o paradigma da extinção: desaparecimento dos Índios puris em … · sempre ocorreu uma grande...
TRANSCRIPT
O Paradigma da Extinção: Desaparecimento dos Índios Puris em Campo Alegre no Sul do Vale do Paraíba
Enio Sebastião Cardoso de Oliveira*1 Resumo
Os Índios Puris ocuparam, no período dos setecentos, uma extensa área da região do
Vale do Paraíba. Esses índios eram de etnia bem diferente dos outros ameríndios que
ocuparam a região litorânea da Província, não só no aspecto físico, mas também cultural, já
que, sobretudo, falavam um dialeto do tronco lingüístico de origem macro-gê. Pontuado
pela historiografia como primeiros habitantes da Região de Campo Alegre da Paraíba
Nova, a atual cidade de Resende, localizada no médio Vale do Paraíba, os Puris sofrem a
ação colonizadora na região por volta do século XVIII, com a expansão das fronteiras
agrícolas do império Luso-brasileiro, ocasionando diversos conflitos na Região entre índios
e Colonos, que como conseqüência a fundação do aldeamento de São Luis Beltrão, no qual
esses índios foram reduzidos. No entanto, no meados do século XIX, essa etnia foi
considerada extinta, desaparecendo dos documentos oficiais. Esse artigo pretende analisar a
partir das observações de fontes, se os Índios Puris na Região de Campo Alegre da Paraíba
Nova realmente foram extintos ou apenas foi um desaparecimento promovido pelas
autoridades em seus documentos oficiais.
Palavras Chaves
Índios, Puri, Aldeamento, Campo Alegre.
1 Universidade Severino Sombra – Uss – Professor Mestre em História Social.
ABSTRACT
The Indians occupied Puris, the period of seven hundred, a large area of the Vale
do Paraíba. These Indians were ethnic quite different from other Native Americans
who occupied the coastal regions of the Province, not only in physical appearance, but
alsocultural, since, above all, they spoke a dialect of the trunk linguisticorigin macro-ge.
Punctuated by the historiography as the firstinhabitants of the region of Campo
Alegre Paraíba Nova, the current city of Resende, located in the middle Vale do Paraíba,
the Purissuffer from colonizing the action in the region around the eighteenth century
with the expansion of agricultural frontiers in the Luso-Brazilian empire,
causing many conflicts in the region betweenIndians and settlers, as a consequence that the
foundation of thevillage of São Luis Beltrão, in which these Indians were reduced.
However, in the mid-nineteenth century, this ethnic group was considered
extinct disappearing from official documents. Thisarticle analyzes the sources from the
observations are actually Puris Indians in the region of Campo Alegre da Paraíba Nova
were extinct or just a disappearance promoted by the authorities in their official
documents.
Keywords
Indians, Puri, Aldeamento, Campo Alegre.
Campo Alegre
Campo Alegre no século no final do século XVIII era uma extensa área que ia da
divisa da província de São Paulo onde hoje seria a cidade de Três Rios na confluência dos
rios Paraibuna, Paraíba do Sul e Rio Preto. Do Litoral em direção aos Sertões seriam seus
limites segundo as fontes, a Serra do Mar e os limites da bacia do Rio Preto fronteira
natural com a antiga Província das Minas Gerais, perfazendo a região que cobria todo o Sul
do Vale do Paraíba Fluminense2. Esta região que era considerada naquele período, como
uma área de “Sertões dos Índios Brabos”3 ou simplesmente “Sertões”.
A Região dos Sertões dos “índios brabos” seria uma região imprecisa na metade do
século XVIII, na qual segundo a fonte abaixo mostra que a região de Campo Alegre, fazia
parte da área de sertões:
2 FREYCINET, Louis, de Carte de la province de Rio de Janeiro [Material cartográfico / par M. Louis de Freycinet. - Escala [ca. 1:840000], 25 Lieues moy de France [25 ao grau] = [13,20 cm]. - [S.l. : s.n.], 1824. - 1 mapa : p&b, com traçados color. ; 29,90x53,70 cm em folha de 50,20x67,90 cm http://purl.pt/3426. Biblioteca Nacional de Portugal. 3 A detecção de “índios brabos” e soltos pelo sertão instigava um discurso sobre a necessária intervenção da mão “civilizadora” da “sociedade civil” sobre eles, instituindo-se, a partir de então, religiosos, militares e particulares na tarefa de contratá-los e “civilizá-los”. (...) Quando em 1767 o militar Manoel Vieyra Leão classifica os índios “soltos” do Rio de Janeiro como “brabos” e seu promissor território como “sertão”. MALHEIROS, Márcia, “Homens da Fronteira” Índios e Capuchinhos na Ocupação dos Sertões do Leste do Paraíba ou Goytacazes, século XVIII e XIX, UFF, Niterói, 2008. p. 39.
Dis Ignacio de Sousa Werneck Capitão do Distrito da Freguesia da N. da Conceição do Alferez, que no anno de 1788 foi ale encarregado lells S. Majestade Ex.ma D. Luis de Vasconcelos, erão então Vice- Rei deste Estado de combater os índios Bravos, que habitavam no Certão entre os Rios Paraíba, Preto os quais donde frentes sortidas vindas atacar os povos da Freguesia da Sacra Família das outras vizinhas fazendo lhes muitas mortes (...)
4.
4 Oficio de Ignacio de Sousa Werneck ao Vice-Rei Luis de Vasconcelos, sobre a suposta violência dos Índios na Região do Rio Paraíba e Preto. ANRJ. Fundo: Vice-Reinado Conjunto Documental: Correspondência de capitães-mores e comandantes de regimentos de vilas do Rio de Janeiro.Caixa 484. pacote 2.4º seção, 13º classe, série I, 4. Coleção 328 a 376.
Mapa Da Região De Campo Alegre Da Paraíba Nova e seus limites e fronteiras5
Podemos notar nesta fonte como é clara a utilização da palavra certão e “índios
bravos”, na região de Campo Alegre da Paraíba Nova, na qual uma área designada é
ocupada pelos índios soltos e “considerados hostis”, sem o controle do Estado Português,
uma terra ainda “inóspita, não civilizada” no modelo e princípios do final do século XVIII.
