o princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

22
163 Tiessa Rocha Ribeiro Guimarães* O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS: REALIDADE BRASILEIRA THE PRINCIPLE OF INSIGNIFICANCE AND THE THEORY OF BROKEN WINDOWS: BRAzILIAN REALITY EL PRINCIPIO DE LA INSIGNIFICANCIA Y LA TEORÍA DE LAS VENTANAS ROTAS: LA REALIDAD BRASILEÑA Resumo: O presente estudo tem por fim analisar o princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas, apontando conceitos e definindo suas características, para, então, passar a uma avaliação desses ins- titutos à luz do ordenamento jurídico brasileiro, mostrando que em al- guns casos o princípio da insignificância tem sido mal empregado e outras vezes deveria ter sido utilizado e não o foi. Discute-se, ainda, a viabilidade da aplicação da teoria das janelas quebradas no Brasil. Abstract: The present study aims to analyze the principle of insignificance and the theory of broken windows, pointing concepts and defi- ning its characteristics and then pass an assessment of the ins- titutes the light of Brazilian law. Showing that in some cases the principle of insignificance has been misused and sometimes should have been used and was not. It also discusses the feasi- bility of applying the theory of broken windows in Brazil. Resumen: El presente estudio busca analizar el principio de la insignificancia * Especialista em Direito Público pela Uniasselvi e em Criminologia pela UFG.

Upload: escola-superior-do-mpgo

Post on 14-Mar-2016

218 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

O presente estudo tem por fim analisar o princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas, apontando conceitos e definindo suas características, para, então, passar a uma avaliação desses institutos à luz do ordenamento jurídico brasileiro, mostrando que em alguns casos o princípio da insignificância tem sido mal empregado e outras vezes deveria ter sido utilizado e não o foi. Discute-se, ainda, a viabilidade da aplicação da teoria das janelas quebradas no Brasil

TRANSCRIPT

Page 1: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

163

Tiessa Rocha Ribeiro Guimarães*

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS: REALIDADE BRASILEIRA

THE PRINCIPLE OF INSIGNIFICANCE AND THE THEORY

OF BROKEN WINDOWS: BRAzILIAN REALITY

EL PRINCIPIO DE LA INSIGNIFICANCIA Y LA TEORÍA

DE LAS VENTANAS ROTAS: LA REALIDAD BRASILEÑA

Resumo:

O presente estudo tem por fim analisar o princípio da insignificância

e a teoria das janelas quebradas, apontando conceitos e definindo

suas características, para, então, passar a uma avaliação desses ins-

titutos à luz do ordenamento jurídico brasileiro, mostrando que em al-

guns casos o princípio da insignificância tem sido mal empregado e

outras vezes deveria ter sido utilizado e não o foi. Discute-se, ainda,

a viabilidade da aplicação da teoria das janelas quebradas no Brasil.

Abstract:

The present study aims to analyze the principle of insignificance

and the theory of broken windows, pointing concepts and defi-

ning its characteristics and then pass an assessment of the ins-

titutes the light of Brazilian law. Showing that in some cases the

principle of insignificance has been misused and sometimes

should have been used and was not. It also discusses the feasi-

bility of applying the theory of broken windows in Brazil.

Resumen:

El presente estudio busca analizar el principio de la insignificancia

* Especialista em Direito Público pela Uniasselvi e em Criminologia pela UFG.

Page 2: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

164

y la teoría de las ventanas rotas, apuntando conceptos y defi-

niendo sus características para, enseguida, evaluar esos insti-

tutos a la luz del ordenamiento jurídico brasileño, mostrando que

en algunos casos el principio de la insignificancia ha sido mal

empleado y otras veces se lo debería utilizar y no se lo hizo. Se

discute, aún, la viabilidad de la aplicación de la teoría de las ven-

tanas rotas en Brasil.

Palavras-chaves:

Princípio da insignificância, teoria das janelas quebradas, rea-

lidade brasileira.

Keywords:

Principle of insignificance, broken windows theory, brazilian reality.

Palabras clave:

Principio de la insignificancia, teoría de las ventanas rotas,

realidad brasileña.

INTRODUÇÃO

Almeja-se, com este estudo, levar a reflexão sobre oprincípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas paradentro da realidade brasileira e possibilitar a meditação e o ques-tionamento sobre qual dos institutos seria mais interessante aoordenamento jurídico brasileiro.

No entanto, para que se chegue a tais conclusões, pri-meiramente foi preciso analisar as premissas do Direito Penal,de suma importância para se compreender o que propõe cadaum dos institutos supracitados, destacando-se, nele, as funções

Page 3: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

de prevenção geral e de prevenção especial.Em seguida, passou-se ao exame do princípio da insignifi-

cância, explorando seu conceito, suas características, destacando-se o seu criador. Fez-se, também, uma reflexão acerca de algunsjulgados que mencionam o tema. É importante a análise jurispru-dencial, uma vez que o STF vem fazendo interpretações um tantoconfusas e até exageradas acerca da incidência ou não desse prin-cípio, fugindo, em alguns casos, da ideia central de seu criador.

Dentro dessa perspectiva da insignificância questionou-seo porquê de muitos crimes ínfimos chegarem até a Suprema Cortebrasileira e outros nem serem punidos, apesar de significativosdiante da situação econômico-financeira do país. Não obstante estenão seja o foco principal do estudo, não se pode fechar os olhospara essa situação e, por isso, fez-se pequena referência, porémoportuna, aos White colar crimes – crimes do colarinho branco.

