o novo mundo pelo olhar dos cronistas espanhóis (século...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
MARIA EMÍLIA GRANDUQUE JOSÉ
O Novo Mundo pelo olhar dos cronistas espanhóis (século XVI)
CAMPINAS 2017
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): FAPESP, 2012/20827-4; CAPES
Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387
Granduque José, Maria Emília, 1985- G765n GraO Novo Mundo pelo olhar dos cronistas espanhóis (século XVI) /
Maria Emília Granduque José. – Campinas, SP : [s.n.], 2017.
GraOrientador: Leandro Karnal. GraTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Gra1. Crônicas. 2. Experiência. 3. Espanha - História - Séc. XVI. 4. América - História. I. Karnal, Leandro,1963-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.
Informações para Biblioteca Digital Título em outro idioma: The New World through the spanish chroniclers's vision (XVI century) Palavras-chave em inglês: Chronicles Experience Spain - History - 16th century America - History Área de concentração: História Cultural Titulação: Doutora em História Banca examinadora: Leandro Karnal [Orientador] Luiz Estevam de Oliveira Fernandes Eliane Cristina Deckmann Fleck Anderson Roberti dos Reis José Alves de Freitas Neto Data de defesa: 21-02-2017 Programa de Pós-Graduação: História
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
A Comissão Julgadora dos trabalhos da Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 21/02/2017 considerou a candidata Maria Emília Granduque José aprovada. Prof. Dr. Leandro Karnal (UNICAMP) Prof. Dr. Luiz Estevam de Oliveira Fernandes (UFOP) Profa. Dra. Eliane Cristina Deckmann Fleck (UNISINOS) Prof. Dr. Anderson Roberti dos Reis (UFMT) Prof. Dr. José Alves de Freitas Neto (UNICAMP) A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo da vida acadêmica da aluna.
Para o Leandro
Agradecimentos
“O que ilumina o mundo e o torna suportável é o habitual sentimento que temos
dos nossos laços com ele, e, mais particularmente, do que nos liga aos seres. Somos feitos
para viver ligados aos outros”. Tomando emprestado estas palavras do escritor argelino
Albert Camus, presentes nos Cadernos, gostaria de agradecer os laços firmados com
algumas pessoas na trajetória desta pesquisa. São esses laços, sem nenhuma dúvida, que
me fizeram seguir adiante desde o ingresso no doutorado até os dias finais da elaboração
deste trabalho.
Por isso, quero agradecer ao meu orientador Prof. Dr. Leandro Karnal pela
oportunidade de desenvolver este estudo, pelos encontros sempre produtivos, pelas
referências de livros, sugestões e conselhos relativos ao tema, pelo imenso apoio nas
horas em que surgiram dúvidas e inseguranças. Agradeço, especialmente, pela
generosidade com seus alunos.
Agradeço ao Caio Granduque, pelo companheirismo, pela torcida, pelo apoio nos
momentos mais difíceis. Obrigada por caminhar ao meu lado desde sempre, não por
sermos irmãos, mas por sermos amigos.
Tenho profunda gratidão aos meus pais, pelo apoio durante todo o tempo passado
em Campinas e, depois, em Salamanca, pelo auxílio nos diversos momentos, pelo
incentivo e por compreenderem a minha ausência nesse período.
Agradeço imensamente ao Leandro Alves, pelo carinho, pelas conversas, pelas
sugestões e pela leitura final. Agradeço, imensamente, por estar sempre comigo.
Agradeço aos amigos Ana Carolina Machado, Eduardo Ruz Torres, Ricardo
Amarante e Tiago Pires que não deixaram afrouxar os laços criados nesse tempo. Devo
agradecer à Ana Carolina, principalmente, por estar sempre disposta a me ajudar nos
momentos em que estive ausente.
Um especial agradecimento à Profa. Dra. Ana María Carabias Torres, que me
acolheu carinhosamente e me supervisionou durante o período de estágio sanduíche
realizado junto à Universidade de Salamanca. Agradeço, ainda, à Danielle Mercuri pela
amizade nos quatro meses passados na Espanha.
Gostaria de agradecer, igualmente, aos professores, José Alves Freitas Neto e
Luiz Estevam de Oliveira Fernandes, pela leitura e pelas sugestões na banca de
qualificação.
Agradeço às amigas do pensionato em Barão e, em especial, à Edilene, por
sempre nos ajudar nas dificuldades de viver fora de casa.
Agradeço à CAPES pelo financiamento inicial com bolsa concedida no Brasil e
em Salamanca, quando realizei o estágio sanduíche com bolsa PDSE; e à FAPESP, por
financiar quase todo o período desta pesquisa.
Agradeço, por fim, à UNICAMP pela excelência do ensino, aos funcionários da
secretaria de pós-graduação de História do IFCH e aos funcionários da Biblioteca
Octávio Ianni.
A história é uma atividade de conhecimento e não uma arte de viver; é uma particularidade curiosa da profissão de historiador. Paul Veyne
RESUMO
Palavras Chave: Espanha; Século XVI; Crônica; Experiência; Novo Mundo.
Muitos cronistas espanhóis que começaram a escrever sobre as descobertas e as conquistas reservaram espaço em suas obras para reportar ao Velho Mundo características peculiares do ambiente natural observado na América. Ao descrever essas características, os cronistas buscavam contar aos europeus, ao contrário do que diziam os antigos pensadores, que a região localizada nos trópicos não só era habitável, por conter um clima ameno e uma grande diversidade de vegetais e de animais, mas também habitada por gentes que se assemelhavam a eles. Com ênfase nas impressões dos cronistas redigidas a partir de suas experiências nas viagens, esse estudo pretende examinar em que medida as crônicas, ao discutir a existência de uma nova parte do mundo, ajudaram a atualizar as referências dos espanhóis quanto à configuração geográfica da Terra. Desdobrando o papel desses escritos para a compreensão do mundo natural, o presente trabalho também averigua a relação do anúncio das terras descobertas com o aparecimento de novos trabalhos a respeito da navegação marítima, da cartografia, da cosmografia, da fauna e da flora.
ABSTRACT
Keywords: Spain; XVI century; Chronicle; Experience; New World.
Many Spanish chronicles who started writing about discoveries and conquests left space in their works to report to the Old World specific characteristics of the natural environment seen in Americas. When writing such characteristics, the chronicles, in contrast to what prior thinkers used to say, wanted to tell the Europeans that the region located in the tropics was inhabited not only due to a mild climate and a large variety of plants and animals, but also inhabited by people who were like them. Emphasized on the feelings of the chroniclers written from their trip experiences, this study aims to examine how much the chronicles, discussing the existence of a new part of the world, could help update the references from the Spaniards as for geographical shape of the Earth. Unfolding the paper of these writings for the understanding of the natural world, the present work checks the relation of the announcement of discovered lands with appearance of new works about sea navigation, cartography, cosmography, flora and fauna.
SUMÁRIO Introdução.....................................................................................................................13 Parte I A escrita 1. Escrever para lembrar....................................................................................................18 1.1 O caso Francisco López de Gómora e Bernal Díaz del Castillo..................................22 1.2 Para ganhar glória e riqueza.........................................................................................24 2. A escrita na sociedade espanhola do século XVI.........................................................27 2.1 A escrita e a imprensa..................................................................................................30 2.2 Permitir e proibir..........................................................................................................33 3. A história e a crônica.....................................................................................................39 4. O fazer histórico.............................................................................................................47 4.1 O compromisso com a verdade....................................................................................52 5. Os modos de escrita.......................................................................................................56 6. Ver e ouvir na narrativa sobre as Índias.........................................................................64 6.1 Uma nova maneira de ler as fontes..............................................................................71 Parte II O saber 1. Contar as novidades.......................................................................................................75 2. O saber pela experiência................................................................................................84 3. O debate entre antigos e modernos................................................................................91 3.1 Fim das velhas crenças................................................................................................98 3.2 Anões sentados em ombros de gigantes.....................................................................102 4. Pintura do mundo.........................................................................................................105 4.1 O elogio das riquezas naturais...................................................................................109
4.2 Os segredos da terra...................................................................................................115 4.3 O impacto dessas novidades......................................................................................119 5. A Coroa e o ordenamento dos novos saberes..............................................................127 5.1 Consejo Real y Supremo de Indias............................................................................129 5.2 Jardins botânicos........................................................................................................138 5.3 Casa de Contractación..............................................................................................140 5.4 Academia Real de Mathematica................................................................................143 6. Plus Ultra: ir mais além...............................................................................................146 6.1 Ilustrar as conquistas pelas armas e pelas letras........................................................152 Conclusão.....................................................................................................................160 Referências bibliográficas......................................................................................164 Biobibliografia...........................................................................................................178 Anexos...........................................................................................................................183
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INTRODUÇÃO
No Sumario de la natural historia de las Indias, publicado em 1526, Gonzalo
Fernández de Oviedo apresenta as primeiras informações recolhidas sobre as
características físicas do continente descoberto.1 Descreve, em poucas páginas da obra, os
habitantes encontrados nas Índias, a vegetação, os animais terrestres e marítimos, os rios
e os mares, entre outros aspectos que julgou importante serem anunciados. Segundo o
cronista,
[...] porque é uma das coisas mais dignas de ser sabidas e ter por grande veneração, por tão verdadeiras e novas aos homens desse primeiro mundo que Ptolomeu tinha em sua cosmografia; e tão distantes e diferentes de todas as outras histórias dessa qualidade, que por ser sem comparação esta matéria, e tão singular, tenho por muito bem empregado minha vigília, tempo e trabalho que me custaram para ver e anotar essas coisas [...]2.
Gonzalo de Oviedo não foi o primeiro e não seria o último cronista dessa época a
assinalar em seu relato as prodigiosas matérias vistas e observadas pelos espanhóis
durante a estada nas Índias. Seguindo os seus passos, outros cronistas noticiaram o que
experimentaram nessas viagens, mas, se não foram tão específicos em suas narrativas
como o autor do Sumario – que elaborou ainda uma segunda obra para descrever com
mais detalhes as matérias naturais dessa região – contribuíram para comunicar aos
europeus as descobertas, as conquistas e os novos conhecimentos derivados da
experiência nessas novas terras.
1 No Sumario de la natural historia de las Indias, Gonzalo de Oviedo apresenta as suas impressões iniciais das duas viagens feitas às Índias. É o primeiro esboço da sua obra maior, a Historia general y natural de las Indias, que escreve posteriormente, após passar mais vezes pelas novas terras e ter um contato maior com o ambiente natural descrito. 2 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias. México: Fondo de Cultura Económica, 1996, p. 274. Grifos meus.
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Os espanhóis que escreveram sobre essas novidades, tanto os participantes das
expedições rumo à América quanto aqueles nunca presentes no Novo Mundo, utilizavam
a escrita não apenas como meio para exibir os esforços empreendidos durante as viagens,
mas também para divulgar o que viram ou ouviram falar a respeito dessas regiões. Nas
reportagens produzidas por esses cronistas ao longo do século XVI, conquanto os temas
variassem conforme o ofício desempenhado por cada autor, os conteúdos abordados
sempre discorriam sobre duas matérias principais: as histórias gerais e as histórias
naturais. As histórias gerais reportavam as guerras e os conflitos ocorridos durante o
processo de conquista, as características dos povos da América – suas crenças, hábitos,
línguas e costumes – e as demais ações desempenhadas pelos espanhóis. Já as histórias
naturais descreviam a geografia, a qualidade da terra, o clima, a vegetação, os animais, os
rios e os mares que lá haviam encontrado. Na história construída pelos cronistas em
questão, ganhavam espaço, portanto, os relatos das vitórias nos campos de batalha e o
inventário dos aspectos naturais observados durante as viagens.
A preocupação desses letrados em elaborar esses dois tipos de histórias já é
evidente no título de duas crônicas consideradas expoentes da narrativa acerca da
América. São elas: Sumario de la natural historia de las Indias e a Historia general y
natural de las Indias, ambas escritas, como acima mencionado, por Gonzalo Fernandez
de Oviedo. Outras crônicas, embora não tenham a palavra “natural” em seu título, como a
Historia general de las Indias, composta por Francisco López de Gómora, reservam uma
parte expressiva de suas páginas para relatar os aspectos naturais e as características
físicas da terra.
Partindo de um dos dois eixos, o das histórias naturais, este trabalho busca
examinar em que medida essas crônicas ajudaram a atualizar as referências partilhadas
pelos espanhóis acerca da configuração geográfica do mundo. Mais precisamente, foi o
destaque dado aos aspectos naturais que possibilitou a formulação da seguinte questão
que conduz este estudo: como os escritos dos cronistas espanhóis contribuíram para
traduzir aos europeus um Novo Mundo. O foco, pois, da presente pesquisa é mostrar o
papel das crônicas espanholas para a edificação de um saber concernente às terras
descobertas que abriu caminho para muitos estudiosos formularem novos trabalhos a
respeito da navegação marítima, da cartografia, da cosmografia, da fauna e da flora. Em
15
outras palavras, enfatizando a produção dos cronistas de vista, daqueles que valorizavam
a sua experiência como recurso para a autenticação do relato, as páginas seguintes
procuram averiguar a relação entre a produção cronística e o agenciamento de um novo
campo de saber.
Para responder a essas questões, a primeira parte do trabalho visa mostrar como
os cronistas utilizaram a escrita para registrar essas novidades anunciadas a partir do
início dos descobrimentos. Logo no início, o trabalho aborda o gênero textual definido
por esses cronistas, a história-crônica, bem como as regras que deveriam ordenar a
escrita, destacando o compromisso de narrar a verdade e de contar os fatos conforme eles
ocorreram. Por isso, não se deixará de ressaltar que, dependendo do lugar onde se
encontrava o cronista, o relato poderia ser elaborado de duas formas diferentes; de um
lado, havia a confecção desse material amparada no testemunho ocular de seus autores,
de outro, existia uma escrita de gabinete, elaborada por quem nunca esteve nas Índias,
mas que quis relatar a história da presença espanhola nesse território. Será abordado, por
fim, em que medida a escrita baseada no testemunho do cronista tornou-se valorizada
pelos espanhóis para divulgar um conjunto de saberes referente ao Novo Mundo.
Na segunda parte deste estudo, a meta é refletir sobre esses saberes apreendidos
pelos espanhóis durante as viagens de descoberta realizadas no século XVI. De saída,
serão mostradas as motivações desses cronistas que buscavam contar “coisas nunca vistas
e nunca ouvidas”, segundo afirmam em seus relatos, aos leitores que não puderam
presenciar todas aquelas novidades. Nesse processo de transmissão, a experiência
vivenciada na América é evocada como forma de legitimar as informações veiculadas nas
crônicas, informações que, muitas vezes, contradiziam certos saberes consolidados no
pensamento europeu. A partir dessas questões, os pontos a serem debatidos tratam
especificamente da imagem que esses cronistas construíram sobre o ambiente natural do
Novo Mundo, melhor dizendo, tratam das características físicas desse mundo recém-
descoberto que passava a ser, por meio desses primeiros relatos, pouco a pouco,
apresentado aos europeus. Nessa altura, com a finalidade de investigar o papel das
crônicas na atualização de um conjunto de referências que definiam o mundo conhecido
pelos homens dessa época, será discutida a participação da Coroa espanhola na ordenação
do conhecimento difundido conjuntamente com a revelação das descobertas, aqui já
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mencionadas. Na sequência, será debatido como a Coroa se valeu dessas conquistas no
campo do saber, aliadas às conquistas territoriais, para construir a boa imagem da
monarquia que se erguia nesse contexto das grandes navegações.
Para examinar a promoção por parte da Coroa desses saberes, o presente estudo
utiliza uma série documental que já foi anunciada, a história-crônica. Como se verá ainda
neste estudo, os letrados utilizavam os vocábulos “história” e “crônica”, entre os séculos
XV e o XVI, para nomear os escritos históricos. Dessa forma, tanto a crônica que integra
a nossa série – como a Crónica de Perú (Pedro Cieza de León) – e as histórias – como a
Historia verdadera de la conquista de Nueva España (Bernal Díaz del Castillo), a
Historia general de las Indias e a Historia de la conquista de Mexico (Francisco López
de Gómora), a Historia general y natural de las Indias (Gonzalo Fernández de Oviedo) –
pertencem ao mesmo gênero de escrita. No que se refere aos demais textos elencados,
como as Cartas de Relación (Hernán Cortés) e o Sumario de la natural historia de las
Indias (Gonzalo Fernández de Oviedo), embora pertençam a outro grupo de documentos,
seus autores partilham das mesmas regras da escrita e tratam das mesmas matérias que as
crônicas referidas. Vale destacar ainda que todas essas obras foram aqui examinadas,
especialmente as elaboradas pelos cronistas de vista, por abordarem as matérias relativas
às descobertas naturais de maneira mais ostensiva e ordenada.
Junto a esses documentos, outros, porém, também ajudaram a pensar as questões
lançadas neste estudo, como os tratados de navegação, os tratados de cosmografia, as
sumas de geografia e as relações naturais. Todas essas obras contribuíram para a reflexão
sobre a escrita que aparece nesse período em decorrência dos descobrimentos. Já os
tratados ou manuais de história, utilizados especialmente na primeira parte do trabalho,
serviram para se entender as bases que sustentavam a narrativa sobre o passado, ou
melhor, as regras que orientavam a escrita e a elaboração da história e da crônica como
gêneros utilizados para registrar os eventos. Quanto às narrativas épicas, mencionadas na
parte final do estudo, foram importantes para mostrar como os escritos elaborados na
Espanha desse período estiveram alinhados na divulgação das conquistas alcançadas pela
monarquia e pelos espanhóis durante as grandes navegações no século XVI.
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Para que haja um melhor entendimento sobre a série documental aqui utilizada,
este trabalho traz em anexo uma biobibliografia com dados importantes sobre os cronistas
e suas obras, como a data e o local das primeiras edições, e um breve inventário das
edições modernas. Essa parte foi incorporada ao trabalho para mostrar que as crônicas,
além de contarem histórias, também possuem a sua própria história, daí ser necessário
conhecer a trajetória desses escritos desde o seu primeiro aparecimento. Outro anexo traz
fragmentos transcritos das crônicas que compõem a série documental com o objetivo de
evidenciar os motivos elencados pelos cronistas para a escrita da obra, a justificativa dada
para a escolha do tema e o pedido final para que o texto seja recebido e aprovado pelo rei.
Mediante, pois, a análise do corpus documental mencionado acima principal, este
estudo, em síntese, propõe-se a investigar qual o papel dessas crônicas na atualização das
referências que os espanhóis dessa época partilhavam sobre o mundo conhecido.
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PARTE I
A escrita
Escrever para lembrar
O medo do esquecimento obcecou as sociedades europeias da primeira fase da modernidade. Para dominar sua inquietação, elas fixaram, por meio da escrita, os traços do passado, a lembrança dos mortos ou a glória dos vivos e todos os textos que não deveriam desaparecer. (Roger Chartier)
Em 1550, o soldado espanhol Pedro Cieza de León termina a primeira parte de
sua obra composta sobre a história da conquista do Peru. Ao declarar, no proêmio da
Crónica del Perú,3 os motivos que o levaram à escrita, comenta que é justo o mundo
todo saber de que maneira as gentes das Índias foram livradas da influência do demônio e
incorporadas à santa Igreja pelo esforço catequético dos espanhóis. Na sequência das suas
razões, afirma que o propósito da sua obra é também deixar registrada a memória dos
fatos relacionados à história do Peru com a finalidade de divulgar aos tempos vindouros
3 A obra de Pedro Cieza de Léon é composta por quatro partes: El libro de las fundaciones, El señorío de los incas, El descubrimiento y conquista del Peru, Las guerras civiles del Perú. A primeira parte da Crónica del Perú foi publicada, em 1553, e El Señoría de los Incas aparece impressa tardiamente, em 1888. A terceira parte veio ao conhecimento do público, em 1949, e a quarta parte contém fragmentos impressos no século XIX. Segundo Asunción Rallo, Pedro Cieza de Léon permaneceu durante quinze anos no Peru, entre 1535 e 1550, sob as ordens de Alonso de Cáceres e Jorge Robledo, na condição de soldado. Deixou uma das mais completas obras sobre a história do Peru, “desde sus antecedentes prehispánicos hasta las guerras civiles de XaquiXoquana”. RALLO GRUS, Asunción. Humanismo y Renacimiento en la literatura española. Madrid: Editorial Síntesis, s/d, p. 218.
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tanto o passado dessa região quanto a dimensão das terras conquistadas pela coroa real de
Castela.4 Acerca desses propósitos, o cronista explica:
[...] em todas as partes por onde eu andava, ninguém se ocupava em escrever nada do que se passava. E o tempo consome a memória das coisas, de tal maneira que se não for por rastros e vias prazerosas no futuro não se saberá com verdadeira notícia o que se passou.5
Cieza de León receava que “andando o tempo”, as “conquistas e os descobrimentos tão
venturosos” ocorridos na América fossem perdidos, como ocorreu com “outros Estados e
monarquias” do passado. 6 A sua escrita seria uma forma de preservar os ganhos
alcançados no tempo do “grande Carlos, imperador dos romanos, rei e senhor”7 e salvá-
los do esquecimento, assim, garantindo que as próximas gerações conhecessem os
eventos ilustres desse período. Igual preocupação com a preservação dos fatos é citada
por Bernal Díaz del Castillo8 na História verdadera de la conquista de Nueva España,
com data incerta de 1558. De acordo com esse soldado, o propósito da sua obra é fixar
“os feitos e façanhas” que os espanhóis promoveram para que sejam “escritos com letras
de ouro” e, “ao cabo dos anos”, não sejam esquecidos.9 De maneira não tão direta, o
capitão Hernán Cortés deixa sugerido nas suas Cartas de Relación, enviadas ao monarca
espanhol Carlos V, entre 1519 e 1521, que pretende registrar as “grandes e assinaladas
vitórias” dos conquistadores durante a passagem pelo México por serem “dignas de
perpétua memória”.10
4 Todas as referências aos trechos retirados das fontes foram convertidas para o português com o intuito de facilitar a leitura do trabalho. 5 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú. Venezuela: Fundación Biblioteca Ayacucho, 2005, p. 11. 6 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 17. 7 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 17. 8 No que se refere à Historia verdadera de la conquista de Nueva España, escrita pelo soldado Bernal Díaz del Castillo, julgo importante mencionar o recente trabalho do historiador francês Christian Duverger, intitulado Cortés et son double: enquete sur une mystification. Nesse estudo, Duverger questiona a autoria de Bernal Díaz ao mostrar, com diferentes razões, a inviabilidade de esse soldado ter escrito a Historia verdadera.... Sua pesquisa, contudo, atribui a Hernán Cortés a paternidade da referida obra ao considerar que, estando impedido pela coroa de escrever e publicar suas memórias, o conquistador compôs essa versão dos fatos se passando por um soldado fictício que integrou a expedição no México. 9 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 576. 10 CORTÉS, Hernán. Tercera Carta de Relación. Cartas de Relación. Madrid: Dastin, 2003, p. 193.
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A maneira como esses cronistas construíram a história da conquista da América
no século XVI, por meio de crônicas, histórias, cartas ou relatos de viagem, revela um
dos traços estruturantes da escrita que vinha sendo promovida no continente europeu
desde os meios letrados, como o universo da corte, até nos segmentos da sociedade em
que as letras eram pouco cultivadas. Esses textos, que começaram a ser escritos em
universos tão diferentes, apresentam uma história envolvida pelo mesmo interesse de
reportar aos leitores presentes e futuros as maravilhas vistas e vivenciadas durante as
viagens, bem como as proezas empreendidas pelos espanhóis no Novo Mundo. Mais
precisamente, as numerosas páginas – em que esses autores relataram as características
físicas e naturais com certo tom de deslumbramento, os costumes cotidianos das gentes
americanas, os ritos e as crenças que tanto surpreenderam a coroa levaram-na a promover
a conversão dos indígenas e, não menos importante, as riquezas naturais e minerais
encontradas nas regiões exploradas – serviam, pois, para justificar que a descoberta e a
conquista da América pelos espanhóis foram eventos grandiosos e dignos de serem
lembrados. Referindo-se a uma parte desses eventos, a conquista do México, o clérigo
Francisco López de Gómora chega a afirmar, na sua Historia de la conquista de Mexico,
de 1552, que esse episódio “pode e deve estar entre as histórias do mundo, porque foi
bem feito e porque foi muito grande [...] não no tempo, mas nos feitos”.11
A ideia preconizada nesses relatos sobre as Índias, de que a escrita garantia a
imortalidade das suas ações, tem amparo na própria concepção da história como uma
forma de registro valioso das obras realizadas em cada época. A escrita da história seria
um recurso utilizado tanto pelos historiadores de ofício quanto pela maioria de cronistas
não profissionais que, por vezes, conciliaram a espada com a pena ao considerar que
somente assim os seus feitos ecoariam no tempo. Tal crença estava ligada à definição
celebrada pelo tratadista Juan Paez de Castro, segundo a qual, “nenhuma memória é mais
durável do que a história”, porque nenhuma outra pode estar “presente em todo o mundo
como a Escrita, que Deus quis que fosse a memória das memórias”.12 Os cronistas, dessa
forma, buscavam a obtenção dessa memória eterna dada aos grandes varões do passado
para que vivessem, tal como esses, nos livros e nas histórias a eles dedicadas. Francisco 11 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia de la conquista de Mexico. Venezuela: Ayacucho, 1979, p. 4. 12 PAEZ DE CASTRO apud José Sala Catalá, 1992, p. 47.
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de Gómora, a esse respeito, comenta o valor da história para a permanência dos homens
ao compará-la com os territórios conquistados. Segundo ele, “cedo ou tarde”, acabam-se
os “reinos e as heranças”, que dão aos homens elevado reconhecimento, “por falta de
casta ou por caso de guerra”.13 A história, contudo, “dura mais” do que esse conjunto de
bens, porque “nunca faltam amigos que a renovem”, como mostram os exemplos do
passado trazidos por ele: “os reinos e as linhagens de Nino, Dario e Ciro que começaram
os impérios de assírios, medos e persas, terminaram, mas duram seus nomes e fama nas
histórias”; assim como “os reis godos de nossa Espanha com Rodrigo feneceram, mas
seus gloriosos feitos nas crônicas vivem”.14
O compromisso de compor histórias para assegurar a perpetuidade de seus feitos
vinha conjugado, todavia, com a crítica de que os espanhóis estavam mais empenhados
em manusear as suas armas do que suas penas. Não apenas Pedro Cieza de León reclama,
na passagem indicada, de que faltavam escritores para contar os eventos no Peru, mas
outros cronistas e letrados espanhóis, igualmente, lamentam o pouco trato dos espanhóis
com as letras. Pedro de la Vecilla Castellanos, autor da obra poética El león de España,
de 1586, declara que os espanhóis sempre foram “mais aplicados” nas armas do que no
“sossego das letras”, mesmo que os dois ofícios sejam necessários para a manutenção do
império.15 Já o padre e historiador Juan de Mariana não só reitera essa queixa ao dizer
que “Espanha foi mais abundante de façanhas que de escritores”, como ainda comenta
que a razão que o moveu a escrever a sua Historia general de España, publicada, em
1601, foi a “falta que dela tinha na Espanha”.16
Pode-se dizer, assim, que os conquistadores espanhóis passam a redigir as suas
histórias sobre os acontecimentos americanos também motivados a suprir a falta de
escritores que deveriam registrar essas conquistas. O resultado dessa tarefa foi o
florescimento, na Espanha, ao longo do século XVI, de uma importante produção
impulsionada pelas novas descobertas e elaborada, primordialmente, por esses
participantes que atuaram em diferentes funções nas Índias. Uma produção que chega aos
13 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia de la conquista de Mexico, p. 3. 14 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia de la conquista de Mexico, p. 3. 15 VECILLA CASTELLANOS apud VEGA, María José; VILÀ, Lara (Dirs), 2010, p. 133. 16 MARIANA, Juan de. Prólogo del autor. Historia general de España. Madrid: Imprenta y librería de Gaspar y Roig. Editores, 1855, p. 3.
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meios letrados europeus após circular manuscrita e impressa divulgando, para todos os
cantos, as façanhas promovidas pelos espanhóis, a saber, a descoberta de um Novo
Mundo, a conquista dessas terras e o domínio das gentes que lá habitavam. Dessas
produções que marcam a escrita dessa história, duas obras chamam atenção pelo modo de
narrar esses eventos: a Historia de la conquista de México, publicada, primeiramente, em
1552, pelo clérigo Francisco López de Gómora, e a Historia verdadera de la conquista de
Nueva España, escrita, anos depois, pelo soldado Bernal Díaz del Castillo.
O caso Francisco López de Gómora e Bernal Díaz del Castillo
A Historia de la conquista de Mexico, segunda parte da Historia general de las
Indias, é a primeira a apresentar, com exceção das correspondências anteriores de Hernán
Cortés, os episódios ocorridos durante a tomada do México pelos espanhóis. Seu autor,
Francisco López de Gómora, partilhava da ideia de que as conquistas alcançadas pelos
homens de cada época teriam pouco valor se a história não as registrasse em suas páginas
e tornasse-as publicamente conhecidas. Sugere, assim, que aqueles que “descobrem e
povoam” novas terras, como os espanhóis na América, devem “perpetuar seus nomes” na
história por julgar que os feitos promovidos pelas armas precisam se prolongar nas letras.
Mas, aconselha Gómora, como a história não se encarrega de mencionar a todos, “faça
cada um por sua conta”, assegurando, assim, que as obras memoráveis não caiam no
esquecimento.17 Gómora recomenda, pois, que os homens de ação contratem escritores
para comporem uma história baseada em documentos verídicos e em testemunhos
confiáveis que realcem as suas proezas e os seus empreendimentos. Não é por acaso que
a sua História de la conquista de México seja o resultado de um pedido feito pelo próprio
Cortés a esse historiador para que ele escrevesse o evento detalhando as batalhas, os
acordos e as estratégias que levaram à vitória dos espanhóis. Segundo dados da época, o
clérigo teria recebido um pagamento pelo serviço realizado durante os sete anos, 1540 a
1547, passados ao lado de Cortés, em Valladolid, colhendo informações para a
17 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia de la conquista de México, p. 312.
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composição dessa história.18 De modo apologético, Gómora não só descreve momentos
importantes da trajetória de Cortés, desde o seu nascimento até o fim da vida, como busca
fazer de seu relato um registro das proezas desse conquistador, fato que lhe rendeu
críticas lançadas por outros autores e, possivelmente, a censura real, outorgada, em 1553,
pelos oficiais da coroa.19
Bernal Díaz del Castillo, que se intitula ser o “mais antigo dos conquistadores de
Nueva Espanha”,20 também compõe uma versão para contar os episódios ocorridos na
conquista do império mexicano, a Historia verdadera de la conquista de Nueva España.
Mas, à diferença da história de Gómora aqui referida, a narrativa desse soldado é fruto do
seu próprio testemunho durante o tempo em que integrou a empresa militar formada
pelos espanhóis. Mais precisamente, a história de Bernal Díaz concentra as suas
memórias – depois de transcorridos mais de quarenta anos do término do evento – sobre
“o que viu e o que se encontrou lutando”21 nessas terras. O contato com as obras já
prontas de Gómora e de outros historiadores, como Gonzalo de Illescas e de Paolo
Jovio,22 contudo, levou esse soldado a tecer comentários discordando do modo como
haviam construído as suas histórias. Para Bernal Díaz, tais autores, a exemplo de
Gómora, elevaram Hernán Cortés à condição de personagem central desse evento e
permaneceram calados com relação aos demais participantes que, como ele, também,
trabalharam para a vitória no México. Em vista disso, decide prolongar com seu relato de
forma a corrigir essa omissão:
O que vejo nesses escritos e nas suas crônicas é somente um elogio a Cortés e um silêncio e encobrimento de nossas ilustres e famosas façanhas [...]. Posto que Dom Hernán Cortés em tudo foi muito valoroso e esforçado capitão, é certo que se deva contar entre os muitos
18 Segundo Jorge Lacroix, é possível imaginar “que el ambiente de la residencia del conquistador estaba impregnado de la historia de la conquista, y que éste, a cada paso hacía reminiscencias de todo lo acaecido, tanto de sus victorias como de sus descalabros, y que estos últimos le hacían saltar las lágrimas, por sus compa- ñeros muertos”. GURRÍA LACROIX, Jorge. Prólogo. In: LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia de la conquista de Mexico, p. XVI. 19 IGLESIA, Ramón. Cronistas e historiadores de la conquista de Mexico. El ciclo de Hernán Cortés. México: Biblioteca de la ciudad de México, s/d, p. 137. 20 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 584, 21 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. XXXV. 22 As obras referidas por Bernal Díaz são a Historia pontifical y católica (1565) de Gonzalo de Illescas e Elogios o vidas de los caballeros antiguos y modernos (1568) de Paulo Jovio.
24
nomeados que havia no mundo daqueles tempos; mas os cronistas deveriam considerar que também nos haviam de incluir e fazer relação em suas histórias dos nossos esforçados soldados e não nos deixar em branco como ficamos se eu não tivesse posto a mão em recitar e dar a cada um sua glória e fama.23
Bernal Díaz buscava, segundo suas próprias palavras, alcançar “memória para minha
pessoa e para os muitos e notáveis serviços que fiz a Deus, à Sua Majestade e à toda
cristandade”, bem como para os outros companheiros que atuaram ao seu lado. Julgava o
cronista que a sua obra deveria reproduzir as ações desempenhadas por todos os
conquistadores na Nova Espanha para que fossem, a partir desse registro, amplamente
reconhecidas e perpetuadas na posteridade.24 A exemplo de Júlio Cesar, capitão romano
que, mesmo ocupado com as batalhas, escreveu suas próprias memórias, Bernal Díaz
assinala esse mesmo compromisso de narrar os seus feitos e dos seus companheiros, que,
ao seu lado, foram imbuídos da tarefa de estender o domínio espanhol para a América
central. Tal concepção da história se distancia, pois, da concepção de Gómora e de seus
seguidores, que viam na escrita dos grandes acontecimentos um espaço destinado a
abrigar e a exaltar somente os nomes de uns poucos personagens.
Para ganhar glória e riqueza
Juntamente com o desejo de ser lembrados e ter os seus feitos reconhecidos pelas
futuras gerações, os conquistadores espanhóis, também, partiram para as Índias movidos
pela expectativa de acumular riquezas. A própria busca pelo reconhecimento público,
aliás, tinha estreita relação com a aquisição de bens materiais que pudessem alterar a
condição social desses homens. Ser recompensados pelas conquistas notáveis foi uma das
razões que levaram um sem número de espanhóis a deixar a Europa para navegar em um
23 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 593. 24 SERES, Guillermo. La conquista como épica colectiva. La obra de Bernal Díaz del castillo. Madrid: Ediciones Clásicas, 2005, p. 25.
25
mar desconhecido e explorar terras até então ignoradas.25 Embora esses homens se
mostrassem cientes das dificuldades e dos riscos que enfrentariam no trajeto até as Índias
e na caminhada pelas mais incógnitas regiões, salientados de forma constante nas
crônicas, como se verá, era a sorte do regresso vitorioso, ou melhor, a aquisição de glória
e mercedes,26 o que incentivava de um modo geral esses homens a viajarem.27 Foi em
busca de tais méritos que Cortés partiu ainda jovem para as Índias, integrando a tropa
comandada por Diego Velázquez, e, anos depois, marchou liderando um grupo de
soldados rumo às regiões mexicanas que, em pouco tempo, passariam a ser domínio da
coroa espanhola.28 Foi igualmente em busca desses mesmos prêmios que Bernal Díaz e
Pedro Cieza de Léon partiram em diferentes tempos para as Índias e atuaram nas
conquistas realizadas no México e no Peru, respectivamente. O primeiro soldado, aliás,
lembra na sua história as recompensas dadas aos homens do passado que serviram à
Espanha durante as campanhas militares, como a doação de “títulos de estados”, “soldos
e salários”, “vilas, castelos e grandes terras” e “perpétuos privilégios”29 que se estendiam
aos seus descendentes. Benefícios que seriam dados aos conquistadores da sua época,
segundo Bernal Díaz, se caso exibissem os seus feitos “diante de Sua Majestade” para,
assim, requererem as referidas mercedes que tanto buscavam.
Com o objetivo de agregar um valor ainda maior aos seus feitos, os cronistas dão
25 Segundo Georges Baudot, a maioria desses viajantes espanhóis provinha da região da Andaluzia, somando um total de 40% durante os primeiros anos nessas terras (1493-1519). Em segundo lugar, de Castilha, com uma porcentagem de 26,7%, e finalmente da Extremadura, representando 14,7%. Entre os soldados que compunham a expedição de Cortés 20% eram castelhanos e 13% extremenhos. BAUDOT, Georges. La vida cotidiana en la América Española en tiempos de Felipe II. Siglo XVI. México: Fondo de Cultura Económica, 1992, p. 18. 26 No vocabulário da época, mercedes são as recompensas requeridas junto à coroa espanhola pelos serviços e conquistas nas Índias. Os primeiros conquistadores normalmente recebiam como benefício partes de terras e nativos, outros, porém, chegaram a obter títulos de nobreza. A partir de 1542, contudo, a coroa institui as Novas Leis de Índias e adota uma política de despejo desses encomenderos, passando a barrar também a prática de doação de bens aos novos conquistadores. Cf. DUVERGER, Christian. Crónica de la eternidad, p. 137. 27 De acordo com Antonio Cascales, “para a gente de baixa condição, ter a sorte de regressar de uma viagem dessas – e bem podemos dizer que tinham sorte neste caso, porque dos 265 homens da tripulação regressavam apenas 18 – significava não só sair da miséria, mas também alcançar o limiar da nobreza, porque as leis outorgavam curiosos privilégios ‘a todas as gentes do mar da nação espanhola’, do piloto ao simples marujo [...]”. CASCALES, Antonio. O regresso de uma expedição...a febre sobe. In: ARAÚJO, Carlos. Sevilha, século XVI. De Colombo a D. Quixote, entre a Europa e as Américas - o coração e as riquezas do mundo. Lisboa: Terramar, 1992, p. 91. 28 BENASSAR, Bartolomé. Hernán Cortés. El conquistador de lo imposible. Madrid: Ediciones Temas de hoy, 2002, p. 53. 29 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 577.
26
grande destaque às dificuldades enfrentadas e aos percalços sofridos durante a trajetória
na Índias. Há nesses escritos referências contínuas às dificuldades vivenciadas, aos
perigos dos caminhos marítimos, às andanças por terra sob o sol que se alternava com as
chuvas tropicais, às regiões que lhes desafiavam a entrar em matas fechadas com diversos
insetos – sem água e sem alimentos –, e ao encontro com os povos nativos que nem
sempre eram amigáveis.30 Na Historia verdadera..., o autor, ao enaltecer as “coisas tão
heroicas” que deveriam constar nos livros, comenta os “excessivos riscos de morte e
feridas e mil contos de misérias” a que colocaram suas vidas “pelo mar descobrindo
terras que jamais se haviam tido notícias delas, de dia e de noite batalhando com
belicosos guerreiros”.31 Acrescenta, ainda, que se “tivesse que dizer e trazer à memória,
parte por parte, os heroicos feitos que, nas conquistas, fizeram cada um dos valentes e
fortes soldados [...] seria preciso um grande livro para contar como convém”.32
De forma semelhante, Pedro Cieza de León declara as adversidades vivenciadas
por ele e pelos demais companheiros que integravam a expedição no Peru. Ao longo da
obra, ao enumerar as descobertas da navegação e das porções de terras, chega a afirmar
que o leitor pode considerar “os muitos trabalhos, a fome e a sede, os temores, os perigos
e as mortes que os espanhóis passaram” para dar a “dom Carlos V, imperador, rei e
senhor nosso” o domínio das terras e das gentes que nela encontraram. 33 Já o
conquistador Hernán Cortés, presente nos episódios do México, menciona as dificuldades
em quase todos os eventos narrados na sua estância, destacando, ademais, os perigos nas
batalhas e nos encontros de guerra com os nativos, as enfermidades contraídas e os
desafios de desbravar uma terra completamente desconhecida dos espanhóis que
apresentava, entre outros empecilhos, rios de difícil navegação e caminhos terrestres de
acessos limitados. Em um dos capítulos da conquista, ao encontrar-se na província de
Tascaltecal, é mais direto ao escrever o quanto era difícil “recobrar o que haviam
perdido” em razão dos “perigos e trabalhos que haviam passado” por “servir a Deus e à
Vossa Majestade”.34 Gonzalo de Oviedo, mais ainda, pois, ao dar notícia sobre “as muitas
30 KONETZKE Richard. Descubridores y conquistadores de América. Descubridores y conquistadores de América. De Cristóbal Colón a Hernán Cortés. Madrid: Editorial Gredos, 1968, p. 216. 31 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 1. 32 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 2. 33 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 12. 34 CORTÉS, Hernán. Tercera carta de relación. In: Cartas de Relación, p. 198.
27
nações que há no mundo” e algumas coisas “naturais e ainda não comunicadas”, comenta
que houve “muito perigo” para ir buscá-las e inquiri-las. Significativa é a passagem em
que descreve detalhadamente todas as dificuldades que ele e os espanhóis enfrentaram
durante esse tempo nas Índias:
No mais, confesso que outros sabiam melhor fazer ocupando seu tempo nestas matérias ao vê-las não desde a Grécia e nem desde as estufas ou jardins que, segundo o tempo, alguns autores tiveram para notar com repouso o que compuseram, porque em tais lugares usam de harmonia de seus estudos e dos engenhos de que a natureza lhes deu parte; mas estas coisas daqui, com muita sede, com muita fome e cansaço, na guerra com os inimigos, nela e na paz, com os elementos contrastando com muitas necessidades e perigos: feridos sem cirurgião, enfermos sem médico nem medicinas, faminto sem ter o que comer, sedento sem encontrar água, cansado sem poder alcançar repouso, necessitado de vestir e de calçar, andando a pé quem sabia subir em cavalo, passando muitos e grandes rios sem saber nadar. Porque, embora a necessidade os traga para esses desterros a viver entre selvagens, essa mesma os faz mais dignos que a outros que nasceram herdados e que agora vivem com pernas estendidas [...] e em muito repouso se dão a entender desde suas camas o que não se pode aprender senão trabalhando.35
Os esforços empreendidos para superar tantas adversidades é, pois, um fator a ser
considerado pelo cronista, ou melhor, uma condição fundamental que torna os espanhóis,
na sua acepção, “mais dignos” do que os outros varões. Para esses homens, na verdade,
avançar e ir em busca de conquistas e de novos saberes era visto com um ato louvável,
que lhes proporcionaria, portanto, o reconhecimento e a consagração. Dai a necessidade
de registrarem essas suas proezas nas histórias ou crônicas que iam endereçadas ao
monarca, o principal interlocutor desses relatos.
A escrita na sociedade espanhola do século XVI
35 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias. Madrid: Editorial Atlas, 1992, Tomo II, p. 183.
28
“Los libros siempre fueron llamados obras y edificios de todo genero de Authores”. (Juan Paez de castro – Memorial de las cosas necesarias para escribir historia).
Como antes anunciado, para contar os capítulos da conquista espanhola no século
XVI, todos aqueles que nos deixaram suas impressões, a partir do que viram ou ouviram
falar sobre as Índias, lançaram mão da escrita. Seja pela preocupação com a memória dos
acontecimentos, seja pelo desejo de assinalar a própria participação nos eventos ou pelo
encargo oficial de divulgar as novas possessões, esses cronistas que escreveram
correspondiam a uma pequena parcela instruída dos espanhóis36 que dominavam a escrita
em meio a uma maioria de iletrados, que somavam a quase totalidade da sociedade nessa
época.37 Era uma condição que se mostrava ainda mais particular diante do baixo nível de
formação daqueles que embarcavam para o Novo Mundo, como a extensa massa de
soldados rasos e conquistadores que compunham a expedição espanhola.38
Por serem poucos os letrados, nem todos os participantes deixaram registrada a
sua passagem pelas Índias; e aqueles que deixaram tiveram suas histórias narradas por
algum companheiro de viagem, um cronista oficial ou por um letrado contratado para
escrever a versão relatada. Francisco Pizarro, por exemplo, mesmo não sabendo ler nem
escrever, teve suas aventuras contadas por companheiros e familiares que, em contato
com seus feitos, puderam registrar os acontecimentos ocorridos durante a estância no
Peru. Hernán Cortés, embora dominasse plenamente as letras, como revela suas cinco
Cartas de Relación, valeu-se da escrita alheia para ter registradas as próprias ações na
conquista do México. Impedido de escrever, delegou ao clérigo e historiador Francisco
36 De acordo com Jacques Lafaye, “el analfabetismo era general, incluso en buena parte de la baja nobleza, y que entre los que sabía leer, los que entendían el latin eran minoritários. LAFAYE, Jacques. Albores de la imprenta. El libro en España y Portugal y sus posesiones de ultramar (siglos XV y XVI). México: Fondo de Cultura Económica, 2002, p. 59. 37 Pode-se afirmar, segundo Maxime Chevalier, que a “casi totalidad de los aldeanos y del proletariado urbano por una parte, importante fracción de los artesanos por otra, quedan al margen de la civilización de la escritura. Estos hombres no alcanzan el nivel cultural de la lectura corriente y de la práctica del libro”. CHEVALIER, Maxime. Lectura y lectores en la España del siglo XVI y XVII. Madrid: Ediciones Turner, 1976, p. 14. 38 Para Matthew Restall, “embora a disponibilidade e a atenção dada às narrativas dos conquistadores sem dúvida deem a impressão de que estes eram habilidosos com a pena (quando não bastante letrados), os plenamente alfabetizados constituíam uma minoria tanto nas campanhas de conquista quanto na própria Espanha”. RESTALL, Matthew. Sete mitos da conquista espanhola. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006, p. 81.
29
López de Gómora a missão de narrar o que deveria ser uma história oficial que o tornou,
tempos depois, protagonista desse evento.39
O recurso à escrita deve ser percebido, contudo, a partir da relação que esses
espanhóis estabeleceram com a tinta e o papel no século XVI. Para esses letrados,
escrever era a maneira mais segura de registrar os fatos e conservá-los das perdas e
distorções comuns à oralidade,40 isto é, escrever garantia a autenticidade dos conteúdos,
uma vez que seria mais difícil alterar o que vinha escrito do que as coisas que eram
simplesmente faladas.41 O que não significa que haja um predomínio das letras nesse
período, pois tanto as formas visuais como as formas orais serviram, igualmente, para a
transmissão dos saberes e a constituição da memória. Ainda que de maneiras distintas, já
que seus usos dependiam das necessidades a que se queria atender e das formas de
preservação peculiares a cada um desses recursos, as imagens e a voz cumpriram a
função comunicativa e memorizadora42 exercida pela escrita.
A oralidade operou como uma das maneiras principais para divulgar os saberes
nessa sociedade dominada pelo analfabetismo.43 Pelas bocas dos letrados – eruditos,
religiosos, oradores, poetas –, os conteúdos escritos nas páginas de livros manuscritos ou
impressos podiam chegar até a grande maioria inculta, possibilitando-se a transmissão de
ideias e fatos de memória que deveriam ser lembrados. Já as imagens, normalmente
expressas nas paredes das catedrais e dos palácios, assim como nas galerias de retratos
ilustres ou museus da fama, erguidos em espaços particulares entre os séculos XVI e
39 De acordo com Christian Duverger, no momento em que a coroa espanhola emite a cédula de 1527, proibindo a “impresión, la venta y la posesión de las Relaciones de Cortés”, chegando a confiscar e queimar os exemplares existentes, o conquistador estava impedido de escrever. Nesse momento, contrata Francisco López de Gómora para a tarefa de continuar a escrita de suas memórias sobre os acontecimentos ocorridos na conquista do México. Cf. DUVERGER, Christian. Crónica de la eternidad, p. 150. 40 Uma passagem do livro de Miguel de Cervantes, El ingenioso Hidalgo Don Quixote de la Mancha, publicado no século XVII, expressa de forma interessante a problemática do lembrar sem o apoio da escrita. Na passagem em questão, o fiel escudeiro Sancho Pança fica encarregado de entregar uma carta de Dom Quixote a Dulcinéia, mas, por descuido, não a tem em mãos para cumprir com o seu dever. Como forma de redimir seu erro, Sancho decide recitar o conteúdo da carta baseada em sua memória, para que o cura, que está em sua companhia, transcreva as palavras escritas por Dom Quixote. No entanto, sua memória falha, e Sancho não consegue se lembrar completamente do que estava escrito. CHARTIER, Roger. Inscrever e apagar, p. 66. 41 GILMONT, Jean-François. Reformas protestantes y lectura. In: CAVALLO, Guglielmo; CHARTIER, Roger. Historia de la lectura en el mundo occidental. Madrid: Editorial Taurus, 2011, p. 292. 42 BOUZA ALVAREZ, Fernando J. Comunicación, conocimiento y memoria en la España de los siglos XVI e XVII, p. 31. 43 BOUZA ALVAREZ, Fernando J. Comunicación, conocimiento y memoria en la España, p. 51.
30
XVII,44 apresentavam, propagavam e recordavam passagens importantes do passado e
feitos dos grandes personagens da história. A coleção de retratos criada pelo já referido
Paolo Jovio, em 1521, por exemplo, abrigava um acervo de mais de 400 quadros de
figuras notáveis do passado e do presente, com o propósito de rememorá-las.45 Aberto ao
público em 1538, o tal Museo, assim chamado em homenagem às musas antigas, expõe
sua seleção de nomes com uma pequena biografia abaixo de cada quadro para indicar as
proezas do retratado, que, posteriormente, acabaram escritas em seu Elogio de los
hombres ilustres, publicado, em 1546, em estima aos escritores consagrados de que tinha
o retrato e, em 1551, em memória aos homens que mostraram valor próprio nas guerras,
entre os quais está o espanhol Hernán Cortés.46
Mas, no caso dos cronistas espanhóis, foram as letras que representaram o próprio
olhar sobre os eventos ocorridos nas Índias e que, como suporte de memória, serviram de
meio para que muitos deles resguardassem as percepções do que vivenciaram nessas
novas terras.47 Pedro Cieza de León, ao contar o que observara na passagem pelo Peru,
chega mesmo a elogiar a “bem-aventurada invenção das letras, que com a virtude de seu
som perdura a memória por muitos séculos e faz voar a fama das coisas que sucedem
pelo universo”.48 E Pedro de Vega, um frei agostiniano que escreve já nos princípios de
1600, considera que a escrita foi criada “para ajuda e reparo da memória”, isto é, para
manter viva a lembrança dos fatos esquecidos ou desfalecidos com o tempo. 49
Semelhante mensagem transmite Diego de Palencia, cronista espanhol, ao comparar a
força da escrita com as estátuas deixadas pelos antigos, dizendo: “costume foi dos
romanos fazer e consagrar estátuas de metal e mármore” para a lembrança de seus feitos,
mas, estando tais obras sujeitas à “lima do tempo, que consome tudo, foi inventada a
44 BOUZA ALVAREZ, Fernando J. Comunicación, conocimiento y memoria en la España, p. 18. 45 DUVERGER, Christian. Crónica de la eternidad, p. 86. 46 DUVERGER, Christian. Crónica de la eternidad, p. 87. 47 Embora a América seja representada com mais intensidade pelos textos escritos, nomeadamente relatos, crônicas e histórias produzidos nesse contexto, vale ressaltar que há uma iconografia (pinturas e gravuras) responsável por divulgar uma imagem sobre as novas terras durante o século XVI. A título de exemplo, pode-se mencionar o mapa do mundo desenhado pelo alemão Martín Waldseemüller, em 1507, que emprega pela primeira vez a palavra América para nomear o novo continente. Tal como a escrita, a representação iconográfica dava igualmente notícia sobre as recentes terras encontradas no além-mar. TATSCH, Flávia Galli. Da palavra à imagem: a alegoria da América no imaginário europeu. Uma análise da obra da coleção brasiliana da Fundação Estudar. Revista Ideias. Campinas: IFCH, 13 (2), 2006, p. 44. 48 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 265. 49 VEGA, Pedro de. Segunda parte de la declaración de los sietes salmos penitenciales. Madrid, 1602.
31
história, que leva o nome dos mortais por obra infinita de séculos, eternizando sua
memória com perpétua honra”.50
A escrita e a imprensa
Com o desenvolvimento da imprensa espanhola no século XVI – ainda que as
primeiras prensas tenham aparecido por volta de 1473, em Valência ou Barcelona,51
cidades com grande fluxo de capital –, a escrita passa a ganhar força em sua versão
tipográfica, e o livro converte-se em um valioso instrumento de transmissão dos saberes
para um público leitor que estava em plena formação. Um testemunho do século XVI, ao
opinar sobre o aparecimento da imprensa, comenta que “entre as artes e invenções sutis,
que pelos homens foram inventadas, deve-se ter por muito assinalada invenção a Arte de
imprimir livros, por duas razões principais: a primeira porque há nela muitos meios para
prevenir seu fim, que é imprimir muitos escritos ao invés de um” e a segunda razão, dita
em seguida, é a utilidade dessa arte, pois “antes de sua invenção eram muito raros os que
alcançavam os segredos da sagrada escritura, como de outras artes e ciências”.52
Dado o poder de divulgar os conteúdos de forma abrangente 53 – pouco
comparável aos limites restritos do registro manuscrito, que, pelas circunstâncias de sua
produção, corria com menos frequência entre os grupos –, os livros assumiram o papel
principal para a correspondência de ideias na sociedade espanhola da época. Isso porque,
ao ser impressos, os numerosos volumes já haviam passado pelas etapas burocráticas que
autorizavam sua publicação – aprovação, licença e privilégio para impressão54 –, e
50 FERNÁNDEZ DE PALENCIA, Diego. Crónica del Peru. Primera e segunda parte. Madrid: Atlas, 1963, p. 15. 51 TORRE REVELLO, José. El libro, la imprenta y el periodismo en América durante la dominación española. Buenos Aires: Talleres S. A. Jacob Peuser, 1940, p. 11. 52 Texto Anônimo. In: DE LA TORRE, Alfonso. Visión delectable de la Philosophia, y Artes liberales, Metaphysica, y Philosophia natural. Sevilha, 1526. 53 De acordo com Cavallo y Chartier, “el invento de Gutenberg permitió la circulación de los textos a una velocidad y una cantidad anteriormente imposibles. Cada lector podía tener acceso a mayor número de libros; cada libro podía llegar a un número mayor de lectores”. In: CAVALLO, Guglielmo; CHARTIER, Roger. Historia de la lectura en el mundo occidental, p. 49. 54 Cf. GONZÁLEZ DE AMEZÚA Y MAYO, Agustín. Cómo escribir un libro en nuestro siglo de oro. Madrid: CSIC, 1951.
32
podiam chegar com mais amplitude até as diversas camadas sociais que, de uma forma ou
de outra, contatavam a escrita. Muito diferente dos manuscritos, vale lembrar, que além
de existir em bem menor número, estavam mais vulneráveis ao controle burocrático da
monarquia55 e à consequente privação de circularem legalmente, passando a ser mais útil,
sobretudo depois da vulgarização dos impressos, para a correspondência de notícias
privadas e sigilosas como as trocadas por príncipes, homens de corte e negociantes ou
mesmo aquelas em que os autores optavam por maior grau de reserva em suas
mensagens.56
No que diz respeito ao alcance desses impressos pode-se inferir que, embora a
imprensa espanhola, nos seus anos iniciais, tenha se caracterizado por uma produção
dispendiosa, o que resultou em uma “popularização” tardia dos livros,57 alguns textos
circularam entre os doutos que adquiriam os exemplares recém-produzidos e, de forma
indireta, entre os grupos não letrados que tiveram contato com suas páginas pelas leituras
orais praticadas, nessa época, nos espaços urbanos das igrejas, das festas e das praças
públicas.58 O que indica que tanto a classe de letrados como a classe de ouvintes, ainda
que em bem menor proporção,59 tiveram algum contato com os livros publicados nesse
momento60 – entre os quais se incluíam as crônicas e histórias de temas americanos – e
55 BOUZA ALVAREZ, Fernando J. Corre manuscrito. Una historia cultural del siglo de oro. Madrid: Marcial Pons, 2001, p. 59. 56 O que ocorreu, segundo Bouza, foi que impressos e manuscritos dividiram o mesmo campo da escrita: os manuscritos se especializaram nos usos reservados e os impressos, por outro lado, se voltavam para a difusão maciça de suas produções. BOUZA ALVAREZ, Fernando J. Del escribano a la biblioteca. La civilización escrita europea en la alta Edad Moderna (siglos XV-XVII). Madrid: Editorial Síntesis, 1997, p. 11. 57 LAFAYE, Jacques. Albores de la imprenta, p. 16. 58 CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Editora Unesp, 2004, p. 107. 59 De acordo com Roger Chartier, “nas sociedades do século XVI a XVII, os materiais tipográficos parecem ter sido mais largamente presentes e partilhados do que se pensou por muito tempo”. CHARTIER, Roger. Do livro à leitura. In: CHARTIER, Roger. Práticas da leitura. São Paulo: Estação liberdade, 2011, p. 79. 60 Dentre os livros publicados nos primeiros anos da imprensa espanhola e aqueles que saíram impressos durante a atividade tipográfica, estão: bíblias, bulas, breviários, missais, confessionais, ofícios, tratados, vidas de santos, obras dos pais da Igreja (como Agostinho e Jerônimo), teólogos espanhóis (como Alfonso de Madrigal), recompilação de leis, obras de poetas, traduções de obras clássicas da Antiguidade, livros sobre filosofia moral, natural e racional, dicionários de gramática (como o de Nebrija), livros de matemática, astrologia, geografia e cartografia, livros de viagens (como de Marco Polo e Mandeville), crônicas de guerra, crônicas sobre descobertas, conquistas e explorações (como as obras referentes às Índias), literatura de cavalaria. Cf. BOUZA ALVAREZ, Fernando. Del escribano a la biblioteca, p. 130.
