o materialismo paul e patricia
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Luiz Roberto Carlos Stern
O Materialismo
Eliminacionista de
Paul e Patricia
Churchland
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Luiz Roberto Carlos Stern
O Materialismo
Eliminacionista de Paul e
Patricia Churchland
Este livro um trabalho de concluso de curso de
graduao apresentado Faculdade de Filosofia e
Cincias Humanas da Pontifcia Universidade
Catlica do Rio Grande do Sul (PUCRS), como
requisito parcial para obteno do grau de
Bacharel em Filosofia. Aprovado pela banca
examinadora, composta pelos professores Dr.
Felipe Matos Mller, Me. Nereu Ruben Haag e
Me. Eduardo Silva Ribeiro no segundo semestre
de 2011.
Porto Alegre
2013
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Direo editorial e diagramao: Lucas Fontella Margoni
Imagem da capa: Paul and Patricia Churchland caricature, de Susan
Blackmore
Impresso e acabamento: Akikpias
www.editorafi.com
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Stern, Luiz Roberto Carlos
O Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland / Luiz
Roberto Carlos Stern. -- Porto Alegre, RS : Editora Fi, 2013.
ISBN - 978-85-66923-01-8
1. Crebro 2. Materialismo eliminacionista 3. Filosofia da mente 4.
Psicologia popular I. Ttulo.
13-03664 CDD-128.2
ndices para catlogo sistemtico:
1. Filosofia da mente 128.2
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RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo abordar o
materialismo eliminacionista, uma das correntes
contemporneas da filosofia da mente, segundo a viso do
casal de filsofos norte-americanos Paul e Patricia
Churchland. A filosofia da mente um ramo da moderna
filosofia que estuda a natureza da mente, estados,
processos, funes e propriedades mentais, conscincia e
sua relao com o corpo fsico, particularmente o crebro,
aliando reflexo filosfica e cincia numa investigao
interdisciplinar. O problema fundamental na filosofia da
mente, que d origem a quase todos os temas tratados pela
disciplina, pode ser sintetizado atravs das seguintes
questes: sero mente e corpo a mesma coisa? Qual a
verdadeira natureza dos processos e estados mentais? Em
que meio eles ocorrem, e como se relacionam com o
mundo fsico? A capacidade de pensar sobre as coisas,
sobre a prpria existncia e tomar atitudes o que significa
dizer que seres humanos possuem mentes, diferenciando
o homem dos demais animais? Assim, no causa surpresa
que a tentativa de esclarecer o que significa ter uma
mente esteja no centro das preocupaes da tradio
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filosfica ocidental. Entre as alternativas possveis, o
materialismo eliminacionista trata a relao mente-crebro
como pseudoproblema j que preconiza a prpria
dissoluo do conceito de mente. Nesse contexto, o
conceito de psicologia popular exerce um importante
papel na filosofia da mente e na cincia cognitiva. A
psicologia popular constituda pelo conjunto de
suposies, constructos e convices da nossa linguagem
cotidiana atravs da qual as pessoas tratam a psicologia
humana. Compreende conceitos do senso comum do dia-a-
dia como crenas, desejos, temor e esperana. A
linha de defesa tradicional do materialismo eliminacionista
e que empregada pelo casal Churchland segue uma
inspirao radical: preciso decretar a inadequao do
psicolgico cotidiano para descrever o mental e substituir a
imagem comum da mente por uma imagem cientfica
derivada da neurocincia. O eliminacionismo, como toda
teoria que desafia a compreenso normal, foi submetido
crtica por filsofos de diferentes correntes do
pensamento, sendo includas quatro linhas de contestao.
A concluso tem por fio condutor apontar os caminhos
que se abrem para o aprofundamento do estudo.
Palavras-chave: Materialismo eliminacionista Mente -
Psicologia popular - Crebro.
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ABSTRACT
This paper aims to address the eliminative
materialism, one of the contemporary currents of
philosophy of mind, as presented by the couple of
American philosophers Paul and Patricia Churchland.
Philosophy of mind is a modern branch of philosophy that
studies the nature of mind, states, processes, functions and
mental properties, consciousness and its relation with the
physical body, particularly the brain, combining
philosophical reflection and science in an interdisciplinary
research. The fundamental problem in philosophy of mind,
which gives rise to almost all the topics addressed by the
discipline, can be synthesized through the following
questions: mind and body are the same? What is the true
nature of mental states and processes? In which
environment do they occur and how do they relate to the
physical world? The ability to think about things, about
ones own existence and take actions is what it means to
say that humans have "minds", distinguishing man from
other animals? Thus, it is not surprising that the attempt to
clarify what it means to have a mind" is the central
concern of the Western philosophical tradition. Among the
possible alternatives, eliminative materialism treats the
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mind-brain as a pseudo problem, as it advocates the very
concept of dissolution of the mind. In this context, the
concept of "folk psychology" plays an important role in the
philosophy of mind and cognitive science. Folk psychology
is constituted by the set of assumptions, constructs and
beliefs of our everyday language through which people treat
human psychology. It concerns concepts of daily common-
sense as "beliefs," "desires," "fear" and "hope." The
traditional vindication of eliminative materialism employed
by the Churchland couple follows a radical inspiration: it is
necessary to decree the inadequacy of everyday psychology
to describe the mental and replace the common image of
the mind through a scientific image derived from
neuroscience. The eliminativism, like any theory that defies
normal comprehension, was subjected to criticism by
philosophers of different schools of thought and there
were included four lines of contention. The conclusion has
as leitmotif pointing out the paths that are opened for a
deeper study.
Keywords: Eliminative materialism Mind Folk
psychology - Brain.
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SUMRIO
1 INTRODUO .............................................................. 11
2 O MATERIALISMO ELIMINACIONISTA ................. 25
2.1 UMA BREVE HISTRIA ........................................................ 25
2.2 CONTEXTO CONCEITUAL ................................................ 28
2.3 TEORIA DO MATERIALISMO ELIMINACIONISTA .. 31
2.3.1 DESFAZENDO A IDEIA DE MENTE ........................... 31
2.3.2 PSICOLOGIA POPULAR E TEORIA-TEORIA ....... 33
2.3.3 CONCEITOS E EVOLUO ............................................ 36
2.3.4 NEUROFILOSOFIA: A CAMINHO DA CINCIA
UNIFICADA MENTE-CREBRO ............................................. 41
2.3.4.1 NEUROCINCIA ELEMENTAR .................................. 46
2.3.4.2 FILOSOFIA DA CINCIA ............................................... 54
2.3.4.3 UMA PERSPECTIVA NEUROFILOSFICA:
TEORIAS DO FUNCIONAMENTO CEREBRAL ................. 57
3 ARGUMENTOS A FAVOR DO MATERIALISMO
ELIMINACIONISTA ........................................................ 65
3.1 PROBLEMAS TERICOS GERAIS DA PSICOLOGIA
POPULAR ......................................................................................... 68
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3.2 PROBLEMAS ESPECFICOS DA PSICOLOGIA
POPULAR ......................................................................................... 72
3.2.1 DESAFIO A ESTRUTURA SINTTICA DAS
CRENAS ......................................................................................... 73
3.2.2 DESAFIO AS PROPRIEDADES SEMNTICAS DAS
CRENAS ......................................................................................... 74
3.3 O MATERIALISMO ELIMINACIONISTA E AS
ATITUDES PROPOSICIONAIS ................................................. 75
4 ARGUMENTOS CONTRA O MATERIALISMO
ELIMINACIONISTA ........................................................ 79
4.1 O ARGUMENTO MOOREANO DE LYCAN .............. 79
4.2 O ARGUMENTO DA AUTO-REFUTAO .................... 81
4.3 O ARGUMENTO DA REJEIO DA TEORIA-
TEORIA ........................................................................................... 84
4.4 O ARGUMENTO DA DEFESA DA PSICOLOGIA
POPULAR ......................................................................................... 88
5 CONCLUSO ................................................................. 92
REFERNCIAS .............................................................. 106
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Luiz R. C. Stern
1 INTRODUO
Quando nos lanamos ao presente
empreendimento no tnhamos, de incio, noo clara da
complexidade e profundidade do tema que escolhemos
para a monografia, nem tampouco da aventura em que iria
se constituir o trabalho desenvolvido neste ano de 2011.
J no primeiro captulo do livro Neurofilosofia - Rumo a
uma Cincia Unificada Mente-Crebro, da filsofa Patricia
Churchland, uma das obras fundamentais que adotamos
para abordar o tema da filosofia da mente e o materialismo
eliminacionista, encontramos uma citao de Santiago
Ramn y Cajal, de cerca do ano de 1898, que nos
impressionou sobremaneira, a ponto de o adotarmos como
lema ao longo de toda a nossa trajetria de pesquisa e de
trabalho intelectual: enquanto nosso crebro for um mistrio, o
universo reflexo da estrutura do crebro tambm ser um
mistrio. E na realidade, ao observarmos o avano do
conhecimento do homem no que se refere ao cosmo e ao
universo, observamos progressos relevantes a partir da
segunda metade do sculo XX, tendo-se realizado proezas
tecnolgicas de monta como chegar lua, desenvolver a
cincia da computao, interligar o planeta atravs de fibra
ptica, criando a rede da internet e tornando as
comunicaes rpidas, globais e baratas, com e sem fio. O
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Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
homem passou a pesquisar o espao e sondou o infinito
exterior, fazendo descobertas surpreendentes. A cincia
tornou-se o paradigma, substituindo a religio da Idade
Mdia. Nesse mesmo perodo recente, tambm se
consolidou a filosofia da mente, uma disciplina de histria
curta, mas de passado longo. No entanto, em nossas
leituras e ponderaes, constatamos, do ponto de vista
eminentemente pessoal, que embora tenha havido
progressos sensveis em tcnicas empricas da neurocincia,
gentica e biologia molecular, a natureza da conscincia
humana, que consideramos o ltimo mistrio, ainda no
foi resolvido pela cincia. Grandes avanos foram
alcanados, mas a natureza da conscincia ainda continua
sendo um mistrio. Por seu turno, nos ltimos trinta
anos, a prpria filosofia realizou progressos no
conhecimento da natureza da mente, levantando mltiplas
alternativas possveis, no existindo no momento consenso
sobre a teoria verdadeira, embora muitos filsofos tenham
convices fortes sobre sua posio.
