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1 O MUNDO E OS AUTÔMATOS Frederico Carlos de Sá Costa, Licenciado em História – UFMG; Mestre em Ciência Política – UFMG; Doutorando em Ciência Política – IUPERJ; Professor da Faculdade Metodista Granbery (Juiz de Fora/MG) e das Faculdades Integradas Padre Humberto (Itaperuna/RJ); Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa” da UFJF. [email protected] “Não sendo a liberdade um fruto de todos os climas, não está ao alcance de todos os povos.” J-J. Rousseau. Do Contrato Social, Livro III, Cap. VIII. I Há muito que grandes pensadores do Homem e da Sociedade Política vêm tecendo considerações e teorias a respeito da liberdade e seu oposto – ou ausência -, sempre observando o mundo que os cercava, com seus vícios e virtudes – mais vícios do que virtudes, frise-se bem -, e comparando-o a um ansiado mundo ideal, passado, futuro ou imaginário. As respostas destes clássicos não se prenderam às suas respectivas realidades históricas contendo, todas elas, um excedente de significação que as impulsionou vivas até

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O MUNDO E OS AUTÔMATOS

Frederico Carlos de Sá Costa,

Licenciado em História – UFMG;

Mestre em Ciência Política – UFMG;

Doutorando em Ciência Política – IUPERJ;

Professor da Faculdade Metodista Granbery (Juiz de Fora/MG) e das

Faculdades Integradas Padre Humberto (Itaperuna/RJ);

Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa” da UFJF.

[email protected]

“Não sendo a liberdade um fruto de todos os climas, não está ao alcance de todos os

povos.”

J-J. Rousseau. Do Contrato Social, Livro III, Cap. VIII.

I

Há muito que grandes pensadores do Homem e da Sociedade Política vêm tecendo

considerações e teorias a respeito da liberdade e seu oposto – ou ausência -, sempre

observando o mundo que os cercava, com seus vícios e virtudes – mais vícios do que

virtudes, frise-se bem -, e comparando-o a um ansiado mundo ideal, passado, futuro ou

imaginário. As respostas destes clássicos não se prenderam às suas respectivas realidades

históricas contendo, todas elas, um excedente de significação que as impulsionou vivas até

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nossos dias, onde se mantém como norte teórico de qualquer análise política que contemple

uma certa visão do Homem; bem, tais respostas carregam um pré-requisito comum a todas

elas: para se viver na liberdade ou para que se construa um ambiente sólido e duradouro de

liberdade é preciso que o mundo possua um tipo especial de Homem, com as características

apontadas como ideais por cada pensador.

A pesquisa dos clássicos conduz o leitor a uma questão inquietante, qual seja a de

que o mundo está, e quase sempre esteve, repleto de homens não-livres, sobre os quais se

assenta ou assentou a liberdade de alguns ou que deveriam ser guiados à liberdade e à sua

fruição ou vivência ativa; sob este prisma, os clássicos são dirigidos a um público

específico de atores políticos, de homens com capacidade de ação, com poder para exortar à

ação os outros homens rumo a um suposto bem supremo: a liberdade. Mas que tipo de

homem quer que tipo de liberdade? Que massa de homens não-livres deve abrir os olhos e

deslumbrar-se com a aurora da liberdade?

Um filósofo pode passar toda sua vida imerso em pesquisas e debates sobre o ser, o

nada, o tempo, a alma, ou outras questões metafísicas (como a liberdade) e chegar ao fim

de seus dias tendo como única e amarga certeza a constatação de que não avançou em seu

entendimento nem um milímetro além daquele ponto em que estava aos seus 20 anos de

idade, ao passo que um homem afeito ao trabalho braçal, repetitivo e monótono do campo

ou da fábrica, um robô de ossos e sangue, carne e fluidos, pode muito bem deitar em seu

leito de morte totalmente feliz com o absolutamente nada realizado além do que

transcendesse suas necessidades fisiológicas e escatológicas. Um tal autômato não só não

se interessaria por qualquer conceito abstrato ou intempestivo de liberdade, como

provavelmente viraria hostilmente as costas àqueles que o quisessem tirar de suas vidas

previstas e previsíveis porque, sim, agir positivamente exige altos custos de convencimento

próprio e alheio, retórica poderosa e dedicação vocacional exclusiva, ao passo que deixar-se

estar não exige quase nada, talvez apenas o silêncio.

Pois então para que e para quem é feita a liberdade? Porque todo este esforço em

trazê-la ao dia-a-dia dos homens? Os homens querem a liberdade? A persistência deste

debate leva a crer que ainda não se conseguiu transformar a massa de autômatos em

homens desejosos de liberdade; tendo isto posto e observado, proponho então que se exorte

os autômatos a permanecer como estão, no conforto de suas casas; que se assuma de uma

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vez por todas que a liberdade dos Homens não é um bem disponível para todos, como os

raios do sol, mas apenas para alguns poucos privilegiados; que se admita que a

obrigatoriedade da obediência e a perspectiva concreta de punição por desobedecer, são

mais eficazes do que longos e enfadonhos debates entre supostos homens livres e iguais;

que se perceba sem reservas que a ânsia dos autômatos é por igualdade, e não por liberdade,

e mesmo assim não por igualdade de acesso aos recursos sociais e políticos, mas por

igualdade de resultados, seja qual for o grau de diferenciação entre as diferentes habilidades

individuais, ou seja qual for o desejo de distinção pública; enfim, proponho que se assuma a

realidade do homem comum, que prefere a administração à política.

Por qual tipo de liberdade nos disporemos a dissuadir os autômatos de perseguir?

Claro está que é impossível neste espaço definir a liberdade em todos os seus aspectos,

desde os relacionados à liberdade do eremita – o homem fora do mundo -, até os complexos

mecanismos das sociedades de massa. O que se pretende nesta fase do esforço de manter a

liberdade como um bem para poucos, é delimitar algumas noções cardeais do conceito e

suas respectivas exigências (nenhum bem precioso é de fácil obtenção), para depois centrar

atenção nestas exigências, nos autômatos frente estas exigências e na invariavelmente

inexorável derrota de qualquer tentativa de se disseminar a vivência ativa da liberdade por

todo o corpo social.

Um importantíssimo corte a ser feito no tema refere-se ao locus da liberdade do

Homem. Não será aqui considerado como objeto de estudo a liberdade interior, do homem

fora do mundo, do místico, mas sim a liberdade enquanto “participação nas coisas públicas,

ou admissão ao mundo político”(1) isto não significando que as noções de liberdade em

relação à política não serão abordadas, pois estas guardam sempre uma ligação com a

esfera pública, mesmo que seja, no limite, ao nível de negá-la.

