o resgate de "a noite do castelo"
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Notícias FAPESP - Ed. 42TRANSCRIPT
42 MAIO 1999
PUBLICAÇAO MENSAL DA FUNDAÇAO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SAO PAULO '
Começa o seqüenciamento • da bactéria causadora do cancro cítrico
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O ProBE, novo programa da FAPESP, dá acesso a 606 publicações científicas
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EDITORIAL
Leque abrangente Para muitos, pode parecer estranho a FAPESP aprovar um
projeto liberando recursos para a aquisição, em leilão, da partitura original da primeira ópera de Carlos Gomes, A Noite do Castelo, para posteriormente ser doada ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. Afinal, o que isso tem a ver com uma fundação voltada para o financiamento da pesquisa científica e tecnológica?
Em primeiro lugar, como assinala a professora Flávia Toni, do IEB, entrevistada para a reportagem de capa desta edição, uma partitura como essa, para um musicólogo, equivale a um laboratório. A partir dela, abre-se um enorme leque de pesquisas possíveis sobre o compositor, seu processo criadare suas idéias, influências e caminhos musicais. Tarefa, não para um, mas para muitos estudiosos realizarem pesquisas científicas, tendo a artecomoobjeto. Afinal, como disse o próreitor de Cultura e Extensão da USP, professor Adilson A vansi de Abreu, na cerimônia de apresentação da partitura à comunidade, "as artes, além de deleite e expansão da capacidade criadora do homem, também produzem pesquisa científica." A ação da FAPESP, portanto, esteve perfeitamente de acordo com o seu objetivo teleológico, a pesquisa. E essa ação ganha significado ainda maior numa época em que a cultura de um povo é requisito fundamental para a sua diferenciação, em um mundo globalizado.
Assunto igualmente importante tratado nesta edição - desta feita, com impacto biológico e econômico - é o novo projeto da FAPESP, o Genoma-Xanthomonas, que deverá fazer o seqüenciamento genético completo da bactéria Xanthomonas axonopodis pvcitri, responsável pelo cancro cítrico, a mais séria doença dos laranjais. Praticamente controlada, o cancro cítrico teve um recrudescimento alarmante no ano passado e no começo deste ano, no Estado de São Paulo. Em 1998, foram 270 novos focos e 187 recontam i nações. Neste ano, até o dia 23 de maio, o Fundo Paulista de Defesa da Citricultura, Fundecitrus, contabilizou 266 novos focos e 83 recontaminações.
Desde 1963, a FAPESP vem liberando recursos para pesquisas diversas sobre a doença, que já totalizaram R$ 5 milhões. Para o Genoma Xanthomonas, a FAPESP deverá liberar recursos da ordem deUS$ 5milhões, e o Fundecitrus, US$ 500 mil. A laranja não será a única cultura beneficiada com o
projeto. Ele terá repercussões em outras culturas, ainda que de menor peso econômico no estado, como a do feijão, a do arroz e a do maracujá, vítimas de espécies diferentes deXanthomonas, mas que são geneticamente bastante semelhantes entre si.
O novo projeto, o quarto do Programa Genoma FAPESP, vai trabalhar dentro do mesmo esquema de rede de laboratórios utilizado pelos projetas Genoma Xylella , Genoma Cana e Genoma Humano do Câncer. O sucesso e a rapidez com que esses três projetas se desenvolvem foram garantidos, entre outros fatores, pela informática e pela existência de uma rede como a ANSP, da FAPESP, que interliga os pesquisadores e centros de pesquisa do estado entre si e com o exterior, criando-se o sistema de laboratório virtual. Muito mais ágil e econômico, como mostra a reportagem sobre o assunto.
É a informática também que possibilita, além do intercâmbio direto entre os pesquisadores, o acesso a publicações científicas internacionais. Depois do convênio da FAPESP com o lnstitute for Scientific lnformation (IS!), disponibilizando o banco de publicações dessa instituição norte-americana, o Web ofScience, para a comunidade científica paulista, a Fundação cria o Programa Biblioteca Eletrônica, ProBE, que disponibiliza, por enquanto, 606 publicações científicas da editora holandesa Elsevier para as bibliotecas das universidades paulistas.
Mostrando, por fim, que o leque da pesquisa é bastante abrangente e que a FAPESP é sensível a isso, esta edição traz duas importantes reportagens. A primeira é um estudo mais próximo da ciência básica, em que professores da Universidade Federal de São Carlos, alterando a microestrutura dos materiais e combinando novos compostos de diversas formas , chegam a nanocompósitos metais e cerâmicos, base para os novos materiais. A segunda revela os resultados de uma pesquisa que se desenvolve no âmbito do Programa de Inovação Tecnológica em Parceria: pesquisadores da Escola Politécnica da USP desenvolveram painéis para aplicação na construção civil , feitos de um cimento que tem como componente principal a escória, um resíduo das usinas siderúrgicas, até então sem utilidade e altamente poluente do solo e da água.
Música, laranja, cimento, novos materiais são exemplos do cumprimento do objetivo teleológico da FAPESP.
Prof. Dr. Celso de Bwros Gomes Equipe Responsável
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OPINIÃO
A cultura popular na fabricação da identidade nacional
Muitos autores já demonstraram que a cultura das classes populares é a matériaprima por excelência da construção das nacionalidades nos Estados gerados nestes últimos ISO anos. Com efeito, embora esse tipo de estrutura burocrática se inaugure no campo jurídico e da política, é no campo da cultura que ele ganha espessura. Isto porque, para que os Estados nacionais se legitimem, é preciso que eles constituam culturalmente seu povo, homogeneizando o território e universalizando as particularidades locais.
Esse processo de construção simbólica da nacionalidade, que procura incluir e dar um sentido nobre ao modo de vida das camadas pobres, é tradicionalmente obra dos intelectuais. No caso brasileiro, o Estado republicano teve que enfrentar-se, desde muito cedo, com o problema do divórcio da sociedade política com as camadas populares, já que sua constituição destituiu de direitos civis os i letrados. Como bem observa José Murilo de Carvalho em seu livro Os Bestializados, o vasto mundo da cultura popular vicejava, fora do mundo político oficial. A falta de pontes entre o modo de vida das elites e das camadas pobres estimulava um imaginário que as percebia como perigosas e ameaçadoras da nova ordem e reduzia a "política cultural" à criminalização e perseguição policial de suas manifestações culturais e religiosas.
Algumas tentativas foram feitas , já no final do século, para descriminalizar capoeiras e batuques, e tomá-los ícones de brasilidade. No entanto, pode-se dizer que somente a partir da chamada era Yargas se esboça mais nitidamente um novo pacto político que procura incorporar as manifestações populares ao Estado, de modo a produzir, nas elites e no povo, uma convicção compartilhada de nacionalidade. Para tanto, foi preciso domesticar essa cultura popular, retirar-lhe sua autonomia própria e sua excessiva alteridade: foi preciso tornála mestiça. Tratou-se, com efeito, de romper a lógica da honra e das redes de lealdades locais, que organizavam essa vida popular de modo a incorporá-las em formas de representação política mais universais.
O êxito desse empreendimento deveuse, em grande parte, à cumplicidade, mais ou menos consciente, entre os intelectuais (das elites e das camadas populares) e o projeto do Estado nacional; os primeiros, procurando integrar o negro à nação, os segundos buscando ampliar seu espaço na
Paula Montero
sociedade brasileira. A obra inaugural de Gilberto Freyre (1933) , Casa Grande e Senzala, ao romper com o peso das teorias raciais européias que, na sua lógica determinista, só podiam concebera mestiçagem como degeneração, cria o paradigma da cultura mestiça que permite pensar positivamente essa incorporação do negro à brasilidade.
Não é fácil explicar a rápida acolhida dos valores mestiços, a partir da era Yargas, como ícones de nacionalidade. Na trilha aberta pela interpretação freyriana , muitos pensadores buscaram decifrar esse enigma da cultura brasileira: por que, entre as inúmeras possibilidades de se perceber as relações entre as raças, o brasileiro fez da mestiçagem um valor tão arraigado?
Não há uma resposta simples para essa questão. Um dos mais doces legados de Gilberto Freyre foi nos ter feito realmente acreditar que somos um povo mestiço. Amestiçagem teria começado no momento em que o português desembarcava nestas terras e cedia aos encantos das mulheres indígenas e teria se prolongado com a escravidão, que deu aos senhores a oportunidade de escolherem as escravas "mais belas e mais sãs para suas amantes". Desse encontro teria nascido a raça mais eugênica e melhor adaptada aos trópicos: o mulato, feliz meio-termo entre a degradação do e~cravo e os vícios dos senhores.
A pregnância dessa auto-representação tem dificultado a percepção do papel que os próprios intelectuais desempenham continuamente na moldagem da cultura popular. Ao tornar o hibridismo e a ambigüidade modos de ser próprios ao mundo mestiço, a reflexão naturaliza a cultura, fazendo de suas expressões mais visíveis o malandro com sua dupla moral, o futebol com suas regras claras de combate ao inimigo, o carnaval como momento do deboche autorizado - propriedades de uma alma brasileira que caberia interpretar e descrever.
O meu propósito não é, evidentemente, negar a vivacidade e a inteligência presentes nessas lógicas populares de navegação em uma sociedade que parece notabilizar-se pela distância que promove entre suas regras de convivência formais e as reais. O que gostaria de sublinhar é a necessidade de recusarmos considerar essa formas de perceber o mundo como objetos em si mesmo, legados de uma tradição que perdura desde nosso longínquo passado colon ial; é
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preciso buscar, para além do conteúdo que elas expressam, os atores, as estratégias e os interesses que dão sentido a essas formas de auto-representação.
Um bom exemplo de como as expressões da cultura popular são continuamente retrabalhadas simbolicamente pelos intelectuais em função de conjunturas determinadas, é a história da capoeira. Em seu belo trabalho sobre o tema, O Mundo de Pernas para o Ar, Letícia Reis mostra como intelectuais brancos e negros trabalharam continuamente para recriar a capoeira: os primeiros fazendo dela um esporte; os segundos tentando preservar seu aspecto lúdico e combativo. esse processo unificaramse regras e métodos, codificaram-se os golpes, promoveram-se campeonatos nacionais, mas também recriaram-se simbolicamente tradições regionais, inventaram-se hierarquias associadas às cores dos o ri xás. Nenhuma dessas características representa um legado imediato das maltas cariocas do século passado. São construções resultantes das estratégias simbólicas de diversos grupos - elites brancas e mulatas , mestres baianos, etc - para, em diferentes momentos históricos, legitimar seu modo de perceber o lugar do negro na sociedade nacional.
Não resta dúvida que, apesar das transformações quanto às formas de organização socia l e significado que a capoeira sofreu ao longo de seus quase duzentos anos de
vida urbana, há algo nessa expressão cultural que permanece: a centralidade do corpo como forma de autonomia, a valorização do confronto indireto da ginga e da malícia, a inteligência dos pés. Isto não quer dizer que ela retrata simplesmente uma maneira de ser. A questão que devemos nos colocar é, pois, por que ela ainda faz sentido: se tais expressões culturais resultam de uma experiência social particular- arelação entre negros e brancos no mundo urbano do Império e da jovem república - por que permanecem significativas até hoje como formas de representação do brasileiro? A única maneira de responder a essa questão é nos perguntarmos para quem essas expressões culturais fazem sentido: em primeiro lugar, a eficácia dessa representação não implica que a totalidade da população nela se reconheça. Em segundo lugar, apesar da aceitação da cultura mestiça como representação da bras i !idade, isto não acarretou uma valorização da condição do negro enquanto tal , que continua, de uma forma mais ou menos generalizada, excluído do Brasil oficial. Finalmente, se o país parece aceitar com orgulho a malícia de seu povo, sua ginga e malandragem como definidores do seu caráter, ninguém aceita publicamente para si essas qualidades como virtudes. Assim, é preciso que nos perguntemos por que erigiu-se a malandragem, a capoeira, o jogo do bicho, o carnaval como manifestações da nacionalidade, entre tantas outras manifestações possíveis - o gauchismo, o cangaceiro, o barroco, etc .. -Tudo leva a crer que essas imagens ainda constituem as melhores metáforas para expressar a incapacidade de o Brasil formal coincidir com o Brasil real. Nesse espaço vazio, o confronto político, direto e explícito, permanece menos eficiente do que a malícia e o jeitinho. Transformar essa condição em caráter é eximir-se de pensar outras formas possíveis, institucionais e simbólicas, de superação desse dilema.
Antropóloga, diretora do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, pesquisadora do Cebrap
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Análise por pares: conceito explicitado Os novos formulários para
solicitação de bolsas e auxílios da FAPESP vão conter uma declaração para ser assinada pelos candidatos a qualquer dos dois tipos de fomento, nos seguintes termos: Declaro que tenho conhecimento da sistemática de avaliação por pares adotada pela FAPESP para a análise de solicitações neste programa. Autorizo que esta solicitação seja analisada segundo essa sistemática e, em particulw; que ela seja submetida ao exame de pesquisadores escolhidos pela FAPESP, cujas identidades serão mantidas em sigilo.
A Fundação passa a adotar agora esse procedimento, dentro de uma preocupação mais ampla
No texto em que propõe a nova declaração para os fommlários de pedidos de bolsas e auxílios, Processo de Avaliação: o Sistema de Análise por Pares, a Diretoria Científica (DC) da FAPESP explica que nesse sistema "cada sol icitaçãoéexaminada por um ou mais pesquisadores darespectiva área de conhecimento, que emitem pareceres de mérito, na qualidade de assessores ad hoc, sem nenhum vínculo formal
com a explicitação do conceito de análise por pares que vem utilizando desde o começo de sua história. O conceito, sem dúvida, era bem conhecido da comunidade científica paulista, mas não estava detalhado em qualquer texto formal ou documento da Fundação. Com o crescimento explosivo do número de solicitações encaminhadas à FAPESP nos últimos anos, o que reflete simultaneamente o crescimento do número de bolsistas e pesquisadores em São Paulo e a abe1tura de programas da FAPESP para novos públicos (por exemplo, empresários e professores do ensino médio e fundamental), a clara explicitação do que significa essa análise por pares tornou-se imperiosa.
Conceito explicitado II com a FAPESP". São esses pareceres as bases indispensáveis para as decisões da FAPESP, "à qual não cabe pronunciar juízos de valor sobre as solicitações, mas apenas intermediar a avaliação das propostas dos pesquisadores por seus próprios pares". A DC enfatiza ainda que, nos casos em que o parecer recomenda o não atendimento da solicitação, é garantido ao candidato a bolsa ou auxílio o mais amplo direito de re-
Conceito explicitado III . Outro aspecto do conceito
de análise por pares usado pela FAPESP:é de fundamental importância o sigilo que protege o assessor ad hoc, em cada avaliação. A experiência internacional e a experiência já acumulada pela FAPESP demonstram que o bom funcionamento desse sistema de avaliação exige tal sigi lo. "É inquestionável que o grau de independência e objetividade das avaliações entre pares é proporcional ao grau de fidedignidade da garantia de sigilo oferecida pela agência quanto à identidade desses assessores", diz o texto sobre análise por pares. Por isso mesmo é que o Conselho Superior da FAPESP determinou que toda solicitação de parecer a um assessor ad hoc seja encaminhada junto com um compromisso expresso, por parte da
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Fundação, de "observância dessa confidencialidade". Em contrapartida, os assessores se comprometem a manter sigilo quanto ao conteúdo de seus pareceres.
O sistema de análise por pares envolve, assim, um vínculo de confiança entre a FAPESP e seus assessores "q ue não pode ser rompido sob nenhum pretexto". Trata-se de um vínculo, segundo o professor Perez, similar ao que se estabelece entre médico e paciente, ou entre jornalista e fonte. E é sobre essas bases que a FAPESP pode contar com cerca de 6 mil assessores ad hoc, pesquisadores do mais alto nível , que viabilizam, de fato, um sistema de avaliação de projetos de pesquisa considerado um dos mais aperfeiçoados em termos internacionais.
Até porque, como bem observa o diretor científico da Fundação, professor José Fernando Perez, há diferentes modos de fazer análise por pares, preservando-se seu princípio básico: avaliação realizada por iguais - o que, no universo da pesquisa científica, sempre significa pesquisadores avaliando projetos de outros pesquisadores. Assim, a análise pode ser feita por meio de comitês especializados, modelo adotado, por exemplo, pelos NIH, nos Estados Unidos, e pelo CNPq, no Bras i I, por uma extensa rede de assessores, como fazem a NSF, nos Estados Unidos, e a FAPESP, no Brasil, ou por outros modelos.
correr da decisão negativa. Esse recurso deve ter a forma de um pedido de reconsideração, com base na discussão das objeções levantadas pelo assessor ad hoc e, no limite, pode implicar o pronunciamento de outros assessores ad hoc. Porque, conforme o texto, o exercício amplo do direito de recurso "é a contrapartida necessária do peso que têm os pareceres dos assessores externos nas decisões da Diretoria Científica".
Prêmio Jabuti 99
O livro As Barbas do Imperador, da historiadora Lília Moritz Schwarcz, vencedor do PrêmioJabuti 1999 como Livro do Ano de Não-Ficção, foi resultado de pesquisa parcialmente fmanciada pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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NOfASNOfA OTAS NOTAS NOTAS NOTA~ OTAS NOTAS NOrA~ OrAS NOTAS OTAS o~AS NO AS
Parceria amplia acesso ao WoS O Web of Science (WoS) é
uma base de dados produzida pelo Institute forScientific lnformation (ISI) com informação sobre artigos publicados a partir de I 974, em mais de 8.400 periódicos especializados e indexados pelo próprio ISI, em todas as áreas do conhecimento, ou seja, Ciências, Ciências Humanas e Sociais, Artes e Humanidades. De cada um dos artigos pode-se obter o resumo, referências e citações. E a infom1ação sobre eles pode ser acessada no WoS a partir dos autores, periódicos em que foram publicados, instituições responsáveis e palavraschaves dos títulos ou resumos, entre outras possibilidades. Assim, o WoS é um poderoso instrumento não só de pesquisa bibliográfica como de acompanhamento do processo de propagação da informação científica,
além de ser muito útil para a pesquisa cientométrica.
A assinatura do WoS no Brasil foi feita inicialmente pela FAPESP, em I 997, como parte do projeto SciELO, que vem construindo uma biblioteca eletrônica das principais revistas científicas brasileiras (http:/1 www.scielo.br). Com isso, a Fundação permitiu que 52 instituições de pesquisa do Estado de São Paulo pudessem acessálo . Mais recentemente, a CAPES, reconhecendo a importância dessa base de dados, também decidiu assiná-la . Com esse objetivo, firmou um convênio com a FAPESP, que permite o uso compartilhado da infra-estrutura instalada e garante acesso ao WoS, daqui por diante, a outras 67 instituições brasileiras de pesquisa, situadas fora do Estado de São Paulo.
Carta aponta incorreção Recebemos de Francisco
Albuquerque, da Companhia Brasileira de Alumínio e representante da empresa na pesquisa Construção e Operação de Usina Piloto para Recuperação de Gálio a partir do Licor de Bayer, realizada em parceria com pesquisadores da Escola Politécnica da USP, a seguinte carta:
"Fazemos menção ao brilhante artigo (edição março/99) Dominando a Tecnologia de Produção de Gálio , dessa prestigiosa revista, não só pelo elevado teor elucidativo como pela apresentação gráfica.
Apenas gostaríamos de fa-
zer dois reparos: O primeiro se refere ao
comparativo do valor atual do gálio em relação ao alumínio, que seria aproximadamente 300 vezes, e não 2000 vezes, o que seria ótimo.
O segundo se refere ao itens 3 e 4 do fluxograma apresentado; o correto seria indicar - cristais de hidróxido de alumínio (semente) são adicionados ao licor de Bayer (aluminato de sódio) para acelerar a reação das concentrações para depois ser precipitado sob a forma de hidróxido de alumínio. A soda é recuperada e volta ao processo."
Seminário da Embrapa A Embrapa Meio Ambien
te promove, no dia 14 de junho próximo, como parte das comemorações da Semana Internacional do Meio Ambiente, o seminário Aproveitamento da Biodiversidade na Agricultura, na Indústria e na Preservação Ambiental. O objetivo do evento é apresentar e debater métodos de manejo e conservação da biodiversidade em regiões tropicais e suas funções ecológicas. Estão programadas duas mesas-redondas: Biodiversidade xAgri-
cultura, coordenada por Afonso Valois, chefe-geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, e com a participação da senadora Marina Silva e do professor João Lúcio de Azevedo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (Esalq/ USP), e Biodiversidade e Desenvolvimento da Indústria Farmacêutica, coordenada pelo chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente, Bernardo van Raij. Maiores informações pelo telefone (O I 9) 867-8710.
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Gestão da Inovação Tecnológica A Federação das Indústrias
do Estado do Ceará promove, no período de 9 a 11 de junho, em F01ialeza, Ceará, o I Seminário Internacional sobre Gestão da Inovação Tecnológica no Nordeste, o INOVA 99. O objetivo é desenvolver um maior intercâmbio entre empresários, cientistas e tecnólogos, além de promover as melhores experiências nacionais e internacionais na utilização de ferramentas de gestão da
inovação tecnológica, O encontro pretende contri
buir para que a região avance na I inha do desenvolvimento tecnológico, pem1itindo que as empresas nordestinas possam competir nos mercados nacional e internacional , o que depende, na opinião dos organizadores, do apoio à inovação, das práticas de cooperação, da ampliação da capacitação nacional e do estímulo à competitividade.
SBPC realiza 51 a reunião anual
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realiza, de I I a I 6 de julho próximo, na Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, a sua 51 a
reunião anual, com o tema central Mercosul - A Quebra das Fronteiras? O programa inclui a discussão de alternativas ao neoliberalismo em ~ma conferência, no dia 12, proferida por Paulo Nogueira Batista Júnior, da Fundação Getúlio Vargas, e em
dois simpósios, coordenados por Renato de Oliveira, da Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES) e Reinaldo Guinwães, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Os temas dos simpósios são Educação, Universidade e Formas Contemporâneas de Autonomia e Ciência e Tecnologia em um Brasil em Transformação: do passado ao jitturo.
Com mais de 30 eventos já confirmados, a reunião contará com a participação dos mais importantes pesquisadores brasileiros. Entre os assuntos que serão tratados estão a biodiversidade, as bases da religiosidade no Brasil e naArgentina, cultura e comportamento político, opapeldofinanciamentopúblico e privado no desenvolvinlento científico e tecnológico, genética de alimentos, violência urbana e outros temas atuais.
Biodiversidade é tema internacional Os programas Biota e Geno
ma, financiados pela FAPESP, serão temas de palestras que serão apresentadas no dia 15 próximo durante a 2"d lUPA C- lnternational Conference on Biodiversity, que será realizada em Belo Horizonte, no período de 1 I a 15 de junho. Promovida pela União Internacional de Química Pura e Aplicada (lUPA C) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a conferência pretende reunir cientistas de diferentes áreas do conhecimento para discutir os mais recentes avanços químicos, biológicos e biotecnológicos da biodiversidade e suas contribuições para
conservação e uti I ização sustentada dos recursos naturais.
A conferência tem patrocínio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), Fundação de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq), Financiadora de Estudos e Projetas (Finep) e FAPESP e também inclui as áreas de ecologia química, biologia estrutural , química de produtos naturais, bioinformática, biocatálise e produtos naturais no desenvolvimento de fármacos antiparasitários.
POlÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
MEMÓRIA
Homenagem a Ulhôa Cintra Médico e pesquisador, professor e for
mador de várias gerações de discípulos, um formulador de política científica. Assim foi Antonio Barros de Ulhôa C intra, um dos principais responsáveis pela criação da FAPESP, em 1960, e seu primeiro presidente. Falecido em dezembro passado, o Museu Histórico da Faculdade de Medicina da USP e aSociedade Brasileira de História da Medicina o homenagearão, no próximo dia 4 de junho, com a inauguração de seu retrato na galeria de grandes mestres da Medicina brasileira.
O professor Ulhôa C intra nasceu em São Paulo, a 13 de setembro de 1907, tendo-se diplomado em 1930 pela Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Iniciou suas atividades no antigo Instituto de Higiene da Faculdade de Medicina, tendo, logo em seguida, começado a trabalhar simultaneamente no serviço de Pediatria da Santa Casa de Misericórdia. Em 1933, foi designado para a cadeira de Pediatria da Faculdade de Medicina, exercendo também as funções de responsável pelo laboratório de Clínica. Assumiu, em 1936, a cadeira de Clínica Médica, obtendo, em 1940, o primeiro lugar em con-
Antônio Barros de Ulhôa Cintra, primeiro presidente da FAPI
curso para livre-docência, com a tese Contribuições para o Estudo da Exploraçâo Funcional do Fígado.
Mas, segundo o médico Emílio Mattar, em artigo publicado na Revista do Hospital das Clínicas, por ocasião das comemorações dos setenta anos do Prof. Ulhôa C intra, ele foi, antes de tudo, "um investigador clínico da mais elevada qualificação". Antes mesmo de se diplomar, começou a interessar-se por bioquímica, tendo estagiado no Laboratório de Química Fisiológica. E, posteriom1ente, em suas atividades, passou, ainda segundo Emílio Mattar, a introduzir uma "nova metodologia de investigação, com a aplicação das ciências básicas aos problemas clínicos".
Seus trabalhos acabaram por levá-lo aos Estados Unidos, em 1941 , com bolsa de estudos da Fundação Rockfeller. No Massachusetts General Hospital , da Universidade de Harvard, trabalhou com Füller Albright, considerado um dos mais importantes investigadores clínicos. Naquele país, estudou ainda no Pratt Diagnostic Hospital , em Boston.
Em 1943,já no Brasil , foi nomeado médico chefe do Serviço de Moléstias da Nutri
ção e Dietética do Hospital das Clínicas, que ele organizou e chefiou até 1950. Ali , aplicou métodos de pesquisa bioquímica ao estudo de anormalidades metabólicas e orientou a formação de clínicos, químicos e analistas especializados em problemas de metabolismo, nutrição e endocrinologia, sendo um pioneiro nessa disciplina, no Brasil. Em 1948, com uma segunda bolsa, estagiou em diversos hospitais dos Estados Unidos e do Canadá. No ano seguinte, assumiu a cátedra de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP, com a tese Doenças 6sseas Metabólicas. Até 1982, segundo o professor Carlos da Silva Lacaz, havia publicado 168 trabalhos de pesquisa clínica.
"O Professor Ulhôa Cintra liderou e foi , em grande parte,
responsável peÍa formação de uma jovem equipe de investigadores que, primeiro no Serviço de Moléstias da utrição e, depois, na 13' Cadeira da Faculdade de Medicina, se constituiu num dos mais ati vos e produtivos centros de pesquisa do país", escreveu Emílio Mattar, que foi seu assistente.
A Reitoria e a FAPESP Seu dinamismo e sua visão da importân
cia da pesquisa científica levaram-no, em 1960, ao cargo de Reitor da Universidade de São Paulo. De acordo com Hélio Pereira Bicudo, em depoimento prestado ao Projeto FAPESP- HistóriaeMemória , "a escolha de Antonio Barros de Ulhôa Cintra para Reitor da USP deu-se dentro da linha desse pensamento, de dar uma estrutura moderna à Universidade, capaz de torná-la num grande centro de pesquisa e ensino". Teve participação decisiva na implantação do campus da USP, e na elaboração da lei de criação da Universidade Estadual de Campinas e da Faculdade de Ciências Médicas de Botucatu.
A criação da FAPESP, pela Lei 5.918, sancionada a 18 de outubro de 1960 pelo governador Carlos Alberto de Carvalho Pinto, também teve a participação do professor Ulhôa Cintra. Aliás, segundo o professorAlberto Carvalho da Silva, ex-presidente da Fundação, em depoimento publicado em Cientistas do Brasil, "ele teve uma influência decisiva nessa medida de Carvalho Pinto."
