o regresso da economia da depressão e a crise actual, paul krugman

36
O regresso da economia da depressão, Paul Krugman Crise Tailandesa, crise mexicana, crise argentina, datas Introdução Após a Grande Depressão e dos decisivos e errados conselhos de Andrew Mellow(?), muitos economistas defendem que uma crise de tais contornos é impossível devido ao conhecimento económico e financeiro actual. O autor, Paul Krugman, denotou nos anos 90 (crise dos países asiáticos) e na crise do crédito de 2008 indícios de uma depressão. É, aliás, sobre estes temas que o livro se debruçou e nasceu, mais com enfoque no primeiro do que no segundo tema. Foi acrescentado material na tentativa de explicar como os EUA se encontraram numa situação semelhante à do Japão há uma década atrás, a Islândia em semelhança com a Tailândia e como os países da crise de 90 se encontram novamente à beira do abismo. O livro concentra-se no porquê dos acontecimentos e não em quais os acontecimentos, a índole é puramente analítica (apesar disto, grande parte da escrita é narrativa. Isto deve-se ao facto de o alinhamento da história (sequência em que os acontecimentos ocorreram) conter frequentemente indicações importantes para encontrar a reflexão mais adequada. A história fornece o contexto para qualquer tentativa de explicação). O objectivo primordial é, como se diz nas faculdades de gestão empresarial, desenvolver a teoria do caso – descobrir um modo de reflexão que nos permita abordar este assunto. Uma tentação que por vezes aflige quem escreve sobre economia, especialmente quando os assuntos são sérios, é a tendência para assumir um tom demasiado circunspecto. Lá porque o assunto é sério, não quer dizer que deva ser abordado num tom solene. Lá porque os problemas são graves, não quer dizer que devam ser falados com vocabulário caro, demasiado específico. A verdade é que, a fim de solucionar fenómenos novos e estranhos, devemos estar preparados para brincar com as ideias (valerá a pena reler o prefácio intitulado de “acerca deste livro, da página 12 à 14).

Upload: gustavo-almeida

Post on 27-Jun-2015

521 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

O regresso da economia da depressão, Paul Krugman

Crise Tailandesa, crise mexicana, crise argentina, datas

Introdução

Após a Grande Depressão e dos decisivos e errados conselhos de Andrew Mellow(?), muitos economistas defendem que uma crise de tais contornos é impossível devido ao conhecimento económico e financeiro actual. O autor, Paul Krugman, denotou nos anos 90 (crise dos países asiáticos) e na crise do crédito de 2008 indícios de uma depressão. É, aliás, sobre estes temas que o livro se debruçou e nasceu, mais com enfoque no primeiro do que no segundo tema. Foi acrescentado material na tentativa de explicar como os EUA se encontraram numa situação semelhante à do Japão há uma década atrás, a Islândia em semelhança com a Tailândia e como os países da crise de 90 se encontram novamente à beira do abismo.

O livro concentra-se no porquê dos acontecimentos e não em quais os acontecimentos, a índole é puramente analítica (apesar disto, grande parte da escrita é narrativa. Isto deve-se ao facto de o alinhamento da história (sequência em que os acontecimentos ocorreram) conter frequentemente indicações importantes para encontrar a reflexão mais adequada. A história fornece o contexto para qualquer tentativa de explicação). O objectivo primordial é, como se diz nas faculdades de gestão empresarial, desenvolver a teoria do caso – descobrir um modo de reflexão que nos permita abordar este assunto.

Uma tentação que por vezes aflige quem escreve sobre economia, especialmente quando os assuntos são sérios, é a tendência para assumir um tom demasiado circunspecto. Lá porque o assunto é sério, não quer dizer que deva ser abordado num tom solene. Lá porque os problemas são graves, não quer dizer que devam ser falados com vocabulário caro, demasiado específico. A verdade é que, a fim de solucionar fenómenos novos e estranhos, devemos estar preparados para brincar com as ideias (valerá a pena reler o prefácio intitulado de “acerca deste livro, da página 12 à 14).

“O problema fulcral foi resolvido”

Referência para o discurso de Robert Lucas, em 2003, na Associação Económica Amerciana onde o próprio declarou que “o problema fulcral de prevenção da depressão foi resolvido em todos os seus aspectos práticos.” Uma perspectiva muito neoclássica ou real business cyclist, em que corrigir os desvios do crescimento económico limitar-se-ia a produzir vantagens irrisórias no bem público, defendia. Era altura de nos concentrarmos no crescimento a longo-prazo.

Capitalismo triunfante: Qualquer abordagem económica não pode ser separada do contexto político, e um marco histórico na política mundial foi a queda do socialismo nos anos 90 (não enquanto ideologia governativa mas enquanto movimentador das mentes dos homens). A

Page 2: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

derrocada começou na China, em 1978, com Deng Xiaoping (?) e tornou-se notório com a derrocada da URSS. Ninguém compreende na totalidade o fim súbito do regime, não com um estrondo mas com um gemido, mas ao que consta, um fervor revolucionário, que consiste, acima de tudo, na disponibilidade para eliminar adversários em nome dum bem maior, não se consegue sustentar para além de duas gerações. O autor acalenta que a ascensão das economias capitalistas asiáticas desmoralizou o regime soviético e que uma guerra debilitante e impossível de vencer no Afeganistão contribuiu para o processo.

As consequências imediatas foram as incógnitas sobre os países que decidiram conceder uma oportunidade aos mercados, a dependência financeira (subsídios soviéticos) e a quebra da preponderância política de Cuba e Coreia do Norte e o fim do terrorismo radical dos anos 70 e 80 na Europa (Baader-Meinhof, na Alemanha, as Brigadas Vermelhas, em Itália). Quem é que irá invocar as ideias do socialismo com seriedade (de cada um de acordo com as suas capacidades, a cada um de acordo com as suas necessidades)? Os direitos de propriedade e os mercados livres são encarados como princípios fundamentais e os aspectos desagradáveis, como a desigualdade, desemprego, injustiça são aceiteis como contingentes da vida. A verdade é que a oposição ao capitalismo perdeu o alento. O capitalismo está seguro não só graças aos êxitos que tem conquistado, mas também porque ninguém tem uma alternativa plausível.

Controlo do ciclo económico: Os grandes inimigos da estabilidade capitalista foram sempre a guerra e a depressão. A grande depressão esteve a um passo de destruir quer o capitalismo, como a democracia, e conduziu mais ou menos directamente à guerra. Não obstante, foi seguida por períodos de forte crescimento (trinta gloriosos). No final da década de 60, economistas realizaram conferências cujo tema era “estará o ciclo económico obsoleto?”. Os choques petrolíferos responderam à questão.

Antes de mais, em que consiste o ciclo económico? Porque motivo as economias de mercado sofrem recessões? Estas são vistas como que a procura a extinguir-se e a oferta a surgir de todo o lado. Mas como é possível que haja escassa procura para os bens em geral? Afinal, as pessoas têm de gastar o dinheiro nalguma coisa. A história adoptada pelo autor segue-se da obra “Monetary Theory and the Great Capitol Hill Baby-sitting co-op Crisis”, de Joan e Richard Sweeney, 1978. No decorrer da década de 70 o casal Sweeney era membro duma cooperativa de baby-sitting, uma associação de jovens casais que estavam na disposição de fazer de baby-sitters dos filhos dos outros casais inscritos. A cooperativa de Capitol Hill estava incumbida de emitir títulos: cupões que davam ao portador direito a uma hora de baby-sitting. Quando os bebés eram devolvidos aos pais, estes entregavam aos baby-sitters a devida quantidade de cupões. A decisão de um casal sair à noite era a oportunidade de outro casal servir de baby-sitter e acumular reservas (cupões). Contudo, verifica-se que um sistema deste género necessita duma quantidade considerável de títulos em circulação. Chegou uma altura que havia relativamente poucos cupões em circulação (os casais que consideravam que as suas reservas de cupões eram insuficientes mostravam-se ansiosos para fazer de baby-sitters e relutante em sair à noite). A cooperativa entrou em recessão.

Mas porquê? Não foi pela incompetência dos baby-sitters, nem pelo processo administrativo da cooperativa, nem pela cooperativa não se ter adaptado às alterações tecnológicas de baby-

Page 3: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

sitting, nem na capacidade de produção da cooperativa, mas simplesmente na falta de procura efectiva: baixo consumo de bens e objectivo em acumular cupões. Primeira ilação para o mundo real: a nossa vulnerabilidade ao ciclo económico pode ter pouco ou nada a ver com as forças ou fraquezas económicas fundamentais, acontecem coisas más às boas economias.

Qual a solução? Primeiramente, surgiu uma lei que exigia cada casal a sair à noite pelo menos duas vezes por mês. Tal não teve sucesso e a teoria económica acabou por prevalecer com a emissão de mais cupões. Resultados brilhantes, mais disponibilidade em sair à noite, aumento das oportunidades de baby-sitting e o PBB (produto de baby-sitting bruto) disparou. Em suma, é possível combater recessões através da simples emissão de dinheiro. No mundo real os responsáveis por isto são os Bancos Centrais. Mas se assim é, porque razão não emitem os BC dinheiro suficiente para que haja emprego para toda a gente? A resposta é inflação. Antes da 2ª grande guerra, economistas como Joseph Schumpeter afirmavam que qualquer estímulo artificial durante uma crise deixaria um resquício de desajustamento mal digerido, e que, posteriormente, este desajustamento levaria a nova crise. Depois da guerra, este controlo monetário ocorreu e as recessões foram moderadas, até 1970, quando Richard Nixon decidiu imprimir dinheiro a mais para a capacidade produtiva da economia (estava demasiado optimista quanto ao número de postos de trabalho a criar). Logo que esta inflação ganha raízes nas expectativas das populações, a única maneira de arrancá-la do sistema é através dum período de desemprego alargado. Porém, a inflação voltou a baixar em meados dos anos 80 e a partir daí nada de alarmante se passou, excepto o crash bolsista de 1987 que não teve influência na economia real.