Enfim, tratou-se da teoria das janelas quebradas e da ope-ração tolerância zero, inspirada por essa teoria. Esse último tópicoé o oposto do princípio da insignificância e isso torna pertinente areflexão sobre qual linha seria a melhor para o ordenamento jurí-dico brasileiro, se uma postura mais firme ou mais liberal.

PREMISSAS DO DIREITO PENAL

Para uma melhor compreensão do princípio da insignifi-cância e da teoria das janelas quebradas, importante se faz ana-lisar a função do direito penal, destacando-se a função deprevenção, que se divide em geral e especial.

Diante da necessidade de controle social, a função dodireito penal é de prevenção, com o fim de evitar o cometimentode novas infrações. Nesse sentido, Schecaira (2008, p. 60) define

165

Page 4: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

o controle social como “o conjunto de mecanismos e sanções so-ciais que pretendem submeter aos modelos e normas comunitários”.

Caracteriza-se a prevenção delitiva como “o conjunto deações que visam evitar a ocorrência do delito” (PENTEADO FILHO,2010, p. 83). Ainda, segundo Penteado Filho (2010) a prevençãodos crimes não é novidade e acabou por sofrer transformações aolongo do tempo em virtude de influências jurídicas e filosóficas.

Oportuno se faz conceituar pena como “a sanção im-posta pelo Estado, através da ação penal, ao criminoso, cuja fi-nalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção anovos crimes” (NUCCI, 2009, p. 379).

Conforme entende Penteado Filho (2010, p. 83), a pre-venção é um dos objetivos do Estado de Direito:

Para que se possa alcançar esse verdadeiro objetivo do Estadode Direito, que é a prevenção de atos nocivos e consequente-mente a manutenção da paz e harmonia sociais, mostra-se irre-futável a necessidade de dois tipos de medidas: a primeiradelas atingindo indiretamente o delito e a segunda diretamente.

As premissas do Direito Penal são de prevenção geral ede prevenção especial. A prevenção geral almeja que as pessoasnão venham a cometer crimes, já a prevenção especial objetivaevitar a reincidência. A prevenção tanto geral como especial sesubdivide em positiva e negativa (GOMES, 2006).

Prevenção geral negativa diz respeito à intimidação quea pena causa a toda a sociedade, receptora da lei penal. Já aprevenção geral positiva está “demonstrando e reafirmando aexistência e eficiência do Direito Penal” (NUCCI, 2009, p. 379).

Busca-se, com a prevenção geral positiva, colocar naconsciência da pessoa que é bom, que vale a pena cumprir a lei,ao passo que a prevenção geral negativa visa a não imposiçãode uma sanção penal. Logo, prevenir é melhor que reprimir ecurar. Nesse sentido, entende Beccaria (2007, p. 101) que: “épreferível prevenir os delitos a ter que puni-los; e todo legislador

166

Page 5: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

sábio deve antes procurar impedir o mal que repará-lo”.A respeito da prevenção especial negativa e positiva,

Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 379) assim as caracteriza:

Especial negativo, significando a intimidação ao autor do delitopara que não torne a agir do mesmo modo, recolhendo-o aocárcere, quando necessário e evitando a prática de outras in-frações penais; especial positivo, que consiste na proposta deressocialização do condenado, para que volte ao convívio so-cial, quando finalizada a pena ou quando, por benefícios, a li-berdade seja antecipada.

Acredita-se na tutela do Direito Penal em alguns campos,porque não se pode abandoná-lo, uma vez que só a aplicaçãode medidas de caráter jurídico-penais estabelece algumas con-sequências necessárias para a prevenção, sobretudo nos crimesgraves, incluindo os de colarinho branco. As sanções administra-tivas nem sempre são eficazes, sendo necessária intervenção ju-dicial através, por exemplo, de sentença penal condenatória,possibilidade de transação penal, etc. Ressaltando-se, ainda, quea sanção administrativa jamais acarretará reincidência.

Contudo, a adoção de algumas medidas administrativasaliadas às medidas jurídico-penais seria extremamente oportunanas pequenas infrações como, por exemplo, estabelecer medidasde cunho administrativo contra o jogo, a prostituição e a pornogra-fia; ação da polícia ostensiva na sua função de prevenção, manu-tenção da ordem e vigilância; aperfeiçoamento da polícia judiciáriapara o combate dos delitos em todos os segmentos da criminali-dade; valorização da família, religião, ética, civismo, enfim, eleva-ção de valores morais (PENTEADO FILHO, 2010, p. 84).

Os campos civil e administrativo muitas vezes não se-riam eficientes para substituir o campo penal, como sugerem al-guns, sobretudo a mídia, notadamente quando a vítima for pobre,ou seja, incapaz de arcar com uma indenização para reparar odano. Logo, ela não terá como cumprir a lei, devendo, respeitadaa proporcionalidade, entrar em cena o Direito Penal, como é o caso

167

Page 6: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

do artigo 28 da lei de drogas, que prevê medidas alternativas, vi-sando prevenir, no futuro, a ocorrência de crimes mais graves.

Busca-se, com essas premissas, um melhor entendimentodo princípio da insignificância e da teoria das janelas quebradas.