A nossa escolha sobre o tema da filosofia da mente
foi causada pelos seguintes motivos principais:
a) a atualidade do assunto, que se encontra ainda em
estado embrionrio e a paixo com que os filsofos
defendem as respectivas correntes de pensamento, abrindo-
se mltiplas alternativas possveis;
b) a riqueza da literatura existente em termos de livros e
artigos, embora em lngua inglesa em sua totalidade.
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Luiz R. C. Stern
Constata-se que praticamente todo filsofo contemporneo
de nome aborda o tema em alguma de suas facetas;
c) a possibilidade de aliana de reflexo filosfica e
cincia, impondo a necessidade de uma investigao
interdisciplinar;
d) a inexistncia da disciplina de filosofia da mente, to
atual e dinmica, em nosso currculo do curso de Filosofia,
embora conhecimentos bsicos de filosofia da cincia e
epistemologia sejam propiciados aos alunos de graduao;
e) a possibilidade de aprofundar os estudos e acompanhar
o desenvolvimento contnuo do tema no futuro, que
certamente guarda muitas surpresas, tanto no campo
filosfico quanto no cientfico.
f) a filosofia da mente e a neurocincia necessitam de
profissionais transdisciplinares, que unam viso sinptica
ao tratamento de detalhes fticos.
A escolha do materialismo eliminacionista como
teoria de referncia entre as mltiplas desenvolvidas pelos
filsofos foi motivada pelas seguintes razes:
a) A convico de que a natureza da mente no uma
questo puramente filosfica, mas tambm uma questo
profundamente cientfica, somado a ambio que
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Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
caracteriza o nosso sculo de explicar cientificamente a
natureza do mental;
b) A convico manifestada por Patricia Churchland de
que a forma mais provvel de elucidar os mistrios da
funo mente-crebro de promover uma interao entre
estratgias da filosofia, psicologia cognitiva, inteligncia
artificial e neurocincia promovendo uma co-evoluo de
teorias, modelos e mtodos em que cada uma informa,
corrige e inspira as outras. Assim, o intercmbio entre a
anlise conceitual e a investigao cientfica configura a
trilha a ser seguida pela filosofia da mente;
c) A posio extremada de materialismo assumida pelo
casal Churchland de desfazer o prprio conceito de mente
e que teve mais crticos que defensores;
O que significa ser humano? De forma
fundamental significa ser membro de uma espcie
biolgica, o homo sapiens sapiens. Mas, a necessidade
intrnseca que temos ao formulamos a pergunta que no
esperamos uma resposta em termos puramente biolgicos,
j que os demais animais parecem no possuir a
necessidade de questionar a sua natureza. Destacamos, de
sada, que a definio cientfica de nossa espcie agrega o
termo no biolgico sapiens (latim: sbio). Outra definio
corrente dos seres humanos de que so animais
racionais, mais uma vez, combinando o biolgico
animal com o no biolgico racional. Assim,
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Luiz R. C. Stern
certamente somos animais e primatas como os macacos.
No entanto, distinguimo-nos desses primatas pela nossa
capacidade de pensar sobre as coisas, sobre a nossa prpria
existncia e de tomar aes com base nessa reflexo, de
planejar e de organizar nossas vidas dirias, de controlar
nossas emoes e desejos. O fato decisivo de termos essas
capacidades o que significa dizer que seres humanos
possuem mentes, portanto, o aspecto que tornaria o ser
humano distinto o de sermos dotados de mentes. No
causa surpresa, portanto, que a tentativa de esclarecer o que
significa ter uma mente, esteja no centro das
preocupaes da tradio filosfica ocidental. Essa
pergunta central nos leva a uma srie de perguntas
correlatas. Todas as capacidades mentais so as mesmas?
Onde se delineiam os limites do mental? A mente
inclui caractersticas no intelectuais como a emoo e o
desejo? Qual a relao entre o biolgico ou fsico e o
mental? Sero as mentes coisas, talvez de um tipo to
especial que podem existir independentemente de qualquer
coisa biolgica? Ou ser que devem ser identificadas com
partes do nosso organismo biolgico (crebros, hoje em
dia)? Ser que seres no biolgicos como computadores ou
robs possuem mentes? Responder a essas perguntas
importante quando tentamos nos compreender como seres
humanos; no se tratam apenas de desafios intelectuais,
mas incitam paixes porque dizem respeito a nossa relao
com outros seres humanos, outros animais e mquinas,
nossa individualidade e a distino de cada um.
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Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
Faamos uma comparao simplificada entre
fenmenos fsicos e fenmenos mentais. No que diz
respeito aos fenmenos fsicos, existem teorias bem
desenvolvidas sobre a natureza e o comportamento dos
corpos fsicos, processos e eventos, como as das cincias,
que a fsica, a qumica e a biologia exemplificam. Por
exemplo, a investigao cientfica est cada vez mais
descobrindo os processos que ocorrem em nosso corpo e
crebro. Em contraste, a compreenso da natureza dos
estados mentais parece no poder ser comparada com o
que implica atingir uma melhor compreenso de estados
fsicos. Consequentemente, embora saibamos o que seja
debruar-se sobre um problema intelectual ou sentir uma
dor, nossa experincia parece no nos fornecer indicao
sobre o que seja a natureza intrnseca do que ocorre dentro
de ns quando pensamos ou quando uma parte de ns di.
Embora sendo distintos em seu carter, tanto o pensar
quanto o sentir dor pertencem ao lado mental em oposio
ao lado fsico. Ficamos ainda com a questo: o que se passa
em ns quando um desses dois tipos de eventos mentais
ocorre? Em que tipo de meio o pensar e a experincia da
dor ocorrem?
O desafio a ser enfrentado, portanto, o de
desenvolver um conceito de mente e de sua relao com o
crebro que acomode a possibilidade de uma investigao
interdisciplinar que concilie a descrio do ser humano
como crebro com a de pessoa dotada de mente. A
primeira e mais importante questo colocada pela filosofia
da mente : sero mente e crebro a mesma coisa? Ser o
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Luiz R. C. Stern
pensamento apenas um produto do crebro? Qual a
natureza dos fenmenos mentais?
Um exame preliminar da concepo da relao
mente-crebro nos leva a dois tipos de alternativas bsicas e
de uma terceira que a trata como pseudoproblema pela
dissoluo do prprio conceito de mente:
- Dualismo estados mentais e subjetivos definem um
domnio completamente diferente, e talvez a parte, daquele
dos fenmenos fsicos. Aposta na existncia de algo que
chamamos mentes. A estratgia do dualista foi sempre a
de tentar encontrar uma marca distintiva do mental, algo
diferente, irreconcilivel com o fsico ou com o sensvel e
observvel. Subdivide-se grosso modo em dualismo de
substncia (cada mente uma coisa no fsica distinta, um
pacote individual independente de qualquer corpo fsico
ao qual possa estar temporariamente conectada) e o
dualismo de propriedade (o crebro fsico dotado de um
conjunto especial de propriedades no fsicas que nenhum
outro tipo de objeto fsico dispe; exemplo: sentir dor,
pensar que p e assim por diante).
- Monismo - estados mentais e subjetivos so apenas uma
variao ou um tipo especial de estados fsicos. Existem
apenas crebros e estados subjetivos podem ser apenas
uma iluso a ser desfeita pela cincia. O monista busca
desfazer assimetrias e assimilar o mental ao fsico, dentro
da viso cientfica que caracteriza o nosso sculo.
Subdivide-se em sntese em monismo materialista (mais
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Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
conhecido como teoria da identidade: os estados mentais so
estados fsicos do crebro, isto , cada tipo de estado ou
processo mental uma e mesma coisa que algum tipo de
estado ou processo mental no interior do crebro ou no
sistema nervoso central) e o funcionalismo (a caracterstica
que define todo tipo de estado mental o conjunto de
relaes causais que ele mantem com 1) os efeitos do meio
ambiente sobre o corpo, 2) com outros estados mentais e
3) com o comportamento corporal).
- Materialismo eliminacionista radicalizao do projeto
reducionista segundo o qual a estrutura psicolgica do
nosso senso comum uma concepo falsa e radicalmente
enganosa das causas do comportamento humano e da
natureza da atividade cognitiva. O antigo arcabouo, ou
seja, o prprio conceito de mente deve ser simplesmente
eliminado.
De forma esquemtica e simplificada podemos
apresentar as concepes da relao mente-crebro,
conforme segue:
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Luiz R. C. Stern
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Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
Os defensores de todas essas posies concordam
que compreendemos muito pouco sobre o aprendizado, a
memria, o uso da linguagem, as diferenas em termos de
inteligncia, o sono, a coordenao motora, a loucura e
assim por diante e que tarefa da cincia nos revelar a
natureza interna da mente e de seus mecanismos. Existe, no
entanto, discordncia sobre a forma segundo a qual a
cincia da mente dever proceder para ter sucesso nesse
empreendimento, isto , h discordncias marcantes quanto
ao mtodo intelectual a ser empregado.