A tecnologia como salvação: A era da informação começou em 1971 com a invenção do microprocessador pela Intel. Em meados de 90, tornou-se óbvio que as indústrias da informação iriam alterar de forma drástica os contornos e percepção da nossa economia. Tiveram um grande impacto visível na maneira como trabalhamos (entre 1900-80 a aparência básica e os métodos de trabalho dum escritório mantiveram-se, máquinas de escrever e arquivos, memorandos e reuniões. Agora temos PC ligados em rede, emails e Internet, vídeo-conferências e teletrabalho). Recuperou-se a ideia do romantismo do capitalismo: a ideia de um empresário heróico que cria uma ratoeira inovadora e que, ao fazê-lo, se torna merecidamente rico (a velha ideia de que a riqueza é produto da virtude, ou pelo menos da criatividade, regressou em força). À imagem do século XIX, a história económica tornou-se a história de homens notáveis que tinham tido uma ideia melhor que os outros, e isto proporcionou um solo fértil para as ideias do mercado livre.

Os frutos da globalização: “Terceiro Mundo” é usado como sinónimo de atrasado, pobre, subdesenvolvido (termo usado por Jawaharlal Nehru para se referir a países que pugnavam pela sua independência). A globalização mudou completamente o contexto mundial através da transferência de tecnologia e capital de países com salários altos para países com salários baixos e o crescimento resultante das exportações trabalho-intensivas do Terceiro mundo. Inicialmente, os países subdesenvolvidos do Leste asiático eram essencialmente exportadores de matérias-primas e importadores de manufacturas. Os sectores manufactureiros de dimensões e eficiências reduzidas serviam os respectivos mercados internos, ao abrigo de quotas de importação, mas estes sectores geravam pouco emprego. A pressão aumentou com a demografia explosiva. Apesar de salários miseráveis, as condições jurídicas, políticas,

Page 4: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

logísticas, tecnológicas e capitalísticas dos países desenvolvidos eram mais vantajosas para a produção, mesmo tendo salários muitíssimo mais altos. Uma solução passou por subir o preço das matérias-primas, e foi aqui que algo mudou. Uma combinação de factores – descida das barreiras aduaneiras, melhoria das telecomunicações, transportes aéreos a baixo custo – reduziram as vantagens em produzir em países em vias de desenvolvimento. De rendimento proveniente de matérias-primas passamos a ter rendimento proveniente de produtos finais. Os salários das indústrias foram um pouco acima da média para atrair trabalho, verificou-se uma diminuição da oferta de emprego nos meios rurais e urbanos, onde os salários também subiram. Para se ter uma ideia, em 1975 o salário médio por hora de trabalho na Coreia do Sul era apenas 5% do dos EUA; em 2006, tinha atingido os 62%). De forma a contrariar muitos que acreditavam que a única esperança que restava a vários países era a do afastamento da competição com as economias mais avançadas, o capitalismo e a integração económica global voltaram a ficar com os louros.

Aviso ignorado: as crises da América Latina

Durante gerações, os países da América Latina eram sujeitos de forma quase única a crises monetárias, falências de bancos, períodos de hiperinflação e todos os demais males económicos conhecidos do homem moderno. Em 1989, a mudança de regime político no Chile, com a saída de Pinochet, veio a tranquilizar os mercados (fim da crise da dívida latino-americana de 1982) e a optar algumas reformas (controlo do défice e da inflação, privatizações, menos barreiras ao comércio externo). Em Dezembro de 1994, o México mergulha numa crise profunda, a “crise da tequila”, mas já lá iremos.

México, o reerguer a partir da década de 1980: O México teve uma guerra civil de ?? , os membros do novo regime, Partido Revolucionário Institucional (PRI), pretendiam modernizar o México, mas queriam fazê-lo à sua maneira: as indústrias foram desenvolvidas por empresas nacionais destinadas a servir o mercado interno, sendo protegidas de estrangeiros mais eficientes por direitos alfandegários e restrições à importação. O sistema consolidou-se num triângulo de ferro, os oligarcas da indústria, sindicatos e políticos. Até 1970, o crescimento foi quase nulo mas não houve excessos financeiros. No final dos anos 70, essa tradicional prudência foi esquecida. A descoberta de novos poços de petróleo, os preços elevados do combustível e concessão de avultados empréstimos por parte de bancos estrangeiros conduziram a uma situação de quase banca rota, não fosse a intervenção do governo norte-americano e do Banco de Pagamentos Internacional. O México safou-se da banca rota mas não evitou uma grave recessão (em 86 o rendimento por cabeça era 10% inferior ao que era em 81, a inflação de 70% em média nos últimos quatro anos levou a uma quebra dos salários reais na ordem dos 30%). O consenso de Washington (acordo entre as instituições de Washington, FMI, WB, WTO (1989) sobre a política macroeconómica a praticar em países em desenvolvimento com dificuldades. As dez regras baseavam-se no neoliberalismo, a melhor maneira de atingir o crescimento era através de orçamentos sólidos, baixa inflação, mercados desregulados e comércio livre) veio alterar a política económica do México, pelo presidente Miguel de la Madrid. Em 1986, Miguel deliberadamente designa Carlos Salinas para o cargo de PM, juntamente com uma equipa de economistas do MIT. Nas eleições gerais de 1988 o

Page 5: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

opositor Cárdenas ganhou, mas Salina assumiu a presidência. O êxito do mandato consistiu em duas estratégias políticas fundamentais: a resolução da crise da dívida e o acordo de comércio livro com os EUA e Canadá, o NAFTA. O secretário do Tesouro, Nicholas Brandy, admitiu que o México era incapaz de fazer face a todos os seus compromissos, tendo proposto o plano Brandy, que consistia na troca dos títulos de dívida por outros de valor inferior. O alívio foi sentido mais psicologicamente (os mexicanos que repudiavam o endividamento sentiram-se apaziguados ao verem os banqueiros abdicar duma parte daquilo a que tinham direito). A taxa de juro baixou e o défice orçamental diminuiu. Em 1990, surpreendeu o mundo com o NAFTA, dando a ideia de que a abertura ao comércio e a liberalização dos mercados e entrada de capitais era definitiva. Os EUA (tipos do mercado livre) ficaram radiantes por verem que as ideologias mexicanas estavam efectivamente a tomar o rumo certo. Em 1993, foram investidos no México mais de 30 mil milhões de dólares em capital estrangeiro.

O corte da Argentina com o passado: A Argentina sempre fora vista como um país rico em recursos naturais e bem posicionada no sistema internacional, pela exportação de cereais e carne. Na depressão, a Argentina optou por políticas heterodoxas e obteve algum sucesso, como um peso desvalorizado, controlo às fugas de capital e uma moratória do pagamento da dívida. Estes hábitos trouxeram a destruição nacional, os controlos de emergência das permutas externas transformaram-se num conjunto de regulamentações complexas que desencorajaram o empreendedorismo e fomentaram a corrupção, as limitações temporárias às exportações permitiram a sobrevivência de indústrias improdutivas, as empresas nacionais empregavam pessoas sem que isso se traduzisse numa prestação adequada dos serviços, descontrolo orçamental. Depois dos resultados desastrosos da Guerra das Maldivas em 1982, Raúl Alfonsín toma o poder e introduziu uma moeda nova, na tentativa de estabilização dos preços, o austral. Um fracasso autêntico. Em 1989, a Argentina vivia uma hiperinflação com uma taxa anual de 3000%. Neste ano, Carlos Menem (PM) e Domingo Cavallo (Ministro das Finanças) do partido peronista (o fundador foi Juan Péron) assumiram o executivo e tomaram medidas duras: -abertura aos mercados internacionais e abolição da excessiva carga fiscal sobre os lucros das exportações; -privatização do ineficiente sector estatal; -comité monetário (usado nas colónias europeias, que tinham moeda própria mas estava indexada à da metrópole. A emissão de moeda interna tinha, por lei, de ser sustentada por reservas de uma moeda forte. Isto é, a população poderia converter a moeda local em libras ou francos a uma taxa legalmente estabelecida.) para combater a inflação, renascendo o peso. A inflação quebrou, a Argentina ganhou credibilidade para negociar um plano Brady e o PIB cresceu ¼ em apenas três anos.

O ano mau do México: A abertura do comércio e uma moeda forte levaram à contracção de um défice comercial gigante, na casa dos 8% do produto (1993). Entre 1990 e 1994 a economia registou um crescimento anual de 2,8%, inferior ao aumento populacional, o mesmo se passando em 1994. Afinal onde estavam as compensações de tantas reformas, tanto investimento estrangeiro? Em 1993, um economista especialista na economia mexicana do MIT, Rudiger Dornbusch, afirmou que o problema residia no valor do peso: uma moeda excessivamente forte estava a arredar os produtos mexicanos dos mercados mundiais, impedindo a economia de tirar proveito da sua capacidade de crescimento. O executivo não deu ouvidos a estas impressões. O substituto no PRI, Ernesto Zedillo, gastara uma parte das reservas na campanha eleitoral (o autor diz “uma pequena fortuna”).

Page 6: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

Crise da tequila: Em Dezembro de 1994, confrontadas com uma drenagem das reservas de moeda estrangeira, as autoridades mexicanos ou subiam as taxas de juro para encorajar os investidores a manterem o dinheiro em pesos (embora isto prejudicasse o consumo e investimento) ou desvalorizava a moeda num impulso económico externo. O México optou pela desvalorização, mas o trabalho foi mal feito. Aquando duma desvalorização deve haver dois aspectos a ter em conta: -a desvalorização deve ser significativa, de outro modo, os investidores vêem a desvalorização como um sinal de futuras desvalorizações e começam a especular com mais empenho; -As autoridades devem dar o sinal que têm a situação sob controlo, de que são pessoas respeitáveis e compreendem a importância de tratar os investidores com o devido respeito. Primeiro, a depreciação fora de cerca de 15%, Dornbusch aconselhava o dobro. Segundo, o ministro das Finanças, Serra Puche, mostrou indiferença e arrogância para com a opinião de credores estrangeiros e tornou-se óbvio que alguns empresários mexicanos tinham sido previamente consultados sobre a desvalorização, prestando-lhes informações confidenciais negadas aos investidores estrangeiros. Ocorreu uma fuga maciça de capitais e a fixação cambial do peso era agora um sonho (não tardou a que este caísse para metade do valor que tinha antes da crise). Com a quebra de confiança no executivo e a contracção enorme de dívidas de curto prazo pelo próprio, o México pagava taxas de juro na ordem dos 75%! Mais erros foram cometidos, como a conversão de dívida em pesos por tesobonos, títulos cuja dívida passava agora a ser em dólares. Com a desvalorização do peso e consequente valorização do dólar, isto asfixiou os agentes do Estado. O Banco Central também não interveio com a política monetária, o produto caiu 7% nesse ano (1995).

