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O PENSAMENTO CEPALINO E A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NOS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA THE ECLAC DOCTRINE AND INTERNATIONAL COOPERATION FOR ECONOMIC DEVELOPMENT IN LATIN AMERICA José Péricles Pereira de Sousa Pedro Rafael Malveira Deocleciano RESUMO Em uma abordagem concisa, este trabalho analisa a contribuição da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL) no que toca o desenvolvimento regional. Materialização de recomendações e metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) no combate ao subdesenvolvimento nos países periféricos, a CEPAL surgiu como o organismo internacional responsável pela formulação de um pensamento econômico peculiar aos países latinos, atrelado às dimensões históricas da região, funcionando como órgão que promove a cooperação entre os países latinos. Após sessenta anos de produção de conhecimento e de construção de metas de planejamento a estes países, resta saber de que maneira esse organismo internacional exerce suas atividades e, principalmente, qual a sua importância e influência no contexto do desenvolvimento econômico e social da América Latina. PALAVRAS-CHAVES: CEPAL. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO-SOCIAL. AMÉRICA LATINA. ABSTRACT In a concise approach, this work examines the contribution of the Economic Commission for Latin America and the Caribbean (ECLAC) regarding regional development. Expression of recommendations and targets set by the United Nations (UN) to combat underdevelopment in the peripheral countries, ECLAC has emerged as the international organism responsible for formulating a peculiar economic thought to the Latin countries, combined with the historical dimensions of the region, acting as body that promotes cooperation between the Latin countries. After sixty years of production of knowledge and building of planning goals for these countries, it remains to know how this international organism performs its activities and, especially, about its importance and influence in the economic and social development in Latin America. KEYWORDS: ECLAC. ECONOMIC AND SOCIAL DEVELOPMENT. LATIN AMERICA. 3154

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O PENSAMENTO CEPALINO E A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NOS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA

THE ECLAC DOCTRINE AND INTERNATIONAL COOPERATION FOR ECONOMIC DEVELOPMENT IN LATIN AMERICA

José Péricles Pereira de Sousa Pedro Rafael Malveira Deocleciano

RESUMO

Em uma abordagem concisa, este trabalho analisa a contribuição da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL) no que toca o desenvolvimento regional. Materialização de recomendações e metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) no combate ao subdesenvolvimento nos países periféricos, a CEPAL surgiu como o organismo internacional responsável pela formulação de um pensamento econômico peculiar aos países latinos, atrelado às dimensões históricas da região, funcionando como órgão que promove a cooperação entre os países latinos. Após sessenta anos de produção de conhecimento e de construção de metas de planejamento a estes países, resta saber de que maneira esse organismo internacional exerce suas atividades e, principalmente, qual a sua importância e influência no contexto do desenvolvimento econômico e social da América Latina.

PALAVRAS-CHAVES: CEPAL. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO-SOCIAL. AMÉRICA LATINA.

ABSTRACT

In a concise approach, this work examines the contribution of the Economic Commission for Latin America and the Caribbean (ECLAC) regarding regional development. Expression of recommendations and targets set by the United Nations (UN) to combat underdevelopment in the peripheral countries, ECLAC has emerged as the international organism responsible for formulating a peculiar economic thought to the Latin countries, combined with the historical dimensions of the region, acting as body that promotes cooperation between the Latin countries. After sixty years of production of knowledge and building of planning goals for these countries, it remains to know how this international organism performs its activities and, especially, about its importance and influence in the economic and social development in Latin America.

KEYWORDS: ECLAC. ECONOMIC AND SOCIAL DEVELOPMENT. LATIN AMERICA.

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INTRODUÇÃO

O neoliberalismo é um fenômeno de ordem global. Munido de um elevado grau de generalidade, que corrói as bases democráticas das nações em desenvolvimento, esta ordem econômica alberga, em sua fisiologia, um emaranhado de contradições. É verdade que não se podem negar os avanços e os prazeres que esse sistema proporcionou à humanidade, dinamizando as relações sociais em todos os seus aspectos.

No mesmo passo do avanço tecnológico e da satisfação consumerista, resta saber quais os ganhos e as perdas que essas idéias econômicas globalizadas podem ocasionar às democracias que ainda discutem os meios para a efetivação de direitos mínimos à sobrevivência digna de seus cidadãos e que refletem a respeito do papel do Estado para o desenvolvimento nacional [1].

Os países latino-americanos, nessa concepção, podem ser considerados um dos principais atores desse dilema, pois que o subdesenvolvimento e o falho planejamento estatal são problemáticas longe de serem solucionadas.

O circular processo de colonização, através da ingerência maciça das potências mundiais, retarda o eterno plano em romper a "etapa" do subdesenvolvimento.

Nesse sentido, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) surgiu com o objetivo de traçar planejamentos e metas estruturais para o desenvolvimento econômico e racional dos países latinos, respeitando as perspectivas e entraves sociais existentes nesse bloco tão heterogêneo, constituindo-se como um desdobramento da manifesta preocupação da Organização das Nações Unidas (ONU) em discutir e buscar soluções para o problema do subdesenvolvimento dos países periféricos.