"Sancionada a lei que instituía a Fundação de Amparo à Pesquisa, determinava-se um prazo de 90 dias para serem tomadas as medidas cabíveis. Como reitor da USP, Ulhôa Cintra foi incumbido pelo governador de tomar as medidas necessárias para o funcionamento da Fundação", escreveram Amélia Império Hamburger e Walquíria Chassot em Projeto FAPESP - História e Memória (no prelo) . As reuniões para a organização da Fundação realizavam-se no gabinete do reitor, naquela ocasião localizado na rua Helvétia. E ao ser formado o primeiro Conselho Superior da FAPESP, Ulhôa C intra foi eleito seu presidente, cargo no qual se manteve até 1973.
Em depoimento prestado ao Projeto FAPESP- História e Memória , Antonio Barros de Ulhôa C intra falou sobre o significado da criação da FAPESP para a comunidade científica: "Era simplesmente uma abertura enorme para quem trabalhava em ciência, de poder ter amparo para continuar a trabalhar. ( ... )A FAPESPfoi criada para amparar a ciência que se quisesse realizar. A ciência é que ia bater à porta da Fundação para dizer qual o projeto que tinha".
DOCUMENTO
A réplica do ministro O ministro da Ciência e Tecnologia,
Luiz Carlos Bresser Pereira, não gostou das críticas e observações feitas pelo Fórum Nacional dos Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência e Tecnologia a algumas propostas do Ministério, em especial a transferência para as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) da responsabilidade por parcela de recursos para os programas PADCT e FNDCT. A posição dos secretários, definida na última reunião do Fórum, em Brasília (Notícias FAPESP W 41 ), fora transmitida a Bresser Pereira, por
carta, por Adão Vilaverde, presidente do Fórum e Secretário de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul.
Em resposta a Vilaverde, o ministro declara que a proposta do Ministério não subtrai recursos das FAPs nem fragmenta o Sistema Federal de C&T, como acreditam os secretários, mas, ao contrário, viabiliza "uma estratégia conjunta para tratar, em nível nacional e de forma integrada, as dificuldades transitórias pelas quais passa oreferido sistema." Veja, a seguir, a íntegra do documento.
A CARTA-RESPOSTA Senhor Presidente
Recebi com surpresa seu oficio informando a posição do Fórum de Secretários, e com decepção a circular enviada à comunidade científica, que encaminha como anexo o oficio a mim enviado. Pelos seus termos, evito comentar esta circular. Com relação à correspondência sobre o Fórum dos Secretários, destaco desta alguns itens, nos quais se declara:
"4) Durante a reunião, foram discutidas também as últimas propostas do MCT para que os Estados assumam encargos e responsabi !idades que, historicamente, sempre foram atribuições do Governo Federal. ..
5)As medidas propostas podem implicar na fragmentação do Sistema Federal de C&T...
6) Além da fragmentação, também caberia ser destacado que a adoção da política de repasse de recursos para os estados acarretaria uma sobrecarga às instituições de fomento regionais (FAPs) na medida em que elas passam a arcar com investimentos tradicionalmente demandados ao Governo Federal.
7) Neste contexto, o Fórum de Secretários de C&T posiciona-se contrário aos repasses de encargos e responsabi I idades, entendendo que os estados não têm condições de suportar tais condições ... "
Estes pontos devem referir-seà reunião que realizamos com as FAPs em Brasília, em 15/04/99, e à intervenção do Secretário Executivo na abertura do Fórum de Secretários Estaduais de C&T, realizado em Brasília, em26/04/99. O que informamos e propusemos então?
Informamos que os compromissos assumidos com investimentos do PADCT e do FNDCT (isto é, projetos aprovados até o final de 1998) eram superiores à disponibilidade de recursos orçamentários. Este desequi I íbrio decorre menos do corte de orçamento e mais do fato de que os investimentos sugeridos não tinham relação com a série histórica de recursos orçamentários doMCT.
Diante deste fato, tínhamos duas alternativas:
I) Escolher, dentre a carteira disponível, os projetos a serem implementados, de acordo com nossos próprios critérios;
2) Combinarmos esses critérios com as prioridades dos estados e a eventual contri-buição que poderiam vir a dar. •
Optamos pela segunda alternativa e, na reunião com as FAPs, seguindo uma política de estrita transparência, informamos todos os dados de que dispomos sobre o nosso orçamento, bem como a relação de projetos pendentes, com a caracterização dos respectivos conteúdos, dos valores sugeridos para sua execução e das instituições envolvidas em cada Estado. Discutimos, também, a possibilidade de que os estados viessem a participar de aportes de recursos do Banco Mundial e do BID. A reunião foi excelente, tendo se conseguido o consenso entre todos os presentes sobre a importância de estreitar laços entre os sistemas estaduais e federal , e sobre a importância do desenvolvimento do trabalho cooperativo, não apenas conjunturalmente, mas como uma prática permanente, indispensável para o fortalecimento do Sistema Nacional de C&T.
Nesta proposta, não estamos subtra-
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indo recursos das FAPs nem fragmentando o Sistema. Ao contrário, estamos viabilizando uma estratégia conjunta para tratar, em nível nacional , e de forma integrada, as dificuldades transitórias pelas quais passa o referido sistema. Ao mesmo tempo, acreditamos que a explicitação do conjunto de projetos aprovados e a defesa de sua relevância no âmbito estadual permitem que o senhor e os demais secretários tenham novos argumentos na defesa de recursos adicionais para as respectivas FAPs. A nosso ver, isso consolidaria uma conquista de toda a comunidade de cientistas e tecnólogos, que levou à inscrição das FAPs nas respectivas Constituições Estaduais.
O ofício enviado pelo senhor levanos a crer que, em seu nome e no dos demais secretários do Fórum, renuncia às formas de cooperação do MCT com as FAPs e as Secretarias de C&T estaduais debatidas naquela reunião em Brasília. Lamento.
Para terminar, quero deixar claro o motivo de minha surpresa com o oficio.
ão me surpreende, em absoluto, que uma proposta inovadora não seja aceita. Mas por que manifestar essa posição em carta, formalmente? Afinal, estamos no mesmo barco, lutando pela mesma causa - a da C& T- e enfrentando as mesmas dificuldades. Não seria mais produtivo telefonar-me, marcar uma conversa, e sugerir outras formas alternativas de cooperação? Nossos dois primeiros encontros foram excelentes. Porque, de repente, formalizar e assim criar conflitos que na verdade não existem?
Atenciosamente Luiz Carlos Bresser Pereira
Ministro de Estado
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
Imagine um imenso instituto de pesquisas, sem portas, paredes, janelas ou corredores. Uma organização da qual participam centenas de cientistas, separados por quilômetros na distância, mas em conta to pem1anente e tão estreito que qualquer avanço pode ser compartilhado imediatamente. Um grupo quereúne equipes multi profissionais e interinstitucionais dedicadas a tarefas que seriam demoradíssimas ou mesmo impossíveis pelos recursos convencionais. Esse instituto já existe. É assim que funciona o Biota-FAPESP, o Instituto Virtual da Biodiversidade. Lançado em março, envolvendo mais de 300 pesquisadores de diversas instituições, ele está criando, no Estado de São Paulo, um gigantesco banco de dados sobre todos os aspectos da biodiversidade. Mais que isso. O programa Biota-FAPESP vai realizar mapeamentos e análises, com a vantagem de todos os envolvidos poderem disponibilizarconhecimentos e descobertas em tempo real.
O sistema já tem um precedente, e dos mais positivos. E assim que trabalham as equipes envolvidas no Programa Genoma-FAPESP Esse programa, agora operando em duas novas frentes, o Genoma-Cana e o Genoma Humano do Câncer, foi inaugurado com o Genoma-Xylella, destinado a fazer o seqüenciamento genético da bactéria Xylella fastidiosa. A tarefa está adiantada com relação ao prazoequaseconcluída.lssosedeve, em grande parte, aos recursos da pioneira rede virtual Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos (ONSA, de Organizationfor Nucleotide Sequencing andAnalysis).
O Biota e o Programa Genoma são exemplos evidentes de que o avanço da pes-
quisa científica hoje, que pressupõe agilidade e interdisciplinaridade, só é possível com uma boa rede de infom1ática disponível.
"O projetoXylella nos ensinou uma coisa muito importante", diz João Meidanis, especialista em bioinformática do Laboratório de Computação da Unicamp e coordenador de informática dos projetos Genoma-Xylella, Genoma Cana e Genoma Xanthomonas. "O maior beneficio conquistado no trajeto, mais que ter feito o genoma, foi colocar os grupos de pesquisadores em contato. Pessoas que nunca tinham ouvido falar uma das outras estão trabalhando juntas e têm projetos colaborativos." A rede, logicamente, não substitui completamente o trabalho face-a-face. Mas é importantíssima para quem está fisicamente separado por grandes distâncias. Além disso, facilita a rotina de trabalho, permitindo que uma série imensa de pequenos detalhes seja comunicada por e-mail , sem necessidade de deslocamentos ou mesmo de demorados e caros telefonemas.
Mesma metodologia Realizar um trabalho como o Programa
Genoma seria impensável sem a rede, afirma José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, instituição que foi pioneira no uso e disseminação desse tipo de ferramenta no Brasil, por meio da redeANSP (AnAcademic Network at São Paulo) , mantida e gerenciada pela entidade desde 1989 (veja o quadro Antevendo o Futuro). O biólogo Carlos Alfredo Joly, coordenador do Biota-FAPESP, tem opinião semelhante. "O programa é viável porque existe a rede eletrônica de comunicação", comenta. "Oprojetopennitiráque, pela
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primeira vez, pesquisadores atuantes na vasta área do tema Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade, no Estado de São Paulo, tenham objetivos comuns e utilizem a mesma metodologia básica para identificare referenciar geograficamente suas coletas", acrescenta. Todos os resultados serão imediatamente integrados a um Sistema de Informação Ambiental, disponível via Internet.
Existem, além disso, muitas novas possibilidades, como o comparti lhamento de programas de computador à distância. Muitos desses programas, bastante específicos, vão sendo criados ao longo do trabalho. "Posso fazer um software para localizar, por exemplo, todos os lugares em um genoma onde haja determinada seqüência de elementos", comenta Meidanis. Uma de suas preocupações é tomar as informações disponíveis de maneira bem simples, acrescentando facilidades ao acervo já usado. Recentemente, visitando uma das instituições que participam do trabalho, Meidanis perguntou se os pesquisadores usavam, realmente, as ferramentas colocadas à sua disposição on I ine. A resposta não poderia ser mais gratificante. " A gente não sai da tela, fazemos tudo pelo web si te", ouviu.
Mesmo estudiosos que não participam dos institutos virtuais têm seu trabalho facilitado pela Rede ANSP. Por exemplo, eles agora podem usar o Web of Science, uma poderosa ferramenta de pesquisa bibliográfica. O Web of Science é uma base internacional de dados de publicações científicas, mantida pelo Institute for Scientific Information (ISI), relativa a todas as áreas da ciência, e que podem ser pesquisados por autor ou por palavras-chaves. Com ela é possível saber
quem citou detenninado artigo e onde, diz o professor Rogério Meneghini, coordenador do projeto SciELO. Esse projeto está estruturado nos mesmos moldes do Web ofScience e antes só estava disponível em bibliotecas informatizadas das universidades, porque seu custo era altíssimo. Agora, o acesso se espalhou. O SciELO (Scientific Electronic Library On Line ), patrocinado pela FAPESP e mantido em parceria com o Centro Latino-Americano e do Caribe de Infonnação em Ciências da Saúde (Bireme), coloca publicações científicas brasileiras à disposição dos cientistas de todo o mundo, ampliando a visibilidade de seu trabalho. Hoje, 29 revistas, com texto completo, já estão disponíveis na rede.
Capacidade de acesso Tudo isso conduz a uma enorme econo
mia, em tempo, viagens e conversas porteiefone. Os telefonemas nonnais, por exemplo, são cobrados em função da distância das ligações, enquanto a Internet trabalha com um custo único para cada ligação, mesmo se for para o outro lado do mundo. Para garantir o acesso a essas facilidades, porém, é preciso estar em dia com o que há de mais moderno. A Rede A SP faz isso. Acompanha os avanços da Internet, a começar pela constante expansão da capacidade de acesso, diante de uma demanda que cresce exponencialmente.
Já disponível para a comunidade científica brasileira mesmo antes da abertura oficial da própria WEB no Brasil , em 1995, a Rede ANSP está estruturada de maneira a evitar problemas de demanda reprimida. Essa possibilidade é perigosa, pois só é detectável no momento em que a capacidade está praticamente esgotada. Problemas desse tipo aconteceram no início do funcionamento do sistema, quando muita gente desistia de usar o serviço porque não conseguia completar a conexão. Para evitar isso, é preciso estar sempre na frente .
"A Internet é como se fosse um cano de água, quanto mais infonnações por segundo eu quiser que passem, maior tem de ser o diâmetro do tubo", afinna HartmutRichard Glaser, coordenador da Rede A S P e assessor da presidência da FAPESP. Como todo tipo de tráfego, a Internet exige velocidade de fluxo, sem pontos de congestionamento na entrada, no percurso e na saída. A velocidade de acesso é importante. No começo, a velocidade disponível era de 4.600 bites por segundo, muito menos até que a usada normalmente hoje nas ligações dos computadores domésticos aos grandes provedores de acesso. Na época, porém, o tráfego era relativamente simples: praticamente se restringia a mensagens, compostas apenas de palavras e números. Agora, há inúmeros outros recursos, inclusive gráficos. Eles demandam maior capacidade de trânsito.
A velocidade é medida agora em megabites - milhõesde bitesporsegundo. OBrasi! inteiro dispõe de 200 megabites para viajar na Internet , hoje com 2,5 milhões de usuá-
rios, mas com potencial para chegar a no mínimo 15 milhões durante os primeiros anos do próximo milênio. Da capacidade instalada, I 0% estão disponíveis para a comunidade acadêmica. Universidades e institutos de pesquisa têm à sua disposição 20 Mbps, dos quais 12 são concentrados na Rede ANSP, ponto de acesso para I 00 diferentes instituições de ensino e pesquisa paulistas, além de outros centros estaduais, interligados via Rede Nacional de Pesquisas. Há folga em relação à demanda média, hoje na faixa dos I O Mbps. É um cuidado necessário, porque é
difícil detectar a demanda reprimida e ela significa perda de infonnação.
Fibra óptica Mesmo atuando com folga para absor
ver mais demanda, a Rede ANSP tem aumentado anualmente sua capacidade. Investe, também, em equipamentos para manter o parque atualizado. Recentemente passou por grande reformulação, com ênfase no uso de cabos de fibras ópticas. Um dos cabos, instalado em março de 1998, liga a sede da
Antevendo o futuro A criação da Rede ANSP é, basicamente, ore
sultado de uma antevisão do então presidente do Conselho Superior da FAPESP, professor Oscar Sala. Físico nuclear de amplo trânsito no exterior, ele observou o nascimento da Internet nos Estados Unidos, quando as ligações entre computadores ainda engalinhavam e eram limitadas a mensagens simples. Era esse o panorama em meados da década de 80: navegar pela rede era privilégio de raros iniciados, Capazes de lidar com fórmulas de acesso complexas.
Hartmut Glaser, hoje o coordenador da Rede ANSP, foi aluno e mestrando de Sala. "Ele deve ter pensado, ao ver o embrião da net nos Estados Unidos, que era melhor trazer o instrumento para o meio acadêmico brasileiro antes que começasse em algum fundo de quintal e acabasse nos atropelando. O grande passo inicial foi fazer uma ligação direta entre a entidade e o Fermilab, de Illinois, o primeiro a nos acolher, sugerindo um elo via grande provedor local, por questões de custo."
Quem criou a rede em termos práticos foi o então responsável pelo Centro de Processamento de Dados da FAPESP, Demi Getschko, hoje diretor de tecnologia da Agência Estado. "A comunidade acadêmica, já em 1986, começava a solicitar conexões com o exterior. Ainda não se falava em Internet, mas em redes acadêmicas, entre as quais a mais conhecida era a Bitnet (Because 1t Is Time Network), usada basicamente para correio eletrônico", lembra. Naquela época, um movimento semelhante partiu do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), do Rio de Janeiro, que se ligou à Universidade de
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Maryland. O Laboratório, no entanto, permaneceu sempre vinculado à Bitnet, enquanto a FAPESP ia evoluindo e se ligando a outras redes, como a Hepnet (High Energy Physics Network).
Essa vocação de abertura ficou evidenciada também em decisões como as relacionadas com as linguagens de acesso. Enquanto a própria Embratel permanecia à espera de um sonhado e não concluído padrão aberto- uma espécie de esperanto da informática -até o final de 1994, a redeANSP, três anos antes, passava a ter tráfego TCP/IP (Transmission Contrai Protocol/lnternet Protocol). Antes, em 1989, ela se transformara em POP (ponto de presença) interestadual da Rede Nacional de Pesquisas, para comunicação com o exterior.
Essa trajetória e a permanente busca de atualização fazem do projeto uma referência inclusive para a organização da própria rede no país. Desde o início, cabe àANSP o registro dos domínios .br, ou seja, os locais com os códigos usados para acesso aos sites. A opção pela listagem diferenciada foi da própria FAPESP, que organizou uma titulagem por divisões que facilitam a localização, como gov.br para órgãos governamentais ou mil.br para a área militar.
Esse serviço, mantido até hoje, é o único prestado pela Rede fora da comunidade acadêmica. Ademanda é crescente e o volume quase dobra de ano para ano. Calcula-se que haverá cerca de 140 mil endereços no fim de 1999, contra cerca de 70 mil no fim de 1998. A orientação para as universidades é de que constituam redes locais, com acesso à Internet por meio daANSP.
Cem mensagens por dia ferências para a rede de nova geração. Da mesma fonna, no Bras il , é nos centros acadêmicos que surgem as pesquisas para esse futuro. "Os laboratórios nos ajudarão a detectar as novas demandas", afirma G laser. Para ele, a vocação da RedeANSP é manter o pioneiri smo. "Gostaríamos de repetir a proeza de Oscar Sala, em meados da década de 80, fazendo com que a FAPESP sirva de alavanca para a pesquisa de ponta, com a oferta de ferramentas adequadas ao estágio da nossa tecnologia", comenta.
Faz parte da rotina de muitos pesquisadores reservar uma parte de seu trabalho diário para a navegação pela Internet, em busca de informações gerais ou à cata de elementos para seus próprios estudos. Muitas fontes fornecem informações gratuitamente. Outras cobram assinaturas, mas, sobre as revistas, têm a vantagem da distribuição imediata. Todos se falam diretamente. Não existem intermediários entre a fonte geradora e o receptor, a não ser as redes e provedores de acesso.
Uma das maiores vantagens da rede é a possibilidade de troca de mensagens eletrônicas. O especialista em bioinformática João Meidanis, da Unicamp, reserva pelo menos uma hora diária para ler e responder a cerca de 1 00 mensagens que recebe, em média, a cada 24 horas. Por isso, considera a Internet uma faca de dois gumes. "Por um lado, ela otimiza o tempo, ao facilitar as consultas", comenta. "Por outro, no entanto, exige dedicação à correspondência, pois, se você não dá atenção a ela, a comunicação não serviu para nada."
O físico Carlos Henrique de Brito Cruz, presi-
FAPESP à central de telefonia de sua área em São Paulo. O uso desse recurso eliminou um importante ponto de estrangulamento, pois muitas faculdades estavam conectadas à instituição por cabos metálicos e não havia mais espaço tisico no prédio da Fundação para expansões. A nova tecnologia permitirá inclusive o aumento de velocidade de tráfego de informações, que em junho deve subir dos aluais 34 Mbps para 140 Mbps.
A fib ra óptica também é usada para o elo - antes feito via rádio - com a Embraiei, que responde pela ligação da rede com o exterio r. O sinal sa i da FAPESP em direção a uma torre situada a poucos quilômetros de distância. Daí segue para a sede da empresa de telecomunicações em São Paulo e depois para o Rio de Janeiro, onde entra num cabo submarino com destino aos Estados Unidos. A mudança do rádio para a fibra óptica aconteceu em fevereiro.
São avanços que ampliam a confiabilidade do sistema, afirma Glaser. "Estamos substituindo equi pamentos para reduzir o ruído dos sinais eletrônicos, agora menos suj eitos a interferências, com ganho de qualidade", acrescenta. A modernização se estendeu às máquinas da rede, em espec ial os seis rateadores, substituídos por um único superequipamento, que concentra as informações e economiza ligações, reduzindo ri scos de falha ou de queda do sistema.
Internet 2 A Rede ANSP trabalha com um orça
mento anual de R$ 8 milhões, 70% dos quais destinados ao pagamento das linhas internacionais. A Rede tem configuração e equipe próprias, desvinculadas do Centro de Processamento de Dados da FAPESP. São esferas de competência técnica diferentes. Enquanto o
dente da FAPESP, outro freqüentador regular da Internet, é usuário da rede ANSP desde o final da década passada. Começou com a troca de correspondência eletrônica. "Não era fácil como agora", lembra. "O endereçamento exigia o conhecimento de expressões quase cabalísticas, como IN%VAXCP, não raro acompanhadas de várias e impraticáveis aspas ."
Brito acessa a WEB para várias finalidades, além da procura de fontes na área acadêmica, como obter números de telefone ou comprar livros. Ele sempre aparece com uma novidade captada no mundo virtual. Já criou até algumas rotinas para organizar suas incursões. "Às segundas-feiras, por exemplo, entro no Web of Science, que a FAPESP subscreve para São Paulo, usando palavras-chaves para verificar quais são as novas publicações disponíveis em áreas de meu interesse." Isso não impede que novas aplicações sejam descobertas. "A Web pode ser muito útil também para o ensino", sugere, "pois permite disponibilizar informações para os alunos acessarem quando for mais conveniente para eles."
CPD tem como base analistas de sistema, o trabalho com a Internet é coordenado por engenheiros de tel ecomunicações. A própria entidade é cliente da rede, e programas como o Genoma ou o Biota dependem de seu funcionamento.
"Agora, estamos postulando atuação na Internet 2", infonna Perez, o diretor científico da FA PESP. Esse é o próx imo passo do projeto. Implica, entre outras possibilidades, no uso de voz e imagens co loridas em movimento, para uma videoconferência, por exemplo. Essa aplicação requer velocidade de tráfego muito maior do que a usada por informações ou pacotes gráficos. A transmissão de uma reunião em tempo rea l para três cidades, simultaneamente, ex ige 500 kbps (500 m·il bites por segundo) para cada grupo de duas pessoas, se a meta é oferecer- como o meio ex ige- uma imagem absolutamente nítida e livre de interferências.
Mesmo nos Estados Unidos, a Internet 2 ainda está em desenvolvimento, iniciado há dois anos. É uma iniciativa circunscri ta à comunidade científi ca e deve pern1anecer nessa esfera, a princípio. O governo americano investe pesadamente no sistema, ajudando as universidades a criar tecnologia, padrões e re-
Vias expressas Glaser compara a nova rede com uma
rodovia de alta velocidade, com quatro pi stas ou canais. Cada um deles tem um destino: um exclusivo para tráfego de correspondência eletrônica, ou e-mail s, outro para voz, um tercei ro dedi cado a videoconferências e o quarto para usos como telemedicina ou te! educação. Essa separação já é feita hoje, experimentalmente.A redeANSP busca no exterior, diariamente, cerca de 30 a 40 sites de multimídia que coloca à disposição das universidades em um canal separado, não fi sicamente, mas por software. Para G laser, no futuro, essa separação pode atender a prioridades. "Poderemos ampliar a capacidade do canal de videoconferências, durante algum evento, estrangulando ligeiramente os outros canais, sem perigo de parali sação - algo parecido com as vias expressas de ônibus usadas nas grandes metrópoles."
Outro objetivo para o futuro próximo é usara redeANSP como substituta do serviço telefônico convencional , diminuindo as despesas com comunicações das universidades integrantes do sistema. As univers idades, possivelmente, serão as pioneiras no uso exclusivo de comunicações por voz via Internet. A economia será substancial. O preço da telefonia é fixado por distâncias e por impulsos, enquanto a rede cobra um va lor único para ligar um ponto a outro.
Aexperiênciadesucessoda FAPESPcom o projeto Rede ANSP, além de todos as possibilidades abertas, traz uma importante constatação. Desta vez, o Bras il não perdeu o bonde da tecnologia. Em termos de Internet, como diz um dos pioneiros na instalação da Rede ANSP, Demi Getschko, ele embarcou no finalzinho da primeira onda e ainda está lá. Glaser tem mais uma observação. "O grande trunfo da ferramenta é ter acabado com as distâncias entre o Primeiro e o Terceiro Mundo."
GLOSSÁRIO Roteador: máquina onde estão listados todos os endereços eletrônicos, para acesso imediato TCP (Transmission Contra/ Pro toco/): protocolo ou linguagem que assegura a entrega de informações a seus corretos destinatários lP (Internet Pro toco/): protocolo para Internet, regras padronizadas de comunicação entre dois ou mais lados Internet: rede vi rtual de comunicação e de trabalho Domínio: local ou refe rência, estrutura hierárquica que associa uma entidade (institucional) ou país (geográfico) a um nome ou conjunto de nomes DNS: denominação da máquina, nome do servidor de domínio, o endereço
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PERIÓDICOS CIENTÍFICOS
ProBE, informação em tempo real Os textos completos de 606 periódicos
científicos da editora Elsevier Science lnc. estarão em breve disponíveis eletronicamente para 86 bibliotecas, quase 12 mil pesquisadores e cerca de 115 mil estudantes de graduação e pós-graduação de cinco universidades paulistas, mais o Centro Latino Americano de Informação em Ciência da Saúde - Bireme. Esse novo acesso amplo e ágil à infom1ação científica internacional mais atualizada está sendo propiciado à comunidade científica de São Paulo pelo Programa Biblioteca Eletrônica - ProBE, lançado pela FAPESP no dia 18 de maio. Os títulos da Elsevier constituem um primeiro passo do programa, e publicações de outras editoras deverão gradativamente somar-se a eles.
No ato de lançamento do ProBE, foram assinados, entre a FAPESP e a editora holandesa Elsevier, uma das maiores do mundo no segmento de periódicos científicos, os dois contratos que o formalizaram. O primeiro estabelece os termos de licença de uso, pela Fundação, da versão eletrônica das 606 revistas assinadas, disponibilizando seus textos completos, através da RedeANSP (Academic Network a/ São Paulo), para as instituições já engajadas no programa. O período da licença previsto no contrato é de 1998 a 2000, mas, ainda na solenidade de lançamento do programa, o presidente da Elsevier, Derk Haank, brindou os novos usuários da versão eletrônica de suas publicações com o acesso, sem ônus adicional, aos textos de 1997. O segundo contrato assinado concede à FAPESP licença de uso do software de gerenciamento da base de publicações eletrônicas.
Sei http ·//www .sc1elo . br
29 títulos indexados Projeto FAPESP/BIREME
Programa Biblioteca Eletrônica
606 títulos em texto completo da Elsevier
Science lnc.
A inter-relação das bases de dados
O ProBE teve origem em um projeto elaborado pelos Sistemas de Bibliotecas das universidades de São Paulo - USP, Estadual Paulista - UNESP, Estadual de CampinasUnicamp, Federal de São Carlos - UFSCar, Federal de São Paul o- U IFESPe Bireme. O termo de adesão ao projeto, assinado por essas instituições em agosto de 1998, lev~u-
·-
li
Web of Science·M htt ://webofsc1ence fa es .br
8.000 títulos indexados Projeto FAPESP
(análise de citações/ linhas de pesquisa)
as a se reunir num consórcio que compartilha, internamente e com a FAPESP, custos e esforços para a implantação do programa. Assim, ao consórcio, que deverá mais adiante incluir novas instituições, principalmente universidades particulares, cabe em termos financeiros basicamente o custo das assinaturas das revistas impressas em papel (pouco
mais de R$ 9 milhões, para o período de 1998 a 2000). Já a FAPESP banca os custos referentes ao suporte eletrônico, incluindo aí hardware, software e treinamento de pessoal (R$ 2, I milhões para o período considerado).