Mas porque é que o efeito tequila veio afectar a Argentina, se as relações comerciais e financeiras eram praticamente nulas entre ambos? Aos olhos dos investidores todos os países latino-americanos são iguais. O comité monetário assegurava que cada peso argentino correspondia a um dólar, o que deveria dar alguma confiança, mas tal não se veio a verificar com as avultadas ofertas de pesos. Os bancos ficaram sem reservas e a beira da falência. Uma corrida aos bancos como a de 1930-31 ocorreu: uma instituição financeira nos EUA exige o pagamento de uma dívida a um agente económico argentino, este levanta os pesos necessários do banco e converte-os em dólares. O banco tem de reabastecer as suas reservas de dinheiro, por conseguinte exige o pagamento dum empréstimo a um cliente argentino. Este levanta ou compra pesos a um banco argentino, que por sua vez exigiram mais liquidação das dívidas. Por outras palavras, a restrição inicial colocada por uma instituição estrangeira terá um efeito múltiplo dentro da Argentina (cada dólar de crédito restringido por Nova Iorque traduz-se em vários pesos de pagamento de empréstimos exigidos em Buenos Aires). As empresas e famílias têm dificuldade em pagar as dívidas, a desconfiança aumenta, os bancos restringem a concessão de crédito, os clientes levanta os depósitos, restringido mais o crédito, etc até que a corrida aos bancos acontece. A Argentina deveria ter sido capaz de pôr fim a este trilho logo à nascença, ou através da garantia de depósitos pelo governo ou através do emprestador de último recurso, o Banco central. No entanto, o BC não podia actuar como emprestador de último recurso porque cada peso emitido tinha de ter uma reserva em dólares! O comité monetário acabou por ditar a sentença argentina.

O grande resgate: Aquilo de que a América Latina precisava, e com urgência, era de dólares: dólares com que o México pudesse liquidar os tesobonos à medida que estes venciam, dólares que permitissem à Argentina emitirem pesos e emprestá-los aos bancos. O México era visto

Page 7: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

como um problema dos EUA, que com alguma controvérsia, acabara por fornecer (tesouro dos EUA) 50 mil milhões de dólares ao México. O tesouro recorreu ao ESF (Exchange Stabilization Fund), um mealheiro guardado para uma intervenção de emergência em mercados de câmbio estrangeiros. O propósito da legislação que criou este fundo foi obviamente estabilizar o valor do dólar, mas tal não está expressamente escrito. No caso da Argentina, o Banco Mundial disponibilizou 12 mil milhões de dólares em auxílio dos bancos do país. A contracção económica não foi evitada mas as taxas de juro começaram a descer e o consumo a recuperar.

Aprender mal a lição: A crise da tequila deveu-se ao erros políticos mexicanos, mais concretamente, permitir que a moeda se sobrevalorizasse, expandir o crédito em lugar de restringi-lo quando a especulação contra o peso começou e tentar remendar mal a própria desvalorização. Ainda assim, esta crise pouco efeito teve no resto do mundo, apenas nos países latino-americanos. Os EUA sempre tiveram a noção de que estava tudo sob controlo e que tinham aptidão para enfrentar as crises financeiras mais graves. O facto de a crise ter durado ano e meio indicou que os governantes tinham aprendido a lidar com este tipo de situações, o que se provou estar errado e subestimado com a crise financeira norte-americana de 2007.

“Existem mecanismos capazes de transformar pequenos erros políticos em enormes catástrofes económicas.” Paul Krugman

Foi dado um mérito excessivo ao FMI e ao Tesouro dos EUA pela simples injecção de liquidez num país vizinho, para dar mostrar de seriedade do governo e permitir a recuperação da confiança no mercado.

“(…) o que aconteceu no México pode acontecer a qualquer outro país: de que o êxito aparente duma economia, a admiração que os mercados e os órgãos de comunicação mostram pelos seus dirigentes não constituem por si só uma garantia da imunidade da economia a uma súbita crise financeira.” Paul Krugman

A Armadilha do Japão

A rivalidade entre a indústria japonesa e norte-americana, devido ao sucesso da nipónica, existiu e atraiu a atenção de muitos americanos. Não só os seus êxitos devem ser tidos em conta como também os seus fracassos, aí os americanos erraram por levaram os nipónicos ao esquecimento. A década de 90 foi a década perdida para o Japão, com um espírito de fatalismo e desespero e a perda de confiança na capacidade de a política governamental fazer reverter a situação.

O Japão no lugar do topo (Ezra Vogel, “Japan as Number One”, best-seller): Nunca nenhuma economia havia sofrido uma transformação tão grande como a Japonesa entre 1953 e 1973, passando de uma nação predominantemente agrícola para o maior exportador mundial de aço e automóveis. Tóquio, já de si grande, tornou-se na maior área metropolitana do planeta. O crescimento abrandou em 70’s, passando de 9% ao ano em 60 para 4% em 70. Basicamente havia duas facções por detrás do êxito nipónico: -excelente educação básica e elevadas taxas de poupança (aliadas à produção de bens de alta qualidade a baixo custo); -sistema económico

Page 8: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

diferente, assente num capitalismo inovador e superior (o governo e ministérios apresentavam um papel de relevo na orientação da economia). O keiretsu nipónico – grupos de empresas aliadas organizadas em torno dum banco nuclear – detinham várias acções uns dos outros, tornando a gestão independente de accionistas estranhos. As empresas raramente se financiavam por acções ou obrigações, ao invés, o BC emprestava-lhes dinheiro. Com este esquema, o governo ia apostando em sectores estratégicos. Primeiro, protegia os privados da concorrência estrangeira e testava as capacidades da indústria no mercado interno. Só após isto, é que as empresas começavam a exportar, ignorando a rentabilidade e aniquilando a concorrência. Por fim, uma vez assegurado o predomínio da sua indústria, o Japão passaria ao sector seguinte. As estreitas relações entre governo e empresas, a extensão do crédito fácil concedido por bancos garantidos pelo governo a empresas com quem tinham fortes relações viriam a ser apelidados de “capitalismo do compadrio” e inculpadas do mau estar económico.

Bolha, trabalho e aflições: Os últimos anos da década de 80 representaram um período de prosperidade para o Japão, de crescimento rápido, de baixas taxas de desemprego e de lucros avultados. Não obstante, nada nos dados económicos subjacentes justificava o triplicar dos preços quer das acções, quer dos terrenos. Muitos chamavam ao Japão, Japão SA porque a economia apresentava mais um carácter demasiado empresarial (os tais planeamentos estratégicos de longo prazo), de economia planeada, do que um mercado livre. No mundo inteiro, a febre especulativa tinha-se instaurado com contribuição dos empréstimos bancários, que acarretam o princípio de “risco moral” (exemplo interessante de risco moral, final da página 67). Imagine que eu contraio um empréstimo de um milhão de dólares, invisto em activos arriscados e de retorno pouco provável, se o investimento for bem sucedido eu ganho e pago a dívida, se não for, eu declaro falência pessoal e vou-me embora. Cara, eu ganho, coroa, o leitor perde. Isto leva à “disponibilização adicional”: os activos perdem valor, aqueles que os adquiriram com o dinheiro emprestado podem ver-se confrontados com uma necessidade de “disponibilização adicional”, ou disponibilizam mais dinheiro do seu bolso, ou pagam aos credores mediante a venda de activos, provocando uma descida ainda mais acentuada dos preços. A acrescentar, temos o facto de o jogo do risco moral ser praticado à custa dos contribuintes (não é plausível o governo deixar um banco falir, com poupanças de vidas de idosos e viúvos, só porque o risco incorrido foi demasiado alto e a gestão incompetente). Porém, existem restrições governamentais (concessão de pouca licenças bancárias, limitações de risco, proprietários tinham de investir dinheiro próprio) que foram abandonadas nos anos 80, em prol da liberalização do mercado bancário. Assistiu-se a uma espécie de epidemia planetária de risco moral. Nos anos 90, o Banco do Japão, apreensivo com os excessos especulativos, decidiu subir as taxas de juro para esvaziar o ar do balão. Em 1991, os preços dos terrenos e acções começaram a entrar num declínio acentuado, baixando cerca de 60%. As autoridades encararam isto como um processo saudável e de ajustamento, mas não era.

Uma depressão dissimulada: Na década de 90, o Japão sofrera inicialmente aquilo que os economistas chamam de “recessão de crescimento”. Este fenómeno é o que acontece quando uma economia cresce, mas este crescimento não é suficiente para acompanhar a capacidade de expansão dessa mesma economia (Δy real < Δy potencial). Prolongou-se por uma década e deixou o país perante um novo acontecimento, uma depressão de crescimento. Muitos analistas e governantes acharam que a economia não podia crescer mais rapidamente, as

Page 9: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

razões foram o facto de o motor económico japonês ir perdendo velocidade lentamente ao invés de parar bruscamente.

A armadilha do Japão: O rebentamento da bolha levaria a uma queda do consumo e investimento, pois a confiança ficaria minada. Mas a questão era saber porque motivo as autoridades monetárias não conseguiram retomar com o movimento da economia? Em 1987, após o crash bolsista, a desconfiança instaurou-se, os agentes económicos começariam a poupar para um futuro mais promissor, mas tal não aconteceu devido às acções imediatas do BC. Alan Greenspan apercebendo-se da situação emitiu mais dinheiro e a economia nem sequer entrou em recessão. Mas mesmo que esta percepção da economia real fosse tardia, ainda restava a mesma solução de imprimir dinheiro. Foi assim que se resolveu as crises nos EUA de 1981-82, 1990-91, 2001. Na verdade, no Japão, as taxas de juro desceram até valores praticamente nulos e nem assim a economia se recompôs. Suponha que no exemplo de baby-sitting é possível pedir empréstimos à administração da cooperativa a uma taxa de desconto, ou seja, existe um BC que estabelece quanto e a que preço (juro) emprestar. Se a actividade tiver carácter sazonal (o que é plausível), então no Inverno haverá mais pessoas dispostas a prestar baby-sitting, e no Verão mais pessoas a procurar os serviços de baby-sitting. O BC baixa os juros no Inverno e sobe no Verão, de forma a estimular e a conter a actividade, respectivamente. No entanto, se esta sazonalidade for muito acentuada, um abaixamento dos juros não incentivará as pessoas a sair de casa no Inverno, e a política monetária não tem efeito na cooperativa. Talvez devido ao facto de ter uma população envelhecida, talvez também devido a uma certa apreensão quanto ao futuro, a população japonesa não se mostrou disposta a gastar dinheiro suficiente para aproveitar na totalidade o potencial da economia, mesmo com taxas de juro nulas. A este fenómeno os economistas chamam de “armadilha da liquidez”.

