o novo príncipe

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Por Gama e Castro.

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  • PURCHASED FOR THE

    UMIVERSITY OF TOROJSTO LIBRARY

    FROM THE

    CAMADA COL/NCL SPECIAL GRANT

    FOR

    HISTORY

  • Digitized by the Internet Archivein 2010 with funding from

    University of Toronto

    http://www.archive.org/details/onovoprncipeouOOcast

  • Cl

    Q> mO^Q) wmm^W'm,

  • o NOVO prncipe

    DOS

    GOVERNOS MONARCHICOS,

    /

    %o^

    Non fate contra il vero ai core un calloCome slete usl ; anzi volgete gli cechiMentre emendar potete il vostro fallo.

    Petrarca, Trionfo di tempo.

    SEGUNDA EDIO

    ,

    Reviita e consideravelmente augmentada pelo Auton

    {0 b^ anetrJ.

    TTP. IMP. E CONST. DB J. VILLF.NEUVR E COMP.,

    RUA DO OUVIDOR, N. 05.

    18^1.

  • AHI"

    7C

  • ii ai3aPm^ganda,Parte destes captulos foro com efTeito delineados

    em 1827 na mesma occasio em que eu estava pagan-do a temeridade de ter proclamado face de toda aBeira os direitos do legitimo soberano dos Portugue-zes

    ,

    que,

    por singular disposio da Providencia

    ,

    ero ao mesmo tempo os da religio e os do estado.Quatrocentas sentinellas tiradas dos bancos da Univer-sidade me guardaro successivamente na torre que meservia de crcere; e poucas houve que no fizessemesforos para chamar ao grmio da sua igreja esta ove-lha perdida , apresentando-me com ardente caridadeos fundamentos da sua crena. Foro as luzes (diga-mo-lo pela expresso vigorosa de Milton) que me fi-zero visveis as trevas daquelle abysmo. Todos os dias

  • recolhia algum dos seus princpios lundamontaes, cem outros tantos captulos ia escrevendo, quando po-dia

    ,a sua refutao.

    Em muito menos de metade se achava a minha obra,quando o indulto do mesmo anno mo veio restituir aliberdade tanto mais appetecida

    ,

    quanto menos espe-rada. O prazer do a gozar, as congratulaes dos ou-tros confessores da legitimidade, os cuidados de mesubtrahir a novas perseguies com que fui ameaadoat que se dissipou a tormenta de 1828, me varrroda lembrana todas as idas do meu antigo projecto

    ,

    quando o acaso, que he o pai dos descobrimentos, fezcahir nas mos d'alguns amigos os primeiros captu-los do meu trabalho, de que eu j quasi me no lem-brava. Foro as suas instancias que me animaro aprosegui-lo.

    Assim o fiz; porm to destitudo de meios e desoccorros, que me vi obrigado

    ,

    por falta de livros, acitar quasi sempre de memoria os factos histricos deque me sirvo. Esta penria foi ao mesmo tempo cau-sa de segundo inconveniente

    ;porque aproveitando-

    me de muitas idas que no so novas , no me foipossvel apontar precisamente aquelles a quem ellaspertencem de propriedade. Porm que importa quehuma ida no seja nova, se ella se acha abandonadaou esquecida? Que importa que seja alheia, se pdcservir de principio para novas consequncias e teisapplicaes?

    No momento em que eu me preparava para mandarpara a imprensa o manuscripto, desembarcaro noPorto os Argonautas da Terceira; e desde ento vi-meenvolvido em huma serie de acontecimentos to ex-traordinria

    ,que eu mesmo a teria par impossivel

  • -. 9

    se a dolorosa experincia do que tenho passado me nconvencesse da sua realidade. Assisti , collocado em

    alto circulo, a todas as phases da revoluo que mu-

    dou em 1834 a face dos negcios de Portugal : vi fu-zillar sobre mim, por mais de huma vez, o punhaldos assassinos; e, forado a abandonar em Dezembrodo mesmo anno as doces margens do Tejo , vaguei lon-go tempo por todos os paizes da Europa , desde o T-bre ao Elba , fallando todas as linguas , vivendo corihomens de todas as crenas, estudando as mximas detodos os governos.

    Esta dolorosa peregrinao no foi de todo perdidapara o presente opsculo : reformei muitos dos cap-tulos que tinha escripto

    ,

    parte dos quaes j tinho sa-bido luz em Lisboa com grande aceitao; escrevioutros de novo; vi muito, observei muito, mediteimuito. Apesar de todas estas diligencias, estou ainda

    mui longe de reputar perfeito este trabalho; e no te-rei duvida em reforma-lo, se os conselhos de pessoasentendidas e bem intencionadas me pozerem em cir-cumstancias de melhora-lo n'outra edio. Por ora hehum ensaio para melhor cousa e nada mais.No sei se se achar reprehensivel

    ,

    por affectado

    ,

    este luxo histrico que vai espalhado por hum gran-de numero de capitulos; mas, como he possvel es-

    crever razoavelmente em politica , sem ir constante-

    mente apoiado sobre o esteio da historia? A historia,dizia Ccero , he a luz da verdade e a mestra de bemviver.

    Por toda a parte subordinei a elegncia clareza:

    quando se escreve para convencer, ^ cada momentohe necessrio estar sacrificando a musica da lingua-gem

    ,porque poucas vezes se pde conciliar o interes-

  • 10

    SC da intvlligcnciii com a satisfa;1o do ouvido. N'liuinacousa, porm, empenhei principalmente todo o cui-dado; c foi cm que o livro me no saliissc pejado decapitulos ociosos donde o leitor nao tirasse mais fru-cto (jue o trabalho de t-los lido. No ha cousa d(; quetanto medo eu tenha quando escrevo, como de quedipjao de mim o que de alguns livros do seu tempodizia o nosso primeiro clssico : Emquanto os eu voulendo, bem os entendo; mas depois que os acabo deler, no sei o que me disscro. No quero dizer quem sou. Os trabalhos d'hum

    homem obscuro apenas podem interessar,

    quandomuito, aos seus amigos; e nem ao menos gozo doprivilegio de poderem servir aos outros d'exemplo.Se nesta obra se encontrarem verdades dignas de adop-tar-sc , no perdero o que valem por ser desconhe-cida a penna donde sahiro; c se nada se contm nellaque digno seja de aproveitar-se , de que serve exporhum nome desconhecido aos tiros da inveja que, quan-do morre, deixa sempre depois de si a calumnia quenunca morre? Amanesciri, diz Kempis na Imitao.No tenho pretenes de celebridade, nem a dese-

    jo; e, quando a desejasse, bem pouco prpria seriapara grangca-la huma obra , cujo verdadeiro mereci-mento consiste muito menos no pouco que nella se en-contra de original, que na restaurao de algumas ver-dades j velhas, porm arteiramente desviadas ou es-quecidas.

  • ]lJJlflB(E>Ii)Iir(B($l(Do

    CAPITULO UMICO.

    A CONSTITUIO E O PRNCIPE.

    Desde que houve no mundo vassallos queobedecessem e prncipes que governassem

    ,

    houve sempre quem dissesse e pensasse quea felicidade do povo estaria em perigo sem

    hum corpo de leis, chamado constituio,que prescrevesse limites autoridade muitoabsoluta do soberano, que lhe reprimisse astentaes de arbitrariedade, e que remediasse

    os eeitos da ineptido. Todavia, por muito

    grande que em qualquer das pocas antigas

    tenha sido este espirito de desconfiana , e

    mesmo de hostilidade contra os reis, he certo

    que nunca chegou a to descomedido excessocomo agora. Hoje nem j se quer que os

  • 12

    soberanos governem; apenas se llics concede

    que rdnem, Diz-se-lhes que o exerccio dopoder executivo he atlribuico exclusivamen-

    te sua; mas nenhum dos seus actos pde tero mais pequeno eTeito sem que seja referen-

    dado pelos ministros. A eleio destes lti-

    mos pertence- lhes com excluso de todos os

    outros poderes do estado; mas se a escolha

    no recahir naquelles que lhes forem indicados

    pelas maiorias das camars, cm breve se vem

    na dura necessidade de demilti-los. lN'huma

    palavra , tudo quanto hoje se exige do reiconstitucional he que ponha o seu nome emtodos os papeis que lhe forem apresentados

    pelos ministros, pouco mais ou menos como

    o collector pe a verba do sello nos papeispblicos para quecorro; c a cngrua, quepara sua subsistncia lhe arbitro as camars,he menos a paga do seu trabalho, que o pre-wmio da sua condescendncia. Emfim, a cons-tituio he tudo e o rei nada. Que elle sejahum Calgula ou hum Marco Aurlio

    ,hum

    monstro de crimes ou hum compendio deperfeies, pouco importa; porque por graa

    da constituio, sem mais nada, ha de ser, em

    que lhe pez, infinitamente bom, e infinitamen-te sbio , e at quer Deos o queira

    ,

    quer

  • 13

    no. A constituio (dizem) prende-lhc intei-

    ramente os braos para fazer mal , mas dei-

    xa-lh'os completamente desembaraados para

    fazer bem.At quando abusar os utopistas da cre-

    dulidade do povo? At quando substituiroas fices constitucionaeSj como elles mesmos

    lhes chamo, realidade dos factos ? No que-ro dizer que a constituio do estado seja

    absolutamente sem eFeito sobre a felicidade

    do povo; porm affirmo, sustento e juro queesta felicidade depende incomparavelmente

    mais do caracter, da indole e das mximasde quem governa , do que da natureza daconstituio existente.

    De que srvio a constituio ingleza no

    tempo de Henrique VIII,

    para que este prn-

    cipe deixasse de ser hum dspota? Que em-barao real tem posto as monstruosidades daconstituio de Dinamarca para que este paizno tenha sido e seja hum dos mais bem ad-ministrados da Europa ? Quem fez subir In-glaterra, durante o reinado de Izabel, ao maisalto gro de prosperidade a que chegou desdea conquista do rei Guilherme, e descer du-rante o reinado seguinte tanto ou mais abaixo

    ainda do que o ponto donde havia subido ?

  • 1/i

    Por ventura no era a constituio do estadoa mesma ? No era a nao a mesma ? Noera o parlamento o mesmo? No cro as cir-cumstancias cm que comeou o reinado dorei Jaime infinitamente mais favorveis doque aqnellas em que comeou o reinado deIzabel ? He certo que todas as circumstan-

    cias ero as mesmas, ou ainda mais favor-

    veis durante o segundo reinado que no pri-meiro ; porm o que no era o mesmo era ocaracter

    ,os recursos c a capacidade do prin-

    cipe. Rex crat Elisabelk (dissero por humpasquim a Jaime I)

    ,niinc cst regina Jacobus,

    Logo, do caracter do prncipe, das idas quetiver

    ,das mximas que adoptar , depende

    essencial e principalmente a felicidade dos

    povos.

    Se o principe he digno de reinar,

    ser o

    povo feliz, ainda que a constituio seja m;se o soberano he mo, ser a nao desgra-ada , ainda que a constituio seja boa.

    IN 'huma palavra;

    For forins of government let ools contest:

    That wbich is best adininister'd, is the best.POPB.

    Foi a convico intima deste principio que

    deu nascimento composio desta obra.

  • 15

    Talvez cada capitulo delia possa parecer aos

    leitores prevenidos hum paradoxo ; mas osque se derem ao trabalho de examinar semparcialidade sua doutrina, acharO que nofoi sem fundamentos mui graves que o au-tor se apartou quasi sempre do caminhotrilhado pelo philosophismo moderno.

  • SECO PRIMEIRA.

    Os Direitos do Homem.

    CAPITULO I.

    Liberdade.

    .... prinid jii/i labts.

    ViaciLio.

