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O projeto de nação pós-colonial magrebino: a língua como
elemento construtor de identidades nacionais
Luana Monçores de Lima Suhett
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção
do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos
Linguísticos Neolatinos Ŕ opção língua francesa)
Orientador: Professor Doutor Pierre François Georges
Guisan
Rio de Janeiro
Junho de 2012
O projeto de nação pós-colonial magrebino: a língua como
elemento construtor de identidades nacionais
Luana Monçores de Lima Suhett
Orientador: Professor Dr. Pierre François Georges Guisan
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro Ŕ UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a
obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas.
Examinada por:
___________________________________________________
Presidente, Profa. Doutora Leticia Rebollo Couto - UFRJ
___________________________________________________
Profa Doutora Maria Jussara Abraçado de Almeida - UFF
___________________________________________________
Profa. Doutora Maria Aurora Consuelo Alfaro Lagorio - UFRJ
___________________________________________________
Profa. Doutora Ângela Maria da Silva CorreaŔ UFRJ, Suplente
___________________________________________________
Prof. Doutor Thomas Daniel Finbow Ŕ USP, Suplente
Rio de Janeiro
Junho de 2012
Suhett, Luana Monçores de Lima.
O projeto de nação pós-colonial magrebino: a língua como elemento
construtor de identidades nacionais / Luana Monçores de Lima Suhett. Ŕ Rio de
Janeiro:UFRJ/ FL, 2012.
xi, 106f.: il.; 31 cm.
Orientador: Pierre François Georges Guisan
Dissertação (mestrado) Ŕ UFRJ/ FL/ Programa de Pós-graduação em Letras
Neolatinas, 2012.
Referências Bibliográficas: f. 102-103.
1. Língua e nação. 2. Línguas no Magrebe. 3. Constituições magrebinas 4.
Enquetes sociolinguísticas I. Guisan, Pierre François Georges. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas.
III. O projeto de nação pós-colonial magrebino: a língua como elemento construtor
de identidades nacionais
Agradecimentos
O meu maior agradecimento à realização desta dissertação de mestrado é, sem dúvida,
para meu querido orientador, professor Pierre François Georges Guisan, que me mostrou a
perspectiva de uma sociolinguística mais ampla, “sem fronteiras”, “crioulizada” e ativa nas
questões que concernem às políticas linguísticas. Obrigada pelo seu humanismo e
conhecimento, pela atenção e carinho dispensados.
Agradeço igualmente à professora Nabiha Jerad, sociolinguista da Universidade de
Túnis, que me ajudou com a enquete tunisiana e com as traduções do árabe para o francês. A
sua participação foi imprescindível não só pelo apoio, mas também pelos materiais e
discussões sobre o tema. Shukran!
Gostaria também de agradecer à professora Maria Aurora Consuelo Alfaro Lagorio,
docente deste programa e membro desta banca, pelas apreciações feitas e materiais
emprestados ao longo de duas disciplinas que realizei no mestrado. Suas críticas muito me
ajudaram a melhorar este trabalho. Devo também agradecer à professora Letícia Rebollo
Couto, que muito gentilmente aceitou o convite para presidir a banca de defesa desta
dissertação ¡Muchas gracias!
Quero também agradecer à professora Jussara Abraçado por ter acolhido prontamente
o convite de participar da minha banca de defesa, assim como aos professores Ângela e
Thomas, que aceitaram o convite para a suplência. Muito Obrigada!
É necessário fazer um agradecimento formal ao programa de Pós-graduação em Letras
Neolatinas e ao setor de francês desta Faculdade, pela minha formação desde a graduação. A
realização deste mestrado passou inevitavelmente pelas mãos desses professores, que através
de suas aulas Ŕ língua e literatura Ŕ nos conduzem pelo apaixonante mundo das Letras.
Por fim, mas não menos importante nesta trajetória, gostaria de agradecer a minha
família (mãe, pai, irmã, marido, tios, primos, avô, mestre Mokiti Okada) pelo amor, incentivo
ao estudo e suporte de sempre. Amo vocês! Vó Ninita ficaria muito orgulhosa deste
momento! Merci beaucoup!
“Je me souviens très bien de la première fois de ma vie que j‟ai vu des Français. J‟en avais
entendu parler. C‟était une mythologie. C‟était en 1955, quelques mois après le
déclenchement de la guerre d‟Algérie. J‟avais 5 ans. Nous avions entendu dire que des
militaires français allaient venir chez nous au village [...] Lorsque soudain nous vîmes au loin
une longue colonne des petits points noirs semblables à une procession de fourmis. Les
voilà !!! C‟est les Français ! [...] Plus ils s‟approchaient, plus nous étions stupéfaits. Non,
mais c‟est pas possible... Ils étaient noirs ! Merde ! Les français sont noirs ! Il n‟y avait que le
type qui marchait en tête de colonne. Leur chef qui était blanc. Lui, ça devait être un
Algérien, c‟est sûr ! Ils s‟approchaient, ils s‟approchaient [...] Hagar nous regardait avec le
même étonnement qu‟il pouvait lire sur nos visages. Juste à ce moment-là, le muezzin lança
l‟appel à la prière du maghrib [...] les soldats déposèrent leurs bardas et étendirent leurs
manteaux là même à la neige et ils se mirent à prier. Aïa ! Et en plus, ils sont mulsumans ! [...]
Un peu plus tard, J‟ai appris que c‟était un bataillon de tirailleurs sénégalais. Et un tout petit
peu plus tard, j‟ai appris que moi aussi j‟étais français ! Aïa ?!”
(Mohamed Saïd Fellag, comédien algérien Ŕ Espetáculo Le dernier chameau, 2004)
RESUMO
SUHETT, Luana Monçores de Lima. O projeto de nação pós-colonial magrebino: a língua
como elemento construtor de identidades nacionais. Orientador: Professor Dr. Pierre
François Georges Guisan. Rio de Janeiro: UFRJ, 2012. Dissertação (Mestrado em Estudos
Linguísticos Neolatinos Ŕ Língua Francesa).
Estudo sobre o papel das línguas francesa, árabe e berbere no processo de construção de uma
identidade linguística-cultural no Magrebe pós-colonial. Crítica aos discursos oficiais, que
homogeneízam e ocultam a riqueza linguística da região a fim de desenvolver seus projetos de
nação com base em modelos linguístico-identitários estabelecidos por países europeus já no
século XVIII. Apresentação e análise das reais práticas linguísticas das comunidades
magrebinas, a partir de dados coletados através de enquetes sociolinguísticas, que nos
apontam um novo olhar sobre a relação língua-identidade pelas novas gerações do Magrebe.
RESUME
SUHETT, Luana Monçores de Lima. O projeto de nação pós-colonial magrebino: a língua
como elemento construtor de identidades nacionais. Orientador: Professor Dr. Pierre
François Georges Guisan. Rio de Janeiro: UFRJ, 2012. Dissertação (Mestrado em Estudos
Linguísticos Neolatinos Ŕ Língua Francesa).
Etude sur le rôle des langues française, arabe et berbère dans la construction d‟une identité
linguistique-culturelle au Maghreb postcolonial. Critique des discours officiels, qui
homogénéisent et cachent la richesse linguistique régionale, afin de mettre en oeuvre leurs
projets de nation, en se fondant sur des modèles linguistiques-identitaires établis par les pays
européens au XVIIIe
siècle. Présentation et analyse des pratiques linguistiques des
communautés maghrébines, à partir des données collectées par des enquêtes
sociolinguistiques, qui nous indiquent un nouveau regard sur la relation langue-identité par les
nouvelles générations du Maghreb contemporain.
Sumário
Introdução
PARTE I
Descrição e conceituação do quadro linguístico magrebino pós-colonial
1. Apresentação do problema .................................................................... p.12
2. Breve histórico colonial ......................................................................... p.14
3. O cenário linguístico magrebino contemporâneo .................................. p.17
3.1 A língua árabe ....................................................................................... p.18
3.1.1 Variante clássica ................................................................................. p.21
3.2 A língua berbere .................................................................................. p.22
3.3 A língua francesa .................................................................................. p.26
3.3.1 O francês basiletal .......................................................................... p.27
3.3.2 O francês relativo à elite ................................................................. p.28
3.3.3 O francês mesoletal ........................................................................ p.28
3.4 A relação árabe-francês ...................................................................... p.29
PARTE II
Língua e nação
4. Do “Génié de langues” às “Comunidades Imaginadas” : a relação entre língua, nação
e Estado................................................................................................ p.32
4.1 A ideia de um génie e a concepção de língua ...................................... p.32
4.2 A formação do conceito de nação e Estado ......................................... p.38
5. Multilinguismo e contato de Línguas ................................................... p.49
5.1 Contato linguístico: língua e identidade ............................................... p.51
PARTE III
As constituições pós-coloniais dos países magrebinos
6. Políticas de arabização e políticas linguísticas ..................................................... p.56
6.1 Discurso e Identidade ............................................................................................ p.57
6.2 Os imaginários sociais e as constituições de Argélia, Tunísia e Marrocos .......... p.60
PARTE IV
Enquete com jovens magrebinos: corpora e reflexões
7. O objetivo das enquetes linguísticas ..................................................................... p.75
7.1 A enquete tunisiana .............................................................................................. p.76
7.1.1 Atitudes e práticas linguísticas no cotidiano .................................................. p.77
7.1.2 Tecnologias e escrita ...................................................................................... p.78
7.1.3 Representações linguísticas ........................................................................... p.79
7.2 A enquete argelina ............................................................................................ p.81
7.3 A enquete marroquina ......................................................................................... p.85
7.4 Práticas com o árabe literário ............................................................................. p.87
7.5 Práticas com o francês ....................................................................................... p.90
8. Um olhar geral sobre as três enquetes ................................................................ p.93
Conclusão
Bibliografia
Outras referências
Anexos
8
Introdução
Este trabalho nasceu ainda na iniciação científica no período em que era aluna de
graduação dentro de um projeto maior de estudos sobre Francofonia, conflitos e contatos
linguísticos, políticas linguísticas e identidade cultural. A participação nesse projeto me
permitiu ter elementos para a formulação de uma nova pesquisa para o mestrado. O fruto
desses anos de estudos está consolidado nas páginas a seguir.
Quando falamos de línguas em contato, falamos também de conflitos linguísticos,
crenças, valores, imaginários e representações que formam o ideal do que somos, marcam
nosso lugar no mundo e nos permite criar, por nossa vez, a imagem que temos do outro. A
concepção de língua passa inevitavelmente por essas questões e é por isso que optamos, nessa
dissertação, trabalhar com uma perspectiva da sociolinguística que se preocupa, em particular,
em investigar os fenômenos linguísticos relacionados às representações sociais e às relações
identitárias criados pelas comunidades de fala.
Para fundamentar as nossas reflexões, adotamos a ideia de nação definida por
Benedict Anderson em seu livro intitulado Comunidades Imaginadas, publicado
originalmente em inglês no ano de 1991. Para Anderson, a nação moderna precisou adotar
mitos para justificar a sua nova organização, centralizando a tudo e a todos por instrumentais,
tais como a concepção de uma língua única, com um passado histórico, plena de mitos e
imagens a ela associados. Na “vanguarda” dessa nova concepção, está o Estado
Revolucionário francês, que além de cabeças, também decepou a riqueza linguística francesa
que existia até então. Assim, só um francês único e “legítimo” poderia representar e unificar a
nova e instável República. O modelo Ŕ que será descrito posteriormente - foi exportado para
outros territórios europeus, e mais tardiamente para o resto do mundo. Uma língua, um
território, uma nação. Relação que pretendemos discutir ao longo desta dissertação.
9
A escolha pelos conflitos linguísticos magrebinos como tema se deve ao fato de que o
projeto de nação adotado pelos países da região se funda pelo mesmo ideal francês do século
XVIII. O que é irônico e contraditório. Esses países ao conseguirem suas independências da
França, lançaram-se na construção de um ideal de nação pautado pela língua árabe clássica,
marginalizando e ocultando o multilinguismo das sociedades magrebinas.
Com isso, o nosso trabalho será apresentado em quatro partes. Em um primeiro
momento, faz-se necessária a apresentação do problema, seguida de um breve resumo sobre a
história colonial da região e uma descrição da situação linguística atual magrebina. Na
segunda parte, abrimos uma discussão teórica sobre o conceito de nação, Estado e identidade
linguística-cultural. A reflexão sobre a concepção de língua também é ponto chave para se
entender o problema magrebino, mostrando como essa está intimamente ligada às
construções, às imagens e aos valores que criamos e temos sobre nós mesmos como cidadãos
pertencentes a uma comunidade específica. Para encerrar esse item, é importante falar sobre
multilinguismo e contato de línguas, e explorar como a identidade linguística pode aparecer
nesse contexto.
A terceira parte deste trabalho tem por objetivo apresentar e discutir os discursos
oficiais de Argélia, Tunísia e Marrocos sobre língua, Estado e nação, através do olhar da
análise do discurso de Patrick Charaudeau1. Foi realizada uma seleção de trechos das
constituições magrebinas - recentes ao período de independência e também as mais
contemporâneas Ŕ a fim de estudar as políticas linguísticas organizadas pelos governos ao
longo dos anos.
Por fim, um trabalho com enquetes sociolinguísticas Ŕ uma de realização pessoal e
outras duas de pesquisadores da região - fecha a pesquisa com dados e informações que se
1 O autor francês nos apresenta a ideia de comunidade do discurso, conceito muito relevante para a análise das
constituições.
10
opõem claramente aos discursos oficiais, mostrando uma nova geração de magrebinos que se
serve do multilinguismo para a construção de suas identidades com vista para o futuro.
Através dessas quatro seções, podemos vislumbrar um pouco as riquezas e as mazelas
linguísticas do Magrebe atual, onde línguas se encontram e se enfrentam por espaços de
expressão linguística, cultural, identitária e política.
12
DESCRIÇÃO E CONCEITUAÇÃO DO QUADRO LINGUÍSTICO MAGREBINO
PÓS-COLONIAL
1 – Apresentação do problema
Este trabalho tem por objetivo discutir a relação nação-língua no Magrebe pós-
colonial e as políticas linguísticas em torno da língua francesa, através de uma perspectiva da
sociolinguística que se preocupa, em particular, em pesquisar os fenômenos relacionados às
representações sociais e às relações identitárias criadas pelas comunidades de fala. Marrocos,
Tunísia e Argélia, através de uma revalorização da cultura e da língua árabe, consideradas
como originais, buscam construir outras identidades nacionais. Entretanto, as políticas
linguísticas adotadas pelos governos mais recentes ignoram (como na Argélia2) ou minimizam
(como na Tunísia e no Marrocos) a forte presença e uso da língua francesa no cotidiano
desses países, seja na administração, na cultura, na sociedade ou na escola, caracterizando-a
como língua estrangeira, assim como o inglês, que possui um papel bem menos dinâmico
nessas sociedades. O francês é visto como uma herança ainda muito ligada à dominação
colonial e a toda uma memória negativa de um passado bem recente. As constituições dos três
países não citam o francês como uma língua falada na região e também limitam a língua árabe
a uma norma única associada ao islamismo. Ou seja, não há distinção entre as variantes, como
o árabe clássico, o árabe standard e, principalmente, o árabe dialetal, que é a língua mais
utilizada pela população nas suas práticas linguísticas cotidianas. As variantes são
intercompreensíveis, o que nos remete ao questionamento do conceito de língua e de dialeto.
A partir desse cenário linguístico e dos problemas nele implicados, podemos nos
questionar sobre o papel e as representações das línguas citadas anteriormente nos países aqui
estudados: Como as representações culturais sobre uma língua influenciam na construção de
2 A Argélia não é um país-membro da OIF (Organização Internacional da Francofonia, criada em 1970)
13
uma identidade linguística? Como a língua servirá de mito para a construção de uma unidade
social? Em que medida a língua francesa no Magrebe pode ser ao mesmo tempo um elemento
de impasse e de coesão na construção de uma identidade nacional? Quais representações estão
associadas ao francês?
Para compor o quadro de discussão sobre o bilinguismo árabe-francês, é necessário
ainda acrescentar toda a problemática associada às questões linguísticas e culturais da
comunidade Berbere, concentradas principalmente no Marrocos e na Argélia. Esses grupos,
representados por associações comunitárias, vem lutando ao longo dos anos3 pela
oficialização e pelo desenvolvimento das línguas Amazigh4. Estas culturas estão presentes na
região antes mesmo da chegada dos árabes. Somente no final da década de 1990, os governos
do Marrocos e da Argélia reconheceram oficialmente no texto constitucional a cultura e as
línguas Berberes, colocando em prática alguns projetos de desenvolvimento linguístico, tais
como: a criação de um alfabeto, a institucionalização de uma norma berbere e o ensino da
língua nas escolas. Entretanto, as políticas linguísticas em questão não são satisfatórias, pois
atingem somente uma minoria da população, mantendo ainda um status de cooficialidade nas
constituições de Argélia e Marrocos.
Os conceitos de língua e nação estão intimamente ligados desde os tempos modernos5,
constituindo um mito gerador de conflitos, evitando o reconhecimento do rico multilinguismo
da região. Benedict Anderson (2000), cientista político, acredita que as nações são
comunidades imaginadas por aqueles que a compõem, criando assim representações que as
legitimam como sociedades, e mitos que a fundam historicamente como tais. E no processo de
homogeneizar e unificar as diversidades existentes (culturais e linguísticas), a língua se
3 Em 1980, os movimentos de promoção e reivindicação da cultura e língua berberes ganharam força, sendo este
período denominado “Primavera Berbere”. 4 Também encontramos a denominação Tamazigh. Esses são os nomes para designar o idioma na própria língua,
que tem por significado “homens livres”. É interessante constatar que muitas línguas utilizam essa definição para
designar a língua, como é o caso dos francos. 5 O multilinguismo sempre foi a regra anterior ao surgimento das nações.
14
constituirá, assim como outros elementos6, no símbolo maior e fundamental da construção de
uma identidade coletiva.
2 - Breve histórico colonial
Para compreender o cenário linguístico atual do Magrebe e as políticas linguísticas
mais recentes adotadas pelos governos dos três países, é necessário fazer uma breve descrição
do que foi o período colonial francês na região do começo do século XIX até meados do
século XX. O primeiro território a ser ocupado foi o que conhecemos hoje como Argélia. Sua
conquista se iniciou no reinado de Charles X, em 1830, e finalizada pelas tropas de Napoleão
III, em 1870. O território foi integrado como um département aos domínios franceses, o que
dava ao país e aos seus habitantes o status de cidadãos da República Francesa. Em seguida, o
território Tunisiano foi colonizado em 1881, assim como o território Marroquino, conquistado
em 1912. Ambos ganharam o status de protetorados franceses, a partir de um acordo entre
lideranças locais e o Estado francês, permitindo certo grau de “liberdade” administrativa não
experimentada pelos argelinos. Este fato será importante não só pelo tipo de processo de
independência que acontecerá mais tarde, mas também para a construção de diferentes
representações dos projetos de identidades nacionais da região. A independência aconteceu
em meados do século XX: Tunísia e Marrocos alcançaram sua autonomia em 1956 e a
Argélia, em um processo muito mais violento e doloroso, conquistou a sua liberdade em
1962. A partir de então, o domínio do colonizador e todas as representações e as identidades a
ele ligadas, precisaram ser desconstruídas para dar lugar a outras novas que redefinissem a
ideia do que é ser tunisiano, marroquino e argelino.
6 A religião, o território e o grupo étnico também podem ser identificados como símbolos fundadores da nação.
15
A língua teve um papel histórico importante na empreitada colonial, mostrando que a
dominação pela força não é suficiente para garantir a conquista. A dominação linguística e
colonial da França afetou mais fortemente a Argélia do que a Tunísia e o Marrocos, pois a
dominação daquela foi mais longa e violenta, mas o que tão pouco significou um
afrouxamento das relações e das políticas para os outros dois países. A diferença está no grau
da intervenção e não na natureza do problema. O francês se tornou por decreto a língua oficial
da Argélia, marginalizando e eliminando a língua árabe e o ensino desta. A língua árabe e seu
referente o islã eram vistos pelo Estado francês como um sinal de resistência contra o projeto
colonial, sendo o árabe declarado como língua estrangeira em 1938. A permanência do ensino
do árabe foi permitida na Tunísia e no Marrocos, mas nos três países a língua oficial,
econômica, educacional e administrativa era o francês.