33
com os livros já consagrados 61 que passaram a circular em formato impresso,
possibilitando, de certa forma, a transmissão do conhecimento. Daí ser válida a
observação do espanhol Pedro de Navarra, deixada em seu Dialogo de la diferencia del
hablar al escrevir, datado de 1565, segundo a qual a grande virtude da escrita é que por
ela se pode conhecer o passado e o por vir, ao contrário da palavra, que perdura somente
no tempo em que é pronunciada. Malgrado não trate diretamente das formas tipográficas
no Dialogo, Navarra destaca o valor da escrita como abrigo de um saber sobre o passado
que pode ser revisto no presente dada sua função de conservar a memória.62
Permitir e proibir
A produção escrita na sociedade espanhola dessa época, principalmente a escrita
impressa, que alcançava cada vez mais espaço nos meios letrados, deve ser considerada a
partir do forte controle da monarquia sobre sua circulação. Muitos foram os textos que
não alcançaram o privilégio e a licença de ser publicados pelas prensas hispânicas, assim
como outros que tiveram sua licença revogada mesmo com alguns volumes já impressos
pelos editores responsáveis.63 As Cartas de Relación, escritas por Cortés, por exemplo,
vieram a público seguidamente entre os anos de 1522, 1523 e 1525 e alcançaram grande
êxito editorial, já que a Segunda Carta aparece editada pelas prensas de Sevilha,
Saragoça, Antuérpia, Nurembergue e Veneza; a Terceira Carta novamente em Sevilha,
Nurembergue e Veneza; e a Cuarta Carta, em Toledo e Valência.64 No entanto, pouco
antes de ser editada a Quinta Carta, uma medida real de 1527 proíbe a impressão,
circulação, venda e leitura das relações escritas pelo conquistador. Não bastasse tal
proibição, os exemplares impressos são confiscados e queimados em praça pública,
61 Na lista dessas obras podemos destacar um considerável número de autores que foram editados na Espanha do século XVI: Pomponio Mela, Valerio Máximo, Quinto Curcio, Salustio, Marco Túlio Cícero, Tito Lívio, o poeta Horacio, as Vidas (incompletas) de Plutarco e os Comentarios de Júlio César. Dentre os autores mais reimpressos estão Catón, Esopo, Ovidio, Sêneca e Virgilio. In: LAFAYE, Jacques. Albores de la imprenta, p. 55. 62 BOUZA ALVAREZ, Fernando J. Del escribano a la biblioteca, p. 31. 63 Cf. BOUZA ÁLVAREZ, Fernando J. Dásele licencia y privilegio. Don Quijote y la aprobación de libros en el Siglo de Oro. Madrid: Ediciones Akal, 2012. 64 DUVERGER, Christian. Crónica de la eternidad, p. 149.
34
selando-se a censura monárquica aos escritos cortesinos.65 O mesmo ocorre com a
Historia de la conquista de Mexico de Francisco López de Gómora que, mesmo livre das
fogueiras, acaba proibida por uma cédula real em 1553, um ano depois de ser publicada.66
As dificuldades para a impressão de obras referentes às Índias vão ainda esbarrar em uma
lei sentenciada pela Coroa, em 1556, que obrigava que todos os textos dessa temática
passassem pela apreciação do Conselho de Índias com a justificativa de que eram muitos
os volumes impressos sem a licença real.67 É, contudo, em 1558, quando a Coroa concede
à Inquisição o controle sobre as produções escritas nesse período, que a livre circulação
impressa conhece seu pior momento. Com essa medida, todos os textos deveriam receber
a rubrica do censor e sua prévia autorização antes de ser levados aos impressores, pois,
do contrário, o autor sofreria a pena de morte e o confisco de seus bens. A mesma
punição se estendia aos que vendiam ou guardavam livros proibidos pelo Santo Ofício.68
Como se percebe, o que caracterizou a relação da monarquia espanhola com a
escrita foi um jogo de permissões e restrições, sobretudo, durante o reinado de Felipe II,
que, mesmo demonstrando grande apreço pelas letras,69 adotou uma política de repressão
aos livros. Um jogo em que boa parte dos letrados da época participou com pedidos e
solicitações para que suas produções corressem impressas mediante a concessão real,
afinal, escrevia-se com o intento de alcançar a esfera pública. Daí que as primeiras
páginas das obras ou o espaço da dedicatória traziam quase sempre manifestos os
requerimentos dos autores para que o monarca autorizasse a esperada publicação. Não foi 65 Há notícia de que os exemplares das Cartas foram queimados em Sevilha, Toledo, Granada e nos demais lugares em que se teve notícia do manuseio da obra de Cortés. DUVERGER, Christian. Cortés. México: Editorial Taurus, 2005, p. 290. 66 Cf. IGLESIA, Ramón. Cronistas e historiadores de la conquista de Mexico, p. 136. 67 BAUDOT, Georges. Utopía e historia en México. Los primeiros cronistas de la civilización mexicana (1520-1569). Madrid: Editorial Espasa-Calpe, 1983, p. 494. 68 SALABERT FABIANI, Vicente L. La imprenta y la difusión y comunicación científica de los saberes y las técnicas (1561-1600). In: MARTÍNEZ RUIZ, Enrique. (Dir.). Felipe II, la ciencia y la técnica. Madrid: Editorial Actas, 1999, p. 234. 69 Durante a monarquia quase inerte de Felipe II, a administração real se mostrou bem mais dependente da tinta e do papel para a gestão de seu vasto império. Diferente de Carlos V, que viajou por boa parte de suas possessões durante seu reinado, Felipe II foi um monarca muito mais ocioso nesse aspecto, instalando-se em Madrid, em 1561, para depois migrar para o monastério de El Escorial, onde permaneceu até a morte. Justamente por esse comportamento, a escrita foi seu principal recurso durante os anos em que esteve à frente do reino. Cf. BELTRÁN, José Luís. Un imperio sin emperador. In: CÁRCEL GARCÍA, Ricardo. (Coord.) Historia de España: siglos XVI al XVII. La España de los Austrias. Madrid: Cátedra, 2003, p. 154. BOUZA ALVAREZ, Fernando J. Imagen y propaganda. Capítulos de historia cultural del reinado de Felipe II. Madrid: Ediciones Akal, 2011, p. 159.
35
diferente no caso das narrativas escritas sobre a conquista espanhola, visto que era
necessário o aval e a proteção do rei para divulgar ao público europeu a aventura dos
conquistadores nas Índias. O cronista oficial Gonzalo Fernández de Oviedo, por exemplo,
declara na página inicial da Historia general y natural de las Indias, publicada, a
primeira parte, em 1535, que cumprira com o real mandado de servir à Coroa ao
descrever o que observara nessas terras “dando notícia ao mundo de muitas coisas que
serão gratas aos ouvidos dos prudentes”70 para, em seguida, solicitar que o rei receba e
“mande favorecer o escrito e o escritor com aquela clemência que concede a todos
aqueles que viveram nas Índias”.71 Do mesmo modo, Francisco López de Gómora
assume, no início da sua Historia general de las Indias, publicada em 1552, que dedica a
obra ao monarca Carlos V “porque vai mais segura e autorizada sob o amparo de vosso
imperial nome, que dará ou quitará graça e perpetuidade da mesma história”.72 Pela
mesma época, o cronista Agustín de Zárate requisita a permissão para que sua Historia
del descubimiento y conquista del Perú seja publicada e “segura das murmurações que
poucas vezes faltam em semelhantes obras”.73 Como Oviedo, Gómora e Zárate, muitos
outros cronistas, também, ofertaram seus relatos ao monarca com a expectativa de lograr
a prestigiada publicação de suas obras, em um tempo difícil para a supervivência dos
livros.
Mesmo que se fale da postura rígida da monarquia espanhola no controle da
informação, expressa em suas ações proibitivas, que resultaram na condenação de tantos
exemplares ao absoluto silêncio, é preciso reconhecer, contudo, que muitas das suas
medidas representaram um posicionamento a favor da escrita.74 É sabido, pois, que a
Coroa esteve por trás das incursões de letrados e cronistas oficiais pelas novas terras de
além-mar para recolher com mais precisão as matérias americanas. Foi uma iniciativa que
promoveu, junto com os primeiros relatos escritos pelos conquistadores nas décadas
70 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 4. 71 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 4. 72 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 5. 73 ZÁRATE, Agustín de. Historia del descubrimiento y conquista del Peru, p. 7. 74 A maior evidência dessa vasta produção são as 80 milhões de páginas escritas sobre as colônias espanholas nesse período e que se encontram reunidas, desde 1785, no Arquivo Geral das Índias em Sevilha. Boa parte desses documentos eram conservados pelo Consejo Real de Indias e pela Casa de Contractación, locais que organizavam a maior parte dos textos referentes às terras americanas. KARNAL, Leandro. As crônicas ao sul do Equador. Revista Ideias. Campinas: IFCH, 13 (2), 2006, p. 12.
36
iniciais do século XVI, a escrita das principais fontes sobre as Índias.75 Pela compilação
do cronista oficial Gonzalo Fernández de Oviedo, por exemplo, foi que se teve notícia
das variadas espécies de plantas e animais, dos rios e mares navegados e renomeados de
acordo com o vocabulário europeu, das gentes que, mesmo vivendo juntas, distinguiam-
se por suas crenças e línguas. E, do mesmo modo, que surgiram estudos mais
significativos, dados os limites da época, sobre o universo daqueles povos ali encontrados
– seus ritos, costumes e fatos do passado descritos nas histórias morais76 produzidas por
encarregados, como o religioso José de Acosta durante suas idas e vindas ao Novo
Mundo.
A escrita operou como uma importante aliada para informar a Coroa sobre os seus
novos domínios americanos.77 O que, de certo modo, permitiu ao rei estabelecer melhores
diretrizes para a administração colonial, à medida que passou a obter um conhecimento
mais detalhado sobre esses territórios. Além disso, dadas as longas distâncias que
separavam a corte do restante do reino, a escrita foi o principal meio de comunicação
com os súditos, pois por intermédio de secretários, homens de letras78 e encarregados
oficiais, o monarca pôde despachar suas ordenações até as partes mais longínquas e fazer-
se presente, mesmo que por vias indiretas, nas regiões governadas. Toda a organização
burocrática da monarquia dos Habsburgos se amparou na tinta e no papel para divulgar os
regulamentos e as ordens que partiam, inicialmente, do rei e seguiam com destino aos
vice-reis, representantes do monarca nos seus domínios.79
75 Cf. BUSTAMANTE, Jesús de. El conocimiento como necesidad de Estado: las encuestas oficiales sobre Nueva España durante el reinado de Carlos V. Revista de Indias, 2000, número 28, v. LX, p. 51. 76 ANDERSON IMBERT, E. Historia de la literatura hispanoamericana. La colonia. Cien años de republica. México: Fondo de Cultura Económica, 1987, p. 60. 77 Simón Valcárcel Martínez sustenta que “en el siglo XVI la información era importante en tanto en cuanto abría nuevas perspectivas de expansión geopolítica y económica”. VALCÁRCEL MARTÍNEZ, Simón. Las crónicas de Índias como expresión y configuración de la mentalidad renacentista, p. 369. 78 Muitos desses letrados eram estudantes que frequentaram as universidades espanholas – Alcalá, Valladolid e, principalmente, Salamanca – e ocuparam cargos administrativos integrados à coroa. Uma função que antes era ocupada normalmente pelos membros da nobreza passou a ser cumprida, já durante o reinado dos reis católicos, por estudantes vinculados aos principais centros de formação da época. Por essa razão, pode-se considerar as universidades como “canteiros de colaboradores reais” destinados a formar uma classe de dirigentes não nobres. CARABIAS TORRES, Ana María. Salamanca, académica palanca hacia el poder. In: ARANDA PÉREZ, Francisco José (Coord.). Letrados, juristas y burócratas en la España Moderna. Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2005, p. 26. 79 ELLIOTT, John H. España y su Mundo. 1500-1700. Madrid: Alianza editorial, 1991, p. 38.
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O trato com a escrita, por parte da monarquia, ainda pode ser percebido pela
preocupação em conservar e registrar tais textos nos arquivos e bibliotecas régias
inaugurados nessa época. O período que conviveu com a Lista de livros proibidos,
instaurada em 1559, assistiu, porém, à edificação da Biblioteca Real de San Lorenzo del
Escorial, a Laurentina,80 em 1576, sob o mesmo cetro de Felipe II. Com base no
Memorial del Dr. Páez de Castro sobre la importancia de establecer librerías reales en
el reino,81 escrito, provavelmente, em 1556, para instruir sobre a utilidade de se criar uma
biblioteca, o edifício da Laurentina aparece como um espaço destinado a guardar os
livros – nos seus formatos originais, manuscritos ou impressos – que foram produzidos
nesse período e em tempos passados.82 A biblioteca seria, portanto, o lugar onde se
reuniriam as mais valiosas informações disponíveis para serem utilizadas tanto no
presente, por meio de eventuais consultas, como no futuro, ao ser buscadas e revistas
sempre que fosse necessário averiguar algum dado.83 Nessa linha, o espaço vislumbrado
pelo cronista real Páez de Castro no referido tratado guarda uma sala para manter em
abrigo
[...] os repartimentos das Índias e as condições com que se deram com tudo o que mais se ordenar. Os Comentários que vossos antecessores escreveram sobre suas coisas e os que V. M. escreverá andando o tempo, com as causas particulares de cada uma de suas empresas e de outros negócios de importância. As relações que os ministros enviam dessas partes de Europa, por onde se estende o império de V. M. como das Índias, onde haverá conta das novas conquistas e levantamentos de
80 Nesse período, uma das primeiras experiências de reunir uma grande quantidade de livros foi a biblioteca do navegador genovês Cristóvão Colombo, mais tarde convertida na Biblioteca Colombina, instalada em Sevilha. Há notícia de que seu filho, Hernando Colombo, herdou esses livros e passou a acumular outros exemplares ao longo de suas viagens ao lado do monarca espanhol pelas terras do império. O resultado foi um acervo de mais de 15 mil volumes, uma grande cifra para as condições da época. LAFAYE, Jacques. Albores de la imprenta, p. 68. 81 Jacques Lafaye considera significativo sublinhar que o Memorial de Páez de Castro foi escrito antes da edificação da Biblioteca do El Escorial; afirma que há indícios de que esse tratado tenha inspirado tal projeto. LAFAYE, Jacques. Albores de la imprenta, p. 71. 82 A Biblioteca da Laurentina recebeu grande parte dos livros que compunham a biblioteca pessoal do monarca Felipe II, instalada em Madrid. Os livros religiosos armazenados na Capela Real de Granada, pertencentes à coleção pessoal da rainha Isabel, a católica, também foram transladados posteriormente para El Escorial, por ordem de Felipe II. LAFAYE, Jacques. Albores de la imprenta, p. 72. 83 BOUZA ALVAREZ, Fernando J. Del escribano a la biblioteca, p. 87.
38
tiranos, seus castigos e outros acontecimentos de importância ao Estado ou de consideração.84
Para além de auxiliar a monarquia com a organização de informações
importantes, como o registro perpétuo “das navegações e conquistas de Índias, seus
Reinos e Senhorios, dos tributos e dos gastos ordinários”, a biblioteca, também,
representava um lugar de memória onde estariam sempre presentes “os rostos e
disposições de vossos passados, suas descendências e feitos principais”, bem como “as
coisas memoráveis que por todo o mundo se encontraram de natureza ou passaram entre
os homens” e as “artes e os engenhos que se inventaram, os quais, além de ser utilíssimo
para muitas coisas, será um grande socorro para os historiadores”.85 As artes abrangiam
uma galeria de retratos instalada no palácio pela data de 1563, e os engenhos referiam-se
aos mapas, às cartas de navegar e aos instrumentos confeccionados pelos cosmógrafos
para auxiliar as viagens marítimas realizadas nesse período.86 Finalmente, a biblioteca
cumpria a principal tarefa de conservar em suas salas os livros e registros que corriam
grande “perigo de se perderem se não se oferecesse algum meio para guardar em lugar
seguro” seus exemplares.87 Tarefa importante, pois, nessa época, o livro era visto como
uma fonte de saber e registro de memória, de modo que a eventual destruição de qualquer
exemplar significaria uma grande perda.
Todas essas instruções contidas no Memorial de Páez de Castro sugerem, de
algum modo, como a escrita e suas produções livrescas tiveram cada vez mais relevância
nessa sociedade espanhola do século XVI. A existência de um tratado que recomenda a
construção de um espaço destinado especialmente à guarda de livros, ou melhor, à
reunião e à conservação dos saberes, que culminou com a criação da biblioteca da 84 PAEZ DE CASTRO, Juan. Memorial de Páez de Castro sobre bibliotecas reales. In: LAFAYE, Jacques. Albores de la imprenta, Anexo, p. 156. 85 PAEZ DE CASTRO, Juan. Memorial de Páez de Castro sobre bibliotecas reales, p. 151. 86 “La primera sala debía contener los libros de todas las épocas […], la segunda sala, en cambio, habría de estar ocupada por los objetos naturales y los instrumentos para su estudio; a ella estaban destinados los instrumentos científicos, especialmente matemáticos y astronómicos (espejos, relojes, globos, instrumentos cartográficos) y los mapas; y junto a ellos los naturalia: ‘cosas naturales maravillosas, como partes de animales extraños, peces y árboles hechos de piedra’”. GÓMEZ, Susana. Lucifera y fructífera: ciencia y utilidad en las colecciones naturalistas de la España de los Austrias. In: NAVARRO BROTÓNS, Victor; EAMON, William. Más allá de la Leyenda Negra. España y la Revolución científica. Valencia: Instituto de Historia de la Ciencia y Documentación López Piñero, 2007, p. 175. 87 PAEZ DE CASTRO, Juan. Memorial de Páez de Castro sobre bibliotecas reales, p. 145.
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Laurentina, indica, também, como os espanhóis desse período e mesmo a monarquia dos
Austrias, que manteve uma política reguladora, valeram-se da tinta e do papel para
registrar suas memórias e evitar o esquecimento.88 Ao avaliarmos a importância que a
época conferiu às letras, resta-nos, a seguir, mostrar qual gênero de escrita foi definido
por esses cronistas na narrativa das novidades relacionadas aos descobrimentos e à
conquista.
A história e a crônica
La vida de los hombres sin historia es verdaderamente como una vida de niños que no tienen noticia de las cosas pasadas, ni conocimiento de las venideras. (Pedro de Medina. Libro de grandezas y cosas memorables de España).
Na obra Genio de la historia, datada de 1651, o historiador Jerónimo de San Jose
adverte que para conhecer, estimar e escrever a história é preciso entender sua natureza e
suas propriedades. Ao discorrer, pois, sobre os fundamentos dessa matéria, apresenta as
definições particulares ou os vários nomes que se podem dar à história:
O primeiro, mais ordinário e ainda mais universal, segundo o comum modo de falar, é este nome de História; que se origina de uma voz Grega, que quer dizer, conhecer, ver ou olhar, porque aos que deram esse nome à narração, consideram que para ser verdadeiro o assunto deveria ser conhecido, sabido ou visto pelo autor ou por outros que a ele se referisse. Chama-se também Crônica [...], embora os precisos eruditos sempre retêm a propriedade Grega, dizendo Crônica e Cronista, e ainda a ortografia daquela língua escrevendo Chronica, coisa já desnecessária e que segundo a regra de Horácio se deve ceder ao uso que pronuncia e escreve Crônica e Cronista. É, pois, Coronica a História difusa de alguma República eclesiástica, religiosa ou secular, ajustada aos anos mesmo que não tão restrita e precisamente como os Anales ou Diários.89
88 CHARTIER, Roger. Inscrever e apagar, p. 9. 89 SAN JOSE, Jerónimo. Genio de la Historia. Madrid: Imprenta de Don Muñoz del Valle, 1768, segunda impressão, p. 40, 41.
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Nem sempre, contudo, a história e a crônica conviveram como termos iguais e
foram empregadas de forma similar na produção dos textos, tal como entende Jerónimo
de San Jose e seus contemporâneos. Nos primeiros séculos do período que se
convencionou chamar de Idade Média, a história era considerada um gênero nobre que
exibia um relato mais amplo, belo e bem-escrito do passado, e a crônica aparecia como
um gênero menor, uma narrativa breve que situava os acontecimentos no tempo.90 Essa
distinção herdada da Antiguidade91 latina, que diferenciava um gênero maior de um
menor, considerava que a história, por ser uma obra autônoma, trazia em suas primeiras
páginas um prefácio, espaço em que o historiador discorria sobre as metas de seu ofício.
Ao passo que a crônica, um simples relato sequencial de datas e eventos – daí seu nome
derivar de chronos, que remonta à ideia de tempo em grego92 –, não apresentava essa
primeira parte introdutória.
Mantida por longo tempo, tal distinção passa a dissolver-se a partir do século XII,
quando a crônica, prima pobre da história, deixa de ser unicamente uma reunião de fatos
para se tornar uma narrativa autônoma, que conjuga a rigorosa ordem cronológica ao
relato detalhado e estilo belo mantidos pelo gênero histórico.93 Passa-se, então, a designar
a obra histórica por crônica, a forma utilizada pelos eruditos medievais para abrigar os
fatos do passado de modo completo e cronológico. Aparecem nesse período as crônicas
encomendadas pelos reis aos eclesiásticos para narrar os feitos ocorridos nos territórios
que muitos já chamavam de Espanha, como o Chronicon Mundi (1236) do bispo Lucas
de Tuy e o De rebus Hispaniae (1243) do bispo de Toledo Rodrigo Jiménez de Rada.94 A
intenção dessa escrita era registrar uma memória sobre o reino e seus governantes para 90 GUENÉE, Bernard. Histoire et Chronique. Nouvelles réflexions sur les genres historiques au Moyen Age. In: POIRION, Daniel. (Org.). La chronique et l’histoire au Moyen Age. Paris: Université de Paris-Sorbonne, 1986, p. 5. 91 Segundo Maravall, “Ya a mediados del siglo XVI, se había alcanzado un significado específico” do termo “Antigüidad”, sendo que essa palavra “não expresa globamente todo tiempo de los pasados sino un tiempo definido, cualquiera que sea la precisión que con esto se haga, en que vivieron aquellos grupos paradigmáticos de griegos y romanos”. RALLO GRUSS, Asunción. Humanismo y Renacimiento en la literatura española, p. 178. 92 REIS, Anderson Roberti dos; FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira. A crônica colonial como gênero de documento histórico. Revista Ideias. Campinas: IFCH, 13 (2), 2006, p. 25. 93 GUENÉE, Bernard. Histoire et Chronique, p. 10. 94 MITRE FERNÁNDEZ, Emilio. La historiografía sobre la Edad Media. In: ANDRÉS-GALLEGO, José. Historia de la historiografía española. Madrid: Ediciones Encuentro, 1999, p. 70.
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que não se perdesse com o decorrer do tempo, como mostram a General Estoria e a
Primera crónica general de España, também produzidas no século XIII, pela iniciativa
do rei sábio, Alfonso X.
A crônica como forma de escrita da história não se conserva, contudo, nos séculos
seguintes, pois, no início do século XIV, os historiadores retomam a antiga distinção que
definia esse gênero como uma simples anotação dos acontecimentos no tempo, e a
história, como um relato aprofundado e integral dos eventos do passado. Pode-se dizer
que a história tem novamente seu lugar elevado diante da crônica e passa a ser a forma de
escrita mais usual e estimada no período renascentista. Mas, enquanto muitos
consideravam escrever história, na verdade continuaram a escrever crônicas, retomando
mesmo a velha forma elaborada pelos gregos e romanos e o estilo belo que caracterizava
esse gênero antigo.95 Desde então, a contar do século XV ao XVI, ambos os vocábulos
perdem seus significados originais e passam a ser empregados alternadamente para
classificar os escritos históricos.96
As primeiras obras que tentam promover uma história geral sobre a Espanha nesse
período parecem ilustrar tal variância entre esses vocábulos. Em 1543, é publicada a
Crónica geral de España, inicialmente escrita pelo cronista Florián de Ocampo a pedido
do monarca Carlos V, continuada por Ambrosio de Morales, na segunda metade do
século XVI e, posteriormente, por Prudencio de Sandoval, no século XVII. Um pouco
depois, em 1571, Esteban de Garibay termina sua história, que denominou de Cuarenta
libros del compendio historial de las crónicas y universal historia de todos los Reinos de
España. Chamadas de histórias ou crônicas, essas produções apresentam o mesmo
modelo narrativo ao contar os sucessivos capítulos da história da Espanha. E seus
autores, mesmo intitulados cronistas, bem poderiam levar o nome de historiadores, pois,
nessa época, como escreve Gonzalo de Oviedo, em seu Libro de la Câmara Real del
príncipe Don Juan, “o mesmo título diz como deve ser e qual habilidade esse ofício
exige, pois deve escrever a vida e discursos das pessoais reais e os sucessos dos tempos
95 GUENÉE, Bernard. Histoire et Chronique, p. 11. 96 ORCASTÉGUI, Carmen; SARASA, Esteban. La historia en la Edad Media. Historiografía e historiadores en Europa Occidental: siglos V-XIII. Madrid: Cátedra, 1991, p. 29.
42
com a verdade e limpeza que se requer”.97 Ser historiador ou cronista na Espanha desse
período, declara Oviedo, correspondia ao mesmo ofício denominado pelos antigos de
historiador e pelos espanhóis de Castela “coronista, que não significa coisa alguma e
chronista um pouco mais”.98
Contemporâneos dessas obras, os relatos elaborados sobre o tema americano
também trazem em suas páginas a sinonímia dos termos história e crônica, empregada
por seus autores.99 Na chamada Crónica del Perú, por exemplo, o soldado Pedro Cieza de
Léon não deixa de recorrer à equivalência desses vocábulos ao declarar no prólogo da
crônica que “com maior confiança resolvi gastar algum tempo de minha vida escrevendo
história”.100 Mais adiante, quando expressa o desejo de contar “as grandes e peregrinas
coisas que há nesse Novo Mundo de Índias”, afirma que “por essa causa mais importante,
fiz e compilei esta história do que eu vi e tratei por informações certas de pessoas de fé
que pude alcançar”.101 De modo semelhante, na Crónica de la Nueva España, de 1565,
Cervantes de Salazar 102 assinala que “no discurso dessa história penso tratar
copiosamente as coisas memoráveis”.103 E, na Historia verdadera de la conquista de
97 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Libro de la Cámara Real del príncipe Don Juan, oficios de su casa y servicio ordinario. Edição crítica de Santiago Fabregat Barrios. Valência: Publicacions de la Universitàt de València, 2006, p. 162. 98 CABRERA DE CÓRDOBA, Luis. De historia para entenderla y escribirla. Madrid: Instituto de estudios políticos, 1948, Livro Primeiro, p. 29. 99 Ainda que a história e a crônica sejam os gêneros mais usados pelos espanhóis para narrar os assuntos sobre as Índias, as cartas, relações e os poemas épicos também abordam as descobertas e as conquistas americanas. As cartas eram a maneira utilizada pelos espanhóis para se comunicar com os ausentes, dada a longa distância que os separava nesse momento. Assim, os primeiros informes sobre essas novas terras vieram pela carta enviada por Colombo, em 1493, ao funcionário real Luis de Santángel e, anos depois, pela Mundus Novus de Américo Vespúcio, datada de 1502, que noticiava a existência da quarta parte do mundo. Já as relações, são relatos específicos sobre determinado tema solicitado pela coroa, como as Cartas de Relación elaboradas por Cortés durante sua expedição ao México. Embora não corresponda a uma escrita obrigatória, as cinco cartas respondem aos pedidos da coroa de receber “inteira relação” das regiões conquistadas. Por fim, pode-se elencar os poemas épicos que tratam da conquista espanhola, como La Araucana, composta por Alonso de Ercilla, em 1569. Mesmo distintos na transcrição dos acontecimentos, os escritos como a história-crônica, a carta, as relações e o poema épico ocupam o mesmo lugar nessa produção escrita por tratar comumente a presença espanhola nas Índias. Cf. MIGNOLO, Walter. Cartas, crónicas y relaciones del descubrimiento y la conquista. ÍÑIGO MADRIGAL, Luis. (Coord.). Historia de la literatura hispanoamericana. Época colonial. Madrid: Cátedra, 1982. 100 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 10. 101 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 10. 102 Francisco Cervantes de Salazar foi um humanista que se transladou para as Índias e se tornou um dos primeiros professores da Universidade do México, em 1536. Nomeado cronista oficial de Nova Espanha, escreveu a Crónica de Nueva España para narrar a conquista dessa região. 103 CERVANTES DE SALAZAR, Francisco. Crónica de la Nueva España. Madrid: Hispanic Society of America, 1914, p. 9.
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Nueva España, o autor não hesita em comentar que “estando escrevendo essa minha
crônica, por acaso vi o que escreveram Gómora, Illescas e Jovio nas conquistas de
México e Nueva España [...]”.104 Desse modo, um olhar atento para esses letrados que
escrevem à altura do século XVI revela o uso indistinto das palavras história e crônica
quando se referem às suas próprias obras. Mas não apenas no nome essa equivalência se
impõe, pois os relatos trazem aspectos simultâneos desses dois gêneros textuais, isto é,
uma narrativa dos acontecimentos em sua totalidade de forma ordenada e cronológica,
resultando, por fim, em uma obra autônoma sobre determinado tema. Além disso, esses
relatos dispõem de um prefácio, prólogo ou preâmbulo em suas páginas iniciais, parte em
que o autor usualmente se apresenta, anuncia suas intenções, discorre sobre as regras de
seu ofício, homenageia alguma personalidade ilustre e encerra a redação com pedidos
para a publicação da referida obra.
Historiadores ou cronistas são esses autores que se lançaram à redação dos textos
para deixar registradas as suas impressões sobre o Novo Mundo. Com perfis variados,
esses narradores escreveram tanto pelo encargo oficial de organizar e compilar as
matérias requeridas pela Coroa como, segundo os pretextos destacados por Gonzalo de
Oviedo, para “sua distração e memória” e “por desejar que por suas maliciosas linhas
haja memória daqueles que querem dizer, em dano aos que não queriam dizer” como,
ainda, “anotavam seus comentários, sem afinco algum, nem amor nem temor de homem
mortal, para fazer um memorial verdadeiro do que se passa segundo o que veem ou são
informados”.105 Poucos foram os cronistas oficiais que se dedicaram formalmente a
narrar os acontecimentos e tudo o que puderam saber sobre as novas possessões, visto
que a promoção de uma escrita oficial, por parte da Coroa, ocorreu em um segundo
momento, quando se institui o cargo de cronista de Índias em 1526.106 As primeiras
notícias que chegaram sobre as descobertas e as conquistas americanas – como também a
grande maioria das narrativas produzidas sobre esse assunto no século XVI – saíram
104 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 30. 105 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Libro de la Cámara Real, p. 163. 106 Vale dizer que embora essa escrita não seja oficial e, portanto, que não “recibe apoyo del poder o incluso es auspiciada por él”, sua narrativa mantém um registro histórico a favor dos interesses e preocupações da coroa espanhola. Evoca o mesmo compromisso da escrita autorizada de oferecer às futuras gerações uma memória sobre o pasado. KAGAN, Richard L. Los cronistas y la corona. La política de la historia en España en las Edades Media y Moderna. Madrid: Ediciones Marcial Pons, 2010, p. 24.
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principalmente da pluma de soldados, conquistadores, religiosos, capitães, pilotos, enfim,
daqueles “homens de ação”107 envolvidos com as viagens que, sem nenhum vínculo
institucional ou patrocínio régio, conciliaram suas tarefas comuns com o labor
historiográfico.108 O que indica certa particularidade dessas obras109 se considerarmos
que tanto a escrita como a produção do saber no período eram atividades exercidas por
um seleto grupo de letrados que se dedicava à tarefa histórica.
Muitos desses espanhóis, como o soldado Pedro Cieza de León, escreveram
enquanto ainda estavam em terras americanas, com o frescor e a vivência dos fatos ainda
presentes, entre uma pausa e outra de suas funções, segundo declara: “várias vezes
quando os outros soldados descansavam, cansava eu escrevendo”.110 Outros indicam que
a escrita de suas memórias se deu tempos depois de terminada a conquista, quando já
havia passado todo o furor dos acontecimentos, como no caso do soldado Bernal Díaz del
Castillo, que confessa, logo na primeira página da sua obra, estar “velho com mais de
oitenta e quatro anos” e não ter nenhuma riqueza para deixar aos seus filhos, salvo a sua
“verdadeira e notável relação”.111 Agustín de Zárate, nessa mesma condição, menciona,
na dedicatória de seu relato sobre o descobrimento e a conquista do Peru, que não pôde
“escrever ordenadamente esta relação no Peru [...] por estar em perigo de vida”.112 Já
Francisco López de Gómora, que nunca esteve nas Índias, compôs sua história da
conquista do México em seu gabinete, apoiado nos relatos oficiais de Pedro Mártir de
Anglería e Gonzalo de Oviedo, na leitura das Cartas de Relación e no relato oral
recolhido dos conquistadores Andrés de Tapia e do próprio Cortés. É possível, também,
que se tenha valido de outras informações adquiridas durante o período em que
frequentou, com outros personagens da conquista, as reuniões ocorridas na chamada
Academia de Valladolid.113
107 ANDERSON IMBERT, Enrique. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 17. 108 KAGAN, Richard L. Los cronistas y la corona, p. 401. 109 MIGNOLO, Walter. Cartas, crónicas y relaciones del descubrimiento y la conquista, p. 78. 110 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 9. 111 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. XXXV. 112 ZÁRATE, Agustín. Historia del descubrimiento y conquista del Peru, p. 5. 113 De acordo com John Elliott, a Academia de Valladolid criada na casa de Hernán Cortés era um local em que “se celebraban regularmente discusiones sobre asuntos de interés humanístico y religioso. El circulo de intelectuales que buscaba la compañía de Cortés hizo mucho para perpetuar su fama y sus ideas. Allí estaba Sepulveda, cuyo tratamiento de la cuestión de los indios es, seguramente, deudor de sus conversaciones con él; también Gómora, su primer biógrafo, que lo transformó en héroe típico de la historiografía del
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Pode-se, ainda, destacar os já mencionados cronistas oficiais que produziram suas
histórias desde a vivência na Espanha e no Novo Mundo, aliando, muitas vezes, a própria
experiência adquirida nessas terras ao conjunto de informações tomado de outros relatos.
Gonzalo de Oviedo, nomeado cronista oficial em 1532,114 escreve suas obras a partir do
que presenciou durante a passagem pelas Índias, em 1514, quando serviu como escrivão e
veedor das fundições de ouro na expedição comandada por Pedrarias D’Ávila, bem como
em outras sete viagens que realizou para o novo continente e com base nas notícias
fornecidas por “governadores, justiças e oficiais de todas as Índias”, que lhe deveriam dar
“aviso e relação verdadeira de tudo o que foi digno de história”115 através de uma cédula
real que autorizava o recebimento desses documentos. Como cronista oficial, Gonzalo de
Oviedo se destaca por reunir em sua obra os principais temas de interesse recomendados
pela Coroa, que pedia uma relação completa sobre “todas as coisas do Estado de Índias,
assim da terra como do mar, naturais e morais, perpétuas e temporais, eclesiásticas e
leigas, passadas e presentes”.116 Temas desdobrados nas obras que ele chamou, pela
primeira vez, de história natural e de história geral.117
A proposta de elaborar uma história natural118 sobre as Índias tem seus primeiros
contornos apresentados no Sumario de la natural historia de las Indias, em que descreve
“o caminho e navegação, depois o tipo de gente que habita aquelas partes, os animais
Renacimiento, o Cervantes de Salazar […]. ELLIOTT, John H. España y su Mundo, p. 66. Os motivos que levaram Cortés a organizar essas reuniões permanece, contudo, pouco conhecido. A Academia de Valladolid ou o “clube cultural”, segundo Jacques Lafaye, revela uma outra face desse conquistador: “pensador, filósofo, afeito à grandeza do espírito e aos nobres sentimentos”. LAFAYE, Jacques. Los conquistadores. México: Fondo de Cultural Económica, 2000, p. 175. 114 No cargo de cronista oficial de Índias, Gonzalo Fernández de Oviedo substitui o cronista de Castilla frei Antonio de Guevara. 115 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, p. 13, 14. 116 GONZÁLEZ BOIXO, José Carlos. Hacia una definición de las crónicas de Indias. Anales de literatura hispanoamericana, 1999, n. 28, p. 228. 117 Segundo o célebre historiador espanhol do século XVII, Jerónimo de San Jose, a História Natural “é aquela que compreende toda narração, descrição ou declaração de alguma coisa natural, de seu ser, ações ou propriedades, tal qual a história que escreveu Aristóteles sobre os animais e Plínio sobre as coisas e obras da natureza […]. Já a História moral, “compreende as ações, obras e sucessos que livremente emanam da vontade do homem, em cujo modo de agir livre consiste o que chamam os Teólogos de Moralidade. E, assim, a narração de tais obras e sucessos seria História Moral”. SAN JOSE, Jerónimo. Genio de la Historia, p. 34, 35. 118 De acordo com Walter Mignolo, a história natural produzida no século XVI tem um caráter “cumulativo e noticiário”, ao armazenar informações e dar continuidade ao conhecimento sobre os reinos vegetais e animais. Parece ser somente nos princípios do século XIX que surge uma descontinuidade ao detalhar e catalogar novos conhecimentos. MIGNOLO, Walter. Cartas, crónicas y relaciones del descubrimiento y la conquista, p. 80.
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terrestres, as aves, os rios, fontes, mares, peixes, as plantas, ervas e coisas que produz a
terra, e alguns ritos e cerimônias daquelas gentes selvagens”.119 Na Historia general y
natural de las Índias, publicada quando já era cronista oficial, Oviedo mantém a
descrição das coisas naturais baseada no modelo da Natural historia de Plínio, mas
agrega o que considerou ser uma história geral,120 isto é, os sucessos militares e
administrativos dos espanhóis nas terras americanas:
Uma coisa terá minha obra apartada do estilo de Plínio, que é relatar alguma parte da conquista destas Índias e dar razão de seu descobrimento e de outras coisas que, mesmo fora da Natural história, serão muito necessárias para saber o princípio e fundamento de tudo, e ainda para que melhor se entenda por onde os reis católicos Fernando e dona Izabel, avós de Vossa Cesárea Majestade, se moveram a mandar buscar terras [...].121
Por certo, esses temas apresentados na história elaborada por Oviedo,
especialmente os que se referem aos aspectos naturais das Índias, respondem a um
conjunto de prescrições emitido pela Coroa para orientar os cronistas sobre o que era
importante registrar das novas terras descobertas e conquistadas. Essas prescrições, assim
como a criação do Consejo Real y Supremo de las Indias em 1524, seguida da
oficialização do cargo de cronista, em 1526, indicam o interesse da monarquia espanhola
por conhecer melhor seus novos domínios a partir dessa época. Trata-se de medidas que
buscavam obter uma informação sistemática das terras americanas a partir de uma série
de orientações emitidas e transmitidas pelo Consejo de Indias aos cronistas. Dentre tais
orientações, vale destacar a cédula real emitida em 1530, que traz o requerimento da
Coroa exigindo um saber específico sobre as Índias, e a cédula datada de 1533, que
solicita a representação gráfica das imagens descritas nesses relatos e o apontamento mais
detalhado sobre a terra, seus nomes próprios, suas qualidades, suas gentes naturais, seus
119 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias, p. 80. 120 O’GORMAN, Edmundo. Cuatro historiadores de Indias. Siglo XVI. México: Sep/Setentas, 1972, p. 58. 121 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, p. 11.
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costumes e ritos particulares, rios, portos, animais e aves, enfim, tudo o que fosse
recolhido e “firmado com vossos nomes e enviado ao nosso Consejo de Indias”.122
Se, contudo, essas prescrições serviam para orientar a produção oficial das
diferentes obras relativas às matérias americanas e, também, as muitas histórias ou
crônicas que aparecem sobre esse tema a partir de 1530, vale referir que a escrita
elaborada por esses espanhóis apresentava um padrão de narrar cujos assuntos e temas
não variavam muito de uma obra para outra. Há sempre um esforço para contar uma
história que contemple os aspectos militares, como as guerras travadas diariamente com
os povos nativos pelo prosseguimento da conquista, os aspectos geográficos, quase
sempre expostos com base nas descobertas marítimas feitas pelos modernos espanhóis, os
aspectos naturais, como a descrição detalhada da fauna e da flora americanas, e os
aspectos morais, abordados a partir do ponto de vista religioso, por esses cronistas para
relatar as crenças e os cultos daquelas gentes, assim, ilustrando, a missão católica da
Coroa espanhola nessas terras. Mas não apenas o tema em comum ligava essas narrativas
escritas em diferentes tempos no século XVI, ora produzidas simultaneamente aos
acontecimentos, ora elaboradas depois de encerrada a conquista, visto que o propósito de
registrar a memória dos eventos e o de evidenciar as novidades sobre a América são
igualmente partilhados por esses autores. Além disso, a forma de narrar tais conteúdos,
também, seguia certo modelo a partir das próprias regras inerentes à escrita da história
desse período, tema discutido nas próximas linhas do trabalho.
O fazer histórico
Qualquer história, sendo verdadeira e bem escrita, traz não pouco proveito ao leitor, porque, segundo disse o sábio, o que foi, isto é, e o que será, é o que foi. São as coisas humanas entre si muito semelhantes
122 Cédula Real datada de 19 de dezembro de 1533. Cf. ENCINAS, Diego. Cedulario Indiano. Madrid: Ediciones de Cultura Hispânica, 1945.
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e dos sucessos de uns aprendem outros. (José de Acosta - Historia natural y moral de las Indias)
Em 1571, o nomeado cronista oficial do Peru, Diego Fernández de Palencia, ao
advertir sobre a importância da escrita nas primeiras páginas de sua obra, comenta que de
“todos os gêneros de escrita, a História é e sempre foi a preferida, porque é testemunha
dos tempos, luz da verdade, vida da memória, mestra dos costumes e mensageira fiel de
toda a Antiguidade”. Um pouco mais tarde, em 1611, o conhecido preceptor espanhol
Luiz Cabrera de Córdoba, ao refletir, em seu tratado De historia, para entenderla y
escribirla, sobre as partes que compõem a história, declara que tal matéria
[...] dá notícia das coisas feitas, por quem se ordenam as vindouras, sendo utilíssimas para consulta. Aquele que olha, pois, a história dos tempos antigos atentamente, guardando o que ensina, tem luz para as coisas futuras, pois o mundo é todo uma mesma maneira.123
Embora os dois autores pertençam a tempos diferentes e tratem de temas distintos, ambos
evidenciam a finalidade da história como instrutora dos homens através do tempo. Diego
Fernández atenta para tal fim ao sublinhar o magistério da história, dizendo que “pelas
coisas passadas julgamos as vindouras” sendo, por isso, “os historiadores dignos de ser
estimados, porque dão perpétua memória e fama às pessoas valorosas e a seus heroicos
feitos”.124 Cabrera de Córdoba, por sua vez, projetando em seu tratado a história como
guia para a diplomacia e política dos príncipes – sua obra é dedicada a Felipe III –,
considera o papel pedagógico dessa matéria por oferecer lições virtuosas dos tempos
antigos aos homens do presente.
A ideia da história como mestra da vida ou magistra vitae, cara ao modelo
clássico ciceroniano125 e vigente nos autores medievais,126 é atualizada pelos escritos
123 CABRERA DE CÓRDOBA, Luis. De historia para entenderla y escribirla, Livro Primeiro, p. 11. 124 FERNÁNDEZ DE PALENCIA, Diego. Crónica del Peru, p. CXX. 125 Para Cicero, a história é definida como uma galeria de exemplos tomados pelos homens para se orientarem no tempo presente. Ainda que antiga, tal premissa foi recuperada pelos estudiosos humanistas – fiéis aos modelos clássicos – e passou a nortear a escrita da história desses espanhóis que viveram e escreveram no século XVI.
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espanhóis produzidos durante o século XVI.127 Nessas obras, a história aparece definida a
partir do ponto de vista prático, ao se valer de experiências alheias retomadas do passado
para instruir as pessoas no presente. Como testemunha dos tempos, abrigava um
repertório de acontecimentos que deveriam ser apreendidos pelos seus leitores a fim de
que repetissem os sucessos e evitassem, assim, a recorrência de erros anteriores. É desse
modo, portanto, que a história apresenta um constante diálogo com o passado, pois, a
partir de seus exemplos, os homens poderiam se espelhar para agir no agora.
Muitas são as passagens em que os cronistas ou historiadores retomam trechos da
história dos tempos antigos como inspiração para contar as ações recentes e transmitir
novas lições aos seus leitores. Gonzalo de Oviedo, ao narrar as conquistas conduzidas por
Cortés, no México, não deixa de se reportar às palavras ditas por Cícero após o castigo da
conjuração de Catilina – “de vossa memória, oh! romanos, de vossa memória sejam
minhas coisas nutridas; crescerão por palavras e durarão pelas histórias”128 – para dizer
que as batalhas e as vitórias do Marquês do Vale devem “estar escritas não somente por
muitos autores e verdadeiros historiadores, nem somente esculpidas em colunas de
mármore, como os antigos do dilúvio escreveram os estudos e ciências das antigas artes,
para que não se perdesse a memória”, mas que é coisa “muito justa que na memória dos
que vivem, estejam escritas as façanhas e os feitos memoráveis de Hernando Cortés, e
que eles ensinem a seus filhos e os que demais procedam deles, de uma idade a outra, de
tempo em tempo [...]”.129 Em alusão ao episódio de Cícero, Oviedo sugere que, assim
126 No século VII, Isidoro de Sevilha considerava que pela história os sábios poderiam extrair exemplos necessários para se orientar no tempo presente. Um pouco mais tarde, no século XIII, Alfonso X, ao promover uma escrita da história destinada a narrar os “feitos da Espanha”, desde a Antiguidade até a morte de Fernando III em 1252, atenta para a utilidade dessa matéria por fornecer o acesso às coisas passadas e o conhecimento das vindouras. Tempos depois, no século XV, o cronista dos reis católicos Hernando del Pulgar igualmente sublinha tal utilidade da história por contar os fatos do passado aos homens do presente, instruindo, assim, o curso da vida. Cf. MITRE FERNÁNDEZ, Emilio. La historiografía sobre la Edad Media, 1999, p. 70. 127 Nessa questão estamos em diálogo com o historiador Reinhart Koselleck que considera que a premissa historia magistra vitae ou história mestra da vida “orientou ao longo dos séculos a maneira como os historiadores compreenderam o seu objeto ou até mesmo a sua produção”. Para esse historiador, tal expressão tem vida longa até o século XVIII quando, no iluminismo, há uma mudança da relação do homem com o tempo e o futuro deixa de ser uma repetição de um passado ilustre para abrigar o próprio devir. Em outras palavras, de acumuladora de grandes eventos, a história passa a ser definida a partir de um caráter progressivo, “cujo fim é imprevisível”. KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2006, p. 42. 128 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo IV, p. 142. 129 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo IV, p. 142.
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como os triunfos na jornada contra Catilina vivem nas histórias, a conquista de Cortés
deve permanecer na memória dos espanhóis como exemplo a ser aprendido. Nessa
passagem, o cronista expressa o caráter prático da história ao sugerir que os fragmentos
do passado atuam como um ensinamento para os seus respectivos leitores.
É apor meio dos fatos notáveis, portanto, que os homens aprendem a proceder
sabiamente no tempo presente. Daí a história pintada nessas obras – nomeadamente na
narrativa dos eventos relacionados à conquista – buscar o registro de um passado glorioso
para servir de modelo a seus pósteros. O que significa dizer que o empenho em contar as
ações virtuosas dos espanhóis nas Índias respondia ao compromisso moralizante
assumido pela escrita da história nessa época.130 Tal proposição aparece na crônica
elaborada por Pedro Cieza de León, quando explica, nas primeiras linhas do relato, que
escreve para que se conheçam em um tempo futuro as obras realizadas pela Coroa
espanhola, pois “aqueles que vendo os grandes serviços que muitos nobres cavaleiros e
mancebos fizeram à coroa real de Castilla, se animem e procurem imitá-los”.131 De forma
semelhante, Francisco López de Gómora comenta, na dedicatória da sua Historia de la
conquista de Mexico, ser a escrita do passado necessária para a “memória, aviso e
exemplo dos outros mortais”.132 E, seguindo a mesma linha, pode-se ainda destacar o
afamado historiador das Índias, Bartolomé de Las Casas, que, no prólogo de sua Historia
de las Indias, ao discorrer sobre a grande utilidade do conhecimento das coisas passadas,
retoma as palavras de Diodoro para anunciar que “o conhecimento que o homem adquire
nos escritos sobre os acontecimentos prósperos e adversos daqueles que os
experimentaram, contém doutrina salva de todos os perigos”, de modo que aquele que lê
histórias “sem dúvida nenhuma se torna sábio sem dano e sem perigo, antes à custa
alheia”.133
Nesse propósito pedagógico, não apenas a conduta notável dos espanhóis nas
Índias servia como fundamento moral para os historiadores. Com o mesmo intuito, as
más ações praticadas nessas terras – “traições, tiranias, roubos e outros erros”134 –
130 SERNA, Mercedes. Crónicas de Indias. Antología. Madrid: Ediciones Cátedra, 2005, p. 61. 131 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 11. 132 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia de la conquista de Mexico, p. 4. 133 LAS CASAS, Bartolomé de. Historia de las Indias. Venezuela: Biblioteca Ayacucho, 1986, v. 1, p. 7. 134 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 11.
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também eram elencadas com o objetivo de mostrar aos leitores os comportamentos
condenáveis que deveriam ser evitados. No discurso em que instrui como se deve
escrever a vida dos príncipes e dos varões ilustres, Cabrera de Córdoba declara que os
acontecimentos históricos devem “advertir os vícios e as virtudes” para que os homens
percebam “como corrigir o mal e confirmar o bem”.135 Com igualdade, o já mencionado
cronista Diego de Palencia, ao apresentar na dedicatória da obra as razões de sua escrita
sobre a conquista do Peru, comenta que a história serve para aconselhar mais aos
príncipes do que às demais pessoas, porque esses “têm maior necessidade de entender e
considerar várias e diversas coisas que nas histórias sempre se encontram, para corrigir as
mal feitas e manter as boas, honrosas e proveitosas”.136
Mas é Jerónimo de San José, no século seguinte (XVII), quem melhor destaca
essa lição sobre os “maus frutos como exemplos da história”, conforme esclarecem suas
próprias palavras: “ao mesmo passo e modo que os bons exemplos que refere a História,
leva à imitação, causa horror os maus (exemplos) quem os ouve”, de maneira que “para
se apegar ao bem, como para condenar e afastar o mal, aproveita singularmente a lição da
História, na qual, como em um limpo espelho enxergam os bons as alheias virtudes
desenhadas às suas, e os maus, enxergam nos alheios vícios os seus repreendidos.”137 A
metáfora do espelho evocada nesses escritos busca, ainda, mostrar que as ações do
passado servem como um reflexo para os homens se conduzirem no presente. Lorenzo
Galíndez de Carvajal, conselheiro do monarca Carlos V, vale-se desse exemplo para dizer
que, como um espelho, o ofício da história é “pôr diante dos olhos do entendimento o mal
e o bom do passado, para que os pósteros imitem o bom e se distanciem do mal”.138 É por
isso que os autores devem sempre procurar contar a verdade em suas histórias, conforme
assevera Juan Luis Vives, pois, igual a um espelho, “se refere falsidades o espelho será
falso e devolverá uma imagem que não haverá recebido. Tampouco será verídica a
135 CABRERA DE CÓRDOBA, Luis. De historia para entenderla y escribirla, p. 120. 136 FERNÁNDEZ DE PALENCIA, Diego. Crónica del Peru, p. CXXII. 137 SAN JOSE, Jerónimo. Genio de la Historia, p. 7. 138 GALÍNDEZ DE CARVAJAL apud KAGAN, 2010, p. 103.
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imagem se for maior ou menor que a realidade, quer dizer, se o historiador diminui o
sucesso ou o encarece”.139
Todas essas orientações sobre a história e o seu potencial pedagógico na
reprodução dos acontecimentos são, de alguma forma, indicativas do modo como esses
autores definiram as bases que sustentavam a narrativa sobre o passado. Mais
precisamente, tal reflexão que aparece no espaço de suas obras – a saber, nas crônicas,
histórias, relatos, tratados, manuais, comentários e outras produções dessa época –
fornece elementos para entendermos as regras que orientavam a escrita e a elaboração da
história como gênero utilizado para registrar os eventos. Regras e normas que são
apresentadas por esses historiadores em seus textos, especialmente nos prólogos, onde
enunciam suas intenções com a obra, e legitimadas pelas instituições que detinham o
poder sobre a produção de escritos nesse período, como a corte espanhola e seus órgãos
administrativos, nesse caso específico, o Consejo Real y Supremo de las Indias. Eram
essas instituições, portanto, que regulavam e divulgavam, mediante cédulas e ordenações
reais, tais preceitos referentes à narrativa da história.140 Em geral, os relatos elaborados
sobre os novos domínios americanos partiram das orientações feitas pelo Consejo, que
prescreviam tanto o conteúdo abordado, isto é, as matérias que deveriam ser
mencionadas, como a própria forma da escrita desses fatos.141
O compromisso com a verdade
Entre as muitas regras que davam sentido à escrita da história nessa época, o
compromisso de contar a verdade ou narrar os acontecimentos conforme haviam ocorrido
no passado aparece com mais regularidade nesses relatos. Há sempre, nos proêmios ou na
139 LUIS VIVES, Juan. In: FRANKL, Victor. El “antijovio” de Gonzalo Jiménez de Quesada y las concepciones de realidad y verdad en la época de la Contrarreforma y del manierismo. Madrid: Ediciones Cultura Hispanica, 1963, p. 122. 140 De acordo com Enrique Pupo Walker, era por meio do Consejo Real y Supremo de las Indias que se “reprodujeron de manera sucesiva ordenanzas que prescribían en detalle los procedimientos historiográficos que debían seguirse”. PUPO WALKER, Enrique. La vocación literaria del pensamiento histórico en América. Desarrollo de la prosa de fición: siglos XVI, XVII, XVIII y XIX. Madrid: Editorial Gregos, 1982, p. 70. 141 GONZÁLEZ BOIXO, José Carlos. Hacia una definición de las crónicas de Indias, p. 226.
53
dedicatória, a indicação de que os autores não devem se eximir de contar
verdadeiramente os fatos sobre determinado evento. Não é por acaso que Diego de
Palencia, na sua Crónica del Peru, lembra que o principal aviso da história deixado por
Cícero é “que ninguém se atreva a escrever mentira e nem calar a verdade” em seus
textos e que ao escrever “não sejam suspeitos de descontentamento, paixão ou interesse”,
pois o “verdadeiro fim do cronista há de ser a verdade, pura e limpa”.142 Valendo-se
dessa afirmativa, Palencia aconselha aqueles que querem escrever sobre os eventos
ocorridos no Peru a transmitirem o passado com isenção de qualquer sentimento que
possa distorcer a história, “averiguando a verdade por si ou por escrituras e, se não for
possível (ou não puderem), procurando a relação verdadeira de tais pessoas, que nem por
si e nem por outro, lhes corresponda ambição ou interesse”.143 Em sua esteira, Pedro
Cieza de León também orienta nesse sentido ao revelar seus próprios meios para a
obtenção dos fatos. Aponta, na sua obra, que para saber a verdade sobre as matérias
narradas “andou por toda a terra, tratou, viu e soube das coisas que nessa história aborda”
a fim de não distorcer sua escrita ou “misturar com coisa mal intencionada”.144 Reitera,
ainda, que tudo o que conta é o testemunho de seus “próprios olhos” porque, estando
presente nas Índias, percorreu “muitas terras e províncias para ver melhor” e o que não
viu tratou de se informar a respeito, “com pessoas de grande crédito, cristãos e índios”.145
Essa preocupação de “dizer muito claramente a verdade, sem inserir coisas que a
diminuam e a acrescentem”,146 é igualmente compartilhada na narrativa elaborada por
Hernán Cortés.
O anseio desses cronistas por certificar a verdade dos fatos históricos estava
amparado na crença de que os textos poderiam refletir fielmente os acontecimentos
referentes às descobertas e às conquistas americanas. Pelo que sugerem em suas crônicas,
tais autores procuravam transmitir a realidade tal como ela se apresentava aos seus olhos,
ou melhor, buscavam reproduzir de maneira transparente o que viram e observaram
142 FERNÁNDEZ DE PALENCIA, Diego. Crónica del Perú, p. 12. 143 FERNÁNDEZ DE PALENCIA, Diego. Crónica del Peru, p. 16. 144 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 5. 145 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 10. 146 CORTÉS, Hernán. Segunda Carta de Relación. In: Cartas de Relación, p. 138.