Portanto, nesse período essa área ainda não estava totalmente ocupada pelas frentes
coloniais, podendo ser caracterizada como uma fronteira aberta, ainda considerada “alto
sertão”, ou como pontuamos aqui: “sertão dos Índios bravos”. Como tal, apresentava tensão
entre colonos em processo de expansão, índios de várias etnias e variada situação
5 Ibid
geopolítica: “deslocados”, “destribalizados”, “estanciados”. Essa região dos Sertões era
uma extensa área que, ainda no final do século XVIII, representava parte expressiva do
território da antiga Capitânia do Rio de Janeiro. Essa área era caracterizada como um
espaço de solidão, deserto ou sertão.6
Pelo fato de Campo Alegre ainda conservava aspectos de sertão, nos leva a
constatação de que a chegada do conquistador a Campo Alegre e a fundação da Freguesia,
teria iniciado as relações conflituosas entre colonizadores e indígenas, não diferentemente
de outras regiões da colônia.. No entanto, como vimos, antes dessa data, essa região era
visitada por bandeirantes que a utilizavam como rota para as áreas produtoras de ouro nas
Minas Gerais7. Ao analisarmos uma parte do relatório do Capitão Henrique José de
Carvalho Queiros ao Conde de Resende, percebemos que o dito Capitão, relata uma suposta
descoberta de ouro na região, destacando a importância:
No Vice Reinado do Exmº Sr Luiz de Vasconcelos viram a esta cidade era já vez na sua chegada a dar-lhe as boas vindas, e não faltei neste ponto; porém vejo depois o guarda Mor Miguel Nunes Bernardes para tratar de matéria, e de fato foi bem atendido, e esperançado dos mesmos sem suposto não deu a última decisão, porque já nesse tempo corria a noticia da vinda de V. Ex. e parece que a gloria desta descoberta tão importante estava reservada para feliz governo de V. Exª, e fazer felizes os Povos do Estado principalmente os desta Capital, por quanto não pode deixar de resultar um grande argumento ao Real Erário, a ao Comercio; porque as Minas Gerais cada vez vão em maior decadência, e este descoberto há de vir substituir-lhe a sua falta, e como há contigo as mesmas Minas. , as providencias para evitar os extravios são as mesmas que se observam nas Minas, só com a diferença que lá vão as partes meter o ouro nas casas de fundição, e cá é necessário constituir um fiscal, que receba o ouro das
6 MALHEIROS. Op. Cit. P. 31 7 (...) “vem ainda hoje vestígios de lavrados em alguns ribeirinhos muito antes de se fundar a Povoação, porém como naqueles tempos havia muito ouro divertiam-se os mineiros para entrar diversas partes entrando e saindo com expedições, a que vulgarmente chamavam Bandeiras”. Fragmento da Carta Capitão Henrique José de Carvalho Queiros ao Vice Rei, Rio de Janeiro 8 de Fevereiro de 1791. Fundo: Diversos Códices – SDH. Conjunto Documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos. Códice 807, vol. 5 – p. 106.
mesmas partes, e o faça remeter a casa da Moeda desta Capital debaixo de guias, lacrados e haver grande vigilância nas guardas de pago [...]
8.
Como podemos notar, o Capitão relaciona à relevância da descoberta de “ouro” e a
forma como beneficiaria muito o Erário Real. Além disso, ele narra a decadência da
produção de ouro na região de Minas Gerais e de como essa descoberta poderia favorecer a
capitania o Rio de Janeiro e Campo Alegre, também com a intensificação da atividade
comercial. Esse relatório expõe os benefícios que essa produção pode trazer a população da
capitania e os cuidados que se deve ter em relação ao extravio do ouro. De certa maneira
sempre ocorreu uma grande preocupação com a questão do contrabando de ouro no Brasil,
a criação das casas de fundição e dos registros de ouro são fatos que comprovam esse
cuidado. A grande questão dessa carta é o destaque dado ao autor à região de Campo
Alegre, como uma região que deveria ter um tratamento especial pela possível existência de
ouro. Mas, o que isso veio a influenciar o processo de hostilidade com os índios da região e
fundação do Aldeamento? No próprio relatório ele afirma o indício de ouro ainda no
reinado do Vice-Rei Conde do Cunha (1763 a 1767)9, e de vestígios de lavras antes da
formação de povoados na região. Este seria um dos fatores que poderia explicar as
primeiras levas de povoadores e o aumento populacional na região, justificando sua
elevação à Freguesia de N. S. da Conceição do Campo Alegre, pelo Alvará de 02 de janeiro
de 175710, hoje Município de Resende. Concentração populacional que poderia ter ocorrido
diante de uma ocupação de colonos atraídos pelo ouro e pelo comércio para abastecer os
tropeiros e exploradores que passavam por Campo Alegre, além da necessidade de
8 Arquivo Nacional, Relatório do Capitão Henrique José de Carvalho Queiros ao Vice-Rei, Coleção Memória – Vice Reinado - Cópia e mais papéis de Campo Alegre, sobre terras Minerais Rio de Janeiro, 8 de Fevereiro de 1791. Fundo: Diversos Códices – SDH. Conjunto Documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos. Códice 807, vol. 5 – p. 106. 9 Ibid. 10Foi ela erigida em honra a Nossa Senhora da Conceição de Campo Alegre, recebendo dez anos após a sua construção, por Alvará de 2 de janeiro de 1757, o predicamento de freguesia. Anuário Geográfico do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Geografia, Edição. 11. RJ. 1958. P. 228.
produção agrícola para atender a demanda de consumo das regiões produtoras de ouro das
Minas Gerais. Esse processo de ocupação manteve-se até a metade dos oitocentos, o que
levava ao aumento dos atritos com os silvícolas da região e que podemos considerar como
um fator para a fundação do aldeamento de São Luis Beltrão nessa localização na capitania
do Rio de Janeiro, assim como a proximidade com o Caminho Real, ou o Caminho velho
do ouro11·. Uma redução de Índios que seria utilizado no controle das etnias que habitavam
as proximidades da freguesia criada no meado dos setecentos principalmente os Puris, além
de Coroados, Coropós que também habitavam a extensa região.