A temática em questão visa perquirir de que maneira se comportou a CEPAL diante desse devir, avaliando a sua contribuição para a restauração dos Estados latinos, como também a sua atitude perante a atual crise econômica do mundo. Dessa forma, este trabalho será dividido na seguinte perspectiva:

1. A FORMAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

A Organização das Nações Unidas, instituição de abrangência internacional, foi criada com o objetivo de coordenar ações em respeito à proteção da dignidade humana e de todos os outros problemas que embargam o exercício desse direito.

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Abalada por duas grandes guerras e ciente dos prejuízos causados (ao homem, ao meio ambiente, à economia etc.), a grande maioria dos Estados nacionais entendeu a necessidade de desenvolver um cenário de debate, onde, pelo menos como meta, procura-se facilitar o diálogo, evitar e apaziguar os conflitos, intermediar a paz entre os povos, traçar diretrizes para solucionar a pobreza e o subdesenvolvimento. A Declaração Universal dos Direitos do Homem reafirma o respeito entre os povos, como também aos direitos humanos e às liberdades fundamentais.

Através de organizações internacionais, a ONU busca materializar os seus princípios. Estas instituições exercem as mais variadas atividades direcionadas às populações mundiais, intercedendo nas relações de comércio (OMC), nas de trabalho (OIT), na saúde (OMS), na paz (Conselho de Segurança), no patrimônio histórico (UNESCO), no combate à pobreza e à criminalidade, nas ações de proteção à mulher (CEDAW, UNIFEM), à criança (UNICEF), ao idoso, ao deficiente, na defesa dos direitos humanos (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA) e do desenvolvimento (PNUD), dentre outras importantes incumbências.

Essa força tarefa internacional tem como desígnio fundamental mobilizar esforços para a resolução de todas as questões pertinentes à preservação ou promoção da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, pode-se afirmar que a Carta de Declaração da ONU de 1948 influenciou, sobremaneira, as Constituições dos países que se encontravam perdidos num processo de constitucionalismo tardio.

Com uma considerável carga de disposições, os tratados internacionais estão, no decorrer do tempo, ganhando espaço nas discussões entre os Estados nacionais, tendo em vista que a participação da ONU, em muitas ocasiões, tem sido decisiva para retomada da paz e do desenvolvimento econômico-social em todo o mundo.

Muitas vezes, no entanto, não cientes dos seus deveres para com o restante da humanidade, certos Estados reafirmam o seu posicionamento de autoritarismo para transgredir as recomendações destes organismos internacionais, tendo em conta a satisfação de interesses próprios.

Por intermédio do fomento de programas, a ONU subsidia a produção de conhecimento no intuito de operacionalizar as suas diretrizes. Dentre tantos, está a problemática do subdesenvolvimento nos países periféricos [2]. A Carta das Nações Unidas é expressa no tocante à necessidade de promover o desenvolvimento das nações, promovendo o progresso econômico e social de todos os povos [3].

No mesmo diploma, observa-se a criação do Conselho Econômico e Social, como um dos principais órgãos para o estudo de assuntos internacionais de caráter econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos (art. 62, Capítulo X).

Além da Carta da ONU, a meta é estabelecida, conforme atesta Avelãs Nunes, em vários outros documentos, demonstrando-se como um direito fundamental dos povos:

E a verdade é que vários documentos da ONU consagram o direito ao desenvolvimento como um direito fundamental dos povos. Basta recordar o Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais (16 de Dezembro de 1996), a Declaração sobre o Progresso e o Desenvolvimento no Domínio Social (11 de Dezembro de 1969),

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a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 1986) e o Programa de Acção aprovado em Viena em 1993, na Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, no qual se proclama que o direito ao desenvolvimento é <<um direito humano universal e inalienável e uma parte integrante dos direitos humanos fundamentais>>. (2003, p. 115-116)

Preocupados em encontrar caminhos adequados as suas respectivas realidades históricas e, consequentemente, dimensionarem-se na realidade econômica mundial, os países latinos (principalmente aqueles que deixaram de ser colônias), vinculados à vontade da ONU, formaram a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL).

Esta instituição foi concebida para funcionar como "a principal fonte mundial de informação e análise sobre a realidade econômica e social latino-americana. Mais que isso, foi único centro intelectual em toda a região capaz de gerar um enfoque analítico próprio" (BIELSCHOWSKY, 2000, p.15). Tendo em conta a produção intelectual de economistas que lidam com esta realidade, procurou-se elaborar uma análise peculiar dos obstáculos ao desenvolvimento na América Latina.

2. O ESCOPO DA CEPAL

Em 25 de fevereiro de 1948, as metas de desenvolvimento, estabelecidas pela ONU aos países acometidos pela pobreza, exclusão social e recém-libertos do processo de colonização foram instrumentalizadas com a criação da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Por decisão da Assembleia Geral das Nações Unidas em 1947, constituiu-se, em 1948, a CEPAL.

Através de um dos seus principais organismos, o Conselho Econômico e Social, a ONU deu relevante passo, no que diz respeito à criação de uma instituição responsável por instaurar o pensamento econômico regional "numa vasta área do planeta que veio a ser referida como Terceiro Mundo" (FURTADO, 1998, p. 05).

