o patrimÔnio do agreste sergipano e seu...
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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE
O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64
O PATRIMÔNIO DO AGRESTE SERGIPANO E SEU PROCESSO
DE MUSEALIZAÇÃO
Ludmilla Silva de Oliveira1
Resumo: Itabaiana localiza-se na região central do Estado de Sergipe e ocupa uma área
de 364 quilômetros quadrados. É o mais importante município da microrregião do
Agreste Sergipano. Atualmente a cidade com 125 anos de emancipação política passa
por inúmeras iniciativas de resgate da memória e do seu patrimônio. O presente texto
apresenta os principais patrimônios dessa cidade e sua ligação com o museu municipal
dando ênfase à política de valorização do patrimônio do município através da
implantação dessa instituição. E de como esse processo é contaste e continuo através da
comunicação entre os diferentes atores culturais. Pois, o principal objetivo do museu é
ser uma ponte entre a identidade cultural e a memória dos seus cidadãos que buscam
através da instituição uma forma de rememorar esse legado.
Palavras-chaves: Museu municipal. Patrimônio regional. Itabaiana.
Introdução
Repassamos, em primeiro lugar, alguns dados históricos sobre a cidade de
Itabaiana extraídos de Bispo (2013). Localizada na região central do Estado de Sergipe
a 56 quilômetros da capital Aracaju, Itabaiana é o mais importante município da
microrregião do Agreste Sergipano, iniciado como povoamento a partir de doações
sesmarias a colonos entre o final do século XVI e início do século XVII. Eles
construíram o Arraial Santo Antônio e edificaram uma capela que atualmente é
conhecida por Igreja Velha. O local onde se encontra o atual centro do município de
Itabaiana era conhecido, no século XVII, como Caatinga de Ayres da Rocha, em seu
início era um sítio de propriedade do Padre Sebastião Pedroso de Góes que o vendeu à
1 Museóloga e Gestora do Museu Artístico e Histórico de Itabaiana “Antonio Nogueira”, Mestranda de
Ciência da Religião da Universidade Federal de Sergipe. [email protected]
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Irmandade das Almas, entidade religiosa fundada em 1665, com a condição de nele ser
edificado um templo sob a invocação de Santo Antônio e Almas de Itabaiana.
Quando da invasão dos holandeses a povoação foi visitada na esperança de se
encontrar metais preciosos. Diversas expedições oficiais ocorrem no intuito de explorar
as propaladas minas de Belchior Dias Moreia, contudo, nada se encontrou. A povoação
foi elevada à condição de vila pela portaria de 20 de outubro de 1697 e efetiva-se em
1698. Itabaiana tornou-se vila sob nome de Santo Antônio e Almas de Itabaiana.
Durante o século XVIII e XIX, a vila era a maior de Sergipe, ocupava grandes porções
do atual agreste e sertão sergipano e terras do atual sertão baiano.
Em 1820, a vila de Itabaiana atuou ativamente em prol da emancipação política
de Sergipe, que até essa data era dependente da Bahia. Em 28 agosto de 1888, pela
resolução 1331, foi elevada à condição cidade. Devido ao desenvolvimento econômico
e processo de divisão administrativa, Itabaiana se desmembrou em diversos municípios,
mas tornou-se o mais importante município do interior sergipano. A cidade é atualmente
destaque no comércio, na agricultura e na vida intelectual de Sergipe.
Isso posto, evidenciamos os principais patrimônios do município de Itabaiana-
SE como também comentamos a recente implantação do museu que vem, justamente,
para valorizar seu patrimônio cultural e direito a memória a partir das ações da
Secretaria de Cultura Municipal em prol do exercício fundamental de cidadania, e que
servem de base para a construção da memória coletiva da sociedade. Com tal iniciativa
esta Secretaria procura se alinhar com as mais recentes preocupações ao se lidar com
patrimônios culturais que sublinham a importância da diversidade cultural como
elemento indispensável para a construção da dignidade social e do desenvolvimento
integral do ser humano e, além disso, compartilhando da idéia de que ele pode servir de
base para a transformação da realidade social, a construção do sentimento de pertença e
de sociabilidade comunitária.
