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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
LORRANA ALMEIDA T P DE ALBUQUERQUE
O PAPEL DA ANATEL NA REGULAÇÃO DO SETOR DE
TELECOMUNICAÇÕES, EM ESPECIAL, A TELEFONIA.
RIO DE JANEIRO
2008
LORRANA ALMEIDA T P DE ALBUQUERQUE
O PAPEL DA ANATEL NA REGULAÇÃO DO SETOR DE
TELECOMUNICAÇÕES, EM ESPECIAL, A TELEFONIA.
Monografia apresentada ao Curso de Pós Graduação da Universidade Cândido Mendes.
Orientadora: Professora Cláudia Gurgel
RIO DE JANEIRO
2008
RESUMO
Demonstra a transformação ocorrida no setor de telecomunicações, especialmente no que diz respeito à telefonia, por meio da entrada de empresas privadas no mercado das telecomunicações. Apresenta o modelo jurídico regulatório de telecomunicações instituído pelo Estado e o papel da agência reguladora criada para regular o setor, a Agência Nacional de Telecomunicações, abordando suas características e a eficácia da sua gestão.
Palavras-chave: Setor de Telecomunicações. Telefonia. Agência Reguladora. Agência Nacional de Telecomunicações.
ABSTRACT
Demonstrates the changes occurred in the telecommunications sector, especially to what concerns telephone services, on the virtue of the entrance of private companies in the Brazilian telecommunications market. Analyses the telecommunications legal regulatory model founded by the Brazilian government and the role of the regulatory agency created to regulate the sector, namely the National Telecommunications Agency, pointing out its characteristics and the effectiveness of its administration.
Keywords: Telecommunications Sector. Telephone Services. Regulatory Agency. National Telecommunications Agency.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CONTEL - Conselho Nacional de Telecomunicações
CTB - Código Brasileiro de Telecomunicações CDC – Código de Defesa do Consumidor DENTEL - Departamento Nacional de Telecomunicações EMBRATEL - Empresa Brasileira de Telecomunicações FISTEL - Fundo de Fiscalização dos Serviços de Telecomunicações FNT - Fundo Nacional de Telecomunicações LGT - Lei Geral de Telecomunicações PGO - Plano Geral de Outorgas STFC - Serviço Telefônico Fixo Comutado
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9
2 CENÁRIO BRASILEIRO ACERCA DAS TELECOMUNICAÇÕES,
EM ESPECIAL, A TELEFONIA .......................................................................... 11
2.1 Breve histórico do Serviço de Telefonia .................................................... 11
2.2 Sistema TELEBRÁS...................................................................................... 15
2.3 Constituição Federal de 1988 ...................................................................... 19
2.4 Emenda Constitucional n.º 8, de 1995......................................................... 21
2.5 Privatização do setor de Telecomunicações .............................................. 23
2.5.1 Privatização do Sistema Telebrás ............................................................... 24
3 ATUAL MODELO JURÍDICO REGULATÓRIO DE TELECOMUNICAÇÕES
ADOTADO PELO BRASIL ................................................................................. 27
3.1 Lei Mínima de Telecomunicações............................................................. 27
3.2 Lei Geral de Telecomunicações - LGT...................................................... 29
4 AGÊNCIA REGULADORA ANATEL. .............................................................. 34
4.1 Agência Nacional de Telecomunicações e suas características ........... 34
4.1.1 Natureza Jurídica ........................................................................................ 35
4.1.1.1 .Independência decisória ......................................................................... 36
4.1.1 2 .Ausência de subordinação hierárquica ................................................... 37
4.1.1.3 .Mandado fixo e estabilidade dos dirigentes ............................................ 38
4.1.1.4. Autonomia finaceira ................................................................................ 39
4.1.1.5. Poder normativo ..................................................................................... 40
4.1.2 Funções da ANATEL: reguladora, fiscalizatória e sancionatória ............... 42
4.1.2.1 Função Reguladora ................................................................................. 42
4.1.2.2 Função Fiscalizatória .............................................................................. 44
4.1.2.3 Função Sancionatória ............................................................................. 44
4.2 A ANATEL e o CADE ................................................................................. 46
4.3 Estratégia pró-competição: assimetrias regulatórias ............................. 47
5 OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELO MODELO
DE TELECOMUNICAÇÕES................................................................................ 52
5.1 Falta de concorrência nos serviços de telefonia .................................... 52
5.2 Atuação da ANATEL junto aos usuários .................................................. 56
6 CONCLUSÃO .................................................................................................. 59
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 61
Capítulo 1:
ATUAL MODELO JURÍDICO REGULATÓRIO DE TELECOMUNICAÇÕES ADOTADO
PELO BRASIL
A reestruturação do modelo de telecomunicações vigente tinha como objetivo
acompanhar a evolução e o dinamismo do setor no contexto da globalização, tanto no
que diz respeito à modernização e diversificação das redes e serviços, quanto em
universalizar a prestação dos serviços básicos de telecomunicações.
Outro aspecto que reforçou a feitura do modelo foi a pressão da comunidade
internacional. O Brasil havia se tornado um mercado muito atrativo em virtude da sua
demanda reprimida para as empresas multinacionais e o país havia obtido destaque,
principalmente em razão de sua participação nos Acordos Gerais sobre Comércio e
Tarifas ("Gatt"), bem como sobre Comércio de Serviços ("Gats"), que lhe exigia certa
adaptação regulatória em seus setores econômicos, como as telecomunicações.
Há, ainda, outros dois aspectos relevantes na elaboração do modelo regulatório
adotado: (i) o primeiro seria a criação de um específico modelo institucional, um órgão
regulador independente e com grande autonomia, que seria a Agência Nacional de
Telecomunicações ("ANATEL"); (ii) o segundo seria o fato da experiência internacional
na reestruturação das telecomunicações ter contribuído no aprendizado do Brasil na
formulação do seu quadro regulatório.
Lei Mínima de Telecomunicações e Lei Geral de Telecomunicações - LGT
Não obstante a criação de uma lei geral que regulamentaria o setor de
telecomunicações, foi editada a Lei Mínima n.º 9.295, de 1996, considerada uma lei de
transição. Tal legislação deu provisoriamente competência regulatória ao Ministério das
Comunicações, permitindo assim a abertura do setor.
Aprovada em caráter emergencial, a referida norma dispôs sobre a organização
dos serviços de telecomunicações, a exploração do Serviço Móvel Celular, de Serviço
Limitado e de Serviço de Transporte de Sinais de Telecomunicações por Satélite, bem
como a utilização da rede pública de telecomunicações para a prestação de Serviço de
Valor Adicionado.