Não se deve imaginar que o processo de concepção desse organismo se deu de maneira pacífica. A elaboração do seu primeiro documento - O Desenvolvimento Econômico da América Latina e seus Principais Problemas, mais conhecido como o Manifesto da CEPAL, de autoria de Raúl Prebisch, dá indicações contundentes da ousadia com a qual procurou se afirmar no cenário mundial.

A criação da Cepal, pela ONU, foi cercada de muita polêmica. Reivindicada pelos latino-americanos, sofreu forte resistência por parte dos Estados Unidos que não concordavam com a criação de um organismo na região possivelmente pudesse escapar do seu controle. Ficou acordado que a Cepal teria uma existência temporária e que, após três anos, sua continuidade seria avaliada (POLETTO, 2000, p. 07).

Inicialmente, com data certa para o seu término, a Cepal resistiu ao embargo norte-americano para influenciar uma política de desenvolvimento com base na industrialização.

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A CEPAL esforçou-se por denunciar a incapacidade da teoria económica dominante nos grandes centros dos países capitalistas e que deles irradiava para todo o seu espaço de domínio para compreender e esclarecer os problemas estruturais dos países subdesenvolvidos. Pela primeira vez, a inteligência do Terceiro Mundo punha em causa o império hegemônico da 'ciência dominante'. (NUNES, 2004, p. 108)

Ultrapassado o período da Segunda Guerra Mundial, a América Latina começava a assimilar os pressupostos da industrialização. Em via contrária, cogitava-se que, com o fim da guerra, as exportações tradicionais retomariam o seu espaço na economia desses países, o que significaria o retorno às práticas liberais preponderantes até os anos de 1930 (BIELSCHOWSKY, 2000).

A iniciativa de pautar o desenvolvimento com base na ideologia da industrialização gerou a necessidade de formação de um pensamento regional que se adaptasse à realidade existente neste bloco sem, no entanto, desprestigiar a contribuição genérica da análise da economia [4].

A teorização cepalina iria cumprir esse papel na América Latina. Seria a versão regional da nova disciplina que se instalava com vigor no mundo acadêmico anglo-saxão na esteira 'ideológica' da hegemonia heterodoxa keynesiana, ou seja, a versão regional da teoria do desenvolvimento. Os anos 1950 foram para CEPAL os de auge da criatividade e da capacidade de ousar e influenciar. (BIELSCHOWSKY, 2000, p.24-25)

PREBISCH, considerado um dos principais articuladores do movimento cepalino, alertou à necessidade de atendimento às peculiaridades estruturais e periféricas para uma análise mais acurada dos problemas dos países latinos, que o mercado não teria como resolver espontaneamente [5].

Em tais fronteiras, onde o próprio capitalismo não existe como genuíno produto do desenvolvimento nacional, porém, existe do modo como liderado e emanado de poucos centros de poder, sobra pouquíssimo campo a discorrer sobre ataques econômicos internos a democracias do Sul global. Paulo Bonavides, em forma de questionamento, acusa:

Desnacionalizada a economia, privatizados os seus conglomerados empresariais de porte mais gigantesco, desconstitucionalizada a ordem jurídica, tudo isso em meio às crises [constituinte e de unidade nacional], que espécie de soberania interna ou externa restaria ao Estado brasileiro na sociedade globalizada do século XXI? (2004, p. 55)

Dessa maneira, os grilhões que amarram as democracias do Sul global são ainda mais fortes que aqueles que aprisionam as de economias desenvolvidas. É pessimista o quadro, para Paulo Bonavides:

Não padece dúvida que o mundo ingressou numa sociedade feudalizada, onde haverá, outra vez - agora em nível de nações - , soberanos e vassalos. (...) Não se vislumbra saída para essa metamorfose do capitalismo na sua feição globalizadora; ela aflige e revoga o constitucionalismo social dos países periféricos, cujas economias debilitadas se arredam cada vez mais da concretização de suas metas emancipatórias, ao mesmo passo que se arrastam na estagnação e decadência. (2004, p. 56-57)

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Entretanto, a própria CEPAL fora instituída com o escopo de assegurar a implantação de programas de desenvolvimento na região, e sua contribuição foi mais além. Formula e coordena a aplicação de políticas públicas, como também auxilia no repasse de informações imprescindíveis à cooperação e a integração entre países, no âmbito regional e internacional [6].

A Comissão, apesar da denominação, também é formada por países da Europa e da América do Norte, totalizando 48 Estados-membros e 08 membros associados, condição jurídica acordada para alguns territórios não-independentes do Caribe. Os países e territórios integrantes da CEPAL são:

Alemanha, Antigua e Barbuda, Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Dominica, Equador, El Salvador, Espanha, Estados Unidos da América, França, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Itália, Jamaica, Japão, México, Nicarágua, Países Baixos, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, República Dominicana, República da Coréia, Santa Lúcia, São Cristóvão e Neves, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela. Os Países-membros associados são: Anguilla, Antilhas Holandesas, Aruba, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Virgens dos Estados Unidos, Montserrat, Porto Rico, Ilhas Turcas e Caicos (CEPAL, online).