    Tantas e trio elegantes cousas tem sido ditas e

    escriptas, ha cousa de duas dzias de annos, acer-

    ca do objecto que *az o assumpto deste captulo,que nada seria to facit como achar em todo estepanorama de lindos nadas com que inlammar aimaginao dos leitores falland-ilies da liberdade;desta mentirosa cadima, que tanto nos tem promet-

    tido... e que to pouco nos d! Porm o intuito comque se escreveu este livro no foi para excitar as

    paixes, foi para desassombrar a razo. Malditosscjo aquelles que primeiro acccndro os f^gos f-tuos da eloquncia para conduzirem os homens aprecipcios I

  • -^ is

    i)csoi)^iiiMUiio-iios por liuina \t/: a libcrtiudc iiuo

    lio liiirn liiii , lic hum meio. Por vcnlura , fjuandoic pede a liberdade para os povos, lic s para queas naes sejo livres? No; lie ponjuc se suppoc(juc smenlo por e.^le meio lie que sero os liomcnselizcs. L0150, se se vier a provar que o meio unororrcspoiulc ao im , hc preciso rejcila-lo comoinulll ; e se SC vir que corresponde a hum im inlei-ramcnlc opposto ao que se deseja, hc preciso pros-creve-lo como perigoso. Eis-aqui o que diz a cslc

    respeito em Plularcho hum habitante de Sicyone : O primeiro dos nossos reis foi Orthagoras, o ultimo que tivemos foi Clisthenes. Os dcoscs que ap-plico muitas vezes remdios violentos o males ex-tremos , fizcro nascer estes dous principcs para

    nos resgatarem de liuma liberdade ainda mais funes-ta que a escravido,

    Isto posto , examinemos a liberdade nos seus cf-fcitos e resultados , c vejamos ate que ponto estachave que nos veio de Frana para com ella abrir-mos as portas do templo da felicidade , nos pdcservir para o fim para que hum exercito de philan-ihropos a recommenda,

    Chama-sc liberdade a faculdade que cada ho-mem tem de pr em aco todas as suas vontades ;c chama-se direito a razo sufficienle, isto he, jus-tificante de cada huma das suas aces. Como arazo suficicntc dessas aces no he seno a liber-

    dade de as praticar, segue-se que,quando se con-

    sidera o homem isolado de todos os outros indiv-duos da sua espcie, os vseus direitos 6 a sua liber-

    dade vem a ser huma c a mesma cousa.

  • 19 t

    A Icnuencia natural do lioniom he procurar a suafelicidade ; isto hc (fallando debaixo da mesma hy-

    polhcse), salisazer Iodas as suas precises, c appro-priar-sc de ludo o que pode causar-lhe prazer, com-modidade ou salisao. Em razo desta tendncianatural, colher o homem os fructos das arvorespara se nutrir matar os animaes para se vestircom as suas pelles destruir c queimar as plantaspara se aquecer ; e todos estes actos de destruio

    se suppor praticados em consequncia dos seusdireitos , isto he, da sua liberdade.

    Supponhamos, porm, muitos homens reunidosn'huma mesma sociedade. O individuo mais fortequerer sem duvida appropriar-se, custa do maisfraco

    ,de tudo o que poder causar lhe satisfao ;,

    ou preencher as suas necessidades : o mais fracoresistir; c , ou ser assassinado pelo mais fortC;, ouse separar da sociedade, O mesmo ir acontecen-do com cada hum dos outros membros delia, atque todos scjo assassinados pelo mais forte, ou quea sociedade se dissolva, isolando-se os individues

    que a compunho. Loth o Abraho (e ero homensjustos!), por no poderem conciliar as suas prc-tenes encontradas

    ,houvero de separar-se , to-

    mando hum para a direita e outro para a esquer-da (*).

    A consequncia disto he que as duas idas de so-ciedade e liberdade so contradictorias; c que, humavez consllluida a primeira , ica necessariamenteexcluda a segunda.

    (') GclCul, Qi\[K lo.

  • 20

    Fallo a(jiii da lihordado iio nn3Sino sentido em

    que a tomo os j)hiIaiillir()))os da 'poa; isto lic,daquclla liberdade jiie no pdc deixar de ser humresultado immediato da igualdade que pretendemestabelecer. Esta, ainda o repito, hc absolutamen-

    te incompatvel com a sociedade, e com as van-tagens que delia resultoo ao gcncro humano.O primeiro grande ohjfcto da sociedade, huma

    vez constituda, he a sua conservao; o segundo,

    a sua felicidade. Aquelle suppc que nenhum dos in-divduos associados deve atacar a existncia dos ou-

    tros; este, que tambm nao deve oTender a sua pro-priedade. Consideradas as cousas debaixo deste novoponto de vista, estas palavras Direitos do hoincin

    lomo huma significao mais rcslricta. Os interes-ses de cada individuo j no podem ser verdadei-ramente separados dos interesses dos outros ho-mens; e os esforos que cada hum fizesse para otentar, scrio outros tantos actos de hostilidade geral

    que tarde ou cedo rccahirio sobre a cabea deseu autor. Assim, a expresso Direitos do homemj no exprime a faculdade que cada hum tem deporem aco todas as suas vontades; significa so-mente a liberdade que tem cada membro da socie-dade de procurar todas as suas vantagens sem pre-judicar a existncia e propriedade dos outros. JNopodendo

    ,porem

    ,nenhuma destas duas crcums-

    tancas veriicar-sc,quando a justia ou injustia

    das aces de cada hum para com os outros, istohe, a conformidade ou repugnncia dessas acescom o direito de as praticar depende do prpriojuizo daquclle que as pratica, seguc-se, como con-

  • 2i

    dio infallivel cia sociedade civil,que ningum

    seja juiz em causa prpria. Cumpre que todos osmembros da sociedade resigne qi huma parte dosseus direitos nas mos de quem os administre e exer-cite para beneficio de todos. E como a diTerenaentre quem julga c quem hc julgado estabelecehuma desigualdade essencial entre os primeiros e ossegundos, scgue-sc que as duas idas de sociedadee igualdade se excluem to necessariamente , e soentre si to contradictorias como as duas de so-ciedade e liberdade.

    Se, depois da sociedade constituda, os indiv-

    duos que a compem pretenderem revindicar os di-reitos que tinho resignado, o exerccio desta pre-

    teno chama-se huma revoluo; e o seu resulta-do, consistindo no restabelecimento da liberdade eigualdade primitivas, deve produzir a dissoluo dasociedade pelas razes que acima fico expostas.Logo, toda a revoluo que tiver por objecto o res-tabelecimento dos primitivos direitos do homem hecsscncialmonle absurda ou impossvel.

    Se os que penso d'outra maneira o dizem deboa f, he porque no reparo que fazem humaabstraco, a que no pde corresponder em con-creto nenhum objecto real. Confundem o homemda natureza como o homem da sociedade ; c noreflectem que os direitos do primeiro ho de estarsempre em opposio absoluta com os direitos dosegando. E na verdade, a natureza obra sempresegundo o interesse do individuo; as leis sociaes se-gundo o interesse da sociedade : a natureza tende asatisfazer todas as vontades do primeiro ; as leis so-

  • 2f

    riacs a icprlml-las em beneficio da sop;uiula : a na-tureza a separar; aslcis sociaes a reunir, l^or outras

    palavras: o homem da natureza dirigc-se pelas suasinclinaes; o homem da sociedade regula-se pelosseus deveres. Logo, querer conciliar direitos indi-

    vidnaes e direitos sociaes, sem grande e essencial

    restricro dos primeiros , he hum absurdo manifes-to, ou antes huma loucura.

  • n

    WWVWVVVWUWWVWWWWVWVVWWVXiWWWVWWW

    CAPITULO II.

    Refutao de Jiiima evasiva dospliilanlliropos.

    Porm, j esloii ouvindo o discurso com que osphilantrhopos do dia procuro illudir a evidenciados princpios estabelecidos no capitulo anteceden-te, depois de terem perdido as esperanas de csca-par-lhe.

    Divina liberdade! (exclamo). Presente irrevo-gvel da natureza ! Tu s e no podes deixar de sera origem de toda a fecilidade humana ,* mas por issoque no podes deixar de o ser, hc que malvolos tecalumnio.

    O espirito de servilismo compraz-se em fazerpomposas enumeraes dos abusos que podem fa-zer-se da liberdade,* como se no fosse cousa tri-lhada que o abuso dos mais poderosos remdios osmuda nos mais terrveis venenos; mas, quando cui-da que tem desaccreditado a liberdade , desaccredi-tou s a licena

    ,que ns somos os primeiros a con-

    demnar. A nica liberdade que ns defendemos equeremos , hc a de fazer lado o que a lei no pro-hie, 9 #

    Y-so quo a philanthropia d'agora no he como

  • - 2U -

    a caridade chrisla. O espirito de caridade , que helodo de abnegao , inspira o abandono das prpriasopinies, se delias rcsnlla mal aos outros; o espi-rilo de pbilanllnopia , que lodo lie egoismo, exigo

    o 5acriicio das alheias com vistas na prpria utili-

    dade : e como no ha cousa de que os pliilanthro-

    pos lenhao tirado tanto proveito, como dos seus

    principies e idas acerca da liberdade,porque por

    elles medrao , c por elles so o que so, por isso hcque, resolvidos a sustenta-los a todo o custo e cm

    lodo o transe, ]l\ que no podem destruir as objec-es que lhes fazem , contenlo-se de sopliisma-las.

    Intil he indagar se o discurso dos philanthropos

    he feito de boa f: bastarA fazer ver que tudo nellc

    se reduz a hum simples amassilho do maravalhas, epasso a demonstra-lo.

    J no capit!ilo antecedente se disse que liberda-

    de, no sentido rigoroso da expresso , no he seno

    a faculdade que cada homem tem de pr em exe-cuo todas as suas vontades. Se virtude e sabedo-

    ria fossem condies essenciaes da natureza huma-na , nenhum inconveniente haveria em deixar a cadahomem o exerccio absoluto e pleno da sua liber-dade toda inteira; mas, desde que, a sociedade se

    compe de to grande numero de ignorantes e deperversos, por fora grande numero das aces del-

    les ho de produzir na mesma sociedade grave trans-

    torno, c talvez mesmo arruinar a sua existncia,

    ou, pelo menos, a sua felicidade; porque para es-

    tes no pde haver outra liberdade que no seja li-cena, nem outro uso da liberdade que no seja rca/

    t verdadeiro abuso.

  • ^ 25

    llo supposlo , no ha senuo duas maneiras ima-ginveis de evitar este mal : ou obrando sobre o es-pirito do ignorante, e sobre o corao do perverso,por meio de algum segredo que d ao primeiro oentendimento que no tem , e ao segundo a virtu-de que lhe falta; ou obrando sobre as aces dehum e outro por tal modo que deixem de ser oque so para que comecem a ser o que devem. Scos philanthropos possuem o segredo de que se tra-ta, desde j lhes concedo ganho da causa , e de mui-to boa vontade ; mas o seu grande

    ,posto que gros-

    seiro e miservel engano, consiste em suppr quese pde obrar com tanta facilidade sobre o espiritoc sobre o corao do homem , como sobre as suasaces. He fcil, ou, pelo menos, possivel fazerque as aces do estpido ou do perverso sejoantes estas que outras; porm no he possivel nemfcil fazer que o estpido se convena daquiilo que

    no entende, ou que o perverso desejo o que noquer.

    E o mais he que a isto mesmo, sem que elles o pen-sem, se reduz em ultima analyse a prpria doutrina

    dos philanthropos. A liberdade (dizem) he justa,he santa e he divina ; porm a perversidade ou aignorncia dos homens he que hz com que, peloabuso que se faz delia, os seus resultados no sejobons.

    Aceito a confisso e insisto desta maneira : Poisse vs confessais que a liberdade s pde ser boa

    ,

    quando os homens forem intclligentes e justos, por-que no comeais primeiro por dar-lhes a virtude oua intelligencia que lhes falta, para que depois possais

  • iconccler-lhcs som perigo o uso di lihrdadc? NSo '.

    vflis qiic ciTKjuaiiU) no Iv(T(1(;s salislVilo csla con-dio csscncialissima ao bem da communidadr, tal-vez ides dar ao assassino o punhal para qnc vosmalc, 011 ao Lu

  • 27

    v\\\\v\\v\\\v\v\\\\\uv^wwvwvwvwwwwwwvvwv

    CAPITULO III.