A metodologia preconizada pelo materialismo e que
orienta a neurocincia uma abordagem do tipo de-baixo-
para-cima (bottom-up) e sua ideia central a de que as
atividades cognitivas nada mais so que as atividades do
crebro-sistema nervoso. Assim, a melhor maneira de
compreender esse sistema consiste em examinar o prprio
sistema nervoso em seus elementos fundamentais,
descobrir a sua estrutura, comportamento, constituio,
interconexes, interatividade e o modo como, em nuvem,
controla o comportamento. Essa abordagem tem uma
longa histria, desde a antiguidade, mas o avano
sistemtico no conhecimento da estrutura e funcionamento
de crebro teve que esperar at meados do sculo XX, com
o surgimento das modernas tcnicas de microscopia, teorias
da qumica e da eletricidade e o desenvolvimento de
modernos instrumentos eletrnicos de registro e medio.
A arquitetura neuronal revelada por esses mtodos mostra
uma complexidade de tirar o flego, mas a convico do
materialismo metodolgico de que, na medida em que
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Luiz R. C. Stern
ocorra a compreenso sobre o funcionamento dos sistemas
de neurnios em termos fsicos, qumicos e eltricos em
suas interaes, estaremos a caminho de compreender o
comportamento, a nossa vida interior e a inteligncia
natural.
O conceito de psicologia popular exerceu um
preponderante papel na filosofia da mente e na cincia
cognitiva neste ltimo meio sculo, representa o ponto de
ruptura e de diferenciao entre o materialismo
eliminacionista e as demais correntes do pensamento e ser
importante objeto de estudo na presente monografia. A
psicologia popular, tambm conhecida por psicologia do
senso comum, psicologia ingnua ou psicologia folclrica,
o conjunto de suposies, constructos e convices da
nossa linguagem cotidiana atravs da qual as pessoas tratam
a psicologia humana. A psicologia popular compreende
conceitos do dia-a-dia como crenas, desejos, temor
e esperana. um cdigo de sabedoria construdo a
partir de experincias com limitados, mas adequados nveis
de confirmao.
A linha de defesa tradicional do materialismo
eliminacionista e que empregada pelo casal Churchland
em suas obras e artigos est baseada em argumentos que
tentam provar que a psicologia popular uma teoria falha e
estagnada e que existem inmeros fenmenos mentais que
no so explicados por ela. Seguem uma inspirao radical:
preciso decretar a inadequao do psicolgico cotidiano
para descrever o mental e substituir a imagem comum da
mente por uma imagem cientfica derivada da neurocincia.
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Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
O seu objetivo de simplesmente desfazer a ideia de
mente. Considerando que o foco do presente trabalho a
viso de Paul e Patricia Churchland, esta ser tambm a
nossa linha principal de argumentao.
Iniciamos o trabalho no captulo 2, em que
estabelecemos os fundamentos tericos do materialismo
eliminacionista. Buscamos, na seo 2.1, suas razes
histricas em termos gerais e especficos da filosofia da
mente. Na seo 2.2 enfocamos o contexto conceitual da
filosofia da mente, seus grandes questionamentos em
termos de mente-crebro e as alternativas bsicas de
tratamento do tema existentes na literatura filosfica. Na
seo 2.3 nos dedicamos teoria propriamente dita atravs
da anlise de aspectos centrais como a estratgia do
eliminacionismo de desfazer a ideia de mente, do
fundamental conceito de psicologia popular e o caminho
percorrido, a partir do projeto reducionista at o
eliminacionista, abordado, de forma preliminar, os
problemas cientficos e filosficos emergentes a partir da
viso do materialismo eliminacionista. A parte final deste
captulo voltada a neurofilosofia, de acordo com a viso
da filsofa Patricia Churchland e, atravs de suas trs
subsees apresentamos sua lgica interna de construo
de uma teoria unificada do funcionamento da mente-
crebro: neurocincia elementar para filsofos, filosofia da
cincia para neurocientistas e o fluxo convergente da
pesquisa filosfica e neurocientfica.
No captulo 3 apresentamos os argumentos a favor
do materialismo eliminacionista que esto assentados
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Luiz R. C. Stern
principalmente sobre a estratgia de demonstrar a falsidade
da psicologia popular e demonstrar as deficincias de seus
postulados. Na seo 3.1 so tratados os problemas gerais
da psicologia popular enquanto teoria e inferncias
indutivas a paralelos histricos de outras teorias populares
eliminadas. Na seo 3.2 problemas especficos da
psicologia popular no que se refere estrutura sinttica e as
propriedades semnticas das crenas. Na seo 3.3 nos
dedicamos s atitudes proposicionais, sua intencionalidade
e sua relao com a psicologia do senso comum, e que no
constituem barreira intransponvel ao avano da
neurocincia.
O captulo 4 contm os argumentos contrrios ao
materialismo eliminacionista. Na seo 4.1 apresentamos o
argumento anti-eliminacionista mooreano de Lycan,
segundo o qual, pressuposies puramente filosficas
possuem muito fracas credenciais epistmicas e no podem,
por si mesmas, se sobrepor aos simples fatos do senso
comum. A seo 4.2 aborda a tese esposada por muitos
filsofos segundo a qual o eliminacionismo se auto-refuta,
j que asserir algo , por si mesmo, aceitar a existncia de
crenas. A seo 4.3 enfoca a rejeio da teoria-teoria da
psicologia popular e critica o enfoque dado pelos
defensores do materialismo eliminativo no que se refere s
diversas caracterizaes a seu respeito. Na seo 4.4,
apresentamos a defesa da psicologia popular por muitos
filsofos com o argumento de que os eliminacionistas
ignoram o marcante sucesso da mesma na compreenso
dos processos mentais.
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Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
A presente monografia no tem a pretenso de
oferecer uma exposio completa sobre a teoria do
materialismo eliminacionista do casal Churchland, mas
representa o resultado de um trabalho de pesquisa, leitura e
interpretao de uma mirade de obras e artigos disponveis
sobre a matria mente-crebro constituindo, isso sim, o
ponto de partida para voos futuros mais audaciosos.
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Luiz R. C. Stern
2 O MATERIALISMO
ELIMINACIONISTA
2.1 UMA BREVE HISTRIA
Eliminacionista, por princpio, qualquer um que
negue a existncia de algo. Na histria da Filosofia,
existiram diversos eliminacionistas no que se refere a
diferentes aspectos da natureza humana. Por exemplo,
Holbach (1770), foi eliminacionista em relao ao livre
arbtrio por afirmar no existir a dimenso da psicologia
humana que corresponde noo de senso comum de
liberdade. Semelhantemente, por negar a existncia de um
ego ou sujeito de experincia, Hume (1739), foi
comprovadamente um eliminacionista em relao ao eu.
Materialistas reducionistas podem ser vistos como
eliminacionistas em relao alma imaterial.
A expresso materialismo eliminacionista como
negao da existncia de estados mentais recente e foi
introduzida por James Cornman em 1968, num artigo
denominado Na Eliminao das Sensaes e Sensaes.
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Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
1 No entanto, a ideia bsica foi expressa por C.D. Broad em
seu clssico A Mente e seu Lugar na Natureza, em que
Broad discute e rejeita um tipo de materialismo puro que
considera estados mentais como atributos no presentes no
mundo.2 As razes principais do materialismo
eliminacionista podem tambm ser encontradas nos
escritos de numerosos filsofos de meados do sculo XX,
com destaque para Wilfred Sellars, Willard V.O. Quine,
Paul Feyerabend e Richard Rorty. Sellars, em seu
importante artigo de 1956, Empirismo e Filosofia da
Mente3, introduziu a ideia de que a inteligncia no deve
ser derivada do acesso direto a mecanismos internos de
nossas mentes, mas a partir de um quadro de referncia
original herdado culturalmente. Paul Feyerabend, em
artigos como Eventos Mentais e Crebro4, de 1963,
encampa a ideia de que qualquer verso do materialismo
deve minar a psicologia popular5, que poder se mostrar
falsa. Quine, em sua obra Palavra e Objeto6, de 1960,
abraa a ideia de que noes mentais como crena e
sensao poderiam ser abandonadas em favor de conceitos
fisiolgicos mais precisos. Sugere que termos denotando os
correspondentes fsicos de estados mentais seriam mais
teis.
1 Cornman, James, On the Elimination of Sensation and Sensation, 1968. 2 Broad, C.D., the Mind and its Place in Nature, 1925, p. 607-611. 3 Sellers, Wilfred, Empiricism and the Philosophy of Mind, 1956. 4 Feyerabend, Paul, Mental Events and the Brain, 1963. 5 Conceito muito importante a ser abordado em seo posterior. 6 Quine, Willard V.O., Word and Object, 1960
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Luiz R. C. Stern
Aqui temos uma tenso recorrente nos escritos de
muitos filsofos materialistas eliminacionistas e que
envolve uma alternncia entre duas diferentes concepes:
(a) certos estados mentais mostrar-se-o vazios com os
termos referindo-se a coisas inexistentes como demnios
e esferas celestes e, (b) o quadro de referncia propiciado
pelas neurocincias pode ou vir a substituir o quadro de
referncia do senso comum que atualmente utilizamos. Os
termos empregados para designar estados mentais
descrevem coisas reais, mas representam estados cerebrais a
serem descritos atravs da cincia. Esse tema veio luz em
consequncia do artigo de Richard Rorty Identidade
Mente-Corpo, Privacidade, e Categorias7, de 1965, em que
sugere que sensaes de fato no existem e no so nada
mais do que processos mentais. A discusso levantou
questes ulteriores sobre a diferenciao entre
eliminativismo e reducionismo. William Lycan e George
Pappas, num artigo denominado apropriadamente O que
o Materialismo Eliminacionista8, de 1972, argumentaram
de forma convincente, que as duas teorias no podem
ocorrer simultaneamente. Como materialista eliminacionista
se afirma que noes mentais de senso comum no se
referem a nada real e que termos mentais so vazios, ou,
como materialista reducionista, noes mentais podem ser,
de alguma forma, reduzidas a estados neurolgicos (ou
computacionais) do crebro.
