o que É pÓs-moderno

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Excelente resumo do não menos excelente livro O que é pós-moderno de Jair Ferreira dos SANTOS, editado na Coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense em 1987. Obra imperdível para quem milita na área de Educação, Informática, Sociologia e, em especial, Educação a Distância.

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(trechos do livro: O que ps-moderno, Jair Ferreira dos Santos, Ed. Brasiliense, 1987) (sublinhado, subttulos e seleo dos trechos: Laerte Moreira dos Santos)

H qualquer coisa no ar. Um fantasma circula entre ns nestes anos 80: o ps-modernismo. Uma vontade de participar e uma desconfiana geral. Jogging, sex-shops, mas gente dizendo: "Deus est morto, Marx tambm e eu no estou me sentindo muito bem." Videogames em casa, auroras de laser na danceteria. Nietzsche e Boy George comandam o desencanto radical sob o guarda-chuva nuclear. Nessa gelia total, uns vem um piquenique no jardim das delcias; outros, o ltimo tango beira do caos. Ps-modernismo o nome aplicado s mudanas ocorridas nas cincias, nas artes e nas sociedades avanadas desde 1950, quando, por conveno, se encerra o modernismo (1900-1950). Ele nasce com a arquitetura e a computao nos anos 50. Toma corpo com a arte Pop nos anos 60. Cresce ao entrar pela filosofia, durante os anos 70, como crtica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na msica e no cotidiano programado pela tecnocincia (cincia + tecnologia invadindo o cotidiano com desde alimentos processados at microcomputadores), sem que ningum saiba se decadncia ou renascimento cultural. Mas apertemos o cerco ao fantasma. Imaginemos uma fabulazinha onde o heri seja um certo urbanide ps-moderno: voc. Ao acord-lo, o rdio-relgio digital dispara informaes sobre o tempo e o trnsito. Ligando a FM, l est o U-2. O vibromassageador amacia-lhe a nuca, enquanto o forno microondas descongela um sanduche natural. No seu micro Apple II, sua agenda indica: REUNIO AGNCIA 10H/ TNIS CLUBE 12H/ ALMOO/ TROCAR CARTO MAGNTICO BANCO/ TRABALHAR 15H/ PSICOTERAPIA 18H/ SHOPPING/ OPES: INDIANA JONES-BLADE RUNNER VIDEOCASSETE ROSE, SE LIGAR / SE NO LIGAR, OPES: LER O NOME DA ROSA (ECO) - DALLAS NA TV - DORMIR COM SONFEROS VITAMINADOS/. Seu programa rolou fcil. Na rua divertiu-se pacas com a manifestao feminista pr-aborto que contava com um bloco s de freiras e, a metros dali, com a escultura que refazia a Piet (aquela do Miguelangelo) com baconzitos e cartes perfurados. Rose ligou. Voc embarcou no filme Indiana Jones sentado numa poltrona estilo Menphis - uma pirmide laranja em vinil - desfiando piadas sobre a tese dela em filosofia: Em Cena, a Decadncia. A cmera adaptada ao vdeo filmou vocs enquanto faziam amor. Ser o porn que animar a prxima vez.

Ao traz-lo de carro para casa, Rose, que esticaria at uma festa, veio tipo impacto: maquiagem teatral, brincos enormes e uma gravata prateada sobre o camiso lils. Na cama, um sentimento de vazio e irrealidade se instala em voc. Sua vida se fragmenta desordenadamente em imagens, dgitos, signos tudo leve e sem substncia como um fantasma. Nenhuma revolta. Entre a apatia e a satisfao, voc dorme. A fabulazinha, claro, no tem moral nem permite concluses, mas pe na bandeja os lugares por onde circula o fantasma ps-moderno. 1. Para comear, ele invadiu o cotidiano com a tecnologia eletrnica de massa e individual, visando sua saturao com informaes, diverses e servios. Na Era da Informtica, que o tratamento computadorizado do conhecimento e da informao, lidamos mais com signos do que com coisas. O motor a exploso detonou a revoluo moderna h um sculo; o chip, microprocessador com o tamanho de um confete, est causando o rebu ps-moderno, com a tecnologia programando cada vez mais o diaa-dia. 2. Na economia, ele passeia pela vida sociedade de consumo, agora na fase do consumo personalizado, que tenta a seduo do indivduo isolado at arrebanh-lo para sua moral hedonista - os valores calcados no prazer de usar bens e servios. A fbrica, suja, feia, foi o templo moderno; o shopping, ferico em luzes e cores, o altar ps-moderno. 3. Mas foi na arte que o fantasma ps-moderno, ainda nos anos 50, comeou a correr o mundo. Da arquitetura ele pulou para a pintura e a escultura, da para o romance e o resto, sempre satrico, pasticheiro e sem esperana. Os modernistas (vejam Picasso) complicaram a arte por lev-la demasiado a srio. Os ps-modernistas querem rir levianamente de tudo. 4. Enfim, o ps-modernismo ameaa encarnar hoje estilos de vida e de filosofia nos quais viceja uma idia tida como arqui-sinistra: o niilismo, o nada, o vazio, a ausncia de valores e de sentido para a vida. Mortos Deus e os grandes ideais do passado, o homem moderno valorizou a Arte, a Histria, o Desenvolvimento, a Conscincia Social para se salvar. Dando adeus a essas iluses, o homem psmoderno j sabe que no existe Cu nem sentido para a Histria, e assim se entrega ao presente e ao prazer, ao consumo e ao individualismo. E aqui voc pode escolher entre ser: a) a criana radiosa - o indivduo desenvolto, sedutor, hedonista integrado tecnologia, narcisista com identidade mvel, flutuante, liberado sexualmente, conforme o incensam Lipovestsky, Fiedler e Toffler, alegres gurus que vamos visitar logo mais; b) o andride melanclico - o consumidor programado e sem histria, indiferente, tomo estatstico na massa, boneco da tecnocincia, segundo o abominam Nietzsche e Baudrillard, Lyotard, profetas do apocalipse cujo evangelho tambm vamos escutar. Assim, tecnocincia, consumo personalizado, arte e filosofia em torno de um homem emergente ou decadente so os campos onde o fantasma ps-moderno pode ser surpreendido. Ele ainda est bastante nebuloso, mas uma coisa certa: o ps-modernismo coisa tpica das sociedades ps-industriais baseadas na Informao - EUA, Japo e centros europeus. A rigor nada tem a ver com o Brasil, embora j se assista a um trailer desse filme por aqui. ........ Observe o videoclip que abre o programa de TV Fantstico, o 'Show da Vida, que j no ttulo 'espetaculariza' o viver. Uma pirmide e um cone dourados evoluem na tela, fragmentam-se em anis transformados em plataformas suspensas onde bailarinos em trajes ao mesmo tempo futuristas e antigos danam uma pea musical executada por orquestra e sintetizador. Para quem no sabe, o bal foi filmado em palco normal no Maracanzinho e um computador recortou toda a seqncia para imprimila sobre as plataformas areas, cujos movimentos tambm foram criados por computao. O show na Verdade no nem a energia misteriosa simbolizada pela pirmide (passado), nem a cincia sugerida pelo cone (futuro), mas a dana livre da matria no espao, a levitao simulada tecnologicamente. Aliada ao computador, a televiso simulou um espao hiper-real, espetacular, que excita e alegra como um acrobata.