    A Igualdade.

    Ainda que no primeiro capitulo desla seco,

    idlando da liberdade , se tenha tratado occasional-mente da igualdade, este ponto de doutrina preci-sa de mais completa explicao. A estabelecer averdadeira theoria da igualdade hc destinado estecapitulo.

    A igualdade lie huma daquellas palavras magi-cas de que se tem servido os agitadores de todas aspocas para electrisarem as massas, e para fazeremservir aos seus fins parliculares os movimentos tu-multuosos delias. lie fcil que o proletrio digacomsigo : Por que motivo ha de aquelle ser rico eeu pobre ? A natureza , creando-nos , deu nos a am-bos iguaes direitos ; e portanto , se elle tem muito cou nada , s pode ser por fora de prepotncia , deNcspoliao c de injustia. Logo, iodos os esforosque eu fizer para restabelecer o equilbrio perdido,

    no so seno outros tantos actos legtimos, pelosquaes eu me coUoco na posio que a natureza medestinou, e entro na fruio de direitos que injus-tamente me usurparo. He, en.V poucas palavras?

    a theoria de todas as revolues possveis.

  • w E por/Tn o discurso tio proletrio no hc ino des-

    litiiido do fundamento, como poderia suppr-se

    :

    polo coplrario , os principies vm que se liinda, sode eterna verdade, e portanto indestruclivcis. Mas,se assim hc , como ser possivel , com semelhantesprincipies, justificar a desigualdade de condiesque vemos na sociedade? Examinemos.O homem, pelo simples aclo da sua creao,

    adquirio dous direitos impccscripliveis-: i, direitode conservao; 2**, direito de elicidade. Porquan-to, se Dcos no tivesse creado o homem para con-scrvar-se, no seria infinitamente sbio; e se o notivesse creado para ser eliz , no seria infinitamen'te bom.

    Se o homem goza imprescriptivelmenle dos dousdireitos de conservao c de felicidade, he foraque igualmente goze do direito de no ser oTendi-do pelos outros cm tudo aquillo que he relativo aesta felicidade ou quclla conservao; porque, se

    assim no fosse , nenhum daquelles dous direitospoderia subsistir, e portanto no serio impres-criptivois. Logo, todo o homem, alm dos dous di-reitos de conservao c de felicidade, goza igual-

    mente do direito de inviolabilidade, que he to im-prcscriptivel, como qualquer dos dous primeiros.

    Mas, como as vistas da natureza , creando hum in-dividuo

    ,foro

    ,c no podio deixar de ser as

    mesmssimas que creando lodos os mais, segue-seque cada himi dellcsgoza, no mesmo gro e com amais pcrfeila igualdade possivel, dos trcs direitosprimitivos de conservao, de felicidade, c de in-

    violabilidade: e portanto , ou a desigualdade de con-

  • -29

    dies que observamos na sociedade lio lyrannica>injusta e arbitraria, oa, para qne o no seja , henecessrio que seja consequncia natural da abso-luta igualdade de direitos em cada bum dos indivi-dues associados. Vejamos se assim he.

    Ate aqui temos considerado os direitos de cada

    individuo em potencia; consideremo-los agora cm

    aco.

    He evidente que cada individuo , entrando noexercicio dos seus direitos, ha de obter hum resul-tado proporcional ao gro de possibilidade de exer-cita-los que as suas circumstancias lhe permittirem.

    Este he forte, aquelle he fraco , hum he intelligente,outro estpido ; e , em consequncia desta dilleren-a , hum obter muito , outro obter pouco , e ou-tro cousa nenhuma. Eis-aqui estabelecida a desi-gualdade de condies.

    Mas, no obstante a diferena dos resultados,cada individuo continua a gozar dos direitos de que

    gozava at ento, por isso mesmo que so impres-

    criptiveis ; e portanto, aquelle que adquirio muito^continua a gozar do direito de no ser violado emtudo aquillo que adquirio , e o que no adquirionada, continua a ficar ligado pela obrigao de noviolar o que adquiriro os outros. Se assim no fos-

    se, ficaria destruda no mesmo instante a igualda-

    de de direitos, que , como fica exposto , he abso-luta e imprescriptivel ; porque hum perderia o di-reito de inviolabilidade , c o outro adquiriria

    direito de violar.

    Logo, por isso mesmo que todos os indivduos

    associados gozo de perfeita igualdade de direitos

    ,

  • 30

    pur iio que cada huai dcsUjs dircilos lio imprcb-criplivel c inalienvel, |)or isso mnsmo lie (|uc adesigualdade de condies que observamos na so-ciedade, lie le^^itinia c jusla , c deve ser jidgada in-violvel.

  • 31

    \\V\V\\\V\'i\VVWV\V^V\V\)WV\V\' v\\.\\\x\v\vwvv\v\\.\w

    CAPITULO lY.

    Sunplcmciilo s Cartas Persianas.

    Cosi alCci^ro fanviul porgiamo axpcrsiDi soavo licor gli orli tlcl vaso :Succlii amari ingannato in lanlo ci bevc^E dairinganno suo vila ricevc.

    (Tasso.)

    Tal se ofrece ao menino qu'enfermraDe mel untada a taa co'a mezinha :Por engano clle bebe a agra bebida

    ,

    E deste engano seu recebe a vida.(Traducro (fo autor.)

    CARTA rRI3IEIRA.

    Illiedi a Usl)eck.

    De Ispahan aos 27 da lua de Mahar-ran no anno da hgira 117 /i.

    Donde vem,

    caro Usbeck , esla estranha desi-gualdade que se observa enlre os homens, apesarde a natureza os ler creado iguaes, e lhes ler dadoem dote os mesmos direitos c a mesma liberdade ?

    Dizem que enlre lodos os povos, ainda os mais an-ligos, houve sempre esta desigualdade de condi-es ; e ns mesmos, no cHma Iciiz da Prsia onde

  • ;V2

    vive o primeiro povo do mundo, no lemos duvidacm privar da liberdade, c muitas vezes do sexo, en-

    tes (juc nos silo srmelhanles cm tudo,

    para os fa-

    zermos servir, A fora de tormentos, nos empregos

    mais vis aos nossos prazeres, c s nossas commodi-dades.

    O philosopho que pensar seriamente cm to es-candalosa e antiga usurpao , no pdc deixar delamentar profundamente esta longa degradao daespcie humana, c de desejar que alguma mo po-derosa e bemfazcja venha apagar por huma vez esteferrete de ignominia, que a crueldade de huma partec a fraqueza da outra imprimiro com o tempo nufrente de nove dcimos do gnero humano. Porventura o homem generoso, que tomasse sobre seushombros huma cmpreza Io nobre, no leria maisdireito aos nossos respeitos e homenagens do que oprprio creador da espcie humana ? A hum de-vcriamos a existncia, ao outro a existncia feliz.

    Tu, caro Usbeck,que vives no paiz das luzes c

    das sciencias , deves ter sem duvida meditado sobre hum ponto de to alta transcendncia e im-portncia. Ouo dizer que o dogma divino daIgualdade e da Liberdade acaba de ser restabele-cido nesses climas felizes por onde viajas agora.Se assim he, tendo tido occasio de accrescentar a

    pralica theoria , deves ler dobrados motivos paraconvencer- te da verdade desta doutrina. Ajudacom a profundidade das tuas relexes os passosainda vacillanles de huma razo pouco segura. Asublimidade da tua eloquncia deve dar estasverdades eternas hum novo gro de considerao o

  • 33

    (Ic interesse ; o talvez que as tuas cartas, chegan-do ao conhecimento de alguns homens prevenidosdestes paizes, vcnho melhorar a condio de cen-tos de desgraados quehicto com a misria e coma penria, em quanto outros , vivendo no seio daabundncia c das superfluidades , se aproveitiocruelmente dos suores de quem para subsistir ape-nas pde chegar ao mais apertadamente necess-rio, custa de hum trabalho continuo e violento.

    CARTA SEGUNDA.

    Usbeck a Rhedi.

    De Paris, aos 14 da lua de Ziihagno anno da hgira 1175.

    Acabo de receber atua carta de 27 da lua deMaharran. A linguagem por que nella me falias, ca-ro Pihedi, he , dizes tu^ aquclla por que nos falia atodos os instantes a natureza : mas quanto no hepreciso cslar prevenido contra essa linguagem cha-mada da natureza, quando se trata de procurar afelicidade do homem ! He certo que a natureza nosarrojou ns a este mundo ; mas quem dir que nohe melhor andar vestido ? IIc certo que a nalurazanos destinou hum curlo perodo de vida ; e quemno pensar que seriamos mais felizes vivendomuito ?

    3

  • 3/1 -

    A bcnadc c u I^tiadadc , (juc , lia loinpos , sedcrciidia em llicorii, acaha do sor posla cm pratica

    cm Ioda a Frana. Sc as geraes fuUicas se apro-

    veilarA das suas vanlagcns, no sei dizcr-te ; po-

    rm o qiic posjo allrmar-L( desde j , lie que noser seno passando por cima dos cadveres das

    presentes.

    Quando cheguei a Paris, haver dous annos, tra-tei logo de fazer-me explicar os succcssos presentes

    pelos passados. Hum homem de mcrccimenlo, comquem liguei amizade, c que se occupa actualmenteem escrever a historia do (empo , me fez ver a ori-gem secreta destas scenas de desolao, que amca-o riscar para sempre a Frana da lista das naes.

    You transcrcvcr-te huma passagem mui interessanteda sua obra : temo que as suas expresses, passando

    pela minha boca, perco alguma cousa da sua ener-gia, e te deixem menos convencido por minha cul-pa. Eis-aqui como clle se exprime

    :

    A dynasla assembla mais soberbaDa representao que obteve cm dobro

    ,

    Na nir deserde' cm nada concordando,Concordar parecia to somenteEm seu dio jurado monarchia :E em lugar de sollicita emprcgar-seKas urgncias do estado e nos subsdiosQue convocado a linho , s curdavaDe vas chimeras, de arvores sem frnclo,De acreas IguaUlailcs , confundindoDireitos do liomcm c'os do bruto inerte

    ,

    Va liberdade e va libertinagem:De cocares, de topes tricolores,Do frios formulrios de etiquetas.E arrogandose j con5t/:(nc.

  • . 35

    Executiva j , legisladoraInviolvel f liuma^ indivisivel

    ,

    Omnipotente, em mais no tinha a miraQue arrasar, demolir dos alicercesHum Ihrono em tantos evos consagrado,

    J ento,por desgraa , essa nobreza

    D'hum grande chefe seu decapitada,Corrupta j em muitos dos seus membrosOffrecia mais fcil a consquisla :E 05 que com melhor senso conheceroDo novo ureo grilho o jugo infame,Repulsados da ptria e doces lares,Ou livres emigrando , a longes climasForo levar, a troco da fortunaE dos perdidos bens, remida a faceDo vergo dcslustroso qu'expclliro.J perdido o decoro magesladeDesde ento desvairou de Gallia o siso,E mais dique no houve que podesseAtalhar nas famlias a discrdia.

    Foi n'hum desses infaustos negros dias.Em que alli succedeu, segundo he fama,A aventura dos quatro malfadadosPor este mesmo nome conhecida.

    Doce , meigo casal,que no seu bairro

    Passava por modelo do mais nobrePuro amor conjugal, dous filhos linhaSem outra alguma prole, adultos arr^bos,Que do fraterno amor ero no menosO mais perfeito espelho. Huma vontade ,Hum s gosto regia os quatro peitos

    ,

    Que parece animar huma s alma!Ludovico era o pai

    ,que encanecera

    Nos arraiaes de Marte , onde ganharaVigor e intrepidez , que inda no perde,E que do primognito formavaO seu maior prazer, como primciasD'hum consorcio mimoso. Era Pbilippa

  • 'My

    Da mui o nomo ; acllva c rcFolila ,(jiianlo o sexo o pcimillc, o qnc oulro lunipoKm mais llsrnilc iilatic ao bom maridoSrj^nira ?-oi)in as loiriclas campa:)Iia5,lliimas vc7.(?s lomaiiclo-llic cm .seus liombiosO pesado fardel na longa cslrada

    ,

    1! marchas Irabalbo^as; oiilras vezesDispondo-llie o aicabiu c o rijo sabre;K do filho menor suas deliciasFazia enlo, (jual iillimo se friiclo.