O Japão à deriva: A resposta para uma situação deste tipo é da autoria de John Keynes, se o sector privado não consumir o suficiente para manter o pleno emprego, então o sector público deve compensar essa lacuna. Foi o que o Japão fez, introduzindo uma série de programas de incentivos, pedindo empréstimos para a construção de estradas e pontes, quer o país precisasse delas, quer não. Houve criação directa de emprego e a economia impulsionou-se, o problema foi que os programas não foram suficientes para impulsionar o iene. Em 1991, o orçamento foi excedentário (2,9% do produto) em 1996 foi deficitário (4,3% do produto). O motor da economia recusava entrar em funcionamento. Entretanto, os défices crescentes causaram preocupações por motivos demográficos. O Japão havia sofrido uma explosão e depois uma queda na taxa de natalidade, a população em idade de trabalhar decresceu fortemente e o número de reformados subiu galopantemente. Uma vez que estes cidadãos precisam de cuidados médicos e pensões públicas de reforma, o PM Ryutaro Hashimoto, em 1997, decidiu subir os impostos. A economia mergulhou numa recessão. Assim, regressou-se aos gastos deficitários em 1998, com um vasto programa de obras públicas. As previsões apontavam para um défice de 10% e uma dívida para lá de 100% do produto, portanto o estimulo pela via dos gastos públicos tinha atingido o limite. Que outras soluções? Uma muito dúbia era aumentar a inflação (a explicação, do meu ponto de vista, seria o aumento das expectativas inflacionistas na população em geral e o estimulo ao consumo hoje, pela perda de valor real da moeda ser maior. No seu conjunto os membros da cooperativa não podem poupar horas de baby-sitting no Inverno para as usarem no verão, e por conseguinte, as

Page 10: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

tentativas individuais para alcançar este objectivo redundam inevitavelmente numa crise invernal. A solução será obter o preço justo, deixar claro que os cupões acumulados no Inverno serão desvalorizados se conservados até ao Verão. Esta medida incentiva as pessoas a gastar os cupões mais cedo. Em termos práticos isto corresponde à inflação, ou para ser mais exacto, a inflação esperada). No caso japonês, os bancos tinham concedido uma enorme quantidade de maus empréstimos nos anos da economia da bolha, e a longa estagnação que se seguiu fez perigar igualmente muitos outros empréstimos, mesmo que o seu valor fosse acrescentado e de qualidade. Uma das teorias justificativas da crise do Japão era que os bancos estavam numa situação financeira frágil, bastaria estabilizar a banca para que a economia recuperasse. No final de 1998, o executivo instituiu um plano de resgate bancário no valor de 500 mil milhões de dólares.

“(…) quando, em meados da década de 90, os contornos da armadilha nipónica se começaram a clarificar, os economistas não estavam devidamente preparados – nem, se me é permitido tecer críticas à minha própria profissão, interessados.” Paul Krugman

“Existe uma corrente de opinião há muito estabelecida que defende que, para que a política monetária consiga combater as recessões, pode ser necessária uma inflação moderada.” Paul Krugman

Contudo, afirma-se que a estabilidade de preços é sempre desejável, de que promover inflação equivale a criar incentivos perversos e arriscados. Esta crença na importância da estabilidade dos preços não se baseia em modelos económicos padronizados.

“Todavia, a teoria económica convencional e o senso comum económico convencional nem sempre são uma e a mesma coisa, daí que tenhamos de tomar decisões difíceis.” Paul Krugman

A retoma do Japão: A economia nipónica começou a mostrar alguns sinais de recuperação por volta de 2003, o produto crescia ligeiramente acima dos 2% anuais, o desemprego diminuiu e a extrema deflação que atingia a economia (e que agravava a armadilha da liquidez) baixou. O que mudou foi essencialmente as exportações. Os défices comerciais registados pelos EUA a partir do início do novo século ajudaram, e de que maneira, a recuperação japonesa. Muitas das importações americanas eram exportações japonesas, e muitas importações americanas eram exportações chinesas, que por sua vez encomendavam produtos ao Japão. O problema foi a eclosão da crise financeira de 2007 e a recessão económica de 2008-09, visto que o BC nipónico tinha as taxas de juro fixadas a 0,5% aquando desta ocorrência, provavelmente caindo na mesma “armadilha da liquidez”.

O crash asiático

Neste capítulo debruçamo-nos sobre a história da expansão económica da Tailândia entre 1980-90, o seu colapso e o alastramento pela Ásia.

A expansão

Page 11: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

Apanhou o comboio dos milagres asiáticos apenas em 1980, quando as empresas japonesas instalaram e desenvolveram a indústria no país. A urbanização deu-se, o produto cresceu a uma taxa de 8% ao ano ou mais e alguns particulares acumularam fortunas. O fim da crise da dívida América Latina devolveu a respeitabilidade aos investimentos do Terceiro Mundo e a queda efectiva do comunismo fez com que os investimentos ocidentais fossem menos arriscados do que antes. A prova disso foi que os fundos de investimento deram uma nova designação aos países do Terceiro Mundo, os mercados emergentes, estabelecendo a nova fronteira das oportunidades financeiras. A resposta dos investidores foi maciça, as transferências de capitais privados para os países em desenvolvimento atingira os 42 mil milhões de dólares em 1990 e as organizações oficiais, FMI e BM, financiaram mais investimentos que estes 42 mil milhões. Em 1997, este valor quintuplicara para os 256 mil milhões de dólares. Olhemos agora para o processo de transacções e transferências do dinheiro de economias desenvolvidas para estas emergentes: um banco japonês faz um empréstimo a uma instituição financeira tailandesa, que fica com ienes e usa-os para emprestar a uma taxa de juro mais alta a um construtor civil local. Mas o construtor pretende o empréstimo em baht, pois tem de comprar terrenos e pagar aos trabalhadores em moeda local. A instituição credora vai ao mercado e troca ienes por baht, o que levará a uma valorização do baht relativamente a outras moedas. Porém o BC tailandês comprometera-se a uma estabilidade cambial, pelo que terá de oferecer a mesma quantidade de bahts, comprando moedas estrangeiras. Tanto o empréstimo estrangeiro como esta oferta de bahts levaria ao aumento de crédito na economia (os bahts oferecidos irão ser depositados num banco qualquer e posteriormente emprestados). Como uma quantia monetária emprestada acaba sempre por ser depositada e novamente emprestada, gerou-se um efeito de multiplicador monetário. Esta onda de crédito levou a novos investimentos, e apesar de uma porção ser para a formação bruta de capital fixo, outra era para especulação financeira. Gerou-se indícios de uma nova bolha. As autoridades tentaram intervir mas falharam. O BC tentou reaver os bahts emitidos com a venda de títulos do tesouro, mas estas compras aumentaram os juros locais (oferta de moeda contraiu-se, houve venda de títulos e armazenamento da divisa), atraindo mais credores. O crédito continuou a aumentar. A única maneira possível de evitar esta tremenda aceleração era deixar o baht valorizar. As autoridades achavam que a estabilidade cambial era geradora de confiança nos negócios e que uma flutuação ampla com os EUA é só para países de maior dimensão, já para não falar da manutenção da competitividade. Mais o défice comercial começou a ser visto como um problema, porque investimentos em alta e novos consumos levam também a mais importações e a expansão económica leva a aumentos salariais, também a China desvalorizou a moeda nesta altura (1994), um principal concorrente da Tailândia. Os empréstimos externos e crédito passaram a pagar as importações. Este défice parecia advir do sector privado, visto que o Estado não apresentava défices. Ainda aliado, vinha o problema do risco moral, que mais tarde se chamaria “capitalismo de compadrio” (crony capitalism): basicamente, as instituições financeiras tailandesas que recebiam os empréstimos do exterior eram empresas pouco especializadas no tratamento da informação e tinham poucos depositantes. Tinham grandes ligações políticas, logo os défices não eram decisões ajuizadas do sector privado. Os empréstimos não eram sujeitos às normas de segurança, garantias formais que protegiam os depósitos, as poupanças e os empréstimos nos EUA. Os ministros arranjariam sempre maneiras de salvar as instituições estrangeiras que incorressem no empréstimo, e foi o que

Page 12: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

aconteceu: cerca de 9 em cada 10 credores estrangeiros das empresas financeiras foram na verdade salvos pelo governo tailandês quando a crise chegou. Na perspectiva do sobrinho do ministro (dono da empresa financeiras tailandesa), ele arranjava fundos a juros baixos, vendia-os a juros altos e, se o projecto fosse rentável, ele e o investidor tailandês ficavam a ganhar, se não fosse rentável, o contribuinte pagaria a factura ao estrangeiro. O exemplo mais clamoroso foi o empréstimo que levou a Peregrine Investment Holdings, de Hong Kong, à falência: uma transferência directa para a empresa de táxis da filha do presidente Suharto). Na Coreia, os grandes beneficiários das transferências de capital eram bancos efectivamente controlados pelos chaebol, os gigantescos conglomerados que dominaram a economia do país, e também a política, até há pouco tempo.

