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O PERCURSO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL E A
CRIAÇÃO DOS INSTITUTOS FEDERAIS NESTE CONTEXTO
Padoin, Egre1
Amorim, Mário Lopes2
RESUMO
O presente trabalho tem o objetivo de analisar a trajetória da Educação profissional no Brasil
e compreender como a criação dos Institutos Federais se inseriu neste processo. Os Institutos
Federais foram criados através da Lei 11.882/08 e após este período, ainda geram polêmicas,
no que se refere à sua função social e papel na sociedade brasileira. Compreender como se
configurou a história da Educação profissional ajuda a entender as contradições deste
processo, possibilidades e desafios para estas Instituições. O percurso da Educação
Profissional no Brasil demonstra que sempre esteve vinculada aos interesses e ideários da
classe dominante. O Governo atual apresentou promessas de rompimento com esta dualidade,
porém, o que vem se apresentando são avanços e recuos, decorrentes do embate capital-
trabalho. A promessa de integração apresentou-se expresso em sua materialidade,
representado com a oferta do ensino médio integrado. No entanto, algumas pesquisas
acadêmicas já vêm apontando que a implementação do decreto 5.154/04 não foi suficiente
para superar as dificuldades de integração curricular. Parte-se do pressuposto de que a
dificuldade de integração tem como a principal causa a histórica dualidade do ensino
profissionalizante. Porém, a dualidade não é um fato recente na história do ensino técnico,
mas tem origens na própria estruturação do sistema capitalista.
1 Doutoranda da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR/PPGTE. 2 Orientador e professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná/ Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade. UTFPR/PPGTE
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Palavras-chave: Educação profissional; IFs; Dualidade; Ensino Médio Integrado
INTRODUÇÃO
A partir da literatura especializada, o presente trabalho tem por objetivo compreender
o contexto de criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs),
considerando suas possibilidades e desafios a serem enfrentados, a partir de uma política de
Governo, que vem demonstrando avanços e retrocessos em relação à suposta superação da
dualidade estrutural da educação brasileira. A oferta do ensino médio integrado nos Institutos
Federais foi uma possibilidade de superação da histórica dualidade e fragmentação dos
saberes no ensino profissional. Nos dois primeiros anos do Governo Lula, inicia-se um
processo polêmico que envolveu educadores, formadores, dirigentes e consultores, a partir de
uma disputa e luta teórica para a pertinência político pedagógica do ensino médio integrado à
educação profissional, buscando a revogação do Decreto 2.208/97, e abrindo novas
possibilidades com a implantação do decreto 5.154/2004. O que se pretendia era a construção
de princípios fundamentados em uma concepção emancipatória baseada na politecnia, onde o
ensino médio deveria ter o papel de relacionar o conhecimento com a prática do trabalho,
explicar como a ciência se converte em potência material no processo de produção. (RAMOS,
2005)
1- Origens da Educação Profissional
A relação entre educação e trabalho faz parte da história da humanidade. Os homens,
ao contrário dos outros seres vivos, tecem relações sociais e com a natureza, para sua
sobrevivência. Se considerarmos as relações que os homens construíram ao longo da história,
é possível perceber que o trabalho está nas entrelinhas de todo este processo. O trabalho pode
ser considerado uma categoria fundante da humanidade, incorporando todos os elementos que
movem as relações humanas: linguagem, cultura, política, educação, ciência e técnica.
Não basta ao homem pensar para conquistar e modificar a realidade. São as relações
com o mundo, as condições de trabalho que concretizam o projeto humano. A práxis pode ser
considerada uma etapa necessária na construção do conhecimento. Através da experimentação
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o homem reconstrói a teoria e a si mesmo. Lukács (2013) entende o trabalho como pôr
teleológico, o planejamento que antecede e dirige a ação, que se concretiza pela
materialização do que já existia idealmente, ou seja, o pôr pensado de um fim que modifica a
natureza e o entorno, sendo propriedade apenas dos homens.
Neste sentido, ao longo da história já é possível observar que a convivência em
sociedade pressupõe projetos e intenções nas relações sociais. Já nos primórdios do
capitalismo, observam-se discursos e promessas de um mundo melhor. Cientistas do
Renascimento reiteraram a promessa dos homens libertarem suas mãos da terra por meio das
máquinas.