“A liberdade que admitimos como instaurada em toda teoria política e que mesmo os que louvam a tirania precisam levar em conta é o próprio oposto da ‘liberdade interior’, o espaço íntimo no qual os homens podem fugir à coerção externa e sentir-se livres. Esse sentir interior permanece sem manifestações externas e é portanto, por definição, sem significação política”.(2)

É esta liberdade, a do Homem, que exige seres especiais e despreza os autômatos,

por ser uma esfera de ação, de exposição e embate, inclusive de embates que podem

terminar em derrota, já que esta liberdade não tem uma meta específica a ser alcançada fora

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de si mesma, estando sua essência no agir, no movimento independente de seus resultados e

na interação de vontades igualmente livres. O conceito maquiaveliano de virtù(3) talvez

seja o que melhor ilustra a liberdade do Homem enquanto própria da ação e da resposta do

Homem aos desafios do mundo; são ações públicas com manifestações externas e respostas

públicas de um Homem que se expõe, que quer distinguir-se e ser reconhecido por seus

pares como livre(4).

Uma dicotomia clássica nos estudos sobre a liberdade é a relativa, nos dizeres do

célebre discurso de Benjamin Constant, à liberdade dos antigos versus a dos modernos. Nos

dizeres deste autor resumem-se duas visões opostas de liberdade, a dos antigos enfatizando

que “quanto mais tempo e forças o homem consagrava ao exercício de seus direitos

políticos, mais ele se considerava livre”, e a dos modernos, que reza que “a liberdade

individual é a verdadeira liberdade moderna”. A liberdade vivida pelos gregos é o exemplo

perfeito de uma liberdade existente apenas enquanto o Homem é cidadão e delibera na

praça pública entre seus pares, pois este não é um ato solitário, mas público, solidário e

demonstrável na ação política. O cidadão livre grego necessitava de uma libertação prévia,

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a libertação da esfera da necessidade, pois só um Homem que estivesse liberado das tarefas

da sobrevivência diária poderia deliberar com total concentração no bem público. É uma

contradição amplamente conhecida e debatida o fato da liberdade grega depender da

escravidão de uma grande parcela da população da cidade, mas esta contradição não nega a

liberdade grega como ligada exclusivamente ao político, pois o cidadão grego tinha seu

destino umbilicalmente ligado da cidade, para o progresso ou a ruína, a vida ou a morte, o

importante era o ente público – a polis – permanecer livre de qualquer jugo estrangeiro –

pois isto acarretaria a queda de todos os seus habitantes, livres e não-livres, já que uma

cidade subjugada era tida e havida como fonte de riqueza e de escravos -, ou de qualquer

tirano, que eliminaria a esfera pública onde o Homem era livre.

A liberdade do homem moderno é bem diversa, pois concentra-se exatamente na

possibilidade de não haver envolvimento com o político. No mundo moderno de grandes

cidades o cidadão não sente mais aquela ligação entre seu destino e o da cidade, a esfera

pública não mais lhe ocupa por inteiro. Santo Agostinho, desde a Idade Média, já ensinava

a separar a política da liberdade, tendo sido seguido por diferentes tradições de pensamento,

dentro da qual considero como relevante na dicotomia liberdade dos antigos versus dos

modernos, as proposições de John Locke. Dentro da escola do pensamento contratualista,

Locke procurava estudar a formação da sociedade política partindo de um suposto mundo

primevo natural, prosseguindo até a formação da sociedade civil, ou política. A liberdade

natural do homem poderia ser entendida como um momento negativo do conceito

Lockeano, pois preza a inexistência de fatores externos restritivos à ação ou disposição do

homem e ao uso de suas posses(5). Aqui não existiria subordinação ou submissão de um

homem frente outro homem.

A lei do Estado Natural é a razão (consultada pelo homem para si mesmo) que,

apesar de lhe permitir tal amplitude de possibilidades, não facultaria ao homem destruir a si

mesmo ou “a qualquer criatura que esteja em sua posse, senão quando uso mais nobre do

que a simples conservação o exija”(6) Esta liberdade traz consigo um dos traços distintivos

do Estado de Natureza lockeano, qual seja o de permitir que qualquer homem possa

executar a lei da natureza – a razão, que indica aos homens o caminho da cooperação – se

sentir que sua liberdade e/ou posses foram ofendidas por outrem; não há um poder externo

a todos, e sim a ação de cada um para proteger ou reparar eventuais danos sofridos. Locke

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admite que o gozo de tal liberdade é incerto e perigoso, dado cada homem ser juiz de si e

tender, naturalmente, a julgar o mundo segundo seus próprios interesses. A propriedade

(aqui entendida como vida, liberdade e posse) não se pode manter num contexto

potencialmente tão instável. Aqui pode-se identificar o momento positivo da liberdade em

Locke. Para proteger sua liberdade e propriedade, os homens consentem na criação de uma

sociedade civil (ou política) e no surgimento de um poder comum a todos que, ao invés de

absorver todas os direitos do homem natural, reclama apenas um: o de executor da lei

natural, de protetor da propriedade e liberdade, liberdade esta agora acrescida pela criação

da lei civil, seu instrumento garantidor; esta lei é comum a todos e aquele que infringe estas

leis civis vai de encontro à razão, colocando-se em antagonismo com toda a sociedade.

Se a um momento a liberdade grega possuía uma exigência, a servidão ou

escravidão doméstica, o Homem livre Lockeano também deveria cumprir um pré-requisito

a fim de ascender à liberdade pública: adquirir e acumular propriedade. Locke trata o

conceito de propriedade ora como sinônimo de vida, liberdade e posse, ora exclusivamente

como apropriação individual, e é este último sentido que nos interessa. Somente aquele

detentor de propriedade gozaria das prerrogativas de acesso ao político, pois este também

seria um Homem que não estaria preso à esfera da necessidade e que teria demonstrado ser

capaz de um alto grau de racionalidade, acumulando propriedade. Mesmo havendo um

limite natural à apropriação individual – o desperdício ou a impossibilidade do acesso à

terra por parte dos outros homens -, este é superado no próprio Estado de Natureza pela

invenção do dinheiro, que permitiu com que os excedentes produzidos não mais se

perdessem, sendo trocados pela moeda imperecível.

Em Locke, a liberdade individual conduz à apropriação individual e esta, ao

produzir seus efeitos acumulativos, variáveis segundo as diferente aptidões de cada um, cria

a liberdade do Homem, ou antes, define o tipo de Homem a usufruir da liberdade pública.

Enquanto no pensamento Lockeano temos que a liberdade induz à desigualdade de

propriedade, e esta definindo e limitando quem será cidadão, o pensamento de J-J.

