penal juntamente com a formaccedilatildeo e instalaccedilatildeo daquele

oacutergatildeo puacuteblico em fases e de modo gradativo das pequenas cidades ateacute os grandes centros urbanos

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 974

MAYA Andreacute Machado Outra vez 975

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92

178

Tatildeo esdruacutexulo quanto ignorar as dificuldades de aplicaccedilatildeo da regra de

impedimento do art 16 nas pequenas comarcas seria fechar os olhos para o outro

lado da moeda isto eacute que a proposta eacute perfeitamente viaacutevel e madura para as

comarcas que respondem pelo grosso da produccedilatildeo judiciaacuteria e litigiosidade do

Paiacutes976

Talvez a saiacuteda portanto seja uma regra de transiccedilatildeo que proporcione maior tempo

para o equacionamento das situaccedilotildees mais complexas e que ao mesmo tempo evite o

engessamento do sistema permitindo-nos vencer a ineacutercia977

Com efeito a entrada em vigor do novo Coacutedigo de Processo Penal gradualmente

possibilitaria o aprimoramento do proacuteprio instituto do juiz de garantias e tambeacutem da

estrutura do Poder Judiciaacuterio garantindo inclusive nas comarcas mais distantes a devida

observacircncia de um modelo democraacutetico de processo penal no qual a imparcialidade do

julgador eacute fortalecida pelo proacuteprio sistema processual exatamente o oposto do que ocorre

atualmente jaacute que o juiz familiariza-se com o caso jaacute no iniacutecio da investigaccedilatildeo

contaminando-se com as suposiccedilotildees acusatoacuterias das autoridades policiais e dos membros

do Ministeacuterio Puacuteblico para soacute depois durante o processo quando normalmente jaacute estaacute

com sua convicccedilatildeo formada acerca da culpabilidade do suspeito ter contato com os

argumentos defensivos978

Mauriacutecio Zanoacuteide de Moraes ainda lanccedila luz numa outra questatildeo O autor salienta que

da mesma forma que a implementaccedilatildeo da reforma operada no Chile exigiu a

conscientizaccedilatildeo de todos os Poderes da naccedilatildeo inclusive com liberaccedilatildeo de verba do Poder

Executivo e novo aparato legislativo assim como participaccedilatildeo determinada e efetiva do

Poder Judiciaacuterio isso deve tambeacutem ocorrer aqui sob pena de nunca termos um novo

Coacutedigo apesar de termos mudanccedilas legislativas979

ldquoMudar a mentalidade e disposiccedilatildeo eacute

mais relevante que mudar a leirdquo980

A discussatildeo a elaboraccedilatildeo e a aprovaccedilatildeo de um novo

Coacutedigo de Processo Penal natildeo satildeo determinaccedilotildees ou decisotildees apenas do Poder Judiciaacuterio

976

IBID p 92 977

IBID p 92 978

MAYA Andreacute Machado Outra vez 979

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 980

IBID

179

mas tambeacutem dos outros dois Poderes da Naccedilatildeo981

Assim a disponibilizaccedilatildeo de verba a

apresentaccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas em um periacuteodo de transiccedilatildeo e a criaccedilatildeo de estrutura

condizente para efetivar a Constituiccedilatildeo satildeo obrigaccedilotildees poliacuteticas que devem ser assumidas e

compartilhadas por todos982

Em resumo no acircmbito de um paiacutes democraacutetico eacute inaceitaacutevel a rejeiccedilatildeo de um

instrumento processual arquitetado exatamente para tornar mais democraacutetico o processo

penal com base em argumentos e justificativas de iacutendole meramente praacutetica como eacute a

conhecida falta de estrutura do Poder Judiciaacuterio983

Nesse sentido a liccedilatildeo de Nereu Joseacute Giacomolli

Pseudo argumentos forjados na superfiacutecie do senso comum envoltos em um

fantasioso reducionismo utilitaacuterio barram o juiz das garantias em esquemas

orccedilamentaacuterios e deacuteficits de magistrados Uma visatildeo asinina e de poucos centiacutemetros

natildeo observa a valorizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo jurisdicional a possibilidade da existecircncia de

mais de um juiz na mesma Comarca (a demanda processual assim reclama) a

integraccedilatildeo de Comarcar vizinhas e a necessidade de um plantatildeo judiciaacuterio Os

detratores do sistema democraacutetico implantam seus olhos na nuca e miram os passos

dados caminhando de costas navegam num tempo morto sem divisar o porvir984

Se dificuldades existem e em momento algum se procura dizer o contraacuterio que sejam

encaradas que sejam ultrapassadas Sucumbir a elas mais que fraqueza ou covardia

parece um artifiacutecio conscientemente elaborado para manter intocada a essecircncia

inquisitorial do atual processo penal brasileiro exatamente como projetada no periacuteodo do