A política linguística colonial francesa era bem diferente da britânica, que permitia o
ensino das línguas maternas nas escolas da colônia - o que também não marca uma ação de
solidariedade ou respeito, mas sim um distanciamento carregado de preconceitos em relação
ao colonizado. A política linguística francesa era a de uma língua única ensinada na escola e
utilizada nos setores oficiais, sendo as outras línguas consideradas negativamente como
falares, patois, folclores, elementos de desintegração da unidade da República, etc. Esta
visão é muito anterior ao período colonial imperialista, criada e implementada como política
dentro da própria França a partir da Revolução Francesa, que para manter a sua unidade como
unidade política, proibiu o uso das línguas e variantes regionais e institucionalizou o francês
falado pelas suas lideranças como a língua única da República. No Magrebe, o árabe clássico,
língua símbolo da identidade cultural magrebina, foi considerado perigoso ao projeto colonial,
diferente do árabe dialetal que não possuía uma norma estabelecida e consolidada, sendo
considerado muito mais uma língua vulgar falada. Para o berbere, língua de algumas
comunidades na Argélia e no Marrocos, também dominada anteriormente pela colonização
16
árabe, era visto como um aliado estratégico do francês na tentativa de suprimir o árabe
clássico.
O francês foi investido de uma dupla função de superioridade: ele era a língua
dominante, oficial e única, além também de ter a função simbólica de distinção cultural e
social para as elites, sobretudo ao que diz respeito à escolarização. Segundo estudos (JERAD,
2004, p. 528), em 1930, a taxa de escolarização da população era de 6,6% na Tunísia, 5,90%
na Argélia e 1% no Marrocos. Jerad critica a ideia de que o Estado francês desejava fazer da
sua língua a língua materna dos magrebinos, pois a educação era vista como algo perigoso à
colonização, sendo reservada somente para as elites. Existia, no momento das independências,
uma taxa de 80% a 90% de analfabetismo. A alienação cultural e linguística foi apontada
como produto dessa dominação e da desvalorização da cultura dos colonizados e de suas
identidades.
Logo após a independência de Tunísia, Marrocos e Argélia, era necessário reconstruir
a identidade da região com elementos que eliminassem a presença colonial. Para tal fim, o
árabe clássico, que já era um símbolo de resistência, e o islã se fixaram como ícones na
identidade nacional magrebina.
Ao final do período colonial, muitos territórios elegeram a língua do colonizador como
língua oficial, pois suas comunidades eram multilíngues e coube à língua dominante o papel
de uma coesão linguística, como citado anteriormente. Entretanto, os três países magrebinos
seguiram por um caminho oposto ao excluírem o francês de seus discursos oficiais,
classificando-o como língua estrangeira, apesar de ser amplamente utilizado nas relações
cotidianas, na educação e na administração pública. Ainda pior, foi a exclusão das línguas
maternas dos magrebinos: o árabe dialetal e o berbere. Podemos perceber que apesar de
optarem pelo árabe como língua oficial e nacional, cada país seguiu com políticas linguísticas
17
diferenciadas. A Argélia foi o país que mais se empenhou em campanhas de arabização, que
ao fim, não se mostrou eficaz, pois até hoje os conflitos linguísticos permanecem.
3 - O cenário linguístico magrebino contemporâneo
Para introduzir a descrição linguística da região, faz-se necessária a apresentação de
alguns dados oficiais que nos indicam a configuração da população nos três países em
questão, além dos níveis de escolaridade e de acesso às línguas aqui estudadas. Vale lembrar
que o modelo escolar está fundamentalmente baseado no modelo francês, mas tendo como
estrutura pré-escolar instituições coranicas.
A Tunísia possui uma população de um pouco mais de 10, 5 milhões de habitantes7,
onde 65,9% da população moram em áreas urbanas. O último censo, realizado em 2004,
indica que quase 2 milhões de habitantes são analfabetos, na sua maioria mulheres8. O sistema
educativo tunisiano é dividido em três etapas: um ciclo de base (subdividido em dois níveis),
além do nível secundário e o nível superior. O mesmo censo nos informa que 37% da
população possuem o primeiro ciclo completo e 32% o segundo ciclo completo ou o
secundário, e apenas 7,9% possuem nível superior. Dados mais recentes do mesmo instituto
de pesquisa nos mostram que a Tunísia conta com 13 universidades públicas em todo o país e
revelam que no período de 2010-2011 se formaram no nível universitário 60.613 mulheres
para 35.660 homens9. O francês é ensinado na escola desde o primeiro ciclo, juntamente com
o árabe clássico, porém aparece na grade escolar mais tardiamente como língua estrangeira.
7 Institut National de la Statistique - http://www.ins.nat.tn/indexfr.php (acessado em 6 de dezembro de 2011).
8 Idem 5 Ŕ Mesmo na capital Túnis, o número de mulheres analfabetas se mostra consideravelmente superior,
sendo contabilizado um total de 37.275 homens analfabetos para 85.654 mulheres. 9 Há um claro desequilíbrio entre homens e mulheres nesses dados, o que pode levar a consequências desastrosas
a curto prazo para o país.
18
O Marrocos possui uma população de um pouco mais de 29 milhões de habitantes10
,
em que 58% moram em área urbana. A taxa de analfabetismo é de 43%. Do grupo de
indivíduos escolarizados, 50% possuem o ciclo básico, 21% o secundário e apenas 7,5%
possuem o nível superior. O ensino do francês também aparece já no primário, posteriormente
ao do árabe. Assim como na Tunísia, a língua é ensinada como língua estrangeira ao lado do
inglês.
A Argélia tem 36 milhões de habitantes11
, sendo 66% habitantes de área urbana. A
taxa de alfabetização é de 73%.12
Número relativamente alto se comparados aos outros dois
países, o que demonstra o caráter mais contundente da política de arabização, sobretudo na
educação, implementada pela Argélia, após sua independência da França em 1962. O sistema
de educação argelino pode ser dividido em fundamental (3 ciclos), secundário e superior. Em
2005, o país tinha em torno de 6,5 milhões de indivíduos inscritos no nível fundamental,
caindo para 1 milhão no nível secundário e somente 750 mil inscritos no nível superior dentre
graduação e pós-graduação. O país conta com uma infraestrutura de um pouco mais de 50
instituições públicas de nível universitário. O francês é ensinado nas escolas juntamente com
o árabe, mas só aparecerá a partir do 3º ano do ciclo básico.
3.1 Ŕ A língua árabe
Definir o que é a língua árabe é tarefa difícil. Entretanto, não se pode pensá-la como
uma língua única a qual partilham milhares de pessoas no mundo, muito menos associá-la
somente ao Islã. No caso magrebino, trabalharemos com os seguintes conceitos para com o
que chamamos de árabe:
10
Haut-Comissariat au Plan: http://www.hcp.ma/ (acessado em 6 de dezembro de 2011). 11
Office National des Statistique: http://www.ons.dz/ (acessado em 6 de dezembro de 2011). 12
UNICEF: www.unicef.org (acessado em 6 de dezembro de 2011)
19
Árabe clássico Ŕ chamado de Al-fusha. língua do livro sagrado do Alcorão,
representante das tradições e valores religiosos da cultura mulçumana, e , portanto,
essencialmente escrita. Língua distante da realidade linguística das populações
magrebinas (equivalente à relação Latim-Português). O árabe clássico é o árabe
ensinado na escola, o que nos leva a dizer que, de fato, é a primeira língua
estrangeira encontrada pelo aluno na vida escolar.
Árabe standard moderno – Também podemos encontrar a expressão árabe
literário. Variante “simplificada” do árabe clássico. Essencialmente escrita, além
de funcionalmente e linguisticamente diferente da língua do Corão. Podemos
considerá-lo como uma variante de prestígio, assim como o clássico, mas que não
traz consigo as relações religiosas atribuídas àquele. Suas inflexões são
simplificadas, apresentando alguns empréstimos lexicais de línguas estrangeiras,
assim como pouca inovação comparada ao árabe dialetal.
Árabe dialetal – Língua materna das populações magrebinas e segunda língua das
comunidades berberes. É a língua do dia-a-dia, falada na rua e em casa,
caracterizando-se como essencialmente oral. Esta variante não possui uma norma-
padrão definida em todo o mundo árabe. O árabe dialetal marroquino não é
compreendido pelo árabe dialetal egípcio, por exemplo, tamanho o distanciamento
das variantes de país para país. Por isso, podemos falar em “árabe tunisiano” ou
“língua tunisiana”. É esta variante que dará conta da maioria das representações
identitárias dos grupos em questão.
A língua árabe é o maior exemplo do conceito de diglossia, amplamente discutido por
linguistas ao longo dos anos. Palavra que vem do grego “διγλωσσία” (diglossía) Ŕ “di”, que
significa dois e “glossia”, que significa língua. Um dos primeiros a trabalhar com o conceito
20
foi o linguista e arabista francês William Marçais em 1930, inspirado no modelo alemão. Para
ele, a diglossia é a concorrência entre uma língua escrita e codificada e uma língua vulgar
geralmente oralizada. Duas variantes que disputam espaço de realização. Em 1959,
Ferguson13
, retomará o conceito de diglossia para se referir à língua árabe. Ele define
diglossia como um fenômeno em que uma variante alta e uma variante baixa coexistem, no
caso, o árabe clássico e o árabe dialetal. A primeira é “alta”, pois está normatizada e
codificada, associada ao Corão, além de ser a língua da tradição literária. A segunda é
“baixa”, pois não é normatizada e codificada, fazendo parte das relações práticas do cotidiano.
A diglossia no Magrebe é anterior à colonização francesa. Na verdade, a região sempre
conheceu uma realidade multilíngue, com a presença secular e marcante de outras línguas, tais
como o italiano, o espanhol, o maltês e a língua franca. Esta última era utilizada,
principalmente, como língua de comércio em toda a extensão do mediterrâneo. As variedades
de árabe e as línguas berberes há muito já coexistiam antes mesmo da chegada dos franceses.
O que se discute atualmente, é que a língua árabe não teria apenas duas variantes em
concorrência, o que podemos verificar é um estado de triglossia e até mesmo de quadriglossia
da língua árabe. ENNADJI (2005) propõe as seguintes variantes para o árabe: clássico,
standard moderno, dialetal e uma variante oral acadêmica, que ele chama de “Educated
Spoken Arabic14
”. As três primeiras foram aqui anteriormente apresentadas. A quarta variante
consistiria em uma variante alta coloquial que emergiu no espaço entre o árabe standard e o
falar dialetal, sendo utilizada por intelectuais em situações mais informais, como em debates e
entrevistas na rádio e na televisão, além de ser verificada nos discursos acadêmicos. Ela é
essencialmente utilizada na fala, mas com um grande vocabulário e expressões do árabe
standard.
13
Discussão publicada em artigo clássico de Ferguson - Diglossia - Word 15: p.325Ŕp.340, 1959. 14
Ennadji (2005) foca suas reflexões no caso marroquino, mas deixa claro que o quadro apresentado pode ser
expandido ao cenário linguístico da Tunísia e da Argélia.
21
3.1.1 Ŕ Variante clássica
O árabe clássico é uma língua aprendida na escola e essencialmente escrita. Variante
de alto prestígio, também pode ser encontrada na literatura clássica árabe, na poesia e nas
antigas gramáticas, simbolizando um conjunto de valores, histórias e tradições da cultura
árabe-mulçumana. A variante clássica é altamente associada aos valores religiosos, sendo a
língua “utilizada por Deus para falar com os mulçumanos” (SANNEH, 1989 in ENNADJI,
2005):
“The author of the Qu‟ran, wich is God, thus came to be associated with its
speech, so that the very sounds of the language are believed to originate in
heaven... Consequently, Muslims have instituted the sacred Arabic for the
canonical devotions …”15
Língua usada como referência pelos nacionalistas nos movimentos de independência e
também no período pós-colonial como base para os novos projetos de nação. O ensino do
árabe clássico foi a o carro-chefe do projeto de arabização que desejava pôr fim a qualquer
presença deixada pelo colonizador. Com isso, foram organizados grandes programas de
educação gratuita e massiva, em que a variante clássica representava a consciência nacional e
promovia a unidade dos países da região. Atualmente, apesar de todos os esforços pelo seu
ensino, muitos magrebinos não têm domínio desta variante de prestígio. Os seus
conhecimentos são apenas passivos em relação a essa língua. O contato com o árabe clássico
se dá muito mais através dos discursos religiosos, não sendo capazes de escrever em árabe
clássico, ou se comunicar com proficiência. Algumas razões são apontadas como causa
(ENNADJI, 2005, p.53):
1) As vogais estão geralmente ausentes da escrita;
15
Tradução nossa: “O autor do Corão, que é Deus, passou a ser associado com sua língua, de forma que se
acredita que os sons dessa língua são originários do Céu... Consequentemente, os mulçumanos instituíram o
árabe para devoções canônicas”.
22
2) Ela é uma língua aprendida na escola e usada apenas em sermões, cerimônias
religiosas e nos discursos formais do governo;
3) O árabe clássico tem uma morfologia e uma estrutura rígidas, caracterizado por vários
casos de flexão.
O árabe clássico é a língua que funcionou como língua de unidade e solidariedade no
período pós-colonial, solidificado político, social e culturalmente. Entretanto, não é a
língua materna da população de cultura árabe, muito menos de cultura berbere. Todos têm
que aprendê-la na escola a fim de atingir um grau de proficiência.
3.2 Ŕ A língua berbere
A língua berbere foi reconhecida pelos governos de Marrocos e Argélia apenas muito
recentemente, sendo incluída nas constituições como língua cooficial. Originalmente, o termo
berbere tinha um sentido pejorativo, pois servia para designar povos de cultura e línguas
diferentes pelos gregos, que os consideravam bárbaros e não civilizados. Atualmente, o
aspecto negativo da palavra perdeu força, representando todas as línguas e culturas berberes.
Entretanto, temos ainda o termo Amazigh ou Tamazigh para dar conta da definição dessa
cultura, que na própria língua significa “homens livres”. Cada região onde encontramos o
berbere também costuma dar nomes à variante falada no local, como por exemplo na região
da Cabília, na Argélia, onde a língua berbere tem o nome desta região - língua kabyle.
Os falantes de berbere geralmente são multilíngues com o par berbere-árabe16
ou ainda
o trio berbere-árabe-francês. Os casos de monolinguismo só podem ser encontrados em
comunidades rurais isoladas ou crianças pequenas, onde a escolarização não alcançou essas
16
55% dos Berberes marroquinos são bilíngues. (ENNADJI, 2005)
23
populações. Para uma criança berbere, a escolarização é um grande choque cultural, pois ao
entrar em sala de aula, as línguas utilizadas pelos professores serão o árabe dialetal ou
standard, e ainda o francês. Sua língua materna não tem representação no processo escolar.
O mundo berberofone é extenso. Segundo (ENNADJI, 2005, p.72), o Marrocos
contabiliza 15 milhões de falantes de berbere; a Argélia conta mais de 6 milhões;
encontramos ainda 1 milhão de falantes entre Líbia, Mali e Niger. Algumas populações
isoladas no Egito, região de Siwa, somam em torno de 30.000 berberofones, ainda 100.000 na
Tunísia e 10.000 na Mauritânia. Apesar da expansão do árabe na região ao longo dos séculos,
as línguas berberes se mantiveram vivas por conta do isolamento cultural de muitas
comunidades, que têm como característica o fato de morarem em montanhas, longe dos
centros urbanos.
24
Mapa da distribuição berbere no norte da áfrica. Fonte: Le monde diplomatique em 1º de dezembro de 1994.
O berbere é uma língua estritamente oral, não possuindo uma norma-padrão
institucionalizada. Todavia, desde seu reconhecimento como língua reconhecida pelos países
magrebinos, a fim de ensiná-la nas escolas, o alfabeto histórico berbere17
foi resgatado para a
sua codificação. Este fato gerou debates e dúvidas sobre a pertinência do uso desse alfabeto
na vida contemporânea e seus diversos suportes de escrita. Os textos contemporâneos, e
mesmo os mais antigos, em berbere são geralmente escritos com o alfabeto árabe, o alfabeto
17
Trata-se do alfabeto Tifinagh. Ver anexo.
25
fonético internacional ou em caracteres latinos. A discussão gira em torno da problemática da
identidade cultural e linguística. O alfabeto berbere resgataria e afirmaria a identidade dessas
comunidades por tão longo tempo oprimidas, entretanto não seria produtivo em suportes
modernos como a Internet ou aparelhos de comunicação. Outra discussão é a dificuldade no
processo de alfabetização de crianças berberes, que teriam que aprender 3 sistemas de escrita
completamente diferentes: a escrita Tifinagh, a árabe e a latina para o francês. Se a escrita
árabe fosse utilizada para a codificação do berbere, poderia configurar numa continuação do
estado de opressão dessa cultura, assim sendo também se adotassem a escrita latina. A escrita
latina apresenta a seu favor o fato de ser uma escrita internacionalmente difundida, o que
poderia permitir ao berbere, segundo a visão de alguns críticos, maior força de
reconhecimento e status.
Podemos observar a língua berbere sendo usada nas relações familiares, no campo, nos
pequenos comércios, nas canções, na literatura oral e na poesia. Entretanto, ENNADJI (2005,
P.76) aponta um recuo desse espaço exclusivamente berberofone, especialmente nas áreas
urbanas, o que estaria mudando as atitudes linguísticas dos indivíduos, que estão se
expressando cada vez mais em árabe dialetal do que em berbere. Este fato estaria
transformando as relações linguísticas, evidenciado por uma menor fluência no idioma pelas
crianças e jovens. Por isso, a grande luta pelas associações pró-berbere pela implementação
do ensino da língua nas escolas e pela valorização de seu status dentro da sociedade. A língua
berbere é vista como a língua de minorias, apesar da sua população expressiva, ou ainda,
como língua atrasada, pois não é usada no setor financeiro, na mídia, nas ciências, na
tecnologia ou em outros setores que caracterizam a modernidade. O que a faz ser tratada
como um “dialeto” menor e não como a língua de muitos. A falta de prestígio faz com que
muitos pais não a usem com seus filhos, prejudicando assim sua transmissão. O berbere
compete na oralidade com o árabe dialetal, sobretudo nas áreas urbanas, pois as duas línguas
26
são usadas nas relações familiares e em situações informais. Diferentemente do árabe
clássico, standard ou do francês que são línguas associadas ao mundo da escrita, cumprindo
funções sociais muito distintas.
Existem pelo menos 10 variedades de berbere, incluindo variantes em que não existe
intercompreensão, devido às suas distâncias geográficas e a falta de um sistema de escrita
único que poderia facilitar a comunicação entre elas. Apesar de possuir muitos empréstimos
do árabe dialetal, os sistemas fonológicos e morfossintáticos das duas línguas são muito
distintos. Podem-se verificar também muitos empréstimos lexicais do francês e suas
respectivas adaptações ao quadro fonético berbere.
Atualmente, os objetivos principais das associações em defesa do berbere são o de
elevar o status da língua ao de língua nacional, e não apenas cooficial, além do movimento de
codificação e normatização de uma variante padrão para o ensino do berbere nas escolas para
as gerações que já estão perdendo o contato com a língua materna de seus antepassados. Estas
associações podem ser encontradas tanto no Maghreb quanto na França18
.