Podemos notar no mapa abaixo12, a proximidade dos caminhos oficiais em relação a
Campo Alegre, de onde surgiram várias trilhas e picadas que iam pelo Vale do Paraíba e
pela Serra da Mantiqueira em direção as regiões mineiras.
11 Mapa Caminho real do ouro, caminho velho. http://diretoriomonarquicodobrasil.blogspot.com/2010/12/paraty-estrada-real-reviva-os-bons.html 12 Mapa Caminho real do ouro, caminho velho. http://diretoriomonarquicodobrasil.blogspot.com/2010/12/paraty-estrada-real-reviva-os-bons.html
Sobre a busca de ouro na região, o Capitão Henrique José de Carvalho Queiros faz
os seguintes apontamentos:
[...] às despesas se podem evitar em muitas partes observando-se o regimento das terras Mineira que se pratica em Minas; e este é o verdadeiro sistema deixar o Povo na liberdade de procurar ouro, porque que lhe fará as despesas á sua custa
13.
O Capitão aconselha o Vice-Rei Conde do Cunha a fazer uso do regimento das
terras Mineiras, que previa a liberdade da população na exploração do ouro, essa medida
pautava na economia que proporcionava ao erário real, cuja despesa ficaria a cargo dos
próprios exploradores. No entanto, isso de certa maneira facilitou o aumento da população
nas áreas produtoras e por sua vez a possibilidade de contrabando14, e naturalmente, os
atritos com os índios Puris.
13 ANRJ - Manuscrito - Fragmento da Carta Capitão Henrique José de Carvalho Queiros ao Vice Rei, Rio de Janeiro 8 de Fevereiro de 1791.Fundo:Vice-Reinado. Conjunto Documental: Correspondência de capitães-mores e comandantes de regimentos de vilas do Rio de Janeiro. Caixa 484. Pct. 1 folha 106 14 Sobre rotas clandestinas de ouro Pizarro a firma que: Patenteada, porém à poucos annos uma picada, que das terras mineraes, e serra da Mantiqueira vinha occultamente à esse termo, e passava por junto da Aldeã às
O aumento populacional nessa área e regiões mineiras, gerou também conflitos
entre as etnias, como assinala Joaquim Norberto em seu livro “Memória Histórica das
Aldeias do Rio de Janeiro”, antes citado, acarretando o deslocamento dos Puris para a
Região de Campo Alegre. O aumento dos índios na região e o aumento de colonos foram,
sem dúvida, fatores de conflito na região de Campo Alegre.
Como afirma Joaquim Norberto Silva e Sousa, um deslocamento dos botocudos que
acabaram por entrar em conflito com os próprios Puris da Serra da Mantiqueira e estes se
deslocaram para as regiões mais baixas de Campo Alegre:
“Os Puris obrigados a deixarem a serra da Mantiqueira pelos Butucudos, assolavam as povoações vizinhas dos Campos Alegres apresentando uma attitude tão hostil e ameaçadora pela sua erupção, que o pavor tornou-se geral. Assustando os fazendeiros com suas depredações, pelos assassinatos que viam commeter diariamente em pessoas de sua família ou conhecimento, abandonaram as suas fazendas situadas a margem septentrional do Parahyba os indios, acoroçoados com este triumpho, redobraram de animo e vieram persegui-los na margem opposta do rio, mais audazes ff atrevidos do que nunca. Convinha represar a torrente de tantas hostilidades apresentando-lhes opposição forte e apoiada nas armas, mas então a intervenção da religião não devia ser esquecida como foi, para opprchrio da civilisação (...)
15 (grifos nossos).
O registro do autor é datado no século XIX, portanto, permanece a visão de índios
em posição de agressores, e os fazendeiros como vítimas dessa agressão. Norberto, assim
como Maia mantêm o relato sobre Puris terem sido obrigados a deixarem os sertões da
Mantiqueira, o que indica que a expansão colonial colocava em cheque os territórios
indígenas, como já foi discutido nesse capítulo. Os Puris deslocam-se até se estabelecerem
na margem setentrional do Paraíba, a cinco léguas do Campo Alegre em um sítio chamado
margens daquelle Rio. PIZARRO, José de Souza Azevedo. Memórias Históricas do Rio de Janeiro e das Províncias annexas a’jurisdição do Estado do Brasil, Tomo V, Livro. V. Imprensa Régia. 1820. 15 SOUSA SILVA, Joaquim Norberto, Revista do Instituto Histórico e Geográphico do Brazil. Memória Histórica das Aldeias do Rio de Janeiro, 3ª Série, Nº 14 – IHGB, 1852.Op. Cit. p 243
Minhocal, nas margens do Ribeirão São Luis16, afluente do Rio Preto, onde por volta de
1780, começaram os ataques às fazendas17, segundo o autor. Assim, os índios Puris em
conflitos com o colonizado que cada vez mais avançava em direção aos sertões, ficaria de
forma oficial reduzido ao Aldeamento de São Luis Beltrão na fronteira com a província das
Minas Gerais.
Os Índios Puris
Sobre a origem do nome “Puri”18 ocorrera, segundo Freire e Malheiros, a partir de
uma designação pejorativa, dada pelos seus vizinhos Coroados. Teodoro Sampaio, segundo
verbete de Métraux, analisa etimologicamente a palavra Puri, para designar: povo miúdo,
gentinha, fraco, de pequena estatura19. A descrição etimológica de Sampaio confirma o que
diz Bessa Freire e Márcia Malheiros ao pontuarem:
O nome Puri é uma designação pejorativa dada a eles pelos Coroado. Os Puris, Telikong ou Paqui estavam divididos em pelo menos três sub-grupos: Sabonan, Uambori e Xamixuna, que ocupavam um território na área do rio Paraíba e Serra da Mantiqueira. No séc. XVIII, antes de serem vendidos como escravos foram estimados em mais de 5.000 índios. No séc. XIX, foram aldeados em São Fidelis e na Missão de São João de
16 MAIA João Azevedo Carneiro. Do Descobrimento de Campo Alegre até a Criação da Vila de Resende, CCMM, Resende, 1998, 2º edição.Op. Cit. p. 14 17REIS, Paulo Pereira dos. O Indígena do Vale do Paraíba: apontamentos históricos para os estudos indígenas do Vale do Paraíba Paulista e regiões circunvizinhas. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1979. Op. Cit. p. 102. 18 FREIRE e MALHEIROS. Op Cit. P. 17. 19 SAMPAIO, Teodoro Fernandes, O Tupi na Geografia Nacional, Gráfica da Escola de Aprendizes Artífices, Bahia, 3º edição, 1928. Verbete Purys. Segundo Métraux, “O Puri era um nome pejorativo Concedido a eles pelo Coroado”. p. 534.