A CEPAL possui a sua sede localizada no Chile, possuindo duas sedes Sub-regionais, sendo que uma é pertinente aos assuntos da América Central, no México, e outra em Trinidad e Tobago. Além disso, dispõe de 05 escritórios nacionais com sede em: Brasília, Bogotá, Buenos Aires, Montevidéu e Washington. (CEPAL, online)

A cada dois anos a CEPAL reúne os Estados-membros para discutir temáticas que envolvam o desenvolvimento econômico e social da região, denominando-se de Período de Sessões da CEPAL. Ultimamente, nesse foro de debate, os representantes de cada integrante têm se dedicado, precipuamente, "ao estudo dos desafios que propõe a necessidade de retomar o caminho do crescimento sustentado, assim como a consolidação de sociedades plurais e democráticas". (CEPAL, online)

Através de projetos autorizados pela ONU para execução junto aos países componentes, a Comissão auxilia as perspectivas de desenvolvimento de cada nação do bloco, especialmente com seminários e conferências a divulgar números que dão prognósticos para avanços posteriores.

3. FUNÇÃO DESENVOLVIMENTISTA SOCIAL E ECONÔMICA

A contribuição cepalina, conforme exposto acima, é voltada ao conjunto de atividades direcionadas à política de desenvolvimento nos países latino-americanos, não se tratando de "uma mera justaposição de idéias genéricas sobre a evolução e o funcionamento das economias subdesenvolvidas" (RODRIGUES, 1988, p. 54). Ao contrário, trata-se de um corpo analítico específico, aplicável às condições históricas próprias da periferia latino-americana.

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Vale ressaltar algumas características fundamentais no pensamento cepalino, tais como: a perspectiva epistemológica, pois, no processo de investigação, os dados da realidade constituem a base da construção do conhecimento e, por sua vez, os conceitos formulados devem se adequar a essa realidade histórica. (POLETTO, 2000)

A preocupação em atender a realidade da América Latina levou, consequentemente, a críticas à teoria neoclássica que, inapropriadamente, era assimilada com pretensões universais.

A política de desenvolvimento tem que se basear em uma interpretação autêntica da realidade latino-americana. Nas teorias que recebemos e continuamos a receber dos grandes centros, há com freqüência uma falsa pretensão de universalidade. Toca-nos essencialmente, a nós, homens da periferia, contribuir para corrigir essas teorias e introduzir neles os elementos dinâmicos que requerem para aproximar-se de nossa realidade. (PREBISCH, 1964, p. 27)

Em resumo, trata-se do paradigma desenvolvimentista latino-americano, historicamente situado, rompendo o conceito de desenvolvimento linear. No entender de Fernando Henrique Cardoso: "a preocupação analítica da Cepal e sua visão estruturalista são ganhos líquidos do pensamento social latino-americano". (1993, p. 28)

A teoria estruturalista (ou da dependência), orientada pelas relações econômicas, atenta à questão da desigualdade ocasionada pela exploração dos países desenvolvidos, ditos centrais, contra os países subdesenvolvidos, chamados periféricos. Francis Fukuyama considera a obra de Prebisch o marco decisivo para o pensamento econômico predominante na América Latina. Segundo Fukuyama:

Todas as interpretações tiveram origem na obra de Raúl Prebisch, o qual notou que as relações de troca para a 'periferia' do mundo estavam declinando em relação ao 'centro'. Ele argumentava que o crescimento muito lento de regiões de Terceiro Mundo, como a América Latina, era resultado da ordem capitalista global, que mantinha essas regiões num estado de 'perpétuo desenvolvimento dependente'. A riqueza do Norte estava totalmente ligada à pobreza do Sul. (1992, p. 134)

Prebisch inicia as suas idéias com base no questionamento da teoria das vantagens comparativas de David Ricardo, segundo a qual os países deveriam especializar-se na atividade produtiva que apresentassem vantagens comparativas de custo. Sustentada em exportação de produtos agrícolas, a economia latina, segundo essa teoria, seria beneficiada, tendo em conta a redução dos preços dos produtos importados.

O pensamento estruturalista da CEPAL, no entanto, entendeu que essa prática embargaria o poder de exportação dos países latinos, comprometendo o seu desenvolvimento industrial.

É possível identificar cinco fases do pensamento da CEPAL dentre seus quase sessenta anos de existência: 1) a fase de industrialização e da inserção internacional da América Latina; 2) reformas para desobstruir a industrialização e política de integração regional; 3) reorientação dos estilos de desenvolvimento na direção da homogeneização social e na direção da industrialização pró-exportadora; 4) superação do problema do

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endividamento externo; 5) transformação produtiva com eqüidade (BIELSCHOWSKY, 2000)

Em busca das mudanças estruturais e do aumento qualitativo em longo prazo, o pensamento cepalino procurou desmascarar o mito do desenvolvimento econômico, afirmando que o subdesenvolvimento não constitui uma etapa necessária do processo de formação das economias capitalistas modernas. É, em verdade, um processo autônomo que demanda soluções pontuais, pois, da maneira como as práticas econômicas estão sendo expressadas, o homem passa a ser o instrumento, num processo em que deveria ser o fim.

A economia representa o instrumento para a realização do homem e não um fim em si mesmo. Esta atividade deve atender ao critério de desenvolvimento de suas relações, ao mesmo tempo em que deve possuir o papel de engrandecimento do capital social.

