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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
1966
O LUGAR, O SIMBOLISMO E AS TRANSFORMAÇÕES NA PERCEPÇÃO AMBIENTAL: UM ESTUDO DE CASO NA NOVA
FRIBURGO PÓS TRAGÉDIA "NATURAL" DE 2011
ARTUR SCHAUSLTZ PEREIRA FAUSTINO1
Resumo: As questões ligadas a relação sociedade-ambiente é tema clássico, porém recorrente na
ciência geográfica. E o período atual observa grande preocupação com os rumos do planeta, na medida em que surgem a todo tempo notícias sobre problemas ambientais globais e locais. Neste sentido, este trabalho se propõe a analisar as mudanças de percepção ambiental (e das relações sociedade-ambiente) em Nova Friburgo-RJ, atingida por um megadesastre climático em janeiro de 2011, através das propostas de um dos movimentos ambientalistas surgidos no município pós tragédia.
Palavras-chave: História Ambiental; Percepção Ambiental; Movimento "Friburgo em Transição"
Abstract: The issues society-environment relationship is a classic theme, but recurrent in
geographical science. And the current period notes with great concern the course of the planet, as arise all the time news on global and local environmental problems. Thus, this study aims to analyze the changes of environmental perception (and society-environment relations) in Nova Friburgo-RJ, hit by climate disaster in January 2011, through the proposals of the environmental movement that emerged in the municipality post tragedy.
Key-words: Environmental History; Environmental Perception; Movement "Friburgo em Transição"
1 – Introdução
Tema clássico da ciência geográfica, a abordagem das relações entre a
sociedade e o ambiente/natureza, se faz recorrente e ganha impulso nos tempos
atuais. Isso porque o estágio de evolução técnico-científica nos coloca numa
encruzilhada de conflitos entre os modos de vida (economia, padrões de consumo,
conforto etc) e as capacidades do planeta em suprir e mesmo suportar o ritmo de
andamento das necessidades pessoais e coletivas das sociedades. Ou seja,
sociedade e ambiente seguiriam ritmos diferentes, nos quais as necessidades (ou a
invenção delas) estariam numa velocidade muito maior do que as possibilidades de
recuperação natural, fazendo com que o planeta caminhe para um apocalíptico
colapso. Na esteira deste processo, diversas pesquisas vem sendo realizadas no
1 - Mestre em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tutor-coordenador do curso
de Licenciatura em Geografia da UERJ (Consórcio Cederj - Polo Nova Friburgo-RJ). E-mail de contato: [email protected]
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âmbito das ciências preocupadas em não mais somente explicar a realidade, mas
propor soluções na tentativa de reverter ou, ao menos, minimizar os efeitos de nossa
ação sobre o meio físico terrestre.
Neste sentido, um dos desafios mais importantes do geógrafos na atualidade
seria o de superar a antiga dicotomia Geografia Humana x Geografia Física, no
sentido de compreender a realidade geográfica num quadro holístico. Desafio este
complicado, se observado, conforme Silveira e Vitte, que "a Geografia não realizou
historicamente o que se propôs em sua gênese moderna e o que realmente exige
sua matéria, ou seja, lidar a todo o tempo com a solução filosófica e metodológica de
uma aproximação das esferas humana e natural" (2010, p. 12). Nesta tarefa,
julgamos extremamente necessário que os geógrafos estejam atentos a algumas
questões que por vezes são relegadas a segundo plano. Uma delas, proposta deste
trabalho, se refere aos modos de ver e viver o espaço. As formas que se assumem
na paisagem geográfica são fruto de um apanhado de coisas para além da simples
questão econômica, como propuseram diversos geógrafos, em especial aqueles
ligados a vertente marxista, dominante no pós 1960/70. Esse chamado
"economicismo dogmático" de certa forma direcionou o olhar científico dos geógrafos
para as questões relativas aos conflitos de classe e produção capitalista do espaço,
deixando de lado o olhar sobre as percepções, simbolismos, atitudes e valores.