3.3 Ŕ A língua francesa
No período colonial, a língua francesa era o único idioma oficial do Magrebe. Para
atender aos seus interesses, as lideranças imperialistas trouxeram funcionários para suprir a
demanda linguística de suas atividades. Em seguida, implementaram um sistema educacional
idêntico ao modelo do país colonizador para educar uma estrita elite magrebina, que assumiria
esse papel. A maioria da população continuaria analfabeta e sem acesso à escolarização.
Após a independência, o árabe clássico passou a ser a língua única oficial e o francês
ocupou a função de uma língua segunda. Seu status real não era e não é (atualmente) o de uma
18
Alguns sites de referência: http://www.acbparis.org/ (Association de Culture Berbère)
http://www.cbf.fr/ (Réseau citoyen des Associations Franco Berbères)
http://www.mondeberbere.com/ (Monde Berbère)
27
língua somente estrangeira, pois são atribuídos a ela papéis extremamente funcionais dentro
da sociedade magrebina. O francês ocupa um lugar de prestígio na mídia, na educação e na
administração, sendo relevante cultural e economicamente. Na administração pública
concorre com o árabe standard, sobretudo, na escrita.
O contato de línguas no Magrebe permitiu que o francês utilizado na região ganhasse
características próprias. Em contrapartida, o francês do bon usage e elitista também
permaneceu como um modelo de prestígio e conservadorismo. BENZAKOUR (2010), propõe
uma descrição de 3 tipos de francês19
, que expressam as diferentes camadas sócio-econômico-
culturais da região: francês basiletal, francês relativo à elite e francês mesoletal. Assim como
as variedades de árabe e berbere apresentadas anteriormente, a língua francesa não escapa à
regra. Em um contexto multilíngue, onde o contato linguístico é uma constante, a variação
também se fará fortemente presente.
3.3.1 Ŕ O francês basiletal
O francês é caracterizado como uma língua da escola, pois é através dela que ele será
ensinado e veiculado. Sendo a escola uma instituição de caráter muito mais urbano, muitos
indivíduos não tinham acesso ao ensino do francês. Entretanto, isso não significava que a
língua francesa não estaria presente em suas vidas, o que lhes obrigava um esforço
comunicativo nessa língua. Após algumas décadas, é reconhecida pelos linguistas, uma
variedade de francês aproximativo com fins comunicativos falados por arabófonos que
tiveram acesso à escolarização. Esta variedade se apresenta muito limitada em termos
funcionais e ainda muito reduzida dentro da dinâmica das trocas sociais.
19
Para outra proposta de descrição do francês no Magrebe, ver ENNADJI, M; (2005). O autor propõe uma
descrição semelhante a de BENZAKOUR (2010), mas com ênfase na formação educacional da população.
28
3.3.2 Ŕ O francês relativo à elite
O francês relativo à elite se caracteriza como o francês considerado de “qualidade”,
aprendido pelas elites magrebinas através de uma educação em escolas de regime francês ou
nas escolas da própria França. Variante de prestígio falada por uma elite urbana que vive em
francês: viagem de férias na França ou em países francófonos, acesso aos canais franceses
pela televisão paga, acesso às mídias francesas e leitura de publicações em francês (jornais e
livros).
Esta variante está presente no mercado de trabalho moderno, nas diretorias de
empresas privadas ou é a língua dos gestores públicos, sendo também a língua que veicula os
conhecimentos científicos e as novas tecnologias. Ou seja, somente uma pequena parcela da
população tem acesso a essa variante do francês, ainda mais que, para atingir sua proficiência,
exige do indivíduo um investimento intelectual e financeiro muito grande para os padrões da
maior parte da população. Apesar de seu prestígio, podemos perceber sua marginalização na
sociedade magrebina. Primeiramente, por não se tratar de um bem coletivo. Outro fator que
contribui para a sua marginalização é o acesso, cada vez maior, de uma classe trabalhadora
urbana à educação superior, e consequentemente ao ensino da norma-padrão da língua
francesa. Esta variante está muito restrita a uma minoria da população.
3.3.3 Ŕ O francês mesoletal
Esta variante do francês é marcada essencialmente pelo evento do contato linguístico
entre o francês e o árabe, onde podem ser notados empréstimos lexicais do árabe, sotaques
próprios e neologismos que expressam particularmente referências da cultura magrebina. Ela
é amplamente utilizada pela imprensa e pelos indivíduos que trabalham em francês. A
29
evidência forte de sua existência pode ser comprovada através da publicação de uma circular
no diário oficial do Marrocos, em que o governo exige dos seus setores administrativos a
utilização, nas correspondências internas e externas dos ministérios, unicamente, da língua
árabe. Entretanto, as trocas informais acontecem em francês, e as formais, apresentam
constantemente um bilinguismo francês mesoletal-árabe moderno.
3.4 Ŕ A relação francês-árabe
O francês da norma-padrão e o árabe clássico são aprendidos por minorias, pois são
línguas aprendidas na escola. Elas concorrem no espaço da escrita, possuindo funções
similares neste aspecto, mas se constituem como línguas ideologicamente divergentes. O
árabe clássico é a língua da literatura antiga e da religião, marcada pelo livro sagrado do
Corão. O francês, como já dito, é a língua que expressa a modernidade.
O sistema de escolarização privilegia o ensino do árabe clássico, enquanto as empresas
privadas destacam como língua de uso o francês, o que acarreta problemas para os indivíduos,
sobretudo, migrantes das áreas rurais e que desejam encontrar emprego nas cidades. O
confronto dessas práticas linguísticas evidencia mais uma vez as funcionalidades das duas
línguas nessas sociedades, além das ideologias em disputa - conservadorismo x modernidade.
Na educação ocorre o mesmo embate, sendo geralmente o ensino das disciplinas científicas
em francês. O fator econômico também influencia as relações aqui apresentadas, pois a
França é o maior investidor em cooperações educacionais, científicas e tecnológicas no
Magrebe.
O francês tem espaço privilegiado no mercado linguístico magrebino, pois sua
presença é efetiva em vários setores da sociedade. Outros fatores contribuem para sua
expansão, como a relação entre os imigrantes e seus descendentes em países francófonos,
30
principalmente a França, mantendo constantes trocas econômicas e sociais entre os países em
questão. Na França, há mesmo uma modalidade de francês falado nomeada “beur”, que em
língua popular significa árabe ao contrário, com cultura própria, produção de música e filmes,
que muito influencia os jovens no Magrebe.
No caso marroquino, os canais pagos de televisão francesa são extremamente
populares em várias cidades do país. Ou seja, os novos meios de comunicação e
telecomunicação permitem também outros espaços para a presença da língua francesa nas
sociedades magrebinas.
32
LÍNGUA E NAÇÃO
4 - Do Génie des langues às Comunidades Imaginadas: a relação entre língua, nação e
Estado.
Para se discutir a relação contemporânea entre os conceitos de língua, nação e Estado,
é interessante buscar a sua origem ao longo do tempo, investigando como a concepção de
língua sempre esteve muito relacionada aos grupos sociais, às suas práticas políticas e à
identificação dos indivíduos com suas comunidades. As definições do conceito de nação e do
conceito de Estado também serão discutidas neste capítulo a fim de melhor entender a
construção de um projeto de identidade nacional pelos países, principalmente ao longo dos
séculos XIX e XX na Europa ocidental.
Inicialmente, será apresentado o conceito de génie, termo francês para designar uma
essência própria e inata às línguas e que se manifestaria através de suas estruturas como um
conjunto de características estéticas e morais particulares.
Em seguida, os conceitos de nação e Estado - e suas práticas através da relação Nação-
Estado- serão estudados na tentativa de compreender sobre que discursos os Estados elaboram
seus projetos de nação e como e por quais meios se dá a construção das identidades nacionais.
Por fim, a discussão será aplicada ao estudo de caso aqui investigado, com o objetivo
de entender como os países magrebinos desenvolveram seus projetos de nação pós-coloniais e
quais os papéis atribuídos às línguas árabe, berbere e francesa nesse contexto.
4.1 Ŕ A ideia de um “génie” e a concepção de língua
No século XIII, o escritor Dante Alighieri já evocava em seus escritos a existência de
um caráter essencial às línguas, algo que lhes seria próprio e individual. Ele buscou entre os
33
muitos “falares vulgares” italianos o que poderia, na sua opinião, representar o papel do que
chamou de “vulgare illustre20”, o falar do povo que bem configurasse características muito
particulares e essenciais da sua gente. O Latim Clássico nessa época ainda era a língua da
cristandade ocidental e de prestígio, entretanto já perdia força e espaço para os chamados
“falares vulgares”, oriundos de um latim “mal falado” por aqueles que não faziam parte de
uma restrita elite intelectual. Apenas no Renascimento é que a individualidade das línguas
será um tema mais investigado e discutido, ganhando forma a ideia de idioma. Esse período
humanista se interessará pelas diferenças culturais entre os homens e novas camadas sociais
que não falavam o Latim começarão e também escreverão em língua vulgar e materna. Uma
perspectiva completamente nova na época, representando uma grande mudança do ponto de
vista linguístico e social. A Europa ainda se confrontará com novas realidades linguísticas e
coloniais encontradas nas Américas e na Ásia com as grandes navegações.
Nesse período, a individualidade das línguas ou “idiomas” será configurada como um
conjunto de qualidades estéticas e morais. Ao latim clássico estavam relacionados os valores
de nobreza, clareza, beleza, honestidade e graça. Du Bellay, em seu livro “vulgarisme
humaniste”21
, diz que as línguas possuem um je ne scay quoy (je ne sais quoi22
),
considerando a língua francesa a primeira língua vulgar à qual seria atribuída uma
personalidade particular e qualidade estética superior ao mesmo tempo. A expressão génie de
la langue só entrará em vigor no século XVII, fazendo sua primeira aparição em um discurso
na Academia Francesa, recentemente fundada, em 1635. O termo génie, empréstimo latino,
designa uma qualidade espiritual inata e uma criatividade particular da língua e não própria
aos seus locutores.
20
TRABANT in: MESCHONNIC, 2000. 21
Idem nota 4 22
Tradução nossa:“Um não sei o quê”.
34
Até então o génie de uma língua era tratado somente como uma impressão de
intelectuais, mas na primeira metade do século XVII, Condillac, filósofo francês, introduz o
tema através do discurso científico, tentando capturar a essência da língua de maneira objetiva
e estrutural, desejando dar fim à abstração e à impressão que representavam o termo e precisá-
la linguisticamente. John Locke também discursou sobre o assunto, considerando que a língua
influenciaria nosso modo de ver o mundo e, como filósofo, deveria “lutar” contra esta nuvem
que encobre os olhos diante da “verdade universal”. Condillac não se deixa influenciar por
esses dois discursos em vigor na época - o conceito impreciso de génie e as inquietações
filosóficas em busca da verdade Ŕ e decide investigar objetivamente o conceito. Ele tenta mais
claramente definir o lugar linguístico do génie de uma língua e explicitar quais traços
permitiriam reconhecer a sua individualidade. O discurso em vigor na época atribuía à língua
francesa qualidades tais como doçura dos sons, claridade dos conceitos e das construções
sintáticas e a vivacidade de estilo. Condillac tentou definir mais precisamente o lugar
estrutural do génie, argumentando que ele estaria dividido em duas partes: na sintaxe das
frases (sua organização) e, sobretudo, na semântica, cada língua teria em particular uma
combinação de ideias que a diferenciaria das outras. Suas conclusões não nos apontam
definições contundentes, mas se mostraram um marco decisivo para com uma objetivação
mais linguística sobre as línguas a partir de um caminho mais descritivo de suas estruturas das
línguas. Tema esse que será caro ao linguista alemão Humboldt no século XIX.
Humboldt, por sua vez, preconizou o estudo de todas as línguas do mundo a fim de
melhor conhecer o espírito humano, pois a investigação da riqueza da alma humana, ao
contrário do que pensava Locke, seria condição para se descobrir a verdade. Ou seja, visões
variadas do mundo nos levariam ao conhecimento da verdade universal.
A ambiguidade da ideia de génie - condição natural ou condição cultural Ŕ foi
estabelecida por ele em dois termos, que são: personalidade da língua e estrutura da língua. A
35
personalidade consistiria em uma individualidade misteriosa. A estrutura, termo utilizado
também pelos linguistas modernos, é descritiva, a fim de se atingir a personalidade. Mas ela
também teria algo de natural, pois a organização dos termos e das frases obedece a leis
autônomas. A língua se impõe forte às gerações como um conjunto de leis e padrões que os
indivíduos herdam da coletividade. Mas mesmo sendo uma herança do grupo social, da nação,
o falante pode mudar a língua que fala, podendo ir contra esta força de imposição. Para
Humboldt, esse confronto com a força da língua do grupo social é que daria personalidade a
ela, como acontece com os escritores e seus grandes textos, os filósofos e os cientistas. O
confronto não cria abismos, mas sim uma ação recíproca entre o indivíduo e esta força. Por
isso, Humboldt diz que a estrutura é o aspecto exterior da língua e a sua personalidade é
interna, sendo a gramática e o dicionário somente “o seu esqueleto morto”. Assim, para ele, a
língua só é viva no seu uso, o que lhe dá personalidade. O objetivo maior do estudo das
línguas seria os textos literários, dividindo as investigações em dois domínios: a linguística
(para as línguas vivas) e a filologia (para as línguas mortas), nascendo então uma visão um
pouco mais próxima das áreas de estudos linguísticos que temos hoje. Entretanto, a tônica da
Linguística do século XIX foi o trabalho histórico-comparativo entre línguas, descrevendo-as
e classificando-as a partir de seus traços estruturais comuns, construindo famílias genéticas
como a das línguas indo-europeias, diferentemente do trabalho de busca do que era peculiar e
próprio às línguas. A busca pelos traços individuais começou a ser vista como um trabalho
subjetivo e pouco científico.
O conceito de língua não é algo fácil de ser definido, pois muitos são os
questionamentos e pontos de vista sobre esta abstração que nomeamos “língua”. A primeira
observação a seu respeito sempre parte da condição de sua natureza dupla - biológico ou
cultura, fazendo-a um objeto de estudo tão complexo em que é difícil a separação do que é
sistêmico e linguístico do que é social, político, ideológico e cultural. Para entendê-la,
36
inevitavelmente fazemos um recorte dentro das suas infinitas complexidades e, assim,
atribuímos a este recorte uma personalidade, como afirma BAGNO (2011, p.357):
“Não há remédio: para se falar de uma língua, é preciso construí-la, fabricá-
la, forjá-la, dar um nome a ela, atribuir-lhe propriedades, características,
personalidade, índole. E esse é um trabalho empreendido não somente pelo
linguista, em suas pretensões de objetividade científica, mas também (e
talvez sobretudo) pelos falantes comuns, em suas práticas de higiene verbal,
de mitificação e mistificação coletiva dos bens simbólicos, de construção do
imaginário social acerca da própria cultura a que pertence e dos mitos de
origem que lhes dão raízes históricas e memória comum.”
Uma língua é sempre dinâmica, variável e flexível dentro da intimidade de uma
comunidade, sendo transformada em uma instituição digna de culto e adoração ao passar por
um processo de padronização, que a retira de seu estado “natural”. A construção de uma
norma-padrão é limitada, unificadora e homogeneizante, pois estabelece leis e códigos de
conduta, tendo por símbolos maiores a gramática e o dicionário, além da escola como
principal vetor de difusão. A partir disso, a língua em si é confundida com a norma-padrão,
perdendo o seu caráter variante e livre, identificando-se como algo exterior ao indivíduo23
.
A escolha da norma-padrão parte de critérios políticos que se ajustem ao projeto
político de uma sociedade, sendo geralmente a língua falada na região onde se concentra o
poder que ganhará status de língua oficial de um país. Ela será objeto de uma codificação,
tornando-se assim um construto social associado a um grupo e seu território. Ela também será
confundida com o vernáculo e será chamada de variante, mas em seu princípio está a
estagnação de um modelo de correção linguística que precisa ser seguido e adorado como
objeto. A sua relação com o poder é clara e evidente, sendo parte integrante e declarada de um
projeto político.
23
BAGNO (2011, p.360) apresenta a ideia de “hipóstase”, que tem por fundamento a atribuição de um caráter
concreto e objetivo a algo abstrato, configurando-se em um equívoco cognitivo. A língua construída passa a ser
vista como a própria língua.
37
“A relação entre língua e poder não se oculta, não se dissimula. Pelo
contrário, se declara explicitamente: „A língua sempre foi companheira do
império’ [...] o projeto da gramática é claramente político[...]”24
Línguas como o inglês, o francês e o alemão passaram por um alto nível de
padronização, extremamente idealizado. A padronização dificulta a compreensão de que
língua é algo muito mais fluido e instável do que se pensa. A cultura do monolinguismo é
resultado desse processo homogeneizador e vai de encontro com a necessidade da nação de
criar uma coesão identitária, através da legitimação da norma convencionada. MILROY
(2011,p. 76-77):
“[...] tenho de passar a considerar uma característica essencial da própria
ideologia Ŕ a necessidade de mostrar que a língua padrão é uma variedade
legítima da língua. É um dos aspectos mais interessantes da ideologia,
sobretudo porque essa legitimidade tem sido construída, não apenas por
meio do consenso na população geral, mas pelos esforços dos próprios
linguistas profissionais.
A valorização de uma variedade dita padrão leva necessariamente a desvalorização de
outras variedades, considerando-se a primeira legítima e a outras ilegítimas. Ao se associar a
norma-padrão ao Estado-Nação25
, o prestígio daquela será realizado através de uma
historicização. Atribui-se à língua uma história respeitável, uma ancestralidade, um continuum
ao longo do tempo, o que teria permitido o seu cultivo e lapidação. É imaginada também uma
pureza, evitando sua degradação-corrupção, sendo apenas os empréstimos aceitos para
mostrar o seu caráter “flexível”. É a partir dessas premissas, que o árabe será resgatado nos
projetos de nação pós-coloniais do Magrebe a fim de afastar toda a presença colonial francesa
e restituir, assim, uma cultura dita original. Como se esta não fosse passível de influências
geradas pelo contato linguístico-cultural no período colonial, ou mesmo ao longo de sua
existência.
24
BAGNO (2011, p.369) Ŕ o autor cita a gramática castelhana de Nebrija (1492) como exemplo de projeto
político na reconquista da península ibérica pelos espanhóis e na conquista de novas terras no período das
grandes navegações. 25
Relação que será discutida mais à frente.
38
A língua árabe se apresenta como um claro exemplo de confusão entre a norma-padrão
e a ideia de língua dinâmica e variável. O que chamamos de árabe está fundamentado na
língua escrita e no livro sagrado do islamismo (árabe clássico), não sendo a mesma língua da
vida prática dos indivíduos, e nem sequer a mesma de um país ao outro. A sua nomeação
como uma única língua faz parte da construção de uma identidade de uma irmandade árabe,
que se pensa como única, partilhando crenças e valores, apesar das enormes diferenças e
distâncias do ponto de vista linguístico. Quebrar essa visão é romper com uma unidade
política e com mitos de origem que fundam a nação.
As línguas em suas formas padrão foram configuradas ao mesmo tempo em que os
Estados-Nações também foram sendo criados, servindo como ligação entre os seus cidadãos e
como identidade para se diferenciar das outras comunidades.
4.2 - A formação do conceito de nação e de Estado
É necessário fazer a separação dos conceitos de Estado e nação e os diferentes sentidos
atribuídos aos dois dentro da tradição jurídica. LAGARDE (2008, p.70) define o Estado como
uma estrutura essencialmente administrativa operada em um dado território, sendo articulado
verticalmente Ŕ hierarquizado Ŕ e horizontalmente Ŕ extensão do poder a todos os domínios e
pontos do território. A nação se define sobre outra lógica. Ela é fundamentalmente uma
coletividade de indivíduos com a “vocação” de se organizar e assentada em um dado
território. Esta é uma visão bem clássica sobre o conceito, pois o assentamento em um
território não é regra geral. A palavra nação vem do latim natio, que está ligada também à
nascere, ou seja, sua essência tem a ver muito mais com uma ideia de filiação genética.