Rousseau nos diz que apenas se é livre quando se é igual no plano moral e civil, quando

cada um dos membros do corpo social entrega todos os seus direitos a um corpo coletivo –

o Soberano -, pois só desta forma a força de todos poderia garantir a liberdade de cada um.

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O corpo moral coletivo, do qual todo cidadão é partícipe e ao qual doa

integralmente a si mesmo, é uma entidade sem governantes ou governados, onde todos são

absolutamente iguais e dependentes apenas da lei, que é proposta pelo Soberano, detentor

da exclusividade do poder legislativo, sendo assim um instrumento fiador da igualdade ente

os homens, submetidos, assim, apenas a si mesmos enquanto corpo moral coletivo. A

submissão de um homem a outro homem ou grupo de homens quebraria esta igualdade ao

eleger privilegiados (ou a criar os homens apropriadores de Locke) destruindo a liberdade,

pois instalar-se-ia o jugo de uma pessoa ou entidade situada fora do Soberano. A exigência

contida na liberdade Rouseauniana é a entrega do homem ao Soberano. As interpretações

totalitárias de Rousseau apegam-se a este fato, a esta doação de si ao corpo moral coletivo,

para aí ver o indivíduo totalmente escravo do corpo social, sem nada mais que lhe reste,

mas estas interpretações se esquecem que o próprio Rousseau, no Capítulo IV, do Livro III

do Contrato social diz que

“Relativamente o quanto, pelo pacto social, cada um aliena de seu poder, de seus bens e da própria liberdade, convém-se em que representa tão-só aquela parte de tudo isso cujo uso interessa à comunidade.”

Assim, o Soberano apossa-se, sim, do indivíduo, mas apenas daquilo que o

indivíduo se despoja, pois se o Soberano se apossasse de qualquer coisa além disso, de

qualquer coisa que não lhe interessasse, seria, aí sim, ilógico, imoral e totalitário. Esta

passagem também identifica a liberdade em Rousseau com a liberdade dos modernos, pois

abre a oportunidade à liberdade intelectual e religiosa frente o Estado, liberdade intelectual

por ser importante nos debates públicos em busca da Vontade Geral(7) e religiosa por já se

perceber aí um dos efeitos do pensamento Iluminista, qual seja o da separação entre o

Estado e a Igreja. Outro ponto que liga Rousseau aos modernos é o fato de que, enquanto

entre os gregos alguns poucos decidiam por toda a cidade, no mundo sonhado por Rousseau

todos os membros do Soberano ( ou seja, todos os indivíduos) seriam responsáveis

diretamente pela Lei, garantidora da igualdade moral e civil dos cidadãos. Em Locke temos

uma liberdade excludente, pois permite uma apropriação individual que se tornará o fiel do

cidadão (do Homem livre público), enquanto em Rousseau qualquer desigualdade material

que se torne aguda ao ponto de ameaçar a igualdade moral e civil dos indivíduos deveria ser

corrigida; Locke descobriu que o mundo é desigual por natureza e já enxergava os não-

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detentores de propriedade como seres não aptos à liberdade pública, já Rousseau, no século

seguinte, queria forçar todos os indivíduos a ser livres dentro da igualdade.

A última noção cardeal do conceito de liberdade a ser debatida, com suas exigências

e demandas de Homem, é a liberdade republicana, explorada e perseguida ao longo da ora

de Maquiavel. Neste autor, o conceito estudado é imanente à idéia de ação, de excelência

de respostas humana às oportunidades abertas pelo mundo político, ou, nas palavras de

Maquiavel, de virtù; haveria somente nas repúblicas livres o espaço que propiciaria o

desenvolvimento no homem as características da virtù, uma atitude de liberdade, um viver

cívico norteado pela vivência de um povo livre numa cidade livre. A leitura de Maquiavel

mostra-nos uma incansável ênfase na importância do agir e, mais ainda, no agir na direção

da liberdade. Um leitor hodierno de Maquiavel tenderia, ao ler a palavra “liberdade”, a

associá-la imediatamente à dicotomia liberdade dos antigos versus dos modernos, baseada,

como explicado acima, na oposição entre um indivíduo privado e livre em relação ao

Estado e um indivíduo livre apenas enquanto é cidadão e exerce sua cidadania. A liberdade

pensada por Maquiavel pressupõe o interesse e a efetiva participação do cidadão nos

negócios públicos, sempre em busca do bem comum. A ação pública dos cidadãos em

busca do bem comum manteria viva a esfera da ação dos Homens, e caso o interesse

privado atinja um patamar superior ao público, eliminar-se-ia esta esfera de ação onde o

Homem exerceria sua virtù. Mas Maquiavel não vê a liberdade republicana apenas

enquanto exclusiva do mundo público:

There are two principal benefits wich we can only hope to enjoy with any degree of assurance if we live as members of free states. One is civic greatness. (...) Machiavelli also insists, for example, that ‘it is easy to understand the affection that people feel for living in liberty, for experience shows that no cities have ever grown in power or wealth except those wich have been established as free states’. But there is another and even greater gift that free states are alone capable of bequeating with any confidence to their citizens. This is personal liberty, understood in the ordinary sense to mean that each citizen remains free from any elements of constraint (especially those wich arise from personal dependence and servitude) and in consequence remains free to pursue his own chosen ends. As Machiavelli insists in a highly emphatic passage at the start of Book II of the Discorsi, it is only ‘in lands and provinces wich live as free states’ that individual citizens can hope ‘to live without fear that their patromony will be taken away from them, knowing not merely that they are born as free citizens and not as slaves, but that they can hope to rise by their abilities to become leaders of their communities’ “.(8)

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Temos então que a liberdade republicana permite, ao contrário da vivida na

antigüidade grega, que o homem também seja livre no domínio privado, lado a lado com a

liberdade pública, vivida na ação pública de homens de virtù. Mas deve-se ter em conta que

a liberdade do privado é um produto da ação pública, e não o contrário; se todos os homens

abandonassem a esfera da ação política, o espaço público ver-se-ia esvaziado,

temerariamente exposto à sua ocupação por um tirano que, esmagando o espaço público de

ação política, teria facultada sua ingerência nas vidas privadas de cada um, podendo

apropriar-se dos bens ou das vidas dos outrora cidadãos. A liberdade republicana, a

excelência de ações, a virtù, exige, como se vê, um Homem que possua uma incansável

capacidade para o público, uma firme dedicação ao bem comum acima do individual, um

Homem excepcional que consiga impedir (ou, na realidade admitida por Maquiavel, adiar)

a perda da memória da liberdade.

Para o restante desta dissertação manteremos em mente apenas as considerações

feitas a respeito da liberdade dos modernos e da liberdade republicana, por serem as mais

apropriadas ao restante da discussão presente.