A citada lei foi importante, posto que estabeleceu as condições jurídicas para
licitação das concessionárias para a exploração dos serviços de telefonia celular, da
Banda B. A telefonia celular de Banda A referia-se à faixa de freqüência utilizada pelas
antigas operadoras, as estatais. É relevante destacar que até o momento da vigência
da Lei Mínima não se discutia o que fazer com Sistema TELEBRÁS, pois o mesmo só
foi à leilão em 1998.
Mister se faz ressaltar que as regras aplicáveis à telefonia e às redes eram
elaboradas internamente pela TELEBRÁS, ou seja, a regulamentação dos serviços de
telecomunicações era feita pela própria prestadora do serviço, antes da Emenda
Constitucional nº8, de 1995, e da Lei Mínima. Convém notar que nesse sistema de
auto-regulação, no qual o órgão regular coincidia com o prestador do serviço, a
regulamentação do serviço de telecomunicações era ínfima preenchia apenas algumas
poucas páginas da lista telefônica.
Após a Lei Mínima, na busca pela desestruturação do monopólio estatal das
telecomunicações brasileiras, vários regulamentos foram editados. Finalmente, em
1997, foi editada a Lei Geral de Telecomunicações ("LGT"), que viria regulamentar,
definitivamente, o novo modelo regulatório implantado no País.
A Lei nº 9.472, promulgada em 16.01.1997, conhecida como Lei Geral de
Telecomunicações (“LGT”), passou a regulamentar efetivamente o art. 21, XI, da
Constituição Federal, visto que disciplina os serviços de telefonia fixa, serviços de
telefonia móvel e demais serviços considerados como serviços de telecomunicações.
Dentre outras coisas, estabeleceu normas regulamentares sobre exploração,
organização, fiscalização de execução, comercialização, implantação e uso dos
serviços, visando, sobretudo, a instituição da competição do setor, retirando do Estado
o papel de operador e executor dos serviços, fortalecendo, todavia, a sua função
regulatória e fiscalizadora.
A elaboração desta lei levou em consideração o contexto histórico do momento,
Por isso, após a promulgação da Emenda Constitucional nº 8, de 1995, o Governo
brasileiro contratou uma robusta equipe de consultores, advogados e professores de
Direito Administrativo para criá-la.
Logo que começou a vigorar, a referida lei foi alvo de muita discussão e críticas,
no entanto, após estudos mais aprofundados sobre a legislação, verificaram que se
tratava de uma legislação de vanguarda, com algumas peculiaridades absolutamente
adequadas ao nosso ordenamento jurídico.
A LGT, portanto, marcou definitivamente o término da intervenção direta do
Estado nas telecomunicações, ao autorizar a privatização do Sistema TELEBRÁS e a
criação da Agência Reguladora do setor, qual seja, a Agência Nacional de
Telecomunicações (“ANATEL”).
Imperioso destacar que a LGT determinou as diretrizes básicas para
regulamentação do setor que seriam: (i) a universalização e expansão dos serviços de
telecomunicações; (ii) o estímulo à concorrência, em um primeiro momento, com o
duopólio na telefonia fixa e celular, com previsão de liberalização do mercado a partir
de 31 de dezembro de 2001; e (iii) a garantia de um padrão de qualidade compatível
com as necessidades dos usuários.
A aludida lei dispõe sobre os princípios1 norteadores das relações econômicas
no setor de telecomunicações, que foram reproduzidos na lei princípios constitucionais,
e os basilares dos serviços de telecomunicações, entre os quais vale destacar o da livre
concorrência, o da ampla e justa competição entre as companhias prestadoras,
devendo o Poder Público, através da agência reguladora ANATEL, intervir para
fiscalizar e reprimir as infrações da ordem econômica e os abusos praticados pelas
operadoras.
Conforme preceituação da LGT, os serviços de telecomunicações podem ser
classificados em dois regimes distintos, a saber: público e privado.
Na prestação de serviço em regime público, a exploração do serviço depende de
prévia Outorga da ANATEL, sendo a concessão o instrumento jurídico adequado para
exploração do serviço nesse regime. A concessão do serviço de telecomunicações é a
delegação de sua prestação, através de contrato e por prazo determinado, segundo o
Art. 83, parágrafo único, do referido diploma legal.
1 Lei Geral de Telecomunicações "Art. 5º Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações observa-se-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania nacional , função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público. Art 6º Os serviços de telecomunicações serão organizados com base no princípio da livre, ampla e justa competição entre todas as prestadoras, devendo o Poder Público atuar para propiciá-la, bem como para corrigir os efeitos da competição imperfeita e reprimir as infrações da ordem econômica.
As empresas concessionárias assumem o risco do negócio e são remuneradas
pelas tarifas cobradas dos usuários que usufruem os serviços ou por outras receitas
alternativas, devendo responder diretamente pelas suas obrigações e pelos prejuízos
que causar.
Outro ponto relevante em relação à concessão, diz respeito à obrigatoriedade da
universalização e da continuidade atribuída às prestadoras de serviço em regime
público. Por universalização entende-se a possibilidade de acesso de qualquer pessoa
ou instituição ao serviço de telecomunicações, independentemente da sua localização
ou condição sócio-econômica, bem como a utilização das telecomunicações em
serviços essenciais de interesse público. A continuidade, no entanto, refere-se à fruição
do serviço de forma ininterrupta, devendo o serviço estar à disposição do usuário, sem
que haja paralisações injustificadas.
Convém salientar que as concessões de serviço público não terão caráter de
exclusividade, logo, devem seguir o Plano Geral de Outorgas2 ("PGO"), aprovado pelo
Decreto n.º 2.534, de 2 de abril de 1998.
O citado decreto, de suma importância para o setor, dividiu o país em quatro
áreas, sendo três para prestação de serviço de telefônico local, tendo como players as
empresas Telesp, Tele Norte-Leste e Tele Centro-Sul em regime público, e uma outra
área para prestação de serviço telefônico na modalidade longa distância nacional e
internacional, tendo a Embratel como a concessionária representante desta área.
2 O Decreto, de 2 de abril de 1998, que instituiu o Plano Geral de Outorgas fixou regras básicas para a prestação de serviço da telefonia fixa e dividiu o País em quatro diferentes áreas de prestação de serviço, a saber: (i) Região I – Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Pará, Amapá, Amazonas e Roraima; (ii) Região II – Distrito Federal e Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Rondônia e Acre; (iii) Região III – Estado de São Paulo, e (iv) Região IV - Nacional
Entretanto, as citadas empresas não detinham exclusividade para atuar naquelas
áreas delimitadas pelo Plano Geral de Outorgas (“PGO”).
A não exclusividade se deu em virtude da licitação dos termos de autorização para operação de "empresas-espelhos" nas áreas de atuação das concessionárias de telefonia fixa, a fim propiciar, dessa forma, um ambiente competitivo, observando também o princípio do maior benefício ao usuário e interesse social e econômico do país.