Ainda para LAGARDE, cabe ao Estado operar os diferentes dispositivos necessários
para a realização dessas características. O Estado se apresenta como a figura representativa
39
dos interesses da nação, de onde ele tira Ŕ segundo o modelo francês Ŕ sua legitimidade.
Assim, temos uma nação para cada Estado, ou seja, uma configuração da relação Nação-
Estado.
O autor também apresenta três tipologias possíveis de nação dentro da tradição
jurídica:
1) A nação política que repousa sobre a vontade política comum de partilhar um destino em
comum;
2) A nação cultural que se funda sobre a etnia, a cultura, a língua e pelas raízes comuns;
3) A nação jurídica que consiste na reunião de pessoas que estão ligadas pelo direito ao Estado.
A interação entre os três tipos geram quatro modelos possíveis:
A) Se as três definições coincidem, tem-se um Estado nacional coeso;
B) Quando a nação jurídica coincide com a nação cultural, mas não com a política, tem-se um ar
nacionalitário compreendendo mais de um Estado;
C) Se a nação jurídica e a política coincidem, mas não a cultural, tem-se um Estado plurinacional
que apresenta aspectos conflituosos;
D) Se a nação jurídica não coincide com nenhuma das duas outras, tem-se um estado
plurinacional estável.
Segundo o autor, as relações aqui apresentadas podem mudar de acordo com as dinâmicas
políticas internas de cada comunidade, não configurando assim em modelos estáticos.
Entretanto, podemos contestar as suas apreciações no que se refere à estabilidade e à coesão,
ou ainda à instabilidade em função da homogeneidade dos caracteres de um estado nacional,
pois os conflitos sociais, as lutas de classe nesse cenário e os antagonismos identitários foram
completamente ignorados. Na nossa visão, o Estado moderno deve ser o que garante o direito
à diversidade em suas múltiplas manifestações.
40
O caso magrebino poderia ser pensado a partir de dois modelos: Argélia e Marrocos se
aproximariam do caso C, pois apesar dos interesses políticos comuns desses países, pelo
menos dois grupos estão em conflito nos seus cenários linguístico-culturais Ŕ a comunidade
árabe e a comunidade berberofone. A Tunísia, como possui uma comunidade cultural e
política mais homogênea segue próxima ao modelo A, apresentando mais coesão na sua
tipologia como nação. Este modelo também se refere ao caso da França, em que a relação
Nação-Estado se presume finalizada.
O prestígio do Latim como língua sagrada e elitista começa a mudar verdadeiramente
a partir do século XVI, apesar de uma distinção já bem evidente entre um latim culto e aquele
usado na vida cotidiana ainda no Império Romano. Porém, a convergência de diversos fatores,
entre eles o da Reforma religiosa, contribuiu enormemente para que os vernáculos ganhassem
espaço, sobretudo na impressão dos textos sagrados e nos textos oficiais e administrativos.
Foi a tradução da bíblia para um falar médio, ou seja, para uma língua que fosse de fácil
leitura para uma grande parte dos potenciais leitores (com suas diversas variantes e
vernáculos) do mercado editorial europeu, que permitiu uma valorização e consolidação dos
falares ditos vulgares. A impressão de livros foi uma das primeiras empresas capitalistas de
grande sucesso na Europa ocidental. Em paralelo, desde o Renascimento, as monarquias
começam a utilizar os vernáculos nos escritos administrativos, mas essas línguas ainda não
tinham o caráter nacionalista que possuem hoje. A concepção de Estado Nacional só se
consolidará em meados do século XVIII e início do XIX. O declínio do latim como língua de
prestígio, os vernáculos que começam a ganhar terreno e a busca de um mercado mais amplo
de leitores influenciaram decisivamente a possibilidade de se imaginar a Nação. As
variedades de línguas começam a ganhar prestígio, tornando-se de extrema importância com a
expansão dos territórios.
41
No século XIX, com a nova configuração sociopolítica que se estabelece entre um
Estado central e seus cidadãos na Europa ocidental, aquele se servirá da língua para criar um
meio de aproximação e de pertencimento à Nação, assim como tomará decisões sobre a língua
para o que se refere à administração pública. Para isso, os Estados precisaram criar símbolos,
tradições, folclores que justificassem e alimentassem o sentimento de pertencimento à Nação
por seus habitantes. Assim, uma ampla generalização e unificação linguística foram realizadas
por alguns Estados europeus nesse período, sobretudo a França (modelo de inspiração),
através da opressão das variantes e línguas regionais e a imposição de uma língua única e
oficial que representaria a todos. A escola obrigatória foi o principal canal para a realização
desse processo, com a finalidade de expandir o bom uso da língua, permitindo o surgimento
de gramáticas e dicionários baseados na língua escrita, modelo de correção linguística.
Segundo BEREMBLUM (2003, p.41):
“A cidadania podia ser conquistada pela adoção da língua unificada,
nacional, oficial. Assim, a língua tornou-se um elemento essencial na
construção da nacionalidade”.
Na verdade, não era o uso da língua francesa que tornava a pessoa um francês, mas
sim a voluntariedade de utilizá-la, como uma atitude cidadã de pertencimento à Nação. Para o
cientista político Benedict Anderson, a nação é uma comunidade política imaginada, soberana
e limitada, consequência de uma visão capitalista editorial, onde a língua, assim como outros
fatores (território, religião e raça) será o ponto de coesão que sustentará o mito de uma
unidade (ANDERSON, 2002,p.57):
“nous pouvons dire que la convergence du capitalisme et de la technologie
de l‟imprimerie sur la diversité fatale des langues humaines a ouvert la
42
possibilite d‟une nouvelle forme de communauté imaginée qui, dans as
morphologie moderne, a crée les conditions de la nation moderne.”26
O autor cita Ernest Gellner, estudioso do nacionalismo, que acreditava que nações eram
inventadas onde elas não existiam. Entretanto, para Anderson, a palavra invenção pode
assimilar um sentido de falsidade, por isso sua preferência pelos termos “criada” e
“imaginada”. Ela é imaginada porque os seus membros acreditam estar conectados por uma
gênese e história em comum, criando assim a ideia de pertencimento e de uma identidade
nacional. A nação é limitada porque existem os limites físicos para além dos quais existe
outra nação, assim como nenhuma nação se imagina contígua a outra. Ela é imaginada
soberana porque nasceu em uma época em que a ideia do direito divino foi desconstruída pelo
Iluminismo e pela Revolução. E por fim, a nação é pensada como uma comunidade, pois ela é
sempre concebida como um grupo de pessoas que vivem e trabalham juntas de maneira
fraterna.
Para concluir, Anderson cita Ernest Renan27
, mais um estudioso do nacionalismo do
século XIX, que diz que: “Or l’essence d’une nation est que tous les individus aient beaucoup
de choses em commun, et aussi que tous aient oublié bien des choses.”28
Apesar de possuírem
um passado histórico comum repleto de história de disputas e conflitos, indivíduos de uma
mesma comunidade abandonam a memória social para se identificarem com algo considerado
maior: a nação.
Os projetos nacionais da era moderna trataram de criar uma coesão identitária,
sobretudo, através de uma língua unificada e normalizada, criando mitos fundadores que
justificassem e consolidassem os discursos sobre a identidade nacional. Identidade esta
26
Tradução nossa - Podemos dizer que a convergência do capitalismo com a tecnologia das técnicas de
impressão sobre a diversidade fatal das línguas humanas possibilitou uma nova forma de comunidade imaginada
que, na morfologia moderna, criou as condições da nação moderna. 27
in Qu’est-ce qu’une nation?, 1997. 28
Tradução nossa: “A essência de uma nação é que todos os indivíduos tenham muitas coisas em comum, mas
também que todos tenham esquecido muitas coisas”.
43
construída muito mais pela alteridade, pelas representações que se tem do outro que pelas
características de si próprio. Com efeito, podemos verificar os estereótipos associados às
línguas pelo senso comum, fundados sobre a ideia da existência de um gênio específico
natural a cada uma delas, como se acreditava no século XVII. Assim, o português seria uma
língua consistentemente barroca, com seus excessos estruturais; o francês extremamente
cartesiano, lógico ou a língua do refinamento e da elegância; já o alemão, antes considerado
língua exageradamente romântica por conta do lirismo de Goethe e de Schiller, atualmente,
após os horrores da segunda grande guerra, passa a representar uma língua agressiva e fria29
.
O termo berbere foi empregado pelos gregos para designar povos cujas línguas eram
incompreensíveis, por isso também conhecemos hoje a terminologia “bárbaros” associada aos
povos ditos “selvagens”. Entretanto, na língua berbere, “amazigh” quer dizer “homens livres”.
Hoje chega a ser inconcebível a concepção de um Estado sem território e sem uma
língua oficial. Aqueles que fogem à regra possuem uma situação considerada problemática.
Para isso nomeamos, por exemplo, a língua da Alemanha como “alemão”, a língua da França
como “francês”, o “italiano” da Itália, ocultando assim uma realidade linguística muito mais
variada e rica. Para cada nação, uma língua. A nação, a língua, a identidade de uma
coletividade começam e terminam nas fronteiras que as delimitam. Além delas, o que há é o
“outro”. Esta maneira de pensar a organização do mundo não corresponde à realidade
linguística que podemos observar através das inúmeras pesquisas que estão sendo realizadas
pela sociolinguística. A ideia de continua é muito mais plausível do que a concepção de
fronteira linguística, pois a variação não conhece limites físicos. O que acontece hoje é a
tendência de uma unificação de variantes que coincidem com as fronteiras do Estado
(GUISAN, 2009, p.24):
29
A mudança na representação da língua alemã começou já no pós-guerra de 1870, com a vitória da Prússia
sobre a França, e a unificação do Império Alemão.
44
“A unificação das variantes de uma língua em torno de uma norma aceita
como paradigma contribui, ao mesmo tempo, para definir fronteiras, áreas
linguísticas e, finalmente, países ou estados nacionais. Processo de
cristalização que servia perfeitamente as ambições do projeto de
reestruturação política, econômica e mental na Europa em tempos
modernos.”
Muitas línguas nacionais atuais europeias não existiam antes do século XIX, assim
como as nações, elas ganharam uma história “ancestral” com mitos fundadores das suas
origens, quando, na verdade, os seus surgimentos como idiomas são fatos bem mais recentes.
Segundo THIESSE (2001), uma língua nacional tem por função encarnar a nação,
assegurando uma comunicação horizontal e vertical no seu âmago, pois todos os cidadãos
devem compreendê-la e utilizá-la. Ela também deve dar conta da expressão de toda a
realidade, seja do passado, do presente e do futuro da comunidade, permitindo mostrar a sua
grandeza diante das outras nações. E, por fim, a língua nacional deve se confundir e mesmo se
enraizar na história profunda da nação e de seu povo. Sua escolha será arbitrária, podendo ser
formulada (inventada) a partir da escolha de variantes medianas do ponto de vista linguístico
e da intercompreensão comum, e também da relevância do status político e econômico a ela
atribuída.
A problemática da identidade nacional, como já citado anteriormente, pode já ser
identificada no Renascimento a partir das primeiras formações de Estados nacionais na
Europa, contudo não com os mesmos ideais do século XIX, passando ainda pela Revolução
Francesa e culminando na expansão desse modelo através das conquistas coloniais e também
dos processos de descolonização que se sucederam posteriormente.
Os discursos sobre a nação ao longo do século XIX, período de muitos debates sobre o
conceito, compartilham em comum a noção de que cada país tenha na composição da sua
nacionalidade a premissa de uma cultura tradicional e original Ŕ pode-se pensar aqui a
concepção de um génie des nations - proveniente de um passado perdido no tempo, mas com
um sentimento forte e contínuo ligando ao seu futuro. Ela sempre resulta da vontade de viver
45
junto, de uma história comum e de um pacto cujo conteúdo pode ser renegociado ao longo do
tempo. A identidade nacional é então a construção de um processo do imaginário coletivo.
Entretanto, como afirma THIESSE30
, as nações nesse período não possuíam ainda um
discurso oficial completo de suas historiografias. O resgate de um passado histórico, a criação
de folclores, símbolos, valores e tradições acontecerão mais tardiamente.
A identidade nacional consiste muitas vezes em um sentimento difuso e impreciso de
pertencimento a uma comunidade e as representações a ela associadas. Sentimento suscetível
de manipulações e paixões nacionalistas. GELLNER31
afirma que o nacionalismo deseja
construir um espaço nacional homogêneo no qual a cultura e a comunicação terão lugar
preponderante. Para tal fim, é necessária uma unificação linguística para a retirada de
obstáculos que atrapalhem a comunicação. Na verdade, não só a unificação linguística parece
ser um objetivo dos projetos de identidade nacional, mas também a homogeneização de todo o
aspecto cultural e político das nações, tendo como resultado estereótipos, símbolos e
protótipos do que é ter uma nacionalidade específica. Tal fato oculta a diversidade em todos
os seus aspectos dentro das sociedades e os conflitos inevitáveis entre grupos gerados por
crises identitárias no âmago das nações. Os projetos de identidade nacional criam mitos que
são discursos fundadores, que são transmitidos de geração em geração, com uma origem
perdida no tempo, permitindo ao mito se desprender da realidade para se tornar lenda ou
metáfora. Ele tem como função principal reunir os indivíduos de um mesmo grupo em torno
de uma única ideia de ordem sobre o mundo e uma mesma concepção de existência.
A noção de “crise de identidade” aparece pela primeira vez na psicologia social com
Erikson, pesquisador alemão, que investigou os problemas vividos por veteranos da segunda
guerra mundial e mais tardiamente com adolescentes e minorias de origem estrangeira. Para
ele, é através da crise de identidade que os traços identitários ficarão muito mais aparentes.
30
in LAGARDE, 2008. 31
Idem nota 11.
46
Várias áreas se apropriam do conceito de identidade na tentativa de investigar seus objetos de
estudo, ou seja, a sua definição como conceito passa sempre pela visão de uma ciência
específica. Entretanto, a definição mais básica dada ao conceito de identidade tem por
fundamento a ideia elementar de que ela é sempre uma construção autônoma de si, mas
dependente ao mesmo tempo do outro. É na alteridade, seja pelo conflito, seja pela simples
comparação-negação das características do que lhe é diferente, que ela será desenvolvida pelo
indivíduo. A cultura também se apresenta como uma outra componente na construção da
identidade. Para Devereux (CAMILLERI, 2002, p.12), psicanalista e etnólogo do século XX,
existe um processo psicológico de reificação da cultura e esta, por sua vez, influencia as
pessoas como uma parte da personalidade. Ela fornece um parâmetro global do pensamento e
dos desejos, do inconsciente e das funções do Eu, de tal modo que é impossível conceber
identidades independentemente de um certo modelo cultural. A dimensão histórica também
entra como fator de composição da identidade, não importando o grau de isolamento de uma
sociedade, dentro dela mesma haverá sempre transformações de acordo com o tempo e os
eventos ocorridos nela.
A identidade nacional vai se apoiar, sobretudo, na língua para se desenvolver dentro do
projeto da nação. Com o fim da dominação colonial, a tendência dos novos governos é a de
fazer um caminho sempre inverso ao do colonizador, valorizando e reestabelecendo o status
das instituições anteriores ao domínio. Evidentemente, a busca pela identidade não será um
caminho tão simples em que se negará apenas todas as referências ligadas ao colonizador,
pois a experiência vivida, a dimensão histórica influenciará decisivamente na nova ordem a
ser estabelecida. Como evocado anteriormente, a partir do pensamento de Erikson, a
identidade do colonizado emergirá diante de sua própria crise identitária. Entretanto, no caso
magrebino, os projetos de nação e a construção da identidade nacional seguirão o plano
47
simples de reestabelecer apenas os valores de origem, renegando os “espólios” de guerra32
deixados pelo colonizador. As constituições que fundam o Magrebe independente vão se
basear na concepção “um Estado, uma nação, uma língua” para reconstruírem os seus países.
Para restabelecer uma língua como língua nacional, supõe-se que ela tenha conhecido no
passado um status de língua dominante ou em todo caso de língua estabelecida. Ela deve
permitir a constituição de uma unidade, de uma coesão identitária reinterpretada como base da
identidade nacional 33
. Ela pode também alcançar uma legitimidade interna, mas não no
cenário nacional, como aconteceu com o catalão na Espanha, que continua a ter como língua
dominante o espanhol. Paradoxalmente, as línguas coloniais constituem hoje um cimento
linguístico da nação. Os casos dos países africanos são exemplos de como a diversidade
linguística das comunidades na verdade permitiu a manutenção da língua dominante, seja o
inglês ou o francês, para que essas línguas continuassem a ser amplamente usadas pelas
populações. Nesses contextos a língua do colonizador não pertence a nenhum grupo
específico local, o que torna mais fácil o seu uso para a comunicação comum entre as diversas
nações culturais existentes. Hoje vemos essas línguas com status de oficiais ao lado das
línguas locais que ganharam o status de línguas nacionais, como podemos verificar através
deste trecho da Constituição da República Democrática do Congo (2005):
« Chapitre 1er : De l‟État et de la Souveraineté
Section 1ère : De l‟État
Article 1er
La République Démocratique du Congo est, dans ses frontières du 30 juin
1960, un État de droit, indépendant, souverain, uni et indivisible, social,
démocratique et laïc ...
Sa langue officielle est le français.
Ses langues nationales sont le kikongo, le lingala, le swahili et le tshiluba.
L‟État en assure la promotion sans discrimination. Les autres langues du
pays font partie du patrimoine culturel congolais dont l‟État assure la
protection ... 34
»
32
Expressão usada pelo escritor argelino Kateb Yacine para designar a língua francesa, no sentido de valorizar o
seu uso pelos ex-colonizados. 33
Idem nota 11 34
Tradução nossa: « Capítulo 1º: Do estado e da Soberania
48
Todavia, o caso magrebino se apresentará de maneira diferenciada em relação ao status
concedido às línguas presentes nas suas sociedades. Paralela a esse fato está a escolha de uma
variante local ou de uma variante média eleita para ser a língua nacional. No exemplo
congolês, fica clara a existência de inúmeras outras línguas reconhecidas pelo Estado, mas
que não possuem o mesmo status concedido às quatro línguas representativas dos grupos
dominantes locais.
Definir uma língua nacional é um ato simbólico que leva a consequências práticas. Se há a
opção pela língua do colonizador, corre-se o risco da manutenção da relação de dominação
anterior, privilegiando elites locais. Se a língua dominada é a escolhida como língua nacional,
o processo de restabelecimento de uma língua nacional também não será simples. De alguma
forma, ela carrega algum vestígio de dominação. A sua promoção deve ser assegurada como
tal no nível simbólico. A elaboração e a difusão de uma variante standard necessitam de
políticas linguísticas que enfrentem o problema da legitimidade, seja internamente, como
externamente. Pois, a dominação colonial leva a uma perda de prestígio e uma
autodegradação da língua dominada pelos seus próprios locutores, em razão de todo
imaginário construído sobre ela pelo discurso colonial. Sobre o tema, LAGARDE (2008,
p.97) conclui:
“La légitimation de l‟artificiel ne peut se faire qu‟au prix d‟une volonté,
determinée, consentie ou même subie, de partager un même outil
linguistique pour, ensemble, se reconnaître, entre autres signes, en lui. C‟est
à la (re)construction politique nationale qu‟incombe cette tâche de
conviction et/ou d‟imposition ; c‟est de son aboutissement ou pas, que
dépend l‟identification citoyenne, cette appropriation des valeurs, entre
autres linguistiques et culturelles, qui soude(nt) la communauté . »35
Seção 1
: Do Estado
Artigo 1º:
A República Democrática do Congo é, nas suas fronteiras de 30 de junho de 1960, um Estado de
direito, independente, soberano, unido e indivisível, social, democrático e laico ... Sua língua oficial é o francês.