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Identidade e cultura2
Para Beatriz Góis Dantas (1994), que é uma estudiosa da cultura popular
sergipana, a busca das origens tem sido uma das vertentes interpretativas mais
freqüentes nos estudos do Folclore tentando filiar traços culturais às diferentes etnias
que entraram na composição do povo brasileiro.
A cultura popular sergipana é carente de estudos aprofundados. As atividades
modernas estão sendo “descentradas”, ou seja, deslocadas ou fragmentadas. Como
agravante dessa descentralização, a cultura nacional contribui para criar padrões de
alfabetização universais que favorecem para que as culturas populares percam suas
características ao longo do tempo.
Marcos Ayala e Maria Ignez Novais Ayala (1987), partindo do ponto de vista de
vários estudiosos da cultura popular brasileira, salientam a concepção de que a cultura
popular é rústica, ingênua e algo primitiva. Além disso, há a preocupação do registro
das manifestações para evitar o desaparecimento, já que as obras do passado são de
fundamental importância para a sobrevivência das culturas e servem para a análise e o
seu estudo posterior. Segundo os autores, há uma hegemonia étnica nos grupos culturais
brasileiros, demonstrando a identidade típica de um país influenciado por diferentes
nações. Na concepção de Carlos Rodrigues Brandão (1982), a cultura popular é assim
justamente porque há nisso um forte e dinâmico teor de resistência política às inovações
impostas pelo colonizador ou pelas classes dominantes. O conteúdo e a forma
tradicionais dos modos de “sentir”, pensar e “agir” do índio, do povo colonizado da
2 Texto retirado e adaptado do blog Pesquisa Folclore Serrano de Wanderlei Menezes, historiador do
município. In: culturaitabaiana.blogspot.com (Acesso outubro/2011).
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comunidade camponesa são uma forma de resistir a padrões equivalentes, modernos e
incorporados à força como instrumentos de dominação através da distribuição de
valores próprios de cultura.
Quando cientes das transformações que as culturas sofrem de geração a geração,
percebemos um quadro preocupante na sua manutenção, pois uma sociedade que não se
reconhece está fadada à perda de sua identidade e ao enfraquecimento de seus valores
mais intrínsecos. O envolvimento da sociedade no processo de fortalecimento de uma
cultura é fundamental para a construção de uma opinião consciente e ativa na evolução
de sua cidadania.
Para Aglaé D’Ávila Fontes de Alencar (1994), a aplicação do folclore na
educação representa para nós, uma forma de integrar a cultura da região à prática
pedagógica, fornecendo material para o funcionamento de um verdadeiro laboratório
educacional, na qual as ações ajudam a eliminar as nossas omissões em relação à cultura
popular. Educadores, pesquisadores, escritores, poetas, estudiosos do folclore,
constituem-se por si só, elementos estimulativos para gerar a força necessária à reflexão,
à crítica e a análise, levando por certo ao surgimento cristalino da conclusão. Ao lado
desse valor caminha outro: o de fazer chegar a todos, não só o clamor da angústia, mas a
presença enriquecedora da esperança. Um é seqüência do outro na busca da
sensibilidade que leva à mudança.
Refletindo sobre a nossa sociedade, sobressai a esse respeito, a desvalorização
das manifestações culturais. Vale recorrer ao pensamento de Paulo Freire que nos diz da
importância da “alfabetização cultural” que capacite o educando a compreender sua
identidade cultural e nela se reconhecer de forma consciente, em seus valores próprios,
em sua memória pessoal e coletiva ação que auxiliaria na mudança desse triste quadro.
Freire ainda pondera:
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“a criticidade e as finalidades que se acham nas relações entre os seres
humanos e o mundo implicam em que estas relações se dão com um
espaço que não é apenas físico, mas histórico e cultural. Para os seres
humanos, o aqui e o ali envolvem sempre um agora, um antes e um
depois. Desta forma, as relações entre os seres humanos e o mundo
são em si históricas, como históricos são os seres humanos, que não
apenas fazem a história deste mútuo fazer mas, conseqüentemente,
contam a história deste mútuo fazer”(FREIRE, 2003, p. 81)
Os argumentos acima apontam, portanto, para a importância do resguardo das
identidades locais. E esse resguardo chega à dimensão política, chamando os órgãos
públicos a participar ativamente desse processo de preservação. Essa uma das razões,
entre outras, pois não se pode desconsiderar o papel do turismo nesse processo, que tais
órgãos, caso da secretarias de cultura em geral, ao se colocarem lado a lado de
comunidades para contribuírem na preservação de folguedos, as danças, os rituais, os
mitos, lendas em fim, tudo aquilo que é considerado patrimônio cultural; trata-se de
uma verdadeira ‘luta’ para que se mantenham vivos e influentes.