O ProSE soma-se, na verdade, a duas iniciativas anteriores da FAPESP de colocar ao alcance da comunidade científica paulista informações científicas por via eletrônica: o Pro-jeto SciELO e o acesso ao Web of Science - WoS. O SciELO, iniciadoem 1997,numaparceria entre a FAPESP e a Bireme, é um projeto de estruturação de uma base de dados eletrônica de revistas científicas brasileiras. Com os textos em inglês, essa base, que no momento já conta com 29 revistas, torna os mais importantes periódicos
brasileiros acessíveis tanto à comunidade científica nacional quanto internacional, retirando assim a melhorproduçãocientífica do país de uma certa clandestinidade a que ela se via relegada. Quanto ao WoS, é uma base de dados do lnstitute for Scientific lnformation - JS!, dos Estados Unidos, que contém informação (resumo, referências e citações) sobre os artigos publicados, a partir de 1974, em mais de 8.400 periódicos especializados, e indexados pelo próprio IS!. As três bases de dados, conectadas, mudam completamente o padrão de acesso que até há pouco os pesquisadores paulistas tinham às mais recentes informações científicas especializadas.
Explosão da informação Essa mudança, espécie de rápida aber
tura de janelas para visualizarem tempo real tudo que se passa no mundo da informação científica, parece estar sendo bem compreendida e absorvida por pesquisadores e profissionais de biblioteconomia e documentação das universidades paulistas. E sinal disso é que eles lotaram o auditório da FAPESP, na manhã do dia 18 de maio, para assistir ao lançamento do ProBe, que teve, na mesa de trabalhos, o presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz; o representante do secretário da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econõmico, Eliezer Rizzo de Oliveira; o reitor da UNIFESP, Hélio Egydio Nogueira; o reitor da UFSCar, José Rubens Rebelatto; o reitor da UNESP, Antonio Manoel dos Santos Silva; o reitor da U 1-CAMP, Hermano Tavares; o representante do reitor da USP, Hernan Chaimovich; o diretor da Bireme, Abel Laerte Packer; o pre-
sidente da Elsevier, Derk Haank; e o diretor da Elsevier para a América Latina, Cláudio Marcelo Rothmuller.
Uma exposição técnica sobre o ProBE foi apresentada pela coordenadora do programa e diretora do Sistema de Bibliotecas da USP, Rosaly Favero Krzyzanowski, depois das falas do professor Brito Cruz e de Derk Haank.
Rosaly começou mostrando a extraordinária expansão experimentada pelas publicações científicas ao longo do século 20, e em especial nos últimos 20 anos, para explicar por que se tornou imperioso organizar bases de dados referenciais, destinadas a fac i I i ta r o acesso do pesquisador à I iteratura especializada que mais diretamente lhe interessa.
Assim, se em 1700 existiam no mundo apenas 1 O títulos que podiam ser enfeixados como periódicos científicos, eles eram I mil em 1800, 10 mil em 1900,20 mil em 1947, I 00 mil em 1979 e, já em 1998, 890 mil. As projeções apontam a existência de I milhão de títulos de revistas científicas no ano 2000. "Dada a extraordinária expansão da literatura na segunda metade deste século, com a conseqüente dificuldade dos pesquisadores para absorvê-la, já a partir de 1960 começavam os esforços para organizar bases de dados referenciais", disse Rosaly. Dessa forma, surgiram primeiro os bancos referenciais com material em papel, depois os bancos acessados por linha discada, até chegar-se à era dos CD-Roms e, por fim, à busca on line de dados.
A coordenadora do ProSE explicou em seguida, detalhadamente, os objetivos desse programa, os passos que foram dados para sua viabilização, a metodologia a ser seguida para
A expansão das revistas científicas no mundo número 1.000.000
100.000 ---.- .. -----
1.000 -
100 -
10 -
o 1700
' 1800 1900 2000 data
WIEERS,Leo. A vision on the library of the future. ln: GELEIJNSE, H., GROOTAERS, C. (eds.). Developing the library of lhe future: lhe Timburg experience. Tibutg: Tiburg University, 1994. p. 1-11
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o desenvolvimento da biblioteca eletrônica e os beneficias que se esperam do ProSE para a pesquisa científica em São Paulo.
Segundo Rosaly, os pesquisadores das instituições consorciadas terão de imediato acesso on line aos textos disponíveis no banco de dados da editora em ova York, enquanto não está pronta a instalação local da base de dados da Elsevier, o que ocorrerá entre final de agosto e início de setembro. O primeiro ano de funcionamento do ProSE, em paralelo aos trabalhos de instalação, capacitação de recursos humanos e operacionalização do sistema, vai implicar uma avaliação criteriosa do uso dos textos em versão eletrônica, para que se tomem em seguida algumas decisões.
"Hoje as instituições consorciadas ainda mantêm muita duplicidade na assinatura das revistas em papel, por exemplo. Temos 606 títulos assinados, mas um total de 1.200 assinaturas feitas pelas instituições do consórcio. A avaliação nos permitirá, por exemplo, decidir por cortes de assinaturas em versão impressa das revistas, reduzindo custos", diz Rosaly Favero. Depois de algum tempo, será preciso decidir também quem fica com aguarda das revi stas impressas. "Por ora, elas estão espalhadas pelas bibliotecas das instituições consorciadas. É possível que seja melhor reunir as coleções num só local , ou concentrar algumas revistas onde elas são mais utilizadas", completa. Todos esses são pontos que devem ser acompanhados de perto.
Entre os muitos beneficias do programa que sua coordenadora relacionou, está a possibilidade de uso ilimitado e de acesso simultâneo dos textos de uma revista por muitos usuários, com base em uma única assinatura, o que equivale a uma impressionante redução de custos. Ou melhor, a uma redução típica da era da informação em tempo real.
PROGRAMA GENOMA
Na mira, o cancro cítrico
O alarmante recrudescimento do cancro cítrico no Estado de São Paulo, que se expressa com força nos 349 focos da doença até agora confinnados e espalhados por toda a área de plantio da laranja, começa a ser contra-atacado, para além do controle emergencial em curso, com um projeto de pesquisa de grande porte que, a médio prazo, pode desarm~r o problema em suas origens genéticas. E esse o objetivo último do Projeto Genoma - Xanthomonas , que a FAPESP está iniciando formalmente no mês de junho, dentro de seu Programa Genoma.
Com investimentos programados de US$ 5 milhões da FAPESP, mais US$ 500 mil do Fundo Paulista de Defesa da Citricultura - Fundecitrus, esse quarto projeto do Programa Genoma vai realizar o seqüenciamento genético da bactéria Xanthomonas axonopodis pv citri, dentro do mesmo esquema de rede de laboratórios utilizado pelos anteriores - ou seja, o projeto pioneiro, já praticamente concluído, de seqüenciamento da bactéria Xylella fastidiosa , causadora de uma outra doença das laranjeiras, a CVC ou praga do amarelinho, mais o Genoma Hu-
mano do Câncer e o Genoma Cana, que estão em fase inicial.
A lista dos laboratórios que vão participar do GenomaXanthomonas deverá estar definida até 30 de julho. Para conse
guir isso, a FAPESP disponibiliza em sua página na Internet, a partir de 2 de junho, o
edital do projeto, com todas as instruções para que os grupos de pesquisa interes-
sados possam se inscrever até o dia 2 de julho e participar do processo de seleção previsto. A expectativa é de que entrem no mais novo projeto de pesquisa genômica, em São Paulo, tanto grupos já ligados à Or-
ganização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos, ONSA - de Organizationfor Nucleotides Sequencing andA nalysis, a rede virtual de laboratórios criada pela FAPESP, no final de 1997, para tocar o projeto da Xylella , e hoje responsável pelos projetos Qenoma em andamento, quanto novos grupos.
O Projeto-Xanthomonas tem prazo de conclusão previsto para dentro de dois anos, mas poderá, na verdade, ser antecipado, graças ao know-how científico e tecnológico acumulado no trabalho com aXylella - bactéria, aliás, muito pareci-
pesquisa que visem a análise das funções biológicas dos genes identificados e di retamente ligados à patogenicidade e virulência da bactéria, capazes de gerar informações fundamentais para o combate e a erradicação do cancro cítrico.
Inovação nas bibliotecas Em certa medida, o Genoma-Xanthomo
nas já começou e é por isso que figura há algumas semanas na base de dados do TI G RThe lnstitutefor Genoma Research, instituição dirigida pelo conhecido pesquisador norte-americano Craig Venter. Os dois laboratórios centrais do projeto já estão definidos: o dos professores Fernando Reinach,Ana Cláudia Rasera, Ronaldo Quaggio e Shaker Chuck Farah, no Instituto de Química da USP, e o Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular, do professor JesusAparecido Ferro, no Departamento de Tecnologia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinária da Unesp de Jaboticabal. Está definido também que, nacoordenação de infonnática, atuará o Laboratório de Bioinfonnática da Unicamp, dos pro-
Região Nobre da Citricuttura do cancro cítrico até maio de 1999
da com a causadora do cancro cítrico. Além da decifração do código genético do microorganismo, o projeto, do mesmo modo que foi feito no caso da Xylella , vai abrir-se para um chamado Genoma Funcional, no momento em que se tiver resultados significativos do seqüenciamento. Isso quer dizer que, mais adiante, a FAPESP lança um novo braço do Genoma-Xanthomonaspara acolhere financiar projetos de
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Devem ser feitas ainda uma biblioteca em bacteriófago, ou seja, um vírus de bactéria, o Fago lambda, contendo fragmentos clonados de até 20 Kb; uma biblioteca de cosmídeos, co"m fragmentos clonados que têm entre 35 e 40 Kb, e, por último, uma de BACs (Bacterial Artificial Chromosome), com fragmentos clonados de até 200 Kb. O último vetor não foi usado no projeto da X .fastidiosa.
Já foi feito, segundo o professor Jesus Ferro, o seqüenciamento de 1.000 clones da biblioteca randômica em Jaboticabal e São Paulo. Essas seqüências estão sendo comparadas com as do Gen Bank, dos Estados Unidos e com as do banco de dados daXylella, para verificação de homologias. Ressalte-se que existem até o momento apenas 29 genes já conhecidos de Xanthomonas axonopodis pv citri.
Jesus Ferro e Ana Cláudia Rasero: novo projeto tem alta relevância cientifica, biológica e econômica
Afora a mudança estratégica que está articulada com a composição das bibliotecas, a outra inovação do Projeto Xanthomonas em relação ao daXylella, será a tentativa de fazer seu seqüenciamento em larga escala, a um custo menor, compatível com o padrão internacional (US$ I por par de base), graças ao aumento de capacidade de processamento das máquinas já existentes. Essa otimização operacional, em paralelo à competência técnica
fessores João Meidanis e João Setúbal, o mesmo que já vem exercendo essa função nos projetos GenomaXylella e Genoma-Cana.
Para fazer o seqüenciamento, os pesquisadores utilizarão o material contido em quatro bibliotecas de DNA, e esse é precisamente um dos pontos em que o projeto da Xanthomonas avança em relação ao da Xylella. "A estratégia agora é diferente, porque vamos tentar obter muito mais seqüências menores de clones ao acaso, para depois ancorar as seqüências maiores entre as ilhas que devem se formar, e assim completar o seqüenciamento da bactéria", explica o professor Jesus Ferro. Dessa forma, espera-se que o problema dos gaps entre seqüências, que foi um grande desafio nas fases finais de seqüenciamento da Xylella , seja bastante reduzido.
A primeira biblioteca, a randômica (palavra que se refere exatamente a processo aleatório), já foi construída nos dois laboratórios centrais, com recursos remanescentes do
projetodaX),fella. Ela foi elaborada a partir do DNA total da bactéria, isto é, o genômico e o plasmidial , que foi fragmentado ao acaso, em pedaços contendo de 2 mil a 4 mil pares de base (ou 2 a 4 quilobases, Kb), e clonados em seguida, constituindo os plasmídeos.
CLASSIFICAÇÃO DOS FOCOS- 1996 a 1999
FOCOS NOVOS PROPRIEDADES 1996 1997 1998 Pomares Domésticos 17 80 151 Pomares Comerciais 14 51 119 SUBTOTAL 31 131 270
RECONTAMINAÇÕES PROPRIEDADES 1996 1997 1998 Pomares Domésticos o 18 42 Pomares Comerciais 14 41 145 SUBTOTAL 14 59 187 TOTAL 45 190 457
1999 (23105)
137 129 266
1999 (23105)
10 73 83
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A nova explosão do cancro cítrico tirar o sono dos produtores. Em 1999, depois de ter produzido prejuízos deUS$ 500 milhões no ano anterior, intensificou violentamente sua escalada: de 1° de janeiro até 23 de maio foram registrados pelo Fundecitrus 266 focos novos e 83 focos de recontaminação, em 77 municípios do Estado (veja gráfico). Para efeito de comparação, registre-se que nesse momento, nos Estados Unidos, há apenas 4 focos confirmados da doença e o governo já destinou uma verba de US$ 25 milhões para o controle do cancro.
Trabalhar num projeto de pesquisa ligado ao cancro cítrico é, para a FAPESP, uma espécie de reencontro com os primórdios de sua história. Em 1963, quando a Fundação mal completara um ano de funcionamento, a doença se alastrava e ameaçava dramaticamente a jovem agroindústria da laranja no Estado de São Paulo. E foi nesse momento que ela concedeu o primeiro auxílio para os estudos de controle do cancro, realizados no Instituto Biológico sob a direção da doutora Victoria Rosseti. Daí até 1985, sucederam-se os auxílios para projetos de pesquisa coordenados pela doutora Victoria (14), para publi· cações científicas, apresentação de trabalhos em reuniões internacionais, visitas a outros centros de pesquisa, publicações científicas e bolsas para pesquisadores. Os investimentos da FAPESP nesse campo totalizaram US$ 5 milhões.
Em 1985, considerava-se a doença praticamente erradicada, e a Campanha Nacional de Erradicação do Cancro Cítrico, lançada 11 anos antes, completamente vitoriosa. O Fundecitrus, criado para a defesa da citricultura, transformara-se numa insti· tuição sólida e eficiente, e a doutora Rosseti era reconhecida como a excepcional especialista em do· enças de citros, que desenvolvera um programa de trabalho fundamental para a erradicação e o contro· ledo cancro, sem deixar de pesquisar outros males das laranjeiras. Mais: a citricultura transformara-se numa das principais atividade sócio-económicas do Estado, e numa das muito importantes para a pauta de exportações brasileiras.
Mas, a natureza faz suas surpresas: o cancro começou a dar sinais de seu reaparecimento em 1994 e, em 1997, já não deixava dúvidas de que pretendia
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O plano de combate, com varredura de cerca de 150 milhões de pés de laranja em São Paulo, sob o comando do Fundecitrus, já começou. O governo federal liberou no começo de abril R$ 5 milhões, de um total de R$ 17 milhões prometidos para este ano. O setor privado deverá gastar mais R$ 30 milhões. E a FAPESP volta a esse cenário no campo que lhe é próprio: financiando pesquisas que, talvez, possam transformar o cancro, dentro de alguns anos, num inimigo eliminado.
propiciada pelo trabalho com a Xylella, torna possível que o projeto daXanthomonas tenha um custo previsto equivalente a quase um terço daquele, embora o microorganismo causador do cancro cítrico, com cerca de 5 milhões de pares de base e estimados 4 mil genes, tenha o dobro do tamanho do agente da praga do amarelinho.
Virulência espantosa De certo modo será impossível falar
nos próximos meses da Xanthomonas sem recorrer ao conhecimento já acumulado sobre a X fastidiosa. Na verdade, as duas bactérias são muito semelhantes e essa foi a principal razão científica do novo projeto (a outra razão determinante é econômica, ou seja, a bactéria em questão é causadora de um problema de enorme relevância econômica para o país). A comparação entre os dois genomas, prevêem os pesquisadores envolvidos com o projeto, permitirá certamente avanços significativos no conhecimento de ambos.
Mas, além disso, o novo projeto tem uma relevância considerável do ponto de vista biológico, porque o gêneroXanlhomonas infecta várias outras culturas, como a do feijão (X a. pv phaseolis ), a do arroz (X a. pv o1 yzae) e a do maracujá(X a. pvpassijlora) . "Todas as espécies são muito semelhantes, e o estudo de uma delas permitirá conhecer um pouco todas as outras", diz o professor Jesus Ferro. O fato é que, em termos científicos, o Bras i I está construindo uma situação singular no conhecimento genõmico de fitopatógenos , e alçando-se a uma posição especial no campo do genoma de bactérias, a cuja pesquisa, por enquanto, só oito países vêm se dedicando. Entre eles, encontra-se o Japão, com quem o Brasil passa a estarem condições de igualdade nessa área,já que ambos contam com dois projetas.
"Depois do estudo de dois agentes causadores de importantes doenças da laranjeira, é natural que, em futuro próximo, o Programa Genoma parta para a pesquisa genômica da própria planta", prevê o diretorcientífico da FAPESP, professor José Fernando Perez. Nada a estranhar, quando no programa já está em desenvolvimento a pesquisa genômica da cana-de-açucar, outra planta de decisiva importância econômica para o Estado de São Paulo.
Se aXfastidiosa e aXanthomonas axonopodis pv c i/ri são semelhantes, a virulência da segunda é, no entanto, muito maior. Isto porque a bactéria que a provoca é transmitida pelo ar, pelo saco de coleta, pelos engradados utilizados na colheita, pela roupa do trabalhador, pela rodado caminhão que transporta os frutos colhidos.
Bem controlado até 1997, o cancro cítrico explodiu a partir daí (ver box), no rastro do aparecimento da lagarta ou larva minadora na área de plantio. Essa larva do inseto Phyllocnistis cifre/la abre uma lesão na folha, principalmente, mas também nos ramos das
vegetações novas e em frutos, e é essa lesão que serve de porta de entrada àXanthomonas. A partir daí, ela vai fazendo seu caminho de minas (ou túneis) na laranjeira e em outros
citros que atingir. Suspeita-se hoje que o Phyl/ocnislis cilrella adulto carrega a bactéria e transmite o cancro - mas por enquanto (sso é apenas uma suspeita.
Os laboratórios do Genoma Câncer Coordenador de DNA:
Andrew John George Simpson, Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer
Laboratórios Associados de Bioinformática: 1. Aline Maria da Silva, Bioquímica/Instituto de Química/USP 2. Antonio Carlos Cassola, Depto. Fisiologia e Biofísica, lnst.Ciências Biomédicas/USP 3.1gor Polikarpov, Grupo de Cristalografia de Proteína, Lab. Nacional Luz Síncrotron, CNPq/LNLS 4. Jesus Aparecido Ferro, Fac. Ciências Agrárias Veterinárias Jaboticabai/UNESP 5. João Carlos Setúbal, Instituto de Computação/UNICAMP 6. Milton Faria Júnior, Departamento de Química, Física e Matemática /Unaerp 7. Nancy Amarai Rebouças, Instituto de Ciências Biomédicas/USP 8. Richard Charles Garra!!, Departamento de Física e Informática, São Carlos/USP 9. Roy Edward Larson, Dept. Bioquímica- Fac. Medicina Ribeirão Preto/USP
Laboratórios Centrais e Laboratórios de Seqüenciamento:
Centro de Seqüenciamento 1 -Instituto de Química/USP Coordenador: Sérgio Verjovski Almeida
Laboratórios de seqüenciamento ligados a este centro: •Arthur Gruber- Patologia, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia/USP •Edna Teruko Kimura- Histologia e Embriologia, Instituto de Ciências Biomédicas/USP •Hamza Fahmi Al i EI Dorry- Bioquímica, Instituto de Química/USP •Mari Cleide Sogayar- Bioquímica, Instituto de Química/USP
Centro de Seqüenciamento 2- Esc. Paulista de Medicina/UNIFESP Coordenador: Marcelo Ribeiro da Silva Briones
Laboratórios de seqüenciamento ligados a este centro: • Ismael Dale Cotrim G.Silva- Biologia Molecular/Ginecologia/UNIFESP •João Bosco Pesquero- Biofisica/UNIFESP •Luís Eduardo Coelho Andrade- Medicina/UNIFESP •Rui Monteiro de Barros Maciel- Endocrinologia Molecular/Medicina/UNIFESP
Centro de Seqüenciamento 3- Faculdade de Ciências Médicas/UNICAMP Coordenador: Fernando Ferreira Costa
Laboratórios de seqüenciamento ligados a este centro centro: •Christine Hackel- Genética Médica/Faculdade de Ciências Médicas/UNICAMP •Gonçalo Amarante Guimarães Pereira- Genética/Instituto de Biologia/UNICAMP •Helaine Carrer- ESALQ/USP • •Maria de Fátima Sonati- Patologia Clínica/UNICAMP
Centro de Seqüenciamento 4- Faculdade de Medicina/USP Coordenador: Maria Aparecida Nagai
Laboratórios de seqüenciamento ligados a este centro: •Angelita Habr Gama-Gastroenterologia/FMUSP •Daniel Giannella Neto- Endocrinologia/FMUSP •Eiizabeth A.L.Martins- Biotecnologia/ Instituto Butantan/SSSP •Suely Kazue Nagahashi Marie -Neurologia/FMUSP
Centro de Seqüenciamento 5- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP Coordenador: Marco Antonio Zago
Laboratórios de seqüenciamento ligados a este centro: •Enilza Maria Espreafico- Morlologia/FMRP/USP •Gustavo H. Goldman - Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCFRP)/USP •Maria Luisa Paco-Larson- Morlologia/FMRP/USP •Vanderlei Rodrigues- Parasitologia/FMRP/USP
Centro de Seqüenciamento do Estado -lnst. Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer Coordenador: Andrew J.G. Simpson
Laboratórios Centrais do Estado: •Eioiza Helena Tajara da Silva- IBILCE/UNESP •Maria Inês de Moura Campos Pardini-Hemocentro/Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP •Marina Pasetto Nóbrega -Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, IPED/UNIVAP • Sandra Roberto Valentini - Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara/UNESP • Silvia Regina Rogatto- Genética/Instituto de Biociências de Botucatu/UNESP
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CIÊNCIA
NOVOS MATERIAIS
No coração da estrutura Lentamente, o enorme jumbo, repleto de
passageiros e carga, começa a rolar pela pista. Ganha velocidade até que, finalmente, suas rodas deixam o solo e o avião eleva-se no ar. Começa uma longa viagem, sem escalas, rumo à Europa ou à América do Norte. Há 30 anos, uma viagem dessas levaria muito mais tempo. Os aviões eram mais lentos, tinham alcance inferior, fazendo várias escalas antes de chegar ao seu destino, consumiam mais combustível e transportavam muito, muito menos passageiros. Esse enorme progresso da tecnologia se deve, em grande parte, à ciência dos materiais. Os aviões comerciais conseguem essa performance, em grande parte, porque são feitos de ligas cada vez mais leves e resistentes. Se fossem feitos do mesmo aço do seu automóvel, teriam autonomia de vôo muito menor.
As ligas leves de alumínio usadas nos aviões comerciais estão entre os exemplos mais citados das recentes conquistas da ciência dos materiais. Mas não estão sozinhas. Em praticamente todas as áreas, estão aparecendo novos materiais, que aliam resistência cada vez maior com peso cada vez menor. Para chegar a isso, é necessário um enorme esforço de pesquisa. Inclusive na redução das dimensões de alguns dos componentes das estruturas internas dos materiais, de tal maneira que, em vez de mícrons, eles passam a ser medidos em nanômetros, a bilionésima parte do metro. Alterando-se a microestrutura dos materiais e combinando novos compostos de diversas formas, chega-se a novos materiais, cada vez mais fortes e resistentes. Como, por exemplo, os materiais nanoestruturados.
Por enquanto, essas novas ligas superresistentes ainda não têm aplicação comercial. Mas isso não impede que o desenvolvimento dos materiais nanoestruturados seja uma das áreas mais importantes da pesquisa fundamental e tecnológica dos últimos anos. Investigadores brasileiros estão no mesmo ritmo dos maiores centros mundiais de pesquisa na área, como Estados Unidos, Alemanha e Japão, especialmente na área de Engenharia de Materiais. Há cerca de dez anos, pesquisadores do Departamento de Engenharia de Materiais do Centro de Ciências Exatas e Tecnologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) desenvolvem importantes trabalhos para a obtenção de novas microestruturas não convencionais.
Um dos exemplos desses trabalhos é o projeto temático Transformações de fases em nanoestruturas e desenvolvimento de nanocompósitos cerâmicos e metálicos, iniciado em setembro de 1996. Coordenado pelo pro-
fessor Walter José Botta Fi lho, com a colaboração dos professores Roberto Tomasi, que age como vi ce-coordenador, e Cláudio Shyinti Kiminami, o grupo da UFSCar pesquisa metais e cerâmicas e já chegou a vários nanocompósitos, como, por exemplo, em ligas de alumínio com valores de propriedades mecânicas equivalentes aos de aço de alta resistência. Para isso, conta com um financiamento da FAPESP da ordem de R$ 452,4 mil.
"Se levarmos em consideração que o aço pesa três vezes mais que o alumínio, o ganho com as novas ligas é enorme", diz o professor Botta. A escolha do alumínio não se deu por acaso. É um dos metais mais abundantes da face da Terra, sendo mais encontrado até que o ferro, é relativamente barato e, de saída,já é bastante leve. Os novos materiais pesquisados em São Carlos ainda não foram produzidos em grande volume. O custo disso seria altíssimo. Mas sua simples obtenção e o fato de eles estarem disponíveis, se um dia forem necessários, já é um feito e tanto.
Grãos ultrafinos Para a obtenção dos novos materiais, os
pesquisadores tentam controlar todas as etapas de desenvolvimento da microestrutura, incluindo a própria composição dos materiais. Na microestrutura, ou estrutura interna dos materiais em nível microscópico, existem componentes cristalinos, presentes na maioria dos metais, ou amorfos, muito encontrados em vidros e plásticos. Esses componentes podem aparecer em volumes homogéneos e contínuos, como grãos, partículas, fibras, plaquetas e agulhas, entre outras formas. O tamanho varia de poucos micrômetros a pou-
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cos milímetros. A novidade, nos materiais nanoestruturados, é a capacidade de reduzir o tamanho de alguns dos componentes estruturais a partículas ainda menores, os na nos. Eles então podem ser combinados, de modos diferentes, para desenvolver novos materiais com novas propriedades.
"Está comprovado que o refino dos grãos, no caso dos materiais cerâmicos, proporciona ganhos em resistência à abrasão, em dureza e em resistência ao impacto", diz o professor Botta. "Ou seja, uma peça, nessas condições, terá durabilidade muito maior", completa. Porque isso acontece? As explicações ainda não são muito claras. "Os mecanismos associados às melhoras de propriedades desses materiais ainda estão em discussão", continua. "Talvez haja uma contribuição importante no processamento de pós-nanométricos, ou ultrafinos, devido à elevada área superficial."
Um artigo publicado na revista científica Nature em abril de 1994 mostra que as ligas de alumínio nanoestruturadas têm diversas vantagens com relação à resistência quando comparadas com ligas de alumínio normais. "As ligas nanoestruturadas obtidas por meio do resfriamento rápido têm resistência extraordinariamente alta, devido à presença de um volume entre 20% e 25% de partículas de alumínio cristalino numa matriz amorfa", indica a revista.