    (' ]N'hum parco esteio licito, c poupadoDos soldos seus, vivia o par contente.liinto da cara prole, que ao servioDas armas de igual modo se propunha.Ditosa condio, ditosa gente!E inda agora ditosa, se o demnioDe atroz revoluo lhe no viesseQuebrar esta harmonia , e derramar lheSeu azebrc , seu fel e seu veneno !

    De novellas so-apraz a mocidade,Que por oficio ao solido ao maduroHa de sempre antepor o falso c o ftilCom tanto que brilhante. Fascinado,Allucinado o jovene mais tenroDesses nomes da moda alli talhados,Apparatosos, vos de frnicmismo

    ,

    De Jbcrdadc e d'oulros mil phanlasmasDa nova seita, delia s'enamora:E a loquella adoplando-lhe, c a dcvisa.Em casa vai entrar, ornada a lestaDo lao tricolor, que j grassava.O mais velho, que o v, o incrcpa, o exprobra,E lh'eslranha a p'rigosa novidade ;Porm debalde, que altercando cm friaHum c outro mais e mais

    ,emim viero

    Das palavras s mos, das mos ao sangue

    ;

    Pois raivoso e colrico o manceboA espada arranca, e Lubilo investindo

  • 37

    Ao grato irmo , o peilo lhe atravessaAos olhos mesmo , c mesmo sobre os braosDa mi que contra o golpe em vo s'empenha.O moribundo cahe, e o moo estultoSabe, deixando o galero e o ferro tinto.

    A noite se avanava,quando chega

    O provecto ancio, que escorregandoNo fresco sangue, esbarra sobre o corpoDo filho amado. Eis se ergue

    ,attenla

    ,observa,

    E reconhece o tpido cadver

    !

    A mi lhe narra o caso lastimoso:Horrorisa-se o pai , e a si chamandoTodo o prisco furor dos seus combatesProtesta castigar o feito enorme,

    E quer sahir. Debalde a mi pretendeOs passos suspender-lhe, e fatigadaDos inteis esforos, desfalleceSobre o visinho assento. O pai persisteNo firme intuito seu ; pressa tomaChapo e espada, o instrumento e a causaDo crime....

    Volve a si no entretanto a mi piedosaE o consorte no v. Mais nada altende ;As vestes femininas logo trocaPelas do filho morto ; depois busca.Para que se lhe acate mais respeito.Pequena arma de fogo

    ,que o marido

    Por cauo conservava sempre promptaContra insulto qualquer: e louca e cega

    Va afim d'estorvar o novo crime. Peado do delicto e do remorso

    ,

    Vagava incerto o nscio frali icida

    ,

    E no muito distante o pai o encontra. Malvado! elle lhe grila , f/n^ proiervo Contra teu prprio irmo armju teu brao? a ISo, meu pai , o filho Uh; responde,

    O irmo cu no maiei , matei o imigo Da ptria opposto publica ventura. 8 Oue ventura , lhe torna o velho ancioso,

  • .^8

    u Ou ptria a natureza prevalecei' a a Natureza yiOo lia , ou sanfrue

    ,ou carn$

    Que se no deva ptria em sacrifcio , Lhe volve o illio. Dctn , o pai replica

    Delirando cm furor ; pois que essa ptria^ Dos homens creao, hc prefervel A' produco dos ecos , carne, ao sangue, Fechando os olhos a essa natureza,a A ptria vou livrar lambem d'hum impio,D'hum brbaro assassino: Morre ingrato I

    E sobre o corao liie crava o fenoInda morno talvez do sangue an.igo.

    Treme, arqueja, recua, bambaleiaO moo infausto ; o pai se lhe approxima,(Pode ser que a valer-lhe pesaroso!)Quando perto de si, no proferindoHum e outro voz alguma que os descubra,Sbito encara armado de pistolaMsculo vulto estranho, que em distancia.Sem que os ono, luzir s vira o ferro,Das trevas apezar, e que enganadoDo tope refulgente

    ,que o bom velho

    No iisra jamais, hum novo golpeFrustrar queria ao moribundo ignoto.O pai em nova clera se abrasaSuppondo ser do filho algum sectrio.Ao vulto investe, e lhe traspassa o ventre,Mal presumindo o triste, que traspassaO ventre, em que gerara os mortos filhos I...Mas ai! Tanto o no faz a prprio salvo,Que a ferida consorte ao mesmo tempoLhe no descarregasse sobre a lestaO tubo acceso. Morto estou ! diz elle ;E eu morta! ella ento diz; a cujas vozesGonhecendo-se hum e outro, bem que tarde,O' Phiippa! ellc grita ; Ludovico !

    Grita ella ; e sem dizerem mais palavraCahe hum , cahe outro junto ao filho em terra.

  • 39

    Este acontecimento desgraado, caro Rhedi, con-tm a historia inteira da Igualdade e da Liberdadeda Frana. Mas he j mnito para huma carta :amanhaa , em Ingar de longos c imiteis raciocinios,le farei a descripo de hiima nova experincia nes-

    te sentido,

    que te deixar mais convencido que tp-dos os discursos.

    CARTA TERCEIUA.

    Usbeck a Rhedi.

    De Paris, aos 15 da Iiia de Zilhgno anno da hegia 1175,

    Apezar da dcspraa da experincia, havia, c haainda cm Frana, muitos seguidores occnltos dathcoria da Igualdade. Hum delles , a quem gran-des riquezas accumuhdas pelo commercio, durantetrs longas geraes de seus antepassados, punhoem circumstancins de tentar grandes empresas

    ,

    pensando que o conlicto de tantos interesses e ele-mentos oppostos , como havia em Frana , he queembaraava o feliz rcsuliado do restabelecimentodos primitivos direitos da natureza, quiz reduzir aexperincia ao mpior estado de simplicidade que erapossivcl, e no poupou os meios de consegui-lo.Com estas vistas fez comprar no continente da

    America,ao longo das margens do Mississipi, e no

    longe da famosa cataracta da JNiagar , huma vasta

  • -. !\0 -

    poro (Ic Icrrcno inculto accommotlado ao inten-to que mcilituva. Fez enlo derrubar aquclles bos-

    ques eternos, que ainda nao tinho sentido desde

    u creaao a voz e as pegadas do liomeni. Com asarvores da derrubada iez construir quarenta liabi-

    taes perreitamento semelhantes, com capacidade

    cada huma delias para morada do luima 1'amilia nu-merosa; e depois de ter dado corrente s a5uas es-tagnadas, dividio o terreno em quarenta pores

    iguaes.

    Chamou finalmente quarenta destes homens, que,ou por capricho da sorte, ou por outra causa dile-re, no podem obter em Frana a mais escassasubsistncia, se no custa de trabalhos violentos

    c de fadigas quasi continuas; e tendo investido acada hum delles com a companheira que trouxerada posse de huma das pores cie terreno dividido

    :

    Vinde, filhos da natureza, lhes diz elle, vin- de receber neste paiz hospitaleiro o que a cruel- dade, ou a avareza vos negava na vossa terraa natal. L as vossas fadigas continuadas apenas servio para alimentar a ociosidade de homens perversos que seappropriavo cruelmente a maior parte dos fructos dos vossos suores: aqui traba- Ihareis tambm

    ,porm somente em proveito vo^-

    so e no de vossos filhos. Eu vos restituo em toda a sua plenitude a fruio de todos os primitivos

    direitos da natureza. Desde este momento para sempre sereis perfeitamente livres e pcrfcitamen- te iguaes. Cada hum de vs tem huma igual por- ao de terreno para cultivar, huma igual habita- o para residir, huma coii^panheira para o ajii^

  • hi

    dar. Crescei , multiplicai-vos , c enchei estas campinas cncanladoris de filhos Io livres , to iguaes c tao elizes como vs. Passados quatro annos visitarei de novo esta terra sagrada : se na

    minha volta vos encontrar mais felizes do que vos deixo, tereis recompensado sobejamente iodos os trabalhos a que por vosso respeito me sujeitei.

    Assim fallou o philosopho sua fiimilia adoptiva;e tendo concludo o seu discurso , deu immediata-mente vela para a Europa no meio das acclama-es e das bencaos desta colnia nascente.

    CARTA QUARTA,

    Usbeck a RhedJ.

    De Paris, aos 16 da lua de Zllhagno anno da hgira 1175.

    Ainda bem se no linho passado os quatro an-nos, e j o philosopho nivelador se achava em ca-minho para a terra da Igualdade. Que bellos fructosno esperava colher do systema que adoptara !Quanto lhe no seria lisongeiro ter feito a felicida-de de quarenta famlias desgraadas que lhe erodevedoras de hum bem ainda mi is aprecivel queo da existncia ! A idade de ouro , renascida n'humcanto da America , ir-se-hia estendendo pouco epouco pelas outras trs partes do 'mundo conheci-jdo; e o novo creador. tendo ensinado aos homens

  • - /i2 -

    allncinados o caminho de serem felizes , leria regene-rado a espcie liiiniana e adquirido lilulos imnior-

    lacs {i gratido elerna dos sculos uluros. Nestes e

    n'oulros pensamentos iHo lisongoiros chegou o phi-lanlhropo ii colnia da natureza.

    Porm qnc novo aspecto, inteiramente diTercntedo que j fora, a torna absolutamente desconhe-cida aos seus olhos espavoridos ? Parte das antigas

    habitaes tinho cedido o lugar a hum vasto edi-fcio

    ,que nada ficava devendo aos palcios da Eu-

    ropa; outras tinho cabido em ruinas, algumas

    existio ainda. Emquanto o europeo se restabelecia

    do espanto que lhe causava metamorphose to ines-perada, quatro trabalhadores, que pelo mais inten-

    so ardor da ssta cullivavo o campo em que esla-va , se viero approximando do estrangeiro. Eroquatro dos primeiros proprietrios da colnia , a

    quem elle, ninda no havia cincoenla luas, linhadistribuido igual poro de terreno , iguaes meios

    de subsistncia, igual edifcio para viverem.

    Porque trabalhas (pergunta ellc ao primeiro)em horas Io incommodas do dia ?

    Se no trabalhar , responde o seareiro , no co-

    merei. Este campo que era meu , ha quatro annos,he hoje do dono daquellc palcio

    ,

    para quem euactualmente o cultivo: e do que ellc me d em tro-co do meu trabalho, he que cu tiro com que sus-

    tentar -me e a minha pobre familia. E como, lhe torna o philanthropo admirado,

    foi elle ou to ousado que te esbulhou da proprie-dade que era tua, ou lu to cobarde que o dei-xaste apodcrar-sc do que te pertencia ?

  • - 48

    Hama circiimstancia que nem vs nem euprevimos, responde o agricultor, foi causa destepheuomeno. Quasi trs mezes depois da vossa par-tida, huma longa molstia, que me releve na camaperto d'hum anno , me embaraou de cultivar omeu campo, que por este motivo no rendeu nada.Foi preciso, para ler com que alimcntar-me, re-correr generosidade do meu visinho ; porm estes quiz ceder-me metade dos seus fructos em trocoda tera parte da rainha propriedade. No anno se-guinte as poucas foras que tinlia adquirido, habili-tavo-me para comer, mas nao para trabalhar. Foipreciso vender ainda outra tera parte do meucampo, para obter de que subsistir, e como a ter-a parte que me resta no rende quanto seja bas-tante para que eu possa sustentar-me e a famliaque tenho, he necessrio que eu trabalhe todos osdias para obter o que me falta. O resultado distohe que o meu visinho he rico e eu sou pobre , e queeu me vejo na necessidade de trabalhar emquantoellc dcscina.