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nessas terras. Concebiam, portanto, a escrita como um “espelho do mundo”147 que refletia
com exatidão os eventos ocorridos, o que será, tempos depois, visto como um problema
para o fazer histórico da modernidade que, distante dessa definição, questionará a
possibilidade da reprodução fiel dos fatos.148 Dessa forma, suas crônicas estavam mais
próximas à ideia sintetizada pelo tratadista espanhol Juan Luis Vives de que “a história é
a imagem da verdade” e uma imagem “exatíssima, que não faz a realidade nem maior
nem menor [...]”.149 Ou, ainda, ao entendimento do também tratadista de mesma origem
Luis Cabrera de Cordoba, que, no século seguinte, afirma que a verdade consistia na
“confirmação do certo, negativa do incerto, que mostra as coisas como se passaram”.150
É com base nessa definição que o soldado Bernal Díaz declara, na primeira página
da Historia verdadera..., que escreve “muito linearmente, sem distorcer a uma parte, nem
outra”151 os feitos realizados durante a conquista da Nova Espanha. A julgar que os fatos
deveriam ser transmitidos exatamente como sucederam no passado, o cronista se propõe
a narrar, nas palavras dele, “com muita certa verdade” sem particularizar os feitos em um
só capitão, mas em “cada um dos valorosos capitães e fortes soldados” que estiveram
envolvidos com a conquista.152 Essa postura o leva a rebater os autores “que não tiveram
notícia verdadeira” sobre os eventos e falam “ao sabor de seu paladar”, obscurecendo as
ações de uns e favorecendo a atuação de outros.153 A pretensão, pois, de narrar a
conquista para que “não mais se aniquilem os fatos”,154 sugerida nas muitas páginas da
obra, revela o valor conferido à verdade para a escrita da história.155
147 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 23. 148 FRANÇA, Susani Silveira Lemos. A história como reflexo e ensinamento. In: Questões que incomodam o historiador. São Paulo: Editora Alameda, 2013, p. 177. 149 LUIS VIVES, Juan. In: FRANKL, Victor. El “antijovio” de Gonzalo Jiménez de Quesada, p. 122. 150 CABRERA DE CÓRDOBA, Luis. De historia para entenderla y escribirla, p. 41, 42. 151 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. XXXV. 152 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 2. 153 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 1. 154 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 1. 155 Não muito distante do que afirma esse cronista, mas já no século seguinte, encontramos nas páginas romanceadas de Dom Quixote, do escritor espanhol Miguel de Cervantes, semelhante orientação para que os historiadores escrevam conforme a verdade. Pela boca de seu personagem mais ilustre, o cavaleiro da região da Mancha que dá nome ao livro, Cervantes escreve em certa altura que devem ser “os historiadores muito pontuais, verdadeiros e nada apaixonados, sem que nenhum interesse, nem temor, nem ódio, nem afeição os desviem do caminho direito da verdade, que é filha legítima de quem historia [...]”.155 Malgrado essas linhas pertençam ao contexto narrado pelo referido romance, suas palavras valem para exemplificar o compromisso com a verdade que devem assumir os historiadores durante a tarefa de narrar o passado,
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A relação da história com a verdade, que, na linguagem desses cronistas traduz-se
pelo enunciado “contar as coisas conforme se passaram”, deve ainda ser considerada a
partir da distinção proposta nessa época entre fazer história e fazer poesia. Para esses
letrados, a fronteira entre essas duas escritas deveria estar clara, pois, conquanto as
caracterizem como gêneros narrativos, consideram que a história tem como princípio a
transmissão da verdade, e a poesia,156 sem limites definidos por sua faculdade, aproxima-
se do fantasioso, alterando os eventos e narrando as coisas como gostaria que fossem, e
não como foram. Segundo Cabrera de Córdoba, no discurso em que trata Das partes y
definición de la historia, a poesia “busca fora da matéria muitas vezes verdadeiras,
prováveis ou falsas, sem semelhança de verdade, para [...] que pareçam maravilhosas e
mais estupendas, para que deleitem mais”, já a história “tem seus fins e dentro deles seus
confins da matéria que tem tomado para escrever, e não pode sair deles nem mudar coisa
alguma; sendo assim, nem a põe, nem a retira, mas narra a verdade do fato”.157 É a escrita
verdadeira dos casos, então, que difere a história das outras narrativas, como a poesia e a
fábula, essa última também considerada um relato de mentiras. Questão que é melhor
explicada pelo historiador Jerónimo de San Jose, no supracitado Genio de la Historia:
Pela palavra verdadeira se distingue a narração histórica da fabulosa e da poética; porque aquela toda (a fabulosa) é fingida e falsa, e esta (a poética) sobre o verdadeiro costuma fingir, de sorte que altera a verdade. Mas a história deve ser toda e de todas maneiras verdadeira, não somente pela forma de narrar, mas também pela matéria que aborda [...].158
Ao distinguir a história das suas correspondentes, esse letrado não deixa dúvida quanto ao valem ainda para indicar que tal compromisso é um valor próprio do fazer histórico dessa época. SAAVEDRA CERVANTES, Miguel. Dom Quixote da Mancha. Segunda parte. Onde se conclui a estupenda batalha que o Galhardo Basco e o Valente Manchego travaram. São Paulo: Editora Penguin Companhia das letras, 2012, p. 124, 125. 156 Nessa época, a história se sobrepunha à poesia não apenas pela verdade sobre a verossimilhança, mas também pelo caráter útil e instrutivo dos conhecimentos históricos. Os autores dos poemas épicos desse período, segundo María José Vega, “no sólo se acogen al prestigio de la historia como arte mayor, sino también a sus protocolos de indagación y escritura, al modo de adquirir conocimientos y conferir testimonios, al uso de fuentes documentales y a la interrogación de testigos, al concepto, pues, de la verdad histórica como producto del método y del estudio”. JOSÉ VEGA, María. Idea de la épica en la España del Quinientos. In: JOSÉ VEGA, María; VILÀ, Lara. La teoría de la épica en el siglo XVI. (España, Francia, Italia y Portugal). España: Editorial Academia del Hispanismo, 2010, p. 111. 157 CABRERA DE CÓRDOBA, Luis. De historia para entenderla y escribirla, p. 26. 158 SAN JOSE, Jerónimo de. Genio de la Historia, p. 38.
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valor outorgado à verdade e chega mesmo a tratar a poesia e a fábula como gêneros
menores por julgar a falta de autenticidade de seus conteúdos. Talvez, por isso os
cronistas que escrevem sobre as Índias se mostrem tão preocupados em afirmar a
veracidade do que contam, pois a sutil diferença entre esses gêneros poderia definir seus
relatos como não verdadeiros. Gonzalo de Oviedo, por exemplo, adverte, na sua Historia
general..., que escreve “história verdadeira e desviada de todas as fábulas” que outros
autores se atrevem a escrever. Mais tarde, ao referir-se aos assuntos descritos em sua
obra, adverte que o leitor “não lê fábulas nem coisas acumuladas por passar o tempo
falando com ornada oração ou estilo, como alguns fazem, porque de tudo isso carece
esses tratados, que somente são escritos para informar verdades e segredos da natura
[...]”.159 Nesse mesmo texto, continua sua defesa ao esclarecer que não deixará de
escrever “o que tem visto e entendido destas maravilhosas histórias tão novas e tão dignas
de ser ouvidas”, assim, contrariando o gosto dessa “geração tão multiplicada de fábulas”
e leituras vãs.160 Conclui, por fim, que as notícias que pôde saber “podem ser acreditadas
fielmente e ter por certíssimo, porque César não quer fábulas, nem eu as saberei dizer,
senão o que de semelhantes matérias se deve pronunciar diante de Vossa Majestade”.161
O cronista, como seus pares, buscava esclarecer que as coisas contadas e descritas
não resultavam de contos de fábula ou invenções tal como as relatadas no Amadís de
Gaula ou nas demais novelas de fantasias162 lidas nessa época, mas de sua própria
experiência vivenciada nas Índias. Com igual preocupação, o soldado Pedro Cieza de
León ressalta, na apresentação de sua Crónica del Perú, que o que escreve “são verdades
e coisas de importância” que em “nossos tempos ocorreram”,163 durante a conquista do
Peru. Da mesma forma, Francisco López de Gómora, embora não se apoie na condição
de testemunho presente para autentificar sua história, porque nunca esteve nessas regiões,
159 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, p. 56, Tomo II. 160 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, p. 182, Tomo II. 161 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, p. 7, Tomo II. 162 De acordo com Irving Leonard, em linhas gerais “esas novelas eran largos relatos sobre imposibles hechos de héroes caballerescos en extrañas tierras encantadas llenas de monstruos y criaturas extraordinarias, y presentaban un concepto idealizado y en extremo imaginativo de la vida en que la fuerza, la virtud y la pasión tenían un carácter sobrenatural”. LEONARD, Irving. Los libros del conquistador. México: Fondo de Cultura Económica, 1996, p. 26. 163 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 9.
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garante, na parte intitulada “aos leitores”, da Historia de la conquista do Mexico, que
“tenho trabalhado para dizer as coisas como se passaram”.164
A recorrência desses anúncios nos relatos sobre o tema da conquista indica, pelo
menos no que se refere à construção da narrativa, que, para esses cronistas, suas obras
aspiravam a ser uma história, fonte verdadeira do passado e versão que os leitores podiam
confiar ao informar-se sobre as terras descobertas pelos espanhóis. Daí a necessidade de
afirmar por diversas vezes os meios empregados para conhecer a verdade dos fatos
contados nas crônicas. Veremos, a seguir, como muitos desses cronistas se pautam no
testemunho próprio nos eventos para validar tal autenticidade de seus relatos.
Os modos de escrita
[...] historia trae su origen de la voz griega “isorien”, que suena como ver, como si el que narra hubiera visto y sido testigo ocular de lo que narra. (Luis Vives – De ratione dicendi)
Junto ao compromisso de dizer a verdade, boa parte dos cronistas aqui
mencionados recomendava que melhor seria uma escrita simples, amparada na
observação pessoal do autor, do que uma escrita culta e rebuscada dos letrados que
permaneceram distantes dos acontecimentos. Dito de outro modo, eles ponderavam que a
condição presente do narrador na América tinha mais peso para a escrita da história do
que o domínio das normas estilísticas do texto, pois, conforme indicam em suas obras,
aqueles que testemunharam a conquista, mesmo que desprovidos das boas letras,
escreviam com maior grau de verdade. A história era valorizada, nesse sentido, não pelo
estilo do texto elaborado, mas pela fiabilidade dos conteúdos nela apresentados.
O caso que envolveu Bernal Díaz e o seu desafeto Francisco Lopez de Gómora
exemplifica essa questão. Comenta o cronista que, ao ler a Historia de la conquista de
164 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia de la conquista de Mexico, p. 5.
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Mexico, assinada por Gómora,165 deixou de escrever a versão sobre esse evento por julgar
que as suas palavras, “grosseiras e sem primor”, não poderiam confluir com as “boas
histórias” escritas pelo clérigo. Mas, à medida que atenta para o conteúdo narrado por
Gómora e seus seguidores, observa que “as práticas e razões que dizem em suas
histórias” não estão corretas e que “desde o início, meio e fim não falam o que se passou
na Nova Espanha”, sendo eles muito “viciosos” em tudo o que escrevem. 166
Considerando que o “verdadeiro método e agradável compor é dizer a verdade no que se
tem escrito”,167 o cronista decide prosseguir com sua relação para que “saia à luz” os
acontecimentos da conquista conforme ocorreram. De modo similar, o soldado Pedro
Cieza de León justifica a mesma falta de domínio das palavras em sua narrativa sobre os
episódios sucedidos no Peru e, logo no início da obra, defende que se a sua história não
vai escrita com a “suavidade que dá às letras a ciência e nem com o ornato que requer” as
regras textuais, “ao menos vai cheia de verdades” em suas partes.168 Hernán Cortés, nessa
mesma linha, pede que a coroa o perdoe por não contar como deve “todas as coisas destas
partes e novos reinos” pela sua “falta de habilidade”, mas garante o esforço para “dizer a
verdade e o que ao presente é necessário que Vossa Majestade saiba”.169
Já Agustín de Zárate legitima a sua Historia del Peru valendo-se do argumento
em comum de que melhor seria um texto simples e fiel aos acontecimentos passados do
que um texto polido “com melhores palavras e ordem”, mas pouco confiável.170 Ao dar
importância ao conteúdo e não à forma escrita, o cronista opina que a história deve
contentar os seus leitores pelo conhecimento verdadeiro apresentado, pois, mesmo sem
eloquência, sua redação “deleita e agrada porque por meio dela se alcançam novos
conhecimentos a que os homens têm natural inclinação”.171 Tal declaração se encontra na
base do próprio fazer histórico afirmado por esses cronistas que, como Zárate,
165 Gómora propõe um estilo “adecuado (llano, al modo que ahora se usa), que prepara y distingue las partes de la obra que dirige no sólo al emperador o al hijo de Cortés, sino también a los lectores e incluso a los futuros trasladadores a otras lenguas”. RALLO GRUSS, Asunción. Humanismo y Renacimiento en la literatura española, p. 218. 166 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 30 167 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 30 168 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. XXXI. 169 CORTÉS, Hernán. Segunda Carta de Relación, p. 87. 170 ZÁRATE, Agustín de. Historia del descubrimiento y conquista del Peru, p. 6. 171 ZÁRATE, Agustín de. Historia del descubrimiento y conquista del Peru, p. 6.
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recomendavam, nos proêmios172 de suas obras, uma escrita verídica e aprazível pelo
conteúdo narrado. No caso dos temas abordados serem novos, maior contentamento
trariam as suas páginas pois, para esses autores, a história era estimada quanto mais
apresentasse coisas novas e variadas.173
O cronista oficial Gonzalo de Oviedo sustenta essa mesma justificativa, ao
comentar que a sua Historia general..., não possui a “qualidade que requer prolixa oração
e ornamento de palavras”, como tem a história de Plínio que lhe serve de modelo, mas é
“agradável de ouvir” por informar fielmente as “coisas grandes e muito novas” vistas e
experimentadas por ele nessas terras.174 Valendo-se dessa assertiva, reporta, em sua obra,
a diversidade de línguas, hábitos, costumes das gentes, a variedade de animais, de árvores
e seus múltiplos gêneros de frutas, as plantas e ervas úteis ao homem, as aves, as
montanhas altas e férteis, os rios navegáveis, os mares e seus bons portos, enfim, tudo o
que “desse grandíssimo e novo império se poderia escrever” por julgar “tão admirável o
conhecimento dele”.175 Informes que procedem do testemunho próprio durante o tempo
em que passou “reunindo e inquirindo por todas as vias que pôde”176 o certo sobre tais
matérias e que, segundo sua avaliação, compensaria a escrita sem ornamento dessa
história.177 Seguia, assim, os autores do passado que “escreveram sobre semelhantes
matérias” e os famosos poetas “Orfeu, Homero, Hesíodo, Píndaro que não puderam
contar com tão grande labor”178 para redigir as agradáveis maravilhas descobertas em seu
tempo.
Um dos poucos espanhóis que transitou por vários anos entre o Velho e o Novo
Mundo, Oviedo teve uma longa experiência nas regiões americanas, o que o deixou
próximo dos acontecimentos descritos na sua Historia general..... É justamente essa 172 Como já discutido, o prólogo é o espaço em que o autor discorre sobre o estilo e o modo como a história deve ser escrita. Cf. CORTIJO OCAÑO, Antonio. Creación de una voz de autoridad en Bartolomé de Las Casas: estudio del “prólogo” de la Historia de Indias. Revista Iberoamericana, nº 61, 1995. 173 Cf. MARAVALL, José Antonio. Antiguos y modernos – visión de la historia e idea de progreso hasta el Renacimiento. Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 443. 174 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 10. 175 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 8. 176 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 9. 177 De acordo com Richard Kagan, a primeira parte da Historia general… de Gonzalo de Oviedo, publicada em 1535, “se trataba seguramente de la primera historia de las Indias escrita por un autor que podía, con derecho, reclamar haber sido testigo de muchos de los acontecimientos que narraba”. KAGAN, Richard L. Los cronistas y la corona, p. 221. 178 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 158.
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condição de testemunho que ele recupera em diversos trechos do texto para legitimar sua
escrita simples e sustentar a autoridade pessoal sobre a narrativa dos fatos, como indica
em certa passagem:
Só uma coisa quero apontar e não a esqueça quem a lê: é que, assim como a todos quantos do mundo escreveram sobre semelhantes matérias lhes faltaram o objeto, e não pôde nenhum escritor encontrar tanto o que dizer para relatar ou notificar semelhante história, assim, ao contrário, é a minha história falta da minha língua e habilidade. Mas espero, sendo Deus servido e suprindo minhas faltas, dizer e expressar na segunda e terceira partes destas histórias todo o que dela se há de referir, com muito contentamento aos homens de doutrina e a bom gosto de outras gentes. (Porque essas coisas) não extraí de dois mil milhões de volumes que li [...], mas eu acumulei todo o que aqui escrevo de dois mil milhões de trabalhos e necessidades e perigos em vinte e dois anos e mais que vejo e experimento em minha pessoa estas coisas, servindo a Deus e a meu rei nestas Índias, e havendo passado oito vezes o grande mar Oceano.179
Se, por um lado, enaltece a sua vivência como fonte de conhecimento das matérias
americanas, conforme sugere nesse trecho, por outro, não tem a mesma conduta quando
se refere aos autores que, com aprimoradas letras, mas sem ter passado pelas Índias,
redigiram seus relatos:
Por certo, eu vejo coisas escritas desde Espanha sobre estas Índias e me surpreendo como ousaram os autores dizer delas, apoiados em seus elegantes estilos, mas sendo tão desviados da verdade como o céu é da terra; e se desculpam ao dizer que “assim ouviram” e mesmo que “não viram” entenderam de pessoas que viram e deram a entender [...]180.
Esse fragmento é bem significativo por traduzir de forma clara a oposição lançada por
Oviedo aos historiadores que relatavam os eventos americanos, segundo ele, “mais
179 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 11 e 158. (Grifos meus). 180 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 14. (Grifos meus).
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próximos do bom estilo que da verdade sobre as coisas que contam”. 181 Mais
especificamente, o cronista faz referência aos que seguem formalmente as regras cultas
recomendadas para a escrita do texto, 182 como as pontuadas, entre outros, 183 pelo
tratadista Luis Cabrera de Córdoba no discurso Del estilo y elegancia del historiador, que
integra o seu ensaio, como diz: “espera-se do historiador elegante estilo limpo, corrente,
alto, trabalhado com diligência” e que use “palavras elegantes, com arte colocadas e
eleitas”, bem como sejam “convenientes às coisas que se vai dizer, para que seja suave e
grave a narração”.184 Contrariamente, Oviedo sugere que a escrita da história sobre os
episódios ocorridos na América não requer nenhum adorno de palavras, posto que a
narrativa da verdade deve ser clara e livre de retórica. Somente no proêmio que abre a
Historia general y natural..., encontram-se, ao menos, quatro menções do cronista
reprovando o modo de escrever utilizado por tais historiadores, bem como reiteradas
indicações ao longo da extensa obra que sintetizam essa crítica inicial. Razão que pode
ser entendida a partir de dois pontos.
O primeiro, talvez, esclareça que essa crítica aos autores que valorizam mais o
estilo do que os conteúdos apresentados seja um recurso para compensar a falta das “boas
letras” nos textos, pois vale lembrar que muitos cronistas, como Oviedo, não pertenciam
ao círculo restrito de letrados da sociedade espanhola quinhentista, de onde saíam os
historiadores de ofício encarregados da escrita do passado. Possivelmente, uma boa
parcela desses homens teve a primeira experiência como escritor ao narrar a conquista
espanhola da qual foram personagens.185 Para completar essa ideia, é bom redizer que a
181 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 9. 182 Segundo Ramón Iglesia, essas regras ficam ainda mais evidentes no século posterior quando há uma maior preocupação com a forma do texto, sendo que “no se hace historia, sino tratados sobre la maneira de escribirla, en los que se discuten las cualidades y dotes que debe poseer el historiador”. IGLESIA, Ramón. Cronistas e historiadores de la conquista de Mexico, p. 251. 183 São eles: Juan Luis Vives, nos tratados De tradendis disciplinis e De causis corruptarum artium (1531), Sebastian Fox Morcillo, no De historiae institutione dialogus (1557), Juan Costa no De conscribenda rerum historia libri duo (1591), Juan Paes de Castro no seu Método para escrebir la Historia (editado somente, em 1892, por Eustasio Esteban), Baltazar de Céspedes no Discurso de las letras humanas (1600) e os já referidos nesse estudo Luis Cabrera de Córdoba no De historia, para entenderla y escribirla (1611) e Fray Jerónimo de San Jose no Genio de la historia (1651). Todos esses tratados aparecem nessa época com a finalidade de refletir sobre as metas do fazer histórico antes encontradas notadamente nos prólogos ou nos inícios das obras. 184 CABRERA DE CÓRDOBA, Luis. De historia para entenderla y escribirla, p. 125, 130. 185 Segundo Ramón Iglesia, a tendência erudita de escrever a história desde a Espanha passou a conviver com o relato popular elaborado por aqueles conquistadores que, com seu “gozoso afán de contemplar
62
grande parte dos cronistas que até agora temos consultado era de soldados, ou pelo menos
partiu, inicialmente, nessa condição para as Índias; outros, funcionários que embarcaram
para exercer algum cargo burocrático recomendado pela Coroa; e, ainda, em menor
número, havia os religiosos, que, mesmo com alguma intimidade com as palavras, não
representavam nenhum escritor de ofício. Isso significa que poucos eram os que
dominavam as regras estilísticas para compor uma história rebuscada de acordo com o
que era exigido nessa época186 e, menos ainda, os que podiam se lançar à aventura da
escrita eloquente de que se valiam os mais cultos. Pedro Cieza de León, nesse caso, chega
mesmo a lamentar que como aos “grandes juízos e doutos” foi concedido o ofício de
compor histórias, porque manejam a pena “com claras e sábias letras”, que não conhecem
os “não tão sábios”,187 a sua crônica seria uma temeridade pela ausência de tais atributos.
No entanto, ao avaliar que mais importava a transmissão verídica dos capítulos vistos e
vivenciados nas Índias do que a boa escritura, opta pelo prosseguimento da sua narrativa.
O segundo ponto tem que ver com o fato de que o compromisso de transmitir uma
história transparente, mesmo em detrimento da estética do texto, parece indicar um modo
de narrar característico dessa literatura de viagens que aflora no contexto da conquista
espanhola do século XVI. Um modo em que o esforço por contar fielmente os
acontecimentos americanos, sustentado na observação direta dos autores, sobrepunha-se a
qualquer outro para a redação da obra.188 O comprometimento com uma história bem-
escrita, tal como requeriam as regras do fazer histórico, assim, tornava-se secundário para
esses cronistas empenhados em transmitir a verdade.189 Para muitos, como Las Casas, a
excessiva eloquência do relato poderia prejudicar a clareza da narrativa, uma vez que a
escenarios nunca vistos y de realizar hazañas descomunales” na América, deixaram os mais variados registros sobre essa experiência. IGLESIA, Ramón. Cronistas e historiadores de la conquista de México, p. 245. 186 Stephen Greenblatt, assinala que “na poética renascentista, o estilo é frequentemente tido como roupa elegante e, assim, a insignia do status do autor”. GREENBLATT, Stephen. Possessões maravilhosas. O deslumbramento do Novo Mundo. São Paulo: EDUSP, 1996, p. 189. 187 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 9. 188 CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. Cómo escribir la historia del Nuevo Mundo. Historiografía, epistemologías e identidades en el mundo del Atlántico del siglo XVIII. México: Fondo de Cultura Económica, 2007, p. 48. 189 No século XVII, há uma maior preocupação com a forma do texto ao ponto de que “no se hace historia, sino tratados sobre la maneira de escribirla, en los que se discuten las cualidades y dotes que debe poseer el historiador”. IGLESIA, Ramón. Cronistas e historiadores de la conquista de Mexico, p. 251.
63
“história verbosa era sinônimo de história fabulosa e fingida”. 190 Outros,
complementarmente, julgavam que seus relatos deveriam reproduzir fielmente as
matérias americanas sem que nenhum ornamento ou adorno com as palavras desviasse os
propósitos da escrita.
E aqui retomamos a querela envolvendo os nomes de Bernal Díaz e Francisco
López de Gómora. Na Historia verdadera..., há uma sequência de fatos em que o autor
contesta a validade dos conteúdos apresentados por Gómora, narrador ausente nas Índias.
Em diversas passagens, sobretudo naquelas em que pretende afirmar sua narrativa como
verdadeira, retoma o caso desse clérigo para rebater a escrita apurada e elaborada dentro
de um gabinete sem a observação direta dos acontecimentos. Postura que se repete em
outros cronistas, que lançam a mesma crítica para afirmar um modo próprio de escrever a
história da conquista espanhola baseada na experiência do autor.191 Gonzalo de Oviedo,
por exemplo, declara que as coisas que conta nos primeiros livros que compõe a sua
História general y natural... e que contará nos demais são ditas e escritas “com
verdadeira intenção e esforço do que viu e alcançou”192 para saber sobre as matérias
americanas. Comenta que seu desejo é preencher suas páginas “com verdadeiras linhas e
não com fábulas que vão escritas desde Espanha sobre essas coisas de Índias”, pois,
mesmo sem a elegância das letras, considera que a escrita honesta sempre apresenta
matéria e “assunto de que se maravilhem os homens”.193 A vivência naquelas terras,
como se nota, é destacada para legitimar a referida obra e invalidar as outras elaboradas
por aqueles que não estiveram presentes. É nesse sentido, portanto, que o testemunho do
autor aparece como um elemento importante para a escrita da história frente às
informações adquiridas pelo depoimento de terceiros que, conquanto aceito na ocasião do
cronista estar ausente nos eventos, não detinha o mesmo valor, segundo Oviedo, quando
comparado à própria observação do narrador.194
Todas essas considerações sugerem que se, por um lado, temos uma história bem-
escrita, feita da compilação de relatos, como ilustra a obra de Gómora, por outro, temos
190 CORTIJO OCAÑO, Antonio. Creación de una voz de autoridad en Bartolomé de Las Casas, p. 221. 191 Cf. IGLESIA, Ramón. Cronistas e historiadores de la conquista de Mexico, p. 258. 192 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo II, p. 76. 193 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo II, p. 76. 194 IGLESIA, Ramón. Cronistas e historiadores de la conquista de Mexico, p. 100.
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uma história simples que surge da própria vivência do cronista nos acontecimentos. Mais
precisamente, a história elaborada pelos historiadores de ofício, que se valem de fontes
para narrar os fatos do passado, divide espaço com uma história elaborada por soldados,
conquistadores e participantes da conquista que quiseram contar as novidades observadas
e as ações empreendidas nessas novas terras. Uma história em que esses diferentes
cronistas, pouco acostumados com a tinta e o papel, narram os episódios ocorridos nas
Índias a um monarca que deixa de ser o protagonista dos textos para se tornar um
espectador das notícias sobre as recentes possessões.195 Em seu lugar, os próprios
conquistadores assumem a figura de personagens centrais ao narrar os feitos realizados
em proveito da Coroa espanhola, como Cortés, uma das figuras mais citadas nas crônicas.
Ainda que esses dois modos de escrita assinalem o dever de retratar os
acontecimentos exatamente como ocorreram, com base no já comentado princípio de
veracidade afirmado pelos cronistas, a narrativa da conquista pautada na vista passa a ser
mais estimada nessa época. Isso porque, sendo novas as matérias contadas e distantes do
que lhes era familiar, havia a necessidade de assegurar a verdade do que diziam aos seus
leitores, uma verdade que julgavam alcançar a partir do próprio olhar. Nos próximos
pontos, veremos mais detalhadamente como essa questão ganha peso nos textos
produzidos sobre a conquista, especialmente porque estava em desacordo com a maneira
de contar os fatos por quem não viu de perto os eventos.
Ver e ouvir na narrativa sobre as Índias
“[…] porque de los antiguos ninguno osaba ponerse en tal cuidado, sino aquel que a las cosas que acaecían se hallaba presente, y veía por sus ojos lo que determinaba escribir”. (Bartolomé de Las Casas – Historia de Indias)
195 IGLESIA, Ramón. Cronistas e historiadores de la conquista de Mexico, p. 245.
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As novidades relacionadas aos descobrimentos marítimos foram tema recorrente
nas diversas produções espanholas do século XVI. As narrativas de viagens, contudo,
podem ser destacadas como o gênero mais utilizado pelos exploradores para transmitir as
coisas observadas na passagem pelas novas regiões. Um gênero em que o depoimento
pessoal do narrador, tantas vezes expresso nos dizeres “eu estive lá”, “eu vi com meus
olhos”, “as minhas ações são bom testemunho do que digo”,196 como afirma Bernal Díaz,
ou “eu testemunhei pela minha própria experiência”, aparece declarado para afirmar a
autenticidade daquilo que contava.197 Não que as informações orais ou livrescas fossem
recusadas por esses autores, pois muitos se valeram tanto de testigos ditos fidedignos para
conhecer fatos ignorados, como de escritos anteriores nas vezes em que lhes faltaram
dados sobre determinada matéria. O que se torna notável nessas narrativas é, entretanto, o
reconhecimento de que as imagens apresentadas por aqueles que viram de perto esse
mundo totalmente desconhecido eram mais confiáveis.
Muitas são as passagens em que os cronistas deixam anunciada essa questão.
Gonzalo de Oviedo, por exemplo, explica que, mesmo optando por dar o próprio
testemunho ao que escreve sobre as “Índias, Ilhas e Terra Firme do mar oceano”, em
alguns episódios, recorreu a seus companheiros que estiveram presentes para averiguar os
fatos. Em um desses casos, conta que confiou nas palavras deixadas pelo religioso
espanhol Gaspar de Carvajal porque, segundo declara, “parece que este tal é digno de
escrever coisas de Índias” pela autoridade destacada por quem o conhece e, assim, é certo
“acreditar mais nele do que naqueles que com dois olhos e sem entender que coisa são
as Índias e sem ter estado nelas, desde Europa falam e escrevem muitos romances”.198
Para esses, opina o cronista, “não encontro outra comparação mais ao propósito do que as
palavras de papagaios, pois, embora falem, não entendem coisa nenhuma do que eles
mesmos dizem”.199 A prioridade dada ao testemunho de Carvajal tinha que ver não
apenas com o fato desse frei ser um observador direto dos eventos, mas, principalmente,
porque nessa condição era capaz de buscar um conhecimento maior acerca das coisas ali
196 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 162. 197 CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. Cómo escribir la historia del Nuevo Mundo, p. 47. 198 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las indias, Tomo V, p. 401. (Grifos meus). 199 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las indias, Tomo V, p. 402.
66
encontradas.
Os cronistas de vista, a propósito, eram estimados justamente porque ocupavam
uma posição distinta como espectadores dos eventos e, por isso, poderiam reunir
informações mais detalhadas sobre os descobrimentos americanos. Como viajantes, esses
cronistas se diferiam dos demais autores de gabinete pela ação de percorrer as novas
terras e acompanhar de perto o que deveriam contar em seus relatos, sem esperar, assim,
a relação dos acontecimentos concedida por terceiros. Sustentavam as suas narrativas na
própria observação e nas curiosidades que puderam recolher ao aventurar-se pelas mais
remotas regiões em busca de um conhecimento verdadeiro sobre as partes da América.200
Mais precisamente, suas histórias se apoiavam em um saber proveniente da investigação
terra a terra empreendida como método para alcançar os variados domínios, como o
geográfico, o natural e o moral das porções descobertas. Não é sem motivo que um
desses cronistas, Gonzalo de Oviedo, assinala em seu texto que, antes de contar aos
leitores o que havia naquela Terra Firme, investigou durante longo tempo e “inquiriu por
todas as vias” possíveis para “saber o certo sobre tais matérias”.201 Acreditava o cronista
que, para a narrativa das coisas americanas, seria necessário, segundo as suas palavras,
“viver e esquadrinhar com atenção o que se há de escrever para que a verdade seja
compreendida”.202
Em busca de informações mais seguras, muitos cronistas também consultavam os
habitantes locais e seus documentos (códices mexicas e quipus incas) que continham
referências únicas sobre a América na época precedente à chegada dos europeus.
Consideravam que esses testemunhos poderiam, igualmente, fornecer conteúdos
fidedignos para a confecção de suas histórias. Tal foi a opinião deixada por Pedro Cieza
de Léon no relato da segunda parte de sua obra, El señorío de los incas, após ouvir
pessoalmente os membros da nobreza incaica, como diz: “Tomei o trabalho de escrever o
que eu alcancei dos incas e de seu regimento e boa ordem de governo; para a clareza do
200 De acordo com Michel Mollat, tal prática dos viajantes “provém da curiosidade, da preocupação e o esmero por ver e saber, por discernir o que é novo, específico e raro”. MOLLAT, Michel. Los exploradores del siglo XIII al XVI. Primeras miradas sobre Nuevos Mundos. México: Fondo de cultura económica, 1990, p. 9. 201 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 9. 202 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo IV, p. 271.
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que escrevo não deixei de trabalhar e para fazê-lo com mais verdade vim a Cuzco”.203 O
cronista, aliás, conferiu mais crédito a essas fontes ameríndias que pessoalmente
verificou do que aos autores espanhóis, como Francisco López de Gómara, que nunca
passaram perto da América e, por isso, não puderam acessar esses registros.204 José de
Acosta, conciliando as suas percepções pessoais e os documentos ameríndios, trilhou
caminho parecido para a elaboração da sua história que vem a público décadas depois.
Acosta demonstrou confiança nas informações históricas das fontes nativas manuseadas
no tempo em que habitou o Peru e o México nos finais do século XVI. Ao seu lado, os
cronistas presentes nas Índias Juan de Tovar, Agustín de Zárate, Diego Durán, Francisco
Cervantes de Salazar, Toribio de Benavente, dito Motolinia, também se valeram dessas
fontes e testemunhos de povos da América na pesquisa da verdade. Entre esses nomes,
talvez, o mais soante seja o de franciscano Bernardino de Sahagún, que, passado longo
período no México, não apenas interrogou os ameríndios para se informar sobre as partes
da região mexicana, durante o processo em que esteve à frente da catequização desses
povos, como obteve a colaboração direta de alguns na escrita da Historia general de las
cosas de Nueva España, obra bilíngue elaborada em castelhano e em náhuatl no decurso
de trinta anos.205
Por meio de seus olhares particulares e do depoimento de pessoas que, pela
sabedoria ou posição privilegiada, eram tidas como fontes confiáveis, todos esses
cronistas buscaram conhecer pessoalmente o que havia naquelas novas terras. E nada fará
melhor entender essa questão do que lembrar o sentido que esses espanhóis atribuíam à
história, em concordância com a definição dos antigos,206 como sendo uma narrativa das
coisas por quem esteve presente. Parece claro, nesses termos, a razão de priorizarem o
testemunho e o exame direto na escrita de suas crônicas, uma vez que partilhavam dessa
203 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 309. 204 De acordo com Jorge Cañizares Esguerra, “una de las principales preocupaciones de Cieza en su Señorío era mostrar que los sistemas incas para llevar registros eran confiables. CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. Cómo escribir la historia del Nuevo Mundo, p. 146. 205 Cf. BAUDOT, Georges. Utopía e Historia en México, p. 473. 206 Faço referência a Heródoto (que se valeu do seu próprio testemunho e experiência como viajante para compor a sua história) e a Tucídides (que preferia a observação direta para escrever o seu relato). Cf. MOMIGLIANO, Arnaldo. As raízes clássicas da historiografia moderna. São Paulo: EDUSC, 2004, p. 63.
68
ideia de que a história significava “ver, conhecer e ouvir perguntando”.207 A evidência de
que assim pensavam pode ser percebida nas inúmeras vezes em que descrevem aos seus
leitores, quase que trivialmente, o modo como reuniram as suas informações ou a
maneira pela qual procuraram se informar. O nosso conhecido Pedro Cieza de León, por
exemplo, declara, no proêmio da Crónica del Peru, que muito do que escreve “viu por
seus próprios olhos estando presente […] e o que não viu, tratou de se informar com
pessoas de grande crédito”.208 Agustín de Zárate, por sua vez, comenta ter escrito o que
viu pessoalmente no Peru e questionado “pessoas fidedignas e não apaixonadas”209 para
saber o que se passou em sua ausência. Gonzalo de Oviedo, adicionalmente,
considerando-se um “homem que deseja inquirir e saber o certo”,210 afirma, em repetidas
ocasiões, que há anos “tem se ocupado nestas partes” buscando “investigar, entender e
anotar o que nessa geral e natural história de Índias se contém”.211 Quando, porém, trata
de eventos que não testemunhou, indica a consulta a homens de crédito afirmando que
tem “por estilo” recorrer aos “testemunhos fidedignos para se informar sobre as coisas
que não viu”.212 O mesmo esforço investigativo pode ser ainda observado nas referências
de Diego de Palencia, ao sugerir que as notícias transmitidas decorriam do que pôde
saber no percurso da sua viagem pelo Peru, como escreve: “sendo isso por mim
especulado, propus escrever esta minha história desnudamente, como foi e passou”
porque “ao historiador não se concede mais do que ser testemunho do que escreve”.213
Mais regulares, porém, são as passagens em que os cronistas se reportam às
adversidades enfrentadas nos trajetos percorridos como mostra de que estiveram
pessoalmente nos eventos e podem contá-los com maior autoridade.214 É assim que os
“audaciosos feitos” dos espanhóis nas Índias aparecem mencionados logo nas primeiras
linhas de muitas obras, como na história de Bernal Díaz, na qual o autor procura exaltar a
presença física e as ações protagonizadas nessas terras. São esses feitos, a propósito, que
207 CABRERA DE CÓRDOBA, Luis. De historia para entenderla y escribirla, p. 23. 208 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Peru, p. 10. 209 ZÁRATE, Agustín de. Historia del descubrimiento y conquista del Peru, p. 6. 210 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la historia natural de las Indias, p. 109. 211 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las indias, Tomo II, p. 305. 212 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las indias, Tomo I, p. 222. 213 PALENCIA, Diego de. Historia del Peru, p. 16. 214 DIAS, Sebastião da Silva. Influencia de los descubrimientos en la vida cultural del siglo XVI. México: Fondo de cultura económica, 1992, p. 54.
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o cronista retoma em inúmeras páginas para fazer frente à versão apresentada por
Francisco López de Gómora, acusado de faltar com a verdade. Na Historia verdadera...,
menciona as suas aventuras reiterando que “aqueles que não sabem, nem viram, nem
entenderam, nem se encontraram nos eventos, em especial, nas guerras, batalhas e
tomadas de cidades, não podem escrever, a não ser os capitães e soldados que se
encontraram em tais guerras juntamente com nós”.215 Porque se não fossem esses a contar
esta história, prossegue o cronista, por acaso seria o testemunho das “nuvens e dos
pássaros que por aqueles tempos passaram pelo alto”?216 Complementarmente, Pedro
Cieza de Léon lança semelhante pergunta ao indagar as conquistas protagonizadas no
Peru, quando questiona “quem poderá afirmar os inopinados casos que nas guerras e
descobrimentos de mil e seiscentas léguas de terra nos sucederam; a fome, sede, morte,
temores e cansaço”, senão os próprios participantes que ali estiveram? 217
Mas se a presença física é anunciada como condição primeira para a composição
das crônicas, conforme sugerem tais passagens, os autores ausentes nos eventos
americanos não escaparam das críticas lançadas pelos cronistas que lá estiveram. Gonzalo
de Oviedo, desse modo, condena em diversas alturas de sua Historia general... o também
cronista oficial Pedro Mártir de Anglería por escrever suas Décadas218 a distância, sem
ver, pautado unicamente nos livros e nas notícias transmitidas por terceiros.219 Ainda que
esse cronista tenha indicado a procedência das suas informações, distinguindo as fontes
de conteúdo oral e as fontes de conteúdo escrito, Oviedo sustenta que em tal obra “falta
informação certa em muitas coisas abordadas”.220 Em uma de suas referências, ao tratar
mais especificamente sobre os animais da ilha de Espanhola, chega a esclarecer que se
alongou no relato “para desenganar o leitor da opinião de Pedro Mártir”, que, nas notícias
apresentadas sobre as recentes descobertas, “se distancia do certo sobre estas coisas de
215 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 592. 216 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 593. 217 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 9. 218 As Décadas foram escritas e publicadas entre 1511 e 1530. A edição completa das oito Décadas só aparece, contudo, em 1530, com o título Décadas de Orbe Nuevo. 219 Edmundo O’Gorman classifica Pedro Martí de Anglería como um “grande curioso y acumulador de noticias que muestra, sin embargo, una indiferencia de hombre de mundo y de cortesano que lo mantiene a distancia de los hechos y sobre todo de los protagonistas, no incurriendo de eso modo en la peculiar vulgaridad que tan frecuentemente va asociada a los espíritus demasiado inquisitivos”. O’GORMAN, Edmundo. Cuatro historiadores de Indias, p. 15. 220 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las indias, Tomo IV, p. 271.
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Índias”.221 Em outra altura da obra, já quando trata das árvores dessas terras, volta a
corrigi-lo diretamente:
Disse o protonotário Pedro Mártir, na crônica ou Décadas que escreveu destas coisas de Índias (sem as ver), [...] que há certas árvores que por seu amargor não se pode comer. O qual seria muito proveitoso se fosse verdade; mas eu estive naquelas terras que ele cita e não há tais árvores [...] e considero isso fábula e não certo.222
Conclui Oviedo que o motivo dos enganos se explica porque Anglería “não pôde desde
tão longe escrever estas coisas tão ao próprio como são e a matéria que o requer, pois, os
que lhe informaram, ou não souberam dizer, ou ele não pôde entender”.223
A oposição aos “cronistas de gabinete”, assim chamados os autores que
escreveram sem ter presenciado os eventos, estava em larga medida relacionada ao grau
de veracidade das suas narrativas, consideradas, por muitos espanhóis dessa época, pouco
confiáveis. Mais precisamente, os relatos elaborados por vias indiretas, em que o autor
recorria a outros meios para se inteirar dos acontecimentos, eram menos apreciados
quanto a seu valor de verdade do que as obras que partiam da observação pessoal. Os
cronistas julgavam que aqueles que estiveram ausentes nas partes americanas não
puderam investigar as matérias abordadas e tampouco confrontar diferentes testemunhos
para obter um conhecimento mais exato. Talvez por isso esses escritos não tenham
alcançado o mesmo prestígio que os “escritos de vista”, considerados, nessa época, fontes
primárias para o conhecimento e a divulgação dos temas americanos224 não apenas pelos
cronistas, é bom que se diga, mas, também, pelos letrados que deixavam sugerida a
preferência pelos textos pautados no exame direto do autor.
O conselheiro real Lorenzo Galíndez de Carvajal, nessa linha, sugeria ao monarca
221 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las indias, Tomo II, p. 34. 222 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las indias, Tomo II, p. 83. 223 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las indias, Tomo II, p. 34. 224 Jorge Cañizares Esguerra sugere que nessa época a fiabilidade dos textos produzidos sobre a América estava no próprio autor da obra e não no tipo de escrita produzida. A verdade contida nos textos era assegurada pela autoridade daquele que compunha o relato, uma verdade que se sustentava pela presença física do cronista nas cenas narradas e por seu testemunho ocular, que validava a escrita produzida como documento de primeira mão. CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. Cómo escribir la historia del Nuevo Mundo, p. 128.
71
Carlos V que selecionasse os cronistas dedicados à narrativa dos acontecimentos para que
“as histórias não fossem escritas a partir de informações de segunda mão”.225 Orientava
que se deveria priorizar os testemunhos presenciais dos eventos e, na sua falta, o
depoimento específico de pessoas confiáveis que lá estiveram e relatavam diretamente as
suas impressões sobre os fatos. Recomendações, a propósito, que aparecem, um pouco
mais tarde, nas demandas do Consejo Real y Supremo de Índias aos cronistas que
elaboravam relatos referentes à América. Os letrados vinculados a essa instituição
solicitavam de seus colaboradores “informação colegiada [...] fundamentada em materiais
documentais e/ou no testemunho de depoentes fidedignos baixo prévio juramento, que
podiam ser tanto espanhóis como indígenas”.226 Isso significa que a fiabilidade das
informações era medida pela posição do autor nos eventos, especialmente, quando havia
dúvida a respeito da veracidade do relato.227
Do século XVI ao XVII, tais crônicas foram as principais referências de que se
valeram os espanhóis cultos para o conhecimento das Índias. Antonio de Herrera, cronista
maior de Índias no reinado de Felipe II, partiu desses relatos para redigir um dos textos
mais completos sobre a temática americana, as Décadas ou Historia general de los
hechos de los castellanos en las islãs y Tierra Firme del mar Océano que llaman Indias
Occidentales, que veio a público entre 1601 e 1615. Sem nunca ter estado nas novas
terras, Herrera buscou nas crônicas elaboradas por testemunhos considerados primários –
como Pedro Cieza de Léon, Bernal Díaz, Toribio de Motolinia, Diego Muñoz Camargo,
Toribio de Motolinia, Juan de Zumárraga, Bartolomé de las Casas, entre outros – as
informações necessárias para compor sua máxima obra.228 Da Crónica del Peru, por
225 GALÍNDEZ DE CARVAJAL apud KAGAN, 2010, p. 104. 226 BUSTAMANTE, Jesús de. El conocimiento como necesidad de Estado: las encuestas oficiales sobre Nueva España durante el reinado de Carlos V, p. 40. 227 No caso dos espanhóis, considerava-se a posição do testemunho presente nos acontecimentos e, no caso dos nativos, levava-se em conta a posição social ocupada pelo depoente. A narrativa da conquista elaborada por Hernán Cortés teve peso de verdade por apresentar o olhar de um observador naquele momento e, nessa mesma linha, a obra La florida do inca Garcilaso de la Vega foi uma referência na época por trazer a versão da história do herdeiro direto da nobreza incaica. CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. Cómo escribir la historia del Nuevo Mundo, p. 48. 228 “Las fuentes fueron expuestas por el autor globalmente, manifestando la credibilidad o descrédito que le merece alguna de ellas, incluso las que conoce y rechaza sin prejuicios. Así lo indica el propio Herrera
haciendo un listado de las autoridades en que se basó aunque ‘dejando aparte muchas cosas que los referidos autores han dicho por no poderse verificar con escrituras auténticas’”. CUESTA DOMINGO, Mariano. Los Cronistas oficiales de Indias. De López de Velasco a Céspedes del Castillo. Revista Complutense de história da América. Madrid, 2007, v. 33, p. 125.
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exemplo, chegou a tomar trechos inteiros nas páginas reservadas à conquista espanhola
do império andino, em um tempo em que a cópia fiel não era um problema colocado no
universo letrado.229 Traduzida e reeditada por diversas vezes, essa produção serviu como
importante referência para os cronistas europeus que escreveram posteriormente, na
Espanha, suas relações oficiais sobre as Índias.230
Uma nova maneira de ler as fontes
A partir do século XVIII, entretanto, o aparecimento de outra maneira de ler as
fontes históricas sobre o Novo Mundo pôs em dúvida a credibilidade desses relatos
produzidos pelos primeiros narradores espanhóis.231 Um grupo de estudiosos da Europa
do norte ressaltou a ausência de uma consistência lógica de cronistas e historiadores que
escreveram sobre os eventos americanos no século XVI.232 Para tais estudiosos, os
soldados, exploradores, navegantes e religiosos ibéricos não puderam extrair de suas
viagens o conhecimento preciso acerca das terras e dos povos ali encontrados, porque
lhes faltavam, segundo esses críticos, instrução e curiosidade suficientes para registrar as
matérias corretamente. Em seus estudos, mais especificamente, questionaram como
espanhóis ignorantes poderiam transmitir com verdade todas aquelas descobertas
apoiados apenas nas suas impressões particulares e na vivência na América. Ou, ainda,
como seus relatos poderiam ser confiáveis se muitos mesclaram documentos ameríndios
em suas narrativas. É assim que os relatos de viagens, fonte prestigiada entre os
historiadores, passam a ser associados, a partir desse debate, aos escritos mentirosos e de
fantasias que não dispunham de nenhum crédito no meio erudito. Dito de outro modo, se
antes as narrativas de viagens eram estimadas pelo seu estatuto de veracidade, a contar do
229 FOUCAULT, Michel. Qu’est-ce qu’un auteur? Dits et écrits (1954-1975). Tomo I. Paris: Éditions Gallimard, 2012, p. 817. 230 KAGAN, Richard. Los cronistas y la corona, p. 246. 231 Toda essa discussão está presente no trabalho do historiador equatoriano Jorge Cañizares Esguerra, intitulado Cómo escribir la historia del Nuevo Mundo, que nos serve de roteiro. 232 São os estudiosos Adam Smith (A riqueza das nações), Samuel Engel (Encyclopédie), Guillaume-Thomas François Raynal (Historie filosophique des deux Indes) e Guillerm de Pauw (Recherches philosophiques sur les américains). Cf. CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. Cómo escribir la historia del Nuevo Mundo, p. 37, 38, 39.
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século XVIII, perdem espaço para os escritos elaborados por novos viajantes,
especialistas e filósofos europeus que se consideravam mais capacitados e melhores
observadores. À diferença do período quinhentista, os escritos sobre os descobrimentos
não eram mais validados com base no testemunho pessoal de quem escreve, mas sim na
qualificação do autor que narra. Assim, as primeiras descrições dos espanhóis sobre as
cidades americanas, da cultura dos ameríndios e dos aspectos naturais foram amplamente
rebatidas à luz de uma leitura crítica apresentada por esses estudiosos.
Nesse mesmo período, porém em outro centro do debate, um grupo de
espanhóis233 engrossou as críticas feitas aos primeiros relatos de viagens que sopravam
do norte. Embora não estivessem de acordo com as formulações negativas introduzidas
por aqueles estudiosos,234 sobretudo quanto aos documentos ameríndios, esses espanhóis
questionaram a autoridade de certos cronistas. O clérigo Francisco López de Gómora, por
exemplo, após ser acusado de não ter tido acesso privilegiado às fontes disponíveis e de
ter dado ouvido a informes imprecisos, dispôs de pouco crédito entre esses historiadores.
Pedro Mártir de Anglería, mesmo em contato com quase todos os textos produzidos na
época, também foi criticado sob a alegação de ser crédulo e ignorante. Já Bernal Díaz del
Castillo foi alvo desses questionamentos em razão do seu teor pessoal e Gonzalo de
Oviedo, ainda que fosse um cronista oficial, não escapou das reprovações ao ser acusado
de manter um tom favorável aos interesses particulares da Coroa e faltar com a verdade
na parte da história que cabia aos nativos.235 Para esses observadores setecentistas, a
análise rigorosa das fontes e dos registros elaborados à época dos descobrimentos deveria
mostrar os conteúdos relevantes deixados pelos religiosos cultos e pelos membros da
nobreza indígena, testemunhos que consideravam confiáveis. Mas pouco poderia revelar,
segundo eles, dados seguros deixados pelos viajantes que pareceram limitados por suas
percepções e pelos relatos de colonos e nativos não nobres que julgavam tendenciosos.236
233 São eles: Juan de Eguiara y Eguren, Mariano Fernández de Echeverría y Veytia, Joaquín Granados y Glávez, Francisco Xavier Clavijero, Juan de Velasco, Pedro José Márquez. Cf. Cómo escribir la historia del Nuevo Mundo, p. 362, 380. 234 Segundo Esguerra, a “epistemologia patriótica” proposta por esses espanhóis foi uma “reacción a los paradigmas y las técnicas de la Ilustración desarrollados en compilaciones filosóficas de recuentos de viaje e historias conjeturales”. CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. Cómo escribir la historia del Nuevo Mundo, p. 362. 235 CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. Cómo escribir la historia del Nuevo Mundo, p. 413. 236 CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. Cómo escribir la historia del Nuevo Mundo, p. 421.
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A nova chave de leitura apresentada pelos espanhóis do século XVIII, portanto, também
não priorizava os testemunhos oculares como fonte principal para a reescrita da história
do Novo Mundo, mas lançava outros meios para a validação desses relatos:
individualmente, avaliavam a procedência das informações e o caráter dos informantes.
Ao contrário dos seus contemporâneos do norte, esses estudiosos refutavam a autoridade
de que os novos observadores filosóficos poderiam contar a história do Novo Mundo em
suas recentes produções.
No que diz respeito ao nosso estudo é importante que se diga que os relatos
quinhentistas contestados nesse segundo tempo, quando os descobrimentos datavam de
mais de duzentos anos, foram as fontes principais utilizadas pelos europeus para o
conhecimento da América. Relatos que, ao lado de outros escritos, deram a conhecer,
pela primeira vez, a navegabilidade dos mares antes limitados pela crença do mar
tenebroso e das correntes dos trópicos, a existência de uma nova parte ignorada pelos
autores antigos, e a comprovação de que havia, do outro lado do oceano, povos que nada
se assemelhavam às feições monstruosas referidas nos textos clássicos.237 Relatos, ainda,
que forneceram diretrizes e instruções para a busca de informações mais detalhadas por
parte da Coroa espanhola, interessada em saber pormenorizadamente as coisas
anunciadas por esses exploradores. É exatamente a recepção na Espanha quinhentista
dessas notícias veiculadas pelos relatos e o modo como foram lidas e percebidas pelos
letrados dessa época os próximos temas abordados por este trabalho. De saída, buscamos
mostrar o anúncio de tais novidades por parte dos cronistas ressaltando, nesse sentido, o
contraste estabelecido entre as coisas vistas e observadas durante as viagens e as ideias já
consolidadas pelos pensadores clássicos da Antiguidade.
237 DIAS, Sebastião da Silva. Influencia de los descubrimientos en la vida cultural del siglo XVI, p. 59.
75
PARTE II
O saber
Contar as novidades
“La misma providencia parece que me hizo venir a España [...] para que recogiera con particular diligencia estos acontecimentos maravillosos y nunca vistos, que de lo contrario habrían quedado tal vez ignorados en las voraces fauces del olvido”.
76
(Pero Mártir de Anglería – Décadas del Nuevo Mundo).
O anúncio de Gonzalo de Oviedo, na sua Historia general y natural de las Indias,
de que “há muitas coisas de notar” sobre o que “nunca se ouviram nem puderam ser
escritas até nossos tempos” das terras americanas apresenta um dos tópicos mais
recorrentes nesses relatos, a narrativa das novidades.238 Desde as cartas colombinas, que
noticiaram o primeiro encontro com um “novo mundo”, o desejo de contar a importância
dos descobrimentos e a experiência nessas terras esteve sempre presente entre os autores
que testemunharam os eventos e entre aqueles que, mesmo distantes, sem sair da
península, quiseram narrar os fatos a partir dos livros e documentos que chegavam às
suas mãos.239 Desses autores, o clérigo Francisco López de Gómora, embora não tenha
estado nas Índias, assinala o propósito de transmitir o que soube a respeito das recentes
descobertas ao anunciar que sua história é “tão agradável quanto nova pela variedade de
coisas” que apresenta e “tão notável e deleitosa por suas muitas estranhezas”.240 Agustín
de Zárate, reportando-se à sua passagem pelo Peru, confessa que, ao chegar nessa
província, viu “tantas novidades em aquela terra” que lhe pareceu “coisa digna de pôr em
memória”.241 Já o soldado Pedro Cieza de Léon declara que, embora lhe faltasse a
habilidade com as palavras dos bons escritores, não pôde deixar de “dizer as admiráveis
coisas que há neste reino do Peru”, como as “serras altíssimas e vales profundos por onde
se foi descobrindo e conquistando”, a grande “variedade de províncias” de tão “diferentes
qualidades” e, não menos importante, os “nunca ouvidos trabalhos que tão poucos
espanhóis em tanta grandeza de terra passaram”.242
Como esses cronistas, outros divulgaram, em seus relatos, o anseio por pintar com
palavras as matérias relacionadas às Índias. Na verdade, buscavam passar aos leitores a
mesma admiração e o mesmo estranhamento que sentiram a cada passo dado por essas
terras.243 Nessas páginas, conquanto o deslumbramento fosse sentido diante do cenário
238 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural delas Indias, Tomo II, p. 87. 239 MARAVALL, José Antonio. Antiguos y modernos, p. 438. 240 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia de la conquista de Mexico, p. 5. 241 ZÁRATE, Agustín de. Historia del descubrimiento y conquista del Peru, p. 5. 242 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 9. 243 Edmundo O’Gorman considera que essas reiteradas declarações vão ao encontro com a ideia de que “descubrir es comunicar un nuevo sentido a las cosas o a las personas, y el goce exquisito del descubridor
77
natural, como mostram as contínuas referências em suas obras, o contato com as cidades,
as construções e os reinos organizados que vislumbraram na região do México e, um
pouco depois, no Peru, produziram igual fascinação. Cortés, na segunda Carta de
Relación, datada de 1522, quando se refere ao que viu na cidade de Nova Espanha, assim
chamada pela similitude com sua correspondente europeia, declara que “são coisas
grandes e surpreendentes, e é outro mundo, sem dúvida”.244 E “tão admiráveis”, ressalta
Bernal Díaz, na sua história, que confessa ao leitor, durante a passagem em que descreve
as vilas povoadas na água, “que não é de maravilhar que eu escreva aqui dessa maneira,
porque há muito que ponderar” ao contar essas coisas “nunca ouvidas, nem vistas nem
sonhadas como vimos”.245 Adiante, no capítulo em que narra a entrada na “grande cidade
do México”, ainda comenta que “não sabe como dizer, se era verdade o que diante lhe
aparecia”, porque em uma “parte de terra havia grandes cidades” e na “outra laguna
muitas outras” e, à frente, estava a cidade do México.246 São essas as notícias, completa
Gonzalo de Oviedo, de “muito gosto e contentamento em saber e em ouvir” e que “não
sendo de pouca admiração” agradariam “os leitores e especuladores”.247
Mas se as coisas ali observadas causavam admiração nesses que viam de perto os
acontecimentos, ao ponto de não saberem contar, em muitas alturas, o que se mostrava
diante de seus olhos, certamente, atraíam aqueles que sem nenhum esforço se deleitavam
ao ouvir falar sobre tais notícias.248 É assim que ao desejo de contar o que havia nessa
nova parte de terra se somava a tarefa de satisfazer a curiosidade dos leitores que se
interessavam por esse assunto. Em uma das passagens que narra a caminhada dos
espanhóis pelas províncias do Peru, Pedro Cieza de León comenta que, em dado
momento, pensou em não seguir adiante naquela rota pelo desconhecimento da região e
porque ali os “naturais são faltos de razão e de ordem política”.249 Mas, segundo suas
palavras, a obrigação de “satisfazer os curiosos me fez tomar ânimo de prosseguir para
consiste en el acto de crear de un objeto familiar y manido una cosa nunca antes vista, nueva y virgen”. O’GORMAN, Edmundo. Cuatro historiadores de Indias, p. 54, 55. 244 CORTÉS, Hernán. Segunda Carta de Relación. In: Cartas de Relación, p. 190. 245 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 159. 246 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 160. 247 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural delas Indias, p. 224, 225. 248 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994, p. 6. 249 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 134.
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dar-lhes verdadeira relação de todas as coisas que seja possível”, estando certo de que
“serei agradecido por eles e pelos doutos homens benévolos e prudentes”.250 Gonzalo de
Oviedo, por sua vez, declara no capítulo inicial de sua História general... que o que “viu
e experimentou com muitos perigos”, as dificuldades que passou com “tanta fome, sede,
calor e frio”, entre outros “inumeráveis trabalhos”, as aventuras por mar e “as
desventuras que padeceu por terra” foram para o “passatempo e descanso” do leitor.251
Muito do que se soube naquele tempo sobre os novos descobrimentos servia, pois, para
contentar aqueles homens que, segundo o cronista, eram “amigos das novidades”.252
Como se vê, não apenas o monarca era o ouvinte a quem os cronistas se dirigiam
ao escrever sobre as descobertas. As notícias sobre as terras encontradas no outro lado do
Atlântico também interessavam aos “doutos homens” referidos por Cieza de León, aos
catedráticos ou maestros vinculados às universidades espanholas, sobretudo ao centro de
ensino de Salamanca,253 aos religiosos, nobres, mercadores abastados e funcionários de
alto posto,254 como os reportados membros do Consejo Real y Supremo de Indias ou da
Casa de Contractación de Sevilha, que recebiam em primeira mão boa parte desses
relatos. Mais precisamente, as viagens, as descobertas e as conquistas atraíam os
estudiosos em cosmografia, como Antonio de Nebrija, leitor desses relatos, 255 os
selecionados homens da igreja determinados a conhecer e doutrinar os naturais da terra,
os curiosos ouvintes que alcançavam esses escritos graças à circulação dos impressos e,
250 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 134. 251 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, tomo I, p. 11. 252 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, tomo I, p. 77. 253 A Universidade de Salamanca, maior centro de ensino espanhol do século XVI, serviu de palco para os principais debates relacionados ao tema da descoberta da América. Em suas cátedras se discutiram os novos conhecimentos geográficos apresentados pelos viajantes, como a cosmografia, a questão dos justos títulos e a legitimidade da coroa espanhola sobre esse continente habitado, a condição jurídica dos nativos encenada especialmente pelos religiosos Bartolomé Las Casas e Guinés de Sepúlveda, os problemas econômicos trazidos pela arrecadação de metais preciosos e sua relação com o aumento dos preços dos produtos na Europa e o impacto que as novas práticas comerciais tiveram na vida e na moral dos cristãos. Cf. CARABIAS TORRES, Ana María. Produción y consumo de ideas en la Salamanca del Renacimiento. In: Historia del comercio y la industria de Salamanca y provincia. Actas de las Terceras Jornadas celebradas en el Museo del Comercio. Salamanca, 2012. 254 CHEVALIER, Maxime. Lectura y lectores en la España del siglo XVI y XVII, p. 20 255 Antonio de Nebrija teve contato com as informações oferecidas pelo cronista oficial Pedro Mártir de Anglería para compor a sua Introductorium Cosmographicum, publicada, em 1510. Além disso, escreveu o prefácio da edição das Décadas de Anglería que saíram impressas pelas prensas de Alcalá, em 1516. Cf. SANCHEZ, Antonio. Cosmografía y humanismo en la España del siglo XVI: la “Geographia” de Ptolomeo y la imagen de América. In: Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Universidad de Barcelona, nº 354, v. XV, 2011.