Suas línguas nacionais são o kikongo, o lingala, o swahili e o tshiluba. O Estado assegura a promoção dessas
sem discriminação. As outras línguas do país fazem parte do patrimônio cultural congolês, protegidas pelo
Estado...” 35
A legitimação do artificial não pode ser feita somente com uma vontade, determinada, consentida, ou mesmo
submetida, de partilhar um mesmo aparato linguístico para, juntos, se reconhecer, entre outros, nele. É a política
de (re)construção nacional que está incubida dessa tarefa de convicção e/ou imposição; é do seu resultado ou
não, que depende a identificação a identificação cidadã, esta apropriação dos valores, entre outros linguísticos e
culturais, que unem a comunidade.”
49
A opção pelo multilinguismo parece ser uma via mais interessante, mas inevitavelmente
traz impasses e obstáculos, exigindo uma atenção muito criteriosa na sua planificação para
garantir a igualdade de status e desenvolvimento às línguas em questão. Raros são os casos
em que a implementação do monolinguismo se mostrou bem sucedida, como é o caso do
Bahasa Indonesia, língua oficial da Indonésia desde 1928, criada artificialmente.
No Magrebe, veremos mais adiante que o seu projeto pós-colonial de nação se fundará
sobre discursos e símbolos carregados de valores da tradição do mundo árabe, sobretudo o
Islã. O modelo magrebino não seguiu o mesmo rumo dos projetos de nação das colônias
independentes da África-subsaariana, que admitiram em suas constituições o plurilinguismo,
valorizando línguas locais e resguardando a língua do colonizador como língua oficial.
Tunísia, Marrocos e Argélia abraçaram, paradoxalmante, o modelo francês de uma nação,
uma língua, uma identidade nacional. No capítulo seguinte, estudaremos os trechos referentes
à língua e a suas políticas linguísticas nas constituições desses três países para demonstrar
como o Magrebe fez um caminho inverso ao das outras colônias africanas. No momento, é
importante discutir como as teorias sobre língua, Nação-Estado e identidade nacional até aqui
apresentadas se aplicam ao caso magrebino.
O longo período de dominação e ocupação francesa deixou marcas profundas,
principalmente, no que se refere à definição da identidade dessas comunidades e as suas
línguas oficiais.
5 – Multilinguismo e contato de línguas
O contato de línguas tem por uma de suas consequências o multilinguismo. Este, por
sua vez, pode ser social ou individual. O multilinguismo social ocorre quando duas línguas ou
50
mais são realizadas. Três modelos teóricos de bilinguismo social foram propostos por APPEL
& MUYSKEN (1996, p.10) na tentativa de entender o fenômeno:
Modelo I Ŕ Duas línguas são faladas por grupos diferentes. Cada grupo é monolíngue.
Alguns indivíduos monolíngues são responsáveis da intercomunicação entre os grupos. O
modelo I representa bem as relações bilíngues comuns em antigas colônias.
Modelo II – Neste modelo todos os falantes são bilíngues. Situação muito comum
encontrada na Índia, por exemplo.
Modelo III Ŕ Nesta situação temos um grupo monolíngue e outro bilíngue,
configurando uma relação de dominância de um grupo sobre o outro. No caso magrebino, o
grupo berbere é bilíngue, pois falam também o árabe. Entretanto, o grupo, que tem o árabe
como língua materna, não fala berbere.
As relações aqui apresentadas são apenas esquemas que nos ajudam a organizar e a
entender como acontece o fenômeno. Sabemos que as relações existentes em uma sociedade
bilíngue são muito mais complexas, implicando, na maioria das vezes, mais de dois grupos e
mais de duas línguas, como é o caso do Magrebe.
Para uma definição do bilinguismo no nível individual, os autores apresentam a visão
de Weinreinch36
, mais sociológica, para definir o conceito (1996, p.11) “a prática de utilizar
duas línguas alternadamente se configura bilinguismo e as pessoas implicadas bilíngues”.
Esta definição não limita as diversas habilidades linguísticas que um falante pode ter em uma
dada língua, qualificando-o como usuário.
São variadas as possibilidades de contatos entre línguas, e cada um desses contatos
nem sempre produz os mesmos resultados. Dois casos nos interessam mais particularmente: o
contato linguístico produzido pela expansão colonial europeia e o isolamento de línguas
36
Uriel Weinreich, importante linguista americano.
51
minoritárias causado por línguas com status dominante. O primeiro caso nos remete à relação
árabe-francês no período colonial magrebino. A segunda, à relação berbere-árabe. A relação
francês-berbere não é uma relação competitiva como ocorre nas outras duas relações
anteriormente citadas, pois as duas línguas possuem funções muito distintas dentro da
sociedade magrebina.
Em contexto multilíngue, sobretudo, a língua não funcionará somente como um meio
de comunicação, mas também como referência da identidade para o indivíduo. Cada grupo
pode ser identificado a partir de sua língua, que também servirá de veículo de transmissão de
sua cultura, de seus valores e de significados sociais. Sendo assim, ela constantemente será
avaliada a partir dos status que seus usuários possuem na sociedade. Podemos, então, dizer
que atitudes linguísticas são também atitudes sociais.
5.1 Ŕ Contato linguístico: língua e identidade
O contato entre línguas evoca naturalmente dois outros conceitos implicados na
discussão: alteridade e dominação. Quando duas línguas ou mais estão em jogo em um
mesmo cenário linguístico, ocorre uma disputa de forças, como um jogo de identidade e poder
Ŕ temos outra língua ou a língua dos outros? As atitudes linguísticas de um grupo ou de um
indivíduo serão em si atitudes sociais, marcadas pelas representações que um grupo possui do
outro. Cada língua ou variante envolvida nesse jogo será avaliada pela comunidade por
critérios muito mais ideológicos e sociais do que propriamente linguísticos. O status social de
cada falante é que atribuirá um valor a uma dada língua.
Falantes de línguas minoritárias Ŕ talvez fosse melhor dizer “minoradas”37
Ŕ
geralmente atribuem pouca importância as suas próprias línguas, considerando-as sem valor
37
Conceito apresentado por Jean-Baptiste Marcellesi em « De la crise de la linguistique à la linguistique de la
crise: la sociolinguistique », La Pensée, 2009, Paris.
52
para conseguir uma mobilidade social positiva. Apesar desse aspecto, costumam manter uma
lealdade linguística e afetiva com a mesma. O sentimento de identidade expressado através da
língua nos indica três dimensões diferentes (FISHMAN, 1977 in APPEL,R. & MUYSKEN,
P.,1996): a paternidade, o patrimônio e a fenomenologia. A primeira dimensão destaca a
ideia da hereditariedade; a língua como um bem herdado dos pais. A segunda dimensão é
também uma herança, mas herdada da coletividade na qual estamos inseridos. Uma cultura
que nos orienta e nos forma. A terceira dimensão se refere aos significados que atribuímos a
essas heranças como descendentes.
O termo línguas minoradas parece mais adequado para a discussão do cenário
linguístico magrebino. Ele consiste na desvalorização social de sistemas linguísticos,
teoricamente oficiais pelos discursos políticos, mas ameaçados por determinadas políticas de
Estado, assim como por fatores econômicos e sociais. Ao chamarmos, por exemplo, a língua
berbere de língua minoritária, caímos em julgamentos e contradições, pois não podemos
chamar de minoritária uma língua falada por mais de 22 milhões de pessoas. O árabe dialetal,
apesar de não ter o fardo da classificação “língua minoritária”, também se encontra em
situação de minoração dentro das sociedades magrebina, pois é visto apenas como um
“dialeto”, “vulgar” e “corrompido”.
Nem sempre a revindicação de uma identidade de uma língua passa pelas práticas
linguísticas que se tem com ela. Muito mais do que ter uma identidade linguística, podemos
ter uma identificação com determinada língua. No caso magrebino, um indivíduo pode
reclamar o árabe clássico como sua língua materna sem ter proficiência no mesmo. Sua
escolha é influenciada por um discurso ideológico. Nossas práticas linguísticas são sempre em
função do outro, de como o percebemos e de como achamos que ele nos percebe também.
Uma língua pode expressar várias culturas, assim como uma cultura pode ser expressa
em várias línguas. A cultura islâmica é expressa em várias línguas: árabe, berbere, wolof, etc.
53
O mesmo acontece com a francofonia, que veicula várias culturas, em que muitos falantes
diferentes se apropriaram dessa língua da sua maneira para expressar sua cultura, construindo-
se assim diferentes variedades de francês.
Um Franco-Magrebino também pode ser identificado em diversas circunstâncias como
árabe, imigrante, francês de origem magrebina ou só magrebino. No Magrebe, as identidades
se sobrepõem, se contradizem, se cruzam e se opõem. A identidade árabe, a identidade
mulçumana, a identidade berbere e a identidade francófona estão em constante e dinâmica
interação. Um magrebino pode reclamar sua identidade árabe quando se sente ameaçado por
uma identidade estrangeira; sua identidade berbere caso a referência árabe o ameace;
revindica sua identidade francófona se a cultura anglófona lhe é imposta. A identidade muda
de acordo com o espaço e o tempo, sendo dependente dos fatores sociais que a determinam.
A identidade árabe-islâmica no Magrebe se apresenta como a única identidade
legitima anunciada pelos discursos oficiais38
, não abrindo espaço para outras identidades. Da
mesma forma, é necessário desconstruir a identidade francófona de um francês único
(LAROUSSI, 2002):
“Tous les Maghrébins n‟ont pas le sentiment de subir les conséquences d‟un
bilinguisme hérité de la situation coloniale. Au contraire, ils sont en mesure
de „maghébiser‟ le français, en contribuant à sa re-création et en lui
conférant une valeur non plus exclusivement technique mais aussi culture
[...] Pour devenir réellement une forme identitaire au Maghreb, le français
doit s‟adapter et se transformer... »39
As práticas linguísticas no Magrebe necessitam mudar seu posicionamento em relação
à francofonia, revindicando suas especificidades. Caso contrário, continuaria sendo cultivada
38
Analisaremos, no próximo capítulo, trechos das constituições de Argélia, Marrocos e Tunísia. 39
Tradução nossa: Os magrebinos não têm o sentimento de sofrer as consequências de um bilinguismo herdado
da situação colonial. Ao contrário, eles estão magrebizando o francês, contribuindo para a sua recriação e lhe
conferindo um valor não mais exclusivamente técnico, mas também cultural [...] Para se tornar uma forma
realmente identitária no Magrebe, o francês tem que se adaptar e se transformar.
54
uma imagem de um francês do “bon usage40”, único e relacionado somente à França. Ser
francófono não significa falar bem o francês, mas sim de se apropriá-lo.
.
40
Título de uma das gramáticas mais conhecidas da língua francesa, realizada pelo belga Maurice Grevisse.
56
AS CONSTITUIÇÕES PÓS-COLONIAIS DOS PAÍSES MAGREBINOS
6 Ŕ Políticas de arabização e Políticas linguísticas
Logo após as suas independências, Tunísia, Argélia e Marrocos organizaram novas
constituições que ressaltassem a soberania nacional, eliminando qualquer vestígio que
representasse a política colonial. Essas novas constituições tiveram por base fundamental uma
identidade árabe-mulçumana e políticas linguísticas que destacavam como língua oficial e
nacional a variante clássica do árabe, interpretada como uma língua única, sacra e
homogênea. Assim, os três países edificaram seus projetos de nação em cima dessas
representações, com o objetivo de resgatar uma cultura anterior à chegada do colonizador.
Entretanto, sabemos que a restituição de um estágio idêntico anterior ao da colonização não
seria mais possível. O contato linguístico e o processo histórico ocorridos ao longo do período
colonial mudariam para sempre as sociedades magrebinas.
Projetos de arabização foram implementados pelos governos, através da generalização
e obrigação da utilização da língua árabe em um cenário linguístico altamente fracófono.
Estes projetos tinham por base dois conceitos: o da “arabização-tradução” e o da “arabização-
conversão”. A primeira estipulava que todas as práticas linguísticas oficiais, antes em língua
francesa, deveriam ser obrigatoriamente em árabe. A segunda, de caráter mais ideológico,
estava ligada aos discursos das frentes revolucionárias que defendiam a liberdade nacional e o
islã como cultura da nação. O discurso político fez da arabização um combate não somente da
língua árabe contra a língua francesa, mas uma oposição de visões políticas. Aqueles que
optavam pelo bilinguismo árabe-francês, são vistos como defensores do antigo sistema
colonial.
57
O árabe clássico foi eleito a língua nacional e oficial da nação, enquanto as variantes
dialetais, o francês e o berbere foram rejeitados como línguas faladas pelas populações. As
variantes dialetais são vistas como formas “degradadas” da variante clássica, sendo
impossível a representação destas nos discursos oficiais, pois elas marcariam ainda uma
fragmentação identitária da irmandade árabe-mulçumana. Os discursos as citam como:
línguas sem normas, línguas sem história, línguas vulgares, línguas pobres ou línguas
profanas. A mesma rejeição se passa com o berbere, completamente suprimido pelos
discursos oficiais. Quanto à língua francesa, era vista como uma ameaça à soberania
nacional, marcando a presença do colonizador. Ao optar pelo monolinguismo, os novos
governos pós-coloniais acabaram por seguir o mesmo processo de homogeneização
linguística-cultural que a França realizou ao longo do século XIX.
6.1 Ŕ Discurso e identidade
Para Patrick Charaudeau, dentre os principais fundamentos do ato comunicativo está a
atribuição da legitimidade ao sujeito falante. O reconhecimento do direito à palavra por si só
não basta ao indivíduo para estabelecer comunicação, também se faz necessário o
reconhecimento da identidade desse sujeito pelo seu interlocutor, tornando-o assim um sujeito
competente.
A comunicação estabelecida a partir desse princípio não é apenas referencial, pois a
linguagem cria sentido. Ou seja, temos então uma construção do sentido entre os parceiros no
ato de linguagem que determina os seus modos de existência, ao mesmo tempo em que
constrói representações sobre o mundo. O sentido, apesar de poder ser partilhado pelo senso
comum, nem sempre está baseado em critérios de verdade. Ele é resultado das relações dentro
de uma comunidade, de simulacros, da atribuição de papéis aos indivíduos, da “metaforização
e da figuração de nossas palavras”. O que nos indica que nunca o sentido está restrito ao eu ou
58
ao outro, mas está na representação que faço de mim e do outro, imagem construída de acordo
com interesses e expectativas dentro da comunicação. CHARAUDEAU in LARA,
MACHADO, EMEDIATO (2008):
“O sentido é, ao mesmo tempo, nosso mito e nosso real. Ele se constrói na
confluência entre o dito e o não dito (o explícito e o implícito). Ele não é
apenas o dito, ele não é também apenas o não dito. O sentido nasce da
relação entre os dois. [...] sob a aparente tranquilidade de palavras, um
turbilhão de significações implícitas.”
Podemos destacar quatro princípios que norteiam o ato de comunicação: o princípio da
interação, da pertinência, de influência e o da regulação, que podemos descrever como:
Interação: fenômeno de troca entre dois indivíduos. Para o ato comunicativo há
sempre o eu e o outro, ao mesmo tempo em que o outro constitui o eu, sendo então
uma co-construção;
Pertinência: de relevância pragmática, o destinatário da fala supõem que o seu
interlocutor tem um projeto de fala com uma razão de ser. Ambos devem possuir em
comum um mínimo de saberes compartilhados para constituir o ato, pois do contrário
não seria possível a comunicação;
Influência: refere-se ao agir sobre o outro (com finalidade acional ou psicológica)
através do seu projeto de fala, o que implica no uso de estratégias discursivas pelo
falante, levando em conta aspectos e imagens sobre seu parceiro.
Regulação: determina as condições de troca entre os parceiros, que se reconhecem
como legitimados, para que a comunicação atinja seu fim. Podemos ver este princípio
como uma “luta discursiva”, onde cada vez que um indivíduo cede seu turno de fala ao
outro, perde um pouco da sua legitimidade, podendo até mesmo desaparecer.
59
A partir da descrição dos princípios que regem o ato de linguagem, temos a
compreensão da construção do contrato de comunicação, que determina, por sua vez, uma
parte a identidade dos falantes.
Para Charaudeau, “discurso” é um termo que pode carregar várias acepções, mas, para
o autor, não podemos compreendê-lo como linguagem verbal. Ele está além de um conjunto
estruturado de signos formais. Ele ultrapassa esses códigos, pois é o lugar da “encenação da
significação”. O texto não é o discurso, mas sim a materialização da encenação do ato de
linguagem, e, por sua vez, atravessado pelo(s) discurso(s). A encenação discursiva se serve de
gêneros e estratégias para construir o sentido.
O discurso também se relaciona a um conjunto de saberes compartilhados e
construídos (consciente ou inconscientemente) pelo grupo social. Os discursos sociais
(chamado também de imaginários sociais pelo autor) mostram como as práticas sociais são
imaginadas em uma determinada cultura e a elas são atribuídas valores e representações que
as determinam e as qualificam.
Os imaginários sociodiscursivos são de extrema importância para a análise das
constituições aqui selecionadas a fim de compreender como o discurso político constrói suas
verdades baseado em representações sociais que circulam em uma comunidade, e de como a
ação política é um bem soberano em vista da promoção de um ideal social. A partir da grande
e caótica diversidade de interesses, os indivíduos acabam por ser organizar em comunidades
“essenciais” e “determinadas”, buscando uma unidade social, que estão representadas nos
discursos e materializadas através de símbolos e imagens. Com isso, os indivíduos agem por
uma coerência inconsciente, que é o lugar do real, ao mesmo tempo têm a necessidade de
racionalizar o real através de discursos para justificá-lo (CHARAUDEAU, p.192, 2008):
“Por meio desses discursos de representação, os indivíduos se reconheceriam
como pertencentes a um grupo-classe por um jogo de identificação e de
60
exclusão, e desse modo construiriam para si próprios uma „consciência
social‟ que seria alienada pelos discursos dominantes que provêm de
diversos setores da atividade social (direito, religião, filosofia, literatura,
política, etc.), constituindo uma ideologia dominante.”
Assim, a ideologia é a articulação entre significação e poder, fundada por quatro
premissas: a legitimação, a dissimulação, a fragmentação e a reificação. A primeira consiste
em racionalizar a sua legitimidade a fim de justificar a sua posição de domínio; a segunda visa
a mascarar a relação de dominação existente; a terceira leva à oposição de grupos entre si, e,
por fim, a reificação naturaliza a história como se ela fosse atemporal.
As representações sociais objetivam a interpretação da realidade, associando a elas
símbolos e significações, que são por sua vez, um conjunto de valores, crenças, opiniões,
conhecimentos produzidos e partilhados pelos membros de um mesmo grupo sobre um dado
objeto. Assim, os indivíduos organizam, classificam e julgam o mundo, e também podem,
através de rituais, estilos de vida e signos simbólicos, se exibirem como um grupo social
específico.
6.2 - Os imaginários sociais e as constituições de Argélia, Tunísia e Marrocos
O imaginário social é uma imagem que interpreta a realidade, fazendo-a entrar em um
universo de significações. Ele também funda a identidade social de um grupo, na medida em
que é o elemento de coesão-significação dessa. Para Charaudeau, o sentido investido no
imaginário não é falso, nem verdadeiro. Ele é da ordem do verossímil, ou seja, do
possivelmente verdadeiro.
Para desempenhar o seu papel identitário, o imaginário social necessita se materializar
através de símbolos, construções emblemáticas, como bandeiras, lemas, e outros. Tudo será
sustentado pelo discurso social, seja pela tradição escrita ou oral, para serem transmitidos de
geração em geração. Com isso, podemos identificar algumas temáticas discursivas
61
encontradas nos imaginários sociais, que nos interessam particularmente na análise das
constituições dos países magrebinos, são eles: o imaginário da tradição, o imaginário da
modernidade e o imaginário da soberania popular.