Com a Revolução Industrial ainda incipiente, o desenvolvimento das manufaturas
impulsionou as crianças às atividades industriais, como mão de obra barata. No século XVIII,
na Inglaterra, foram criadas casas de trabalho para o internamento e disciplinamento das
crianças, os workhouses, com o objetivo de educá-las na disciplina e hábitos necessários para
futuramente trabalhar nas indústrias. Segundo Enguita (1989), muitos autores expressaram
seu desejo de ver universalmente internadas as crianças pobres e escolarizadas. Assim
também foi na França e no Norte da Europa.
Neste sentido, vai aparecendo o discurso da necessidade da “educação para o povo”,
entre os pensadores da burguesia em ascensão. Enguita (1989) faz uma análise sobre o
surgimento das escolas de massa, no século XVIII, início da revolução industrial, quando se
configura uma nova ordem social. Neste período emerge a necessidade de um novo tipo de
trabalhador nas linhas de produção. Não bastava que ele fosse resignado e piedoso, mas
deveria aceitar trabalhar para outro e, como diz Enguita (1989), nas condições do “outro”. A
educação passa a ser considerada a mediadora desta nova ordem social, que traz uma nova
configuração, ou seja, a divisão social do trabalho. Segundo Enguita (1989), não demorou
muito para que os patrões vislumbrassem a escola como uma educação popular de massa, que
conduziria aos objetivos das indústrias. Na Grã Bretanha, em 1906 os patrões queriam que
estas escolas fossem o instrumento para gerar as qualidades básicas de pontualidade, precisão,
obediência. A expectativa dos patrões era que a escola ensinasse o menor conhecimento
possível, mas em contrapartida, fossem submetidos ao olhar vigilante do professor.
No final do século XIX, houve a necessidade de racionalizar os quadros técnicos. O
método proposto pelo engenheiro russo Victor Della Vos torna-se um modelo para países
industrialmente desenvolvidos, pois segundo Bryan (1992), seu objetivo era produzir um
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trabalhador hábil, com conhecimento do ofício e traços “civilizados”. O registro do tempo, tão
difundido no taylorismo, tem suas origens neste método, assim como a disciplina e o controle
do espaço-tempo. Este foi um método que contribuiu sobremaneira na instituição da educação
profissional e consolidação da divisão social do trabalho nas indústrias.
Para Marx e Engels (1983), a divisão do trabalho foi essencial ao processo de
implantação do modo de produção capitalista. Cada novo estágio, na divisão do trabalho
determina as relações entre os indivíduos. Desde o momento em que o trabalho começa a ser
repartido, cada indivíduo tem uma esfera de atividade exclusiva, que lhe é imposta. A divisão
do trabalho gera alienação (desapropriação do conhecimento do processo geral de produção e
do produto produzido). Ao trabalhador só resta vender a sua força de trabalho.
Consequentemente, o indivíduo é mutilado e transformado no aparelho automático de um
trabalho parcial, sem sentido para si. Ao contrário da “escola de massas” ou “educação para o
povo”, propositiva dos principais pensadores liberais defensores do capitalismo, para Marx e
Engels, a educação pode ser vista como uma possibilidade de remédio contra os efeitos da
degradação que a divisão do trabalho provoca. Em outras palavras, a proposta de uma
educação politécnica para todos, que contraponha a divisão social do trabalho e possibilite
uma reintegração do domínio dos trabalhadores e dos seus saberes técnicos e tecnológicos.
No entanto, no Brasil o contexto foi outro. Segundo Cunha (2000), era uma
sociedade onde os escravos, que eram índios e africanos exerciam todo o trabalho manual. Por
conseguinte, todo trabalho que exigia esforço físico ou a utilização das mãos, caracterizava-se
por ser uma atividade diretamente relacionada aos escravos. Consequentemente, os homens
livres repudiavam o trabalho manual, o que acabou levando os ofícios mecânico ao desprezo.
Enquanto a produção fabril já havia se disseminado por toda a Europa, no Brasil
desencadeia-se a produção manufatureira, sendo que as fábricas brasileiras tiveram de
importar esse saber, tanto embutido nos equipamentos, como nas técnicas (CUNHA, 2000). A
educação para os trabalhadores foi primeiramente marcada pela aprendizagem prática e o
ensino de ofícios, no Brasil colônia e imperial. No entanto é um País que apresenta uma
identidade peculiar, pois marcado pela herança colonial e escravocrata, o significado do
trabalho e os que trabalham foi fortemente desvalorizado.