Partindo do pressuposto de que a cultura popular também faz parte de uma
vertente política, se faz necessário que os órgãos públicos elaborem ações no sentido de
resgatar e preservar os folguedos, as danças, os rituais, os mitos, lendas em fim, tudo
aquilo que é considerado patrimônio cultural de um povo para que haja uma
continuidade destes para gerações e que, se houver influência dos meios externos, que
estes não sejam descaracterizados em sua totalidade.
Como observa Itaqui (2000) a cultura é um espaço privilegiado que nos permite,
de forma crítica, trabalhar nos contrastes, nas diferenças para possibilitar aos sujeitos
desse processo rever-se, e nesses espelhos se entenderem individual e coletivamente. A
política cultural para este autor é sempre um ato de iluminação, de transformação. Não é
um processo de contemplação ou de afirmação de uma situação dada, mas de
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enfrentamento: é a criação de espaços sociais de construção de cidadania, de
participação, de libertação.
Sendo assim, sabemos que a idéia de produção e preservação de uma cultura se
conecta ao seu conhecimento e ao seu uso social, ou seja, é preciso que os folguedos, as
instituições culturais e os patrimônios sejam mais expressivos e mais divulgados pelos
seus responsáveis para que as novas gerações tenham conhecimento e passem a vê-los e
a interpretá-los como uma continuidade, uma herança de seus antepassados.
Assim, não cabe mais analisar as práticas culturais populares como
sobrevivências do passado no presente, pois, independentemente de suas origens, mais
remotas ou mais recentes, mais próximas ou mais distantes geograficamente, elas se
reproduzem e atuam como parte de um processo histórico e social que lhe dá sentido no
presente, que as transforma e faz com que ganhem novos significados.
Alguns patrimônios de Itabaiana
Apresentamos a seguir algumas manifestações e ou patrimônios culturais que
são considerados importantes para a região da qual tratamos, abarcando a música,
parque de preservação de espécimes naturais, patrimônio imaterial identificado em
expressões lingüísticas e o museu.
Filarmônica Nossa Senhora da Conceição
A Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, é uma instituição musical do estado
brasileiro de Sergipe e está sediada na cidade de Itabaiana. É a mais antiga instituição
musical brasileira, fundada em 1745, a partir do grupo musical religioso a Orquestra
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Sacra do padre Francisco da Silva Lobo (1745-1768), fundador da vida musical local. É
convertida em 1879, à denominação de Filarmônica Euphrosina pelo maestro Samuel
Pereira de Almeida, filho da terra, que trouxe de Salvador, instrumentos, transformando
a orquestra em filarmônica. Em 1897 recebe o nome de Filarmônica Nossa Senhora da
Conceição, pelo maestro Francisco Alves de Carvalho Júnior. Por suas dependências
percorreram nomes ilustres da historiografia sergipana, a exemplo do jurista Tobias
Barreto de Menezes (1857-1859), como cantor e flautista, do notável brasileiro José
Calazans e do grande político sergipano José Sebrão de Carvalho. Sua criação se deu de
fato em 31 de outubro de 1897, mudando apenas de nome passou a se chamar
Filarmônica Nossa Senhora da Conceição aproveitando-se os instrumentos da
Filarmônica Eufrosina. A sua presença está nos eventos festivos da cidade tais como
procissões, inaugurações entre outros eventos não só municipais como também fora do
município.