Para melhor desenvolver os imaginários identificados, abaixo estão trechos das
constituições a serem trabalhadas. A seleção levou em conta três fatores: a ideia de Estado-
Nação apresentada, os símbolos que representam o povo magrebino e as políticas linguísticas
oficiais dos países. Os trechos selecionados também correspondem a épocas distintas: a
primeira versão se refere à época logo após a independência colonial e a última versão é mais
contemporânea. Elas podem ser encontradas em sites oficiais dos governos de Argélia,
Tunísia e Marrocos, em língua árabe e francesa. Os trechos a seguir estão em francês.
Constituição do Marrocos (1962)
« Préambule
Le Royaume du Maroc, État musulman souverain, dont la langue officielle est l'arabe,
constitue une partie du Grand Maghreb.
État africain, il s'assigne en outre, comme l'un de ses objectifs, la réalisation de l'unité
africaine. [...]
Article premier.
Le Maroc est une monarchie constitutionnelle, démocratique et sociale.
Article 2.
La souveraineté appartient à la nation qui l'exerce directement par voie de référendum, et
indirectement par l'intermédiaire des institutions constitutionnelles. [...]
Article 4.
La loi est l'expression suprême de la volonté de la nation. Tous sont tenus de s'y soumettre. La
loi ne peut avoir d'effet rétroactif. [...]
Article 6.
L'Islam est la religion de l'État qui garantit à tous le libre exercice des cultes.
62
Article 7.
L'emblème du Royaume est le drapeau rouge frappé en son centre d'une étoile verte à cinq
branches.
La devise du Royaume est : Dieu, la Patrie, le Roi. [...]
Article 19.
Le Roi, « Amir Al Mouminine » (commandeur des croyants), symbole de l'unité de la nation,
garant de la pérennité et de la continuité de l'État, veille au respect de l'Islam et de la
Constitution. Il est le protecteur des droits et libertés des citoyens, groupes sociaux et
collectivités.
Il garantit l'indépendance de la nation et l'intégrité territoriale du royaume dans ses frontières
authentiques. [...] »
Marrocos (versão 2011)
“Article 5
L'arabe demeure la langue officielle de l'Etat. L'Etat œuvre à la protection et au
développement de la langue arabe, ainsi qu'à la promotion de son utilisation. De même,
l'amazighe constitue une langue officielle de l'Etat, en tant que patrimoine commun à tous les
Marocains sans exception L'Etat Œuvre à la préservation du Hassani, en tant que partie
intégrante de l'identité culturelle marocaine unie, ainsi qu'à la protection des expressions
culturelles et des parlers pratiqués au Maroc. De même, il veille à la cohérence de la politique
linguistique et culturelle nationale et à l'apprentissage et la maîtrise des langues étrangères les
plus utilisées dans le monde, en tant qu'outils de communication, d'intégration et d'interaction
avec la société du savoir, et d'ouverture sur les différentes cultures et sur les civilisations
contemporaines.”
Constituição da Tunísia (1956)
« Préambule
Au nom de Dieu
Clément et miséricordieux,
Nous, représentants du peuple Tunisien, réunis en assemblée nationale
constituante.
Proclamons la volonté de ce peuple, qui s‟est libéré de la domination étrangère grâce à sa
puissante cohésion et à la lutte qu‟il a livrée à la tyrannie, à l‟exploitation et à la régression :
- de consolider l‟unité nationale et de demeurer fidèle aux valeurs humaines qui constituent le
patrimoine commun des peuples attachés à la dignité de l‟Homme, à la justice et à la liberté et
qui oeuvrent pour la paix, le progrès et la libre coopération des nations,
63
- de demeurer fidèle aux enseignements de l‟Islam, à l‟unité de Grand Maghreb, à son
appartenance à la famille arabe, à la coopération avec les peuples « africains pour édifier un
avenir meilleur et à la solidarité avec tous les peuples » qui combattent pour la justice et la
liberté [...]
Article premier
La Tunisie est un Etat libre, indépendant et souverain ; sa religion est l'Islam, sa langue l'arabe
et son régime la République.
Article 2.
La République Tunisienne constitue une partie du Grand Maghreb Arabe, à l'unité duquel elle
oeuvre dans le cadre de l'intérêt commun. [...]
Article 4
Le drapeau de la République Tunisienne est rouge, il comporte, dans les conditions définies
par la loi, en son milieu, un cercle blanc où figure une étoile à cinq branches entourée d'un
croissant rouge.
La devise de la République est : Liberté, Ordre, Justice. [...]
Article 15
Tout citoyen a le devoir de protéger le pays, d'en sauvegarder l'indépendance, la souveraineté
et l'intégrité du territoire national.
La défense de la patrie est un devoir sacré pour chaque citoyen. [...]
Article 40
Peut se porter candidat à la Présidence de la République tout Tunisien, jouissant
exclusivement de la nationalité tunisienne, de religion musulmane, de père, de mère, de
grands-pères paternel et maternel tunisiens, demeurés tous de nationalité tunisienne sans
discontinuité. [...] »
Tunísia (versão 2003)
“Article premier
La Tunisie est un Etat libre, indépendant et souverain ; sa religion est l'Islam, sa langue l'arabe
et son régime la République.”
Constituição da Argélia (1963)
« Préambule
Le peuple algérien a livré en permanence, pendant plus d‟un siècle, une lutte armée, morale et
politique contre l‟envahisseur et toutes ses formes d‟oppression, après l‟agression de 1830
contre l‟Etat Algérien et l‟occupation du pays par les forces colonialistes françaises.
64
Le 1er Novembre 1954, le Front de libération Nationale appelait à la mobilisation de toutes
les énergies de la Nation, le processus de lutte pour l‟indépendance ayant atteint sa
phasefinale de réalisation.
La guerre d‟extermination menée par l‟impérialisme français s‟intensifia et plus d‟un
millionde martyrs payèrent de leur vie, leur amour de la patrie et de la liberté.
En mars 1962, le peuple algérien sortait victorieux de cette lutte de sept années et demie
menée par le Front de Libération Nationale.
En recouvrant sa souveraineté, après 132 années de domination coloniale et de régime
féodal, l‟Algérie se donnait de nouvelles institutions politiques nationales. [...]
La Révolution se concrétise par : [...]
L‟Islam et la langue arabe ont été des forces de résistance efficaces contre la tentative
dedépersonnalisation des Algériens menée par le régime colonial.
L‟Algérie se doit d‟affirmer que la langue arabe est la langue nationale et officielle et
qu‟elle tient sa force spirituelle essentielle de l‟Islam ; toutefois, la République garantit
àchacun le respect de ses opinions, de ses croyances et le libre exercice des cultes. [...]
Principes et objectifs fondamentaux
Article 1: L‟Algérie est une République démocratique et populaire.
Article 2 : Elle est partie intégrante du Maghreb arabe, du monde arabe et de l‟Afrique.
Article 3 : Sa devise est : „Révolution par le peuple et pour le peuple‟.
Article 4 : L‟Islam est la religion de l‟Etat. La République garantit à chacun le respect de ses
opinions et de ses croyances, et le libre exercice des cultes.
Article 5 : La langue arabe est la langue nationale et officielle de l‟Etat.
Article 6 : Son emblème est vert et blanc frappé en son milieu d‟un croissant et d‟une
étoile rouges. [...]
Article10 : Les objectifs fondamentaux de la République algérienne démocratique et
populaire sont :
- la sauvegarde de l‟indépendance nationale, l‟intégrité territoriale et l‟unité nationale ; [...]
- l‟élimination de tout vestige du colonialisme ; [...]
Dispositions transitoires
Article 75 : Provisoirement, l‟hymne national est „KASSAMEN‟. Une loi non
constitutionnelle déterminera ultérieurement l‟hymne national.
65
Article 76 : La réalisation effective de l‟arabisation doit avoir lieu dans les meilleurs délais
sur le territoire de la République. Toutefois, par dérogation aux dispositions de la présente loi,
la langue française pourra être utilisée provisoirement avec la langue arabe. [...] »
Argélia (versão 2008)
“Article 1er - L‟Algérie est une République Démocratique et Populaire. Elle est une et
indivisible.
Art. 2 - L‟Islam est la religion de l‟État.
Art. 3 - L‟Arabe est la langue nationale et officielle.
Art. 3 bis - Tamazigh est également langue nationale.”
Podemos observar ao longo das constituições que os discursos que atravessam os
textos têm por base, principalmente, o imaginário da tradição e o da soberania. Após a
colonização francesa, a língua árabe passou a ser o símbolo maior das nações magrebinas ao
lado da religião Ŕ o Islã. Juntos, eles compõem a coesão identitária dessas comunidades,
servindo de força de oposição a qualquer resquício de presença colonial, sobretudo a língua
francesa. Políticas de arabização Ŕ muito bem explícitas, principalmente, no trecho argelino -
foram realizadas como forma estratégica de se conseguir esse objetivo. Esses dois elementos
simbólicos Ŕ o árabe e o islã Ŕ foram resgatados como elementos identitários, pois
materializavam o discurso da tradição, suprimida pelas políticas coloniais. Eles estão
investidos de valores que contam a história da região, de suas glórias e feitos. O árabe
clássico, apesar de ser uma variante entre outras, é considerado pelas constituições o único
árabe existente, símbolo de sacralidade e de pureza por ser a “língua de Deus”, representada
pelo livro sagrado do Corão. Para restituir suas origens, suas autenticidades, os governos pós-
coloniais de Argélia, Tunísia e Marrocos investiram em seus projetos de nações livres em
discursos de origem (CHARAUDEAU, p.211, 2008):
“Esse mundo é evocado como um paraíso perdido ao qual seria
preciso voltar para reencontrar uma origem, fonte de autenticidade. É
então descrita a história da comunidade em questão, uma história às
vezes inventada, mas necessária para estabelecer uma filiação com os
66
ancestrais, com um território ou uma língua. Os descendentes seriam
os herdeiros, o que lhes imporia um dever de „retorno às fontes‟, de
recuperação da origem identitária. Esses discursos reclamam para si
uma verdade que exige uma busca espiritual de retorno a um estado
primeiro, fundador de um destino.”
Essa relação entre a língua árabe e a religião foi usada também como símbolo da luta
contra a colonização, como discurso motivador de movimentação das massas e de fidelidade à
cultura nacional. Defender a nação contra a presença inimiga era um valor cultivado como
uma obrigação moral. Todos os indivíduos eram chamados a assumir a responsabilidade de
proteger a nação e seus valores tradicionais.
A ideia de unidade aparece constantemente, não só para designar uma união nacional,
mas também expandida a todo o continente africano. Temos, então, os seguintes sintagmas:
“l’unité nationale”, “l’unité du Grand Maghreb”, “famille arabe”, “partie intégrante du
monde arabe et de l’Afrique”. A unidade se estende a todos aqueles que possuem algo em
comum com as nações magrebinas, seja a língua, a religião ou uma história colonial, através
de laços de irmandade e de solidariedade. O conceito de identidade se mostra muito ligado ao
de solidariedade.
O imaginário da soberania popular também está presente nos textos aqui estudados.
Este imaginário tem por fundamento a ideia de que o povo é responsável pela construção de
um mundo novo e do estabelecimento e da manutenção de seu bem-estar. Ele segue em
direção contrária ao imaginário da tradição, uma vez que não busca o mito de origem. Um
grupo se torna representante de uma suposta vontade coletiva, e nele é investido poder. Com o
poder em mãos, é necessário mediar a vontade social, instituir regras, valores e um contrato
social. Assim, veremos que o discurso da identidade (concretizado através de símbolos
patrióticos e da língua nacional), do igualitarismo (todos iguais perante a lei) e o da
solidariedade (a fraternidade entre os membros de uma nação ou entre povos com pontos em
comum) a todo instante são evocados para compor esse imaginário.
67
Como símbolos identitários, temos as bandeiras nacionais descritas pelos textos; o
status concedido à língua árabe Ŕ única, sacra e tradicional como o projeto de nação proposto;
o islã, que assim como a língua é a base da nação e os lemas nacionais, que permeiam o
domínio da fé, da justiça, da ordem e da liberdade, conquistada pela “força e luta do povo”.
Podemos identificar esses traços nos seguintes trechos:
- Marrocos:
L’emblème du Royaume est le drapeau rouge frappé en son centre d’une étoile verte à
cinq branches ;
L’islam est la religion de l’État ;
La devise du Royaume est : Dieu, la Patrie, le Roi.
Le Royaume du Maroc, État mulsuman souverain, dont la langue officielle est
l’arabe...
- Tunísia :
La Tunisie est un État libre, indépendant et souverain ; sa religion est l’islam, sa
langue l’arabe et son régime la République ;
Le drapeau de la République Tunisienne est rouge, il comporte, dans les conditions
définies par la loi, en son milieu, un cercle blanc où figure une étoile à cinq branches
entourée d’un croissant rouge.
La devise de la République est : Liberté, Ordre, Justice...
- Argélia :
Sa devise est : Révolution par le peuple et pour le peuple.
L’islam est la religion de l’État.
La langue arabe est la langue nationale et officielle de l’État ;
Son emblème est vert et blanc frappé en son milieu d’un croissant et d’une étoile
rouge.
68
Em outros trechos, podemos verificar que o povo é convocado sempre a defender a pátria
e ser fiel a ela. E a independência do país foi graças a sua “força de luta”, ganhando assim o
papel de um herói nacional, como podemos ver em:
Proclamons la volonté de ce peuple ... grâce à sa puissante cohésion et à la lutte qu’il
a livrée la tyrannie ;
Tout citoyen a le devoir de protéger le pays ;
Toutes les énergies de la Nation ;
Plus d’un million de martyrs payèrent de leur vie, leur amour de la patrie et de la
liberté ;
Le peuple algérien sortait victorieux.
As constituições mais contemporâneas de Argélia, Marrocos e Tunísia seguem, em
geral, os mesmo discursos da tradição e da soberania popular através da religião e do árabe
como símbolos identitários da coesão nacional. O modelo “uma língua, um povo, uma
nação”, relação tão cara aos países ocidentais ao longo dos séculos XIX e XX, não dá mais
conta da realidade multicultural e multilíngue de vários países na atualidade. Os diferentes
grupos culturais, como os berberes na Argélia e no Marrocos, além de diferentes setores
sociais, reivindicam outras representações que os legitimem nos discursos, sobretudo oficiais,
além da afirmação simbólica de suas identidades como comunidades específicas.
A partir dessas pressões e novas configurações sociodiscursivas no mundo e,
especialmente, no Magrebe contemporâneo, as constituições mais recentes foram alteradas a
fim de atender a essas reivindicações. Porém, ainda há uma grande resistência por parte dos
governos em assumir a realidade linguística e cultural desses países. A língua francesa é um
grande exemplo disso. Como descrito anteriormente, várias variedades do francês são
realizadas nas sociedades em questão, mas a língua não é citada como uma língua presente na
69
sociedade. O francês tem um papel importante dentro do imaginário da modernidade no
Magrebe. Estão a ele associadas as representações na área da tecnologia, da economia, da
universidade e da economia. O “futuro” é veiculado em francês. Língua que permite o acesso
a outros países e a expressão do mundo contemporâneo, diferentemente do árabe clássico
ligado à tradição e ao passado.
O imaginário da modernidade traz uma ameaça ao cenário da tradição, pois tende a
racionalizar os discursos, sobretudo religiosos. Não é à toa que a língua francesa foi omitida
por completo nas constituições atuais e, também, nas de Tunísia e Marrocos, logo após a
independência, já que a ela estão associados justamente os discursos ligados à modernidade.
A sua presença só pode ser apreendida através de expressões como “língua estrangeira” e
“língua de abertura”. Entretanto, muitos trabalhos41
dentro da sociolinguística mostram que a
sua presença é muito mais funcional e dinâmica nessas sociedades, sendo considerada língua
segunda, categoria muito distinta a de uma língua estrangeira. O francês pode ser encontrado
principalmente na literatura, na imprensa, nas ruas, nas relações de trabalho, nas escolas e nas
universidades. A língua francesa tem espaço privilegiado no mercado linguístico magrebino,
pois sua presença é efetiva em vários setores da sociedade. Outros fatores contribuem para sua
expansão, como a relação entre os imigrantes e seus descendentes em países francófonos,
principalmente a França, que mantêm constantes trocas econômicas e sociais entre os países
em questão.
Outra discussão importante é o reconhecimento de outras variantes do árabe,
principalmente a variante dialetal, verdadeira língua materna42
da maioria dos magrebinos,
utilizada no cotidiano e nas relações familiares. Entretanto, ela não é a língua da tradição, que
representa o mito de origem. Ela não é sacralizada como a variante clássica, daí o seu não
41
Podemos citar ENNAJI, M. Ŕ Multilingualism, cultural identity and Education in Morroco. Nova Iorque:
Springer, 2005 e DERRADJI, Y. Ŕ Revue du réseau des observatoires du français contemporain en Afrique :
http://www.unice.fr/ILF-CNRS/ofcaf/15/derradji.html (2001) - acessado em 11 de janeiro de 2012. 42
Idem 12
70
reconhecimento como língua majoritária da população. Os discursos do imaginário da
tradição conferem legitimidade ao objeto em decorrência de sua origem, atribuindo-lhe um
caráter absoluto que pode ser transmitido de geração em geração e que não tenha que
justificar o seu passado.
A língua berbere só foi reconhecida muito recentemente pelos textos oficiais, após
anos de luta e pressão para sua oficialização. O discurso que atravessa as questões berberes
parte do direito à identidade como forma de ação para a defesa de suas causas. Para
Charaudeau (2008, p.229), quando duas soberanias se opõem, uma delas está aberta à
presença do outro, dentro de ideais universalistas, mas procura assimilar as diferenças e tornar
o outro semelhante ao modelo dominante. Em contrapartida, o grupo que se sente ameaçado
reivindica o retorno à sua identidade de origem, em nome de princípios de identidade,
autenticidade étnica, histórica e até mesmo religiosa. Esta é a relação existente entre o árabe e
o berbere, assim como também é o modelo ocorrido entre o francês e o árabe no período
colonial. Os trechos constitucionais exemplificam claramente o discurso do direito à
identidade, em um primeiro momento confrontando a dominação francesa e evocando a
identidade árabe, e em um segundo momento, mais contemporâneo, os grupos berberes
enfrentam a dominação árabe através dos mesmos elementos discursivos de direito à
identidade. Entretanto, podemos questionar o reconhecimento estabelecido pelas constituições
de Argélia e Marrocos aos grupos em questão, pois apesar da oficialização, o status concedido
à língua berbere é o da co-oficialidade. Ou seja, a relação de dominação e soberania não foi
plenamente resolvida. Podemos exemplificar com os seguintes trechos:
Art. 3 bis - Tamazigh est également langue nationale.
De même, l'amazighe constitue une langue officielle de l'Etat, en tant que patrimoine
commun à tous les Marocains sans exception.
71
De même, il veille à la cohérence de la politique linguistique et culturelle nationale et
à l'apprentissage et la maîtrise des langues étrangères les plus utilisées dans le
monde, en tant qu'outils de communication, d'intégration et d'interaction avec la
société du savoir, et d'ouverture sur les différentes cultures et sur les civilisations
contemporaines.
O primeiro trecho (Argélia 2008) permite pouco espaço ao berbere. Seu status é o de
língua nacional, diferente da categoria língua oficial. Não há nenhuma menção ao francês ou
às práticas com outras línguas estrangeiras. O trecho marroquino já é mais explícito ao que se
refere às práticas com outras línguas, e, sobretudo, concede ao berbere um status de língua
oficial, com maior poder de influência. O francês ganha o status de língua estrangeira (“uma
das mais faladas no mundo”), mas o que ainda não corresponde à realidade linguística do país.
O trecho tunisiano não se difere da primeira constituição, publicada logo após a
independência.