7 Rorty, Richard, Mind-Body Identity, Privacy, and Categories, 1965, p. 28 8 Lycan, W. e Pappas, G, What Is Eliminative Materialism?, 1972
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Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
Em perodo mais recente, o materialismo
eliminacionista tem recebido ateno de um grupo maior
de escritores, em boa parte provocada pelas obras do casal
Paul e Patricia Churchland. Em seu artigo de 1981,
Materialismo Eliminacionista e Atitudes Proposicionais9,
Paul Churchland apresenta diversos argumentos a favor do
abandono da psicologia de senso comum que influram
decisivamente no moderno debate sobre o status de noes
ordinrias como a crena. Patricia Churchland, em seu
provocativo livro Neurofilosofia Rumo a uma Cincia
Unificada Mente-Crebro10 sugere que o desenvolvimento
na neurocincia aponta para um sombrio futuro para os
estados mentais do senso comum.
2.2 CONTEXTO CONCEITUAL
A filosofia da mente um ramo da moderna
filosofia que estuda a natureza da mente, estados,
processos, funes e propriedade mentais, conscincia e
sua relao com o corpo fsico, particularmente, o crebro.
A discusso se inicia com as questes mais bvias:
- Qual a natureza real dos processos e estados
mentais?
- Em que meio eles ocorrem, e como se relacionam
com o mundo fsico?
9 Churchland, Paul, Eliminative Materialism and the Propositional Attitudes, 1981 10 Churchland, Patricia, Neurophilosophy-Toward a Unified Science of the Mind-Brain, 1986
-
29
Luiz R. C. Stern
A filosofia da mente consolidou-se no sculo XX e
alia cincia e reflexo filosfica, numa combinao imposta
por se reconhecer a necessidade de uma investigao
interdisciplinar. O desafio que se enfrenta , ento, o de
desenvolver um conceito de mente e de sua relao com o
crebro que acomode a possibilidade de uma investigao
cientfica interdisciplinar, uma investigao que concilie
nossa prpria descrio como crebros e organismos com
nossa descrio como pessoas dotadas de mentes. A
primeira e mais importante questo colocada pela filosofia
da mente : sero mente e corpo a mesma coisa? Ser o
pensamento apenas um produto do crebro humano? Qual
a natureza dos fenmenos mentais?
O crebro uma mquina complexa, resultante da
reunio de elementos fundamentais: o neurnio ou unidade
bsica, as sinapses ou conexes entre neurnios e as
ligaes qumicas que ali ocorrem, atravs de
neurotransmissores e receptores. O grande desafio da
neurocincia o da dificuldade (ou ser impossibilidade),
de encontrar algum tipo de traduo entre sinais eltricos das
clulas cerebrais e aquilo que se percebe ou sente como
sendo pensamentos. Um exame preliminar da relao entre
mente e crebro nos abre duas alternativas bsicas: a) os
estados mentais e subjetivos so apenas uma variao ou
um tipo especial de estados fsicos (monismo); b) os
estados mentais e subjetivos definem um domnio
completamente diferente e talvez a parte daquele dos
fenmenos fsicos (dualismo). A primeira corrente sugere
que existam apenas crebros e que estados subjetivos
-
30
Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
podem ser somente iluses a serem desfeitas pela cincia. A
segunda aposta na existncia de algo que chamamos de
mentes, algo no fsico, algo que est para alm do
mbito das cincias. nesse sentido que o problema
mente-crebro tambm chamado de problema ontolgico:
preciso saber se o mundo composto apenas de um tipo
de substncia fsica e se a mente apenas uma variao
desta ltima, ou se, na verdade, nos defrontamos com dois
tipos de substncias totalmente distintas, com propriedades
irredutveis entre si.
Defrontamo-nos, na verdade, com duas crenas
contraditrias, mas nenhuma delas pode ser considerada
ingnua. Por um lado somos levados a crer no monismo e
na aposta de que o problema mente-crebro um
problema cientfico, ou seja, um problema emprico que
poderia ser resolvido no futuro atravs de alguma
descoberta cientfica. Por outro lado, o dualismo supe ser
possvel discutir e chegar a uma soluo para o problema
da relao entre mente e crebro virando as costas para a
cincia e para qualquer tipo de resultado emprico que
possa surgir dessa.
A questo que se coloca a seguinte: ser o exame
da atividade fsica do corpo ou do crebro suficiente para
determinar os contedos mentais que ocorrem a uma
pessoa? Ou haver um hiato intransponvel entre crebros
e estados subjetivos, um hiato que se impe pela
incapacidade de se estabelecer um caminho entre sinais
eltricos do crebro, sua atividade qumica e aquilo que
podemos identificar como sendo nossos contedos mentais
-
31
Luiz R. C. Stern
ou nossas ideias? No dispomos de respostas para essas
questes.
Na verdade, o intercmbio entre a anlise conceitual
e a investigao cientfica se nos afigura como a trilha mais
vivel a ser seguida pela filosofia da mente no seu esforo
de desvendar o problema mente-crebro.
2.3 TEORIA DO MATERIALISMO
ELIMINACIONISTA
2.3.1 Desfazendo a ideia de mente
As dificuldades inerentes ao problema das relaes
entre mente e crebro podem ser superadas, numa das
alternativas tericas, atravs da tentativa de desfazer nosso
conceito habitual de mente, mostrando que esse se origina
de algum tipo de iluso conceitual ou lingustica. Essa ,
primeira vista, uma estratgia bizarra, uma vez que corre
em direo contrria ao nosso senso comum. Sua vantagem
estaria em nos livrarmos de um dos termos da equao que
compe esse tipo de problema filosfico.
Segundo Wilfrid Sellars11, em seu artigo
Empirismo e a Filosofia da Mente, de 1956, a ideia de
mente resulta de uma espcie de iluso cultural, tendo
surgido de uma inverso fundamental propiciada pela
expanso da linguagem. Segundo Sellars, a noo de mente
foi engendrada pela expanso da linguagem que propiciou o
triunfo de relatos introspectivos sobre o comportamento e
11 Sellars, Wilfrid, Empiricism and the Philosophy of Mind, 1956
-
32
Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
sobre a percepo. Palavras e relatos introspectivos
tornam-se, ao longo do tempo, mais reais do que o mundo
observvel. A prpria ideia de primeira pessoa e de
acesso privilegiado teria sido forjada pela linguagem.
Gilbert Ryle12, em seu livro O Conceito da
Mente, de 1949, afirma que a mente se esgota no conjunto
de comportamentos e disposies manifestados pelas
pessoas. Supor que existe algo mais que isto um equvoco
que Ryle aponta, usando a figura de um fantasma na
mquina. Ryle diz que a mente no nada alm de um
conceito: um conceito utilizado para designar um conjunto
de comportamentos e disposies exibidos pelas pessoas e
tambm um determinado tipo de organizao que
inferimos a partir desses comportamentos e disposies.
Mas mente no uma coisa, nenhuma substncia fsica.
Tampouco seria uma substncia imaterial que, como um
fantasma dentro da mquina, seria responsvel por essa
organizao. A tarefa da filosofia da mente seria ento
extirpar as extravagncias e dissolver os pseudoproblemas
originrios da linguagem, separando o vocabulrio fsico do
vocabulrio mental. Ao usar inadvertidamente nossa
linguagem cotidiana, frequentemente transpomos termos
de um vocabulrio fsico e os aplicamos na construo de
um vocabulrio mental, gerando, com isso a iluso implcita
de que o mental uma entidade ou algum tipo de
substncia com existncia independente.
Os trabalhos de Sellars e de Ryle tm como
proposta mostrar que a ideia de mente nada mais seria do
12 Ryle, Gilbert, The Concept of Mind, 1949
-
33
Luiz R. C. Stern
que uma extravagncia da linguagem. Os eliminacionistas
seguem uma inspirao mais radical: preciso decretar a
inadequao do psicolgico cotidiano para descrever o
mental e substituir a imagem comum da mente por uma
imagem cientfica derivada da neurocincia. O vocabulrio
psicolgico cotidiano seria incompatvel com o discurso da
cincia e, por isso, sua permanncia seria, igualmente,
intolervel no interior de uma viso cientfica do mundo. O
seu objetivo, mais radical, de desfazer a ideia de mente.
2.3.2 Psicologia popular e teoria-teoria
O conceito de psicologia popular exerceu um
importante papel na filosofia da mente e na cincia
cognitiva neste ltimo meio sculo. No entanto, mesmo um
exame superficial da literatura revela a existncia de
diferentes sentidos para a expresso psicologia popular:
(1) algumas vezes, psicologia popular usada para referir-se
a um conjunto particular de capacidades cognitivas que
incluem mas no esgotam as capacidades de prever e
explicar comportamentos; (2) noutro sentido, psicologia
popular est estreitamente associada ao trabalho de David
Lewis. Segundo seu enfoque, uma teoria psicolgica
constituda pelos lugares-comuns sobre a mente que
pessoas comuns esto dispostas a aceitar.
A psicologia popular, tambm conhecida por
psicologia do senso comum, psicologia ingnua ou
psicologia folclrica, o conjunto de suposies,
constructos e convices da nossa linguagem cotidiana
-
34
Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
atravs da qual as pessoas tratam a psicologia humana. A
psicologia popular compreende conceitos do dia-a-dia
como crenas, desejos, temor e esperana. um
cdigo de sabedoria construdo a partir de experincias
com limitados, mas adequados nveis de confirmao. Em
princpio, a teorizao popular uma atividade complexa e
fortuita da mente visando informar aes, opinies ou
conceitos do mundo, baseada em fatos conhecidos, palpites
e experincia pessoal, ou, de outra forma, correlacionando
os aspectos exteriores do comportamento humano, estados
mentais e o registro de situaes vividas com determinadas
atitudes. Segundo Paul Churchland, a psicologia popular
tem como principal caracterstica fazer uso da
intencionalidade. Utiliza conceitos como pensamento,
sentimento, desejo, esperana e assim por diante.