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

O princípio da insignificância foi desenvolvido por ClausRoxin na década de 70 do século XX, trazendo consigo a ideia deque ataques ínfimos ao bem jurídico não devem ser ocupados peloDireito Ppenal, revelando-se desproporcional castigar fatos irrisó-rios como, por exemplo, o furto de alguns tomates (BRUTTI, 2010).

Segundo Roxin (apud BRUTTI, 2010), “o legislador não pos-sui competência para, em absoluto, castigar pela sua imoralidade con-dutas não lesivas a bens jurídicos”. Propunha-se uma análise restritivados tipos penais, excluindo-se a conduta do tipo a partir da insignifi-cante importância das lesões ou danos aos interesses sociais.

Tal princípio, desenvolvido pelo criminalista alemãoClaus Roxin, objetiva facilitar ao aplicador da lei penal a exclusãodo âmbito de incidência do Direito Penal em casos definidoscomo bagatelares (ANDRADE, 2011).

Conveniente é a definição de Luiz Flávio Gomes (2010,p. 21) de infração bagatelar:

Infração bagatelar ou delito de bagatela ou crime insignifi-cante expressa o fato de ninharia, de pouca relevância (ouseja: insignificante). Em outras palavras, é uma conduta ouum ataque ao bem jurídico tão irrelevante que não requer a(ou não necessita da) intervenção penal. Resulta despro-porcional a intervenção penal nesse caso. O fato insignifi-cante, destarte, deve ficar reservado para outras áreas doDireito (civil, administrativo, trabalhista etc.). Não se justificaa incidência do Direito penal (com todas as suas pesadas armassancionatórias) sobre o fato verdadeiramente insignificante.

168

Page 7: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

Ainda, segundo as lições de Luiz Flávio Gomes (2011), oprincípio da insignificância necessita de quatro preceitos básicospara ser efetivado: “a mínima ofensividade da conduta, a inexistên-cia de periculosidade social do ato, o reduzido grau de reprovabili-dade do comportamento e a inexpressividade da lesão provocada”.

Apesar do mencionado princípio não possuir tipificaçãona legislação brasileira, é muito comum a sua incidência no or-denado penal pátrio, especialmente nos casos de pequena lesi-vidade. O princípio da insignificância extingue a tipicidade daconduta, sendo muito frequente o seu requerimento pelos mem-bros do Ministério Público e por advogados para a extinção doprocesso (CARVALHO NETO, 2011).

Destarte, nem todos os tipos penais admitem a incidênciade mencionado princípio, como se verifica, por exemplo, no crime dehomicídio. Contudo, nossos tribunais por muitas vezes tem permitidoo uso do princípio da insignificância nas infrações patrimoniais, desdeque sem violência. Em alguns casos, a aplicação desse institutoafasta a injustiça de casos concretos, como condenar à prisão porfurto de uma escova de dente em uma farmácia (ANDRADE, 2011).

Em síntese:

A aplicação de tal princípio não poderá ocorrer em toda e qualquerinfração penal, tudo dependendo da análise do caso concreto,contribuindo em demasia, para tanto, a formação humanista emesmo filosófica do responsável pela aplicação da norma penal,quem seja o juiz, quando da elaboração da sentença criminal emprocessos de sua competência. (ANDRADE, 2011)

Para uma melhor compreensão do princípio, imperiosose faz avaliar, além da tipicidade formal, a tipicidade material.O crime pode ser definido como fato típico, antijurídico e culpá-vel. Desmembrando-se o fato típico tem-se a tipicidade formal,que é o encaixe do fato à conduta descrita como criminosa; jána tipicidade material não basta o enquadramento do fato na con-duta criminosa, é necessário também que a conduta do agente

169

Page 8: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

tenha conteúdo de crime, ou seja, é preciso a relevância da con-duta diante do bem juridicamente protegido (AGUIAR, 2004).

No entanto, se a conduta, ainda que tipicamente formal,atinje de maneira superficial o bem jurídico tutelado, não há quese mencionar a tipicidade material, transformando o comporta-mento em atípico, ou seja, indiferente ao Direito Penal e incapazde gerar condenação ou mesmo de dar início à persecução penal(AGUIAR, 2004).

Referido princípio terá aplicação no caso de puro desvalorda ação ou puro desvalor do resultado ou a combinação de ambos.É nesse sentido que se deve entender a jurisprudência atual, nota-damente a do Supremo Tribunal Federal. Contudo, não é bem defi-nida a incidência desses critérios na jurisprudência, posicionando-se,muitas vezes, de maneira confusa (GOMES, 2010, p. 23).

Verifica-se, no Brasil, que uma das justificativas recorrentespara o uso do princípio da insignificância está no excesso de proces-sos que tumultuam o judiciário, se recomendando não ocupar refe-rido poder com delitos insignificantes. Contudo, tem se olvidado queas infrações mais graves surgem em vários casos em virtude do des-caso à repressão dos crimes menores (CARVALHO NETO, 2011).

Talvez a ideia de Roxin fosse excluir, diante do princípioda insignificância, não a tipicidade, mas sim a ilicitude e, porconta da exclusão da ilicitude, estaria excluído o injusto penal.

Jurisprudência e o princípio da insignificância

Apesar de inexistir expressa disposição legal no tocante àaplicação do princípio da insignificância pelo ordenamento brasileiro,a sua utilização vem sendo frequente pelos tribunais quando veri-ficada a insignificância da ofensa ao bem jurídico tutelado. Tal pos-tura adotada pelos tribunais tem sido elogiada em sede de

170

Page 9: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

interpretação de Direito Penal, posto que a legislação possui de-masiada rigidez para ser alterada, em especial na esfera criminal,destarte ser o Código Penal de 1940 (NUCCI, 2010, p. 170).