2 de Julho de 1997: Em 1997, a economia tailandesa estava menos competitiva e os investimentos especulativos, a baixo ou alto custo, directa ou indirectamente do exterior, começaram a perder o pé. Alguns especuladores faliram e certas empresas financeiras desapareceram do mercado. Os credores estrangeiros tornaram-se cada vez mais relutantes a fazerem novos empréstimos. Os preços de terrenos e acções começaram a deslizar, reduzindo a confiança e a chegada de novos empréstimos de dinheiro fresco. A procura de baht esmoreceu nos mercados financeiros e era necessário trocar baht por moeda estrangeira para pagar as importações. De modo a manter o valor do baht alto, o BC fez o contrário do que fizera quando os capitais entraram no país, vender divisa estrangeira e comprar bahts. Acontece que existe uma grande diferença entre tentar manter a moeda baixa e tentar mantê-la em alta; o Banco da Tailândia pode pôr no mercado quantos bahts quiser, basta imprimi-los, mas dólares já não. As reservas acabariam por esgotar-se, a hipótese era elevar os juros mas o investimento já estava em descida. Também se poderia deixar flutuar o baht, no entanto muitas das dívidas dos agentes económicos eram em dólares, pelo que provocaria um processo grave de falências, e o governo não queria perder a sua reputação financeira. Tudo isto seguia o guião habitual: era o caminho clássico para uma crise monetária, do tipo que os economistas adoram exibir como exemplo e os especuladores adoram provocar (fim da bolha, economia já frágil, manutenção do baht alto para fazer face aos compromissos, crise económica). Como a probabilidade do baht se desvalorizar em pouco tempo, o incentivo era pedir emprestado em baht e adquirir dólares. Grandes fundos internacionais de investimento começaram a endividar-se em baht e a converter lucros em dólares. Estas operações envolviam oferta de baht e procura de dólar o que obrigava o BC a comprar cada vez mais quantias de baht e vender mais reservas. Especialistas afirmaram que as opções eram duas: deixar a moeda cair ou defender a moeda sem olhar a custos. O governo não optou nem por uma nem por outra (como é habitual), foi-se aguentando até ao dia 2 de Julho, em que o baht caiu.

O colapso da economia: Por que razão a desvalorização numa economia pequena provocou o colapso do investimento e da produção numa região tão vasta? Como é que os governos não conseguiram evitar a catástrofe? A segunda questão terá uma resposta nos capítulos seguintes. A desvalorização do baht foi de 50% nos dois meses seguintes e não caiu mais porque o governo tailandês decidiu subir drasticamente os juros. A justificação para tal ocorrência é o pânico. Por vezes o pânico não passa disso mesmo, consiste numa reacção irracional por parte dos investidores que não encontra justificações na situação concreta (um exemplo é o tiroteio sobre Ronald Regan de um pistoleiro louco, em 1981, que levou à queda

Page 13: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

do dólar, não sendo afectada a estabilidade política e governativa se o líder morresse. Os que tiveram juízo e resistiram tiveram a justa recompensa da valorização logo a seguir ao mergulho). Mas também pode existir uma situação (mais interessante para os economistas) em que o pânico se confirma a si próprio e justifica-se a si próprio (um exemplo é a corrida aos bancos, toda a gente tenta levantar os depósitos, o banco vê-se forçado a vender activos a preços de saldo, decisão que o leva à falência e, neste caso, quem mantém a calma acaba em pior situação do que quem entra em pânico. Existe portanto um pânico irracional, implausível e outro plausível, racional. O processo que se desenrolou foi o seguinte: Perda de confiança -> Quebra de cotação da moeda, aumento das taxas de juro, economia em recessão (tentativa de retirar o dinheiro do país por parte dos investidores, levava a queda do baht, o BC subia os juros e o serviço da dívida encarecia, falências e investimento e consumo quebram) -> Problemas financeiros para empresas, bancos e famílias. A recessão minava novamente a confiança e o processo repetia-se vezes sem conta, um multiplicador contractivo. A surpresa tão grande adveio do pouco discernimento entre estas correlações: confiança, mercados financeiros e economia real, e acabando no regresso à confiança. A força desta correlação dependerá das condições de cada economia, como explica o exemplo da página 95-96.

O contágio: A Malásia mantivera défices comerciais muito elevados, como a Tailândia, e o PM agravara a situação ao denunciar os especuladores perversos. A indonésia não apresentava défices tão altos e a base de exportações (divididas por matérias-primas e produtos industriais resultantes de mão-de-obra intensiva) parecia sólida e, porém, a rupia, após a flexibilização do governo, apresentava uma fraqueza injustificada. Até a Coreia do Sul sentiria os efeitos. O contágio económico existe, às vezes, por boas razões. Quando os EUA espirram o Canadá constipa-se, o que não admira, pois grande parte da produção canadiana é vendida nos mercados do vizinho do Sul. Todas as estimativas do mercado de produtos entre as economias em crise indicavam que ele não poderia ser um factor importante (a desvalorização do baht levaria a que o país exportasse mais e muitos dos produtos exportados concorrem directamente com os outros países asiáticos e, como a Tailândia compra produtos a outros asiáticos, a quebra do rendimento real levaria a que se gastasse menos com o exterior. As duas hipóteses diminuiriam a margem de lucro dos artigos dos concorrente asiáticos). Não era a maneira como estas economias se associavam em termos de circulação física de bens, o apetite dos investidores pela região fora estimulado pela ideia de que existiria um “milagre asiático” partilhado por todas as economias da região. O investidor comum não via diferenças entre os países e achou mais prudente recuar, apesar de os países serem diferentes como se concluiu na reunião em Woodstock dos ministros das finanças. Todas elas, por mais diferentes que fossem, tinham algo em comum: a propensão para o pânico autojustificado. Os investidores assustados, neste caso, tinham razão (os sábios subestimaram a vulnerabilidade da economia da Indonésia). Na Malásia, Indonésia, Coreia e Tailândia a perda de confiança nos mercados originou um círculo vicioso de colapso financeiro e económico. Estavam ligadas na mente dos investidores, que viam nos problemas duma economia asiática más notícias acerca das outras todas.

“Quando uma economia é vulnerável ao pânico autojustificado, basta acreditar nisso para a tornar vulnerável.” Paul Krugman

Page 14: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

Porquê a Ásia? Porquê 1997?: As economias estavam imunes à recessão de 1990-91, à desvalorização do renimbi em 1994, a desvalorização do iene em 1995 e 1997 e à quebra na procura de artigos electrónicos em geral (especialmente porque estas economias produziam este tipo de produtos). O PM Mahatir declara que foi conspiração, do governo dos EUA e de George Soros. Também se acreditava que as economias receberam o inevitável castigo pelo pecado do capitalismo de compadrio (conto moralista). A corrupção estava bem assente na Ásia havia décadas (chaebol coreano), e no entanto o crescimento económico sempre ocorrera. Os argumentos de que a crise chegou em 1997 (muito tempo depois) e de que países tão díspares como a Indonésia (medição das calorias era a medição do progresso) e a Coreia (rendimento por cabeça similar ao de países do sul da Europa) sofreram a crise eram elucidativos que a crise não foi um castigo pelos pecados. Existiam verdadeiras falhas estruturais naquelas economias, mas a principal era a vulnerabilidade ao pânico autojustificado. Em 1931, metade dos bancos americanos faliram e, no seu todo (sobreviventes e mortos), os bancos eram bastante diferentes entre si. Na corrida aos bancos não importava se a gestão era razoável ou se os riscos eram excessivos, o pânico espalhou-se e os depositantes queriam o dinheiro de volta, só sobrevivendo os bancos mais conservadores e que retiveram mais reservas. O mesmo se passou com as economias asiáticas. Elas ficaram vulneráveis porque se abriram mais aos mercados financeiros e porque procuraram empréstimos avultados junto dos credores estrangeiros. Não é que esse dinheiro fosse mal gasto, uma parte era, outra não. Mas os novos débitos, ao contrário dos antigos eram em dólares – e isso provocou a destruição das economias.

Epílogo: Argentina, 2002: O regresso da confiança após a crise da tequila fez os observadores estrangeiros cobrir os governantes argentinos de elogios (particularmente ao comité monetário). Em finais da década de 1990 tudo começou a correr mal. Ao princípio era um problema de rigidez cambial, em que um peso equivalia a um dólar. Isto poderia não ser um problema se a argentina, como sucede com o México, fosse o grande parceiro comercial dos EUA, todavia, a Argentina fica tão perto dos EUA como da Europa. As trocas são muito mais prementes com o vizinho Brasil, por exemplo. A valorização do dólar face ao euro, e em consequência do peso face ao euro, levaram a um asfixio da economia latina. O que a juntar à crise financeira Russa e desvalorização do real levou ao encarecimento brutal das exportações argentinas. Entrou-se em recessão, perdeu-se a confiança, o fluxo de capitais passou a ser de saída e a banca entrou em crise. O executivo limitou os levantamentos nos bancos e cortou nos gastos, com vista a repor a reputação. E, em finais de 2001, o governo abandonou a política monetária seguida. O peso caiu de um dólar para 30 cêntimos. Grande parte dos agentes tinha dívidas em dólares e portanto faliram, a economia caiu 11% em 2002, depois de ter perdido 4% em 2001. Entre 1998 e 2002, a economia recuou 18%, uma quebra à escala da Grande Depressão. A argentina safou-se porque acordou pagar apenas 30 cêntimos por cada dólar de dívida externa.

Perversidade política

Em Dezembro de 1930, quando se começou a notar que a recessão dos EUA não era só uma recessão, Keynes tentou explicar ao público o problema. Keynes não acreditava num falhanço

Page 15: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

do capitalismo, defendia que uma intervenção de certo modo limitada seria suficiente para repor o sistema a funcionar – uma intervenção que deixaria intacta a propriedade privada e o processo de decisão do sector privado. Sobrevivência do capitalismo processou-se basicamente nos termos sugeridos por Keynes, com a 2ª guerra mundial, proporcionando o empurrão que há muito Keynes apelava. A maior ilação do período foi que intervenções macroeconómicas (política monetária e orçamental) manteriam a economia de mercado mais ou menos estável. Um acordo entre políticos, economistas e o povo foi feito: poderemos ter mercados livres a partir de agora, porque sabemos o suficiente para evitar uma depressão (Paul Samuelson chamou a este pacto implícito a síntese neoclássica, Krugman intitula-o como pacto keynesiano). No crash asiático, as medidas tomadas foram o oposto do aconselhável: austeridade orçamental e subida dos juros. Muitos dos governantes não eram estúpidos, mas, uma vez declarada a crise, as decisões vinham todas de Washington (FMI e Tesouro). O que levou estes versados a tomar medidas heterodoxas foi o medo dos especuladores.