Quanto à prestação de serviço em regime privado, a mesma ocorre através do
instrumento jurídico denominado Autorização, que vem a ser o ato administrativo
vinculado que faculta a exploração do serviço de telecomunicações, desde que
preenchidas as condições objetivas e subjetivas necessárias.
No aludido regime, os serviços estão sujeitos aos princípios da livre iniciativa e
da mínima interferência do Poder Público.
Atualmente, apenas o Serviço Telefônico Fixo Comutado3 ("STFC"), oferecido
pelas concessionárias, e o Serviço de Comunicações Digitais são prestados em regime
público. Todos os outros serviços são prestados em regime privado, inclusive os
prestados pelas "empresas-espelhos".
O intuito da divisão dos regimes de prestação de serviços entre público e privado
foi de garantir a população os serviços de telecomunicações considerados mais
relevantes, por isso sujeitos a maiores condicionamentos e interferências do Poder
Público em sua prestação, como a telefonia fixa, e, por outro lado, simplificar a outorga
da prestação dos demais serviços.
O novo modelo permitiu uma expansão admirável dos serviços de
telecomunicações. E isso significou uma revolução na telefonia brasileira em todos os
sentidos.
3 Entende-se por Serviço Telefônico Fixo Comutado aquele serviço de telecomunicações que, por meio de transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processo de telefonia.
A oferta de linhas telefônicas fixas e celulares contrasta, nesse momento, com a
precariedade na oferta de serviços telefônicos observada no País durante a vigência do
Sistema TELEBRÁS, anterior à privatização.
Capítulo 2:
AGÊNCIA REGULADORA DE TELECOMUNICAÇÕES
A criação das agências reguladoras no país é resultado direto do processo de
retirada do Estado na economia, instituídas com o escopo de normatizar, fiscalizar e
regular os setores dos serviços delegados, buscando equilíbrio e harmonia entre o
Estado, usuários e as prestadoras de serviço de telecomunicações.
A função regulatória exercida pelas agências possui papel de suma relevância no
cumprimento das políticas determinadas pelo Estado, posta sua característica gerencial
(técnica) e de controle sobre os entes regulados. O antigo Estado executor deixa de
existir para dar lugar ao Estado regulador.
As agências foram criadas como autarquias em regime especial, considerando-
se como um conjunto de privilégios específicos outorgados pela lei à determinada
entidade para a consecução de seus fins. Privilégios estes caracterizados basicamente
pela independência administrativa, fundamentada pela estabilidade de seus dirigentes –
cujos mandatos são fixos -, autonomia financeira e poder normativo.
No âmbito das telecomunicações, a agência reguladora responsável pela
regulação do setor é a Agência Nacional de Telecomunicações, a ANATEL .
4.1 Agência Nacional de Telecomunicações e suas características
Como visto anteriormente, a Emenda Constitucional n.º 8, de 1995, extinguiu o
monopólio estatal sobre as telecomunicações, mantendo, no entanto, a titulariedade do
serviço à União, passando a admitir a execução indireta do serviço através de
concessão, permissão e autorização ao ente privado. Restou claro na regra
constitucional a criação de um órgão regulador que teria como funções primordiais
fiscalizar, normatizar e regular os serviços de telecomunicações.
Desse modo, a Lei Geral de Telecomunicações dispôs sobre a criação e as
características do órgão regulador de telecomunicações, a Agência Nacional de
Telecomunicações ("ANATEL"), em seu art. 8º, in verbis:
Art. 8º Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais. [...] § 2º A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira."
Em virtude do disposto na lei, convém tratar das peculiaridades atribuídas ao
órgão regulador das telecomunicações.
4.1.1 Natureza Jurídica
Conforme depreendido da leitura do dispositivo legal, a ANATEL constitui-se
numa entidade da Administração Pública Indireta, ou seja, em um conjunto de pessoas
administrativas que, vinculada à respectiva Administração Direta, têm o objetivo de
desempenhar as atividades administrativas de forma descentralizada4.
É cristalino também a natureza jurídica atribuída à Agência, qual seja, de
autarquia especial, vinculada ao Ministério das Telecomunicações. Como autarquia
4 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12º ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.407
especial goza de algumas prerrogativas constituídas em lei, que a diferencia das
demais autarquias, explicadas a seguir.
4.1.1.1 Independência decisória
A independência das agências reguladoras, no caso, da ANATEL, deve ser
entendida em compatibilidade com o regime constitucional brasileiro.
A independência decisória consiste na capacidade da Agência em estabelecer
objetivos e prerrogativas adequadas ao exercício de sua competência, com o fim de
regular as operações realizadas pelas concessionárias de maneira imparcial e efetiva.
Refere-se também a sua capacidade para compor conflitos, controlar as atividades
realizadas no setor, bem como para fiscalizar a política tarifária.
Conforme estabelecido no art. 195, inciso XVII da LGT, é de competência da
Agência a solução dos conflitos entre as prestadoras de serviço e a Administração
Pública, dos conflitos entre as diversas prestadoras que atuam no setor; e, entre estas
e os usuários.
Quanto aos consumidores, a questão que se insurge seria se as agências
reguladoras estariam sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor (“CDC”), vez que, a
princípio, caberia àquelas a defesa do consumidor quando este receber tratamento
indevido pela prestação dos serviços por parte das operadoras.
5 Lei Geral de Telecomunicações Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: XVII - compor administrativamente conflitos de interesses entre prestadoras de serviço de telecomunicações;
Há de se ressaltar que a independência decisória da Agência no que tange à
resolução de conflitos esbarra na garantia constitucional enunciada pelo princípio da
inafastabilidade do acesso ao poder judiciário, prevista no art. 5º, inciso XXXV, da
Constituição Federal, posto que nenhuma lesão ou ameaça de lesão escapará à
apreciação do Poder Judiciário. Dessa forma, a Agência pode até dirimir conflitos em
última instância administrativa, mas não poderá impedir o controle de suas decisões,
caso o prestador do serviço de telecomunicações ou o consumidor que se julgarem
prejudicados com tais decisões, buscando o poder judiciário.
4.1.1.2 Ausência de subordinação hierárquica
A legislação de telecomunicações dispõe no seu art. 8º, § 2º, que a ANATEL não
possui vínculo com a Administração Direta, desse modo, não se aplica o princípio da
Tutela o qual prevê a competência da Administração Direta para rever os atos
praticados por qualquer das entidades da Administração Indireta. O vínculo limita-se à
escolha de seus dirigentes pelo Chefe do Poder Executivo.
A ausência de subordinação hierárquica está caracterizada na independência
administrativa da Agência. Esta não se subordina a nenhum outro órgão, é a “dona” de
seus atos e responsável por suas conseqüências; responsável pela composição,
nomeação e dispensa de seus membros com mandatos fixos, e outras prerrogativas
adequadas ao seu exercício.