Observa-se, contudo, em diversos julgados do SupremoTribunal Federal (STF), uma verdadeira confusão, demons-trando-se que não se sabe onde se localiza o princípio da insig-nificância na teoria geral do crime. Confunde-se, muitas vezes,bem jurídico com reprovabilidade do agente, com reincidência, eestes não são abrangidos pelo referido princípio. Entretanto,diante da análise de alguns julgados, se pode dizer que o princí-pio da insignificância exclui a tipicidade material.

Nesse sentido destacam-se alguns julgados:

STF, Habeas Corpus 104.070 – SP1, de agosto de 2010,relator Ministro Gilmar Mendes. “Ementa: Habeas Corpus. 2. Furto.Bem de pequeno valor (R$ 14,80). Mínimo grau de lesividade daconduta. 3. Aplicação do princípio da insignificância. Possibilidade.Precedentes. 4. Ordem concedida.” Percebe-se neste a contradi-ção sobre a posição e incidência do princípio da insignificância.

STF, Habeas Corpus 98.898 - SP2, de abril de 2010,relator Ministro Ricardo Lewandowski:

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS.CRIME DE VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. VENDA DECD'S "PIRATAS". ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTAPOR FORÇA DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. IM-PROCEDÊNCIA. NORMA INCRIMINADORA EM PLENA VIGÊN-CIA. ORDEM DENEGADA. I - A conduta do paciente amolda-seperfeitamente ao tipo penal previsto no art. 184, § 2º, do Código

171

1 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurispruden-cia.asp?s1=%28HC%24%2ESCLA%2E+E+104070%2ENUME%2E%29+OU+%28HC%2EACMS%2E+ADJ2+104070%2EACMS%2E%29&base=baseAcor-daos>. Acesso em: 09 set. 2011.2 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurispruden-cia.asp?s1=%28HC%24%2ESCLA%2E+E+98898%2ENUME%2E%29+OU+%28HC%2EACMS%2E+ADJ2+98898%2EACMS%2E%29&base=baseAcor-daos>. Acesso em: 09 set. 2011.

Page 10: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

Penal. II - Não ilide a incidência da norma incriminadora a circuns-tância de que a sociedade alegadamente aceita e até estimula aprática do delito ao adquirir os produtos objeto originados de con-trafação. III - Não se pode considerar socialmente tolerável umaconduta que causa enormes prejuízos ao Fisco pela burla do pa-gamento de impostos, à indústria fonográfica nacional e aos co-merciantes regularmente estabelecidos. IV - Ordem denegada.

A venda de CD pirata causa prejuízo ao fisco pela burlade pagamento de impostos e condena camelô, refutando-se aaplicação do princípio da insignificância contra a burla fiscal. Con-tudo, ao mesmo tempo constata-se absolvição de delito de des-caminho, no qual o valor do tributo não ultrapassa 10 (dez) milreais, segundo dispõe a lei 10.522/02 em seu artigo 20:

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante re-querimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das exe-cuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pelaProcuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, devalor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

O Estado, como se percebe, não tem interesse em exe-cutar, no campo administrativo, uma dívida tributária de até dezmil reais, então, se transportamos essa falta de interesse do Es-tado do campo administrativo para o campo penal, isso significa-ria a aplicação do princípio da insignificância por falta deinteresse do Estado, acarretando, nesses casos, a desmotivaçãopara cumprir a lei, abandonando-se a função do Direito Penal.

Nesse sentido é o entendimento do Tribunal RegionalFederal da 3ª região (apud NUCCI, 2010):

TRF-3.ª R.: “O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal deJustiça firmaram entendimento no sentido de que, nas hipótesesem que o valor do crédito tributário for inferior ao montante previstopara o arquivamento da execução fiscal (art. 20 da Lei 10.522/2002com a redação dada pela Lei 11.033/2004), falta justa causa parao desencadeamento de ação penal em que se imputa a prática docrime de descaminho, uma vez que, se a própria Administração Fa-zendária reconhece a irrelevância da conduta, não há justificativapara a intervenção do Direito Penal que, por influxo do princípio dadignidade da pessoa humana, deve ocorrer de forma subsidiária,

172

Page 11: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

sendo irrelevante eventual existência de antecedente análogo,tendo em vista tratar-se de circunstância alheia ao delito” (ACR36.083-SP, 2.ª T., rel. Cotrim Guimarães, 22.09.2009, v.u.).

Verificam-se, no ordenamento jurídico brasileiro, algunscasos em que o Estado se omite em punir em virtude de consi-derar determinados valores insignificantes. Observa-se que aProcuradoria da Fazenda Nacional não cobra débitos inferioresa mil reais. O Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), porsua vez, aumenta esse valor para cinco mil reais. Assim, todasas apropriações indébitas previdenciárias (art. 168-A) que nãoexcederem a cinco mil reais não merecerão a tutela penal e serãoconsideradas fatos atípicos (AGUIAR, 2004).

Importa anotar que a legislação brasileira está recheadade programas de parcelamento de débitos tributários, buscandoestimular o seu pagamento, e, na esfera criminal, quando oagente faz a adesão a algum programa, ocorre a suspensão dapretensão punitiva do Estado, a suspensão da prescrição e o pa-gamento integral do débito tributário acarreta a extinção da puni-bilidade do agente. De acordo com entendimento do STF, opagamento integral a qualquer tempo, até mesmo em cede deexecução, acarreta a extinção da punibilidade.