Estado Novo985

Sem o juiz das garantias a especializaccedilatildeo de funccedilotildees e a separaccedilatildeo fiacutesica entre o juiz

da investigaccedilatildeo e o juiz do processo o novo Coacutedigo de acordo com Fabiano Augusto

981

IBID 982

IBID 983

MAYA Andreacute Machado Outra vez 984

GIACOMOLLI Nereu Joseacute Op cit p 307 985

MAYA Andreacute Machado Outra vez

180

Martins Silveira jaacute nasceria ultrapassado e empoeirado ldquocomo que enclausurado no

seacuteculo XXrdquo986

Portanto contestar o progresso do sistema em razatildeo unicamente da falta de recursos

natildeo eacute minimamente aceitaacutevel ldquoeacute esconder por detraacutes dessa atual insuficiecircncia uma

verdadeira intenccedilatildeo de mudar o sistema desde que tudo fique como estaacuterdquo987

4 O risco da aproximaccedilatildeo entre o juiz e a poliacutecia e o Ministeacuterio Puacuteblico

Ainda outra preocupaccedilatildeo eacute externada com relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias qual

seja a aproximaccedilatildeo demasiada entre o juiz das garantias e a poliacutecia ou o Ministeacuterio

Puacuteblico Para Miguel Reale Jr

De outra parte eacute de se temer sim que em comarcas meacutedias e pequenas com

dois ou mais juiacutezes o juiz das garantias venha pelo contato uacutenico e contiacutenuo com a

poliacutecia e com o Ministeacuterio Puacuteblico a criar liames de convivecircncia que o conduzam a

atender mais facilmente os pedidos de prisatildeo temporaacuteria por exemplo E decretada a

medida cautelar o prejuiacutezo ao indiciado jaacute se perfez por sofrer de forma intensa o

peso do aparato estatal988

Sustenta-se portanto que embora a proximidade do juiz criminal com delegados de

poliacutecia ou membros do Ministeacuterio Puacuteblico seja alvo de profundas criacuteticas por grande

parcela da doutrina a instituiccedilatildeo do juiz das garantias justamente exigiraacute perene contato o

que no mais das vezes significaraacute o raro indeferimento dos pedidos formulados por tais

oacutergatildeos em detrimento do indiciado

Nesse sentido talvez seja interessante e adequado que no regramento da designaccedilatildeo

de magistrados para atuarem como ldquojuiz das garantiasrdquo sejam previstas normas que

986

SILVEIRA Fabiano Augusto Martins O Coacutedigo p 92 987

MORAES Mauriacutecio Zanoacuteide de Quem tem medo 988

REALE JUacuteNIOR Miguel Op cit p 110

181

limitem o tempo de exerciacutecio dessa funccedilatildeo ou que haja mecanismos que facilitem a

substituiccedilatildeo do magistrado que atua como ldquojuiz das garantiasrdquo por outro como ocorre com

o cargos de livre provimento e destituiccedilatildeo

5 Accedilatildeo penal originaacuteria a possibilidade de participaccedilatildeo no julgamento do juiz que

exerceu as funccedilotildees de juiz das garantias

Para Mauro Fonseca Andrade uma das maiores demonstraccedilotildees de ausecircncia de

coerecircncia em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias refere-se agraves accedilotildees penais originaacuterias989

Dentre as inovaccedilotildees trazidas pelo projeto do novo Coacutedigo de Processo Penal para o

tema estaacute a previsatildeo no artigo 314 I990

da designaccedilatildeo de um membro do tribunal que

oficiaraacute na fase de investigaccedilatildeo como juiz das garantias isto eacute que exerceraacute as funccedilotildees do

juiz das garantias tais quais previstas no artigo 14 do mesmo projeto ficando impedido de

atuar no processo como relator991

Segundo o autor por certo que o projeto natildeo poderia excluir a presenccedila do juiz das

garantias em tais accedilotildees Ao contraacuterio ele previu expressamente sua presenccedila mas natildeo o