Significa dizer, em outras palavras, que a Agência tem poder para contratar e
administrar em seu próprio nome, contrair obrigações e adquirir direitos, desde que o
faça dentro das regras do ordenamento jurídico vigente brasileiro.
4.1.1.3 Mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes
As leis, que instituem as agências reguladoras, prescrevem os processos para
nomeação de seus dirigentes, distintos daqueles expressamente elencados pelo art. 37
da Constituição Federal de 1988. Os dirigentes da Anatel têm seu processo de
nomeação descrito na Lei Geral das Telecomunicações - LGT.
A estabilidade de seus dirigentes no exercício do cargo é garantida pelo mandato
fixo, que só poderá ser perdido nos casos expressamente previsto, afastando, assim, a
hipótese de exoneração ad nutum, o que realça, ainda mais, a autonomia funcional da
Agência.
As garantias dos dirigentes do órgão regulador são fundamentais para assegurar
à Agência a autonomia e independência necessária para lhes permitir julgar com
imparcialidade. Permitem que os mesmos resistam às pressões dos interesses políticos
e econômicos, restando assegurada uma imprescindível intangibilidade política.
Aos dirigentes é vedado o exercício profissional, empresarial e político-partidário
concomitante com o exercício da função; devem se submeter a um regime de
exclusividade, afastando qualquer tipo de conflito de interesses. Terminado o mandato,
devem passar por um período de incompatibilidade, impedidos até de representarem
qualquer pessoa ou interesse perante à Anatel pelo prazo de 1 (um) ano.
Vale comentar o questionamento que se insurge acerca da validade jurídica do
mandato com prazo fixo, sob alegação de que diante a ausência de concurso o cargo
deveria ser considerado de confiança, sendo demissível ad nutum. No entanto, confere-
se o conteúdo presente no art. 37, I, da Constituição Federal, que enuncia o acesso aos
cargos públicos de todos que preencham os requisitos legais exigíveis.
A LGT descreve os requisitos para preenchimento do cargo, a saber: (i) ser
brasileiro; (ii) ter reputação ilibada; (iii) possuir formação universitária e elevado conceito
no campo de sua especialidade; e (iv) ser escolhido pelo Presidente da República e por
ele nomeado, após aprovação pelo Senado Federal. Desse modo, desde que satisfeitos
os requisitos não poderá haver perda do cargo, salvo nos casos previstos em lei.
Os dirigentes são agentes políticos que se submetem aos critérios definidos em
leis, por conseguinte, a liberdade do administrador na sua exoneração é limitada,
diferente dos agentes administrativos cuja dos outros incisos do art. 37 da Constituição
Federal se impõe.
4.1.1.4 Autonomia financeira
A agência de telecomunicações usufrui de autonomia financeira, característica
relevante para exercer suas prerrogativas adequadamente e de forma imparcial. Assim,
a fim de impedir a submissão da Agência a qualquer tipo de condição, foi estabelecida
uma forma de aquisição de receita sem que os recursos transitem pelo erário.
Os recursos da Agência, portanto, advêm diretamente da taxa de regulação
instituída às empresas outorgadas, que engloba a taxa de fiscalização, instalação e
funcionamento das empresas. Tal taxa tem relação direta com o aproveitamento
financeiro obtido com a outorga.
A natureza da taxa de regulação é contratual, posto que sua cobrança é oriunda
do contrato firmado entre o prestador do serviço de telecomunicações e poder
concedente. É pagamento contratualmente estipulado, para que, conforme determina a
legislação, possa ser exercido o controle do serviço autonomamente, ponto este
interessante para ambas as partes, logo que assegura a segurança jurídica dos
investimentos.
O produto arrecadado com esta taxa de regulação é revertido para o Fundo de
Fiscalização das Telecomunicações ("FISTEL") gerido pela própria Agência, por
conseguinte, os recursos do ente regulador vêm diretamente da arrecadação do
FISTEL sem ter que passar pelas mãos do Poder Executivo. Assim, a Agência não
depende das verbas orçamentárias para o seu custeio próprio.
4.1.1.5 Poder normativo
Levando-se em consideração as características especiais que foram concebidas
às agências reguladoras, o poder normativo é, sem dúvida, o que causa mais polêmica.
Controvertida porque se transfere para entidades da Administração Indireta
competência legislativa, através de lei ordinária, o que, em princípio, fere os princípios
da legalidade6 e o da separação dos poderes7.
Esta competência para "legislar", não por lei, mas através de ato normativo
próprio, sobre determinada matéria, ocorre por causa do fenômeno denominado
deslegalização, um tipo de delegação de competência defendido por Diogo de
Figueiredo Moreira Neto. 6 O princípio da legalidade, dogma, consagrado pela Constituição vigente (art. 5º, II) prevê que ninguém será obrigado a fazer alguma coisa senão em virtude de espécie normativa devidamente elaborado pelo Poder competente. 7 Trata-se de uma expressão clássica a Separação dos Poderes, no entanto, é pacífico que o poder do Estado é uno e indivisível. O que se verifia é a Separação das Funções estatais, quais sejam: a Função Executiva, Legislativa e Judiciária.
A deslegalização legislativa objetiva dar a possibilidade de se editar normas de
cunho exclusivamente técnico e de forma rápida.
O instituto da deslegalização permite a outras fontes normativas regular por atos
próprios determinada matéria, ou seja, é retirada do âmbito da lei propriamente dita a
responsabilidade de reger determinada matéria específica.
A Constituição vigente, em vários dispositivos, traz a possibilidade de
deslegalização. Vejamos: Art. 22, parágrafo único; art. 217, I, e seu parágrafo 1º; art.
220, parágrafos 3º e 4º; Emenda Constitucional n.º 8 que alterou a redação do art. 21,
XI; a Emenda Constitucional n.º 9 que alterou o redação do art. 177, parágrafo 2º, III.
Como o constituinte não proibiu genericamente a deslegalização será possível
aduzir que o instituto será sempre possível no ordenamento constitucional, desde que
a Constituição não a vede Expressamente.
O poder normativo das agências reguladoras é pressuposto para que a
regulação ocorra de modo satisfatório e íntegro. Corroborando com tal entendimento,
Diogo de Figueiredo Moreira Neto explica:
[...] essa competência normativa atribuída às agências reguladoras é chave de uma desejada atuação célere e flexível para a solução, em abstrato e em concreto, de questões em que predomine a escolha técnica, distanciada e isolada das disputas partidarizadas e dos complexos debates congressuais em que preponderam as escolhas abstratas político-administrativas.
O poder normativo da Anatel, portanto, não abrange o poder de regulamentar
leis, não podendo inovar na ordem jurídica ou contrariá-la. A normatização deve apenas
definir regras e parâmetros técnicos referentes à atividade de telecomunicações.