2-Um breve histórico da educação profissional no Brasil e a criação da Rede Federal
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O Brasil, até 1930 foi marcado por uma economia basicamente agrícola e
concentrada na produção da monocultura de exportação cafeeira, que desencadeou no
controle político pela oligarquia dos “barões de café”. SAVIANI (2010, p. 33)
Este período caracteriza-se pela criação da rede federal de educação profissional, que
aglutinou e racionalizou as formas descontínuas de aprendizagem dos ofícios. Para todos os
setores da produção, a educação profissional passa a ser ofertada nas escolas de aprendizes
artífices, criadas em 1909. A Escola de Aprendizes Artífices (EAA) foi criada em 19 Estados
brasileiros.
Neste período, a educação profissional foi marcada pelo caráter assistencialista, com
proposta de atender especialmente os que tinham propensão ao “crime e vícios”, bem como os
“desfavorecidos da fortuna”. Queluz (2002) aprofunda o contexto de Surgimento das Escolas
de Aprendizes Artífices. O autor faz uma análise do período republicano e ressalta que uma
nova ordem urbana requeria um projeto de educação profissional, afinada com o novo projeto
republicano: controle dos indivíduos potencialmente perigosos para o mundo do trabalho e
internatos disciplinadores centrados no trabalho, como instrumento de regeneração e
intervenção nas famílias de trabalhadores. As Instituições de ensino profissional e as
tendências de alfabetismo técnico apresentam-se dentro de um projeto maior de Governo, com
objetivos de regeneração social, aumento da capacidade produtiva do cidadão e legitimidade
da nova ordem. Outrossim, formar mão-de-obra para um mercado de trabalho em expansão e
cada vez mais diversificado e suprir crescimento da agricultura, estradas de ferro, indústria,
etc. Portanto, na primeira República, a educação profissional assenta-se no sentido de
institucionalizar a educação profissional, com o objetivo de atender a nascente indústria que
está por se consolidar no País.
Após a revolução de 1930, o domínio da oligarquia cafeeira foi rompido no País,
abrindo espaço para o processo de industrialização e urbanização. Segundo Saviani (2010),
antes da Revolução já se configurava um projeto claro da burguesia industrial. O Brasil, que
era um País majoritariamente rural, tinha uma educação que atendia pequena parcela da
população. Com o processo de industrialização e urbanização acelerada, passa a oferecer
“serviços educacionais” em grandes escalas. “Em termos quantitativos, a matrícula geral
saltou de 2.238.73 alunos em 1933, para 44.708.589 em 1998”. (SAVIANI, 2010, p. 36)
Ciavatta (2009) salienta que a revolução de 1930 inaugurou uma “Nova Ordem, uma
Nova Republica” que não atendia mais ao poder oligárquico da República Velha. Com o
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Estado Novo caracteriza-se um quadro que envolve avanço na industrialização, administração
da relação entre capital e trabalho por meio de legislação trabalhista, repressão político
policial e produção ideológica da noção de trabalho pela revalorização do trabalhador. A
noção de trabalho é produzida ideologicamente a partir do encaminhamento dado à questão
social. Segundo a autora, formação da “consciência industrial” resultou de vários elementos
ideológicos, como a construção de um consenso em torno das relações de trabalho e a
destruição da memória social operária pela repressão e pela negação dos conflitos entre
patrões e empregados. A década de 1940 assinalou nova etapa institucional de espaço para a
formação profissional. O Estado e suas instituições tornaram-se uma categoria decisiva na
sociedade brasileira. (CIAVATTA, 2009)
Nesse contexto de crescente industrialização brasileira, as escolas de Artífices e
Artesãos são transformadas em escolas industriais técnicas, pelo Decreto nº 4.127, de 25 de
fevereiro de 1942, denominadas de Escolas Industriais Técnicas, com a oferta de formação
profissional. No entanto, a história da educação brasileira é marcada por lutas educacionais
democráticas, como a defesa da escola pública para todos, inclusão de conteúdos de cultura
geral e de ciência nos currículos dos cursos de educação profissional, bem como a
equivalência da educação profissional aos cursos da educação escolar geral. Segundo Soares
(1999) o objetivo da “nova institucionalidade” era primeiramente ofertar ensino profissional
gratuito, desvinculado da escola regular existente, ou seja, ofertar educação humanista para a
elite e formação profissional aos trabalhadores. No entanto, os “pioneiros da educação”
tiveram um papel importante neste período, no que se refere à integração das escolas do
trabalho ao sistema regular de ensino. Com o Decreto 4.127/42 o ensino profissional passou a
atuar no nível médio, entretanto permanece a concepção e finalidade de preparar os
trabalhadores, diferenciado do ensino médio propedêutico.