É neste sentido que propomos uma visão mais profunda sobre a contribuição
da disciplina de História Ambiental para o entendimento do configuração social. A
História Ambiental, enquanto disciplina recente na ciência histórica, busca preencher
uma lacuna. Os estudos tradicionais daquele ramo do saber enfatizam a importância
dos fatores político, econômico e cultural, principalmente, para a interpretação dos
fatos históricos, ao passo que esta vertente busca colocar o ambiente (ou as
condições ambientais) como um fator importante na constituição e desenvolvimento
histórico das sociedades com seus espaços. Longe de indicar um "determinismo
geográfico", a História Ambiental busca tão somente indicar qual seria o papel e
importância do ambiente no processo de formação social e das explicações e
interpretações dos momentos ao longo da história (FREITAS, 2007). Assim,
julgamos ser neste fato que reside o ponto de contato mais visível e enriquecedor
desta disciplina no pensamento geográfico, em especial através dos conceitos-
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chave de paisagem e lugar. A função de um geógrafo, portanto, se constitui num
trabalho de conciliação entre variáveis de diversas ordens, a fim de se desenlaçar
inteligivelmente o emaranhado que compõe a construção do espaço geográfico
pelas sociedades. Neste sentido, sendo o espaço geográfico um locus do
desenvolvimento da humanidade, numa relação dialética de interdependência em
que um reflete as condições do outro, julga-se necessário compreender a sociedade
para compreender a construção do espaço, ou seja, os movimentos da sociedade é
que dão vida e animam os processos de construção/transformação espaciais. Ou
seja, pode-se afirmar que quaisquer movimentos da sociedade que implicam direta e
indiretamente no processo de organização espacial são de interesse do geógrafo e a
História Ambiental tem uma resposta pertinente a dar ao pensamento geográfico.
Deste modo, este projeto tem por finalidade empreender uma pesquisa a
respeito das relações sociedade-ambiente, a partir do uso da disciplina de História
Ambiental, no município de Nova Friburgo pós tragédia "climática" de 2011. O
evento climático extremo de janeiro do referido ano causou diversos estragos e
alterações paisagísticas em diferentes pontos da cidade. Este fato, de certa forma,
alterou a percepção que parte da população tem sobre o espaço geográfico e sobre
a visão de natureza, remodelando as relações entre as pessoas e o meio. Engloba,
portanto, as percepções, as atitudes e os valores da sociedade para com o ambiente
(TUAN, 1980).
Localizada na porção central do Estado do Rio de Janeiro, com população
urbana de aproximadamente 87,5% (de um total absoluto de estimados 184460,
segundo o IBGE, 2014) e densidade demográfica de 195,07 hab/km², Nova Friburgo
é conhecida como a "capital da moda íntima" (melhor explicado a seguir), graças as
diversas fábricas de produção de artigos deste setor. Estabelece-se, portanto, por
sua posição geográfica e importância econômica como nó articulador e elo de
ligação entre a região metropolitana e as áreas ao norte do estado, constituindo
condição polarizadora na região.
Neste sentido, diversas foram as atividades afetadas direta e indiretamente
pela catástrofe climática. Apesar da grande comoção gerada e da grande
repercussão midiática nos meses subsequentes, muitas dúvidas pairaram (e ainda
pairam) a respeito da destinação dos recursos disponibilizados pelos governos
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federal e estadual para a solução dos problemas gerados. Inclusive, a Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) instaurou uma CPI a fim de investigar as
responsabilidades, causas e consequências do evento na região serrana. Após a
elaboração do relatório final de 261 páginas, os deputados concluíram que a
principal causa estaria relacionada a falta de planejamento urbano e de ações de
prevenção e alerta.2
Portanto, diversas são as questões que se levantam sobre o processo em
curso na região serrana fluminense. Pensamos caber a Geografia uma parte
considerável (se não a mais importante) das reflexões a serem realizadas, por ser
esta a ciência de tarefa interdisciplinar capaz de abarcar uma visão que leve em
considerações fatores de ordem sociocultural e os fenômenos da natureza.
2 – Desenvolvimento
Para dar melhor noção a nossa proposição buscaremos empreender o
seguinte traçado metodológico, a saber: analisar o processo de ocupação territorial
do município (2.1); descrever o evento climático extremo ocorrido relacionando as
políticas públicas implementadas (2.2); analisar um dos movimentos ambientais
desenvolvidos no município pós tragédia, o "Friburgo em Transição" (2.3).