4.1.2 Funções da Anatel: reguladora, fiscalizatória e sancionatória
São amplas as funções dadas às agências reguladoras: regular determinado
setor, organizar o funcionamento do respectivo serviço público, fiscalizar a prestação do
serviço e as entidades prestadoras do serviço, dirimir conflitos entre o Poder
Concedente, empresas outorgadas e usuários, dentre outros.
A lei que institui a agência reguladora é responsável por traçar as suas funções .
Em se tratando da Anatel, suas funções encontram-se disciplinadas no art. 19 da LGT,
o qual determina o âmbito da sua competência.
4.1.2.1 Função reguladora
Dentre as funções desempenhadas pela Agência, a função de reguladora que se
concretiza no gerenciamento e controle os entes regulados se apresenta essencial na
efetividade do processo de desestatização, no cumprimento das políticas determinadas
pelo Estado.
No exercício dessa atribuição a Agência deve buscar a harmonia dos interesses dos
consumidores, como o preço e qualidade, com os interesses do ente regulado e do Estado,
fazendo com que a transferência da prestação de serviço público seja interessante para
todas as partes envolvidas.
Esta função pressupõe a existência de um instrumento regulatório determinado por
lei, em respeito ao princípio da Legalidade, o que definem como “marco regulatório”,
definido como um conjunto de orientações, regras e valoração, gerido por ente regulador,
o qual operar toda as medidas e indicações necessárias ao ordenamento e à gestão
eficiente do serviço público concedido.
Questiona-se, no entanto, se a Agência teria como um dos seus escopos da
função reguladora ou a regulamentadora. A fim de ilustrar a essa distinção, segue a
conceituação dos institutos segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Regular significa estabelecer regras , independentemente de quem a
dite, seja o Legislativo ou o Executivo, ainda que por meio de órgãos da
Administração direta ou indireta. Trata-se de vocábulo de sentido mais estrito8.
Regulamentar significa também ditar regras jurídicas, porém, no
direito brasileiro, como competência exclusiva do Poder Executivo. Perante a
atual Constituição, o poder regulamentar é exclusivo do Chefe do Poder
Executivo (art. 84, IV), não sendo incluído no parágrafo único do mesmo
dispositivo , entra as competências delegáveis 9.
Conforme se depreende da leitura exposta, à Agência não
cabe o função de regulamentar, este é exclusivo do chefe do Poder Executivo, e
sim o poder de regular.
É importante relembrar que o novo modelo de gestão dos
serviços públicos escolhido pelo Estado, transformou o Estado executor, antigo
prestador direto dos serviços públicos, em um Estado regulador, o qual deixou
de executar diretamente tais serviços para executá-los de forma indireta através
de entes privados, passando apenas a regulá-los.
8 DI PIETRO, Maria Sylvia. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1999, p 140 9 Idem, p 141
3.1.2.2 Função fiscalizatória
A todas agências reguladoras cabe a função fiscalizatória sobre os agentes que
se encontram sobre a sua área de atuação. À ANATEL, cabe a fiscalização dos
serviços de telecomunicações.
A Agência pode, por exemplo, a qualquer tempo, por meio dos seus agentes,
realizar fiscalizações diretamente na prestadora, a fim de checar se os serviços estão
sendo prestados de acordo com as normas vigentes.
Contudo, vale a ressalva de que esse poder-dever não deve retirar da própria
prestadora de serviço o poder de gestão. A Administração tem como missão fiscalizar,
ela não administra a execução do serviço. Assim, a Agência pode exercer seu controle
por meio de mecanismos que ela própria cria, mas sem, contudo, retirar das
prestadoras a capacidade de autodeterminação na atividade regulada.
4.1.2.3 Função sancionatória
A LGT, em seu art. 19, XVII, preceitua que a Anatel possui competência para
compor administrativamente conflitos de interesses entre prestadoras de serviço de
telecomunicações.
Na realidade, com a exceção da Agência Nacional das Águas (‘ANA”), todas as
agências reguladoras possuem em suas leis de criação alguma previsão expressa que
as autorize a aplicar sanções administrativas.
A Agência, em geral, tem o poder de aplicar sanções decorrentes do
descumprimento de preceitos legais, normativos ou contratuais, em virtude da
competência fiscalizatória que lhe fora atribuída.
Às agências reguladoras têm sido atribuída a função de receber as denúncias e
as reclamações oriundas dos usuários, para tanto, foi prevista em suas leis instituidoras
a existência de um órgão ouvidor (OUVIDORIA), com intuito de estabelecer um canal
de acesso da sociedade. Dessas denúncias e reclamações caberão ao ente regulador a
resolução e a conseqüente sanção, caso o prestador seja considerado culpado.
Nessa seara, podemos também mencionar a instauração dos Procedimento de
Apuração por Descumprimento de Obrigação (“PADO”). Os chamados PADOs são
instaurados em virtude do não cumprimento de determinada obrigação ou em virtude de
uma reclamação de usuários. Tais procedimentos são investigados, assegurado o
devido processo legal e o contraditório, e caso a prestadora não consiga provar que
não possui culpa, a mesma sofrerá a devida sanção.
Logo, a função sancionatária deriva do poder que a Agência tem para dirimir os
eventuais conflitos existentes, bem como do não cumprimento por partes das
prestadoras de suas obrigações.
4.2 A ANATEL e o CADE
O quadro regulatório desenhado pelo País coadunado com o disposto na LGT
procurou traçar diversas salvaguardas para evitar a prática de ações anticompetitivas
por parte das empresa de telecomunicações, para tanto aproveitou-se da experiência
internacional sobre o assunto.
Por esta razão a LGT, com o fim de proteger a ordem econômica, a legislação das
telecomunicações trouxe ao setor a atuação do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica10 (“CADE”), permitindo a aplicação complementar da Lei de Defesa da
Concorrência – Lei n.º 8.884/9411.
Tal permissão implica a submissão das empresas de telecomunicações ao citado
órgão regulador da concorrência de todos os atos que possam limitar ou prejudicar a livre
concorrência.
Isto quer dizer que os atos envolvendo prestadoras de serviço telecomunicações, no
regime público ou privado, que de alguma forma visem algum tipo de concentração
econômica, mediante fusão ou incorporação de empresas, por exemplo, ficam submetidos
à apreciação do CADE.
A Anatel, portanto, possui amplos poderes para defender a competição no setor
de telecomunicações, sendo sua competência, em suma, agir preventivamente,
deixando ao CADE a função de atuar posteriormente, caso a caso, sempre que houver
10 O CADE, órgão colegiado judicante com jurisdição em todo o território nacional, foi criado pela lei n.º 4.137, de 10 de setembro de 1962. É responsável pela instância administrativa de julgamento das práticas anticompetitivas e operações de concentração.Na execução de suas tarefas recebe o auxílio de dois outros órgãos responsáveis pela investigação e instrução processual, a saber: a Secretaria de Acompanhamento Econômico (“SEAE”), vinculada ao Ministério da Fazenda, e a Secretaria de Direito Econômico (“SDE”) vinculada ao Ministério da Justiça. 11 A Lei de Defesa da Concorrência, Lei n.º 8.884, de 11 de junho de 1994, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico (Art. 1)
o seu acionamento por parte da Agência, para julgar se o ato em questão constitui-se
ou não em infração da ordem econômica.