Ora, no momento em que se percebe um desenvolvimento econômico gerador de exclusão social, faz-se necessário repensar os seus mecanismos, como também questionar as atribuições e as falhas do Estado. Nesse sentido, NUNES assevera que:

[...] a idéia de que o desenvolvimento económico passa por caminhos que respeitem a dignidade do homem, o desenvolvimento integral de sua personalidade, a conquista do bem-estar material, mas também o desenvolvimento dos homens no plano da sua profissão, cultura e do lazer. Amartya Sem, lembra com justeza que o desenvolvimento é 'um processo de expansão das liberdades reais de que as pessoas desfrutam' e que 'a expansão da liberdade humana é tanto o principal fim como o principal meio do desenvolvimento'. (2003, p. 116)

COMPARATO, ao tratar dos reflexos e das metas de globalização econômica, demonstra sua preocupação no que toca às prioridades da realidade brasileira, afirmando que: "O Estado já não define a política monetária como um meio, mas como um fim em si mesmo. As finanças são uma atividade meio de um Estado, mas no Brasil a política monetária é um fim em si mesmo" (2006, p. 02).

Não se quer dizer com isto que a empresa deva encampar a atuação que cabe, precipuamente, ao Estado, muito menos fazer caridade com o fim de diminuir as desigualdades sociais. A via conciliadora, entre as instituições públicas e a iniciativa privada, pode ser um meio para se alcançar desenvolvimento econômico e tê-lo como um sinônimo de garantia de direitos reitores da dignidade da pessoa humana.

Sabem-se perfeitamente quais são as metas da política econômica mundial, resta saber quais são as metas da América Latina, qual o projeto nacional, respectivamente, do Brasil, da Argentina, do México etc. O que se pode apreender da realidade é o fato de que esses países estão mais preocupados em implementar objetivos que não são seus, despreocupando-se do planejamento nacional (COMPARATO, 2006).

É, justamente, a condição do Estado desenvolvimentista como Estado periférico, na realidade, que exige que ele seja algo mais do que o Estado Social tradicional. A estrutura do Estado Social europeu e as intervenções keynesianas na economia são insuficientes para a atuação do Estado na América Latina. A teoria de Keynes valoriza, também, os centros nacionais de decisão para a obtenção do pleno emprego. Entretanto,

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se a luta contra o desemprego exige a atuação do Estado, esta é muito mais necessária para promover as modificações estruturais necessárias para a superação do subdesenvolvimento. O papel do Estado na América Latina deve ser muito mais amplo e profundo do que nos países centrais (BERCOVICI, 2008, p. 170).

Esse questionamento é, desde muito tempo, uma preocupação manifestada pelos membros da CEPAL. Encontrar diretrizes para a reorganização do Estado, através da previsão e do planejamento das políticas econômicas e sociais.

Semelhante entendimento mantém acesa a esperança de um constitucionalismo respeitável nos países da América Latina, tendo em vista que, quanto maior o bem-estar social, maior será a confiança nas instituições estatais e na Constituição.

Pensar que a mão invisível possa se mostrar, suficientemente, capaz de resolver as questões econômicas e as mazelas sociais, no contexto da América Latina, é não atender ao bom senso.

Ora, se a acomodação do processo foi atribulada, mesmo em seu berço (Europa e Estados Unidos), imagine-se nos países periféricos do sistema capitalista. Amélia Cohn os menciona:

Nesse sentido, desenvolvimento para esses países, tal como atesta a vasta literatura a respeito produzida nos anos sessenta e setenta pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina/ONU), era confundido com industrialização da economia e com desenvolvimento social, cabendo às políticas sociais um papel secundário, voltadas aos segmentos assalariados inseridos no mercado formal de trabalho - construindo-se assim os modelos de proteção social desses países baseados numa concepção meritocrática e contributiva. (...) Como resultado, os processos de crescimento e industrialização desses países se deram calcados na desigualdade econômica e social ao mesmo tempo em que demonstraram sua incapacidade, até os dias de hoje (...) (HOFMEISTER, 2005, p. 50).

Na mesma linha de entendimento, Stephan Klasen critica a América Latina, além de perceber uma rejeição à globalização impregnada entre os países do continente:

Apesar de alguns sucessos notáveis nos anos 90, está claro que a América Latina não teve um desempenho muito significativo de crescimento e redução da pobreza, em especial se incluirmos os últimos anos de estagnação. Em conseqüência, houve uma desilusão geral com a globalização na região (e até um desencanto crescente com a democracia, como mostram os resultados das pesquisas do Latinobarômetro), pois parece que ela não cumpriu suas promessas em termos de crescimento maior e menor pobreza. (HOFMEISTER, 2005, p. 42).

Segundo Stephan Klasen, há três causas que redundaram no mau desempenho latino-americano, logo no alvorecer do neoliberalismo. Primeiro, os riscos da globalização - como programa de integração - não foram levados em conta pela região (liberalização muito depressa da conta de capital dos países, levando à crise da dívida externa, do câmbio, dos bancos etc.). Depois, muito pouco foi feito para garantir que a região estivesse preparada para o mundo globalizado (padrões educacionais baixos, pouca estabilidade política e social). E, por fim, houve eventos externos desfavoráveis à

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América Latina (moedas subindo junto com o dólar, nos fins da década de 1990, recessão americana de 2001, crise asiática do início dos anos 2000).