79
finalmente, os oficiais ligados às instituições de poder que, nessa condição, tinham o
controle sobre a publicação e a proibição dos textos.256
São esses “homens sábios” que desejavam “saber e ouvir as obras de natura”257
que Oviedo menciona na sua história e que Francisco López de Gómora pretende
informar, ao dizer, na dedicatória a “Don Carlos, imperador dos romanos, rei de Espanha,
senhor das Índias e Novo Mundo”, que escreve em castelhano258 “para que logo gozem
dela todos nossos espanhóis”.259 São igualmente esses homens de letras que estimularam
o italiano Pedro Mártir de Anglería, considerado o primeiro cronista da América, a
escrever tudo o que havia sucedido, pois, segundo ele, “estavam cheios de suma
admiração ao saber que se haviam descoberto novos territórios e novas gentes, que
viviam desnudas e ao natural” e, por isso, tinham “árduo desejo de saber estas coisas”.260
À parte ao monarca, portanto, os cronistas dialogavam com um público interessado
nessas notícias, uma minoria da sociedade espanhola da época que tinha acesso tanto a
clássicos latinos, crônicas modernas e histórias, quanto a novelas e livros de
entretenimento, não menos estimados nesse meio.261
Muito desse interesse se revela no próprio aceite que essas obras tiveram, na
época, ao serem impressas e reimpressas assim que escritas ou compiladas por seus
autores. Como já colocado, as Cartas de Relación cortesinas alcançaram o prestígio da
publicação e da reedição em diferentes plagas durante os anos de 1522, 1523 e 1525, até
serem finalmente proibidas, em 1527. Com um considerável crédito na época, a obra de
Francisco López de Gómora é reeditada duas vezes em 1553, uma em Saragoça e outra
256 Para alguns, o interesse não era somente pelas notícias provenientes das partes descobertas, mas, também, pela coleção de curiosidades trazidas desses lugares, como: medalhas, armas, pinturas, objetos naturais, mapas, livros de cosmografia e astronomia, joias exóticas, instrumentos científicos, pedras com poderes curativos etc. GÓMEZ Susana. Lucifera y Fructifera: ciencia y utilidad en las colecciones naturalistas de la España de los Austrias, p. 158. 257 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, tomo I, p. 156. 258 A escrita em castelhano ressaltada por Gómora tem ver com o próprio lugar que esse idioma ocupou no império dos Habsburgo, tornando-se um dos principais instrumentos da monarquia hispânica no processo de conquista e da consolidação do poder colonial. Segundo Richard Kagan, a língua ajudou “missioneiros y conquistadores a consolidar o poder político, expandir la fe católica y unificar el naciente imperio en el Nuevo Mundo”. KAGAN, Richard. Los cronistas y la corona, p. 41. 259 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, tomo I, p. 5. 260 MÁRTIR DE ANGLERÍA, Pedro. Décadas del Nuevo Mundo. Madrid: Ediciones Polifemo, 1989, p. 87. 261 LAFAYE, Jacques. Albores de la imprenta, p. 61.
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em Medina do Campo, com o título Hispania Victrix,262 que reunia em um só volume
tanto a Historia general de las Indias como a Historia de la conquista do México.263
Mesmo impedida de circular um ano depois, a obra foi impressa em italiano, em 1556,
obtendo dez edições após essa data, nove em francês e uma em inglês.264 Já o Sumario
dela natural historia de las Índias, de Gonzalo de Oviedo, depois de impresso, em 1526,
foi traduzido para o inglês e para o italiano e a Historia general y natural de las Indias,
obra que apresenta à Europa as riquezas naturais americanas, passa a circular, após a
primeira parte ser editada, em 1535, em alemão, inglês, francês, italiano e latim,
alcançando um total de quinze edições no período de um século.265 As notícias sobre a
conquista do Peru, transmitidas por Agustín de Zárate, em sua Historia del
descubrimiento y conquista del Peru, mereceram seis reimpressões nesse período, com
apenas uma versão em castelhano. Ainda para citarmos mais um exemplo da acolhida
dessas obras, a Crónica del Peru escrita pelo soldado Pedro Cieza de León contou com
mil e cinquenta exemplares na sua primeira edição e logrou o privilégio de uma segunda
edição, que aparece na Antuérpia apenas um ano depois, com algumas correções feitas
pelo autor. O curto espaço de tempo entre uma impressão e outra indica a rapidez com
que se esgotaram os primeiros exemplares publicados em 1553.266
Outro aspecto que sugere o interesse do público europeu especializado é a
quantidade de títulos publicados entre 1561-1600 sobre os temas referentes aos
descobrimentos. Na lista das produções impressas, os livros de história natural aparecem
com dezenove edições e oitenta reimpressões, os de astronomia e astrologia, com trinta e
duas edições e trinta e seis reimpressões, de cosmologia e cosmografia, com vinte e oito
edições e trinta e quatro reimpressões e, por fim, os livros sobre a arte de navegar, com
262 De acordo com Franklin Pease, “Las ediciones de crónicas americanas sufrieron muchas variantes en los títulos escogidos por sus autores. En muchas ocasiones los mismos fueron puestos (supuestos) por los editores o lectores iniciales, también por archiveros o bibliotecarios encargados de su custodia o descubridores del documento. Ello ocurrió, ciertamente con casi absoluta frecuencia, con aquellos textos que permanecieron manuscritos, no tanto con aquéllos que fueron impresos”. A título de exemplo, a Crónica del Perú de Cieza de León recebeu anteriormente a denominação de “Historia de la tierra del Peru” e a obra de Gonzalo de Oviedo também sofreu variações no título. PEASE, Franklin. Estudio preliminar. In: Crónica del Perú, p. XVI. 263 Cf. DUVERGER, Christian. Crónica de la eternidad, p. 73. 264 KAGAN, Richard L. Los cronistas y la corona, p. 228. 265 LÓPEZ PIÑERO. José María. Ciencia y técnica en la sociedad española de los siglos XVI y XVII. Barcelona: Editorial Labor Universitaria, 1979, p. 284. 266 PEASE, Franklin. Estudio preliminar. In: Crónica del Perú, p. XXXIV.
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oito edições e cinquenta e quatro reimpressões nesse período.267 É interessante destacar,
ainda, que as primeiras obras traduzidas do original (grego e latim) para o espanhol foram
as de medicina e as de conteúdo natural e de viagens que apresentavam notícias de
lugares exóticos.268
A recepção desses relatos sugere, portanto, certo apreço pelas notícias derivadas
dos descobrimentos por parte dos leitores europeus e, sobretudo, dos leitores localizados
no solo espanhol. Um apreço que tem seu esteio nas célebres narrativas de viagens
escritas nos séculos passados, como as Viagens, de Jean de Mandeville, e o Livro das
Maravilhas, atribuído a Marco Polo, muito populares nesse tempo e referências
importantes para os aventureiros europeus do final do século XV, que se inspiraram,
como Colombo, nas imagens apresentadas por tais livros.269 As descrições fantásticas das
regiões visitadas, as paisagens exóticas, as riquezas e os grandes reinos despertavam nos
europeus a curiosidade por saber mais sobre as terras situadas a Oriente.270 Semelhante
influência exerceram as novelas ou romances de cavalaria, também, estimados por suas
histórias de aventuras em ilhas inexploradas contadas por heróis virtuosos como Amadís
de Gaula, Esplandían e Tirante el Blanco e que aparecem editadas nesse período.
Especialmente na Espanha, essas histórias eram referências presentes para os
conquistadores que se aventuraram pelas terras desconhecidas e associaram o novo
cenário encontrado às descrições contidas em tais romances,271 como bem sugere a
passagem em que o soldado Bernal Díaz recorda as “coisas de encantamento” descritas
no livro de Amadís ao observar as cidades e as vilas da região mexicana.272
267 SALABERT FABIANI, Vicente L. La imprenta y la difusión y comunicación científica de los saberes y las técnicas, p. 243. 268 RALLO GRUSS, Asunción. Humanismo y Renacimiento en la literatura española, p. 184. 269 Tal era a popularidade das viagens de Mandeville na Europa, que seus livros foram editados três vezes, em 1530. Já o livro de Marco Polo, desde sua primeira publicação, em 1477, conheceu inúmeras edições e teve lugar reservado nas grandes bibliotecas europeias desse período. Cf. MAGASICH-AIROLA, JORGE; DE BEER, Jean-Marc. América Mágica: quando a Europa pensou estar conquistando o Paraíso. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 28. 270 Vale ressaltar que o componente fantástico que aparece nessas narrativas de viagens é atualizado nos textos produzidos sobre a conquista americana. Não raro, encontrarmos passagens em que os cronistas afirmam a presença de amazonas, de gigantes, da existência do El Dorado e das reiteradas peregrinações dos apóstolos que ajudaram os espanhóis a conquistar esse Novo Mundo. PUPO-WALKER, Enrique. La vocación literaria del pensamiento histórico en América, p. 53. 271 LEONARD, Irving A. Los libros del conquistador, p. 24, 25. 272 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 159.
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São, então, essas narrativas anteriores que estimularam o interesse dos europeus
pelas remotas regiões de que ouviram falar. Interesse compartilhado, sobretudo, pelo
monarca espanhol, que acompanhava tais histórias desenvolvidas nos mais diferentes
cenários por meio da leitura desses afamados gêneros escritos e publicados nessa época.
Não foi diferente quando vieram as sucessivas notícias sobre as terras conquistadas no
além-mar, igualmente atrativas pelas descrições sobre um “outro mundo” mencionado
por Cortés. Aliás, muito do que se escreveu a respeito da América o foi feito para
informar em primeira mão à Coroa no tocante às descobertas e aos “segredos e coisas
admiráveis”,273 segundo as palavras do próprio conquistador, que nunca se ouviu até o
encontro dessas Índias. Talvez por isso Gonzalo de Oviedo esclareça, em seu Sumario,
que pretende “nessa breve suma trazer à memória de vossa majestade o que viu em vosso
império ocidental das Índias, ilhas e terra firme do mar oceano”.274 Para ele, as histórias
naturais dessas terras deveriam ser anunciadas por que eram “tão apartadas e diferentes
das outras histórias da mesma qualidade”275 que se conheciam sobre tais matérias.
Não faltaram páginas para contar essas novidades, como o percurso das viagens
marítimas realizadas entre a Europa e as recentes possessões americanas, com base,
conforme Oviedo, nas “cartas de navegar e cosmografia nova”276 incógnitas aos antigos,
assim como foram muitas as letras destinadas a contar a descrição do clima, das espécies
de plantas e de animais – cuja diversidade caracterizava a América como terra de
abundância –, as particularidades das gentes naturais que surpreenderam pelos seus
modos, ritos e cerimônias, entre outros indícios de que essa parte era, na verdade, um
novo mundo. Um “Mundo Novo”, segundo a opinião de Gómora, não tanto por ser agora
descoberto, mas “por ser grandiosíssimo e quase tão grande como o velho, que contém a
Europa, África e Ásia”, e por ser “todas as suas coisas diferentíssimas das do nosso”.277
Em meio ao anúncio das novidades, contudo, tal ideia de um Novo Mundo,
talvez, tenha sido a mais inusitada para os europeus do século XVI, crédulos no esquema
273 CORTÉS, Hernán. Tercera Carta de Relación. In: Cartas de Relación, p. 286. 274 FERNÁDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias, p. 77. 275 FERNÁDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias, p. 274. 276 FERNÁDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias, p. 83. 277 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 4.
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geográfico clássico segundo o qual a Terra estava dividida unicamente em três partes.278
Ainda que se fale de uma lenta e gradual assimilação do que vem a ser a quarta parte, a
América, uma vez que a notícia sobre o seu descobrimento passa a ser melhor divulgada
somente a partir de meados do XVI,279 alguns saberes derivados da sua revelação já
aparecem enunciados pelos cronistas do período. Pelo próprio Gómora, por certo, ao
apresentar, em sua Historia general..., as descobertas empreendidas pelos espanhóis,
como a declaração de que “o mundo é um e não muitos, como alguns filósofos
pensaram”, “que o mundo é redondo e não plano”, “que o mundo é habitável” e “que há
antípodas” no hemisfério inferior. 280 Pelo soldado Cieza de Léon, igualmente, ao
escrever, sustentado em seu testemunho pessoal, que “agora que temos andado por essas
partes, conhecemos o que há debaixo dessa linha equinocial (...), debaixo dela há inverno
e verão, sendo povoada de muitas gentes”.281
A referência ao Novo Mundo, todavia, parece mais bem-anunciada por Gonzalo
de Oviedo no seu Sumario, que trata das Índias. Nessa obra, o cronista assinala que as
descobertas ultramarinas apresentaram aos europeus uma nova terra, que se mostrava
cada vez mais distante da imagem formada anteriormente pelos antigos. Distante por sua
extensão territorial percebida pelo navegador Américo Vespúcio, distante pela quantidade
de rios e mares que banhavam a região, pela já mencionada variedade de plantas e de
animais nunca vistos, pela fertilidade da terra que produzia diversos gêneros de frutas,282
pelo clima temperado em quase toda a sua superfície e pelos seus habitantes que, embora
distintos por suas crenças e costumes, viviam na mesma zona que os europeus. Um
mundo novo, certamente, que esses cronistas tentaram traduzir em seus relatos a partir de
um vocabulário que buscava torná-lo compreensível aos leitores.283 É assim que Oviedo e
278 Segundo Edmundo O’Gorman, “a ideia de que o orbis terrarum, a Ilha da Terra que abrigava o mundo, continha três entidades distintas – Europa, Ásia e África – é uma noção cuja origem remonta a Hecateo, que a teria introduzido na divisão bipartida conhecida por Homero – Regiões do Norte e Regioes do Sul – uma distinção que, com o passar do tempo, acabou por se afirmar como a “terceira parte” do mundo”. O’GORMAN, Edmundo. A invenção da América. Reflexão a respeito da estrutura histórica do Novo Mundo e do sentido do seu devir. São Paulo: Editora da UNESP, 1992, p. 192. 279 ELLIOTT, John H. O Velho Mundo e o Novo. 1492-1650. Lisboa: Editorial Querco, 1970, p. 41. 280 Cf. LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias. 281 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 112. 282 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 8. 283 De acordo com Leandro Karnal, a “[…] crónica é o mais vasto esforço intelectual de apreender, digerir e devolver compreensível o agitado Novo Mundo para mentes europeias”. KARNAL, Leandro. As crônicas ao sul do Equador, p. 18.
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seus companheiros de escrita recorrem a um jogo de palavras, termos e nomes para
designar as diferentes coisas que observaram nas terras americanas e transmiti-las de
maneira inteligível em suas narrativas.284
Nesse processo de tradução, ser um testemunho presente tinha certo peso para
muitos desses cronistas, pois a experiência nas Índias não apenas revelou novos
conhecimentos acerca do mundo, mas colocou em pauta algumas teses cultivadas durante
longo tempo na Europa. No entendimento desses autores, somente aqueles que viram
poderiam apreender as maravilhas encontradas nessas novas partes, como reconhece o
próprio Cortés ao confessar para o rei que “mesmo que eu queira dizer a vossa majestade
a aspereza e fragosidade desse porto e serras, nem quem melhor do que eu poderia
explicar, nem quem ouvisse poderia entender, sem ter visto e passado por ele e
experimentado”.285 Ideia afirmada pelos seus congêneres, que julgavam mais válido ver
com os olhos e tocar com as mãos coisas tão diferentes e inexploradas.286 A favor do
conhecimento pela vista, Gonzalo de Oviedo questiona o conhecimento livresco como
única via de acesso aos conhecimentos sobre o mundo, pois, segundo assevera, “muito
diferente e desviado do que Plínio disse” em seus livros “está o que nossos testemunhos
afirmam” pela experiência nas Índias.287 E se o historiador romano “não soube dizer a
respeito dessas terras”, prossegue Oviedo, “deve haver muitas outras particularidades que
(igualmente) não alcançou”.288 Pela experiência, conclui, o “mundo nunca deixará de
ensinar novidades aos que viverem, e muito mais nessas Índias que em outras partes”,289
porque os segredos delas são mais compreendidos pelo espanhóis que estiveram
fisicamente nessas bandas.
O saber pela experiência
284 Mais do que traduzir a América aos seus leitores, pode-se dizer que os cronistas se esforçaram por construir uma imagem do que puderem observar nessas partes e um vocabulário novo para nomear as suas novidades. 285 CORTÉS, Hernán. Quinta Carta de Relación. In: Cartas de Relación, p. 391. (Grifos meus) 286 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso, p. 5. 287 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 188. 288 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 188. 289 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 188.
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O desejo do conhecimento é o mais natural. Experimentamos todos os meios suscetíveis de satisfazê-lo, e quando a razão não basta, apelamos para a experiência. (Da experiência. Montaigne) Os casos vi que os rudos marinheiros, que têm por mestra a longa experiência, contam por certos sempre e verdadeiros. (Os Lusíadas. Luiz Vaz de Camões)
Ao discorrer na sua Historia general..., sobre os novos conhecimentos adquiridos
pelas descobertas das Índias, no volume dedicado ao tema da história natural, Gonzalo de
Oviedo comenta que “com grande dificuldade se podem ilustrar ou pôr em perfeição as
coisas que são feitas por homens sem experiência, ou que sem ter visto ou bem
considerado e aprendido seu ofício, se põem a ensinar, qualquer artifício que seja, sobre o
que não viram.” 290 Mais adiante, ainda sobre as ignotas partes, confessa estar
“maravilhado como algumas pessoas se têm posto a escrever as coisas daqui, desde
Europa, sem ter visto e nem entendido sem sua presença, e por informação de quem não
conhecem, pois, mesmo estando nessa terra, é certo que não viu o que há”.291
Oviedo integra uma parcela de cronistas para os quais a experiência, aqui
entendida como um saber proveniente da prática e da observação pessoal, é o modo mais
válido para se conhecer as novidades referentes às descobertas.292 Frente à ausência de
um conhecimento prévio que sustentasse suas afirmações, dado que a América não
aparece nos textos clássicos, a experiência passa a ser a base para o acesso aos assuntos
americanos, sobretudo aqueles concernentes às matérias naturais de um mundo que lhes
era completamente estranho.293 Nessa condição, é possível inferir que esses cronistas
290 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general de las Indias, Tomo IV, p. 267 291 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general de las Indias, Tomo IV, p. 267. 292 Assim como Hernán Cortés que, segundo John Elliott, em suas Relaciones “hay una constante insistencia en la importancia de la experiencia, un tipo de conocimiento que individual y personal de las cosas y los hombres, que un numero cada vez mayor de españoles del siglo XVI comenzaba a considerar superior al proporcionado por la autoridad tradicional”. ELLIOTT, John. España y su mundo, p. 59. DIAS, da Silva. Influencia de los descubrimientos en la vida cultural del siglo XVI, p. 33. 293 MIGNOLO, Walter. Experiencia y verdad en la crónica de Indias. In: RICO, Francisco (Dir.). Historia y critica de la literatura española. Siglos de Oro: Renacimiento. Barcelona: Editorial Critica, 1991, p. 127.
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outorgam grande valor a um saber que emana da própria vivência nos eventos, um saber
mais empírico e que está diretamente pautado pela autoridade pessoal daqueles que
observam. Daí o testemunho de vista ser tão necessário no parecer desses cronistas, já
que essas matérias não eram previamente conhecidas pelos seus antepassados.
A experiência pessoal de que fala Oviedo, contudo, não tinha o mesmo peso para
os letrados espanhóis de épocas anteriores. No contexto que antecede os descobrimentos
marítimos, os escritores recorriam a muitas fontes para validar as suas informações, como
a consulta aos livros deixados pelos antigos e medievais, aos textos e documentos oficiais
direcionados à Coroa, ao que ouviram falar por quem esteve nos eventos e, em alguns
casos, ao próprio testemunho do autor, caso ele fosse um espectador dos acontecimentos.
Parece ser somente no século XVI, com o ingresso maior das notícias americanas no
continente europeu e o aumento das produções sobre a passagem dos espanhóis pela
região do além-mar, que a experiência ganha mais força para a afirmação da verdade.294
Pelo menos é o que muitos cronistas indicam em seus textos sobre o Novo Mundo,
quando passam a insinuar, já nos primeiros tempos das descobertas, que, por meio do
exame e do aprendizado prático, poder-se-ia obter uma imagem mais certa acerca das
coisas que ali presenciavam.
Possivelmente, um dos mais pródigos a destacar essa questão tenha sido o
cosmógrafo, soldado e navegador português Duarte Pacheco Pereira, em 1508, no
renomado Esmeraldo de Situ Orbis. Na dita obra, que pode ser lida como Tratado dos
sítios da terra, o autor recorre à própria experiência nas Índias durante “tão trabalhosa
jornada” para autenticar as informações referentes às novas descobertas, como o encontro
da outra metade do mundo que, segundo ele, “nunca nossos antecessores e nem outros
muito mais antigos de outras estranhas gerações puderam crer” porque “falaram e
escreveram tantas fábulas que a todos pareceu impossível navegar os mares indianos e
terras do nosso ocidente”.295 Sendo a “experiência madre de todas as coisas”, sustenta
Duarte Pacheco, por ela, os homens souberam “radicalmente a verdade” sobre “aqueles
mares e terras que tanto medo e espanto os antigos nos puseram”.296 Um pouco mais
294 MOLLAT, Michel. Los exploradores del siglo XIII al XVI, p. 29. 295 PACHECO PEREIRA, Duarte. Esmeraldo de Situ Orbis. Lisboa: Imprensa Nacional. Edição comemorativa da descoberta da América por Christovão Colombo, 1892, p. 98. 296 PACHECO PEREIRA, Duarte. Esmeraldo de Situ Orbis, p. 99.
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tarde, Pedro Cieza de Léon recorre à mesma experiência para afirmar a descoberta das
novas terras que, de acordo com ele, “por tanto tempo e anos não se soube e nem se teve
notícia em Espanha”.297 Na descrição das novidades, especialmente relacionadas aos
temas naturais que ganharam muitas páginas nesse tipo de relato, o cronista é mais claro
ao escrever que a “experiência agora nos mostra ser essa parte de terra habitada, rica e
viçosa”298 e muito ao contrário do que sustentaram os autores do passado. Mesmo que as
referências clássicas sejam a base do seu conhecimento, assim como de todos da sua
época, Pedro Cieza não deixa de contrastá-las com as novas questões trazidas pelos
recentes descobrimentos, chegando até a concluir, em certa altura da obra, que “alguns
cosmógrafos antigos variaram e erraram”299 nas suas afirmações. Opinião semelhante
expressa o cronista de gabinete Francisco López de Gómora que, mesmo sem passar por
essas partes, reconhece, nas linhas iniciais da sua Historia general..., estar “a experiência
ao contrário da filosofia” ao ser “notório que a cada dia vão lá nossos espanhóis de olhos
fechados [...] e, tocando em terras de uns e outros antípodas, declaram a ignorância da
sábia Antiguidade.”300
Como esses cronistas, muitos outros comentam, em seus relatos, essa mesma
posição ao anunciar que certas noções partilhadas pelos europeus perderam seu valor de
verdade com o encontro das Índias.301 Não são poucas as passagens em que as teses antes
formuladas pelos antigos aparecem ora corrigidas ora ampliadas por aqueles que viajaram
e toparam com um novíssimo mundo. Notas e comentários que evidenciam uma série de
conteúdos inéditos que não poderiam ser encontrados nos textos conhecidos, já que eram
divulgados, conforme valorizam os cronistas, pela primeira vez nesses recentes escritos
sobre os descobrimentos de ultramar.302 O anúncio de Cortés noticiando sua chegada a
“uma nova terra”303 localizada na região central da América, por exemplo, veio a
confirmar, uma vez mais, que as zonas poderiam ser acessadas. Nessa mesma carta, o
conquistador ainda comunicava que essas terras eram habitadas por povos iguais aos
297 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 12. 298 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 136. 299 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 136. 300 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las indias, Tomo I, p. 20. 301 DIAS, Sebastião da Silva. Influencia de los descubrimientos en la vida cultural del siglo XVI, p. 62. 302 ALBUQUERQUE, Luis de. As navegações e a sua projeção na ciência e na cultura. Lisboa: Gradiva, 1987, p. 142. 303 CORTÉS, Hernán. Primeira Carta de Relación. In: Cartas de Relación, p. 2.
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europeus, com “cores diferentes”, segundo mais tarde anotou Gómora,304 e que possuíam
“uma maneira própria de viver, com seus ritos e cerimônias, seitas e leis”.305 A porção
mencionada por Cortés também viria a afirmar a viabilidade de se navegar por aqueles
mares, feito que o conquistador não deixou passar em branco nas linhas que compõem
seu relato, assim como Bernal Díaz, integrante da mesma expedição, narrou nas páginas
da história que lhe é atribuída o percurso marítimo para se chegar a esta terra “nunca
antes descoberta e tampouco noticiada”.306
Gonzalo de Oviedo, por sua vez, escreve que a possibilidade de se navegar da
Espanha para as Índias foi uma conquista alcançada graças à própria experiência dos
espanhóis de poder trafegar pelos mares utilizando uma rota marítima que não estava
previamente dada nos livros e mapas tradicionais:
Tudo isso que eu disse não se pode aprender em Salamanca, nem em Paris e nem em Bolonha, mas na cátedra da bússola (que é aquele lugar onde vai posta a agulha de navegar) e com o quadrante na mão, tomando o mar ordinariamente, as noites as estrelas e os dias o sol com o astrolábio.307
Nessa mesma entrada, o cronista prossegue apontando que a “navegação requer mais do
que palavras”, porque, mesmo que se estude a “cosmografia e a conheça melhor do que
Ptolomeu, não se saberá, com quantas palavras estão escritas, navegar até que se
pratique”.308 A exemplo do médico que aprende os males do corpo quando trata de seus
enfermos, complementa que o piloto deve se instruir nas vezes em que se encontra em
atividade, pois somente com essa experiência pode entender os “perigos do mar”309 e os
caminhos corretos a tomar. Afinal, conclui Oviedo, sobre essas matérias, até então,
“nenhum cosmógrafo, nem astrólogo, nem homem experto nas coisas do mar [...] me
satisfizeram ou deram razão conveniente da verdadeira causa que põe em efeito o que
304 Assim diz o clérigo Francisco López de Gómora, na dedicatória a Carlos V: “Mas os homens são como os nossos, exceto a cor, pois de outra maneira bestas e monstros seriam e não viriam como vêm de Adão”. LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 4. 305 CORTÉS, Hernán. Primeira Carta de Relación. In: Cartas de Relación, p. 2. 306 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 5. 307 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las indias, Tomo I, p. 39, 40. 308 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las indias, Tomo I, p. 40. 309 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las indias, Tomo I, p. 40.
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meus olhos muitas vezes viram”.310
Semelhantes a essas são as considerações deixadas por Pedro Cieza de León a
respeito da navegação praticada pelos espanhóis no mar do sul. Discorrendo sobre essas
águas, o cronista ressalta que, sem nenhum conhecimento anterior, conseguiram
atravessar as costas inexploradas do Peru e acessar, mesmo com grandes dificuldades e
perigos, as rotas corretas a seguir. Segundo ele, graças à experiência foi possível
conhecer o traçado marítimo composto por portos e rios, ilhas encontradas pelo caminho,
baías e terra firme que mais tarde ajudaram a instruir, juntamente com as novas cartas de
marear, os “pilotos destros e expertos” 311 a navegar por essas partes, bem como
especialistas que buscaram nesses escritos matéria para aprimorar as técnicas de
navegação. É o caso de Pedro de Medina, cartógrafo e autor do primeiro tratado náutico
impresso na Europa, em 1545, intitulado, Arte de navegar en que se contienen todas las
reglas, declaraciones, secretos y avisos a que la buena navegación son necesarios y se
deben saber,312 e de Martín Cortés, cosmógrafo espanhol que publica, em 1551, o célebre
tratado Breve compendio de la Sphera y arte de navegar. Nas suas obras, que alcançaram
numerosas edições na Europa durante o século XVI,313 os autores fazem referência a
esses textos para ensinar noções atualizadas sobre as artes marítimas. Pode-se adiantar,
pois esse é um assunto a ser desdobrado mais tarde, que esses mesmos textos
desempenharam um papel fundamental nas atividades náuticas da época, ao auxiliar os
marinheiros, juntamente como os instrumentos mais conhecidos – o astrolábio, o
310 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las indias, Tomo I, p. 40. 311 CIEZA DE LÉON, Pedro. Crónica del Perú, p. 24. 312 A segunda e a terceira edições dessa obra não se mantiveram fiéis ao texto original. Trazem pequenos tratados elementares para ser melhor compreendidos pelos pilotos e mestres do mar após o próprio Medina constatar a necessidade de se escrever um texto mais acessível a esses leitores. A Arte de navegar teve êxito grandioso nos países vizinhos, sendo publicada em mais de vinte edições estrangeiras (quinze em francês, cinco em holandês, três em italiano e duas em inglês), o que deu a Pedro de Medina o status de “pai das ciências náuticas” do seu tempo. Gozando de igual prestígio, o tratado de Martín Cortés também conheceu o sucesso das prensas externas, como temos dito, já que sua obra foi bem recebida pelos especialistas ingleses ao alcançar dez edições. GUILLÉN Y TATO, Julio F. Europa aprendió a navegar en libros españoles. Barcelona: Contribuición del Museo Naval de Madrid a la Exposición del Libro del Mar, 1943, p. 12, 14. 313 A obra de Martín Cortés, específicamente, foi muito apreciada pelo público inglês. Além de ter sido publicada dez vezes no período de oitenta anos, o manual ainda serviu ao navegador Francis Drake na segunda volta ao mundo, realizada, entre 1570 e 1580, depois que a primeira foi empreendida por Fernão de Magalhães e Juan Sebastián Elcano. Cf. PÉREZ-MALLAÍNA, Pablo E. Botânica e cartografia: a explosão da ciencia! In: ARAÚJO, Carlos. Sevilha, século XVI. De Colombo a D. Quixote, entre a Europa e as Américas – o coração e as riquezas do mundo. Lisboa: Terramar, 1992, p. 207.
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quadrante e a balhestilha – a orientarem-se nessas águas.314
O tema da navegação, contudo, serve aqui para mostrar que a experiência aparece
como um saber necessário para o conhecimento dos novos temas que não estavam
dispostos nos livros antigos. Conclusão deixada até mesmo por um navegador francês,
Jacques Cartier, na data de 1545, ao escrever em seu Bréf récit et succinte narration de la
navigation..., que “os comuns navegantes de nossos dias, fazendo verdadeiras
experiências, conheceram o contrário das opiniões dos filósofos” e, por isso, “que
ninguém pretenda persuadir-me de nada que seja contrário à experiência”.315 No caso dos
espanhóis, porém, essa questão parece estar melhor colocada em Gonzalo de Oviedo, ao
comentar, em seus escritos sobre as Índias, que as obras mais estimadas e verdadeiras
decorrem do “comedido entendimento do homem que pelo mundo andou e se ocupou de
escrevê-las”.316 Reportando-se à sua própria jornada nessas terras, esse cronista debate
diretamente com a herança livresca que muitos autores seguiam para dar legitimidade a
seus relatos, o que lhe parecia desnecessário, afinal, dizia, “para que trazer a autoridade
dos antigos nas coisas que eu vi e nas coisas que a natura ensina a todos que a vê cada
dia?”.317 Para Oviedo, a autoridade do passado já não atendia a alguns questionamentos
propostos por aqueles que, como ele, vivenciaram esses novos mundos.318 Nem mesmo a
certas indagações propostas pelos homens cultivados que, tão logo inteiraram-se dessas
novidades, por meio da circulação de notícias, textos e cartas, passaram a contestar os
esquemas que lhes pareciam incorretos e a dar crédito à experiência como forma segura
para se conhecer o que havia naqueles sitos.319 Conhecer, aliás, as partes ainda ignotas
pouco a pouco reveladas pelos exploradores à medida que os empreendimentos
marítimos prosseguiam no curso do século XVI.
Desde que o já mencionado Duarte Pacheco anunciou as primeiras notícias sobre
as Índias, salientando que seus antecessores haviam se enganado, a experiência aparece 314 VICENTE MAROTO, Maria Isabel. El arte de navegar. In: MARTÍNEZ RUIZ, Enrique (Dir.). Felipe II, la ciencia y la técnica. p. 343. 315 CARTIER, Jacques. Bréf récit et succincte narration de la navigation faite en MDXXXV et MDXXXVI par le capitaine Jacques Cartier aux iles de Canada, Hochelaga, Saguenay et autres. Paris: Librarie Tross, 1863, s/p. 316 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias , p. 77. 317 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general de las Indias, Tomo II, p. 76. 318 BARRETO, Luis Filipe. Descobrimentos e Renascimento: formas de pensar nos séculos XV e XVI. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda – Temas portugueses, 1983, p. 66. 319 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso, p. 11.
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como uma via para o conhecimento das coisas. Foi recorrendo a ela que os cronistas se
sentiram seguros para narrar os caminhos tomados rumo às Índias com base nas
“modernas cartas e experimentada cosmografia” 320 e descrever o ambiente natural
encontrado “tão formoso que em toda Espanha não podem ser melhores e nem aprazíveis
à vista”.321 Igualmente, foi esse mesmo ver com os olhos que os levou a refutar a crença
dos antigos nos limites do mundo e a afirmar, em seu lugar, o encontro de uma nova parte
habitável e agradável por seu clima e suas riquezas naturais. Tal experiência, ainda,
permitiu a muitos autores dessa época abraçarem as novas opiniões advindas das recentes
descobertas, certos, pois, de que a força das evidências se mostrava mais imperante sobre
a lição dos sábios.322
Diante disso, não faltou quem quisesse reduzir o valor da herança clássica que por
tanto tempo tinha recebido o aplauso dos homens letrados. Para muitos, se as novas
descobertas mostravam o equívoco de algumas ideias advindas do passado, como a tese
de que as zonas da Terra não eram habitáveis, dadas as suas partes muito frias e outras
muito quentes, convinha, agora, revê-las à luz da experiência.323 É assim que os cronistas
procuraram contar as diferenças observadas entre o mundo pintado pelos antigos
filósofos e o ambiente recém-encontrado. Nesse caso, passaram a pontuar em seus relatos
os resultados das viagens marítimas, ou seja, as novidades sobre aquelas novíssimas
terras, como se quisessem reparar um prolongado mal-entendido.
O debate entre antigos e modernos
Cessem do sábio grego e do troiano As navegações grandes que fizeram Cale-se Alexandre e Trajano A fama das vitórias que tiveram [...] Cesse tudo o que a Musa antiga canta, Que outro valor mais alto se alevanta. (Os Lusíadas – Luís Vaz de Camões)
320 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 36. 321 CORTÉS, Hernán. Primera Carta de Relación. In: Cartas de Relación, p. 16. 322 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso, p. 350. 323 DIAS, Sebastião da Silva. Influencia de los descubrimientos en la vida cultural del siglo XVI, p. 80.
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Em 1508, Duarte Pacheco Pereira, um dos capitães de confiança do rei D. João II,
após passar longo tempo pelas terras americanas, escreve, no referido Esmeraldo de situ
orbis, que “há muita razão para se espantar como excelentes homens destes caíram em
tamanho erro” ao afirmar que as zonas não eram habitadas.324 Pacheco refere-se ao
desconhecimento dos antigos sobre as partes equinociais serem acessíveis e seus mares
navegáveis. Posteriormente, em 1535, o cronista oficial Gonzalo de Oviedo aponta, em
sua Historia general y natural de las Indias, que Plínio “se enganou ao dizer ser
inabitável a tórrida zona ou linha equinocial, assim como aqueles outros que escreveram,
pois é muito habitada pelo que hoje vemos em Terra Firme destas Índias”.325 Mais de
quarenta anos depois, em 1581, o conhecido médico Francisco Sanches, deixa, em sua
obra Que nada se sabe, a seguinte declaração:
Na tua ciência perfeita dizias ontem, e até já há muitos séculos, que a Terra era cercada por um oceano, e dividida em três partes universais: Ásia, África e Europa. O que dirás agora? Foi descoberto um novo mundo e novas coisas numa nova Espanha ou Índias Ocidentais e nas Orientais. Dizias também que havia uma região meridional, sob o Equador, que por causa do calor era inabitável, e que o mesmo se dava nos polos e nas zonas extremas por causa do frio; que essas duas coisas são falsas já o mostrou a experiência. Como é, pois, que tu afirmas que as tuas proposições são eternas, incorruptíveis, infalíveis e que não poderia existir de outra maneira?326
Embora escritas em tempos diferentes do século XVI, as três sentenças sinalizam uma
mudança importante observada nos relatos elaborados nesse período: a autoridade do
saber clássico sustentada pelos homens dessa época passa a ser questionada. As
“proposições eternas, incorruptíveis e infalíveis”, que nunca tinham sido postas à prova,
agora, são consideradas incorretas e ilegítimas em razão dos descobrimentos. Mais ainda,
teorias e esquemas que, por séculos, permaneceram intocáveis, aparecem corrigidos nos
relatos de navegadores, exploradores e cronistas que noticiam a existência de um novo 324 PACHECO PEREIRA, Duarte. Esmeraldo de Situ Orbis, p. 99. 325 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 14. 326 SANCHES, Francisco. Que nada se sabe. Lisboa: Vega, 1991, p. 102. Grifos meus.
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mundo e, não muito tempo depois, nas obras de estudiosos interessados nessas novidades.
Entre as muitas teses discutidas nesse contexto das descobertas e logo
reformuladas está a ideia de que a Terra não poderia ser completamente habitada. Para o
pensamento clássico em voga, a morada no orbe terrestre era possível apenas nas poucas
partes concentradas no hemisfério norte, onde se localizava a Ilha da Terra, visto que as
demais partes e a maior extensão do hemisfério sul constituíam-se de água.327 Francisco
López de Gómora, um dos poucos cronistas que exprimem um conhecimento sobre a
cosmografia clássica, discorre, na Historia general..., como os antigos e seus herdeiros
medievais pensavam ser esse espaço geográfico em que habitavam. Logo no terceiro
capítulo da obra, cujo mote é contar “todo o descobrimento e as coisas notáveis que
ocorreram até 1551”, escreve:
Thales, Pitágoras, Aristóteles e depois deles quase todas as escolas gregas e latinas afirmam que a Terra de nenhum modo se pode toda morar, por ter uma parte muito quente e outras muito frias. Outros, que repartem a Terra em duas partes, a que chamam hemisférios, dizem que não há homens em uma parte e nem pode haver, senão que de pura necessidade vão viver na outra, que é onde nós estamos, e ainda dela tiram três terços de cinco que lhe põem, de sorte que, segundo eles, somente duas partes, de cinco que tem a Terra, são habitáveis.328
Além desses limites territoriais, o cronista menciona a crença de que somente as porções
situadas dentro das zonas temperadas, como a Ilha da Terra, poderiam servir de morada
aos homens graças ao clima ameno. Nas outras zonas que se imaginava existir, não seria
possível a vida de nenhuma espécie, porque ora fazia frio extremo nos polos ora fazia
calor excessivo nos trópicos, como explica Gómora:
Querendo provar como a maior parte da Terra é inabitável fingem existir cinco faixas que chamam por zonas, no céu, pelas quais regram o orbe da Terra. Há duas frias, duas temperadas e outra quente. Se queres saber como são estas cinco zonas ponha a vossa mão esquerda entre o rosto e o sol [...], tenha os dedos abertos e estendidos, olhando o sol por entre os dedos faça de conta que cada um é uma zona: o dedo polegar é a zona fria para o norte, que por sua demasiada frieza é inabitável; o
327 O’GORMAN, Edmundo. A invenção da América, p. 83. 328 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 12.
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outro dedo é a zona temperada e habitável, onde está o trópico de câncer; o dedo do meio é a tórrida zona, assim chamada por tostar e queimar, e por isso é inabitável; o dedo do coração é a outra zona temperada, onde está o trópico de capricórnio e o dedo menor é a outra zona fria e inabitável, que cai o sul. A causa que põem para não poder viver homens nas três zonas e parte da Terra é o grandíssimo frio que com muita distância e ausência do sol há na região dos polos e o excessivo calor que há debaixo da tórrida zona pela vizinhança e contínua presença do sol.329
Malgrado essa tese clássica sobre a habitabilidade da Terra tenha permanecido
inquestionável durante todo esse tempo, Gómora sugere que tão logo se percebeu que as
possessões encontradas ao sul correspondiam a um Novo Mundo, totalmente
desconhecido, como inicialmente propôs Pedro Martír de Anglería, 330 provou-se o
contrário. Afinal, as ditas regiões descobertas por Colombo não apenas eram habitáveis –
pelo clima aprazível, pela diversidade da flora e pela abundância de rios – como também
se mostraram claramente habitadas por diferentes classes de povos.331
Muito antes de Gómora concluir, em sua obra, que os antigos se enganaram a
respeito desse assunto, outros letrados já haviam proclamado os efeitos dos recentes
descobrimentos para o campo do saber. Martín Fernández de Enciso, cosmógrafo e autor
do primeiro manual de geografia escrito em castelhano, a Suma de Geographía, datada de
1519, não deixa de sublinhar o duro golpe nas concepções clássicas com as descobertas
alcançadas nessa época. Na obra, escreve que os antepassados se enganaram ao sustentar
que as “zonas que estão debaixo da tórrida entre os trópicos não eram moradas por
motivo de grande calor”, pois, segundo ele, “a experiência tem mostrado o contrário,
sendo as Índias e Terra Firme e as Ilhas Ocidentais [...] muito povoadas mesmo
localizadas debaixo da tórrida zona”.332 Já Pedro Margallo, humanista português que
compôs a obra Phisicus Compendium, publicada em Salamanca, em 1520, rebate a tese
329 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 12, 13. 330 “Foi nesta conjuntura que Pedro Martír de Anglería cunhou a famosa expressão “novus orbis” como fórmula adequada para satisfazer a exigência no ambiente de dúvidas que então reinava a respeito. De fato, ao insistir sobre o qualificativo de “novo”, sustentou a ideia de que se tratava de algo de que não se tivera conhecimento antes”. O’GORMAN, Edmundo. A invenção da América, p. 113. 331 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 13. 332 FERNÁNDEZ DE ENCISO, Martin. Suma de Geographía que trata de todas las partidas y provincias del mundo: en especial de las Indias y trata largamente del arte del marear juntamente con la esfera en romance, con el regimiento del sul y del norte nuevamente hecha. Sevilha: Extramuros Edición. Reproducción fac-símile, s/d, p. a.V.
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dos antigos a respeito da divisão da Terra em três partes. Ao tomar por base os novos
descobrimentos, Margallo sustenta que a correta divisão se dá em quatro partes, pois é
preciso somar a “América, desconhecida dos antigos, descoberta por Vespúcio, a qual se
pinta para o Ocidente no mapa”333 às partes conhecidas Ásia, África e Europa.
Igualmente, a crença de que os mares eram incomunicáveis, também, foi desfeita
após as recorrentes idas e vindas das embarcações que trafegavam entre a Europa e o
Novo Mundo.334 O cruzamento do Atlântico que resultou no encontro de uma vasta
extensão habitada, mais tarde batizada de América, rompeu com a ideia de que a Terra
era um círculo fechado e que os oceanos não estabeleciam ligações entre si. As
expedições ibéricas provaram que se podia avançar para além dos limites estabelecidos
pelos antigos – demarcado pelas lendárias colunas de Hércules e de Dionísio – e retornar
ao velho continente graças a uma “moderna e experimentada cosmografia” e novas cartas
de navegar que, agora, tem-se “por mais corretas e melhores do que as passadas”.335 Do
mesmo modo, era completamente possível navegar pelos mares em torno da América e
cruzar o extremo sul do novo continente, alcançando o oceano Pacífico, conforme
mostrou a viagem empreendida, em 1519, por Fernão de Magalhães e Juan Sebastián
Elcano.336 Aliás, a celebrada circum-navegação aparece nos relatos como um grande feito
dos modernos337 espanhóis que se podia igualar e, até mesmo superar, as obras realizadas
anteriormente pelos homens do passado. É essa a ideia que Gonzalo de Oviedo procura
transmitir em sua Historia general... ao mencionar tal viagem e a consequente travessia,
considerada “difícil de se fazer e quase impossível” por haver dúvida se “a natura havia 333 MARGALLO, Pedro. Phisicus Compendium. Texto em Anexo. In: FLÓREZ MIGUEL, Cirilo; GARCÍA CASTILLO, Pablo; ALBARES ALBARES, Roberto. La ciencia de la tierra. Cosmografía y cosmógrafos salmantinos del Renacimiento. Salamanca: Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Salamanca, 1990, p. 321. 334 DOMINGUES, Francisco Contente; BARRETO, Luis Filipe. A abertura do mundo: estudos de história dos descobrimentos europeus. Lisboa: Editora Presença, 1986, p. 170. 335 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 37. 336 O navegador espanhol Juan Sebastián Elcano integrou a expedição de circunavegação da costa americana e se tornou o comandante após a morte de Fernão de Magalhães, em 1521, durante a passagem pelas Filipinas. A célebre expedição, ao contornar de forma inédita o extremo sul da América, comprovava a ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico, alterando definitivamente a representação gráfica do mundo. AZEVEDO E SILVA, José Manuel. A cartografia hispano-portuguesa no tempo de Filipe II. In: MARTÍNEZ RUIZ, Enrique (Dir.). Felipe II, la ciencia y la técnica, p. 340. 337 Segundo Asunción Rallo, o termo moderno “es un legado de la fase tardía de la lengua latina, derivado del adverbio modo. Su introducción en la lengua castellana se produjo en el siglo XV, siendo probablemente Enrique de Villena el primero en utilizarlo en la lengua escrita”. RALLO GRUSS, Asunción. Humanismo y Renacimiento en la literatura española, p. 179.
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fornecido disposição ou entrada na terra”, como sendo uma “grande lição e
descobrimento”.338 Mais ainda, quando atribui a este famoso navegador o desvelamento
de um “grande segredo” que até o momento “nenhum autor do passado soube e nem há
memória alguma escrita”339 e que somente com o tempo, quando “melhor se entendam e
se investiguem as coisas e mais vezes se veem e se tratem”,340 será possível conhecê-lo.
O segredo referido por Oviedo talvez possa ser entendido pelas palavras de Fernández de
Enciso, que, um pouco antes, já havia sugerido ser a descoberta do caminho marítimo
pelos espanhóis “coisa necessária” para o encontro de novas terras,341 isto é, o encontro
de um novo céu, de novas estrelas e de uma nova natura de um mundo que pensavam ser
inteiramente conhecido.
A constatação de que havia, naquelas partes, povos que eram fisicamente iguais
aos europeus representou o fim de outro segredo, afinal, quem é que podia imaginar que
fora da Ilha da Terra existiriam outros habitantes se os próprios antepassados jamais
confirmaram tal sentença? Francisco López de Gómora escreve que até houve, entre os
letrados antigos, quem aprovasse a presença de antípodas em algum canto da Terra, mas
que não era possível “vê-los e nem encontrá-los”. 342 Outros, sustenta o cronista,
“negavam de pés juntos” a vida de povos fora do orbe terrestre, pois, como o grego
Estrabão, consideravam “ser impossível haver homens no hemisfério inferior onde os
põem”.343 Entre os cristãos medievais, como Santo Agostinho, a presença dos antípodas
também foi negada com base no argumento bíblico de que havia uma unidade dos filhos
de Deus que habitavam o mesmo espaço.344 Não seria possível provar, comenta Gómora,
que os supostos antípodas “descendiam de Adão e Eva como todos os demais homens
338 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo II, p. 218. 339 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo II, p. 217. 340 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo II, p. 252. 341 FERNÁNDEZ DE ENCISO, Martin. Suma de Geographía, p. a.III. 342 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 17. 343 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 17. 344 “Aunque acepte la idea de la esfericidad de la Tierra y la teoría de las zonas, San Agustín se niega a avalar la hipótesis – proveniente, a su juicio, de un razonamiento deductivo carente de prueba - de un hemisferio habitable opuesto y especular al nuestro. La existencia de seres humanos en un continente inalcanzable, excluidos por ende de la descendencia de Adán y absolutamente ignorantes de la noticia de los evangelios, pone en tela de juicio la vocación ecuménica del cristianismo”. VIGNOLO, Paolo. Nuevo Mundo: ¿un mundo al revés? Las antípodas en el imaginario del Renacimiento. In: BONNETT, D.; CASTAÑEDA, F. (Org.). El Nuevo Mundo. Problemas y debates. Bogotá: Uniandes, 2003.
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desse nosso meio mundo e hemisfério.”345 E mesmo se fosse possível, como suspeitaram
alguns, não poderia haver comunicação com tais povos dada a inviabilidade de se
navegar pelos mares para além dos limites do orbe.
O debate em torno dessa questão ganha um novo capítulo, contudo, no momento
em que os viajantes encontraram naquele Novo Mundo “tão estranhas gentes com
diversidades de costumes, cerimônias e idolatrias distante de tudo o que estava escrito,
desde ab nitio até o nosso tempo”.346 Gentes que não andavam com os pés na cabeça por
pisarem ao contrário na Terra, segundo julgavam alguns antigos, mas com os “pés baixos
e a cabeça alta”347 por habitarem, assim como os europeus, uma mesma zona da Terra. E
que não tinham a aparência monstruosa como alguns supunham,348 nomeadamente
escritores antigos e medievais que escreveram sobre os possíveis seres das partes exóticas
do mundo. Os viajantes descobriram gentes que viviam em “grandes reinos e
províncias”349 e, assemelhavam-se aos europeus, conforme noticiaram, tempos depois, os
soldados de Cortés ao alcançarem as cidades mexicanas que dispunham de grande
estrutura e número de habitantes.350 Povos que, aos olhos daqueles observadores terra a
terra, podiam morar ali perfeitamente, visto que o clima, longe de ser intolerante como
muitos diziam, aparentava ser agradabilíssimo à vida humana.351 Tanto que os cronistas
não deixaram de reparar que, naquelas partes em que o calor se presumia mortífero, as
árvores se pintavam de um verde intenso, os frutos nasciam em fartura e as plantas
cresciam em alturas que não se via. Imagem tão clara e manifesta “a todos que viram a 345 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 17. 346 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 8. 347 A ideia clássica sustentada por muitos cosmógrafos antigos e que teve vida longa entre os europeus é de que a terra, sendo uma circunferência, poderia abrigar povos que habitavam a parte antípoda do mundo, isto é, a parte geograficamente oposta à orbe em que viviam os europeus. Daí o nome antípoda, “anti-pé”, cunhado pelos gregos, designar os possíveis seres que poderiam estar naquelas regiões do globo onde, segundo pensavam, era noite quando no norte era dia. LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 16. 348 Sobre essa questão, vale dizer que embora os primeiros povos contatados no Novo Mundo aparentassem uma fisionomia normal, tal como os próprios europeus, havia a crença de que ali também habitavam seres fantásticos – como as amazonas e os gigantes – de que falaram os autores do passado. PAGDEN, Anthony. European encounters with the New World: from Renaissance to Romanticism. New Haven: Yale University, 1993, p. 10. 349 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 8. 350 Como o soldado Bernal Díaz, que diz: “E vimos aquelas cidades [...] torres e fortalezas ] que eram coisa de admiração. Entre nós havia soldados que tinham estado em muitas partes do mundo, em Constantinopla e em toda Itália e Roma, e disseram que praça tão bem organizada, com tamanho e cheia de gente, jamais viram”. DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 167. 351 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso, p. 354.
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fertilidade da terra e a abundância das coisas para o sustento dos homens ali
pertencentes”, comenta Cieza de León, que se podia assegurar que “alguns cosmógrafos
antigos variaram e erraram em afirmar que essa linha por ser cálida não era possível
habitar”.352 A ideia clássica de que a zona tropical era um local inapropriado para a vida
foi superada, assim, pela imagem de um cenário exuberante, de clima ameno, em que “o
frescor da noite tempera o calor do dia” e propicia que na terra se “produza e crie
frutos”.353
Mas não apenas esse ambiente natural aprazível fascinou os viajantes que ali
chegaram, pois, para o assombro de muitos, a paisagem observada, embora abrigasse
espécies completamente novas, parecia igual à que se via em outros sítios do mundo.354
Verificou-se, assim, que a condição climática dos trópicos não exercia qualquer
influência sobre a superfície natural daquelas partes e nem mesmo impedia que
existissem ali uma fauna e uma flora conforme havia nas terras europeias. Muito pelo
contrário, a geografia do Novo Mundo, segundo o parecer desses autores, revelava-se até
mesmo superior no que diz respeito aos aspectos naturais. Sobre isso comenta, entre
outros, Gonzalo de Oviedo, quando observa a fertilidade da ilha espanhola, que “ali todas
as coisas que se planta e cultiva como em Espanha se dão muito melhor e em mais
quantidades que em parte de nossa Europa”.355 As impressões divulgadas por esse
cronista e por tantos outros que escreveram sobre esse tema ajudaram a construir, como
se nota nos escritos da época, uma imagem favorável das novas terras encontradas
naquelas bandas do sul.356 Há mesmo nessa série de relatos aqui mencionada a descrição
da América em que o ambiente natural é retratado em contraponto ao quadro inverso
mantido pela cosmografia tradicional a respeito dessa parte, como veremos a seguir. Uma
descrição que, ao abordar as novas descobertas, como a afirmativa da hospitalidade dos
trópicos, pôs em causa certo número de crenças inquestionáveis à época.357
352 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 136. 353 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 137. 354 DIAS, Sebastião da Silva. Influencia de los descubrimientos en la vida cultural del siglo XVI, p. 160. 355 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias, p. 87. 356 MOLLAT, Michel. Los exploradores del siglo XIII al XVI, p. 9. 357 ELLIOTT, John H. O Velho Mundo e o Novo, p. 16
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Fim das velhas crenças
Todas essas explicações, oriundas da própria experiência pessoal reportada pelos
cronistas, romperam gradativamente com a ideia de que o conhecimento estava
concentrado unicamente na obra dos antigos.358 Não se podia ignorar que aqueles
aventureiros de passagem pelas recentes terras revelaram noções que até os mais lidos da
Antiguidade desconheciam e que evidenciaram, com o anúncio das descobertas, a
insuficiência do saber tradicional. Com razão, o erudito francês Pierre de la Ramée –
também conhecido como Petrus Ramos – comenta na obra Scipionis Somnium, de 1546,
que “filósofos, oradores, poetas e eruditos de todo o mundo e de tantas épocas não
conheciam o que navegantes, mercadores e pessoas sem instrução aprendiam através da
experiência”, de modo que “somos compelidos através de exemplos simples e da
experiência imediata dos sentidos a reconhecer que os prodígios da sabedoria muito
antigos perderam finalmente o seu monopólio e foram ultrapassados”.359 A descoberta de
um Novo Mundo não significou, portanto, apenas o alargamento no plano geográfico
conforme representou o mapa de Martin Waldseemüller,360 em 1507, ao inserir, pela
primeira vez, a América na imagem cartográfica do globo e a divisão dos continentes e
dos oceanos, mas sim o alargamento no campo do saber, que parece ter sido muito mais
impactante para os homens desse tempo.361
Especialmente para aqueles letrados que buscavam na Antiguidade modelo e
inspiração para as suas reflexões no presente, diga-se os humanistas, as novidades
358 ALBUQUERQUE, Luis de. As navegações e a sua projeção na ciência e na cultura, p. 152. 359 RAMUS, Petrus. Scipionis Somnium. In: DOMINGUES, Francisco Contente; BARRETO, Luis Filipe. A abertura do mundo: estudos de história dos descobrimentos europeus, p. 171. 360 Trata-se do mapa que não apenas deu nome à América, mas que apresentou o Novo Mundo aos europeus no início do século XVI. O mapa de Waldseemüller, nas palavras de Toby Lester, “oferece uma visão de como, no decorrer de vários séculos, os europeus abandonaram ideias tradicionais e antigas sobre o mundo, como rapidamente expandiram seus horizontes geográficos e intelectuais e, finalmente – num empreendimento coletivo que culminou na elaboração do mapa – conseguiram chegar a um novo entendimento do mundo como um todo”. LESTER, Toby. A quarta parte do mundo. A corrida aos confins da Terra e a épica história do mapa de que nome à América. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2012, p. 10, 11. 361 BARRETO, Luis Filipe. Descobrimentos e Renascimento: formas de pensar nos séculos XV e XVI, p. 40.
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trazidas pelas viagens suscitaram dúvidas e inquietações em seu meio.362 Afinal, em uma
época em que recuperavam os textos e os autores clássicos, em nome de um passado que
julgavam triunfante e superior,363 circularam as primeiras notícias de que exploradores,
navegadores, soldados e aventureiros haviam atravessado o oceano considerado
invencível e encontrado terras e povos ignorados pelos antigos pensadores. E não tardou
muito para que essas informações fossem debatidas nos círculos eruditos – posto que o
encontro das Índias desafiou uma gama de crenças partilhadas por esses europeus – e aos
poucos também fossem validadas pelos especialistas. Já nesse período, encontramos
escritos elaborados por acadêmicos espanhóis que discutem as teses clássicas tendo em
vista os novos conteúdos apresentados pelos viajantes. Antonio de Nebrija, por exemplo,
catedrático da Universidade de Salamanca e famoso por escrever a primeira gramática em
língua castelhana, compõe o tratado Introductorium Cosmographicum, em 1498, em que
busca situar a posição geográfica das Índias anunciadas por Colombo com base no
procedimento matemático de Ptolomeu.364 Conclui seu estudo, porém, alegando que,
sobre o outro hemisfério, “nada certo nos transmitiram nossos antepassados”, pois,
segundo confirmaram as recentes navegações, há novas partes habitadas ao sul do globo
que se descobrem a cada dia e em breve serão descritas pelos “homens de nosso tempo”,
assim como “as ilhas e o continente que grande parte da orla marítima nos transmitiram
os navegantes [...]”.365 A exemplo de Nebrija, o catedrático Pedro Margallo também faz
uso das representações clássicas, especialmente da Cosmografia consagrada por
Pomponio Mela, na análise sobre as novas regiões. Em seu Phisicus Compendium,
apresenta a imagem atualizada do globo, na qual inclui a América, assim, dando um
passo largo para a substituição progressiva das teorias geográficas aristotélicas e
362DOMINGUES, Francisco Contente; BARRETO, Luis Filipe. A abertura do mundo: estudos de história dos descobrimentos europeus, p. 171. 363 RALLO GRUSS, Asunción. Humanismo y Renacimiento en la literatura española, p. 175. 364 “En el Introductorium de Nebrija conviven en coherencia y armonía los dos discursos fundamentales del humanismo: el discurso estético de los clássicos, que ilumina y da vida al linguaje, y el discurso matemático de los científicos, que ponde orden en la realidade”. In: FLÓREZ MIGUEL, Cirilo; GRACÍA CASTILLO, Pablo; ALBARES ALBARES, Roberto. La ciencia de la tierra, p. 30. 365 ANTONIO DE NEBRIJA, Elio. Introductorium Cosmographicum. Texto em Anexo. In: FLÓREZ MIGUEL, Cirilo; GRACÍA CASTILLO, Pablo; ALBARES ALBARES, Roberto. La ciencia de la tierra. p. 243.