2.1 - A ocupação territorial de Nova Friburgo
O processo de ocupação do território de Nova Friburgo remonta a um
episódio um tanto quanto peculiar. Em 1818, a coroa portuguesa, em busca de apoio
dos povos germânicos contra o Império Francês, propõe uma colonização planejada
para a região fluminense conhecida como "Morro Queimado", Distrito de Cantagalo,
no qual 265 famílias provenientes da Suíça se instalariam na área entre 1819 e
1820, graças a similaridade climática, o que, inclusive inspirou a alcunha de "Suíça
brasileira". Os suíços, assim batizaram de Nova Friburgo, em homenagem a cidade
de origem da maioria das famílias, Fribourg. Outra peculiaridade interessante se
2 http://www.alerj.rj.gov.br/Busca/OpenPage.asp?CodigoURL=40037&Fonte=Dados. Acesso em: 25/06/2015.
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refere ao fato de esta ser a primeira cidade brasileira colonizada por alemães e
também por ser a primeira colônia não portuguesa fundada no Brasil.
O núcleo de povoação logo se mostrou promissor, o que motivou a elevação
a categoria de vila em 1820 e em cidade em 1890, observando, assim, um
considerável incremento populacional, em especial com a chegada de italianos,
portugueses e árabes. A economia se baseou na agricultura (principalmente do
café), durante praticamente todo o século XIX, sendo suplantada pelas indústrias
trazidas por pioneiros como Julius Arp e Maximilian Falck no início do século XX. O
primeiro foi também responsável por trazer a eletricidade para Nova Friburgo, sendo
considerado até hoje, um dos maiores empreendedores da história do município. A
era industrial inaugurada por Julius Arp, a partir da fundação da Fábrica de Rendas
Arp (1910), foi acompanhada pela instalação de diversas outras fábricas têxteis
(Sinimbu, Filó, Ypú) e também metalúrgicas (Stam, Haga), com grande
desenvolvimento do período de sua origem até a década de 1980, quando algumas
das indústrias têxteis entram em processo de falência. Desse fato decorre a
instalação de diversas pequenas fábricas de produção de artefatos de moda íntima,
as chamadas "facções de fundo de quintal", provenientes das indenizações pagas
aos antigos funcionários das fábricas falidas, que usaram parte dos recursos para a
compra de maquinário e início de negócio próprio. Grande parte dos ex-funcionários
não possuía outra habilidade e competência que pudesse exercer outra função no
mercado de trabalho restrito daquele momento e empreenderam esses pequenos
negócios próprios. Nova Friburgo passa então a categoria de "capital da moda
íntima", promovendo eventos de nível internacional a exemplo da Feira Brasileira de
Moda Íntima, Praia, Fitness e Matéria-Prima (FEVEST), que acontece todos os anos
desde 1990. Além disso, diversas iniciativas vêm sendo colocadas em prática pelos
empresários e políticos locais com vistas a desenvolver e fortalecer o setor,
formando uma espécie de Arranjo Produtivo Local (APL). Outro setor bastante
consistente da economia local (e que também vem constituindo-se como APL) se
refere a produção de flores, da qual o município é vice-líder nacional (atrás apenas
de Holambra, no Estado de São Paulo) e responde por cerca de 60% da produção
no Estado do Rio de Janeiro. Todos os anos acontece também no município a
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chamada "Festa da Flor" (11º edição em 2015), um evento para divulgação e
desenvolvimento do setor.
Assim sendo, este breve histórico buscou demonstrar peculiaridades do
processo de ocupação espacial em Nova Friburgo, no qual se destaca o fato de,
diferente de outras áreas do país, o município se constituiu inicialmente como uma
espécie de "colônia de povoamento", ante a "colônia de exploração" do restante do
território nacional, concluindo-se com a situação atual da economia local, como
formas de se compreender o contexto sociais das proposições deste trabalho.
2.2 - A tragédia "natural" de janeiro de 2011
Apesar da expressiva área total (933,4 km²), a cidade de Nova Friburgo tem
poucos locais propícios a construções (Figura 01), se observado os estreitos vales
que se formam entre as montanhas componentes da Serra do Mar na região.