A atribuição do CADE caracteriza-se como corretiva, cabe ao órgão analisar
cada caso para depois definir se houve abuso e infrações à ordem econômica por parte
do setor. Enquanto a Anatel supervisiona permanentemente o setor, a fim de prevenir
que práticas indesejáveis sejam desenvolvidas, com poderes para atuar
preventivamente na defesa da competição no setor em relação à possibilidade de
fusões, aquisições e transferência de controle acionário, evitando abusos de poder.
4.3 Estratégia pró-competição: assimetrias regulatórias
A regulação do mercado de telecomunicações no Brasil, além das
responsabilidades e competências de correção e prevenção de práticas
anticompetitivas, incide na promoção da competição. Com o escopo de criar um
ambiente competitivo, a Agência instituiu assimetrias regulatórias que permitissem o
equilíbrio das diferentes condições de entrada das prestadoras no mercado.
As assimetrias regulatórias consistem em uma política de incentivos à
competição que busca reduzir o poder de mercado das empresas (incumbentes) que
compraram as estatais, as quais , por conseguinte, entraram no mercado em condições
superiores às novas empresas , bem como visa atrair novos operadores (entrantes).
Especificamente na telefonia fixa, os principais objetivos das assimetrias pró-
entrantes são a criação de condições de incentivos ao cumprimento das metas de
universalização e qualidade, e o estímulo à entrada de novos competidores, afim de
equilibrar as relações entre incumbentes e entrantes.
Para tanto, a Anatel adotou 6 critérios de assimetrias regulatórias na regulação
do segmento de telefonia, sendo estes: (i) o regime de exploração; (ii) a delimitação da
área de atuação; (iii) a restrição de expansão de atividades; (iv) o incentivo à
universalização; (v) a restrição de diversificação das atividades e (vi) de utilização de
novas tecnologias.
No que refere ao regime de exploração, as incumbentes estão sujeitas ao regime
jurídico púbilco, restando asseguradas a estas a concessão do serviço até 31 de
dezembro de 2005, podendo este prazo ser prorrogado por mais 20 anos, o que acabou
se concretizando. Já as entrantes são autorizadas do Sistema de Telefonia Fixa e estão
sujeitas ao regime jurídico privado. Dentro do critério descrito somente concessionárias
possuem a obrigação de continuidade , universalização e qualidade, assim como são
submetidas a controle tarifário e às obrigações de interconexão12, tais obrigações
encontram-se nos contratos de concessão.
A Agência fixou as metas de universalização e qualidade para que as mesma
fossem alcançadas gradualmente no prazo de 5 anos. Dentre as obrigações descritas
no Plano de Metas de Universalização podemos citar ampliação dos telefones públicos,
as concessionárias teriam como meta ampliar até 2005, em média 8 telefones de uso
público (“TUP”) por 1000 habitantes. Outra meta que beneficiou diretamente o
consumidores foi o prazo de instalação do terminal telefônico que há pouco tempo atrás
demorava ano, em 2002 o prazo máximo para instalação era de 4 semanas, em 2003
até 3 semanas, 2004 duas semanas e em 2005 caiu para apenas 1 semana.
12 Considera-se interconexão a ligação entre redes de telecomunicações funcionalmente compatíveis, de modo que os usuários de serviços de uma das redes possam comunicar-se com usuários de serviços de outra ou acessar serviços nela disponíveis
Cabe aduzir que o descumprimento dessas metas podem resultar em rigorosas
sanções para as concessionárias que podem chegar ao valor de milhões de reais.
As autorizadas também devem observar algumas regras, porém, mais flexíveis.
Podem atuar em regime de liberdade de preços, que são regulados pelo próprio
mercado, entretanto, devem obedecer determinados critérios de preços-limites para os
serviços e cumprir metas. Tais metas não são de universalização do serviço, e sim
compromissos mínimos, inclusive os de garantia de qualidade.
Em seus contratos ficou estabelecida meta de atendimento de levar os serviços
locais e de longa distância a capitais e municípios com mais de 200 mil habitantes do
final de 10 de dezembro de 1999, o que exclui cerca de 5.200 cidades, as quais
ficariam sob o monopólio das concessionárias, segundo a Anatel.
O segundo critério assimétrico diz respeito à delimitação da área de atuação. As
concessionárias de telefonia fixa atuam em subconjuntos regionais, sendo permitido às
entrantes a participação acionária em mais de uma autorizada por região.
Quanto ao critério de restrição de expansão de atividades de telefonia fixa que
estabelece períodos diferenciados para as concessionárias (até 31.12.2002) e para as
“empresas-espelhos” autorizadas (até 31.12.2002) nos quais estatais ficam impedidas
de ampliar ou diversificar suas atividades13. Esta restrição, porém, não recai sobre as
autorizadas a partir de 2001.
A quarta assimetria se refere ao incentivo à universalização dos serviços,
determina que somente a partir do cumprimento de metas de universalização em cada
uma das regiões do Plano Geral de Metas seria permitida a entrada em outros
segmentos do mercado, ou seja, as holdings regionais estariam autorizadas, a partir de 13 Art. 10, §§ 1º e 2º, da PGO.
31 de dezembro de 2003, a expandirem suas operações para fora de suas áreas de
concessões.
Ressalta-se que esta data poderia ser antecipada e foi o que ocorreu no
mercado de telefonia fixa. As concessionárias anteciparam as metas e no de 2002 deu-
se abertura do mercado. Em relação às concessionárias, convém ressaltar que em
cada um das regiões que em cada região existe, pelo menos, a atuação de uma grande
empresa de telecomunicações e uma operada independente, desse modo, todas as
empresas tiveram que atingir as metas para que pudessem expandir sua atuação.
No que concerne à diversificação do serviço, as autorizadas poderiam, a partir de
2003, entrar em qualquer segmento ou serviço mediante o cumprimento das metas de
atendimento e expansão previstas nos contratos.
Às concessionárias é permitido a entrada em qualquer segmento, exceto TV a
cabo, desde que cumpram todas as obrigações de atendimento e expansão previstas
nos instrumentos contratuais.
Por último, o critério de assimetria regulatório referente à utilização de novas
tecnologias. Foi criada uma vantagem competitiva de mercado a favor das “empresas-
espelhos”, que contariam coma vantagem de poder utilizar a tecnologia Wireless local
Loop (WLL), que prescinde de redes cabeadas até o local de instalação, o que acarreta
menos tempo de implantação e menor volume de investimentos. Esta prerrogativa só
poderia ser utilizada em municípios com mais de 50 mil habitantes e em localidades que
contassem das propostas das “empresas-espelhos”.