101
ptolemaicas ainda em voga nesse período.366
Tal evidência de que o mundo admitido pelos antigos era muito diferente daquele
encontrado pelos viajantes modernos levou certas teses clássicas a perderem
gradualmente o seu valor explicativo.367 É que, diante das descobertas agora anunciadas,
não era mais possível seguir os esquemas tradicionais, visto que os pilares que o
sustentavam há pouco tinham se desfeito com as viagens marítimas e a revelação das
novas terras. Assim como não se podia manter inalteráveis os conhecimentos usuais
frente à diversidade de matérias trazidas da América por aqueles que lá passaram e
retornaram tempos depois de Colombo. Principalmente, porque a cada dia se noticiava o
encontro de coisas “raras e extraordinárias” e a elucidação de uma “variedade de
segredos”, conforme destaca Gonzalo de Oviedo, “nunca ouvidos desde que os
espanhóis, com virtude e trabalho, pessoalmente viram, experimentaram e notificaram”
em seus relatos.368
São essas novidades que levariam esse mesmo Oviedo a ostentar as descobertas
alcançadas na sua época. Para ele, o encontro da “outra metade do mundo”369 constituía
uma grande conquista que nenhuma geração, nem mesmo aquela na qual viveram os seus
mestres maiores, os antigos, havia empreendido. Tão notável, segundo diz, que era um
grande favor “ocupar o tempo trabalhando e escrevendo”370 para contá-las a quem se
interessasse, esforço que resultou na elaboração de uma volumosa história, a primeira que
conjugou a temática natural e geral, com o pretexto de narrar todas as “maravilhosas
obras” recolhidas nessas terras. Nos passos de Oviedo, o soldado Pedro Cieza de León,
igualmente, exalta, na sua história sobre o Peru, os descobrimentos obtidos nesse tempo e
o conhecimento de “tão grandes e peregrinas coisas” existentes naqueles cantos.371 Mas é
366 In: FLÓREZ MIGUEL, Cirilo; GRACÍA CASTILLO, Pablo; ALBARES ALBARES, Roberto. La ciencia de la tierra, p. 37. 367 O que não significou, contudo, um divórcio com a com o saber herdado dos antigos, pois ainda que os textos sobre tal assunto procurassem contar o novo, as ideias clássicas eram sempre retomadas durante a exposição dos eventos. Não se pode afirmar, assim, que há um pensamento único a esse respeito, pois tanto as ideias antigas como as modernas existiram conjuntamente nessa época. Cf. HOOYKAAS, Reijer. O Humanismo e os Descobrimentos na ciência e nas letras portuguesas do século XVI. Lisboa: Gradiva, 1983. 368 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 141, 142. 369 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 15. 370 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 142. 371 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Peru, p. 10.
102
Francisco López de Gómora, contudo, quem melhor enaltece as ditas descobertas ao
considerá-las a “maior coisa depois da criação do mundo, com exceção da encarnação e
morte de quem o criou”.372 A razão da sua afirmativa é que haviam encontrado um Novo
Mundo e outras “coisas diferentíssimas”, 373 conforme lhe relataram os seus mais
próximos depoentes, que jamais se viu ou se soube.
Tal valorização por parte desses autores e de tantos outros que viveram essa
mesma época deu lugar à assertiva de que seus feitos eram superiores aos realizados
pelos homens do passado. 374 Gonzalo de Oviedo, por exemplo, enaltece os
descobrimentos alegando que “coisa por certo mais digna e sem comparação audaciosa
não foi Hércules dar a entrada do mar mediterrâneo no oceano”, como diz a “fábula que
os montes Calpes e Ávila eram juntos e que Hércules os abriu”,375 mas sim que em
“partes tão estranhas e tantos milhares de terras adiante de onde Hércules e todos os
príncipes universos chegaram a vossa sacra católica majestade alcançou”.376 Semelhante
opinião exprime Hernán Cortés, em discurso reproduzido pelo narrador da Historia
verdadera..., quando diz aos seus companheiros, nas Índias, que entre os “romanos,
Alexandre e outros capitães destacados que houve no mundo [...] jamais nenhum desses
mais lembrados empreenderam tão grandes obras” como os espanhóis.377 Tanto que, de
“agora em diante”, prossegue o conquistador, “dirão nas histórias que disso farão
memória” muito mais essas proezas do que “àquelas contadas nas histórias dos
antepassados”.378 Junto à singularidade dos seus feitos, o mérito conferido aos espanhóis
também se afirmaria pelo esforço empreendido nas viagens, afinal, segundo admite o
soldado-cronista, Bernal Díaz, “coisa tão trabalhosa foi descobrir terras novas da maneira
372 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 4. 373 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 4. 374 A “querela entre antigos e modernos”, para usarmos o termo empregado pelo escritor francês Charles Perreault, tem novo vigor, contudo, no século XVII, quando os modernos são colocados senão como superiores, ao menos em pé de igualdade com os autores antigos. In: ROSSI, Paolo. Los filósofos y las máquinas. 1400-1700. Barcelona: Editorial Labor, 1970, p. 90. 375 Nessa passagem, Gonzalo de Oviedo se refere ao episódio clássico em que Hércules separa os Montes Calpe e Ávila – que uniam o continente europeu e o africano – dando origem ao Estreito de Gibraltar. Chamados de colunas de Hércules, esses montes encerravam os limites do mundo conhecido pelos antigos. 376 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias, p. 147. 377 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 119. 378 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 120.
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como nós nos aventuramos”.379
Anões sentados em ombros de gigantes
Além dessa ideia de que o império espanhol havia conquistado maiores e mais
ricos territórios do que os antigos, o conhecimento de novas e aprimoradas técnicas
também serviu de mote para que muitos proclamassem a primazia da sua época. Nesse
sentido, não é forçoso supor que esses homens atualizaram a velha sentença enunciada
por Bernardo de Chartres,380 no século XII, na qual os presentes aparecem representados
como anões sentados em ombros de gigantes e, mesmo menores, veem mais e
vislumbram mais coisas do que os antigos por se encontrarem erguidos pela grandeza
desses antepassados.381 Os espanhóis, nesse caso, igualmente suspensos pelo conjunto de
conhecimentos herdado da Antiguidade, puderam avançar mais longe do horizonte
alcançado pelas gerações passadas ao vencer os limites geográficos e navegar por mares,
segundo o poeta, “nunca antes navegados”.382 Assim opinou Gonzalo de Oviedo, ao
reconhecer que os antigos “nos ensinaram a buscar ou inquirir as coisas do mundo”
possibilitando, “no tempo contínuo, o encontro de coisas novas”. 383 Comentário
semelhante deixou o célebre matemático Pascal, no século posterior, ao dizer que “os
primeiros conhecimentos transmitidos pelos antigos serviram de degraus para subir até os
nossos”, pois, na posição em que os modernos se encontravam, “bastava um pequeno
esforço para saltar e subir onde agora estamos”.384 No que diz respeito aos espanhóis, o
aprimoramento dos conhecimentos deixados pelos antigos e o domínio de novas técnicas
379 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 11. 380 “Dicebat Bernardus Carnotensis nos esse quasi nanos, gigantium humeris insidentes, ut possimus plura eis et remotiora videre, non utique proprii visus acumine, aut eminentia corporis, sed quia in altum subvenimur et extollimur magnitudine gigantea”. Tradução: “Dizia Bernardo de Chartres que somos quase anãos sentados sobre os ombros de gigantes. Vemos, pois, mais coisas que os antigos e mais além não pela agudeza de nossa própria vista ou pela elevação de nossa altura, mas porque eles nos sustentam e nos elevam com sua estatura gigantesca”. SALISBÚRIA, João de. Metalogicon III, Oxford: Webb, 1929, p. 136. 381 Nas palavras de Maravall, durante o Renascimento “no sólo se conserva el uso de tal imagen, sino que adquiere un nuevo vigor”. MARAVALL, José Antonio. Antiguos y modernos, p. 589. 382 CAMÕES, Luis de. Os Lusíadas. Parte I. Lisboa: Insituto Camões, 2000, p. 1. 383 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo IV, p. 337. 384 PASCAL, Blaise. Oeuvres complètes. Paris, 1954, p. 534.
104
lhes deram, conforme indicam em seus relatos, maiores condições para levar a cabo as
suas aventuras e olhar além das suas fronteiras.
O cosmógrafo Pedro de Medina, no Livro de grandezas y cosas memorables de
España, considera essa conjunção de fatos ao exaltar as navegações realizadas na sua
época:
Temos visto em nosso tempo que pela navegação dos espanhóis foi dada a volta em todo o universo, coisa é esta tão grande que depois que Deus criou o mundo nunca tal se fez, nem se pensou, nem ainda se acreditou ser possível. E para isso, não somente teve e tem esforço e ânimo dos espanhóis, mas também a indústria do saber fazer caminhos pela água por onde a natura os negou.385
O autor reconhece os avanços no campo do saber para a realização da navegação que
tanto elevou a estatura dos homens quinhentistas com relação aos seus antepassados.386
Assim como seu coetâneo, Martín Cortés, quando escreve, na obra Breve compendio de
la Sphera, que somente agora que prosperaram as artes da navegação foi possível mostrar
“as regras verdadeiras aos marinheiros, o caminho aos pilotos, os instrumentos para
tomar a altura do sol, para reconhecer o fluxo e o refluxo do mar, a ordenação das cartas e
da bússola para a navegação”387 entre outras ‘ciências’ que os antigos não alcançaram,
pois, se “tivessem alcançado”, complementa, “as Índias não estavam para ser
descobertas”. 388 Conclui o cosmógrafo que foi o progresso dessas técnicas 389 que
viabilizou as viagens pelo mar desconhecido com a “fabricação de navios e a instrução
para governar parte deles movidos a velas e outros movidos a remos”, garantindo, assim,
385 MEDINA, Pedro de. Livro de grandezas y cosas memorables de España. Edição fac-símile. Alcalá de Henares, 1595, p. 8. Grifos meus. 386 MARAVALL, José Antonio. Antiguos y modernos – visión de la historia e idea de progreso hasta el Renacimiento. Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 593. 387 CORTÉS, Martin. Breve compendio de la Sphera y de la arte de navegar. Edição fac-símile. Valladolid: Editorial Maxtor, 2003, p. 4. 388 CORTÉS, Martin. Breve compendio de la Sphera y de la arte de navegar, p. 5. 389 A valorização da técnica não passou em branco nem mesmo para um autor do porte de Jean Bodin. No Methodus ad facilem historiarum cognitionem, datado de 1566, o erudito francês escreve: “não há dúvida de que nossos descobrimentos igualam e muitas vezes superam aqueles dos antigos. O que há, por exemplo de mais maravilhoso que a agulha imantada? Os antigos a ignoraram assim como sua admirável utilidade porque limitaram-se a navegar pelo Mediterrâneo, enquanto nossos contemporâneos dão cada ano a volta ao mundo em suas travessias e, por dizer assim, colonizaram um mundo novo”. BODIN, Jean. Methodus ad facilem historiarum cognitionem. Oeuvres philosophiques. Paris, 1951, p. 227.
105
uma navegação mais segura àqueles que “por ignorância ou falta de experiência” sofriam
perdas e derrotas nas águas do oceano.390
E aqui retomamos a ideia de que as técnicas anunciadas aparecem relacionadas à
referida experiência pessoal. Para os cronistas que narraram os resultados das
descobertas, assim como para letrados e acadêmicos espanhóis que escreveram depois, os
avanços obtidos contaram com o saber fornecido por aqueles aventureiros que
integravam as expedições marítimas. 391 A vivência ou experiência nas viagens,
asseguram esses autores, deu-lhes acesso a uma série de conteúdos inéditos que os livros
tradicionais não poderiam fornecer. Mais ainda, contribuiu para que certos ramos do
conhecimento fossem ampliados de maneira significativa desde a reformulação das teses
tradicionais sobre a imagem geográfica do mundo e a atualização dos saberes naturais,
como ainda veremos, até os avanços técnicos já aqui citados pela obra de Martín Cortés.
Tal opinião levaria esses que agora sustentavam outro modo de afirmação da
verdade a questionar a autoridade clássica corrente nos círculos letrados e a condenar a
repetição de um saber fixo por parte de seus comentadores. 392 É que, diante da
proclamada experiência, a ideia de que os textos antigos armazenavam um conjunto
conhecimentos universais perde a sua validade, pois, mesmo que os livros clássicos
fossem a base do saber desses europeus, certas noções foram pouco a pouco refutadas.393
Parece ser esta a opinião do historiador e visitante nas Índias, José de Acosta,394 quando
sugere, no terceiro capítulo de sua Historia natural y moral de Indias, já em 1590, que
390 CORTÉS, Martin. Breve compendio de la Sphera y de la arte de navegar, p. 10, 11. 391 Para Reijer Hooykaas, “a pedra de toque da verdade” para os homens dessa época “não seria nem a razão nem a autoridade, mas sim a experiência”. HOOYKAAS, Reijer. O Humanismo e os Descobrimentos na ciência e nas letras portuguesas do século XVI, p. 37. 392 De acordo com German Somolinos D’Ardois, os “sábios” dessa época “recapitulaban sobre lo ya hecho. Resumían, resumían y catalogaban el legado de sus antepasados. Es la hora en que se producen los libros de recopilación, libros que almacenan conocimientos sin añadir observaciones nuevas. SOMOLINOS D’ARDOIS, German. Plinio, España y la época de Hernández. Disponível em: http://www.franciscohernandez.unam.mx/tomos/04_TOMO/tomo004_000/tomo004_000_prologo.html. Acesso em: 10/08/2016. 393 ROSSI, Paolo. Los filósofos y las máquinas, p. 69. 394 José de Acosta foi um jesuíta espanhol que passou pelas Índias em missão religiosa no período de 1571 a 1587. Compôs a obra De Natura Novi Orbis libri duo et De Promulgatione Evangelii apud Barbaros, sive De Procurando Indorum Salute, em 1589, e a célebre Historia natural y moral de las Indias en que se tratan las cosas notables del cielo, y elementos, metales, plantas y animales dellas y los ritos, y ceremonias, leyes y gobierno, y guerras de los indios, em 1590, que circulou na Europa e foi traduzida em várias línguas.
106
“observemos atentamente os princípios dos antigos em que há erro e engano” para
“primeiro dizermos qual seja a verdade segundo o que a experiência nos tem mostrado e
depois provarmos, ainda que seja negócio muito árduo, a dar à própria razão conforme a
boa filosofia”.395 Acosta sinaliza, com essas palavras, que há uma nova atitude com o
saber celebrada por esses cronistas nas suas produções sobre as Índias e que considera a
experiência pessoal dos viajantes a via mais segura para alcançar o conhecimento dessas
matérias.396 Uma atitude que opõe o saber livresco elaborado por eruditos a um saber
mais empírico proveniente da observação direta daqueles aventureiros que passaram
longo tempo em ultramar.
Nas páginas seguintes, pretendemos mostrar que, após esse primeiro encontro
com as novas terras, em que puderam constatar uma série de equívocos cometidos pelos
seus antepassados, seguiu-se o momento de descrever o que haviam descoberto nesse
ambiente a partir das suas experiências pessoais. Pode-se antecipar, desde já, que essas
descrições ajudaram a construir uma imagem positiva da América, uma imagem que se
mostrou oposta àquela anteriormente projetada pelos autores clássicos.
Pintura do mundo
Desvelaram os segredos da natureza e descobriram saudáveis medicinas. (Jean Bodin – Methodus ad facilem historiarum cognitionem)
Numa época em que as viagens ajudaram a atualizar certas referências dos
europeus acerca da geografia do mundo, muitos foram os cronistas que deram a conhecer
as descobertas relativas ao hemisfério sul. Descobertas que diziam respeito,
especialmente, ao ambiente natural que, como já mencionado, mostrava-se diferente ao 395 ACOSTA, José de. Historia natural y moral de las Indias. Madrid: Ramón Anglés impresor, 1894, Tomo I, p. 121. 396 ALBUQUERQUE, Luis de. As navegações e a sua projeção na ciência e na cultura, p. 143.
107
que haviam presumido os pensadores do passado sobre aquelas partes.397 Entre esses
cronistas, há o caso de Gonzalo de Oviedo, que compôs um Sumário..., em que apresenta
um breve resumo sobre essas matérias, e a Historia general y natural... (mais de 120
capítulos do primeiro tomo, mais de 88 capítulos do segundo tomo e outros menos
numerosos nas demais partes) para descrever a vegetação, os animais terrestres, os
animais de água (doce e salgada), os insetos, as aves e os aspectos geográficos dessa nova
região. Outros, como o conquistador Hernán Cortés, mesmo motivado a contar
especificamente os embates militares ocorridos em terra, nomeadamente na conquista do
México, em certas passagens das cartas, anotou a sua impressão dessas maravilhas. Entre
obras inteiras ou breves menções, as descrições deixadas por esses observadores acerca
do ambiente natural, especialmente aquelas concernentes à terra e à variedade de espécies
lá encontradas, são similares nesses relatos. Mais precisamente, os textos aqui citados,
embora tenham propósitos diferentes em suas narrativas, apresentam um mesmo quadro
natural do Novo Mundo, um quadro que, em linhas gerais, aparece retratado de modo
bastante favorável. Sobre esse tema, é preciso nos determos um pouco.
No breve Sumario de la natural historia de las Indias, escrito no período em que
viajou para essas novas regiões, Gonzalo de Oviedo relata os informes que reuniu sobre
as especificidades observadas nas ilhas e terras visitadas. A exemplo de Colombo, que
mais de trinta anos antes havia apresentado a sua visão sobre a ilha de Española,398
antecipando aos europeus o que havia examinado naquelas Índias, esse cronista faz
semelhantes comentários sobre a fertilidade da terra e a riqueza das matérias observadas,
como diz:
Há formosos rios e fontes, alguns deles muito abundantes, há um lago
397 O mundo natural era apresentado nas histórias naturais que, segundo Joaquín Pérez, “era realmente una descripción del mundo que nos rodea y de sus utilidades” que poderia tratar tanto dos animais e vegetais, como das matérias médicas que incluíam saberes medicinais e cuidados para tratar as enfermidades. FERNÁNDEZ PÉREZ, Joaquín. La Historia Natural y la vida cotidiana. In: MARTÍNEZ RUIZ, Enrique (Dir.). Felipe II, la ciencia y la técnica, p. 133. 398 Refiro-me à Carta a Luis de Santángel, datada de 1493, em que Colombo informa a esse funcionário real a sua chegada às ilhas de terra localizadas na parte que chamou de Índias. Luis de Santángel, primeiro interlocutor de Colombo, não só intercedeu junto aos reis católicos a favor da viagem, como financiou parte da expedição colombina. O trecho da carta a que faço alusão é este: “A Española é maravilha. As serras, as montanhas, as várzeas, as campinas e as terras tão formosas e férteis para plantar e semear, para criar gados de todos os tipos, para edifícios de vilas e lugares”. COLOMBO, Cristovão. Carta a Luis de Santángel. In: SERNA, Mercedes. Crónicas de Índias, p. 119.
108
que começa a duas léguas do mar, mas na verdade é um tronco do mar que está muito próximo dele e há peixes de diversas maneiras. Há ali muitas frutas naturais da mesma terra e das que de Espanha levaram e todas que plantaram nasceram bem [...]. Há muitas e boas hortaliças de todas as maneiras, muitos rebanhos de animais, laranjas doces e ácidas, muitos formosos limões e cidras [...], figos e outras árvores e plantas que de Espanha se levaram.399
Na Historia general y natural de las Indias, composta um pouco depois, esse cronista
toca nesses mesmos temas ao dissertar sobre as Índias, Ilhas e Terra Firme do mar
oceano, nome dado àquelas novas partes encontradas:
Quantos vales e flores, cheios e deleitosos! Quantas costas de mar com tão estendidas praias e de tão excelentes portos! Quantos e tão poderosos rios navegáveis! Quantos e grandes lagos! Quantas fontes frias e quentes! Quantos peixes que não conhecemos em Espanha e que nela não sabem nem os viram! Quantos minérios de ouro, prata e cobre! Em qual terra [...] há tanta abundância como nestas Índias que nossos olhos enxergam e que nos trouxe para cá por amplíssimos mares? Por todas essas coisas, recebemos essa terra não como madrasta, mas como mais verdadeira mãe que aquela nos enviou [...].400
Tais comentários sobre as terras mexicanas não diferem muito do depoimento deixado,
um pouco mais tarde, pelo autor da Historia verdadera..., Bernal Díaz del Castillo.
Referindo-se, especificamente, ao seu encontro com o México, escreve que “não se pode
esquecer as hortas de flores e árvores aromáticas, os gêneros que tinham e o suporte delas
[...], a diversidade de passarinhos que as árvores sustentavam, as ervas medicinais e o
proveito que delas se poderia ter [...]”.401 Assim como também não difere de Agustín de
Zárate que, após viajar pelas terras do Peru, opina ser “tão abundante e fértil esta terra
que qualquer coisa que nela se plante se duplica”, havendo, ainda, “grandes pescarias de
peixes de todos os gêneros e muitos lobos marinhos” e “quantidade de ouro e prata”.402
Os elogios são notáveis e mostram que o Novo Mundo não só se parecia ao europeu
por possuir os mesmos traços naturais, como ainda se mostrava excepcional em alguns
399 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias, p. 87. 400 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, tomo I, p. 8. 401 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 170. 402 ZÁRATE, Agustín de. Historia del descubrimiento y conquista del Peru, p. 40, 41, 46.
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aspectos observados: a abundância da terra e a existência de múltiplas espécies.
Qualidades que tanta admiração causaram em Cortés, pois o conquistador exprime
enorme fascínio pela parte central da América, Yucatán, ao mencionar as “coisas desta
terra e os modos e riquezas dela” na primeira Carta de Relación, com essas palavras:
Pela costa do mar é toda cheia de muitos desertos que em algumas partes estendem duas léguas ou mais. A terra dentro e fora desses desertos é terra muito plana e de muitas formosas várzeas e ribeiras, tão formosas que em toda Espanha não podem ser melhores e mais agradáveis à vista, assim como de frutíferas coisas que nelas semeiam. Também são muito aparelhadas e conveniente para andar e pastorear todo tipo de animais. Há nesta terra todo gênero de caça, animais e aves como há em nossa naturaleza, assim como cervos, corços, lobos, raposas, perdizes, pombas de dois ou três tipos, codornas, lebres, coelhos; a respeito dos animais e aves não há diferença desta terra e Espanha. À cinco léguas do mar por umas partes a mais ou por umas partes a menos, há uma grande cordilheira de serras muito formosas.403
Atento aos detalhes, talvez porque a carta pretendia informar ao monarca as conquistas e
os ganhos em terra, o conquistador deixa um registro bastante positivo dos recursos que
pôde conhecer no novo ambiente. Assim como Pedro Cieza de Léon, ao deixar uma
impressão similar sobre as regiões visitadas no Peru, vejamos:
E em alguns lugares deste reino como os planos e vales dos rios a terra temperada da serra é muito fértil, pois os trigos crescem tão formosos e dão fruto em grande quantidade, o mesmo ocorre com o milho e a cevada. As vinhas também não são poucas nos limites de San Miguel, Trujillo e Los Reys, e nas cidades de Cuzco e Guamanga, e outras da serra começam já haver, com esperança de ter bons vinhos. Laranjeiras, grãos e outras frutas, há todas trazidas da Espanha e as dessa terra. Legumes de todo gênero também se encontram. É grande reino esse do Peru e com o tempo corrido será mais, porque se haverá feito grandes populações onde houver aparelho para fazer. Porque se quer terra temperada se tem, com muita água e nenhuma parte com pouca.404
Ao dar destaque às qualidades da terra, o soldado mantém o tom elogioso empregado nos
403 CORTÉS, Hernán. Primera Carta de Relación, p. 69. 404 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 278.
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demais relatos, pois tencionava, tal como seus coetâneos, valorizar as maravilhas
descobertas nessas novas partes.405 O mesmo se passa com as menções ao clima, descrito
positivamente como ameno e agradável em razão da superfície temperada e das estações
regulares dessa área. O clima, a propósito, por ser completamente avesso ao que
sustentavam as opiniões antigas, rendeu muitas páginas nessas obras junto ao registro dos
recursos naturais. Com frequência, encontramos menções à suavidade do ar e ao
equilíbrio da temperatura (nem quente nem fria), que faria dessa terra um local ideal para
morada. Há mesmo quem considere a qualidade do ar propícia à imunidade de doenças
que estariam relacionadas às variações do ambiente,406 como relatou Pedro Cieza ao falar
de uma província localizada no Peru onde “os homens vivem sadios” por ser “este lugar
saníssimo, porque nem o sol, nem o ar e nem o sereno fazem mal, nem é úmido, nem
cálido, antes tem um grande e excelente tempo”.407
O elogio das riquezas naturais
Tal imagem da América que esses cronistas pintaram em seus relatos se sustenta
nas surpreendentes riquezas naturais que compunham esse cenário. E nada causou mais
admiração a esses observadores do que as novas e diferentes espécies de vegetais e de
animais que lá encontraram. Muitas são as passagens em que esses autores manifestam
surpresa e contentamento pela descoberta de tipos naturais nunca vistos em outras regiões
ou jamais referidos nos herbários, registros ou catálogos oficiais. Gonzalo de Oviedo, por
exemplo, descreve o seu encantamento diante de um pássaro que “nem o capitão e nem o
seu companheiro souberam nomeá-lo”, tampouco ele próprio soube “descrever ou dar a
entender sua beleza e extremada pluma” jamais vista em toda sua vida.408 Ave singular
que o cronista opina ser “coisa mais para ver” do que entender por meio de seu relato, já
que não saberia “explicar com palavras” essa espécie que dentre todas as outras mais
405 Segundo o dicionário da Real Academia Española (RAE), a palavra “maravilha” vem do latim “mirabilia” e significa propriamente “coisas admiráveis” e “ação e efeito de maravilhar ou maravilhar-se”. 406 BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Visão do Paraíso, p. 366. 407 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 231. 408 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, tomo I, p. 175
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“admiração lhe causou”.409 O mesmo ocorre ao deparar-se com outro animal em Tierra
Firme que, segundo ele, dada a excentricidade “nem tenho e nem deixo de ter” por um
tigre ou por “novo animal que assim mesmo se tem mas não está no número dos que
estão escritos”, já que dos “muitos animais que há naquelas partes, dos quais aqui
menciono, nenhum escritor dos antigos soube, em razão de estar em parte e terra que até
nossos tempos era incógnita e que nenhuma menção fez a Cosmografia de Ptolomeu e
nem outra”.410 A surpresa manifestada nas crônicas ainda aparece quando descrevem os
animais marinhos que, nas palavras de Francisco López de Gómora, “eram de outra
maneira” daqueles anteriormente conhecidos dos europeus. 411 E “muitos e muito
diferentes”, corrobora Gonzalo de Oviedo, e de “tanta diversidade e quantidade” que de
todos “não seria possível dizer sem muita redação e tempo para escrever”.412 Três
espécies, contudo, surpreenderam o cronista a ponto de mencioná-las no seu relato: a
tartaruga, o tubarão e o manatí ou peixe-boi, por serem, segundo conta, “excelentes
pescados e de muito bom sabor”413 e por não aparecem listados por Plinio na sua Historia
general.
No que se refere às árvores, plantas ou ervas, temas igualmente recorrentes nesses
relatos, a estima fica por conta das propriedades medicinais que lhes renderiam novos
medicamentos para tratar as doenças. A erva guayacán, por exemplo, aparece destacada
nas páginas dessas obras como “árvore muito notável e excelente”414 para curar um tipo
de enfermidade bastante comum nessa época entre os europeus: o mal de las búas ou mal
de bubas, nome dado nessa época à sífilis.415 Um dos cronistas que mais se ocupou
dessas matérias naturais, Gonzalo de Oviedo, escreve que a principal virtude desse palo
santo foi “curar o mal de las búas” nos espanhóis, que “experimentaram essa medicina e
se curaram”, e nos demais enfermos, que, em outras partes da Europa, sofriam os mesmos
409 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, tomo I, p. 176. 410 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias, p. 146. 411 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 4. 412 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias, p. 254, 255. 413 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias, p. 257, 258. 414 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, tomo II, p. 10. 415 Também conhecida por “mal francés” ou doença dos tumores, a sífilis era uma enfermidade nova nessa época, sendo descrita por muitos autores como a “nova peste”, tal o seu caráter mortífero para a popuplação europeia do XVI. Cf. LÓPEZ DÍAZ, María Tereza. Fomes, pestes e inundações. In: ARAÚJO, Carlos. Sevilha, século XVI, p. 135.
112
danos causados por essa doença.416 Sobre essa mesma erva noticia Pedro Cieza de León
ao passar pela província de Guayaquil, no Peru, e ali saber que nasce uma erva cujas
“raízes são proveitosas para muitas enfermidades, principalmente para o mal de bubas e
dores que causam aos homens essa pestífera doença”.417 Por todas essas qualidades, o
cronista opina “ter por certo ser esta uma das melhores raízes ou ervas do mundo e mais
proveitosa ao ver como muitos se curaram com ela”.418
Ao seu lado, outras plantas também tiveram destaque nesses relatos pela sua virtude
curativa, como a erva perebecenuc ou erva das chagas e dos remédios. De acordo com a
descrição de Oviedo, “sua operação é maravilhosa e muito excelente medicina e tão fácil
e sem paixão de curar que parece bem que Deus a quis destacar e avantajar entre as
outras por ser muito apropriada para as chagas”.419 Qualidades que o próprio cronista
pôde comprovar ao fazer uso dessa erva para se tratar de uma moléstia e outras vezes
para curar seus índios e escravos negros que haviam adoecido. A experiência pessoal no
uso das plantas medicinais, aliás, é um fator importante a ser considerado nesses relatos,
porque, para esses observadores, os novos remédios deveriam ser verificados antes de se
afirmar os seus benefícios, como diz Gonzalo de Oviedo, ao receitar o uso dessa droga:
“tudo o que é medicina requer muita experiência, principalmente nas coisas novas que
vêm à notícia dos homens e que são pouco usadas” porque nem todos “os médicos
entendem de uma forma as doenças, nem podem saber tão pronto como devem algumas
vezes e, quando querem, não aproveitam a tempo os seus conselhos”.420 É a essa mesma
experiência que o cronista se remete ao contar os benefícios de uma certa árvore que se
retiram um licor de “excelente medicina” para tratar “as feridas frescas de facas e de
lanças ou de qualquer outra ferida recente, porque imediatamente estanca o sangue como
nenhuma outra coisa medicinal.”421 A poção preparada da árvore de bálsamo, assim
chamada na ilha de Espanhola, é declarada pelo próprio Oviedo depois de “ver e se
informar sobre os seus efeitos curativos.”422
416 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, tomo II, p. 9, 10. 417 CIEZA DE LÉON, Pedro. Crónica del Perú, p. 158. 418 CIEZA DE LÉON, Pedro. Crónica del Perú, p. 158, 159. 419 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, tomo II, p. 21. 420 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, tomo II, p. 12. 421 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, tomo II, p. 11. 422 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, tomo II, p. 11, 13.
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Ainda sobre a descoberta de novas ervas, vale destacar o mangüey ou agoreros
encontrado pelos espanhóis na região denominada Tierra Firme, que chamou atenção por
suas diversas utilidades. Cervantes de Salazar escreveu que “entre as árvores, o mangüey,
que no México se diz metle, é a mais notável e maravilhosa árvore e de mais proveitos
nunca antes encontrada pelos antigos e nem os presentes, tanto que aqueles que não
tiveram essa experiência, com razão lhes parecerá incrível”.423 Acerca das propriedades
específicas do mangüey, Salazar ainda informa que a planta “tem muitas virtudes que os
índios médicos e herbários contam, não sem admiração, especialmente para fazer vir leite
à mulher, se beber seu sumo, e também para fazer sarar todas as feridas”.424 Outros, como
Oviedo, destacou que a árvore, “à vista muito formosa”, era um excelente “manjar para
suprir a fome” na ausência de outros mantimentos como o milho e a mandioca,
igualmente excelente para preparar vinho ou xarope do suco retirado de suas folhas e para
fabricar “cordas, mantas e sapatos”425 com os fios de sua raiz. José de Acosta, muito
tempo depois, registra, em sua Historia natural..., mais virtudes dessa “árvore das
maravilhas”, como a classificou: da erva se produz “um licor e se bebe como água, é
fresco e doce, este mesmo cozido, se faz como vinho e deixando-o azedar se faz vinagre,
apurando-o no fogo se faz o mel, e meio cozido serve de xarope, e é de bom sabor e sano
e ao meu parecer é melhor que xarope de uva”.426 Com todas essas variedades, o
mangüey aparece entre as plantas mais destacadas pelos cronistas que tiveram notícias
das suas propriedades.427
Já sobre as espécies de frutas descobertas, não faltaram novidades que
contentassem esses atentos observadores, afinal, ao lado de todos os recursos
encontrados, havia o mesmo interesse pelos alimentos que ali se produzia. O cacau ou
cacaguate, uma das frutas mais citadas em quase todos os textos que dão notícia das
regiões da América Central, ganha destaque tanto por ser a base da preparação de uma
típica bebida consumida pelos nativos da América quanto por ser a moeda de troca
utilizada por parte desses povos. Segundo Francisco López de Gómora, na Historia
423 CERVANTES DE SALAZAR, Francisco. Crónica de la Nueva España, p. 11, 12. 424 CERVANTES DE SALAZAR, Francisco. Crónica de la Nueva España, p. 12. 425 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo II, p. 26. 426 ACOSTA, José de. Historia natural y moral de las Indias. Madrid: Historia 16, 1987, p. 268. 427 FERNÁNDEZ PÉREZ, Joaquín. La historia natural y la vida cotidiana, p. 153.
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general de las Indias, “dentre as diferentes frutas das nossas” que teve notícia, “a mais
principal e que serve de moeda são umas que parecem amêndoas que eles chamam de
cacauatl e os nossos de cacau nas ilhas de Cuba e Haiti”.428 A razão de o cacau ser
apreciado por esses índios, principalmente entre os membros da nobreza, dado o seu alto
valor, era que a bebida produzida dessa fruta “quitava a sede e a fome” daquele que bebia
e protegia-o dos “perigosos venenos das víboras” que andavam em muitas quantidades
nessas terras.429 Além desses benefícios, Gonzalo de Oviedo assevera que o azeite
retirado do cacau também tinha um excelente efeito curativo para “males, doenças e
chagas”, como pessoalmente pôde constatar após se ferir em um penhasco no caminho de
Nicoya, localizado na Costa Rica, e ver “ao cabo de sessenta dias ou um pouco mais” a
cicatrização “sem sinal” do seu corte no pé.430 Não tardou muito para que essas
qualidades fossem divulgadas na Espanha, a começar pelo próprio Oviedo, que, além de
registrar na sua relação os proveitos do cacau, ainda entregou à Imperatriz uma amostra
do azeite medicinal explicando ser “bom para chagas” porque disso “sabia por
experiência”.431
É de fato todas essas utilidades vistas no cacau o que pareceu digno de nota a esses
cronistas. Mas as demais frutas, mesmo desprovidas de propriedades medicinais, não
deixaram de ser celebradas nesses relatos por também ser novidade. Dessa numerosa
lista, a yayama ou piña tropical encheu os olhos de Oviedo por sua “formosura à vista,
odor suave, gosto e extraordinário sabor” incomparáveis, segundo ele, às “excelentes
frutas” encontradas na “Espanha, França, Inglaterra, Alemanha, Itália, na Sicília e nos
outros estados da Cesária Majestade” e às “outras frutas que tenho nomeado” dessas
terras.432 Tão admirável, na impressão desse cronista, que Deus havia tido imenso
“cuidado na composição e formosura dessa fruta mais do que de todas as que eu tenho
visto e não suspeito muito que no mundo haja outra de tão graciosa”.433 De tal forma,
assegura Oviedo, que nem a “pintura da pena e as letras” escritas nas quase cinco páginas
428 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia de la conquista de Mexico. Venezuela: Biblioteca de Ayacucho, 2007, p. 154. 429 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 270. 430 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 271. 431 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 272. 432 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 239. 433 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 241.
115
da sua obra seriam suficientes para transmitir ao leitor essa maravilha encontrada e para
“dar o seu próprio valor”.434 É que a falta de cores na ilustração dessa fruta, capaz de
reproduzir a sua “grandeza e tonalidade”, dificultaria a descrição dessa que ele
considerou ser “a mais formosa fruta que viu e a que melhor odor e sabor tem”.435 Uma
adversidade que o cronista tentou resolver com o envio de algumas unidades para a
Espanha, como o fez com outras espécies, mas a longa viagem pelo mar não manteve as
suas propriedades naturais – como o gosto, a cor, o cheiro e a textura – inalteráveis.
O caso da yayama é ilustrativo de como os cronistas encontraram dificuldades para
traduzir as suas impressões sobre esses gêneros naturais. De fato, não era fácil transmitir
de forma compreensível todos aqueles elementos ainda desconhecidos por esses
observadores. A descrição de diferentes espécies com nomes completamente estranhos ao
vocabulário europeu esbarrava nos limites que se impunha a qualquer um que quisesse
divulgá-las por escrito.436 Além disso, a tarefa da tradução demandava um esforço maior
dos cronistas ao exigir-lhes informações sobre essas novidades que nem sempre
conseguiam reunir. Daí buscarem na comparação com as espécies já conhecidas um
modo de clarificar as suas descrições e torná-las mais acessíveis aos seus espectadores.437
Oviedo, nesse caso, remete-se ao pêssego conhecido dos europeus para apresentar as
qualidades da yayama porque, segundo ele, “se parecem em gosto”.438 Do mesmo modo,
ao falar dos animais marinhos, descreve o manatí como “maior do que o tubarão” e, à
vista, muito “próximo da vaca”, e o oso hormiguero ou tamanduá, animal terrestre, como
sendo “quase a maneira de um urso em pelo” por parecer aquele mesmo gênero exceto
pelo “focinho que tem muito mais longo”.439 A comparação operava, assim, como um
recurso para aproximar os leitores europeus dos novos elementos a partir dos seus
correspondentes que lhes eram familiares.
Mas, embora haja dificuldade em descrever claramente todas essas novidades
encontradas, é preciso lembrar o esforço dos cronistas, segundo declaram, para divulgar o
434 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 240. 435 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 240. 436 GÓMEZ, Susana. Lucifera y Fructifera: ciencia y utilidad en las colecciones naturalistas de la España de los Austrias, p. 161. 437 ELLIOTT, John. O Velho Mundo e o Novo, p. 29. 438 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias, p. 156. 439 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias, p. 153.
116
“quão riquíssimo império era este destas Índias que teria Deus guardado ao tão bem
aventurado Imperador”.440 Afinal, as inúmeras páginas dedicadas ao tema, bem como as
ricas descrições, as pinturas ou os desenhos elaborados com base na experiência desses
primeiros observadores, buscaram passar aos ausentes todas aquelas descobertas que
tanto os haviam impressionado.
Os segredos da terra
Ao encerrar a descrição do ambiente natural americano, Gonzalo de Oviedo
escreve, na sua Historia general y natural de las Indias, que, sendo a América parte
integrante do mundo, conforme revelaram os recentes descobrimentos, todas as suas
coisas, inclusive o próprio território, eram obras de Deus. Isso porque, comenta o cronista
É Ele quem dá a vida e o ser a todas as coisas criadas e o que infunde e dispensa todos esses efeitos e obras [...]. Não há como não maravilhar nas coisas que Ele faz e o homem vê, lembrando-nos de sua infinita onipotência. Nem havemos de nos ocupar em tal admiração, sem dar-lhe infinitas graças de todas suas obras e do benefício assinalado que faz ao dar conhecimento para pensar nelas para esse efeito.441
Se, portanto, as maravilhas encontradas na passagem pelas novas terras compunham esse
todo formado pelo Criador,442 não é difícil entender porque causaram deslumbre nos
espanhóis que estiveram presentes na América e foram “fonte de admiração”443 para
aqueles que, a distância, souberam por meio das notícias que circulavam. Igualmente, não
é menos certo que o mesmo deslumbre também se dava porque a descoberta dessas obras
representou, para esses espanhóis, o fim de um segredo que se manteve oculto durante
todo esse tempo. Ou melhor, o fim de “grandes e inumeráveis segredos que estavam por 440 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 157. 441 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo II, p. 76. 442 Os europeus “aceitaram instintivamente a ideia de um determinado mundo, no qual a América, por mais inesperada que fosse a sua aparência, seria, de qualquer modo, inserida”. De modo que “tudo quanto podia ser sabido sobre a América teria o seu lugar no esquema universal”. ELLIOTT, John. O Velho Mundo e o Novo, p. 45. 443 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Peru, p. 92.
117
saber-se no segundo hemisfério e partes ignoradas pelos antigos”,444 conforme destacou
Gonzalo de Oviedo, e que agora foram finalmente desvendados. Daí o referido esforço
para divulgar aos ausentes a grandiosidade e as maravilhas dessa porção do mundo que
Deus lhes havia reservado ao conduzir o descobrimento destas novas partes.
Por ser os espanhóis os escolhidos para levar adiante as descobertas, como afirma,
entre outros, Hernán Cortés, ao escrever, na passagem pelo México, que “não sem causa
Deus Nosso Senhor agiu para que se descobrissem estas partes em nome de Vossas Reais
Altezas”,445 restava-lhes investigar o que havia naquelas terras. E ninguém ostentou mais
esse desejo, em seus escritos, do que Gonzalo de Oviedo quando comenta, logo nas
primeiras linhas da sua história, que os espanhóis “não se contentavam” [...] “nem
satisfaziam a alma com entender e especular poucas coisas”.446 Porque mesmo que
“postos em muitos e vários perigos”, escreve, “não cessaram de inquirir na terra e no mar
as maravilhosas e inumeráveis obras que o mesmo Deus e Senhor de tudo ensina”.447
Cortés que o diga, afinal, sublinha o compromisso de investigar as regiões que acabara de
encontrar e os seus “muitos segredos e coisas admiráveis”448 nas correspondências
direcionadas à Coroa. E ainda Francisco López de Gómora, pois, mesmo na condição de
narrador dos fatos, já que não participou de corpo presente das expedições, ressalta o
“desejo de saber” desses aventureiros em passagem pela América. Assim diz:
Poucos homens há, se já não vivem como brutos animais, que não se ponham alguma vez a considerar suas maravilhas, porque natural é a cada um o desejo de saber. Mesmo que uns tenham este desejo maior do que outros, em razão de ter juntado indústria e arte à inclinação natural, alcançando muito mais segredos e causas das coisas que a natureza obra. Com dificuldade julgamos as coisas da terra e com trabalho encontramos o que vemos e temos adiante, nem por isso é o homem incapaz ou indigno de entender o mundo e seus segredos; pois Deus criou o mundo por causa do homem [...] e o fez capaz e merecedor de entendê-lo, dando-o inclinação voluntária e natural para saber.449
444 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo IV, p. 336. 445 CORTÉS, Hernán. Primera Carta de Relación, p. 72. 446 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 7. 447 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 7. 448 CORTÉS, Hernán. Tercera Carta de Relación, p. 286. 449 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 7, 8.
118
Em referência aos espanhóis, o cronista escreve, um pouco adiante, que a curiosidade os
conduzia a querer sempre “saber mais” do que a já conhecida narrativa de que “Deus fez
o mundo redondo e separou a terra das águas para a vivenda dos homens”.450 A
curiosidade, prossegue Gómora, impulsionava-os a investigar “se é habitável toda a
Terra” ainda que os grandes pensadores clássicos – Thales, Pitágoras e Aristóteles –
pensaram o contrário.451
Mas se o desejo de descobrir os segredos dessas novas terras estava entre os
propósitos principais desses espanhóis é porque, para esses homens, o conhecimento se
produzia desvendando o mundo e interpretando os seus elementos naturais. Ora, foi
investido desse desejo que esses cronistas examinaram as variadas espécies de vegetais
encontradas nessas terras para descobrir as suas propriedades frutíferas ou medicinais.
Tal é o exemplo da já citada guayacán, planta encontrada em várias regiões da América e
que ganhou fama entre os espanhóis por ser eficaz contra o mal de bubas. A descoberta
desse valioso medicamento, aliás, confirmou a crença de que “na natura nenhuma coisa
foi produzida sem causa oculta”,452 segundo assevera Oviedo, porque todas as coisas
estavam relacionadas, assim como as doenças e as suas respectivas curas. Segundo o
médico espanhol Andrés Laguna, “dado que Deus todo poderoso, por nossas maldades e
excesso nos castiga com infinitas enfermidades, todavia como pai piedoso, para que não
nos desesperemos, juntamente com cada uma delas nos dá súbito o congruente
remédio”.453 Desse modo, achados como os da guayacán significavam para esses homens
mais um dos sinais que haviam sido dispostos no mundo por Deus para o benefício dos
homens. Cabia-lhes, nesse caso, procurar outras tantas marcas deixadas pela providência
nas partes americanas para obter novos conhecimentos.454
450 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 12. 451 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 12. 452 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo II, p. 12. 453 LAGUNA apud FRESQUET FEBRER, 1999, p. 171. 454 De acordo com Michel Foucault, o mundo para os homens do século XVI é “coberto de signos que é preciso decifrar, e estes signos, que revelam semelhanças e afinidades, não passam, eles próprios, de formas da similitude. Conhecer será, pois, interpretar; ir da marca visível ao que se diz através dela e, sem ela, permaneceria palavra muda, adormecida nas coisas. A adivinhação não é uma forma concorrente do conhecimento; incorpora-se ao próprio conhecimento. Ora, esses signos que se interpretam só designam o oculto na medida em que se assemelham.” FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas, p. 44, 45.
119
E, para isso, não havia um método específico, pois a própria experiência nas novas
terras permitiu a esses observadores descobrir, examinar e descrever toda sorte de
vegetais e animais encontrados.455 Para Gonzalo de Oviedo, a propósito, “todas estas
coisas e outras muitas que se poderiam dizer eram muito fáceis de provar e muito dignas
de acreditar por todos aqueles que leram ou andaram o mundo, a quem a própria vista
ensinou a experiência do que é dito”. 456 Sobretudo, àquelas que se referiam aos
medicamentos naturais, já que, graças ao contato dos espanhóis com os nativos da
América, detentores de um conhecimento mais específico sobre essas matérias, soube-se
das propriedades curativas de inúmeras espécies e dos usos no tratamento das
enfermidades. O mesmo se pode inferir dos diversos tipos de plantas e de animais
encontrados e das demais riquezas que vão descritas nesses relatos, segundo dizem, “sem
necessidade de ficções para ser admiradas pelas gentes”.457
São, portanto, esses segredos, postos no mundo pelo “tão sábio pintor e soberano
Deus”458 e, agora, desvendados a partir de tais investigações, que os cronistas buscaram
divulgar nos seus relatos para o apreço dos seus interlocutores, nomeadamente, os
membros da Coroa espanhola a quem quase sempre eram destinados. Segredos que não
haviam sido inteiramente desvendados, conforme ponderam nessas páginas, porque ainda
existiam “muitas novidades”459 que a natura pouco a pouco ia revelando. As páginas a
seguir discutem como esses conteúdos foram recebidos na Espanha após circularem em
textos manuscritos e impressos durante o século XVI.
O impacto dessas novidades
As recorrentes descrições sobre os conteúdos naturais aqui mencionadas são
indicativas de que os cronistas, desde os primeiros dias na América, buscaram conhecer
as particularidades dessas terras. Se, a princípio, foram atraídos pela curiosidade, dado
455 FERNÁNDEZ PÉREZ, Joaquín. La Historia Natural y la vida cotidiana, p. 139. 456 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias, p. 145. 457 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo II, p. 7. 458 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo IV, p. 331. 459 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo II, p. 16.
120
que aquelas partes eram completamente estranhas a esses aventureiros, a ponto de a cada
dia incluírem em seus roteiros novas descobertas, não é menos certo que o interesse por
conhecer esses domínios para informar à Coroa esteve entre os seus objetivos.460 Hernán
Cortés, por exemplo, escreve em sua primeira carta que, desde o princípio, trata dessas
terras para que “Vossa Majestade saiba como é a gente que a possui e a maneira de seu
viver, os ritos e cerimônias, suas direções e leis que têm, e os frutos que nela Vossas
Reais Altezas poderão fazer e receber”.461 Gonzalo de Oviedo, do mesmo modo, declara,
na abertura da sua história, o compromisso de “inquirir parte destas coisas, escrever e
enviar ao Real Consejo de Indias” para que o monarca saiba “o que está debaixo de vosso
cetro real castelhano”.462 E ainda Pedro Cieza de León, em sua crônica sobre o Peru,
afirma que, entre as muitas razões para a sua escrita, estava o desejo de compilar e contar
essas “infinitas coisas” para fazer “à Vossa Majestade algum assinalado serviço”.463 Com
esse propósito, os cronistas procuravam não apenas divulgar as coisas que lhes haviam
maravilhado na América ao primeiro encontro, mas também mostrar as coisas que
julgavam “úteis e proveitosas” aos homens.
Os cronistas, aliás, se preocupavam justamente em divulgar em seus escritos os
elementos naturais por julgar que poderiam fornecer algum benefício aos seus leitores.
Não é à toa que as crônicas se tornaram um importante repertório das riquezas
americanas descobertas nessa época, ou melhor, “depósitos ou arquivos de depósito”,464
nas palavras de Oviedo, que registraram diferentes espécies da fauna e da flora, bem
como as características físicas e geográficas apreendidas por esses observadores nessas
terras. Crônicas que, ao circularem entre os meios eruditos europeus traduzidas em
diversas línguas, abriram caminho para alguns estudiosos e especialistas formularem
novos trabalhos com a inclusão dessas matérias. Assim como incentivaram outros a viajar
à América, muitas vezes, patrocinados pela própria Coroa espanhola, para pesquisar mais
pormenorizadamente o ambiente apresentado. Nesse caso específico, a Coroa teve papel
principal ao organizar expedições compostas por especialistas oficiais para investigar e
460 ÁLVAREZ PELÁEZ, Raquel. Las Relaciones de Indias. In: MARTÍNEZ RUIZ, Enrique (Dir.). Felipe II, la ciência y la técnica, p. 297. 461 CORTÉS, Hernán. Primera Carta de Relación, p. 68. 462 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 9. 463 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Peru, p. 8. 464 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, 177.
121
detalhar o ambiente encontrado nas novas terras.465
Talvez o caso mais exemplar seja do médico toledano, Francisco Hernández, que
partiu em expedição para a América, em 1570, com o propósito de investigar de perto os
recursos naturais e os vegetais curativos.466 Segundo as instruções reais emitidas pelo
próprio monarca Felipe II, Hernández deveria “informar onde quer que chegue sobre
todos os médicos, cirurgiões, herbários, índios e outras pessoas curiosas nestas faculdades
e que lhe parecer entender e saber algo, para que possa tomar relação geralmente de todas
as ervas, árvores e plantas medicinais”, assim como anotar “que experiência se tem das
coisas mencionadas e o uso, faculdade e quantidade das ditas medicinas”.467 Além das
matérias de origem vegetal, a expedição também deveria se ocupar em “descrever a terra
e fazer outras coisas tocantes ao que se comete”, como a anotação dos aspectos
geográficos da região e a confecção de mapas das rotas percorridas, tarefa atribuída ao
cosmógrafo Francisco Dominguez, que acompanhou a viagem. 468 Considerava
Hernández que o propósito também era “reunir a flora e compor a história das coisas
naturais do Novo Mundo, pondo diante dos olhos dos nossos conterrâneos e,
principalmente do nosso senhor Felipe, tudo o que se produz nesta Nova Espanha”.469
Inicialmente, a pequena tropa aportou na Nova Espanha, em 1571, porque havia se
informado de que nessa parte continha mais vegetais com propriedades curativas para
serem examinados. 470 A experiência nessa região foi muito próxima daquela
empreendida, anteriormente, pelo franciscano Bernardino de Sahagún, entre 1558 e 1569,
465 ELLIOTT, John. O Velho Mundo e o Novo, p. 51. 466 Acerca desses recursos medicinais é importante destacar que não foram apenas as crônicas espanholas que apresentaram os primeiros informes à coroa espanhola. Aparece, em 1552, a obra Libellus de medicinalibus Indorum herbi, produzida pelos nativos Juan Badiano e Martin de la Cruz para relacionar as plantas mexicanas utilizadas para a medicina. LÓPEZ PIÑERO, José María. Ciencia y técnica en la sociedad española de los siglos XVI y XVII, p. 290. 467 Estas e outras ordenações feitas pelo rei Felipe II ao médico Francisco Hernández, antes de sua partida, estão presentes em um documento da época chamado Quitaciones de Corte. Citado por PARDO TOMÁS, José. La expedición de Francisco Hernández a México. In: MÁRTÍNEZ RUIZ, Enrique (Dir.). Felipe II, la ciência y la técnica, p. 393. 468 De acordo com José Pardo Tomás, compunham a expedição “su hijo, dos o tres pintores, otros tantos escribientes, varios herbolarios, un interprete, algunos médicos indígenas y los mozos y acemileros, además, naturalmente de los personajes, indígenas o criollos, interrogados en cada lugar”. PARDO TOMÁS, José. La expedición de Francisco Hernández a México, p. 394. 469 Instruções dadas por Felipe II a Francisco Hernández. In: LÓPEZ PEÑERO, José María. Ciencia y técnica en la sociedad española de los siglos XVI y XVII, p. 289. 470 LÓPEZ PIÑERO, José María. Ciencia y técnica en la sociedad española de los siglos XVI y XVII, p. 287.
122
quando elaborou a sua Historia general de las cosas de Nueva España. Tal como
Sahagún, Hernández também buscou a colaboração dos nativos mexicanos na sua
pesquisa sobre os saberes referentes às matérias americanas, apoiando-se não apenas nas
informações orais recolhidas de um e outro, mas, de igual modo, nos registros do passado
mantidos nos códices ou livros de memória.471 Nas cinco viagens para o interior da Nova
Espanha, o grupo de Hernández catalogou mais de 800 espécies de plantas que foram
ilustradas e descritas nas relações em castelhano e em latim, conforme consta no título
apresentado, em 1571, para a Audiência do México. Plantas, segundo escreve Hernández,
que “vimos com os próprios olhos e comprovamos pelo sabor e odor ou por nossa própria
experiência e a dos outros”.472 O número das plantas, contudo, foi elevado conforme se ia
recolhendo novos materiais durante as viagens para outras regiões. Nos sete anos
passados na América, entre 1570 e 1577, Hernández conseguiu reunir a cifra expressiva
de 3.076 plantas e mais uma quantia de outros gêneros que ao todo ocuparam 16 livros
(além dos volumes enviados anteriormente à Espanha durante a sua estada na América),
com textos e desenhos que foram apresentados ao rei junto com arcas contendo amostras
de plantas vivas, raízes, ervas, sementes e folhas secas recolhidas.473 Livros esses que
formaram a obra intitulada Historia natural de Nueva España, cuja publicação integral
não ocorreu nessa época, muito embora o próprio Hernández tenha requerido, em carta,
para que “se imprima estes livros e se comunique a todos”474 os seus conteúdos. Somente
em 1580, porém, Felipe II recomendou ao médico napolitano Nardo Antonio Rechi475
que examinasse os estudos de Hernández para “pôr em ordem e para que se siga a
utilidade e o proveito deles”.476 Desse modo, após a compilação de Nardo, partes da
extensa obra de Hernández aparecem publicadas na Espanha nas décadas finais do século 471 Jorge Cañizares-Esguerra escreve que Francisco Hernández recebeu ajuda dos astecas que haviam sido treinados em latim pelos missionários franciscanos para conhecer a botânica nahua e os conhecimentos medicinais. CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. Nature, Empire and Nation. Explorations of the history of science in the Iberian World. California: Stanford University Press, 2006, p. 8. 472 HERNÁNDEZ apud LÓPEZ PIÑERO, 1979, p. 289. 473 PARDO TOMÁS, José. La expedición de Francisco Hernández a México, p. 398. 474 HERNÁNDEZ apud PARDO THOMÁS, 1996, p. 397. 475 As páginas originais escritas por Francisco Hernández, bem como as ilustrações e gravuras que acompanhavam as suas descrições, permaneceram depositadas na biblioteca do El Escorial depois de entregues ao rei Felipe II. No entanto, desapareceram com o incêndio ocorrido nesse palácio, em 1671, de modo que a obra que temos em mãos atualmente é fruto dos fragmentos selecionados à época por Antonio Rechi. 476 São essas palavras de Felipe II contidas nas Quitaciones de Corte, citado por José Pardo Tomás. PARDO TOMÁS, José. La expedición de Francisco Hernández a México, p. 405.
123
XVI.477 Com a divulgação desses fragmentos, a Coroa pretendia instruir os médicos e
estudiosos do reino sobre as ervas e plantas de caráter medicinal inventariadas por
Hernández, na ocasião de suas investigações na América.