impediu contudo de atuar na fase processual992

O aspecto a ser aqui sublinhado eacute portanto a vedaccedilatildeo apenas a que o membro do

tribunal que atuou como juiz das garantias funcione tambeacutem como relator do caso apoacutes

oferecida a denuacutencia993

Em outros termos o membro do tribunal que houver atuado como

juiz das garantias estaraacute impedido somente de ser o relator do processo ao inveacutes de nele

atuar tal como ocorre em relaccedilatildeo a todos os demais procedimentos e juiacutezes de primeiro

grau994

989

ANDRADE Mauro Fonseca Juiz das Garantias Curitiba Juruaacute 2011 p 105 990

Art 314 Nas accedilotildees penais de competecircncia originaacuteria o procedimento nos tribunais obedeceraacute agraves

disposiccedilotildees gerais previstas neste Coacutedigo e no respectivo regimento interno e especialmente o seguinte I ndash

as funccedilotildees do juiz das garantias seratildeo exercidas por membro do tribunal escolhido na forma regimental

que ficaraacute impedido de atuar no processo como relator () 991

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria e restauraccedilatildeo de autos no novo Coacutedigo de Processo Penal In

ALVES Leonardo Barreto Moreira ARAUacuteJO Faacutebio Roque (Coord) O Projeto do Novo Coacutedigo de

Processo Penal Salvador Juspodivm 2012 p 365 992

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 993

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 994

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106

182

Embora natildeo se possa negar que seja saudaacutevel a restriccedilatildeo um verdadeiro avanccedilo

quando comparada com a praxe atual em que o relator permanece responsaacutevel pelo caso

desde o iniacutecio da investigaccedilatildeo ateacute o julgamento definitivo do processo essa vedaccedilatildeo eacute

insuficiente para evitar que a decisatildeo do caso seja tomada por aquele que de alguma forma

participou da investigaccedilatildeo995

Ainda que natildeo seja o relator do caso o (outrora) membro do tribunal que atuou

como juiz das garantias poderaacute eventualmente participar do julgamento e claro votar996

Frente a essa situaccedilatildeo Mauro Fonseca Andrade aponta alguns questionamento que

podem surgir tais como

O juiz de primeiro grau eacute mais propenso a romper o princiacutepio acusatoacuterio e

se tornar parcial se comparado ao seu colega com jurisdiccedilatildeo no tribunal mesmo

que frente a alguma daquelas hipoacuteteses descritivas da exclusatildeo do juiz das

garantias da fase processual a atuaccedilatildeo de ambos seja idecircntica Ou entatildeo haacute

como transigir com o conceito ou significado de imparcialidade judicial que seria

preservada ou violada em razatildeo da instacircncia em que a accedilatildeo penal condenatoacuteria

for ajuizada997

Talvez melhor se harmonizasse como o artigo 16998

do projeto ndash que ao impedir o

juiz das garantias de funcionar no processo almejou prestigiar os princiacutepios acusatoacuterio e da

imparcialidade ndash que aquele que oficiou no tribunal como juiz das garantias fosse tambeacutem

impedido de participar do julgamento999

A dificuldade praacutetica decorrente da reduccedilatildeo do

quoacuterum para a votaccedilatildeo poderaacute ser contornada com a convocaccedilatildeo de um magistrado

provindo de outro oacutergatildeo do judiciaacuterio em substituiccedilatildeo agravequele membro que natildeo participaraacute

do julgamento conforme praxe jaacute sedimentada pelos tribunais1000

995

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 370 996

IBID p 370 997

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 106 998

Art 16 O juiz que na fase de investigaccedilatildeo praticar qualquer ato incluiacutedo nas competecircncias do art 14

ficaraacute impedido de funcionar no processo observado o disposto no art 748 999

CALABRICH Bruno Accedilatildeo penal originaacuteria p 371 1000

IBID p 371

183

6 Instacircncias recursais

Como visto de acordo com o projeto de novo Coacutedigo de Processo Penal o fato de

o juiz atuar na fase de investigaccedilatildeo constitui causa de impedimento que obstaraacute sua atuaccedilatildeo

posterior na fase processual Tal disposiccedilatildeo tem como objetivo sobretudo assegurar a

imparcialidade objetiva do juiz responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito mantendo-o alheio aos

fatos da investigaccedilatildeo preliminar

Todavia os problemas de contaminaccedilatildeo subjetiva decorrentes do contato do juiz

com elementos probatoacuterios e da prolaccedilatildeo de decisotildees que ultrapassam a mera anaacutelise de

aspectos processuais natildeo satildeo exclusividade da fase preacute-processual1001