Não é razoável, dentro da situação econômica brasileira,considerar como insignificante um ataque a qualquer bem jurídiconas proporções mencionadas anteriormente.

STF, Habeas Corpus 96.202 – RS3, de maio de 2010,relator Ministro Ayres Brito:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE TENTATIVA DEFURTO (CAPUT DO ART. 155, COMBINADO COM O INCISOII DO ART. 14, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). OBJETOS QUENÃO SUPERAM O VALOR DE R$ 185,00 (CENTO E OITENTAE CINCO REAIS). ALEGADA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA

173

3 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28HC%24%2ESCLA%2E+E+96202%2ENUME%2E%29+OU+%28HC%2EACMS%2E+ADJ2+96202%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos>. Acesso em: 09 set. 2011.

Page 12: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

INSIGNIFICÂNCIA PENAL. ACUSADO QUE RESPONDE AVÁRIOS OUTROS PROCESSOS POR CRIMES CONTRA OPATRIMÔNIO. REINCIDENTE ESPECÍFICO. ATO DE VIO-LÊNCIA. VÍTIMA LESIONADA. IMPROCEDÊNCIA DA ALEGA-ÇÃO. ORDEM DENEGADA.

A reincidência específica, como se verifica na melhordoutrina, não é causa para se afastar a incidência do princípioda insignificância. “Circunstâncias de caráter eminentementesubjetivo tais como reincidência, maus antecedentes, e também,o fato de haver processos em curso [...] não interferem na apli-cação do princípio da insignificância” (STJ, HC 34.641 – RS, rel.Min. Felix Fischer, j. 15.06.2004 apud GOMES, 2010, p. 41).

Em face da observação do Habeas Corpus 101.074 –SC4, de abril de 2010, relator Ministro Celso de Mello, podem serextraídos alguns pilares para a aplicação do princípio da insigni-ficância pelo STF, quais sejam: “(a) a mínima ofensividade daconduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação,(c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e(d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada”. Ressal-tando, todavia, que essa última hipótese deve ser analisada naculpabilidade, não tendo nada a ver com a tipicidade material.

Defende, ainda, Luiz Flávio Gomes (2010, p. 51), que asubtração de uma cebola ou palito de fósforo pelo agente,mesmo este sendo reincidente, tendo maus antecedentes e umapersonalidade direcionada para a criminalidade, não justifica apunição do crime de furto, uma vez que falta à sua conduta tipi-cidade material, devendo o fato ser considerado atípico. Crê-seque o artigo 155 não foi pensado para tutelar condutas tão irre-levantes, sem falar que o processamento dessa natureza de de-litos causaria tremendo choque e repulsa na sociedade.

174

4 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurispruden-cia.asp?s1=%28HC%24%2ESCLA%2E+E+101074%2ENUME%2E%29+OU+%28HC%2EACMS%2E+ADJ2+101074%2EACMS%2E%29&base=baseAcor-daos>. Acesso em: 09 set. 2011.

Page 13: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

Diante do exposto, infere-se que o STF não localiza ondese situa o princípio da insignificância, e isso vem causando certainsegurança jurídica acerca de qual seria a melhor aplicação ju-rídico-penal do mencionado princípio.

White colar crimes (crimes do colarinho branco)

Embora este não seja o tema central do presente estudonão se pode deixar de questionar porque determinados crimescomo, por exemplo, furtos irrisórios, ocupam a mais alta corte dojudiciário brasileiro, e delitos como o descaminho e demais crimesde evasão fiscal possuem discricionariedade perante a autoridadefazendária para executar ou não débitos de até dez mil reais.

Atribui-se essa discrepância a reação social que, no casodos White colar crimes (crimes do colarinho branco), é bemmenos rigorosa ou quase inexistente (VERAS, 2010, p. 34).

Edwin Sutherland, que se destacou no final dos anos1930, criou a expressão White colar crimes para definir os auto-res de delitos específicos que se distinguiam dos criminosos co-muns (PENTEADO FILHO, 2010, p. 55).

Sutherland (apud VERAS, 2010, p. 34) estabelece trêscausas responsáveis pela menor reação social aos White colar

crimes: “1) o status de seus autores; 2) a tendência apenas a re-primir tais condutas em outros ramos do direito; 3) a falta de or-ganização das vítimas contra os White colar crimes”.

Os infratores dos White colar crimes são pessoas quepossuem status perante a sociedade, sendo muitas vezes até ad-mirados. Não possuem, portanto, o estereótipo dos criminososcomuns. Os responsáveis pela justiça criminal às vezes sentem-se intimidados pelos autores desses delitos, não querendo entrarem confronto com eles por medo de represálias e prejuízos em

175

Page 14: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

suas carreiras, que sofrem influências políticas legítimas ou ilegí-timas. O Direito Penal tem ficado inerte no tocante à repressãoaos White colar crimes, sendo substituído por outros ramos do Di-reito, levando-se em conta o princípio de um Direito Penal comoultima ratio e do direito penal mínimo (VERAS, 2010, p. 34-35).