Ligas de ferro Além das ligas de alumínio super-resis
tentes, os pesquisadores de São Carlos também estão desenvolvendo novas ligas à base de ferro. Chegaram a novas ligas com pro-
priedades magnéticas consideradas excelentes. "Agora, estamos buscando novas composições, mais resistentes aos efeitos da corrosão", diz o professor Botta. Esses materiais podem ter aplicação prática mais rápida. Eles possuem grande potencial para a fabricação dos magnetos moles, os sensores magnéticos usados para protegerCDs, livros e outros produtos contra fut1os em lojas, bibliotecas, etc. "Esses sensores já são feitos com ligas de ferro amorfas, mas já se comprovou que, obtidos de uma liga submetida ao processo de nanocristalização, suas propriedades são bem melhores", afirma o pesquisador.
Na área das cerâmicas, a equipe de São Carlos já controla processos para a obtenção de diversos tipos desses materiais, inclusive na forma de pós ultrafinos. "Agora, estamos em uma fase adiantada do estudo da sinterização (o processo pelo qual as partículas são consolidadas) desses pós", revela o professor Botta. Esses nanocompósitos têm enorme potencial de utilização, devido à sua alta resistência a temperaturas muito elevadas e ao desgaste. Podem ser usados, por exemplo, na fabricação de ferramentas de corte, a partir de uma mistura de diversos componentes cerâmicos e metálicos. As ferramentas feitas dessa maneira serão muito mais resistentes e duráveis que as atualmente utilizadas.
Para chegar a esse ponto, os pesquisadores primeiro produzem materiais que não poderiam ser obtidos através de processos convencionais. Então, são estudadas as características desses materiais, além das novas fases que vão sendo formadas quando são dadas condições para o seu retomo à condição de equilíbrio. Um exemplo é o trabalho com o vidro
metálico (ou fitas metálicas), uma das principais áreas de aplicação do projeto temático.
Numa situação normal, ou estável, o metal é cristalino. Mas, quando se submete um metal em estado líquido a um processo não convencional, como o resfriamento rápido, ele pode transformar-se num metal amorfo, assumindo, assim, uma condição metaestável com relação à sua condição de equilíbrio. Aliás, casos semelhantes ocorrem no dia-adia. Se você esquecer uma latinha de cerveja no freezer, a bebida pode até permanecer em estado líquido, mesmo abaixo da temperatura de solidificação. Mas basta um choque mínimo, uma aplicação qualquer de energia, para que ela congele, ou seja, passe para a sua condição de equilíbrio para as condições de temperatura imperantes.
O resfriamento rápido vem sendo bastante usado em São Carlos para obter fases amorfas dos metais. Para produzir pós, são usados outros processos, como a atomização, a moagem de alta energia e a precipitação química. Depois disso, como segundo passo, os pesquisadores caracterizam os resultados obtidos em cada processo, usando a difração dos raios X e a microscopia eletrônica para medir os tamanhos das partículas, observar suas formas e analisar sua composição.
Última geração Poucas dessas atividades seriam possí
veis sem o uso de equipamentos cada vez mais sofisticados. O enorme desenvolvimento da microscopia eletrônica nas últimas décadas, por exemplo, foi essencial para o estudo dos materiais nanoestruturados. Um microscópio óptico pode aumentar um objeto cerca de duas
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mil vezes; um microscópio eletrônico de alta resolução pode ampliá-lo até um milhão de vezes. As pesquisas com novos materiais envolvem ainda outros equipamentos de última geração, como fomos de alta temperatura para sinterização a vácuo, sistemas de análise térmica, moinhos para a fabricação de pós, aparelhos do tipo melt-spinning para solidificação rápida e prensas a quente.
"A partir daí", conta o professor Botta, "conhecendo as nanoestruturas metaestáveis, estudamos a volta do material ao equilíbrio, à sua condição estável". A forma como ocorre o retomo e o controle da microestrutura final estão entre as principais preocupações dos pesquisadores. Existem diversas técnicas para esse trabalho. Mas, para a compreensão das transfom1ações que vão ocorrendo durante o retorno ao equilíbrio, uma, a calorimetria diferencial de varredura, tem relevância particular.
Para o coordenador, esse é o momento mais importante do trabalho. Entendendo as transformações que ocorrem nos materiais metaestáveis, é possível interferir no processo de retorno e detê-lo num ponto determinado, definindo a microestrutura final do material. Na prática, o procedimento pode ser bem complexo. Os vidros metálicos, por exemplo, exigem um processo de recozimento para a cristalização, que deve ser interrompido no momento adequado.
A intervenção para a melhoria das propriedades do material também não é rotineira. "Por exemplo, no caso das ligas metálicas, por meio da escolha de elementos e composições adequadas, pode-se obter, durante a cristalização, uma alta freqüência de nucleação de uma fase primária e uma baixa taxa de crescimento", exemplifica o professor Botta. Desse modo, pode-se gerar uma dispersão de nanopartículas, no alumínio e no ferro. A matriz residual, enquanto isso, se mantém amorfa. Muitas vezes, conseguem-se assim melhores propriedades magnéticas ou mecânicas do material.
"O projeto temático tem obtido resultados animadores, equivalentes aos apresentados pelos grupos de estudo mais importantes da área", afirma o coordenador. O término do trabalho está previsto para agosto do próximo ano. O grupo que trabalha na pesquisa inclui sete professores do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, quatro pesquisadores em nível de pósdoutorado, 16 alunos de pós-graduação e 14 de graduação. Os resultados já começaram a aparecer. Até agora, já foram concluídas três teses de doutorado e três dissertações de mestrado a partir da pesquisa.
Perfil O pesquisador Walter José Botta Filho, 44 anos, for· mou-se em Engenharia de Materiais pela Universidade Federal de São Carlos, onde é professor adjunto. É doutor em Ciências de Materiais pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, e fez pós-doutorado no Instituto Nacional Politécnico de Grenoble, na França.
PESQUISA
Que tal um abacaxi com quase o dobro do teor de açúcares dos abacaxis com os quais você está acostumado? Um abacaxi menor, com cerca de I kg, mais apropriado a esta época de famílias menores? Que pode ser tirado mais maduro da terra e, portanto, ainda mais doce, pois tem casca resistente e suporta em boas condições a prateleira do supermercado até 12 dias depois de ser colhido? E que, ainda por cima, pode ser consumido aos gomos, como se fosse uma jaca? Prepare-se. É possível que ainda este ano você encontre os primeiros exemplares nas prateleiras dos supermercados. E, depois, muito mais. Os técnicos calculam que dentro de poucos anos, quando houver mudas disponíveis, o novo cultivar de abacaxi , chamado IAC Gomo-de-Mel , será responsável por pelo menos 20% da produção brasileira da fruta.
"A polpa do abacaxi gomo-de-mel tem coloração amarelo-ouro, textura macia, baixa acidez e doçura acentuada, qualidades ftmdamentais para o consumo de mesa", diz o agrônomoJoséAifredo Usberti Filho, do Instituto Agronómico de Campinas (IAC), oresponsável pelo novo cultivar (antes, Usberti tinha lançado também novos cultivares de capim-colonião e de arroz). Com relação à doçura, pelo menos, ele é imbatível. Além de ter menos acidez que as variedades mais comuns, seu teor de brix, uma maneira de medir a proporção de açúcares numa fruta, che-
AGRONOMIA
Doce novidade ga a 20,9%. No caso do cultivar pérola, essa proporção é de li ,9%, e, no caso do cultivar smooth cayenne (também chamado de havaí e bauru), é de 13,5%. Essas duas são as variedades mais plantadas atualmente no Brasil.
O novo cultivar apareceu quase por acaso. A pesquisa que levou ao gomo-de-mel , Avaliação Final de Híbridos lntraespecificos de Abacaxi e de Abacaxi de Gomo Visando a Eleição do Novo Cultivar com Características M01joagronômicas e de Qualidade de Produto Desejáveis, surgiu como decorrência de outro trabalho, iniciado em 1991 , no qual os investigadores do IACtentam fonnar um novo cultivar resistente à fusariose , uma das principais doenças da planta. Essa pesquisa é chamada Melhoramento Genético do Abacaxi (Ananascomosus L.) Visando Resistência à Fusariose e Melhor Qualidade de Produto Final, A través de Hibridação Intraespecifica. A FAPESP colaborou com R$ 60 mil para os dois projetos. A empresa de sementes Matsuda, da cidade de Alvares Machado, entrou com mais R$ I 00 mil.
Desde 1991 O novo abacaxi resistente à fusariose
também está a caminho. Os técnicos do IAC pretendem colocar as primeiras mudas à disposição dos agricultores a partir do ano que vem. É dinheiro bem gasto. A fusariose, ou gomose, doença provocada pelo fungo Fu-
O Gomo-de-Mel: abacaxi muito mais doce e que pode ser dividido em gomos, como a jaca
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sarium moni/iforme, que mata a planta ou pelo menos prejudica o fruto , é um dos responsáveis por São Paulo produzir apenas 5% dos abacaxis que consome. A fusariose não ocorre só no abacaxi. Aparece em vários outros tipos de plantas cultivadas e mesmo em ervas daninhas. Por isso, ainda não se conseguiu controlar a doença por meios químicos ou de cultura. A solução mais viável parece ser mesmo o desenvolvimento de um cultivar resistente.
Usbetii e sua equipe vêm tentando isso desde 1991 . Ele conta com a colaboração de cinco pesquisadores do lA C e das infra-estruturas dos laboratórios do !AC em Campinas e em Registro e do laboratório da empresa Matsuda em Álvares Machado, no Oeste do Estado. Para fazer os cruzamentos destinados a encontrar um cultivar resistente à fusariose, o grupo usou os recursos genéticos do banco de germoplasma do IA C. Lá, está material de propagação de cultivares de abacaxi vindos das mais diversas partes do mundo.
Entre esse material , estava um conjunto de sementes vindas do outro lado do planeta, da China. Essas sementes têm uma história curiosa. Um pesquisador de origem chinesa que trabalhava na Bioplanta, uma subsidiária da Souza Cruz, trouxe da China cerca de mil sementes de abacaxis resultantes de cruzamentos naturais. Quando sua empresa fechou, ele doou todo esse material ao lA C.
As sementes chinesas entraram na pesquisa sobre a fusariose e quando se fez a primeira colheita, em 1994, os pesquisadores do IAC notaram um cultivar cujos frutos eram de altíssima qualidade. "Enviamos o material ao Instituto de Tecnologia deAiimentos (!tal), aqui em Campinas, e os resultados das análises chamaram a atenção", lembra Usberti. Nenhum outro cultivar do lote era semelhante. De todos os tipos originários das sementes chinesas, só aquele tinha a qualidade excepcional que levou ao gomode-mel.
Os pesquisadores elaboraram então o novo projeto de pesquisa, que foi sendo tocado paralelamente aos estudos sobre a resistência à fusariose. Em 1996, com uma nova colheita, foi possível fazer as
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comparações em laboratório entre o novo cultivar, então chamado de abacaxi-da-China, e os abacaxis comuns. No lançamento, em fevereiro deste ano, o cultivar foi batizado como IAC Gomo-de-Mel. Tradicionalmente, os cultivares lançados pelo Instituto levam a sua sigla como parte do nome oficial.
Como o papaia Quando for levado à mesa, o gomo-de
mel não precisará ser descascado. A polpa pode ser dividida com a mão, como uma jaca, pois é formada por diversos frutilhos. Basta partir a fruta pela metade e ir retirando os gomos. Ou, se o consumidor preferir, usar a fruta da maneira tradicional, em fatias. A fruta é arredondada e pesa cerca de I kg, enquanto os cultivares tradicionais pesam mais que o dobro. Como tem a casca bem resistente, pode ser colhido maduro - as variedades tradicionais são colhidas antes do ponto ótimo, o que diminui ainda mais seu teor de açúcar. Os testes indicam que o novo cultivar tem uma vida de prateleira de até 12 dias.
Usberti acredita que o gomo-de-mel representará, para o abacaxi , o mesmo que o papaia significou para o mamão, uma alternativa que, além de muito saborosa, é indicada para o consumo individual ou de pequenas famílias. Seu cálculo é de que, a rnédio prazo, ele atingirá 20% da produção brasileira, hoje na casa de I ,6 milhão de toneladas por ano. Apesar de o Brasil ser um dos berços do abacaxi - a planta, da família das bromeliáceas, a mesma dos caraguatás usados em decoração, é originária das bacias dos rios Paraná e Paraguai -, ele não é o maior produtor mundial. Está apenas em segundo lugar. A liderança cabe à Tailândia, com quase 2 milhões de toneladas por ano. A produção mundial é de cerca de 12,8 milhões de toneladas por ano.
"A procura por um abacaxi de mesa é muito grande", diz Usberti. Mesmo com o novo cultivar ainda nos seus estágios iniciais, já existem pedidos de empresas exportado-
ras, que pretendem vender, no mínimo, 300 mil frutos por mês fora do Brasil. Assim, a tendência pode ser de que o novo cultivar venha a dominar o consumo do abacaxi como fruta fresca , ficando os outros culti-
vares para a industrialização, na forma de suco ou compotas.
As mudas do novo cultivarjá estão sendo multiplicadas pelo processo in vitro, nos laboratórios do IAC e da Matsuda. A empresa de sementes tem prioridade na comercialização, pois participou da pesquisa e, além disso, já tem material genético em seu poder. Até o fim de 1999, calcula-se que a Matsuda produzirá I ,5 milhão de mudas e o IA C, outras 500 mil. Muito pouco do ponto de vista comercial. Usam-se cerca de 50 mil mudas no plantio de um hectare de abacaxi.
O grande salto virá de cerca de I 00 produtores rurais, na maioria da região de Presidente Prudente, os mesmos que pretendem colocar, em dezembro deste ano, os primeiros frutos no mercado. É que, além dos frutos, eles pretendem usar as mudas produzidas pelas próprias plantas para aumentar sua área de plantio ou vendê-las a outros produtores. Não será pouca coisa. Os agricultores conseguem tirar até 15 mudas de cada planta no campo. Provavelmente, não vai demorar muito até que o gomo-de-mel chegue, também, à sua mesa.
Perto da solução O maior produtor brasileiro de abacaxi
é Minas Gerais. Produz 523 mil toneladas por ano. Depois, vem a Paraíba. Comercializa 177 mil toneladas por ano. São Paulo produz apenas 5% do que consome: 42 mil toneladas por ano, especialmente nas regiões deAraçatuba, Bauru, Marília e São José do Rio Preto. Se o abacaxi surgiu aqui perto, na bacia do Paraná, e São Paulo tem solos arenosos, próprios para a lavoura, além de ser campeão na produção de suco concentrado orientado para a exportação, por que produz tão pouco? Em grande parte, por causa da fusariose .
"Os problemas provocados pela fusarióse continuam a prejudicar o desenvolvimento da cultura do abacaxi no Brasil e são mais graves, talvezporcontadoclima, em São Paulo", diz o agrônomo Usberti. O fungo, quando não mata a planta, inutiliza o fruto. Ele também aparece na Paraíba, mas em escala bem menor. Em São Paulo, inclusive, já surgiram raças fisiológicas, ou mutações do fungo. Em grande parte por culpa dele, o plantio do abacaxi , em São Paulo, tomou-se ati vidade itinerante. Há 15 anos, o centro da produção era a região de Bauru. Hoje, ele está em Araçatuba, onde a fusariose , aliás, é cada vez mais encontrada nas plantações.
Para chegar a uma variedade resistente ao Fusarium, os pesquisadores do IAC fizeram vários cruzamentos e plantaram sementes de diversas partes do mundo. Para evitar contaminação por outros tipos de fungos, a multiplicação das plantas foi feita in vitro. Cada uma, então, foi inoculada com o fungo. As que desenvolveram a doença foram eliminadas. As outras foram submetidas a uma segunda inoculação. As que sobreviveram foram levadas para o campo.
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"Hoje, já temos 60 variedades híbridas, altamente resistentes à doença", narra Usberti. Os pesquisadores estão trabalhando principalmente com uma delas, uma variedade semelhante ao cultivar pérola, com resistência à doença, boa produção, tolerante ao plantio adensado, o que significa maior produção por hectare, e uma vantagem a mais: folhas lisas, quase sem espinhos. Em teor de doçura, chega a atingir os 20 graus brix do gomode-mel. Mas o resultado é inferior, pois tem também um teor de acidez muito maior.
Logicamente, Usberti e sua equipe não estão satisfeitos. Já estão preparando outro projeto de pesquisa, desta vez para desenvolver um abacaxi de gomos que seja também resistente à fusariose. "O gomo-de-mel tem resistência moderada aos nematóides, mas é suscetível à fusariose", diz o pesquisador. O trabalho já começou, com cruzamentos entre o gomo-de-mel e as variedades roxa-de-tefé, da Amazônia, e perolera, da Colômbia. O próximo passo será o plantio das sementes.
Perfil:
José Alfredo Usberti Filho, 54 anos, é formado em agro· nomia pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), de Piracicaba. Desde 1968, é pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), onde trabalhou com melhoramento genético de arroz, milho, capim-colonião e, desde 1991, abacaxi. Tem doutorados em Genética e Melhoramento Vegetal , obtido em 1973 na Esalq, e em Ecologia de Plantas Forrageiras, obtido em 1978 na Universidade da Califórnia, em Davis. É responsável por três novos cultivares de capimcolonião, IAC Tobiatã, IAC Centenário e IAC Centauro, este mais apropriado para cavalos, e por dois cultivares de arroz, o IAC 165, para plantio de sequeiro, e o IAC 4440, para plantio irrigado.
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
EMBALAGEM
Poupando recursos
Quanto, realmente, de recursos naturais consome um produto para chegar ao consumidor? Ou, talvez mais importante, qual o impacto na natureza da fabricação e descarte daquela parte que às vezes é tão ignorada, a embalagem? Não é coisa que se despreze. Mesmo os produtos classificados apenas como ecologicamente corretos, ou seja, que podem ser reciclados ou não poluem os rios, estão com os dias contados. As novas normas que surgem no comércio internacional exigem muito mais que isso, o controle do impacto ambiental de cada etapa da produção. Já há sinais firmes de que essa é uma tendência do futuro. Os países da Comunidade Européia, por exemplo, só compram polpa de papel de países que comprovadamente usam comedidamente os recursos naturais. Os exportadores brasileiros já passaram nesse teste.
Agora, é a vez dos fabricantes brasileiros de embalagens. Seu principal instrumento é um estudo que está nos estágios finais, conduzido por especialistas do Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea) do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), de Campinas. A pesquisa, que deve ficar pronta em outubro deste ano, vai indicar medidas estratégicas a serem tomadas para reduzir o impacto ambiental da fabricação de embalagens de plástico, vidro, madeira, alumínio e papel. Chamado Análise do Ciclo de Vida de Embalagens para o Mercado Brasileiro, o trabalho, iniciado há dois anos, teve financiamentodeR$231 mildaFAPESPedeR$425 mil de um convênio de associações e empresas fabricantes de embalagens, representadas pela Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa Agropecuária (Fundepag), e se desen-
volve no âmbito do Programa de Parceria em Inovação Tecnológica (PITE), da FAPESP
E a primeira vez que o setor de embalagens realiza um estudo tão abrangente. Ele segue, inclusive, um método de diagnóstico e de planejamento de produtos com reconhecimento mundial, a Análise do Ciclo de Vida (ACV). "Estamos mudando a avaliação subjetiva ou orientada apenas para um ponto do processo de produção de embalagens, para uma visão mais ampla e consistente do ponto de vista ambiental", diz o engenheiro de alimentos Luis F emando Ceribell i Ma di, coordenador do Cetea e responsável pela pesquisa.
Os efeitos são claros. A partir do estudo do Cetea, as empresas brasileiras de embalagens poderão reivindicar os certificados da série ISO 14000, que reconhecem os esforços feitos pelos fabricantes para reduzir, continuamente, o impacto ambiental de seus processos. Os responsáveis por esses certificados adotam desde 1992 o método ACV como critério de avaliação. Nos próximos anos, sublinha a gerente de embalagens plásticas e meio ambiente do Cetea, a engenheira de alimentos Eloísa Garcia, a exigência desse certificado pode transformar-se numa barreira não tarifária no mercado internacional: poderão circular livremente entre os países apenas produtos que respeitem normas mínimas quanto ao uso de recursos naturais.
Eletricidade As conclusões preliminares formam um
retrato dos pontos positivos e negativos das embalagens brasileiras. Já está claro, por exemplo, que a situação em relação à energia elétrica, um dos principais insumos industriais, é a princípio confortável. No Brasil ,
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predomina a energia gerada por usinas hidrelétricas, de baixo impacto ambiental se comparadas às termelétricas, mais comuns na Europa, que consomem recursos naturais não renováveis, como óleo diesel, carvão ou gás natural. Para amenizar as objeções dos grupos ecologistas internacionais que questionam as áreas alagadas pelos reservatórios das hidrelétricas, os pesquisadores do Cetea adicionaram uma variável nesta análise: o uso da terra.
"O impacto de uma hidrelétrica sobre uma terra urbana, já transformada, é menor que oca usado em uma área de floresta", diz a engenheira Eloísa. Mesmo assim, as termelétricas ainda são mais agressivas à natureza do que as hidrelétricas. "Não há tecnologia inteiramente limpa", observa Fernando von Zuben, diretor de meio ambiente da Tetra Pak, uma das duas empresas participantes do projeto (a outra é a Companhia Siderúrgia Nacional , de Volta Redonda). "Todo processo in-
Decisões em grupo O estudo sobre o ciclo de vida das embala
gens tem um modelo próprio de organização e de planejamento das atividades. Cinco representantes das associações de empresas (de vidro, alumínio, embalagens de PET, papelão ondulado e celulose e papel), dois das indústrias participantes (Tetra Pak e CSN) e a equipe do Cetea do ltal formam o Comitê Diretor, que se reúne a cada dois meses para avaliar ou redirecionar o trabalho. Esses encontros são fundamentais para a pesquisa. Num deles, logo no início do estudo, há dois anos, cada se to r escolheu os tipos específicos de embalagens a serem analisadas. Mais tarde, a adoção do grupo de consultores internacionais, o Critica/ Review, que não constava do planejamento inicial, também passou pela análise do grupo.
"O Comitê Diretor é uma forma de manter o grupo coeso e de facilitar a cole ta de informações, que é a maior dificuldade da análise de ciclo de vida das embalagens", explica Madi, o coordenador da pesquisa. Segundo o engenheiro do ltal, o Comitê pode intervir nos rumos do trabalho, mas não tem o direito de opinar no delineamento do estudo ou na metodologia adotada pelos pesquisadores.
Os participantes do Comitê recebem um relatório dos trabalhos a cada dois meses. No final da pesquisa, devem receber o relatório geral e cada um, separadamente, os setoriaisespecíficos. Cada empresa participante, ao longo do trabalho, também será informada sobre sua contribuição no impacto ambiental da produção de embalagens a que estiver relacionada. "Como este trabalho envolve empresas e setores concorrentes, nunca deixaremos aparecer no conjunto informações individualizadas", diz Madi.
dustrial gera impacto ambiental, maior ou menor", diz ele.
No caso do transporte, que aparece diversas vezes durante a fabricação e a distribuição das embalagens, a situação não é tão tranqüila. Enquanto as empresas da Europa utilizam principalmente o transporte ferroviário ou aquático, as brasileiras se apóiam quase inteiramente no transporte rodoviário. Do ponto de vista ambiental, é uma desvantagem. Comparados com trens ou navios, os caminhões consomem mais óleo diesel, derivado do petróleo, um bem natural cada vez mais escasso, e emitem mais gases, como o monóxido e o dióxido de carbono.
Sete etapas A equipe do Cetea analisou o impacto
ambiental da produção de energia, do sistema de transportes e de um terceiro item, o gerenciamento de resíduos sólidos e tóxicos, ao longo da história de cada embalagem. A trajetória é dividida em sete etapas: a extração da matéria-prima, a fabricação do material da embalagem, a fabricação da própria embalagem, o uso industrial da embalagem, a distribuição, a reciclagem ou a reutilização e o descarte, quando o material é definitivamente eliminado. A visão de conjunto desfaz alguns mitos.
Etapas que se repetem, a exemplo do consumo de água ou de óleo diesel, são mais importantes para a avaliação ambiental do que um item isolado, como a decomposição de materiais, restrita ao capítulo sobre gerenciamento de resíduos. É o caso das garrafas plásticas de polietileno tereftalato (PET), usadas em refrigerantes. Com elas, se reaproveitadas, podem ser feitos fios, tecidos, tapetes ou novas garrafas. "Quando não são reutilizadas, as garrafas são enviadas para aterros e lixões e se mantêm inertes, sem risco de contaminação de lençóis freáticos, solo ou ar", diz Eloísa. "Elas apenas ficam lá."
A amostragem do estudo cobriu 20 sistemas de embalagens de plástico, vidro, a lu-
mínio, madeira e papel, formados pelas próprias embalagens e seus acessórios, como chegam aos consumidores. Caixas de leite e de sucos de frutas e as latas e garrafas de cervejas e refrigerantes são apresentadas nos supermercados em caixas com 6, 12 ou 24 unidades, envolvidas em papelão ondulado e, às vezes, com filmes plásticos de polietileno. Maçãs chegam ao varejo em caixas de papelão, raramente à vista dos compradores. Madi e sua equipe estudaram também embalagens utilizadas em indústrias e na construção civil , como os sacos de 50 kg, feitos de papel kraft, usados em embalagens de cimento.
Centenas de visitas Todo o trabalho realizado pelos sete pes
quisadores da equipe é externo. Eles visitaram e entrevistaram funcionários de cerca de 500 empresas. No caso do cimento, pesquisas em cinco fábricas de papel kraft levaram
O Impacto ambiental da energia elétrica O levantamento do Cetea permite comparar o impacto ambiental causado pelo consumo de energia originada nas usinas hidrelétricas e nas termelétricas. Duas empresas hipotéticas consomem a mesma quantidade de energia (540 quilowatts/hora, associados à produção de 1.000 kg de um determinado tipo de embalagem). O processo da empresa A consome essa energia diretamente do sistema elétrico brasileiro (96,6% de energia de origem hidráulica e 3,4% de origem térmica). O processo da empresa B consome 50% de energia da rede elétrica brasileira e 50% de geração própria (por termelétrica a óleo combustivel).
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Comparando o consumo de recursos naturais ...
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... e as emissões de poluentes
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água ~g) residuo sólido ~g)
a quatro fabricantes de sacos e a II empresas de cimento, usuárias dos sacos. O estudo das embalagens de maçã levou a II fábricas de papel capa, 15 de papel miolo, 17 de papelão ondulado, mais 17 de caixas de papelão ondulado e a 20 centrais de distribuição de produtos hortifrutigranjeiros.
O número de empresas varia de acordo com o tipo de material e de embalagem, mas o desafio é o mesmo: descobrir o consumo de materiais, energia e água, a emissão de gases e a produção de resíduos. Cada tipo de embalagem terá uma análise própria, mas não se pretende chegar a uma pontuação final, que classifique os produtos. Para a equipe do Cetea, comparações são indesejáveis. "Entre uma embalagem de alumínio e outra de plástico, não há uma melhor e outra pior", diz a engenheira Eloísa. Se uma consome bauxita, lembra, a outra usa petróleo. "Todas devem buscar melhorias contínuas", afinna.
O grupo de pesquisa precisou coletar todas as infonnações, pois estatísticas de outros países, neste caso, pouco adiantariam para fonnar um modelo brasileiro. Mas, no campo conceituai , não faltou apoio internacional. O Cetea contou com a consultaria do Pira , um instituto inglês especializado em Análise de Ciclo de Vida, do qual adquiriu o programa Pira Environmental Management System (PEMS), para medir o impacto ambiental a partir das informações coletadas das empresas brasileiras.
Referências importantes para o desenvolvimento do trabalho vieram também da Society of Environmental Toxicology and Chemist1y (Setac), a qual , na década de 80, definiu a metodologia para Análise de Ciclo de Vida. Cumprindo uma recomendação internacional, os resultados apurados são supervisionados por um grupo externo de especialistas, o chamado critica! review, formado por um brasileiro, um alemão e um americano.