E da? Da que a levitao, em si desejvel mas invivel na gravidade, parece ser possvel na TV. O hiper-real simulado nos fascina porque o real intensificado na cor, na forma, no tamanho, nas suas propriedades. um quase sonho. Vejo um close do iogurte Danone em revistas ou na TV. Sua superfcie enorme, lustrosa, sedutora, ttil - d gua na boca. O Danone verdadeiro um alimento mixuruca, mas seu simulacro hiper-realizado amplifica, satura sua realidade. Com isso, somos levados a exagerar nossas expectativas e modelamos nossa sensibilidade por imagens sedutoras. O ambiente ps-moderno significa basicamente isso: entre ns e o mundo esto os meios tecnolgicos de comunicao, ou seja, de simulao. Eles no nos informam sobre o mundo; eles o refazem sua maneira, hiper-realizam o mundo, transformando-o num espetculo. Uma reportagem a cores sobre os retirantes do Nordeste deve primeiro nos seduzir e fascinar para depois nos indignar. Caso contrrio, mudamos de canal. No reagimos fora do espetculo. (pg. 13) ............... (D)escobriu-se h alguns anos, com a Lingstica, a Antropologia, a Psicanlise, que, para o homem, no h pensamento, nem mundo (nem mesmo homem), sem linguagem, sem algum de Representao. Mais: a linguagem dos meios de comunicao d forma tanto ao nosso mundo (referente, objeto), quanto ao nosso pensamento (referncia, sujeito). Para serem alguma coisa, sujeito e objeto passam ambos pelo signo. A ps-modernidade tambm uma Semiurgia, um mundo superrecriado pelos signos. Quando nosso urbanide, na fabulazinha, se sente irreal, o ego e o mundo surgindo-lhe vagos como um fantasma, porque ele manipula cada vez mais signos em vez de coisas. Sua sensibilidade frgil, sua identidade, evanescente. Na ps-modernidade, matria e esprito se esfumam em imagens, em dgitos num fluxo acelerado. A isso os filsofos esto chamando de desreferencializao do real e dessubstancializao do sujeito, ou seja, o referente (a realidade) se degrada em fantasmagoria e o sujeito (o indivduo) perde a substncia anterior, sente-se vazio. H exemplos chocantes disso. Quanto ao referente: compra-se um Monza no tanto por suas qualidades tcnicas, mas por seu design, seu nome nobre, seus signos na publicidade, que compem uma imagem de status e bom gosto europeizados. Compra-se um discurso sobre o Monza. Quanto ao sujeito: a falta de substncia est na extrema diferenciao que as pessoas procuram atravs da moda, personalizandose pela aparncia e o narcisismo levado extravagncia; ou ento, imitando modelos exticos...... (Pg. 15) ............ Sublinhamos at aqui palavras que so verdadeiras senhas para invocar o fantasma psmoderno: chip, saturao, seduo, niilismo, simulacro, hiper-real, digital, desreferencializao, etc. Dificilmente elas serviriam para descrever o mundo de 30 ou 40 anos atrs, o mundo moderno, quando se falava em energia, mquina, produo, proletariado, revoluo, sentido, autenticidade. Mas se a psmodernidade significa mudanas com relao modernidade, o fato que no se pode dispensar o ao, a fbrica, o automvel, a arquitetura funcional, a luz eltrica - conquistas associadas ao modernismo. Assim, no fundo, o ps-modernismo um fantasma que passeia por castelos modernos. Mas as relaes entre os dois so ambguas. H mais diferenas que semelhanas, menos prolongamentos que rupturas. O individualismo atual nasceu com o modernismo, mas o seu exagero narcisista um acrscimo ps-moderno. Um, filho da civilizao industrial, mobilizava as massas para a luta poltica; o outro, florescente na sociedade ps-industrial, dedica-se minorias sexuais, raciais, culturais, atuando na micrologia do cotidiano. Por ora, contentemo-nos com saber que ps contm um des - um princpio esvaziador, diluidor. O ps-modernismo desenche, desfaz princpios, regras, valores, prticas, realidades. A desreferencializao do real e a des-referencializao do real e a des-substancializao do sujeito, motivadas pela saturao do cotidiano pelos signos, foram os primeiros exemplos. Muitos outros viro. Entendamos ainda que o ps-modernismo um ecletismo, isto , mistura vrias tendncias e estilos sob

o mesmo nome. Ele no tem unidade; aberto, plural e muda de aspecto se passamos da tecnocincia para as artes plsticas, da sociedade para a filosofia. Inacabado, sem definio precisa, eis por que as melhores cabeas esto se batendo para saber se a "condio ps-moderna" __ mescla de purpurina com circuito integrado - decadncia fatal ou renascimento hesitante, agonia ou xtase. Ambiente? Estilo? Modismo? Charme? Para dor dos coraes dogmticos, o ps-modernismo por enquanto flutua no indecidvel. (pgs. 17-19) ........., depois que a matria se desintegrou em energia (boom ) e esta agora se sublima em informao (bit ), assistimos na sociedade ps-industrial desmaterializao da economia. O mundo se pulveriza em signos, o planeta uma rede pensante, enquanto o sujeito fica um n de clulas nervosas a processar mensagens fragmentrias. Eis por que falamos h pouco em desreferencializao do real e dessubstancializao do sujeito. O que foi processado em bit (real) difundido em blip -_ pontos, retalhos, fragmentos de informaes (para o sujeito). O indivduo na condio ps-moderna um sujeito blip, algum submetido a um bombardeio macio e aleatrio de informaes parcelares, que nunca formam um todo, e com importantes efeitos culturais, sociais e polticos. Pois a vida no ambiente ps-moderno um show constante de estmulos desconexos onde as vedetes so o design, a moda, a publicidade, os meios de comunicao. Projetando formas atraentes, embalagens apelativas, o design estetiza (embeleza) o cotidiano saturado por objetos. Eles viram informao esttica com suas cores, suas superfcies lisas, suas linhas aerodinmicas, e so verdadeiras iscas de seduo. Vai-se ao hipermercado, onde a mercadoria o espetculo, para passear, e comprar __ gesto banal __ torna-se um jogo de gratificao. A moda e a publicidade, por sua vez, tm por misso erotizar o dia-a-dia com fantasias e desejos de posse. Uma carga ertica deve envolver por igual pessoas e objetos para impactar o social, sugerindo ao indivduo isolado um ideal de consumo personalizado, ao massagear seu narcisismo. A comunicao, desde as FM at os videoclips, agita-se para mant-lo o tempo todo ligado, na base do "no se reprima". (pg. 27) Arte moderna e ps-moderna ... O modernismo a Crise da Representao realista do mundo e do sujeito na arte. A esttica tradicional fracassa ao captar um mundo cada vez mais confuso e um indivduo cada vez mais fragmentado. Novas linguagens deveriam surgir para que um sujeito catico pudesse no representar, mas interpretar livremente a realidade, segundo sua viso particular. Para isso, a nova esttica modernista cavou um fosso entre arte e realidade. A arte fica autnoma, liberta-se da representao das coisas (a fotografia j o fazia muito melhor), decretando o fim da figurao, usando a deformao, a fragmentao, a abstrao, o grotesco, a assimetria, a incongruncia. Linguagem nova quer dizer forma nova, no imitativa. Nascem a o formalismo e o hermetismo da arte moderna, que um jogo com formas inventadas. Pois ela no fala de um mundo exterior ao quadro, escultura. Deformando ou banindo o referente (o real), ela cria formas novas e torna-se por isso auto-referencializada. Ela seu prprio assunto: linhas, cores, volumes, composio. Basta comparar Da Vinci com Picasso. Reconheceramos na rua a Mona Lisa, mas jamais encontraramos fora da tela as cubistas Senhoritas d'Avignon, feitas em losangos, que abrem a pintura moderna em 1907. (pg. 33-34) ............. Foi contra o subjetivismo e o hermetismo modernos que surgiu a arte Pop, primeira bomba ps-moderna. Convertida em antiarte, a arte abandona os museus, as galerias, os teatros. lanada nas ruas com outra linguagem, assimilvel pelo pblico: os signos e objetos de massa. Dando valor artstico banalidade cotidiana - anncios, heris de gibi, rtulos, sabonetes, fotos, stars de cinema, hamburguers -, a pintura/escultura Pop buscou a fuso da arte com a vida, aterrando o fosso aberto pelos modernistas. A antiarte ps-moderna no quer representar (realismo), nem interpretar (modernismo), mas apresentar a vida diretamente em seus objetos. Pedao do real dentro do real (veja as garrafas reais penduradas num quadro), no um discurso parte, a antiarte a desestetizao e a desdefinio da arte. Ela pe fim "beleza", "forma", ao valor "supremo e eterno" da arte (desestetizao) e ataca a prpria definio de arte ao abandonar o leo, o bronze, o pedestal, a