    Vejo , disse ento o philosopho, a causa querompeu o equilbrio que eu tinha estabelecido en-tre ti e o teu visinho : mas essa origem de desi-gualdade he inherenle natureza humana ; e seriapreciso ser nada menos que crcador para poderdestruir o princpio de hum inconveniente que acada instante se pde verificar. E tu (conti-nuou, dirigindo-se ao outro jornaleiro) porque mo-tivo ests hoje sendo criado daquelle que ha quatroaunos eu tinha feito igual a li? '

    Quando nos destes a todos os mesmos meios

  • /l^l

    tio subsistncia, respondeu o Irahalliador , esquo-cesles-vos de dar-nos a lodos as fncsnias forras paratrabalhar c a mesma inlolligcncia para cultivar. Omeu visnbo

    ,que de buma c outra cousa obteve da

    natureza maior poro,soube obter lambem de

    bum terreno igual buma colheita hum tero maisabundante do que os mais; e por consequncia, aomesmo t?mpo que hum colhia sempre muito maisgneros do que gastava, colbio os outros a teraparte menos do que lhes era necessrio para sub-sistir. Foi necessrio que cada bum delles com-prasse com a cesso de parte da sua propriedadeaqulUo que lhes faltava para poderem viver: c des-de o momento em que estas transaces comea-ro a ter lugar, comeou lambem a enriquecer oque vendeu o suprfluo que possuia, c comearo aempobrecer os que compravo o que no linbo. No est na mo do homem, disse o philo-

    sopbo, distribuir a seu arbtrio a cada bum a por-o de foras pbysicas e de inlelligencia que lheparecer. A variedade que ha a csle respeito hcto grande como a dos semblantes; e he imposs-vel remediar esta nova causa de desigualdade quefaz parte da natureza humana, e qu ha de existiremquanto existir a espcie. Porm tu (conti-nuou

    ,fallando como lerceiro)', que tantas foras

    pbysicas tens, e tanta intclligencia mostravas cm

    tudo quanto fazias, porque motivo esls agora re-duzido condio daquelles dons dc^g^aados ? Ah I (respondeu com hum suspiro o jornalei-

    ro) SC vs me tivsseis dado poro de terrcn ) equi-valente minha numerosa famlia , nunca cu me

  • /45

    \ira reduzido condio dosji;raada cm que meacho I Nunca nin];ncni Irabalhou na sua proprie-dade com mais ardor do que eu ; nunca ningumdirigio os seus lra])alhos com mais intcUigcncia cconhccimcnlo decausa. A minha colheita foi sem-pre a mais abundante de todas as da colnia ; po-rm minha mulher, por huma fecundidade desgra-ada , fez-mc logo nos primeiros Ires annos pai demais seis fdhos do que os que j linha. Rompeu-scimmediatamenle o equilbrio entre as precises eos meios; e eis-aqui como

    ,por falta de previdn-

    cia vossa, eu me vi reduzido a ser criado de quemtalvez nascera para servir-me.

    Insensato! (respondeu o philanlhropo indig-nado) imaginas por ventiu^a que eu poderia pr li-mites fecundidade da natureza? E sem quererinterrogar o jornaleiro que restava , voltou imme-diatamente para Frana , bem persuadido que osyslema da Igualdade , to plausvel cm thcoria

    ,

    era cibsolutamentc incxcquivcl na pratica.

    CARTA QUINTA.

    Usbeck a Rhedl.

    De Paris, aos 17 da lua deZllhag,no anno de hgira 1175.

    J vcs, caro Rhedi, que, quando se trata do mun-do social ou politico, ha cousas q\ic nos parecemincontcstavelmento dcmontradas cm thcoria, c que

  • /iG -

    comtudo, no passao de abstraces seui realidade,

    c al sem applicao possvel na pratica : c eis-aqui

    porque a sabedoria c n pradtnca se v6 tantas vezes

    na necessidade de repcllir, como consa perigosa,

    as tentaes da sciencia c do engenho^ que nos pa-

    recem mais solidas.

    O fio mais prprio para tirar-nos sem perigo dolai labyrinlho de conlradiccs c de duvidas, hoconsiderar o caracter e a moralidade de todos estesapregoadorcs ou inventores de doutrinas brilhantes.

    No sei se a liberdade hc hum bem: o que seihe que os homens religiosos combalem a liberda-de

    ,c que os apstolos da liberdade attaco a reli-

    gio. No sei se a submisso ao governo estabele-cido he hum mal: o que sei he que os espiritosmais nobres e generosos so os que defendem odogma da obedincia passiva , c que as almas maisbaixas e abjectas so as que preconiso a indepen-dncia. No sei se todos estes projectos de progres-sismo, agora tanto da moda, so cousa til: o quesei he que os cidados mais prudentes e illustrados

    so os que mais se receio deste progresso , e queos homens sem patriotismo e sem principios so osque prego innovacs e reformas.

    Todas estas reflexes, caro Rhedi, tu poderiasespontaneamente ter feito , sem que eu , c de to

    longe, i'as suscitasse: mas tu queres parecer-tc

    com aquelle santo mollak que, tendo muito bonsolhos, pedio a hum cego que o conduzisse atravczde barrancos c precipcios.

  • -- /l7

    SECO SEGUNDA.

    Historia eterna da civilisao das naes.

    CAPITULO I.

    Consideraes sobre a origem dos governos.

    Folvtur Hl roiam Jxlon, et se sequiturque, fugllque,- Ovdio,

    Admilllnoscapilulos antecedentes hnmahypothe-se que me parece insustentvel : mas era neces-srio adoptar por hum momento os princpios dotempo , afim do demonstrar a sua inconsistncia efalsidade pelas consequncias absurdas que dellesse deduzio. Agora, porm, considerando as cou-sas debaixo do seu verdadeiro ponto de vista, fareis pessoas desprevenidas huma pergunta.

    Todos aquelles que tem escripto sobre a origemdos governos , fallo de hum estado do gnero hu-mano anterior ao da sociedade, pm que os homens^vivendo solitrios e individualmente como os ani-

    mes, satisfazio, como podio , as suas necessida-des, sem relaes ou commercio permanente coiii

  • /|.S

    os oulros iiuUvidiios da sua lc eslado ,

    a jiic (lao o nome de sclvagom, cliamo o cslado

    natural c primitivo do liomcm. Mas !ionvc por vrn-tura alguma cpoca cm que r.s consas se passassem

    realmente desta maneira'.' Quanto mais profunda-mente reflectimos sol)re a natureza do liomem, so-bre a sua or^anisao , sobre as suas faculda'^es c

    at sobre os seus alimentos, tanto menos dispostos

    nos sentimos a admiltir esta extravagante bypo-tbcsc.

    lia bum a circumslancia commum a todos os ani-maes, que obriga os indivduos da mesma espcie

    a relaes mais ou monos durveis liuns com os ou-

    tros, lie este encanto irrcsistivel que approxima ossexos. Porm esle estimulo qi:c em todos os outrosanimacs he temporrio, no liomem bc permanen-te. Em todos elles, passada que seja a poca dosamores

    ,

    parece que os rgos da gerao , estas

    vsceras interessantes encarregadas da augusta func-

    o da perpetuao das espcies, no exercito a

    mais pequena inluencia sobre o resto do organis-mo. Os dons sexos so indilerentes bum para ooutro, e s vezes al se aborrecem mutuamente.Alguns ba em que as partes genitaes somente exis-tem na poca cm que devem ler bum destino par-ticular. No homem no be assim. A possibilidadeda reunio dos sexos existe todos os dias, porque

    nclle a faculdade de se reproduzir no soflre inter-

    mittenclas; e eisaqui j bum estimulo permanenteo irresistivcl , essencial natureza do bomem, quetende constantemente a produzir a associao dos

    individuos.

  • ^9

    Sc rellectimos na grande durao da infncia daliomeni, comparada com a dos oulros animaes^ acha-mos oulro poderoso principio de associao toinhercnle sua natureza como o primeiro. No haanimal algum que precise lanlo lompo do soccor-ro de seus pais. Todos os outros, passado bem pe-queno espao j j podem procurar por si mesmostodos os meios necessrios sua subsistncia. Emalguns at no ha necessidade de educao; taesso as tartarugas, que, apenas nascem, caminhoimmediatamente para o mar, sem que ningum asensine, e comeo a viver sem a mais pequena de-pendncia daquelles a quem devero a vida.O homem, porm, fraco, estpido, podendo ape-

    nas executar os mais pequenos movimentos , nopodendo nem ao menos sustentar-se na situaoque lhe he prpria, precisa por longos annos dossoccorros de quem o proteja e alimente. Ao principio so as suas necessidades que o fixo junto dosautores dos seus dias; e o poder do habito o con-tinua a prender, depois que a sua existncia pdetornar-se independente. Ainda no tinha a con-scincia de que existia, e j se via ligado a mais oumenos reslricta sociedade !

    At a qualidade dos alimentos prprios da espciehumana, comparada com a organisao dos seusrgos digestivos, prova que o seu estado primitivofoi o da sociedade. Os animaes de rapina apresen-to huma promptidc de movimentos que no podeter outro im seno facilitar-lhes a apprehenso dapreza, de que se alimsrilo : as suas imiias aduncasc vigorosas, os seus dentes obhquos, agudos e en-

    4

  • 50

    cruzados, sHo armas poderosas qnc lhes racilllo avicloria; os seus rgos digestivos assimilo prom-

    ptamenlc os alimentos mais refraclarios. Os lierbi-voros achao por toda a parte liuma subsistnciaprompta c segura ; c sendo dotados de quatro, c svezes de cinco estmagos, com hum canal intes-tinal immcnso, e talvez com a faculdade da rumi-nao, podem digerir, sem preparao anteceden-te, alimentos que a natureza lhes apresenta a cadapasso.

    Com o homem no acontece assim. Destituidode toda a agilidade necessria para apanhar os ani-maes de que poderia alimenlar-sesem armas parapoder vence-lossem dentes proprio-s para os de-vorar, a que meios recorreria para subsistir? Aosfructos das arvores? Mas estes s huma vez noanno he que apparecem. A's raizes e blhas dos ve-getaes ? Mas os seus rgos no so capazes dedigeri-los sem decoco preliminar. Era portantonecessrio mais do que hum individuo para fazera guerra aos anmaes , e para p-los, assim comoos vegetaes , cm circumtancias de poderem servirde alimentos. E note-se que todas as espcies, cujasubsistncia depende da cooperao de mais quehum individuo

    ,vivem sempre em sociedade , e

    nunca solitria ou individualmente. Tal he o casodos castores e das abelhas, sem que nunca ningumse lembrasse de huma poca em que estes animaesvivessem solitariamente , reunindo-se depois porconveno dos indivduos dispersos.

    Quem ponderar reflectidamente todas estas cir-cumstancias quem reflectir que o dom da pala-

  • -- 51

    vra , allributo exclusivo da espcie humana , seriaabsolutamente sem objecto , na bypothese da dis-perso dos individues , assentar comigo que ,por mais que a imaginao se atormente , nuncahe possivel ir dar na historia do mundo com omomento da sociedade constituindo-se , mas semprecom a sociedade constituda.