As infonnações coletadas e checadas com base nesses critérios poderão ser adotadas ou detalhadas pelas próprias indústrias. "Analisando o ciclo de vida, cada empresa vai conhecere encontraras pontos em que pode melhorar a qualidade dos seus produtos", comenta Ernesto Ronchini Lima, assessor técnico de meio ambiente da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), uma das entidades que patrocinaram a pesquisa. As implicações podem ser ainda maiores. Segundo von Zuben, da Tetra Pak, esse trabalho permitirá não só mapear as necessidades das indústrias como também rever o planejamento estratégico nacional, enfatizando-se, por exemplo, o uso mais intenso de ferrovias .
Perfil: Luis Fernando Ceribelli Madi é graduado em engenharia de alimentos pela Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com mestrado na Escola de Embalagens da Uni~ersidade do Estado de Michigan, nos Estados Unidos. E coordenador do Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea) do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ltal) , onde trabalha desde 1972.
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
ENGENHARIA
O resíduo que vira cimento A cada tonelada de aço produzido nas
usinas siderúrgicas, 330 kg de um resíduo escorre como lava de vulcão, a 1600 °C, das construções de quase 30 metros de altura, os altos-fornos. Resfriado bruscamente, tomase uma espécie de areia. É a escória, formada pela argila do minério de ferro misturada com silício e alumínio. As indústrias siderúrgicas não encontram aplicação para esse material. Afinal , uma usina grande produz cerca de I ,2 milhão de toneladas de escória granulada por ano, o equivalente a 3 mil toneladas por dia, volume suficiente para encher cerca de 20 caminhões, a cada 24 horas.
Sem uso, os resíduos acumulam-se em conjuntos de morros, de 20 ou 30 metros de altura, que, com o tempo, se tornam rochas artificiais, sobre as quais, por causa de ausência de solo, não cresce qualquer vegetação. O desconforto vai além do impacto visual. Essa areia pouco ecológica polui o solo e a água do subsolo, além de gerar custos, ao ocupar áreas que poderiam ter usos mais nobres.
Esses problemas, entretanto, podem estar com os dias contados. Um grupo de pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveu um novo tipo de cimento, no qual a escória é a base da composição. Não se trata de aumentar a participação dos resíduos da fabricação do aço no cimento comum, o Portland, como é feito no Brasil há 40 anos, em quantidades que correspondem, aproximadamente, ao mesmo volume que se acumula sem serventia nos arredores das usinas siderúrgicas. Muito mais que isso, a pesquisa Painéis de
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Cimentos de Escória Reforçados com Fibra de Vidro E resultou em um material absolutamente inovador. Coordenada pelo engenheiro civil Vahan Agopyan, a pesquisa se desenvolve no âmbito do Programa de Inovação Tecnológica em Parceria , da FAPESP, que entrou com um financiamento de R$ 210 mil. A empresa parceira, a Owens Corning Fiberglas, fabricante de fibras de vidro, participa com recursos da ordem de R$ 415 mil. O trabalho contou, ainda, com o apoio da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), do Espírito Santo.
Na formulação do novo cimento elaborada pela equipe do professor Vahan, a escória faz parte de uma mistura que contém outros dois componentes: os ativadores (compostos como silicatos de sódio e sulfatos e hidróxidos de cálcio, empregados juntos ou isoladamente) e as fibras de vidro do tipo E (o mais comum, usado como isolante elétrico, daí o E). Mas a escória predomina, representando 85% do volume. A combinação dela com os ativadores produz cimentos de baixa alcalinidade, uma característica química importante, por permitir a mistura com fibras naturais ou artificiais que seriam destruídas pela alcalinidade mais elevada do Portland. A adição de ativadores também acelera o endurecimento da escória, que, por endurecer lentamente, não pode ser usada sozinha, como o Portland.
As fibras, explica o professorVahan, fimcionam como reforço: ampliam a resistência mecânica e a possibilidade de moldar o material em superficies curvas, sem risco de quebrar-se facilmente. "Estávamos desperdiçan-
Vahan Agopyan: há quase 20 anos estudando materiais para construção civil com reforços de fibras
do cimento", resume o engenheiro civil Vanderley John, um dos pesquisadores da equipe.
Painéis versáteis No ano passado, o cimento de escória
tomou a forma de painéis de formas e usos variados. Quadrados ou retangulares, planos ou sinuosos, bem mais finos e mais leves do que os equivalentes de cimento comum ou de alvenaria, têm aplicações imediatas na construção de paredes, forros, pisos e divisórias. a avaliação de Ernani Seddon, gerente de desenvolvimento de negócios da Owens-Corning, que fabrica e distribui componentes para construção civil , pode nascer desse trabalho, em poucos anos, um processo construtivo genuinamente brasileiro, de custo reduzido e fácil aplicação. "Os especialistas da Escola Politécnica têm nos ajudado a desenvolver soluções técnicas econômicas e modernas que atendam às necessidades da indústria", diz Ernani.
A pesquisa encontra-se agora no estágio de repasse de tecnologia a indústrias, para produção em escala comercial. Até o momento, há apenas negociações incipientes com empresas interessadas. O ~otencial de mercado já está mais definido. A medida em que for iniciada a produção em escala comercial , os painéis com o novo cimento estarão literalmente ocupando o espaço da al venaria convencional na vedação interna de
casas e edifíc ios, que movimenta cerca de US$ 500 milhões por ano no Brasil.
Há outros usos poss íve is para o novo material. Durante o mestrado realizado na Escola Poli técnica, a arqui teta Vanessa Gomes da Si I va anal i sou as aplicações potenciais do cimento de escória, que pode ser usado em bancos, postes, lixeiras, tanques e tubulações, além de simulações de cenários naturais-as pedras, árvores e animais que apenas parecem verdadeiros. "O cimento de escória é viável também para uso externo, em telhados e painéis de fachadas, mas a confirmação final depende de mais alguns estudos", diz Vanessa, atualmente professora do curso deArquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). Segundo ela, o cimento de escória reforçado com fibra de vidro é também uma alternativa ao polêmico cimento misturado com fibras de amianto, bastante utilizado em telhas e caixas-d'água,já proibido em diversos países da Europa.
Valorizando a escória Com o novo cimento, os pesquisadores
criam mercado para a escória e eliminam uma preocupação das usinas, que têm de encontrar um destino seguro aos dejetos que criam. Na prática, as siderúrgicas ganham duas vezes: reduzem os custos de manutenção dos aterros e acrescentam valor aos resíduos, convertidos em matéria-prima nobre. Quando vendida como aditivo ao cimento Portland, a escória moída não custa mais deUS$ I O a tonelada, mas pode valer cinco vezes mais se utilizada como aglomerante (cimento). O professor Vahan estima que o novo material custaria no máximo 60% do Portland, a despeito de suas peculiaridades. "Detemos conhecimento para elaborar cimento de escória duas vezes mais resistente que o Portland", diz o pesquisador. Há qu"ase 20 anos ele estuda materiais para construção civil com reforços de fibras. Começou com as vegetais, com as de coco, e chegou às de vidro, mais homogêneas, uniformes e de maior resistência mecânica.
A equipe da Escola Politécnica dispõe no momento de cinco fórmulas básicas do novo material. Sua fabricação é relativamente simples. Consiste da secagem e da moagem da escória, seguida da mistura com os ativadores. Como a escória já foi queimada, há uma economia de 80% no consumo de energia elétrica em relação ao processo de fabricação do cimento Portland, que implica o aquecimento de argila e de calcários a cerca de 1.500 oc.
O material resultante do processo desenvolvido na USP, considerado de baixa alcalinidade, tem pH, o índice de acidez ou de alcalinidade, II ,5 (quanto mais baixo o pH, mais ácida é uma substância, e quanto mais alto, mais alcalina ela é). O cimento Portland tem alcalinidade elevada, com pH acima de 12,5, que dificulta a mistura com fibras de vidro, mesmo as do tipo especial, capazes de
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lhe dar usos mais variados. A di ferença entre os valores, ainda que aparentemente di screta, é larga o suficiente para permiti r misturas estáveis com a fi bra de vidro ou vegeta is. Mas os pesqui sadores não consideram as comparações intei ramente adequadas. "Não estamos concorrendo com o cimento Portland", salienta Vanderley. "O cimento de escória com reforço de fi bra de vidro sedestina a aplicações específicas."
Valor histórico A tendência atua l na construção civil,
reforça o professor Vahan, é usar materiais reforçados com fibras ( compósitos ), mais maleáveis e mais leves que os tradicionais. "Com a escória, podemos formular variações de cimento completamente diferentes entre si", diz ele. Podem ser ajustadas a composição, a espessura e a curvatura dos painéis, a textura da superfície e até mesmo a cor (adicionando corantes, o cimento pode se tornar azul ou vermelho, por exemplo, dispensando o trabalho de acabamento). Como não há material perfeito, este também apresenta limitações. Pode ser usado com fibras de vidro e vegetais, mas não com fibras de aço, em estruturas de construções, já que a alcalinidade é importante para proteger os reforços feitos de aço.
Este pode ser um marco na história do cimento, na qual, indiretamente, a pesquisa da Escola Politécnica se apoiou. A gipsita (o conhecido gesso, definido quimicamente como um sulfato de cálcio), que fez parte das massas usadas para colar as pedras das pirâmidesdo Egito, há cerca de 3.000 anos, é um dos ativadores da escória das moderníssimas usinas siderúrgicas. Pode estar se encerrando também, quem sabe, o capítulo iniciado em 1822 pelo engenheiro civil inglês John Smeaton. Foi ele o descobridor de uma mistura argilosa que funcionava fantasticamente para manter em pé as construções da época - era o cimento comum, que Smeaton chamou de Portland por ter a mesma cor acinzentada da terra de origem vulcânica da ilha de Portland, na Inglaterra. Agora é a vez do cimento de escória cumprir as exigências de seu tempo. "Criamos um novo paradigma industrial, de acordo com um dos preceitos da ova Revolução Industrial, querecomenda fornecer o que cada cliente precisa", diz o professor Vahan. Com o cimento comum, lembra ele, tornava-se dificil acompanhar a História.
-Perfil Vahan Agopyan, 48 anos, é engenheiro civil com graduação e mestrado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e doutorado no King's College London. Trabalha desde 1974 no desenvolvimento de materiais e componentes de Construção Civil , especialmente materiais reforçados com fibras e uso de resíduos. É professor titular de Materiais e Componentes de Construção Civil desde 1994 e vice-diretor da Escola Politécnica da USP desde 1998.
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CarlosGomes: O que você faria se soubesse que um quando compôs documento importantíssimo para sua área de
asua pnmelra estudos, sumido por muitas décadas, apare-opera o autor d . I .1 d d , tinha 26 anos cera e repente e sena e1 oa o a1 a poucos
dias? Que existia a forte possibilidade de ser mergulhado no cofre de um colecionador ou especulador, perdendo-se outra vez no tempo e no espaço? Diante desse problema, o pianista e professor José Eduardo Martins, do DepartamentodeMúsicadaEscoladeComunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), recorreu à FAPESP. Deu certo. Graças a uma ação extremamente rápida e decidida, a partitura original de A No i-
ARTE
CARLOS GOMES
O reSgate da ópera te do Castelo, a pri
meira ópera de Carlos Gomes, um dos
mais importantes compositores brasileiros no sécu-
lo 19, já está nos laboratórios do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, passando por um muito necessário processo de limpeza, e em breve estará disponível para estudos e pesquisas.
No começo da noite de 4 de maio passado, no IEB, foi realizada a cerimônia de apresentação pública da partitura manuscrita da ópera, encerrada com um recital do pianista José Eduardo Martins, quando ele executou, é claro, a abertura de A Noite do Castelo, além de outras peças brasileiras (ver comentário de Flávia Toni na página 27). Os oradores que se sucederam na cerimônia - breves todos, para não retardar a audição da música -mostraram-se entusiasmados com a recon-
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quista da partitura, encantados com o que a aquisição representa de um momento privilegiado de convergência entre o universo da pesquisa científica e a arte, e orgulhosos da eficiência com que foi conduzido o processo de recuperação da obra. Além disso, o reitor da USP, professor Jacques Marcovich, saudou a colaboração entre instituições - FAPESP, ECA e IEB - ,de que a guarda da partitura do documento no IEB ficará como um testemunho. O pró-reitor de Cultura e Extensão, professor Adilson Avansi de Abreu, observou que as artes, além de deleite e expansão da capacidade criadora do homem, também produzem pesquisa científica. O diretor do IEB, professor Murilo Marx, situou a importância da partitura, e especialmente a da ópera, "a primeira de Carlos Gomes, e a única que escreveu em português". O diretorcientífico da FAPESP, professor José Fernando Perez, demonstrou como, ao a tua r com sen-
sibilidade para garantir que a partitura de A Noite do Castelo fosse arrematada pela ECA no leilão, a Fundação não fez mais que cumprir "seu objetivo teleológico, que é a pesquisa". E o diretor da ECA, professor Tupã Gomes Corrêa, lembrou alguns traços biográficos fundamentais, alguns deles trágicos, de Carlos Gomes.
Posteriormente, outros comentários buscaram demarcar o significado da aquisição da partitura. "O entendimento da linguagem de um manuscrito é fundamental para o entendimento da linguagem de um compositor", afirma Martins. "No caso de A Noite doCastelo , por ser a primeira ópera de Carl os Gomes, poderemos conhecer seus passos iniciais, os quais permitiram que ele chegasse, mais tarde, à grandeza de O Guarani ", acrescenta. Tudo isso poderia ser perdido se Martins, avisado pelo maestro Ronaldo Bologna, da Orquestra da USP, de que o documento seria posto em leilão pelo seu proprietário, João Leite Sampaio Ferraz Júnior, de São Paul o, não decidisse agir rapidamente. Ele então procurou o diretor científico da FAPESP, professor José Fernando Perez, com o problema.
"Perez sensibilizou-se com o problema e tomou as providências para a compra em menos de 24 horas", lembra o professor. "Isso permi tiu que eu fizesse uma proposta aos donos dos originais e os resgatasse por R$ 20
mil , para que fossem preservados pela universidade", prossegue. O processo foi tão rápido que Martins elaborou o projeto à mão, na sa la ao lado da diretori a da FAPESP, para ganhar tempo. "Só temos a louvar essa iniciativa da FAPESP, que reconhecemos com entusiasmo e esperanças de outras futuras aquisições desse porte", afirma Murilo Marx, diretor do IEB da USP, também envo lvido na compra. "Foi uma bela compreensão, por pa11e da di retori a científi ca da Fundação, de que, para um musicólogo, uma partitura equiva le a um laboratório", completa Flávia Toni, pesquisadora do IEB.
Conversa com idéias A partitura está dividida em dois volu
mes, com 276 e 324 páginas, encadernados em couro. O trabalho está devidamente redigido e assinado pelo compositor. O objetivo do I EB é, depois de restaurare estudar a obra, publicá-la numa edição crítica. "O maestro John Neschl ing, regente da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), já demonstrou interesse em fazer uma montagem da ópera, depois que o trabalho nos originais estiver mais adiantado", prossegue a professora Toni . Ela está otimista sobre a importância do documento. "Por ele, será possível compreender seu processo criador, as etapas da criação com cortes e adendos do próprio punho, nas quais se percebe, nitidamente, um
Bem maior do que pensavam os aduladores O que houve com Gomes após o sucesso de A
Noite do Castelo? Bem, são proezas dignas das an· danças dos manuscritos. Bem-sucedido com Joana de Flandres, conseguiu que o imperador lhe concedesse uma bolsa de estudos na Europa. Wagneriano, Pedro li o queria na Alemanha, mas, sábia, a imperatriz, Tereza Cristina, insistiu para que fosse à Itália. O rapaz vibrou, pois sua música vinha das árias de Verdi, Rossini e Donizetti e não das brumas dos nibelungos. Em 1864, chegou a Milão, mas, sem a idade necessária para entrar no célebre Conservatório, foi estudar com Lauro Rossi. Mais que preso pelos poucos anos, Gomes percebeu que o sucesso em casa não era páreo para a concorrência milanesa, que não perdoava as lacunas em sua formação e suas origens estrangeiras e, mais do que isso, exóticas.
Uniu-se, por natureza, aos scapigliati (descabelados), jovens rebeldes que desejavam renovar a cultura italiana, entre elesArrigo Boito, o futuro libretista de Verdi. Para fugir do frio local, que o aterrorizava, dispôs-se a escrever melodias para pequenas operetas em dialeto, como Se Sa Minga, tarefa fácil para o melodista de veia intensa que já criara, no Brasil, a encantadora miniatura Quem Sabe?, modinha deliciosa que ainda derrete corações. O livro de José de Alencar foi o mote para sua nova ópera, O Guarani, beneficiada pela nova onda de entusiasmo pelo exótico, levantada com a monstruosa Grand Opera de Meyerbeer. O Teatro alia Scala, o templo inatingível para qualquer operista, aceitou-a como
opera de obbligo, ou seja, para cumprir a obrigação de incluir uma nova criação em cada temporada. Mais uma vez, desta vez em terras européias, o sucesso, em 19 de março de 1870, quando os selvagens tomaram o palco do Scala e o coração dos italianos.
No Brasil, Carlos Gomes é convertido em herói e ícone do império, orgulho da pátria, pecha terrível que o destruirá em vida, e agora, na posteridade. Seguiram-se Fosca (que será alvo de críticas, já que colocada no fogo cruzado entre verdianos e wagne· rianos: muitos acreditaram encontrar na ópera de Go· mes, a sua obra-prima, aliás, ecos dos leitmotivs do autor de Lohengrin, algo que os italianos, em guerra cultural, não podiam perdoar, ainda mais de um estrangeiro), Salvador Rosa (grande triunfo), Lo Schiavo (em que, para evitar censuras, troca negros por índios, a fim de não desagradar o patrono escravagista e imperial), Condor e o oratório Colombo.
Era um apaixonado pela boa vida e pelas mulheres, gastando o que tinha e pedindo empréstimo para gastar o que não tinha em noitadas e numa vi la esplendorosa, em Lecco, a que chamou, saudoso, de Villa Brasilis. No fim, vivendo entre o Brasil e a Itália, contam os biógrafos que saía pela porta dos fundos de sua casa assim que batiam na porta da frente. Temia os credores, vorazes. Vítima do sucesso, obrigado a repetir o triunfo do exotismo de O Guarani, Gomes parece ter dedicado a vida a vencer em sua carreira, como a justificar as esperanças depositadas, o crédito excessivo da pátria. Envolvido em arrancar
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jovem compositor ainda conversando com suas idéias", declara.
Quando completou A Noite do Castelo, Gomes, nascido em 1836 em Campinas, tinha apenas25 anos. "A chegada da parti tura, além das óbvias contribuições vitais para o trabalho musico lógico, abre também um leque de opções igualmente prec iosas, especialmente na defl agração de mais e novas pesquisas de edições crí ticas, uma prática comum no exterior, mas ainda incipiente no Bras il", diz o professor Marx, do IEB. Ele aponta para outra vantagem: o trabalho com a obra de Carlos Gomes permiti rá também um aumento nas ligações entre diferentes departamentos da USP e entre a universidade e a comunidade em geral.
O va lor do achado aumenta quando se lembra que A Noite do Castelo fo i fundamental na carreira de Gomes. Logo ao estrear no Rio de Janeiro, em 186 1, com a presença do imperador dom Pedro II , a quem o compositor dedicou mais tarde a obra, fo i um estrondoso sucesso de público e aj udou a firmar a carreira do maestro. Gomes estava na Corte há apenas um ano e, embora já fosse muito conhecido como compositor de modinhas, aspirava a vôos mais altos. Queria escrever óperas como as do ita liano Giuseppe Verdi , autor de II Trova/ore, cuja parti tura, ainda criança, ganhara do pai, o professor de piano, canto, órgão e violino Manuel José Go-
aplausos que os europeus nem sempre estavam dispostos a lhe dar, não teve o precioso tempo da pau· sa, do descanso para a reflexão e para o estudo que lhe permitiriam desenvolver melhor seu idioma musical particular. Dessa forma, foi prisioneiro dos gua· ranis da fama, amarrado na rotina estafante dos contratos e das estréias a toque de caixa.
Mas o grande compositor transborda por entre as muitas concessões que a época e os lugares lhe impuseram. Ainda assim, vegeta, hoje, nas mãos dos conservadores que só querem a veneração vazia, acrítica, continuando a deixá-lo preso no limbo da gló· ria oficialesca. A maioria dos que o defendem mal o conhecem. Daí o valor da coleção de CDs da Master Class, com a integral operística, que nos permitiu, pela primeira vez, vislumbrar suas grandezas e as suas muitas tacanhices, mediocridades e clichês.
Ainda assim, no todo, Carlos Gomes é maior do que tudo isso e bem maior do que os velhinhos que o cultuam como um medalhão machadiano, algo que os verdadeiros artistas, como ele foi , dispensam. Mas isso ele já pôde experimentar em vida. Doente, com um câncer na língua, sem dinheiro, aceitou o convite para dirigir o Conservatório de Belém do Pará. Ei-lo de volta à selva que o fez célebre. Em Portugal, pou· co antes de embarcar para o Brasil, encontrou-se com Antonio Feliciano de Castilho, o autor do poema que serviu como base para o libreto de A Noite do Castelo. Fechou-se um ciclo que seria encerrado com sua morte, só, em Belém, um peso desagradável para a nascente República, que não o desejou no Rio de Janeiro. Assumiu em junho e faleceu em setembro.
Carlos Haag
Flávia Toni mostra detalhes da partitura ao reitor Jacques Marcovitch (centro) e ao diretor da FAPESP, José Fernando Perez
mes, o Maneco Músico da Vila de São Carlos, como então se chamava Campinas.
Projeto brasileiro Um dos objetivos de Gomes, ao viajar
para o Rio de Janeiro, era melhorar sua formação musical. Não ficou muito satisfeito com os resultados, especialmente porque Gioacchino Giannini, seu professor de composição no Imperia l Conservatório de Música, não se mostrava muito entusiasmado com o trabalho. Gomes quase desistiu da empreitada. Salvou-o José Amat, um empresário espanhol que criara a Imperial Academia de Música e a Ópera Nacional. Amat tinha um projeto: encenar no Rio de Janeiro grandes óperas estrangeiras, traduzidas para o português, e, a partir daí, reinventar o gênero, em moldes genuinamente brasileiros.
Amat viu o que Giannini não enxergou, o talento de Gomes. Deu-lhe o emprego de maestro ensaiador de sua companhia e estimulou-o a escrever uma ópera. Cansado de ouvi -lo reclamar que seus amigos poetas de São Paulo não lhe enviavam os libretos muitas vezes prometidos, Amat passou a Gomes um texto que mantinha, desde 1859, guardado numa gaveta: o libreto de A Noite doCastelo, escrito por Antônio José Fernandes dos Reis, com base num poema de Antôn io Feliciano de Casti lho. Era um drama! hão, bem ao gosto da época. Talvez por isso, fez enorme sucesso.
Em resumo, A Noite do Castelo conta a história de uma noite de festa no castelo do conde Orlando. Leonor, filha de Orlando, era noiva de Henrique, sobrinho do conde. Henrique parte para uma cruzada na Terra Santa e é dado como morto. Leonor então fica noiva de outro cavaleiro, Fernando. A festa é para comemorar esse noivado. No meio da noite, chega ao éastelo um cavaleiro mascarado. É Henrique, disfarçado. Leonor fica dividida entre os doi s. Henrique mata Fernando. O conde surpreende Henrique no quarto de Leonor e mata o mascarado, só depois percebendo quem era. Leonor morre de desgosto.
Rasgar o crepe As críticas foram mais do que favoráveis
ao novo compositor. "É a música dos trópicos, a harmonia da nossa terra brasileira que o sr. Gomes, inspiração potente, mágica, apanhou na sua grande imaginação de artista, de poeta, de brasileiro", dizia uma delas. "A musa da arte nacional rasgou o crepe que envolvia a música brasileira desde a morte de José Maurício", afirmava outra. Mas, diz uma história não confirmada, Gomes manteve os pés no chão. Quando o pai comentou com entusiasmo o fato de toda a assistência ter-se posto de pé, inclusive o imperador, para aplaudir o compositor, ele teria respondido: "É o patriotismo que está fazendo a maior parte desse entusiasmo".
Foram muitas as homenagens, como batutas banhadas a ouro e mesmo uma comenda do imperador. Mas também não faltaram maledicências. Artigos não assinados, publicados nos jornais, punham em dúvida se Gomes era mesmo o autor da ópera. Dizia-se também que Gomes fora forçado a escrever o papel de Leonor sob medida para a cantora
Página original com assinatura do compositor
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Luísa Amat, mulher de José. No decorrer da carreira, Gomes vo ltaria outras vezes a A Noite do Castelo. Fez, por exemplo, uma revisão pessoal de uma redução da ópera para canto e piano, realizando cortes e acréscimos que refletem seu amadurecimento como compositor.
Quando Gomes morreu, sua filha Ítala deu os originais da ópera de presente a um tio, José Pedro de Sant' Anna Gomes, também músico. Sant' Anna, muito cuidadoso, mandou encadernar a partitura nos dois volumes envolvidos em couro, pedindo que ficasse gravado, em letras douradas, que eles pertenciam à sua biblioteca particular. "Chamamos um especialista em encadernação para examinar o manuscrito", conta a professora Toni. "Descobrimos que, originalmente, era composto de vários cadernos com furos, amarrados com fitas. Provavelmente, a ópera estava nessa forma quando foi regida por Carlos Gomes na estréia, em 1861."
Excesso de bagagem O material não ficou muito tempo com
a família do compositor. O marido de uma sobrinha do maestro o deu de presente ao vicecônsul da Itália em Campinas, Ugo Tommasini. Ele prometeu que, quando voltasse à Europa, deixaria os dois volumes no Brasil. Não cumpriu o trato. O material, aliás, nem chegou à Itália. Quando passou por Paris, a caminho da sua terra, Tommasini o deixou num guarda-móveis, onde abandonou o que considerou como excesso na sua bagagem.
Os dois volumes foram retirados do depósito após a morte do diplomata, por seus herdeiros, que os colocaram à venda num sebo de Paris, onde foram comprados pela mãe de Sampaio Ferraz, em 1961. Voltou assim para o Brasil e ficou de posse da família, até que ela resolveu colocá-lo em leilão, em março deste ano. Sua história, porém, conserva alguns mistérios. Por exemplo, em 1936, o pesquisador Luiz Heitor Corrêa de Azeve-
i= , i
do procurou a partitura, para fazer um estudo comparativo entre A Noite do Castelo e Joana de Flandres. Não a encontrou, mas foi informado de que um diplomata italiano residente no Peru oferecera a obra ao governo brasileiro. Consultou o ltamaraty, mas soube apenas que a doação nunca se concretizara.
Outras versões Pesquisas como essa, e muito outras,
agora se tomarão possíveis. "Enfim, poderemos preparar uma edição completa que tornará possível saber com certeza como é realmente a ópera, tal como Carlos Gomes a idealizou", diz a professora Toni . Essa edição, que será preparada em dois anos, será o retrato definitivo de A Noite do Castelo, incluindo as revisões feitas pelo maestro. "Não será apenas uma edição genética, ou seja, apenas do processo criativo original , mas obtida a partir do cotejamento dos manuscritos com outras versões existentes da obra, como a redução para canto e piano e a redução para piano solo, essa última, ao que tudo indica, não revisada por Gomes", acrescenta.
Uma outra cópia, existente em Campinas, cuja origem é desconhecida pelos pesquisadores, serviu como base para a montagem
da ópera feita em 1978 com a Orquestra Sinfônica de Campinas, regida por Benito Juarez. Essa versão é a que existe em versão em CD, incluída na íntegra das óperas de Carlos Gomes editada em 1997 pelo selo Master Class, de São Paulo. O maestroJuarez, inclusive, num primeiro exame, já encontrou divergências entre a partitura original e a cópia que usou em 1978.