moldura, apelando para materiais no artsticos, do cotidiano, como plstico, lato, areia, cinza, papelo, fluorescente, banha, mel, ces e lebres, vivos ou mortos (desdefinio) Isto s foi possvel por duas razes. Primeiro porque o cotidiano se acha estetizado pelo design e, como vimos, os objetos em srie so signos digitalizados e estilizados para a escolha do consumidor. Depois, porque nosso ambiente todo ele constitudo pelos mass media. Vivemos imersos num rio de signos estetizados. O artista Pop pode diluir a arte na vida porque a vida j est saturada de signos estticos massificados. A antiarte trabalha sobre a arte dos ilustradores de revistas, publicitrios e designers, e acaba sendo uma ponte entre a arte culta e a arte de massa; pela singularizao do banal (quando Andy Warhol empilha caixas de sabo dentro de uma galeria e diz que escultura) ou pela banalizao do singular (quando Roy Litchtenstein repinta em amarelo e vermelho, cores de massa, a Mulher com o chapu Florido, de Picasso). Elite e massa se fundem na antiarte. Ao trocar a arte abstrata, difcil, modernista, pela figurao acessvel nos objetos e imagens de massa, a antiarte ps-moderna estava revivendo o dadasmo, tendncia modernista que durou pouco (1916/1921) e se dedicava a brincar com objetos no caos cotidiano. No dadasmo, como na antiarte, o importante o gesto, o processo inventivo, no a obra. Acabou-se tambm a contemplao fria e intelectual dos modernos. A antiarte participativa, o pblico reagindo pelo envolvimento sensorial, corporal. (Brincase vontade com as bolhas de plstico criadas aqui no Brasil por Lgia Clark.) Pop, minimal, conceitual, hiper-realismo, processos, happenings, performances, transvanguarda, vdeo-arte - seja qual for o estilo, a antiarte ps-moderna se apia nos objetos (no no homem), na matria (no no esprito), no momento (no no eterno), no riso (no no srio). Ela frvola, pouco crtica, no aponta nenhum valor ou futuro para o homem. Desestetizando-se , desdefinindo-se, tornando difcil saber-se o que arte o que realidade, ela tende ao niilismo, a zerar a prpria arte. Pois na condio ps-moderna, se o NO modernista intil, dado o gigantismo dos sistemas, ento vamos desbundar alegre e niilisticamente no ZERO PATAFSICO. (Oposta s solues sries, a patafsica __ segundo seu criador, o dadasta Jerry - a cincia das solues imaginrias e ridculas). (pg. 37-38)

COMPARAO ENTRE MODERNISMO .X PS-MODERNISMO Cultura elevada .........................................Cotidiano banalizado Arte ...........................................................Antiarte Estetizao ................................................Desestetizao Interpretao ..............................................Apresentao Obra/originalidade ......................................Processo/pastiche Forma/abstrao .........................................Contedo/figurao Hermetismo .................................................Fcil compreenso Conhecimento superior ................................Jogo com a arte Oposio ao pblico .....................................Participao do pblico Crtica cultural ............................................Comentrio cmico, social Afirmao da arte .......................................Desvalorizao obra/autor (pg. 41)

Arte, Arquitetura e ps modernismo .... Nas artes, o ps modernismo apareceu primeiro na arquitetura, j nos anos 50. O inimigo mais visado foi o funcionalismo racionalismo da Bauhaus e seu dogma modernista: a forma segue a funo. Primeiro a finalidade, depois a beleza. E funcionalismo significava racionalidade com simplicidade, clareza, abstrao, janelas em srie, ngulo reto. Em suma, nos espiges das selvas de pedra em que vivemos. A reao ps-moderna comea com arquitetos italianos, depois americanos e ingleses. Contra o estilo universal modernista, voltam-se para o passado, pesquisam novos e velhos materiais, estudam o ambiente, a fim de cria uma arquitetura que fale a linguagem cultural das pessoas que vo utiliz-la. A funo passou a obedecer a forma e a fantasia. Aos materiais oferecidos pela indstria moderna, eles acrescentaram materiais abandonados (cascalho) ou bem recentes (frmica e plexiglass). O ornamento recuperado: at colunas gregas reaparecem. Os valores simblicos (o prtico senhorial) so prestigiados, junto com o retorno a estilos antigos como o barroco. Mas ao organizar o espao que o esprito carnavalesco do ps-modernismo se declara. s retas, racionais, opem-se a emoo e o humor das curvas. Contra a pureza, o ecletismo: junta-se ornamento barroco com vidro fume. No lugar da abstrao, a fantasia (edifcios em forma de piano), e busca-se a vida com a volta da cor. Evita-se a srie repetitiva, montona. O humor flagrante: no Hotel Bonaventura, em Los Angeles, alm dos elevadores externos que caem com espalhafato num lago, o espao interno divertidamente complicado, sendo difcil achar-se o caminho para as lojas. Mas a marca tpica da arquitetura psmoderna a combinatria linhas e formas curvas com linhas e formas oblquas. D em desequilbrio, decorao, movimento, bizarrice, fantasia, alegria (o oposto do modernismo). (pg. 44-45) .......... O hiper-realismo ou foto-realismo uma forma de Arte Pop e ps-moderna, pois copia minuciosamente em tinta acrlica fotografias (simulacros) de automveis, paisagens urbanas, fachadas, anncios, que depois so apresentados em tamanho natural ou monumental (hiper, enorme). A tinta acrlica, lustrosa, deixa o real mais intenso, bonito; ou ento o polister, na escultura, deixa a figura mais viva, vibrante, como se vista numa TV a cores. Novamente o ps-modernismo se apia no simulacro. Cludio Bravo, Dovane Hanson, Richard Smith esto entre os hiper-realistas aclamados internacionalmente, enquanto Gregrio Correia, com quadros que surpreendem o Anhangaba, em So Paulo, num abandono triste, morto o foto-realista brasileiro de maior notoriedade. Na escultura, as peas hiper vm cobertas com materiais reais: roupas, culos, celofane, etc. (pg. 48-49) .............A antiarte ps-moderna se desestetiza porque a vida se acha estetizada pelo design, a decorao. Os ambientes atuais j so arte e assim pintura e escultura podem se fundir com a arquitetura, a paisagem urbana, tornando-se fragmentos do real dentro do real. Desde os anos 60 at hoje, artistas como Allan Kaprow, Luas Samarras, El Lissitsky, e os brasileiros Hlio Oiticica, Cildo Meireles tm produzido obras que incorporam todo o espao ambiental. Objetos acumulados ou distribudos ao acaso envolvem o espectador para que ele esteja no diante, mas dentro da obra, com os sentidos todos afetados. Misturam-se pintura, escultura, msica, arquitetura. o mixed-media, a fuso de meios. o ambiente Tropiclia, sala com pssaros, plantas e msica tropicais, montado por Hlio Oiticica no Rio em 1967. So os Penetrveis , de Jesus Soto __ tubos plsticos pendentes do teto que, nossa passagem, criam ondas visuais __ e os Labirintos, armados pelo GRAV __ Grupo de Pesquisa de Arte Visual, sediado em Paris. She - The Cathedral (Ela, a Catedral), uma enorme mulher deitada em posio de coito, medindo 30m x 10 m x 7m, pintada psicodelicamente, construda com tubos e linho em 1966 por Niki de Saint-Phalle, por cuja vagina, quando exposta em Estocolmo, passaram 80 mil pessoas.