Como é que o sistema monetário internacional não evoluiu: O padrão ouro era um sistema simplista para os agentes porque permitia efectuar transacções em qualquer parte do globo com o mínimo de complicações, para além de outras vantagens como controlo da inflação, câmbio e confiança na moeda. Contudo, para combater o ciclo económico Banco Central mundial tinha de optar políticas que eram discrepantes para os severos países do globo. O formato único desaparecera após 1930. Surgiu outro problema: a taxa de câmbio, a taxa de convertibilidade duma moeda noutra, ou se quiser, o preço de um moeda em termos de outras. Pensou-se que seria o comércio a definir o câmbio, mas não foi. O mercado era e é principalmente dominado por investidores que trocam divisas para comprar activos em diferentes partes do globo. Isto juntou uma séria componente de volatilidade aos câmbios. O BC salvaguarda sempre para si a possibilidade de alterar o câmbio para combater o ciclo económico. Infelizmente, estes ajustamentos possíveis deram alvos aos especuladores sempre que uma economia estava em dificuldades, pois era provável que ela desvalorizasse e as posições em curto subiam em flecha. De forma a evitar isto, ou o BC subiu os juros, o que agravava a recessão, ou tentava bater os especuladores com uma restrição aos movimentos de capitais. Os BC podiam optar por uma taxa livre (mas os agentes ficavam com grandes incertezas na sua vida económica), uma taxa fixa (a vida ficava mais simples e estável, mas a resposta ao ciclo económico criava um problema gravíssimo) ou por o crawling-peg (mas tal só seria possível controlando os movimentos de capitais, impunha gastos adicionais e, como qualquer proibição em transacções potencialmente lucrativas, era uma fonte de corrupção). Existem três coisas que os gestores macroeconómicos desejam: -discrição na política monetária, de forma a poderem combater as recessões e dominar a inflação; -taxas de câmbio estáveis, para que as empresas enfrentem poucas incertezas; -liberdade do comércio internacional, de forma a não se intrometerem no sector privado e permitir que as pessoas possam trocar dinheiro como lhes apetecer. Países com os EUA, com grande capacidade dos trabalhadores se mudarem das regiões deprimidas para as regiões em expansão, é possível adoptar uma moeda única. No campo europeu, a criação do euro foi muito controversa devido às diferenças estruturais de cada economia. As mais importantes economias europeias estão muito ligadas, pelo que uma política monetária adequada para a Alemanha também o será, a partida, para a França. Muitos economistas defendem a adopção duma moeda única em regiões estreitamente integradas, “zonas monetárias óptimas”. O principal problema com o

Page 16: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

controlo de capitais é a difícil distinção entre “boas” e “más” transacções internacionais: um especulador que quer lucrar com a desvalorização do ringgit pratica um acto anti-social, mas um exportador malaio que consegue encomendas no estrangeiro por autorizar os clientes a comprarem agora e a pagarem mais tarde está a ajudar o país a ganhar quota de mercado. Se o ringgit vai desvalorizar, o exportador pode exigir o pagamento antecipado, o que consiste no mesmo efeito do especulador. Os governos só poderão limitar a especulação limitando o crédito que os exportadores podem conceder aos clientes. Porém, hoje em dia com um mercado altamente liberalizado e global, há quem acredite que as proibições levam a mais corrupção. A flexibilização do câmbio parece ser a mais admissível das três. Tudo bem que as especulações e oscilações irritam, mas ao menos preserva-se o combate ao ciclo económico.

A ameaça especulativa: Por vezes, quando há um nervosismo e os investidores retiram os capitais de um país, pode haver outros a pensar que os activos estão subvalorizados e que podem render algum dinheiro. Mas a resposta é não necessariamente, a quebra do valor de activos pode levar bancos à falência, recessões e instabilidades políticas. Comprar quando toda a gente está a fugir talvez não seja uma boa ideia. É, portanto, possível que a perda de confiança num país possa produzir uma crise económica que justificasse a mesma perda de confiança, aquilo a que se chama “ataques especulativos autoconfirmados”. Tudo depende da opinião do mercado que demora anos a ser formada e engloba milhares de factores.

“O mais curioso é que, uma vez tomada a sério a possibilidade de ocorrerem crises autoconfirmadas, a psicologia do mercado torna-se crucial – tão crucial que, dentro de certos limites, as expectativas, e até os preconceitos dos investidores, se transformam em elementos básicos da economia – porque a admissão da sua existência as torna credíveis.

Países como os EUA, Inglaterra e Canadá têm como óptimo a flexibilização cambial, mas países como Indonésia, Coreia, México já têm normas diferentes. Tentativas recorrentes de procederem a desvalorizações moderadas produziram perdas drásticas de confiança.

O jogo da confiança: Em 1998, o Brasil registava um abrandamento económico e um elevado desemprego. O falhanço das reformas económicas na Rússia desencadeou o ataque ao real brasileiro, o que levou o país a pedir ajuda aos EUA e ao FMI. O Brasil pretendia um certificado de bom governo para ganhar confiança. As políticas monetárias e orçamentais foram altamente restritivas (juros a 50%), em quebra completa com o pacto keynesiano. A solução de abandonar a fixação ao dólar foi posta de lado porque a desvalorização seria tremenda, “para países em desenvolvimento, não existem pequenas desvalorizações.” A necessidade de ganhar essa confiança pode inibir o país de optar pelas políticas económicas mais correctas, forçando-o a escolher políticas perversas. Porém, como as crises conseguem autoconfirmar-se, uma boa política não é suficiente para ganhar a confiança do mercado – tem de se cuidar daquilo que pensamos ser as percepções, conceitos e caprichos do mercado. Por que motivos as políticas falharam o objectivo de se oporem ao processo devastador de retroacção que provocou o desmoronamento de uma economia após outra? A resposta é: os responsáveis pela elaboração das políticas acreditaram que tinham de entrar no jogo da confiança e isso significou que tiveram de seguir políticas macroeconómicas que exacerbaram as recessões em vez de as conterem.

Page 17: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

Será que o FMI agravou a situação?: Primeiro erro foi a intervenção na Tailândia de exigência orçamental quando nem o mercado achava a situação orçamental alarmante. Só demonstraram mais insegurança e que a situação estava fora de controlo. Segundo erro foi a exigência de reformas estruturais como condição para emprestar dinheiro às economias. A eliminação do capitalismo do compadrio era importante, mas o que é que isso tinha a ver com a corrida à rupia? A teoria quase que era de seriedade dos governos infligindo sofrimento a si próprios – quer esse sofrimento tivesse, quer não tivesse, qualquer relação directa com o problema do momento – porque só assim poderiam recuperar a confiança do mercado. Jeffrey Sachs, Harvard, sugeria que o FMI devia ter deixado as moedas desvalorizarem até os investidores acharem que já estavam baratas (impraticável porque traria inflação e grande número de empresas tinham dívidas em dólares). O FMI ao subir os juros só agravou a recessão e iniciou um novo ciclo de quebra da confiança. Sachs argumenta que a subida dos juros foi um sinal de pânico.

Senhores do Mundo

Nenhum indivíduo ou qualquer grupo pequeno poderiam realmente afectar o valor da moeda duma economia de dimensão média, pois não? Na crise da década de 90 os hedge funds tiveram um papel preponderante, não havendo dúvidas da agitação que provocaram nos mercados mundiais.

A natureza da besta: Segundo o dicionário Webster, to hedge significa “tentar evitar ou diminuir perdas fazendo apostas, investimentos, etc. que as contrabalancem.” Erguem-se barreiras de protecção para ter a certeza que as flutuações nos mercados não afectam a riqueza dos participantes. Porém, o que estes fundos fazem é tentar ganhar o máximo com as flutuações do mercado. Normalmente, o dinheiro obtido na compra de posições longas provém do dinheiro dos empréstimos para as posições curtas. Ninguém tem a ideia da dimensão destes fundos especiais de investimento.

A lenda de George Soros: George Soros, um refugiado húngaro que se tornou empresário nos EUA, fundou o seu Quantum Fund em 1969. Era multimilionário em 1992 e notável filantropo. Soros queria um golpe em que pudesse não só obter lucros mas também gerar publicidade para si próprio. Encontrou a sua oportunidade no Verão de 1992. A Grã-Bretanha aderira ao Mecanismo de Taxas de Câmbio do Sistema Monetário Europeu. Havia uma simetria entre os países europeus na prática da política monetária, seguindo o Bunderbank alemão. A Grã-Bretanha rapidamente se apercebeu que não estava disposta a restringir-se da sua política monetária. A Alemanha tinha os juros altos para combater a inflação (gastos avultados na reconstrução da Alemanha Oriental) e a Grã-Bretanha estava em crise, tendo os responsáveis afirmado que não sairiam do Sistema. Numa primeira fase, Soros agiu com discrição, pediu emprestado em libras o equivalente a 15 mil milhões de dólares, para depois converter esta soma em dólares. Numa segunda fase, quando estivesse muito curto em libras e muito longo em dólares o ataque teria de ser ruidoso, pressionando com ameaças de venda e entrevistas a peritos financeiros. Se tudo corresse bem, mais investidores iriam entrar na onda e, aquando da saída do SME, a libra desvalorizaria. Funcionou. O BC tinha gasto muitas reservas a defender a libra e a subida dos juros era inadmissível politicamente. Soros lucrou perto de mil

Page 18: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

milhões de dólares. Muitos economistas afirmam que a saída era inevitável, Soros apenas a antecipou. Os britânicos beneficiaram com a tomada, crescendo e alcançando taxas de desemprego quase impossíveis nos anos seguintes.

A fúria do PM Mahatir: Apesar de uma legislatura positiva em termos económicos (descrição na página 127), Mahatir viu-se embaraçado com as crises económicas dos vizinhos e defendeu a teoria da conspiração de que os americanos estavam a causar pressão no Sueste asiático para obter lucros com as desvalorizações das moedas. Mahatir devia ter ficado de bico calado, numa altura de quebra de confiança no seu país (Malásia) delirar com uma simples conjectura era um grave erro. Na verdade o Quantum Fund só investira na Tailândia e as fugas de capitais da Malásia foram da autoria dos amigos de Mahatir que enriqueceram de forma suspeita. Conspirações e crises destas não ocorrem no mundo real. Foi então que aconteceu uma.