São atribuídos às línguas diversos papéis, dentre eles o papel identitário. Tudo em língua
acaba sempre passando por ideologias, com as quais construímos representações que a
definem. Essa identificação começa ainda na Idade Média, na Europa, quando começaram a
se codificar e organizar dicionários e gramáticas a fim de estabelecer o “bom uso” de uma
língua. Mais tarde, no século XIX, o estabelecimento de uma norma-padrão para as nações
serviu como fator de delimitação de fronteiras entre os países, levando à cabo a política “uma
nação, um povo, uma língua”, permitindo assim a criação de uma “consciência nacional”.
Associamos então língua e comunidades, língua e países. Ela se tornou o ponto de coesão de
grupos culturamente distintos, levados pela crença de se constituírem como um grupo
homogêneo, com uma história em comum e laços de solidariedade. Mas a relação entre língua
72
e cultura é questionável na medida em que esta coesão é mantida pelos imaginários sócio-
discursivos e não pelo sistema língua em si.
Retomo aqui a ideia desenvolvida por Charaudeau (2001, p.342), mais do que associar
línguas e culturas, é necessária a investigação entre discursos e culturas, pois a relação entre
estes dois últimos é que nos permite observar toda a construção simbólica feita em torno das
línguas. Identidade linguística e identidade discursiva são conceitos distintos. Em um
primeiro momento é o sistema linguístico de um idioma específico que será resgatado para
fins de representação étnica, social ou nacional, mas ele não dará conta de todo imaginário
envolvido nesse desejo. A língua constrói e veicula sentidos, mas caberá ao discurso
desempenhar um papel mais determinante. Sendo assim, podemos dizer que mais que
comunidades que partilham semelhanças linguísticas, temos comunidades que partilham os
mesmos discursos, carregados de valores e elementos simbólicos que compõem a identidade
do mesmo.
As sociedades magrebinas, por meio das suas constituições, investiram em seus
projetos de nação pós-colonial através dos discursos da tradição e da soberania nacional,
resgatando e elegendo assim o árabe como símbolo identitário de seus países. Entretanto,
hoje, o discurso que permeia as questões linguísticas no mundo destaca a diversidade
linguística-cultural como a nova ordem. Os grupos minoritários - ou nem tão minoritários
assim, como é o caso das comunidades berberes Ŕ ganharam voz e espaço para o
reconhecimento de suas línguas, pressionando os discursos estabelecidos pela tradição a
mudarem.
Apesar do discurso da modernidade estar associado ao francês nesses países, a francofonia
se vê em um novo paradigma. A circulação de indivíduos entre as duas culturas é dinâmica e
as novas formas de telecomunicação estão mudando as práticas linguísticas, com isso as
73
identidades culturais também sofrem mudanças, buscando assim novos discursos que as
afirmem e as represente nas sociedades.
75
ENQUETE COM JOVENS MAGREBINOS: CORPORA E REFLEXÕES
7 Ŕ O objetivo das enquetes linguísticas
No primeiro semestre de 2011, realizei em conjunto com a professora e sociolinguista
Nabiha Jerad, da Universidade de Túnis, uma enquete online para analisar as representações
de adolescentes e jovens adultos sobre as línguas: berbere, árabe clássico, árabe dialetal,
francês e inglês. A realização da enquete foi uma primeira tentativa de recolher dados que
expressassem o imaginário magrebino em torno das línguas faladas na região e que
permitissem demonstrar como os discursos das políticas linguísticas oficiais nem sempre
correspondem às práticas reais dos falantes. A intenção primeira era a da realização da
enquete nos três países aqui estudados para fins de comparação. Entretanto, alguns dos nossos
contatos para o auxílio da realização da enquete não foram correspondidos. Em contrapartida,
os dados tunisianos se apresentaram muito relevantes para a discussão, não podendo ser
descartados. Com isso, para termos uma visão mais completa das práticas e das
representações linguísticas em questão, utilizaremos dois outros trabalhos que contribuem
para a ampliação da visão geral do Magrebe. Para uma discussão da situação argelina, temos o
trabalho43
de Yacine Derradji, da universidade de Constantine. O corpus apresentado e
analisado pelo sociolinguista argelino é resultado de uma enquete realizada com jovens da
universidade. Nesse questionário, procurou-se verificar as línguas mais faladas pelos
informantes em diversos ambientes e situações da vida social, familiar e escolar. A
importância atribuída a cada uma delas também foi destaque na pesquisa. As línguas
selecionadas são as mesmas utilizadas na enquete que realizei com os jovens tunisianos: árabe
dialetal e clássico, francês, berbere e inglês. Um segundo trabalho44
, de Jan de Ruiter, nos
43
DERRADJI, Yacine - Vous avez dit langue étrangère, le français en Algérie?, Le français en Afrique, nº 15,
Nice : 2001. 44
RUITER, Jan Jaap de Ŕ Amazighophones et arabophones au Maroc d’aujourd’hui, EDNA, nº 12, p.61-81,
Zaragoza : 2008.
76
aponta um panorama da situação linguística do Marrocos, principalmente sobre a situação do
berbere em relação ao árabe dialetal, clássico e ao francês, destacando o domínio das
diferentes habilidades em cada língua Ŕ compreensão e produção escrita e oral Ŕ pelos
informantes.
Através da leitura desses três corpora, poderemos ter uma melhor visão sobre as
práticas linguísticas magrebinas Ŕ especialmente nos centros urbanos - assim como das
representações sobre as línguas que circulam nessas sociedades. Com isso, temos em mãos
um conjunto de informações importantes que colocam em questão os discursos oficiais e nos
apontam uma discussão sobre o multilinguismo na região, destacando o futuro da língua
francesa no Magrebe.
7.1 Ŕ A enquete Tunisiana
O nosso questionário, realizado em língua francesa, foi dividido em três partes,
contendo perguntas que definem o perfil linguístico do informante, as suas atitudes e práticas
linguísticas no cotidiano e, por fim, as suas representações e imagens sobre as línguas em
questão. Em alguns itens, foi possível a marcação de mais de uma língua, na tentativa de
verificar o bilinguismo dos falantes. Ou ainda, questões abertas/livres para a expressão
pessoal acerca das línguas.
Ao todo, contabilizam-se 46 informantes, sendo 33 declarados do sexo feminino e 13
do sexo masculino. As idades variam de 13 a 23 anos (alunos de escolas e da universidade de
Túnis). A maioria possui nacionalidade tunisiana. A primeira série de perguntas define um
perfil linguístico para esses informantes, onde se constata que45
:
45
Outros dados sobre o perfil linguístico dos informantes
77
36 pessoas declararam como a sua língua materna o árabe dialetal;
Uma média de 43 pessoas afirma ter nascido e crescido em centros ou nas suas
periferias;
42 declararam morar em centros ou nas suas periferias;
7.1.1 - Atitudes e práticas linguísticas no cotidiano
Pode-se perceber que o par árabe dialetal-francês aparece como o bilinguismo mais
expressivo nessas comunidades. O quadro abaixo apresenta o número de informantes que
declararam usar cada uma das línguas em questão nas suas práticas linguísticas cotidianas.
Tabela1
Tunísia Ŕ Porcentagem de informantes que declaram utilizar cada língua nas suas práticas cotidianas. Foi
possível marcar mais de uma opção de língua. Entre parênteses, o número de pessoas que marcaram a opção.
*Na opção outras, foi indicada majoritariamente a língua inglesa. 46 informantes totais.
Situação
cotidiana
Árabe
clássico
Árabe
dialetal Berbere Francês Outras*
Sala de aula
13,04% (6) 47,83% (22) 2,17% (1) 73,91% (34) 6,52 % (3)
Família
8,70% (4) 89,13% (41) 2,17% (1) 67,39% (31) 2,17% (1)
Amigos
6,52% (3) 91,30% (42) 4,35% (2) 76,09% (35) 10,87% (5)
Comércio
4,35% (2) 86,96% (40) 0% (0) 60,87% (28) 4,35% (2)
Espaços
religiosos
13,04% (6) 23,91% (11) 0% (0) 6,52% (3) 6,52% (3)
78
7.1.2 - Tecnologias e escrita
Os falantes também foram questionados sobre os seus usos linguísticos com as novas
tecnologias. Neste item, procuramos também averiguar as práticas de escrita por duas razões
importantes. A primeira é que a comunicação, na Internet e nos aparelhos de celular, tem na
escrita o seu principal canal. A segunda é que as línguas em questão possuem alfabetos
diferentes e políticas divergentes para tal.
A relação árabe dialetal – francês continua muito frequente nas respostas, mas com
uma nova informação: a presença do inglês. Era permitido ao falante marcar mais de uma
opção de língua. Os números expressam a quantidade de informantes.
Tabela 2
Tunísia - Porcentagem de informantes que declaram utilizar cada língua nas suas práticas cotidianas com novas
tecnologias. Foi possível marcar mais de uma opção de língua. Entre parênteses, o número de pessoas que
marcaram a opção. 46 informantes totais.
Nos contextos Internet e SMS, os informantes declararam escrever:
Tabela 3
Tunísia Ŕ Porcentagem de informantes sobre práticas de escrita nas novas tecnologias. Entre parênteses, o
número de pessoas que marcaram a opção. Número de informantes totais 46.
Situação
Árabe
clássico
Árabe
dialetal
Berbere Francês Inglês
Internet
10,87% (5)
47,83% (22)
2,17% (1)
89,13% (41)
47,83% (22)
Mensagens
(SMS)
4,35% (2) 58,70% (27) 0% (0) 91,30% (42) 17,39% (8)
Palavras francesas com alfabeto árabe 32,61% (15)
Palavras inglesas com o alfabeto árabe 6,52% (3)
79
7.1.3 Ŕ Representações linguísticas
A última parte da enquete privilegiou as representações dos falantes sobre as línguas
estudadas. O informante deveria definir através de uma palavra ou imagem cada língua
apresentada ao longo da pesquisa. O quadro abaixo resume algumas respostas dadas pelos
falantes:
Tabela 4
Tunísia Ŕ Palavras ou expressões citadas pelos informantes como representações linguísticas para cada língua.
Palavras berberes com alfabeto árabe 2,17% (1)
Palavras árabes com alfabeto latino 52,17% (24)
Palavras berberes com alfabeto latino 2,17% (1)
Não responderam 4,35% (2)
Árabe clássico
Árabe dialetal
Berbere
Francês
Inglês
Árabe antigo
Agonizante
Língua pela
qual poucas
pessoas se
interessam
Corão
Difícil
Beleza-poesia-
Língua falada
Variada e
prática
Árabe moderno
Língua materna
Nossa língua
Tunisiano
Cotidiano
Não gosto
Minoritária
Língua perdida
Língua quase
morta
Não conheço
Desconhecida
Desafio
Língua
corrente
Preferida
Importante
Literária
Segunda
Língua
Elegância
Não é muita
falada
Língua
Internacional
Mundo
Sexy
Tendência
Progresso
80
O
questionário termina com uma pergunta de resposta também livre, em que o informante deveria
indicar a língua que melhor representasse a cultura do seu país. Obtivemos como resposta mais
expressiva o árabe dialetal como língua representante. Entretanto, o par árabe dialetal-francês
mais uma vez aparece, logo em seguida, como uma das respostas mais encontradas.
A partir da observação desses dados, podemos confirmar as primeiras discussões sobre
a ampla utilização do francês no cotidiano dos falantes em diversos domínios. Língua ainda
associada à ascensão social, à modernidade, aos estudos e à economia, marcando um lugar muito
específico nas sociedades magrebinas, especialmente a tunisiana, origem majoritária dos
informantes. Outro dado evidente é a clara distinção entre “árabes” diferentes, sendo a variante
denominada dialetal considerada como língua materna pelos falantes, língua também utilizada no
cotidiano juntamente com o francês. Entretanto, ela parece ocupar um espaço mais ligado ao que
Corão
Arcaico
Autenticidade
Literatura
Desuso
Complexo
Mulçumano
Tradições
Língua
corrente
Fácil
Popularidade
Identidade
Casual
Raiz
Origem
Autêntica
Ignoro
Prestígio
Juventude
Molière
Clareza
Refinamento
Expressiva
Prática
Estudos
Língua
midiática
Cool
Comércio
Universal
Fácil
Abertura
81
diz respeito à vida privada e à identidade primeira. O árabe clássico é apontado como a língua do
“atraso”, que não é capaz de expressar a vida prática e contemporânea, mas que ainda guarda um
certo prestígio ao ser associada à religião e à literatura, itens que nos indicam o conceito de
tradição. O berbere não se mostrou expressivo nos resultados, pois os informantes são
majoritariamente tunisianos. A língua berbere encontra mais destaque na Argélia e no Marrocos,
onde se concentra a maioria de seus falantes, como bem expressam as constituições apresentadas
anteriormente. O inglês é indicado como uma língua estrangeira, universal e prática. A partir dos
dados obtidos, fica evidente que, apesar dos textos oficiais darem o mesmo status ao inglês e ao
francês, a realidade linguística é diferente. O francês é citado como língua segunda, categoria
completamente distinta do status de língua estrangeira.
No que diz respeito às práticas com a escrita, o intercâmbio entre os alfabetos árabe e
latino para com as línguas francesa e árabe se mostraram relevantes. O alfabeto latino foi
apontado como um alfabeto de caráter mais produtivo nas práticas linguísticas cotidianas.
Certamente, o seu destaque está estreitamente associado ao tipo de meios de comunicação como
computadores e celulares, que, em sua maioria, possuem padrões em inglês. A esse raciocínio,
podemos também acrescentar o fato do árabe dialetal, língua mais usada em situações não
formais, não possuir uma alfabeto próprio oficial, cabendo ao francês ocupar este espaço na
expressão escrita.
7.2 Ŕ A enquete argelina
O sociolinguista argelino, Yacine Derradji, realizou uma enquete com alunos da
universidade de Constantine na Argélia. Os informantes são jovens universitários Ŕ mulheres e
homens -, moradores de áreas urbanas. A enquete verifica as práticas linguísticas dos estudantes,
a mistura de códigos linguísticos diferentes realizados por eles e o grau de importância atribuído
82
às línguas berbere, árabe dialetal e clássico, francês e também o inglês pelos informantes.
Abaixo, veremos um quadro resumido das perguntas referentes às práticas linguísticas dos
falantes. A porcentagem se refere ao número geral de informantes (176 pessoas), que puderam
marcar mais de uma opção de língua para cada situação indicada.
Tabela 5
Argélia Ŕ Porcentagem de informantes que declaram utilizar cada língua nas suas práticas cotidianas. Entre
parênteses, o número de pessoas que marcaram a opção. Foi possível marcar mais de uma opção de língua. 176
informantes totais.
Língua
mais
utilizada
Árabe
dialetal Francês
Árabe
clássico Berbere Inglês
em casa
84,66% (149)
46,59% (82) 3,40% (6) 5,11% (9) 2,27% (4)
entre
amigos
87,50% (154) 60,22% (106) 6,81% (12) 2,84% (5) 1,70% (3)
na
universidade
64,20% (113) 85,22% (150) 8,52% (15) 1,13% (2) 2,84% (5)
Para o item em casa, as línguas que se destacam são: o árabe dialetal e o francês. A
presença do árabe dialetal no ambiente familiar já era esperada como língua do cotidiano,
entretanto o destaque do francês contraria o discurso oficial das constituições, mostrando que é
uma língua fortemente presente no dia-a-dia dos argelinos. A Argélia foi o país magrebino que
por mais longo tempo manteve fortes laços com a França, pois seu período de colonização foi
maior e o seu status político era o de um départament francês. A dinâmica populacional entre os
dois países também é intensa, já que muitos argelinos possuem familiares na França,
descendentes da imigração pós-colonial, o que favorece a manutenção do francês no ambiente
familiar.
83
Em seguida, mas em bem menor porcentagem, temos a indicação do berbere,
aparecendo antes do árabe clássico e do inglês, que não são línguas marcadas no ambiente
familiar. A população berbere não é tão representativa quantitativamente nas universidades, que
estão situadas em centros urbanos, o que explica a menor porcentagem. Todavia, a indicação de
uma terceira posição na estatística mostra que o berbere é uma língua utilizada no ambiente
familiar, afirmação que pode ser comprovada pelos outros dois itens: entre amigos e na
universidade. No primeiro, o par árabe dialetal-francês ganha novamente destaque, invertendo
sua posição somente quando o ambiente é a universidade. O árabe dialetal aparece claramente
como a língua materna desses informantes, enquanto o francês ganha destaque de língua
segunda. Nas universidades magrebinas, apesar das políticas de arabização, a língua francesa
ainda é a língua de ensino e pesquisa, sobretudo para as áreas científicas, o que justifica a sua
primeira posição para o item na universidade. Ainda entre amigos, o árabe clássico e o berbere
aparecem antes do inglês. Este último ganhando a quarta posição no ambiente universitário, que
tem por última língua o berbere, língua que não é utilizada nesses espaços.
Assim, podemos resumir o quadro descrito acima da seguinte maneira: árabe dialetal
ou berbere como língua materna dos informantes, tendo o árabe dialetal mais destaque na
estatística em razão dos seus informantes universitários e moradores de centros urbanos, uma vez
que o berbere é uma língua encontrada mais no interior do país. O francês aparece como língua
segunda, diferente do inglês que se caracteriza muito mais como língua estrangeira. Além de ser
uma língua presente no cotidiano dos informantes, o francês também é a língua que ganha
destaque na universidade. O árabe clássico não se apresenta como uma língua produtiva nos três
ambientes investigados, mas, mesmo assim, faz parte de alguma forma do dia-a-dia dos
informantes.
84
O pesquisador também verificou a língua mais importante para os informantes. Só foi
possível marcar uma opção. Nesta pergunta, 176 pessoas responderam à questão. Temos então o
seguinte quadro:
Tabela 6
Argélia Ŕ Porcentagem de informantes que declaram a língua que consideram mais importante nas suas práticas
cotidianas. Entre parênteses, o número de pessoas que marcaram a opção. Só foi possível uma opção de língua. 176
informantes totais.
Francês Árabe dialetal Inglês Árabe clássico Berbere
64,20% (113)
16,47% (29)
14,77% (26)
2,84% (5)
1,70% (3)
Em destaque, temos o francês em larga vantagem sobre o árabe dialetal e o inglês, que
possuem porcentagens bem próximas. Obviamente, a língua francesa ganha maior consideração
pelo grupo de pessoas pesquisadas, pois é a língua que dentro do ambiente universitário pode
fazer diferença. Ela está ligada ao prestígio profissional desses alunos. Podemos dizer que o
árabe dialetal e o inglês estão no mesmo nível de importância para essas pessoas, originárias do
meio acadêmico. O berbere não é expressivo nesse ambiente, pois não faz parte do discurso
universitário.
Outro quadro nos mostra qual língua é considerada pelo informante a mais importante
para o país. Temos ao todo1760 informantes para esta pergunta. Neste item, o inglês não foi
considerado.
85
Tabela 7
Argélia Ŕ Porcentagem de informantes que considerou cada uma das línguas como importante para o país. Foi
possível marcar mais de uma opção de língua. Entre parênteses, o número de pessoas que marcaram a opção. 176
informantes totais.
Francês
Árabe moderno
Árabe clássico
Árabe dialetal
Berbere
75% (132)
51,13% (90)
21,59% (38)
15,34% (27)
2,27% (4)
A leitura que pode ser feita das três línguas que ganham maior evidência nesse item Ŕ
francês, árabe moderno e clássico - se apresentam como um misto da identidade preconizada
pelos discursos oficiais com um inevitável reconhecimento do francês como língua argelina.
Além disso, o francês é, claramente, para esses informantes uma língua que projeta o país
para o desenvolvimento, juntamente com uma versão árabe menos rígida do que a versão
clássica, símbolo da tradição e do Corão. O árabe dialetal, apesar de ser destacado no item
língua mais importante para o informante, não se mostra produtivo quando se é necessário
assumir uma imagem do nacional. O berbere também não possui uma imagem de importância
nesse item, evidenciando o seu caráter de língua minorada dentro desse cenário das
representações das línguas no contexto argelino.