    E esta observao hc mais importante do queparece: porque, se se admitte por verdadeira, tudoquanto se nos diz de pactos e convenes anterio-

    res formao das primeiras sociedades, he pura-mente imaginrio. Taes pactos c convenes nuncativero lugar. As relaes entre os diTerenles mem-

    bros da sociedade no se fizero, apparecro jfeitas: de huma parte hum chefe para governar;da outra membros para obedecer : no primeirodireitos indefinidos; nos outros obrigaes deter-

    minadas.He facto incontestvel que as primeiras monar-

    chias foro compostas dos filhos de hum mesmo pai,dos filhos destes filhos, e, quando muito , de al-guns transfugas que os mos tratamentos obrigarioa transmigrar de humas famiHas para outras. Mas,sendo isto verdade

    ,quacs foro os direitos que es-

    tes filhos ou netos renunciaro? Quaes as condi-es que impozero? He evidente que tanto os di-reitos dos chefes como as obrigaes dos membrosnascero com ellcs mesmos ^ e nunca tivero lugarpor conveno ou contracto.E que as primeiras monarchias tivero realmente

    a origem que fica dita, collige-se da pequenissimaextenso das mais antigas de que temos noticia. Al-

  • 52

    gumas nao passavo dos limites de Ininia pequena

    povoao: os fillos do soberano npasccnlavo os

    rebanhos; as ilhas lavavo as roupas, e fiavao la

    para os vestidos. Sabe-se pela Escriptnra {Josu

    cap. Xll) ((lie, s no pequeno paiz que os Jiideosconquistaro, havia nao menos de trinta e trs reis,

    cada hum delles com seus dominios cm separado

    ,

    c independente dos outros.Nem era preciso irmos Io lonj^c para encontrar-

    mos destes exemplos de monarchias Ihmiliares; por-que ainda agora os estamos vendo na Escossia, ondecada clan

    ,que he huma verdadeira sociedade mo-

    narchica, representa huma s amilia, em que o che-fe do clan he o pai , e todos os sbditos os ilhos.E eis-aqui porque todos elles, incluindo o chefe, temo mesmo nome (Mac-Pherson, Mac-Ivor, de.) semmais diferena que a addio do nome do baptis-mo , como se na realidade fossem filhos do mesmopai.

    Podemos portanto concluir que o governo primi-tivo e natural foi decididamente monarchico; e queas republicas, as democracias, e todas as outrasqualidades de governos s apparecro pela destrui-o das monarchias. O primeiro foi obra da natu-reza ; os ltimos foro obra do artificio, ou da usur-pao.

  • 53

    VVV\'VVVVV\JV^VVVV\'\IVV\(VVV\IV\VVVVV^i\IV\(V^\J\fV\\\IV\IV\\\V'V'"

    CAPITULO 11.

    Continuao, elucidao, demonstrao.

    Tado quanto fica dito no capitulo antecedentesobre a origem e successo dos governos, no pas-saria de huma simples hypolhese, se no fosse pos-sivel onfirma-lo com a historia das naes. VejamosSC a nossa tlieoria he ainda susceptvel desta esp-cie de contraprova (*).Quem tiver algum conhecimento da historia , e

    quizer remontar at poca da origem dos povosmais conhecidos no mundo , achar que todosaqnellcs de cujo nascimento se pde obter algumanoticia, comearo pouco mais ou menos desta ma-neira ;

    () Entre os mais recommendaveis publicistas que escreveropelos principies do sculo de setecentos, ha hum quasi de tododesconhecido, ainda entre os seus, porque a muita originalidadecom que escreve o torna obscuro, e exige, para cabalmentecomprehende-lo , meditao e estudo. Chama se Joo Baptista"Vio. De todos os escrlptores de que at agora me tem chega-do noticia, nenhum me ])arcce haver tratado com tanto conhe-cimento de causa da origem das lnguas, da formao das na-es

    ,e de muitos outros objectos no menosv curiosos que in-

    teressantes. Delle me ifei ajudando neste assumpto, e ser atpnde me favorecer a memoria, porque o lo tenho presente,

  • - 5^1 ~

    Hum chefe de famlia , acompanhado do sous fi-lhos, occipava certa poro de Icrreno que mais ac-commodada lhe parecia {\s suas necessidades; e des-ta prioridade de occupao nascia para elle humdireito de propriedade indisputvel. Formado esteprincipio de estabelecimento, tratava-sc de defen-der-se e de suslenlar-sc. O primeiro resultado ob-linha-se pelo emprego da fora; o segundo exigiaa cullivaao do terreno. Mas bem depressa se vinhano conhecimento de que lodos os braos da peque-na familia ero insuficientes para to grande em-presa. Ento o chefe abria hum asylo no seupequeno estado e dizia : Todo o estrangeiro quese vir perseguido pelos seus compatriotas e qui-

    zer vir rcfugiar-se debaixo da minha proteco, euo recebo no meu asylo , e lhe promelto segurana

    de vida e o sustento dirio. A fama levava ao lon-ge esta noticia; e todos aquelles que precisavo deproteco j vinho procura-la no asylo que se lhesofferecia. Como era a fama quem os tinha attrahido nova sociedade, dava-se-lhes por isso o nome de

    fmulos , c a reunio de todos clles era denominadafamilia.

    E que desta maneira se passaro clectivamen-te as cousas, mostra-o a cada passo a historia aquem tiver olhos para l-la. Cadmo abre hum asy-lo na Becia e apparece Thebas : Theseo abre humasylo na Attica e funda Athenas : Rmulo abre humasylo na Itlia e nasce Roma. E eis-aqui a razo porque todos os antigos autores Romanos, quando fal-lo dos asylos, lhes chamo sempre: Fctus urbes con-

    ' (lentium consiiam.

  • 55

    Constitudo desta maneira o nosso estado nascen-te, temos nelle trs entidades, ou elementos muitodislinctos e separados : i** o chefe da familia; 2 os

    filhos; ?> os fmulos. Os ltimos, porm , no temos mesmos privilgios dos segundos ; trabalho para

    clles, recebem o sustento quotidiano, mas no tema mais pequena parte na administrao do governo.Whuma palavra, servem, obedecem, e nada mais.

    Durante a infncia do nosso pequeno estado, em-qnanto existem as mesmas pessoas que o formaro,

    conservo-se ainda as mesmas denominaes pri-mitivas; mas

    ,passados alguns annos, ao primeiro

    chefe de familia sncccde outro chefe, aos filhosseus descendentes, primeira camada de fmulosoutra camada diTerenle e muito mais numerosa.Ento mudo as denominaes : o chefe da familiachama-se Bel ou Monarcha ; os filhos tomo o nomede nobres; e os fmulos recebem a denominaode plebe f de povo ou de plebeos.

    E porm, os Ires elementos primitivos do estadocontinuo a subsistir do mesmo modo, c cada humdelles com o caracter que lhe he prprio. Os no-bres so tudo , os plebeos nada. Os primeiros fa-zem trabalhar os ltimos nas suas terras, levo-os guerra, conduzcm-os aonde querem ; e desta ul-tima circumstancia os Gregos lhe chomo Bas (deBAiNO, vaclo) y os antigos Germanos JVass, os feu-distas antigos Fassiis, e os feudistas modernos Fas^saltos. Emfim, os fmulos so considerados menoscomo pessoas que como cousas. At a sua prpriavida esl discrio dos nobres ; e eis-aqui porqueo sabia Ulisses quer cortar a cabea a Antinoo, seu

  • 50

    fannilo, cjiio lho diz com miiilo bon inteno humapalavra do ([no, c.Wc, nao ^osla porqno 0/7/0 Enasmala Misono, por precisar dellc para olcrccc-lo cmsacrifcio porque os justos Laccdcmonios sacri-lico milhares de llilolas, s6 para cxercilarem seus

    filhos nos estratagemas da guerra.

    Os interesses de cada hum dos corpos do estadoesto, portanto, em perpetua opposiao hnns comos outros. O rei quer reprimir a insolncia dos no-bres que s dcsfruclo , e aliiviar a condio dosvassallos que s sustento: os nobres querem cman-cipar-se da autoridade do rei e opprimir os vassal-los : os vassallos querem sublrahir-se opposiodos nobres, e augmentar o seu numero para se fa-zerem mais importantes. A eslc estado de perpetuaopposio entre os diTerentes interesses dos ele-mentos que constituem o estado, dero os Gregoso nome de pemos, que entre ns quer dixer guer-ra; o estado tomou por isso mesmo o nome depolis, que significa cidade ; e a arte de conservar emequilbrio as foras oppostas dos elementos que oconstituem, foi denominada politica.

    Este equilbrio, porm, tarde ou cedo deve rom-per-se. Se, na lucta das foras oppostas e inimigas, pre-domina a autoridadeReal, passa o estado a monarchiaabsoluta o corpo dos nobres perde boa parte dasua importncia o povo he allviado da oppres-soque sofria (Dinamarca depois de Ghristerno II) :se predomina a nobreza, desapparece a autoridadeReal, e o estado se transforma em rigorosa aristo-cracia (Roma depois da expulso dos Reis) ; se pre-domina o povo

    , acaba tudo o que havia de aristo-

  • 57

    cratico, e apparece a democracia mais ou menosindefinida e fmalmenle a anarchia (Frana duranlca revoluo de 89). Ora, neste ultimo caso, qual-quer homem astuto pde recolher com mais ou me-nos facilidade a multido de fraces em que a au-toridade est dividida , e fazer com que o governo

    do estado de novo torne a passar para o caracterde monarchia; de maneira que as differente formasde governo por que pde passar huma nao, vema formar huma espcie de circulo eterno que aca-ba sempre no mesmo ponto em que comeou

    :

    Volvitur ixn rotam Ixion, cl se scf/uilurquc fiigitiue.

  • 58

    wwwwwwwvwvvxwvwvwwwwwv\wwwvwwvw-

    CAPITULO II.

    Novos argumf iiios dcduziaos da historia Romana.

    Paliando em sentido absoluto, seria muito poss-vel fazer ver, pela historia de todas as naes domundo, que o andamento constante de cada humadelias foi sempre tal como no capitulo antecedentese descreveu,' mas como semelhante trabalho setornaria no menos enfadonho que impraticvel, es-colherei, para demonsl rao da doutrina que fica es-tabelecida, somente a do povo Romano que, de to-das as do que temos noticia , he aquclla com que agrande maioria dos leitores mais deve Icr-sc familia-risado. Eis -aqui, reduzida a pequenssima minia-tura, a historia phiiosophea do povo rei.Rmulo pe-sc testa de trezentos aventureiros

    Italianos e estabelece hum asylo junto de Ostia.Todos os vagabundos dos arredores todos os queem diTercntes partes havio sido proscriptos pelosseus crimes, acodem a refugiar-sc debaixo do novoasylo, c eis ahi o estado Romano organisado. R-mulo he o rei, os seus companheiros os senadores,e os refugiados formo a plebe. Estes ltimos po-rm so rigorosos escravos. Recebero a vida, mas

  • 59

    ficaro reduzidos qualidade de jornaleiros: tra-balho todo o dia em beneficio alheio; porm naotem propriedade nem importncia. Os senadores ostrato com tanta dureza que a! lhes no consen-

    tem o uso do matrimonio , seno em pocas taesque os filhos s naso na primavera afim de seremfortes e robustos: e d'ahi o nome de verncc aos pie-beos nascidos na primavera , e o de verncula lingua que cllcs fallavo.Emquanto na memoria dos refugiados durou a ida

    do beneficio que tinho recebido , obtendo a segu-rana de vida que fora do asylo Romano tinho ex-posta

    ,foro soFrcndo a insolncia dos senadores;

    c, por outra parle, ainda o seu numero no erasuficicnte para se fazerem valer: mas, medidaque com o tempo se foro fazendo mais numero-sos, comearo tambm a qucixar-se da oppressoque soTrio, e j no reinado de Srvio Tullio osseus clamores cro taes, que no era possivel de-salLend-los sem perigo.

    Tullio vc a necessidade de alliviar a misria dopovo quanto seja possivel com o orgulho dos sena-dores. Diz portanto aos plebcos : Daqui em diantetereis vs o domnio onitario ^ isto he , o uso-fructodos campos que cultivais; porm haveis de pagaro censo aos seialores, c haveis de servir vossa

    custa nas nossas guerras. Era o monos que se po-

    dia conceder a huma classe j respeitvel pelo seunumero : mas assim mesmo os senadores se indig-

    no da condescendncia do rei. Do-lhe por mofao titulo de Srvio, ou de homem de sentimentosservis, e acabo por assassina-lo.