Queluz, registrando-se 655 índios Puri em Resende, em 1841. Em
1885, Ehrenreich localiza remanescentes Puri no baixo Paraíba. 20
O que nos remete a impressão de que o povo Puri era uma etnia, e utilizando
novamente as palavras de Cunha, possuindo os mesmos atributos físicos que as demais
etnias que viviam na Capitania do Rio de Janeiro no Século XVIII e XIX. Porém, existem
diversas descrições físicas para os índios Puris, mas a citada acima é a que acabou se
generalizando. A pequena estatura dos Puris em relação a outros etnônimos, segundo Paulo
Pereira dos Reis, é pontuada por vários autores, tidos como frágeis e pequenos:
De (...) porte acaçapado (...) Von Spix e Von Martins
(...) Geralmente muito Baixos (...) Eschwege (...) pequenos como nas outra partes (...) Casal
(...) de Corpo apoquentado (...) (Casal) (...) Pequena Estatura (...) Joaquim Noberto21
Entretanto, o príncipe Maximiliano em sua observação sobre a questão da pequena
estatura dos Puris, afirmando: “Devo confessar que nenhuma diferença nesse particular
observei entre os Puris e as outras tribus”.22 Observação essa que difere dos registros de
outros pesquisadores da época. O que podemos presumir dessas observações, é que havia
uma grande heterogeneidade nas populações indígenas em vários aspectos não se limitando
apenas ao físico. Algumas dessas diferenças poderia ser fruto da contradição analítica entre
as diversas narrativas de cronistas e viajantes, inclusive confundido-as no momento de
classificá-las, como por exemplo, a que ocorrera com os Coroados, que segundo Norberto,
passou a designar toda a tribo que utilizasse um corte de cabelo característico que lembrava
20. FREIRE e MALHEIROS. FREIRE, José Ribamar Bessa e MALHEIROS, Márcia Fernanda. Aldeamentos Indígenas do Rio de Janeiro, EDUERJ, Rio de Janeiro 2010, p. 13. http://www.taquiprati.com.br/arquivos/pdf/Aldeamentos2aedicao.pdf, acesso: 04 de janeiro de 2011.Op Cit. p. 17. 21 REIS. Op. Cit. 69. 22 WIED-NEUWIED, Maximiliano Alexandre Philipp: Viagem ao Brasil. Tradução de Edgar Süssekind de Mendonça e Flávio Poppe de Figueiredo. Coleção Brasiliana, Ed. Nacional, São Paulo, 1940. p 108
uma coroa: “No Rio de Janeiro o nome de Coroado foi generalizado a todos os selvagens
que se distinguiam pela maneira de cortar o cabello”23. O nome Coroado foi dado pelos
portugueses, segundo Saint Hilaire aos índios que tinham o hábito de “Cortar os cabelos no
meio da cabeça, à maneira dos nossos sacerdotes, ou seja, antes, de não conservar mais do
que uma calota de cabelos, como fazem ainda hoje os Botocudos”.24
Devemos ressaltar que apesar da grande diversidade, fruto de uma classificação
confusa dos viajantes e cronistas do século XIX, os Coroados aos quais nos referimos são
aqueles que eram lingüisticamente vinculados ao tronco macro-jê, que Marcelo Sant’ana
Lemos adota como da Família Puri-Coroado, proposto por André Metraux25. Bessa e
Malheiros também classificam os Coroados pertencentes à família Puri, que
habitavam as ramificações da Serra do Mar e nos vales dos rios Paraíba, Pomba e
Preto. Subdividida em vários grupos, entre os quais, Maritong, Cobanipaque,
Tamprun e Sasaricon. 26
Nesse aspecto, remeteremos às impressões do naturalista Von Martins que verificou
em seu trabalho que os índios brasileiros apresentavam uma grande diversidade de
caracteres físicos:
(....) alguns altos e baixos, esbeltos e corpulentos, vermelhos acobreados amarellados e até brancos, com pouca barba ou se constantemente não a depilam, apresentam-na regulamente basta” 27.
23 SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da Lingua Portugueza - recopilado dos vocabularios impressos ate agora, e nesta segunda edição novamente emendado e muito acrescentado, por Antonio de Moraes Silva. Editora Typographia Lacerdina. Lisboa, 1813 Op. Cit p. 88. 24 SAINT HILAIRE, Auguste de. Viagem às nascentes do Rio São Francisco. Belo Horizonte. Ed. Itatiaia, EDUSP. São Paulo. 1975. p. 38. 25 LEMOS, Marcelo Sant’ana. O Índio Virou Pó de Café? A Resistência Dos Índios Coroados de Valença Frente à Expansão Cafeeira No Vale do Paraíba (1788-1836), Dissertação de Mestrado, UERJ, Rio de Janeiro, 2004. Op. Cit. p. 50 26 FREIRE E MALHEIROS. Op. Cit. p. 27 REIS, Paulo Pereira dos. O Indígena do Vale do Paraíba: apontamentos históricos para os estudos indígenas do Vale do Paraíba Paulista e regiões circunvizinhas. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1979.p. 61.