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II

As propostas de vivência concreta do abstrato conceito de liberdade trazem, como

vimos, exigências rigorosas a todos aqueles que se candidatam ao estatuto de Homem.

Entre os antigos gregos um pequeno número de cidadãos dependia da escravidão de grande

parte da polis e isso mesmo tendo-se em vista que a assistência da assembléia nem sempre

contava com todos os cidadãos, pois nem todos podiam ou queriam ser cidadãos em tempo

integral; a liberdade pública, ou o direito à cidadania, a ser Homem, observado em Locke

traz consigo o condicionante da propriedade, pois não se entendia um indivíduo de

racionalidade inferior – não cooperativo e acumulador de propriedade, condenado à

alienação perpétua de seu mais precioso e último bem, sua capacidade de trabalhar -, como

apto a eleger-se à esfera pública; Rousseau exigia que o indivíduo doasse tudo de si ao

Soberano, que decidiria o que e quanto tomar em vista do interesse geral, advindo daí a

necessidade de absoluta confiança de todos indivíduos uns com os outros e de cada um com

o Soberano, para que se pudesse realizar esta doação de si sem receio de engodos; e

Maquiavel queria um homem com virtudes excepcionais, que lutasse pela manutenção da

esfera pública de ação cívica e que agisse com excelência frente os desafios da fortuna, seja

pela prudência, construindo diques para conter ou direcionar seu trânsito irrestrito(9), seja

pela impetuosidade, visto que “a fortuna é mulher e, para dominá-la é preciso bater-lhe e

contrariá-la; e é geralmente reconhecido que ela se deixa dominar mais por estes do que por

aqueles que procedem friamente”(10).

A questão é: onde encontraremos homens com todas estas habilidades e todo este

desprendimento, ou melhor, onde e quando acharemos quem queira ter ou descobrir dentro

de si mesmo estas características tão especiais, num mundo onde o interesse privado joga

com o tempo pela supremacia de sua lógica sobre o bem comum?

Pode-se identificar em Rousseau e Maquiavel um pessimismo comum no que

concerne à ação do tempo sobre as sociedades humanas. Ambos reconhecem, cada um a

seu modo, a inescapável corruptibilidade dos regimes políticos, mesmo dos melhores, e

admitem que os interesses particulares, cedo ou tarde, vencem o interesse público e em que

o melhor que se faça apenas adia a morte do corpo político. Rousseau, no Capítulo XI do

Livro II do Contrato Social exprime seu desencanto aceitando a decadente realidade

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humana dizendo que “para ser bem sucedido não é preciso tentar o impossível, nem se

iludir com dar à obra dos homens uma solidez que as coisas humanas não comportam”.

Rousseau considera que o melhor indício de saúde do corpo social é a capacidade dos

cidadãos reunirem-se em assembléia sempre que queiram e sem possibilidades de qualquer

interferência por parte do Governo(11), pois é na assembléia reunida que se encontra o

poder, e neste espaço o governante é um igual entre iguais; já Maquiavel vê na combinação

da virtù do homem excepcional com a virtù do povo o único meio para se adiar a corrupção

de uma república. Mas tal adiamento não evita o fim inexorável pois o homem comum do

mundo, o autômato, não possui qualidades excepcionais, nem se dispõe a comparecer a

assembléias, é um ser que se move pelo conforto. O governo de muitos degenera para o

governo da ralé (ou eclocracia, como diria Rousseau) ou para o governo de poucos (os

aristocratas ociosos de Maquiavel ou qualquer oligarquia), a virtude sucumbe à corrupção,

esta é a vida da realidade do chão dos homens comuns; os indivíduos “servem com a

bolsa”(12), e até mesmo elegem representantes que sabidamente irão trabalhar em interesse

próprio quando no Governo. As assembléias gerais Rousseaunianas podem prevenir e

impedir a usurpação do poder, mas não sua degenerescência, pois os homens se cansam,

entediam-se, preferem o conforto à ação, a segurança ao embate público.

Talvez este efeito não seja, no limite, tão maléfico, pois separa aqueles que querem

distinguir-se, aqueles que tem preferências fortes e decididas, da maioria que prefere o

resguardo do silêncio passivo(13), da maioria de preferências manobráveis que só é apta a

manifestar-se em época eleitorais, mesmo assim dentro dos parâmetros fixados pela

minoria de Homens que define a agenda política. A memória da liberdade é tênue e perde-

se com facilidade, e em seu lugar aloja-se muito mais solidamente o gosto pela confortável

não-liberdade.

Maquiavel nos ensina que um povo se corrompe, perde sua virtù e liberdade, apenas

uma vez, sendo impossível resgatá-la, a não ser que surja um homem extraordinário

(duplamente extraordinário, acrescentaria) que, além de lutar pelos valores públicos e

cívicos, fá-lo-ia por uma massa de autômatos que pouco se importaria com isso; e mesmo a

ação deste homem sumamente extraordinário só resistiria enquanto durasse sua vida, já que

após sua morte a possibilidade de vir a suceder-lhe um ser igualmente excelso é nula,

mergulhando o autômato de volta à sua acolhedora imobilidade pública. Este grande

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Homem, ademais, ver-se-ia face a dois impasses(14): reformar o corpo social por etapas,

lutando contra a resistência dos cegos autômatos incapazes de enxergar sua miséria

iminente; ou reformar o corpo político por inteiro, para isso tendo que dele apossar-se pela

força e violência, criando-se aí o paradoxo insuperável de querer promover virtude cívica

pelo uso da violência no espaço público. Frente a isto, seria mais racional para o Homem

desistir dos autômatos e viver entre seus iguais, livres e separados da massa de

autômatos(15).

Tanto Maquiavel quanto Rousseau, séculos depois, consideram a desigualdade

como um dos fatores preponderantes no advento da corrupção dos regimes políticos. Então,

mesmo estes autores vilipendiando a desigualdade, consideram-na, tanto quanto a

corrupção, inevitável. Maquiavel vê os povos que não tem aristocratas (segundo sua

definição, sempre vivendo no ócio) como mais propensos ao clima da liberdade; bem, mas

se o cidadão de um estado livre pode ter a certeza de que seu patrimônio não será

arbitrariamente saqueado, possui também a liberdade de, em vista desta segurança,

trabalhar pela aquisição de mais bens e riqueza, visto todo homem querer progredir. Como

cada ser humano possui uma capacidade de trabalho diferente, há aqueles que conseguem

melhores resultados do que a maioria, e a progressão destes resultados produz os ricos, seja

por seu efetivo sucesso, seja pelo fracasso da maioria; os ricos se aristocratizam e

contratam os pobres para que estes lhes façam o trabalho produtivo em troca de alguma

remuneração ou proteção.