Carlos Eduardo Lins da Silva é mais enfático, ao notar que a necessária distribuição global de riquezas, na verdade, era uma sutil estratégia de concentração local de riquezas que circulavam por todos os lugares mas paravam em poucos:

Diferentemente do que muitos previam, a globalização da economia nos moldes propostos pelo que se convencionou chamar de Consenso de Washington não promoveu desenvolvimento disseminado pelos continentes. Ao contrário, as estatísticas demonstram que a maioria dos países da África e da América Latina apresenta atualmente índices econômicos e sociais que são iguais ou - em muitos casos - piores do que o de vinte anos atrás. (HOFMEISTER, 2005, p. 65).

Não obstante, há uma perspectiva de cooperação internacional, em via que procura pavimentar os percalços iniciais do neoliberalismo, ademais, que procura minimizar seus efeitos negativos à América Latina, para que esta não procure caminhos alternativos, consoante alude Amélia Cohn:

O mesmo fenômeno do aumento das desigualdades sociais no interior das sociedades latino-americanas verifica-se entre os países pobres e os países ricos, ocorrendo uma reprodução ampliada das características acima apontadas. Isso certamente está refletido na mudança recente da agenda de cooperação internacional, voltada agora na relação norte/sul para o fortalecimento dos mecanismos de financiamento da estabilidade econômica global e da eficiência atribuída ao mercado; para a criação de mecanismos de enfrentamento dos riscos ambientais globais, de doenças transmissíveis, do controle do tráfico de drogas, e mais recentemente ganha destaque o combate internacional à fome. (HOFMEISTER, 2005, p. 57)

E nesse emaranhado de idéias, a Constituição surge como uma bússola, determinando, decisivamente, os rumos da economia.

A diferença essencial, que surge a partir do 'constitucionalismo social' do século XX, e vai marcar o debate sobre a Constituição Econômica, é o fato de que as Constituições não pretendem mais receber a estrutura econômica existente, mas querem alterá-la. As Constituições positivam tarefas e políticas a serem realizadas no domínio econômico e social para atingir certos objetivos. A ordem econômica destas Constituições é 'programática', hoje diríamos 'dirigente' [...] A Constituição Econômica quer uma nova ordem econômica, quer alterar a ordem econômica existente, rejeitando o mito da auto-regulação do mercado. As Constituições Econômicas do século XX buscam a configuração política do econômico pelo Estado. (BERCOVICI, 2006, p. 164)

A realidade, no entanto, demonstra a existência de disparidades na relação entre a economia e o Estado, redundando em efeitos deletérios à sociedade. Percebe-se o progresso das tecnologias, no entanto, não se pode constatar o processo de desenvolvimento.

Quando não ocorre nenhuma transformação, seja social, seja no sistema produtivo, não se está diante de um processo de desenvolvimento, mas da simples modernização. Com a modernização, mantém-se o subdesenvolvimento, agravando a concentração de renda.

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Ocorre assimilação do progresso técnico das sociedades desenvolvidas, mas limitada ao estilo de vida e aos padrões de consumo de uma minoria privilegiada. Embora possa haver taxas elevadas de crescimento econômico e aumentos de produtividade, a modernização não contribui para melhorar as condições de vida da maioria da população (BERCOVICI, 2008, p. 168).

Esse problema é fato que compromete, substancialmente, os preceitos de desenvolvimento, insculpidos no texto constitucional. O art. 3º toma como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: "I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais".

É dizer, o desencontro entre o desenvolvimento econômico e o social compromete a força normativa da Constituição, conformando-a na idéia fundamental de Ferdinand Lassalle, que trata a Constituição como o resultado das relações de poder nela dominantes: o poder militar, representado pelas forças armadas, o poder social, representado pelos latifundiários, o poder econômico, representado pela grande indústria e pelo grande capital etc.

Não há negar, portanto, a influência que esta última expressão de poder representa para os rumos de uma Constituição de um país periférico. Mais do que o amplo dirigismo, as Constituições latino-americanas necessitam, urgentemente, demonstrar a sua força normativa, que somente poderá ser desvendada/descoberta, por intermédio da vontade de Constituição (HESSE, 1991). Do contrário, dar-se-á razão à Lassalle no sentido de que a Constituição nada mais representa do que simples pedaço de papel (LASSALLE, 2000) [7].

A propósito, a democracia, nessa concepção, é muito mais que votar. É se interessar pelos processos públicos de tomada de decisões; fiscalizar os gestores públicos, observando as tomadas de contas (accountability); diligenciar dados na Internet, e.g., a respeito dos governos, de seus órgãos e de seus orçamentos; exigir preparação técnica (cursos de aperfeiçoamento, reciclagem etc.) para os agentes públicos; ir ao Poder Judiciário (através de Ação Civil Pública, Ação Popular, Mandado de Segurança, Habeas Data etc.) para fazer cumprir direitos transindividuais; intervir em ações judiciais, seja como amicus curiae, sejam intervenções como pessoas convocadas pelo juízo (iussu iudicis), como terceiro interessado, como litisconsorte ou, mormente, enquanto coletividade ativa representada pelo Ministério Público, dentre outras atitudes possíveis.