A complexidade dos crimes do colarinho branco, o des-caso da mídia em organizar o sentimento da sociedade contraesses delitos e o fato de as normas que definem esses crimesserem poucas, confusas e recentes são as principais razões dafalta de organização das vítimas contra os White colar crimes

(VERAS, 2010, p. 35-36).Os crimes do colarinho branco possuem altos custos e

são de mais difícil punição, de acordo com Lola Anyar de Castro(1983, p. 83):

Podemos classificar estes custos em três categorias: o custoindividual: aí estão incluídos os gastos a serem feitos para arestituição da saúde, quando esta é lesada (quanto para aaquisição de remédios, como para o pagamento de médico ecompra de alimentos); o dano econômico: o dano causado àscondições de vida, os gastos a serem feitos para as repara-ções (no caso de artigos adquiridos em más condições) etc. ocusto social: que se produziria com delitos como a evasão deimpostos, a ruína de pequenos comerciantes, a elevação docusto de vida etc. e, por último, o custo moral que é muito im-portante, porque os grandes empresários, que são os que co-metem estes delitos, são geralmente líderes da comunidade,espelho e exemplo do povo, grandes defensores de um equi-pamento social para a prevenção da delinqüência juvenil egeral, ou exercem outras atividades similares.

Acerca da reação social dos White colar crimes conclui-se que: “eles não são objeto de persecução penal, não são ab-sorvidos pelo sistema penal. Mas, se tais condutas são tãolesivas a sociedade de forma geral, por que não são, em regra,definidas como crime pelos órgãos de persecução?” (VERAS,2010, p. 158).

176

Page 15: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

A TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS E A OPERAÇÃO TO-LERÂNCIA ZERO

Em oposição ao princípio da insignificância surge, na dé-cada de 80 do século XX, a teoria das janelas quebradas, maisprecisamente em 1982. Dois americanos, um deles cientista po-lítico, James Wilson, e o outro criminologista, Jorge Kelling, es-creveram um artigo em uma revista sem a pretensão de criar umateoria (a polícia e a segurança da comunidade), com a ideia cen-tral de que a desordem pode ser estabelecida como causa dacriminalidade. Logo, segundo eles, haveria uma ligação entre adesordem e a ocorrência de crimes (KELLING; WILSON, 1982).

A presente teoria se contrapõe ao neorrealismo de es-querda, por isso se denomina de realismo de direita (SCHE-CAIRA, 2008, p. 330).

Os postulados da teoria das janelas quebradas se base-aram em um estudo feito por Philip zimbardo, psicólogo da uni-versidade de Stanford, cuja pesquisa consistiu em deixar umcarro em um bairro de classe alta na Califórnia e outro em um declasse baixa em Nova York. Nessa última o carro foi saqueadoem cerca de 30 minutos e, na Califórnia, o veículo ficou intocávelpor uma semana. No entanto, com a quebra de uma das janelaspelo psicólogo, o carro foi depenado em instantes por grupos devândalos (PENTEADO FILHO, 2010, p. 62).

Kelling e Wilson (1982) utilizaram, em seus estudos, oexemplo de uma janela quebrada de uma fábrica ou escritório.Se a pessoa que passa pela rua se depara com a janela que-brada de uma fábrica ou escritório e, no dia seguinte, de novoisso, dará a impressão de que quem tem o dever de cuidar doprédio não está cuidando, isto é, o prédio não tem quem o tutele.Em seguida outra pessoa irá quebrar mais uma janela, até quetodas as janelas estejam quebradas, demonstrando que ninguém

177

Page 16: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

dá importância a esse patrimônio, não há quem cuide desse bem.Na sequência haverá a destruição do prédio ao lado e, depois,de toda a rua e da comunidade. Esse descaso gera um efeitocascata, levando as pessoas desse bairro a se mudarem. Este,então, será ocupado por pessoas desordeiras, gerando crimes.Uma solução seria o policiamento comunitário a pé.

A principal vertente dessa teria, conforme leciona o pro-fessor Shecaira (2008, p. 331), “é que há um caráter sagrado dosespaços públicos – em clara retomada dos postulados conser-vadores da Escola de Chicago – e que o “desarranjo” no qual secomprazem as classes pobres é terreno natural do crime”.

A teoria das janelas quebradas representa um avançopara a criminologia:

Define-se um novo marco no estudo da criminalidade, poisaponta o estudo que a relação de causalidade entre a crimi-nalidade e outros fatores sociais, tais como a pobreza ou a"segregação racial" é menos importante do que a relação entrea desordem e a criminalidade. Não seriam somente fatoresambientais (mesológicos) ou pessoais (biológicos) que teriaminfluência na formação da personalidade criminosa, contra-riando os estudos da criminologia clássica. (ANDRADE, 2011)

“Tolerância zero” foi como ficou conhecido o movimento leie ordem empregado pelo prefeito Rudolph Giuliani, em Nova York,que utilizou a teoria das janelas quebradas no combate à criminali-dade e para estabelecer a ordem (PENTEADO FILHO, 2010, p. 62).

Em Nova York a prefeitura adotou essa ideia de conter adesordem em episódios muito pontuais e, depois, se expandiupara outras áreas. Um dos casos foi com os “flanelinhas” que in-timidavam e ameaçavam as pessoas para receber dinheiro; ooutro episódio se deu no metrô (ANDRADE, 2011).