De acordo com

Andreacute Machado Maya ldquoa atividade jurisdicional desenvolvida pelos tribunais tambeacutem

pode conduzir agrave mesma problemaacutetica da contaminaccedilatildeo subjetivardquo1002

Isso porque a prevenccedilatildeo como regra de fixaccedilatildeo da competecircncia em geral tambeacutem

vige nos tribunais de segunda instacircncia e nas Cortes superiores tanto em relaccedilatildeo ao relator

de determinada medida recursal ou accedilatildeo penal originaacuteria julgada anteriormente quanto do

proacuteprio oacutergatildeo colegiado julgador de modo que os posteriores recursos da sentenccedila penal

condenatoacuteria inclusive aqueles referentes agrave execuccedilatildeo penal seratildeo julgados pelo

magistrado ou pelo oacutergatildeo colegiado que na maioria dos casos conheceu e julgou o

primeiro habeas corpus impetrado jaacute em face de alguma medida adotada no curso da

investigaccedilatildeo preliminar1003

Assim ao conhecer e julgar por exemplo o habeas corpus1004

impetrado em face

de decisatildeo proferida pelo juiz de primeira instacircncia que defere uma medida cautelar ou se

ainda na fase de investigaccedilatildeo acolher recurso do Ministeacuterio Puacuteblico e decretar uma medida

cautelar o oacutergatildeo jurisdicional de segunda instacircncia ou das Cortes superiores seja

colegiado ou individual deve necessariamente reexaminar os pressupostos e requisitos de

1001

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 197 1002

IBID p 197-198 1003

IBID p 231 1004

De acordo com Andreacute Machado Maya tal situaccedilatildeo natildeo se verifica apenas no acircmbito dos habeas corpus

impetrados contra atos do juiz de primeira instacircncia mas tambeacutem diante do julgamento de recurso de

apelaccedilatildeo interposto com base no artigo 593 I do CPP em face de decisatildeo de absolviccedilatildeo sumaacuteria proferida na

forma do artigo 397 I II e III da lei processual A problemaacutetica situaccedilatildeo tambeacutem resulta do julgamento do

recurso em sentido estrito interposto em face de decisatildeo de rejeiccedilatildeo da denuacutencia ou queixa com base no

artigo 581 I do CPP IBID p 198-199

184

admissibilidade da medida de forma a analisar a procedecircncia ou natildeo da irresignaccedilatildeo do

imputado ou do oacutergatildeo de acusaccedilatildeo1005

Daiacute que eacute absolutamente inconcebiacutevel o exame da

legalidade e da admissibilidade da medida questionada sem que sejam revisados os

fundamentos e motivos apontados quando de sua decretaccedilatildeo ou de seu indeferimento com

o que tambeacutem o oacutergatildeo jurisdicional revisor estaraacute formando uma convicccedilatildeo acerca da

culpabilidade do suspeito (ou reacuteu) seja para reformar a decisatildeo questionada seja para

reafirmaacute-la por seus proacuteprios fundamentos1006

Ocorre no entanto e esta a razatildeo da criacutetica formulada que conforme se observa do

texto do projeto nenhuma duacutevida sobre a imparcialidade do magistrado de segundo grau

ou possiacutevel ferimento do princiacutepio acusatoacuterio eacute suscitada1007

Nesse sentido Mauro

Fonseca Andrade ressalta que o projeto eacute totalmente omisso Natildeo prevecirc nenhum oacutebice de

modo a tornar o magistrado de segundo grau impedido de condenar ou absolver o ndash agora ndash

acusado como decorrecircncia natural do exame dos recursos que por ventura chegarem ao

seu conhecimento1008

Segundo o autor ao assim proceder o projeto discrimina nitidamente o juiz de

primeiro grau quando comparado ao juiz de segundo grau Primeiro como jaacute analisado no

toacutepico anterior por entender que este natildeo sofre qualquer maacutecula em sua imparcialidade a

ponto de ser afastado da condiccedilatildeo de julgador nas accedilotildees penais originaacuterias1009

depois

quando o projeto arrola as causas de impedimento que afetariam todo e qualquer

magistrado (art 53 e ss)1010

Nelas em momento algum se vecirc que o magistrado de segundo

1005

IBID p 198 1006

IBID p 198 1007

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1008

IBID p 107 1009

IBID p 107 1010

Art 52 Ao juiz incumbiraacute zelar pela legalidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos

atos Art 53 O juiz estaraacute impedido de exercer jurisdiccedilatildeo no processo em que I ndash tiver funcionado seu

cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau

inclusive como defensor ou advogado oacutergatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico delegado de poliacutecia auxiliar da justiccedila

ou perito II ndash ele proacuteprio houver desempenhado qualquer dessas funccedilotildees ou servido como testemunha III ndash

tiver funcionado como juiz de outra instacircncia pronunciando-se de fato ou de direito sobre a questatildeo IV ndash

ele proacuteprio ou seu cocircnjuge companheiro ou parente consanguiacuteneo ou afim em linha reta ou colateral ateacute o

terceiro grau inclusive for parte ou diretamente interessado no feito Art 54 Nos juiacutezos colegiados estaratildeo

impedidos de atuar no mesmo processo os juiacutezes que forem entre si cocircnjuges companheiros ou parentes

consanguiacuteneos ou afins em linha reta ou colateral ateacute o terceiro grau inclusive Art 55 Em caso de

suspeiccedilatildeo o juiz poderaacute ser recusado pelas partes sect 1ordm Reputa-se fundada a suspeiccedilatildeo quando o juiz

manifestar parcialidade na conduccedilatildeo do processo ou no julgamento da causa e ainda nas seguintes

hipoacuteteses I ndash se mantiver relaccedilatildeo de amizade ou de inimizade com qualquer das partes II ndash se ele seu

cocircnjuge companheiro ascendente descendente ou irmatildeo estiver respondendo a processo por fato anaacutelogo

sobre cujo caraacuteter criminoso haja controveacutersia III ndash se ele seu cocircnjuge companheiro ou parente

consanguiacuteneo ou afim ateacute o terceiro grau inclusive sustentar demanda ou responder a processo que tenha de

185

grau mesmo apoacutes haver participado de julgamento de recurso sobre algo ocorrido na fase

de investigaccedilatildeo criminal estaraacute impedido de julgar eventual recurso sobre tema tratado na

fase processual1011

Nesse cenaacuterio portanto identifica-se um alto risco de comprometimento da

imparcialidade objetiva dos julgadores e no caso conforme liccedilatildeo de Andreacute Machado

Maya com ainda mais intensa gravidade na medida em que como regra as accedilotildees penais

satildeo decididas de modo definitivo justamente pelos tribunais de apelaccedilatildeo1012

Daiacute ser

necessaacuteria e plenamente justificaacutevel tambeacutem em relaccedilatildeo a essa fase do processo penal

uma reflexatildeo acerca de medidas de reduccedilatildeo de danos aptas a assegurar a efetividade do

direito de ser julgado por um tribunal imparcial1013

Com efeito a prevenccedilatildeo em regra torna o oacutergatildeo colegiado ou o magistrado relator

do primeiro recurso accedilatildeo penal ou medida processual referente ao processo competente

para o julgamento de todas as posteriores questotildees processuais que guardem relaccedilatildeo com o

mesmo feito inclusive dos incidentes instaurados em face da execuccedilatildeo penal

estabelecendo com isso iacutentima relaccedilatildeo entre o oacutergatildeo jurisdicional e um determinado

processo penal1014

Pode-se concluir desse modo pela real possibilidade de contaminaccedilatildeo subjetiva do

oacutergatildeo jurisdicional decisor tornando justificada a desconfianccedila de que o futuro julgamento

de meacuterito em grau recursal possa ser influenciado por convicccedilotildees e prejulgamentos

adquiridos na anterior prestaccedilatildeo jurisdicional1015

De acordo com Mauro Fonseca Andrade ldquopara superar essa situaccedilatildeo

constrangedora eacute de rigor que existam desembargadores e ministros das garantiasrdquo1016

Enquanto isso natildeo ocorrer ressalta o autor que ldquoa transigecircncia com a imparcialidade

judicial seraacute patente e o rigor na separaccedilatildeo de funccedilotildees soacute se aplicaraacute ao primeiro grau de

ser julgado por qualquer das partes IV ndash se tiver aconselhado qualquer das partes V ndash se mantiver relaccedilatildeo

juriacutedica de natureza econocircmica ou moral com qualquer das partes da qual se possa inferir risco agrave

imparcialidade VI ndash se tiver interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes sect 2ordm O juiz a

qualquer tempo poderaacute se declarar suspeito inclusive por razotildees de foro iacutentimo Art 56 A suspeiccedilatildeo natildeo

poderaacute ser declarada nem reconhecida quando a parte de propoacutesito der motivo para criaacute-la 1011