Não se versa aqui uma democracia meramente instrumental, em que apenas os procedimentos típicos de uma escolha de representantes são garantidos, mas sim uma democracia participativa e deliberativa. Letícia Bicalho Canêdo apresenta o quanto o sistema atual nos condiciona a uma participação esparsa:

De tão rotineiros na nossa vida política, deslembramos o fato de que a prática desses gestos e o uso desses objetos nos foram, progressivamente, impostos e codificados ao longo de dois séculos. A montagem histórica desse ritual eleitoral, que acompanhou a também lenta substituição dos meios de expressão política usados anteriormente (revolta armada, grandes comoções populares, barricadas), contribuiu para disciplinar o cidadão, ensinando-lhe a paciência no ritmo dos calendários eleitorais [8].

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A democracia, portanto, é o veículo competente para reagir às conseqüências sociais nocivas de qualquer processo econômico que tenda a comprometer suprimir as liberdades públicas.

4. SOBERANIA INTERNA E ÉTICA INTERNACIONAL

Como se viu, existe um maciço esforço da comunidade internacional em implementar os direitos humanos. Para tanto, os diplomas criados pela ONU se colocam como balizas para a realização desse projeto de ordem mundial. No entanto, a questão da soberania interna ainda é um obstáculo para efetivação desses direitos.

Respaldados no poder de determinar os rumos de sua política (interna ou externa), os Estados-membros, mesmo avalizando formalmente os termos dos pactos internacionais, eximem-se de seu cumprimento. É o que afirma Mônica Teresa Costa Sousa, quando aborda o direito dos povos ao desenvolvimento: "A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento pode ser considerada pouco eficaz no sentido de apresentar compromissos internacionais gerais exigíveis, mas sem previsão de sanção em caso de descumprimento de tais acertos". (2008, p. 245)

A vinculação a estas normas, pendentes de internalização, não passam de meras recomendações, o que permite a violação às normas internacionais e o embargo à afirmação do direito internacional.

Não há, portanto, em muitas situações, meios de punir os Estados ou obrigá-los a praticar a conduta estabelecida no tratado internacional. O que resta é a condenação moral. Em casos de comoção mundial, a mídia se encarrega de agravar esta pena, causando um constrangimento ainda maior ao Estado transgressor [9].

Por outro lado, não se podem negar as conquistas que o direito internacional alcançou, tendo em vista que muitos Estados tiveram repensar as suas atitudes ante o cenário do pós-guerra, que em muito contribuiu para a flexibilização da noção de soberania. Valério Mazzuoli [10] afirma que:

A doutrina da soberania estatal absoluta, assim, com o fim da Segunda Guerra, passa a sofrer um abalo dramático com a crescente preocupação em se efetivar direitos humanos no plano internacional, passando a sujeitar-se às limitações decorrentes da proteção desses mesmos direitos (2004, p.347).

Em decorrência da globalização e da visibilidade dos atos praticados pelos Estados nacionais, faz-se necessário repensar o instituto da soberania, pois a realidade mundial obriga a observância de uma nova conduta. Apenas quando a conduta do Estado lesar direitos humanos, é que o sistema da ONU deve atuar para restaurar ordem.

De um lado, com relação à internacionalização, há esse avanço com relação à soberania do Estado, que passa a ser repensada, e repensada cada vez mais. A globalização requer isso, ela só existe se a soberania não for absoluta; se nós formos partir de quatro

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muralhas, de quatro paredes de fronteira insuperáveis, não há que se falar em globalização, em universalização e em internacionalização. (PIOVESAN, 2002, p.51)

Tal preocupação é fundamentada na situação das Constituição dos países que, como o Brasil, sofrem com o perecimento das políticas públicas e dos direitos sociais, formando um exército de excluídos ou, simplesmente, de refugiados [11]. "O Estado é eficiente na sua malha repressora, em termos, mas na sua malha prestadora de políticas públicas ainda é ausente, ainda é bastante incompleto". (PIOVESAN, 2002, p.48)

Os países latinos albergam em seus respectivos territórios, um grande contingente de refugiados internos. Dessa forma, o impasse fica estabelecido. De um lado, um Estado que não protege o seu cidadão e, de outro lado, a comunidade internacional, por respeito à soberania dos povos, é impedida de interceder por esses refugiados internos. No dizer de MORIKAWA:

Sem serem protegidos e assistidos pelo país de origem ou de residência, porque permanecem como nacionais por não cruzarem uma fronteira internacional, essas pessoas não tem acesso à proteção internacional. Encontram, portanto, 'between two chairs': entre a soberania do Estado (que não as protege) e a proteção internacional dos Direitos do Homem (a qual não têm ainda acesso). (2006, p. 295)

Verifica-se, nesse ponto, uma violação ao direito da pessoa de desenvolver as suas potencialidades, com liberdade e segurança, nos limites do seu país de origem ou onde reside. Essa violação deve ser combatida, sendo certo que a zona de transição, onde está posicionado o refugiado interno, seja regulada pelo direito internacional, como também a possibilidade de responsabilização dos países com conduta reincidente.