A formação da consciência industrial que se estabeleceu e se aprofundou no Estado
Novo, com ações do Estado, também foram decisivas na institucionalização e criação do
Sistema S, que tinham por finalidade oferecer qualificação de profissionais para a indústria e
o comércio, por meio de aprendizagem rápida de formação.
Segundo Amorim (2013), o que marca o período de 1930 a 1945 é o propósito de
formar trabalhadores para compor a nascente sociedade urbana e industrial brasileira, com um
sistema de educação profissional separado da educação geral, acadêmica e propedêutica.
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O Ensino médio sempre foi uma modalidade de ensino que apresentou disputas de
classes e direcionamentos de grupos sociais dominantes. Pelo fato de ser a modalidade de
ensino que abarca o profissiolizante, especialmente o técnico, a disputa de interesses torna-se
evidente nos discursos e políticas de Governo. Moraes (1996) resgata estas reflexões,
inicialmente tentando conceituar o ensino médio, pelo viés da sua função histórica. A autora
salienta que as funções sociais históricas atribuídas ao ensino médio estiveram sempre em
consonância com a divisão do trabalho. O fato de desembocar na disputa por interesses de
grupos sociais antagônicos é uma modalidade de ensino que historicamente apresenta a
dualidade ou seja, a separação do secundário ou propedêutico para as elites e profissional à
classe trabalhadora. Com o fim do Estado Novo o rompimento com a dualidade torna-se pauta
dos grandes debates políticos, especialmente na década de 50, que acabou desembocando na
LDB 4024/61, que permitiu a equiparação entre o ensino profissional e o médio secundário.
A partir de 1950, abre-se a possibilidade dos alunos dos cursos profissionais se
transferirem para o secundário e se candidatarem ao superior. Com a LDB 4.024/61,
estabelece-se a equivalência dos cursos técnicos ao secundário e ingresso ao superior. Neste
ínterim, as Escolas Técnicas Federais sofrem outra transformação. Segundo Amorim (2013)
passa a atuar na formação de técnicos para atender o processo de industrialização brasileiro.
Transformadas em Autarquias, passam a ter autonomia administrativa, didática e financeira,
ainda que subordinadas ao MEC.
No entanto o golpe militar de 1964 coloca fim ao processo democrático brasileiro
que vinha se construindo após o fim do Estado Novo. Com o objetivo de estancar a enorme
demanda por ensino superior no Brasil, garantir a terminalidade do ensino intermediário e
aumentar a oferta de mão-de-obra qualificada para o mercado, o governo institui a reforma do
ensino secundário, pela Lei 5.692/71.
A Lei 5.692/71 estabeleceu-se de forma compulsória para todo este segmento, sendo
o ensino profissionalizante obrigatório inclusive nas escolas que não tinham condições físicas
de ofertar o profissionalizante. Não tendo o alcance prático pretendido, denominou-o como o
nível de 2º. Grau. No entanto, a Lei n. 7.044/82 extingue a profissionalização compulsória o
que resultou no aprofundamento da dualidade, pois nas instituições não profissionalizantes,
especialmente as particulares, eximem-se da obrigatoriedade de ofertar do ensino
profissionalizante, sendo que os que cursavam o ensino técnico ficavam privados da formação
básica plena, aprofundando mais uma vez, a dualidade e terminalidade do ensino técnico.
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Após duas décadas de ditadura militar, os anos 80 foram marcados por diversas
mobilizações sociais em busca de uma democratização da educação. No entanto, o País
encontrava-se em altíssima crise econômica, além de apresentar uma economia de base
fortemente fordista. Em fevereiro de 1995, assume o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Neste Governo as escolas técnicas federais são transformadas em Centros Federais de
Educação Tecnológica, integrando as escolas agrotécnicas federais. O marco relevante deste
período foi a reforma da educação profissional instituída em 1997 (Decreto nº 2.208).
Segundo Amorim (2013), o objetivo foi organizar a educação profissional paralelamente ao
sistema regular de ensino, inclusive dentro da rede federal, CEFETS.
A prioridade do Governo FHC foi o investimento da educação fundamental, reduzir
gastos públicos, inspirado nos princípios neoliberais, com forte influência dos organismos
internacionais. O decreto 2.208/97 impõe restrições na organização dos currículos, trazendo
de volta a dualidade explícita ao ensino médio, ao tornar obrigatória a independência entre o
técnico e o médio. Neste período, volta-se a questionar o ensino profissional brasileiro em
diversas instâncias da educação, sendo esta separação, alvo de muitas críticas.