O ataque a Hong Kong: Hong Kong é um país com um cariz extremamente liberalista, cotada como a cidade-Estado com o valor mais elevado de índice de liberdade económica. Mas Hong Kong foi atacada pela crise asiática, apesar de tudo se desenrolar de acordo com a lei, boa regulação bancária e políticas orçamentais conservadoras. As empresas sofreram com a recessão dos seus países vizinhos (lugar errado) e a criação dum comité monetário (fixo ao dólar americano) uns anos antes, tinha colocado o dólar de Hong Kong muito caro para os seus vizinhos. A recessão deu-se. O governo declarou a taxa de câmbio inviolável e certos fundos de investimento viram grandes oportunidades de negócio, Agosto e Setembro de 1998 (Quantum Fund de Soros e Tiger Fund de Julian Robertson). Investiram a curto nas acções e no dólar de Hong Kong, se o governo deixasse cair a moeda ou subisse o juro para ela não desvalorizar os fundos ganhavam. Os fundos chegaram mesmo a provocar a crise através da comunicação social. Hong Kong tinha a reputação de ser um lugar onde as pessoas podiam fazer o que quisessem com o seu dinheiro sem interferências governamentais, não podia dar-se ao luxo de pensar em controlar as fugas de capitais. Hong Kong reagiu inesperadamente. Por cada 7,8 dólares de Hong Kong as autoridades bancárias tinham 1 dólar americano, muitas reservas portanto. Como é que os fundos não previram isto? Achavam que Hong Kong nunca iria interferir no mercado livre para manipulações bolsistas. Donald Tsong, secretário das Finanças, deu a volta ao mundo para sustentar que Hong Kong era tão pro-capitalista como dantes. A situação terminou com uma regulamentação do governo que limitava as posições curtas (obrigaram os investidores que alugaram as acções, activos a recolhe-las).

A economia Potemkin: Aldeias potemkin são aldeias aparentemente felizes mas que, na realidade, são apenas fachadas (o termo veio de 1787, quando o PM russo, Grigori Potemkin, instalava frontarias falsas nas aldeias para mostrar à rainha o seu aparente bom estado e aspecto). A transição do socialismo para o capitalismo foi difícil tendo a actividade económica, habituada ao planeamento central, parado. Havia milhares de especialistas (programadores, engenheiros, cientistas e matemáticos) sem um emprego decente. A única vantagem era o vasto arsenal nuclear herdado da URSS. O FMI emprestou dinheiro à Rússia e os EUA estavam expectantes (The Medley Report). No verão de 1992, a situação financeira agravou-se. O rublo desvalorizou-se e uma combinatória de bancarrota e moratória no vencimento da dívida exaltou-se. Nem as garantias nucleares exerceram algum efeito atenuador.

Page 19: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

O pânico de 1998: Regral geral, os fundos de investimento tinham posições curtas em activos líquidos e seguros (sem perdas súbitas de valor) e posições longas em activos ilíquidos e inseguros. Isto permitia-lhes fazer lucros astronómicos, com uma concorrência e um mercado cada vez maior. Se um fundo investir num país que entra em crise, os seus credores pressionam para que este lhes pague ou a mais ou aquilo que deve. O fundo vende activos para pagar e estes desvalorizando, em contrapartida, os concorrentes também estão expostos aos activos que desvalorizaram, perdem dinheiro e têm de vender mais activos – círculo vicioso de liquidação. A Fed entrou no terreno e actuou, resgatando a mais famosa vítima entre os fundos especiais de investimento, o Long Term Capital Management (LTCM), fundo de futuros americano. Numa reunião em Setembro de 1998 a Fed decepcionou os mercados com uma descida pequena dos juros, mas acordaram que Greenspan (banqueiro central) tinha o poder para descer as taxas em 25 pontos base quando quisesse. A 15 de Outubro, foi isso que fez. Em finais de 1998, a Fed voltou a baixar as taxas a bolsa disparou e o pânico transformou-se em euforia.

AS BOLHAS ESPECULATIVAS DE GREENSPAN

Desde Maio de 1987 até Janeiro de 2006, Alan Greenspan foi o presidente do Conselho de Governadores da Reserva Federal. Muitos o designaram por messias monetário e mais importante banqueiro da história. O Congresso declarou aquando da sua retirada: “O senhor guiou a política monetária através de quedas da bolsa de valores, guerras, ataques terroristas e calamidades naturais.” Passados três anos o nome Greenspan caiu no descrédito total.

A era de Greenspan: Em contraste com os turbulentos anos de 70 e inícios de 80 (desemprego e inflação acima dos 10%), o mandato de Greenspan foi numa época relativamente serena, apenas duas recessões de oito meses (o Dow Jones superou os 10000 pontos e o preço das acções subiu em média 10% ao ano). Paul Volcker, precursor de Alan, foi quem conseguiu controlar a inflação e mergulhar a economia na recessão. Depois de Volcker fazer o trabalho duro e impopular, Alan ficou com os louros. Durante a era de Alan, as empresas norte-americanas compreenderam finalmente como usar as IT de forma eficaz. Quando uma nova tecnologia é introduzida, geralmente demora algum tempo até que os benefícios económicos se tornem evidentes, pois as empresas precisam de tempo para reorganizar as suas estruturas de forma a tirar o proveito adequado das inovações (exemplo da electricidade de 1880, página 142). Tal como a electricidade as IT, com a invenção do microprocessador em 1971 e os computadores pessoais em 80, demoraram tempo a ser implementadas nas empresas. Só em meados de 90 é que as empresas começaram a montar sistemas de rede, actualizações de inventário em tempo contínuo, etc. A produtividade aumentou e o clima económico favoreceu Alan, que não teve nada a ver com isto.

O condutor escolhido dos EUA: William McChesney Jr presidiu a Fed entre 1951 e 1970, os trinta gloriosos e portanto, as suas funções eram de subir os juros de forma a evitar sobreaquecimentos da economia. Mas este facto também foi interpretado como um combate da Fed à “exuberância irracional” (como Alan lhe chamara num discurso em 1996, onde tinha noção da bolha no preço das acções mas só mexeu nos juros quando ela rebentou em 2001). Mas Alan esteve bem, o desemprego na era Clinton caiu para os 4% (8% em 1993 para 4% em

Page 20: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

2000). De facto, a maioria dos economistas pensava que a partir do desemprego de 5% a inflação iria surgir, mas Alan desafiou a curva de Phillips e deixou os juros fixos (dissertou que o aumento da taxa de crescimento da produtividade talvez tenha alterado a relação histórica entre desemprego e inflação). O desemprego baixou e baixou e a inflação não aumentou, Alan tinha feito uma excelente aposta.

As bolhas especulativas de Greenspan: Alan presidiu a não uma, mas duas bolhas especulativas (imobiliária e accionista). Apresentou-se muito estático para reagir a estas duas exuberâncias irracionais, apesar de a do sector imobiliário ter sido uma dicotomia (baixa dos juros para favorecer a indústrias das dot-com, quando os preços de activos imobiliários estavam muito altos). O gráfico da página 146 demonstra bem a bolha accionista em 2001 e a imobiliária em 2008 (datas de rebentamento, culminar), através do índice preço-renda e PER. Como aconteceram as recessões? –Em 90s achava-se que o ciclo económico estava batido e as tecnologias de informação elevaram excessivamente as expectativas sobre o futuro. Ao verem os lucros monstruosos da Microsoft, as pessoas acreditavam que outros players do mercado iriam conseguir resultados semelhantes, esquecendo-se que a economia não tem espaço para todas. Contava-se que as IT tinham quebrado o limite do crescimento (Pets.com), as pessoas viam as acções como activos de retorno absoluto se fossem compradas e mantidas. Em 1998 verificou-se que aqueles que tinham comprado acções estavam a lucrar muito e aqueles que tinham receio estavam a perder. Contudo, as bolhas são esquemas em pirâmide onde se continua a ganhar dinheiro desde que consigam atrair mais trouxas. O pico foi no Verão de 2000, a partir daí as acções perderam cerca de 40% do seu valor. No início do século XXI, a compra de casas era um negócio atractivo, as taxas de juro estavam muito baixas. As famílias preocupadas com esta inflação imobiliária passaram a comprar muitas casas, o que aliado à mudança das práticas dos empréstimos (pequenas entradas de dinheiro e prestações muito além da sua capacidade financeira, ou pelo menos insuportáveis em caso de subida dos juros). Parte do problema do subprime esteve aqui. No ponto de vista do credor, acreditava-se que as casa não podiam desvalorizar, eram um activo seguro demais, portanto o devedor, em último caso, podia vender a casa e pagar o empréstimo. Em segundo plano, os credores vendiam grande parte destes empréstimos a investidores, que nem sabiam o que estavam a comprar. A instituição Fannie Mae foi quem inaugurou esta “titularização” das hipotecas da habitação – reunir grandes carteiras de hipotecas e vender depois as participações dos investidores nos pagamentos recebidos dos devedores. Mas o lacuna mais grave foi quando se passou de titularizações de pessoas com possibilidades de pagamento e cuja taxa de incumprimento era baixa para hipotecas de qualidade inferior (subprime). A inovação financeira que permitiu esta titularização foi a obrigação de dívida garantia, ODG. Uma ODG oferecia quotas nos pagamentos de uma carteira de hipotecas. Algumas dessas quotas eram seniores e tinham reivindicação prioritária sobre os pagamentos dos credores hipotecários. Só quando essas indemnizações eram satisfeitas é que o dinheiro era enviado para as quotas menores. A medida pretendia tornar as quotas seniores num investimento muito seguro. As agências de rating classificaram estas com AAA (mesmo que as hipotecas subjacentes fossem duvidosas), a maioria dos fundos só compra títulos com cotação AAA porque rendem mais que as obrigações. Tudo se mantinha alegre enquanto o preço das casas fosse subindo. Bush e Alan acreditavam que a descida do preço das casas em 2006 podia ser contido.

Page 21: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

Quando as bolhas rebentam: A economia entrou em recessão após o rebentamento da bolha nos anos 90, a Fed baixou bruscamente as taxas de referência e o produto melhorou passado oito meses (é um comité de economistas ligados ao NBER que determinam se a recessão acabou ou não através da análise da produção industrial, PIB, emprego, despesas correntes). O desemprego, no entanto, continuou com uma prestação má e a Fed optou por nova redução até aos 1% (a situação alarmou Greenspan porque o Japão também tinha debilidades no mercado de trabalho e crescimento moderado). A tracção veio do mercado da habitação. Este fenómeno contribuiu para a bolha imobiliária que teve consequências gravíssimas. Porquê? Porque o sistema financeiro tinha mudado sob vários aspectos que ninguém compreendera na totalidade.