"Essa obra é um arauto de novos tempos, pois, a partir do trabalho de uma comissão técnica, que ainda está sendo organizada, sobre esse manuscrito, será possível investir no futuro, incentivando alunos de pós-graduação a se dedicarem ao estudo e preparação de novas edições críticas, das quais nosso país tanto carece", diz o professor Martins. "Uma ópera chamada Noite pode, curiosamente, ser um Sol que mostra um novo caminho a ser trilhado dentro da universidade brasileira."
Nacionalismo rítmico Enquanto isso, novas respostas já estão
sendo procuradas, como se as críticas da época foram justas com relação aos valores de então e até onde, realmente, ia a brasilidade da música de Gomes, quando ainda estava preso às raízes e não entrara no mercado eu-
Um recital bem brasileiro
Dia 4 de maio de 1999, 18 horas. Esse dia ficará marcado na história do Instituto de Estudos Brasileiros. Em seu amplo saguão de entrada, onde foi instalado um piano Steinway de meia-cauda, o Prof. José Eduardo Martins apresentou um pequeno recital para comemorar a chegada da partitura de Carlos Gomes. O repertório foi selecionado com a sensibilidade do pianista que, em sua carreira, transita com facilidade pelas páginas de compositores de todas as épocas. Mas, para aquela tarde, escolheu só obras brasileiras, curtas, de grande efeito sonoro e importância musical.
De Carlos Gomes, o Prelúdio de A Noite doCas-
te/o na redução para piano do próprio Gomes. Sim, pois devido ao grande sucesso alcançado pela ópera quando de sua estréia, em 1861 , Rafael Coelho Machado angariou o apoio de alguns entusiastas e naquele mesmo ano editou a partitura revisada pelo compositor. E a audição do trecho- originalmente para orquestra- por José Eduardo foi o momento mais esperado, pois atestou a todos a importância do manuscrito recém-chegado. De fato, neste Prelúdio, vigorosocomoosdasóperasde Bellini, Donizetti, Verdi e tantos outros que vieram após Rossini , já se entrevê a ambientação italiana onde bailam melodias
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ropeu, cujo gosto seria forçado a levar em conta. "Nesse ponto, não concordo com a crítica estética de Mário de Andrade, que condicionava o nacionalismo a questões rítmicas e, assim, não o via plenamente na obra de Carlos Gomes", diz o professor Martins. "Acredito que esse nacionalismo está em cada um de nós, transparecendo de alguma forma", acrescenta. ~
Na opinião de Martins, em A Noite do Castelo "há um frescor, apesar do italianismo dominante, e procedimentos que denotam sua brasilidade". A professora Toni vai um pouco além. "A composição dessa ópera está em perfeita consonância com os moldes italianos da época, mas é perceptível, no prelúdio e nos primeiros compassos de muitas áreas, um certo ar modinheiro, das melodias que Gomes fazia naquele tempo e que traem o sabor melódico do cancioneiro luso-ítalo-brasileiro."
No mais, as marcas do trabalho de Gomes estão em todo lugar. Como fez em outras obras, nas rubricas de ação, o compositor deixava de lado as indicações de cena, mas não se esquecia de anotar as emoções que deveriam ser mostradas por personagens. Para Leonor, muitas vezes, reservou a expressão: "amorosamente".
brasileiras do músico campineiro. Com o Estudo de 1897, de Henrique Oswald , composto em Florença, o pianista deu aos ouvintes a oportunidade de permanecer mais um pouco em domínios italianos. Ventos propriamente nacionais sopraram quando passamos para o século XX: Villa-Lobos, Gilberto Mendes e um extra! Do maestro carioca, Alma Brasileira, vale dizer, o Choro nº 5, composto em 1926, obra extremamente bem construída e por isso mesmo das mais executadas. Estados de ânimo opostos, emblemáticos de nossa música popular, como as serestas ou os ritmos alucinantes das macumbas, foram tratados com maestria, tanto na composição quanto por José Eduardo. A audição de Viva- Vil/a , de Gilberto Mendes, introduziu o jogo, a "blague", com esta obra composta em 1987 comemorando o centenário da morte de Villa-Lobos. Nela, Gilberto adotou uma forma arrojada, minimalista, para dialogar com o passado, introduzindo os ritmos binários pesquisados na obra do autor das Bachianas; conclui em compasso de bossa-nova, única esfera da música popular brasileira que Vil la não usou porque morreu em 1959.
No "extra", uma dupla homenagem: de Camargo Guarnieri , Martins tocou a Dança Negra, composta em 1946, dedicada a Lídia Simões, já falecida, grande intérprete do compositor paulista. Curioso, pois, na escolha de José Eduardo, ele homenageou não apenas o autor, artista que desenvolveu parte de sua vida criadora junto à Universidade de São Paulo, como também Cinthia Priolli , outra grande intérprete da obra de Guarnieri , aluna da Pós- Graduação do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes, recém-falecida.
Entre homenagens e boa música, um fim detarde brasileiro para receber A Noite do Castelo.
Flávia Toni
LIVRO
Memórias de uma cidade estilhaçada O conhecido refrão "São Paulo é acida
de que mais cresce no mundo" foi inventado para captar o clima de unanimidade e de euforia coletiva, proporcionadas pelo espantoso crescimento da paulicéia nos anos vinte. Mas, a rápida e vertiginosa metropolização de São Paulo também produziu urna espécie de ofuscamento das lembranças pessoais e da memória coletiva. Parece que esse esquecimento geral foi característico do processo de criação das megalópoles modernas, algo necessário até mesmo para reproduzir superficialmente a unanimidade dos refrões e o triunfalismo dos lugares-comuns. Como homens e mulheres, imigrantes e negros, construíram suas vidas e delinearam seus destinos numa cidade que vivia o auge do seu crescimento populacional? Como esses personagens desenraizados, recém-saídos da escravidão ou provenientes de terras estranhas, vivenciararn o caótico proces- soda metropolização paulistana? Através de uma detalhada pesquisa das histórias de vida de48 pessoas, Memória em Branco e Negro; Olhares sobre São Paulo, de Teresinha Bernardo (Educ/Fapesp/Edit. da Unesp ), reconstrói o mosaico das lembranças e memórias pessoais, retirando definitivamente esses personagens anônimos dos esquecimentos e dos silêncios da História.
Já se disse que a memória é um mecanismo de esquecimento programado: nem tudo ela registra e, do que registra, pouco ou quase nada aflora à nossa vida presente. A memória individual é também social, embora ela se alimente mais da história que as pessoas realmente vivem no seu cotidiano do que na história apreendida. Contra todas as unanimidades, este livro mostra que a memória da cidade de São Paulo é uma confusão de vozes, está envolta em sombras e silêncios: são memórias subterrâneas, marcadas por sofrimentos pessoais que jamais puderam exprimir-se publicamente, por isso, também são memórias indizíveis, zelosamente guardadas na intimidade ou em estruturas de comunicação informais. Dos retalhos das narrativas e dos cacos das lembranças dos 48 velhos aparecem novos, variados e surpreendentes olhares sobre a História de São Pau lo. Inspirando-se tanto em estudos clássicos da memória social, como os de Maurice Halbwachs, quanto em trabalhos mais recentes, como os de Michael Pollack, a pesquisadora revela um notável talento em juntar todos esses fragmentos das lembranças pessoais e apresentá-los com invulgar clareza ao leitor.
A São Paulo que se revela nas lembran~as das mulheres negras é a "cidade escura". E a cidade daquelas mulheres que experimentaram a separação, a diferença, a iniqüidade da pobreza, a mobilidade forçada e, quando não, o descrédito dentro do próprio grupo negro. Discriminadas no trabalho, discriminadas no lazer- no carnaval do Largo da Concórdia ou no footing nas ruas Direi ta e São Bento-, elas
reafirmam a condição de mulheres sós, já que a urbanização paulista aprofunda aquele doloroso processo de diluição da famí-1 ia, herdado da época da escravidão. Mulheres que, no seu isolamento social, improvisam duramente a sobrevivência diária de si e dos seus filhos, nos cortiços do Bexiga, do Brás ou de Pinheiros, marcadas, para sempre, pela aura de exclusão e do menosprezo social.
A São Paulo dos homens negros talvez seja a cidade que a história grandiosa mais escondeu: os remanescentes da escravidão, ~ também discriminados em todas as dimensões da cidade,já que, como descendentes de escravos, não tinham sequer sobrenome; expulsos para os se tores residuais da economia da cidade, sobrevivendo de expedientes ou dependendo dos efêmeros gestos de proteção de estranhos, já que a estrutura familiarinexistia. Suas lembranças, dificeis de virem à tona porque crivadas de ressentimentos e constrangimentos reprimidos, mostram que a convulsiva metropolização de São Paulo empurrouos mais ainda para onde sempre estiveram, na linha limite da sobrevivência.
Já a São Paulo que ressurge nas lembranças das mulheres brancas identifica-se mais como "a cidade do progresso",já que "progredir" constituía, para elas, não apenas uma expectativa de futuro mas um espelho de suas próprias vidas. Enquanto a São Paulo que ficou na memória dos velhos italianos é, decididamente, "a cidade do trabal~o": suas len1-branças desenham um cotidiano de trabalhadores pertencentes às classes pobre mas possuidores de um projeto de ascensão social que, para a maioria, viabilizou-se. As memórias de imigrantes italianos e dos seus descendentes, seja da dona de casa ou do trabalhador bemsucedido, também revelam que São Paulo possibilitou-lhes - ao contrário dos negros - a redescoberta de espaços para um novo enraizamento social: a religião católica, com suas festas e cultos dedicados às santas italianas; o teatro, com suas óperas e operetas; o esporte, com o futebol aos domingos no Palestra Itália e, afinal, a própria família, rearticulada e des-
SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
dobrada nos círculos de proximidade e vizinhança.
Viver em São Paulo deveria ser algo partilhado por todos, que, afmal, conviveram nomesmo espaço urbano: viram o iní-cio da construção da Catedral da Sé, do Edifício Martinelli, da Estação Julío Prestes sentiram na pele o diagnóstico do escritor Alcântara Machado, quando dizia que "em São Paulo, não há nada acabado e nem definitivo, as casas vi-
,.,, vem menos que os ho--~ [; . 'd mens e se a astam, rap1 as,
para alargar as ruas". Andaram a pé, cobrindo longas distâncias que iam, não raro, do Paissandu à Penha; ou no "Caradura" - um bonde mais barato, implantado pela Light, que aproveitava os antigos (e péssimos) veículos puxados a buno, atrelando-os aos elétricos. T rabalharam nas inúmeras fábricas da Moóca e do Ipiranga. Sofreram com as enchentes, com o ataquede gafanhotos, com a gripe espanhola e com a Revolução de 1924, na qual a cidade passou por um bombardeio indiscriminado. Viveram juntos acontecimentos alegres e calamidades, mas a São Paulo que ressurge nas memórias individuais não é a imagem de urna cidade partilhada, referenciada àquilo que nos acostumamos a chamar, um tanto abstratamente, de "cidadania" - mas sim, à urna cidade múltipla, fragmentada, estilhaçada e cheia de rebarbas.
Porque, afinal, as imagens de São Paulo que ressurgem neste livro são compostas por lembranças de seres humanos comuns, desprovidos de projeções ou delírios de grandeza. Os marcos de suas vidas nada têm a ver com a história monumental, pois são brechas na narrativa contínua do progresso e da racionalidade, sugerindo, no limite, que tudo aquilo só iria dar certo ao custo de um alto preço social. Combinando a objetividade dos métodos com a sensibilidade da análise, Teresinha Bernardo reescreve as memórias dessas vidas anônimas, produzindo um livro que, como disse tão bem Italo Calvino, realiza aquela proeza de dar ao mundo não escrito a oportunidade de expressar-se através da escrita da ciência social.
Elias Thomé Saliba
GOVERNO DO ESTADO DESAOPAULO
ESPECIAL
AS CHANCES DA AMÉRICA LATINA* Revista britânica vê oportunidade inédita para o progresso da ciência na América Latina
Science in Latin America, suplemento especial da Nature, volume 398, número 6.726, publicado em 1°
de abril deste ano, traça um panorama da pesquisa científica na América Latina, analisando sua situação em alguns países: Brasil, Argentina e México, que define como as três potências científicas da região; Chile, percebido como um país inovador, e Cuba, classificada como uma exceção no atual quadro político e econômico regional, na medida em que "é a única nação ainda engajada numa Guerra Fria".
Trabalho jornalístico de fôlego, o suplemento, além de informações, oferece delicadamente algumas sugestões aos responsáveis pela política de Ciência e Tecnologia na América Latina. Por exemplo, que aproveitem a oportunidade única que o continente tem hoje para conquistar um lugar mais proeminente no mundo da ciência. Ou ainda, que não se prendam a uma visão que enfatiza o desenvolvimento tecnológico e subestima a pesquisa científica - ultrapassada, em sua avaliação. Há uma terceira mensagem que não aparece com clareza no suplemento, mas figurou com todas as letras no editorial da revista que o trouxe, e ela é: se Brasil Argentina e México querem construir economias competitivas devem atentar para a necessidade de uma cooperação científica pan-regional.
Pode-se ou não concordar com a visão da revista britânica, mas é sem dúvida positivo para o amadurecimento das nossas próprias reflexões, observar esse olhar externo a nosso respeito. Nas próximas páginas encontram-se na íntegra as matérias que dizem respeito diretamente ao Brasil e resumos das reportagens sobre os outros países tratados.
Uma rara chance de progredir
Nenhuma parte do mundo pagou um preço mais alto pela Guerra Fria do que as Américas do Sul e Central. Como um de campo de batalha entre governos corruptos e com freqüência opressivos, apoiados pelos Estados Unidos, e variados matizes de oposição, amparados mais tacitamente pela União Soviética, a região estagnou em termos econômicos, políticos e científicos. Agora, que
caiu o pano sobre aquela era, a região tem uma oport.~ni~ade única de conquistar um lugar de maior destaque no mun~o da Cie~oa.
Toda a região tem, em comum, essa oportumdade, alem de suas duas línguas e de sua herança pré-colonial e colonial. Assim, _este suplemento da Nature procura reunir e analisar os desafios e oportumdades_ comu?s que se oferecem aos responsáveis pela política científica na Aménca Lanna.
Ele examina detalhadamente a situação em alguns p'aíses, e não em outros. Porque é melhor estudar uns poucos casos com alguma profundid~de do que fazer uma cobertura superficial de muitos. Escol~emos Brasil, Argentina e México, como as três potências científicas dommantes na região (veja gráficos na página 3); o Chile con:o um país inovado~ e Cuba, a nação insular ainda engajada na Guerra Fna, como u~a e~ceçao. ·-
0 suplemento aborda também os problemas que os cientistas da regiao ainda encontram para obter materiais de pesquisa. Examina o progr;u:na espacial brasileiro, os telescópiC:s nos Arldes e a biodiversida~e da ~a~ônia como exemplos, respectivamente, de dois importantes proJetos ctennficos - um, em grande medida nativo, e o outro, dependem~ de know-how estrangeiro - e da aplicação da ciência a uma que~t.ão regwnal complexa.
Este levantamento não pede desculpas pelo elmsmo. Conversamos com alguns dos melhores cientistas da América Latina para ver ~orno s: se_nrem integrando-se às fileiras dos melhores d~ mundo. qu~to a questao Igualmente importante da educação e do tremamento Ciennficos para ~ma camada mais ampla da sociedade latino-americana, não é_ tratada aqu~.
A relevância da pesquisa de alto nível para as necessidades de pa1ses pobres é freqüentemente posta em questão, e os cientistas da região sofrem ~~a crescente pressão para comprovar a importância de seu trabalho. !"- mai~na deles aceita bem a oportunidade de trabalhar com problemas de Importancia econômica ou social. Mas, no próximo século, as sociedades irão se desenvolver com base, antes de mais nada, em seu acesso ao conhecimento. No longo prazo, portanto, os países da região se beneficiarão do apoio à busca da boa ciência em si.
COLLIN MACILWAIN
Correspondente senior
• lmpmso com p~rmúsão da Natun, Snmu in Latin America, suplemento do volume 398, mímero 6.726, / 0 de abril tÚ 1999, copyr1ght 1999 Macmillan Magazmes Ltd.
NOTICIAS FAPESP
AS C H ANCES DA AM~ RI CA LAT I NA
A estabilidade oferece um.a oportunidade única para a pesquisa
COLLIN MACILWAIN
Em 13 de janeiro deste ano, o Brasil sofreu um choque que, na opinião de co
mentaristas externos, o abalou profundamente. Mas, na semana seguinte, em São Paulo, os habitantes locais mostravam-se indiferentes. Pelos padrões latino-americanos, uma desvalorização de 25% (depois, 45%) não é motivo de grande excitação. No alvoroço do centro comercial de São Paulo, em suas universidades e escolas de medicina, nos salões do Congresso e nos edifícios governamentais por toda a América Latina, e, mais significativamente, nos quartéis, a vida continua.
Essa nova estabilidade é a história da Améri-ca Latina no despontar do novo milênio. Pela primeira vez, desde a fundação das nações da região por colonizadores espanhóis e portugueses, a maioria delas desfruta de condições políticas e econômicas capazes de fazer a ciência prosperar. Apesar de alguns dos governos militares que costumavam controlar a região terem sido muito generosos com a ciência - o último regime brasileiro do começo dos anos 80, por exemplo -, sua hostilidade à liberdade de pensamento em geral, e às universidades, em particular, impediu que isso acontecesse.
Transformação política: Embora preocupados com dinheiro, campus dilapidados e a morosidade na liberação de materiais, os pesquisadores da região têm uma oportunidade sem paralelo de melhorar sua situação. A queda das ditaduras militares na Argentina, no Brasil, no Chile e em outros países, e o gradual desmembramento do partido único estatal, de fato, do México, foram seguidos por um período de relativa estabilidade econômica e política. A despeito de recentes complicações com o real brasileiro, essa estabilidade oferece a empreendimentos de longo praw, como a pesquisa científica, uma maior oportunidade de prosperar.
Até agora, não há entre os cientistas latino-americanos um reconhecimento geral de que essa oportunidade existe. Boa parte dos maiores países da região vem experimentando um expressivo crescimento econômico nos últimos dez
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anos, mas os intelectuais, incluindo os cientistas, tendem a desdenhar essa con
quista. Em particular, lamentam a extinção da grande, auto-suficien
te, mas calamitosamente não competitiva base industrial que
existia por trás das barreiras comerciais da velha economia latino-americano.
O papel da ciência e tecnologia era claro naquela economia: a ciência ajudaria a tecnologia a construir uma base industrial doméstica,
conduzindo a região para o mundo desenvolvido. Entre
tanto, boa parte dessa indústria era essencialmente não competiti-
va, e entrou em colapso quando ficou exposta aos ventos da competição
internacional. Fábricas e empresas foram vendidas a corporações multinacionais que as
estão modernizando com tecnologia importada do exterior. A ciência e tecnologia nativas ainda precisam definir seu papel nessa nova configuração.
Em organizações como o Banco Mundial e o Banco lnteramericano de Qesenvolvimento, que influenciam fortemente a política científica na região, os economistas geralmente têm reagido à mudança defendendo uma ênfase maior no desenvolvimento tecnológico e menor na pesquisa científica. Dirigentes políticos, de ministros da ciência do Brasil e Argentina para baixo, estão instruindo cientistas sobre a importância de "aplicações".
Essa idéia, de certa forma familiar aos estudiosos da história do "desenvolvimento" no Terceiro Mundo, está sendo difundida muitos anos depois de ter caido em desuso nos Estados Unidos, onde a pesquisa básica é a principal prioridade do governo, e na Europa, onde esforços de "pesquisa aplicada", como os antigos programas Framework, registraram poucos êxitos apreciáveis no fomento da inovação industrial.
Há, felizmente, uma segunda vertente na política científica da região: o advento de uma abordagem mais impiedosa e elitista na seleção dos cientistas a serem auxiliados. Enquanto os governos anteriormente procuravam expandir suas comunidades científicas distribuindo, o mais amplamente possível, o dinheiro, os representantes da nova vertente têm se mostrado mais propensos a modificar seus planos e auxiliar as pessoas que realmente estão fazendo um
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bom trabalho. Argentina, Chile e o governo federal no Brasil têm, todos, iniciativas para fornecer recursos realmente significativos a pequenos grupos de pesquisadores. O Howard Hughes Medical lnstitute, com sede nos Estados Unidos, selecionou um pequeno grupo de 27 dos melhores especialistas em ciências da vida na região para lhes conceder um apoio substancial por cinco anos. Uma proposta chilena encaminhada aos Millennium lnstitutes levaria esse princípio ainda mais longe, ao garantir apoio generoso e de longo prazo a um número muito reduzido de grupos selecionados internacionalmente.
Com os governos pressionando a ciência aplicada e adorando uma abordagem mais seletiva para a pesquisa básica, alguns cientistas estão claramente sentindo o aperto. Entretanto, o investimento total em ciência básica, embora difícil de medir e sujeito a flutuações de curto prazo, vem crescendo gradualmente.
Em qualquer conversa com cientistas, em quase todos os países latino-americanos, dois problemas ressurgem cons-
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BRASIL
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MÉXICO
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O Brasil, com sua grande base industrial, alega gastar muito mais em P&D do que todo o resto da região ...
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tantemente: falta de recursos e acesso moroso a materiais. Ambos poderão melhorar com o tempo, com o crescimento econômico e a suspensão de barreiras tarifárias, respectivamente. Mas ambos estão, em grande medida, fora do controle, seja dos cientistas, seja dos ministros da ciência.
Cinco problemas a enfrentar: Para a própria comunidade científica, há alguns problemas mais acessíveis que precisam ser tratados. Em ordem crescente de dificuldade, são eles: a relutância em aceitar a análise por pares externa; a falta de integração regional em ciência; a acitação constrangida do livre mercado pelos cientistas; a urgente necessidade de uma reforma universitária e o não reconhecimento da importância dos direitos de propriedade intelectual na pesquisa moderna.
A análise por pares, nos países que respondem pela maior pane da atividade científica na região, é basicamente honesta. No entanto, no mundo atual de intensa especialização, as sub-disciplinas científicas no Brasil, em sua maioria, para nem falar da situação nos países menores da região, são sim-
ARGENTINA
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AS C H ANCES DA AMtRICA LAT I NA
plesmente pequenas e entrelaçadas demais para permmr uma avaliação por pares interna objetiva.
No entanto, quando se sugere que especialistas residentes no exterior sejam envolvidos na análise por pares de propostas de auxílio, alguns cientistas reagem como se a soberania de seu país estivesse sob ameaça. Na verdade, a análise por pares internacional é uma ferramenta valiosa e barata para melhorar a qualidade de programas científicos.
A maioria dos cientistas seniores da região foi treinada nos Estados Unidos ou na Europa, e é para lá que primeiro se voltam para construir uma cooperação científica. "Nossos vínculos são geralmente com instituições poderosas dos Estados Unidos e da Europa", diz José Maza, chefe do Departamento de Astronomia da Universidade do Chile, para quem a cooperação entre dois países em desenvolvimento é mais difícil: "É difícil coordenar coisas quando se tem problemas nas duas pontas da linha".
Essa falta de cooperação dentro da região- que os governos enfrentam com muitas palavras, mas pouca açãoestá prejudicando, sem necessidade, o desenvolvimento de redes humanas que poderiam aumentar a competência e a confiança dos melhores grupos de pesquisa locais, que se queixam, todos, de seu isolamento.
Muitos cientistas, assim como políticos, imaginam que uma maior integração económica, principalmente através do bloco comercial do Mercosul, terá que preceder uma maior integração científica. Mas os cientistas poderiam agir desde já. "Devíamos olhar para o continente como uma unidade do ponto de vista científico", diz Francisco Claro, diretor de pesquisa da Universidade Católica de Santiago, Chile, salientando a inclusão do México numa tal estratégia. "A ciência poderia ser a pedra de toque da integração".
A ideologia de livre mercado - que, dependendo de como cada um a vê, vem sendo, ou imposta pelos Estados Unidos à América Latina desde o final da Guerra Fria, ou implementada por seus recém democratizados governos - não tem sido recebida de forma mais calorosa por acadêmicos da região do que o foi pelos dignatários de Oxford, em sua famosa recusa a conceder a Margaret Thatcher o grau honorífico a que todos os primeiros-ministros britânicos estão habituados.
É compreensível, e de fato necessário, que pesquisadores acadêmicos resistam à retórica do livre mercado, no sentido de que a indústria, e não o governo, deva pagar pela pesquisa universitária. "Isso é um absurdo", assinala Leopoldo de Meis, destacado biólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Mesmo o MIT obtém 85% de seus fundos para pesquisa do governo". Entretanto, persiste nas universidades um truculento viés anti-comercial que, até se dissipar, vai limitar sua importância para o mundo além de seus portões.
E não é apenas o sentimento anti-comercial que ameaça a posição das universidades voltadas à pesquisa na América Latina. Algumas dessas próprias instituições estão empenhadas prioritariamente, não na pesquisa ou no ensino, mas na auto-preservação.
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Em países que nunca tiveram uma democracia genuína e estável, é necessário, sem dúvida, que as universidades protejam zelosamente sua autonomia. Mas o pessoal mais aplicado das próprias universidades ressente-se agora do tanto que está cercado por pessoas que não fazem nada além de receber um salário. Na medida em que a democracia se consolidar, os administradores universitários poderão fazer algo a esse respeito, sem que suas ações sejam equiparadas às de militares truculentos. Enquanto isso, um consistente progresso na avaliação sistemática dos departamentos universitários (puxado pela Universidade de São Paulo e pela Universidade Autónoma Nacional do México), e o incentivo a uma maior diversidade de universidades com ênfase em pesquisa, públicas e privadas, ajudarão a criar um ambiente de pesquisa mais saudável.
Finalmente, esse ambiente exigirá um rápido progresso no reconhecimento dos direitos de propriedade intelectual, e de sua importância na pesquisa contemporânea. O Brasil produz cerca de 1 o/o da ciência publicada em revistas internacionais - a mesma proporção que a Coréia. Mas enquanto a Coréia gera também 1 o/o de todas as patentes registradas no departamento de patentes dos Estados Unidos, o Brasil gera um quinto de 1%. A maior universidade de pesquisa do México nomeou um diretor de patentes, mas espera que os cientistas financiem às próprias custas os pedidos de patentes - mesmo quando a universidade detiver a propriedade das patentes.
Muitos cientistas da América Latina lerão tudo isso e dirão: bom, excelente, mas nada vai mudar. Muitos deles foram educados nas ricas universidades de pesquisa dos Estados Unidos e estão frustrados com os desafios cotidianos que agora enfrentam. Mas a oportunidade que têm enquanto comunidade é real e, apesar da desvalorização cambial no Brasil, sem paralelo na história da América Latina. Isso é melhor compreendido, talvez, por aqueles bastante jovens para não ser cínicos, ou bastante velhos para saber o quanto as coisas já melhoraram.
Moysés Nussenzweig, um veterano físico da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tem tido ampla participação na política científica brasileira desde seu retorno ao país, em 1975, depois de 12 anos nos Estados Unidos. Ele nunca lamentou ter voltado e olha para o futuro com resoluto otimismo. Nussenzweig é uma testemunha do progresso já alcançado: ele viu a comunidade de físicos aumentar dramaticamente- para 2.000 físicos, talvez- e a porcentagem de trabalhos brasileiros publicados em Physical Review Letters dobrar nos dez últimos anos. A ciência no Brasil, diz ele, "ficou muito mais profissional".
Sua determinação é compartilhada pelos jovens homens e mulheres, que carregarão a bandeira avançada da ciência na região. "As coisas não estão muito bem por aqui", admite Diego Comerei, estudante de pós-graduação no Instituto de Biotecnologia da Universidade Nacional de General San Martín, em Buenos Aires. "Há grandes dificuldades para se fazer ciência, problemas económicos e problemas com a política nacional. Mas eu penso que as coisas vão mudar. Nós vamos lutar para mudá-las".