Com a vitória do governo Luís Inácio Lula da Silva, que assume em janeiro de 2003,
diversos segmentos da sociedade brasileira, especialmente as forças progressistas da educação
enxergaram a possibilidade de propor a unificação da escola media. Já no início do seu
mandato é revogado o Decreto 2.208/97. Com a implantação do Decreto 5.154/04, permite-se
a integração entre o ensino médio e o técnico, apontando-se novamente a possibilidade de
oferta de um ensino unitário.
3-O contexto histórico e político da educação profissional e a criação dos Institutos
Federais
Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia originam-se com a
publicação do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, em 2007. O Plano reuniu um
conjunto de ações e programas no governo Lula, para expansão e a melhoria da educação
brasileira. O que transparece neste documento é a necessidade de ressaltar as concepções de
uma política de governo que pretende, ao contrário do governo neoliberal anterior, direcionar
esforços para os programas sociais de inclusão, e a superação da histórica dualidade.
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Em 29 de dezembro de 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei
11.892/08, criando 38 Institutos Federais de Educação. São instituições diferenciadas, pois
apresentam a agregação e transformação de antigas instituições profissionais, como os Cefets,
Escolas Técnicas Federais, Agrotécnicas e vinculadas às Universidades Federais.
Frigotto et. al (2005) abordam uma análise do início do Governo Lula, no que tange
à política da educação profissional. A análise dos autores se dá a partir da revogação do
Decreto n. 2.208/97, considerado a principal regulamentação da educação profissional no
governo anterior. O objetivo central dos autores foi analisar as contradições do governo Lula,
um campo de disputas entre setores progressistas e conservadores da sociedade brasileira. O
compromisso do governo Lula, no início, foi reconstituir a educação profissional como
política pública. A primeira ação foi revogar o decreto 2.208/97 e restabelecer a possibilidade
de integração do ensino médio e técnico de acordo com o art. 36 da LDB. Apesar das
declarações e compromissos com a integração, a política processa-se mediante programas
focais e contingentes: Escola de Fábrica, Integração da Educação Profissional ao Ensino
Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), Inclusão de Jovens
(PROJOVEM). O Decreto n. 5.154/2004 não foi suficiente para uma política consistente de
integração entre educação básica e profissional. O que se confere, portanto, é que a política de
integração passa a não ser prioridade. No que se refere a sua função de coordenar a política
nacional, o MEC declinou de exercê-la com relação à formação integrada, espaço que passou
a ser ocupado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) assumindo marginalmente o
debate das forças progressistas, anterior ao seu governo.
Santos e Rodrigues (2015) trazem uma contribuição para a análise da política
educacional sob o governo do Partido dos Trabalhadores e a introdução dos IFs, em 2008. O
objetivo dos autores foi apontar os limites, as inconsistências e as contradições da expansão
da educação profissional implementada pelo governo petista. Esta expansão é marcada por
contradições. Com a aprovação da Lei 11.892 de 29 de dezembro de 2008, os autores
analisam as contradições expressas nas intenções dos discursos e documentos do Ministério
da Educação (MEC) e aquilo que vem ocorrendo na Rede Federal de Educação. Os autores
pontuam que os limites e entraves para a realização dos projetos educacionais podem ser
divididos em dois grupos: a origem e a função social da escola na sociedade capitalista e os
limites da educação brasileira, ou seja, uma visão da sua totalidade.
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A expansão da Rede Federal no século XXI pode ser considerada um dos marcos
históricos das políticas do Estado brasileiro. O Governo Dilma (2011 a 2014) foi a fase que
apresentou maior crescimento de escolas da rede, com 208 unidades inauguradas, bem como
maior dotação orçamentária. O que é salientado pelos autores é que a política de expansão não
pode ser considerada uma forma suficiente de promover a melhoria das condições de vida
daqueles que habitam as regiões mais pobres do País. De outro lado, ela atua na formação
para o trabalho sob a organização capitalista, fornecendo saberes necessários à inserção do
trabalhador. Portanto, o Partido dos Trabalhadores não enfrentou as contradições sociais que
marcam a educação brasileira (Santos e Rodrigues,2015).
Integrar a educação geral e a profissional pressupõe unir o saber (ciência) e o fazer
(técnica). Pode-se afirmar que a revogação do decreto 2.208/97 e a implantação do 5.154/04
foi um avanço para o Brasil, no momento que alavancou um processo de superação da
dualidade explícita. Ramos (2005) sublinha que com a implantação do ensino técnico
integrado, retomou-se a integração e a possibilidade de uma “travessia” para o ensino
politécnico, que pressupõe na integração a interdisciplinaridade curricular nas práticas
pedagógicas.