A arte ambiental foi tambm para os espaos abertos. Houve a cortina de nylon laranja, com 4 toneladas e 400 metros, estendida em 1972 pelo blgaro Jaraeff Christo sobre o vale Hogback, no Colorado, e l ficando como um pssaro flexvel a levantar vo na paisagem. E Hans Haacke mandaria a escultura pelos ares, literalmente, em 1967, com a sua Sky Line (Linha Celeste) - 100 bales cheios de hlio alinhavados por um fio formando um colar de prolas danantes nos cus do Central Park, em Nova York. (pg. 51-52) ............... Desestetizada, desdefinida, desmaterializada, a obra sumiu, mas sobrou o artista. O happening (acontecimento) a interveno - preparada ou de surpresa - do artista no cotidiano, no atravs da obra, mas fazendo da interveno uma obra. o mximo de fuso arte/vida como querem os ps-modernos, pois utiliza a rua, a galeria, pessoas e objetos que esto na prpria realidade para desencadear um acontecimento criativo. uma provocao com o pblico, mas amplia sua percepo do mundo onde vive. Essa prtica se difundiu pelo mundo desde os anos 60, inclusive no bloco socialista. Irromper vestido como Batman numa galeria e ali soltar pssaros e borboletas, tocando uma sirene, um happening. Haver riso, pnico e choque emocional no pblico. A performance (desempenho) uma variedade do happening. Ela atrai a ateno para o artista e os materiais que ele utiliza para chocar o pblico sob algum aspecto. O alemo Joseph Beuys, escultor ligado em materiais pobres como a banha, um terico da arte sem limites. Sua tempestuosa performance Como Explicar Quadros a uma Lebre Morta realizou-se em 1965 em Dusseldorf. Beuys, o rosto coberto com banha e p dourado, ficou horas e horas falando com uma lebre morta no colo. O grupo vienense formado por Hermann Nitsch tambm manipulou animais mortos, cujas vsceras eram arrancadas e mostradas ao pblico. Schwarzkogler, membro do grupo, matou-se em 1969 em nome da arte, mediante sucessivos atos de auto-mutilao. Igual ao happening e performance, a arte processual quer ampliar ao infinito os domnios da arte pela desdefinio. Objetos, animais, jornais, postais, alimentos, mquinas, fotos - tudo pode dar arte. Qualquer processo que intervenha sobre a realidade para modific-la, desequilibr-la de modo inventivo e gratuito arte. Desenhar com giz uma piroquinha pequenininha sobre a enorme cueca Zorba num outdoor arte processual. Escrever um poema numa vaca que pasta, como fez Herman Damen na Holanda, tambm . Idem, idem, para o po-poema-processo, com dois metros de comprimento, comido em praa pblica no Recife, em 1970, por cinco mil pessoas. (pg. 52-55) O livro "O nome da Rosa" e o Ps-Modernismo ........... Estados Unidos e Frana desde os anos 60 e, mais recentemente, a Itlia so os centros irradiadores da literatura ps-moderna, representada sobretudo pela fico. Nosso urbanide, l atrs, lia O Nome da Rosa, do italiano Umberto Eco. um romance histrico, escrito como narrativa policial, situado na Itlia medieval, contando os crimes, a violncia sexual e a destruio de um mosteiro em 1327. um livro sobre outro livro - a parte perdida da Potica (inacabada), do filsofo Aristteles. Muita coisa ps-moderna a. Uma delas bem antimoderna: a volta ao passado. Outra: o recurso a uma forma antiga e gasta - o romance histrico. E o uso da narrativa policial - um gnero de massa. A intertextualidade, tanto pela referncia a essas formas literrias, quanto pelo fato de ser um livro sobre outro livro (a Potica ). O ecletismo, ao misturar o srio histrico com o documental) com o divertimento (o policial, a fantasia). E trata-se de uma pardia, um pastiche do romance histrico, pois no faz sentido escrever-se hoje, a srio, um romance sobre a Idade Mdia. S por jogo e divertimento. Mas h outro elemento ps-moderno importantssimo em O Nome da Rosa. a progressiva desordem reinante no mosteiro (um lugar fechado, um sistema isolado que s pode receber vida de fora), at culminar na sua destruio. Isto espelha a situao atual: decadncia de valores, ausncia de sentido para a vida e a Histria, ameaa de destruio atmica. Mas reflete tambm uma idia que est no corao da ps-modernidade: a entropia. Entropia significa a perda crescente de energia pelo Universo (um sistema isolado, pois alm s h o nada e ele no tem, assim, como receber energia de fora), at sua desagregao no caos, na mxima desordem. Essa idia migrou da fsica e foi pousar na sociologia. Nas sociedades atuais, tudo parece rolar para a confuso, sem valores slidos, sem ordem que segure a barra.

Pois bem, a literatura ps-moderna trata desse bode entrpico, seja na forma (a destruio do romance), seja no contedo (a destruio do mundo e dos valores), mas sem desespero: com riso ou frieza. Tanto a metafico americana, quanto o nouveau roman francs vm promovendo esse quebraquebra. So os anartistas do nuliverso (anarquistas + artistas do nulo + universo)........ (pg. 59) O novo romance e o ps-modernismo ...... Faz 30 anos que o nouveau roman (novo romance) vem tentando matar o romance. Para isso ele recusa o realismo (o parecer verdadeiro), recusa o enredo com comeo, meio e fim, o heri metido em aventuras, o retrato psicolgico e social, a mensagem poltica ou moral. Contra o modernismo, ele abandona o psicologismo e a literatura como conhecimento superior. Por outro lado, ele quer valorizar os objetos, que so analisados pelo olhar como por uma cmara cinematogrfica. Usa vrios narradores simultaneamente. Mistura realidade, sonho, delrio, para criar clima de incerteza. Embaralhada a ordem espacial e temporal dos acontecimentos, numa extrema fragmentao. E privilegia o texto, o ato de escrever. Com isso, os cerebrticos franceses, porque existe aqui muito de masturbao mental, pretendem dizer que a realidade atual impenetrvel, desordenada, um verdadeiro bode entrpico. Nathalie Sarraute, Michel Butor, Alain Robe-Grillet, Phillipe Sollers, Jean Pierre Faye e Maurice Roche so os nomes significativos dessa vertente da literature ps-moderna, que reala sobretudo a tcnica de construo/destruio do romance, em detrimento do contedo........ (pg. 62) Em La Maison de Rendez-Vous (no Brasil, Encontro em Hon-Kong), Robe-Grillet comea e recomea indefinidamente a contar sempre a mesma histria: um tiro num prostbulo onde, num nmero de streap-tease, um cachorro vai rasgando as roupas de uma adolescente. Tudo dvida e fragmentao. No entendemos o que veio antes ou depois, os fatos se modificam a cada verso, e no sabemos quem os relata: se Manneret, que muda de nome e aparncia ao longo do texto; se Lady Ava, a dona do prostbulo; se o papo entre dois desconhecidos num bar. Robe-Grillet usou o mesmo estilo no filme O Ano Passado em Mariembad para mostrar o seguinte: o real no existe, ele sempre a verso fragmentria, parcial, de algum. Temos aqui, tambm, a famosa desreferencializao dor real psmoderna, junto com a pardia do romance policial, cujas caractersticas - realismo, aventura, interesse, desvendamento do crime - o autor quer destruir. (pg. 63) ........ No Brasil, onde o modernismo foi um movimento cultural muito forte e influencia a literatura at hoje, o ps-modernismo apresenta na fico, aqui e ali, apenas traos superficiais. Osman Lins, em Avalovara , est muito prximo do nouveau roman por seu cerebralismo. Em A Festa, Ivan ngelo montou um quebra-cabeas poltico, social, cronolgico, dos mais intrigantes. Rubem Fonseca, em O Cobrador, d um tratamento hiper-realista (ele carrega nas tintas) ao sexo e violncia. Os trs, no entanto, se acham demasiado presos ao realismo, ao compromisso social, enquanto o ps-modernismo exige fantasia, exagero, humor, carnaval, pardia, destruio. Victor Giudice, com seu fantasioso romance Bolero, e Srgio Sant'Anna, nos contos com pessoas reais de O Concerto de Joo Gilberto no Rio de Janeiro, aproxima-se do ps-moderno, embora por caminhos diversos. Foi a poesia que, nos tristes e repressivos anos 70, rompeu o compromisso com a realidade, com o intelectualismo e o hermetismo modernistas, e partiu para ser marginal, diluidora, anticultural, psmoderna. Brotaram a poesia do mimegrafo, a lixeratura, o poema porn, com Chacal, Samaral, Cacaso, Fred, Chico Alvin, Leila Mcolis, Ana Cristina Csar. So poemas espontneos, mal-acabados, irnicos, em linguagem coloquial, que falam do mundo imediato do prprio poeta, zombam da cultura, escarnecem a prpria literatura. Seu campo a banalidade cotidiana, o corpo, o consumo, mas com um estilo solto, frio, frvolo, sem paixo nem grandes imagens. Ainda na poesia, mais duas correntes cruzaram a fronteira ps-moderna: o poema-processo e a arte postal. Mobilizando o espao visual da pgina, rgua e compasso na mo, os poetas-processo montam painis com palavras e todo tipo de imagem: foto, diagramas, rtulos, anncios. Para eles, o poema precisa assimilar a imagem, a publicidade, os signos do cotidiano, abolindo o verso. Um cheque ouro do Banco do Brasil, carimbado com a sustica nazista, era um poema processo na poca da ditadura. Wlademir Dias Pino, Joaquim Branco, Ronaldo Werneck e lvaro S formam a linha de frente dessa corrente. A arte postal basicamente o poema-processo enviado pelo correio. margem do livro e das editoras, utiliza o postal, o cartaz, o carimbo, a xerox. O poema consiste em criaes em cima de