O crescimento desta desigualdade era inevitável, tanto no século XVI quanto hoje

em dia. No mundo de absoluta igualdade moral e cívica imaginado por Rousseau, temos as

assembléias do Soberano como momento legislativo do corpo social; sendo a atividade de

legislar dependente do debate, e tendo cada um o direito de expressar sua preferência, é

natural que surjam nestas assembléias indivíduos que tenham preferências mais sólidas que

outros e que sempre estejam presentes no debate, seja por suas preferências, seja por seu

desejo de distinguir-se. Estes indivíduos, mesmo nesta assembléia de iguais, destacam-se

por sua oratória e retórica e acabam por se tornar em referências dentro do corpo social e

suas posições fatalmente tendem a influenciar as demais. Assim como no tocante à

capacidade de adquirir e acumular patrimônio, no mundo político há aqueles que são mais

hábeis na esfera pública, e estas pessoas inevitavelmente se destacarão da maioria e serão

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por ela seguidas. Esta desigualdade, tanto quanto a econômica, surge naturalmente, e seria

um erro ostracizar um Homem porque ele é melhor do que os demais, porque seu talento o

distingue dos outros, erro tão grande quanto o de excluir do corpo social aqueles que obtém

sucesso econômico, pois isso desestimularia a todos em relação ao trabalho, condenando a

coletividade ao atraso.

No pensamento de Locke pode-se encontrar uma visão de mundo e das sociedades

políticas mais próxima do resultado concreto das interações do dia-a-dia. Em sua visão do

homem Locke, a meu ver, privilegia a realidade tal qual ela se apresenta antes seus olhos.

Não existe, aqui, uma exortação à ação cívica, nem o espaço público está aberto a qualquer

um que demonstre possuir qualidades excepcionais, lembremo-nos que a barreira da

propriedade circunscreve severamente os candidatos à ação política.

Ao contrário de Maquiavel, não encontramos neste momento nenhuma exigência de

ações dotadas de excelência cívica, tomando a política, comparativamente, um viés mais

administrativo, já que a esfera da ação pública, imanente à liberdade republicana tal qual

vista por Maquiavel, é ocupada por uma instância, um tipo de Estado – ou sociedade

política, nas palavras de Locke -, que assume o papel primordial de gendarmaria e, mais, de

gendarmaria de um grupo de indivíduos cujo objetivo político não é manter uma suposta

“grandeza cívica”, mas apenas permanecer livre para interagir na direção da apropriação

individual.

No mundo de Locke não é mais necessária a virtù do povo, pois este agora está

preso numa espiral viciosa (ou virtuosa, dependendo do ponto de vista) de busca infrutífera

por propriedade num mundo (após a criação do dinheiro) já de escassez, de alienação

perpétua de sua capacidade de trabalho em troca de um salário e de, em virtude disso tudo,

posicionamento político subalterno. Homens subalternos não podem possuir virtù, são

incapazes disso na medida em que sua racionalidade só lhes permite pensar na

sobrevivência física e na medida em que o modo instrumental com que são tratados

perpetua esta postura. Ao pensar neste “povo”, Locke lhe atribui um papel político apenas

ao perceber a possibilidade de rebelião armada e mesmo assim esta possibilidade é dúbia,

pois

“Se bem que insista, em seu Tratado, quanto ao direito da maioria à revolução, não lhe parece passar pela cabeça que a classe operária pudesse ter o direito de fazer uma revolução. E na verdade não há razão

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pela qual isso pudesse lhe passar pela cabeça, de vez que para ele [Locke] a classe operária era assunto de política estatal, assunto administrativo, em lugar de ser igualmente uma parte da comunidade de cidadãos.”(16)

Se o povo não está mais no político, mas na administração, surge o pressentimento de que

aqueles detentores do direito à revolução são apenas aqueles poucos componentes do corpo

político, aqueles indivíduos cuja propriedade se veria ameaçada pela perversão de uma

sociedade política não mais preservadora do direito natural de apropriação individual, seja

por permitir a pilhagem por parte dos não-proprietários, seja por querer criar leis que

contenham promessas substantivas de acesso à propriedade(17), promessas tais que, ao

invés de manter o mundo aberto ao direito apropriativo de cada um, transferiria este direito

à sociedade política, ou, em termos atuais, leis que permitissem a expansão do Estado. Se

na Renascença Italiana Maquiavel pensava no povo como aquele a quem o governante

deveria sempre estar ao lado, tanto por ser um inimigo invencível, quanto por precisar de

sua virtù para a manutenção da liberdade, em Locke este povo está afastado de qualquer

tipo de mundo político ou público; o povo Maquiaveliano é político, age por sua liberdade

pública e privada, enquanto o povo Lockeano é objeto de administração e está

condicionado, desde aquele primeiro instante lógico em que o primeiro homem alienou sua

capacidade de trabalho até os dias modernos, a não agir, mas a receber, receber um salário

que lhe permita sobreviver e criar sua prole.

Quando pensamos em Rousseau confrontado a Locke, nos parece que aquele autor

dialogava com o Segundo Tratado sobre o Governo enquanto escrevia o Segundo Discurso

e o Contrato Social. A criação da propriedade e a perpetuação de seus efeitos na sociedade

civil é o primeiro passo, segundo Rousseau, para a formação de uma comunidade

corrompida, onde estariam cristalizados todos os vícios do mundo natural, limitando

indefinidamente as chances de liberdade dos homens, presos que estariam à arbitrariedade

dos outros homens. No estado natural de Rousseau não existia propriedade, mas posse, que

era a apropriação de algo da natureza com vistas ao consumo ou sobrevivência, sendo a

propriedade sua perversão. A delimitação do “meu” e do “teu” é o primeiro passo da

sociedade corrompida Rousseauniana, mas é vista por Locke como um momento racional e

sadio de retirada da natureza comum de algo que sofreu um acréscimo advindo do trabalho

humano. É interessante perceber que os efeitos progressivos da apropriação individual e do

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dinheiro – a escassez e a criação de duas categorias de homem -, tiveram um início

reputado como de consentimento mútuo e tácito.

C. B. MacPherson interpreta este tema partindo do princípio de que, num mundo

com poucas terras disponíveis, o consentimento quanto à criação do dinheiro (com suas

conseqüências apontadas acima) traria a benesse de garantir aos homens não-proprietários

uma chance concreta de vida. A apropriação privada da terra, ou sua retirada do mundo

comum a todos, produziria um incremento de sua capacidade produtiva, pois “aquele que

cerca um pedaço de terra e tem maior volume de conveniências da vida retirado de dez

acres do que poderia ter de cem abandonados à Natureza, pode dizer-se verdadeiramente

que dá noventa acres aos homens”(18), assim, a apropriação individual ilimitada assume

um caráter positivo, ao garantir uma vida melhor a todos. Temos então que a prova de fogo

da apropriação individual não é a liberdade política, mas a sobrevivência; não é a ação

pública, mas a satisfação da fome. Todos os homens, desta maneira, consentiram com a

criação do dinheiro (com suas implicações inevitáveis) tendo em vista o bem maior

almejado, qual seja o da vida, isso tudo em detrimento da liberdade.