  • 00

    A Srvio Tnllio succcdc Tarqiiinio, o maior ho-mem que tinha apparecido cm Roma , depois doNuma. Suhindo ao ihroiio, aclia o senado descon-tente e trabalhando por destruir a lei de Srvio Tui-lio, e a plebe precavida e fazcnlo tudo por conser-va-la. Como o dominio bonitario dos campos

    , con-

    cedido aos plebeos , no era seno precrio, c apropriedade continuava a ser dos senadores, estesullimos pelo mais pequeno pretexto se apoderavodas terras, c as davo a outros, ou as fazio culti-var por jornaleiros. Eis huma orirem perpetua dedissenses.

    Tarquinio comprehendeu a necessidade que ha-via de reprimir a dureza dos senadores, e comeoueTectivamente a reprimi la. Os senadores resisteme do ao rei o titulo de Soberbo ; porm o rei cas-tiga com a morte os mais refractrios, e em poucotempo reduz o senado expresso mais simples queera possivel. Em consequncia disto, Tarquinio eradetestado dos nobres e idolatrado do povo.

    Desde ento comearo os patrcios a imaginar osmeios de sacudir o jugo insiipporlavel dos reis ; eneste grande projecto se occupavo, quando ofacto de Lucrcia lhes oTereceu hum pretexto.O facto era na realidade revestido de todas as cir-

    cumstancias necessrias para excilar a indignaopublica; mas como enganar o povo, c persuadi-lo

    a expulsar hum rei que tanto o favorecia,conlra os

    nobres, seus oppressores? Foi neslas circumslanciasdificeis que brilhou a astuta politica de Brulo. Vioquaes ero entre os plebeos os mais atrevidos , e osquQ pelo 3US taleqtoa podio servir do chefes

  • 61

    raullido : pegou em todos elles , e incorporou-os

    na classe dos senadores. Com este nico facto ob-teve ao mesmo tempo Ires ins : reforou com ho-

    mens de coragem c de talento o corpo dos patrcios

    que quasi se achava exhausto; lisongeou a plebe fa-

    zendo entrar no senado muitos dos seus membros;porm ao mesmo tempo privou-a de todos aquellesque podio abrir-lhcs os olhos solfre os seus verda-

    deiros interesses. Emfim , a plebe foi seduzida, aautoridade Real foi extincla, e o governo passou a

    ser rigorosamente aristocrtico.

    Pensa-se geralmente que a poca da expulso dosreis foi a do nascimento da republica com hum ca-racter de verdadeira democracia. No he assim :pelo contrario, nunca os plebeos foro tratados pe-

    los nobres de huma maneira to atroz e horrivelcomo desde ento. Se hum plcbeo de\ia qualquercousa a hum patricio, condnzia-o este para a suapriso privada, e ahi o fazia trabalhar at o fim da

    sua vida; e se os credores ero muitos, at partio

    o triste em igual numero de partes , c cada hum le-vava a sua. Adversas plebem (era mxima recebida)ceterna aactoritas esto. Livres do respeito que lhesincutia a autoridade Real, comearo os patricios adespojares plebeos do uso-fructo dos campos; ctal diligencia pozero na execuo deste plano, que,

    passados quarenta annos depois da expulso dos reis,

    havendo~em Roma ooo mil habitantes , apenas (se-gundo as queixas do tribuno Philippe) havia donsmil proprietrios , e todos elles patricios!

    Oppresso to horrorosa era impossivel de sup-portar. O povo sublcvou-se , fugio para o Monte

  • 02

    Sacro, e nao voltou de IA, seno com o cslabeloci-

    mcnlo dos Iribmios, crcados para fazerem executara lei do Srvio Tullio sobre o dominio bonitariodos campos: porem esta (grande victoria do povosobre o senado foi, na realidade, muito mais dili-cil que proveitosa. Com elbito , como a proprie-dade das terras sempre continuava a ser dos pa-tricios, havia sempre pretextos de sobra para usur-pa-las. Alm disto, tinho os plcbeos que pagar ocenso aos senadores; e, por cima de tudo, ainda de-vio fazer a guerra sua custa, sais assibus , dondelhes veio o nome de assduos. Foi por este motivoque os plcbeos , desafiados (como diz com tantaelegncia o elegantissimo Ciccro) pelas tentaes tri-bunicias, comearo a pretender, no j o domi-nio bonitario ou o uso-fructo, porm o cjuiritario, oua propriedade dos campos.Novas desordens. O senado, como era de espe-

    rar, oppe-se vigorosamente a esta nova preleno

    :

    Mareio Coriolano tem o atrevimento de dizer queera preciso reduzir os plebeos ao estado de simples

    jornaleiros, como no tempo de Rmulo, e he por

    isso desterrado pelos tribunos: mas a final foi pre-

    ciso ceder , c o povo obteve o que pretendia. Deento por diante comearo os plebeos a ser osverdadeiros proprietrios das terras ; e o censo, em

    lugar de ser pago aos senadores, comeou a entrarn'hum deposito a que se deu o nome de Errio,donde sahiro as despezas necessrias para fazera guerra.

    Todavia , no obstante tantas victorias sobre osenado , no obstante todas as cautelas dos tribu-

  • 63

    nos para segurarem no povo a propriedade dasterras, esta mesma propriedade, to desejada o todebatida

    , escapava a cada momento das mos dosplebeos, que continuavo a ser miserveis e oppri-midos, e voltava constantemente para o poder dospatrcios, que nunca dcixavOo de ser temiveis eoppressores. Para bem comprchender a razo destephenomcno, he preciso attender a hum ponto m-ximo de historia Romana, despresado por todos oshistoriadores, e a que somente soube dar o verda-deiro valor o famoso autor do livro Delia ScienzaNuova, a quem me vou constantemente encostandoneste capitulo. .

    j

    Segundo hum dos usos Romanos , conscrvadcfcom todo o cuidado possivel desde o tempo deRmulo , somente os patrcios podio contrahir mia-trimonos solemnes connubia. Quanto aos ple-beos, tudo nclles era tumultuario e incerto; paiscom filhas, irmas com irmos , ou

    ,para o dizer

    pela prpria expresso da historia, agitaant connu-bia more feraram. Este privilegio de contrahir ma-trimnios solemnes era aquelle de que mais seprezavo os patrcios. Quando perguntavo a humsenador quem era seu pai , respondia elle com or-gulho : Pater est quem nuptice denionstrant, A ma5decisiva prova de nobreza entre elles era posse a-inine pairem ciere; e tanto isto era verdade, que daspalavras patrem ciere (apontar quem he seu pai)se formou a palavra patrcio

    ,que era em Roma o

    maior titulo de nobreza.E antes de passarmos adiante , nole-se que esta.

    circumstancia de poder dizer cada hum quem he

  • 6^ -

    icu pai, Ibi sempre ropulada cm Iodas as naes

    antigas e modernas hum alio dislinclivo de nobreza.Homero nao acha lilulo mais Iionroso para os seus

    hercs, do que o de Achilles llho de Peleo, Aja-memnon filho de Alreo , ele. , ele. Os Escossezes

    pocm toda a sua };loria nos seus appellidos palroni-micos Mac-Phcrson , Mac-Ivor, ou filhos de Pher-

    son , filhos de Ivor. Os Russos s podem usar deappellidos palronimicos, quando so nobres; demaneira que cm se ouvindo Pedro Alexiowilz, ou

    Paulo Pelrowilz, isto hc , Pedro filho de Aleixo, ou

    Paulo filho de Pedro, pde alirmar se com certezaque o dono de tal nome he pessoa distincta. Final-mente , entre ns tambm foro mui estimados osappellidos patronimicos , como Pires, filho de Pe-

    dro , Henriques , filho de Henrique e outros muitos;

    e em todo o caso , para ser nobre era sempre pre-

    ciso ser filho d^algo (filho d'alguem) palavras que

    ,

    reunidas pelo tempo, formo hoje o titulo to pros-tituido como ambicionado de fidal;o.

    Tornando, porm, historia Romana, de queesta digresso me divertio, huma das leis que re^ulava a propriedade das terras era esta : Que todasas vezes que huma terra no tinha possuidor certo,recahia a propriedade delia no fisco ou no Estado

    ,

    que he o mesmo que dizerno poder do senado. Esta

    circumstanci-a raras vezes se verificava com os pa-

    trcios; porque apenas morria hum senador, dizialogo seu filho : Eu sou filho legitimo do ultimoproprietrio, porque patc7' est quem nuptios clemons-

    trant ; e portanto , aio liunc fundam esse meuni ex

    Jure Quiritum. Outro tanto no podia fazer o pie-

  • 65

    beo ; porque, como sua mi agitavcrat cunnulamore ferarum, nunca podia dizer com certeza quemlinha sido seu pai. Em tal estado de cousas, ape-nas morria hum plebeo , a terra que elle possuaperdia a designao de parte , e recahia no fisco ; e

    por este motivo, apezar do a plebe haver adquiridoo dominio quiritario das terras , assim mesmo , den-tro de poucos annos depois desta estrondosa victo-

    ria sobre o senado , ficou to miservel o pobrecomo antes daquelle memorvel acontecimento.O nico modo de occorrer a este gravssimo in-

    conveniente , era obtendo os plcbeos o privilegio de

    contrahirem matrimnios solcmnes; e eis-aqui por-que os tribunos entraro a requerer para o povo

    connubia patram ; isto he , no o direito do contra-

    hirem matrimnios com as famlias patrcias , segun-do a opinio vulgar dos historiadores, porque nesse

    caso pedirio os tribunos connubia cam patribus

    ;

    mas o direito de contrahir matrimnios solemnes,como os senadores connubia patrum.

    No houve privilegio mais tenazmente defendidopelos patrcios do que este. Connubia, dizia humalei das doze taboas, incommunicata plebe sunto. Masa final foi necessrio ceder.Com o direito de contrahir matrimnios solem-

    nes , adquiriro os plebeos suidade , tutelas , testa-mentos, agnaes

    ,n'huma palavra , diz Modestino,

    omnemjuris clivini et humani communicationem. A pro-priedade das terras comeou portanto a fixar-se nasfamlias plebeas; e o povo entrou arqunir impor-tncia do numero a considerao da riqueza. Poucodepois obtivero os tribunos para os plebeos todas

  • 60

    as niagislraliiras qiic alM cro exclusivas dos no-bres, o fiiialincnlo o diroilo do nzcrcm I;s ou ple-biscitos

    ,

    qifi omncs Qairitcs icncrent : do maneiraqiio huina circnmslancia , cm apparoncia lao insig-

    niioantc, como o diroilo de conlrahir mnlrimoniossolomnes, acalon por Iranslormar a consliluiro

    do cslado, de arislocralica cpic era cm rigorosamen-

    te democrtica. E como a democracia n'hum gran-de povo lio como liiima lorrcnlo caminliando por

    luim plano inclinado, que a cada momento se pre-cipita com nova fora

    ,porque vai adquirindo velo-

    cidade uniformemente accelerada, assim a demo-cracia liomana foi degenerando pouco e pouco emanarchia, at que a autoridade soberana, dividida

    cm mil parcollas dilcrentes, c por tanto^cm a for^

    a ', nem a energia da unidade, pde finalmente serapanhada por Augusto, que transformou a republi-ca em monarcliia que era o ponto por onde o povoRomano havia encetado a sua carreira no caminhoda civilisao. .. .^ .:

  • 67

    successo dos acontecimentos e resullaclos tem sidopouco mais ou menos a mesma; e agora mesmo,

    sem sahirmos da considerao de factos que se es-

    to passando debaixo dos nossos olhos, poderamostocar com a mo a prova desta verdade, se quizcs-semos considerar com atteno sulicicnte a histo-

    ria de hum povo contemporneo , que pelos mes-mos passos dos antigos Romanos se vai encami-nando independncia , liberdade , democracia, anarchia , e finalmente monarchia , sem que nstalvez dmos por isso, por falta de reflexo e repa-ro. Quero fallar da Irlanda, que, depois de terpassado, desde a introduco da Pieforma , ' pormuitas das vicissitudes Romanas, bem pode sercomparada actualmente a huma espcie de Roma,em que a plebe hc representada pela nao rlan-deza, em que os Inglezes so os patrcios

    , e em queDaniel O' Gonnell he o tribuno.