Von Martius, apesar de afirmar a existência de diversidade física, junto com outro
naturalista Von Spix, que também teve contato com os Puris, Coropós e Coroados,
generalizaram suas descrições antropológicas, tornando-as abrangentes28. Assim, os ditos
naturalistas em suas viagens pelo Brasil fizeram uma descrição abrangente, mas detalhada
sobre essas etnias:
“Os índios são baixos ou de estatura mediana; os homens tem quatro a cinco pés de altura, as mulheres em geral, pouco mais de quatro pés; todos têm corpos robustos, largos e acaçapados. Só raramente, se acha entre êles alguns de estatura alta, esbelta. Têm espáduas largas, pescoço curto e grosso. (....) as extremidades são pequenas, as inferiores não são polpudas; são sobretudo, franzinas as barrigas e pernas e as nádegas; as superiores são arredondadas e musculosas. O pé é estreito no calcanhar, muito largo na frente, o dedo grande aparta-se dos outros; (...) o colorido da tez é vermelho cúprico, mais ou menos carregado, diferençado-se segundo a idade, a ocupação e estado de saúde do indivíduo (...) Em geral são de cor tanto mais escura, quanto mais robusto e ativos”
29.
Outro naturalista alemão, Georg W. Freireyss, viajante entre os anos de 1814 e 1815
à região das Minas Gerais, deixou um manuscrito de 91 páginas no qual fazia relatos sobre
os índios Puris e Coropós próximos a São Batista, um presídio em Minas Gerais, fazendo
várias observações com grande riqueza de detalhes para essas etnias30.
[...]Os índios, em geral, são de estatura pequena; a cor é um amarello pardo - não cor de cobre como se costuma contar; o cabello é liso e preto; o olho é um pouco obliquo, de uma cor negro-bruma e, os ossos sygomatico salientes constituem caráter essencial. O seu corpo não é avantajado porque parte inferior do tronco e de ordinário grosso, as pernas finas e a cabeça grande. São tidos como imberbes porque extirpam
28 Esses naturalistas generalizaram essas etnias “pelo menos em seus traços predominantes aos indivíduos dos subgrupos acima apontados. Von Spix e Von Martius escreveram: Todos os índios que chegaram a conhecer aqui (M. G.), das tribus dos Puris, Coropós e Coroados pouco se diferençavam entre si na conformação do corpo e nas feições. Idem. 29 SPIX, J. B. Von, e MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil. Tradução: Lúcia Furquim Lahmeyer. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1938. Vol I, p. 345 a 347. 30 FREIREYSS, Georg Wilhelm. Viagem a várias tribos de selvagens na Capitania de Minas Gerais; permanência entre elas, discrição se seus usos e costumes. Tradução se Alberto Lotgren. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Vol. VI (1900-1991). Tipografia do Diário Oficial, São Paulo. 1902. p. 236.
cuidadosamente todos os pellos que apparecem e (....) tem sempre menos barbas e pellos do que os portugueses [...]
31.
Freireyss, narra o encontro com três tribos: uma de “Coroados com cerca de 2.000
mil pessoas morando em residências fixas, uma de Puris com aproximadamente 500
membros e outra de Coropós com 200 índios, localizados as margens do rio Pomba, um
afluente do rio Paraybuna”32. O Naturalista pontuou o ódio em que viviam essas
comunidades em relação ao homem branco, fazendo severas críticas de como o homem
branco tratava os índios. Outra comparação que Freireyss fez entre os Puris e Coroados foi
destacar que os Puris eram sempre mais fortes que os Coroados33.
Analisando esses autores e cronistas, existem algumas divergências, fato muito
natural tratando-se do estudo de uma nação já extinta, e da qual há grande carência de
registros, por isso o diálogo com essas fontes para analisar com maior precisão o
comportamento dos Puris é uma tarefa um tanto quanto complexa. Apesar de que tenha
ocorrido no século XX, grande avanço nas pesquisas historiográficas, antropológicas,
lingüísticas e arqueológicas, trazendo um novo panorama à observação do universo
sociocultural indígena34. Sobre essas divergências, veremos os apontamentos de Manuel
Martins do Couto Reys, engenheiro militar que percorreu várias regiões dos Sertões da
Capitania do Rio de Janeiro. Reys descreve os Puris da seguinte forma:
“São estes Indios assas corpolentos, audazes, destemidos, vigilantes, e de máximas muito atraiçoadas, inclinados a toda a deshumanidade, dando morte
31 FREIREYSS, p. 237 e 239. Segundo Freireyss , “havia muito tempo que pretendia observar esses selvagens em suas condições naturaes e com esse objetivo, deixei a Vila Rica, em 14 de dezembro de 1814”. 32 Idem. p. 239 33 Idem. p. 350 34 (...) este esforço conjunto é quase sempre insuficiente quando o pesquisador se propõe a refletir sobre índios considerados extintos. Grande parte da produção etnológica no século XX fundamentou-se em pesquisa de campo, em “índios de carne e osso”, estando calcada na premissa do presente etnográfico, desvalorizando, muitas vezes, trajetórias históricas em suas interpretações acerca dos povos indígenas. Nesta conjuntura, “índios de papel”, presentes apenas em registros históricos, não pareciam lá muito interessantes. MALHEIROS. Op. Cit. p. 91.
a qualquer vivente que encontrão, seja ou não irracional, ainda que os não offendão.” 35
Couto Reys contradiz a maioria das descrições de outros observadores ao relatar, a
condição física corpulenta dos Puris. Poderíamos pensar na possibilidade de erro, já que
devido a tanta controvérsia e da carência de fontes, não poderíamos então afirmar que os
chamados Puris de Campo Alegre, seriam os mesmos, apesar de pertencerem ao tronco
macro-gê de outras regiões que margeavam o Rio Paraíba. Ou ainda, poderíamos
conjecturar que o termo puri poderia ser uma forma geral aplicada aos índios que viviam
nessa região, e não tinham as características dos Coroados e Coropós, mas falavam a língua
do tronco macro-gê, nos setecentos e oitocentos.
Todavia, essa dificuldade de classificar os povos nativos, desde o período colonial
faz parte da História.