O tipo de Homem que Maquiavel quer ver – público e ativo -, ou o que Rousseau

sonha – livre na sua condição de absoluta igualdade moral e civil -, sucumbe ao homem

real, de carne, osso e necessidades. É este homem que abre mão da liberdade pela comida,

que inverte a fórmula virtuosa “a liberdade é mais importante que o pão”, para “o pão é

mais importante que a liberdade”. E este homem não se rebelará enquanto seu estômago se

mantiver saciado, e isto é sabido pela classe de Homens livres e proprietários. Uma malta

de homens não-livres não se revolta contra uma elite livre, pois a liberdade exige risco e

exposição, e seus custos podem incluir a derrota, a fome ou a morte, e é inegavelmente

mais confortável para esta maioria de autômatos beber água de uma goteira do que arriscar-

se a derramar um odre cheio. Repete-se a questão: porque dar um presente não desejado,

quem o quiser que o conquiste; os homens não-livres não querem outro Cavalo de Tróia.

O percurso do homem através do tempo prova que a tolerância dos autômatos à

carestia é grande. Em primeiro lugar habitua-se com um determinado grau de subsídios à

sobrevivência; quando estes subsídios ocasionalmente escasseiam, abre-se mais um furo no

cinto e segue-se a vida, até o ponto em que quem só comia brioches passa a considerar o

pão duro como a melhor das iguarias. O problema surge quando até o pão duro acaba.

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Neste momento materializa-se frente o autômato um cálice com duas partes de uma única

bebida: uma parte de libertação e outra parte de liberdade, e é sempre árduo definir “onde

termina o mero desejo de libertação, de ser livre de opressão [e das necessidades impostas

pela fome], e onde começa o desejo de liberdade, como opção política de vida”(19).

O autômato, em seu limite último de tolerância, efetivamente reage, mas contra o

que? Qual seria o grau desejado de libertação da opressão, e de que opressão se trata,

afinal? Em Da Revolução, Hanna Arendt analisa a Revolução Americana enfatizando o

peso que a libertação civil trazia consigo e, em contrapartida, lança seu olhar sobre a

Revolução Francesa e o peso que lá representou a libertação da fome, da necessidade

orgânica. Esta autora aponta na Revolução Americana esta demanda por libertação civil,

mas toma o cuidado de também esclarecer o fato de que esta predominância do civil é, em

grande medida, facultada pela resolução da esfera da necessidade e miséria pela existência

dos escravos, que em momento algum foram sequer levados em consideração neste

momento fundador(20); temos aqui uma revolução com a força do novo e a instauração da

liberdade, mas tudo isto com um público alvo muito bem definido, de homens brancos

livres. Esta libertação da opressão civil não foi, quem sabe até hoje ainda não seja, para

todos, decididamente, e, numa paródia com os antigos gregos, a liberdade civil e pública

pede o preço da escravidão.

Numa sociedade não-escravista não se pode contar com estes “pré-requisitos” pró-

liberdade civil, surgindo no topo das prioridades a questão da necessidade, pois a fome é

imperiosa e lança os homens num mundo de cegueira total, onde qualquer coisa é válida

para que se garanta a paz de estômago(21). Via de regra os homens não fazem revoluções

por liberdade, mas por fome, e, sabedores disto, todos aqueles que lideram ou pretendem

liderar uma revolução vitoriosa (em direção à liberdade) devem levar isto em conta, devem

prometer uma melhora nas condições físicas de vida, para conseguir angariar seguidores ou,

melhor ainda, soldados; quando isto se dá, estes dois tipos de homem se unem para, deste

modo, alcançar, cada um, seus objetivos. A libertação, para os autômatos, pode se

conseguida, se pensada a nível de opressão civil, com uma monarquia ou outro tipo

qualquer de governo elitista (de minorias) que permita festas populares ou outros tipos de

patuscada pública, enquanto a libertação da necessidade, da fome, pode ser obtida até

mesmo em governos de tipo despótico, desde que, é claro, o tirano não seja um maníaco

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genocida. Mas a liberdade pública, a segunda parte do cálice, exige para si a construção de

uma forma especial de governo, uma república, sem escravos ou servos, por ser o único

ambiente a permitir a “liberdade como opção política de vida”. Poucos homens beberão o

cálice até a última gota, a maioria deles saciar-se-á com a primeira e mais óbvia metade, o

resto ficará apenas para os verdadeiramente sedentos.

Hanna Arendt cita Robespierre refletindo sobre os rumos da Revolução Francesa

dizendo: “haveremos de perecer, pois na história da humanidade, perdemos a ocasião

oportuna de fundar a liberdade”(22). Mas porque esta ocasião foi perdida? Por que os

autômatos já tinham retornado às suas casas, porque já tinham se rebelado contra o

“império absoluto de seus corpos”(23), o estômago, se ainda não estava totalmente

domado, estava ao menos apaziguado. Esta república não teve fôlego para manter os

homens na arena pública para além da fome, fazendo-se a si mesma um mundo preenchido

pelo novo; uns poucos ocupavam o mundo da ação tanto antes quanto depois da morte do

rei; mudaram os nomes, é verdade, mas o direito e a vontade de agir permaneceram

privilégio de poucos, e os outros retiraram-se, sim, pois o estômago cheio produz

sonolência e modorra, e os autômatos saciados foram dormir.

Em outro ponto de seu Da Revolução, Hanna Arendt acusa Marx de “enfatizar mais

do que qualquer outro a doutrina politicamente mais perniciosa da Idade Moderna, ou seja,

que a vida é o bem maior, e que o processo vital da sociedade é o próprio centro do esforço

humano”(24). Em primeiro lugar, para o homem de ação é ótimo que assim se pense, pois

isto depura o mundo político de uma enorme e indesejada massa amorfa que, além de não

se interessar a ingressar no público, poderia deixar-se seduzir por algum eventual a tirano,

homens sabidamente habilidosos em lidar com massas inermes. Em segundo lugar, tal

doutrina politicamente perniciosa não encontraria tanto eco se não fosse sempre mais

confortável e seguro viver com a despensa cheia e o espírito vazio. Se a um momento

temos que a perpetuação da pobreza nunca produz homens livres, e que os miseráveis

suportam a rudeza da fome e o insulto do esquecimento, temos que num segundo instante,

vivido numa sociedade produto do mundo real, de desiguais, os insultos podem ser

esquecidos se a contrapartida da rudeza for satisfeita; a imagem é recorrente, mas vale

ressaltar: é mais confortável um mundo de administração do que um de política.