    Com clcito , do mesmo modo que os antigos Ro-manos

    ,desafiados pelas tentaes tribunicias , se fo-

    ro emancipando pouco c pouco da tyrannia dosnobres at fazerem plebiscitos (ju omnes Qairites ie-nerent, assim os Irlandezes, fora de agitaes,obtivero primeiro as iinmunidadcs de 17/5, de-pois as de 1793, e finalmente a grande emancipa-o parlamentar de 1829.

    J agora o resto do caminho he fcil, c o resul-tado seguro; porque a lctica de 0'Gonnell, que hea dos antigos tribunos , no he menos destituda deperigo do que eFicaz e at infallivel. No he humchefe de rebcUio , diz Beaumont

    ,que , frente de

    hum partido armado, pretenda conquistar viva

  • o.*:)

    lora yquillo por quo peleja: ha limii liouieiu alu-lo (pic v^abo azT insurgir coiislilticionalmcnlc o

    j)OVO , mas c|uc Icin fora baslanlc |)ara fazc-lo pa-rar anlos que pelas leis do paiz possa ser julgadorebelde; bc hum orador poderoso que sabe inspi-rar dio de morlc A legislao cm vigor, mas quelambem sabe convencer os ouvintes do perigo deinlVingi-la ; be hum jurisconsulto sagaz que sabeazer das leis existentes espada com que accommct-

    la , mas que tambm delias sabe azer escudo comque se defenda; hc finalmente hum verdadeiro tri-buno que sabe convencer profundamente o povo deque o que lhe falia de liberdade o expe maiinsupporlavcl das lyrannias.

    Em consequncia de tudo isto, o im da grande(jucstao Irlandeza desde j se pde prever. Os Ir-landezes ho de continuar a agilar-se e a exigir, as-sim como os luglezes ho de continuar a resistir ea ceder: a emancipao da Irlanda ha-de con-summar-se ; a sua lotai separao da Inglaterra hade veriicar-se mais cedo do que se pensa; e entocomear na Irlanda o reinado ephemero da demo-cracia , depois o da anarchia , e finalmente o damonarchia que, assim como he o principio, lambemhe o fim natural da orbita politica de todos os po-vos do mundo.

    Cuido que tenho demonstrado completamente aminha proposio; e portanlo a iheoria exposta nosdous precedentes capitulos acerca da historia idealeterna da civilisao das naes, he actualmentehuma verdade de facto , a que no pde oppr-seobjeco rasoavel.

  • 69

    lW*/\IV\V\iV\!U\l\lV\V\(\/\WlUMV\V\'V\\\\MUV\IV\(V\\\lVV;t'V\^

    CAPITULO IV.

    o Progresso.

    'E agora j o leitor se acha habilitado com princ-

    pios snTicicntcs para que possa resolver por si mes-

    mo hum grande ponto de doutrina social ou poli-tica, em que actualmente muito se falia, mas queainda at agora se no acha bem definido.Ha hoje huma espcie de termo tcchnico de sen-

    tido equivoco, ou pelo menos indeterminado, comque os regeneradores procuro justificar todas asmudanas

    ,

    porque vo fazendo passar as socieda-

    des, pouco mais ou menos como os antigos philo-sophos recorrio ao horror do vcuo de cada vez

    que se vio embaraados com algum phenomenonatural de que se lhes pedia explicao , c queelles no podio comprehender : he o progresso.Pretende-se que o caracter das instituies devedizer com o espirito do sculo; e partindo de humaida to vaga, por mais extravagante e ruinosa queseja qualquer mudana que se projecte, em se lhechamando progresso, esi no somente explicada, se-no ainda legitimada

    , e at mesmo santificada. As-

    sim, quando huma faco essencialmente revolucio

  • - :^o -

    ria, c cm lodo o caso altamcnlo immoral, dcslruioa venervel conslilnino, por qiic nossos avs li-nho sido IHo grandes e Io temidos no miindo, olhe snbsliliiio aquella que est/i hoje fazendo a mi-sria e a desgraa da monarchia, appellou-se parao espirito do secnlo, c disse-se qiie isso v,va progres-so : quando nas cortes de 1 835 se propz a aboli-o do celibato ecclesiaslico, a espoliao absolutado clero, c o estabelecimento de huma igreja lusi-tana independente de Roma , chamou-se a issoprogresso; c agora que se trata de fazer de Portu-gal huma provncia dellespanha, a titulo de nosei que federao de republicas, chamada EstadosUnidos Peninsulares , chama-se tambm a istoprogresso,

    Entendamo-nos por huma vez. Quando se tratada civilisao das naes , ou no ha verdadeiroprogresso , nem verdadeiro regresso, ou o que se

    chama progresso he muitas vezes regresso e viceversa : porque os diTerentes passos que huma naopde dar na carreira da sua perfectibilidade politi-ca , em vez de formarem , como erradamente sepensa, huma linha recta cujas extremidades nuncase podem tocar , e onde Cada ponto que se vai se-guindo jamais pde tornar a cahir no que se deixa,no formo seno huma linha curva , e at humverdadeiro circulo em que b mesmo espao an-dado he sempre corrido de novo , emquanto hamovimento. Por outras palavras : o andamento pro-gressivo da civillsao das naes ha de ser sempre

    o mesmo, porque he a consequncia necessria da

    natureza do homem, que tambm no pde mudar.

  • 71

    Cinco so as pocas notveis da natureza, quecorrespondem a outras tentas mudanas na marchada civilisao, c formo o que se chama progresso^Primeiramenle n natureza humana he crua, e ape*-

    nas se deseja o necessrio ; dahi a pouco severa, ej se procura o iitil ; mais tardo amena, c comeaa prclcnder-se o cominodo ; pouco depois delicada,e scnte-so a necessidade o aprazivei ; mmouiQdissoLata^

  • 72

    qnello mosmisslmo ponlo, do qiin parecia fugir. He

    hum navcf^antc qno vai lazer liunia viagem rodado mundo: as lguas fogem detraz dellc aos centose aos milhares; mas quando clle suppunha que se iaapartando innilamcnle do ponto de donde linha

    partido, ei-lo que, quando menos o pensa , torna

    a dar fundo no mesmissimo porto donde tinha dado

    vela. Eis-aqui o que diz o Espirito Santo pela boca

    do Ecclesiastes : Que he o que ha de ser? O quefoi. Que hc o que se ha de fazer? O mesmo que jse fez.

    E este progresso de que fallo he o nico real e ver-dadeiro, porque he o progresso da natureza : e a sua

    marcha he essencialmente inevitvel c fatalissima.Talvez se lhe possa dar direco , ou

    ,pelo menos,

    accelerar-lhe c retardar-lhe as crise; mas sempre

    ha de ser impossvel embaracar-lhe o andamento.Porm, alm deste progresso da natureza, ha

    ainda outro artificial e facticio,que he aquelle que

    procurei estigmatizar no principio deste capitulo.Os progressistas desta calhegoria pretendem fazerandar a sociedade aos empurres , porque queremque as naes sejo maduras sem que primeiro te-uho sido adultas e meninas. E por isso lodos osesforos que fizerem neste sentido, ho de ser naosomente inteis, seno ainda nocivos ; porque o ni-co resultado que podem ter, consiste em collocaras instituies da nao que os sofTre em perfeitaconlradico com as suas circumstancias. Ora

    ,em

    todos os casos desta natureza, no regresso ao esta-do donde se tinha sabido, consiste o unco progres-so admissvel.

  • T?>

    Fique-so por ora o leitor com estas idas preli-

    minares; e quando chegar seco cm qae se tra-ta do Optimismo Politico^ ahl encontrar no arti-go, intitulado Politica Histrica, completamentedesenvolvido o pensamento que apenas fica inicia-

    do neste capitulo.

  • 7a

    VVV\IV\'VV\VV\VVVVVVVVViVVVVVVV,\\>A!W>A!VW vVn wv\vvw\v\K\^

    CAPITULO V.

    Consequncias e applicao dos princpios antecedentes.

    A doutrina cio progresso que acabo de estabe-lecer, equivale a liunia espcie de formula algbri-

    ca pela qual pdc ser resolvido , ao menos na suageneralidade, o problema da determinao do futu-

    ro politico de qualquer nao que seja.

    Se a comparao no fosse to altamente extra-

    vagante, bem SC podia dizer que cada poca da vidade huma nao se achava j encerrada na antece-dente e todas juntas no primeiro passo da sua car-reira politica

    ,pouco mais ou menos como nos ov-

    rios de Eva se achavo, huns dentro dos outros, os

    germes de todas as geraes da espcie humana ato ultimam moricns. Com eTcito , todo aquelle quetivesse podido contemplar a sociedade que ao de-pois se chamou Povo Romano ^ na poca da sua pri-meira crueza, bem poderia logo prever que aquellanatureza to crua pouco e pouco se havia de ir tor-

    nando severa , e, com o tempo, benigna; e que porconsequncia o despotismo daquella primeira pocatarde ou cedo viria a ser substitudo, primeiro pela

    aristocracia, mais tarde pela democracia, e assim

    por diante.

  • 75

    Mas he preciso notar que nem todas as naescomeo a sua vida politica no mesmo ponto da or-bita commnm de civilisano ; c este he o motivopor que sendo a marcha de todas eHas essencialmen-te idntica, quando se considera com menos pon-derao

    ,se nos representa dilerenle.

    A nica diFcrena que realmente existe he quecada nao, conforme as diFerentes circumstanciasem que se acha

    ,gasta tempo diFerente em correr

    hum determinado segmento da orbita que para to-das he huma; e a razo he porque tambm as fer-mentaes sociaes, do mesmo modo que as fermen-taes chimicas, diTerem em energia e rapidez, se-gundo as circumstancias do teaipo c do lugar , esobretudo segundo a quantidade da massa que entraem fermentao, c segundo a maior ou menor eleva-o da sua temperatura politica. Em Frana, porexemplo, onde a massa que fermentava era enorme ca temperatura politica mui elevada

    ,poucos annos

    bastaro para que a sociedade passasse da monar-chia aristocracia, da aristocracia democracia,da democracia anarchia , e da anarchia tyran-iiia: na Rssia, onde a temperatura politica eramui baixa, e amassa, sobre pequena, immensa-mente dispersa , foro precisos quasi dous sculospara que a nao passasse do estado de absolutacrueza de que Pedro I a fez sahir para o de rigoro-sa severidade em que actualmente se acha. Porqueemm

    ,

    quando as molculas sociaes oTcrecem pou-cos pontos de contacto humas (\s outras , ha menosopportunidade para que entrem cm jogo as aTmida-des reciprocas.

  • 70 _

    Seja porm o qiic r, conhecida qiic seja a his-toria de huaia nao qnaUpicr , ou pelo mcDOS anatureza c caraclcr de hiima das cpociis da sua vidapolitica, nada ino fcil como estabelecer, de humamaneira segura, a successo de todas aquellas quose lhe devem seguir. Com hum exemplo da applica-Ho desta doutrina acabarei de fazer sentir a sua so-lidez e importncia c ao mesmo tempo a sua fecun-didade.

    Quando tivero lugar as primeiras emigraesd'Inglaterra para o Norte da America

    ,j a socie-

    dade Inglcza tinha corrido no s o periodo todointeiro da sua primeira crueza, mas quaii todo operiodo de severidade que logo se lhe seguio. Gran-de era ainda o predomiuio da aristocracia Britanni-ca; mas, atravez da monarchia dos Tndors j ti-nha feito violentas exploses o espirito de indepen-dncia e democracia

    ,principalmente depois que o

    systema de tyrannia religiosa, seguido pelo gover-

    no, viera fazer sentir aos puritanos a necessidade

    de emanciparem,pelo menos a conscincia , da op-

    presso em que os soberanos lh'a tinho. Era conse-

    quncia deste estado de cousas, a sociedade trans-plantada para a America continha em si muitoselementos de democracia o do aristocracia , masdestes em maior quantidade do que daquelles.

    Este facto da separao da mesma sociedade emduas partes, collocadas a to grande