Exemplificando: algum agiu de certa forma porque
acreditou que atingiria seus objetivos desse modo, ou
porque desejou possuir algo, ou sentiu-se esperanosa
quanto a certa resposta. Todos esses conceitos so
intencionais no sentido de que esto direcionados para
certo objeto que pode ou no existir efetivamente. este
direcionamento para certos objetos particulares, em vez de
caractersticas internas, que define um pensamento ou outra
entidade intencional que diferencia, por exemplo, um
pensamento do outro.
Stephen Stich e Shaun Nichols13, em seu artigo
Psicologia Popular, de 2003, baseados em diversos
13 Stich, S e Nichols, S, Folk Psychology, cap.10, 2003.
-
35
Luiz R. C. Stern
artigos de autoria de David Lewis (1970, 1972)14,
conceituam psicologia popular como a teoria que confere
aos termos referentes a estados mentais seu significado,
teoria conhecida no meio filosfico como funcionalismo.
Trata-se de uma teoria emprica que busca explicar a
regularidade entre estmulos e respostas encontrada no
comportamento de seres humanos (e talvez, animais). Mas
o que exatamente essa teoria? Na literatura filosfica e da
cincia cognitiva so tratados dois diferentes enfoques. De
acordo com a viso de Lewis, a psicologia popular est
estreitamente ligada a afirmaes sobre estados mentais
com os quais quase todo mundo concordaria ou tomaria
como bvios. Neste enfoque, a psicologia popular um
conjunto de generalizaes que sistematiza lugares-comuns,
chaves claramente formulados. O segundo enfoque
concentra a ateno num conjunto de habilidades de
grande interesse para filsofos e psiclogos. Em muitos
casos, as pessoas so muito hbeis em prever o
comportamento de outras pessoas. Por vezes, somos
tambm muito bons em atribuir estados mentais a outros
descrevendo suas percepes, pensar, crer, desejar, temer,
antecipando estados mentais futuros e explicitando
comportamentos com base em estados mentais passados.
Como isso alcanado? Uma teoria popular, por
vezes chamada teoria-teoria afirma que quando lemos
mentes acessamos e utilizamos uma teoria de
14 Lewis, D, How to Define Theoretical Terms, Journal of Philosophy 67, 1970; , Psychophysical and Theoretical Identifications, Australasian Journal of Philosophy 50, 1972.
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36
Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
comportamento humano representada em nosso crebro. A
teoria do comportamento humano postulada usualmente
denominada psicologia popular. Nessa viso, a leitura da
mente essencialmente um exerccio de raciocnio terico.
Quando se prediz um comportamento, por exemplo,
utiliza-se a psicologia popular para, a partir de atitudes
passadas e de circunstancias e comportamento atual
(inclusive verbal), prever o comportamento futuro do
agente. Os defensores da teoria-teoria afirmam que
generalizaes desse tipo se processam na psicologia
popular de forma anloga s leis e generalizaes das
teorias cientficas.
2.3.3 Conceitos e evoluo
Na literatura cientfica e filosfica, o termo
reduo caracteriza uma relao entre teorias, onde uma
teoria predecessora reduzida logicamente a uma nova
teoria e os eventos originalmente explicados pela primeira
passam a ser explicados pela segunda. No caso dos
fenmenos mentais, encontramos frequentemente a
tentativa de efetuar essa reduo ontolgica, na afirmao
de que eles so idnticos a eventos cerebrais.
O materialismo reducionista, mais conhecido como
a teoria da identidade, a mais simples das diversas teorias
materialistas da mente. Sua tese central estabelece que
estados mentais sejam estados fsicos do crebro, ou seja,
cada tipo de estado ou processo mental numericamente
idntico a algum tipo de estado ou processo mental no
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37
Luiz R. C. Stern
interior do crebro ou no sistema nervoso central. Embora
no se tenha no momento conhecimento suficiente sobre o
funcionamento do crebro para poder estabelecer as
correspondentes identidades, essa teoria est comprometida
com a ideia de que futuramente a pesquisa cientfica ir
revel-las. O materialismo reducionista foi posto em
questo porque parecia pouco provvel que uma teoria
materialista adequada pudesse apresentar correspondncias
exatas (um-a-um), entre a psicologia popular e os conceitos
de neurocincia terica exigidas.
Uma radicalizao do projeto reducionista
representada pelo materialismo eliminacionista. Embora
proposto por Paul Feyerabend e por Richard Rorty na
dcada de 1960, ganhou fora na dcada de 1980 com o
casal Paul e Patricia Churchland.
As dificuldades encontradas no reducionismo
levaram os Churchlands recusa daquilo que eles
consideram um erro fundamental do projeto reducionista
tradicional que parte da suposio de que nossa linguagem
psicolgica, utilizada para explicar e predizer o
comportamento humano, a psicologia popular, adequada.
A psicologia popular seria uma espcie de teoria habitual
que possumos, atravs da qual explicamos os
comportamentos de outros seres humanos recorrendo s
ideias de inteno, crena, desejo e outros termos do
vocabulrio dito mentalista. Segundo os Churchlands, no
precisamos buscar uma reduo dessa teoria inadequada,
mas a sua eliminao pura e simples, dado que ela falsa.
Assuntos sobre a conscincia representam um modelo
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38
Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
obsoleto e uma teoria intil para explicar o comportamento
humano e necessitam ser substitudos por uma nova e
melhor explicao que utilizaria apenas o vocabulrio e
conceitos da neurocincia. No entanto, importante
ressaltar que no se trata aqui de uma eliminao do
mental, mas to somente de uma linguagem mentalista,
uma vez que os Churchlands no negam a realidade de
nossa experincia subjetiva.
A proposta de uma reforma da linguagem da
psicologia adequando-a ao avano das teorias
neurobiolgicas seria consequncia natural da eliminao
progressiva do vocabulrio mentalista da psicologia
popular. Todo o vocabulrio mentalista que empregamos
hoje seria fruto de um longo aprendizado, transmitido
durante vrias geraes pelos nossos ancestrais. Assim,
poderamos perfeitamente ser treinados para falar outra
linguagem, na qual os termos bsicos fossem estados
cerebrais, que seriam, ao mesmo tempo, pblicos e
privados. Uma linguagem neurolgica tornar-se-ia, no
futuro a genuna linguagem da psicologia.
Outra caracterstica fundamental do materialismo
eliminacionista dos Churchlands que eles no recusam a
possibilidade de uma futura teoria psicolgica ser
desenvolvida juntamente com uma teoria neurobiolgica,
at que uma reduo da primeira em relao segunda se
torne possvel. Eles aceitam a reduo interterica, desde
que a teoria psicolgica seja diferente de psicologia popular.
Mas o que h de errado com a psicologia popular,
que desacredita a nossa linguagem psicolgica de senso
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39
Luiz R. C. Stern
comum? Os defensores do materialismo eliminacionista,
com base em paralelos histricos da cincia, afirmam que
os conceitos da psicologia popular desejo, crena,
inteno, medo, esperana, sensao, etc. - esto estagnados
e so incapazes de explicar vrios fenmenos da vida
mental, como, por exemplo, o sono, as doenas mentais, a
aprendizagem, etc. To logo a neurocincia se desenvolva e
alcance um alto grau de maturidade, a inadequao de
nossas concepes atuais tornar-se- visvel e seremos
ento capazes de desenvolver um modelo conceitual
compatvel com o conhecimento neurocientfico, que
permita explicar verdadeiramente nossas atividades
mentais.
O materialismo eliminacionista aposta no
desenvolvimento futuro da neurocincia e na sua
capacidade de nos fornecer uma explicao mais adequada
dos fenmenos mentais. Entretanto, atualmente ainda
estamos longe de uma teoria neurobiolgica e de uma
teoria psicolgica abrangentes, que permita a reduo e a
eliminao da psicologia popular. Existe uma distino
fundamental entre o materialismo eliminacionista e a
neurocincia: trata-se, no primeiro caso, de uma teoria
filosfica da mente e, no segundo, de uma cincia do
crebro. Existe diferena quanto natureza das
investigaes, embora os desenvolvimentos futuros possam
convergir.
H uma questo que devemos ter em mente desde
o princpio: pode a neurocincia solucionar os principais
problemas colocados pela filosofia da mente? A eliminao
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40
Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
da psicologia popular somente possvel a partir de um
mapeamento integral entre o mental e o cerebral, caso
contrrio todo o programa eliminacionista estar ameaado.
De fato, as grandes dificuldades do programa
eliminacionista parecem derivar exatamente dessa
dependncia em relao a uma neurocincia completa.
Os eliminacionistas enfrentam ainda dificuldades
filosficas, como as apontadas por Popper e Eccles15,
segundo as quais qualquer tipo de materialismo radical se
auto-anula, em funo de no poder sustentar a sua
validade com argumentos racionais. Outra dificuldade
filosfica que o materialismo eliminacionista enfrenta est
relacionada ao problema da intransponibilidade da
perspectiva da primeira pessoa. A neurocincia no pode
ignorar a perspectiva subjetiva, se quiser explicar a nossa
vida mental.
De tudo isso, podemos concluir que no parece
razovel o desaparecimento da filosofia da mente com o
desenvolvimento da neurocincia. Ao contrrio, a
neurocincia parece depender de uma teoria filosfica da
mente para que seus achados empricos possam ser
interpretados em termos de nossa atividade mental.