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Não se pode admitir como valor universal, e portanto como anseio coletivo

indiscutível, um conceito de tão árdua delimitação como a liberdade. Discutir libertação já

é uma tarefa menos complexa, pois isto apresenta demandas concretas, substantivas e

facilmente identificáveis. As pessoas podem desejar uma ampliação (ou implantação) do

direito de ir e vir ou do direito de reunião, e podem consegui-lo sob um monarca absolutista

ou sob os duques de Veneza, e isto sem que sejam, ou desejem ser, livres no mundo

público. O povo pode demandar e conseguir comida e bem-estar social, mesmo num

regime de cunho autoritário, haja vista encontrar-se sentimentos nostálgicos quanto a certas

ditaduras até os dias de hoje. Mas para que se viva a liberdade pública, do Homem, é

preciso ter coragem para matar os filhos de Brutus, e esta tarefa é para poucos e não se

presta ao status de anseio coletivo. Um mundo de desigualdades e que produz homens

melhores e homens piores(25), mais ou menos aptos, precisa ser vivido com menos

ingenuidade ou, no limite, menos cinismo, pois é desonesto pregar um conjunto de

elevados ideais como se fora um manual de instruções cívico. A libertação da necessidade

pode ser dada a grandes massas de homens, pelo menos o suficiente que lhes mantenha as

entranhas apaziguadas, mas a liberdade só pode ser conquistada, pois a vivência deste

conceito exige uma série de atributos que não são administráveis como um remédio

qualquer, antes sendo um elemento próprio da natureza individual de cada um.

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III

No reino dos irracionais as espécies se perpetuam e fortalecem segundo Darwin,

pelo processo absolutamente inescapável da seleção natural, onde os mais fortes

sobrevivem aos enormes riscos da infância, chegam à fase adulta e acasalam-se para, assim,

passar adiante estes genes de vencedor, de sobrevivente. Os salutares efeitos destas

interações de morte, vida e morte (a morte é sempre predominante) são por todos

conhecidos e louvados; é um grande benefício para uma manada em migração ter seus

filhotes mal-nascidos e seus velhos e doentes abatidos por predadores de ocasião, assim

como os efeitos assépticos de um banquete de hienas são louvados por onde quer que se

discuta a vida animal. Os fracos e debilitados sempre são mortos ou indiferentemente

abandonados à morte, é a lei da natureza, simples e saudável, e ninguém sequer pensa em

querer ver leões devorando gnus adultos, saudáveis e vigorosos e evitando respeitosamente

violar com seus dentes o asilo de senis ou a creche da manada, ao contrário, espera-se

sempre a ação impessoal, imperiosa e, acima de tudo, necessária do predador.

O ser humano enquanto gênero alcançou tamanho grau de conquista sobre o mundo

que conseguiu livrar-se destes efeitos benéficos da seleção natural, atuantes sobre a

individualidade débil para manter um conjunto fortalecido. Os progressos da medicina e da

higiene garantiram a perpetuação e alastramento do homem por todos os pontos do globo,

indiscriminadamente, não mais se teme a morte violenta nas patas de um predador e grande

parte das doenças que atormentaram a humanidade por séculos, como a tuberculose, sífilis

ou leptospirose, estão dominadas e quase extintas e o único inimigo do homem é o próprio

homem, mas isso não é mais seleção natural, mas problema de administração pública ou

caso de polícia. Bem, que resta então à espécie vencedora? Parece-me que usufruir destes

progressos e esquecer a “saudade do deserto”(26).

O mundo está repleto de homens medianos e satisfeitos, criadores e mantenedores

de uma atitude mediana, comedida e sensata, tudo dentro dos mais respeitáveis cânones de

proteção às famílias, de santificação da maternidade, esperança na infância e respeito aos

decanos e suas cãs; é este homem que sente-se feliz em sua segura e acolhedora casa, longe

do temível deserto das incertezas da ação pública. Este tipo de homem foi derrotado nas

provas apresentadas pela seleção natural da liberdade, e esta derrota não comporta lenitivos

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de cunho medicinal ou sanitário, antes sendo total e irreversível. Assim como não se espera

que um animal doentio sobreviva, não se pode esperar que tal homem ingresse em qualquer

tipo de atividade deliberativa pública, pois neste espaço ele seria uma maçã podre, um

elemento que poderia contaminar a saúde cívica dos outros integrantes do espaço de ação

pública.

Enquanto o Homem vencedor se expõe e age, o autômato mantém a liberdade como

uma abstração não representável no dia-a-dia das ações humanas, como uma utopia

totalmente fora do real e lá mantida intencional e racionalmente, pois o autômato prefere o

conforto do relaxamento e do descanso à tensão constante da incessante ação pública, são

os sedentários frente os nômades. O autômato possui uma característica que o distingue

definitivamente do Homem, qual seja sua necessidade premente por respostas e certezas, e

esta característica impõe firmemente a necessidade de sua manutenção fora do espaço

público, pois as certezas só são encontradas na religião(27), na paralisia da ação ou na

morte que, no limite, são uma só e mesma coisa para o Homem. A religião é grandemente

confortável ao autômato, pois fornece (melhor seria dizer obriga) um único caminho para a

salvação ou felicidade ( ou seja lá o nome que se dê à vida de recompensas eternamente

projetadas no futuro), poupando-o do esforço de escolher, defender e construir sua escolha.

O autômato , que já não queria fazer nada, encontra assim uma justificativa, a

melhor possível, Deus, para assim permanecer, idealizando no pós-vida sua “vitória”,

qualquer que seja sua vida real, pública, humana, de ente saciado. Este tipo de homem, que

deforma e anatematiza o mundo da liberdade pública, é absolutamente desnecessário ao

espaço do Homem, um local de incertezas, sim, mas de ação constante e busca permanente,

não por respostas paralisantes, mas por novos caminhos e novas vivências de liberdade. Por

que então não dar a este tipo de homem tudo que ele deseja: religião, certezas, respostas,

regulação social exógena, ordem cristalizada, proteção física e pão? Desta maneira os

autômatos mantém-se felizes (seu principal objetivo) e os Homens preservam seu precioso

e seleto espaço de ação, com um público de iguais, reservado apenas para os que lá

ascenderam. A liberdade não chega até os homens, antes os homens chegam até ela, por

suas ações e méritos, e não por obra e graça de instâncias heteronômicas. Algum Homem

ingenuamente altruísta que queira ensinar aos autômatos os caminhos da liberdade logo

perceberá o quão frustrante e inútil é seu esforço; assim como não se pode secar o mar com

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um conta gotas ou fazê-lo sangrar às chicotadas, não se pode dar ou ensinar aquilo que é

para ser descoberto ou aprendido por esforço e trajetória individual. Não se ensina virtù, ela

é de homens excepcionais; não se impõe igualdade absoluta, ela é para deuses; não se dá

propriedade a todos, ela é fruto do trabalho e das habilidades de cada um, como já admitia

Locke; não se faz uma revolução por civismo, mas por fome, pois qualquer que seja a

bandeira revolucionária, é sempre a fome o seu estopim. O homem comum, o autômato,

troca prazerosamente sua liberdade por segurança, por uma côdea de pão, e esta troca deve

ser incentivada sempre, deve ser a prova de fogo daqueles que querem a liberdade pública,

o mundo da ação e distinção, do acaso, do incerto e do súbito.