Desde o ano de 2005 a denominação Filarmônica Nossa Senhora da Conceição
deixou de representar apenas um grupo musical para constituir-se em instituição e
abrigar diversos grupos e programas em suas dependências. No ano de 2007 foi
premiada nacionalmente com o programa de apoio a orquestras do Ministério da
Cultura. É reconhecida de utilidade pública Municipal, Estadual e Federal e cadastrada
no Fundo da Infância e da Adolescência. Ao longo destes mais de dois séculos e meio
de história ininterrupta, tem contribuído com o desenvolvimento sócio-cultural da
cidade de Itabaiana e do Estado de Sergipe, através da música. Na atualidade a
Instituição Filarmônica Nossa Senhora da Conceição mantém o Instituto de Música
maestro João de Matos, a Sede Administrativa, o Museu da Música, a Escola de
Música, a Banda Jovem, a Banda Sinfônica, a Orquestra Preparatória, a Orquestra
Sinfônica de Itabaiana e os coros Adulto e Infantil.
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Hoje a Filarmônica recebe também o nome de Orquestra Sinfônica de Itabaiana,
tendo também em sua sede um museu de música que foi inaugurado em 28 de Agosto
de 1998, onde estão expostos instrumentos musicais do século passado como também o
acervo da filarmônica constituído de várias partituras de compositores e mestres
itabaianenses (como os chama Sebrão Sobrinho). A Filarmônica foi celeiro de grandes
músicos como Jorge Americano Rego, ex-regente da banda do 28º BC e pai de Luiz
Americano que marcou a memória musical brasileira, reconhecido nacionalmente como
instrumentista e compositor exímio.
Parque dos Falcões
A aproximadamente 45 Km de Aracaju, localizado aos pés da Serra de Itabaina-
SE, o Parque dos Falcões foi construído através do trabalho e esforço de dois
sonhadores, José Percílio e Alexandre Correia. Alexandre tornou-se "cúmplice" de
Percílio no ano de 1999, mas a história do Instituto Parque dos Falcões, começou ainda
na infância do fundador. Aos 7 anos, Percílio ganhou um ovo de Carcará (Caracara
plancus), e depois de 28 dias sendo chocado por uma galinha, nasceu Tito, seu primeiro
grande amigo. Hoje, Tito tem 25 anos e o Instituto cuida de mais de 300 aves, entre
gaviões, falcões, corujas, socós-boi, pombos, etc. Já conhecido por muitos turistas,
estudantes, biólogos, e pesquisadores brasileiros e estrangeiros, o Instituto é um dos
poucos locais do país com autorização do IBAMA para a criação dessas aves em
cativeiro. Com o objetivo de proteger as espécies de aves de rapina que habitam o céu
brasileiro, o Parque dos Falcões tornou-se uma referência mundial no manejo,
reprodução e reabilitação desses animais, acumulando um grande conhecimento sobre o
seu comportamento.
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Terra de ceboleiros3
Quem nunca ouviu falar na terra da cebola, nos ceboleiros ou nos papa-cebolas?
Essas expressões populares ligadas a Itabaiana atualmente – bastante utilizadas e
difundidas em todo Estado de Sergipe - constituem parte do patrimônio cultural
imaterial de Sergipe sem o reconhecimento oficial.
Ao que tudo indica segundo Carvalho (1996), a expressão papa-cebola remota
os tempos imperiais. Em meados do século XIX, as principais feiras de Sergipe estavam
concentradas na região do Cotinguiba. O itabaianense, considerado um comerciante
nato, comercializava nas ricas regiões dos canaviais por não ter um centro comercial
estruturado e, os comerciantes se abasteciam em outras vilas e cidades de Sergipe e
Bahia. Dizem que não havia, como até nos dias atuais, uma só feira em Sergipe que não
tivesse um itabaianense. A histórica e cultural cidade de Laranjeiras chamava atenção
na segunda metade do século XIX pela pujança econômica e cultural. A feira de
Laranjeiras, pela proximidade e importância, era para onde afluíam caravanas de
itabaianense que dominavam a feira de tal forma que eram hostilizados pelos habitantes
locais. Nessa época, a sociedade itabaianense era formada, sobretudo, por humildes
comerciantes, lavradores e criadores. Homens rudes intelectualmente pela falta de
instrução pública, porém espertos e aventureiros. Laranjeiras era o berço da
intelectualidade sergipana, terra de João Ribeiro e de refinada elite açucocrata. Os
gêneros alimentícios de primeira necessidade consumidos em Laranjeiras eram
produzidos em Itabaiana. As férteis terras margeadas pelo Cotinguiba eram destinadas à
3 Texto retirado e adaptado do blog Pesquisa do Folclore Serrano de Wanderlei Menezes historiador do
Municipio. In: culturaitabaiana.blogspot.com (Acesso em outubro/2011).