Ademais, podemos citar o fato de boa parte dos solos ser de base argilosa, o que
torna grande parte das encostas suscetíveis a desmoronamentos, deslizamentos e
escorregamentos, além de estar situado em área de clima tropical, com chuvas
concentradas no verão (Tropical de Altitude - Cwa, pela classificação de Köppen),
inviabilizando a ocupação desordenada. Trocando em miúdos, podemos dizer que
em Nova Friburgo poucas serão as áreas consideradas muito seguras por órgãos
como a Defesa Civil, já que todas as construções estarão em elevações (suscetíveis
aos desmoronamentos) ou no fundo dos vales próximas aos rios (suscetíveis às
inundações): tanto que a área urbana do município corresponde a aproximadamente
apenas 3,8% do total (FRANCISCO & ALMEIDA, 2012).
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Figura 01 - Nova Friburgo (RJ): Cobertura do solo (2009)
Fonte: Francisco & Almeida, 2012
Neste contexto geográfico, torna-se comum que alagamentos ocorram com
alguma frequência, principalmente no período do verão. Originalmente, as áreas
centrais da cidade constituíam verdadeiros pântanos, pelo acúmulo de água no
fundo do vale sobre os solos argilosos formados a partir de intensa degradação
rochosa. Contam os mais antigos moradores que boa parte das edificações
construídas nas áreas centrais de Nova Friburgo demoravam um longo tempo até o
início efetivo das obras, já que era necessário o bombeamento das águas
subterrâneas num primeiro momento (que, segundo alguns relatos duravam
semanas ou até meses) para que o terreno estivesse apto a receber uma construção
mais segura. Esta situação geomorfológica ainda pode ser observada em dias de
chuvas mais intensas, nos quais o escoamento se mostra ineficiente: com
frequência ocorrem alagamentos nas imediações da Praça Getúlio Vargas (Figura
02), decorrentes de refluxo nas tubulações quando a quantidade de água no rio
Bengalas ultrapassa certo limite que cria pressão superior a força da gravidade.
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Figura 02 - Praça Getúlio Vargas alagada (Centro de Nova Friburgo)
Fonte: Revista Êxito, 2010 (Disponível em:
http://www.exitorio.com.br/exitonoticias/ntc4564,fortes-chuvas-alagam-centro-de-nova-friburgo.html.
Acesso em: 26/06/2015)
Entretanto, na madrugada de 11 para 12 de janeiro de 2011, choveu de forma
anômala (entre 180 e 220 mm - o esperado para todo o mês de janeiro) (RAPHAEL,
2012 apud RODRIGUES 2013), em especial no período compreendido entre as
00:00 e 09:00 da manhã do dia 12 (Figura 03), causando diversas cicatrizes
(geomorfológicas, mas também psicológicas) na cidade. A população friburguense
se viu diante de um megadesastre sem precedentes na história do município (talvez
na história do país), com um número ainda desconhecido de mortos e
desaparecidos (428 óbitos, nos dados oficiais, de um total de 911 de toda a região
atingida, que inclui Petrópolis, Teresópolis, Bom Jardim, Sumidouro e São José do
Vale do Rio Preto).
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Figura 03 - Nova Friburgo: Precipitação em mm dos dias 11 e 12 de janeiro de 2011
Fonte: Rodrigues, 2013
Apesar de toda a chuva torrencial (extrema em boa parte da madrugada, já
que atingiu os 25 mm/hora), a "tragédia" se anuncia não somente pelos
deslizamentos de terra, mas sim pela quantidade de mortos e desabrigados, a
grande maioria nas áreas periféricas, revelando o "elo mais fraco" da falta de
planejamento urbano-ambiental das políticas públicas do município (e
estadual/federal) ao longo dos anos, os mais pobres e a ocupação irregular de
encostas suscetíveis. Disso decorre a "ferida aberta" do povo friburguense, o que
parece fazer despertar um novo olhar (ou uma nova consciência) sobre o ambiente,
motivo de ser deste ensaio.