A BANCA NA SOMBRA

“Os bancos são coisas maravilhosas, quando funcionam bem. Mas quando não funcionam bem, pode rebentar o caos generalizado.” Paul Krugman

Não estão já os bancos mais do que regulamentados, segurados e garantidos? Sim e não. Sim para os bancos tradicionais; não para a grande parte do sistema financeiro moderno e de facto.

A história da banca, simplificada: A banca nasceu dos ourives, cujo negócio principal era fabricar jóias mas tinham cofres muito seguros, fortes e robustos. As pessoas ao aperceberem-se disso pediam para as suas riquezas serem guardadas nestes cofres (onde mais poderia ser? Debaixo da cama?). Os ourives descobriram que a actividade podia ser ainda mais lucrativa se emprestassem esse dinheiro com cuidado e cobrassem juros. É que segundo os ourives se aperceberam, a lei das probabilidades de irem, num determinado dia, ao banco todos os clientes era mínima. Iriam alguns mas não a maioria. Bastava manter uma fracção da moeda em reserva. O problema é que mesmo que o rumor de incapacidade de pagamento do banco fosse falso, isto despoletaria uma “corrida aos bancos” (profecia auto realizável, auto confirmada) e o banco falia. Claro que a venda de activos do banco para pagar aos depositantes era feita por preços subavaliados e a empresa falia certamente. Antes da Grande Depressão, os EUA tiveram muitos pânicos (1873, 1907, etc) que começavam num só banco e se alastrava por contágio, daí a ruína em dominó. O pânico de 1907 começou com as instituições designadas de “trusts” (instituições que aceitavam depósitos e cuja finalidade inicial era gerir apenas heranças e sucessões de clientes ricos). Como deviam optar por actividades de pouco risco, os “trusts” estavam pouco regulamentados, tinham requisitos obrigatórias e reservas mínimas menores que os bancos nacionais. Estes começaram a especular no sector imobiliário e no mercado de valores. Em 1907, o valor dos activos nos “trusts” da cidade de Nova Iorque era tão elevado como o valor total dos bancos nacionais. Neste ano, o Knickerbocker Trust faliu porque financiou em larga escala uma especulação infundamentada. Os outros ficaram sobre pressão e foram falindo, a Câmara de Compensação de Nova Iorque recusou-se a intervir porque os “trusts” tinham negado entrar na associação por não quererem subir as taxas de retenção obrigatórias. O mercado de crédito e o de valores paralisaram e a confiança evaporou-se. O homem mais rico de Nova Iorque, J. P. Morgan, ciente de que a crise estava a espalhar-se, colaborou com o Tesouro e outros homens fortes (J.

Page 22: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

D. Rockefeller) para financiarem os “trusts” sobreviventes. Assim que as pessoas ficaram tranquilizadas de que podiam levantar o seu dinheiro, o pânico cessou. Contudo, a economia empobreceu 11% e o desemprego subiu 3% para 8%. Assim criou-se em 1913 a Reserva Federal, com o objectivo de obrigar todas as instituições de depósito a manter reservas adequadas e abrir as suas contabilidades a inspecções por parte dos regulamentadores. A manutenção de reservas não eliminou as “corridas aos bancos”, sendo a mais grave em 1930. A deflação gerada criou enormes dificuldades para os produtores de matérias-primas, como os agricultores. O incumprimento destes aos bancos foi enorme o que agravou a situação aquando das “corridas” (1930,31 e 33, três “corridas aos bancos”). A maioria dos historiadores afirma que foi uma grave crise bancária que transformou uma grave recessão numa depressão. Foi posta em prática a Lei Glass-Steagall que dividiu bancos em dois tipos: bancos comerciais, que aceitavam depósitos, e bancos de investimento, que não aceitavam depósitos. Os primeiros podiam recorrer a Fed, os depósitos estavam garantidos pelos contribuintes e estavam muito restringidos aos riscos a tomar, os segundos não, estavam pouco regulamentados. Nos anos 80, houve a ruína de umas caixas de poupança e empréstimo mas o dinheiro público (5% do produto) acabou por resolver a situação.

O sistema bancário-sombra: Do ponto de vista do economista, os bancos definem-se não pelo seu aspecto, mas por aquilo que fazem. Uma instituição ou convénio que prometa um acesso imediato a dinheiro àqueles que colocam dinheiro ao seu cuidado, são bancos. Em 1984, a Lehman Brothers criou um convénio conhecido como mercado de títulos com leilão de taxa (auction-rate securities). O seu funcionamento era: indivíduos emprestavam dinheiro a emitentes de dívida de longo prazo e, uma vez por semana, a instituição realizava um leilão onde potenciais novos investidores pudessem licitar o direito de substituir os investidores que pretendessem abandonar o acordo. A taxa de juro determinada por este processo de licitação aplicar-se-ia a todos os fundos investidos nos títulos até próxima sessão. Se não houvesse suficientes licitadores para poderem cobrir aqueles que queriam sair, a taxa de juro subia. Mas é exactamente isto que um banco faz, no entanto parecia que este esquema era mais vantajoso que a banca convencional (prémios de juros mais altos para os investidores e financiamentos a longo prazo para as firmas, 30 anos no máximo). Acontece que, ao angariar fundos, os emitentes poderiam contornar estas regulamentações de retenções obrigatórias e não estavam sob alçada da rede de segurança bancária. Em 2008, os novos investidores que ingressavam não eram suficientes para cobrir os que desejavam sair, houve um colapso total, efeito dominó nos leilões fracassados e deu-se “uma corrida aos fundos investidos”. O pânico, um século depois, ocorreu não na banca mas num mercado à parte (os “trusts” pareciam oferecer acordos mais vantajosos porque conseguiam operar fora do sistema regulador, com crescimentos altos. Um século depois voltou a acontecer o mesmo).

Em Junho de 2008, Tim Geithner, então presidente do Banco da Reserva Federal de Nova Iorque, proferiu um discurso no Clube Económico de Nova Iorque onde tentou explicar como o fim da bolha imobiliária pôde causar tantos danos financeiros como veio a acontecer (não o sabia, mas o pior ainda estava para vir): página 160 e 161 (Resumidamente, Geithner afirmava que os convénios financeiros e bancos americanos faziam parte do “sistema bancário sombra”, porque não eram bancos do ponto de vista da regulamentação mas que mesmo assim executavam funções bancárias. Concluiu, “a escala de activos arriscados a longo prazo e relativamente ilíquidos financiados por dívidas de curto prazo tornaram muitos veículos e

Page 23: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

instituições deste sistema financeiro paralelo vulneráveis a uma clássica corrida ao banco, mas sem as protecções como seguros de depósitos que o sistema bancário implementou para reduzir esses riscos”. Mas houve outras vulnerabilidades que Tim não referenciou como a salvação da AIG, a maior companhia de seguros a nível mundial, e a implosão do negócio de circulação ou carry trade (negócio financeiro internacional que transferia fundos do Japão e de outras nações com baixas taxas de juros para investimentos mais lucrativos noutras partes do mundo).

A questão essencial aqui é: por que razão se permitiu que o sistema se tornasse tão vulnerável?

Negligência maligna: Algumas críticas de direita dizem que a culpa fora da Lei de Reinvestimento Comunitário, aprovada em 1977, que supostamente obrigara os bancos a emprestar dinheiro a compradores de casas pertencentes a minorias que depois incorreram no incumprimento do pagamento das respectivas hipotecas. A lei só se aplicava a bancos depositários que eram uma pequeníssima fracção dos maus empréstimos durante a bolha imobiliária. Outros conservadores culpam as companhias Fannie Mae e Freddie Mac pela bolha imobiliária e a fragilidade da banca. De 1990 a 2003, ambas cresceram muito (ocuparam o mercado deixado pelas caixas de poupança e empréstimo) e fizeram alguns empréstimos imprudentes e sofreram escândalos contabilísticos. Mas o próprio escrutínio que atraíram excluiu-as do cenário do período mais febril da bolha, entre 2004 e 2006. À esquerda, é popular falar-se na desregulamentação, nomeadamente a revogação da Lei Glass-Steagall em 1999, permitindo que os bancos comerciais contribuíssem para a banca de investimento das empresas tomando mais riscos. Mas a crise não envolveu problemas com instituições desregulamentadas que assumiram novos riscos, envolveu sim riscos assumidos por instituições que nunca tinham chegado a ser regulamentadas. Os políticos deveriam ter-se apercebido de que estávamos a recriar um novo sistema bancário com a dimensão e vulnerabilidade que deu origem à Grande Depressão – e a sua reacção deveriam ter sido abarcar estas instituições na rede de segurança financeira e alargar a regulamentação.

“Os vultos influentes deveriam ter proclamado uma regra simples: tudo aquilo que fizer o que um banco faz, tudo aquilo que precisa de ser resgatado durante crises como acontece aos bancos, deveria ser regulamentado como um banco.” Paul Krugman

O espírito desses tempos (administração Bush) era de anti-regulamentação. Para além disto, a administração tomou o poder federal, dos obscuros poderes da Agência do Controlo da Moeda, para bloquear os esforços a nível estatal para impor alguma supervisão aos empréstimos subprime. Os responsáveis bancários em vez de reagirem ainda elogiaram a “inovação financeira”, como disse Alan Greenspan. Os riscos de uma crise para a banca e para a economia foram ignorados ou minimizados e a crise chegou.

A SOMA DE TODOS OS MEDOS

A Casa Branca regozijava-se da maneira como a administração Bush lidava com a supervisão, “as políticas pró-crescimento do presidente estão a ajudar a manter a nossa economia forte,

Page 24: O regresso da economia da depressão e a crise actual, Paul Krugman

flexível e dinâmica.” No dia 9 de Agosto, o banco francês BNP Paribas suspendeu as operações de retirada de três dos seus fundos – e começava assim a primeira grande crise financeira do século XXI.

A crise imobiliária e suas consequências: No Outono de 2005, o pico imobiliário nos EUA começou a deflacionar, os preços já estavam demasiado altos para grande parte dos americanos e as vendas afrouxaram. Mas as casas não são como as acções, cada casa é uma casa e os vendedores já contam demorar algum tempo até encontrarem comprador. Os preços têm em conta o montante pelo qual outras casas foram vendidas no passado recente. Só na Primavera de 2006