No entanto, após quase uma década, as pesquisas acadêmicas já vêm apontando
dificuldades de se realizar esta integração nos diferentes Institutos Federais de Educação.
Como exemplo, podem-se citar algumas teses e dissertações: MARÇAL (2015), SILVA
(2010), FIGLIUOLO (2010). GRÜMM, et al. (2013). Silva (2007), realizou uma pesquisa
sobre a implementação do Ensino Técnico Integrado no Distrito Federal, a partir da proposta
norteadora de integração. A pesquisa revela que não foi realizada a integração, sendo que os
diferentes atores participantes da proposta não se apropriaram das concepções norteadoras, o
que impossibilitou a efetivação enquanto Práxis. As origens estão nas próprias contradições
do capitalismo, que com o nascimento das fábricas e posteriormente da escola desencadeou o
aprofundamento da divisão social do trabalho, na qual separa os saberes, compartimenta o
conhecimento e institucionaliza o saber.
Portanto, as pesquisas acadêmicas, sobre a implantação do ensino técnico integrado
no Brasil, algumas citadas anteriormente, após a vigência do decreto 5.154/04, já têm
mostrado incongruências entre o que foi preconizado e o que vem se apresentando na
realidade, segundo as premissas norteadoras sobre integração, a partir do art. 36 LDB
(9.394/96). A concepção do currículo integrado pode pressupor a interdisciplinaridade
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também como método, contrariamente a uma abordagem mecanicista, que sustenta os
currículos tecnicistas centrados na fragmentação disciplinar e abordagem transmissiva de
conteúdos. (RAMOS, 2005)
Considerações Finais
A partir desta breve revisão da literatura especializada sobre a história da educação
profissional é possível concluir que o Brasil é um país que apresentou uma industrialização
tardia e que ao longo da sua história, os setores dominantes utilizaram o Estado para
consolidar o ideário político do capitalismo industrial. Se do Império à República Velha o
ideário foi marcado por disputas de poderes oligárquicos de um país eminentemente agrícola,
a República Velha apresenta reformas em prol de uma ideologia burguesa, marcada pelo
encantamento da urbanização, do progresso e de uma promessa de vida melhor para “todos”.
Estas bases foram consolidadas ao longo do período Vargas, em que se desloca o ensino
profissional artesanal para o industrial. Sendo assim, alguns elementos foram importantes
neste processo, como formar a “consciência industrial” e a valorização do trabalho.
As escolas técnicas e o SENAI tiveram um papel importante na formação desta
“consciência industrial” dos trabalhadores. A tônica central foi desenvolver um discurso
homogeneizante da promessa de desenvolvimento, através da racionalização industrial. A
ideologia que prevaleceu a partir da década de 1940 foi um determinismo tecnológico, que
promove a ideia de que a pobreza, a miséria e o atraso dos países periféricos são decorrentes
do subdesenvolvimento industrial.
Os Institutos Federais surgiram também amparados nesta trajetória de avanços e
recuos, decorrentes do embate capital-trabalho. Embora os documentos oficiais3 referentes à
sua criação revelem um compromisso com a justiça social, a integração, o rompimento com a
dualidade estrutural da educação brasileira, o avanço tecnológico, bem como o
desenvolvimento para todos, na prática, especialmente no Governo Dilma, houve o
aprofundamento do binômio público-privado, através da disseminação de programas pontuais
que geraram a transferência de recursos públicos ao setor privado. O que se revelou foi que,
pelo fato de ser um Governo de coalizão, resultante de forças progressistas e conservadoras,
não se rompeu com a lógica da reprodução do capital explorador, apesar do discurso da
3 O principal documento são as Concepções e diretrizes norteadoras dos Institutos Federais.
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inclusão social. O que vem se sobressaindo é que a política do Pronatec fortaleceu a
concepção de ensino profissionalizante ancorado na dualidade, com foco apenas na inserção
do trabalhador no mercado de trabalho. O investimento do Governo Federal
A oferta do ensino médio integrado nos Institutos Federais foi uma proposta
resultante de lutas entre setores progressistas e conservadores da sociedade brasileira, que
resultou em contradições na própria lei de implantação. As dificuldades de integrar a área
técnica com a educação geral, nos Institutos Federais, não são apenas uma questão de
metodologia, mas sinalizam necessidades de reflexões políticas e críticas sobre a sociedade.
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