15 Popper, K & Eccles, J, The Self and its Brain, 1977
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41
Luiz R. C. Stern
2.3.4 Neurofilosofia: a caminho da cincia unificada
mente-crebro
Em meados dos anos setenta, parecia promissora
uma nova onda no mtodo filosfico de estudo da mente,
que passava a desestimular a explorao da linguagem
ordinria e a reverter a tpica propenso anticientfica da
anlise lingustica, agravada pelo fato de que, entre as
cincias relevantes para o entendimento da natureza da
mente, no estava includa a neurocincia. Patricia
Churchland, como materialista confessa, cria que a mente
o crebro e, portanto, seria bvio que uma maior
compreenso da neurocincia seria til para saber-se como
vemos, pensamos, raciocinamos e decidimos. A autora se
pergunta se possvel uma teoria unificada da mente-
crebro e para isso exige a participao da neurocincia e da
filosofia, no importando onde uma termina e a outra
comea. importante relacionar a cincia e a filosofia da
cincia com a filosofia da mente para o entendimento
diferenciado da conscincia, cognio, experincia subjetiva
e todo o quadro de referncia necessrio para uma cincia
unificada da mente-crebro. A sua obra , portanto, o
resultado do que chama de investigaes
neurofilosficas.
Nesse contexto, queremos entender nosso crebro,
ou, como diz Patricia Churchland, o crebro investiga o
crebro. Surgem ento intrigantes problemas e perguntas:
como estudar o crebro, como as concepes do nosso
-
42
Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
senso comum se adquam s novas descobertas? Alguns
desses problemas foram reconhecidos tradicionalmente
como filosficos: estados mentais so redutveis a estados
do crebro? O que particular do ponto de vista subjetivo?
Experincias conscientes so compreensveis do ponto de
vista psicolgico? Que so representaes e como pode o
crebro representar o mundo externo a ele? Essas questes
filosficas so muito gerais e amplas, mas no so muito
diferentes de problemas caracterizados como empricos:
como se produz a viso em cores, como o crebro
aprende e armazena informaes, que so
representaes? Estas questes, colocadas por filsofos ou
por neurocientistas, so parte de uma mesma e ampla
investigao e talvez devam ser vistas como questes da
mente-crebro, em vez de perguntas para a filosofia, para a
neurocincia ou para a psicologia.
A convico da autora na sua obra
Neurophilosophy Toward a Unified Science of the
Mind/Brain de que estratgias do tipo top-down
(caractersticas da filosofia, psicologia cognitiva e pesquisa
na inteligncia artificial) e estratgias bottom-up
(caractersticas da neurocincia), no devem ser utilizadas
de forma isolada. O que buscado em vez, uma rica
interao entre ambas as estratgias, com frutfera co-
evoluo das teorias, modelos e mtodos, em que cada uma
informa, corrige e inspira a outra. A guia mestra desenhar
em grandes traos os contornos de um quadro de
referncia apropriado ao desenvolvimento de uma teoria
unificada da mente-crebro.
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43
Luiz R. C. Stern
bvio que ser proveitoso para os filsofos da
mente saber algo sobre o funcionamento do crebro.
Simultaneamente, parece bvio que ser til para os
neurocientistas conhecer a pesquisa filosfica sobre temas
como: reduo, identificao, representao, linguagem.
De forma direta, o que se deseja uma teoria
unificada de como a mente-crebro funciona, de como
representa o mundo e a da natureza dos processos
computacionais subjacentes ao comportamento.
A neurocincia e a filosofia tiveram histrias em grande
parte independentes, mas mudanas esto ocorrendo.
Desenvolvimentos recentes na neurocincia e na filosofia,
bem como na psicologia e na cincia da computao, tm
aproximado esses campos do saber humano em direo ao
enfrentamento de problemas comuns, existindo um
consenso crescente em relao aos benefcios recprocos
originados pela pesquisa cruzada:
a) a neurocincia progrediu a ponto de permitir a
teorizao sobre princpios bsicos do funcionamento
cerebral, de modo a poder investigar sobre a forma pela
qual o crebro representa, aprende e produz
comportamento;
b) muitos filsofos se afastaram da viso de que a
filosofia uma disciplina eminentemente a priori, de
modo a reavaliar a importncia de descobertas da
neurocincia e da psicologia na pesquisa filosfica;
-
44
Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
c) a psicologia nos permite aprofundar a compreenso de
alguns processos mentais tais como memria e percepo
visual, de forma a nos dar a viso do grau de incorreo de
conceitos ortodoxos e de como mecanismos neurais
podem implementar essas funes;
d) trabalhos em cincia da computao e modelagem
computacional de redes facilitaram a criao de conceitos
de processamento da informao, representao e
computao que nos levam muito a frente em relao s
ideias prvias e fornecem uma ideia geral de como abordar
as questes dos processos sub-introspectivos da mente-
crebro.
Cumpre, neste momento, fazer uma apresentao
sumria da forma de estruturao da obra de Patricia
Churchland, com destaque para sua lgica interna, tendo
sempre presente a finalidade principal de construir uma
teoria unificada do funcionamento da mente-crebro.
A Parte I do livro apresenta um pouco de
neurofisiologia elementar, neuroanatomia, um vislumbre
em neurologia e neuropsicologia e um esboo de alguns
mtodos utilizados no estudo de sistemas nervosos. A
inteno da autora dupla: primeiro, permitir a filsofos ler
obras e artigos sobre neurocincia sem se sentirem
intimidados e, segundo, permitir a compreenso dos
quadros de referncia apresentados.
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45
Luiz R. C. Stern
A Parte II tem por finalidade introduzir a filosofia a
neurocientistas, no que diz respeito filosofia da mente,
como apresentada pela filosofia da cincia.
Na Parte III, que representa o fluxo convergente, a
autora discute o estgio e o significado da teoria na
neurocincia e apresenta trs exemplos inter-relacionados
de teorias nascentes. Essa parte apresenta um quadro
terico em grande escala, vivel para explicar os efeitos em
termos de atuao neuronal e, simultaneamente, fornece
uma ilustrao sobre a convergncia da pesquisa filosfica e
neurocientfica.
A caracterizao da natureza das representaes
fundamental para que se possa responder como temos
aptido para ver ou interceptar um alvo ou resolver
problemas, independentemente de considerarmos essas
realizaes em termos psicolgicos ou neurobiolgicos. O
mesmo verdade no processo de operar sobre
representaes as computaes. Questes relativas a
representaes e computaes tm estado no cerne de
teorias filosficas referentes forma de funcionamento da
mente e, est claro que agora so centrais na construo da
teoria neurobiolgica do funcionamento do crebro.
H muita excitao em relao pesquisa na
neurocincia porque neurocincia cincia, porque est
continuamente descobrindo novidades surpreendentes e
por nos ensinar o funcionamento de alguns novos aspectos
do universo. Mas, acima de tudo, porque as descobertas
dizem respeito a um reino muito especial do universo: ns
mesmos com o milagroso monte de clulas excitveis
-
46
Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
armazenadas em nosso crnio, que nos tornam o que
somos. Claramente, estamos descobrindo o que somos e
como nos compreendemos, o que grande aspirao
filosfica de todos.
Est claro que a construo inicial de uma teoria
sobre a mente-crebro muito difcil, da mesma forma que
o foi para a cincia em geral, que alcanou sucesso atravs
de heroicas e insistentes iniciativas. Por essa razo, a autora
no considera a atual situao pr-terica desesperadora.
Ao contrrio, talvez a perspectiva de uma teoria
emergente que d a neurobiologia cognitiva e a psicologia
um especial apelo, devendo ambas colaborar entre si e
desenvolver-se em conjunto para que um quadro de
referncia terico possa surgir. Essas reflexes, no entanto,
provocam mais questes sobre a evoluo da teoria das
funes mais elevadas do crebro e das relaes entre a
neurocincia e a psicologia, principalmente no que se refere
psicologia popular.
2.3.4.1 Neurocincia elementar
A primeira parte da obra, como mencionado acima,
dedicada apresentao de neurocincia elementar.
O estudo inicia por uma breve histria da
neurofisiologia, apresentando os elementos estruturais
bsicos dos sistemas nervosos e seu modus operandi.
Um espcime que se move deve necessariamente
ter mecanismos que possibilitam o movimento, bem como
mecanismos que assegurem que o deslocamento no seja
-
47
Luiz R. C. Stern
arbitrrio e independente do que ocorre no mundo externo.
Os animais so seres moventes. Como possvel o simples
caminhar? Observando uma pessoa com o sistema nervoso
em funcionamento anormal, alterado por drogas, doenas
ou traumas no ouvido interno, por exemplo, nos permite
constatar a complexidade da coordenao motora do
caminhar, algo que tomamos como evidente.
Os neurnios so clulas excitveis. Neurnios da
periferia sensria so ativados por ftons ou vibraes;
neurnios da periferia motora causam a contrao dos
msculos. No meio, esto neurnios que orquestram a
sequncia de contraes das clulas musculares, permitindo
o movimento do organismo de forma a lidar
adequadamente com o mundo exterior, fugindo,
alimentando-se e assim por diante. Os neurnios so os
elementos bsicos dos sistemas nervosos; so a soluo
evolucionista para o problema do movimento adaptativo.
Mas como funcionam, o que excitao? Como produzem
efeitos to diferentes como percepo da luz ou do tato?
Como so orquestrados de forma a permitir aos
organismos se conduzirem no mundo?
Na tentativa de compreender os princpios
funcionais que governam o sistema nervoso humano
devemos nos recordar que o nosso crebro evoluiu de
crebros anteriores e que nossas capacidades e limitaes
so devidas a origens histricas. A evoluo dos sistemas
nervosos foi causada pela necessidade de os animais
preverem com sucesso eventos produzidos no seu meio
ambiente ou por outros organismos. importante no
-
48
Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
desenvolvimento terico ter presente a evoluo biolgica e
fsica do sistema nervoso, alm da evoluo cultural da
cincia dos sistemas nervosos. O ganho de compreenso
sobre como o conhecimento adquirido, a compatibilizao
de teorias conflitantes e os avanos tecnolgicos que
fizeram a diferena do estabilidade moderna
neurocincia e a tornam mais acessvel. A perspectiva
histrica nos auxilia a ver que mesmo nossas maiores
convices podem se mostrar falhas e nos tomar de
surpresa. A noo de como chegamos ao estgio atual
essencial para determinar o nosso caminho a seguir daqui
para frente.