Segundo Paulo Pereira dos Reis, ao comparar vários pesquisadores como Freireyss,
Toledo Piza, Alfred Métraux e Paulo Ehrenreich, a origem dos Índios Puris, Coroados e
Coropós, seriam aqueles grupos que nos primeiros séculos de colonização eram chamados
genericamente de Tapuias, como índios do sertão ou, Tupis no litoral. Isto é, a diversidade
do índio da colônia luso-brasileira era reduzida a apenas dois grupos. Os Tapuias eram
aqueles que eram desconhecidos para os europeus com uma cultura e língua diferente
daquelas etnias que viviam no litoral (os Tupis). Queremos dizer com isso é que tanto os
Puris, Coropós e Coroados, eram conhecidos no universo étnico dos primeiros anos de
colonização como Tapuias. Nesse contexto Luciana Maghelli em seu trabalho conclui:
“(...) os Puri, Coroado e Coropó, pertenciam ao tronco lingüístico Macro-Gê e não ao Tupi. Também conhecidos como ‘Tapuia’, os índios pertencentes ao tronco Macro-Gê, sempre foram vistos por colonos e colonizadores como inimigos, selvagens, destituídos de qualquer traço de humanidade. Ao contrário daqueles pertencentes ao tronco Tupi que, exatamente em razão de terem se aliado mais facilmente aos portugueses, foram muito mais fácil e rapidamente dizimados. Somente o selvagem
35 Manuscritos de Manuel Martins do Couto Reys, 1785. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Rio de Janeiro. 1997. p. 72.
Tapuia ousara sobreviver em pleno século XIX (...)” 36.
Observando tanto os autores citados, quanto os relatos de viajantes do século XVIII
e XIX, os ameríndios que viviam na região do Médio Vale do Paraíba, eram nitidamente
vistos como diferente daqueles que viviam no litoral e também já não eram mais
considerados da mesma origem genérica dos Tapuias, surgindo então o reconhecimento de
diferenças étnicas e contrastes desses índios de tronco lingüístico macro-gê, que passaram a
serem reconhecidos como etnias com identidade cultural própria por parte dos
colonizadores luso-brasileiros. Consideraremos então, os Puris, mesmo tendo o tronco
lingüístico macro-gê, como os índios que viviam na região de Campo Alegre a mesma dos
Coroados e Coropós e que possuíam uma identidade cultural, e um universo social
diferenciado, fruto das interações com outros grupos étnicos.
Desaparecimento dos Índios na Região de Campo Alegre
Os conflitos se acentuaram no século XVIII, no que Lemos pontua como “serra
acima”, fazendo uma referência às regiões litorâneas já ocupadas pelos luso-brasileiros com
grande parte dos índios mergulhados em um processo de destribalização e caboclismo
(caboclo, mestiços, índio tido como civilizado)37 portanto, misturados, na sociedade
“civilizada” do colonizador. “O aumento de conflitos ‘serra acima’, revela um choque de
fronteira, onde o sertão não é mais um espaço vazio e desconhecido a ser conquistado”38.
Um choque de fronteiras entre diferentes sociedades, uma ligada ao mundo “civilizado” e
36 MAGHELLI, Luciana. Aldeia da Pedra, estudo de um aldeamento indígena no Norte Fluminense. Dissertação de mestrado. UFRJ, RJ, 2000. p 121 e 122. 37 MOREIRA, Vânia Maria Losada. Guerra e paz no Espírito Santo: caboclismo, vadiagem e recrutamento militar das populações indígenas provinciais (1822-1875), Simpósio Temático Guerras e Alianças na História dos Índios: Perspectivas Interdisciplinares, XXIII Simpósio Nacional de História (ANPUH), Londrina Paraná, 2005, p. 4. 38 LEMOS. Op. Cit. p. 25.
luso-brasileiro e outra ao sertão dos “índios bravos”. Na história colonial brasileira as
fronteiras foram disputadas entre a sociedade indígena e a sociedade luso-brasileira,
tornando-se, não só uma fronteira agrícola econômica, ou comercial, mas também, uma
fronteira social, estabelecida a partir de culturas com modos diferentes de vida39.
Podemos perceber que os conflitos não cessaram em Campo Alegre, e isso se deve
pela presença constante de sociedades indígenas no interior do Vale do Paraíba, no século
XVIII, que reagem ao colonizador de diversas formas: em um momento os grupos faziam
“correrias”; outros grupos aceitavam o aldeamento imposto, ora recuavam para a floresta,
ora expulsavam os colonos de suas fazendas40. Nesse panorama de conflitos, como vimos,
dá-se a fundação do aldeamento de São Luis Beltrão, conforme apontado por autores como
Joaquim Norberto Sousa Silva, mostrando em sua obra que a fundação de São Luis Beltrão
foi fruto de um conflito entre os Puris e luso-brasileiros. O que podemos perceber nos
inúmeros pedidos e concessões de sesmarias para a região,41 no começo do século XVIII ,
esse fato é constatado pelas fontes analisadas da época, no qual aponta esse crescimento.
Tudo isso, fruto da expansão luso-brasileira em direção aos sertões dos índios brabos.
Na busca pela posse da terra e a expansão das fronteiras agrícolas, Campo Alegre
fica praticamente loteada por essas sesmarias que com a desculpa de serem terras devolutas
são solicitadas por inúmeras pessoas como Francisco Manuel da Silva melo, que pleiteia
uma sesmaria em 1798, em Rio Negro na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição
Campo Alegre: Informativo da Câmara do Rio 3 de Julho de 1798
Ilmo Exº. SM. Informe a Sr. Chanceler ouvido por escripto ao Sr Procurador da Câmara.Diz Francisco Manoel da Silva de Melo, Cap.ª do Regimento de Estrª. desta Praça, q lhe tem possibilidade e força para poder estabelecer uma fazenda de creações e cultura, e por que tem a certeza q no Distrito de Campo Alegre se achão terras devolutas no novo caminho que se abril para Minas, nas margens do rio Negro entre as terras dos índios da Aldeia de São Luis, correndo sua medição, pelo Rº acima e pelo Rio abaixo,
39 Idem. 40 LEMOS. Op. Cit. 33. 41 ARQUIVO NACIONAL, Fundo Sesmarias, Processos de diversas naturezas referentes a concessão de terras. Código do Fundo BI, período 1714 a 1888, microfilme nº NA 031-2005.