Ao lado de Francisco Hernández, o médico espanhol Nicolás Monardes também se
dedicou aos estudos dos temas naturais americanos após o contato com as descrições
oferecidas pelos cronistas. À diferença de seu coetâneo, Monardes não se deslocou até o
Novo Mundo para examinar pessoalmente as espécies vegetais, especialmente as que
detinham virtudes curativas, seu principal foco, tampouco conduziu seus estudos a partir
de um encargo oficial. O interesse pelas novidades aparece em meio aos trabalhos
escritos sobre a botânica e a matéria médica publicados na Espanha nesse período, em
diálogo direto com as obras clássicas. No caso das matérias americanas, Monardes
consultou os relatos escritos e publicados nessa época, bem como os próprios viajantes
que desembarcavam em Sevilha após chegarem das Índias. Das notícias e dados
recolhidos, o médico sevilhano pôde organizar o volume conhecido por Historia
medicinal de las cosas que se traen de nuestras Indias Occidentales, em que apresenta,
segundo escreve no título, “muitos segredos de natureza e de medicina com grandes
experiências agora novamente compostos pelo doutor Nicolás Monardes”.478 Publicado
em três partes, em 1565, em 1571 e, finalmente, em 1574, época em que o espanhol
Hernández enviava, desde a América, os resultados recolhidos de sua temporada nessas
terras, a obra traz uma descrição do que o autor considera ser a “riqueza incrível”
descoberta nessas novas partes, como os animais, metais preciosos, plantas, árvores,
raízes, gomas, sumos, frutos, sementes, licores, pedras com virtudes medicinais “que se
tem encontrado e se encontram tão grandes efeitos que se excedem muito em valor e
preço a todo o já dito, e tudo o que é mais excelente e necessário para a saúde
477 Nas últimas décadas do século XVI circularam por diversos meios as matérias recolhidas por Francisco Hernández, assim como cópias de pinturas e ilustrações também deixadas em sua magna obra. Cf. LÓPEZ PIÑERO, José María; PARDO TOMÁS, José. La influencia de Francisco Hernández (1515-1587) en la constitución de la botánica y materia medica modernas. Valencia: Instituto de estudios documentales sobre la ciencia. Universitàt de Valencia, 1996, p. 139. 478 MONARDES, Nicolás. Dos libros, el uno que trata de todas las cosas que se traen de nuestras Indias Occidentales, que sirven al uso de la medicina, y el otro que trata de la piedra bezaar, y de la yerva escuerçonera. Edição fac-símile. Disponível em: https://ia801405.us.archive.org/0/items/hin-wel-all-00002448-001/hin-wel-all-00002448-001.pdf. Acesso em: 20/08/2016.
124
corporal”.479 Possivelmente, pelo conteúdo, a obra esteve entre as mais reeditadas na
época e, no prazo de um século, passou de 40 edições em seis línguas na Europa.480 Os
estudos sobre as matérias medicinais americanas ainda tiveram espaço nos experimentos
elaborados com os vegetais cultivados na sua casa e nos jardins de Sevilha, o que resultou
na classificação de novas espécies que, mais tarde, foram inseridas no rol dos catálogos
europeus. 481 Ao lado de Francisco Hernández, Monardes introduziu as medicinas
americanas na Europa com seus textos e obras publicadas.
Contemporâneos a esses estudiosos, muitos outros contribuíram imensamente para
o avanço do saber natural europeu ao investigar dados sobre o ambiente americano.
Ainda para ficarmos com os espanhóis, pode-se dizer que prosperou uma diversidade de
autores que se debruçaram mais intensamente sobre esse tema nas décadas finais do
século XVI e no correr do século XVII. É o caso do também médico sevilhano Juan de
Cárdenas que, após passar uma longa temporada no México, onde realizou seus estudos
universitários, escreveu a Primera parte de los problemas y secretos maravillosos de las
Indias, na data de 1577, para abordar a geografia, as plantas, os animais, os minerais e os
homens que habitavam a América. Mas nenhum se compara a José de Acosta, jesuíta
espanhol que esteve no Peru e na Nova Espanha, entre 1572 e 1587, e elaborou a
importante Historia natural y moral de las Indias que vem a público, pela primeira vez,
em 1590.482 Dos sete livros que compõem a obra, quatro são dedicados aos temas
referentes à história natural que o cronista pôde pessoalmente recolher durante a sua
experiência nessas terras e nos escritos publicados anteriormente sobre esse assunto
presentes nas crônicas espanholas e nos recentes trabalhos de Francisco Hernández e
Nicolás Monardes. É justamente pela reunião de todos esses conhecimentos alcançados
por outros estudiosos que a obra de Acosta ganha destaque nesse tempo, com inúmeras
traduções, em diferentes línguas – latim, alemão, francês, holandês e inglês –, e nos
479 MONARDES, Nicolás. Dos libros, el uno que trata de todas las cosas que se traen de nuestras Indias Occidentales, p. a V. 480 PÉREZ-MALLAÍNA, Pablo E. Botânica e cartografia: a explosão da ciencia! In: ARAÚJO, Carlos. Sevilha, século XVI, p. 203. 481 LÓPEZ PIÑERO, Francisco. Ciencia y técnica en la sociedad española de los siglos XVI y XVII, p. 285. 482 José de Acosta escreveu o tratado De procuranda Indorum salute, entre 1575 e 1576, e outro texto De natura novi orbis, de 1588, que será parte da sua Historia natural y moral de las Indias. LÓPEZ PIÑERO, José María. Ciencia y técnica en la sociedade española de los siglos XVI y XVII, p. 293.
125
séculos seguintes, quando alcança um total de 25 edições na Europa.
Se adiantarmos o passo para o século XVII, encontramos ainda o Repertorio de los
tiempos y historia natural de Nueva España, realizado, em 1606, pelo cosmógrafo do rei
Henrique Martínez ou Heirinch Martin, fruto da sua passagem pela Nova Espanha. Entre
1628 e 1629, há notícia do Compendio y descripción de las Indias Occidentales,
elaborado pelo geógrafo Antonio Vázquez de Espinoza sobre as riquezas observadas em
sua viagem pela América central, pelo México e pelo Peru. A obra é um resumo dos
dados recolhidos sobre a geografia, a botânica e os minérios, incluindo as minas
americanas que há pouco haviam sido descobertas pelos espanhóis. Por fim, para
citarmos mais um nome, aparece a Historia del Nuevo Mundo, em 1653, escrita pelo
jesuíta Bernabé Cobo, com dados importantes sobre as matérias naturais das novas terras.
No caso dos estrangeiros, muitos estudiosos mostraram interesse pelo
conhecimento mais aprofundado das riquezas americanas que circularam traduzidas e
difundidas nessa época pelas diversas prensas. O italiano Ulisse Androvandi, por
exemplo, expôs o seu desejo de ver de perto as novidades referentes ao Novo Mundo no
seu texto Discorso naturali, datado de 1569, para pesquisar a variedade de espécies que
mencionaram, anteriormente, Colombo, Francisco López de Gómora e Pedro Cieza de
Léon.483 Sendo um estudioso das matérias naturais, ofício que lhe rendeu diversos livros
e ilustrações, além da primeira cátedra de ciências naturais da Universidade de Bolonha,
Androvandi buscava reunir um maior número de elementos para preservar em seu
catálogo as plantas existentes e as “recentemente descobertas no Novo Mundo”.484 O
plano de viajar para as novas terras, contudo, não foi aceito por Felipe II, mas seus
estudos sobre as variedades americanas prosseguiram ao ponto de sugerir ao monarca que
enviasse especialistas capacitados para anotar e recolher adequadamente todas aquelas
maravilhas, o que não tardou muito, visto que, em seguida, viria a notícia da partida do
referido Francisco Hernández para as Índias. A maior contribuição de Androvandi,
483 Androvandi teve contato com as cartas de Colombo que circularam nessa período e com os relatos de Gómora e de Pedro Cieza de Léon publicados em italiano. É possível também que tenha lido as obras de Gonzalo de Oviedo e de José de Acosta, impressas nessa época. Cf. LÓPEZ PIÑERO, José María; PARDO TOMÁS, José. La influencia de Francisco Hernández (1515-1587) en la constitución de la botánica y materia medica modernas, p. 130. 484 LÓPEZ PIÑERO, José María; PARDO TOMÁS, José. La influencia de Francisco Hernández (1515-1587) en la constitución de la botánica y materia medica modernas, p. 129.
126
contudo, deve ter sido a criação de um jardim botânico em Bolonha, na data de 1567,
para cultivar as espécies conhecidas e abrigar as plantas medicinais que vinham da
América. Ao lado de outros espaços italianos, como o jardim de Pisa, o jardim de Pádua e
o jardim de Florença, o quintal pensado por Androvandi era mais uma das expressões de
uma época em que o conhecimento das matérias naturais ocupava um lugar de destaque
nos estudos europeus.485
Produzidos, em larga medida, por especialistas com formação médica, habituados
aos estudos das plantas e dos vegetais, todos esses trabalhos ajudaram a ampliar o saber
natural em voga. Ao fornecerem conteúdos inéditos, textos como esses atualizaram os
catálogos oficiais e a lista das espécies que ainda se mantinham restritas aos registros dos
herbários antigos e medievais.486 Possibilitaram, ademais, a correção das imagens que se
mostravam inadequadas nos livros clássicos deixados pelos seus antepassados, bem como
a elaboração de outras gravuras para ilustrar os novos elementos descobertos.487 Tais
imagens, aliás, serviram como um complemento fundamental nesses estudos, tanto para
registrar as plantas e os animais como para auxiliar a transmissão nas vezes em que as
descrições não eram suficientes para o entendimento que desejavam. Não à toa, as
descrições elaboradas na obra de Francisco Hernández, por exemplo, vêm acompanhadas
de desenhos que retratavam as características físicas das plantas representadas, como o
tamanho, a forma das folhas e o tipo de raiz.
Parte desse avanço no campo natural, produzido por esses trabalhos, também
levou a uma renovação na maneira como os europeus classificavam as espécies, porque
os modos tradicionais de agrupamento não comportavam os tipos americanos
mencionados pelos cronistas e, menos ainda, aqueles apresentados, mais tarde, por
Hernández, Monardes e Androvandi. Tal reflexão sobre essas categorias ocorre no
momento em que esses humanistas recuperam os textos clássicos que traziam a temática
natural e passam a conhecer melhor os seus conteúdos. Francisco Hernández, por
485 FRESQUET FEBRER, José Luis. La fundación y desarrollo de los jardines botânicos. In: MARTÍNEZ RUIZ, Enrique. (Dir.). Felipe II, la ciencia y la técnica, p. 181. 486 De acordo com Allen Debus, “los herbários se contaban indudablemente entre los libros más populares que se imprimieron en los siglos XVI y XVII” que alcançaram um “rápido avanço do conhecimento nesse campo”. DEBUS, Allen G. El hombre y la naturaleza en el Renacimiento. México: Fondo de Cultura Económica, 1996, p. 98. 487 DIAS, Sebastião da Silva. Influencia de los descubrimientos en la vida cultural del siglo XVI, p. 163.
127
exemplo, esteve familiarizado com as noções deixadas na Natural Historia de Plinio488 –
principal referência para os estudos das plantas, das ervas, dos animais, dos minerais, das
medicinas, da geografia, da astrologia e da cosmologia – ao estudá-la e traduzi-la para o
castelhano em uma edição comentada.489 Igualmente, o médico espanhol Andrés Laguna
teve contato próximo com a classificação das plantas e ervas fixadas pelos antigos ao
dedicar-se à tradução da Materia Medica de Dioscórides, em 1555, obra fundamental
para o conhecimento dos saberes terapêuticos que teve grande alcance ao ser reeditada 22
vezes na Espanha até o século XVIII.490 Traduções que permitiram a esses e a outros
estudiosos não apenas clarificar os textos clássicos então distorcidos pelas inúmeras
reproduções feitas ao longo do tempo, mas, também, revisar os conhecimentos ali postos
e a forma de catalogar as espécies pelos antigos e medievais.491 Daí dizer que esses
primeiros estudos inauguraram o processo de divisão natural mais tarde definida por
especialistas da área com base nos traços e nas características das plantas e dos animais
americanos que puderam comparar.
As páginas, até agora, mostraram como as crônicas contribuíram para o
aparecimento de novos estudos referentes às matérias naturais americanas no século XVI
elaborados pelo grupo de letrados europeus que apreenderam os seus conteúdos. Nas
488 As obras de Plínio são recuperadas pela iniciativa dos humanistas e recebem 4 edições impressas em italiano ao longo do século XV, de 1469 a 1499. As três primeiras impressões reproduzem os manuscritos perpetuados durante a Idade Média e a última edição aparece em Roma, na data de 1492, e se torna mais utilizada pelos comentaristas. Já na Espanha, a primeira versão em língua castelhana aparece no século XVI após o longo trabalho de tradução de Francisco Hernandez, mas só chega a ser publicada séculos depois junto com as obras completas desse autor. 489 Francisco Hernández não apenas traduz a grande obra de Plínio, como comenta cada capítulo, adiciona e em certas alturas corrige com base nos dados novos alcançados. É cauteloso com as referências documentais utilizadas para obter as suas informações e muitas vezes adiciona a sua própria experiência ao mencionar certo conteúdo. Cf. D’ARDOIS, Germán Somolinos. Plinio, España y la época de Hernández. In: Prólogo de la Historia Natural de Cayo Plinio. Tomo IV. Disponível em: http://www.franciscohernandez.unam.mx/tomos/04_TOMO/tomo004_000/tomo004_000_prologo.html Acesso em: 20/07/2016. De forma complementar, Joaquín Pérez escreve que os comentários e as observações feitas tanto por Hernández como por Laguna nas suas traduções “son una buena prueba de la crítica y ruptura con el principio de autoridad, sin menoscabo al respecto y reconocimiento al esfuerzo de los clásicos”. FERNÁNDEZ PÉREZ, Joaquín. La historia natural y la vida cotidiana, p. 139. 490 Segundo José María López Piñero, “Laguna se basó en buena parte en la traducción del libro de Dioscórides que había publicado el italiano Piero Andrea Mattioli (1544) y las ilustraciones que incluye proceden en casi su totalidad de la obra de este último”. LÓPEZ PIÑERO, José María. Ciencia y técnica en la sociedad española de los siglos XVI y XVII, p. 299. 491 ÁLVAREZ PELÁEZ, Raquel. Un Nuevo Mundo para la ciencia: el descubrimiento de la naturaleza americana. In: NAVARRO BROTÓNS, Victor; EAMON, William. Más allá de la Leyenda Negra, p. 150.
128
folhas seguintes, a discussão prossegue em torno do papel da Coroa no gerenciamento
desses conhecimentos que surgiram em torno da experiência espanhola na América.
Discutiremos como a política adotada inicialmente por Carlos V e continuada mais
ostensivamente por Felipe II, na segunda metade do século XVI, criou órgãos e
instituições administrativas para controlar as informações e compreender melhor seus
novos domínios.
A Coroa e o ordenamento dos novos saberes
Feliz nosso século que pode contar com homens como nossos viajantes e mais felizes ainda eles por ter nascido em um tempo em que a atividade dos homens tão excelentes é estimada pelo rei. (Belleforest - Histoire des neuf rois Charles)
Na dedicatória da Crónica del Peru, o soldado Pedro Cieza de León oferece seu
relato ao “muito alto e poderoso senhor Dom Felipe II, príncipe das Espanhas, nosso
senhor”; Francisco López de Gómora, quase na mesma década, direciona a Historia
general de las Indias a “Dom Carlos, imperador de romanos, rei de Espanha, senhor das
Índias e Novo Mundo”; Gonzalo de Oviedo, em ambas as obras produzidas sobre as
descobertas e conquistas americanas, faz uma “epístola dedicatória” ao “Reverendíssimo
e ilustríssimo senhor” na Historia general y natural de las Indias e à “Sacra, católica,
cesárea, real Majestade” no Sumario de la natural historia de las Indias. A dedicatória
ao monarca espanhol era lugar comum nesses textos produzidos sobre a América e, ainda
que muitas razões convergissem para essa prática, como já discutimos em outro ponto, o
interesse da Coroa por ter notícias sobre as suas novas possessões talvez fosse uma dessas
razões mais destacadas. Havia um enorme interesse pelas terras, pelos habitantes, pelo
ambiente natural e pelas riquezas que ali poderiam existir desde que as primeiras
descobertas apareceram anunciadas nessa época. Isso fica claro com os incentivos da
monarquia para a produção de escritos sobre o Novo Mundo, que viriam tanto dos
129
conquistadores particulares que viajaram por conta própria, caso de Hernán Cortés,492
como dos membros oficiais encarregados de informar as etapas da conquista, caso dos
religiosos que deixaram importantes relações de conteúdo informativo sobre os recursos
naturais, minerais e humanos dos territórios visitados.493 Mais claro ainda, com a
nomeação de Pedro Martír de Anglería, em 1520, para ocupar o cargo de cronista oficial
das Índias e organizar as notícias que chegavam das novas partes descobertas, e com a
criação do Consejo Real y Supremo de Indias, em 1524, que sucedeu o já existente
Consejo de Indias, para servir como órgão máximo da administração colonial com
autoridade e autonomia na gestão das políticas relacionadas às novas colônias.494
Mas, durante o governo de Felipe II, esse interesse pelas possessões americanas se
intensifica a partir de uma série de medidas que abrangiam muito além dessa política
adotada inicialmente por Carlos V. Dentre essas medidas, pode-se destacar um
investimento maior nas atividades relacionadas aos descobrimentos americanos com o
propósito de conhecer mais detalhadamente essas novas regiões. E aqui retomamos a
expedição oficial de Francisco Hernández às regiões da América central. A viagem do
médico sevilhano, a convite de Felipe II, não foi um capítulo isolado no contexto das
viagens marítimas ocorridas nesse período, mas, antes, um feito que estava inteiramente
relacionado com a política monárquica em questão.495 As instruções da Coroa para
orientar Hernández indicam que o objetivo principal da viagem era reunir dados e
informes acerca das plantas de uso medicinal, como antes salientado, nesse momento em
que surgia um interesse maior pelos saberes naturais americanos. Não foi por acaso,
assim, que Francisco Hernández recebe o título de protomedico general de todas las
Indias, islãs y tierra firme del Mar Oceáno do próprio rei, em 1570, para desempenhar
integralmente essa tarefa.
492 Três anos após terminada a conquista do México, em 1523, a coroa espanhola envia uma série de Instrucciones para o administrador da Nova Espanha, Hernán Cortés. Nesse documento, o monarca Carlos V orientava os rumos da colonização e conversão religiosa dos nativos, como ainda requeria mais informações sobre o novo território, ou seja, sobre o sistema fiscal já existente e que deveria ser mantido. BUSTAMANTE, Jesús de. El conocimiento como necesidad de Estado: las encuestas oficiales sobre Nueva España durante el reinado de Carlos V, p. 36. 493 BAUDOT, Georges. Utopía e Historia en México, p. 15. 494 SCHÄFER, Ernesto. El Consejo Real y Supremo de Índias. Historia y organización del Consejo y de la Casa de Contractación de Indias. Espanha: Marcial Pons, 2003, p. 62. 495 ÁLVAREZ PELÁEZ, Raquel. La conquista de la naturaleza americana. Madrid: C.S.I.C, 1993, p. 121.
130
A realização dessa primeira expedição de caráter oficial significou, portanto, um
avanço na política adotada em relação à América. Mais do que antes, a ideia de que era
preciso conhecer para melhor governar foi levada adiante pela Coroa espanhola e as suas
instituições administrativas, como o Consejo Real de Indias e a Casa de Contractación,
que passaram a ser reestruturadas para atender às demandas reais alinhadas ao projeto
colonialista. De igual modo, outras instituições foram criadas conforme os
descobrimentos avançavam, caso dos Jardins Botânicos e da Academia de Matemática de
Madrid, com o objetivo de amparar os estudos mais específicos nas áreas de história
natural e de cosmografia desenvolvidos nesse período.
Consejo Real y Supremo de Indias
Criado, em 1524, durante o governo de Carlos V, o Consejo de Indias surge como
instituição independente – com presidente e funcionários próprios – para cuidar dos
assuntos administrativos, legislativos, judiciários e militares das Índias. Presidido,
inicialmente, por Frei García Loaisa, o Consejo ainda contava com conselheiros (letrados
ou militares), fiscais (um para Nova Espanha e outro para o Peru), secretários, escrivães,
funcionários da justiça, funcionários financeiros, funcionários “científicos” (como o
cronista maior, o cosmógrafo maior e um catedrático de matemática) e um capelão para
os assuntos eclesiásticos.496 Como a função do Consejo era conduzir as novas possessões
americanas, os membros que atuaram durante o governo de Carlos V incluíram, desde
muito cedo, a busca por dados mais pormenorizados sobre essas partes. Em 1532, por
exemplo, o Consejo emite a Descripción de la Nueva España para os espanhóis que lá
estavam solicitando informações referentes à qualidade e à quantidade da terra, aos
recursos, aos povos nativos e aos tributos cobrados daquela população.497 Trata-se de um
dos primeiros requerimentos para se obter um conteúdo informativo a respeito da
América com vistas à montagem colonial em curso nesse período. Mas que terá novo
496 Cf. SOBERANES FERNÁNDEZ, José Luis. El poder judicial federal en el siglo XIX. México: UNAM, Instituto de investigaciones jurídicas, 1992, p. 27, 28. 497 BUSTAMANTE, Jesús de. El conocimiento como necesidad de Estado: las encuestas oficiales sobre Nueva España durante el reinado de Carlos V, p. 42.
131
impulso, contudo, a partir de 1560, com a reestruturação dessa instituição promovida por
Felipe II em acordo com as novas exigências da sua política real. É, pois, nesse período,
já sob a direção de Juan de Ovando, que o Consejo de Indias passa a prescrever uma série
de instrucciones para auxiliar a busca por conhecimentos mais específicos acerca das
matérias naturais, cosmográficas, geográficas e dos aspectos particulares do universo
ameríndio – como costumes, religião e organização social –, e envia para o Novo Mundo
uma primeira expedição de pesquisa liderada pelo médico e especialista Francisco
Hernández.498 Igualmente, é nesse mesmo período que seus membros também promovem
a primeira compilação de todos os escritos oficiais ou não referentes às descobertas e às
conquistas americanas. E é ainda nesse período que o Consejo elege novas autoridades
para governar o vice-reinado do Peru e da Nova Espanha com a finalidade de organizar
melhor essas regiões e, com isso, obter mais dados sobre essas terras.
De todas essas medidas outorgadas para sistematizar a coleta de informações
sobre as novas terras, talvez a mais inovadora seja a instauração, em 1571, do cargo de
Cronista y Cosmógrafo Mayor de los estados y reinos de las Indias, islãs y Tierra Firme
del mar Oceáno.499 De acordo com as ordenanças de Juan de Ovando, o cosmógrafo
cronista deveria trabalhar para obter a descrição de todas as cosias relativas às Índias, tais
como:
fazer e ordenar as tábuas de cosmografia das Índias, assentando nelas por sua longitude, latitude e número de léguas, segundo a arte de geografia, as províncias, mares, ilhas, rios, montes e outros lugares que se hão de pôr em designo e pintura segundo as descrições gerais e particulares que daquelas partes lhes entregarem. De igual modo, para que as coisas naturais de Índias sejam sabidas e conhecidas, o Cronista Cosmógrafo de Índias deve recopilar e ir sempre recolhendo a história natural das ervas, plantas, animais, aves, peixes e outras coisas dignas de saber, que em províncias, ilhas, mares e rios das Índias houver. Também deve concluir e recopilar em livro todas as derrotas, navegações e viagens que há nestes reinos e partes das Índias, e nelas de umas partes à outras, segundo o que puder deduzir das orientações e relações que os pilotos e marinheiros que navegam as Índias trouxerem
498 ÁLVAREZ PEREZ, Raquel. Las relaciones de Indias. In: MARTÍNEZ RUIZ, Enrique. (Dir.). Felipe II, la ciencia y la técnica, p. 295. 499 Com a criação do cargo de cosmógrafo cronista de Índias, Felipe II promove, nas palavras de Ernest Schäfer, “las primeras investigaciones historico-geográfico-estadísticas en las Indias”. SCHÄFER, Ernesto. El Consejo Real y Supremo de Índias, p. 127.
132
das viagens que fizerem, como temos mandado”.500
Também era encargo desse funcionário reunir todos os documentos relativos à América
(crônicas, histórias, relações, cartas, ordenações régias, registros elaborados pelos vice-
reinados, registros elaborados pelas ordens religiosas) que foram escritos ou fornecidos
por diferentes figuras (conquistadores, soldados, religiosos, oficiais, nativos e
historiadores) e ordenar as suas informações. Na função de cronista e de cosmógrafo,
tinha como tarefa compilar as descrições naturais e as descrições cosmográficas do Novo
Mundo para oferecer um registro exato dessas matérias tanto para o rei como para os
próprios membros do Consejo de Indias.501 Juan López de Velasco, o primeiro a ser
nomeado para o cargo, em 1571, deixou um desses registros ao escrever a Geografía y
descripción universal de las Indias,502 entre 1571 e 1574, em que conciliou todos esses
temas. Assim refere a dedicatória da obra:
Por entender muito que importa que este Real Consejo tenha relação certa e particular das coisas das Índias para endereçar o bom Governo delas, copilei com a maior brevidade que pude desde o ano de setenta e um quando fui provido em meu ofício esta Geographía General de las Indias que à Vossa Majestade apresento. Na qual se encontrará relação cumprida quanto se pode haver o que são as Índias geralmente, e particular de cada terra e província descoberta e povoada com povos e outras coisas necessárias na matéria do governo.503
Com numerosas páginas, a Geografía y descripción... traz um relato geral sobre essas 500 Ordenanzas del Consejo de Indias (1571). In: LÓPEZ PIÑERO, José María. Ciencia y técnica en la sociedad española de los siglos XVI y XVII, p. 217. 501 ELLIOTT, John H. O Velho Mundo e o Novo, p. 54. 502 A título de exemplo, pode-se citar outras obras produzidas por Juan López de Velasco: a Recopilación de las cosas provehidas hasta el fin de la visita de Juan de Ovando, em que descreve o trabalho desempenhado ao lado de Ovando sobre as Índias e a legislação editada desde a conquista, e o tratado Orthographía y pronunciación castellana, publicado, em 1582, e que foge mais dos temas comumente estudados por Velasco. O que é bastante normal para a época se atentarmos para o fato de que Alonso de la Cruz, cosmógrafo da Casa de Contractación, além das obras sobre cosmografia e astronomia também escreveu, por exemplo, uma crónica sobre os reis católicos e Carlos V. E que Pedro de Medina, complementarmente, compôs não só trabalhos sobre a arte da navegação, mas ainda um Libro de la verdad donde se contienen dozientos diálogos que entre la verdad y el hombre se tratan sobre la conversión del pecador e um Libro de grandezas y cosas memorables de España. Cf. BERTHE, Jean-Pierre. Juan López de Velasco (Ca. 1530 – 1598). Cronista y Cosmógrafo Mayor del Consejo de Indias: su personalidade y su obra geográfica. Relaciones, nº 75, 1998, v. XIX, p. 144. 503 LÓPEZ DE VELASCO, Juan. Geografía y descripción universal de las Indias. Boletín de la Sociedad Geográfica de Madrid con adiciones e ilustraciones de Don Justo Zaragoza, 1894, p. VII.
133
regiões, como: os limites e términos das Índias, a suma do estado temporal e espiritual
das Índias, a primeira povoação das Índias, o descobrimento das Índias, a qualidade das
províncias, a salubridade das terras, as chuvas, os ventos, a fertilidade e os frutos da terra,
as árvores, as ervas e as hortaliças, os grãos e as sementes, os animais, as aves e os
peixes, as minas e os metais, os índios e seus hábitos, os mantimentos, as moradas, o
governo, a religião e a conversão dos índios, os espanhóis que passaram pelas Índias, os
que nasceram nas Índias, o governo das Índias, os mestiços, negros e mulatos, o governo
espiritual e seus arcebispados e bispados, a inquisição e a Hacienda Real. A hidrografia,
também, está presente nessa escrita com a descrição dos mares, das correntes, das viagens
e navegações para as Índias e, por fim, há uma menção à divisão, à administração e às
Audiências das províncias.
O trabalho desempenhado por Velasco durante os vinte anos em que esteve no
cargo do Consejo de Indias teve continuidade com os outros nomes que se revezaram na
cadeira de cosmógrafo cronista a partir de 1591. Nomes como Arias de Loyola, Pedro
Ambrosio, Antonio de Herrera, Antonio de León Pinelo, Antonio de Solís y Rivadeneyra,
Pedro Fernández del Pulgar, Luis de Salazar y Castro, entre muitos outros, trabalharam
para reunir as informações seguras e ordenadas que provinham dos mais diferentes
meios. Mas foi Antonio de Herrera,504 nomeado para o cargo, em 1596, quem se valeu do
contato próximo com as principais fontes disponíveis nessa época (inclusive os tratados
de cosmografia) e redigiu suas Décadas, obra que traz um panorama geral sobre a
América.505 Para compor os quatro volumes escritos no prazo de dezenove anos, de 1596
a 1615, Herrera compilou os principais textos que julgou serem mais autorizados, isto é,
textos produzidos por testemunhos daqueles que estiveram presentes ou que escreveram
por demanda oficial, como o seu sucessor, Juan de Velasco. O resultado foi uma extensa
descrição relativa às Índias ocidentais e aos feitos castelhanos realizados nessas partes
504 Antonio de Herrera y Tordesillas foi um historiador espanhol e Cronista Mayor de Indias no governo de Felipe II. Entre as suas obras estão a Descripción de las Indias occidentales, publicada, em 1601, e as Decadas ou Historia general de los hechos de los castellanos en las Islas y Tierra Firme del mar Océano que llaman Indias Occidentales, uma das principais obras sobre esse tema, publicadas entre 1601 e 1615. 505 Segundo Mariano Cuesta Domingo, “el flamante cronista mayor desarrolló una inusitada actividad con eficiencia; pidió ayuda en la corte y logró todo tipo de facilidades para recopilar documentación y libros publicados o manuscritos y recibió colaboración del Consejo para pagar a copistas y auxiliares”. CUESTA DOMINGO, Mariano. Los Cronistas oficiales de Indias. De López de Velasco a Céspedes del Castillo, p. 121.
134
que acabou se tornando, ao final, uma história universal sobre as novas possessões
espanholas no Novo Mundo.
O projeto de obter um conjunto de dados mais completos e padronizados não se
restringiu, todavia, aos escritos organizados pelos cronistas designados pelo Consejo de
Indias. A necessidade de informações mais precisas e de caráter oficial levou essa
instituição a formular um questionário interno com aproximadamente 200 perguntas
direcionadas aos espanhóis – conquistadores, religiosos, capitães e servidores – que
retornavam das novas terras. O documento, datado de 1571, apresentava uma série de
interrogações sobre pontos que não estavam inteiramente explicados nos textos sobre as
Índias mantidos nos registros ou arquivos reais. Complementarmente, continha questões
mais específicas e que demandavam um conhecimento maior por parte dos funcionários
administrativos que habitavam a América no período colonial.506 Tratou-se de um dos
primeiros métodos de investigação adotados pela Coroa e serviu de modelo para outros
documentos que vieram à tona posteriormente, como a Instrucción y memoria de las
relaciones que se han de hazer para la descripción de las Indias que su Majestad manda
hacer para el buen gobierno y enoblecimiento delas,507 o documento mais conhecido das
chamadas Relaciones de Indias que o Consejo enviou às autoridades locais na América
para a coleta de dados. Elaborada, em 1577, a Instrucción era um questionário com 50
perguntas destinada, inicialmente, aos vice-reis e às audiências americanas e,
seguidamente, distribuídas aos
povos de espanhóis e índios de sua jurisdição, e aos conselhos onde houvesse espanhóis e, onde não, aos curas se houvesse e, se não, aos religiosos, para que dentro de um breve término as respondam [...] e enviem as relações que fizessem, juntamente com estas memórias... E, nos povos e cidades onde os governadores ou corregedores e pessoas de governo residissem que houvesse relação deles ou encarreguem pessoas inteligentes das coisas da terra para fazer de acordo com as ditas memórias.508
506 ELLIOTT, John H. O Velho Mundo e o Novo, p. 52. 507 Os estudos iniciais sobre essas Relaciones formuladas no centro do Consejo de Indias foram realizados pelo historiador Marcos Jimenez de la Espada em um estudo intitulado “Relaciones Geográficas de Indias-Peru”, que aparece em Madrid, no século XIX. 508 Instrucción y memoria de las relaciones que se han de hazer para la descripción de las Indias que su Majestad manda hacer para el buen gobierno y enoblecimiento dellas. ÁLVAREZ PELÁEZ, Raquel.
135
De acordo com essas orientações oficiais, ao receber o questionário, os órgãos
administrativos da colônia deveriam repassá-lo aos governadores, corregedores e alcaides
maiores 509 para que estes consultassem os residentes espanhóis e obtivessem as
informações desejadas. Os membros do Consejo de Índias, com isso, buscavam alcançar
um maior número de testemunhos ou “pessoas inteligentes das coisas da terra” que
respondessem às suas indagações. A Instrucción de 1577, aliás, tinha como alvo
questionar certos grupos de espanhóis e de nativos à espera de respostas mais seguras
sobre as possessões americanas, tanto que, se houvesse desconhecimento dos conteúdos
interrogados, orientava que se deixasse “sem menção” e escrevesse somente “o que tiver
de dizer”510 para não incorrer em erros ou enganos. A Instrucción, no entanto, também
era uma forma de ordenar as notícias elaboradas sobre as Índias ao determinar quais as
questões que deveriam ser formuladas, o que restringia o conteúdo abordado nesse
documento, e quem forneceria as respostas esperadas, o que estabelecia os tipos de
informantes que se considerava confiável.
Quanto às questões colocadas nesse questionário, vale destacar a pluralidade dos
temas, a ausência de ordem das perguntas – que deveriam ser respondidas, segundo as
orientações, separadamente e seguindo a numeração e a memória dos depoentes – e a
insistência de alguns pontos que vez ou outra se repetiam. Em linhas gerais, as
Instrucciones511 demandavam: o nome de cada província, quem descobriu ou conquistou,
quais os traços físicos da terra, quais nativos que a habitavam, qual o perfil (físico,
cultural, religioso) desses nativos, qual a língua ou as línguas faladas na província, qual o
nome e sobrenome dos espanhóis que a dominavam. A respeito dos povos da América,
solicitavam informações sobre a localização geográfica, a língua, a vida e o cotidiano
desses povos antes da conquista espanhola, os seus ritos, os seus costumes (bons e maus) Visión de Nueva España a través de las Relaciones Geográficas del siglo XVI. In: Ciencia, vida y espacio en Iberoamérica. PESET, José Luis. Madrid: CSIC, 1989, v. 1, p. 291-297. 509 VILAR, Sylvia. La trajectoire des curiosités espagnoles sur les Indes. Trois siècles “d’interrogatorios” et “relaciones”. Mélanges de la Casa de Velázquez, Tome 6, 1970, p. 253. 510 ÁLVAREZ PELÁEZ, Raquel. Las relaciones de Indias. In: MARTÍNEZ RUÍZ, Enrique. Felipe II, la ciencia y la técnica, p. 300. 511 Todas essas questões apresentadas na Instrucción de 1577 foram consultadas no trabalho “Las Relaciones de Indias”, de Raquel Álvarez Peláez. Cf. ÁLVAREZ PELÁEZ, Raquel. Las relaciones de Indias. In: MARTÍNEZ RUÍZ, Enrique. Felipe II, la ciencia y la técnica, p. 300.
136
e as cerimônias, as formas de governo, os seus inimigos, as formas de guerra, as
vestimentas, a alimentação e qual a condição e saúde desses povos. As perguntas
relacionadas aos recursos naturais demandavam informações sobre as novas espécies
descobertas, os proveitos que se poderia tirar delas (se alimentício ou medicinal) e quais
eram os tipos originais da terra, como o cacau e o anil, e os vegetais que foram trazidos
de fora, caso da cana-de-açúcar. Nesse campo, havia grande interesse pela qualidade da
terra – se plana ou montanhosa, se úmida ou seca, com muitos ou poucos ventos, se fértil
ou estéril de frutos – e pelas matérias médicas – se havia ervas e remédios que curavam
as enfermidades, se existiam médicos, curandeiros ou herbários, quais os conhecimentos
dos nativos sobre as plantas medicinais, quais as doenças que os espanhóis haviam
diagnosticado nessas regiões e quais haviam dizimado mais gentes. Já as questões
elaboradas sobre os recursos minerais interrogavam, basicamente, se havia minas de ouro
e de prata, pedras preciosas e qual a região em que estavam localizadas. Além desses
aspectos, a Instrucción também continha perguntas sobre a vida cotidiana na América, o
comércio, a religião, os aspectos militares e as suas instituições. Acerca dos temas
marinhos, as perguntas giravam em torno das formas de transporte, da distância dos
lugares, da comunicação, do comércio de importação e de exportação e de dados mais
específicos para a estratégia militar. O maior número de questões apresentadas, isto é,
mais da metade de todas as perguntas contidas no questionário, tratava dos aspectos
geográficos e do saber natural referentes ao espaço americano.512
Após o período de coleta de dados, o Consejo de Indias finalmente recebe, entre
1578 e 1586, as respostas referentes a esse questionário.513 Tais repostas, aliadas aos
relatórios e às memórias enviadas em anexo pelos governos locais, contribuíram
significativamente para o detalhamento das possessões americanas almejado por Felipe
II. Em menos de um século, a Coroa dispunha de um conjunto de informações relevantes
sobre os novos domínios, sobre o passado de seus povos e sobre as mudanças trazidas
512 VILLAR, Sylvia. La trajectoire des curiosités espagnoles sur les Indes. Trois siècles “d’interrogatorios” et “relaciones”, p. 256. 513 As primeiras respostas do questionário de 1577 vieram dos gobernadores de Santa Marta e Venezuela, no ano de 1578, em seguida, chegaram as respostas do México, em 1579 e 1580, e finalmente as do Peru, em 1586. Cf. MARZAL, Manuel M. Historia de la antropología indigenista: México y Peru. Barcelona: Editorial Anthropos, 1993, p. 145.
137
pela política colonial.514 Um conhecimento que parece ter sido indispensável para a
ordenação do território que se começava a ocupar e, naturalmente, a explorar, tendo em
conta os recursos naturais e minerais localizados. Mais precisamente, os dados fornecidos
por essas relaciones auxiliaram a criação de instituições capazes de dirigir a arrecadação
e fiscalização de impostos, a ação da justiça, o funcionamento das encomiendas, a
concessão de privilégios aos conquistadores e à extração de recursos.515 Contribuíam,
além disso, para a catequização religiosa dos ameríndios promovida pelos missionários
enviados pela Coroa para predicar o evangelho em terras americanas.
Ao oficializar a coleta de dados sobre as Índias, com o envio das Instrucciones de
1577, a Coroa espanhola optou por exercer um controle maior sobre essas novas partes
que agora integravam o seu império. Um controle, aliás, não só administrativo, como
mostram as medidas instauradas por Felipe II ao longo do seu reinado, mas, também, das
informações relativas à América que circulavam nesse período. Por meio do Consejo de
Indias, a partir de 1556, os funcionários reais passaram a fiscalizar os escritos sobre as
descobertas e as conquistas americanas, produzidos por diferentes personagens e com
diferentes propósitos, e a gerir as suas publicações.516 A Coroa entendia que certos textos
carregavam informações que poderiam servir às demais monarquias europeias e,
consequentemente, ameaçar o domínio espanhol nessas terras.517 Dessa forma, muitos
desses títulos produzidos sobre as Índias foram impedidos, por cédula real, de circular.
Os livros elaborados pelo médico Francisco Hernández, por exemplo, não alcançaram a
inteira publicação nesse momento depois que o Consejo avaliou que havia dados
sigilosos sobre os aspectos naturais da Nova Espanha que deveriam ser preservados. O
próprio vice-rei Martin Enriquez havia recomendado, em uma carta direcionada ao
monarca, que “em caso de imprimir”, a obra de Hernández talvez tenha propiciado
“algum inconveniente se tudo geralmente for entendido com tanta precisão e claridade
514 VILAR, Sylvia. La trajectoire des curiosités espagnoles sur les Indes. Trois siècles “d’interrogatorios” et “relaciones”, p. 249. 515 BAUDOT, Georges. Utopía y historia en Mexico, p. 16. 516 BUSTAMENTE, Jesús de. El conocimiento como necesidad de Estado: las encuestas oficiales sobre Nueva España durante el reinado de Carlos V, p. 46. 517 ÁLVAREZ PELÁEZ, Raquel. Felipe II, la ciencia y el Nuevo Mundo. Revista de Indias, 1999, v. LIX, nº 25, p. 24.
138
como lá está, por ser esta terra frequentada por corsários”.518 Martin Enriquez se referia
às informações sobre a localização dos rios e dos portos do Caribe descritos pelo médico
toledano e que, certamente, ajudariam os piratas que atuavam no mar. O resultado dessa
rigorosa avaliação foi a decisão tomada por Felipe II, em 1582, de classificar os livros de
Hernández como obra secreta que se deveria resguardar. Semelhante restrição recebeu a
Geografía y descripción de las Indias, escrita pelo cronista e cosmógrafo oficial Juan de
Velasco, visto que nessa mesma decisão o monarca ordenou que a obra deveria ser
reservada ao uso exclusivo do Consejo. As respostas inseridas na Instrucción de 1577
também foram postas em sigilo absoluto, por ordem da Coroa, assim que chegaram às
instâncias oficiais, sendo conhecidas pelo público muito tempo depois, no período de
1881 a 1897, quando o escritor espanhol Marcos Jiménez de la Espada publicou seu
conteúdo pela primeira vez. Por fim, as obras que abordaram o universo indígena, como
as elaboradas por Bernardino de Sahagún, Diego Durán e Juan de Tovar, não puderam ser
difundidas entre o público leitor por conterem dados sobre os povos da América que
interessariam unicamente ao Consejo de Indias. A Coroa julgava que as informações
referentes aos ameríndios alimentariam as críticas feitas pelas monarquias europeias ao
processo de colonização dirigido pelos espanhóis.
Todas essas medidas instauradas para conter a divulgação dessas notícias
indicavam, portanto, que se deveria guardar segredo sobre certos assuntos pertencentes às
partes americanas. Não é sem razão que o próprio Consejo tinha como função revisar
todos os conteúdos que seriam publicados, inclusive os textos elaborados pelo seu
Cronista Mayor, e censurar os dados que julgavam inconvenientes. O efeito dessa
política adotada por Felipe II foi o acúmulo de um grande volume de documentos sobre
os novos domínios que permaneceu arquivado nos cômodos dessa instituição, aos
cuidados dos seus membros, e nas salas das bibliotecas régias, como a localizada no
Palácio do Escorial, para o uso exclusivo da Coroa.519 A maior parte desses escritos,
porém, só veio a ser divulgada ao público alguns séculos depois, quando já não era
518 Carta do vice-rei Martin Enriquez a Felipe II (1577). In: BAUDOT, Georges. Utopía y historia en Mexico, p. 486. 519 Pode-se dar como exemplo os livros escritos por Bernardino de Sahagún acerca dos índios mexicanos e as obras não publicadas de Bartolomé de Las Casas, como a Historia general del Nuevo Mundo. Os escritos de Las Casas, aliás, foram guardados em segredo no Consejo de Indias após a publicação de um decreto real de Felipe II, em 1579. Cf. KAGAN, Richard. Los cronistas y la corona, p. 233.
139
necessário ocultar as suas informações.
Os Jardins Botânicos
Alinhados aos saberes naturais, aparecem, nesse período, os jardins botânicos
pensados pela coroa espanhola não somente como um espaço aprazível das dependências
reais, mas um local destinado ao cultivo e ao armazenamento das diferentes espécies de
vegetais encontradas no território europeu e trazidas das regiões americanas e orientais.520
O jardim de Aranjuez, por exemplo, fundado por Felipe II, além de conter uma variedade
de árvores e flores que davam forma à área, abrigava plantas, ervas e sementes que
forneciam material para os estudos herbários e para a preparação de essências medicinais
que tanto interessavam ao monarca. A construção desse espaço, conforme recomendava
Andrés Laguna na sua edição da Materia Medica de Dioscórides, traria ganhos “para a
própria saúde” do rei e “de todos os seus vassalos e súditos, dando ânimo aos muitos e
altos gênios que em Espanha se cria, para que vendo ser favorecida de Vossa Majestade a
disciplina herbária, se deem todos com grandíssima emulação a ela”.521 O jardim também
destinava uma parte para guardar pássaros e animais exóticos provenientes das colônias
americanas e de outras partes do mundo.
Além de Aranjuez, há notícia do jardim botânico de Valência, criado para servir
aos estudantes da cátedra de botânica médica da Universidade de Valência, e o jardim
construído no palácio do Escorial, com claros objetivos terapêuticos para atender às
necessidades do rei, possuindo, inclusive, uma botica utilizada por especialistas para a
preparação de medicamentos.522 O Escorial também dispunha de uma biblioteca real, a
Laurentina, que, embora fosse projetada para a guarda de livros, documentos, tratados,
520 De acordo com David Goodman, o aparecimento do jardim botânico na Espanha de Felipe II estava atrelado, entre outros fatores, ao reconhecimento da importância da medicina para o seu reino. GOODMAN, David. Las inquietudes científicas de Felipe II. In: MARTÍNEZ RUIZ, Enrique. (Dir.). Felipe II, la ciencia y la técnica, p. 101. 521 LAGUNA apud FRESQUET FEBRER, 1999, p. 188. 522 De acordo com López Piñero, a botica dispunha de um médico que cultivava plantas e ervas medicinais no terreno dos jardins e ensinava outros médicos a preparar soluções terapêuticas com essas espécies. LÓPEZ PIÑERO, José María. Actividad científica y sociedad en la España de Felipe II. In: MARTÍNEZ RUÍZ, Enrique. Felipe II, la ciencia y la técnica, p. 26.
140
catálogos, obras clássicas e recentes, traduzidas ou que ganharam versões novas, como já
anunciado, também serviu como espaço para armazenar uma coleção de mapas e alguns
instrumentos relacionados às matérias naturais. Algumas das suas salas estavam
reservadas para receber as curiosidades trazidas pelos viajantes, como joias, apetrechos e
diversos objetos das partes visitadas, bem como ilustrações, pinturas ou desenhos
relativos às espécies de plantas e de animais. A biblioteca funcionava, assim, como um
memorial que beneficiava estudiosos e interessados em acessar esse conjunto de
saberes.523
Já o jardim de Sevilha, mesmo construído pelo médico Simón de Tovar para
servir aos seus estudos – convertidos nas obras De compositione medicamentarum
examine (1586), Recognitio (1587) e Examen (1595) e nos catálogos anuais de plantas
distribuídos entre os especialistas europeus com quem mantinha trocas e
correspondências regulares524 –, foi bastante estimado pela Coroa graças à importância
dos materiais ali conservados. Assim como o jardim particular de Diego de Burgos,
boticário real que elaborou, nessa época, um relato sobre as plantas medicinais de uso do
monarca, adquirido, em 1567, e o jardim cultivado na Casa de Campo pelo catedrático da
Universidade de Valência, Honorato de Pomar, que recebia patrocínio real.525
Casa de Contractación
Fundada em Sevilha, em 1503, a Casa de Contractación aparece no cenário
espanhol com a função de controlar o fluxo dos produtos e dos homens que iam para as
Índias e de administrar a navegação realizada para as regiões de ultramar. Isso quer dizer,
em referência a essa segunda função, que o objetivo da Coroa era regular a atividade
marítima para se ter uma melhor atuação no mar nesse tempo em que muitas
embarcações se perdiam no trajeto percorrido entre o Velho e o Novo Mundo. Uma das 523 GOODMAN, David. Las inquietudes científicas de Felipe II, In: MARTÍNEZ RUÍZ, Enrique. Felipe II, la ciencia y la técnica, p. 95 524 LÓPEZ PIÑERO, José María. Ciencia y técnica en la sociedad española de los siglos XVI y XVII, p. 109, 110. 525 FRESQUET FEBRER, José Luis. La fundación y desarrollo de los jardines botánicos. MARTÍNEZ RUIZ, Enrique. (Dir.). Felipe II, la ciencia y la técnica, p. 189.
141
primeiras medidas instauradas foi a criação do cargo de Piloto Mayor ou Piloto da
Carrera de Indias encarregado de examinar os pilotos, isto é, verificar as suas
habilidades teóricas e práticas, e autorizá-los a viajar. A cédula real de 1508, que instituía
o cargo, esclarece que “todos os pilotos que quiserem ir como pilotos na dita navegação
das ditas Índias e Terra Firme [...] sejam instruídos e saibam o que é necessário saber no
quadrante e no astrolábio para que junto a prática com a teoria se possam aproveitar dele
nas viagens”.526 O Piloto Mayor, nesse caso, também deveria avaliar as cartas de navegar
e os mapas produzidos nessa época a fim de assegurar, de acordo com a ordenação oficial
de 1512, um padrão real ou um modelo cartográfico atualizado para o uso de todos os
pilotos e mestres dos navios.527 Ao lado do Cosmógrafo y Maestro de fazer cartas, cargo
criado, em 1523, para auxiliar nessa tarefa, o Piloto Mayor ainda tinha o dever de
apreciar os instrumentos marítimos produzidos por oficiais especializados e medir a
eficácia pra a prática no mar.
Além do exame dos candidatos a piloto, a Casa de Contractación também estava
encarregada do ensino da arte de navegar que o próprio Piloto Mayor oferecia aos
pilotos, mestres e marinheiros vinculados a essa instituição.528 Instruía, entre outras
matérias, a utilizar os instrumentos, a ler os mapas e as cartas náuticas, a conhecer o
calendário das marés e as mudanças da lua e, segundo o cosmógrafo Juan Bautista
Lavaña, “a se guiar e direcionar o navio ao proposto porto”.529 Com a instauração da
Cátedra de Navegação e Cosmografia, em 1552, o ensino da arte de navegar passa a ser
atribuído a um catedrático especializado que ministrava suas aulas de teoria e prática nos
salões da própria Casa de Contractación. Foi, contudo, o estabelecimento do cargo de
Cosmógrafo Mayor por Felipe II, em 1557, que pôs à disposição da corte um matemático,
Juan de Santa Cruz, para cuidar especificamente dessas matérias e da formação dos
homens do mar até a data de 1567, quando o cargo deixa de existir individualmente para 526 Cédula Real de 1508. In: LÓPEZ PIÑERO, José María. Ciéncia y técnica en la sociedad española de los siglos XVI y XVII, p. 55. 527 De acordo com Maria Izabel Maroto, “La revisión del padrón real durante todo el siglo XVI fue uno de los principales problemas técnicos y fuente de continuos enfrentamientos y litigios entre los cosmógrafos y los pilotos. La dificultad de precisar las coordenadas geográficas de los lugares reflejados en el padrón, principalmente la longitud, obligó a recurrir para su confección y perfeccionamiento a los matemáticos y cosmógrafos de más prestigio”. VICENTE MAROTO, Maria Isabel. El arte de navegar. In: MARTÍNEZ RUIZ, Enrique (Dir.). Felipe II, la ciencia y la técnica, p. 345. 528 GUILLÉN Y TATO, Julio F. Europa aprendió a navegar en libros españoles, p. 6, 7. 529 BAUTISTA LAVAÑA apud VICENTE MAROTO, 1999, p. 343.
142
ser integrado ao ofício de Cronista y Cosmógrafo instituído com a reforma do Consejo de
Indias.
Todo esse esforço por parte da Coroa espanhola rendeu obras importantes sobre o
tema da navegação com novos escritos e traduções comentadas de obras clássicas, como
a versão em castelhano da Sphera de Sacrobosco, publicada, em 1552, pelo Piloto Mayor
Jerónimo de Chaves, e a versão do mesmo título elaborada, em 1565, por Rodrigo Sáenz
de Santayana. Pode-se destacar, ainda, os tratados de navegação do já citado Pedro de
Medina, como a Suma de Cosmographia, de 1550, que auxiliou a instrução dos pilotos, e
o Regimiento de navegación en que se contiene las reglas, declaraciones y avisos del
arte de navegar, de 1552, que traz um breve resumo sobre a maneira de se navegar, bem
como os Dos libros de Cosmographia, de 1556, do matemático e cosmógrafo Jerónimo
Giraba.530 A produção de maior peso, contudo, aparece nas décadas finais do século XVI,
quando os avanços dos estudos marítimos proporcionados pelas ações da Coroa e de suas
instituições são mais sentidos entre os teóricos dessa época.531 Aí temos a Cronologia y
repertorio de la Razón de los tempos, escrita, em 1575, pelo titular da cadeira de
cosmografia Rodrigo Zamorano, cosmógrafo que acumulou as funções de Piloto Mayor e
Cosmógrafo de fazer cartas e instrumentos da Casa de Contractación, entre 1575 a 1613,
o seu Compendio de la arte de navegar, de 1581, e a tradução elaborada para o
castelhano de Los seis libros de la geometria de Euclides, datada de 1576. No mesmo
período, aparece a obra Instrucción náutica para el buen uso y regimento de las naos, su
traza y gobierno conforme a la altura de Mexico, publicada, em 1587, no México, pelo
jurista Diego García de Palacio, e o Regimiento de navegación, texto em formato curto,
escrito por Andrés García de Céspedes e que alcançou a versão impressa somente
posteriormente. Há, ainda, os tratados para ensinar os usos dos instrumentos náuticos,
como o Tratado de un instrumento para conocer la nordesteación de la aguja de marear,
de Andrés del Río Riaño, escrito, em 1585, e o Regimiento náutico, de Juan Bautista 530 LÓPEZ PIÑERO, José María. Ciencia y técnica en la sociedad española de los siglos XVI y XVII, p. 161, 162. 531 A proximidade com Portugal durante a União Ibérica permitiu a Felipe II travar contato com os principais especialistas da navegação e das áreas relacionadas, como Juan Bautista Lavaña, cosmógrafo português nomeado para ocupar um cargo oficial. Cf. CONTENTE DOMINGUEZ, Francisco. João Baptista Lavanha e o ensino da náutica. In. As Novidades do Mundo. Conhecimento e Representação da Época Moderna. Oitavas Jornadas de História Ibero-Americana e XI Reunião Internacional de História da Náutica e da Hidrografia. Lisboa: Edições Colibri, 2002, p. 118.
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Lavaña, de 1585, que orientava e aconselhava navegantes e marinheiros. E, finalmente, o
Tratado del Arte de Navegar, composto pelo matemático Diego Pérez de Mesa, em 1595,
que não alcançou a publicação.
A relação dessas e de outras produções elaboradas durante todo o século de ouro
espanhol é indicativa do interesse da Coroa pelas matérias cosmográficas, pela navegação
e pela cartografia. Se, durante o reinado de Carlos V, a preocupação foi estabelecer um
aparato institucional para administrar os assuntos marítimos, com a criação da própria
Casa de Contractación e dos cargos associados, no governo de Felipe II, porém, o
objetivo passa a ser a conquista de uma navegação segura por meio de um investimento
maior na formação dos pilotos e no aperfeiçoamento das técnicas e dos instrumentos
náuticos.532 A Coroa buscava, assim, tornar mais viável o percurso marítimo para as suas
embarcações, sobretudo nesse momento em que há um maior contato com as suas
possessões de ultramar. O que foi possível, vale redizer, graças ao alinhamento entre a
experiência daqueles que viajaram e relataram as suas viagens e os estudos elaborados
pelos especialistas que tiveram contato com esses escritos. Nesse caso, o resultado foi a
produção mais intensa de tratados sobre a arte de navegar, a atualização de cartas e de
mapas utilizados nas viagens, bem como a confecção e o ajuste dos instrumentos
marítimos.533 A esse respeito, o Consejo de Indias iniciou, em 1591, uma reforma
encomendada por Antonio de Herrera ao Cosmógrafo Mayor para modificar alguns
objetos náuticos e, um pouco depois, em 1593, foi a vez da Casa de Contractación
elaborar um documento intitulado Relación de las cosas que los señores Presidente y
Juizes de la Casa de Contractación de Sevilla han resuelto se debe hazer en la
reformación de los instrumentos tocantes a la navegación que su magestad y su Real
Consejo de Indias han mandado mirar, em que requeria o conserto dos instrumentos
utilizados nas viagens para as Índias que a experiência mostrava ser ineficazes. Andrés
García de Céspedes, Cosmógrafo Mayor, acompanhou pessoalmente a dita reforma e 532 Segundo Francisco José González, a criação do cargo de Piloto Mayor, em 1598, deveria oferecer uma formação teórica e prática aos mestres e pilotos que conduziam as naus para as Índias. No entanto, o curso acabava por ser incompleto e grande parte dos pilotos eram aprovados para o ofício sem a formação adequada. É, pois, durante o governo de Felipe II que há um incentivo maior para instruir esses pilotos e capacitá-los adequadamente para o cargo. Cf. JOSÉ GONZALEZ, Francisco. Astronomía y navegación en España. Siglos XVI-XVIII. Madrid: Editorial Mapfre, 1992. 533 VICENTE MAROTO, Maria Isabel. El arte de navegar. In: MARTÍNEZ RUIZ, Enrique (Dir.). Felipe II, la ciencia y la técnica, p. 368.
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publicou seus resultados no Regimiento de tomar altura del polo e no Regimiento de
navegación, em 1606.534 Com essas medidas, a Casa de Contractación foi além das suas
funções administrativas inicialmente propostas durante o reinado de Carlos V e operou de
maneira significativa para o avanço dos estudos e das práticas de navegação nessa época.
Academia Real Mathematica
Em continuidade da sua política de instruir os funcionários da Coroa, Felipe II
autoriza, em 1582, a construção da Academia de Matemática de Madrid para prover,
segundo suas palavras, “nosso reino de homens expertos que entendam bem as
matemáticas, a arte da arquitetura e as outras ciências e faculdades anexas”.535 O monarca
entendia que o número de profissionais capacitados para ocupar os cargos oferecidos pela
Casa de Contractación e para trabalhar nos ofícios que exigiam um conhecimento mais
técnico não era suficiente. A Academia de Matemática, nesse caso, deveria atuar ao lado
dessa instituição para suprir a carência desses profissionais, oferecendo, nesse sentido,
uma formação adequada nas áreas relacionadas à matemática, tais como a arquitetura, a
engenharia, a cartografia, a cosmografia, a maquinaria, a artilharia, a arte militar e,
principalmente, a arte de navegar. A matemática, aliás, era considerada, pelos letrados
desse período, como o acadêmico espanhol Pedro Simón Abril, como a disciplina da qual
se derivavam todas as outras e, por isso, a que se deveria “aprender primeiro” porque,
sem ela, “faltariam engenheiros para as coisas de guerra, pilotos para as navegações,
arquitetos para os edifícios e fortificações”, o que significaria um “desserviço da
majestade real diante de toda nação”.536
Projetada por Juan de Herrera, Aposentador Mayor de Felipe II que esteve a cargo
534 VICENTE MAROTO, Maria Isabel. El arte de navegar. In: MARTÍNEZ RUIZ, Enrique (Dir.). Felipe II, la ciencia y la técnica, p. 366. 535 Cédula da criação da Academia de Matemática, 1582. In: ESTEBAN PIÑERO, Mariano. Las academias técnicas en la España del siglo XVI. Quaderns D’història de l’enginyeria, Cataluña, v. V, 2002/2003. 536 PEDRO SIMÓN ABRIL apud LÓPEZ PIÑERO, 1979, p. 169.