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AS CHANCES DA AMÉRICA LATINA
BRASIL
Colapso do real aguça contrastes do Brasil
COLLIN MACILWAIN
Uma das tarefas mais ingratas para os pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro - a segunda maior universidade dedicada à pesquisa do
Brasil- é avaliar pedidos de auxílio de colegas instalados a 400 quilômetros de distância, em São Paulo. "Eles pedem dinheiro para ar condicionado para vacas e ovelhas (usadas em pesquisa agrícola)", diz um deles, correndo os olhos por seu laboratório imerso num calor abrasador. "Por aqui, temos sorte quando conseguimos ar condicionado para as pessoas".
A persistente dicotomia entre a condição dos pesquisadores da industrializada São Paulo e a de seus colegas do resto do Brasil só fez aumentar com a mais recente crise econômica do país. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), a agência estadual de financiamento à ciência, continuará investindo este ano em equipamentos de padrão internacional, apoiando uma comunidade científica considerável, em níveis do mundo desenvolvido. O resto do país, por sua vez, testemunha o drástico corte de despesas num sistema que já era manifestamente incapaz de apoiar a grande quantidade de cientistas qualificados e talentosos que as universidades brasileiras produziram nos últimos vinte anos.
Expansão científica em São Paulo: A FAPESP gastou em torno de R$320 milhões em auxílios e equipamentos no ano passado (b real brasileiro valia apro-
científica de seu estado natal. Os cientistas locais têm pronto acesso a publicações internacionais e acesso instantâneo à Internet, através de um backbone da FAPESP.
Igor Polikarpov, chefe da Estação de Cristalografia de Proteínas do LNLS, esbanja confiança sobre o impacto que a moderna instalação de US$70 milhões poderá exercer sobre a ciência na região. Poliarkov vem procurando encorajar biólogos argentinos e brasileiros a usá-la para estudar estruturas moleculares. Ele acredita que a disponibilidade da fonte de luz, juntamente com o ambicioso projeto de seqüenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa da FAPESP (ver box) podem revolucionar a biologia molecular no país.
O orçamento operacional do laboratório tem permanecido estável, em torno de R$12 milhões por ano, desde 1996. Mas a despeito de sua forte concentração em ciência dos materiais, tem recebido pouco apoio da indústria. "A indústria brasileira não compra pesquisa no Brasil, ela a adquire do exterior", diz Ricardo Rodrigues, diretor associado do LNLS, vocalizando um refrão comum para muitos acadêmicos brasileiros.
"Esperamos que a situação mude", diz o diretor do laboratório, Cylon Gonçalves da Silva, observando que o Brasil não pode contar com a importação de todas as suas necessidades de tecnologia. "Este laboratório todo é uma aposta no sentido de que as coisas vão caminhar na direção certa".
Na Universidade de São Paulo, a principal universi-dade de pesquisa do Brasil, a mesma
ximadamente um dólar americano até janeiro; desde então seu valor caiu quase pela metade). Dois terços dessa quantia vieram de um governo estadual que é obrigado, pela constituição do Estado, a repassar 1% da arrecadação fiscal para a agência de financiamento à pesquisa. Os recursos restantes vieram do lucro de investimentos do patrimônio que a FAPESP construiu ao longo dos anos, quando gastava menos do que o governo estadual repassava -um precioso abrigo da tempestade econômica que atualmente fustiga o Brasil.
ARTIGOS BRASILEIROS EM REVISTAS
INTERNACIONAIS (%)
aposta vem sendo feita desde 1934. Foi então que um grupb de refugiados chegou do tumulto da Europa, para ajudar a fundar a universidade baseada no modelo alemão, a partir de algumas faculdades já existentes. "Eles trouxeram uma cultura no bolso", diz Hernan Chaimovich, pró-reitor de pesquisa da universidade.
O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron-LNLS, que foi concluído em Campinas, no Estado de São Paulo, em 1997, é operado pelo governo federal, mas recebeu equipamentos da FAPESP e reflete a relativa opulência
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A proporção de artigos brasileiros publicados em revistas internacionais tem crescido constantemente.
A universidade tem um orçamento de R$800 milhões, 25.000 alunos de pós-graduação, vários departamentos altamente respeitados e um recorde de publicações (2.600 trabalhos em revistas internacionais no ano passado), cifras comparáveis, com vantagem para a USP, às de uma universidade de pesquisa em posição média no rank dessas instituições nos Estados Unidos. No entanto, Chaimovich reconhece que o
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AS CHANCES DA AMf.RICA lATINA
impacto global da USP não se equipara ao de uma tal universidade nos EUA e admite que a estrutura burocrática da universidade é um empecilho para se conseguir esse impacto.
"De 200 departamentos que temos, 1 O são claramente de nível internacional, e têm tido problemas com a universidade", diz. Chaimovich argumenta que "a atmosfera e o contato humanos" são mais importantes do que recursos na criação de um ambiente de pesquisa de padrão internacional e planeja desenvolver "núcleos de pesquisa" na universidade onde pesquisadores de diferentes disciplinas operem fora dos limites dos departamentos existentes.
Laços com a indústria: A universidade tem feito alguns progressos no desenvolvimento de laços com a indústria. Por exemplo, Marcelo Zuffo, um jovem pesquisador da área de computadores, ajuda a dirigir uma unidade de processamento paralelo no departamento de engenharia elétrica que atraiu milhões de dólares de auxílio da Motorola. O centro está desenvolvendo supercomputadores baratos, maciçamente paralelos, que a Elebra, uma indústria brasileira de equipamentos, espera vender a operadores de TV a cabo e a outros usuários potenciais de supercomputadores. "Estamos buscando o modelo certo", diz Zuffo a respeito de seu centro, "leve e flexível, com alto giro de pessoal, forte vínculo com a universidade e uma diretoria administrativa na qual nossos parceiros da indústria estejam representados".
A base industrial do Brasil sofreu uma dolorosa transformação na última década: as empresas estatais, que supostamente deveriam impulsionar a modernização, foram privatizadas e desmanteladas, enquanto corporações estrangeiras despejavam investimentos em montadoras de computadores e carros, usando tecnologia externa.
Mas onde alguns cientistas brasileiros enxergam apenas as ruínas da antiga base industrial, Zuffo identifica oportunidades. "O Brasil logo se tornará o quarto maior fabricante de carros do mundo", afirma. "Cada carro terá 200 chips. Nossa sensação é de que existe um enorme mercado para nossas idéias - quando temos idéias, saímos atrás de parceiros industriais e eles nos financiam".
Se o otimismo radiante de Zuffo faz eco à agitação moderna de São Paulo, ele destoa da realidade cotidiana enfrentada pelo resto do país. O Rio de Janeiro não é, de maneira alguma, a região mais pobre do Brasil, mas as condições enfrentadas pelos pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) refletem os problemas gerais que afligem a ciência no país.
O orçamento da universidade vai para salários: A universidade gasta quase 95% de seu orçamento de R$500 milhões em salários, deixando pouco para as amenidades necessárias ao empreendimento de pesquisa. Há exceções - a moderna e bem equipada escola de engenharia, por exemplo, que recebe uma ajuda substancial da indústria através de uma fundação privada criada para este fim.
O acesso à Internet é, porém, dolorosamente lento na universidade, e a biblioteca parou de comprar todas as publi-
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cações no último verão quando o governo federal cortou uma verba destinada a isso. O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso nomeou recentemente um novo reitor para a universidade, mas este, como não foi eleito pelo corpo docente, tem sido objeto de considerável animosidade.
O Estado do Rio de Janeiro tem procurado sobrepujar São Paulo criando um dispositivo constitucional para investir não 1%, mas 2% da arrecadação fiscal do Estado em ciência e tecnologia. Contudo, o dispositivo não foi aprovado. Como diz José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, "ninguém vai pedir o impeachment de um governo estadual só porque não se cumpre a lei". No ano passado, o Estado do Rio de Janeiro gastou apenas O, 1% da receita- R$9 milhões - com ciência.
A performance desanimadora poderá melhorar muito em breve, porém. O novo governador do Estado firmou o compromisso de atingir a meta de 2%, e nomeou Wanderley de Souza, um popular biofísica da UFRJ, como seu secretário de ciência. "Nossa idéia é chegar a 2% até o final do mandato", diz Souza. "tá pelo meio do ano, saberei se as coisas estão avançando conforme o planejado".
Este ano, a agência de fomento à ciência no Rio de Janeiro, FAPERJ, tem um orçamento de R$48 milhões, e finalmente recebeu as duas primeiras parcelas mensais de R$4 milhões cada. Afora isso, os cientistas não estão excessivamente otimistas. "O último governo anunciou que faria assim em 1995, mas isso não aconteceu", diz Leopoldo de Meis, destacado bioquímico da universidade.
Mas os pesquisadores da UFRJ se orgulham do que já conquistaram, mesmo em condições adversas. George dos Reis, outro biofísica da universidade, comenta que ela produz aproximadamente a metade do tanto de boa ciência que é produzida na Universidade de São Paulo, com muito menos apoio do governo estadual. "É muito difícil, mas penso que estamos nos mantendo equiparados aos padrões internacionais", diz ele. "Estamos fazendo um bom trabalho, numa situação calamitosa", diz o pesquisador de biologia molecular de plantas, Paulo Ferreira.
Realinhamento radical: A transição econômica do país ao longo da última década está forçando, agora, um realinhamento igualmente radical da política científica brasileira. O país levou 25 anos planejando um desenvolvimento industrial auto-suficiente, sustentado por um grande grupo de cientistas e engenheiros treinados nas universidades do país ou do exterior (os brasileiros geralmente retornam ao país depois de estudar no exterior). Essa estratégia de desenvolvimento protecionista é hoje encarada como um fracasso - o Brasil privatizou as corporações industriais que estavam no cerne de tal estratégia e abriu-se para corporações multinacionais que importam tecnologia.
Nesse admirável mundo novo, o papel da ciência, da tecnologia e das universidades é menos claro. "No começo dos anos 90, a crise tornou-se visível", diz Luís Carlos Bresser Pereira, o economista treinado na Universidade de Chicago, que foi nomeado ministro da Ciência e Tecnologia no
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a antiga rivalidade entre o próprio ministério e seu conselho semi-autônomo de pesquisa, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), fundindo os dois e nomeando a si próprio presidente deste último. A medida alarmou os cientistas, que não foram consultados. "Há certos tipos de mudanças que, ou se faz no começo, ou não se faz nunca", explica Bresser.
As linhas de luz do LNLS são usadas em pesquisas de química, biologia, físi ca e ciência dos materiais.
Ele pediu a Fernando Reinach, bioquímico e bolsista do Howard Hughes na Universidade de São Paulo, para executar a reorganização. Reinach diz que a mudança vai promover os vicepresidentes do CNPq ao status e salário de subsecretários do governo, permitindo-lhe atrair cientistas de alto nível a Brasília para gerir os programas do ministérios durante alguns anos.
novo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. "Apenas gastar dinheiro em ciência e tecnologia não estava resolvendo nossos problemas" . O governo vê o distanciamento entre academia e indústria como um problema fundamental, embora muitos acadêmicos se eximam da culpa. "A indústria inovadora, se é que existiu, está desaparecendo", diz Sérgio Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. "O orçamento para ciência estagnou, como se ela não fosse uma coisa necessária para o Brasil".
Bresser é um consumado reformador e sua chegada ao cargo foi recebida com algum temor pelos cientistas brasileiros. Num recente encontro de cientistas promovido pelo Howard Hughes Medical Institute, no Rio de Janeiro, em janeiro, Bresser manifestou sua preocupação com a oferta excessiva de pesquisadores e não pareceu se convencer com os apelos em favor de mais recursos. "Costumamos importar equipamento que nunca é usado" , disse ele, em resposta a uma queixa nesse sentido.
Os cientistas estão frustrados com os números do governo, que situam os gastos anuais do Brasil com pesquisa e desenvolvimento em US$5,5 bilhões (Interamerican Science & Technology Indicators de 1997), enquanto eles lutam para manter os magros programas do governo federal que financiam bolsas e pesquisa básica. Como disse Sérgio Ferreira, bolsista do Howard Hughes na UFRJ, a Bresser, "em Brasília vocês falam em bilhões de dólares, mas, na outra ponta, ficamos contentes quando recebemos centavos!"
Bresser quer que a ciência se aproxime das necessidades próprias do Brasil. "Precisamos realizar a pesquisa que for relevante para a sociedade", diz ele. "Devemos desenvolver soluções que sejam relevantes para o clima, ou para o solo -coisas que os franceses e norte-americanos não estão fazendo para nós".
Entretanto, sua primeira medida foi embarcar numa reorganização do Ministério de Ciência e Tecnologia, eliminando
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A idéia é fundir a credibilidade científica do CNPq com o poder financeiro do ministério, criando um mecanismo mais eficaz para apoiar a pesquisa e o ensino de pósgraduação no Brasil. O país tem mais pesquisadores do que pode apoiar e Bresser questiona a concessão, pelo CNPq, de tantas bolsas para estudantes, especialmente para o nível de mestrado.
A intenção do ministério é concentrar seus recursos no apoio à ciência de alta qualidade, através de mecanismos como o Programa Nacional de Excelência em Ciência (Pronex), que, criado em 1996, apoia atualmente 208 grupos multidisciplinares. Moysés Nussenzweig, físico da UFRJ que desenvolveu o conceito do Pronex, diz que o programa atraiu apenas çerca de R$40 milhões por ano de financiamento, em comparação com os R$250 milhões inicialmente previstos. "O modo como esses projetas são escolhidos é significativamente melhor do que qualquer outro processo no Brasil", diz Nussenzweig, que teme a "destruição" do programa, caso o apoio seja cortado ainda mais.
Especialistas duvidam de estatísticas: A verdadeira situação do financiamento à ciência no Brasil era difícil de se averiguar mesmo antes da crise cambial de janeiro, segundo os especialistas que compilam as estatísticas. Apesar de o governo dizer que o investimento nacional em pesquisa e desenvolvimento (P&D) estabilizou-se em torno de R$5 bilhões por ano, um grupo de estudos de ciência da UFRJ argumenta que ele despencou para a metade desde 1996. "Há uma quantidade de dinheiro estável do governo" , afirma Bresser, acrescentando que a P&D industrial cresceu.
Os críticos dizem que a indústria obtém isenções fiscais sobre trabalho de pesquisa inexistente, distorcendo gravemente os números. Além disso, as agências freqüentemente gastam menos do que a quantia orçada. "O dinheiro para auxílios está sendo muito reduzido", diz Jacqueline Leta, es-
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AS CHANCES DA AMtR I CA LAT I NA
pecialista em estatísticas de pesquisa da UFRJ. "Ninguém sabe quanto eles investem em ciência e eles estão sempre nos confundindo (com mais estatísticas)", diz ela.
A situação da ciência na sociedade brasileira também é assunto polêmico. "A maioria das pessoas tem uma visão negativa da ciência", diz Meis, da UFRJ. Mesmo quando as elites prometem apoio à ciência, observa, "há uma distância entre o que dizem e o que realmente fazem. Para vencer essa distância são propostas soluções administrativas". Mas Nussenzweig, um observador igualmente tarimbado, sustenta que a população do país ama a ciência e a tecnologia.
O fato de muitos estados brasileiros terem um dispositivo constitucional alocando dinheiro para ciência e tecnologia- um dispositivo que seria impensável nos Estados
Unidos, por exemplo- fala por si mesmo da fé que essa nação depositou na ciência como chave para seu progresso. O mesmo vale para o impressionante campus da Universidade de São Paulo e para o modo como até mesmo o governo militar investiu, antes de sua extinção, em 1985, num ambicioso programa espacial (ver página 9) e na pósgraduação. Apesar de inconsistências políticas e do abismo que separa o Estado de São Paulo do resto do país, uma ampla comunidade científica continua acumulando forças. "O Brasil tem sido muito obstinado e persistente no apoio à ciência, nos bons e nos maus tempos", diz Andrew Simpson, geneticista inglês especialista em câncer do Ludwig lnstitute, em São Paulo. Será apenas questão de tempo para este investimento frutificar.
PROTEGENDO A CULTURA DE CITROS
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0 "Não havia absolutamente ~ nenhuma informação biológica ~ (sobre a Xylella) ", diz Andrew ~ Simpson, do Ludwig lnstitute,
Além de ser responsável pela metade da ciência produzida no Brasil, o Estado de São Paulo produz aproximadamente um terço das laranjas do mundo. Parece mais do que natural, portanto, que a liderança científica do Estado esteja procurando impulsionar sua presença na genética molecular, por meio de um ambicioso programa de seqüenciamento do genoma inteiro de uma bactéria que co-
lnspeção semanal contra a clorose variegada de cirros.
em São Paulo que, juntamente com dois experientes grupos da Universidade de São Paulo e da Unicamp, está coordenando as atividades de todos os diferentes grupos de seqüenciamento. "Achamos que esse é um caminho viável de abordar problemas biológicos, e penso
loca em risco as culturas de citros. A FAPESP, agência de fomento à ciência do estado,
decidiu, há dois anos, que era necessário um projeto especial para impulsionar a genética na região. Hoje, 30 grupos de pesquisa espalhados por todo o estado estão perto de completar o total seqüenciamento genético (2, 1 megabases) da Xylella fastidiosa, bactéria que representa uma perigosa ameaça à cultura cítrica da região, uma vez que provoca a clorose variegada dos citros, doença que bloqueia a circulação de nutrientes nas laranjeiras.
"É o primeiro projeto de seu gênero a ser realizado fora dos Estados Unidos, Europa ou Japão", alardeia Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. Obtendo a seqüência genética de um organismos cuja biologia tem sido precariamente estudada e tentando depois estabelecer as funções dos genes e o funcionamento da doença, a equipe do projeto espera se projetar para a linha de frente da genética.
Os plantadores de citros brasileiros contribuíram com US$500.000 para o projeto de US$10 milhões, ressaltando sua potencial relevância para seus negócios.
que nunca foi feito antes". A FAPESP qlleria se envolver em genômica, explica
Simpson, mas decidiu contra o lançamento de uma chamada normal a propostas individuais ou a criação de um centro- "nós ainda estaríamos discutindo onde instalá-lo" - , em favor da criação de um projeto único, de âmbito estadual. Observadores do projeto dizem que ele extraiu o melhor de seus participantes- em especial daqueles que estavam anteriormente isolados ou subempregados -, além de despertar grande interesse público. O projeto tem sido comentado na imprensa científica e econômica internacional e em breve será objeto de um documentário científico em quatro partes, a ser exibido na TV estatal de São Paulo.
Perez diz que a FAPESP tem US$35-40 milhões alocados atualmente na pesquisa de genoma e, para além do seqüenciamento da X fastidiosa, está olhando para projetos que vão seqüenciar a Xanthomonas campestrioutra bactéria que infecta laranjeiras-, e obter seqüências de cDNA da cana de açúcar. Mas é o trabalho do genoma funcional, subseqüente ao seqüenciamento, que mais entusiasma os biólogos brasileiros.
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O progran1a espacial brasileiro atinge a maioridade
TONY R.EICHHARDT
Este ano, se o cronograma for mantido, o Brasil vai finalmente concretizar uma ambição de 20
anos de juntar-se ao primeiro time dos países envolvidos na pesquisa espacial. A agenda para 1999 tem todos os ingredientes de um programa espacial maduro, desde a estréia de um novo foguete brasileiro até a seleção de astronautas para voar na estação espacial internacional.
Embora o programa remonte aos anos 60, foi a aprovação da chamada Missão Espacial Completa Brasileira, em 1979, que colocou o Brasil no caminho da auto-suficiência. A meta desse plano tem sido desenvolver os meios independentes para construir e lançar satélites, e para isso o Brasil investiu mais de um bilhão de dólares.
~ O INPE espera lançar o primeiro de Ci um par de pequenos satélites de obser~ vação da terra, com custo de US$30
milhões, nos próximos dois anos. Os satélites, chamados de SSR, serão colocados numa órbita equatorial apropriada para observar o Brasil e outros países tropicais.
Este ano, o plano chega ao momento de fruição. O novo foguete VLS, de tamanho modesto, mas 100% brasilei
O VLS-1 na torre móvel de integração.
Historicamente, o INPE, que recebe aproximadamente a metade do orçamento anual de US$200 milhões para atividades espaciais do Brasil, tem sido também o principal centro de interpretação de imagens de sensoriamento remoto do país. O instituto costumava relutar em partilhar seus dados com pesquisadores de fora, mas a situação está melhorando. Uma indústria privada está lentamente se desenvolvendo na área de análise de sensoriamento remoto, particularmente para aplicações agrícolas, e cientistas brasileiros têm estabelecido suas próprias relações com agências espaciais estrangeiras, independentemente do INPE. Roberto Ca-
ro, deverá fazer sua estréia depois de uma tentativa fracassada de colocação em órbita em 1997. O primeiro dos dois Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (CBERS) será lançado em julho por um foguete chinês. O Brasil pagou 30% do custo de US$1 00 milhões do satélite e construiu uma de suas três câmeras. O país espera reduzir sua dependência das imagens do Landsat, norte-americano, e do SPOT, francês, e obter imagens mais freqüentes da região amazônica.
Em grande parte devido à vastidão de seu território, o sensoriamento remoto continua sendo "muito importante para este país", diz Luiz Bevilacqua, professor de engenharia mecânica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que representa a comunidade científica numa comissão consultiva da Agência Espacial Brasileira. Mais ainda, o governo parece reconhecer essa importância. Há vários anos, o presidente Fernando Henrique Cardoso determinou que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), principal agência para ciência espacial e suas aplicações, aumentasse a freqüência da coleta espacial de dados sobre o desmatamento da Amazônia. Agora, diz Thelma Krug, chefe da Coordenação de Observação da Terra do INPE, o Brasil tem "o maior programa do mundo" para o monitoramento florestal do espaço.
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lheiros, cientista da área de meteorologia da Universidade do Estado de ~ão Paulo-UNESP, é o coordenador científico do projeto de um sensor de umidade, programado para voar no satélite PM-1 da NASA.
Uma questão chave, porém, é até que ponto o Brasil pode arcar com um programa espacial. No começo dos anos 90, quando o orçamento do INPE estava em queda, o diretor do instituto, Márcio Barbosa, optou pela redução da pesquisa em ciência espacial para financiar projetos de maior prioridade. Bevilacqua acredita que Barbosa "fez a coisa certa" na ocasião. Mas uma conseqüência disso foi que a agência realizou pouco em astronomia espacial ou em ciência planetária.
Mas isso pode mudar com o lançamento do primeiro microsatélite científico do Brasil, o SACI-1, no mesmo foguete chinês que levará o satélite de sensoriamento remoto, CBERS, em julho. A bordo estarão quatro pequenos experimentos centrados em física espacial. Com as recentes reduções no tamanho e no custo dos satélites, o SACI-1 custará ao INPE menos de US$5 milhões.
O mais recente acréscimo ao portfólio espacial do Brasil é a pesquisa em microgravidade. Cinco experimentos já voaram no ônibus espacial norte-americano e uma comunidade de pesquisa está "crescendo rapidamente" para se be-
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AS CHANCES DA AMtRICA LATINA
neficiar do novo papel do país na estação espacial internacional, diz Bevilacqua.
O governo brasileiro destinou cerca de US$150 milhões para se associar à estação. O primeiro astronauta brasileiro já foi nomeado, e outro será escolhido este ano. Entre as contribuições do país, estará uma janela de alta qualidade óptica para a observação da terra, que poderá ser usada para testar instrumentos que posteriormente seriam adaptados para satélites de sensoriamento remoto.
Entre os cientistas brasileiros, as reações à participação do Brasil no projeto mostram-se divergentes. Enquanto alguns a vêem como uma ameaça, outros dizem que o comprometimento de recursos é relativamente pequeno. A maioria, porém, concorda em que ainda é cedo para saber se o novo enfoque em astronautas e na pesquisa de microgravidade vai desviar recursos de outros setores do programa espacial.
A ameaça de cortes orçamentários preocupa bastante os éientistas espaciais brasileiros. José Monserrat, editor do
. Jornal da Ciência, publicado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC, queixa-se de que "não temos
prioridades claras" na questão espacial, e de que cada projeto é forçado a lu tar por seus próprios interesses num período de cortes. O dinheiro anda escasso, não só pela situação oscilante da economia, mas também porque os recursos destinados pelo governo ao INPE são freqüentemente desviados para algum outro fim antes de chegarem ao instituto. O orçamento do INPE, lamenta Monserrat, é uma "fantasia", acusação que Bevilacqua apoia. Cientistas brasileiros de todas as áreas, e não apenas da pesquisa espacial, estão aborrecidos por não estar "recebendo o que está escrito no contrato", diz. Ele também se preocupa porque a agência "não está atraindo jovens cientistas de qualidade", por não poder pagar salários competitivos.
Apesar de todos esses problemas, a maioria dos cientistas de dentro e de fora do INPE acredita que o programa, não só vai sobreviver, como vai avançar. Segundo Calheiros, o governo e o povo brasileiro passaram a compreender o valor do programa espacial, não apenas para a observação da terra, mas pela capacidade que tem de impulsionar o desenvolvimento tecnológico no Brasil.
Faltatn recursos para salvar a biodiversidade da Amazônia
ANDREA KAUFFMANN-ZEH
opulação da bacia amazônica está entre as mais pores da América Latina, mas as florestas equatoriais a região abrigam a diversidade de vida mais rica do
mundo. O potencial dessa riqueza foi reconhecido implicitamente, pela primeira vez, em 1992, quando representantes de 150 países reuniram-se no Rio de Janeiro para assinar a Convenção sobre Biodiversidade. Sete anos depois, porém, a região ainda luta para extrair alguma coisa dessa riqueza natural ou ao menos planejar sua futura exploração.
A convenção redefiniu biodiversidade como a "herança comum da humanidade" e deu direitos de soberania sobre ela a cada nação. Apesar de não ter sido ratificada pelos Estados Unidos, provavelmente o maior importador de biodiversidade, as grandes corporações farmacêuticas estão tentando atuar de acordo com seus termos. Mas os países amazônicos têm avançado pouco no exercício de seus direitos estabelecidos pelo acordo. Em vez disso, o uso da biodiversidade da região por habitantes da floresta, cientistas e grupos industriais, permanece como fonte de controvérsias. As parcerias com corporações estrangeiras para a bioprospecção despertam sentimentos ainda mais fortes.
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Os defensores da Convenção, porém, continuam otimistas. Roberto Çavalcanti, presidente do braço brasileiro do grupo preservacionista Conservation International e ornintólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, diz que a bioprospecção- se feita corretamente- ajudará a desenvolver a capacidade científica local, preservar e documentar o conhecimento indígena e proporcionar incentivos à conservação. "Poderia ajudar a agregar valor econômico à preservação da biodiversidade amazônica", diz ele.
Walter Reid, bolsista do World Research Institute, (WRI) com sede em Washington, acredita que ainda é muito cedo para afirmar que a bioprospecção se tornará economicamente significativa. "A chance de encontrar compostos potencialmente úteis é pequena, e desenvolver um remédio comercializável toma tempo", diz. "Há quem defenda pagamentos adiantados aos países de origem dos produtos, mas eles geralmente representam quantias muito pequenas".
Os países amazônicos interessados na bioprospecção estão analisando atualmente uma entre duas opções. A primeira é usar a biodiversidade como simples ferramenta para ganhar dinheiro, via concessões para mineração ou extração de madeira, por exemplo. "O problema com essa opção é que ela pode levar a uma exploração descontrolada e à dila-
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pidação de recursos naturais, sem lucros significativos ou progresso tecnológico", diz Cavalcanti. A segunda opção é administrar os recursos biológicos e o conhecimento tradicional de forma a incentivar a conservação, junto com a transferência de tecnologia, o treinamento e a educação.
"U111 dos maiores benefícios potenciais da bioprospecção é a transferência de capacidade científica e tecnológica", diz Adalberto Luís Vai, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), para quem ela pode ajudar os países da região a superar seu papel tradicional de exportadores de matérias primas.