Os informantes também classificaram por ordem prioritária as línguas mais utilizadas
no cotidiano. O resultado obtido, da mais prioritária para a menos prioritária, foi:
1 Ŕ Árabe dialetal
2 Ŕ Francês
3 Ŕ Árabe clássico
4 Ŕ Árabe Moderno
5 Ŕ Inglês
6 Ŕ Berbere
86
A ordem que encontramos para esta pergunta evidencia o árabe dialetal e o francês
como as duas primeiras línguas consideradas prioritárias para a sociedade argelina, segundo a
ótica dos informantes. De fato, nas trocas linguísticas do cotidiano, o árabe dialetal e o francês
se apresentam como línguas muito produtivas nas relações diárias, como vimos anteriormente.
Podemos dizer que a primeira tem o status de língua materna da população, enquanto o
francês não possui apenas um status de língua estrangeira, mas de língua segunda, possuindo
um papel muito importante e significativo nessa sociedade.
Em seguida, o árabe clássico e o árabe moderno aparecem em terceira e quarta
posições. As duas variantes são consideradas conservadoras e não dão conta das necessidades
e usos linguísticos cotidianos dos falantes. O seu uso se limita aos meios oficiais, à religião,
às leis, ao texto constitucional, e também, à mídia escrita.
Por fim, o inglês aparece antes do berbere. Esta indicação evidencia uma atribuição de
utilidade ao inglês, que é uma língua estrangeira, maior do que ao berbere, língua nativa da
região. Apesar do inglês não possuir destaque nos resultados desta enquete, é preocupante ver
a ótica destes informantes em relação ao berbere, ocupando um espaço muito pequeno dentro
dos imaginários linguísticos dos informantes. A Argélia concentra, depois do Marrocos, uma
das maiores concentrações de falantes de tamazight no norte da África.
7.3 Ŕ A enquete marroquina
Para apresentar a situação linguística marroquina, utilizamos dados do trabalho
realizado por RUITER (2008), que investigou o multilinguismo no Marrocos, focando seu
olhar na situação da língua berbere. O sociolinguista aplicou uma enquete para 569 estudantes
universitários, entre 19-23 anos, no período de 2000 a 2003. Os informantes são em sua
maioria estudantes de Letras provenientes de nove cidades diferentes e representativas da
87
extensão do Marrocos. Temos 248 homens (43,6%) e 321 mulheres (56,4%). Setenta e cinco
por cento dos informantes declararam como língua materna o árabe dialetal, 24,6%
consideram sua língua materna o berbere e 0,4% a língua francesa.
O autor do trabalho utilizou uma metodologia na qual atribuiu uma pontuação de 1 a 5
para diferentes categorias de frequência de uso da língua ou grau de domínio das línguas,
conforme detalhado na apresentação dos dados. As comparações das respostas dos diferentes
grupos linguísticos foram feitas através de testes estatísticos, utilizando as médias e os desvios
padrões das respostas.
Desde 1980, uma política de arabização é levada a cabo no sistema educativo
marroquino. O sistema privado possui um perfil bilíngue árabe-francês, sendo frequentado
pela classe média ou pelas elites marroquinas, enquanto o sistema público de ensino é
arabizado, sendo frequentado pelas classes mais desfavorecidas economicamente. O
pesquisador nos indica, através de uma enquete realizada por EL BIAD (1991)46
, que não há
no Marrocos um discurso “anti-arabização”, mais sim um discurso à favor da arabização sem
a supressão da língua francesa do cenário linguístico do país. Ele considera que a
desigualdade econômica no Marrocos propicia à língua francesa a sua permanência no
mercado linguístico atual e futuro do Marrocos.
Para Ruiter, a arabização não teve sucesso no Marrocos, pois depois de mais de 30
anos, a língua francesa é amplamente utilizada e está presente no dia-a-dia dos marroquinos,
igualmente como o árabe. Entretanto, diferenças regionais podem ser verificadas, já que o
francês está presente em cidades mais ocidentalizadas e turísticas do Marrocos, como
Casablanca, enquanto o berbere se encontra em cidades mais ao nordeste e sul do país.
A enquete realizada pelo pesquisador avaliou o domínio da língua berbere, do árabe
clássico e dialetal, além do francês pelos informantes. O peso da língua materna no domínio
46
In RUITER, 2008.
88
das línguas também foi levado em consideração. Trabalharemos também com os dados do
perfil linguístico desses estudantes, suas avaliações sobre as línguas em questão e suas
práticas linguísticas com as mesmas a fim de ter as informações necessárias para fechar nosso
quadro comparativo com as enquetes tunisiana e argelina.
7.4 - Práticas com o árabe literário
A primeira investigação da enquete marroquina tinha como objetivo investigar o uso
do berbere entre os estudantes nas seguintes situações: “durante as refeições”, “com outros
estudantes” e “com as pessoas na rua”. Os alunos puderam avaliar a frequência com que
falavam berbere nessas situações: sempre; com muita frequência; em 50% dos casos; às
vezes; nunca. Temos então o seguinte quadro:
Tabela 8
Marrocos Ŕ Porcentagem de frequência da utilização do berbere pelos informantes por situação. Entre
parênteses, o número de pessoas que marcaram a opção. 131 informantes totais.
Durante as refeições
Com outros
estudantes
Com as pessoas na
rua
Sempre
44,3% (58) 6,9% (9) 6,9% (9)
Com muita
frequência
10,7% (14) 11,5 % (15) 11,5% (15)
Em 50% dos
casos
9,2% (12) 6,9% (9) 10,7% (14)
Às vezes
30,5% (40) 41,2% (54) 38,9% (51)
Nunca
5,3 (7) 33,6% (44) 32,1 (42)
O berbere se apresentou como uma língua muito falada durante as refeições Ŕ sempre
(44,3%) ou às vezes (30,5%). Entretanto, mostrou-se pouco utilizada quando a conversa é
com outros estudantes Ŕ 41,2% e 33,6% disseram falar às vezes ou nunca a língua nesta
situação. Na rua, a situação se repete, pois temos 38,9% para às vezes e 32,1% para nunca. A
89
língua berbere é definitivamente a língua do espaço familiar para esses informantes, sendo
pouco produtiva no espaço social, como na rua e na universidade.
O segundo quadro nos mostra a utilização do árabe literário47
do domínio da leitura
por informantes de língua materna berbere e árabe dialetal. Temos os seguintes itens
avaliados: ler um livro, uma revista e uma carta em árabe literário. Para a interpretação das
médias temos: 1 Ŕ Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5
Ŕ Nunca. Temos 427 informantes arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média,
maior a frequência.
Tabela 9
Marrocos Ŕ Frequência da utilização do árabe literário para habilidade leitura por grupos com língua materna
árabe dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1
Ŕ Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes
arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.
Ler um livro Ler um jornal
Grupo de
línguas Árabe dialetal Berbere Árabe dialetal Berbere
Média 3,0995 2,9712 2,9048 2,8478
Desvio padrão 1,2173 1,1480 1,1928 1,1456
Ler uma revista Ler uma carta
Grupo de
línguas Árabe dialetal Berbere Árabe dialetal Berbere
Média 3,1647 3,0976 3,3905 3,0504
Desvio padrão 1,1857 1,1787 1,2281 1,2984
Podemos observar que a média das habilidades fica em torno de 3 (50% dos casos),
mas, apesar da pouca variabilidade entre os dois grupos de informantes, o grupo de língua
47
Também nomeado como árabe standard moderno.
90
materna berbere é o que chega mais perto de 2 (com muita frequência). Assim, é possível pensar
que o grupo berbere usaria um pouco mais frequentemente o árabe literário do que o grupo árabe
dialetal para o quesito leitura.
Da mesma forma, os dados da enquete confirmam que escrever e falar em árabe
literário também não é produtivo para ambos os grupos. A média de respostas ficam em torno de
3 e 4 Ŕ para a escrita - o que significa que só em “50% dos casos” ou “às vezes” e 4 e 5 (nunca)
para a fala, como podemos verificar nos quadros abaixo:
Tabela 10
Marrocos Ŕ Frequência da utilização do árabe literário para habilidade escrita por grupos com língua materna
árabe dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1
Ŕ Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes
arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.
.
Escrever uma carta
Grupo de
línguas Árabe dialetal Berbere
Média 3,3810 3,0647
Desvio padrão 1,3530 1,3790
91
Tabela 11
Marrocos Ŕ Frequência da utilização do árabe literário em 3 situações cotidianas por grupos com língua materna
árabe dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1
Ŕ Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes
arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.
Durante as refeições
Com outros
estudantes
Com as pessoas na
rua
Grupo de
línguas
Árabe
dialetal Berbere
Árabe
dialetal Berbere
Árabe
dialetal Berbere
Média
4,5156 4,6204 4,3007 4,1037 4,5214 4,4412
Desvio
padrão
0,8029 0,6980 0,8887 1,0020 0,7768 0,8144
Os dados também não foram expressivos quanto à compreensão oral desta variante do árabe.
Vejamos no quadro abaixo:
Tabela 12
Marrocos Ŕ Frequência da utilização do árabe literário para habilidade escuta por grupos com língua materna
árabe dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1
Ŕ Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes
arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.
Programas de TV e rádio Discos
Grupo de
línguas Árabe dialetal Berbere Árabe dialetal Berbere
Média 3,2565 3,2319 3,4526 3,3406
Desvio padrão 1,1754 1,1289 1,1783 1,2232
92
7.5 Ŕ Práticas com o francês
As mesmas habilidades foram consideradas para a investigação do uso da língua
francesa pelos informantes. Vejamos os resultados para o item “ler” e para o item “escrever”:
Tabela 13
Marrocos Ŕ Frequência da utilização do francês para habilidade leitura por grupos com língua materna árabe
dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1 Ŕ
Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes
arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.
Ler um livro Ler um jornal
Grupo de
línguas Árabe dialetal Berbere Árabe dialetal Berbere
Média 2,6370 2,7643 2,7840 3,0357
Desvio padrão 1,1615 1,4819 1,1942 1,1717
Ler uma revista Ler uma carta
Grupo de
línguas Árabe dialetal Berbere Árabe dialetal Berbere
Média 2,7160 3,0435 3,0588 3,3143
Desvio padrão 1,2026 1,2432 1,2936 1,2699
93
Tabela 14
Marrocos Ŕ Frequência da utilização do francês para habilidade escrita por grupos com língua materna árabe
dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1 Ŕ
Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes
arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.
.
Escrever uma carta
Grupo de
línguas Árabe dialetal Berbere
Média 2,9813 3,2643
Desvio padrão 1,3513 1,2785
Essas variantes nos mostram que o grupo dos arabófonos fica mais próximo da
frequência do uso do francês nesses casos. Na leitura, suas médias se aproximam mais de 2, ou
seja, “com frequência” eles leem em francês mais que os berberófonos. Para o item “escrita”, a
mesma relação se confirma, mostrando um maior contato e uso do francês pelo grupo de língua
materna árabe.
Para as atividades ligadas à produção e à compreensão oral, temos dados diferentes. O
francês claramente não será a língua do ambiente familiar e entre amigos. A média das respostas
fica em torno de 4 - “às vezes”. Entretanto, assistir e escutar a mídia em francês terá maior
ocorrência entre os informantes, principalmente para o grupo arabófono, tendo uma média de
respostas em torno de 2 Ŕ com frequência, o quer podemos confirmar com os quadros abaixo:
94
Tabela 15
Marrocos Ŕ Frequência da utilização do francês em 3 situações cotidianas por grupos com língua materna árabe
dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1 Ŕ
Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes
arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.
Durante as refeições
Com outros
estudantes
Com as pessoas na
rua
Grupo de
línguas
Árabe
dialetal Berbere
Árabe
dialetal Berbere
Árabe
dialetal Berbere
Média
4,1455 4,4565 3,4502 3,7464 4,0831 4,2440
Desvio
padrão
0,8878 0,7841 0,9777 0,8111 0,7989 0,8157
Tabela 16
Marrocos Ŕ Frequência da utilização do francês para a habilidade escuta por grupos com língua materna árabe
dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1 Ŕ
Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes
arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.
Programas de TV e rádio Discos
Grupo de
línguas Árabe dialetal Berbere Árabe dialetal Berbere
Média 2,6651 2,8261 2,8789 3,1014
Desvio padrão 1,0688 1,0577 1,1576 1,1417
A partir da leitura dos dados aqui apresentados, podemos verificar que o Marrocos
possui claramente dois grupos com perfis linguísticos distintos Ŕ berberófonos e arabófonos.
E a utilização das línguas do cenário linguístico por esses seguem também, por sua vez,
caminhos divergentes.
95
O grupo de língua materna berbere possui maiores habilidades com o árabe clássico do
que o grupo de língua materna árabe. Em contrapartida, o inverso ocorre quando o uso da
língua francesa nas quatro habilidades se mostra mais produtivo para o grupo árabe. A
pergunta que poderíamos nos fazer é o porquê dessa tendência. A primeira avaliação a ser
levada em consideração é o processo escolar desses informantes. A maioria de origem berbere
frequenta as escolas públicas, que tem por política linguística principal a valorização do árabe
clássico/literário. O grupo de origem árabe acaba tendo maior acesso às escolas privadas,
onde o ensino do francês tem um status diferente.
Outro fator a ser discutido, é o fato de que a língua francesa está mais presente nas
grandes cidades e rotas turísticas, o que facilita o seu uso pelos indivíduos provenientes
dessas áreas, geralmente de origem arabófona. Do contrário, as cidades mais isoladas ou
longe dessas rotas são mais povoadas por grupos berberes.
Podemos, por fim, dizer que os grupos berberófonos, acabam por sofrer maiores
consequências das políticas de arabização implementadas pelo governo marroquino, pois
possuem menor mobilidade de escolha quanto ao processo de escolarização, diferente do
grupo de língua árabe, o que os leva a se identificar mais com o francês, língua de prestígio de
uma elite marroquina.
9. Um olhar geral sobre as três enquetes
Para uma olhar geral sobre as três enquetes, podemos destacar os aspectos comuns
entre elas, sobretudo ao que se refere a seus resultados. Os informantes tinham como ponto
em comum o fato de serem jovens escolarizados ou em processo de escolarização, sobretudo
o público universitário dos centros urbanos dos três países aqui estudados. Nas perguntas
96
feitas pelos questionários, destacam-se três pontos gerais Ŕ o perfil linguístico dos estudantes,
suas representações acerca das línguas indagadas e suas práticas linguísticas.
Os resultados nos apontam as representações linguísticas associadas a cada língua e o
lugar que ocupam no mercado linguístico magrebino. Podemos, então, afirmar que
encontramos nas respostas o seguinte eixo comum:
Árabe clássico Ŕ Língua da religião e representativa de uma nação livre e soberana.
Língua oficial e constitucional da nação, mas não é a língua utilizada pela população, que
deve aprendê-la na escola, como uma língua estrangeira.
Árabe Literário, Moderno ou Standard Ŕ Língua simplificada, padrões variados que
representam tentativas de se padronizar e modernizar o árabe clássico. Língua mais usada na
escrita e em situações orais que exijam mais formalidade por parte do falante.
Árabe dialetal Ŕ Língua do dia-a-dia, materna, familiar. Não possui uma padronização
escrita. Entende-se por árabe dialetal a língua regional, por isso a possibilidade de nomeá-
la como Tunisiano, Argelino e Marroquino.
Berbere Ŕ Língua materna de alguns grupos e minorada política e socialmente na
região. Realizada com maior frequência na oralidade, apesar das tentativas de se
padronizar uma escrita para ela. É falada especialmente por grupos que moram longe dos
centros urbanos e que são de cultura Berbere.
Francês Ŕ Língua segunda, contrariamente ao que dizem as constituições aqui
analisadas. O Francês não é uma língua estrangeira como poderíamos classificar a partir do
discurso oficial. Seu espaço no mercado linguístico magrebino é muito dinâmico, pois está
ligada à ideia de ascensão social. Está presente no mundo da comunicação, da escrita e no
meio acadêmico e intelectual. O francês representa um acesso a um mundo ocidental
europeu moderno por essas novas gerações, que buscam na língua alternativas de
identidade.
97
Inglês Ŕ A língua inglesa aparece com algum destaque em duas enquetes como língua
estrangeira, onde podemos comprovar o seu aspecto secundário, apesar de ganhar terreno
com a abertura econômica e política dos países magrebinos à globalização.
98
Conclusão
Podemos verificar que a construção da identidade nacional em torno de uma língua
única tem sempre por interesse a manutenção de privilégios políticos. Para se sustentar como
uma nação, um grupo social se serve de várias representações, que muitas vezes não tem relação
com a realidade ou a história daquele grupo. As representações ligadas a uma dada língua,
criadas por uma comunidade, interferem na sua relação com a mesma, promovendo políticas
linguísticas próprias à visão adotada pelo grupo.
Do período de independência até os dias de hoje, muita coisa não mudou quando o
assunto é língua no Magrebe. As sociedades magrebinas, através das suas políticas de
valorização da cultura e língua árabes no período pós-colonial, basearam seus projetos de
construção de identidade nacional na ideia de um árabe puro e representante da tradição,
ocultando conflitos com os grupos de línguas minoritárias, como o Berbere, além do não
reconhecimento de outras variantes do árabe. Este fato também permitiu à língua francesa um
papel muito particular nessas comunidades, associando a ela as ideias de progresso e de
modernidade. O francês joga um jogo duplo nas representações dos falantes nesses países: o de
inimigo (língua do colonizador), mas ao mesmo tempo é a língua que permite acesso ao mundo
ocidental europeu, aos seus saberes e tecnologias. O francês é um impasse na constituição
futura dos projetos nacionais de Tunísia, Argélia e Marrocos, ao mesmo tempo em que segue
como ponto de coesão entre os diversos aspectos linguísticos dessas comunidades, já que as
políticas em torno do árabe também não são coerentes com a realidade.
Ao longo dos anos, o berbere ganhou reconhecimento oficial nas constituições de
Argélia e, principalmente, Marrocos, mas política linguística não é só discurso. Apesar do
esforço de se planificar e implementar uma norma padrão do berbere, com materiais didáticos,
gramática, logística e pessoal qualificado para o ensino do berbere nas escolas, ou mesmo,
incentivo à divulgação da língua em meios oficiais e na mídia, ainda há muita resistência. Está
99
associado a ele um status identitário inferior ao do francês ou o do árabe, o que torna mais
difícil a sua utilização nessas sociedades, ficando restrito ao âmbito familiar.
Com a independência, ao contrário do que possamos imaginar, as nações colonizadas
não buscaram novos modelos de organização política, pois já bastante fragilizadas, evitando
guerras internas, reproduziram os mesmos modelos de Estado onde foram cultivadas, como é o
caso magrebino. E nada mudou muito de lá para cá. A língua do colonizador ainda tem ares de
ameaça ou de traição ao passado, ao mesmo tempo em que não pode ser descartada, pois é o
símbolo do sucesso social, da modernidade e o elo com o mundo ocidental. O árabe sustenta o
papel da identidade principal, assim como o berbere ocupa o lugar das raízes.
No Magrebe, as línguas e as identidades a elas ligadas estão muito bem definidas, mas
as gerações mudam e com elas os seus símbolos. Podemos herdar das nossas comunidades
discursos, valores, imagens e crenças. Todavia, algo novo sempre surge para renovar os ares.
As enquetes mostram o quanto ainda se cultiva do pensamento pós-independência, mas
também podemos perceber que alguns mitos começam a se desfazerem. E é nesse ponto que
podemos dizer que há um futuro para a língua francesa no Magrebe, que começa a ser assumida
pelas novas gerações como uma língua sua e não mais do colonizador. Imaginário facilitado
pelos novos meios de comunicação que dão visibilidade e acesso ao mundo, além do fluxo de
franco-magrebinos, que no limbo da identidade cultural, circulam com suas representações
entre Magrebe e França. O francês só terá espaço e prosperidade nessas comunidades quando
com elas se “crioulizar” (para o desespero da academia), quando for uma língua magrebina,
quando a francofonia não mais rimar com periferia.
100
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