A compreenso do funcionamento da mente-
crebro exige o maior entendimento possvel dos
elementos fundamentais dos sistemas nervosos, ou seja,
dos neurnios. Limites no nmero de neurnios, no
nmero de conexes entre eles, e, talvez, de forma mais
importante, o curso do tempo em eventos neuronais devem
estabelecer restries nos modelos de percepo, memria,
aprendizagem e controle senso-motor. Por exemplo, a
limitao no fator temporal se manifesta da seguinte forma:
eventos no mundo do silcio ocorrem na faixa do
nanossegundo (10-9), enquanto eventos no mundo neuronal
ocorrem em milissegundos (10-3). Eventos cerebrais so
significativamente mais lentos quando comparados com
eventos computacionais. No entanto, em tarefas de
reconhecimento perceptual, o crebro deixa o computador
perdido na poeira. Igualmente, vale enfatizar que os
neurnios so plsticos, que suas partes importantes nos
-
49
Luiz R. C. Stern
processos informacionais crescem e encolhem, que so
dinmicas, o que parece ser fundamental em seu
funcionamento como unidades de processamento de
informaes.
importante destacar que os neurnios e seu
modus operandi so essencialmente iguais em todos os
sistemas nervosos de seres vivos. Mesmo nossa
neuroqumica fundamentalmente similar a dos mais
simples organismos existentes no fundo do mar. Esse fato
serve para nos lembrar de que os seres humanos, em sua
capacidade cognitiva, evoluram de estados mais primitivos.
Se desejarmos compreender a natureza do processamento
de informaes subjacentes a funes como pensar e
exercer controle sensrio-motor, as teorias desenvolvidas
devem contemplar a orquestrao dos neurnios, o que
exige o conhecimento dos prprios neurnios e de suas
conexes.
Sistemas nervosos so mquinas de processamento
de informaes e, para compreender como permitem a
um organismo aprender e lembrar, ver, resolver problemas,
cuidar dos filhotes e reconhecer perigos, essencial
entender a mquina, nos seus elementos bsicos e na sua
organizao.
Para entender o funcionamento do crebro,
devemos compreender no apenas as unidades bsicas - os
neurnios mas tambm como populaes de neurnios
so configuradas de forma que sua atividade orquestrada
permita aos organismos cursarem seu caminho no mundo.
A viso externa neurocincia, eminentemente ingnua,
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Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
de que a organizao do sistema nervoso lembra um
emaranhado de neurnios, ramos e espinhos. Embora os
sistemas nervosos sejam complexos, neuroanatomistas
descobriram que so altamente organizados e exibem
grande regularidade em sua estrutura. Ento, um elemento
chave na construo de uma teoria que identifique o que o
crebro faz e como o faz deve ser o estudo da organizao
fsica do prprio crebro. A relao entre fisiologia e
anatomia de cooperao mtua, pois, medida que mais
fisiologia agregada ao conhecimento cientfico, maiores
quantidades de dados estruturais emergem, produzindo
nova pesquisa funcional, e assim por diante. Grosso modo,
um conceito funcional (fisiolgico) se especifica a
descrio de tarefa; estrutural (anatmico), se especifica
quais unidades da mquina executam a tarefa.
A discusso das funes mais elevadas do crebro
exige a considerao de mtodos de obteno dos dados.
Pouco est estabelecido quanto ao papel do crebro no
processamento de funes mais elevadas, nem tampouco
existe uma teoria detalhada da cinemtica e dinmica das
prprias funes mais elevadas. H muitas hipteses e
mtodos em estgio inicial, com resultados conflitantes.
No principal, a pesquisa em funes mais elevadas
do crebro tem focado em questes referentes que partes
do crebro executam ou esto presentes em determinadas
tarefas e que tipo de tarefas o crebro executa. Grosso
modo, a mais proeminente ideologia de pesquisa da
neuropsicologia de que a teoria psicolgica (especificando
uma taxonomia de funes e uma teoria de suas
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Luiz R. C. Stern
interconexes) deveria cooperar com hipteses de
mapeamento neural a fim de definir as reas que participam
de particulares funes, de forma que esses resultados
pudessem ser utilizados pelos neurofisiologistas para
compreender como o crebro faz o que faz. Na realidade,
no sabemos que capacidades cognitivas o crebro tem.
Na busca de substratos neuroanatomicos de
funes psicolgicas, os primeiros neuropsiclogos deram
nfase a traos de carter como inteligncia ou diligncia,
tentando identificar os respectivos centros neurais.
Recentemente, a tendncia tem sido de estudar diferentes
categorias de capacidades como a produo da fala e a
memria declarativa. Outros sugerem uma diferenciao
geral entre capacidades analticas e holsticas ou
sintticas. O certo que no momento, a teoria
psicolgica est em estado nascente. O que se necessita,
embora ainda no disponvel, de uma robusta teoria sobre
quais so as capacidades cognitivas fundamentais, as
capacidades sub-cognitivas que lhe do sustentao, a
natureza dos processos entre input e output, e a
natureza das representaes empregadas nos diversos
nveis. O ponto de partida na teorizao foi evidentemente
a psicologia popular. Esta nos diz que temos uma memria,
somos conscientes, algumas memrias evanescem com o
tempo, treinos e ensaios ajudam a lembrar, uma recordao
d origem a outras recordaes correlatas e assim por
diante. Psiclogos e neurocientistas j perceberam que o
conceito de psicologia popular necessita de um redesenho
substancial. Por exemplo, afirma-se que temos uma
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Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
memria de curto-prazo que armazena informaes por
breves perodos e uma memria de longo-prazo que as
retm mais permanentemente. No entanto, essas
caractersticas so compreendidas em termos
essencialmente comportamentais, no em termos de bem
definidos processos internos, cognitivos e sub-cognitivos,
que devem estar subjacentes. Lembrar no um processo
de um nico tipo: a memria de trabalho est dissociada da
memria de referncia, a memria espacial da no espacial,
etc. As distintas capacidades, se realmente existem, podem
ser distinguidas da seguinte forma: uma envolve saber
como e corresponde a aquisio de habilidades motoras e
a outra a saber que e se refere aquisio de informao
cognitiva. Por outro lado, a categoria da aprendizagem est
fragmentada numa infinidade de tipos de processos e
atualmente substituda pela expresso mais ampla e menos
sobrecarregada de plasticidade. Entre as espcies de
plasticidade do sistema nervoso, considerados fenmenos
distintos, esto a formao de hbitos, imitao,
aprendizado rpido, condicionamento, mapeamento
cognitivo, entre outros. Fenmenos de mais alto nvel
relativos ao que se aprende so dominar uma lngua, ler,
habilidades matemticas, aprender com mais eficincia,
reduzir a presso sangunea, etc.
Resultados de estudos de leses e de estmulos
eltricos tornaram evidente que a organizao do crebro
no corresponde estritamente ao modelo de localizao
nem tampouco ao modelo holstico. A hiptese de
localizao estrita foi solapada por muitas descobertas, quer
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Luiz R. C. Stern
clinicas, quer experimentais em macacos. No entanto, que
reas do crebro possuem algum grau de especializao,
tornou-se evidente atravs de outros estudos clnicos e de
estimulao nervosa, mas no se pode confundir a
especificidade de tarefas de distintos segmentos com a
dedicao a tarefas, prpria dos demais rgos do corpo
como pulmes, corao, rins. A oposio entre
localizacionistas e anti-localizacionistas cedeu lugar a
dvidas sobre a organizao do crebro de forma que possa
haver recuperao (parcial) das funes aps certos tipos
de leses, ausncia de recuperao em outras e o que
especializao significa em termos de organizao do
tecido nervoso.
Um dos mais marcantes e fascinantes domnios de
estudo nesse mbito diz respeito pesquisa sobre as
diferenas na especializao funcional dos dois hemisfrios
cerebrais. Esse estudo foi muito estimulado pela descoberta
neurolgica de que casos severos de epilepsia poderiam ser
tratados pelo seccionamento das comissuras que conectam
os hemisfrios. Pacientes submetidos a essa cirurgia so
uma fonte inestimvel de informao sobre a organizao
do crebro e, a sutil descontinuidade detectada em suas
vidas cognitivas deu origem formulao de questes
relativas unidade da conscincia, do eu, do controle e a
natureza da distino entre comportamento voluntrio e
involuntrio.
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Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
2.3.4.2 Filosofia da cincia
A segunda parte da obra de Patricia Churchland
visa introduzir a Filosofia aos neurocientistas atravs da
Filosofia da Cincia.
O objetivo da autora ao abordar de forma breve a
histria da filosofia, foi de esclarecer a atual situao da
cincia e da filosofia (Filosofia da Cincia e Epistemologia).
No domnio da neurocincia, questes em um nvel
de generalidade inevitavelmente produzem questes em
nveis mais agregados ou mais elementares. Como o
crebro reconhece visualmente formas e cores; como
reconhece corvos e gua? Como podemos ver? Ser
possvel desenvolver uma cincia do comportamento
animal em que o homem esteja includo? E qual ser o
papel da neurocincia nesse projeto? Como poderemos
integrar neurocincia e psicologia? Neurocientistas, como
cientistas de todos os campos, so compelidos a olhar alm
dos paradigmas e a contemplar a coerncia e consistncia
de suas pesquisas dentro de um arcabouo mais amplo, ou
seja, so compelidos a ser filosficos.