mensagens j veiculadas. O resultado quase sempre humor, ironia, mas em tom frio, ps-moderno. (pg. 65) Ps modernismo e discursos globais O ps-modernismo desembarcou na filosofia em fins dos anos 60 com uma mensagem demolidora na mochila: a Desconstruo do discurso filosfico ocidental, da maneira como o Ocidente pensa (e age). Discurso fala, o dito. Do grego Plato, no sculo 4 a.C., at o francs Sartre em nossos dias, os filsofos ocidentais disseram as coisas de determinado modo, com certas atitudes e pressupostos inconscientes. Desconstruir o discurso no destru-lo, nem mostrar como foi construdo, mas pr a nu o no-dito por trs do que foi dito, buscar o silenciado (reprimido) sob o que foi falado. Com os pensadores ps-modernos, a filosofia e a prpria cultura ocidental caram sob um fogo cerrado. Rose, l na fabulazinha, escrevia uma tese: Em Cena, a Decadncia . O ps-modernismo est associado decadncia das grandes idias, valores e instituies ocidentais - Deus, Ser, Razo, Sentido, Verdade, Totalidade, Cincia, Sujeito, Conscincia, Produo, Estado, Revoluo, Famlia. Pela desconstruo, a filosofia atual uma reflexo sobre ou uma acelerao dessa queda no niilismo. Niilismo - da palavra latina nihil = nada - quer dizer desejo de nada, morte em vida, falta de valores para agir, descrena em um sentido para a existncia. A desconstruo pretende revelar o que est por trs desses ideais maisculos, agora abalados, da cultura ocidental. Desde a Grcia antiga, as filosofias so discursos globais, totalizantes, que procuram os primeiros princpios e os fins ltimos para explicar ordenadamente o Universo, a Natureza, o Homem. A psmodernidade entrou nessa: ela a valsa do adeus ou o declnio das grandes filosofias explicativas, dos grandes textos esperanosos como o cristianismo (e sua f na salvao), o Iluminismo (com sua crena na tecnocincia e no progresso), o marxismo (com sua aposta numa sociedade comunista). Hoje, os discursos globais e totalizantes quase no atraem ningum. D-se um adeus s iluses. (pg. 71-72) Mas como possvel o niilismo irracional - a decadncia - brotar nas sociedades ps-industriais dominadas pela tecnocincia, pela programao, que so a prpria racionalidade na produo, no trabalho, na burocracia e at no cotidiano? Basta olhar para o mundo atual. O choque entre a racionalidade produtiva e os valores morais e sociais j se esboava no mundo moderno, o industrial. Na atualidade ps-moderna, ele ficou agudo, bandeirssimo, porque a tecnocincia invade o cotidiano com mil artefatos e servios, mas no oferece nenhum valor moral alm do hedonismo consumista. Ao mesmo tempo, tais sociedades fabricaram fantasmas alarmantes como a ameaa nuclear, o desastre ecolgico, o terrorismo, a crise econmica, a corrupo poltica, os gastos militares, a neurose urbana, a insegurana psicolgica. Elas tm meios racionais, mas s perseguem fins irracionais: lucro e poder. Ora, o barato de alguns (no todos) filsofos ps-modernos que eles no querem restaurar os valores antigos, mas desejam revelar sua falsidade e sua responsabilidade nos problemas atuais. Para isso, eles lutam em duas frentes: 1)Desconstruo dos princpios e concepes do pensamento ocidental __ Razo, Sujeito, Ordem, Estado, Sociedade etc. - promovendo a crtica da tecnocincia e seu casamento com o poder poltico e econmico nas sociedades avanadas, que resultou no to amaldioado Sistema. 2)Desenvolvimento e valorizao de temas antes considerados menores ou marginais em filosofia: desejo, loucura, sexualidade, linguagem, poesia, sociedades primitivas, jogo, cotidiano - elementos que abrem novas perspectivas para a liberao individual e aceleram a decadncia dos valores ocidentais. Para essa guerra, filsofos ps-modernos, tais como Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Franois Lyotard, Jean Baudrillard, foram buscar armas em vrios arsenais. Num pensador maldito - Nietzsche - o primeiro a desconstruir os valores ocidentais; na Semiologia, pois atacam as sociedades ps-industriais baseadas na informao, isto , no signo; e no ecletismo Marx com Freud, fundindo aspectos pouco conhecidos de suas obras. Esse pim-pam-pum de idias no fliperama digital do nada interessante. (pg. 73-74)

Ps modernismo e ps-estruturalismo Na trilha aberta por Nietzsche, o filsofo Jacques Derrida, que inventou a palavra desconstruo, atacou a besta chamada Logocentrismo ocidental. O Ocidente, segundo ele, s sabe pensar pelo Logos, que em grego significa palavra, razo, esprito. Paremos aqui e voltemos a fita um pouco. Derrida ps-moderno porque ps-estruturalista. O estruturalismo nas cincias humanas a corrente que, nos ltimos 30 anos, recebeu grande impulso na Lingstica e na Semiologia. Ele analisa os fenmenos sociais e humanos como se fossem textos, discursos. A moda, o casamento, o sonho podem ser "lidos" como se fossem "frases" de uma lngua, signos com um significante e um significado (no sonho as imagens so significantes cujo significado o analista descobre). Pois bem, na Antropologia, na Psicanlise, na Sociologia, o estruturalismo explicou cientificamente muita coisa no homem que antes era privilgio da Filosofia comentar. Assim, a Filosofia ficou meio desempregada, meio boca intil. Aps o estruturalismo, s lhe restou voltar-se sobre si mesma, pensar a sua prpria histria, investigar o seu prpria discurso. a que entra Derrida com a desonstruo do Logocentrismo. No centro da cultura e da filosofia ocidentais est o Logos, isto , o esprito racional que fala, discursa. E como? O Logos a razo e a palavra falada, no sujeito humano, transformando as coisas em conceitos universais. O conceito cadeira, por exemplo, expresso pela palavra "cadeira", produz um modelo universal para esse objeto, apagando as diferenas entre as cadeiras reais (de pau, de ferro, de palha). O conceito torna idnticas todas as cadeiras porque elimina as diferenas entre elas. O Logocentrismo acaba com as diferenas entre as coisas reais ao reduzi-las identidade no conceito. Mas isso no ficou apenas nas modestas cadeiras. um jeito ocidental de pensar e agir. Os jesutas convertiam as diferentes tribos brasileiras a uma idntica religio: o cristianismo. Os brancos europeus submeteram vrios povos, de diferentes raas, a uma idntica economia: o capitalismo. A linha de montagem imps a diferentes personalidades gestos idnticos. O ocidente sempre se deu mal com as diferenas: a do ndio, do negro, do louco, do homossexual, da criana, da poesia (expulsa da Repblica por Plato). Ora, embutida no Logos, Derrida descobre uma cadeia desses grandes conceitos universais que atravessa toda a cultura ocidental. Logos Esprito, que d em Razo, que faz Cincia, que promove a Conscincia, que impe a Lei, que estabelece a Ordem, que organiza a Produo. No entanto, a cadeia das maisculas s se promoveu reprimido e silenciando como inferiores os termos de uma outra cadeia: corpo/ emoo/ poesia/ inconsciente/ desejo/ acaso/ inveno. Alm de matar as diferenas em identidades, o Logos comete uma segunda violncia: hierarquiza esses elementos, valoriza, torna uns superiores aos outros. Os primeiros - maisculos, superiores - reduzem o mundo a identidades, so slidos, centrais, racionais, duradouros, programveis. Os outros - minsculos, inferiores - pulverizam o mundo em diferenas, so fugidios, sem centro, irracionais, breves, imprevisveis. Em guerra com a tradio ocidental, ao desconstruir seu discurso para trazer tona o reprimido, Derrida e outros filsofos ps-modernos querem injetar vida nova nas diferenas contra a identidade, na desordem contra a hierarquia, na poesia contra a lgica. Eles pensam contra as manias mentais ocidentais, um pensar sem centro e sem fim, mais para a literatura que para a filosofia. Vinculado a pequenas causas, um meditar minoritrio tendo como objeto o corpo, a prostituio, a loucura, o cotidiano, contra o Esprito, a Famlia, a Normalidade e a Grande Revoluo Final. (pg. 79-84) A vida cotidiana e o ps modernismo Nestes anos 80 o ps-modernismo chegou aos jornais e revistas, caiu na boca da massa. Um novo estilo de vida com modismos e idias, gostos e atitudes nunca dantes badalados, em geral coloridos pela extravagncia e o humor (vide o Planeta Dirio), brota por toda parte. Micro, videogame, vdeo-bar, FM, moda ecltica, maquiagem pesada, new wave, ecologia, pacifismo, esportivismo, porn, astrologia, terapias, apatia social e sentimento de vazio - estes elementos povoam a galxia cotidiana