Ao estudar o problema do metrô de Nova York, consta-tou-se que haviam janelas quebradas e que havia dificuldadesem melhorar a convivência nesse local, porque os policiais esta-vam mais tendentes a enfrentar a grande criminalidade, como

178

Page 17: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

homicídios, estupros, etc. O prefeito, então, colocou policiais apaisana para fiscalizar as catracas, que eram constantementepuladas para não pagar a passagem, em horários distintos, paraprender as pessoas que as pulassem. Outras pessoas, que tam-bém tinham esse costume, ficaram com medo de serem presas(prevenção geral negativa), e as pessoas que compravam a pas-sagem estavam percebendo que faziam a coisa certa, que é bomcumprir a lei - prevenção geral positiva (ANDRADE, 2011).

Os resultados obtidos com a operação “Tolerância zero”com base na teoria das janelas quebradas reduziram considera-velmente os índices de criminalidade de Nova York e esta, que eraconhecida como a “capital do crime”, é atualmente a cidade maissegura dos Estados Unidos (PENTEADO FILHO, 2010, p. 62).

Destaca-se que o sucesso da operação tolerância, ins-pirado na teoria das janelas quebradas, obteve êxito por meio dopoliciamento comunitário (ANDRADE, 2011):

Outro fundamento da teoria das janelas quebradas é a prevençãoao crime realizada com a presença constante da polícia no seioda comunidade. O policial deve se integrar à comunidade, po-dendo dessa forma lidar com as condições que propiciam o sur-gimento do crime (desordens, embriaguez, jogos ilegais, etc.). Eletorna-se conhecido pela comunidade e a conhece. E é esse vín-culo que permite que ambos somem suas forças para evitar o sur-gimento da desordem e de pequenos delitos.O policiamento comunitário torna-se, portanto, fundamental naprevenção ao crime. No sentido afirmado, Kelling e Coles são de-fensores do "foot patrol", ou seja, do patrulhamento a pé, da figurado agente policial que percorre as ruas do bairro, medida maiseficaz, do ponto de vista da prevenção, do que dos agentes poli-ciais motorizados, que nada mais fazem do que circular de carro.

A presente teoria, apesar de obter resultados expressivoscom a política de tolerância zero, ainda recebeu algumas críticasdevido ao encarceramento em massa dos menos favorecidos. Con-tudo, as críticas foram infelizes, porque essa teoria não analisava asituação pessoal do indivíduo, mas sim a sua conduta. Para ela, acausa da criminalidade é a desordem, e não a condição econômica,

179

Page 18: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

a cor, a etnia, etc. (PENTEADO FILHO, 2010, p. 63).Através do presente estudo conclui-se que a desordem e o

vandalismo são causas que aumentam e geram a criminalidade, eque esta não pode ser atribuída apenas à pobreza. Se as pessoasnotam que a sociedade não se importa e pune atos de vandalismo éporque as normas de convivência social são ignoradas, então foi su-ficiente quebrar uma janela de um veículo para que em instantes todoo carro estivesse saqueado e destroçado (CARVALHO NETO, 2011).

Willian Bratton, chefe de polícia de Nova York, responsá-vel pelo combate à desordem do metrô, expandiu o movimentopara as ruas, objetivando conter o vandalismo e a desordem, a fimde prevenir a ocorrência de crimes mais graves, como nos casosdas pessoas que lavavam os pára-brisas dos carros e extorquiamdinheiro dos motoristas. Ressalte-se que essa conduta com apa-rência inofensiva atormentava o povo nova-iorquino. Essas con-dutas passaram a ser punidas não com pena de prisão, mas comprestação de serviços à comunidade. As pessoas foram intimida-das a obedecer à lei e, no caso de não prestação de serviços, essaconduta autorizava a prisão (CARVALHO NETO, 2011).

Os índices de criminalidade com a adoção dessas medi-das caíram consideravelmente em Nova York: houve uma redu-ção de 57% para os delitos em geral e 65% para os crimes dehomicídio (PENTEADO FILHO, 2010, p. 63).

No Brasil muito pouco se fala da teoria das janelas que-bradas, diferentemente do princípio da insignificância, muito dis-cutido, notadamente nos tribunais. Deve ser porque muitos dosdoutrinadores e estudiosos brasileiros foram estudar na Europa,e não nos Estados Unidos.

Importa anotar que, no Brasil, a criminalidade vem cres-cendo assustadoramente. As pessoas não aguentam mais fica-rem “presas” nas suas próprias casas, reféns de umacriminalidade desenfreada, principalmente nos grandes centrosurbanos. As autoridades não vêm tomando providências para

180

Page 19: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

combater a desordem e a violência e os responsáveis pelas prá-ticas delitivas ficam soltos pelas ruas. É preocupante essa situa-ção. Atos violentos e de desordem, se pequenos, são ignorados,e não reprimidos, porque não se pode ocupar o ordenamentopenal com delitos pequenos (CARVALHO NETO, 2011).

Enfim, convive-se no Brasil também como um crime orga-nizado crescente e originário dos presídios. Então, pondera o de-legado e professor Penteado Filho (2010, p. 63) que:

Como se não bastasse, progredirem também as medidas des-penalizadoras, na contramão da história e da necessidade demaior proteção do direito à segurança da sociedade [...]. Pareceaté que alguns penalistas brasileiros pretendem um anomia do“quanto pior, melhor”.

CONCLUSÃO

Desejou-se, com este estudo, transmitir as principaiscaracterísticas do princípio da insignificância e da teoria das ja-nelas quebradas, apontando-se os conceitos e as principaisideias de cada tema. Ainda, abordou-se a incidência do princípioda insignificância na legislação, especialmente por meio do en-tendimento da Suprema Corte. Acerca da teoria das janelas que-bradas, buscou refletir sobre a viabilidade de sua aplicação noordenamento jurídico brasileiro.