A exigência de um grande esforço: Mas será necessário um esforço considerável para promover o processo. Sérgio Ferreira, presidente da SBPC, diz que "um levantamento regional abrangente (da biodiversidade) é urgentemente necessário". Este deveria ir além da coleta de amostras e da construção de inventários, agregando valor aos recursos biológicos antes que eles deixem o país.
Um grande esforço é também necessário para preservar a biodiversidade existente para futuras gerações. Carlos Peres, biólogo conservacionista da Universidade de East Anglia, observa que embora a ênfase atual esteja no ganho económico, o futuro de toda a biota amazónica vai acabar exigindo sua completa caracterização e preservação.
AS CHANCES DA AMÉRICA LATINA
tais e corporativas, e deverá apoiar o investimento de capital de risco em empresas de biotecnologia iniciantes, mecanismos para a obtenção de patentes e outras iniciativas para a impulsionar o setor no Brasil.
O financiamento da ciência em outros países da região amazónica tem sido limitado e inconsistente, deixando sofisticados programas locais para além de seu alcance. Mas a cooperação internacional oferece uma estratégia alternativa. A coordenação política em toda a região foi iniciada em 1978 com a criação do Tratado de Cooperação da Amazônia (ACT), estabelecido para promover o desenvolvimento económico. O tratado fomentou estudos e discussões, vem
criando comissões para o meio ambiente e para a ciência e tecnologia, e tem ainda esboçado acordos bila-
Essa caracterização mal começou, e é difícil visualizar os governos da região pagando por ela enquanto enfrentam desafios, obviamente mais urgentes, de assistência sanitária e educação básicas. José Galizia Tundisi, da Universidade Federal de São Carlos-UFSCar que, até janeiro,
Uacari branco, habitante das florestas equatorial brasileira e subtropical do Equador.
presidia o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq, diz que o Brasil deveria investir no treinamento de mais pesquisadores. Mas o próprio Tundisi teve que congelar o programa de bolsas do CNPq em setembro de 1998, para "cumprir outros compromissos da agência".
Embora não esteja claro como a ciência vai sair da recente crise económica brasileira, o país está ma·is preparado do que qualquer outro da América Latina para montar um empreendimento de bioprospecção nativo. O Programa de Ecologia Molecular para o Desenvolvimento Sustentável da Região Amazónica (PROBEM), por exemplo, pretende estimular a bioindústria, e é apoiado pelos governos estaduais e federal, pela comunidade científica e pelo setor privado. Wanderley Messias da Costa, diretor do programa, diz que um Centro de Biotecnologia da Amazônia, de US$60 milhões, que está sendo construído como parte do PROBEM, será suficientemente forte para atrair cientistas de alto nível do Brasil e do exterior. O PROBEM está criando também um fundo para receber doações privadas, governamen-
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terais que ajudariam, segundo autoridades do ACT, todos os países envolvidos na administração da biodiversidade.
Esforços acadêmicos combinados: A Associação de Universidades da Amazônia (UNAMAZ) é uma iniciativa antiga para combinar os recursos acadêmicos dos oito países da região. Mas ela tem sido prejudicada pela falta de um financiamento efetivo por parte dos países membros.
Parcerias com companhias farmacêuticas estrangeiras são outra possibilidade para os países da região, que olham para o INBio da Costa Rica e para o programa International Cooperative Biodiversity Group (ICBG), financiado pelos Estados Unidos, como exemplos promissores dessa cooperação. O JCBG começou seu programa de bioprospecção em 1994, no Suriname, na borda setentrional da região amazónica. O programa é dirigido por David Kingston, do Virgínia Polytechnic Institute and State University, e apoiado pela Conservation International, Missouri Botanical Garden, BGVS (a companhia farmacêutica local) e a Bristol Myers Squibb (BMS), corporação farmacêutica norte-americana. "A BMS vai pagar
II
AS C HANCES DA AMIÔRICA LATINA
US$150.000 ao Suriname ao longo de cinco anos (para remunerar a comunidade)", explica Kingston. "Além disso, o projeto está treinando pessoas, transferindo tecnologia para instituições de pesquisa locais, e dará uma participação nos royalties resultantes de qualquer produto obtido, a todas as partes."
Sarah Laird, pesquisadora que avaliou esses programas para a WRI e a World Wildlife Foundation, diz que a região pode aprender com empresas farmacêuticas estrangeiras.
Mas pesquisadores e autoridades governamentais da região continuam desconfiados dessas corporações, temendo que as parcerias de pesquisa com elas sejam assimétricas. "O treinamento deveria ir além da coleta de amostras, estendendo-se a todos os níveis da pesquisa, e a informação científica deveria ser livremente compartilhada por todas as partes - nada disso aconteceu", diz Bráulio Dias, presidente da Fundação para a Biodiversidade Brasileira.
Necessidades difíceis de antecipar: Sejam quais forem as leis existentes, os contratos entre partes são críticos. "Nossa experiência com o ICBG indica que é muito difícil antecipar todas as necessidades e potencialidades de um determinado acordo", diz Joshua Rosenthal, do Fogarty lnternational Center do National lnstitutes of Health, ad
ministrador geral do programa ICBG. O acordo peruano com o ICBG, por exemplo, foi estabelecido antes de existir a Resolução 391 ou qualquer outra lei peruana, e sua primeira fase foi criticada por falta de transparência e eqüidade. Ele foi reelaborado para atender melhor as necessidades da população local e as outras partes envolvidas. "Aprendemos com nossos erros passados e tentamos fazer nossos acordos mais eqüitativos", diz Rosenthal. "A chave é flexibilidade e comunicação entre todas as partes".
Os países estão estudando mudanças legais e administrativas para garantir que os resultados da pesquisa e os benefícios de atividades de bioprospecção sejam compartilhados. Uma base legal para afirmar, monitorar e proteger direitos de propriedade inte-lectual, também está sendo desenvolvida. Uma biota rica, incluindo a jaguaririca.
Na prática, porém, as comunidades locais, pesquisadores e representantes de governo envolvidos com os acordos de bioprospecção raramente têm suficiente experiência para negociá-los, e raramente estão em posição política ou financeira para exercer os direitos obtidos. Ademais, a receita com direitos de propriedade intelectual pode ser suplantada pelos custos Pelo menos dois projetos de lei, estão
sendo debatidos no congresso brasileiro, um, proposto pela senadora Marina Silva, e o outro, pelo governo. O projeto de Silva exige que pesquisadores estrangeiros façam um acordo formal com suas contrapartes brasileiras antes de começar a pesquisar em solo brasileiro ou receber espécimes brasileiros.
Alguns cientistas temem que leis inadequadas prejudiquem a pesquisa futura. "Uma legislação restritiva pode não ser capaz de estabelecer diferenças entre a bioprospecção para o desenvolvimento de produtos e a genuína pesquisa acadêmica", diz Sir Ghillean Kew, diretor do Royal Botanical Gardens, em Kew, Londres. Pode também impedir parcerias desejáveis entre esses países e corporações estrangeiras. Manolo Ruiz Muller, advogado peruano que trabalha atualmente em Kew, diz que tem visto os dois resultados, em decorrência de uma legislação feita às pressas por membros do Pacto Andino, a aliança comercial entre Bolívia, Peru, Colômbia, Equador e Venezuela.
A Resolução 391 do Pacto Andino estabelece regulamentos mínimos, obrigatórios, para o acesso a recursos genéticos. Muller diz que o problema da Resolução 391 não é tanto seu escopo, mas a inconsistência com que está sendo implementada. Colômbia e Bolívia sancionaram-na integralmente, o Equador aprovou uma versão resumida, o Peru fez um projeto de lei que será avaliado em breve, e uma lei compatível com a Resolução 391 está sendo analisada na Venezuela. Um "Parlamento Amazônico", fundado pelos signatários do ACT, tem procurado coordenar o tratamento legislativo por esses países.
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para obter e aplicar essa proteção. "É quase naturalmente injusto", diz Walter Reid. "As corporações estrangeiras são freqüentemente assessoradas por grandes equipes de advogados tarimbados e têm meios financeiros suficientes para lidar com essas situações".
Para restabelecer o equilíbrio, o Banco Mundial vem encorajando países c;m desenvolvimento a adorar uma atitude firme em negociações de propriedade intelectual. Assim, não constitui surpresa o fato de alguns países ainda estarem erguendo barreiras contra a exploração externa da biodiversidade, apesar das proteções que obtiveram com a Convenção sobre Diversidade Biológica.
Sete anos após a assinatura da convenção, a delicadeza e a complexidade das questões envolvidas, antes se intensificaram do que abrandaram, e os países da Amazônia ainda buscam soluções para problemas relacionados com o melhor uso e a proteção da biodiversidade.
Um código equilibrado de conduta científica, permitindo a livre circulação de conhecimento e, ao mesmo tempo, preservando os interesses estratégicos nacionais e regionais, é extremamente necessário e poderia ser criado e implementado por associações profissionais de biólogos. E embora fundos como o Global Environment Facility, um mecanismo financeiro de US$2 bilhões implementado pela ONU e Banco Mundial para financiar a proteção ambiental, tenham dado alguma assistência no estabelecimento de políticas, ainda faltam recursos para desenvolver o knowhow cientifico e tecnológico necessário na bacia amazônica.
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AS C H ANCES DA AMÉ RI CA L AT I NA
MÉXICO
Pesquisadores buscalll apoio da opinião pública Dlexicana*
LAURA GARW1N I * resumo
rônica falta de confiança nos cientistas do país mara a indústria do México e esse é um dos muitos roblemas que a ciência mexicana deve superar para
ser encarada como uma ferramenta de desenvolvimento nacional. Muitos cientistas sentem que, a despeito das reiteradas afirmações públicas do presidente Ernesto Zedillo sobre a importância da ciência e tecnologia, isso não é aceito pelos que estão no poder ou pela opinião pública.
Parte do problema é cultural. O México herdou a tradição européia do cientista como acadêmico e não o modelo norte-americano do cientista inventor e empresário. Para um pesquisador universitário, ter ligação com a indústria é se arriscar a ser acusado de "prostituição" pelos colegas. Tradicionalmente, os contratos universitários concedem apenas um tempo mínimo para consultarias ou outro trabalho externo.
Além disso, uma grande parte do salário de um cientista (às vezes, mais de 50%) vem de um sistema de suplementação salarial - administrado por instituições de pesquisa e pelo CONACYT, o Conselho de Pesquisa do México -, cujo valor está vinculado ao número de trabalhos publicados em revistas internacionais respeitadas. E trabalhos de pesquisa aplicada junto a indústria raramente rendem publicação.
Do lado da indústria, não há forte tradição de investimento em P&D, seja internamente ou nas universidades. Até o início dos anos 80, o México tinha uma política industrial de propriedade estatal e protecionismo que resultava em pouco incentivo ao investimento em inovação. Agora, as empresas querem modernizar sua tecnologia, mas voltam-se mais para empresas estrangeiras atrás de ajuda, e não se mostram muito dispostas a esperar o tempo necessário para que a ciência e a tecnologia nacionais encontrem respostas para suas necessidades.
culo vicioso: a comunidade é pequena demais para resolver os problemas nacionais, o que favorece a falta de apoio público à pesquisa, o que, por sua vez, impede o crescimento da comunidade.
A esse quadro crônico de dificuldades, somam-se as contínuas oscilações da política governamental derivadas do sistema eleitoral mexicano que, ao proibir a reeleição de presidentes e membros do Congresso, provocam instabilidade no fluxo de investimentos em P&D por parte do governo.
Várias iniciativas do governo têm procurado alterar esse quadro, aumentando e intensificando os vínculos da pesquisa científica com a indústria do país e com suas necessidades de desenvolvimento econômico. O CONACYT está tentando promover a pesquisa aplicada através de seu sistema de 27 centros de pesquisa, financiados pelo Ministério da Educação, com o que espera sensibilizar a sociedade para o poder da ciência e da tecnologia. Esses centros trabalharam com 9.000 companhias no ano passado, e de 30% a 40% do orçamento total do sistema veio de fontes externas.
O CONACYT pretende ainda reduzir a falta de incentivo salarial à pesquisa aplicada, ampliando os critérios de classificação para o sistema de suplementação salarial, e nele incluindo patentes, contratos com a indústria, criação de novos softwares e similares, assim como publicações analisada por pares.
Esse esforço de aproximação entre a academia e a indústria vai recebeJ; um impulso substancial com um empréstimo de US$300 milhões do Banco Mundial, aprovado em junho do ano passado. Juntamente com US$210 milhões do governo mexicano e US$150 milhões do setor privado
local, o fundo assim criado ~ será usado para financiar o ~ Projeto de Conhecimento ~ e Inovação, de cinco anos, u absorvendo cerca de um ter-
Um outro problema para o México é o pequeno porte de sua comunidade científica. No país de 100 milhões de habitantes, há apenas 4.500 pesquisadores em ciências naturais e engenharia, produzindo cerca de 300 PhD por ano, e isso, segundo alguns cientistas, cria um dr-
Planta piloto de fermentação, erguida em 1990, "quando o governo
queria transformar universidades em fábricas ", segundo os críticos.
ço dos financiamentos do CONACYT neste período. Cerca de 60% dos US$660 milhões serão gastos na promoção de vínculos entre a academia e a indústria e em apoio tecnológico a empresas; o restante financiará a pesquisa acadêmica, mas com uma parte reservada a campos de "alta relevância científica, econômica e/ou social para o México".
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AS CHANCES D A A M ÉR I CA LAT I NA
ARGENTINA
Reforflla peronista divide cofllunidade científica*
COLLIN MCILWA!N I *resumo
O presidente Carlos Menem negligenciou a pesquisa em seu primeiro mandato, mas desde 1996 vem procurando renovar a considerável tradição científica argentina através de várias medidas: um plano nacional de ciência e tecnologia, a criação de um gabinete de ciência - presidido por seu chefe de gabinete, Jorge Rodríguez, um geneticista de plantas - e a criação da Agência Nacional para a Promoção da Ciência e da Tecnologia (conhecida como "a Agência").
As iniciativas têm sido combatidas por amplos setores de uma comunidade que ainda se sente subfinanciada e desconfiada da anterior negligência do regime peronista. Mas a Agência, com forte apoio do Banco lnteramericano de Desenvolvimento, está se fortalecendo e começa a implementar suas reformas, reduzindo a resistência da comunidade.
Via Agência, o governo tem procurado incentivar a cooperação com a indústria e acordos com governos estrangeiros, propondo-se a apoiar a pesquisa básica "nas coisas que fazemos bem", como diz Rodríguez. Ele se refere especialmente à biotecnologia, campo em que a Argentina tem potencial de expansão, valendo-se da tradição estabelecida pelos três bioquímicos ganhadores do Nobel:
tutos ficam e quantos vão fechar ou ser fundidos". Ele prevê que quatro quintos permanecerão, mas sua gestão mudará, envolvendo mais administradores de fora do meio científico.
A Argentina vem encorajando também o crescimento de novas universidades orientadas para a tecnologia, como a Universidade Nacional de General San Martín. O governo e pesquisadores consideram as velhas universidades burocráticas, distantes da indústria e impossíveis de reformar.
Mas uma parte substancial da infra-estrutura de pesquisa permanece intocada pelas reformas. A Comissão Nacional de Energia Atómica, cujo orçamento de US$1 00 milhões representa cerca de 10% do investimento do país em P&D, parece estar fora de controle, depois que Dei Bello tentou e não conseguiu transformá-la em agência científica. Ela separou-se do Ministério da Ciência, voltando a se comprometer com a busca de energia de fissão viável, com forte apoio dos setores peronistas. A intenção do órgão, na voz de seu presidente, Dan B'eninson, é "renuclearizar a comissão", procurando desenvolver reatores seguros para exportação.
Mario Albornoz, diretor do Instituto para o Estudo de Ciência e Tecnologia da Universidade de Quilmes, em Buenos Aires, preparou um documento de política científica
para a aliança de partidos que Bernardo Alberto Houssay (Medicina, 1947), Luis Leloir (Química, 1970) e César Milstein (Medicina, 1984).
1-:;7"::-......-:~---yy::r]ii!ii!~I!Jr------:-,."""":;:::-:-l ij pretende derrotar os peronis~ tas na próxima eleição presi~ dencial - nessa eventualida~ de, ele está cotado para ~ assumir o Ministério da Ciên-:r: ~ cia. A aliança pretende desen-
Mas os jovens biólogos falam das dificuldades de seguir carreira, alegando que há dinheiro para formar cientistas, mas não para sustentar seu trabalho. Criticam o Conselho Os três Nobel da Argentina: Houssay, Milsrein e Leloir.
volver uma política industrial mais forte e dobrar, finalmente, os gastos com P&D para 1 o/o do PIB. Albornoz, porém, defende a Agência e as Nacional para Ciência e Tec-
nologia (CONICET), que emprega a maioria dos cientistas nos 147 centros de pesquisa espalhados pelo país.
Apesar dos protestos e temores, a Agência continua fazendo progressos. Em seu segundo ano de operações, elevou o teto dos auxílios de US$25.000 para US$50.000 por ano. Seu diretor, Mario Mariscotti, espera conceder 600 auxílios este ano, além dos 700 do ano passado. "Temos a impressão de que a qualidade de ponta está limitada a perto de 1.500 grupos", diz. Por sua vez, o CONICET, que emprega três quartos de seu orçamento de US$220 milhões em salários de pesquisadores, pôde contratar 600 novos pesquisadores este ano, pondo fim ao congelamento de vagas, e está reavaliando seus institutos. Segundo Carlos Dei Bello, ministro da Ciência e Tecnologia, depois vai se decidir quantos insti-
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outras reformas empreendidas por Dei Bello, acusando os cientistas de obstruí-las. Ele considera o sistema obsoleto, com muitos pesquisadores sem recursos ou equipamentos.
Um linguajar de luta pelo poder freqüentemente permeia as discussões sobre a política cientifica argentina, refletindo as agressões sofridas pela comunidade acadêmica sob a ditadura militar, extinta em 1983. Como apontam os argentinos, o país ainda não acertou as contas com o legado da ditadura: a punição dos crimes cometidos em seu nome será a questão central das eleições deste outono. Neste clima, os pesquisadores e outros acadêmicos valorizam, acima de tu
do, sua independência intelectual, e as tentativas do governo peronista ou de bancos estrangeiros para dirigir a política de ciência e tecnologia têm sido tratadas com suspeição.
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AS C H ANCES DA AMÉR ICA LATINA
CHILE
Chile tenta alcançar padrões científicos internacionais*
COLLIN MCILWAIN I *resumo
S ob qualquer ângulo de visão - a reputação internacional de suas lideranças científicas ou a organização das universida
des, os gastos do governo em ciência ou o número de trabalhos publicados internacionalmente pelos pesquisadores - a pequena comunidade científica do Chile é uma das mais bem formadas da América Latina.
Segundo dados do ISI, o Chile, considerada sua população, publica mais artigos do que a Argentina e três vezes mais do que o Brasil e o México. O governo gasta 0,67% do PIB em pesquisa, muito mais que qualquer outro país na região, exceto o Brasil, cujo investimento declarado está artificial-
~ Teitelboim está trabalhando com o Ban.~ co Mundial para estender o mesmo apoio <::! aos chamados Millennium Institutes, que
vão receber, cada um, US$2 milhões anuais para fazer pesquisa internacionalmente competitiva. O físico imagina um abismo sobre o qual é preciso saltar para que o Chile alcance "o outro lado", onde se concentram os postos mais avançados da ciência mundial.
mente inflacionado. As principais universi- Vitral da Universidade Católica.
Há um clima de excitação provocado pela proposta dos Millenium, especialmente entre neurobiólogos e astrônomos, que se consideram em melhor posição para liderar a experiência. Mas há também críticas dos que defendem uma abordagem mais ampla. "Apoiar os jovens é uma prioridade maior", diz Jorge Allende, diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade do Chile, depois de observar que o país está produzindo apenas dades não foram desmanteladas pela ditadu
ra militar, nem foram forçadas pelos governos democráticos a absorver um número inviável de alunos de graduação. E os neurobiólogos chilenos chegaram muito perto dos mais altos padrões internacionais nesse campo.
No entanto, para a elite científica do país, os sucessos são menos visíveis que os fracassos. Talvez por ter visto de perto o sucesso sem restrições - a maioria dessa elite foi formada nas melhores universidades da Europa e dos Estados Unidos -, ela continua a enxergar um quadro insatisfatório.
Nos últimos seis anos, o governo do presidente Eduardo Frei vem adorando um novo enfoque para o desenvolvimento da excelência científica no país. Com a orientação de Claudio Teitelboim, respeitado físico teórico que atua como seu conselheiro científico, Frei tem procurado concentrar recursos em uns poucos grupos de cientistas altamente qualificados, independentemente de sua disciplina ou instituição.
Enquanto a maioria dos países da América Latina tenta copiar as estruturas de política científica do mundo desenvolvido, mesmo quando lhes faltam fundos para implementá-las, o Chile não tem conselho consultivo de ciência e tecnologia nem política científica clara. Teitelboim diz que no mundo inteiro há gestores demais de política científica, e que qualquer grande política de ciência no Chile não passaria de um amontoado de belas palavras.
Em vez delas, Frei tem buscado garantir o apoio à excelência, sem restrições. Assim, 40 "cátedras presidenciais" foram concedidas, e cada um de seus ocupantes ganha em torno de US$100 mil por ano para pesquisas- uma soma que os aproxima dos níveis norte-americanos.
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50 PhD por ano, e não está formando pesquisadores em novos campos vitais da ciência, como genômica e bioinformática.
O precário apoio à pós-graduação é um problema. Mauricio Sarrazin, diretor do CONICYT, a agência nacional de pesquisa, diz que uma de suas prioridades é ampliar recursos humanos. O orgão hoje concede 350 bolsas, e auxílios anuais médios de US$25 mil a quase 1.000 pesquisadores.
Outro problema é a média de idade dos pesquisadores, muito alta- não há, no país, aposentadoria compulsória por idade. Em 12 departamentos do instituto dirigido por Allende, a idade média dos 350 docentes era de 52 anos, até o instituto dar incentivos à aposentadoria e contratar 35 professores.
A Universidade Católica do Chile, considerada uma das melhores da América Latina, aplica US$12 milhões, de seu orçamento anual de US$1 00 milhões, em auxílios à pesquisa. Mas não pode competir, diz Francisco Claro, pró-reitor de pós-graduação e pesquisa, com típicas universidades americanas de pesquisa, como Stanford, que destina a esse fim 25% de um orçamento muito maior.
Para Hernán Quintana, chefe do Departamento de Astronomia da Universidade Católica, se a questão for de recursos, a Astronomia tem a resposta. O Chile deve obter em torno de 10% do tempo de utilização dos telescópios internacionais, de US$2 bilhões, que serão colocados em funcionamento nos Andes, por volta de 2010.
Teitelboim pensa que é preciso estabelecer algumas ilhas de excelência antes de reformar todo o sistema. Mas mesmo ele, embora se orgulhe das "cátedras presidenciais", revela-se um tanto desapontado com o pouco que foi feito até agora.
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AS C H ANC E S DA AMt RI CA LAT I NA
CUBA
Biotecnologia cubana segue un1 can1inho solitário*
KlMBERLY CARR / * resumo
Na década de 60, Cuba passou a ter um programa de ciência patrocinado pelo governo, atestando a importância atribuída à pesquisa científica pelo regime liderado por Fidel Castro. E 40 anos depois, pelo menos o campo da biotecnologia mostra que a aposta não foi inócua.
cos. Em testes estão também vacinas contra hepatite C, leptospirose e cólera. E há projetos para vacinas contra Haemophilus injluenzae, salmonella e dengue hemorrágica.
Depois da revolução, as universidades foram reformuladas para ensinar ciência e, nos anos 60 e 70, milhares de estudantes foram
Che Guevara fundou em 1964
O Instituto Cubano para a Pesquisa de Derivados da Cana-deAçúcar (ICIDCA) foi criado, em 1964, por Che Guevara com a expectativa de que os derivados algum dia se tornariam mais importantes que o próprio açúcar. Hoje, um dos novos produtos mais promissores de Cuba- o PPG, ou policosanol - é um 8-álcool ex
o laborarório para pesquisar derivados de cana-de-açúcar.
enviados ao exterior para receber formação científica avançada. Em 1965 era fundado o primeiro centro cubano de pesquisa multidisciplinar, o Centro Nacional para Pesquisa Científica (CNIC), e, em 1981, o trabalho de biotecnologia iniciava-se com a produção do intereferon-a .
Segundo o vice-ministro de ciência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente, Daniel Codorniú, Cuba investiu pelo menos US$1 bilhão em biotecnologia nos últimos 15 anos e, dos US$125 milhões do orçamento destinado à ciência este ano, 30% destinam-se a projetas ligados a biotecnologia, a maioria em pesquisa aplicada de terapias para problemas de saúde pública. Segundo funcionários do governo, a receita com exportação dos frutos dessa pesquisa já sustenta o programa de pesquisa em biotecnologia.
Boa parte da receita provém de dois produtos: a vacina para hepatite B, em processo de certificação pela OMS, exportada para mais de 30 países, e a única vacina conhecida em todo o mundo contra a meningite B. A exportação não era o objetivo principal desta última, mas Cuba começou a exportá-la em 1989, quando o Brasil teve uma epidemia da doença e pediu ajuda. Desde então, uma dezena de outros países a compraram e licenciaram. A vacina está sendo testada na Grã-Bretanha, e a SmithKline Beecham gostaria de fabricá-la em sua divisão da Bélgica. Por isso vem tentando conseguir isenção do embargo movido pelos Estados Unidos contra companhias que negociam com Cuba.
A vacinação é um fator decisivo do sistema de saúde pública do país, cujo programa de imunização infantil levou à erradicação de sarampo, caxumba e pólio, e a uma redução de 30 vezes na incidência da meningite. Vacinas são, assim, uma prioridade natural da biotecnologia cubana. Uma vacina contra o vírus da imunodeficiência humana, o HIV (direcionada contra a proteína virai gp120) está em testes clíni-
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traído da cera da cana. O PPG, cuja sigla deriva da expressão "producto para ganar", é um composto seguro para redução do colesterol. Já obteve registro em 26 países em desenvolvimento e não penetrou em outros devido à competição das companhias farmacêuticas internacionais.
Um dos principais institutos de biotecnologia, o CIM é o responsável por boa parte da pesquisa básica. Os cientistas cubanos estão interessados no sistema imunológico, especialmente em seu papel no câncer e em doenças autoimunes, e estão trabalhando no desenvolvimento de uma imunoterapia para câncer.
Para Fidel, "n.enhum sistema pode fazer progredir a ciência e a tecnologia mais do que o socialismo, porque nenhum outro pode buscar uma tal integração e cooperação de todos os cientistas, centros de pesquisa, profissionais, hospitais ... " O sistema político de Cuba certamente lhe permite direcionar a pesquisa de uma maneira impensável na maioria dos outros países. Mas suas desvantagens incluem o fato de a maior parte da pesquisa ser aplicada. E há pouco espaço para as pesquisas individuais. Na comunidade científica local, ninguém se queixa de qualquer aspecto do sistema a estrangeiros, e não está claro se têm a liberdade de criticá-lo internamente.
É difícil avaliar se o enfoque de C&T de Cuba tem sido um sucesso. O fator impacto da média dos artigos cubanos é 39% da média mundial, segundo os dados do ISI, em comparação com 55% no resto da América Latina. Esse fator dobrou nos últimos 12 anos, e é maior em algumas áreas: na farmacologia alcança respeitáveis 87% da média mundial.
A despeito da situação econômica difícil, exacerbada pelo embargo norte-americano, os cientistas cubanos estão fazendo um bom trabalho. Tiveram alguns êxitos comerciais com seus produtos e angariaram o respeito dos membros da comunidade científica internacional que colaboraram com eles.
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