Rogo a Vs Exª lhe faça a mercé de conceder a Sesmarias duas legos de terras completas com os seus respectivos Sertons. Para Vs Exª seja conceder lhe a dita Sesmaria.
E R M.42
Esse documento trata-se de um pedido de sesmaria a sua majestade. Podemos identificar
que, como muitos pedidos de sesmarias na região foi feito por um militar, o que parece ser
muito comum, a partir dos estudos realizados nos arquivos de sesmarias na região no
período. Outra coisa que merece destaque e a proximidade com o Aldeamento de São Luis
Beltrão, o que mostra o avanço das fronteiras agrícolas em direção as áreas de sertões em
Campo Alegre, fato que ocorreu em todas as áreas de sertões dos índios brabo da Capitania
do Rio de Janeiro.
Podemos observar em várias fontes primárias que São Luis Beltrão possuía uma
população bastante volátil que modificava-se a cada ano, tanto pelas condições de
sobrevivência do aldeamento, quanto por fatores externo como o aumento das áreas de
sesmarias que peticionavam o patrimônio dos índios de São Luis Beltrão única área
reconhecida da região como deles exceto os futuros aldeamentos de Valença e de
Conservatória do Rio Bonito, aldeamento ligados a Etnia Coroada, também fundado a partir
de uma política de redução dos Índios, um projeto do Estado Português que começa ainda
nos tempos Pombalinos e prossegue no período da Viradeira.
O cerco aos índios Puris, na freguesia de Campo Alegre, também é um resultado de
uma política de estímulos à formação de aldeamentos que ocorre a partir do meado do
século XVIII, visando diminuir e controlar os conflitos e reduzir a mobilidade do índio para
favorecer a posse da terra dos sertões aos colonizadores, frente à expansão das fronteiras
em direção à região dos sertões.
Em 1835, o aldeamento foi elevado a categoria de Freguesia como nome de São
Vicente Ferrer, o que decretou uma maior ameaça a população indígena do agora antigo
aldeamento de São Luis Beltrão. O que nos leva a concordar Manuela Carneiro Cunha
42 PEDIDO DE SESMARIAS. Francisco Manoel da Silva Melo, notação: BI 15. 144, Estado do Rio de Janeiro. Códice BI, Microfilme NA 031-2005.
quando afirma que a política Indigenista do século XIX, estava muito mais ligada a questão
das terras que a da mão-de-obra. A perda progressiva das terras e a diminuição da
participação como força de trabalho na região pode explicar o desaparecimento do índio
nos documentos oficiais.
Ao analisarmos a documentação a partir da década da 30 do século XIX, podemos
perceber que os Índios Puris passam cada vez serem menos citados por esses documentos
oficiais. O que nos mostra a aparência de um processo de extinção da Etnia na Região. Um
documento datado de 1855, classificava o número de pessoas consideradas indígenas na
freguesia eram de apenas 4343, em que notamos uma diminuição drástica da população
indígena na região até o desaparecimento da etnia na região se misturando a população
geral44 ou sendo reconhecidos como cablocos, ou pardos já miscigenados. Os livro de
batismo da matriz de São Vicente Ferrer, reconhece varias pessoas como pardos45, que
segundo João Maia seriam pardos pegos no mato46. Cria-se o Paradigma da Extinção
(invisibilidade) , como afirma Malheiros47, no Antigo Aldeamento de São Luis Beltrão e
na Região de Campo Alegre da Paraíba Nova.
Considerações Finais.
43 APERJ. Fundo – PP, notação 0126, maço 7, caixa 0044. 44 MAIA. Op. Cit. p. 21. 45 Livro de Batismo da Paróquia de Nossa Senhora de Fátima – Antiga São Vicente Ferrer. Livro de Batismo. 1884. Livro I, Página 2. 46 segundo João Maia. “Nos assentamentos de batismos do Vigário Henrique José de Carvalho encontram-se algumas notas de batizados de menores com essa declaração singular: apanhado no mato – o que faz presumir que era de costume irem moradores ao sertão à caça de crianças para sujeitá-las ao serviço, fazendo muito favor de mandá-los batizar. MAIA. Op. Cit. 21. 47 MALHEIROS. Op. Cit. p. 3.
Segundo João Maia afirma que o último Puri vivo baseado nas fontes da época ou
pelo menos sendo reconhecido com tal, se chamava Victoriano Bori Santará (nome de
batismo), um Puri octogenário. Porém, algumas fontes analisadas até a década de 30, nos
demonstram que os Índios ainda vivam em Campo Alegre, alguns inclusive na Vila de
Resende, sendo reconhecidos com tal. No entanto, as fontes oficiais a partir dessa referida
década, leva-nos a crer que os índios desaparecem de Campo Alegre, que realmente entram
em processo de extinção, sendo inseridos48 de forma subordinada a sociedade branca agora
Imperial, perdendo seus traços culturais, acabloclando-se a sua etnicidade.
Porém ao observamos alguns livros de batismos, e pela própria análise de João Maia
no qual afirma que esses índios ainda viviam na região. A freqüência com que a palavra
“pardo” aparece nesses livros, designando um abrupto processo de miscigenação do índio
Puri com o homem branco.
Não podemos deixar de levar em consideração a memória histórica, não só do
Aldeamento de São Luis Beltrão, mas também dos índios Puris, por parte da população na
região do Sul do Vale do Paraíba, principalmente das atuais cidades de Resende, Itatiaia e
Porto Real, herança passada de geração a geração, chegando até os nossos dias. Isso se
comprova pelos nomes de origem Puri dado às ruas, praças, clubes e até jornais, onde
antigas lendas Puris ainda são contadas no universo folclórico da região.