As concessionárias apenas poderiam se utilizar dessa tecnologia em localidades
com menos de 30 mil habitantes ou para atender clientes em localidades onde as
autorizadas não tenham assumido o compromisso de atendê-las, ao final do ano de
2001.
A implantação dessas assimetrias regulatórias, adotadas pela Anatel e pela
legislação pertinente ao setor, não teve por objetivo penalizar o equilíbrio financeiro das
incumbentes, muito menos incentivar empresas entrantes ineficientes no mercado, a
finalidade era buscar melhores resultados na concorrência do setor.
5 PROBLEMAS ENFRENTADOS PELA ANATEL COM O MODELO VIGENTE
A ANATEL, embora tenha sido criada com a objetivo primordial de regulação,
fiscalização e proteção da área das telecomunicações brasileiras, carece ainda de
melhorias, especialmente com relação a maior tempo de funcionamento e aumento do
quadro de pessoal, haja vista que, até o presente momento, não demonstrou a
eficiência esperada pela sua atuação no setor.
Várias são as problemáticas a serem enfrentadas, tais como: a falta de
concorrência entre as prestadoras de telefonia fixa, que realmente ficou devendo.
Atualmente alguns especialistas arriscam em chamar o atual modelo de “monopólio
privado das Teles”; a falta de regras mais eficientes para combater os abusos por elas
empregados; o aumento constantes das tarifas, em um momento econômico tão difícil
financeiramente para o usuário; a morosidade das decisões dos processos
administrativos; a falta de pessoal no quadro da Agência, sendo ineficaz e insuficiente a
fiscalização de todas as operadoras, em todo território nacional.
5.1 Falta de concorrência nos serviços de telefonia
A LGT instituiu como uma de suas premissas básicas o estímulo a
concorrência14 de modo a aumentar o padrão da qualidade e melhoria dos preços dos
serviços pelas prestadoras oferecidos, tanto a telefonia fixa como na móvel, através do
regime de duopólio até 2001, ou seja, durante esse período, duas empresas atuariam
em cada área de prestação de serviço, uma concessionária e uma autorizada (a
respectiva “empresa –espelho”).
Embora a intenção e a política empregada tenham sido boas, a competição
esperada não se efetivou, principalmente no que se refere à telefonia fixa local, na qual
ainda se constata claramente a existência de um monopólio das empresas
concessionárias que herdaram a rede e os clientes do sistema TELEBRÁS. É cristalina
a falta de competitividade das “empresas-espelhos”.
Deve se levar em consideração que não é tão simples a criação de um ambiente
competitivo, posto que se faz necessário ter a consciência das características
intrínsecas à atividade e ao mercado de telecomunicações, dentre as quais podem ser
citadas: (i) a instalação de uma grandiosa infra-estrutura; (ii) a interligação entre as
redes de telecomunicações; (iii) o fato das telecomunicações terem sido monopólio
legal, o que ocasionou que a maior parte da infra-estrutura em uso tivesse nas mãos de
poucos prestadores de serviço; (iv) a alta tributação no setor de telecomunicações,
dentre outras características..
As atuais concessionárias herdaram a infra-estrutura de telecomunicações
existente à época do Sistema TELEBRÁS, o que lhes proporcionaram grande vantagem
14 Lei Geral de Telecomunicações – Lei n.ª 9472/97 “Art. 2° O Poder Público tem o dever de: II - adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários;”
competitiva em relação às autorizadas (seus investimentos relativos às suas redes hoje
estão amortizadas), mesmo se for considerada os encargos pertinentes à prestação de
serviço em regime público, tais como, os compromissos de expansão, qualidade,
universalização e continuidade dos serviços.
Quanto à tributação dos serviços telecomunicações, imperioso afirmar que é
uma das mais elevadas de todo o país. O serviço chega ao usuário com um acréscimo
em torno de 50% (cinqüenta por cento) em virtude dos tributos cobrados.
Na realidade, dependendo do Estado a carga tributária varia entre 43% (quarenta
e seis por cento) e quase 55% (cinqüenta e cinco por cento) no Pará e Rio de Janeiro,
sem incluir outros tributos, como por exemplo, o FISTEL, por ser calculado em razão da
dos ativos operacionais de cada empresa, o que significa que a carga tributária é ainda
maior do que a explicitada.
Caberia à ANATEL atuar junto ao governo na tentativa de diminuir o valor da
tributação. Tal ação beneficiaria não só os consumidores que têm de arcar com altos
preços dos serviços, bem como importaria em uma maior competitividade no setor, a
medida que não assustaria os possíveis investidores, que muitas vezes deixam de
investir no setor em virtude dos altos custos dos tributos.
A alta carga tributária nos serviços de telecomunicações revela um aspecto
perverso, pois, levando-se em consideração que as telecomunicações são uma
alavanca para o desenvolvimento sócio-econômico do país e ajudam a reduzir a
exclusão social, a elevada carga tributária funciona como um freio para o progresso do
país e um entrave no combate à desigualdade de distribuição de renda no país.
Outro ponto relevante gira em torno da determinação imposta pela LGT quanto à
obrigatoriedade da interconexão15 entre as redes e o compartilhamento da infra-
estrutura já instalada, para possibilitar a concorrência na telefonia fixa. Ambos não
foram implementados de maneira satisfatória e ainda deixam muito a desejar. A
interferência aqui da Anatel seria fundamental para a real competição na telefonia local,
em especial.
A interconexão livre e a possibilidade dos novos operadores adquirirem das
empresas prestadoras dominantes acesso a suas redes nos pontos em que realmente
tiverem necessidade, reduziriam os investimentos em infra-estruturas duplicadas.
As empresas detentoras de cabeamento, controlam, consequentemente, o
acesso ao usuário, diante de tal premissa, tais operadoras podem facilmente se utilizar
deste expediente para discriminar novos entrantes, o que inviabiliza a entrada de novos
operadores, não permitindo o ambiente competitivo desejado.
As obrigações de interconexão impostas às concessionárias locais nos contratos de interconexão estabelecem normas gerais para negociações de acordos com as demais prestadoras, com o fim de inibir as práticas, a saber: omissão de informações técnicas, obstrução, coação, exigência de condições abusivas para celebração de contratos, subsídios tarifários para redução artificial de tarifas, entre outras.
Com intuito de dirimir os eventuais conflitos entre as prestadoras acerca do
assunto e evitar atos lesivos ao ambiente competitivo, foi criada a Comissão de
Arbitragem. Esta comissão tem capacidade de mediar inevitáveis conflitos de
interesses, assim como o de resolver questões sobre as divergências de valores
devidos quanto à remuneração da rede.