145
dessa instituição até 1590,537 a academia surge como uma instituição complementar à
Casa de Contractación de Sevilha e que atenderia melhor às necessidades do rei ao
dispor de um cosmógrafo e de um matemático na corte. Com um plano de ensino
específico apresentado na Institución de la Academia Real Mathematica, datada de 1584,
Herrera define o objetivo de ensinar um conjunto de saberes mais técnicos aos seus
frequentadores. Para tanto, dispunha dos melhores quadros de professores e de titulares
espanhóis que ainda não estavam associados à Casa de Contractación e dos mais
reconhecidos nomes trazidos de Portugal, nesse tempo em que a União Ibérica colocou os
dois territórios sob o mesmo cetro. Nessa linha, Juan Bautista Labaña ou João Batista
Labanha, cosmógrafo português e membro da academia de Lisboa, foi nomeado para
ensinar as matérias referentes à náutica, e Pedro Ambrósio de Onderiz, matemático
espanhol, para ensinar cosmografia e traduzir os textos do latim, visto que se havia
determinado que as aulas ministradas na Academia de Matemática seriam dadas em
castelhano, com a meta de abarcar um maior público de alunos. O trabalho
desempenhado por Labaña rendeu dois tratados importantes, o Tratado del arte de
navegar e o Tratado de arquitectura naval, obras publicadas nessa época pelas prensas
da própria academia e que serviram de fonte para as suas aulas sobre o tema. Já o
trabalho de Onderiz como catedrático nessa instituição resultou nas traduções das obras
clássicas, como a Perspectiva y especularia e os Siete libros primeiros, de Euclides, os
Sphericos, de Teodosio, e os Equiponderantes, de Archimedes.538 Junto a esses escritos
produzidos no âmbito da academia, a Espanha de finais do século XVI conheceu, entre
diversas obras, o Compendio de la arte de navegar, de Rodrigo Zamorano, publicado em
1581, a Hidrografia, de Andrés Río Riaño, publicada em 1585, a Instrucción náutica, de
Diego García de Palacio, de 1587, o manuscrito Libro de las longitudes, do cosmógrafo
oficial Alonso de Santa Cruz e o Itinerario de la navegación de los mares y tierras
occidentales, de Juan Escalante de Mendoza, em que retrata a sua experiência no
537 “Como Aposentador Mayor de Palacio a cargo do alojamiento del rey, tenía acceso a éste sin restricciones, lo que supone una posición honorable en la actividades de la corte”. WILKINSON-ZERNER, Catherine. Juan de Herrera: arquitecto de Felipe II. Madrid: Ediciones Akal, 1996, p. 9. 538 ESTEBAN PIÑERO, Mariano. La Academia de Matemáticas de Madrid. In: MARTÍNEZ RUÍZ, Enrique. Felipe II, la ciencia y la técnica, p. 124.
146
percurso marítimo para as Índias.539 Trata-se do período em que se publicou mais obras
sobre o tema da navegação no território ibérico, com numerosas edições de textos sobre
matemática, cosmografia, astrologia e geografia, que se dividiam entre livros inéditos
produzidos nessa época e livros clássicos com versões traduzidas e atualizadas.
Além dos escritos produzidos no âmbito da academia, há notícia, também, da
fabricação e invenção de diversos instrumentos para o uso contínuo nas aulas práticas,
como os objetos náuticos utilizados nos cursos sobre a arte da navegação e que serviram,
posteriormente, para o uso dos próprios mestres e pilotos em suas viagens marítimas.
Produções como essas elevaram o papel da academia no desenvolvimento dos saberes
relacionados aos temas marítimos que tanto interessavam à Coroa nesse período. Ao lado
da Casa de Contractación, essa instituição contribuiu para o desenvolvimento dos
estudos de cartografia, cosmografia e engenharia com atividades de ensino e de produção
do conhecimento.540 A Academia de Matemática, nessa linha, teve um papel destacado
nesse período, porque, embora a formação de profissionais técnicos não tenha sido
exitosa como Juan de Herrera inicialmente pretendera, já que os alunos não adquiriram a
instrução necessária para se tornarem especialistas em dadas matérias, os estudos
empreendidos nos seus espaços contribuíram para o progresso das atividades marítimas
nesse período. Com o domínio das técnicas de navegação foi possível percorrer o
território peninsular americano, um dos objetivos pretendidos pela Coroa, e conhecer
melhor a geografia e as riquezas naturais.
Criadas no contexto das descobertas ultramarinas, essas instituições estiveram
alinhadas à busca de novos conhecimentos promovida por Carlos V e intensificada no
governo de Felipe II. Nos capítulos finais, discutiremos como a conquista desses
conhecimentos serviu de mote para que a Coroa e os próprios espanhóis construíssem a
boa reputação nessa época. Por meio de uma vasta produção escrita, letrados e
funcionários reais buscaram exaltar tais conquistas com o objetivo de ser reconhecidos
pelos demais europeus, sobretudo nesse momento em que as primeiras linhas da chamada
539 LÓPEZ PIÑERO, José María. Ciencia y técnica en la sociedad española de los siglos XVI y XVII, p. 204, 205. 540 ESTEBAN PIÑERO, Mariano. Las academias técnicas en la España del siglo XVI, p. 15.
147
Leyenda Negra começavam a ser escritas.541
Plus ultra: ir mais além
Los limites de España dilatando, Cumpliendo del Plus Ultra el alto agüero Conquista, escribe y doma con su acero Del rebelde gentil la fuerza, el mando. (Pedro Liñan de Riaza – Soneto a D. Bernardo de Vargas)
Ya tan alto principio en tal jornada, os muestra el fin de vuestro santo zelo, y anuncia al mundo para más consuelo un Monarca, un Imperio y una Espada. (Hernando de Acuña – Varias poesías)
Na dedicatória a Carlos V, no Breve compendio de la Sphera y arte de navegar,
Martín Cortés menciona os avanços alcançados nessa época durante o governo do
monarca espanhol:
Em vossos felicíssimos tempos parece que Espanha tem renovado e em todas as artes mecânicas se poliu e melhorou; floresceu nas letras e engrandeceu em armas e aquelas que delas carecia [...]. Não é de calar que com vossos prósperos auspícios se descobriram terras e ilhas tão ignotas que jamais cosmógrafos, geógrafos, nem historiadores souberam delas e nem ouviram seus nomes.542
Nesse mesmo período, o cosmógrafo Pedro de Medina apresenta no Libro de grandezas e
cosas memorables de España, de 1548, semelhante argumento acerca dos progressos
conquistados: 541 A expressão Leyenda Negra aparece pela primeira vez, em 1913, no trabalho La ilustracción española y americana, de Julián Juderías. Trata-se de um termo empregado pelos historiadores espanhóis para denominar um conjunto de textos elaborados no século XVI por diversos autores estrangeiros contrários à Espanha. 542 CORTÉS, Martín. Breve compendio de la Sphera y de la arte de navegar, p. 2, 3. Grifos meus.
148
Com a navegação se descobriu mares nunca navegados e terras incógnitas nunca sabidas nem ouvidas. Em tanta maneira que, por muita grandeza com justa razão chamam Novo Mundo. E não somente tem sido nossos espanhóis suficientes e poderosos para descobrir e conquistar o novo mundo, mas também povoá-lo, sustentá-lo e ampliá-lo [...] e é tanto o que possuem que se pode tomar por muito certo que é mais quantidade de terra a que de descobriram e ganharam que a toda parte do mundo que antes se sabia.543
Embora escrevessem com diferentes propósitos, os dois cosmógrafos utilizam o espaço
de suas obras para ressaltar os ganhos alcançados pela Coroa espanhola nas décadas
iniciais do século XVI. Como antes referido, os esforços empreendidos pelos espanhóis,
como o aperfeiçoamento das artes mecânicas, das letras e das armas, bem como a
expansão territorial, promoveram significativos avanços nas áreas do saber que fizeram
com que seus feitos fossem vistos como superiores em relação aos de seus
antepassados.544
Tal impressão construída pelos espanhóis, de que eles protagonizaram grandes
conquistas, destaca-se, no meio letrado, logo nas primeiras décadas do governo de Carlos
V, quando as descobertas divulgadas nos relatos mostraram aos europeus que a Ilha da
Terra em que habitavam não estava encerrada por um oceano intransponível. A notícia de
que os viajantes haviam rompido com os limites do mundo, ao navegar para além das
marcas fixadas pelos antigos, contribuiu para promover as bases de uma monarquia
universal545 que vinha sendo desenvolvida pelo chanceler do rei Mercurino Arborio di
Gattinara.546 Com um domínio que se estendia por quase toda a Europa, partes da África
e alcançava o Novo Mundo, Carlos V seria o patrono de um império que nunca se viu
543 MEDINA, Pedro. Libro de grandezas y cosas memorables de España, p. 8. Grifos meus. 544 CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. Nature, Empire and Nation, p. 18. 545 A monarquia universal compreendia todos os domínios conquistados pelos reis espanhóis, como escreve o cronista Gonzalo de Oviedo: “a bandeira de Espanha celebrada pelas mais vitoriosas, acatada pela mais gloriosa, temida pela mais poderosa e amada pela mais digna de ser querida no universo. E assim nos ensina o tempo e vemos palpável o que nunca debaixo de céu se viu até agora no poderio e alta majestade de algum príncipe cristão. E assim se deve esperar o que está por adquirir e vir ao acúmulo da monarquia universal de nosso César [...] e que não faltará nem reino, nem seita, nem gênero de falsa crença que não seja humilhada e posta debaixo de seu jugo e obediência”. FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 157. 546 KAGAN, Richard. Los cronistas y la corona, p. 98.
149
desde a era de Carlos Magno. Não à toa, aconselhado pelo humanista e médico pessoal
Luigi Marliano, elege as colunas de Hércules unidas com uma lã dourada que trazia
escrita a mensagem plus ultra, isto é, “mais além”,547 para estampar o escudo de armas da
monarquia.548 As colunas representavam o estreito de Gilbratar, onde supostamente se
pensava terminar o mundo, e a mensagem indicava que o monarca espanhol tinha ido
além dos limites estabelecidos pelos antigos ao ultrapassar a imaginária fronteira. O
desenho gravado no escudo simbolizava, pois, essa conquista.549
O emblema do Plus Ultra, reproduzido em outros locais de destaque, como na
fachada da Universidade de Salamanca, importante centro de saber, sintetizava a imagem
que a Coroa buscava transmitir nessa época.550 Uma imagem que tinha como foco não só
exaltar os grandes feitos empreendidos sob o cetro de Carlos V, mas, também, legitimar
as suas ações, especialmente aquelas referentes à América, nesse tempo em que a história
era um dos meios para resguardar a reputação da monarquia. Contribuiu, para isso, além
dos relatos produzidos sobre as descobertas, que analisaremos mais detidamente em um
segundo momento, uma vasta produção de histórias oficiais encomendadas pelo rei. A
pedido de Carlos V, Antonio de Guevara começa sua crônica para contar os
acontecimentos ilustres ocorridos no reinado, fazendo uso das Decadas, recém-escritas
547 A expressão Plus Ultra adicionada por Carlos V em seu brasão das armas de Espanha referia-se, na verdade, à expressão original Non Terrae Plus Ultra, que quer dizer “Não há mais terras além”. Com as descobertas e a passagem por Gibraltar, a expressão ganha novo significado para indicar que havia terras “Mais além” de onde os antigos chegaram. 548 O lema Plus Ultra se prolonga durante os reinados seguintes e aparece cunhado em uma medalha da época, datada de 1585, com a imagem do monarca Felipe II e a inscrição em latim Philipp II hisp et novi orbis rex (Felipe II, rei da Espanha e do Novo Mundo), também está no avesso de um globo terrestre com a legenda Nom sufficit orbis (o mundo não é o bastante) e em um desenho português de uma moeda com a frase Plus ultra. Já no reinado de Felipe III, o lema volta à cena no frontispício da obra Milícia y descripción de las Indias, ddatado de 1599, do soldado Bernardo Vargas Machuca, e na capa do Regimiento de navegación de Andrés García de Céspedes, datado de 1606. KAGAN, Richard; PARKER, Geoffrey. España, Europa y el mundo Atlántico. Homenaje a John H. Elliott. Madrid: Editorial Marcial Pons, 2001, p. 332. 549 In: FLÓREZ MIGUEL, Cirilo; GARCÍA CASTILLO, Pablo; ALBARES ALBARES, Roberto. La ciencia de la tierra, p. 40. 550 O relato Milicia y descripción de las Indias, composto pelo soldado espanhol e mestre de campo nas Índias, Vargas Machuca, publicado em 1599, traz, no frontispício, o seu retrato vestido com uma armadura militar portando, na mão esquerda, uma espada e, na mão direita, um compasso apontado para um globo terrestre sobre uma mesa com outros instrumentos cartográficos. Abaixo, na gravura, constam os seguintes dizeres: “Pela espada e pelo compasso. Mais e mais e mais e mais”. O desenho elaborado por Pedro Perret, para estampar a capa da obra – possivelmente datado de 1597, pois, Vargas Machuca requer, em 1598, a aprovação da publicação junto ao Consejo de Indias, mostra como o Plus Ultra preconizado por Carlos V se estende ao longo do século XVI e passa a ser revigorado nos escritos posteriores.
150
por Pero Martír de Anglería, sobre os sucessos na América e de textos deixados pelo
conselheiro Lorenzo Galíndez de Carvajal. O projeto desse cronista, contudo, não foi
adiante e a narrativa incompleta foi aproveitada pelo cronista oficial Alonso de Santa
Cruz ao compor a sua obra, em 1551, sobre o governo desse regente. No período em
questão, ordenado pela Coroa, o cronista régio Juan Guinés de Sepúlveda inicia a
Historiarum de rebus gestis Carolus V para registrar as realizações do imperador. A obra
busca reportar, segundo ele, uma “história das façanhas reais [feitas], nesta época, por
Carlos V, rei de Espanha e também imperador dos romanos, e pelos espanhóis”.551
Tratava-se de um relato sobre o crescente domínio espanhol e as surpreendentes
descobertas marítimas e territoriais realizadas até então. Um tema, aliás, melhor tratado
em outra obra, a De Rebus Hispanorum Gestis ad Novum Orbem, em que Sepúlveda
defende a conquista americana promovida pelos espanhóis em nome da Coroa.552
Aparecem, ainda, outras produções para exaltar as glórias alcançadas pela monarquia
espanhola, como os Comentarios de las guerras de Carlos V en Alemania, em que o
historiador Luiz de Ávila y Zúñiga chega a comparar o monarca a um novo Carlos
Magno, pelos grandes feitos e conquistas nessa época. O cronista oficial Pedro de Mexía,
em sua Historia de Carlos V, também se vale da comparação de grandes figuras ao
compor a sua boa imagem sobre o rei. Nas páginas dessa obra, iniciada em 1548, Carlos
V aparece como um novo Davi enviado pela providência para expandir o império
espanhol e salvar a cristandade.553
A tentativa de se criar uma história oficial que exaltasse as conquistas
empreendidas pela Coroa espanhola teve um grande apelo, contudo, durante o reinado de
Felipe II. Os letrados que compunham a rede de cronistas oficiais da Coroa eram
unânimes ao defender a confecção imediata de uma história que abarcaria as passagens
ilustres desse período. Esteban de Garibay, por exemplo, opina, em seu esboço sobre o
reinado de Felipe II, que “todas as monarquias, reinos e repúblicas do mundo, governadas
com prudência e boas leis, procuraram perpetuar seus louváveis feitos mediante as
551 SEPÚLVEDA, Juan Guinés de. Historia de Carlos V. In: Obras Completas. Ayuntamiento de Pozoblanco, 2003, p. 3. 552 Cf. KAGAN, Richard. Los cronistas y la corona, p. 120. 553 CF. KAGAN, Richard. Los cronistas y la corona, p. 127.
151
histórias por não haver outra via durável para sua conservação”.554 Cabia ao monarca,
segundo esse historiador, ordenar a escrita de histórias em seu reino para atingir esse
mesmo fim: o reconhecimento e a glória pelas coisas realizadas. Uma escrita que deveria
incluir, segundo Garibay, os espanhóis que auxiliaram Felipe II na concretização dos seus
feitos, como os arcebispos, membros dos conselhos reais, vice-reis, catedráticos e
homens de letras, bem como os cavaleiros e capitães que com constância serviram ao
rei.555 Parece ter sido exatamente essa a história produzida pelo Cronista Mayor de
Indias, Antonio de Herrera, após o pedido oficial da Coroa. Aproveitando-se do esboço
elaborado por Garibay, esse cronista escreve a primeira história geral da Espanha para
contar todos os eventos sucedidos no governo de Felipe encenados nos domínios
europeus e partes da Ásia, África e da recém-incorporada América. A narrativa destaca a
expansão geográfica do império espanhol, incluindo as regiões americanas, e mostra até
onde a Coroa tinha estendido o seu poder, isto é, muito além dos limites do mundo
conhecido. Herrera buscava não apenas perpetuar “os feitos dos castelhanos nas Ilhas e
Terra Firme do Mar Oceano”, conforme revela no título da obra, mas, também, legitimar
a conquista do Novo Mundo e os direitos da Espanha sobre esse território.556
Tal defesa do império espanhol deve ser entendida, todavia, nesse momento em
que as críticas à política dirigida pela Coroa espanhola na Europa e na América
ganhavam cada vez mais adeptos. Tendo como ponto de partida a imagem negativa dos
conquistadores deixada pela obra do dominicano Bartolomé de Las Casas, a Brevísima
relación de la destrucción de las Indias, publicada em Sevilha, na data de 1552, e logo
difundida em outros lugares,557 diferentes autores europeus divulgaram suas opiniões
contrárias à Espanha e, naturalmente, aos espanhóis.558 O italiano Girolamo de Benzoni,
por exemplo, utilizou a sua Historia del Mondo Nuevo, em 1565, para denunciar os
554 O esboço da história do reinado de Felipe II de Esteban de Garibay está contido na obra de Richard Kagan El rey recatado: Felipe II, la historia y los cronistas del rey. Cf. KAGAN, Richard. El rey recatado: Felipe II, la historia y los cronistas del rey. Valladolid: Universidad de Valladolid, 2002. 555 KAGAN, Richard. Los cronistas y la corona, p. 207. 556 KAGAN, Richard. Los cronistas y la corona, p. 249. 557 Escrita por um religioso que esteve pessoalmente nas Índias, a Brevísima relación alcançou grande éxito entre o público europeu, sendo publicada em diferentes partes, como na França (1579), na Inglaterra (1583), na Holanda (1593) e nas partes alemãs (1597). 558 Esguerra lista uma série de adjetivos negativos que foram empregados nesse momento para depreciar a figura do español: “intolerante, ambicioso y cruel, dedicado a matar amerindios”. Cf. CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. Cómo escribir la historia del Nuevo Mundo, p. 227.
152
espanhóis como cruéis e fanáticos religiosos em razão da conquista e colonização das
Índias.559 Um pouco depois, em 1581, o inglês Guilherme de Orange, em disputa com o
monarca espanhol, criticou duramente as ações de Felipe II na sua Apologie ou Défense
du très illustre Prince Guillaume, que foi amplamente difundida nesse período.560 E, em
1587, foi a vez do francês Louis Mayerne de Tourquet se valer da sua Histoire géneral de
l’Espagne, impressa em Paris, para difamar os espanhóis e a política da Espanha nos
domínios exteriores.561
É, pois, a necessidade de se rebater essas e outras críticas que ameaçavam a
reputação da monarquia espanhola e, ao mesmo tempo, registrar os feitos dignos de
memória o que explica a urgência da história encomendada a Antonio de Herrera. Mais
precisamente, a fabricação de histórias oficiais deveria iluminar as grandes conquistas
protagonizadas pelos espanhóis nessa época, mas, também, suavizar a imagem negativa
divulgada nos textos dos detratores europeus. Nesse caso, além da obra mencionada de
Herrera, a versão elaborada por Juan de Velasco sobre a passagem dos espanhóis nas
Índias, já aqui citada, também aparece para exaltar os feitos da Espanha em contraposição
ao que escreviam os inimigos externos. Velasco, aliás, na condição de cronista oficial do
Consejo de Indias, estimulou o rei Felipe II a patrocinar a produção de uma história como
forma de registrar os sucessos alcançados e de proteger a reputação da Espanha dos seus
opositores, uma história, segundo aventa, que privilegiasse os feitos ilustres frente aos
fatos que não mereciam ser lembrados. Aliado a isso, a comissão que integrava a
chamada Junta Grande para tratar dos assuntos administrativos da Coroa não deixou de
recomendar ao monarca “o quanto convinha a seu serviço e à verdade das coisas e
sucessos tão assinalados [...] que se tratasse com cuidado de escrever a história deles com
559 A obra Descubridores y conquistadores de America, de Richard Konetzke, considera que a Leyenda Negra nasce una Itália com uma forte oposição à expansão espanhola e ao tratamento dado aos índios da América. KONETZKE, Richard. Descubridores y conquistadores de América, p. 10. 560 A Apologie de Guilherme de Orange é considerada por muitos historiadores como a primeira obra da chamada Leyenda Negra criada contra os espanhóis. De acordo com Domínguez Ortiz, a difusão de textos hostis à Espanha quinhentista começa no reinado de Felipe II, em razão de três fatos: a inquisição, a política exterior da coroa e o trato dos nativos. ORTIZ, Dominguez. España, tres milenios de historia. Madrid: Editorial Marcial Pons, 2004, p. 162. 561 As razões políticas e religiosas que estiveram por trás do ressentimento nutrido por parte dos europeus em relação aos espanhóis é explicada consideravelmente na obra La Leyenda Negra, do historiador Sverker Arnoldsson. Cf. ARNOLDSSON, Sverker. La Leyenda Negra. Estudios sobre sus orígenes. Gotemburgo: Acta Universitatis Gotheburgensis, 1960.
153
fundamentos verdadeiros”.562 Tudo isso mostra a preocupação compartilhada nessa época
de preservar o prestígio da monarquia e dos membros que a compunham frente ao
público presente e às gerações futuras.
Ilustrar as conquistas pelas armas e pelas letras
A memória das conquistas empreendidas nesse período esteve longe de ser,
contudo, fixada apenas por um único gênero textual, pois, além das histórias oficiais
acima mencionadas, também foi produzido um conjunto de textos sobre as Índias,
escritos, na maioria das vezes, por homens não contratados pela Coroa, que visavam
valorizar ainda mais os ganhos obtidos pela Espanha no Novo Mundo. Uma das obras
que representa esse tipo de escrita é a Historia general de las Indias, de Francisco López
de Gómora, em que são apresentadas, ao longo de toda a narrativa, as proezas alcançadas
pelos espanhóis nessa época. O capítulo final, intitulado Loor de españoles, traz uma
homenagem a esses homens, afirmando:
Tanta terra como tenho dito descobriram, andaram e converteram nossos espanhóis em sessenta anos de conquista. Nunca jamais rei nem gente andou e sujeitou em tão breve tempo como a nossa, nem fizeram e nem mereceram em armas e navegação, bem como na predicação do santo Evangelho e conversão de idólatras [como os espanhóis]. Por isso, são dignos de elogio em todas as partes do mundo. Bendito Deus que lhes deu tal graça e poder! Grande louvor e glória são de nossos reis e homens de Espanha.563
Gómora, mesmo não sendo um desses participantes das expedições conquistadoras,
figura entre os autores que, comprometidos com a reputação da monarquia, julgaram
importante reportar ao Velho Mundo notícias acerca das realizações dos espanhóis na
América. Na altura da obra em que o cronista orienta os tradutores a saberem como
traduzi-la para outras línguas, declara que todos precisam entender “as maravilhas e
562 Documento citado por Richard Kagan. Cf. KAGAN, Richard. Los cronistas y la corona, p. 186. 563 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo II, p. 258.
154
grandezas das Índias” descobertas pelos espanhóis com a finalidade de que esses feitos
repercutam em outros cantos da Europa.564 Manifesta uma opinião semelhante o soldado
Pedro Cieza de León ao declarar que
coisa é muito digna de notar que em menos tempo de sessenta anos se descobriu uma navegação tão longa, uma terra tão grande e cheia de tantas gentes, com montanhas muito ásperas e fragosas e por desertos sem caminho, e se conquistou e ganhou, e nelas povoou de novo mais de duzentas cidades. Certo é os que isso fizeram ser merecedores de grande louvor e de perpétua fama, muito mais do que a minha memória saberá imaginar e minha fraca mão escrever.565
À semelhança de Gómora, o referido cronista também pretendia eternizar as ações
notáveis dos espanhóis nas Índias, destacando, como antes mencionado, a descoberta e a
conquista do reino do Peru, a navegação pelo mar do sul contornando a costa americana,
a extensão da “santa fé” por essas partes do mundo que permitiram a conversão de todos
aqueles povos que habitavam as províncias e os reinos andinos, entre outras matérias.566
Os cronistas, ao lançarem luz sobre esses fatos, buscavam divulgá-los para que
fossem estimados pelos seus pares e pelos homens das gerações posteriores. Por estar
mergulhados em uma sociedade em que a fama era um valor cobiçado,567 já que por meio
dela as ações praticadas no presente ecoariam no futuro, esses autores procuravam tornar
os feitos famosos a partir do anúncio das suas histórias. Julgavam, conforme aparece em
seus relatos, que a fama era o verdadeiro prêmio aos que haviam levado a cabo tantas
descobertas e conquistas de terras nunca antes acessadas. No que diz respeito à
aclamação da fama, o autor da Historia verdadera de la conquista de Nueva España
parece ser, entre esses cronistas, o mais notório ao requerer, por meio da escrita, o
referido prêmio nas páginas finais da obra. Compondo um diálogo fictício entre ele e a
Fama, figura personificada568 que adquire voz própria no seu relato, o autor pede a ela
564 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias, Tomo I, p. 3. 565 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 124. 566 CIEZA DE LEÓN, Pedro. Crónica del Perú, p. 12. 567 Sendo um valor bastante cultivado pela Espanha do século XVI, a fama aparece não só nos textos históricos aqui referidos, mas também nas poesias épicas, nas novelas de cavalaria, nos romances e nos textos de teatro. 568 Cf. STRUBEL, Armand. Allégorie et littérature au Moyen Âge. Paris: Honoré Champion, 2002, p. 47.
155
que “levante mais a sua excelente e virtuosíssima voz para que, em todo o mundo, vejam-
se, claramente, as grandes proezas”569 dos espanhóis. No diálogo, o cronista solicita à
personagem Fama que impeça que as conquistas alcançadas sejam obscurecidas,
aniquiladas ou mesmo silenciadas pelos historiadores em suas obras, assim diz: “Oh,
excelente e tão soante ilustre Fama que, entre bons e virtuosos é desejada e louvada”,
mas, entre “maliciosos e pessoas que procuraram obscurecer nossos heroicos feitos” não
é ouvida.570
Em referência às histórias produzidas por Gómora, Paolo Jovio e Gonzalo de
Illescas, cujas versões apresentam os fatos protagonizados por um único personagem,
Hernán Cortés, como antes mencionado, o autor da Historia verdadeira... reclama por
uma narrativa que inclua todos os outros participantes desse evento.571 Cobra, portanto,
pelas recompensas prometidas aos que serviram a Deus e ao rei, tanto na conquista
quanto nos primeiros passos da colonização nas terras mexicanas, melhor dizendo, requer
as mercedes ou graças financeiras572 aguardadas pela camada baixa das expedições e a
glória ou fama eterna dada a todos os cavaleiros que, no passado, prestaram apoio ao
reino da Espanha.573 Embora os argumentos do cronista tendam a particularizar o seu
relato nas ações dos soldados, ele se propõe a destacar, tal como fizeram os seus
congêneres que escreveram sobre o mesmo tema, o que considerou ser as “grandes
proezas”574 dos espanhóis na América central com a finalidade de que estes obtenham
honra.575 A Historia verdadera... ganhou relevância justamente em razão de dois eixos
condutores do relato, a saber, a valorização dos feitos da Espanha e a menção aos
569 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 585. 570 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 584. 571 SERES, Guillermo. La conquista como épica colectiva, p. 22. 572 No caso específico da Historia verdadera…, o autor refere-se aos “repartimientos de indios da tierra” e de encomiendas que a coroa española havia dado ao marquês de Oaxaca, Hernán Cortés. DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 585, 586. 573 Como antes abordado, o desejo de ganhar honra e mercedes levou boa parte dos soldados espanhóis a se aventurarem nas Índias com a esperança do retorno vitorioso. A conquista da honra significava, pois, a mudança na posição social desses homens para um patamar mais elevado. 574 DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de Nueva España, p. 3. 575 De acordo com Lucien Febvre, no século XVI “existe uma noção de honra da qual se fala e que é tida em grande consideração. Mas a honra é uma espécie de projeção, fora do valente cavaleiro, fora do cavaleiro sem medo e sem mácula, de tudo que ele adquiriu como reputação por suas proezas, e de tudo que, desde então, valeu-Iheu por parte dos homens, consideração, respeito e, logo diremos, glória: palavra de humanista à italiana; em qualquer caso, renome”. FEBVRE, Lucien. Honra e Pátria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p. 125, 126.
156
personagens que empreenderam essas realizações a serviço de Deus e da majestade.
Ao lado dessa história, as Cartas de Relación, elaboradas, muito antes, por
Hernán Cortés, também trazem inúmeras passagens em que o conquistador expressa o
mesmo objetivo de celebrizar os espanhóis por meio de suas ações.576 Em uma dessas
passagens, ao descrever o contato pouco amistoso com os povos de Cempoal, declara o
cronista que, mesmo diante das dificuldades, buscava alcançar a “maior glória e honra
que até esse tempo nenhuma geração ganhou”.577 Essa ambição de Cortés também foi
reportada por seu capelão, Francisco López de Gómora, que afirma, no capítulo Oración
de Cortés a los soldados, presente na Historia de la conquista de Mexico:
[...] todo homem de bem e determinado quer e procura se igualar por próprias obras aos excelentes varões de seu tempo e ainda dos tempos passados. Assim é que eu empreendo uma grande e esplêndida façanha que será depois muito famosa, porque o coração me dá que temos de ganhar grandes e ricas terras, muitas gentes nunca vistas e maiores reinos que os de nossos reis. É certo que se estende o desejo de glória, que alcança a vida mortal [...], porque os bons mais querem honra do que riqueza.578
Tal impressão foi igualmente partilhada pelo cronista oficial da Nova Espanha, Francisco
Cervantes de Salazar, na altura em que relata, na Crónica de la Nueva España, as razões
proclamadas por Cortés a seus companheiros para a realização da conquista:
[...] porque esteja claro que nessa jornada interessa o serviço de Deus, a redenção destes miseráveis, a submissão do demônio, o servir a nosso rei, o ilustrar vossas pessoas e enobrecer e afamar vossa nação, o ganhar glória e nome perpétuo, o aclarar vossos descendentes e outros muitos e maravilhosos proveitos que nem todos, mas qualquer um deles basta para inflamar e animar qualquer ânimo, quanto mais o do espanhol [...].579
576 Ao evocar a fama e a glória eterna nesses relatos, os cronistas estabelecem um diálogo direto com valores cultivados na Antiguidade. Tanto os autores gregos valorizavam a fama como forma de perpetuar a memória dos heróis em um futuro, caso de Homero, como os romanos perseguiam a glória por ser um bem maior dado a poucos. Cf. LIDA DE MALKIEL, María Rosa. La idea de la fama en la Edad Media castellana. México: Fondo de Cultura Económica, 2006. 577 CORTÉS, Hernán. Segunda Carta de Relación, p. 102. 578 LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia de la conquista de Mexico, p. 20. (Grifos meus). 579 CERVANTES DE SALAZAR, Francisco. Crónica de la Nueva España, p. 107. (Grifos meus).
157
Os conquistadores, ao realizarem o que Gómora chamou de “esplêndida façanha”,
almejavam para si e para o reino da Espanha a “glória e o nome perpétuo” na história.
Assumiam, assim, o compromisso de divulgarem essas novidades para aqueles habitantes
de outras partes do mundo a fim de que todos conhecessem e louvassem o quanto a Coroa
ampliava o seu território e “aumentava a cada dia”580 o domínio nas Índias. As letras,
nesse caso, serviriam como forma de edificar as grandes conquistas dos espanhóis –
militares, geográficas, marítimas e as concernentes às áreas do conhecimento –, tornando-
as vivas nos escritos produzidos nessa época. Serviriam, além disso, como um
instrumento para legitimar as ações lideradas pela Coroa espanhola e, naturalmente,
salvaguardar o prestígio do monarca, considerado, na época, a figura que representava
todo o reino.581 Pode-se inferir que as letras tiveram nessa sociedade um peso semelhante
ao das armas,582 pois, por meio delas, os espanhóis mantiveram a imagem elevada não só
da dinastia dos Habsburgo, à qual pertenciam Carlos V e Felipe II, mas, também, a
imagem grandiosa do que Cervantes de Salazar chamou acima de “nação”583 ao referir-se
à Espanha.584
O uso das letras como forma de enaltecer os feitos realizados também aparece nos
580 FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias, Tomo I, p. 9. 581 GARCIA SORIANO, Manuel. El conquistador español del siglo XVI. Argentina: Universidad Nacional de Tucumán, 1954, p. 81. 582 O exercício das armas e das letras como formas de servir ao rei e à nación é um lugar muito comum nos textos da época. Um bom exemplo vem de Jerónimo de Urrea, soldado espanhol que também atuou como escritor, produzindo, entre outros trabalhos, o tratado Diálogo de la verdadera honra militar. Que trata cómo se ha de conformar la honra con la conciencia, obra em que afirma esses dois ofícios. 583 O termo “nação” aparece em inúmeros textos espanhóis do século XVI, mas nem de longe pode ser interpretado com o mesmo sentido que o século XIX lhe atribuiu. Segundo Eric Hobsbawm, “antes de 1884, a palavra nación significava simplesmente um agregado de habitantes de uma província, de um país ou de um reino”, a partir de 1884, o Dicionário da Real Academia Espanhola define pela primeira vez a palavra nación como um “Estado ou corpo político que reconhece um centro supremo de governo comum e também o território constituído por esse Estado e seus habitantes considerados como um todo”. E, em 1925, o mesmo dicionário complementa a definição ao descrever nación como “a coletividade de pessoas quem têm a mesma origem étnica e, em geral, falam a mesma língua e possuem uma tradição comum”. HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1990, p. 27, 28. Complementarmente, Richard Kagan e Geoffrey Parker sugerem que a pátria ou nação remontam na maior parte à “una província o un principado más que por un Estado”. KAGAN, Richard; PARKER, Geoffrey. España, Europa y el mundo Atlántico, p. 33. 584 VEGA, María José. La idea de la épica en la España del Quinientos. In: VEGA, María José; VILÀ, Lara (Dirs.). La teoría de la épica en el siglo XVI, p. 134.
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poemas épicos que alcançaram grande progressão nesse período.585 O sucesso dessas
narrativas em verso, aliás, deve-se, em parte, à expansão do império e às conquistas
empreendidas que serviram de tema para uma vasta produção desenvolvida em solo
espanhol entre 1550 e 1650.586 Destacam-se, em meio aos diversos títulos, as obras La
Araucana (publicada em três partes, em 1569, 1578, 1589), de Alonso de Ercilla, De
Cortés valeroso y Mexicana (1588), obra conjunta de Gabriel Lasso de la Vega, Elegías
de varones ilustres de Indias (1589), de Juan de Castellanos, Armas antárticas, hechos de
los famosos capitanes españoles que se hallaron en la conquista del Peru (1608 e 1615)
e o poema de Fernando de Herrera. Nessas produções, conquanto os eventos abordados
não sejam coincidentes, dados os diferentes episódios escolhidos por cada autor, o
compromisso de escrever para valorizar as obras dos espanhóis prevalece em suas
páginas. Alonso de Ercilla, por exemplo, abre o canto I do seu poema sobre a batalha
entre espanhóis e araucanos, ocorrida durante a primeira ocupação do Chile, esclarecendo
que não pretende escrever o amor das “damas e dos cavaleiros apaixonados”, mas “o
valor, os feitos e proezas daqueles espanhóis esforçados”.587 Ao longo da narrativa, no
canto XXX, essa ideia fica mais clara ao sugerir que canta o triunfo das armas dos
espanhóis para que “sua gloriosa fama”, a exemplo dos antigos, estenda-se “nas penas de
escritores celebradas.” 588 Na sua esteira, Gabriel Lasso de la Vega, embora trate
especificamente das ações empreendidas por Hernán Cortés, durante os sucessos no
México, também busca valorizar os esforços dos espanhóis na América. No primeiro
canto, declara que entoa os “heroicos feitos, imortais glórias, singulares façanhas e
proezas, que eternizam Espanha as grandezas”.589 O mesmo pode ser visto nas Elegías,
de Juan de Castellanos, ao dizer, logo na dedicatória da obra, que escreve para que as
“façanhas esclarecidas” sejam conhecidas e “corram o mundo” dando “notícia de si aos
585 A épica culta teve grande éxito na Espanha entre 1550 e 1650 com mais de setenta poemas publicados. La araucana de Alonso de Ercilla, por exmeplo, alcançou 23 edições entre 1569 e 1632, abrindo caminos para a produção de outras obras do mesmo gênero. CHEVALIER, Maxime. Lectura y lectores en la España del siglo XVI y XVII, p. 106. 586 Ao lado dessas produções, Portugal também contou com a épica Os Lusíadas, publicada, em 1578, para narrar os heroicos feitos portugueses durante os descobrimentos marítimos. 587 ERCILLA Y ZÚÑIGA, Alonso de. La araucana. Chile: Imprenta Elzeviriana, 1919, p. 2. 588 ERCILLA Y ZÚÑIGA, Alonso de. La araucana, p. 471. 589 LASSO DE LA VEGA, Gabriel. De Cortés valeroso y Mexicana. Madrid: Editorial Iberoamericana, 2005. Canto I.
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desejosos de saber feitos célebres e grandiosos”.590 Nessa mesma parte, complementa
com a afirmativa de que busca “consagrar o senhor universal daquelas terras” e levar
outros a “pôr em escrito feitos dignos de ser eternizados em serviço de Vossa Majestade”.
Proposta que fica melhor evidenciada no próprio corpo do poema, com os dizeres:
Com os efeitos pois de tais manhas A pregoar começa os mistérios Engrandecidos feitos e façanhas Deste que descobriu novos impérios Não somente por nossas Espanhas Mas por muitos outros hemisférios E posta de joelhos e prostrada A nossos reis deu tal embaixada Príncipes de virtude pura e inteira, Católicos e bem-aventurados, Eu sou aquela Fama pregadora De todos os presentes e passados. Entre os eles fui nascida e na era Que os primeiros foram engendrados, Fazendo manifesto os renomes, Feitos e condições dos homens.591
Ao tocar na importância de escrever os feitos notáveis para que se guarde, segundo
enuncia, o nome e as obras de quem os realizou, Lasso de la Vega cumpre uma das
tarefas centrais do fazer história. A poesia épica, nesse caso, aproxima-se do gênero
histórico ao retomar alguns dos seus preceitos na composição da narrativa,592 como o
registro das obras ilustres, a escrita de eventos verdadeiros, a pretensão de transmitir
modelos exemplares com a menção de grandes personagens, a consulta de documentos
fiáveis e a consideração dos testemunhos que estiveram presentes nos acontecimentos.593
Gabriel Lasso de la Vega se vale de alguns desses preceitos na composição do seu
poema, chegando a afirmar, em certa altura da obra, que a sua escrita “guarda o rigor que
590 CASTELLANOS, Juan de. Elegías de varones ilustres de Indias. Madrid: Biblioteca de autores españoles, 1857, p. 1. 591 CASTELLANOS, Juan de. Elegías de varones ilustres de Indias, p. 21. 592 Ainda que o gênero épico traga elementos ficctícios à narrativa, próprios da poesia, possui semelhanças consideráveis com o gênero histórico. 593 Cf. VEGA, María José. La idea de la épica en la España del Quinientos. In: VEGA, María José; VILÀ, Lara (Dirs.). La teoría de la épica en el siglo XVI.
160
pede a história”.594 Alonso de Ercilla, por sua vez, além de se apresentar como um
observador presente nos acontecimentos contados em La Araucana, assinala, na segunda
parte do texto, o dever de “caminhar sempre pelo rigor de uma verdade”595 na escrita
dessa história. Dessa forma, conciliando esses preceitos com elementos ficcionais
próprios da poesia, tais narrativas épicas buscam, enfim, exaltar a imagem da Espanha
pela realização de obras ilustres e grandiosas. Ao lado das histórias oficiais e dos relatos
sobre os descobrimentos, o texto épico é mais uma amostra de como essa sociedade
procurou representar, pelas letras, o que havia conquistado pelas armas.
CONCLUSÃO Não foram poucos os cronistas que buscaram transmitir as novidades sobre o
ambiente natural explorado durante a passagem dos espanhóis pelo Novo Mundo. Mesmo
aqueles que estiveram motivados a narrar especificamente as ações militares, como o
soldado Bernal Díaz del Castillo, ou ainda aqueles que nunca estiveram nessa região e
valeram-se do testemunho alheio para se informar, como Francisco López de Gómora,
reservaram um espaço significativo em suas obras para dissertar sobre essas matérias. O
nome mais expressivo talvez seja o do cronista oficial Gonzalo Fernández de Oviedo que, 594 De acordo com Maravall, a honra ou a fama almejada pelos espanhóis quinhentistas era um dos eixos dessa sociedade tradicional e a sua busca estava relacionada ao modo como a Espanha e os espanhóis seriam vistos pelos olhos dos europeus. MARAVALL, José Antonio. Poder, honor y elites en el siglo XVII. Madrid: Siglo Veinteuno Editores, 1984, p. 15. 595 ERCILLA Y ZÚÑIGA, Alonso de. La araucana, p. 260, 261.
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depois de passar um longo período na América exercendo diversas funções, elaborou dois
estudos em que descreve, de maneira detalhada, os aspectos naturais observados nessa
região. Neles, o cronista narra todas as maravilhas que, em sua opinião, estavam ocultas
aos homens, isto é, não eram do conhecimento dos grandes pensadores.
Outros cronistas procuraram, como Oviedo, contar em seus relatos não apenas a
descoberta de um Novo Mundo localizado na região dos trópicos, mas também a
existência de um território rico em diversidades naturais. Em diálogo com os autores
clássicos, os cronistas mostraram, nos seus escritos, que a tese defendida pelos antigos,
segundo a qual as zonas da Terra não poderiam ser acessadas pelo mar e tampouco
habitadas em razão das temperaturas extremas, estava equivocada. Os aventureiros e
viajantes, como religiosos, soldados, capitães, conquistadores e burocratas, puderam
notar que, ao contrário da crença mantida pelos seus antepassados, era possível navegar
pelas águas do “mar tenebroso” e passar pelas correntes dos trópicos com suas
embarcações. Os espanhóis constataram, a partir da experiência adquirida nas viagens,
que a terra recém-descoberta era, desse modo, uma grande extensão provida de rios,
mares, espécies diferentes de plantas e de animais, bem como de um clima ameno que
predominava em quase toda a sua superfície. Conforme, pois, os cronistas foram
apreendendo esses aspectos naturais, puderam concluir que essa parte do mundo
encontrada era muito diferente da imagem fixada pelos autores da Antiguidade.
Com o anúncio dessas novidades, algumas teses clássicas foram contestadas na
medida em que letrados, diante da revelação de que havia uma quarta parte do mundo,
buscavam novas alternativas para os esquemas tradicionais que por tanto tempo tinham
vigorado. Mais precisamente, ainda que os textos da Antiguidade fossem a base do
conhecimento desses homens, como a cosmografia formulada por Ptolomeu, certas
noções foram, pouco a pouco, superadas a partir do momento em que as primeiras
notícias sobre as descobertas chegaram até os círculos acadêmicos e passaram a ser
validadas pelos estudiosos. A ideia de que o conhecimento somente poderia ser
encontrado na obra dos antigos foi igualmente superada, pois os exploradores dessa
época deram a conhecer fatos que, na opinião dos cronistas, não eram conhecidos nem
pelos mais cultos da Antiguidade. Sustentam os cronistas que as viagens tinham
proporcionado aos espanhóis, presentes ao longo do processo de conquista, condições
162
para observar e inquirir o que havia naquelas regiões da América. Dito de outro modo, os
cronistas julgavam que aqueles que participaram das expedições à América e, portanto,
experimentaram de perto todas essas coisas, poderiam oferecer dados mais seguros e
detalhados aos ausentes europeus.
O peso dado a essa referida experiência é melhor definido, contudo, pelo
navegador Duarte Pacheco Pereira ao declarar, na obra Esmeraldo de Situ Orbis,
publicada em 1508, ser ela a “madre de todas as coisas”.596 Ainda que se refira ao
contexto português, Pacheco considera a experiência de todos aqueles que viajaram,
melhor dizendo, de todos aqueles que levaram a cabo as descobertas ultramarinas, uma
via para conhecer a “verdade sobre as coisas”.597 Em diálogo com as teses antigas
formuladas pelos estudiosos citados em sua obra, como Ptolomeu, Pomponio Mela e
Joham de Sacrobosco, o navegador declara que a experiência havia mostrado os
equívocos das proposições sustentadas por esses astrônomos ao revelar novos dados que
lhes eram desconhecidos. Na sua esteira, o cronista espanhol Gonzalo de Oviedo também
se reporta à mesma experiência como forma de compreender as novidades reveladas com
as descobertas, chegando a colocar, em diversas alturas da sua história, que o
conhecimento livresco era insuficiente para explicar as novas matérias.
Além do anúncio da descoberta de um Novo Mundo, ponto alto desses relatos,
tais letrados divulgaram aos ausentes europeus um quadro geral para mostrar o que a
experiência nessas terras lhes havia mostrado. Os aspectos mais referidos pelos cronistas
são os dados acerca do ambiente natural dessas partes, com informações sobre as
diferentes espécies de animais, de plantas e de ervas que não constavam nos livros e nos
catálogos tradicionais. Acerca dos animais, por exemplo, os cronistas mencionam os tipos
que mais lhes chamaram atenção, como o manatí ou peixe-boi, espécie marinha que
surpreendeu Gonzalo de Oviedo por suas enormes proporções. De igual modo, as
crônicas fazem referência às plantas exóticas encontradas nessa localidade, como a
yayama ou piña tropical, descrita como uma das mais belas frutas já vistas, e o cacau ou
cacaguate, que recebe elogios pelas suas qualidades alimentícias e terapêuticas. Já no que
diz respeito às ervas, os cronistas listam aquelas que possuíam benefícios medicinais,
596 PACHECO PEREIRA, Duarte. Esmeraldo de Situ Orbis, p. 7. 597 PACHECO PEREIRA, Duarte. Esmeraldo de Situ Orbis, p. 103.
163
como a erva perebecenuc, utilizada para o tratamento das mais diversas chagas, o
manguey, que, dentre inúmeras virtudes, servia para a cura de feridas, e a erva guayacán,
usada para remediar os efeitos do mal de las bubas, conhecida, nos dias de hoje, como
sífilis.
Ao registrar tais novidades, as páginas das crônicas conservaram não apenas os
conhecimentos gerais sobre a nova cosmografia apresentada em razão dos
descobrimentos, bem como, todavia, um importante repertório das riquezas naturais
americanas. Tais conhecimentos, além de abrir caminho para que muitos estudiosos e
especialistas da época formulassem novos trabalhos sobre esses temas, incentivaram
outros a viajarem até à América, em muitas ocasiões enviados pela própria Coroa, para
pesquisar mais a fundo essas matérias. A Coroa, aliás, teve um papel fundamental no
ordenamento desses novos saberes a partir da criação e da reestruturação de instituições
oficiais – como a Casa de Contractación, o Consejo Real y Supremo de Indias, Academia
de Matemática de Madrid e os Jardins Botânicos – que deveriam controlar as
informações obtidas na América pelos espanhóis e gerir os estudos sobre os temas
cosmográficos, cartográficos e naturais desenvolvidos nesse período. Produzidos dentro
desses centros oficiais e nas universidades, tais estudos promoveram um avanço nessas
diversas áreas do saber postas em cena nesse contexto das navegações e das grandes
descobertas.
Não à toa, ao lado das conquistas territoriais alcançadas pelos espanhóis, as
conquistas obtidas no campo do saber serviram de mote para que cronistas e outros
escritores espanhóis contassem os feitos da Coroa como superiores às grandes obras
realizadas pelas gerações do passado. Em uma época em que a história era utilizada para
a construção da boa imagem da monarquia, tais ações empreendidas forneceram conteúdo
para que esses letrados, melhor dizendo, aqueles que produziam a memória do reino,
divulgassem, em suas obras, os feitos alcançados nesse tempo. Não apenas as crônicas
escritas sobre o tema das descobertas contribuíram, desse modo, para divulgar as proezas
da Espanha, mas também as histórias oficiais confeccionadas dentro dos gabinetes reais e
os poemas épicos que melhor traduziram essas conquistas em suas páginas.
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• ZÁRATE, Agustín de. Historia Del Descubrimiento y Conquista Del Perú. Ed.
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Bernal Díaz del Castillo: nasceu em Medina del Campo, província de Castela e Leão, por volta de 1492, e faleceu em Santiago da Guatemala, vice-reinado de Nova Espanha, em 1584. Partiu para a América, em 1514, na expedição de Pedro Arias Dávila, quem havia sido recentemente nomeado para ocupar o cargo de governador e capitão general de Castilla del Oro. Em terras americanas participou de diversas expedições, como a expedição organizada por Hernán Cortés, em 1519, e as campanhas que levaram à queda de Tenochtitlán, em 1521. Narrou as campanhas em sua crônica somente 40 após os acontecimentos, quando já possuía 84 anos, em parte motivado pela obra do clérigo Francisco López de Gómara, de quem critica o fato de nunca ter pisado na América e de não conferir prestígio aos demais responsáveis pela conquista do México, para além de Hernán Cortés. A obra circulou manuscrita até ser publicada postumamente em 1632. Edições modernas:
• DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España. Madrid: Historia 16, 1984.
• DIAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva
España. 10. ed. Prologo de Carlos Pereyra. Madrid: Espasa-Calpe, 1997.
• DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España. Madrid: Real Academia Española, 2015.
• • DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la nueva
España. 25ª ed. Introducción y notas de Joaquín Ramírez Cabañas. México: Editorial Porrúa, 2011.
Francisco López de Gómara: nasceu em Gómara, Espanha, em 1511, e faleceu na mesma cidade, em 1566. Estudou em Alcalá de Henares, onde lecionou letras clássicas e ordenou-se sacerdote, viajando, posteriormente, à Roma. Em seu regresso, no ano de 1540, conheceu Hernán Cortés, de quem se tornou secretário e capelão. Apesar de não ter viajado à América, escreveu, a partir de dados obtidos com Cortés e de outros informantes, a Hispania Victrix, publicada, em 1552, dividida em duas partes, a Historia
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general de las Indias e a Historia de la conquista de México, na qual tratou dos descobrimentos e da conquista específica do México. A obra foi reimpressa nos anos seguintes e traduzida para vários idiomas, como italiano, em 1560, inglês, em 1578 e francês, em 1606. Edições modernas:
• LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco. Historia general de las Indias. Madrid: Editorial Espasa-Calpe, 1932, 2 v.
• LÓPEZ DE GÓMORA, Francisco. Historia general de las Indias: “Hispania
Victrix”, cuya segunda parte corresponde a la conquista de Méjico. Modernización del texto antiguo por Pilar Guibelalde; con unas notas prologales de Emiliano M. Aguilera. Barcelona: Editorial Iberia, 1954, 2 v.
• LOPEZ DE GOMARA, Francisco. Historia de la conquista de Mexico. Prólogo y
cronologia Jorge Gurria Lacroix. Venezuela: Biblioteca Ayacucho, 1997.
• LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco. Historia general de las Indias y Vida de Hernán Cortés. Prólogo y cronología, Jorge Gurria Lacroix. 2ª ed. Venezuela: Biblioteca Ayacucho, 1991.
• LOPEZ DE GOMARA, Francisco. La conquista de Mexico. Edición de Jose Luis
de Rojas. Madrid: Dastin, 2000.
• LOPEZ DE GOMARA, Francisco. Historia de Mexico, con el descvbrimiento dela nueua España, conquistada por el muy illustre y valeroso Principe don Fernando Cortes, Marques del Valle, escrita por Francisco Lopez Gomara, clerigo; añadiose de la nueuo descripcion y traça de todas las Indias... A Coruña: Orbigo, 2009.
• LOPEZ DE GOMARA, Francisco. La segunda parte de la historia general de las
Indias en que se contiene la conquista de México. A Coruña: Orbigo, 2010. Gonzalo Fernández de Oviedo y Valdés: nasceu em Madrid, em 1478, e faleceu em Valladolid, em 1557. De origem nobre, serviu a diversas cortes europeias e participou de campanhas militares. Viajou às Índias, em 1513, na expedição de Pedro Arias Dávila, quem havia sido nomeado governador de Castilla del Oro, para ocupar o cargo de escrivão. Na América, foi tenente, capitão e alcaide. Compôs o Sumario de la natural historia de las Indias, em 1526, e a sua mais importante obra, a Historia general y natural de las Indias, islas y tierra firme del mar océano, cuja primeira parte foi impressa em 1535 e a segunda, interrompida pela morte do escritor, somente editada por José Amador de los Ríos e publicada, em quatro volumes, pela Real Academia Española, no século XIX.
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Edições modernas:
• FERNANDEZ DE OVIEDO Y VALDES, Gonzalo. Sumario de la natural historia de las Indias. Edición de Nicolás del Castillo Mathieu. Santafe de Bogota: Instituto Caro y Cuervo/ Univ. de Bogotá “Jorge Tadeo Lozano”, 1995.
• FERNANDEZ DE OVIEDO Y VALDES, Gonzalo. Sumario de la natural
historia de las Indias. Edición, introducción y notas de José Miranda. México: Fondo de Cultura Económica, 1996.
• FERNANDEZ DE OVIEDO Y VALDES, Gonzalo. Historia general y natural de
las Indias: islas y tierra-firme del mar océano, por el capitán Gonzalo Fernandez de Oviedo y Valdés, primer cronista del nuevo mundo… Madrid: Imprenta de la Real Academia de la Historia, 1851-1855.
• FERNANDEZ DE OVIEDO Y VALDES, Gonzalo. Historia general y natural de
las Indias, islas y tierra-firme del mar Oceano. Prólogo de J. Natalicio González; notas de José Amador de los Ríos. Paraguai: Guarania, 1944-1945.
• FERNANDEZ DE OVIEDO Y VALDES, Gonzalo. Historia general y natural de las Indias. Edición y estudio preliminar de Juan Perez de Tudela Bueso. Madrid: Editorial Atlas, 1959.
• FERNANDEZ DE OVIEDO Y VALDES, Gonzalo. Historia general y natural de
las Indias. Edición y estudio preliminar de Juan Perez de Tudela Bueso. Madrid: Atlas, 1992, 5 v.
Hernán Cortés: nasceu em Medellín, na Extremadura, na data provável de 1485, e faleceu em Castilleja de la Cuesta, em 1547. Frequentou brevemente a Universidade de Salamanca, entre 1499 e 1501, quando desistiu dos estudos e regressou à casa de seus pais. Em 1504, parte para as Índias e desembarca em Santo Domingo, quando dá início à sua trajetória como explorador e conquistador de novas terras. Participou das expedições à ilha de Cuba e à costa de Yucatán, onde reuniu homens em uma expedição que seguiria até a ilha de Cozumel, em 1519, passando por Tabasco, San Juan de Ulúa, Villa Rica de la Vera Cruz, Cempoala, Tlaxcala, Cholula e, finalmente, o destino final: México Tenochtitlan. Pelos êxitos obtidos em terras americanas, Cortés foi nomeado primeiro marquês do Vale de Oaxaca, governador e capitão general da Nova Espanha. Descreveu sua viagem, sua chegada à Tenochtitlan e alguns dos eventos da conquista da região nas Cartas de relación enviadas ao imperador D. Carlos V, entre 1519 e 1521.
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Edições modernas:
• CORTÉS, Hernán. Cartas de relación de la conquista de México. 5ª ed. Madrid: Editorial Espasa-Calpe, 1970.
• CORTÉS, Hernán. Cartas de relación. Edición, introducción y notas de Angel
Delgado Gomez. Madrid: Cátedra, 1993.
• CORTÉS, Hernán. Cartas de relación. Ed. de Mario Hernandez Sanchez-Barba. Las Rozas: Dastin, 2000.
Pedro Cieza de León: nasceu em Llerena, região de Badajoz, na atual Espanha, provavelmente em 1518, e faleceu em Sevilha, em 1554. Partiu jovem para a América, onde, especialmente na região de Cartagena de Índias, participou de diversas expedições e desempenhou funções. Durante sua passagem pelo Peru, reuniu as informações a respeito da história dos povos da¡essa região e a atuação dos conquistadores. Retornou à Espanha, entre finais de 1550 e inícios de 1551, e apresentou a primeira parte de sua obra ao monarca D. Felipe II. Publicou em vida apenas a primeira parte de sua Crónica del Peru, em 1553, que logo foi traduzida para italiano e inglês. Escrita em quatro partes, os três volumes restantes foram impressos somente nos séculos XIX e XX. Edições modernas:
• CIEZA DE LEON, Pedro de. El señorío de los Incas: (2º parte de la crónica del Perú). Introducción de Carlos Aranibar. Lima: IEP, 1967.
• CIEZA DE LEON, Pedro de. La crónica del Perú. Prólogo por Sergio Elías Ortiz.
Bogotá: Ed. de la Revista Ximenez de Quesada, 1971.
• CIEZA DE LEON, Pedro de. El señorío de los incas. Edición de Manuel Ballesteros Gaibrois. Madrid: Dastin, 2000.
• CIEZA DE LEON, Pedro de. La cronica del Peru. Edición de Manuel
Ballesteros. Madrid: Dastin, 2000.
• CIEZA DE LEON, Pedro de. Descubrimiento y conquista del Peru. Edición de Carmelo Saenz de Santa Maria. Madrid: Dastin, 2001.
• CIEZA DE LEON, Pedro de. Crónica del Perú. El señorío de los Incas.
Selección, prólogo, notas, modernización del texto, cronología y bibliografía por Franklin Pease G.Y. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 2005.
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ANEXOS
LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco. Historia General de las Indias. Tomo I.
Madrid/Barcelona: Espasa-Calpe, 1932.