ps-moderna, que gira em torno de um s eixo: o indivduo em suas trs apoteoses - consumista, hedonista, narcisista. O indivduo ps-moderno consome como um jogo personalizado bens e servios, do disco a laser ao horscopo por telefone. O hedonismo - moral do prazer (no de valores) buscada na satisfao aqui e agora - sua filosofia porttil. E a paixo por si mesmo, a glamurizao da sua auto-imagem pelo cuidado com a aparncia e a informao pessoal, o entregam a um narcisismo militante. o neoindividualsmo decorado pelo narcisismo. Enquanto estilo extremamente individualista, o ps-moderno prolonga o jeito de ser liberado e imaginoso vivido na bomia pelas vanguardas artsticas modernistas. Ele hoje a democratizao, no cotidiano, daquilo que as vanguardas pretendiam com a arte: expresso pessoal, expanso da experincia, vida privada. (Isto parece se chocar com a sociedade programada, mas logo veremos como a questo complicada e ambgua.) Em contraste com o individualismo moderno, forjado pelo liberalismo econmico no sculo XVIII, e que era burgus, progressista, tenso, o neo-individualismo atual consumista e descontrado, mantendo relaes muito especiais com a sociedade ps-industrial, sua me dileta. Aparentemente ele consagra o Sistema, mas tambm lhe cria problemas. De que maneira? As sociedades ps-industriais, planejadas pela tecnocincia, programam a vida social nos seus menores detalhes, pois nelas tudo mercadoria paga a uma empresa privada ou estatal, seja um telex em banco ou uma hidromassagem. Sendo economias muito ricas, que tm como nica meta a elevao constante do nvel de vida, elas deixam ao indivduo a opo de consumir entre uma infinidade de artigos, mas no a opo de no consumir. Alm disso, h o apelo constante do novo. Viver estar de mudana para a prxima novidade. Com uma gama enorme de bens e servios, para todas as faixas e gostos, a seu alcance, s resta ao indivduo escolher entre eles e combin-los para marcar fortemente sua individualidade. Embora a produo seja massiva, o consumo personalizado (vide o cheque "personalizado"). Assim, o sistema prope, o indivduo dispe. o pleno conformismo e o sistema parece triunfar de cabo a rabo. Mas sua vitria no tranqila. Tm surgido contra o sistema efeitos bumerangues tipicamente psmodernos. O individualismo exacerbado est conduzindo desmobilizao e despolitizao das sociedades avanadas. Saturada de informao e servios, a massa comea a dar uma banana para as coisas pblicas. Nascem aqui a famosa indiferena, o discutido desencanto das massas ante a sociedade tecnificada e informatizada. a sua colorida apatia frente aos grandes problemas sociais e humanos. Ora, com mil demnios, no precisamente isso que interessa ao sistema, todo mundo consumindo e conformado? At certo ponto, sim. Mas da em diante o tecido social que comea a se descoser, a se fazer em fiapos. O consumo apenas no segura a barra. Eis por que, para se legitimar, para se garantir, alm da eficincia econmica, o sistema precisa manter em cena velhos valores e instituies como Ptria, Democracia, Histria, Famlia, Religio, tica do trabalho, ainda que eles sejam puros simulacros. Prova disso so os discursos ultranacionalides de Reagan (a Reagania) e a campanha na Frana para elevar a taxa de natalidade. Mas a moada est resistindo. Extravagantes e apticos, vivendo em clip (ritmo apressado), os indivduos que formam a massa psmoderna esto criando uma paisagem social diferente daquela desenhada pela massa moderna. Vejamos que traos a desmobilizao e a despolitizao vm esboando nas sociedades ps-industriais. At h pouco a massa moderna era industrial, proletria, com idias e padres rgidos. Procurava dar um sentido Histria e lutava em bloco por melhores condies de vida e pelo poder poltico. Crente no futuro, mobilizava-se para grandes metas atravs de sindicatos e partidos ou apelos nacionais. Sua participao era profunda (basta lembrar as duas guerras mundiais). A massa ps-moderna, no entanto, consumista, classe mdia, flexvel nas idias e nos costumes. Vive no conformismo em naes sem ideais e acha-se seduzida e atomizada (fragmentada) pelos mass media, querendo o espetculo com bens e servios no lugar do poder. Participa, sem envolvimento profundo, de pequenas causas inseridas no cotidiano - associaes de bairro, defesa do consumidor, minorias raciais e sexuais, ecologia.

A esta mudana os socilogos esto chamando desero do social. como tornar deserta uma regio. Pela desmobilizao e a despolitizao, o neo-individualismo ps-moderno, que tende ao descompromisso, ao no tenho nada com isso, vem esvaziando as instituies sociais. Histria, poltica, ideologia, trabalho - instituies antes postas em xeque apenas pela vanguarda artstica - j no orientam o comportamento individual, e seu enfraquecimento contnuo nos pases avanados. A desero uma sacao nova da massa. Ela no orientada nem surge conscientemente, como tambm no visa tomada do poder, mas pode abalar uma sociedade, ao afrouxar os laos sociais. H dados para se avaliar esse esvaziamento, como igualmente h novas atitudes substituindo as tradicionais. Desero da Histria: No houve desertores americanos na guerra da Coria em 1950; na do Vietn, finda em 1975, houve aos montes. A massa moderna acreditava que a histria (e seus pases) marchavam pela revoluo ou pelo progresso para situaes mais democrticas e felizes. Esse otimismo no existe na massa ps-moderna, que perdeu o senso de continuidade histrica. Ela vive sem as tradies do passado e sem um projeto de futuro. S o presente conta. Ptria, heris e mitos colam muito pouco num tempo programado pela tecnologia. Alm disso, o pesadelo nuclear, as crises econmicas e a velocidade de mudana esto armando, para o trmino do sculo, um clima apocalptico, de fim da Histria. Por outro lado, em vez de crer e atuar na Histria, os indivduos esto se concentrando em si mesmos, hiperprivatizando suas vidas. Eles investem em sade, informao, lazer, aprimoramento pessoal. A massa moderna queria a Histria quente, combativa; a ps-moderna quer esfriar a Histria, congel-la numa sucesso de instantes isolados e sem rumo. Veja, no houve uma s guerra entre pases capitalistas avanados de 1945 para c. Desero do poltico e do ideolgico: Nos EUA, nas ltimas eleies presidenciais, entre 40 e 45% dos eleitores no votaram. As greves polticas praticamente cessaram na Europa capitalista desde 1968. As eleies dependem mais da performance do candidato nos mass media que das suas idias. E ningum no planeta acredita que polticos e tecnocratas apinhados no Estado representam o povo ou possuem altos ideais. O trambique poltico demasiado transparente. No plano ideolgico, nos anos 70 o eurocomunismo abrandou a carranca do comunismo e as democracias sociais europias frearam a fria capitalista. Ou seja, posies rgidas __ o comunista, o fascista, o capitalismo selvagem __ cedem lugar a posies flexveis, pragmticas, em busca da eficcia a curto prazo. At a luta sindical perde vigor: na Frana, por exemplo, o ndice de trabalhadores sindicalizados caiu de 50% em 1955 para 25% em 1985. Essa descrena no poltico faz a massa ps-moderna dar as costas para as grandes causas. Ela cobra do sistema eficincia na administrao e nos servios tais como educao, transportes, sade, mostrandose essencialmente pragmtica e no ideolgica. Se a modernidade teve intensa mobilizao poltica (duas guerras mundiais, revolues, guerras anticoloniais), a ps-modernidade se interessa antes pelo transpoltico: liberao sexual, feminismo, educao permissiva, questes vividas no dia-a-dia. Normalmente o indivduo ps-moderno evita a militncia fogosa e disciplinada. Ele frio, prefere movimentos com fins prticos, nos quais a participao flutuante e personalizada. Nada de lutas prolongadas ou patrulhamento ideolgico. Ele vai na onda, nas subculturas punk, metaleira, yuppie. Desero do trabalho: A massa ps-moderna no tem iluses: sabe que trabalhar sempre para um sistema, capitalista, socialista, ou marciano. Por isso ele no cr no valor moral do trabalho nem v na profisso a nica via para a auto-realizao. Inclinada ao lazer, ela falta muito ao trabalho (absentesmo). A Frana levou dez anos para situar seu ndice de absentesmo em pouco abaixo dos 8,3 atingidos em 1974. E h filsofos defendendo a improdutividade. Concentrado no setor de servios (lojas, bancos, escritrios, administrao, laboratrios), o trabalho ps-moderno um jogo comunicativo entre pessoas. Sem a tenso da linha de montagem moderna, pede antes o sorriso, a descontrao (a moa do Bradesco, por exemplo). mais leve. Mesmo assim, as pessoas vivem correndo para o lazer, e no reivindicam tanto melhores salrios como desejam uma semana de quatro dias. Os esportes individuais - asa delta, wind-surf, tnis, skate, ski, atletismo disputam com as viagens, a informao, o aprendizado de lnguas estrangeiras e de instrumentos musicais, a primazia no uso do tempo livre. Desero na famlia: H bom tempo a famlia no o foco da existncia individual. Escola e mass