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plantação de cana para exportação. Eram os sítios serranos que abasteciam o comércio
interno sergipano, daí o rótulo de cidade celeiro de Sergipe. Ainda segundo esse mesmo
autor, a forma que os laranjeirenses usaram para ferir o orgulho dos itabaianenses foi de
denominá-los de papa-cebolas.
Por que papa-cebolas? Itabaiana tinha produção razoável nas férteis encostas
serranas da verdura acre de cheiro forte. Chamar os itabaianense de papa-cebolas era o
mesmo que chamá-los de “fedorentos a cebola”. E mais: de somíticos, pois mesmo
conseguindo volumosas somas com a venda de gêneros alimentícios e outros objetos, os
itabaianenses substituíam a carne (mais cara) por uma farinha acebolada produzida por
suas esposas. O cheiro de cebola era perceptível de longe. Bastava um itabaianense
colocar sua marmita para se ouvir os moleques gritarem: “papa-cebola, papa-cebola,
papa-cebola!!!”.
O historiador Menezes (2011) afirma que a expressão papa-cebola era um termo
pejorativo. Inicialmente, a expressão não foi bem aceita. As chacotas, às vezes,
acabavam em revide de ofensas, brigas ou em episódios mais trágicos. Com o passar do
tempo, o curioso apelido coletivo tornou-se tradicional e aceito pelos próprios
itabaianenses. As novas gerações de papa-cebolas muitas vezes não entendiam a origem
e o primitivo significado; pensavam que era por serem trabalhadores e terem abundantes
cebolais. Tinham alguns que se sentiam orgulhosos quando eram rotulados de papa-
cebola.
José Sebrão de Carvalho (1944), o famoso Sebrão Sobrinho (1898-1973),
pesquisador itabaianense, nos oferece outra versão para a origem da expressão. Ele
acredita que o apelido nasceu em Itabaiana devido ao apelido imputado a Júlio Cesar
Berenguer de Bitencourt, juiz municipal na época. Esse magistrado esteve em Itabaiana
no ano de 1849 e fixou residência no sítio Pé da Serra, local de destacada produção de
cebolas. Com isso, os amigos do juiz começaram a chamá-lo pelo apelido de papa-
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cebola. A expressão outrora pessoal tornou-se coletiva. A aceitação do apelido tempos
depois, segundo Sebrão Sobrinho, dava-se pelo fato de pensarem os Itabaianenses que
se tratava de um elogio a “superioridade de sua terra para a policultura”. Essa versão
nos parece ter menos valor explicativo que a anterior, pensada por Carvalho Déda.
Menezes (2011) acredita que de início não havia o termo ceboleiros, mas
somente papa-cebolas. A utilização da expressão ceboleiros é bem provável que tenha
sido iniciada na segunda metade do século passado, para servir de sinônimo do termo
anterior que entrou em desuso ou, não é razoável supor, o fato de a expressão papa-
cebola ser ofensiva contribuiu para sua substituição paulatina pelo seu termo mais
corrente nos dias atuais, restando apenas a antiga expressão na memória dos mais
idosos. Ainda segundo este autor, nas últimas décadas, a palavra ganhou força dentro e
fora de Itabaiana de modo inimaginável e foi tão integrada ao linguajar itabaianense
que, praticamente, se tornou sinônimo de todos aqueles que nascem ou moram em
Itabaiana. Se no passado seu uso era uma forma pejorativa, no presente a função é outra:
tornou-se um elogio, uma forma de identificação dos itabaianenses, um patrimônio
cultural. Contribuiu decisivamente para o fortalecimento de terra da cebola a construção
do Mercado de Hortifrutigranjeiros, nosso famoso Mercadão, em 1989. Nesse grande
empório comercializam-se volumosas quantidades de cebolas produzidas em Itabaiana
e, principalmente, provenientes de outros estados.