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107 1012

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1013

IBID p 231 1014

IBID p 198 1015

IBID p 202 1016

ANDRADE Mauro Fonseca Op cit p 107

186

jurisdiccedilatildeo onde tambeacutem ficaria circunscrita a proteccedilatildeo ao festejado princiacutepio

acusatoacuteriordquo1017

Nesse sentido o questionamento de Abel Fernandes Gomes

E mais considerando que uma das coisas que se pretende evitar eacute que um

magistrado que tenha tomado contato com os fatos em grau de juiacutezo de

admissibilidade e legitimidade de meios de coleta de elementos preacutevios de

convicccedilatildeo ou medidas cautelares venha ser o mesmo que vaacute julgar o meacuterito da

accedilatildeo penal em caso de desembargadores e ministros das Cortes Superior e

Suprema que venham a conhecer dos habeas corpus impetrados ainda enquanto o

processo originaacuterio se encontra na fase preacute-processual para discutir a

admissibilidade e legitimidade do deferimento de tais medidas pelo juiz das

garantias tambeacutem se adotaraacute por coerecircncia e simetria a instituiccedilatildeo dos

desembargadores e ministros das garantias que ficaratildeo impedidos ndash em vez de

preventos ndash para o julgamento do meacuterito dos recursos de apelaccedilatildeo especial e

extraordinaacuterio1018

Assim indubitaacutevel que o aprimoramento da garantia da imparcialidade e a

consequente reduccedilatildeo de danos orientada ao devido processo legal exige conforme liccedilatildeo de

Andreacute Machado Maya ldquoum passo adiante em relaccedilatildeo agrave figura do juiz das garantias uma

dose pouco mais concentrada de ousadiardquo1019

sob pena de a imparcialidade restar

assegurada apenas em primeira instacircncia anulando-se todo o resultado que pode ser

alcanccedilado com o juiz das garantias quando o recurso interposto em face da decisatildeo de

meacuterito for julgado por oacutergatildeo judicial de segunda instacircncia que anteriormente jaacute tenha

analisado medida recursal ou habeas corpus referente ao mesmo feito e por isso

formulado uma convicccedilatildeo preacutevia acerca do caso penal em questatildeo ou mesmo sobre a

culpabilidade do acusado1020

1017

IBID p 107 1018

GOMES Abel Fernandes Op cit p 105 1019

MAYA Andreacute Machado Imparcialidade p 231 1020

IBID p 231-232

187

Tendo em vista a problemaacutetica apresentada Andreacute Machado Maya sugere no

acircmbito dos julgamentos colegiados da fase recursal seguindo a mesma linha do juiz das

garantias a criaccedilatildeo de um juizado de garantias isto eacute um oacutergatildeo jurisdicional integrante da

estrutura dos tribunais de segunda instacircncia a quem competiraacute exclusivamente o reexame

de todos e quaisquer atos decisoacuterios proferidos pelo juiz das garantias durante a

investigaccedilatildeo preliminar e tambeacutem dos atos decisoacuterios proferidos pelo juiz singular

durante a instruccedilatildeo criminal1021

Nesse modelo conforme propotildee o autor todas e quaisquer medidas jurisdicionais

adotadas pelo juiz de garantias na investigaccedilatildeo criminal e mais pelo proacuteprio juiz do

processo no curso da instruccedilatildeo processual independentemente da sua natureza seriam

revisaacuteveis seja via habeas corpus seja por recurso em sentido estrito pelo juizado de

garantias oacutergatildeo jurisdicional composto da mesma forma como os demais oacutergatildeos

colegiados que integram as Cortes recursais por trecircs magistrados1022

Com essa medida se estaria decididamente cindindo a fase de investigaccedilatildeo

preliminar da fase processual propriamente dita e consequentemente otimizando-se o

princiacutepio-garantia da imparcialidade jurisdicional1023

1021

IBID p 232 1022

Segundo o autor a medida proposta dispensa qualquer reforma estrutural do Poder Judiciaacuterio nacional