Hoje a região do distrito de Fumaça, em Resende, onde está localizada a antiga
Igreja de São Vicente Ferrer e o antigo aldeamento de São Luis Beltrão, alguns habitantes
colocam-se ainda como descendentes dos antigos Puris e chamam como senso comum, de
“Aldeia” àquela localidade, o que mostra como ainda permanece viva em sua memória, o
aldeamento daquela região da antiga Nossa Senhora de Campo Alegre da Paraíba Nova e
colocamos em dúvida a extinção prematura dos índio Puris, indicando que tudo não passou
por um processo de promover a invisibilidade aos índios Puris aos documentos oficiais.
Uma capa que tentou esconder a manutenção da Etnia puri de São Luis Beltrão e de Campo
48 Ibid
Alegre da Paraíba Nova e de todo Vale do Paraíba. Para terminar, deixamos o
questionamento: Victoriano Bori Santará, com seus mais de oitenta anos de vida, não
deixaria uma descendência Puri na segunda metade do século XIX?
Como a política indigenista passou a se dirigir ao patrimônio dos índios Puris, esse
posicionamento do poder do Estado Imperial Brasileiro, com novas leis ligadas à posse da
terra (lei da terra), indicando a continuidade de um processo de cooptação do patrimônio
dos Puris, utilizando para isso o paradigma da extinção mesmo com a relativa
expressividade dos índios puris na região antes da década de 1830 que praticamente
desaparece nos documentos oficiais a partir das décadas seguintes.
BIBLIOGRAFIA FREIRE, José Ribamar Bessa e MALHEIROS, Márcia Fernanda. Aldeamentos Indígenas do Rio de Janeiro, EDUERJ, Rio de Janeiro 2010, p. 13. http://www.taquiprati.com.br/arquivos/pdf/Aldeamentos2aedicao.pdf, acesso: 04 de janeiro de 2011. FREIREYSS, Georg Wilhelm. Viagem a várias tribos de selvagens na Capitania de Minas Gerais; permanência entre elas, discrição se seus usos e costumes. Tradução se Alberto Lotgren. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Vol. VI (1900-1991). Tipografia do Diário Oficial, São Paulo. 1902.
FREYCINET, Louis, de Carte de la province de Rio de Janeiro [Material cartográfico / par M. Louis de Freycinet. LEMOS, Marcelo Sant’ana. O Índio Virou Pó de Café? A Resistência Dos Índios Coroados de Valença Frente à Expansão Cafeeira No Vale do Paraíba (1788-1836), Dissertação de Mestrado, UERJ, Rio de Janeiro, 2004 MAIA João Azevedo Carneiro. Do Descobrimento de Campo Alegre até a Criação da Vila de Resende, CCMM, Resende, 1998, 2º edição.
MALHEIROS, Márcia, “Homens da Fronteira” Índios e Capuchinhos na Ocupação dos Sertões do Leste do Paraíba ou Goytacazes, século XVIII e XIX,UFF, Niterói, 2008. MOREIRA, Vânia Maria Losada. Guerra e paz no Espírito Santo: caboclismo, vadiagem e recrutamento militar das populações indígenas provinciais (1822-1875), Simpósio Temático Guerras e Alianças na História dos Índios: Perspectivas Interdisciplinares, XXIII Simpósio Nacional de História (ANPUH), Londrina Paraná, 2005. . PIZARRO, José de Souza Azevedo. Memórias Históricas do Rio de Janeiro e das Províncias annexas a’jurisdição do Estado do Brasil, Tomo V, Livro. V. Imprensa Régia. 1820. REIS, Paulo Pereira dos. O Indígena do Vale do Paraíba: apontamentos históricos para os estudos indígenas do Vale do Paraíba Paulista e regiões circunvizinhas. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1979. SAINT-HILAIRE, Augusto de. Viagem pelas províncias de Rio de Janeiro e Minas Gerais. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. SAMPAIO, Teodoro Fernandes, O Tupi na Geografia Nacional, Gráfica da Escola de Aprendizes Artífices, Bahia, 3º edição, 1928. SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da Lingua Portugueza - recopilado dos vocabularios impressos ate agora, e nesta segunda edição novamente emendado e muito acrescentado, por Antonio de Moraes Silva. Editora Typographia Lacerdina. Lisboa, 1813. SOUSA SILVA, Joaquim Norberto, Revista do Instituto Histórico e Geográphico do Brazil. Memória Histórica das Aldeias do Rio de Janeiro, 3ª Série, Nº 14 – IHGB, 1852. SPIX, J. B. Von, e MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil. Tradução: Lúcia Furquim Lahmeyer. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1938. WIED-NEUWIED, Maximiliano Alexandre Philipp: Viagem ao Brasil. Tradução de Edgar Süssekind de Mendonça e Flávio Poppe de Figueiredo. Coleção Brasiliana, Ed. Nacional, São Paulo, 1940. .
FONTES ANUÁRIO GEOGRÁFICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, Departamento de Geografia, Edição. 11. RJ. 1958. APERJ. Fundo – PP, notação 0126, maço 7, caixa 0044 ARQUIVO NACIONAL, Fundo Sesmarias, Processos de diversas naturezas referentes a concessão de terras. Código do Fundo BI, período 1714 a 1888, microfilme nº NA 031-2005 CARTA CAPITÃO HENRIQUE JOSÉ DE CARVALHO QUEIROS AO VICE REI, Rio de Janeiro 8 de Fevereiro de 1791. Fundo: Diversos Códices – SDH. Conjunto Documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos. Códice 807. MANUSCRITOS DE MANUEL MARTINS DO COUTO REYS, 1785. Rio de Janeiro: Arquivo Publico do Rio de Janeiro. 1997. MAPA CAMINHO REAL DO OURO, caminho velho. http://diretoriomonarquicodobrasil.blogspot.com/2010/12/paraty-estrada-real-reviva-os-bons.html. OFICIO DE IGNACIO DE SOUSA WERNECK AO VICE-REI LUIS DE VASCONCELOS, sobre a suposta violência dos Índios na Região do Rio Paraíba e Preto. ANRJ. Fundo: Vice-Reinado Conjunto Documental: Correspondência de capitães-mores e comandantes de regimentos de vilas do Rio de Janeiro.Caixa 484.