O apelido adentrou de tal forma o imaginário social itabaianense que o mascote
da Associação Olímpica de Itabaiana, principal clube de futebol da cidade e um dos
mais tradicionais do Estado de Sergipe, é uma cebola vestida com o uniforme
tricolorido de azul, vermelho e branco. Até mesmo o universo acadêmico sofreu a ação
do acebolamento social. O Campus Universitário “Prof. Alberto Carvalho” (UFS) tem
como mascote, escolhido em votação, uma cebola – o cebolufs.
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Portanto, a palavra ceboleiro, usada no contexto de identificação do
itabaianense, é um patrimônio cultural imaterial sergipano por ser uma expressão
cultural que gera identidade e continuidade para a comunidade itabaianense e sergipana.
O processo de musealização no município de Itabaiana
O Museu de Itabaiana foi implantado recentemente e têm ligações justamente
com a identidade sergipana. Mas há uma trajetória pregressa que se inicia no município,
segundo Menezes, (2011) na década de 60, e é perpassada pela vida de dois
personagens.
O primeiro personagem era conhecido popularmente como Zé da Ana, homem
rude, mascate e idealista. Segundo pesquisa, Zé transformou sua casa, situada
atualmente na Rua Padre Felismino, numa espécie de museu de curiosidades e
antiguidades. Tamanha era a dedicação de Zé de Ana ao seu “museu” que ele
abandonou sua profissão para se dedicar ao que futuramente seria popularmente
conhecido por “Museu de Zé da Ana”.
O segundo personagem é o homenageado do museu. O senhor Antonio
Nogueira, figura bastante conhecida como “Ferrerinha”, também durante décadas
guardou um significado acervo de objetos que eram mantidos numa garagem anexo à
sua residência, na Rua Boanarges Pinheiro. Em 2010 com o falecimento do seu filho o
professor de geografia José Nogueira, as peças são doadas pela família à Prefeitura
Municipal de Itabaiana, nesse mesmo ano é criado o cargo de museóloga pelo município
e a Secretaria Municipal de Cultura começa a empreender ações em prol da criação do
museu e da preservação da cultura e memória.
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Outra iniciativa se deu no fim da década de 90 quando o governo do Estado de
Sergipe com a ação de muitos colaboradores, entre eles moradores da cidade, foi aberto
o Memorial da Serra. Conforme Menezes, acima citado, o espaço teve vida curta e as
peças ou foram devolvidas aos proprietários ou algumas foram até extraviadas.
O projeto e primeiras ações
O museu em sua trajetória adquiriu uma função determinante relacionada à
memória e ao patrimônio cultural de uma sociedade. O processo de selecionar quais
objetos e obras deverão ser conservados e preservados para a contemplação da
sociedade, determina quais valores e conceitos farão parte da memória local.
Efetivamente, o museu no município já alcançou seus primeiros sucessos ao
construir sua base legal, fator determinante para o seu melhor funcionamento. Já
conseguiu aprovação por unanimidade do poder legislativo da lei de criação, Lei nº
1465 de 11 de abril de 2011, a doação de mais de 300 peças pela família do
homenageado que estão sofrendo pequenas intervenções para serem expostas, projeto
expográfico feito em parceria entre a museóloga e a arquiteta para adequação do espaço
encontrado e capacitação de recursos humanos e materiais para o melhor funcionamento
do museu. O museu já possui todos os termos de doações das peças encontradas em seu
acervo, Regimento Interno, Organograma, arrolamento das peças em exposição e
encontra-se em fase de elaboração o Plano Museológico e o sistema de documentação.
Pela primeira vez também o município de Itabaiana participou da Primavera de
Museus evento a nível nacional que esse ano teve como tema Mulheres, Museus e
Memória. Foi realizada uma pequena exposição fotográfica das mulheres pioneiras de
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Itabaiana em diferentes segmentos, com destaque para Etelvina Amália da Siqueira
poetisa, professora e escritora considerada símbolo da intelectualidade sergipana.
Outras ações também estão sendo realizadas como distribuição de solicitações as
famílias mais tradicionais para arrecadação de peças para o acervo, seja em forma de
empréstimos ou doação; espera-se que esta ação leve à sensibilização da sociedade e a
maior interação com o projeto, enriquecendo a iniciativa. Outra expectativa é o museu
incremente, mesmo que indiretamente, o movimento do comércio já que pode atrair
visitação à cidade.