IBID p 232 1023

IBID p 232

188

CONCLUSAtildeO

A Constituiccedilatildeo Federal ao eleger um sistema processual penal de caraacuteter

acusatoacuterio cuja identidade se traduz essencialmente na separaccedilatildeo dos poderes exercidos

durante o desenvolvimento da persecuccedilatildeo penal conferiu ao Ministeacuterio Puacuteblico a

exclusividade do exerciacutecio da accedilatildeo penal consagrando ainda o devido processo legal que

dentre inuacutemeras outras garantias assegura o julgamento por um juiz competente e

imparcial

De par com o fortalecimento do processo penal constitucional como meacutetodo de

interpretaccedilatildeo do processo penal conforme os ditames da Constituiccedilatildeo a conservaccedilatildeo de um

sistema no qual as atividades desempenhadas pelos atores processuais natildeo sejam

precisamente delimitadas e estanques tornou-se despropositada

Portanto como decorrecircncia loacutegica da separaccedilatildeo das funccedilotildees de acusar e julgar e

resultado de um aprimoramento do sistema acusatoacuterio ao juiz fica agora vedada a

interferecircncia ativa na investigaccedilatildeo - como verdadeiro investigador - dado que acarreta

inevitaacutevel comprometimento de sua imparcialidade

A invocaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Estado-Jurisdiccedilatildeo na fase preliminar da persecuccedilatildeo

penal poreacutem eacute inevitaacutevel tendo em vista a possibilidade de os atos de investigaccedilatildeo

restringirem significativamente o acircmbito de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais

assegurados constitucionalmente tais como a liberdade a dignidade a intimidade a

privacidade e a honra

Jaacute desde os primeiros momentos investigativos da persecuccedilatildeo penal portanto deve

ao cidadatildeo ser concedida toda a proteccedilatildeo constitucional para se evitarem arbitrariedades e

excessos estatais O juiz passa assim a assumir uma relevante funccedilatildeo de garantidor

consubstanciada na missatildeo de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais constitucionalmente

consagrados

Por isso toda e qualquer medida que de alguma forma restrinja - ainda que de

forma legiacutetima - algum dos direitos fundamentais do indiviacuteduo soacute pode ser concretizada

189

mediante preacutevia e fundamentada autorizaccedilatildeo do magistrado uacutenico a quem a Constituiccedilatildeo

confere tal prerrogativa

Justamente porque considerada uma funccedilatildeo de salvaguarda dos direitos

fundamentais do indiviacuteduo essa atividade desempenhada pelo juiz no curso da

investigaccedilatildeo preliminar requer dele precisatildeo na anaacutelise dos elementos que justificam e

autorizam a adoccedilatildeo de medidas restritivas desses direitos - que de modo geral consistem

na verificaccedilatildeo do fumus comissi delicti que se concretiza no processo penal pela

verificaccedilatildeo da presenccedila de elementos indicadores de existecircncia do crime e autoria bem

como em algumas hipoacuteteses do periculum libertatis O exame do material colhido na

investigaccedilatildeo preliminar natildeo pode portanto limitar-se a uma mera formalidade Cabe ao

magistrado no propoacutesito de maacuteximo resguardo dos direitos suscetiacuteveis a eventual violaccedilatildeo

a anaacutelise substancial e detida do material indiciaacuterio colhido na investigaccedilatildeo demandando

verdadeira incursatildeo nos seus autos e acarretando indiscutiacutevel envolvimento com os atos ali

documentados

Considerada a imparcialidade do oacutergatildeo julgador no seu aspecto objetivo portanto

verificou-se o elevado risco de seu comprometimento quando do julgamento de meacuterito

exatamente em razatildeo de sua anterior participaccedilatildeo em atos da investigaccedilatildeo criminal por

ocasiatildeo do exame da legitimidade da adoccedilatildeo de medidas que representam violaccedilatildeo aos

direitos fundamentais do investigado Tal atuaccedilatildeo sem margens a duacutevidas cria no

subjetivo do magistrado impressotildees preconcebidas incompatiacuteveis com o distanciamento

que deve orientar a sua atuaccedilatildeo durante toda a instruccedilatildeo criminal e a imparcialidade

exigida na prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional penal

Aleacutem disso essa atuaccedilatildeo dual do juiz invariavelmente determina verdadeira

presunccedilatildeo de culpa transferindo agrave defesa o ocircnus de provar a inocecircncia do acusado em

clara afronta ao princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia que por determinaccedilatildeo constitucional

deveria orientar o juiz no curso de toda a causa A participaccedilatildeo na investigaccedilatildeo desse

modo vicia o juiz tornando muito mais custosa a missatildeo da defesa de ser considerada no

processo

Natildeo se pretende com isso afirmar que o juiz que nessa funccedilatildeo de garantidor dos

direitos fundamentais do investigado emite juiacutezos de valor durante a investigaccedilatildeo

criminal estaria inevitavelmente comprometido a julgar o meacuterito da accedilatildeo segundo essa