O alvorecer da filosofia natural foi marcado pela
suspeita de que a aparncia das coisas poderia ser resultado
de uma realidade mais profunda, escondida da vista, e
radicalmente diferente da manifestao apreendida na
observao. J o filsofo grego Demcrito, por exemplo,
afirmou que a realidade subjacente s aparncias consistia
em nada mais do que de tomos e vazios. Mentes, dessa
forma, seriam concebidas como sendo fundamentalmente
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Luiz R. C. Stern
materiais e suas marcantes capacidades funo de uma
notvel organizao da matria. Se as aparncias no
podem ser tomadas como certas, de que forma chegar
verdade sobre o mundo e que mtodo utilizar para adquirir
mais conhecimento? Essas perguntas tem sido o moto da
Epistemologia (teoria do conhecimento). Suponhamos que
o objeto de nosso estudo seja a natureza da mente.
possvel que a verdadeira natureza da mente, sua estrutura e
processos sejam diferentes das aparncias? Caso a resposta
seja sim, isso significa que a neurocincia e a psicologia
experimental podero render descries de estados internos
e processos radicalmente diferentes do entendimento
intuitivo dos estados mentais e processos interiores.
Trabalhos contemporneos conjuntos entre
estudiosos de Filosofia da Cincia e de Filosofia da Mente
nos Estados Unidos conduziram ao ponto de vista comum
de que teorias referentes natureza do conhecimento e sua
aquisio so limitadas por teorias empricas em
neurocincia e psicologia experimental.
Desenvolvimentos recentes no empirismo lgico
levaram ao questionamento a respeito do dogma empirista
de que existe uma diviso absoluta entre significados e
fatos, colocando em xeque a viso de filsofos de que a
soluo de problemas filosficos passava pela anlise de
significados. Para os filsofos da mente em particular, no
perodo de 1940 a 1970, o mtodo preferencial era de
analisar os conceitos comuns usados para falar sobre o
mental no sentido de obter respostas quer sobre a
verdadeira natureza do mental e de como diferia do fsico,
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Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
quer respostas mostrando que o problema original era
apenas uma incompreenso semntica. Segundo
Feyerabend, talvez todo o idioma comum que usamos
para falar de estados mentais e processos e da mente em
geral seja mal concebido e empiricamente viciado. O
questionamento da teoria lgica empirista teve profundas
implicaes na filosofia da mente, permitindo aos filsofos
que descobertas empricas na pesquisa da psicologia,
neurocincia, inteligncia artificial poderiam moldar e talvez
transformar a linguagem usada nos estados e processos
mentais.
As mudanas recentes produzidas no empirismo
lgico permitiram o desenvolvimento de uma concepo
naturalista na pesquisa da mente-crebro, na forma de uma
investigao emprica dos estados mentais e processos, suas
causas e efeitos. Essa abordagem leva a considerar a
possibilidade de uma teoria unificada da mente-crebro em
que estados e processos psicolgicos so explicados em
termos de estados e processos neuronais.
Pesquisadores da psicologia, neurocincia, filosofia
e de outros campos concluram que uma teoria unificada de
funcionamento da mente-crebro nunca ser elaborada e
que pelo menos alguns fenmenos psicolgicos esto alm
do alcance da neurocincia. O estudo de crebros, mesmo
no longo-prazo, no ser capaz de explicar como
aprendemos, lembramos, resolvemos problemas.
Experincia subjetiva, conscincia, raciocnio e mesmo
iluses visuais so mencionados como estando alm da
capacidade de explicao da neurocincia,
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Luiz R. C. Stern
independentemente de imprevisveis avanos e descobertas
futuras. Neste grupo esto os cticos que defendem que o
crebro to complicado existem neurnios e conexes
demais que a esperana de compreenso um sonho
inalcanvel, considerando que o crebro humano seja mais
complicado do que sabido e, portanto, que a neurocincia
no possa esperar, mesmo em longo prazo, compreender o
seu funcionamento. Esses pesquisadores podero estar
corretos. No entanto, trata-se de matria emprica e, at o
momento, no h evidncia que justifique sua sombria
previso. Pelo que se viu at os dias de hoje, o crebro
humano talvez seja mais sbio do que complicado.
Igualmente, impossvel antecipar que novas tcnicas ou
teorias possam surgir e, a esse respeito, o progresso na
neurocincia to imprevisvel como o de qualquer outra
cincia. Mesmo que surjam barreiras frente, precoce
demais afirmar que a neurocincia chegou a seu limite.
2.3.4.3 Uma perspectiva neurofilosfica: teorias do
funcionamento cerebral
Muito se sabe sobre a estrutura de sistemas
nervosos. O que no se sabe como funciona o sistema
nervoso de forma que um animal avista ou intercepta uma
presa, lembra o lugar onde apanhou nozes, e assim por
diante. Estamos comeando a compreender o
comportamento de um neurnio individual as
propriedades de sua membrana, do axnio, a
fenomenologia sinptica, seus padres de conectividade, o
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Materialismo Eliminacionista de Paul e Patricia Churchland
transporte de materiais intracelulares, seu metabolismo e
mesmo algo sobre sua migrao embriolgica e
desenvolvimento. Por outro lado, o estgio de
desenvolvimento da teoria de como agrupamentos de
neurnios operam muito diferente. Nesse caso, no h
um quadro de referncia terico aceito universalmente,
nem mesmo uma bem definida concepo de uma teoria
que explique eventos como controle sensoriomotor,
percepo ou memria.
A teorizao sobre funes cerebrais muitas vezes
considerada levemente depreciativa e, de qualquer forma,
perda de tempo talvez mesmo filosfica. Um
neurocientista, escolhido aleatoriamente numa reunio da
Sociedade de Neurocincia e inquirido sobre o papel da
teoria na disciplina, responder de uma das seguintes
formas: (1) o momento para teorias ainda no chegou, j
que no se sabe o suficiente a respeito dos detalhes
estruturais; (2) o que est disponvel atravs da teoria
muito abstrato, instvel e , de alguma forma, irrelevante
para a neurocincia experimental; (3) voc no recebe
verbas para esse tipo de negcio com macacos. No deixa
de ser verdade. Em pesquisa, h necessidade de atrair
verbas e de obter resultados. E, no mnimo, ao fazer
experimentos, as tcnicas, os mtodos e os procedimentos
so relativamente claros. No entanto, se a tarefa teorizar,
as tcnicas e mtodos so amorfos. No h rotinas
confiveis ou mtodos bem elaborados apenas a genrica
incitao de ter boas ideias. H, evidentemente, um
grande risco em dispender tempo e recursos no
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Luiz R. C. Stern
empreendimento, no sendo irracional adotar a poltica que
diz: deixe teorizar para os tericos.
Por outro lado, o valor da teoria est em que ela
motiva e organiza pesquisa experimental e uma boa teoria
abre portas para importantes resultados experimentais. Ao
evitar a teoria, corre-se o risco de a coleta de dados seja
aleatria e que os dados obtidos sejam triviais. Por vezes
acontece que uma pesquisa empreendida, no em virtude
de um programa mais amplo para o qual os resultados so
importantes, mas porque o pesquisador dominou uma
tcnica e h mais medidas que podem ser feitas. A
justificativa dada para a pesquisa de que talvez - pode
ser, ou seja, se. . . ento talvez . . . , e ento os resultados
podem ser importantes. A ideia de que todos os dados
so ou sero importantes um exemplo da falcia
indutivista. Segundo a estratgia indutivista, primeiro se
deve colher todos os dados e somente depois teorizar. De
acordo com Popper, o progresso na cincia raramente
feito dessa forma, mas cercando a Natureza com questes
especficas em mente, organizadas no contexto de
hipteses. Em geral, os melhores experimentos so aqueles
que geram importantes informaes, mas para desenhar
uma experincia, o pesquisador deve saber quais so as
perguntas acertadas a fazer. medida que o quadro de
referncia terico amadurece, a simbiose entre teoria e
experimento produz o florescimento de ambos e, quanto
melhor a teoria melhores os questionamentos submetidos a
teste experimental.
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Teorias no afloram espontaneamente da
multiplicidade de dados. Para explicar como agrupamentos
de neurnios atuam na coordenao de movimentos,
necessita-se da descrio funcional de operao da
estrutura, que no pode ser extrada dos dados dos
neurnios participantes, j que a sua interao no linear.
Embora haja reservas com relao teoria em
neurocincia, existe igualmente o crescente reconhecimento
da necessidade de teorizao. Caso a neurocincia
realmente se proponha a explicar como o crebro trabalha,
ento no poder ser avessa teoria. Deve apresentar mais
do que anatomia, farmacologia e fisiologia dos neurnios
individuais, mais do que padres de conectividade entre
neurnios. O que se exige so modelos em escala reduzida
de subsistemas e, acima de tudo, teorias em macro escala
do todo de funcionamento do crebro.
O princpio de referncia para o terico da mente
que no existe o homnculo. No existe no crebro a
minscula pessoa que v uma tela de TV interna, ouve
uma voz interior, l mapas topogrficos, pesa razes,
decide aes e assim por diante. Existem apenas neurnios
e suas conexes. Quando uma pessoa v, em razo dos
neurnios, individualmente cegos e estpidos, mas
apropriadamente orquestrados. Em parte, a explicao pela
duradoura presena da preconcepo do homnculo de
que a psicologia popular ainda fornece o quadro de
referncia terico no qual pensamos o nosso
comportamento complexo. Ainda compreendemos
perceber, pensar, controlar em termos do eu um eu
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Luiz R. C. Stern
esperto que executa o perceber, pensar e controlar. Exige
esforo lembrar-se que a esperteza do crebro explicada,
no pela esperteza do eu, mas pelo funcionamento da
mquina neuronal que o crebro.
Grosso modo, de acordo com Dennett, cabe
explicar a esperteza humana, no em termos de um
homnculo sabido, em regresso infinito, mas em razo
de amontoados de coisas estpidas adequadamente
orquestradas, ou seja, a esperteza como resultado de
estupidez bem organizada.
Em busca de uma teoria para explicar o