As prestadoras de longa distância reclamam que as locais, detentoras de da
maior parte infra-estrutura instalada, praticam conduta anticompetitivas
consubstanciadas em elevações dos custos das rivais, por meio da (i) discriminação de 15 Ligação entre redes de telecomunicações funcionalmente compatíveis, de modo que os usuários de serviços de uma das redes possam comunicar-se com usuários de serviços de outra ou acessar serviços nela disponíveis
preços na cobrança de tarifa de interconexão de rede local para elas mesmas e para
seus concorrentes ; ou por meio do (ii) subsídio cruzado implícito entre o serviço local e
o de longa distância, oferecidos pelas prestadoras fixas locais.
Diante da problemática da indefinição acerca do preço mais apropriado a ser
cobrado pela utilização da rede de outras prestadoras (tarifas de interconexão) o tema
continua sendo objeto de discussões, especialmente entre as prestadoras de telefonia
local e as prestadoras de telefonia de longa distância fixa e móvel.
5.2 Atuação da ANATEL junto aos usuários
No tocante à proteção ao usuário, o modelo de telecomunicações brasileiro
vigente se constitui basicamente em dois instrumentos: (i) a participação do usuário
junto à ANATEL e (ii) a atuação da mesma na defesa do consumidor dos serviços de
telefonia.
A participação do usuário pode ser observada na sua possível contribuição em
consultas públicas16 (art. 42 da LGT), as quais disponibilizam, via internet, todas as
regulamentações que posteriormente entrarão em vigor no setor. Os usuários podem,
portanto, defender seus interesses e contribuir em tais consultas, que terão seu
conteúdo analisado, podendo ser aproveitado ou não. De qualquer forma, aqui se
observa a participação efetiva dos usuários.
16 Lei Geral de Telecomunicações Art. 42. As minutas de atos normativos serão submetidas à consulta pública, formalizada por publicação no Diário Oficial da União, devendo as críticas e sugestões merecer exame e permanecer à disposição do público na Biblioteca.
Outro meio de participação dos usuários se dá com a participação de
representantes dos usuários17 no Conselho Consultivo da Agência, cujas funções
básicas se resumem ao aconselhamento e às sugestões.
No entanto, essa participação é muito tímida, visto que no caso das consultas
públicas não há transparência no processo que as convertem em normas, além disso,
somente são levadas à consulta os aspectos técnicos, o que limita a ação dos usuários.
No que tange à atuação da ANATEL na defesa dos consumidores, o ente
regulador conta com uma ouvidoria, pela qual os usuários podem fazer suas sugestões
e reclamações, cabendo à Agência a apuração dos fatos relatados junto às prestadoras
citadas.
Ademais, os usuários podem peticionar junto à Agência na busca de solução
para as divergências entre os mesmos e as prestadoras. A ANATEL averiguará a
reclamação, podendo até mesmo instaurar um PADO (“procedimento administrativo de
descumprimento de obrigação”) em face da prestadora, caso entenda que há
procedência na reclamação do usuário, o que poderá acarretar sanção à prestadora.
Restando, ainda, ao usuário a via judiciária para a composição do seu conflito.
Porém, a Agência poderia e deveria ser mais atuante e assegurar o direito dos
usuários de uma maneira muito mais eficaz. Se, de fato, fosse mais severa nas suas
punições junto às prestadoras, inibiria os abusos praticados.
De um modo geral, o modelo atual de telecomunicações trouxe por um lado
grandes benefícios para os usuários, pois, inegavelmente, a oferta de serviços
17 Art. 34. O Conselho será integrado por representantes indicados pelo Senado Federal, pela Câmara dos Deputados, pelo Poder Executivo, pelas entidades de classe das prestadoras de serviços de telecomunicações, por entidades representativas dos usuários e por entidades representativas da sociedade, nos termos do regulamento
oferecidos não se compara ao que era oferecido pelas prestadoras antes, no antigo
modelo em que o Estado era o fornecedor/prestador do serviço.
Por outro lado, é inegável que a ANATEL na sua ineficaz atuação no que
concerne à promoção da competição, limita o poder de escolha, pelos usuários, da
operadora fixa local, que, de fato, atuam em monopólio privado.
Um ponto importante seria o fato dos serviços a preços menores para os
consumidores terem sido a justificativa da privatização da telefonia, entretanto, o
histórico da evolução das tarifas foi o pior possível para os usuários e não mostrou o
esperado. Sem dúvida, um ambiente concorrencial favoreceria a alteração desse
quadro injusto. O que se percebe em razão da atuação ineficiente da Agência é a
conseqüente enxurrada de processos judiciais, principalmente em juizados especiais.
Os processos judiciais decorrentes dos serviços de telecomunicações já representam
mais de 50% (cinqüenta por cento) do total de processos existentes em tais juizados em
todo país. As prestadoras são verdadeiras campeãs de reclamações e ações nessa
espera.
CONCLUSÃO
Em virtude das inovações tecnológicas e do dinamismo pertencente do setor de
telecomunicações, o modelo brasileiro de telecomunicações precisou sofrer algumas
alterações que o permitisse acompanhar o mercado.
Assim, passamos de um Estado fornecedor dos serviços de telecomunicações para
um Estado regulador, que passa a intervir no setor apenas regulando-o e não mais
executando os serviços.
Para que essa reformulação fosse possível diversas foram a mudanças que
precisaram ser feitas no ordenamento jurídico, inclusive na Constituição Federal vigente,
a qual privilegiava o monopólio dos serviços de telecomunicações.
A Constituição Federal passou a permitir, portanto, a prestação de serviços por
parte de empresas privada, instituindo um novo modelo jurídico regulatório, que tem por
princípios a competição e a universalização dos serviços de telecomunicações.
Para tanto, foi criada uma agência reguladora, a ANATEL, que permitisse a
regulação, a fiscalização e a normatização do setor. Esta agência introduziu uma política
de assimetrias regulatórias, com intuito de viabilizar a competição entre as prestadoras
incumbentes e as entrantes.
Conforme dispunha a Emenda Constitucional n.º 8 que alterou a Constituição
Federal, foi editada uma lei que disporia sobre os serviços de telecomunicações, este seria
o chamado “marco-regulatório”. A referida lei tomou corpo em 1997 e passou a ser
denominada de Lei Geral de Telecomunicações.
No entanto, há de se enfatizar que a atuação da ANATEL, embora tenha seus
méritos de atuação, levando-se em consideração a complexidade que envolve os serviços
de telecomunicações, não se mostra eficiente, em especial no que se refere à telefonia.
A competição no aludido segmento praticamente não existe, a fiscalização das
prestadoras também não se mostra eficaz, ocasionando um elevado número demanda de
processos judiciais.
Por derradeiro, conclui-se que a ANATEL precisa se conscientizar dos erros de
atuação cometidos até o momento, pois ainda tem um longo caminho a percorrer na
melhora da regulação dos serviços de telecomunicações.