Além das medidas de ordem pragmáticas e repressivas, é importante salientar a política de conscientização sobre os direitos humanos e a prevenção desses atos. Nessa esteira, pode-se citar algumas medidas: "a good governance; o incentivo ao desenvolvimento e a preservação da paz e da segurança; a cooperação global; e a soberania como responsabilidade (o Estado justo)". (MORIKAWA, 2006, p. 302-303)

O que se pode reafirmar é que nada adiantará o esforço de se criar direitos humanos se os deveres decorrentes desses compromissos não forem reconhecidos como obrigação jurídica e institucional. (SOUSA, 2008, p. 254)

Nessa perspectiva, pode-se dizer que a CEPAL possui um papel fundamental na retomada do desenvolvimento econômico e social na América Latina. Através do planejamento, da reorganização dos Estados-membros e da cooperação mútua, será possibilitado, ao indivíduo, o exercício de suas liberdades constitucionais.

CONCLUSÃO

Diante todo o exposto, é razoável considerar que a Comissão Econômica Para a América Latina e o Caribe (CEPAL), proporcionou uma significativa contribuição, não

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só para a afirmação das bases de um pensamento econômico latino, como também para a implementação efetiva de projetos, com o fim de promover o desenvolvimento e garantir a cooperação entre os países latinos.

Outro mérito que pode ser creditado à CEPAL foi o seu esforço de mapear os problemas sintomáticos da América Latina e, através de suas sessões, funcionar como foro de debate para determinação de diretrizes econômicas e sociais.

A inquietação em desenvolver uma análise peculiar da realidade latina, alertou para impropriedade da aplicação sectária de teorias fabricadas nos grandes centros do pensamento econômico mundial e do simulacro de prosperidade e progresso que elas podem representar às economias em desenvolvimento.

A mobilização desse organismo internacional é instrumento imprescindível à diminuição das desigualdades sociais. Apesar da pouca visibilidade na mídia e no próprio meio acadêmico, a CEPAL é mais um organismo internacional que procura, na medida de suas limitações, operacionalizar as recomendações da ONU, atentando para promoção dos direitos do homem.

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[1] Não se quer, nessa breve análise, estigmatizar a economia capitalista, responsabilizando-a por todas as mazelas mundiais, mas entender de que forma ela interfere/contribui para o desenvolvimento econômico-social dos países da América Latina.

[2] Termo cunhado por Raúl Prebisch. A categoria servia-lhe até então para salientar a vulnerabilidade latino-americana aos ciclos econômicos.

[3] Artigo 55 - Com o fim de criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão: a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social; b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional;

[4] BIELSCHOWSKY, Ricardo. Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL. São Paulo: Record, 2000, v. 1, p. 17. Uma característica adicional das idéias geradas e divulgadas pela CEPAL é o fato de que nunca foi instituição acadêmica, e que seu público-alvo são os policy-makers da América Latina. Por essa razão, por muito tempo a unidade e o escopo do 'sistema de economia política cepalino' permaneceram desconhecidos.

[5] Além de Prebisch, outros estudiosos conceituados imprimiram esforços para a afirmação da CEPAL em âmbito internacional, dentre eles: Aníbal Pinto, Jorge Ahumada, Celso Furtado, José Medina Echavarría, Regino Botti, Osvaldo Sunkel.

[6] O que é a CEPAL: Disponível em: < http://www.eclac.org/cgi-bin/getProd.asp?xml=/brasil/noticias/paginas>. Acesso em: 09 maio de 2009. O Programa de Trabalho é realizado através das seguintes divisões, unidades e serviços: Divisão de Desenvolvimento Econômico, Divisão de Desenvolvimento Social, Divisão de Desenvolvimento Produtivo e Empresarial, Divisão de Desenvolvimento Sustentável e Assentamentos Humanos, Divisão de Recursos Naturais e Infra-Estrutura, Divisão de Estatística e Projeções Econômicas, Divisão de População e Desenvolvimento, Divisão de Comercio Internacional e Integração, Divisão de Planejamento Econômico e Social (ILPES), Unidade da Mulher e Desenvolvimento, Unidade de Estudos Especiais, Unidade de Recursos Naturais e Energia, Unidade de Transporte, Unidade de Serviços de Informação, Biblioteca, Sedes Sub-regionais e Escritórios Nacionais.

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[7] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. São Paulo: SAFE, 1991, p. XX. Ainda que não de forma absoluta, a Constituição Jurídica tem significado próprio. Sua pretensão de eficácia apresenta-se como elemento autônomo no campo das forças do qual resulta a realidade do Estado. A Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia.

[8] CANÊDO, Letícia Bicalho. Aprendendo a votar. In: PINSKY, Jaime. PINSKY, Carla Bassanezi (org.). História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2003, p. 517.

[9] A mídia, nesse processo, deve ser transformada, também. A responsabilidade e a ética na informação são fundamentais. Como na 'sociedade de massas', a opinião pública tornou-se o editorial do grande jornal, faz-se imprescindível que o grande jornal canalize, honestamente, o anseio cidadão.

[10] No mesmo sentido Fábio Konder Comparato. A proteção aos direitos humanos e a organização federal de competências. In: CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro. 2. ed. San José, Costa Rica/Brasília: IIDH, 1996, p. 282.

[11] Ver a Convenção de 51 da ONU, a Convenção da OUA e a Declaração de Cartagena que reúnem definições do termo "refugiado", abarcando os casos que mais produzem refugiados, tais como: as guerras civis, violações maciças e sistemáticas a direitos humanos, atos de violência generalizada, e graves distúrbios e tensões na ordem interna do Estado.

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