A Don Carlos, Emperador de Romanos, Rey de España, Señor de las Indias y Nuevo-
Mundo, Francisco López de Gómara, Clérigo.
Muy soberano Señor: La mayor cosa después de la creación del mundo, sacando
la encarnación y muerte del que lo crió, es el descubrimiento de Indias; y así las llaman
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Mundo Nuevo. Y no tanto le dicen nuevo por ser nuevamente hallado, cuanto por ser
grandísimo y casi tan grande como el viejo, que contiene a Europa, Africa y Asia.
También se puede llamar nuevo por ser todas sus cosas diferentísimas de las del nuestro.
Los animales en general, aunque son pocos en especie, son de otra manera; los peces del
agua, las aves del aire, los árboles, frutas, hierbas y grano de la tierra, que no es pequeña
consideración del Criador, siendo los elementos una misma cosa allá y acá. Empero los
hombres son como nosotros, fuera del color, que de otra manera bestias y monstruos
serían y no vernían, como vienen de Adán. Mas no tienen letras, ni moneda, ni bestias de
carga: cosas principalísimas para la policía y vivienda del hombre; que ir desnudos,
siendo la tierra caliente y falta de lana y lino, no es novedad. Y como no conoscen al
verdadero Dios y Señor, están en grandísimos pecados de idolatría, sacrificios de
hombres vivos, comida de carne humana, habla con el diablo, sodomía, muchedumbre de
mujeres y otros así. Aunque todos los indios que son vuestros subjectos son ya cristianos
por la misericordia y bondad de Dios, y por la vuestra merced y de vuestros padres y
abuelos, que habéis procurado su conversión y cristiandad. El trabajo y peligro vuestros
españoles lo toman alegremente, así en predicar y convertir como en descubrir y
conquistar. Nunca nación extendión tanto como la española sus costumbres, su lenguaje y
armas, ni caminó tan lejos por mar y tierra, las armas a cuestas. Pues mucho más
hubieran descubierto, subjectado y convertido si vuestra majestad no hubiera estado tan
ocupado en otras guerras; aunque para la conquista de Indias no es menester vuestra
persona, sino vuestra palabra. Quiso Dios descobrir las Indias en vuestro tiempo y a
vuestros vasallos, para que las convirtiésedes a su santa ley, como dicen muchos hombres
sabios y cristianos, comenzaron las conquistas de indios acabada la de moros, por que
siempre guerreasen españoles contra infieles; otorgó la conquista y conversión el papa;
tomastes por letra Plus ultra, dando a entender el señorío de Nuevo-Mundo. Justo es,
pues, que vuestra majestad favorezca la conquista y los conquistadores, mirando mucho
por los conquistados. Y también es razón que todos ayuden y ennoblezcan las Indias,
unos con santa predicación, otros con buenos consejos, otros con provechosas granjerías,
otros con loables costumbres y policía. Por lo cual he yo escrito la historia: obra, ya lo
conozco, para mejor ingenio y lengua la mía; pero quise ver para cuánto era. Publícola
tan presto porque, no tratando del Rey, no hay qué aguardar. Intitúlola a vuestra majestad,
185
no por que no sabe las cosas de Indias mejor que yo, sino por que las vea juntas, con
algunas particularidades tan apacibles como nuevas y verdaderas. Y aun por que vaya
más segura y autorizada so el amparo de vuestro imperial nombre; que la gracia y la
perpetuidad la mesma historia se la dará o quitará. Hágola de presente en castellano por
que gocen della luego todos nuestros españoles. Quedo haciéndola en latín de más
espacio, y acabaréla presto, Dios mediante, si vuestra majestad lo manda y favoresce. Y
allí diré muchas cosas que aquí se callan, pues el lenguaje lo sufre y lo requiere; que así
hago en las guerras de mar de nuestro tiempo, que compongo; donde vuestra majestad, a
quien Dios nuestro Señor dé mucha vida y victoria contra los enemigos, tiene gran parte.
FERNANDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia General y Natural de las Indias.
Edición y estudio preliminar de Juan Perez de Tudela Bueso. Tomo I. Madrid:
Biblioteca de Autores Españoles, 1992.
GENERAL Y NATURAL HISTORIA DE LAS INDIAS
186
Comienza el primero libro deste volumen. El cual consiste en el proemio o
introdución desta primera parte de la General y Natural Historia de las Indias, dirigido a
la sacra, cesárea, católica y real majestad del emperador rey, nuestro Señor.
S. CES. CAT. R. M.
Escribe el Albulensis, por otro nombre dicho el Tostado, sobre la declaración que
hizo de Eusebio (De los tiempos) el glorioso doctor de la Iglesia San Hierónimo, que los
etíopes se levantaron de a par del río Indo. Aquesta Etiopía, parte della es en Asia y parte
en Africa. Pero los etíopes orientales, en la India son; la cual, según Isidoro (Ethimol., lib.
XIV, cap. III, “De Assia”), hobo este nombre del río Indo: India vocata an Indo flumine.
El cual autor, antes desto, dice que el mar Rojo, en el Oriente, rescibe en sí el río Indo:
Indus fluvius orientis qui rubro mari accipitur. Esta es la parte de la Etiopía oriental;
pero, en la cosmografía moderna y experimentada, yo hallo señalado y puesto el río Indo
no como los autores susodichos escribren, sino quinientas o más leguas adelante del mar
Rojo y del mar de Persia; y entra en el Océano en la costa de la cibdad llamada Lima, en
la boca del cual está el reino de Cambaya; entre el cual río Indo y el río Ganges está la
India mayor, o India más oriental, que es muy lejos, como he dicho, del mar Rojo, y más
al Levante que no son los etíopes, contra quien dicen que fué enviado a pelear Moisén,
como capitán de los egipcianos. Mas, después, fueron estos etíopes buenos cristianos, e,
como dice el Tostado en el lugar de suso alegado, convertidos a la fe por San Mateo
apóstol. Y el comienzo de la conversión les fué el sancto Eunucho, mayordomo de la
reina Candacis, baptizado y enseñado por sanct Felipe, apóstol.
Quiero significar y dar a entender por verdadera cosmografía, que aquí yo no
tracto de aquestas Indias que he dicho, sino de las Indias, islas e tierra firme del mar
Océano, que agora está actualmente debajo del imperio de la corona real de Castilla,
donde innumerables e muy grandes reinos e provincias se incluyen, de tanta admiración y
riquezas como en los libros desta Historia General e Natural destas vuestras Indias será
declarado.
Por tanto, suplico a Vuestra Cesárea Majestad haga dignas mis vigilias de poner la
mente en ellas; pues naturalmente todo hombre desea saber, y el entendimiento racional
187
es lo que le hace más excelente que a otro ningún animal; y en esta excelencia es
semejante a Dios en aquella parte que El dijo: “Hagamos el hombre a nuestra imagen y
semejanza.” Desta causa, no se contenta nuestra voluntad ni se satisface nuestro ánimo
con entender y especular pocas cosas, ni con ver las ordinarias o próximas a la patria, ni
dentro della misma. Antes, por otras muy apartadas provincias peregrinando (los que más
participan deste lindo deseo), pospuestos muchos y varios peligros, no cesan de inquirir
en la tierra y en la mar las maravillosas e innumerables obras que el mismo Dios y Señor
de todo nos enseña, para que más loores le demos, satisfaciendo la hermosa cobdicia
desta peregrinación nuestra. Y nos declara, por lo que vemos en el mundo, que quien
pudo hacer aquello es bastante para todo lo que dél no alcanzamos, así por su grandeza
como por la poca diligencia nuestra, e principalmente por la flaqueza humana, de que los
mortales están vestidos; de que resultan otras causas e inconvenientes que pueden
impedir tan loable ocupación como es ver con los ojos corporales lo que hay en esta
composición a ellos visible (allende de lo que es contemplativo), de la universal
redondez, a quien los griegos llaman cosmos e los latinos mundo. En el cual, mucho
menos de la quinta parte algunos cosmógrafos quieren que sea habitada; de la cual
opinión yo me hallo muy desviado, como hombre que, fuera de todo lo escrito por
Tolomeo, sé que hay en este imperio de las Indias (que Vuestra Cesárea Majestad y su
corona real de Castilla poseen), tan grandes reinos e provincias, y de tan extrañas gentes e
diversidades e costumbres y ceremonias e idolatrías apartadas de cuanto estaba escripto,
desde ab initio hasta nuestro tiempo, que es muy corta la vida del hombre para lo poder
ver ni acabar de entender o conjecturar.
¿Cuál ingenio mortal sabrá comprehender tanta diversidad de lenguas, de hábitos,
de costumbres en los hombres destas Indias? ¿Tanta variedad de animales, así domésticos
como salvajes y fieros? ¿Tanta multitud innarrable de árboles, copiosos de diversos
géneros de frutas, y otros estériles, así de aquellos que los indios cultivan, como de los
que la Natura, de su propio oficio, produce sin ayuda de manos mortales? ¿Cuántas
plantas y hierbas útiles y provechosas al hombre? ¿Cuántas otras innumerables que a él
no son conocidas, y con tantas diferencias de rosas e flores e olorosa fragancia? ¿Tanta
diversidad de aves de rapiña y de otras raleas? ¿Tantas montañas altísimas y fértiles, e
otras tan diferenciadas e bravas? ¿Cuántas vegas y campiñas dispuestas para la
188
agricultura, y con muy apropiadas riberas? ¿Cuántos montes más admirables y espantosos
que Etna o Mongibel, y Vulcano, y Estrongol; y los unos y los otros debajo de vuestra
monarquía?
No fueran celebrados en tanta manera los que he dicho por los poetas e historiales
antiguos, si supieran de Masaya, y Maribio, y Guajocingo, e los que adelante serán
memorados desta pluma, o escriptor vuestro.
¡Cuántos valles, e flores, llanos y deleitosos! ¡Cuántas costas de mar con muy
extendidas playas e de muy excelentes puertos! ¡Cuántos y cuán poderosos ríos
navegables! ¡Cuántos y cuán grandes lagos! ¡Cuántas fuentes frías e calientes, muy
cercanas unas de otras! ¡E cuántas de betum e de otras materias o licores! ¡Cuántos
pescados de los que en España conoscemos, sin otros muchos que en ella no se saben ni
los vieron! !Cuántos mineros de oro e plata e cobre! ¡Cuánta suma preciosa de marcos de
perlas e uniones que cada día se hallan! ¿En cuál tierra se oyó ni se sabe que en tan breve
tiempo, y en tierras tan apartadas de nuestra Europa, se produciesen tantos ganados e
granjerías, y en tanta abundancia como en estas Indias ven nuestros ojos, traídas acá por
tan amplísimos mares? Las cuales ha rescebido esta tierra no como madrasta, sino como
más verdadera madre que la que se las envió; pues en más cantidad e mejor que en
España se hacen algunas dellas, así de los ganados útiles al servicio de los hombres como
de pan, y legumbres, e fructas, y azúcar, y cañafistola; cuyo principio destas cosas, en mis
días salió de España, y en poco tiempo se han multiplicado en tanta cantidad, que las naos
vuelven a Europa a la proveer cargadas de azúcar, e cañafistola y cueros de vacas. E así
lo podrían hacer de otras cosas que acá están olvidadas e aquestas Indias, antes que los
españoles las hallasen, producían e agora producen, así como algodón, orchilla, brasil, e
alumbre, e otras mercadurías que en muchos reinos del mundo las desean y serían grande
utilidad para ellos. Lo cual nuestros mercaderes no quieren, por no ocupar sus navíos sino
con oro, e plata, e perlas, e las otras cosas que dije primero.
Y pues lo que deste grandísimo e nuevo imperio se podría escrebir es tanto, e tan
admirable la lección dello, ella misma me desculpe con Vuestra Cesárea Majestad, si tan
copiosamente como la materia lo requiere no se dijere: haste que, como hombre que ha
los años que he dicho que miro estas cosas, ocuparé lo que me queda de vivir en dejar por
memoria esta dulce e agradable General e Natural Historia de Indias, en todo aquello
189
que he visto, y en lo que a mi noticia ha venido e viniere, desde su primero
descubrimiento, con lo que más pudiere ver y alcanzar dello, en tanto que la vida no se
me acabare. Pues la clemencia de Vuestra Cesárea Majestad como a criado que en estas
partes le sirve e persevera con natural inclinación de inquerir, como he inquerido, parte
destas cosas, ha seído servido mandarme que las escriba y envíe a su Real Consejo de
Indias, para que, así como se fueren aumentando e sabiéndose, así se vayan poniendo en
su gloriosa Crónica de España. En lo cual, Vuestra Majestad, demás de servir a Dios
Nuestro Señor en que se publique e sepa por el restante del mundo lo que está debajo de
vuestro real ceptro castellano, hace muy señalada merced a todos los reinos de cristianos
en darles ocasión, con este tractado, para que den infinitas gracias a Dios por el
acrecentamiento de su sancta fe católica. La cual, con vuestro sancto cristanísimo celo,
cada día se aumenta en estas Indias. Y esto será un glorioso colmo de la inmortalidad de
vuestra perpetua e única fama, porque, no solamente los fieles cristianos ternán que servir
a Vuestra Cesárea Majestad tanta benignidad como es mandarles comunicar esta
verdadera y nueva historia, pero aun los infieles e idólatras que fuera destas partes en
todo el mundo hobiere, oyendo estas maravillas, quedarán obligados para lo mismo,
loando al Hacedor dellas, por serles tan incógnitas y apartadas de su hemisferio e
horizontes.
Materia es, muy poderoso señor, en que mi edad e diligencia, por la grandeza del
objecto e sus circunstancias, no podrán bastar a su perfecta difinición, por mi insuficiente
estilo e brevedad de mis días. Pero será a lo menos lo que yo escribiere, historia
verdadera e desviada de todas las fábulas que en este caso otros escritores, sin verlo,
desde España, a pie enjuto, han presumido escribir con elegantes e no comunes letras
latinas e vulgares, por informaciones de muchos de diferentes juicios, formando historias
más allegadas a buen estilo que a la verdad de la cosa que cuentan; porque ni el ciego
sabe determinar colores, ni el ausente así testificar estas materias como quien las mira.
Quiero certificar a Vuestra Cesárea Majestad que irán desnudos mis renglones de
abundancia de palabras artificiales para convidar a los letores; pero serán muy copiosos
de verdad, y conforme a ésta, diré lo que no terná contradición, cuanto a ella, para que
vuestra soberana clemencia allá lo mande polir e limar. Con tanto que del temor e
sentencia de lo que aquí fuere notificado a vuestra grandeza, no se aparte la intención y
190
obra del que tomare cargo de enmendar la mía, diciéndolo por mejor estilo; siquiera
porque no se ofenda mi buen deseo, ni se me niegue el loor del trabajo que, en tanto
tiempo y con tantos peligros, yo he padescido, allegando y inquiriendo, por todas las vías
que pude saber, lo cierto destas materias, después que el año de mill e quinientos y trece
de la Natividad del Redemptor nuestro, Jesucristo, el católico rey don Fernando, de
gloriosa memoria, abuelo de Vuestra Cesárea Majestad, me envió por su veedor de las
fundiciones del oro a la Tierra-Firme, donde así me ocupé cuando convino en aquel
oficio, como en la conquista y pacificación de algunas partes de aquella tierra con las
armas, sirviendo a Dios y a Vuestras Majestades, como capitán y vasallo, en aquellos
ásperos principios que se poblaron algunas cibdades e villas que agora son de cristianos;
donde con mucha gloria del real cetro de España, allí se continúa e sirve el culto divino.
En la cual conquista, los que en aquella sazón pasamos con Pedrarias Dávila,
lugarteniente e capitán general del Rey Católico, e después de Vuestras Majestades,
seríamos hasta dos mil hombres, e hallamos en la tierra otros quinientos e más cristianos
debajo de la capitanía de Vasco Núñez de Balboa en la cibdad del Darien (que también se
llamó antes la Guardia e después Santa María del Antigua); la cual cibdad fué cabeza del
Obispado de Castilla del Oro, e agora está despoblada, e no sin gran culpa de quien fué la
causa; porque estaba en la parte que convenía para la conquista de los indios flecheros de
aquellas comarcas. Y destos dos mil y quinientos hombres que he dicho, no hay al
presente en todas las Indias, ni fuera dellas, cuarenta hombres, a lo que yo creo; porque
para servir a Dios y a Vuestras Majestades, y para que viviesen seguros los cristianos que
después han ido a aquellas provincias, así convenía, o mejor diciendo, era forzado que se
hiciese. Porque la salvajez de la tierra, y los aires della, y la espesura de los herbajes y
arboledas de los campos, y el peligro de los ríos e grandes lagartos e tigres, y el
experimentar de las aguas e manjares fuese a costa de nuestras vidas y en utilidad de los
mercaderes e pobladores que, con sus manos lavadas, agora gozan de muchos sudores
ajenos.
Y porque estando Vuestra Cesárea Majestad en Toledo, el año que pasó de la
Natividad de Cristo de mill e quinientos y veinte y cinco años, yo escribí una relación
sumaria de parte de lo que aquí se contiene, e de aquélla fue su título: Oviedo, De la
Natural Historia de las Indias; mas aqueste tratado se llamará General y Natural Historia
191
de las Indias; porque todo lo que en aquel sumario se contiene se hallará en éste y en las
otras dos partes, segunda y tercera dél, mejor y más copiosamente dicho, así porque
aquello se escrebió en España, quedando mis memoriales e libros en esta cibdad de Santo
Domingo de la isla Española (donde tengo mi casa), como porque yo he visto mucho más
de lo que hasta entonces sabía destas materias, en diez años que han pasado desde que
aquello se escribió, experimentando con más atención lo que a este efecto convenía más
particularmente ver y entender. Y, demás desto, es de notar que todo lo que aquel
reportorio o sumario contiene, habrá en este tratado y sus partes acrescentado, e otras
cosas grandes e muy nuevas, de que allí no podía yo hacer memoria, por no haberlas visto
ni sabido.
Así que, muy poderoso señor, por las causas que de su dije, justo es que tales
historias sean manifiestas en todas las repúblicas del mundo; para que en todo él se sepa
la amplitud e grandeza destos Estados que guardaba Dios a vuestra real corona de Castilla
en ventura y méritos de Vuestra Cesárea Majestad, debajo de cuyo favor y amparo
ofrezco la presente obra, e humilmente suplico, en pago del tiempo que en esto he
trabajado, e de la antigüedad que en vuestra real casa de Castilla me dan cuanta y más
años que ha que soy del número de los criadores de ella, sea servido de aceptar mis
libros; porque, aunque éstos que aquí yo escribo no son de mucha industria o artificio ni
de calidad que requieran prolija oración e ornamento de palabras, no han sido poco
laboriosos, ni con la facilidad que otras materias se pueden allegar e componer escriptos;
pero es, a lo menos, muy aplacible leción oír y entender tantos secretos de Natura.
Si algunos vocablos extraños e bárbaros aquí se hallaren, la causa es la novedad
de que se tracta; y no se pongan a la cuenta de mi romance, que en Madrid nascí, y en la
casa real me crié, y con gente noble he conversado, e algo he leído, para que se sospeche
que habré entendido mi lengua castellana, la cual, de las vulgares, se tiene por la mejor de
todas; y lo que hobiere en este volumen que con ella no consuene, serán nombres o
palabras por mi voluntad puestas, para dar a entender las cosas que por ellas quieren los
indios significar.
En todo recompense Vuestra Majestad con mi deseo las faltas de la pluma, pues
dijo Plinio de la suya, en el proemio de la Natural Historia, que es cosa difícil hacer las
cosas viejas nuevas; e a las nuevas dar auctoridad; y a las que salen de lo acostumbrado,
192
dar resplandor; e a las obscuras, luz; y a las enojosas, gracia; e las dudosas, fe. Basta que
yo he deseado y deseo servir a Vuestra Cesárea Majestad y contentar a quien viere mi
obra; y si no lo he sabido hacer, loarse debe mi intención. Conténtese el letor con que lo
que yo he visto y experimentado con muchos peligros, lo goza él y sabe sin ninguno; y
que lo puede leer sin que padezca tanta hambre y sed, calor e frío, con otros innumerables
trabajos, desde su patria, sin aventurarse a las tormentas de la mar, ni a las desventuras
que por acá se padescen en la tierra, sino que para su pasatiempo y descanso haya yo
nascido y, peregrinando, vistos estas obras de Natura, o, mejor diciendo, del Maestro de
la Natura; las cuales he escripto en veinte libros que contiene esta primera parte o
volumen, y en los que hay en la segunda y terceras partes, en que al presente estoy
ocupado, las cuales tractarán de las cosas de la Tierra Firme.
Verdad es que el último libro, que agora se pone aquí por el número veinte, se
pasará después en fin de la tercera parte, porque es de calidad que sirve a todas tres; el
cual se llama De los infortunios y naufragios, de casos acaescidos en las mares destas
Indias. Todos estos libros están divididos según el género e calidad de las materias por
donde discurre; las cuales no he sacado de dos mil millares de volúmines que haya leído,
como en el lugar suso alegado Plinio escribe, en lo cual paresce que él dijo lo que leyó; e
algunas cosas dice él que acrescentó que los antiguos no las entendieron, o después la
vida las falló; pero yo acumulé todo lo que aquí escribo, de dos mil millones de trabajos y
nescesidades e peligros en veinte e dos años e más que ha que veo y experimento por mi
persona estas cosas, sirviendo a Dios a mi rey en estas Indias, y habiendo ocho veces
pasado el grande mar Océano.
Mas, porque en alguna manera yo entiendo seguir o imitar al mismo Plinio (no en
decir lo que él dijo, puesto que en algunos lugares sean alegadas sus auctoridades como
cosa deste jaez universal de Historia Natural, pero en el distinguir de mis libros y géneros
dellos, como él lo hizo), confesaré lo que él aprueba en su introdución; donde dice que es
cosa de ánimo vicioso y de ingenio infelice querer más aina ser tomado con el hurto que
volver lo que le fué prestado, máxime habiéndose capital de la usura; pues por no incurrir
en tal crimen, ni en desconocer al Plinio lo que es suyo (cuanto a la intención y título del
libro), yo le sigo en este caso.
193
Una cosa terná mi obra apartada del estilo de Plinio, y será relatar alguna parte de
la conquista destas Indias, e dar razón de su descubrimiento primero e de otras cosas que,
aunque sean fuera de la Natural Historia, serán muy nescesarias a ella para saber el
principio e fundamento de todo, y aun para que mejor se entienda por donde los Católicos
Reyes don Fernando y doña Isabel, abuelos de Vuestra Cesárea Majestad, se movieron a
mandar buscar estas tierras, o, mejor diciendo, los movió Dios.
Todo esto y lo que tocare a particulares relaciones irá distincto e puesto en su
lugar conveniente, mediante la gracia del Espíritu Sancto e su divino auxilio, con
protestación expresa que todo lo que en esta escritura hobiere, sea debajo de la correpción
y enmienda de nuestra sancta madre Iglesia apostólica de Roma, cuya migaja y mínimo
siervo soy; y en cuya obediencia protesto vivir y morir. Pero, porque todos los celosos del
honor y vergüenza propia temieron la murmuración de los detratores, y no solamente
Plinio, que fué tan famoso autor, más tantos que no se pueden contar, y también el sancto
rey David temía desto cuando rogaba a Dios que le librase de la lengua dolosa, con más
justa razón debo yo temer lo mismo; pues los muertos y los ausentes no pueden responder
por sí. Y como Plinio alegó aquel dicho de Plancho, cuando dijo que los muertos no
combaten o contienden sino con las máscaras, quiero yo, demás deso, decir a los que
desde Europa, o Asia, o Africa me reprendieren, que adviertan a que no estó en ninguna
desas tres partes (según se puede sospechar de lo que está visto y descubierto de la mar
austral y la vuelta que va dando por ella la tierra hacia el Norte e cabo del Labrador). E
pues los letores me han de escuchar desde tan lejos, no me juzguen sin ver esta tierra
donde estoy y de quien tracto; y que les basta que desde ella escribo en tiempo de
innumerables testigos de vista, y que se dirigen mis libros a Vuestra Cesárea Majestad,
cuyo es aqueste imperio, y que se escriben por su mandado, y que me da de comer por su
cronista destas materias, y que no he de ser de tan poco entendimiento que ante tal
altísima y Cesárea Majestad ose decir el contrario de la verdad, para que pierda su gracia
y mi honor; y que, demás deso, no son cosas las que aquí se tractan para ambiciosos
honores de particulares personas, con palabras e ficiones aplicadas por esperanza de ser
gratificado de ninguno de los mortales; antes, conformándome con aquella verdadera
sentencia del sabio que dice: que la boca que miente, mata el ánima, espero en Dios que
guardará la mía de tal peligro, e que, como fiel escriptor, seré dél remunerado por la
194
amplísima liberalidad de su clemencia e real mando de Vuestra Cesárea Majestad, cuya
gloriosa persona largos tiempos nuestro Señor favorezca e deje gozar de la total
monarquía, como vuestro excelso corazón lo desea e vuestros leales y verdades súbditos
deseamos, e toda la universal república cristiana ha menester, amén.
Pues, entre todos los príncipes que en el mundo se llaman fieles y cristianos, sólo
Vuestra Cesárea Majestad al presente sostiene la católica religión e Iglesia de Dios, e la
ampara contra la innumerable e malvada seta e grandísima potencia de Mahoma,
poniendo en exilio su principal cabeza y Gran Turco, con tanta efusión de sangre
turquesa, y con tan señaladas victorias en la mar y en la tierra, como en los años pasados
de mill e quinientos y treinta e dos, y de treinta e tres años se vido, estando callando otros
reyes cristianos, esperando en qué pararían vuestros subcesos; e dió nuestro
misericordioso y justo Dios tal evento e salida a tan inmortal triunfo, que en cuanto
hobiere hombres, jamás será olvidado; y así será en la celestial vida acepto y remunerado,
que Vuestra Cesárea Majestad sea glorificado los bienaventurados rey Ricaredo, primero
de tal nombre, y su hermano Sanct Hemergildo, mártir, de los cuales, tan larga
dependencia y origen trae vuestra real prosapia e silla de España; y de quien hablando el
Burgensis dice que entrando en España sesenta mill franceses, envió desde Toledo el rey
Ricaredo a Claudio, su capitán general, y los venció, e mató e prendió la mayor parte
dellos; y por tanto dijo: Nulla unquam in hispaniis victoria viator vel similis invenitur. Lo
mismo escribe el arzobispo don Rodrigo, a quien en esto siguió el Burgensis, y mejor lo
pudieran decir estos exçelentes varones si vieran lo que obraron vuestros capitanes y
vasallos el año de mill e quinientos e veinte e cinco años contra el rey Francisco e su
caballería e poder de Francia en la prisión de su persona, e de los más e más principales
de sus reinos y Estados en el cerco de Pavía, o si vieran lo que se espera que ha de obrar
Dios en vuestra buena ventura e invicto nombre.
Todo esto se quede para vuestros elegantes cronistas que allá están y gozan de
verlo, y ellos lo escriban; que acá, en estos tan apartados reinos, aunque los que amamos
vuestro real servicio no veamos lo que es dicho de estas grandes victorias de Vuestra
Cesárea Majestad, tanta parte deste placer rescibimos, como le han de tener los que aman
a su príncipe, según deben como leales súbditos y cristianos; porque, en la verdad, no
creo que se pueden decir tales los que dejaren de dar continuas gracias a Dios por el
195
acrescentamiento de vuestra Cesárea persona e vida; pues en ella consisten las nuestras, e
todo el bien de la cristiana religión.
CIEZA DE LEÓN, Pedro de. Crónica del Perú. El Señorío de los Incas. Selección,
prólogo, notas, modernización del texto, cronología y bibliografía por Franklin
Pease G. Y. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 2005.
DEDICATORIA.
Al muy alto y poderoso señor don Philippe,
príncipe de las Españas, etc., nuestro señor
Muy alto y poderoso señor
Como no solamente admirables hazañas de muchos y muy valerosos varones, sino
infinitas cosas dignas de perpetua memoria de grandes y diferentes provincias hayan
quedado en las tinieblas del olvido, por falta de escriptores que las refiriesen y de
historiadores que las tratasen, habiendo yo pasado al Nuevo Mundo de Indias, donde en
guerras y descubrimientos y poblaciones de pueblos he gastado lo más de mi tiempo
sirviendo a su majestad, a que yo siempre he sido muy aficionado, determiné tomar esta
empresa, de escribir las cosas del memorable y gran reino del Perú. Al cual pasé por
tierra desde la provincia de Cartagena, adonde y en la de Popayán yo estuve muchos
años. Y después de me haber hallado en servicio de su majestad en aquella última guerra,
que se acabó contra los tiranos rebeldes, considerando muchas veces su grande riqueza,
las cosas admirables que en sus provincias hay, los tan varios sucesos de los tiempos
196
pasados y presentes acaecidos y lo mucho que en lo uno y lo otro hay que notar, acordé
de tomar la pluma para lo recopilar, y poner en efecto mi deseo, y haber con él a Vuestra
Alteza algún señalado servicio, de manera que mi voluntad fuese conocida, teniendo por
cierto Vuestra Alteza recibiría servicio en ello, sin mirar las flacas fuerzas de mi facultad,
antes confiado juzgará mi intención conforme a mi deseo, y con su real clemencia
admitirá la voluntad con que ofrezco este libro a Vuestra Alteza que trata de aquel gran
reino del Perú, de que Dios le ha hecho señor. No dejé de conocer, serenísimo y muy
esclarecido señor, que para decir las admirables cosas que en este reino del Perú ha
habido y hay, conviniera que las escribiera un Tito Livio, o Valerio, o otro de los grandes
escritores que ha habido en el mundo, y aun estos se vieran en trabajo en lo contar.
Porque ¿quién podrá decir las cosas grandes y diferentes que en él son? ¿Las sierras
altísimas y valles profundos, por donde se fue descubriendo y conquistando? ¿Los ríos
tantos y tan grandes de tan crecida hondura? ¿Tanta variedad de provincias como en él
hay, con tan diferentes calidades? ¿Las diferencias de pueblos y gentes con diversas
costumbres, ritos, y ceremonias extrañas? ¿Tantas aves, y animales, árboles, y peces tan
diferentes y ignotos? Sin lo cual, ¿quién podrá contar los nunca oídos trabajos, que tan
pocos españoles en tanta grandeza de tierra han pasado? ¿Quién pensará o podrá afirmar
los inopinados casos que en las guerras y descubrimientos de mil y seiscientas leguas de
tierra les han sucedido? ¿Las hambres, sed, muertes, temores y cansancio? De todo esto
hay tanto que decir, que a todo escritor cansará en lo escribir. Por esta causa de lo más
importante de ello, muy poderoso señor, he hecho y compilado esta historia de lo que yo
vi y traté, y por informaciones ciertas de personas de fe pude alcanzar. Y no tuviera
atrevimiento de ponerla en juicio de la contrariedad del mundo, si no tuviera esperanza
que Vuestra Alteza como cosa suya la ilustrará, amparará y defenderá, de tal suerte, que
por todo él libremente osé andar, porque muchos escritores ha habido que con este temor
buscan príncipes de gran valor a quien dirigir sus obras y de algunas no hay quien diga
haber visto lo que tratan, por ser lo más fantaseado y cosa que nunca fue. Lo que yo aquí
escribo son verdades y cosas de importancia, provechosas, muy gustosas, y en nuestros
tiempos acaecidas; y dirigidas al mayor y más poderoso príncipe del mundo, que es
Vuestra Alteza. Temeridad parece intentar un hombre de tan pocas letras, lo que otros de
muchas no osaron, mayormente estando tan ocupado en las cosas de la guerra. Pues
197
muchas veces cuando los otros soldados descansaban cansaba yo escribiendo. Mas ni esto
ni las asperezas de tierras, montañas y ríos ya dichos, intolerables hambres y necesidades
nunca bastaron para estorbar mis dos oficios de escribir y seguir a mi bandera y capitán,
sin hacer falta. Por haber escrito esta obra con tantos trabajos, y dirigirla a Vuestra Alteza
me parece debería bastar para que los lectores me perdonasen las faltas que en ella a su
juicio habrá. Y si ellos no perdonaren, a mí me basta haber escrito lo cierto, porque esto
es lo que más he procurado, porque mucho de lo que escribo vi por mis ojos estando
presente y anduve muchas tierras y provincias por verlo mejor. Y lo que no vi, trabajé de
me informar de personas de gran crédito, cristianos y indios. Pliega al todopoderoso Dios,
pues fue servido de hacer a Vuestra Alteza señor de tan grande y rico reino como es el
Perú, le deje vivir y reinar por muchos y muy felices tiempos, con aumento de otros
muchos reinos y señoríos.
PROEMIO
del autor, en que se declara el
intento de esta obra, y la divisón de ella
HABIENDO yo salido de España, donde fui nacido y criado, de tan tierna edad, que casi
no había enteros trece años, y gastado en las Indias del mar Océano tiempo de más de
diez y siete, muchos de ellos en conquistas y descubrimientos, y otros en nuevas
poblaciones, y en andar por unas y por otras partes. Y como notase tan grandes y
peregrinas cosas, como en este Nuevo Mundo de Indias hay, vínome gran deseo de
escribir algunas de ellas, de lo que yo por mis propios ojos había visto, y también de lo
que había oído a personas de gran crédito. Mas como mirase mi poco saber, desechaba de
mí este deseo, teniéndolo por vano, porque a los grandes juicios y doctos fue concedido
el componer historias, dándoles lustre con sus claras y sabias letras, y a los no tan sabios
aun pensar en ello es desvarío, y como tal, pasé algún tiempo sin dar cuidado a mi flaco
ingenio, hasta que el todopoderoso Dios que lo puede todo, favoreciéndome con su divina
gracia tornó a despertar en mí lo que yo ya tenía olvidado. Y cobrando ánimo, con mayor
confianza determiné de gastar algún tiempo de mi vida en escribir historia. Y para ello
me movieron las causas siguientes.
198
La primera, ver que en todas las partes por donde yo andaba, ninguno se ocupaba
en escribir nada de lo que pasaba. Y que el tiempo consume la memoria de las cosas, de
tal manera, que si no es por rastros y vías exquisitas en lo venidero no se sabe con
verdadera noticia lo que pasó.
La segunda considerando que pues nosotros y estos indios todos traemos origen
de nuestros antiguos padres Adán y Eva, y que por todos los hombres el hijo de Dios
descendió los cielos a la tierra, y vestido de nuestra humanidad recibió cruel muerte de
cruz, para nos redimir y hacer libres del poder del demonio, el cual demonio tenía estas
gentes por la permisión de Dios opresas y cautivas tantos tiempos había, era justo que por
el mundo se supiese en qué manera tanta multitud de entes como de estos indios había fue
reducida al gremio de la santa madre Iglesia con trabajo de españoles, que fue tanto que
otra nación alguna de todo el universo no los pudiera sufrir. Y así los eligió Dios para una
cosa tan grande, más que a otra nación alguna.
Y también porque en los tiempos que han de venir se conozca lo mucho que
ampliaron la corona real de Castilla. Y cómo siendo su rey y señor nuestro invictísimo
Emperador, se poblaron los ricos y abundantes reinos de la nueva España y Perú. Y se
descubrieron otras ínsulas y provincias grandísimas.
Y ansí al juicio de varones doctos y benévolos suplico, sea mirada esta mi labor
con equidad, pues saben, que la malicia y murmuración de los ignorantes e incipientes es
tanta, que nunca les falta qué redargüir ni qué notar. De donde muchos temiendo la
rabiosa envidia de estos escorpiones, tuvieron por mejor ser notados de cobardes que de
animosos en dar lugar que sus obras saliesen a luz.
Pero yo ni por temor de lo uno ni de lo otro dejaré de salir adelante con mi
intención, teniendo en más el favor de los pocos y sabios, que el daño [que] de los
muchos y vanos me puede venir.
También escribí esta obra, para que los que viendo en ella los grandes servicios
que muchos nobles caballeros y mancebos hicieron a la corona real de Castilla, se animen
y procuren imitarlos. Y para que, notando, por el consiguiente, cómo otros no pocos se
extremaron en cometer traiciones, tiranías, robos y otros yerros, tomando ejemplo en
ellos y en los famosos castigos que se hicieron, sirvan bien y lealmente a sus reyes
naturales.
199
Por las razones y causas que dicho tengo, con toda voluntad de proseguir, puse
mano en la presente obra.
LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco. Historia de la Conquista de México. Prólogo y
bibliografía Jorge Gurría Lacroix. Actualización, cronología y bibliografía Mirla
Alcibíades. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 2007.
AL MUY ILUSTRE SEÑOR
DON MARTÍN CORTÉS, MARQUÉS DEL VALLE
A ninguno debo intitular, muy ilustre Señor, la Conquista de México, sino a vuestra
señoría, que es hijo del que lo conquistó, para que, así como heredó el mayorazgo, herede
también la historia. En lo uno consiste la riqueza, y en lo otro la fama; de manera que
andarán juntos honra y provecho. Mas empero esta herencia os obliga a seguir mucho lo
que vuestro padre Fernando Cortés hizo, como a gastar bien lo que os dejó. No es menor
loa ni virtud, ni quizá trabajo, guardar lo ganado, que ganar de nuevo, pues así se
conserva la hacienda, que sostiene la honra, para conservación y perpetuidad de lo cual se
200
inventaron los mayorazgos; porque es cierto que con las muchas particiones se
disminuyen las haciendas, y con las disminución de ellas se apoca y aun acaba la nobleza
y memoria; aunque también se han de acabar tarde o temprano los mayorazgos y reinos,
como cosa que tuvo principio, o por falta de casta o por caso de guerra, donde siempre
suele haber mudanza de señoríos. La historia dura mucho más que la hacienda, porque
nunca le faltan amigos que la renueven, ni le empecen guerras, y cuanto más se añeja,
más se precia. Acabáronse los reinos y linajes de Niño, Darío y Ciro, que comenzaron los
imperios de asirios, medos y persianos; mas duran sus nombres y fama en las historias.
Los reyes godos de nuestra España, con Rodrigo fenecieron, mas sus gloriosos hechos en
las crónicas viven. No deberíamos poner en esta cuenta los reyes de los judíos, cuyas
vidas y mudanza contienen grandes misterios; empero no permanecieron mucho en el
estado de David, varón según el corazón de Dios. Son de Dios los reinos y señoríos: él
los muda, quita y da a quien y como le place; que así lo dijo él mismo por el Profeta; y
también quiere que se escriban las guerras, hechos y vidas de reyes y capitanes, para
memoria, aviso y ejemplo de los otros mortales; y así lo hicieron Moisés, Esdras y otros
santos. La conquista de México y conversión de los de la Nueva-España, justamente se
puede y debe poner entre las historias del mundo, así porque fue bien hecha, como
porque fue muy grande. Por ser buena la escribo aparte de las otras, para muestra de
todas. Fue grande, no en el tiempo, sino en el hecho, que se conquistaron muchos y
grandes reinos con poco daño y sangre de los naturales; y se bautizaron muchos millones
de personas, las cuales viven, a Dios gracias, cristianamente. Dejaron los hombres
muchas mujeres que tenían, casando con una sola; perdieron la sodomía, enseñados cuán
sucio pecado y contra natura era; desecharon sus infinitísimos ídolos, creyendo en
nuestro Señor Dios; olvidaron el sacrificio de hombres vivos, aborrecieron la comida de
carne humana, soliendo matar y comer hombres cada día, porque estaban tan cautivos del
diablo, que sacrificaban y comían mil hombres algún día en sólo México, y otros tantos
en Tlaxcallan; y por consiguiente en cada gran ciudad cabeza de provincia, crueldad
jamás oída y que desatina el entendimiento. Permanezca pues el nombre y memoria de
quien conquistó tanta tierra, convirtió tantas personas, derribó tantos dioses, excusó tanto
sacrificio y comida de hombres. No encubra el olvida la prisión de Moteczuma, rey
poderosísimo; la toma de México, ciudad fortísima, ni su reedificación, que fue
201
grandísima. Esto basta por memorial de la conquista: no parezca loar mi propia obra si
todo lo trato, pues quien la considerare, sentirá más de lo que yo pueda encarecer en una
carta. Solamente digo que vuestra señoría, cuya vida y estado nuestro Señor prospere, se
puede preciar tanto de los hechos de su padre como de los bienes, pues tan cristiana y
honradamente los ganó.
A LOS LEYENTES
Toda historia, aunque no sea bien escrita, deleita. Por ende no hay que
recomendar la nuestra, sino avisar cómo es tan apacible cuanto nueva por la variedad de
cosas, y tan notable como deleitosa por sus muchas extrañezas. El romance que lleva es
llano y cual ahora usan, la orden concertada e igual, los capítulos cortos para ahorrar
palabras, las sentencias claras aunque breves. He trabajado por decir las cosas como
pasan. Si algún error o falta hubiere, suplidlo vosotros por cortesía, y si aspereza o
blandura, disimulad, considerando las reglas de la historia; que os certifico no ser por
malicia. Contar cuándo, dónde y quién hizo una cosa, bien se acierta; empero decir cómo,
es dificultoso, y así, siempre suele haber en esto diferencia. Por tanto, se debe contentar
quien lee historias de saber lo que desea en suma y verdadero, teniendo por cierto que
particularizar las cosas es engañoso y aun muy odioso; lo general ofende poco si es
público, aunque toque a cualquiera; la brevedad a todos place; solamente descontenta a
los curiosos, que son pocos, y a los ociosos, que son pesados. Por lo cual he tenido en
esta mi obra dos estilos, porque soy breve en la historia y prolijo en la conquista de
México. Cuanto a las entradas y conquistas que muchos han hecho a grandes gastos, y yo
no trato de ellas, digo que dejo algunas por ser de poca importancia, y porque los más de
ellas son de una misma manera, y algunas por no las saber, que sabiéndolas no las
dejaría. En lo demás, ningún historiador humano contenta jamás a todos, porque si uno
merece alguna loa, no se contenta con ninguna, y la paga con ingratitud; y el que hizo lo
que no querría oír, luego lo reprehende todo, con que se condena de veras.
202
ZÁRATE, Agustín de. Historia del descubrimiento y conquista del Perú. Edición,
notas y estudio preliminar de Franklin Pease G. Y.; Teodoro Hampe Martínez.
Lima: Fondo Editorial de la Pontificia Universidad Catolica del Peru, 1995.
A LA MAGESTAD DEL REY DE INGLATERRA, PRÍNCIPE,
NUESTRO SEÑOR, AUGUSTÍN DE ÇÁRATE, CONTADOR DE
MERCEDES DE LA MAGESTAD CESÁREA
203
S.C.R.M.
Siruiendo yo el cargo de Secretario en el Real Consejo de Castilla, donde auía
quinze años que residía, en fin del año passado de quarenta y tres me fue mandado, por la
Magestad del Emperador Rey, Nuestro Señor, y por los del su Consejo de las Indias, que
fuesse a las prouincias del Perú y Tierra Firme a tomar cuenta a los oficiales de la
hazienda real del cargo de sus oficios y a traer los alcances que della resultassen; assí me
embarqué en la flota donde fue proueydo por Visorey del Perú Blasco Nuñez Vela.
Llegados allá, vi tantas rebueltas y nouedades en aquella tierra, que me pareció cosa
digna de ponerse en memoria; aunque después de escrito lo de mi tiempo, conocí que no
se podía bien entender si no se declarauan algunos presupuestos de donde aquello toma
origen, y assí, de grado en grado, fuy subiendo, hasta hallarme en el descubrimiento de la
tierra, porque van los negocios tan dependientes vnos de otros que por qualquiera que
falte no tienen los que se siguen la claridade necessaria, lo qual me compelió començar
(como dizen) del hueuo trojano.
No pude en el Perú escreuir ordenadamente esta relación (que no importará poco
para su perfeción) porque sólo auerla allá començado me vuiera de poner en peligro de la
vida con vn maestre de campo de Gonçalo Piçarro, que amenazaua de matar a qualquiera
que escriuiesse sus hechos, porque entendió que eran más dignos de la ley de oluido, que
los athenienses llamauan amnistía, que no de memoria ni perpetuidad. Necessitóme a
cessar allá en la escriptura y a traer acá para acabarla los memoriales y diarios que pude
auer, por medio de los quales escreuí vna relación que no lleua la prolixidad y
cumplimiento que requiere el nombre de historia, aunque no va tan breue ni sumaria que
se pueda llamar comentarios, mayormente yendo diuidida por libros y capítulos, que es
muy diferente de aquella manera de escreuir. No me atreuiera a emprender el vn estilo ni
el otro si no confiara en lo que dize Tulio, y después dél Caio Plinio, que aunque la
poesía y la oratoria no tienen gracia sin mucha eloquencia, la historia de qualquier
manera que se escriua deleyta y agrada porque por medio della se alcança a saber nueuos
acontecimientos, a que los hombres tienen natural inclinación, y aun muchas vezes se
huelgan de oyrlos contar a vn rústico por palabras grosseras y mal ordenadas. Y assí, no
204
siendo el estilo desta escritura tan polido como se requería, seruirá de saberse por él la
verdad del hecho, quedando licencia, y aun facilidad, a quien quisiere tomar este trabajo,
para escreuir la historia de nueuo, con mejores palabras y orden, como vemos que
aconteció muchas vezes en las historias griegas y latinas y aun en las de nuestros tiempos.
Lo que toca a la verdad, que es donde consiste el ánima de la historia, he
procurado que no se pueda emendar, escriuiendo las cosas naturales y acidentales que yo
vi sin ninguna falta ni dissimulación y tomando relación de lo que passó en mi ausencia
de personas fidedignas y no apassionadas, lo qual se halla con gran dificultad en aquella
prouincia, donde ay pocos que no estén más aficionados a vna de las dos parcialidades –
de Piçarro o Almagro– que en Roma estuuieron por César o Pompeyo o, poco antes, por
Syla o Mario. Pues entre los viuos o los muertos que en el Perú viuieron no se hallará
quien no aya recebido buenas o malas obras de vna de las dos cabeças o de los que dellas
dependen. Si vuiere alguno que cuente diferentemente este negocio, será quanto a la
primera de las tres partes en que todas las historias se diuien, que es de los intentos o
consejos, en los qual no es cosa nueua diferir los historiadores. Pero quanto a las otras
dos partes, que contienen hechos y sucessos, he trabajado lo que pude por no errar.
Quando acabé esta relación salí de vn error598 en que hasta entonces estuue, de
culpar a los historiadores porque en acabando sus obras no las sacan a luz, creyendo yo
que su pretensión era que el tiempo descubriesse sus defectos, consumiendo los testigos
del hecho. Pero agora entiendo la razón que tienen para lo que hazen en esperar que se
mueran las personas de quien tratan - y aun algunas vezes les vernía bien que pereciessen
sus descendientes y linaje -, porque en recontar cosas modernas ay peligro de hazer
graues ofensas y no ay esperança de ganar algunas gracias, pues el que hizo cosa
indeuida, por liuianamente que se toque, siempre quedará quexoso de auer sido el autor
demasiado en la culpa de que le infama y corto en la desculpa que él alega. Y por el
contrario, el que merece ser alabado sobre alguna hazaña, por perfectamente que el
historiador la cuente, nunca dexará de culparle de corto, porque no refirió más
copiosamente su hecho, hasta henchir vn gran volumen de solas sus alabanças. De lo qual
porcede necessitarse el que escriue a traer pleyto: o con el que reprehende, por lo mucho
que se alargó, o con el que alaba, por la breuedad de que vsó. Y assí sería muy sano
598 Modificado: de la opinión.
205
consejo a los historiadores entretener sus historias no solamente los nueue años que
Horacio manda en otras qualesquier obras, pero aun nouenta, para que los que proceden
de los culpados tengan color de negar su descendencia, y los nietos de los virtuosos
queden satisfechos con qualquier loor que vieren escrito dellos.
El temor deste peligro me auía quitado el atreuimiento de publicar por agora este
libro, hasta que Vuestra Magestad me hizo a mí tanta merced y a él tan gran gauor de
leerle, en el viaje y nauegación que prósperamente hizo de La Coruña a Inglaterra, y
recebirle por suyo y mandarme que le publicasse y hiziesse imprimir. Lo qual cumplí en
llegando a esta villa de Anuers los ratos que tuue desocupados de la labor dela moneda de
Su Magestad, que es mi principal negocio. A Vuestra Magestad suplico reciba en seruicio
mi trabajo y tenga por suyo este libro como lo es el autor dél, porque desta manera estará
seguro de las murmuraciones que pocas vezes faltan en semejantes obras, en lo qual
recibiré señalada merced de Vuestra Magestad, cuya real persona Nuestro Señor guarde
con acrecentamiento de más Reynos y Señoríos, como por sus criados es desseado. De
Anuers a XXX. de Marco. Año M. D. LV.
FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Sumario de la Natural Historia de las Indias.
Edición, introducción y notas de José Miranda. México, DF: Fondo de Cultura
Económica, 1996.
206
DEDICATÓRIA
Sacra, católica, cesárea, real Majestad: La cosa que más conserva y sostiene las
obras de natura en la memoria de los mortales, son las historias y libros en que se hallan
escritas; y aquellas por más verdaderas y auténticas se estiman, que por vista de ojos el
comedido entendimiento del hombre que por el mundo ha andado se ocupó en escribirlas,
y dijo lo que pudo ver y entendió de semejantes materias. Esta fué la opinión de Plinio, el
cual, mejor que otro autor en lo que toca a la natural historia, en treinta y siete libros, en
un volumen dirigido a Vespasiano, emperador, escribió; y como prudente historial, lo que
oyó, dijo a quién, y lo que leyó, atribuye a los autores que antes que él lo notaron; y lo
que él vió, como testigo de vista, acumuló en la sobredicha su historia. Imitando al
mismo, quiero yo, en esta breve suma, traer a la real memoria de vuestra majestad lo que
he visto en vuestro imperio occidental de las Indias, islas y tierra-firme del mar Océano,
donde há doce años que pasé por veedor de las fundiciones del oro, por mandado del
Católico rey don Fernando, quinto de tal nombre, que en gloria está, abuelo de vuestra
majestad, y después de sus días he servido, y espero servir lo que de la vida me quedare,
en aquellas partes a vuestra majestad. Todo lo cual, y otras muchas cosas de esta calidad,
muy más copiosamente yo tengo escrito, y está en los originales y crónica que yo escribo
desde que tuve edad para ocuparme en semejante materia, así de lo que pasó en España
desde el año de 1490 años hasta aquí, como fuera de ella, en las partes y reinos que yo he
estado; distinguiendo la crónica y vidas de los Católicos reyes don Fernando y doña
Isabel, de gloriosa memoria, hasta el fin de sus días, de lo que después de vuestra
bienaventurada sucesión se ha ofrecido. Demás de esto, tengo aparte escrito todo lo que
he podido comprender y notar de las cosas de Indias;599* y porque todo aquello está en la
ciudad de Santo Domingo, de la isla Española, donde tengo mi casa y asiento y mujer y
hijos, y aquí no traje ni hay de esta escritura más de lo que en la memoria está y puedo de
ella aquí recoger, determino, para dar a vuestra majestad alguna recreación, de resumir en
aqueste repertorio algo de lo que me parece; que aunque acá se haya escrito y testigos de
599 V. en el prólogo de esta edición el capítulo relativo a las obras de Fernández de Oviedo.
207
vista lo hayan dicho, no será tan apuntadamente en todas estas cosas como aquí se dirá;
aunque en algunas de ellas, o en todas, hayan hablado la verdad los que a estas partes
vienen a negociar o entender en otras cosas que de más interés les pueden ser; los cuales
quitan de la memoria las cosas de esta calidad, porque con menos atención las miran y
consideran que el que por natural inclinación, como yo, ha deseado saberlas, y por la obra
ha puesto los ojos en ellas. Aqueste sumario no contradirá lo que, como he dicho, más
extensamente tengo escrito; pero será solamente para el efecto que he dicho, en tanto que
Dios me lleva a mi casa, para enviar desde allí todo lo que tengo penetrado y entendido
de esta verdadera historia; a la cual dando principio, digo así: Que, como es notorio, don
Cristóbal Colón, primero almirante de estas Indias, las descubrió en tiempo de los
Católicos reyes don Fernando y doña Isabel, abuelos de vuestra majestad, en el año de
1491 años, y vino a Barcelona en el de 1492,600* con los primeros indios y muestras de
las riquezas, y noticias de este imperio occidental; el cual servicio hasta hoy es uno de los
mayores que ningún vasallo pudo hacer a su príncipe, y tan útil a sus reinos como es
notorio; y digo tal útil, porque hablando la verdad, yo no tengo por castellano ni buen
español al hombre que esto desconociese. Pero porque aquesto está más particularmente
dicho y escrito por mí donde he dicho, no quiero decir en esta materia otra cosa, sino,
abreviando lo que de suso prometí, especificar algunas cosas, las cuales serán muy pocas,
a respeto de los millares que de esta calidad se pueden decir. E primeramente trataré del
camino y navegación, y tras aquesto diré de la manera de gente que en aquellas partes
habitan; y tras esto, de los animales terrestres y de las aves y de los ríos y fuentes y mares
y pescados, y de las plantas y yerbas y cosas que produce la tierra, y de algunos ritos y
ceremonias de aquellas gentes salvajes. Pero porque ya yo estoy despachado para volver
a aquella tierra e ir a servir a vuestra majestad en ella, si no fuere tan ordenado lo que
aquí será contenido, ni por tanta regla dicho como me ofrezco que estará en el tratado que
he dicho que tengo copioso de todo ello, no mire vuestra majestad en esto, sino en la
novedad de lo que quiero decir, que es el fin con que a esto me muevo; lo cual digo y
escribo por tanta verdad como ello es, como lo podrán decir muchos testigos fidedignos
600 El error en los años del descubrimiento y venida de Colón a Barcelona (1492 y 1493, respectivamente) resulta inexplicable. Fernández de Oviedo conocía muy bien las dos fechas, y no creemos que fuera una falla de su memoria –reputada por todos como privilegiada– la causa de tal error.
208
que en aquellas partes han estado, que viven en estos reinos, y otros que al presente en
esta corte de vuestra majestad hoy están y aquí andan, que en aquellas partes viven.
209
CORTES, Hernán. Primera Carta de Relación. In: Cartas de Relación. Edición de
Mario Hernández Sánchez-Barba. Madrid: Dastin, 2003.
[…]
Muy altos y muy poderosos, excelentísimos príncipes, muy católicos y muy
grandes reyes y señores:
Bien creemos que vuestras majestades, por letras de Diego Velázquez, teniente de
almirante en la isla Fernandina, habrán sido informados de una tierra nueva que puede
haber dos años más o menos que en estas partes fue descubierta, que al principio fue
intitulada por nombre Cozumel y después la nombraron Yucatán, sin ser lo uno ni lo otro,
como por esta nuestra relación vuestras reales altezas mandarán ver; y porque las
relaciones que hasta ahora a vuestras majestades de esta tierra se han hecho, así de la
manera y riquezas de ella como de la forme en que fue descubierta y otras cosas que de
ella se han dicho, no son ni han podido ser ciertas, porque nadie hasta ahora las ha sabido
cómo será ésta que nosotros a vuestras reales altezas escribimos y contaremos aquí desde
el principio que fue descubierta de esta tierra hasta el estado en que al presente está,
porque vuestras majestades sepan la tierra que es, la gente que la posee y la manera de su
vivir y el rito y ceremonias, secta o ley que tienen, y el feudo que en ella vuestras reales
altezas podrán hacer y de ella podrán recibir, y de quién en ella vuestras majestades han
sido servidos, porque en todo vuestras reales majestades puedan hacer lo que más
servidos serán; y la cierta y muy verdadera relación es en esta manera:
Puede haber dos años poco más o menos, muy esclarecidos príncipes, que en la
ciudad de Santiago, que es en la isla Fernandina, donde nosotros hemos sido vecinos en
los pueblos de ella, se juntaron tres vecinos de la dicha isla, el uno de los cuales se dice
Francisco Fernández de Córdoba, el otro Lope Ochoa de Caicedo, y el otro Cristóbal
Morante, y como es costumbre en estas islas que en nombre de vuestras majestades están
pobladas de españoles, de ir por indios a las islas que no están pobladas de españoles para
se servir de ellos, envían los susodichos, dos navíos y un bergantín para que de las dichas
islas trajesen indios a la dicha isla Fernandina, para servir-se de ellos; y creemos, porque
aún no lo sabemos de cierto, que el dicho Diego Velázquez, teniente de almirante, tenía la
210
cuarta parte de la dicha armada. Y uno de los dichos armadores fue por capitán de la
armada, llamado Francisco Fernández de Córdoba, y llevó por piloto a un Antón de
Alaminos, vecino de la villa de Palos. Y a este Antón de Alaminos trajimos nosotros
ahora también por piloto, y lo enviamos a vuestras reales altezas para que de él, vuestras
majestades puedan ser informados.
Y siguiendo en viaje fueron a dar a la dicha tierra intitulada de Yucatán, a la punta
de ella, que estará sesenta o setenta leguas de la dicha isla Fernandina de esta tierra de la
Rica Villa de la Vera Cruz, donde nosotros en nombre de vuestras reales altezas estamos,
en la cual saltó en un pueblo que se dice Campeche, donde al señor de él pusieron por
nombre Lázaro, y allí le dieron dos mazorcas con una tela de oro por cama, y otras
cosillas de oro. Y porque los naturales de la dicha tierra no los consintieron estar en el
pueblo y tierra, se partieron de allá y se fue la costa abajo hasta diez leguas, donde tornó a
saltar en tierra junto a otro pueblo que se llama Nochopobón y el señor de él Champotón;
y allí fueron bien recibidos de los naturales de la tierra, mas no los consintieron entrar en
su pueblo y aquella noche durmieron los españoles fuera de las naos en tierra; y viendo
esto los naturales de aquella tierra, pelearon otro día en la mañana con ellos, en tal
manera que murieron veintiséis españoles y fueron heridos otros tantos. Finalmente,
viendo el capitán Francisco Fernández de Córdoba esto, escapo con los que le quedaron a
acogerse a las naos.
Viendo pues el dicho capitán cómo le habían muerto más de la cuarta parte de su
gente, y que todos los que le quedaban estaban heridos, y que él mismo tenía treinta y
tantas heridas y que estaba casi muerto que pensaría escaparse, se volvió con los dichos
navíos y gente a la isla Fernandina donde hicieron saber al dicho Diego Velázquez cómo
habían hallado una tierra muy rica en oro, porque a todos los naturales de ella los habían
visto traer puesto adellos en las narices, adellos en las orejas y en otras partes, y que en la
dicha tierra había edificios de cal y canto, y mucha cantidad de otras cosas que de dicha
tierra publicaron, de mucha administración y riquezas, y dijéronle que si él podía enviar
navíos a rescatar oro, que había mucha cantidad de ello.
[…]