2.3 - Percepção ambiental: o movimento "Friburgo em Transição" como
redespertar da questão ambiental pós tragédia
A relação do povo friburguense com as inundações remonta aos períodos
iniciais de ocupação do território, principalmente pelos suíços. A historiadora Maria
Janaína Botelho Corrêa dedica dois capítulos de sua obra sobre a história do
município ao tema: um tratando da primeira enchente registrada na Vila de Nova
Friburgo e o seguinte sobre "como lidávamos com as enchentes no passado"
(CORRÊA, 2011). Nestes, a autora narra o fracasso das primeiras colheitas devido
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as enchentes, fato que gerou grande tensão e desânimo entre os primeiros colonos,
que se reuniam nas tabernas do centro para se embriagar. Nas palavras do
historiador suíço Nicoulin Martin: "...o vício nacional característico dos moradores de
Freibourg (Suíça) em 1817 (...) manifesta-se em Nova Friburgo. Os colonos bebem
para matar o tempo e esquecer." (MARTIN, 1996 apud CORRÊA, 2011). Corrêa
adverte ainda que "...desde a fundação da vila até o presente momento são 191
anos de convivência com as enchentes do Rio Bengalas, um déjà vu em nossa
história..." (op. cit., p. 60), ou seja, a frequência das inundações torna-se uma
espécie de marca da História Ambiental de Nova Friburgo, motivo pelo qual a partir
do megadesastre de 2011 nos propomos a investigar os movimentos de cunho
ambiental que vêm se desenvolvendo no município. Destes, analisemos um mais
destacado, a saber, o movimento "Friburgo em Transição", cientes de que existem
diversos outros em curso que estarão presentes em outros trabalhos.
O movimento "Friburgo em Transição", se formou em decorrência direta da
tragédia de 2011, como um grupo de cunho ambientalista inspirado no Movimento
Mundial Cidades em Transição (Transition Towns), que prega a sustentabilidade
urbana através dos princípios da "permacultura"3. No caso friburguense, o
movimento explicita em seu documento oficial4 quais seriam as propostas de ação
para se alcançar um modelo mais sustentável através de um projeto de cidade que
esteja atenta as questões globais como as mudanças climáticas (que aparece como
uma das causas da tragédia de 2011) e a crise energética mundial (basicamente a
dependência do petróleo). A proposta principal do movimento consiste na formação
de "ecobairros", a partir de um "ecobairro piloto" que poderia servir de exemplo a ser
repetido no restante da cidade. Esta estaria desmembrada em 5 subpropostas que
sustentariam a proposta principal, explicitadas a seguir: privilégio a circulação de
pedestres, bicicletas e transporte coletivo (elétrico ou biodisel) (i); adequação
urbanística às características geomorfológicas (evitando-se as encostas e
consequentemente os riscos de desabamentos) (ii); o uso de ecotécnicas e 3 "A permacultura é uma cultura que engloba métodos holísticos para planejar, atualizar e manter
sistemas de escala humana (jardins, vilas, aldeias e comunidades) ambientalmente sustentáveis, socialmente justos e financeiramente viáveis." Fonte: Wikipedia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Permacultura>. Acesso em: 21/06/2015 4 Publicado no periódico local "Século XXI", mas facilmente encontrado na internet, inclusive através
da página oficial do grupo na rede social Facebook.
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materiais locais para as construções, buscando-se respeitar as características
geográficas e culturais do lugar (iii); uso de energias limpas e renováveis, tratamento
biológico do esgoto, separação e reciclagem do lixo, paisagismo produtivo, hortas
orgânicas, agroflorestas (iv); e a capacitação de jovens para o trabalho nas
construções dos ecobairros (v).
Todas as questões apresentadas demonstram preocupação geral com as
ações do poder público quanto aos problemas ambientais (e a tragédia de 2011
criou um sinal de alerta), na medida em que estas geralmente são pontuais e
emergenciais, não pautadas em planejamentos de longo prazo e mais duradouros.
De qualquer forma, para o objetivo deste trabalho, fica clara a mudança de
percepção (e preocupação) ambiental de parcelas cada vez maiores da população
friburguense a partir do choque gerado pelo megadesastre. Vale ressaltar também
que este trabalho vem como anteprojeto de pesquisa futura para o curso de
Doutorado em Geografia, portanto, as análises estão desprovidas de pesquisas
concluídas e/ou com resultados preliminares, já que para tanto serão necessárias
investigações mais aprofundadas.
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