O autômato é um ser de causas imaginárias e que escolhe deliberada e

conscientemente um tipo de postura que o alija de qualquer possibilidade de ascender a um

tipo de liberdade pública, ativa e civil, é o extremo vicioso do privado e da independência

da política, é um ente com atitude política nula e orgulhoso desta nulidade. Para o Homem,

esta postura significa decadência, pois implicaria na perda de tudo aquilo que é prezado,

tido e havido como digno de um ser político, daquele ser que fez, como diz Hanna Arendt,

da liberdade sua “opção política de vida”. O autômato vê a liberdade pública como uma

entidade fora do humano não passível, portanto, de ser alcançada ou vivida pelos seres

humanos reais do cotidiano; este agir público é sempre remetido a alguma esfera pouco

tangível, normalmente associada com alguma idéia de autoridade, mas não de autoridade

como uma manifestação concreta de seu agir de liberdade, mas sim enquanto esfera de

poder dissociada de sua vida e também não ligada a ele, autômato, por laços de

responsabilidade pelos efeitos retrospectivos e prospectivos de suas ações; o autômato

prefere não ter responsabilidade pelos atos da esfera executiva, assim como abre mão da

responsabilidade que esta esfera para com ele teria, pois, repito, é sempre mais cômodo

ficar em casa e apegar-se ao silêncio e a uma autoridade que ordene incondicionalmente e

lhe dite as regras, caminhos e resultados a esperar.

O começo deste trabalho ressaltava que um ponto comum presente na teoria política

clássica era a necessidade, antes a exigência, de um tipo especial de homem, de um

excedente de humanidade em cada um que pretendesse alcançar o tipo de liberdade que

aqui se discutiu. Este Homem especial deveria ter em mente o ideal de conseguir fazer do

mundo um espaço pleno das virtudes da liberdade pública, pois a ele causaria espécie e

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incômodo ver-se cercado por uma grande maioria de pessoas não-livres. Uma tal visão da

humanidade vislumbra pastores e rebanho, pessoas que devem ser guiadas por outras mais

capazes, rumo a uma vivência política de liberdade; seria uma tarefa análoga a de fazer com

que o rebanho retirasse o focinho do pasto e olhasse o horizonte. Tal como tentei enfatizar

ao longo desta dissertação, esta tarefa não é de fácil execução, pelo contrário, por ser tão

difícil e ingrata revela-se como melhor opção o abandono do rebanho a si mesmo e à sua

modorra e seguir em frente com seus pares. A insistência da literatura em teoria política na

construção de formas virtuosas de vivência social e cívica serve para enfatizar cada vez

mais como os homens comuns são pouco dispostos a isto, como a ação pública é onerosa e

como os autômatos são passivos, verdadeiras crias do tédio. Que se abandone, pois, a

arrogância de se considerar que alguns tem algo a ensinar a muitos e que se abandone,

também, a ingenuidade de achar que esses muitos querem aprender alguma coisa.

NOTAS:

1)Arendt, Hanna. Da Revolução, pg. 26. 2)Arendt, Hanna. Entre o Passado e o Futuro, pg. 192. 3)Maquiavel enfatiza energicamente ao longo de toda sua obra que homens de virtù são homens excepcionais. 4)Mais adiante retornarei a este tema. 5)Mais adiante retornarei aos conceitos de posse e propriedade. 6)Segundo Contrato sobre o Governo § 6. 7)”Há comumente muita diferença entre a vontade de todos e a vontade geral. Esta se prende somente ao interesse comum, a outra ao interesse privado, e não passa de uma soma das vontades particulares. Quando se retiram, porém, dessas mesmas vontades, os a-mais e os a-menos que nela se destroem mutuamente, resta, como soma das diferenças, a vontade geral”. Rousseau – Contrato Social. 8)Skinner, Quentin. The political ideal of republican liberty 9)Maquiavel, Nicolau. O Príncipe. 10)Idem. 11)”Que será pois, o Governo? É um corpo intermediário estabelecido entre os súditos e o soberano para sua mútua correspondência, encarregado da execução das leis e da manutenção da liberdade, tanto civil como política”. Rousseau – Contrato Social. 12)Rousseau. Do Contrato Social. 13)O silêncio pode ser ativo, de protesto, como aquele das vítimas das perseguições do Macartismo nos EUA da década de 50. 14)Maquiavel, Nicolau. Discorsi. Cap. 17, Livro I. 15)Algo como descrito na República, de Platão, onde identificar-se-ia os homens que tivessem ouro, prata ou ferro em suas almas, colocando-se cada um para viver entre seus pares, chegando-se ao ponto de incentivar a procriação apenas entre os “homens de ouro”. 16)Macpherson, C. B. A Teoria Política do Individualismo Possessivo. Pg. 236.

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17)Este debate é atualíssimo, visto contemplar a dificuldade de se prometer prosperidade econômica pela lei, sem levar em conta que a prosperidade é o resultado de uma miríade de interações descentralizadas e espontâneas, e não um mero desiderato do legislador. 18)Locke. Segundo Tratado sobre o Governo, §37. 19)Arendt, Hanna. Da Revolução, pg. 26 20)Considero até mesmo o uso deste termo como um tanto anacrônico, pois “fundação”, no sentido Maquiaveliano do termo, implica em instauração da liberdade num ambiente de igualdade de todos a perante a lei. 21)Uma obra de ficção literária de grande força e que retrata, mesmo com a existência de um personagem-símbolo da esperança, o enorme peso escatológico da vida humana é “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago. 22)Arendt, Hanna. Da Revolução, pg. 48. 23)Idem. 24)Idem. Pg. 51. 25)Nunca é demais ressaltar que falamos aqui todo o tempo em homens políticos, públicos, e não em aptidões individuais ou morais. 26)Nietasche, Friedrich. Genealogia da Moral. 27)Por uma questão de comodidade e adequação ao presente trabalho, entendo “religião” como sinônimo de “religião cristã”.

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