A respeito do princípio da insignificância, constatou-se que oSTF mostrou-se, por diversas vezes, confuso, não esclarecendo comcerteza em que momento deve ser aplicado mencionado princípio.No que tange à teoria das janelas quebradas, observou-se que ela épouco conhecida e divulgada no ordenamento pátrio. Talvez seja por-que muitos dos pensadores e estudiosos brasileiros optaram por es-tudar na Europa, e não nos Estados Unidos, de onde esta se origina,

181

Page 20: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

ou porque seja conveniente que essa teoria não seja difundida.Ao contrário do que afirmam alguns, essa teoria não é ce-

letista e não abrange apenas a criminalidade das massas. Aliás,ela não faz distinção entre ricos e pobres, pretos e brancos, estu-dados e analfabetos, etc. Ela acredita apenas que a desordem éresponsável pela geração e aumento da criminalidade, devendoessas condutas ser combatidas e, conforme já mencionado, nosEstados Unidos utilizaram-se penas alternativas à prisão, ense-jada epenas em caso de reincidência. Assim, essa teoria prega aanálise da conduta do agente, e não de sua situação pessoal.

Verifica-se, no Brasil, uma excessiva benignidade com aspessoas desordeiras e até mesmo com as que cometem crimes gra-ves. É, no mínimo, questionável que diante da situação econômicada maioria da população brasileira o Estado não execute dívidas tri-butárias de até 10 mil reais por falta de interesse ou por alegar queos custos da execução são superiores. Este não é o princípio da in-significância que se gostaria de visualizar na legislação, mas simque fatos irrisórios como a subtração de um pote de margarina nãochegasse ao Supremo Tribunal Federal. Contudo, não se pode ol-vidar do dono do supermercado, por exemplo, que tem um pote demargarina subtraído todos os dias. Nesse sentido, deveriam ser im-plementadas outras formas de controle e de prevenção. O que nãopode continuar é um Estado com um ordenamento jurídico tão ricotransmitir à população uma verdadeira sensação de anomia.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. O princípio dainsignificância e os crimes contra o sistema financeiro nacional.Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 255, 19 mar. 2004. Disponível

182

Page 21: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/5000/o-principio-da-insignificancia-e-os-crimes-contra-o-sistema-financeiro-nacional>. Acesso em: 09 set. 2011.

ANDRADE, Fábio Coutinho de. "Broken windows theory" ou teo-ria das janelas quebradas. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n.2811, 13 mar. 2011. Disponível em:< http://jus.uol.com.br/revista/texto/18690/broken-windows-theory-ou-teoria-das-janelas-quebradas>. Acesso em: 09 set. 2011.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: MartinClaret, 2007.

BRASIL. Lei 10.522/02. Disponível em: <http://www.senadolegis-lacao.gov.br>. Acesso em: 09 set. 2011.

BRUTTI, Roger Spode. O princípio da insignificância frente ao

poder discricionário do delegado de polícia. Disponível em:<http://www.delegados.com.br/roger-spode-brutti/o-principio-da-insignificancia-frente-ao-poder-discricionario-do-delegado-de-policia.html>. Acesso em: 09 set. 2010.

CARVALHO NETO, José Augusto de. A teoria da janela quebradae a política da tolerância zero face aos princípios da insignificânciae da intervenção mínima no direito brasileiro. Boletim Conteúdo ju-

rídico, Brasília, ano III, n. 143, 29 mai. 2011. Disponível em:<http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-teoria-da-janela-quebrada-e-a-politica-da-tolerancia-zero-face-aos-principios-da-insignificancia-e-da-interv,32244.html>. Acesso em: 13 set. 2011.

CASTRO, Lola Anyar de. Criminologia da reação social. Tradu-ção de Ester Koslosvski. Rio de janeiro: Forense, 1983.

183

Page 22: O princípio da insignificância e a teoria das janelas quebradas

GOMES, Luiz Flávio. Funções da pena no direito penal brasileiro. Jus

Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1037, 4 mai. 2006. Disponível em:<http://jus.uol.com.br/revista/texto/8334>. Acesso em: 02 set. 2011.

______. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipi-

cidade. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

______. Princípio da insignificância: STF concede quase 1/3 dos HCs.Juízes ainda condenam por um pote de manteiga… Blog do professorLFG. Disponível em:< http://www.blogdolfg.com.br/ artigos-do-prof-lfg/principio-da-insignificancia-stf-concede-quase-13-dos-hcs-juizes-ainda-condenam-por-um-pote-de-manteiga/>. Acesso em: 07 set. 2011.

KELLING, George L.; WILSON, James K. The police and theneighborhood safety. The Atlantic online, março de 1982. Dispo-nível em: <http://www.forestry.gov.uk/website/pdf.nsf/b591cb1aa3d9d9ac802570ec004f557d/7e15282335cea36b802575e4004c96b7/$FILE/BrokenWindowTheory.pdf>. Acesso em: 12 set. 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 6. ed. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2009.

______. Princípios constitucionais penais e processuais penais.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de

criminologia. São Paulo: Saraiva, 2010.

SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2. ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2008.

VERAS, Ryanna Pala. Nova criminologia e os crimes do colari-

nho branco. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

184