media predominam na formao da personalidade. Sai-se cedo de casa, casa-se tarde, descasa-se com facilidade e, sobretudo, reproduz-se pouco. Nos EUA, pessoas morando sozinhas, casais sem filhos ou coabitando simplesmente somam 57% das casas. O lar afunda. No lugar da famlia guardi moral, apoio psicolgico, a ps-maternidade prope ligaes abertas tipo amizade colorida. O swing experincia vlida e a educao evolui para o pessimismo (ningum expulsa a filha de casa s porque ela deu uma bimbadinha com o namorado). A plula faz recuar o poder paterno. O rei pnis e seus dois assessores impem menos o sexo genital ante a vaga homossexual e transexual em ascenso. Moral branda, amor descontrado. Sai o tango, entra o rock "amor sem preconceitos, sexo total". Desero da religio: O ps-modernismo, j se disse, o tmulo da f. As religies antigas cedem ante uma poro de pequenas seitas sem futuro, os indivduos procuram credos menos coletivos, mais personalizados (meditaes, zenbudismo, yoga, esoterismo, astrologia), e a transcendncia divina acabar fechando por falta de clientes: 45% dos franceses entre 15 e 35 anos no acreditam em Deus. que o homem ps-moderno no religioso, psicolgico. Pensa mais na expanso da mente que na salvao da alma. H toda uma cultura psi fazendo a cabea da moada: psicanlise, psicodrama, gestalt, bioenergtica, biodana, grito primal e por a vai. Para no falar no dilvio de bolinhas e alucingenos que rola. Nisso tudo, o bom que a cultura religiosa era culpabilizante, enquanto a psi libertadora. Ao sujeito ps-moderno interessa um ego sem fronteiras, no uma conscincia vigilante. (pg. 86-94) Saturao da informao e ps modernismo Vimos que, desertos, enfraquecidos, os valores e instituies tradicionais, ainda conservados pela modernidade burguesa, vm perdendo terreno na moldagem, motivao e controle dos indivduos nas sociedades avanadas. Que mecanismos, ento, exercem esses papis? O consumo, os mass media e a tecnocincia, claro. A resposta boa mas parece de polichinelo. No diz por que nem como. Vamos primeiro ao por qu. As sociedades ps-industriais vivem saturadas pela informao. Vai-se ao consumo pela informao publicitria, consome-se informao no design, na embalagem, devora-se informao nos mass media e na parafernlia ofertada pela tecnocincia (micro, vdeo, etc.). O sujeito se converte assim num terminal de informao. Mas um terminal isolado de outros terminais, pois as mensagens no se destinam a um pblico reunido, mas a um pblico disperso (cada um em sua casa, seu carro, seu micro). Eis por que a massa ps-moderna atomizada (ultrafragmentada). Enquanto a massa moderna era um bloco movido por interesses de classe e por idias, na ps-modernidade ela uma nebulosa de indivduos atomizados, recebendo informao em separado. Ora, para motivar e controlar sujeitos atomizados, a autoridade e a polcia so secundrias. Basta bombarde-los com mensagens que excitem seus desejos. Agora vamos ao como. De qualquer maneira o consumo, os mass media e a tecnocincia modelam, motivam e controlam a nebulosa ps-moderna pelo bombardeio informacional? As mensagens so lanadas ao acaso, mas no so boladas de qualquer jeito. No apenas representando o real, mas sendo hoje o real, as mensagens so criadas visando espetacularizao da vida, simulao do real e seduo do sujeito. Assim os compreende o socilogo francs Jean Baudrillard. A espetacularizao converte a vida em um show contnuo e as pessoas em espectadores permanentes. Antigamente os espetculos - paradas, festas, jogos - eram ocasionais e parte. Agora, a comear pela arquitetura monumental, eles reinam em pleno cotidiano. TV, vitrines, revistas, moda, ruas, na sociedade de consumo, geram um fluxo espetacular cuja funo embelezar e magnificar o dia-a-dia pelas cores e formas envolventes, o tamanho e o movimento de impacto. Tudo fica "incrvel", "fantstico", "sensacional". O espectador o que v, mas tambm o que espera por novas imagens atraentes e fragmentrias para consumir. Ele se acha mergulhado na cultura blip - cultura do fragmento informacional, cintilaes no vdeo. Assim, por um lado a espetacularizao motiva e controla a nebulosa de espectadores mantendoa continuamente espera de novas imagens, bens e servios; por outro, pela estetizao, glamuriza e alivia a banalidade cotidiana. Procuramos nas ruas, nos rostos, o farto colorido das revistas e da TV. Como isto possvel? Pela simulao, pelos simulacros. Em outras pocas, os simulacros (mapas,

maquetes, esttuas, quadros) foram instrumentos ou obras de arte. Na ps-modernidade eles formam a prpria ambincia diria. Materiais e processos simulantes trazidos pela tecnocincia reproduzem com mgica perfeio o real. A frmica simula o jacarand. Um flavourizante pe sabor morango no chocolate. Batalhas siderais se travam no videogame e sintetizadores programveis tocam flauta. O silicone recicla marmanjos em gatonas (vide La Close), enquanto vaginas eletro-masturbantes fabricam a cpula - a um! Pontos coloridos na TV avivam o mundo, ao mesmo tempo que computadores simulam na Terra pousos lunares. Vimos l trs certa mame preferindo mostrar a filha na foto (no simulacro) a exibir a filha real. Temos a a operao bsica da ps-modernidade: a transformao da realidade em signo. Simulacro = signo. A frmica signo do jacarand, o Monza na TV signo do Monza na estrada. Mas e da? Da que, se o real duro, intratvel, o simulacro dcil e malevel o suficiente para permitir a criao de uma hiperrealidade. Intensificado, estetizado, o simulacro faz o real parecer mais real, d-lhe uma aparncia desejvel. A frmica mais lisa e lustrosa que o jacarand, o Monza na TV surge mais gil e nobre que na estrada. Esse hiper, esse mais agregado pela tecnocincia aos simulacros resulta em espetculo e em desreferencializao das coisas: temos mesa de jacarand sem jacarand, concerto de flauta sem flauta. Parte-se ento para se desejar os objetos segundo o cdigo dos simulacros. comum as donas-de-casa, ao prepararem um pudim industrializado, se sentirem frustradas porque ele no fica brilhante como o pudim da embalagem. Foi-se tempo em que havia separao clara entre real e imaginrio, signo e coisa. Vive-se agora entre simulacros em espetculo para seduzir o desejo. A seduo ps-moderna diz de mil maneiras ao indivduo: libere seus desejos, h bens e servios s para voc. A modernidade, produtora de energia, era dominada pela fora (mquina, armas, disciplina, polcia). A ps-modernidade, consumidora de informao, motiva e controla basicamente pela seduo (personalizao, comunicao, erotismo, moda, humor). Seduzir quer dizer atrair, encantar artificialmente. O cotidiano, hoje, o espao para o envio de mensagens encantatrias destinadas a fisgar o desejo e a fantasia, mediante a promessa da personalizao exclusiva. Self-service para voc escolher. Msica 24 horas na FM para seu deleite. Esportes e massagens para seu corpo. personalizao aliam-se o erotismo, o humor e a moda, que no deixam espaos mortos no dia-a-dia. O teste permanente. O erotismo vai dos anncios ao surto porn, passando pela cultura psi e seu convite ao desrecalque. O humor, outra seduo massiva psmoderna, sabor dos tempos, descontrai e desdramatiza o social. Na arte moderna, ria-se com o absurdo, assunto srio. Atualmente, o lance rir sem tenso, descrispar-se, desencucar-se. Slogans e manchetes recorrem ao trocadilho, malcia (O fino que satisfaz). Cnico, vadio, Snoopy circula pelos jornais do mundo. Lojas recebem nomes gozados (Lel da Cuca) e camisetas levam ditos divertidos. Sem calor, videogames e fliperamas foram o relax. normal locutores de rdio brincarem com os ouvintes e na TV noticirios so temperados com pitadas irnicas. Esse humor no agressivo nem crtico. Busca um bem-estar cool (frio). "No-esquenta", "fica frio" do o tom ps-moderno. Porm o mais doido e acelerado cavalo de batalha em ao a moda. Moda e modismos em alta rotatividade ditam o ritmo social. Oposta ao bom gosto moderno, com seu corte solene, alta costura, hierarquias, a moda ps-moderna vai de extravagncia e liberdade combinatria, com humor na fantasia. O casual comanda o mix total: camiso com colete, palet com minissaia, gravata com tnis. O look deve ser jovem e sexy, a inveno, personalizada e informal. Jorrando cores, a moda anima a festa mercadolgica que o cotidiano, e para isso promove a convivncia de todos os estilos: retro com futurista, esporte com passeio, l azul com lycra laranja. E faz aluso vestimenta oriental, militar, circense. Tambm danas, grias, produtos, complementos - tudo vai e volta sob a batuta do novo. A funo da moda manter o sujeito mergulhado no presente, e, para que ele tenha como horizonte apenas o cotidiano, no pra de botar brilho no vazio. Como dizia o Gil: "Quanto mais purpurina, melhor". A essa altura, inteligente, o leitor deve estar pensando: mas o ambiente ps-moderno pura iluso! Quase. Empresas e tecnocratas levam uma grana alta! Levam. puro trambique e mistificao em cima de gente alienada! Seria. Para que fosse, seria preciso explicar um detalhe desagradvel: a adeso macia dos indivduos ao consumo. E no quaisquer indivduos, mas gente escolarizada, beminformada, pagando altos impostos. No d para cham-los de alienados porque, como vimos nas vrias deseres, eles no querem o poder. Querem espetculos e bons servios. E, repetindo, sabem que no frigir dos ovos tero de trabalhar sem estar no poder em qualquer regime, dada a complexidade das