No entanto, a principal missão do museu é promover a apropriação do
patrimônio cultural, por meio das ações museológicas de pesquisa, preservação e
comunicação, tornando possível ao cidadão considerá-lo como um referencial para o
exercício da cidadania, democratizando o conhecimento produzido nos museus, nas
escolas e nas instituições afins.
Para comunicação das atividades desenvolvidas pelo museu sempre usamos o
radio e a internet como meio de divulgação visto que são os mais utilizados pelos
Itabaianenses. Já foram concedidas duas entrevistas em duas rádios locais pela direção
do museu e há várias noticias, desde a criação do museu, em sites diversos entre eles o
da Secretaria de Comunicação do Município.
Relação do museu com o patrimônio regional
A partir da declaração da Mesa Redonda de Santiago do Chile – ICOM 1972
ficou definida a importância do museu e sua estreita relação como outras instituições e
patrimônios já existente, sendo assim:
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“O museu é uma instituição a serviço da sociedade, da qual é parte
integrante e que possui nele mesmo os elementos que lhe permitem
participar na formação da consciência das comunidades que ele serve;
que ele pode contribuir para o engajamento destas comunidades na
ação, situando suas atividades em um quadro histórico que permita
esclarecer os problemas atuais, isto é, ligando o passado ao presente,
engajando-se nas mudanças de estrutura em curso e provocando outras
mudanças no interior de suas respectivas realidades nacionais.”
Pierre Nora nos ensina que sem o engajamento e respeito do passado com o
presente e o futuro não há pertencimento de um grupo, objetivo buscado pelo museu
para seu amadurecimento com instituição e seu reconhecimento como pertencente ao
povo.
No campo dos museus acredita-se que, o processo de interpretação do
patrimônio cultural, deve ser desenvolvido como uma função educativa e não apenas
como simples “deposito” de informações. Nesse sentido, memorizar características das
coleções e alguns fatos relacionados à vida no passado, para serem transmitidos, ou
fazê-los representar cenas e vivências do passado sem o afastamento e a reflexão
necessários não levam a compreensão do passado nem do senso critico e pior, torna-se
uma atividade pouco produtiva.
Com isso o museu busca no ensino formal parcerias para que essas instituições/
patrimônios e os itabaianenses se sintam inseridos na construção desde conhecimento e
de sua identidade local. O museu, como instituição histórica- social não pode ser
considerada um produto pronto, ele é o resultado das ações dos sujeitos que o estão
construindo e reconstruindo. (SANTOS, 1987)
São as nossas concepções de museologia e de museu que estarão atribuindo à
instituição diferentes perfis, que deverão ser adaptados aos diversos contextos. Daí a
necessidade de uma avaliação constante, principalmente em parceria com outras
instituições existentes, que deverá fornecer dados significativos para os objetivos/metas.
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O que implica a necessidade de abertura, por parte de seu corpo técnico, manifestada em
atitudes que demonstrem o desejo da mudança, pois, só desenvolvendo o pensamento
critico compreenderemos a sistematização do processo.
Sendo assim, esperamos através da exposição desses objetos alusivos da
memória Itabaianense que o museu sirva como observatório de pesquisa com fins
educativos, um local de lazer das famílias e uma pratica social que esta colocada a
serviço da comunidade para o seu desenvolvimento. O museu foi inaugurado no dia 26
de agosto do presente ano em meio as comemorações de 123 anos de emancipação
política da cidade.
Referencias
ALENCAR, Aglaé D’Ávila Fontes de. ‘Folclore e Educação Musical’. In: Encontro
Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do Estado de Sergipe: Secretaria
Especial da Cultura, 1994. p. 125.
AYALA, Marcos; AYALA, Maria Ignez Novais. Cultura Popular no Brasil. São
Paulo: Editora Ática, 1987.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Folclore. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982.
p. 40.
CARVALHO, Alberto. Aspectos antropológicos do itabaianense. Vão Livro. Aracaju:
s/d, 1996. P. 75-80;
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