190

mesma valoraccedilatildeo Plenamente justificaacutevel e razoaacutevel no entanto a preocupaccedilatildeo com a

possibilidade de que o juiz seja indesejavelmente influenciado por essa atuaccedilatildeo anterior

perdendo a imparcialidade necessaacuteria para a correta prestaccedilatildeo da atividade jurisdicional

Sob outro aspecto destaca-se uma fundada preocupaccedilatildeo com a aparecircncia de

imparcialidade que o julgador deve transmitir agravequeles submetidos agrave administraccedilatildeo da

justiccedila pois ainda que nenhum prejuiacutezo seja efetivamente verificado eacute improvaacutevel que se

consiga impedir o surgimento de duacutevidas acerca do pleno distanciamento do julgador Isso

abala a confianccedila que a sociedade deposita no Judiciaacuterio Nessa perspectiva sempre que

determinados fatos concretos justifiquem uma duacutevida razoaacutevel sobre a imparcialidade do

julgador impotildee-se o seu afastamento do processo

A situaccedilatildeo ateacute aqui delineada expotildee uma das grandes falhas do atual sistema

brasileiro que opera exatamente no sentido oposto em virtude das regras de prevenccedilatildeo

A forma que muitos ordenamentos tais como o italiano o chileno e o portuguecircs

encontraram para equacionar tal impasse evitando a exigecircncia de exame da natureza do

ato praticado pelo juiz na fase de investigaccedilatildeo a fim avaliar eventual comprometimento da

sua imparcialidade objetiva no julgamento do meacuterito da causa bem como o casuiacutesmo e a

ausecircncia de seguranccedila juriacutedica decorrentes da necessidade de anaacutelise de cada caso

concreto foi cindir o juiz da investigaccedilatildeo do juiz da causa ao qual incumbe o juiacutezo de

meacuterito e a prolaccedilatildeo da decisatildeo final

Essa a soluccedilatildeo tambeacutem aventada pelo Projeto de Lei do Senado nordm 1562009 que

institui a figura do juiz das garantias propondo uma reforma estrutural para desligar o

responsaacutevel pelo acompanhamento das investigaccedilotildees com a feiccedilatildeo garantidora jaacute

apresentada daquele que verdadeiramente instruiraacute a accedilatildeo penal de modo a preservar o

distanciamento do juiz do processo responsaacutevel pela decisatildeo de meacuterito em relaccedilatildeo aos

elementos de convicccedilatildeo produzidos e dirigidos ao oacutergatildeo da acusaccedilatildeo

Natildeo haacute duacutevidas assim de que o juiz das garantias se amolda perfeitamente ao

modelo acusatoacuterio de processo e ao Estado Democraacutetico de Direito Muito menos se pode

dizer que natildeo se constitui num instrumento eficaz de tutela da imparcialidade do julgador e

garantia por consequecircncia do devido processo legal reduzindo potenciais danos aos

direitos fundamentais

191

Como analisado natildeo haacute de fato criacuteticas conceituais robustas ao instituto do juiz

das garantias A maioria delas como vimos eacute de ordem praacutetica ou refere-se ao tema da

falta de recursos materiais e humanos do Poder Judiciaacuterio para sua implantaccedilatildeo

O juiz das garantias dessa forma natildeo obstante natildeo se tratar de resposta absoluta e

definitiva para a soluccedilatildeo de todos os problemas relativos agrave imparcialidade representa sem

duacutevidas um passo adiante na consecuccedilatildeo desse ideal

Nesse sentido como mecanismo projetado visando agrave reduccedilatildeo dos danos decorrentes

do arbiacutetrio e da parcialidade do julgador representa inegaacutevel avanccedilo no aperfeiccediloamento

do sistema da prestaccedilatildeo jurisdicional sendo inquestionaacutevel a conveniecircncia de sua

introduccedilatildeo em nosso ordenamento

192

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_____ Os atores e seus papeacuteis Boletim IBCCRIM Satildeo Paulo ediccedilatildeo especial CPP ago-

2010