sociedades atuais. O problema outro. A riqueza ps-industrial em grande parte financiada pelos pases em desenvolvimento, pois o capitalismo avanado se fez multinacional. Vem para c a indstria pesada e suja (ao, automveis), ficam l as leves e limpas (eletrnica, comunicaes). Seu controle social pode ser soft (bando, pela seduo), mas o nosso tem de ser hard (moderno, duro, policial, na base do cassetete). Individualismo exacerbado e ps modernismo Se o neo-individualismo conduziu a massa fria, a nebulosa atomizada desmobilizao, o que est acontecendo ao indivduo ps-moderno? Ele o narcisismo acossado pela dessubstancializao do sujeito. Vamos destrinchar isso. Em 22/04/84, o jornal Le Monde publicou o retrato falado do novo egosta em ao. "Pragmatismo, cinismo. Preocupaes a curto prazo. Vida privada e lazer individual. Sem religio, apoltico, amoral, naturista. Narcisista. Na ps-modernidade, o narcisismo coincide com a desero do indivduo cidado, que no mais adere ao mitos e ideais de sua sociedade." Esse esboo contraria da cabea aos ps o indivduo burgus e moderno. Antes, porm, uma banda filosfica. No ocidente, o sujeito humano, em oposio ao objeto, era at h pouco o senhor absoluto do conhecimento racional, da liberdade, da criao. H dcadas, no entanto, as Cincias Humanas vieram borrar essa imagem, ao descobrir seus condicionamentos e limites. A psicanlise revelou-o escravo do seu inconsciente irracional. O marxismo deu-o como escravo da sua classe social e um tomo insignificante na massa. E a lingstica disse que seu pensamento criador era na verdade escravo das palavras. Falou-se ento at na "morte do sujeito". Assim o indivduo burgus, que supunha uma identidade fixa e uma liberdade total, aferrado ao dinheiro como capital tanto quanto a princpios morais e a valores sociais, esse sujeito danou. Os modernos, na arte, comearam a caricaturar seu retrato, a expor sua falsidade. Os indivduos psmodernos, na prtica, vm tendendo ao mximo sua dissoluo. Na ambincia ps-moderna, espetculo, simulao, seduo, constituem jogos com signos. A esse universo informacional, sem peso e desreferencializado, s pode corresponder um sujeito informatizado, leve e sem contedo. o Narciso dessubstancializado. Narcisismo (amor desmedido pela prpria imagem) e dessubstancializao falta de identidade, sentimento de vazio) resumem o sujeito ps-moderno. Vimos na fabulazinha que o urbanide ps-moderno podia ser uma criana radiosa, aquela dedicada ao hedonismo consumista, cultuando narcisicamente seu ego. O micro facilita-lhe a vida. Mil servios trabalham sua aparncia. A cultura psi lhe d massagens mentais. Sempre na moda, seu gosto ecltico: vai de ET a Fassbinder no cinema, do poema porn a Borges em literatura. Verstil, desenvolto, o sujeito blip - feito com fiapos de informao e vivncias __ no tem ego estvel nem princpios rgidos. Descontrado, mutante, seu ego flutua conforme os testes das circunstncias. um experimentador, um improvisador por excelncia, pondo mais nfase na prtica e na seduo que nas idias. Narciso sem substncia, a criana radiosa bem poderia ser a cantora Madonna - charme com raio laser. Mas com essa criana glamurizada mora um outro - o andride melanclico, tambm dessubstancializado e narcisista. Em sociedades movidas a informao acelerada, o sujeito tambm vira signo em alta rotao, sem substncia por baixo. Os valores foram trocados pelos modismos, os ideais, pelo ritmo cotidiano. Saturado de consumo e informao, ele encosta no conformismo, refletindo a famosa apatia ps-moderna. Sem laos ou impresses fortes, sua apatia logo cai na depresso e na ansiedade, ambas melanclicas. A melancolia, sentimento frio, o ltimo grau da apatia - a doena da vontade - prevista por Nietzsche para o homem ocidental quando ele fosse o andride programado pela tecnocincia. Temendo a robotizao, mas sem projetos, sua vida interior sem substncia. Absorvido em si e nostlgico, sempre a analisar-se como Narciso, sua sensao mais comum de irrealidade. O andride melanclico bem poderia ser Woody Allen, com seu desencanto humorado e frio. Criana radiosa e andride melanclico so modelos ideais que, em doses variadas, entram na sensibilidade dos indivduos ps-modernos. Eles espelham ainda os dois niilismos da atualidade: o niilismo ativo da criana radiosa, que acelera a decadncia em direo a um possvel Renascimento; e o niilismo passivo, do andride melanclico, desorientado pelo fim dos valores tradicionais, amedrontado

pelo apocalipse - nuclear ou ecolgico. Agora, pondo na mesma cama Madonna e Woody Allen, que criatura eles iriam gerar? Sem dvida que Boy George. Fixem os vrios visuais dele. Em todos eles aparece: o homem e mulher/ colorido e branco/ infantil e programado/ desenvolto e aptico/ permissivo e frio/ fascinante e melanclico/. Boy George no tem a unidade nem a identidade fixa do indivduo burgus, moderno. Mltiplo, ele o prprio sincretismo ps-moderno. O indivduo atual sincrtico, isto , sua natureza confusa, indefinida, plural, feita com retalhos que no se fundem num todo. Por isso, nas definies da sensibilidade ps-moderna as palavras nunca batem: apatia desenvolta, desencanto extravagante, narcisismo melanclico. Tomemos a apatia desenvolta. Apatia quer dizer insensibilidade, indiferena, falta de energia. Desenvolta significa desembarao, inquietao, personalidade. Os dois termos so quase contraditrios, mas convivem lado a lado no indivduo ps-moderno. So fruto da programao oferecida pelo sistema e da personalizao buscada pelo sujeito, duas coisas meio em choque. Mas a apatia desenvolta - a agitao sem felicidade - salta aos olhos quando, no indivduo, se juntam vazio e colorido na danceteria, tdio e curiosidade ante um filme porn, frieza e fascinao ante os dgitos na tela de um computador, banalidade e excitao no shopping center. Por que isso? Porque no mundo ps-moderno, objetos e informao, circulando em alta velocidade, so descartveis. Da mesma forma, os sujeitos tambm produzem personalidades descartveis (Bom? Mau? Indecidvel, ningum sabe). So simulacros espetaculares e sedutores de si mesmos. (Vide a importncia da maquilagem. David Bowie, de batom, declarou: "quando me canso das minhas expresses, maneirismos, aparncia, me dispo deles e visto uma nova personalidade".) Ao mesmo tempo, num mundo de mquinas frias igual ao computador, que s funciona em ambientes com temperatura inferior a 18C, os sujeitos tambm espelham frieza, distncia, indiferena. Assim, o ritmo agitado criado pelo descartvel e o novo, aliado frieza do ambiente tecnolgico, bem podem explicar a apatia desenvolta e a dessubstancializao do Narciso. O sujeito ps-moderno a glorificao do ego no instante, sem esperana alguma no futuro.

Original: http://www.cefetsp.br/edu/eso/lourdes/oqueposmodernojair.html

acessado em 12/11/2007